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Newton Bignotto
Professor do Departamento de Filosofia da UFMG
com a natureza dos homens, que não são públicas, em particular a República Ro-
claramente explicitados, o que nos leva a mana, concebiam e organizavam a vida
desconhecer os conceitos básicos sub- de seus cidadãos na cena pública não po-
tendidos em muitas análises, ou, como de mais ser reproduzida nos dias de hoje
prefere Taylor (2000, p. 200), a “ontolo- (Elias, 1994, p. 130).
gia” pressuposta na concepção do mode- Essa constatação pode dar origem
lo de sociedade que desejamos. a duas maneiras de abordar o problema.
A principal dificuldade encontra- A primeira, que encontra sua ancoragem
da por aqueles que defendem a partici- em boa parte da tradição liberal desde
pação nos negócios públicos como mo- o século XVIII, faz coincidir a constata-
tor essencial das sociedades políticas li- ção da contínua retirada dos indivíduos
vres advém do fato de que a balança da cena pública com a progressiva reali-
eu-nós pendeu, de forma clara, ao longo zação da natureza humana. Ou seja, o
do século XX, para o pólo do indivíduo. processo histórico de desenvolvimento
Como afirma Elias (1994, p. 130): das sociedades capitalistas nada mais fa-
Atualmente a função primordial do termo ria do que realizar a tendência natural dos
‘indivíduo’ consiste em expressar a idéia homens a concentrar sua atenção em
de que todo ser humano do mundo é ou seus interesses particulares. Como que-
deve ser uma entidade autônoma e, ao rem alguns utilitaristas radicais, agir se-
mesmo tempo, de que cada ser humano é, gundo outra motivação do que aquela
em certos aspectos, diferente de todos os de- derivada dos interesses individuais é agir
mais, e talvez deva sê-lo. irracionalmente.
Esse processo de deslocamento em A segunda abordagem do proble-
direção à identidade-eu, que muitos iden- ma, mais próxima das considerações de
tificam com a própria formação da mo- Elias, parte do pressuposto de que a ba-
dernidade, traz conseqüências óbvias pa- lança eu-nós representa o que ele chama
ra a análise do lugar que a ação direta dos de um habitus, a maneira como responde-
indivíduos e de sua participação nos ne- mos à pergunta “quem sou eu?” (Elias,
gócios públicos ocupa na política das na- 1994, p. 154). Nesse sentido, os indivídu-
ções democráticas. Do ponto de vista os se vêem através de uma imagem que
histórico, ela fornece um indicador preci- foi sendo construída junto com outros
so de que a maneira como as antigas re- processos sociais e históricos e, por isso,
ja, a condenação dos ideais republicanos total atomização é na verdade uma im-
de participação nos negócios públicos e possibilidade para uma sociedade que pre-
de liberdade vivida como integração efe- tende continuar a ser livre.
tiva nos mecanismos de poder da socie- Colocando de outra forma nosso
dade como utópicos ou pouco realistas ponto de vista, diríamos que, diante dos
deriva de uma passagem indevida do ní- processos estudados, cabe lembrar, mais
vel de generalização que podemos con- uma vez com Elias (1994, p. 129), que não
ceder à idéia de atomização dos indivídu- podemos separar inteiramente indivíduo
os. Se a tomamos com uma manifestação e sociedade mesmo nas sociedades atuais,
de um processo necessário, estamos fa- e que por isso o quadro dos possíveis é sem-
zendo não apenas uma formulação que, pre mais amplo do que aquele oferecido
por sua generalidade, demanda uma de- pelas organizações políticas do presente.
