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• Novos PARADIGMAS
DA
J RESPONSABILIDADE CIVIL
Da Erosão dos F i l t r o s da Reparação à Diluição dos D a n o s
^ Novos paradigmas da responsabilidade civil, cuja o r i g e m está errf tese de doutorado
^ d e f e n d i d a c o m v i r t u o s i s m o na Universidade de Molise, na Itália, é um estudo que
^ c o n j u g a a análise científica, extremamente cuidadosa, dos tortuosos conceitos da
Novos PARADIGMAS
^ r e s p o n s a b i l i d a d e civil contemporânea com a abordagem clara, lúcida e consistente
_ q u e marcam seu autor.
^ T r e c h o s d o Prefácio d a P r o f e s s o r a M a r i a C e l i n a B o d i n d e M o r a e s
2* Edição
• publicação otinx
w www.EditoraAtlas.com.br
Anderson Schreiber
Professor de Direito Civil da PUC-Rio. Doutor em Direito
Privado Comparado pela Université degli Studi dei Molise.
Mestre em Direito Civil pela UERJ. Procurador do Estado
do Rio de Janeiro. Advogado.
Novos Paradigmas da
Responsabilidade Civil
Da Erosão dos Filtros da Reparação à
Diluição dos Danos
â
2 Edição
SÃO PAULO
E D I T O R A A T L A S S.A. - 2 0 0 9
Ò
© 2 0 0 6 by E d i t o r a Atlas S.A.
ü.
o
1. ed. 2 0 0 7 ; 2. ed. 2 0 0 9
O
o
D a d o s I n t e r n a c i o n a i s d e Catalogação n a Publicação ( C I P )
( C â m a r a B r a s i l e i r a d o L i v r o , SP, B r a s i l )
Schreiber, A n d e r s o n
Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos
danos / A n d e r s o n Schreiber. - 2. ed. - São Paulo: Atlas, 2 0 0 9 .
Bibliografia.
I S B N 978-85-224-5233-0
o
í. Responsabilidade (Direito) 2. Responsabilidade (Direito) - Jurisprudência - Brasil
I. Título.
o
U7-3365 CDÜ-34/.Si
ò
índice p a r a catálogo sistemático:
)
1. Responsabilidade c i v i l : Direito civil 347.51
. o
2
Depósito legal na Biblioteca N a c i o n a l conforme Decreto n 1.825, de 20 de dezembro de 1907.
o
Impresso no B r a s i l / P r i n t e d in Brazil
o
Ao pequeno A r t h u r , a q u e m p r o m e t i }
também é u m v a l o r .
E d i t o r a Atlas S.A.
R u a Conselheiro Nébias, 1 3 8 4 ( C a m p o s Elísios)
0 1 2 0 3 - 9 0 4 São Paulo ( S P )
Tel.: ( 0 _ _ 1 1 ) 3357-9144 (PABX)
www.EditoraAtlas.com,br •O
Sumário
Prefácio, xi
a
Nota à 2 edição, xix
Agradecimentos, x x i
Introdução, 1
1 O Ocaso da Culpa, 9
1 A erosão dos filtros tradicionais da reparação, 11
2 A culpa como fundamento da responsabilidade c i y i l , 12
3 A prova diabólica, 17
4 A teoria do risco e a responsabilidade objetiva, 19
5 A cláusula geral de responsabilidade por atividades de risco, 21
6 A responsabilidade objetiva e seu significado atual, 28
7 As presunções de culpa e a tendência à objetivação, 31
8 As alterações na noção de culpa: o divórcio da moral, 34
9 O ataqtie ao bónus pater famílias e ao reasonuble man, 39
10 A fragmentação dos modelos de conduta, 41
11 Os graus de culpa e a redução equitativa da indenização, 43
12 A boa-fé objetiva e sua influência na responsabilidade civil, 45
13 A chamada contra-ofensiva da culpa, 47
14 A erosão da culpa como filtro da reparação, 49
Sumário ix
viii Novos Paradigmas da Responsabilidade C i v i l • Schreiber
3 Os Novos Danos, 79
6 Reparação do D a n o e Desincentivo a Demandas Frívolas, 183
1 - A universal ampliação da ressarcibilidade, 81
1 O dano como elemento p r i m o r d i a l da responsabilidade civil, 185
2 Expansão quantitativa e qualitativa, 82
2 Dano e responsabilidade objetiva, 187
3 Os interesses supra-individuais e as ações coletivas de reparação, 84
3 A chamada "indústria do dano moral" e os instrumentos institucionais de
4 A dignidade da pessoa humana e a tutela dos interesses existenciais, 87 '* desincentivo ao seu desenvolvimento, 189
5 Exemplos de novos danos, 89 4 Reparação não pecuniária dos danos extrapatrimoniais, 191
6 Alguns casos polêmicos, 93 5 Exigência de efetiva demonstração do dano, 196
7 Análise comparativa entre sistemas abertos e fechados, 98 6 Repressão à litigância de má-fé, 2 0 1
8 O dano ressarcível no direito brasileiro, 100 7 Rejeição do caráter punitivo da reparação, 203
9 O dano ressarcível no direito italiano, 105
10 Convergência entre as experiências analisadas, 113 7 Da Responsabilidade à Solidariedade, 2 1 1
1 Perda de nitidez na distinção entre responsabilidade subjetiva e objetiva, 213
4 A Seleção dos Interesses Merecedores de Tutela, 117 2 A diluição dos danos, 216
1 A insuficiência do recurso aos direitos subjetivos, 119 3 A ampliação das hipóteses de responsabilidade solidária, 218
2 A insuficiência da simples alusão à dignidade humana, 122 4 Prevenção e precaução dos danos, 219
3 A impropriedade do critério da gravidade da ofensa, 125 5 O desenvolvimento dos seguros de responsabilidade civil, 222
4 A impropriedade do critério da dor, 127 6 Responsabilidade social - velha estrutura, nova função, 225
5 A impropriedade do critério da utilidade pública e da eficiência econômica, 130 7 Seguridade social e o problema da deficiência das políticas públicas, 229
6 A impropriedade do critério da relevância social e a chamada tipificação 8 Seguros privados obrigatórios - third-party insurance efirst-party insurance, 233
jurisprudencial dos danos, 134 í
7 O dano e a necessidade de seleção em concreto dos interesses tutelados, 136 Conclusão, 239
1
São P a u l o : M a r t i n s F o n t e s , 2 0 0 4 , p . 3 .
