Вы находитесь на странице: 1из 17

ETNOGRAFIA E CULTURAS DIGITAIS

Reality show​ para além da televisão:​ a interpenetração do real com o virtual


entre os fãs de ​Survivor

1
Leonardo Botelho Dória
2
Teresa Rodrigues da Silva

RESUMO

Diante do atual contexto digital, existe uma tendência dos fãs de determinadas
atrações se reunirem em grupos no ​Facebook ou ​Whatsapp​, por exemplo, para discutir sobre o
programa. Os fãs do ​reality show “​Survivor​” vão além: visando simular a experiência e
dinâmica da atração, criaram uma versão virtual do ​reality no ​Facebook​, onde acontecem
provas, eliminações, discussões e estratégias. Esta investigação propõe uma análise de como
se dá a relação entre os fãs do ​reality show norte-americano ​Survivor​, tanto no ambiente
virtual quanto no real, que passam a se inter-relacionar por intermédio da paixão pela atração.
O nosso objetivo, portanto, é compreender como são criados os laços nesse meio onde as
pessoas são unidas pelo mesmo propósito - o ​reality - e entender o que as levam a querer
sentir-se parte disso, a ponto de trazer a experiência para sua vida real. Utilizando os
conceitos de ​second screen e ​fandom,​ além das contribuições dos antropólogos Daniel Miller
e Heather A. Horst e também da professora Christine Hine como embasamento teórico, a
pesquisa terá um procedimento metodológico que consiste numa etnografia digital, partindo
da observação de um grupo do ​Facebook que simula a competição no contexto da rede social
em questão.

Palavras-chave: Antropologia Digital; Etnografia Digital; Humanidades Digitais; Reality


Show; Survivor.

1
Graduando em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda pela Escola de Comunicação da UFRJ.
2
Graduanda em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda pela Escola de Comunicação da UFRJ.
Introdução
O meio digital guarda inúmeras possibilidades e surpresas quando se trata de
interações humanas. São novas nuances para interações, relações e fenômenos midiáticos que
já são desenvolvidos no meio físico e através dos instrumentos tradicionais de comunicação.
Este trabalho pretende abordar um destes desdobramentos, mais especificamente o nicho de
reality shows digitais desenvolvidos por fãs que procuram emular o programa de TV ​Survivor
em grupos na rede social ​Facebook,​ a fim de entender como a dinâmica da mídia televisiva
consegue ser adaptada para o digital.
Assim, pretendemos responder outras questões estabelecidas como nossos objetivos
específicos: desvendar como se dá a interpenetração entre a vida real e a vida virtual neste
ambiente; entender como a mecânica do ​reality show original foi adaptada para o formato no
Facebook;​ compreender a sociabilidade ​no contexto do jogo e da comunidade; perceber a
interação entre os participantes do jogo virtual e o público que o acompanha em um contexto
no qual há uma proximidade maior entre essas duas esferas do que em um ​reality show
tradicional; e entender a construção dos “personagens” no decorrer do jogo.
Primeiramente, será feita uma contextualização do gênero televisivo ​reality show e do
programa ​Survivor,​ que originou o grupo analisado em questão. Após estas seções, serão
explicitadas proposições teóricas sobre os conceitos de ​second screen e ​fandom,​ necessárias
para o entendimento de como as comunidades de fãs se desenvolvem. As obras de Hine
(2015) e Miller e Horst (2012) serão utilizadas para abordar teoricamente a antropologia
digital e etnografia digital, seguidas dos procedimentos metodológicos aplicados no trabalho.
Por fim, é feito um relato etnográfico e uma autoetnografia da pesquisa, seguida das
considerações finais acerca do trabalho e do tema.