monstração, que não se pode contentar É, portanto, como um possível que fala-
com a simples constatação do estado de mos de um conjunto de valores republica-
coisas em sociedades particulares em nos ancorados na ação política a na tradi-
contexto próprio, mas, sobretudo, abdi- ção, assim como não podemos deixar de
cando de analisar os pressupostos de or- lado o próprio desaparecimento das soci-
dem teórica que devem ser explicitados edades democráticas como um possível do
para que a concepção mais ampla sobre a estado atual de ordenação dos atores po-
natureza das comunidades políticas pos- líticos individuais. Nesse particular, as
sa ser investigada. observações de Hannah Arendt sobre a
O que gostaríamos de enfatizar é perda de identidade dos indivíduos nas
o fato de que o republicanismo, que ado- sociedades de massa permanecem atuais:
tamos como referência de análise, ser-
A verdade é que as massas surgiram dos
ve-se de fatos, como os até aqui lembra-
fragmentos da sociedade atomizada, cuja
dos, não para negar-lhes a realidade, mas
estrutura competitiva e concomitante soli-
para afirmar seu caráter problemático. dão do indivíduo eram controladas apenas
Ou seja, a atomização dos atores políti- quando se pertencia a uma classe. A prin-
cos implica tanto que ideais como os de cipal característica do homem da massa
participação e ação terão de encontrar não é a brutalidade nem a rudeza, mas o
um novo assento nas formações sociais, seu isolamento e a sua falta de relações so-
para poderem se efetivar, quanto que a ciais normais (Arendt, 1998, p. 366-367).
Uma das dificuldades com as con- Quanto à moça, ela vive num limbo impes-
siderações dos autores aos quais recorre- soal, sem alcançar o pior nem o melhor. Ela
mos está no fato de que elas partem da somente vive, inspirando e expirando, inspi-
pressuposição da alteração da balança in- rando e expirando (Lispector, 1996, p. 38).
divíduo-sociedade em situações nas qua- Sua vida se define como uma ausência,
is os dois pólos foram bem delimitados uma presença física que demanda muito
ao longo da História, o que torna percep- pouco para se inserir nas brechas da cidade.
tível a mudança nos pesos respectivos.
Ela nascera com maus antecedentes e ago-
Acreditamos poder nos servir das análi-
ra parecia uma filha de um não-sei-o-quê
ses de autores como Elias a condição de
com ar de se desculpar por ocupar espaço
não nos esquecermos de que nem o es- (Lispector, 1996, p. 38) .
paço público conheceu um momento áu-
reo entre nós, nem a condição de solidão O curioso da situação de Macabéa
e apatia das grandes massas urbanas brasi- é que mesmo a infelicidade é vivida co-
leiras reflete um processo de progressivo mo um luxo. A tristeza é para ela que
abandono de acirradas disputas na arena “nascera inteiramente raquítica, herança do ser-
pública. Nessas condições, a personagem tão” (Lispector, 1996, p. 43) um luxo de
Macabéa da obra citada pode servir como moça romântica ao qual não podia aspi-
um guia para nosso olhar sobre a socieda- rar. Sua vida transcorre em um mundo
de urbana contemporânea brasileira. no qual as esferas do indivíduo e da so-
Em primeiro lugar, é preciso ob- ciedade estão muito pouco definidas,
servar que a solidão é a marca de sua per- não pela erosão de suas potencialidades,
tença ao tecido urbano. Preocupado em mas pelo simples fato de que nunca exis-
ser o mais fiel possível à história da mi- tiram plenamente. A solidão de Macabéa
grante nordestina, o narrador nos fala é, portanto, de outra ordem do que aquela
cruamente de seu isolamento: do personagem de Auster; ela implica um
mergulho na sociedade industrial sem o
A pessoa de quem vou falar é tão tola que lastro de sua história. Não se trata assim
às vezes sorri para os outros na rua. Nin-
de uma ausência, de um passo anterior de
guém lhe responde ao sorriso porque nem
um processo que se constituiria à medida
ao menos a olham (Lispector, 1996, p. 30).
