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INTERIOR
DA ESCOLA
Sobre a Autora
Nota de Edição
Optou-se, na maior parte das vezes, por manter a tradução literal do francês para o português
de alguns termos, de modo a não prejudicar o sentido do texto, respeitando o contexto no qual a
pesquisa foi produzida. Este foi o caso da expressão “estabelecimento escolar” que foi mantida em
lugar de “instituição escolar”, esta última muito mais apropriada ao entendimento, no nosso país, do
que significa, na realidade, uma escola.
Ainda, sempre que permitido, e somente na primeira vez em que aparecem, os termos origi-
nalmente em inglês foram traduzidos para a expressão mais próxima possível em português.
Acreditamos que, ao proceder deste modo, convidamos o leitor a estar um pouco mais imerso
no ambiente em que ocorreu a pesquisa e mais perto das observações e conclusões a que chegou a
autora.
ISBN 978-85-7307-855-8
CDU 37.018.48:371.21
Tradução:
Jeni Wolff
Reimpressão 2007
2001
Obra originalmente publicada sob o título
Innover au coeur de l’établissement scolaire
© ESF éditeur, 1998
ISBN 2-7101-1468-2
Capa:
Mário Röhnelt
Preparação do original:
Maria Lúcia Barbará
Leitura final:
Maria Rita Quintella
Supervisão editorial:
Mônica Ballejo Canto
Editoração eletrônica:
Art & Layout – Assessoria e Produção Gráfica
SÃO PAULO
Av. Angélica, 1091 - Higienópolis
01227-100 São Paulo SP
Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
Prólogo
E
sta obra é fruto de um trabalho de campo de uns 20 anos, durante os quais
estive implicada na concepção, coordenação, avaliação ou na simples ob-
servação de múltiplos processos de mudança dos sistemas educativos na
Suíça e em outros lugares. Evocarei, mais precisamente, meu papel de coordena-
dora da renovação do ensino fundamental em Genebra, de 1994 a 1999, dentro do
Grupo de Pesquisa e Inovação e do Grupo de Condução da Renovação. Esses
anos de exploração suscitaram um debate permanente sobre os processos de ino-
vação e alimentaram minha própria reflexão, que agora se prolonga no LIFE –
Laboratoire Innovation – Formation – Enseignement, recentemente criado na Uni-
versidade de Genebra1.
Muitos de meus trabalhos empíricos foram objeto de monografias, outros
estão em curso. Não os retomarei aqui detalhadamente, pois viso, antes, a uma
síntese provisória. Essa proximidade da área foi, ao mesmo tempo, seu motor e
anteparo. Motor, porque a observação cotidiana das dinâmicas e a preocupação
em contribuir para sua regulação permitiram-me refletir sobre os paradoxos da
mudança no campo escolar, paradoxos que necessitamos conhecer a fim de evitar
tanto o cinismo do inovador decepcionado quanto o otimismo ingênuo do
reformador voluntarista. Anteparo, porque a convivência nos estabelecimentos
escolares dissuade para sempre simplificações que explicam o fracasso das refor-
mas pelas “resistências irracionais à mudança” ou o “conservadorismo visceral
dos docentes”. Encontrei muitos profissionais empenhados na mudança, mas às
voltas com suas próprias ambivalências e as contradições do sistema educativo.
Mudar, preservando sua identidade, é sem dúvida o desafio principal com que a
vida confronta não só as pessoas, mas também as organizações.
1
(http://www.unige.ch/fapse/SSE/groups/life).
vi PRÓLOGO
O
reforço do papel dos estabelecimentos escolares na gestão do sistema edu-
cativo representa uma das importantes mudanças paradigmáticas dos 20
últimos anos. Os países mais centralizados inspiram-se na experiência dos
países anglófonos e norte-americanos, em que se reconhece de longa data uma
certa autonomia dos estabelecimentos. Maior é seu interesse porquanto as novas
teorias da gestão pública tendem a conferir maiores responsabilidades em nível
local, a conciliar melhor autonomia e controle para garantir a qualidade dos servi-
ços e melhor satisfazer os usuários.
Tais teorias contribuíram, mais efetivamente do que qualquer difusão da pes-
quisa em ciências humanas, para convencer os poderes organizadores do aspecto
antiquado dos modelos burocráticos e da urgência em introduzir outros modelos
de gestão. Acrescenta-se a isso uma tradição de pesquisa sobre os estabelecimen-
tos escolares, a qual produz numerosos dados sobre a diversidade de funciona-
mento e de seus efeitos sobre a eficiência do ensino.