A origem do ​reality show


A combinação entre realidade e ficção não é novidade no meio audiovisual, mas essa
tem sido a fórmula de sucesso para os ​reality shows​. Trata-se, sobretudo, de transpor o que
ocorre na vida privada para o espaço midiático, tentando reproduzir de forma mais verossímil
possível os acontecimentos da vida cotidiana para a televisão, configurando-se, portanto,
como simulação do real. Segundo Dominique Mehl, o ​reality é caracterizado por uma relação
tão próxima com a realidade que “convida o espectador a tomar suas construções do real
como o real em si mesmo” (MEHL, 2002, p. 63 ​apud​ ALMEIDA, 2009, p. 26).
A ideia de utilizar câmeras para registrar a vida das pessoas em suas atividades
cotidianas não é tão recente quanto se imagina. Por volta de 1940, a televisão norte-americana
lançava o programa ​Candid Camera​, cujo intuito era captar a reação de pessoas anônimas
expostas à situações inusitadas, algo semelhante às “pegadinhas” que são exibidas até hoje em
programas de auditório como o Domingão do Faustão e o Programa Silvio Santos. O formato
teve uma audiência muito boa naquela época e é considerado o progenitor dos ​reality shows​.
Em 1973, outra emissora norte-americana decidiu acompanhar a vida de uma família
de classe média dos Estados Unidos, onde câmeras foram instaladas na casa e por ali ficaram
durante 7 meses. O resultado dessa experiência originou o programa ​An American Family
que, por ter um formato ousado, conseguiu ser um grande sucesso no país. A repercussão foi
tanta que dois documentários se originaram: ​An American Family Revisited: the Louds 10
years later (1983), que mostrava a vida da família 10 anos após a estreia do programa e ​A Plot
Summary for a Lance Loud!: a death in an American Family (2002), que mostrou os últimos
dias de vida de Lance Loud, filho mais velho da família que se assumiu gay durante ​An
American Family​ e morreu devido complicações com a AIDS.
O formato de ​reality show conhecido atualmente surgiu pela primeira vez em 1992,
também nos Estados Unidos, quando a MTV estreia o programa ​Real World​. O objetivo era
confinar sete jovens que não tinham qualquer vínculo entre si em um apartamento para
montar uma empresa conjuntamente. O que diferenciava essa atração das outras já citadas era
exatamente o fato dos participantes não se conhecerem e ter como objetivo se unir para
administrar bem a empresa e, assim, conseguir a recompensa em dinheiro que era dado pela
emissora ao cumprir o desafio proposto.
Desse modo, surge uma nova vertente dos ​reality shows​, que atualmente é responsável
por movimentar a indústria televisiva e trazer elevados índices de audiência: os ​game shows​.
Estes, por sua vez, trazem uma série de regras e dinâmicas para o bom funcionamento do
jogo, além de premiações, punições e diversas características que os diferencie dos outros
atrativos. Todo esse “pacote” passa a ser vendido para emissoras do mundo todo, que
adaptam-no de acordo com as especificidades culturais de cada local.

O sucesso duradouro do ​reality​ ​Survivor


Há 17 anos no ar e com um total de 35 temporadas, o ​reality Survivor surgiu no início
dos anos 2000 na emissora CBS, sendo uma versão norte-americana do programa sueco
Expedition Robinson​. A atração foi líder de audiência e o seu sucesso se estendeu a nível
global, popularizando o formato dos ​game shows em diversos países. No mesmo ano, a Rede
Globo decidiu investir no ramo de ​reality shows e criou uma versão brasileira do ​Survivor que
levou o nome de No Limite, sendo este considerado o primeiro ​reality da televisão brasileira.
Embora tenha conquistado bons índices de audiência no Brasil, foi alvo de críticas por conta
de suas provas e após as três primeiras temporadas, teve que sair do ar devido a direitos
autorais, voltando somente em 2009, mas dessa vez sem tanto sucesso como foi no passado.
A dinâmica consiste em reunir um grupo de desconhecidos em um local remoto,
isolado da civilização, onde são divididos em tribos e deverão sobreviver por 39 dias,
participando de desafios e conselhos tribais, pelos quais os próprios participantes decidem
quem será o eliminado da noite. São também os participantes que definem quem levará o
título de ​sole survivor e vencerá a competição, votando em um dos finalistas que mais julgar
merecedor. Sem qualquer tipo de participação popular, a competição se destaca por envolver
muita estratégia dos jogadores, que também precisam se destacar no social e nas provas, o que
requer esforço físico e mental.
Enquanto muitos ​realities apostam nos conflitos da convivência em grupo como
fórmula do seu sucesso, denominado por Rocha (2009) como um voyeurismo-exibicionismo
midiático, ​Survivor prefere dar destaque ao percurso trilhado pelos jogadores para garantir a
sua sobrevivência, cujos conflitos são apenas elementos secundários dessa trajetória. A
imprevisibilidade e as reviravoltas tornam tudo mais atraente e instigante, sendo talvez o
segredo da atração ser tão duradoura e tendo ótimos índices de audiência ao longo de dez
anos.