que a personagem deixasse o sertão para
Mais à frente, ele completa esse retrato: viver no Rio de Janeiro. O fato é que a ci-
dade grande reduz ao nada um indivíduo de, que lhe é oferecido por um cotidiano
que não chegou a se individuar: estafante e sem brilho, mas não deixa de
Nem se dava conta de que vivia numa so- desejar o olhar do outro, ou o prazer fur-
ciedade técnica onde ela era um parafuso tivo de contemplar uma paisagem urbana
dispensável (Lispector, 1996, p. 44). inesperada.4 Sua vida resumida não deixa
de gestar a vontade de realizar um pouco
Devemos resistir à tentação de fa-
de seu eu à maneira do narrador de Aus-
zer de Macabéa o símbolo da massa de
ter, que se constrói ao longo de seu mer-
migrantes que, tendo perdido a identida-
gulho pela linguagem. Macabéa aspira ao
de cultural que os unia ao interior do Bra-
convívio com os outros, mas, como os
sil, veio encontrar nos grandes centros
indivíduos plenos das sociedades ricas,
urbanos uma exclusão total dos proces-
goza ao máximo o luxo de ter seu peque-
sos políticos. Ela é muito mais do que is-
no mundo só para si. O momento de sua
so. Sua força elucidativa está justamente
solidão alcança uma generalidade insus-
em que não pode ser capturada pelas
peita para o leitor que até então a acom-
análises clássicas da formação e destrui-
ção do espaço público. Em sua solidão, panhara no vazio de um cotidiano feito
ela desconhece até mesmo a existência de de repetições:
uma vida vivida na e pela cidade. Tinha um quarto só para ela. Mal acredi-
Sua ausência de aspiração para a tava que usufruía o espaço. E nem uma
vida pública –“ela era calada (por não ter o palavra era ouvida. Então dançou num
que dizer) mas gostava de ruídos” (Lispector, ato de absoluta coragem, pois a tia não a
1996, p. 49) – não se traduz, no entanto, entenderia. Dançava e rodopiava porque
na ausência de aspiração pela vida na ci- ao estar sozinha se tornava: l-i-v-r-e! Usu-
dade. Da mesma maneira que as grandes fruía de tudo, da arduamente conseguida
massas brasileiras demonstraram apetite solidão, do rádio de pilha tocando o mais
alto possível, da vastidão do quarto sem as
4 “Mas parece-me que sua voraz pela integração em vários níveis
Marias (Lispector, 1996, p. 57-58).
vida era uma longa meditação de sociabilidade, sem com isso aspirar
sobre o nada. Só que precisava necessariamente a uma maior participa- O paradoxo que emerge desse mo-
dos outros para crer em si
ção política (Carvalho, 2002, p. 220-229) mento de felicidade de Macabéa é que
mesma, senão se perderia os
sucessivos e redondos vácuos segundo os moldes canônicos das de- ela atinge o mesmo ápice de fruição do
que havia nela” (Lispector, mocracias representativas, nossa perso- próprio eu do que aquele proporcionado
1996, p. 54). nagem desconfia do suco ralo de realida- pelo longo desenvolvimento dos indiví-
torno aos cumprimentos que dirigia na tia. O que importa marcar é a tendência
rua, uma identidade que a conectasse com de que o cidadão sem cidadania se en-
algo além do pequeno mundo insignifi- contre com o indivíduo atomizado das
cante do trabalho. grandes cidades no terreno antipolítico
Como ela, muitos brasileiros con- das relações privadas.
tinuam a reivindicar laços com um mun-
do que não os acolhe e que torna inefi-
cazes os velhos processos sociais basea- 3
dos em solidariedades locais e em víncu- A conclusão parcial à qual podemos che-
los familiares. Em seu abandono, ela nos gar é a de que a figura do indivíduo apáti-
aponta para os riscos que rondam a rela- co, distanciado do mundo público e cada
ção de muitos habitantes das sociedades vez mais dependente de pequenos rituais
capitalistas periféricas com o mundo da de construção do presente que, como su-
política. Nesse caso, não podemos falar gere Auster (1988), parece escapar por
de participação, uma vez que faltam as entre os dedos, é uma figura tipo, que nos
condições mínimas para a incorporação ajuda a apontar uma tendência consisten-
de uma parte importante da população à te da contemporaneidade, mesmo nas
cena pública. sociedades periféricas nas quais o proble-
Se certamente esse não é o resu- ma da participação se coloca de forma
mo dos processos sociais das últimas dé- bem diferente daquele das sociedades ri-
cadas no Brasil, ajuda-nos a pensar seus cas do Ocidente. Conquanto figura tipo,
riscos e a importância das discussões so- não podemos nos servir dela para com-
bre valores republicanos em sociedades preender processos políticos particula-
que não conheceram o esplendor da es- res, mas certamente ela aponta para a
fera pública. Não se trata de colocar a construção de uma cena pública que alte-
concepção republicana da democracia co- ra radicalmente os termos nos quais o
mo um ideal, aos moldes dos gregos, de pensamento republicano se consolidou
usar de suas referências para pensar pro- no curso dos últimos séculos. A apatia
cessos sociais, que não parecem ser estu- não é um destino das sociedades demo-
dados corretamente com o referencial cráticas, mas marca um limite para sua
teórico que preside muitas análises atuais existência. Sua plena realização, em qual-
dos defensores das democracias da apa- quer formação social, mesmo naquelas
tas pela Revolução, que derrubara antigas ceses dos primeiros anos da Revolução,
barreiras e destruíra privilégios de classe ele mergulha na chance que lhe parece
e permitira a muitos sonhar com uma no- oferecer a História, disposto a fazer todos
va posição na sociedade. Gamelin é um os sacrifícios sem exigir nada em troca.