O reconhecimento da escola como nó estratégico não é exclusivamente mo-
tivado por uma adesão às grandes causas humanitárias e éticas, como a luta contra
o fracasso escolar ou a prioridade concedida à formação das futuras gerações. Em
grande número de casos, ele é desencadeado por um motivo menos elevado e,
freqüentemente, menos confessável: a vontade das autoridades escolares de afir-
marem sua firme determinação de modernizar o sistema educativo. Para elas, tra-
ta-se de vencer a aposta em uma escola que melhore mesmo em período de auste-
ridade; de recorrer a meios de incitação pouco custosos (autonomia de gestão
mais forte e início de desregulamentação) para quebrar a monotonia; de impedir o
afundamento nas rotinas; de mobilizar a base, garantindo-lhe um avanço na parti-
10 MONICA GATHER THURLER
energia para impedir seus superiores de “ver” do que para mudarem suas práti-
cas. Segundo este autor:
[...] Trabalhamos dentro de estruturas de ontem, com métodos de hoje, para
resolver problemas de amanhã, essencialmente com pessoas que estabeleceram, den-
tro de culturas de anteontem, aquelas estruturas de ontem e que nunca conhecerão o
futuro de nossos empreendimentos (Sprenger, 1992, p.43, trad. M. Gather Thurler).
De acordo com esse autor, a maior parte das teorias psicológicas da motiva-
ção – inclusive a teoria das necessidades de Maslow (1954) – continuam muito
marcadas pela postura elitista adotada por seus conceptores. Os perfis dos qua-
dros inovadores motivados, abertos e que se encontram no alto da pirâmide das
necessidades opõem-se, assim, aos perfis dos assalariados de base que, se não
recebem incitações motivantes do topo, correm o risco de vegetar em um estado
anômico de manutenção do status quo. A maioria das teorias modernas da moti-
vação e do manejo continua, assim, a ser construída baseando-se em concepções
organizacionais, ao mesmo tempo utópicas e racionalistas: os colaboradores não
são realmente levados a sério como parceiros de acordo e de negociação, mas
percebidos e tratados segundo os princípios “da vara com a cenoura”;* a descon-
fiança que a manipulação gera nos assalariados de base continua a caracterizar
suas relações com o ambiente; os dirigentes continuam a ignorar as conseqüên-
cias dessas atitudes a médio e longo prazo, persuadindo-se de que desenvolveram
um espírito de empresa que tocou cada um de seus colaboradores.
Perrenoud (1996a) também alerta, contra as interpretações puramente psicoló-
gicas e limitadas ao funcionamento que o conceito de motivação oferece. Sugere,
especialmente, “desgrudar-se” das imagens prontas e associadas a esse conceito e
tentar encontrar outra linguagem e uma abordagem menos normativa, mais construti-
vista, interdisciplinar e aninhada em uma visão psicossociológica da organização e da
influência exercida por esta última sobre a maneira de pensar e agir do indivíduo:
[...] As necessidades, os desejos, as vontades, os interesses derivam tanto de
uma abordagem antropológica e sociológica, em termos de integração a uma comu-
nidade, a uma cultura, a uma classe social, a uma organização, quanto em termos de
estratégias de atores, de relações de poder, de conformismo (p. 24).
Até uma abordagem menos ingênua da motivação ou da mobilização, mais res-
peitadora das pessoas, realmente na escuta do que elas pensam não bastaria para
fundamentar uma estratégia de inovação. Simplesmente, porque ela superestima con-
sideravelmente a influência da comunicação sobre as representações e as práticas. Os
estudos da persuasão, conduzidos em psicologia social e em sociologia das comuni-
cações de massa (Habermas, 1981; Hovland e Janis, 1966; Katz e Lazarsfeld, 1955),
mostram que o efeito de uma mensagem depende, evidentemente, do meio de comu-
única que o inspira, as relações sociais com que se preocupa não se resumem
àquelas que mantém com seus colegas de trabalho; suas conversas sobre as práti-
cas pedagógicas não se limitam ao que ocorre em sua escola. Entretanto, o esta-
belecimento escolar é seu principal local de trabalho; ele passa ali um grande
número de horas e retira dali parte de sua identidade profissional. Há, pois, razões
para pensar que a cultura, a dinâmica, o clima e o funcionamento de seu estabele-
cimento têm grande influência na maneira como ele constrói o sentido da mudança.