2
E n t r e os a u t o r e s p r e o c u p a d o s c o m a e x t e n s ã o d e s m e d i d a 4 o f e n ô m e n o estão P a u l R i c o e u r ,
F r a n c e s c o B u s n e l l i e Luís Díez-Picazo.
XÜ Novos Paradigmas da Responsabilidade C i v i l • Schreiber Prefácio xiü
d a n o s ressarcíveis e a demonstração das causas de sua c o n t i n u a d a expansão são é daqueles parâmetros pelos quais, no passado, se selecionava os danos que e r a m
objetivos alcançados nesta o b r a . passíveis de ressarcimento e que, em v i r t u d e da modificação de seu s i g n i f i c a d o ,
p e r d e r a m o u v ê m p e r d e n d o seu p a p e l .
As radicais transformações sofridas p e l a r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l nos últimos
t e m p o s f i z e r a m c o m q u e seus pressupostos t r a d i c i o n a i s fossem descartados o u T r a t a , i n i c i a l m e n t e , do ocaso da c u l p a . A t r a d i c i o n a l noção psicológica da
m i t i g a d o s e substituídos p o r novos e assistemáticos critérios, não t e n d o sido t a l culpa, que j u s t i f i c a v a a reparação d o d a n o e m v i r t u d e d a reprovação d a c o n d u t a
processo, porém, a c o m p a n h a d o do necessário e s c l a r e c i m e n t o teórico-científico do causador do d a n o , revelou-se incompatível c o m o i n c r e m e n t o do número q u o -
acerca de seus conteúdos. A d o u t r i n a , de f a t o , t e m f a l h a d o na elaboração d o g - t i d i a n o de acidentes p r o v o c a d o p e l a complexificação social e p e l a i n d u s t r i a l i z a -
mática dos novos critérios de r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l e a jurisprudência, p r e m i d a ção. A incapacidade da vítima de p r o v a r a c u l p a do agente na produção do d a n o ,
pelas necessidades impostas pela r e a l i d a d e social, v e m d e s e m p e n h a n d o a tarefa em casos c o m o estes v e r d a d e i r a probatio diabólica, a l i a d o ao fato de estes danos
p o r c o n t a própria, c r i a n d o um u n i v e r s o discricionário e, não r a r o , i n c o e r e n t e . Este anônimos serem a l g o esperado p e l o próprio d e s e m p e n h o da a t i v i d a d e , impôs a
c o n t e x t o de crise é r e c o n h e c i d o e descrito p e l o a u t o r : "o diálogo e n t r e d o u t r i n a utilização de o u t r o s critérios de imputação. A s s i m , m u l t i p l i c a - s e a previsão de res-
e jurisprudência e m matéria de r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l l e m b r a u m a b a b e l de i d i o - ponsabilidade pela m e r a assunção do risco, além de outras hipóteses de respon-
mas desconexos, em que não se chega a q u a l q u e r resposta p o r t o t a l desacordo sabilidade o b j e t i v a , todas r e u n i d a s p e l o fato d e p r e s c i n d i r e m d o e l e m e n t o c u l p a
sobre as perguntas". e se f u n d a r e m no princípio c o n s t i t u c i o n a l da s o l i d a r i e d a d e .
Para analisar a crise e a p o n t a r os r u m o s p a r a d e l a sair, Schreiber r e c o r r e ao À erosão de o u t r o f i l t r o t r a d i c i o n a l d a responsabilidade c i v i l , o n e x o causal,
m a r c o teórico do d i r e i t o c i v i l - c o n s t i t u c i b n a l . De m a n e i r a g e r a l , as p r i n c i p a i s ca- dedica o segundo capítulo. T e n d o em v i s t a que a causalidade jurídica se diferencia
racterísticas deste método - a r e l a t i v i d a d e e h i s t o r i c i d a d e dos* conceitos jurídico!?, da causalidade lógica ou n a t u r a l , o p r o c e d i m e n t o u t i l i z a d o p a r a estabelecer o n d e
a u n i c i d a d e do p r o c e d i m e n t o de interpretação-aplicação do d i r e i t o , a f u n c i o n a - haverá relação de causalidade p a r a efeitos jurídicos é d e t e r m i n a n t e na seleção dos
lização dos i n s t i t u t o s , o caráter n o r m a t i v o da Constituição, a prevalência das si-
danos ressarcíveis. Em especial no âmbito da responsabilidade o b j e t i v a , o n d e se
tuações existenciais, a d i g n i d a d e da pessoa h u m a n a etc. - já f o r a m o b j e t o de lar-
3
encontra a priori afastada a questão da c u l p a , a causalidade passa a ser o p r i n c i -
ga exposição em o u t r o s c o n t e x t o s . M a s destaque-se c o m o a q u i esta m e t o d o l o g i a
pal parâmetro idôneo a j u s t i f i c a r - ou descartar - a transferência do prejuízo da
Leni u m i m p a c t o especialmente s i g n i f i c a t i v o : e n q u a n t o a r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l
vítima a o u t r e m , o causador (jurídico) do d a n o .