pintor medíocre, discípulo de David, Sua adesão aos princípios revolucioná-
membro da seção do Pont-Neuf, onde rios de liberdade, igualdade e fraterni-
exerce militância discreta, mas entusiasta dade não depende de uma recompensa
em favor da Revolução. Na primeira par- imediata, mas de uma promessa, que não
te do romance, seu grande mestre é Ma- pode ser quebrada sob pena de ver a pá-
rat, que chega a distingui-lo com uma tria e suas conquistas serem destruídas.
atenção especial: Embora envolvido com os traba-
Ele venerava, amava Marat que, doente, lhos de sua seção, Gamelin permanece
com as veias em fogo, devorado pelas úlce- boa parte do romance como um mem-
ras, gastava o resto de suas forças a serviço bro modesto das classes que ascenderam
da República e, em sua pobre casa, aberta na vida política francesa sem terem rece-
a todos, o acolhia de braços abertos, lhe fa- bido benefício direto da nova situação. O
lava com atenção ao bem público e o in- artista vive à beira da miséria ao lado de
terrogava por vezes sobre os planos dos ce- sua mãe. Junto com outros habitantes de
lerados (France, 1989, p. 79). seu bairro, ele faz longas filas para obter
O patriotismo do personagem não pão, bem que se tornara escasso em Pa-
tem nada de especial nesse momento. ris. O que cabe observar nesse momento
Ainda que ele não esteja disposto a acei- é que Gamelin não possui características
tar críticas à Revolução nem mesmo à especiais que pudessem distingui-lo en-
contraposição da obra revolucionária ao tre os que haviam adotado os ideais dos
bom senso pragmático dos homens de novos tempos. Sua radicalidade não deri-
negócio, como Jean Blaise, que lhe diz va nem de uma adesão pensada a um sis-
“você vive no sonho, eu na vida” (Fran- tema filosófico complexo, como seu ami-
ce, 1989, p. 67), Gamelin se mostra o go Brotteaux, que fazia de Lucrécio seu
tempo todo um convertido aos novos mestre em todas as questões, nem de um
princípios, a ponto de fazer seu interlo- conhecimento aprofundado das alavan-
cutor se lembrar do perigo que corre em cas da política. Ele vive os novos tempos
se mostrar cético quanto ao futuro da Re- confiando nas novas idéias e nas diretri-
volução. Mas, como muitos cidadãos fran- zes que ouve de seus heróis. Imerso na
ação e no desejo de uma nova era, não Ora, em que pese à densidade do
lhe ocorre pensar nos riscos e nas possi- personagem, seu amor por Elodie, Ga-
bilidades do processo que está vivendo. melin não demonstra ser capaz de refletir
Embora seja um elo insignificante da ca- sobre o que vive. Em suas discussões
deia revolucionária, ele vive sua vida entre com Brotteaux, ele opõe à sofistificação
a privacidade de uma família modesta, o de Lucrécio uma fé ingênua nos novos
amor por uma jovem, e as ações que cum- valores. A imersão na ação parece ser-
pre na seção do bairro. Sua devoção é ce- vir-lhe de guia em um mundo do qual
ga porque Gamelin não vê como a França não consegue escapar, mas também não
poderia retornar ao estado anterior ou compreende inteiramente (France, 1989,
mesmo escolher um novo destino sem ver p. 93). Desse ponto de vista, ele parece
destruídas todas as suas conquistas. demonstrar a tese de Charles Taylor quan-
A posição do jovem pintor é in- to à importância das instâncias simbóli-
teressante exatamente por mostrar uma cas e imaginárias na formação dos indiví-
inscrição na cena pública que não difere duos e dos agentes políticos. Para ele,
em muito de vários momentos da Histó- a forma de ação dos membros de uma
ria nos quais a participação de um núme- comunidade será sempre o produto das
ro maior de cidadãos nas esferas políticas condições objetivas de acolhimento dos
mudou-lhe a face. O adorador de Marat atores nos mecanismos institucionais da
se inspira no modelo dos heróis, mas não arena pública e os caminhos pelos quais
pretende ele mesmo ser herói. Se seu fa- essas formas são representadas pelos in-
natismo já mostra os riscos de sua condi- divíduos e a representação que eles têm
ção e a eficácia da propagação de uma de si mesmos (Taylor, 2003).9 Gamelin é
nova visão de mundo, ele é antes de tu- desse ponto de vista exemplar na dialéti-
do um homem comum imerso na ação, ca entre valores aceitos e formas de ação.