Novas tendências: ​second screen​ e ​fandom


A era digital revolucionou o modo como o público assiste televisão. Desde o seu
começo, a TV foi percebida como um veículo social, pois, além de informar e entreter,
também possibilita a interação entre os seus telespectadores, já que costuma ser assistida
conjuntamente em diversos locais: seja na sala com os familiares, seja no bar com os amigos.
É por isso que torna-se importante repensar a televisão socializada no ambiente digital, tendo
em vista que a audiência passa por uma reestruturação diante das novas possibilidades do
consumo televisivo. Por isso, com o intuito de retomar esse aspecto social da televisão,
surgem alguns fenômenos, como por exemplo o ​second ​screen e a formação de ​fandom​, que
ganham força no contexto virtual.
Se para muitos o crescimento contínuo da internet resultaria no fim do consumo de
TV, o que se percebeu foi exatamente uma mudança no hábito de consumi-la, que agora
agrega o universo digital à sua experiência. O uso de ​notebooks, smartphones ou ​tablets
enquanto se assiste televisão faz o telespectador deixar de dedicar-se totalmente àquilo que
está assistindo, dividindo sua atenção com outros dispositivos e, muitas vezes, comentando
em tempo real ao que se assiste, criando, dessa forma, uma “experiência multitarefa”
(FINGER & SOUZA, 2012). O ​second screen pode ser compreendido, então, como a
utilização de uma segunda tela simultaneamente ao uso da primeira (a televisão) e isso pode
ocorrer de forma espontânea ou induzida pela emissora. Com medo de perder sua audiência,
muitas emissoras têm procurado estimular essa prática, seja incentivando a realização de
algumas atividades ou disponibilizando conteúdos exclusivos em sites e aplicativos,
relacionando-se com a atração exibida no momento (MÉDOLA & SILVA, 2015). Em
Survivor​, por exemplo, enquanto o episódio está no ar, surgem na tela ​hashtags para estimular
os telespectadores a comentarem o programa fazendo seu uso nas redes sociais.
A noção de ​second screen está amplamente relacionada com a de TV Social, ou seja, a
relação da televisão com as redes sociais, que possibilita o compartilhamento e discussões na
comunidade enquanto se assiste à TV (FINLEY, 2012 ​apud MACHADO FILHO, 2013, p. 4).
Nesse contexto, a televisão não perde o seu caráter social e coletivo, pois estabelece um laço
social na medida em que interconecta as pessoas, independente de fatores sociais, econômicos
ou culturais (WOLTON, 1990 ​apud MÉDOLA & SILVA, 2015, p. 149). Por essa perspectiva,
a segunda tela torna-se propícia para desencadear o surgimento de ​fandoms,​ pois reúne grupos
de pessoas distintas, dos mais variados lugares, que possuem gostos em comum.
O fenômeno do ​fandom é bastante intrínseco ao contexto digital, devido a uma maior
facilidade em localizar pessoas e grupos que compartilham os mesmos interesses. Ele nasce
de uma crescente necessidade de envolvimento dos fãs com o conteúdo que apreciam, a ponto
de se reunirem em comunidades que giram em torno do seu filme, série ou artista preferido.
Enquanto o fã é estigmatizado na cultura popular e, por vezes, na literatura acadêmica como
uma figura passiva e alienada, Jenkins (2009) apresenta o espaço do ​fandom como sendo
caracterizado pela prática: através de iniciativas individuais como as ​fanarts e ​fanfictions3 e
mobilizações coletivas de apoio, reivindicações e até repúdio, o fã conquista uma
emancipação em relação às mídias tradicionais. Com o passar do tempo, o ​fandom
transforma-se em um espaço que não mais depende, mas sim dialoga com as mídias,
desenvolvendo cultura e identidade próprias que transcendem espaço físico.

Antropologia digital
Para justificar a relevância da etnografia digital como método para entender quem
somos e o que fazemos na internet, nos apoiaremos na antropologia digital, abordada de
forma extensiva por Daniel Miller e Heather A. Horst (2012) em seu livro ​Digital
Anthropology​. Nele, os autores apresentam seis princípios que conduzem as questões que
julgam serem chave no campo da antropologia digital: o primeiro princípio diz respeito ao
papel do digital como intensificador da natureza dialética da cultura; o segundo sugere que a
humanidade não é mais mediada pela tecnologia como fora no passado; o terceiro aborda o
princípio do holismo, que abrange a totalidade da vida do indivíduo observado em vez de
apenas um recorte específico; o quarto ressalta a importância do relativismo cultural ao
analisar o meio digital; o quinto é a preocupação com a ambiguidade entre a possibilidade da
liberdade no âmbito digital e as formas que esta liberdade é coibida; o sexto e último discorre
sobre as diferentes e particulares formas de materialidade no digital.
Por dialogar com a temática abordada neste trabalho, gostaríamos de destacar o
princípio da mediação. Há uma ideia de senso comum, inclusive difundida por alguns
pesquisadores do campo, de que a sociedade contemporânea é cada vez mais mediada pelas
tecnologias digitais e as relações e interações que tomam forma na internet são menos
autênticas que as ocorridas no âmbito “real” (entre aspas, pois a dicotomia entre o “real” e o
“virtual” também é problematizada na obra de Miller e Horst4).
Os autores argumentam que o digital, na verdade, acaba por tornar mais óbvias as
molduras raramente percebidas nas interações sociais do dia-a-dia. Os papéis que exercemos
em contextos diferentes de nossas vivências nos mediam tanto quanto o ato de navegar na
internet. Usando o exemplo de uma pesquisa feita com mães filipinas residentes em Londres,

