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Pesquisa-intervenção cartográfica e micropoltica do cotidiano

Roberta C. Romagnoli 1

Desde seu surgimento a ciência se vê às voltas com a compreensão da realidade, para


transformá-la e conseguir reproduzir continuamente e com eficácia esse processo de mutação.
Inicialmente tendo como enquadre o paradigma moderno, que se sustenta na razão e na busca
da verdade para se alcançar o progresso, essa vertente busca abarcar de forma pode-se dizer,
arrogante, a totalidade do mundo (Veiga-Neto, 2002). No campo da Psicologia, havia e, ainda
há seguidores desse paradigma, que mitificam a racionalidade, seja de maneira estritamente
objetiva, como nas pesquisas experimentais, seja pela consciência para se chegar à essência,
como nas pesquisas fenomenológicas, seja pelo conhecimento das relações sociais, para se
chegar à desalienação, como na pesquisa ação. Guardadas as devidas diferenças, que não são
poucas, essas vertentes de pesquisas buscam a explicitação de verdades acerca do seu objeto
de estudo, embora operem, de fato, recortes acerca dessa realidade, reducionismos
fundamentados em correntes teóricas coerentes e metodologias rigorosas.
Cabe ressaltar que durante muito tempo as pesquisas baseadas nos pressupostos
modernos, a saber: objetividade, causalidade, sistematização e produtividade, embasaram a
produção de conhecimento em nosso país, e ainda aparecem no cenário acadêmico de forma
dominante. Essas pesquisas, de maneira geral enfatizam a dissociação da produção de
conhecimento com a realidade, a separação do sujeito e objeto, a negação da complexidade e
a necessidade de prover em primeiro plano, o espaço acadêmico com seus produtos
intelectuais.
Em livro não tão recente, tendo em vista que a primeira edição data de 1987, Santos
(2002) já assinalava a crise da ciência, com questionamentos acerca das suas reais virtudes, e
do valor do conhecimento para dar sentido às nossas práticas cotidianas, ao nosso exercício
profissional. Denunciando o fim de um ciclo de hegemonia de certa ordem científica, o
referido autor demonstra forte preocupação com a contribuição efetiva da produção científica
para a construção de uma sociedade melhor. Nesse sentido o autor defende, nessa fase de
transição, que:

1
Psicóloga, Professora do Programa de Mestrado em Psicologia da PUC-Minas, Mestre em Psicologia Social
pela UFMG, Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP. E-mail: robertaroma@uol.com.br
“Sendo uma revolução científica que ocorre numa sociedade ela
própria revolucionada pela ciência, o paradigma a emergir dela não
pode ser apenas um paradigma científico (o paradigma de um
conhecimento prudente), tem de ser também um paradigma social (o
paradigma de uma vida decente) (SANTOS, 2002, p. 37)”

Tratar de uma vida decente é também tratar da complexidade da realidade, para, de


fato, tentar abarcar a vida, o cotidiano, e, assim, a produção de conhecimento contribua não só
para o espaço acadêmico, mas, sobretudo para as práticas reais que se efetuam amparadas em
uma ciência. A lógica reducionista do paradigma moderno, que sustenta a forma ainda
dominante de fazer pesquisa, é chamada por Morin (1983) de paradigma da simplificação,
uma vez que opera por disjunção e redução, gerando uma leitura da realidade ordenada e
simplificada. Nessa lógica, a realidade é apreendida de forma fragmentada e a disjunção
separa o objeto do meio, subjetivo e divide o que vai ser estudado em categorias e disciplinas
que não se interagem. Presenciamos ainda a redução do complexo ao simples, com o que se
chega a uma unificação abstrata que anula a diversidade. Tanto a disjunção quanto a redução
afastam do campo de pesquisa a complexidade, que, efetivamente, faz parte de toda e
qualquer realidade. Esta implica em uma abordagem não dualista, que não faz a separação
ente natureza/cultura, objetivo/subjetivo, e insiste na produção de um conhecimento local e
transitório que reconhece a necessidade de uma pluralidade metodológica. Ou seja, a
complexidade é um desafio, que considera o irredutível, o não homogêneo e a imperfeição,
conhecendo a realidade através das incertezas, dos problemas e das contradições.
Nessa mesma vertente, agora já no Brasil, e em uma época mais próxima, Barros e
Lucero (2005) problematizam a questão da pesquisa em psicologia e seus efeitos produzidos
nos plano político e subjetivo, uma vez que consideram estes inseparáveis. Fazendo uma
crítica à produção de conhecimento hegemônica pautada na racionalidade e na verdade, como
foi exposto acima, os autores revelam a manutenção de modelos padronizados em psicologia,
dissociados das nossas práticas e que desconsideram a transformação das formas sociais
instituídas. Recentemente foi publicado ainda o livro Pesquisa-intervenção na infância e
juventude, com uma coletânea de textos acerca da pesquisa intervenção na infância e
juventude a partir dos pressupostos teóricos, da psicanálise, da psicologia comunitária, do
desenvolvimento cognitivo, dos institucionalistas, da clínica (CASTRO & BESSET, 2008).
Todos esses trabalhos têm como ponto central de discussão, o fato de que a produção de
conhecimento em uma pesquisa é indissociável de uma mudança na realidade estudada.