t r a d i c i o n a l se baseava e x c l u s i v a m e n t e na t u t e l a do d i r e i t o de p r o p r i e d a d e e dos
d e m a i s d i r e i t o s subjetivos p a t r i m o n i a i s , hoje a d i g n i d a d e da pessoa h u m a n a , a A q u i o a u t o r ressalta a notória divergência e n t r e , de um l a d o , as p r o f u n d a s e
s o l i d a r i e d a d e social e a justiça d i s t r i b u t i v a i n f l u e n c i a m d e c i s i v a m e n t e t o d a a sis- relevantes controvérsias doutrinárias acerca das variadas teorias e, de o u t r o l a d o ,
4
temática do dever de ressarcir. sua aplicação j u r i s p r u d e n c i a l . A propósito, p o n d e r a que "o caos r e i n a n t e em m a -
téria de n e x o causal c o r r e s p o n d e não a insistentes equívocos do nosso Poder J u d i -
A p a r t i r deste r e f e r e n c i a l , A n d e r s o n Schreiber t a l e n t o s a m e n t e desconstrói a l -
ciário, mas a u m a d e l i b e r a d a a b o r d a g e m do p r o b l e m a da causalidade de m o d o a
guns m i t o s e estereótipos q u e s e r v i r a m de base a u m a série de análises equivoca-
lhe assegurar u m a solução, p o r assim dizer, flexível". I l u s t r a então seu pensamento
das acerca dos p r o b l e m a s da r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l e i n d i c a c a m i n h o s que p o d e m
c o m diversas indicações: as chamadas presunções clandestinas de causalidade, os
ser t r i l h a d o s de m o d o a c o n f e r i r a d e v i d a proteção aos valores p r i m o r d i a i s do or-
casos de responsabilidade o b j e t i v a a g r a v a d a , a relativização das excludentes ( p o r
d e n a m e n t o sem, c o n t u d o , p r e s c i n d i r da necessária segurança jurídica. A o r i g i n a l
análise do a u t o r p a r t e do r e c o n h e c i m e n t o da "erosão dos f i l t r o s t r a d i c i o n a i s " , isto e x e m p l o , a hipótese de f o r t u i t o i n t e r n o ) , a responsabilidade p e l o r e s u l t a d o mais
grave ( t f t i n skull ralé), b e m c o m o a causalidade d i t a a l t e r n a t i v a .
Este e x p e d i e n t e de extensão das regras de causalidade p a r a p r o t e g e r a vítima
3
V, p o r todos, P i e t r o P e r l i n g i e r i , Perfis do direito civil. Introdução ao direito civil constitucional t r a d .
t e m significativos e x e m p l o s na jurisprudência n a c i o n a l . Schreiber a b o r d a o cha-
M . C . d e C i c c o , R i o d e J a n e i r o : R e n o v a r , 1 9 9 9 ; G u s t a v o T e p e d i n o , Temas d e direito civil, 3 . e d . , R i o
de J a n e i r o : R e n o v a r , 2 0 0 4 , e s p e c . p. 1-22; e M a r i a C e l i n a B o d i n de M o r a e s , A caminho de um direito m a d o "caso dfj escorrega", no q u a l o STJ impôs à agência de t u r i s m o a responsa-
5
civil constitucional, in Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, v. 2
1 7 , n 6 5 , 1 9 9 3 , p. b i l i d a d e p e l a tesão d e u m hóspede que s a l t o u d e escorrega n a p i s c i n a d o h o t e l .
Q
2 1 - 3 2 ; I d . , Constituição e direito civil: tendências, in Revista dos Tribunais, n 7 7 9 , 2 0 0 0 , p. 4 7 - 6 3 . A ele p o d e aduzir-se recente decisão, também do STJ, que, c o n f i r m a n d o causali-
4
G u s t a v o T e p e d i n o , A evolução da responsabilidade civil no direito brasileiro e suas controvérsias na dade e x t r e m a m e n t e questionável, r e s p o n s a b i l i z o u o p l a n o de saúde p e l a m o r t e de
atividade estatal, in Temas de direito civil, cit., p. 1 9 4 ; v. também M a r i a C e l i n a B o d i n de M o r a e s , A
constitucionalização do direito civil e seus efeitos sobre a responsabilidade civil, in C. P de S o u z a N e t o
e D. S a r m e n t o < O r g . ) . Constitucionalização do direito. Fundamentos teóricos e aplicações específicas.
5 â
R i o d e J a n e i r o : L ú m e n Júris, 2 0 0 7 , p . 4 3 5 - 4 5 3 . S T J , 4 T., R E s p . 2 8 7 . 8 4 9 , R e i . M i n . R u y R o s a d o d e A g u i a r , j . 1 7 . 4 . 2 0 0 1 , p u b l . D J 1 3 . 8 . 2 0 0 1 .
Prefácio XV
x i v ^ Novos Paradigmas d a Responsabilidade-Civil • Schreiber
n a r i e d a d e j u d i c i a l , através da indicação em c o n c r e t o rios interesses t u t e l a d o s . cem -, c o m a experiência que m u i t a s horas de dedicação ao estudo e à prática do
Abre-se mão, p o r esta v i a , da perspectiva estática e abstrata do d a n o . d i r e i t o c i v i l lhe p r o p o r c i o n a r a m . A todos, mas especialmente aos que se d e d i c a m )
à responsabilidade c i v i l , segue m i n h a recomendação à estimulante l e i t u r a , e aos
A q u i se descortina a inovação c e n t r a l do t r a b a l h o de Schreiber: um resgate
que a fizerem, a certeza de que serão, c o m o eu, gratos ao a u t o r pela maestria na
crítico da técnica da ponderação de interesses p a r a a seleção dos interesses m e -
ordenação desta paisagem.
recedores de t u t e l a e a conseqüente definição dos danos ressarcíveis. Neste ca-
pítulo, o a u t o r preenche a aplicação da cláusula geral de d a n o p o r m e i o de u m a • )
i >
C o m o objetivo de d e t e r m i n a r a existência, ou não, de dano ressarcível, Schrei-
ber propõe um interessantíssimo método de ponderação, f o r m a d o pelas seguin- (>
tes e sucessivas etapas: ( i ) exame abstrato do m e r e c i m e n t o de t u t e l a d o i n t e r e s s e
-
lesado; ( i i ) exame abstrato do m e r e c i m e n t o de t u t e l a do interesse lesivo; e ( i i i )
existência de regra legal de prevalência; ou ( i v ) inexistência_de regra l e g a l de pre- )
valência. A p a r t i r disso, ocorre a verificação da relação de prevalência m e d i a n t e
o princípio da p r o p o r c i o n a l i d a d e , nos seus critérios de adequação, necessidade e
p r o p o r c i o n a l i d a d e stricto sensu. i )
culpa (todos somos culpados pelos danos) e solidariedade na causa (todos damos
causa aos d a n o s ) , e o passo necessário é o de que haja solidariedade na reparação
(todos devemos reparar os danos)". Fornece, c o m o exemplos demonstrativos, a
ampliação das hipóteses de responsabilidade solidária; a crescente importância )
da prevenção e da precaução dos danos; e o d e s e n v o l v i m e n t o dos seguros de res-
)
ponsabilidade c i v i l .