3
Produções artísticas e literárias, respectivamente, que se utilizam um universo e personagens de uma obra já
existente para criar uma nova obra.
4
​No original: “As Boellstorff makes clear, online worlds are simply another arena, alongside offline worlds, for
expressive practice, and there is no reason to privilege one over the other.” (MILLER & HORST, 2012, p. 13)
que estuda a interação digital entre as mesmas e seus respectivos filhos que permaneceram no
seu país de origem, Miller e Horst (2012) argumentam que ser mãe também é uma forma de
mediação. Afinal, as conclusões tiradas ao fim da pesquisa acabaram por não ter seu foco na
maneira como a mídia media a relação entre mães e filhos, mas sim como o papel de ser mãe
influencia na escolha da utilização entre diferentes mídias.
Transportando esta questão para a realidade do nosso objeto de pesquisa, fica ainda
mais claro como o digital não representa necessariamente uma forma de ativamente mediar
relações e torná-las não-autênticas. Pode-se dizer que a dinâmica do jogo digital se dá de
forma ainda mais genuína que no ​reality show pelos laços estabelecidos entre os participantes
em conjunto com a plateia. Como a linha entre espectador e jogador é frequentemente
borrada, a esfera do “telespectador”, em vez de estar distante do jogo e encará-lo como
entretenimento, se envolve, por vezes, de forma emocional, “eliminando” uma barreira da
mediação.

Etnografia digital
Christine Hine (2015) posiciona a etnografia dentro do campo acadêmico como um
método de acompanhamento e imersão, empregado para entender a essência dos significados
e maneiras como as pessoas dão sentido às suas vidas. Dito isso, a etnografia digital
naturalmente se estende como o estudo dos significados - explícitos ou não - contidos nas
interações humanas dentro de um contexto digital, assim como a forma que os participantes
de determinado meio interpretam ou interagem com códigos específicos na Internet.
Em tempos de grandes debates sobre a modificação de paradigmas nas relações
humanas ocorridos muito graças à popularização da rede, a importância do trabalho de
etnografia digital faz-se cada vez mais aparente. É senso comum que a internet impacta o
modo como enxergamos, interagimos e nos posicionamos diante ao mundo, mas as questões
são: de que forma? Como o nosso comportamento na ​web diverge ou converge com nosso
jeito de ser fora dela? A obra de Hine aborda diversos desafios no método da etnografia
digital, discorrendo e propondo soluções e possíveis caminhos para etnógrafos em um campo
tão vasto, utilizado para tantos propósitos diferentes.
Para uma análise relevante do ambiente estudado na etnografia digital, a observação
constante do campo por parte do pesquisador é essencial. A natureza fluida e instantânea da
internet torna bem fácil a perda de informações devido à agilidade do fluxo de troca e a
multiplicidade de significados que um único conteúdo pode ter. O processo de imersão,
porém, pode ser difícil de tangibilizar em certas comunidades. Pelo caráter mais distante da
internet em relação ao presencial, há de se pensar em maneiras inventivas para realizá-lo,
tendo em mente que adaptações aos planos e objetivos da etnografia podem modificar-se para
melhor adaptação à realidade estudada.
A autora apresenta a ideia de que estar ​online deixou de ser uma ação; enxergamos a
internet como uma extensão das formas como podemos agir em relação ao mundo e à nossa
realidade - uma proposição extremamente relevante considerando que estamos em uma era da
internet das coisas, na qual a rede pode ser acessível através até mesmo de utensílios do
dia-a-dia. Por isso, na etnografia digital, é importante não pensar no digital como uma esfera
alheia ao presencial, entendendo-a como uma forma diferente de construir as mesmas
vivências cotidianas ocorridas no espaço físico - é claro, com suas particularidades.