Trata-se aqui da mudança projetada, considerada antes de ser realizada. Os
seres humanos são capazes de imaginar não apenas a maneira como fazem atual-
mente o que têm de fazer, mas de considerar outras, mais ou menos confusamen-
te. Mesmo quando não têm imagens precisas de uma prática alternativa, podem
pensar em agir de modo mais eficiente, estético, harmonioso, econômico, livre,
racional ou humano e, às vezes, ir buscar novos métodos ou maneiras de fazer.
Essas imagens de outra prática são particularmente comuns em uma cultura como
a nossa, caracterizada ao mesmo tempo pelo individualismo, a natureza reflexiva
de si (Giddens, 1991) e a onipresença da idéia de projeto (Boutinet, 1993; Bou-
veau e Rochex, 1997; Bouvier, 1995; Rochex, 1992).
Nem todas as culturas levam o indivíduo a considerar-se como uma pessoa
única, consciente de seu destino e de sua identidade singular, capaz de tornar-se o
que ainda não é, de aprender o que não sabe, de conseguir amanhã o que ele não
domina hoje. A idéia de mudança existe por toda parte, mas apenas as sociedades
míticas fizeram, da mudança projetada e depois realizada, uma relação comum
com a existência e o futuro. Logo que aprendem a falar, as crianças são convida-
das a se projetarem no futuro, escolherem o que pretendem ser mais tarde, “colo-
carem-se no projeto” e estudarem bastante para realizá-lo. Ao crescerem, serão,
muitas vezes, levadas a mudar para se adaptar a novos contextos, horários, rela-
ções, costumes e desafios.
Nessa perspectiva, considerar uma mudança de sua prática parece então tri-
vial: apenas as pessoas extremamente rígidas são incapazes de encará-la, por menor
que seja. As outras imaginam mudanças mais ou menos consideráveis de sua vida
e de suas práticas, mas não passam necessariamente ao ato. Os projetos de mu-
dança fazem parte de nossa relação com o mundo, porém nem todos se realizam.
Isso porque a mudança tem um custo. Ela supõe novas aprendizagens, riscos de
fracasso, uma perda provisória de rotinas e de referências, o luto de certos hábi-
tos, uma fase de mínima eficiência. Às vezes, os riscos são ainda maiores: nova
identidade, nova inserção social, obrigação de encontrar novas marcas. Adapta-
ções menores aos transtornos da existência, toda mudança projetada é fonte de
ambivalência e não se mostra, ipso facto, como um ganho à altura de seu custo.
Desde a infância, desenvolvemos a arte de pesar os prós e os contras e a hesitar
entre o status quo e a mudança.
Somos levados, mais facilmente, a considerar a mudança das práticas do
outro e, portanto, também, dos valores, das crenças, dos conhecimentos e das
representações que as embasam. A mudança do outro é o que está em jogo em
uma parte das relações sociais. Está evidente em uma relação educativa ou tera-
INOVAR NO INTERIOR DA ESCOLA 19
pêutica, nos pais em face de seus filhos, no seio do casal, em um superior hierár-
quico diante de seus colaboradores. Está subjacente na maior parte das outras
relações; logo, a mudança do outro poderia facilitar nossa vida e, antes de tudo,
dispensar-nos de nossa própria mudança. A mudança de si e a do outro estão, perma-
nentemente, em equilíbrio e muitas vezes parece-nos preferível que os outros evo-
luam, de sorte que nossos objetivos sejam alcançados ou nossos problemas resolvidos
sem exigir de nossa parte a mínima mudança. Uma parte importante das transações
interpessoais se estabelece em torno desta questão: quem deve mudar?
Os pesquisadores vinculados ao grupo de Palo Alto, sob o impulso teórico
de Bateson (1977) e de sua Ecologie de l’esprit, chamaram atenção para as rela-
ções entre comunicação e mudança social, insistindo particularmente nos proble-
mas de transmissão da informação, do significado e sentido do dito e do não-dito
e seus efeitos sobre os comportamentos e as relações entre os atores. Se cada um
pode pensar em mudar o outro, ele deve esperar a recíproca, mesmo que nem
sempre haja simetria. O poder consiste, especialmente, em impor ao outro a mu-
dança, sem lhe conceder, em troca, a mesma influência.