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Como vimos acima, questões como complexidade, transdisciplinaridade,
indissociabilidade teoria-prática, conhecimento-intervenção e pesquisador-pesquisado, são
indagações cada vez mais emergentes no campo da Psicologia e em suas pesquisas. Para
tentar apreender mesmo que transitoriamente os pontos levantados acima, podemos trabalhar
com a cartografia, método proposto por Deleuze & Guattari (1995), utilizado em pesquisas de
campo voltadas para o estudo da subjetividade (Kastrup, 2008; Mairesse, 2003; Kirst,
Giacomel, Ribeiro, Costa, Andreoli, 2003). A cartografia se apresenta como valiosa
ferramenta de investigação por abarcar a complexidade e a zona de indeterminação que a
acompanha, colocando problemas, investigando o coletivo de forças em cada situação,
esforçando-se para não se curvar aos dogmas reducionistas e nem separar a teoria da prática, o
pesquisador do pesquisado (Romagnoli, no prelo). Contudo, mais do que procedimentos
metodológicos delimitados, a cartografia é um modo de conceber a pesquisa e o encontro do
pesquisador com seu campo. O que equivale a dizer que a cartografia parte sempre da
implicação do pesquisador e é sempre uma intervenção, pois aposta na construção de
intercessores, no rastreamento de interferências e diferenças e na efetivação de agenciamentos
(Paulon, 2005). Vale lembrar que essa busca se faz em torno de movimentos, de processos
complexos e situações cotidianas. Nesse contexto, esforça-se por desestabilizar as fronteiras
entre pesquisador e campo, para que, nessa passagem emirjam focos de invenção, de
alteridade.
Em contraposição a uma forma de pensar dicotômica, e fundamentando-se nas idéias
de Deleuze e Guattari (1996) essa vertente convoca a imanência, a exterioridade das forças
que atuam na realidade, buscando conexões, abrindo-se para o que afeta. Nesse sentido, a
subjetividade deve ser pensada como um sistema complexo e heterogêneo, constituído não só
pelo sujeito, mas também pelas relações que este estabelece. Essas relações denunciam a
exterioridade de forças que incidem sobre cada um de nós e sobre nossos objetos de estudos, e
atuam rizomaticamente, de uma maneira transversal, ligando processualmente a subjetividade
a situações, ao coletivo, ao heterogêneo. A subjetividade é constituída por múltiplas linhas e
planos de forças que atuam ao mesmo tempo: linhas duras, que detêm a divisão binária de
sexo, profissão, camada social, e que sempre classificam, sobrecodificam os sujeitos,
correspondendo ao que está instituído, estabelecido; e linhas flexíveis, que possibilitam o
afetamento da subjetividade e criam zonas de indeterminação, permitindo-lhe agenciar,
podendo criar linha de fuga que trazem o novo. (Deleuze & Parnet, 1998). Nesse território
subjetivo, diluem-se as dicotomias indivíduo−grupo e grupo−sociedade. De fato, o indivíduo,
o grupo e a sociedade são apenas alguns modos de subjetivação possíveis, e insistir nessas

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categorias é uma estratégia que reduz a um modelo os componentes múltiplos e transversais
da subjetividade. Ou seja, a subjetividade é sempre tecida no campo social, povoado de
entidades incorporais, acontecimentos.
Esse raciocínio aborda ainda a realidade através de superfícies, de planos simultâneos
que coexistem sem hierarquia nem determinação. O plano de organização corresponde ao que
está instituído socialmente de forma molar, ordenando o mundo e a subjetividade em
segmentos, estratos, de maneira dicotômica e dissociativa, codificando-a, registrando-a em
processos classificatórios, via operações de transcendência, que formam estratos, segmentos
que homogeneízam os fluxos da vida. Nessa superfície, os fluxos são presos a códigos, e cada
termo ganha sentido opondo-se a outro. Por outro lado, o plano de consistência é o plano
invisível de expansão da vida, composto pelas forças moleculares e invisíveis que atravessam
o campo social. É nesse plano que se dão os encontros e os agenciamentos que vão gerar
novos sentidos, novas formas de expressão e promover a resistência ao que tende a se
reproduzir no plano de organização. Nessa superfície não há oposição, mas os fluxos se
encontram em uma variação contínua de intensidades. Esses dois planos se apóiam no plano
de imanência, que dá suporte às relações entre as forças componentes da realidade, molares e
moleculares, compondo o “meio” em que tudo se dá – dimensão de fluxos, segmentos,
rupturas e conexões.
É necessário salientar que os fluxos, em estado de imanência, estão presentes em todos
os planos, e o que se altera é sua composição: segmentar, estratificada, no plano de
organização e fluida, conectiva, no plano de consistência. Segundo Deleuze & Guattari
(1996), a forma segmentar estanca a circulação da vida e opera cortes e recortes que
produzem o modo estabelecido de nos colocarmos no mundo, tendo como objetivo
estabelecer métodos de hierarquização e de organização. Por outro lado, a forma fluida é
mutante e criadora e corresponde à possibilidade de agenciar, de construir uma linha de fuga,
outro território existencial. O plano de organização sustenta as linhas duras da subjetividade,
enquanto o plano de consistência sustenta suas linhas flexíveis, que podem se transformar em
linhas de fuga que se dirigem para a invenção, para a estranheza da vida. Um território
existencial é formado quando os elementos heterogêneos que compõem a subjetividade
ganham alguma homogeneidade, determinada composição. Esse território localiza-se na
interface entre o que se repete e é conhecido e o que pode afetar, desterritorializar, produzir
outra composição, via agenciamentos.