)
C o m o o l e i t o r destas linhas haverá de ter percebido, trata-se de notável con-
tribuição ao d i r e i t o brasileiro. A o b r a saborosamente c o m b i n a a inteligência e o
b r i l h a n t i s m o que caracterizam A n d e r s o n Schreiber - b e m sabem os q u e o eonhe-
â
Nota à 2 Edição
R i o de Janeiro, 4 de o u t u b r o de 2 0 0 8 .
Anderson Schreiber
Agradecimentos
In my beginning is my end.
T. S. Eliot
)
•
Introdução
In my beginning is my end.
T. S. Eliot
)
-
)
1
Lasciate ogne speranza, voi che^ntrate - o célebre verso v i s l u m b r a d o p o r Dante
sobre a p o r t a do I n f e r n o seria, p a r a H e n r i De Page, a advertência inevitável de q u e
2
se recordaria t o d o estudioso que p e n e t r a nos domínios d a r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l .
Não é, de fato, a n i m a d o r a a anárquica v a r i e d a d e de e n t e n d i m e n t o s e i n t e r p r e t a -
ções que p e r m e i a m o t r a t a m e n t o j u d i c i a l do i n s t i t u t o , gerando, não r a r o , soluções
díspares p a r a hipóteses idênticas. Ao contrário das regras estáveis e seguras q u e
v i r i a m sugeridas pela importância e u t i l i d a d e da responsabilidade c i v i l , o que se
t e m é um terreno movediço, caracterizado pela incerteza e pela m u t a b i l i d a d e .
U m a v e r d a d e i r a loteria de indenizações, eis o que t e r i a se t o r n a d o , na opinião
3
de Patrick A t i y a h , a r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l contemporânea. Os r e s u l t a d o s das
ações j u d i c i a i s de reparação desafiam, d i a r i a m e n t e , as previsões de a d v o g a d o s e
especialistas. As cortes distanciam-se, cada vez mais, das bases teóricas do ins-
t i t u t o . A aleatoriedade dos j u l g a d o s converte o ensino da responsabilidade c i v i l
4
em u m a espécie de fábula; ao m e s m o t e m p o em que o misoneísmo d o s m a n u -
ais conserva estudantes e professores em um i s o l a m e n t o inaceitável do c o t i d i a n o
j u d i c i a l . O diálogo e n t r e d o u t r i n a e jurisprudência l e m b r a , nesta matéria, u m a
babel de idiomas desconexos, em que não se chega a qualquer resposta p o r total
desacordo sobre as p e r g u n t a s .
Neste solo instável, p r o l i f e r a m pedidos de indenização. A sociedade c o n t e m p o -
rânea assiste a u m a d u p l a expansão, que c o m p r e e n d e não apenas os m e i o s lesivos,
1
"Deixai t o d a esperança, ó vós q u e e n t r a i s " ( D a n t e A l i g h i e r i , A divina comédia, São P a u l o : E d i t o r a
34,1998, p. 37).
2
No o r i g i n a l : "^interprète qui, à notre époque, pénètre dans le domaine de la responsabilité civile ne
peut se défendre, dès ses premières investigations, de se rappeler le vers célèbre que Dante place sur la
porte de l'Enfer: L a s c i a t e o g n i s p e r a n z a , v o i che'ntrate, Vous qui entrez, laissez toute espérance'. C'est
qu'en effet, cette partie du droit offre, non seulement au point de vue sociologique ou philosophique, mais
encore, et principalement même peut-on dire, en droit positif, le spectacle le plus étonnant qui soit. C'est
la matière qui, de nos jours, est peut-être la plus fréquemment-appliquée; c'est donc logiquement celle
qui devrait nous offrir les solutions les plus stables et les plus incontestées. Et, pourtant, c'est en matière
de responsabilité civile que règne, à tous points de vue et pour toutes sources de droit - loi, doctrine,
jurisprudence -l'anarchie la plus complète, atteignant même - disons-le franchement - un <iegré qui ne
se rencontre dansxLUCune autre partie du Code" { H e n r i de Page, Traité élémentaire de droit eivil belge,
t. I I , 1* parte, Bruxelas: E m i l e Bruylant, 1948, p. 8 0 7 ) .
3
A i m a g e m foi c o n s a g r a d a p o r P a t r i c k A t i y a h j i n o título d e s e u The damages lottery, O x f o r d : H a r t
Publishing, 1997.
4
Como exemplo máximo d e s t a abordagem, v e r F f a a c e s e o O a z z o n i , Mia rkerca delia felicita perduta
(pskofavola fantagjuridica sullo pskodanno pskoeststenziaie), disponível em: www.lenuovevocidel-
dirkto.com, acesso e m : 16.10.2003.