Quando os atores coletivos consideram reformas que supõem que todos os
membros, ou parte deles, mudem de práticas, o projeto é objeto – exceto nos
sistemas totalitários – de um debate e uma negociação que obrigam a explicitar os
prós e os contras e que levam a uma forma de decisão coletiva de acordo com
regras legítimas. As mudanças decididas coletivamente impõem-se aos indiví-
duos com força maior, que pode ser a da lei ou a do regulamento interno. Toda
reforma se traduz, em última instância, em novas práticas. Às vezes, isso diz res-
peito apenas a uma minoria; outras vezes, todos os atores estão implicados. As
reformas do sistema educativo situam-se entre esses dois extremos. Algumas
mudam poucas coisas no trabalho dos professores ou só atingem uma minoria,
como, por exemplo, a criação de novos requisitos. Outras dizem respeito, poten-
cialmente, a todos os professores, como, por exemplo, quando o sistema preconi-
za recorrer às novas tecnologias, ao diálogo com os pais, a uma avaliação mais
formativa e até mesmo a uma revisão dos planos de estudos.
Os professores, como todos os profissionais inseridos em uma organização,
devem, portanto, determinar-se em relação a mudanças cujas fontes são diversas:
• Algumas mudanças são consideradas pelo docente individual sem que ne-
nhuma outra pessoa as tenha sugerido; elas nascem de sua reflexão sobre
a prática. Por exemplo: em face de problemas de disciplina, ele projeta ser
mais explícito sobre suas expectativas e estabelecer regras claras.
• Outras são encaradas porque a cultura ambiente as propõe, porque estão
“no ar”, porque cada um é convidado a interrogar-se se está implicado, se
vai adotar ou não, imediatamente ou mais tarde, todo ou em parte, as
inovações faladas. Por exemplo: alguns professores praticam o “plano de
trabalho”, sistema que oferece aos alunos tarefas individuais a serem
realizadas em aula, em um certo número de períodos durante os quais
o professor funciona como pessoa-recurso; quando tal abordagem pe-
20 MONICA GATHER THURLER
além disso, mostrar que desenvolver e manter uma cultura de cooperação profis-
sional no estabelecimento escolar não é empresa fácil, visto que se trata de uma
clara ruptura com as representações comuns em termos de identidade profissional.
O Capítulo 3, “A relação com a mudança na cultura do estabelecimento es-
colar”, mostra que organizar a mudança no estabelecimento é levar em conta sua
cultura, identificar a maneira pela qual os atores percebem e descrevem a realida-
de, reagem à organização, aos acontecimentos, às palavras e às ações, interpre-
tam-nas e conferem-lhes sentido.
O Capítulo 4, “Um estabelecimento escolar em projeto”, parte da idéia de
que, para sobreviver à fase de desestabilização representada por toda mudança
importante, é conveniente que os atores coletivos consigam inscrever a inovação
em um procedimento de projeto realista e criar as condições necessárias para rea-
lizar seus objetivos. Eles conseguem isso quando se posicionam como atores cole-
tivos diante do sistema, desenvolvendo uma forte identidade e seu próprio projeto.
O Capítulo 5, “Liderança e modos de exercício do poder”, mostra que, no
campo escolar como em outras partes, as representações do poder, da influência,
da autoridade e da liderança estão onipresentes. Os estabelecimentos escolares
que se engajam em um processo de mudança eficiente deverão construir uma
nova visão da gestão das relações de força e, se possível, substituir a liderança
autoritária por uma liderança cooperativa, capaz de implicar o conjunto dos atores
no processo de mudança.
O Capítulo 6, “O estabelecimento escolar como organização aprendente”,
tenta combinar três correntes: a exploração cooperativa como modo de profissio-
nalização, o cuidado com a eficiência da transformação das práticas pedagógicas
e a concepção da escola como organização de aprendizado.
A conclusão, “Mudar os estabelecimentos escolares para que eles mudem a
escola: um paradoxo?”, vai oferecer algumas pistas para inflectir gradualmente a
cultura e o funcionamento dos estabelecimentos escolares. Evidentemente, have-
rá o esforço de manter uma postura coerente: se toda mudança só se torna efetiva
quando tem sentido, as transformações da cultura e do funcionamento dos estabe-
lecimentos não poderiam ser então impostas...
Notas
1 As análises contidas nesta obra estão essencialmente baseadas em observações nos esta-
belecimentos de ensino fundamental. Pensamos, contudo, referindo-nos a pesquisas rea-
lizadas por muitos outros autores nos estabelecimentos de ensino médio, que a grande
maioria dos elementos evocados pode muito bem aplicar-se a estes últimos, mediante
algumas adaptações.
2 Prost, Innovation, changement, réforme, 1996. Texto de uma conferência feita no âmbito da
Biennale de l’ Éducation de Paris [Bienal da Educação de Paris] e editado em CD-ROM.
3 Segundo esses mesmos autores, 80% das inovações não produzem mudanças duráveis.
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