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Trata-se de uma caosmose generalizada, que não é própria do indivíduo, mas da vida
de grupo, das relações, dos afetamentos, operando em prol da construção de outros territórios
existenciais. De acordo com Guattari (1992) caosmose emerge na interseção do caos, das
forças do acaso e do cosmos, estruturando e ordenando um território existencial. Nessa
interseção, o lugar de sujeito e de objeto desaparece. Na verdade, essa distinção é própria do
plano de organização, correspondendo a uma estratificação da subjetividade. Interessam aqui
as relações e o espaço incorporal que se instaura “entre” – “entre” sujeito e objeto, “entre”
subjetividades e universos incorporais. Dessa maneira, a imanência pressupõe ainda um
raciocínio de exterioridade, que privilegia as forças que atravessam a subjetividade e desafia
nosso modo hegemônico de pensar, usualmente voltado para esquemas explicativos
transcendentes que gerenciam nossas produções acadêmicas e intervenções. Libertando-nos
desses modelos, percebemos que as situações, tensões e conflitos vivenciados por nossos
objetos de estudos são acompanhados por um aglomerado de forças, por estados
micropolíticos que, em alguns momentos escapam a referências identitárias e ganha forma e
consistência na construção de estados inéditos.

Sem dúvida, nessa perspectiva, o conhecimento produzido em um estudo, em uma


pesquisa emerge do plano de forças da realidade e que ora atua em prol do que já
estabelecido, ora opera a favor de agenciamentos produtivos, de acontecimentos que trazem o
novo, de maneira processual e singular. Mas sempre tentanto desarticular as práticas e os
discursos instituídos, elucidar os processos complexos, as relações depotencializadoras que
impedem a invenção, sendo que é nesse jogo que se dá a construção do conhecimento. Dessa
maneira, ao mesmo tempo em que se pesquisa também se realizam intervenções, e o
pesquisador contribui efetivamente com os problemas do coletivo pesquisado. A partir dos
encontros, das observações, dos afetamentos, da análise da implicação, dentre outros, busca-
se micropoliticamente colocar em análise os efeitos das práticas no cotidiano institucional,
desconstruindo territórios cristalizados e facilitanto a criação de novas práticas, como aponta
Paulon (2005).
Vivemos hoje vários impasses no campo da Psicologia, a saber: a ampliação dos
campos de trabalho, o convite à promoção de saúde, o questionamento dos efeitos de nossas
práticas na gerência cada vez maior da vida, dentre outros. Tudo isso, no nosso entender, nos
convoca, a produzir dispositivos singulares que não estejam a serviço da serialização
instituída, seja no campo da produção de conhecimento, seja no campo da intervenção. Não
podemos mais, conforme ressalta Benevides de Barros (2005) sustentar o isolamento

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indivíduo versus social e nem a despolitização das nossas práticas. Para driblar o risco de
psicologização dos problemas e o aprimoramento de mecanismos de exclusão social, é
preciso ainda redimensionar a pesquisa e a produção de conhecimento para sustentar uma
formação acadêmica dos psicólogos, buscando a construção de novas bases para suas
atuações.
É preciso frisar ainda que a proposta da pesquisa intervenção cartográfica não é
somente uma proposta de ser um agente de mudanças, de alterar os campos de pesquisa, mas,
inicialmente de alterar a nós mesmos, como pesquisadores. “Não temos como ponto de
partida a mudança do outro, mas sim a alteração de nossas práticas e da lógica implicada na
oferta de trabalho. A questão da mudança nessa perspectiva não se faz prioritariamente por
conscientização do outro, mas por contágio” (Rocha e Uziel, 2008, p. 536). Mas que contágio
é esse? O contágio da vida... De acordo com Zourabichvili (2004), a vida, a partir de um
raciocínio deleuziano, pode ser entendida como uma potência, uma positividade
indeterminada e informe, que é em si criação, ao mesmo tempo em que, coexistem
fechamentos e reproduções. A vida é rizoma, e pode ser percorrida em diversas direções,
sendo reinventada em cada viagem e por cada um que a percorre. É feita de direções
flutuantes, que transbordam, sem remeter a uma unidade. Isso não seria o próprio ato de
conhecer/pesquisar?

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