4 N o v o s P a r a d i g m a s da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r Introdução 5
5
C o n f i r a - s e a matéria p u b l i c a d a n o j o r n a l Folha de S. Paulo, d e 2 . 7 . 2 0 0 5 , sob o título Jovem é suspeito
8
de exibir sexo com namorada em site. A extensão do d a n o p r o v o c a d o fica c l a r a no d e p o i m e n t o de um Jaap Spier, The limits of expanding liability - eight fundamental cases in a comparative law pers-
dos e n c a r r e g a d o s d a investigação: " O p r o b l e m a m a i o r é q u e o s j o v e n s q u e têm s u a i m a g e m d i v u l g a d a pective, H a i a - L o n d r e s - B o s t o n : K l u w e r L a w I n t e r n a t i o n a l , 1 9 9 8 , p . 6 .
e m c e n a s d e s e x o p e l a i n t e r n e t f i c a m m a r c a d o s p a r a s e m p r e . N o c a s o d o filme q u e a p r e e n d e m o s 9
A g r a d a t i v a dissociação entre r e s p o n s a b i l i d a d e o b j e t i v a e t e o r i a do risco, c o n v e r t e n d o a r e s p o n s a -
o n t e m n a c a s a d o r a p a z , será impossível retirá-lo d a r e d e , pois e l e v i r o u u m a espécie d e cult e n t r e bilidade objetiva e m u m a formulação e s s e n c i a l m e n t e n e g a t i v a ( r e s p o n s a b i l i d a d e s e m c u l p a ) , consiste
os pedófilos e c i r c u l a n o s m a i s d i v e r s o s sites, d e s d e e s t r a n g e i r o s até n a c i o n a i s . N ó s o e n c o n t r a m o s e m fenômeno significativo n a m e d i d a e m q u e reflete o a b a n d o n o d e u m a concepção q u e p r e t e n d i a
em páginas de l u t a l i v r e e até no O r k u t . " a substituição d o critério d e imputação d a r e s p o n s a b i l i d a d e ( c u l p a p o r r i s c o ) p a r a o u t r a , e m q u e
6
Prática c r e s c e n t e e n t r e a d o l e s c e n t e s britânicos p o r m e i o d a q u a l u m p a s s a n t e v e m a g r e d i d o e a imputação s e d á p o r fatores v a r i a d o s q u e não f i g u r a m e x p l i c i t a m e n t e n a n o r m a d e atribuição d e
f i l m a d o p o r câmeras i n s t a l a d a s e m c e l u l a r e s o u câmeras d e vídeo n o e x a t o m o m e n t o d a agressão, r e s p o n s a b i l i d a d e . E o q u e se e x a m i n a e s p e c i f i c a m e n t e no Capítulo 1, itens 4 a 6.
s e n d o as i m a g e n s p o s t e r i o r m e n t e t r a n s m i t i d a s a inúmeros usuários. E n t r e t a n t a s o u t r a s r e p o r t a g e n s 10
A expressão é u s a d a p o r C a m i l l e Potier, Les présomptions de causalité, P a r i s : Université de Paris I
sobre o fenômeno, c o n f i r a - s e a matéria jornalística p u b l i c a d a no The Guardian, de 2 6 . 4 . 2 0 0 5 , sob - P a n t h e o n S o r b o n n e , 1 9 9 5 - 1 9 9 6 , p. 7, e o fenômeno a s s i m d e s i g n a d o v e m e x a m i n a d o no Capítulo
o título Concern over rise of "happy slapping" craze -fad offilming violent attacks on mobile phones 2 , a c e r c a d a flexibilização d o n e x o c a u s a l .
spreads. 11
O t e r m o , c u n h a d o p o r A n d r e a V o l a n t e , em s u a o b r a Responsabilità oggettiva e causalità flessibile,
7
A expansão do d a n o ressarcível e d i v e r s o s c a s o s polêmicos r e l a t i v o s a o s n o v o s d a n o s c o n s t a m Nápoles: E d i z i o n i S c i e n t i f i c h e I t a l i a n e , 1 9 9 9 , d e s i g n a a p o s t u r a d e não a d o t a r r i g i d a m e n t e q u a l q u e r
do Capítulo 3 d e s t e l i v r o . d a s teorias s o b r e a c a u s a l i d a d e , c o m o d e l i b e r a d o propósito de não i n c o r r e r em soluções unívocas
6 N o v o s P a r a d i g m a s da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r
Introdução 7
Afastada a culpa, dissipado o nexo causal, o juízo de responsabilização ficaria fensivo das palavras, a convicção de que a responsabilidade c i v i l v i v e , a t u a l m e n t e ,
a d e p e n d e r exclusivamente do dano, cuja verificação consistiria no último baluarte patologias inesperadas, imprevisíveis, cujos remédios são a i n d a desconhecidos e
dos advogados de defesa. Os tribunais, todavia, valendo-se de construções erguidas 18
talvez i n e x i s t e n t e s . Este l i v r o p a r t e j u s t a m e n t e da convicção oposta.
sobre pilares p a t r i m o n i a i s , aferem o dano apenas em abstrato, contentando-se c o m
a identificação de u m a n o r m a a que se possa remeter, a i n d a que genericamente, Percorrendo, de olhos abertos, o c o r r e d o r escuro q u e separa as salas de a u l a
a t u t e l a do interesse lesado. E, na i m p o s s i b i l i d a d e de p r o v a matemática do dano das salas de audiência, pode-se constatar que a c h a m a d a crise da responsabili-
m o r a l , c o n c l u e m , sem u l t e r i o r reflexão, que "não é preciso que se d e m o n s t r e a dade civil nada t e m de inesperado. Trata-se, b e m ao contrário, de u m a alteração
existência do d a n o e x t r a p a t r i m o n i a l . Acha-se ele in re ipsa, ou seja, decorre dos progressiva e até a n u n c i a d a . C o m o em todos os outros campos do d i r e i t o p r i v a -
próprios fatos que d e r a m o r i g e m à p r o p o s i t u r a da ação". 12
do o que se v e r i f i c a é um choque entre velhas estruturas e novas funções. Sob as
máscaras da responsabilidade c i v i l , a dogmática l i b e r a l , i n d i v i d u a l i s t a e exclusiva-
Q u a n d o se propõem a s e l e c i o n a r os d a n o s m o r a i s ressarcíveis, as cortes
mente p a t r i m o n i a l d o i n s t i t u t o v e m sendo d i s t e n d i d a , esticada, m a n i p u l a d a pelas
e m p r e g a m critérios equivocados c o m o a p r o v a da "dor, v e x a m e , s o f r i m e n t o ou
13
cortes j u d i c i a i s no seu i n t u i t i v o esforço de atender a um propósito mais solidário
humilhação" - conseqüências eventuais e subjetivas do d a n o , que n a d a d i z e m
e mais consentâneo c o m a a x i o l o g i a c o n s t i t u c i o n a l . O p r o b l e m a está em que t a l
c o m a sua o n t o l o g i a ou a i n d a a g r a v i d a d e da ofensa - critério que, consagrado
solidarização da responsabilidade civil ocorre apenas p e l a m e t a d e .