um indivíduo que se guia por idéias abs- Mas os verdadeiros riscos conti-
tratas, mas conectadas intimamente aos dos no elogio da ação revolucionária se
processos que se desenvolvem na socie- encontram no momento em que ele dei-
dade na qual luta para sobreviver. Game- xa o terreno da ação com seus pontos
lin aponta assim para a condição dos ci- obscuros e sua natural mutabilidade, para
dadãos comuns em um Estado no qual o encontrar uma teoria que se converte em 9 Para uma análise de suas
engajamento na cena pública é um requi- explicação total de toda vida social. Para posições, ver Souza (2003,
sito para sua sobrevivência. Gamelin essa virada dar-se-á no momen- p. 23-61).
a ser eliminado. Num sentido muito cla- ções de grandes dimensões se mostrou
ro, o jacobinismo se converte para ele ainda mais radical nas sociedades de mas-
numa salvação da política, numa reden- sa. O que importa, no entanto, nesse mo-
ção para as dificuldades de se viver inten- mento, é notar que os modelos de rela-
samente os impasses de uma sociedade ção indivíduo-sociedade estudados são o
política. Dizendo de outra forma, o jaco- produto de concepções sobre os funda-
binismo é necessariamente um caminho mentos das sociedades políticas, que não
para a destruição da arena pública, e não podem ser aceitos como parte de uma
sua realização. Nos termos de nossos ar- natureza intrínseca de nosso tempo. Co-
gumentos, ele é uma teoria anti-republi- mo sugere Charles Taylor, o que está em
cana, e não sua realização plena como questão é na verdade uma disputa entre o
pretenderam alguns. que chama de “ontologias” concorrentes
(Taylor, 2000, p. 198-199).
Uma conclusão de nosso percurso
4 é a de que a plena realização das figuras ti-
O estudo das duas figuras tipo empreendi- po aqui estudadas conduz à destruição
do até aqui permite visualizar o impasse das sociedades livres e impede o desen-
no qual se encontram os que gostariam volvimento de qualquer uma de suas for-
de afirmar um modelo de república base- mas. Tanto a pura apatia quanto a entrega
ado no elogio da participação e na prece- total à ação e à idéia de construção volun-
dência da ação na definição da relação tarista dos laços sociais incapacitam os
dos indivíduos com o mundo político. atores a respeitar o valor básico da liber-
Como vimos, a simples afirmação de que dade, independentemente de que ela seja
a participação nos negócios públicos é concebida à maneira dos liberais como
um bem em si mesmo esbarra no fato de ausência de constrangimento ou à ma-
que as sociedades contemporâneas dei- neira dos defensores da república.
xam pouco espaço para a interação direta Nesse sentido, é preciso afirmar
dos indivíduos com os mecanismos de que o herói revolucionário jacobino é fru-
decisão tanto em âmbito nacional quan- to de um republicanismo que se destrói ao
to internacional. O fenômeno observado se realizar. Insistir, portanto, em acusar o
desde o século XVIII por pensadores anacronismo das concepções republica-
franceses, neles incluído Rousseau, de nas atuais com base nos resultados da
que a democracia direta dos antigos se ação dos jacobinos – tomados na acepção
tornou um modelo irrealizável nas na- anteriormente estudada – é lançar mão de
Referências bibliográficas