Procedimentos Metodológicos
O presente trabalho faz uso do método da etnografia digital, trazendo como objeto de
observação e análise um grupo do ​Facebook que se relacione com a discussão aqui proposta.
A escolha do grupo ​Survivor Brasil como objeto de estudo se deu pela coincidência de datas
entre o início de uma nova temporada do jogo e a procura dos pesquisadores pelo seu campo
de pesquisa, sendo a única franquia que iniciaria suas atividades durante a realização desta
investigação. Assim, assumindo nossos perfis pessoais, entramos no grupo no dia 29 de
setembro de 2017, mesma data em que se deu início à 13ª temporada do ​Survivor Brasil, que
trouxe como temática o mundo dos cassinos de Las Vegas e teve duração de 42 dias.
Antes de dar início às observações, na mesma data de ingresso no grupo foi enviada
uma mensagem privada ao administrador Caio Davo pedindo autorização para que se
pudéssemos fazer um trabalho de observação no decorrer do seu jogo, tornando evidente
quais eram as nossas intenções enquanto pesquisadores. Ele nos respondeu poucas horas
depois, nos deixando à vontade para prosseguir com a nossa investigação e
disponibilizando-se para ajudar com o que fosse preciso para a sua realização.
Após 17 dias estando no grupo, decidimos divulgar, no dia 16 de outubro de 2017, o
motivo de estarmos ali e, para isso, publicamos um texto informando aos participantes e ao
público sobre a nossa pesquisa, como parte do nosso compromisso ético para com a
comunidade observada. A reação foi positiva e contou com 33 interações, tanto dos
participantes da temporada, quanto do público que acompanha, além da curtida do próprio
administrador. A publicação contou ainda com 10 mensagens dos membros do grupo, que
apoiaram e mostraram-se interessados pela pesquisa, sendo todos devidamente respondidos.
Durante o período de duração do jogo, compreendido entre 29 de setembro a 10 de
novembro de 2017, foram feitas 229 publicações, das quais nós extraímos informações
relevantes para o nosso trabalho de acordo com critérios determinados através da observação,
tais como: frequência das postagens, tipos de conteúdo, linguagem utilizada, formato das
publicações e interação dos membros com as postagens. Praticamente quase todo o material
postado nessa época foi feito pela moderação ou pelos participantes do jogo, com
pouquíssimos posts de membros da plateia. Dentre os conteúdos, foram encontradas
explicações sobre a dinâmica do ​reality virtual, realizações de provas e eliminações,
entrevistas, ​podcast​, enquetes, dentre outros. A partir da análise dessas postagens tornou-se
possível perceber algumas características que colaboram para a nossa investigação, na medida
em que revelam como ocorre o envolvimento do mundo real com o virtual nesse contexto.