sob a fórmula de que "o m e r o dissabor não p o d e ser alçado ao p a t a m a r do dano
1 4
m o r a l " , i m p l i c a v e r d a d e i r a inversão n a a x i o l o g i a c o n s t i t u c i o n a l , j á que seme- No afã de p r o t e g e r a v i t i m a , o Poder Judiciário dispensa, c o m facilidade, a
l h a n t e condição não se impõe em âmbito p a t r i m o n i a l , o n d e q u a l q u e f prejuízo, prova da c u l p a e do nexo causal, mostrando-se interessado não em q u e m g e r o u
19
p o r m e n o r que seja, suscita reparação. Na já pressentida inadequação de tais 15
o dano, mas em q u e m p o d e suportá-lo. A erosão dos filtros da reparação corres-
16
critérios s e l e t i v o s , m u i t o s t r i b u n a i s r e n u n c i a m à tarefa, c a i n d o em u m a repara- ponde, p o r t a n t o , não a um endêmico despreparo dos juízes c o m relação a u m a
ção i n d i s c r i m i n a d a , g u i a d a tão-somente pela proteção à vítima. disciplina secular - c o m o desejam os cultores da responsabilidade c i v i l -, mas a
C o m o se v ê , a prática j u d i c i a l encontra-se a m i l h a s de distância do recorren- u m a revolução g r a d u a l , silenciosa, m a r g i n a l até, i n s p i r a d a p e l o elevado propósito
te e n s i n a m e n t o segundo o q u a l não há dever de r e p a r a r sem que se d e m o n s t r e a de a t r i b u i r efetividade ao p r o j e t o c o n s t i t u c i o n a l , solidário p o r essência, a e x i g i r o
culpa, o n e x o causal e o d a n o . Ao invés de reconhecer este abissal d i s t a n c i a m e n - reconhecimento de que os danos não se p r o d u z e m p o r acaso ou fatalidade, mas
to, a d o u t r i n a t e m p r e f e r i d o sustentar a farsa da responsabilidade civil r e d u z i n d o consistem em um efeito c o l a t e r a l da própria convivência em sociedade.
a desvios p o n t u a i s ou p u r a atecnia o rico mosaico de nuances i n t e r p r e t a t i v a s e de A revolução, c o n t u d o , é falha, p o r q u e m e r a m e n t e p a r c i a l . Os t r i b u n a i s des-
soluções divergentes que compõem o substrato j u r i s p r u d e n c i a l da matéria. consideram a c u l p a (todos somos culpados) e a causa (todos somos causadores) dos
As poucas vozes que se e r g u e m c o n t r a esta serenidade fabricada a n u n c i a m danos, mas c o n c l u e m o processo j u d i c i a l de responsabilização lançando o ônus
17
um "estado de c r i s e " , expressão que sugere o r o m p i m e n t o a b r u p t o do equilíbrio indenizatório sobre um único - e, m u i t a s vezes, randômico - responsável. Há so-
p r e v i a m e n t e existente, e que acaba p o r estimular, sob o m a n t o aparentemente i n o - lidarismo no que d i z respeito às condições p a r a a deflagração do dever de reparar,
enquanto a atribuição do d e v e r em si c o n t i n u a arraigada ao i n d i v i d u a l i s m o mais
visceral. O ônus de a u x i l i a r as v i t i m a s pertence a todos, mas v e m atribuído a cada
q u e p o s s a m s e m o s t r a r i n a d e q u a d a s p a r a o c a s o c o n c r e t o . R e m e t a - s e , m a i s u m a v e z , a o Capítulo
2, especialmente item 4.
réu, aleatória e isoladamente, o que acaba p o r resultar em injustiça, a rigor, tão
1 2
grave q u a n t o m a n t e r o d a n o sobre a v i t i m a .
S u p e r i o r T r i b u n a l d e Justiça, R e c u r s o E s p e c i a l 8 8 0 . 0 3 5 / P R , j . 2 1 . 1 1 . 2 0 0 6 .
1 3
T r i b u n a l d e Justiça d o R i o d e J a n e i r o , Apelação Cível 2 0 0 7 . 0 0 1 . 0 2 8 1 1 , j . 2 8 . 2 . 2 0 0 7 .
1 4
S u p e r i o r T r i b u n a l d e Justiça, R e c u r s o E s p e c i a l 4 0 3 . 9 1 9 / M G , j . 1 5 . 5 . 2 0 0 3 . occupe une importance sans précédent, il est entouré et pénétré d'institutions qui modifient profondément
son fonctionnement traditionnel et remettent en question ses fonctions et son domaine".
15
"Está sujeito a i n d e n i z a r a q u e l e q u e c a u s a prejuízo e m t e r m o s m a t e m a t i c a m e n t e r e d u z i d o s , d a
18
20
S o b r e a solidarização d a r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l , o s m e c a n i s m o s propícios à s u a implementação
e as f o r m a s subreptícias p e l a s q u a i s já v e m se o p e r a n d o , v e r o Capítulo 7, i n t i t u l a d o Da reponsabi-
lidade à solidariedade.
21
S o b r e estes e o u t r o s i n s t r u m e n t o s específicos d e s t i n a d o s a o d e s i n c e n t i v o d e d e m a n d a s i n f u n -
d a d a s , s e j a c o n s e n t i d o r e m e t e r ao Capítulo 6 deste l i v r o .
