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Outubro de 2012
Porto Alegre - RS - Brasil
Resumo
Este artigo analisa o desenvolvimento da rede urbana no Vale do Paraíba Paulista em sua
perspectiva histórica e demonstra como as atividades rurais engendravam um modelo
distributivo, que tendia ao equilíbrio da estrutura regional. Seu início, como expansão de São
Paulo e seu desenvolvimento ocorreram a partir de atividades rurais: a penetração no sertão, a
agricultura de subsistência dos pioneiros, a produção de excedentes em alimentos para as
regiões mineradoras e finalmente a cafeicultura, cultura e modo de produção responsável por
um equilíbrio na distribuição espacial de população e atividades econômicas, no mundo rural e
urbano de então, em grau de homogeneidade que jamais seria recuperado. Sua proposta
metodológica consiste na comparação entre os processos de colonização e ocupação do
espaço, relacionado à evolução das subsequentes fases econômicas vividas pela região.
Abstract
This article analyses the development of the urban network in the Paraiba River Valley, in Sao
Paulo section, in its historical perspective. It shows how rural activities engendered a distributive
model, which tended to balance the regional structure. By the time of initial expansion of Sao
Paulo it occurs as a result of rural activities: the penetration in the hinterland, the subsistence
cultures of pioneers farmers, the production of surpluses for the mining regions and finely the
coffee. This culture and mode of production accounts for a balance in the spatial distribution of
population and economic activities, in fields and cities, then in degree of homogeneity that
would never happen again. His methodology consists in comparing the process of colonization
and occupation of space, related to the economic development of subsequent phases
experienced by this region.
Introdução
A região hoje conhecida pelo nome genérico de Vale do Paraíba Paulista – que aqui
se entende como todo o conjunto urbano/regional do leste do Estado de São Paulo,
inclusive o Litoral Norte – traz um histórico de urbanização bastante significativo em
termos de relações entre processos econômicos e estruturas regionais de organização
do espaço. Suas várias fases e modelos de desenvolvimento se manifestaram em
diversos surtos aos quais correspondem efeitos específicos sobre a estrutura do
espaço regional, na escala de cada cidade e no conjunto da região. Este texto
pretende estudar as relações entre os modelos de desenvolvimento econômico e as
respostas espaciais observadas, a cada etapa, na estrutura regional, buscando
elementos que ilustrem e colaborem com estudos análogos e que ousem o
desenvolvimento de propostas para novos arranjos regionais. Trata-se da análise do
seu processo histórico, desde as fases de exploração (século XVI) e ocupação (século
XVII), atravessando o período de fornecimento de víveres às atividades da mineração,
quando se dá a consolidação dos centros urbanos regionais (século XVIII) e a fase
cafeeira (século XIX), momento da mais ampla e equilibrada ocupação dos campos e
estabelecimento da rede de cidades, antes de adentrar, ainda no do século XIX, o
caminho da industrialização.
I – A ocupação primitiva
O processo de ocupação da região é de certa forma, tributário de sua célula mater,
São Paulo de Piratininga, centro inconteste de irradiação dos primeiros movimentos de
ocupação do interior brasileiro. Gilberto Freire anotou São Paulo e Pernambuco como
“os dois grandes focos de energia criadora nos primeiros séculos da colonização, os
paulistas no sentido horizontal, os pernambucanos no vertical” (FREIRE, 2003, p. 73),
especificando que neste caso, vertical e horizontal não era empregado no sentido puro
e restrito sociológico. Para ele, a atividade vertical dos pernambucanos se refere “à
concentração regional de esforço no estabelecimento da cultura da cana e da indústria
do açúcar, na consolidação da sociedade escravocrata e agrária”, que se contrapõe à
atividade paulista, ou antes, “a mobilidade horizontal dos caçadores de escravos e
ouro, dos fundadores de fazendas de criar nos sertões e dos missionários” (FREIRE,
2003, p.126). Assim, os primeiros “centros urbanos” da região, se assim pudessem ser
chamados, inseriam-se no padrão típico de aldeamento do sudeste brasileiro o que
levou Sérgio Buarque de Holanda a classificá-las como obra de “semeadores”,
dispostos ao longo do caminho do sertão, incipientes entrepostos, local de descanso
para uma viagem maior. No fundo, tais núcleos pioneiros poderiam ser qualificados
como cidades paulistas, modelo que ditaria um padrão de ocupação generalizado para
a área da expansão de Piratininga, percurso de expedições até que fossem
alcançadas, finalmente, as minas, estivessem elas em Goiás, Mato Grosso ou
propriamente nas Minas Gerais. No entanto, como esclareceria mais tarde Nestor
Goulart Reis Filho, o modelo sugerido por Buarque de Holanda, apesar de dominante,
não seria único (REIS FILHO, 1968, p. 16).
A ocupação das terras paulistas havia se iniciado ainda no século XVI, primeiramente
com alguns pontos do litoral, mas que, em meados do século XVII, já se estendia para
o interior, particularmente em função da outorga da Coroa aos donatários os principais
encargos da urbanização como solução de colonização e domínio. Em outras
palavras, tratava-se de estimular, indiretamente e às expensas desses últimos, a
tarefa de ocupação do território da Colônia. Assim como a bacia do rio Tietê, a
ocupação inicial da calha do rio Paraíba do Sul também surge neste contexto, do
esforço da atividade horizontal paulista como resposta às necessidades da conquista e
manutenção das terras do interior.
No caso valeparaibano em especial, a conformação regional, além da expansão de
São Paulo, correspondia ao papel que tais centros iriam exercer, a partir de então,
como pouso para as expedições que deixavam Piratininga a procura de pedras e
metais preciosos no sertão além da Serra da Mantiqueira (MÜLLER, 1969, p.12).