Relato etnográfico
O contexto da internet possibilitou novas estruturações e organizações sociais no
ambiente virtual, por meio da qual pessoas com interesses semelhantes procuram se reunir
para discutirem sobre um determinado tema conjuntamente. As mídias sociais tornaram-se um
local propício para esse tipo de experiência pela facilidade de filtrar, encontrar e reunir
pessoas que possuam hábitos em comuns, possibilitando a troca e compartilhamento de
opiniões. O ​Facebook,​ em especial, ganha destaque pela sua função de “grupos”, o que
permite criar um espaço que reúne pessoas específicas com algum interesse em comum.
Por essa perspectiva, é cada vez mais recorrente que fãs de determinada atração se
reúnam por meio dessa ferramenta para criar um espaço onde seja possível tecer discussões
que podem ou não estar diretamente ligadas ao interesse comum. Com os fãs do ​reality show
Survivor não é diferente e existe uma grande quantidade de grupos com o intuito de comentar
sobre os episódios do programa. Isto não é um objeto de estudo inédito: Jenkins (2009)
analisa em seu livro ​Cultura da convergência as comunidades de ​spoiling (o ato de saber de
antemão acontecimentos inéditos ainda não televisionados) surgidas após a popularidade do
programa, cuja maior atividade era a investigação e o estabelecimento de debates quanto aos
acontecimentos das temporadas de ​Survivor​, tornando-se praticamente um desafio entre a
produção e os fãs. Porém, neste trabalho, iremos abordar certos grupos que, apesar de
reunirem fãs do ​reality,​ não tem como objetivo comentar sobre o programa. Pelo contrário:
eles se voltam totalmente para o público e procuram elevar a experiência ao propor uma
versão virtual da atração, dentro do próprio ​Facebook​, onde acontecem provas, eliminações,
discussões e estratégias.
Alguns grupos foram encontrados com essa proposta de criar um ​reality digital, como
por exemplo o ​Survivor VD, ​Survivor TW e o ​Survivor IF. Embora contemplem o objeto de
estudo dessa pesquisa, estes não foram selecionados por não estarem com alguma temporada
ocorrendo durante o período de observação estipulado. Por outro lado, o grupo ​Survivor Brasil
deu início às suas atividades com o surgimento de uma nova temporada exatamente no tempo
destinado para a observação, sendo este o objeto selecionado para se fazer uma etnografia
digital.
O grupo foi criado em junho de 2015 por Caio Davo, responsável por administrar e
estruturar todo o ​reality virtual. Atualmente conta com 1.030 membros e duas pessoas
ajudando na moderação. A franquia já teve 13 temporadas e um total de 146 participantes,
trazendo muitos nomes já conhecidos entre os jogadores de ​Survivors v​ irtuais e uma
quantidade significativa de pessoas novatas nesse “mundo”. Trata-se de um grupo fechado,
onde apenas os membros conseguem ler as publicações feitas, mas não existem regras para ser
aceito na comunidade, bastando apenas o interesse ou a curiosidade pela dinâmica do jogo.
Durante a realização de uma nova temporada é quando acontece bastante interação no
local, sendo registrada, no período analisado, postagens diariamente, tanto da moderação,
quanto dos participantes e até mesmo da plateia. Entre 29 de setembro e 10 de novembro,
foram feitas 292 publicações, uma média de 7 posts por dia, registrando apenas um único dia
sem postagens. A maioria das postagens foram feitas pela moderação, seguida pelos
participantes da competição e por fim pelos integrantes da plateia. Algo que chama atenção é
o fato de praticamente todas as publicações serem acompanhadas por imagens, gifs ou vídeos,
onde as poucas que são apenas textos tendem a não ter uma grande repercussão.
As interações também se mostraram significativas, cujos membros preferem interagir
por meio das respostas às publicações do que utilizando o recurso das reações que o ​Facebook
disponibiliza. Isso foi percebido ao contabilizarmos 7599 respostas contra 4927 reações, o que
sugere a utilização das respostas como um mecanismo que possibilita a interação
jogador-plateia, algo que é viável no contexto digital, diferentemente da relação que este
mesmo público possui quando assiste ao ​Survivor televisionado. Inclusive, por meio da
análise dessas interações, pudemos traçar um perfil das pessoas que estão envolvidas nesse
meio: existe uma presença predominante de homens; a grande maioria são de jovens com
idades que variam entre 16 a 30 anos; fazem bastante uso de ​memes na sua linguagem, tanto
na escrita quanto no emprego de imagens para esboçar reações; é frequente o uso de
referências ao programa ​Survivor​, seja por uso de imagens, gifs e vídeos ou pelas
comparações de situações e jogadores do ​reality​ virtual com o televisionado.
As publicações com maior repercussão foram aquelas que divulgam os participantes
da temporada, o que revela como as pessoas que acompanham o jogo declaram sua torcida,
isto é, por meio da identificação com o outro, que pode ser causada pela descrição, pela
imagem ou por já conhecê-lo de outros jogos, o que já mostra a existência de um laço entre
eles. Isso pode ser percebido até mesmo pelo viés quantitativo: os jogadores que mais tiveram
reações e comentários durante sua divulgação foram exatamente aqueles mais conhecidos no
mundo dos ​realities virtuais, enquanto os novatos tiveram poucas interações em suas
postagens. Entretanto, a divulgação que teve maior impacto foi da participante Kimmi
Kappenberg, uma das jogadoras do ​Survivor norte-americano e que, portanto, é conhecida
pela maioria das pessoas presentes no grupo.

Figura 1: Anúncio da participação de Kimmi no jogo.

Fonte: Survivor Brasil.

Se a participação de Kimmi no ​Survivor US foi marcante, já não se pode falar o


mesmo da sua atuação na versão virtual. Dado que no ​reality da TV é preciso garra e esforço
para vencer as provas, no contexto digital o maior é desafio é conseguir conciliar a vida real
com as atribuições que o jogo exige. A participante, por exemplo, não conseguiu dedicar-se
ao ​Survivor Brasil por conta de questões pessoais, ficando ausente em grande parte da
competição até ser eliminada por inatividade. Ainda assim, empenhou-se em gravar um vídeo
para a final da competição agradecendo pela oportunidade, além de votar para definir o
vencedor. Outros participantes do ​Survivor televisionado também gravaram vídeos
parabenizando o vencedor, um ato simples, porém simbólico, na medida que estabelece uma
relação entre os dois mundos do ​reality show.​
A análise das publicações nos permitiu perceber algumas outras situações em que o
real e o virtual se inter-relacionaram através do contexto do jogo. O estresse e o desgaste
psicológico apresenta-se como um “sintoma” frequente, pois além de se dedicar às provas e
estratégias da competição, o participante precisa estar disponível boa parte do seu dia para
socializar, o que é de fundamental importância para a sua permanência. Apesar de se passar
no contexto virtual, muitas vezes os participantes precisam executar provas em sua vida real,
como por exemplo gravando vídeos ou tirando fotos para cumprir missões. O fator social
exige que muitos jogadores conversem frequentemente entre si e, portanto, é comum que de
uma mera estratégia seja criado um laço entre eles, de modo que ocorra um envolvimento
para além do jogo virtual.