22
Na lição emblemática de P i e t r o P e r l i n g i e r i , "è finita Vepoca delia tassatività dei rimedi" (Riflessioni
finali sul danno risarcibile, in G i o v a n n i di G i a n d o m e n i c o (Coord.), II danno risarcibile per lesione di
interessi legittimi, Nápoles: E d i z i o n i S c i e n t i f i c h e I t a l i a n e , coleção da Université degli studi dei Molise,
n . 2 0 , p. 2 8 8 ) .
1 A erosão dos f i l t r o s t r a d i c i o n a i s da reparação
1
Ver, entre tantos outros, A g o s t i n h o A l v i m , Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências, São
Paulo: S a r a i v a , 1 9 5 5 , p. 1 9 4 : "Os r e q u i s i t o s ou p r e s s u p o s t o s da obrigação de i n d e n i z a r são três: o
prejuízo, a c u l p a e o n e x o c a u s a l . "
2
A a b r o d a g e m a l t e r a o p o n t o de v i s t a u s u a l sobre a r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l , r e s s a l t a n d o m e n o s o
seu escopo de a s s e g u r a r a reparação dos d a n o s sofridos, e m a i s o propósito implícito de l i m i t a r e s t a
reparação aos c a s o s q u e s u p e r e m certos p r e s s u p o s t o s dogmáticos. E m t a l p e r s p e c t i v a , v e r T e u c r o
Brasiello, I limiti delia responsabilità per danni, Milão: Dott. A. Giuffrè, 1 9 5 9 . Também L o u i s J o s s e -
r a n d : "Então, a vítima d u m a c i d e n t e , m a i s g e r a l m e n t e d u m d a n o q u a l q u e r , d e v i a , p a r a obter u m a
indenização, o f e r e c e r u m a tríplice p r o v a ; p r e c i s a v a estabelecer, a n t e s d e t u d o , que sofrerá u m d a n o ;
depois, q u e s e u adversário c o m e t e r a u m d e l i t o ; e n f i m q u e o d a n o d e c o r r i a d o dito delito, d a n o ,
culpa, relação de c a u s a l i d a d e e n t r e e s t a e a q u e l e , tais e r a m os três p o n t o s sensíveis do p r o c e s s o ,
as três posições q u e a vítima, a u t o r a no feito, d e v i a a s s u m i r de v i v a força; s e m o q u e e r a a d e r r o -
ta, isto é, a r e c u s a de q u a l q u e r indenização. É c o m efeito ao a u t o r q u e i n c u m b e t r a d i c i o n a l m e n t e
o c h a m a d o ônusFVia p r o v a : actori incumbit probatio" (Evolução da Responsabilidade Civil, in Revista
Forense, v. L X X X V I , p. 5 5 1 ) .
3
A idéia g a n h o u , na experiência anglo-saxônica, o n o m e de "the floodgates argument", c o m o a l u -
são à a b e r t u r a d a s c o m p o r t a s d a r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l q u e i m p l i c a r i a n a inundação d a s cortes j u -
diciais. Na já a l u d i d a lição de J a a p S p i e r , "the floodgates argument seems to be t/ie phantom capable
of terrifying us most. As such, it is the number one reason for a reluctant, not too liberal approach to
compensating the victims of another's acts. At the same time, apparently, it is the reason for conside-
rable uncertainty as to the law as it stands" (The Limits of Expanding Liability, cit., p. 6).
12 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber O Ocaso da C u l p a 13
n e x o causal c o m o obstáculos ao r e s s a r c i m e n t o dos danos na dinâmica das ações responsabilidade d e l i t u a l , que havia g r a d u a l m e n t e substituído a responsabilidade
4
de ressarcimento. Tome-se, de início, o caso - ou ocaso - da culpa. coletiva e m favor d e u m a responsabilidade i n d i v i d u a l d o a u t o r d o d e l i t o , mas que
se mostrava excessivamente preso à delimitação típica de delitos e penas, m u i t a s
9
vezes de n a t u r e z a c o r p o r a l . Daí a necessidade de construção de um sistema de
2 A culpa c o m o f u n d a m e n t o da responsabilidade c i v i l responsabilidade m o d e r n o , p u r a m e n t e c i v i l , desvinculado da tradição m e d i e v a l ,
e fundado não na violação de n o r m a s penais expressas, mas no ilegítimo exercí-
A c u l p a é, inegavelmente, a categoria n u c l e a r da responsabilidade c i v i l con- cio da liberdade i n d i v i d u a l , i d e n t i f i c a d o , desde l o g o , e de f o r m a exclusiva, c o m
1 0
5
cebida pelos juristas da M o d e r n i d a d e . A i d e o l o g i a l i b e r a l e i n d i v i d u a l i s t a , então a noção de c u l p a . Na consagrada lição da d o u t r i n a francesa, a pedra de t o q u e
d o m i n a n t e , i m p u n h a a construção de um s i s t e m a de responsabilidade que se f u n - da responsabilidade c i v i l consiste n o "uso culpável d a liberdade, que m o r a l m e n t e
11
a s o l i d a r i e d a d e a c t i v a e p a s s i v a do g r u p o familiar. [...] O s i s t e m a de r e s p o n s a b l i d a d e c o l e c t i v a e de
4
S o b r e o t e m a , s e j a p e r m i t i d o r e m e t e r a A n d e r s o n S c h r e i b e r , Novas Tendências da Responsabili- vingança p r i v a d a d o m i n a a E u r o p a o c i d e n t a l até aos séculos X I I - X I I I , p a r a a p e n a s d e s a p a r e c e r e m
dade Civil Brasileira, publicado na Revista Trimestral de Direito Civil - R T D C v. 2 2 , p. 45-69: e, sob seguida de m o d o m u i t o lento: p e r m a n e c e m sobrevivência s até aos séculos XVT e XVTT" (Introdução
o título Nuove Tendenze aeiia ResponsabiLita Livüe brasiliana, na r e v i s t a Responsabüita Civile e Pre- IiLSíui teu uu ÍJU^LLU, i_.ic.uua. i uiiua^áu LcuuuòLc vjuiüciikictii, 2 ü ü í , Uctá. püituguesa u e À . M . H e s -
videnza, v. L X X I , n f i
3 , p. 5 8 6 - 6 0 0 . p a n h a e L . M . Macaísta M a l h e i r o s , p . 7 5 1 ) .