Portanto, não foi ao acaso que a primeira estrutura regional correspondia a um
corredor, significativo das rotas de passagem entre a cidade de São Paulo, as minas e
o litoral situado ao norte de São Vicente. Resolvidas as questões fundamentais para a
fixação de cada povoado – fortificações, igrejas, construções perenes – a região se
consolida com base no modelo econômico da agricultura de subsistência desenvolvida
em torno dos primeiros núcleos urbanos, respectivamente Taubaté, Guaratinguetá e
Jacareí, todos situados às margens do rio Paraíba do Sul.
Durante esse período, mais que os fatores de ordem econômica, as características
geofísicas constituiriam os principais fatores condicionantes de sua organização
espacial. É certo que a origem do processo estava na doação de sesmarias, contudo,
a própria conformação da região, em forma de canal por onde corriam as águas do rio
Paraíba do Sul, favorecia a localização dos primeiros povoados. Era o que hoje se
classifica como vantagens competitivas naturais da região (MANOLESCU, 2008,
p.156). Esta conformação tornava mais fácil e eficiente a locomoção e o transporte,
então feito em lombo de burro, ou por via fluvial pelo próprio Paraíba e seus principais
afluentes. Tanto quanto a calha do vale, eram também fundamentais elementos como
as escarpas dos planaltos e as passagens que permitiam a transposição das cadeias
de montanhas. De certo modo se pode dizer que os principais elementos que
favoreceram o estabelecimento dos primeiros povoamentos mantinham um
alinhamento geométrico natural, representado pelas paralelas do rio Paraíba, a calha
do vale, a planície das várzeas, as cadeias de montanhas, entrecortadas apenas por
algumas gargantas e pontos de travessia do rio.
Durante o período de consolidação dos primeiros núcleos a atividade econômica se
restringia, na prática, à produção de gêneros típicos da agricultura de subsistência.
Esta situação possibilitava a fixação da população em algumas aldeias na medida em
que garantia a subsistência de pequenos grupos. Em outra abordagem, apesar da
incorporação de práticas agrárias da tradição nativa, como a coivara, não se pode
considerar a presença dos primeiros colonos como fato extremamente grave em
relação às alterações no ambiente natural. Afinal, as práticas e a escala da pequena
agricultura se inseriam quase perfeitamente às noções que atualmente são definidas
como quadros de sustentabilidade.
Portanto, a convergência dos aspectos geoecológicos e interesses socioeconômicos
gerais tenderiam a estabelecer os primeiros núcleos urbanos a partir de uma lógica
comum a todos, com semelhantes modos de ocupação do espaço e idênticos
resultados de forma urbana. No entanto não é o que se observa.
Como já citado, consideradas as datas de elevação a vila, os três primeiros centros
foram os de Taubaté, Guaratinguetá e Jacareí, sendo que Taubaté, além de preceder
as demais, se origina da sesmaria recebida pela família de Jacques Felix que,
segundo Gilberto Martins teria pretensões – e obrigações – que exigiam maior
perenidade de seu núcleo original (MARTINS, 1973). Assim, mais que simples pouso e
entreposto, Taubaté seria um trampolim para expansão, fato que seria confirmado
posteriormente. Para tanto, foram escolhidos o local, alto e plano, para a construção
das casas, seguindo um traçado urbanístico específico. Ao contrário das demais vilas
da região, que seguiriam o padrão “semeador” descrito por Buarque de Holanda, em
Taubaté a nova conformação urbana imposta por Felix reorganizaria antigas choças
existentes anteriormente em ruas bem traçadas, arejadas pelos ventos de todos os
quadrantes, como propunha a Lei das Índias (BUARQUE DE HOLANDA, 2000, p.96).
A simples análise do esquema de arruamento dessas primeiras vilas é eloquente da
sugestão dos diferentes objetivos propostos.
Conclusão
O processo de ocupação do Vale do Paraíba Paulista não pode ser considerado um
fenômeno isolado. Se originalmente este surge mais como necessidade local da
expansão de Piratininga do que um projeto nacional, como aconteceria com a
implantação da cultura canavieira no Nordeste. Seu desenvolvimento, contudo, deve-
se mais às contingências de ordem nacional, como a descoberta e a localização das
minas, e mesmo externas, tal o crescimento do mercado internacional do café, cuja
cultura teria penetrado em território paulista a partir das terras fluminenses, agregando
complexidade ao espaço entre as duas províncias. Dadas as suas particularidades
geomorfológicas o trecho paulista, paralelo à faixa litorânea em sua maior parte,
permitiu um modelo quase geométrico. Assim se estabeleceu uma linha de cidades a
cerca de 100 km da costa, com qual estabeleceu ligações a cada 50 km, segmentos
em que se estabeleceram novos centros urbanos a meio caminho, ou seja, 50 km. A
partir dessa grade, novos centros, vilas e bairros rurais vão surgir ao longo de todo o
século XIX. À exceção da ausência das ligações entre as últimas cidades, situadas no
Alto Vale, até hoje precárias, esta se tornou a base da rede urbana regional. Apesar
da homogeneidade de distribuição espacial, a chegada da industrialização só iria
desorganizar este modelo. A força da nova dinâmica, baseada na implantação
industrial, iria inserir o conjunto em nova lógica de organização que se mostraria cada
vez mais concentradora de atividades, subvertendo a antiga estrutura e destruindo,
talvez definitivamente, a coerência conseguida durante sua fase agro exportadora.
Referências Bibliográficas
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