Figura 2: Mensagem de um jogador para o vencedor da 13ª temporada.

Fonte: Survivor Brasil.


Essa “extrapolação” ao contexto digital pôde ser verificada, por exemplo, nas fotos em
que um dos participantes publicou agradecendo ao outro pelo convite para um evento de
cinema, onde os dois, por sinal, tiram uma foto juntos. Por fim, se por um lado esse ambiente
propicia novas amizades no mundo real, também causa inimizades, como foi percebido entre
dois participantes que se conheciam antes do jogo, mas terminaram brigados, bloqueando,
inclusive, um ao outro no ​Facebook.​

Figura 3: Jogador postando foto de encontro com outro participante..

Fonte: Survivor Brasil.

Figura 4: Desavença entre participantes por causa do jogo.

Fonte: Survivor Brasil.


Autoetnografia
As percepções dos etnógrafos no processo de pesquisa representam uma parte
importante da etnografia. A junção dos relatos objetivos com as reflexões pessoais feitas ao
longo do período de observação possibilita um olhar mais completo sobre a maneira como os
indivíduos observados se comportam, considerando que os pesquisadores podem carregar
bagagens bastante distintas do grupo acompanhado e até mesmo entre si.
A dedicação por parte dos organizadores dos jogos é um dos aspectos mais notáveis
em uma primeira impressão do grupo. Já podemos perceber que há um grande empenho na
comunicação direcionada à divulgação da temporada, ainda que seu alcance se restrinja aos
usuários que estão no grupo fechado; a temporada corrente durante a época de observação foi
ambientada com a temática cassino e toda a identidade visual dos posts da moderação foi
montada em torno disso, com referências a Las Vegas.
Não precisou de muito tempo de observação para perceber que a maioria dos
envolvidos já estavam habituados a participar e acompanhar os jogos digitais amadores de
Survivor e não apenas naquele grupo em questão (os supracitados ​Survivor VD, ​Survivor TW
e o ​Survivor IF são outros exemplos). Referências a participantes e temporadas anteriores,
piadas internas e torcidas definidas eram o que mais se via nos momentos pré-início do jogo,
além de comentários referentes à expectativas para o que estava por vir. Tivemos certa
dificuldade enquanto pesquisadores nesse momento, pois enquanto um de nós já estava
familiarizado com esse ambiente, o outro era completamente leigo no meio e foi preciso um
certo esforço para entender o que estava acontecendo. Mas uma coisa ficou bem clara para
nós dois: o senso de comunidade era forte, os integrantes estavam confortáveis em se
comunicar através de linguagem e signos próprios do contexto em que estavam inseridos.
Um aspecto em particular gerou enorme comoção no grupo e nos impressionou
bastante: a participação de Kimmi Kappenberg, uma ex-jogadora do ​reality show original.
Este foi um dos principais assuntos nos estágios iniciais do jogo, com os participantes e
plateia se envolvendo em comentários humorísticos sobre a participação dela na competição -
uma brincadeira comum era traduzir frases do português para o inglês completamente fora de
contexto, com gírias e expressões populares sendo traduzidas ao pé da letra, sem contar os
inúmeros ​memes​ e montagens que surgiram com a revelação.
Figura 5: Membros traduzindo frases para o inglês ao pé da letra.

Fonte: Survivor Brasil.

Uma limitação no processo etnográfico foi o ritmo rápido no qual o jogo acontecia.
Com um número alto de participantes (eram 22 ao todo) e um período de 42 dias entre o
início até a final, as postagens eram diárias e constantes, tornando difícil de acompanhar cada
movimento dos desafios, embates e Conselhos Tribais. Se para observadores distantes já era
complexo, isso deixou claro o desgaste envolvido quando se é um participante do jogo. Boa
parte das estratégias, reviravoltas e interações sequer aconteciam dentro do grupo, aos olhos
do público, mas sim em ​chats privados (algumas destas conversas eram reveladas à plateia e
aos outros participantes quando se era conveniente). Em certos pontos, ânimos foram
exaltados e discussões aconteciam nos posts, porém sempre pairava a dúvida: eram embates
genuínos ou parte de planos estratégicos para balançar o jogo? Os participantes encarnaram
personagens tal como em um ​reality show​ televisivo, formando alianças e cometendo traições.
Ao fim da competição, vídeos com ex-participantes do ​Survivor original foram
postados congratulando o vencedor (inclusive um curto vídeo de Kappenberg, que foi
eliminada por inatividade, agradecendo pela receptividade do grupo). Este é um grande
exemplo da convergência de mídias teorizada por Jenkins (2009), na qual há uma interseção
entre aspectos da mídia “original” e a ação dos fãs.
Reiterando o que foi dito anteriormente, uma impressão que permaneceu foi o senso
de comunidade e afeição que os participantes e plateia desenvolvem uns pelos outros. Como
não há um distanciamento entre estes atores, ao contrário de um ​reality show televisivo, há
uma interação de igual para igual que simboliza um dos maiores apelos do ponto de vista de
quem se envolve nestes jogos: conhecer pessoas novas e fazer amizades. Isso nos remeteu às
experiências pessoais em fóruns virtuais especializados e comunidades da extinta rede social
Orkut em meados dos anos 2000, que representavam de maneira muito forte a eliminação de
barreiras físicas para o estabelecimento de laços entre pessoas que, se não fosse pela internet,
sequer saberiam da existência umas das outras.

Considerações finais
A observação do grupo ​Survivor Brasil ao longo de 42 dias nos permitiu entender
muitos aspectos de como se dá a relação entre as pessoas que integram esse ambiente. Apesar
do contexto virtual, os laços criados perpassam as barreiras da internet e transpõe a
experiência para a vida real de seus participantes. A partir da análise das 292 publicações
percebemos como a relação dos jogadores vão se modificando no decorrer do jogo, que de
meros competidores - e muitas vezes adversários - tendem a estabelecer vínculos de amizade
ao final da competição.
Essa dinâmica que os fãs do ​reality show Survivor criaram para vivenciar um pouco da
experiência do programa no ambiente virtual vai de encontro com a noção de cultura
participativa proposta por Jenkins (2009). De acordo com o autor, o espectador
contemporâneo perde a sua posição passiva e aumenta sua participação na cultura midiática
por meio das novas tecnologias. Nesse sentido, a internet pode ser entendida como um espaço
para ações coletivas, que possibilita a “solução de problemas, deliberação pública e
criatividade alternativa” (JENKINS, 2009, p. 235) por parte de seus usuários.
No contexto do ​second screen,​ os fãs de ​Survivor passam a fazer parte de um imenso e
desconhecido grupo de pessoas que também assistem a atração e, conectadas pelo universo
virtual, criam um laço invisível entre eles (WOLTON, 1990 ​apud MÉDOLA & SILVA, 2015,
p. 150). Todavia, o surgimento de comunidades que se propõem a criar uma versão virtual do
reality torna essa relação mais acentuada, pois possibilita um contato mais direto entre os fãs
e, portanto, estabelece laços cada vez mais fortes.
O modo como os ​reality shows digitais de ​Survivor funcionam e se mantém por tantas
temporadas e através de círculos diferentes são um atestado de como o ​fandom conquistou sua
independência em relação ao programa original. Caso fosse anunciado seu cancelamento em
um futuro próximo, é pouco provável que essas comunidades e a modalidade de jogo
deixassem de existir. Tais comunidades “são definidas por afiliações voluntárias, temporárias
e táticas, e reafirmadas através de investimentos emocionais e empreendimentos intelectuais
comuns” (JENKINS, 2009, p. 57).

Referências

ALMEIDA, R. E. ​A performance dos públicos e a constituição social de valores:​ o caso


Alberto Cowboy. 2009. 176 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) –
Universidade Federal de Minas Gerais: Belo Horizonte, 2008.

FACEBOOK. Survivor Brasil. 2015. Disponível em:


<https://www.facebook.com/groups/428168964020553/>. Acesso em: 05 dez. 2017.

FINGER, C.; SOUZA, F. C. Uma nova forma de ver TV no sofá ou em qualquer lugar.
Revista FAMECOS​, Porto Alegre, v. 19, n. 2, p. 373-389, 2012.

HINE, C. ​Ethnography for the internet:​ embedded, embodied and everyday. Londres:
Bloomsbury, 2015.

JENKINS, Henry. ​Cultura da convergência​. São Paulo: Aleph, 2009.

MACHADO FILHO, F. Segunda tela: tendências, oportunidades e modelo de negócio


concomitante à TV digital aberta no Brasil. In: Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação, 36, 2013, Manaus. ​Anais...​ Manaus: INTERCOM, 2013.

MÉDOLA, A. S. L. D.; SILVA, E. S. Segunda tela e a reconfiguração das práticas


comunicacionais no processo de fruição de televisão. ​Revista FAMECOS​, Porto Alegre, v.
22, n. 1, p. 145-164, 2015.

MILLER, D.; HORST, H. ​Digital Anthropology​. Londres: Berg, 2012.

ROCHA, D. C. Reality TV e reality show: ficção e realidade na televisão. ​E-compós​,


Brasília, v. 12, n. 3, p. 1-16, 2009.

Вам также может понравиться