9
5
É o q u e fica c l a r o na análise q u e a d o u t r i n a f r a n c e s a m a i s a t u a l f a z do p e n s a m e n t o de D o m a t , N o v a m e n t e , é G i l i s s e n q u e m e s c l a r e c e : "A r e s p o n s a b i l i d a d e i n d i v i d u a l a p a r e c e no direito p e n a l
q u e t a n t o i n f l u e n c i o u o Code Napoléon e, p o r derivação, d i v e r s a s codificações n a c i o n a i s : "Cepen- das cidades a p a r t i r do séc. XJI o u , d u m a f o r m a m a i s g e r a l , nos séculos XJII e XJV; a p e n a s o a u t o r d o
dant, il est certain que, dans son esprit, la faute est non seulement une condition de la responsabilité, delito é p u n i d o ( p e n a s c o r p o r a i s ou m u l t a ) . Começa-se também a a d e r i r a u m a c e r t a noção, a i n d a
mais même la mesure de la réparation. [ . . . ] Et Vauteur affirme plus loin que les crimes et délits comme muito v a g a , de c u l p a ; a s s i m , B e a u m a n o i r a d m i t e q u e os l o u c o s e as crianças não p o d e m s e r p u n i -
le dol ou la mauvaise foi doivent entraîner une dette plus lourde incluant les suites directes ou indirec- dos 'porque não s a b e m o que f a z e m ' . A p e s a r do d e s e n v o l v i m e n t o da r e s p o n s a b i l i d a d e i n d i v i d u a l no
tes de l'acte préjudiciable, alors que celles-ci ne doivent pas peser sur l'auteur d'une négligence ou d'une domínio p e n a l no fim da I d a d e M é d i a e na época m o d e r n a , a r e s p o n s a b i l i d a d e p u r a m e n t e c i v i l não
simple faute"" (Geneviève V i n e y , Introduction à la responsabilité, in J a c q u e s Ghestin (dir.), Traité de surge senão n o século X V n T (Introdução Histórica ao Direito, cit., p. 7 5 1 - 7 5 2 ) .
Droit Civil, Paris: L G D J , 1 9 9 5 , p. 14). 10
S o b r e o t e m a , H e n r i F r o m a g e o t , De la faute comme source de la responsabilité en droit privé, P a -
6
O espírito da época v e m b e m s i n t e t i z a d o p o r H a n s H a t t e n h a u e r : "El hombre puede decidir libre- ris: A r t h u r R o u s s e a u Éditeur, 1 8 9 1 , p. 1-2: "D'autre part, pour accomplir les devoirs que sa qualité
mente de qué modo desea alterar su entorno, pero, como el acto es libertad hecha realidad, hay que d'être libre et raisonnable lui impose, l'homme doit déployer une certaine force de volonté, qui peut se
responder de él, y esta responsabilidad culmina en el deber de evitar por completo las consecuencias traduire soit par un fait positif soit par une abstention; s'il y a eu accomplissement du devoir, l'individu
danosas de un inadecuado uso de la libertad" {Conceptos fundamentales del derecho civil: Introducción a été diligent; sinon, il a manqué à son devoir, il a été négligent, il a commis une faute."
Histórico-Dogmática, B a r c e l o n a : A r i e l , 1 9 8 7 , t r a d . e s p a n h o l a G o n z a l o H e r n a n d e z , p . 1 0 1 ) . 11
"Toute faute résulte donc, à des degrés divers, d'un usage coupable de sa liberté qui mérite mora-
7
T a l concepção jurídico-filosófíca i n f l u e n c i o u p r o f u n d a m e n t e os códigos o i t o c e n t i s t a s , em e s p e c i a l lement une sanction" ( J e a n - J a c q u e s W u n e n b u r g e r , Le Procès de la Responsabilité, in Droits - Revue
e
o C o d e Napoléon: "Comme on l'a fort justement remarqué, les rédacteurs du Code Civil vont lier la res- Française de Théèrie Juridique, n 5, 1 9 8 5 , P a r i s : P U F , p. 9 5 ) .
ponsabilité à la liberté; l'une servant de fondement à l'autre" (Jean-Louis G a z z a n i g a , Notes Sur l'His- 12
" E m acepçãtfampla, significa ato q u e é p r a t i c a d o s e m q u e s e t e n h a d i r e i t o , s e n d o , p o r t a n t o , ele-
Q
toire de la Faute, in Droits - Revue Française de Théorie Juridique, n 5, 1 9 8 5 , P a r i s : P U F , p. 2 6 ) . mento e s s e n c i a l d e q u a l q u e r delito. E m acepção e s t r i t a , iniuria d e s i g n a f i g u r a p a r t i c u l a r d e delito,
8
C o m o e x p l i c a J o h n G i l i s s e n : "Os direitos germânicos, c o m o a m a i o r p a r t e dos d i r e i t o s a r c a i c o s , que se a p r e s e n t a q u a n d o há o f e n s a à i n t e g r i d a d e física ou m o r a l de alguém" (José C a r l o s M o r e i r a
m a l c o n h e c i a m a r e s p o n s a b i l i d a d e i n d i v i d u a l ; q u a l q u e r acto h u m a n o c o m p r o m e t e todo o g r u p o (fa- Alves, Direito Romano, y. I I , R i o de J a n e i r o : F o r e n s e , 2 0 0 0 , p. 2 3 2 ) . A associação e n t r e e s t a figura
mília, clã e t c . ) a o q u a l ele p e r t e n c e ; s e alguém c a u s o u u m a injustiça o u u m d a n o a u m h o m e m d e r o m a n a e a idéia de c u l p a v e m d e n u n c i a d a p o r C h i r o n i , q u e a n a l i s a a "storia delVistituto dove si di-
u m o u t r o g r u p o , é t o d o o g r u p o l e s a d o q u e s e v i n g a r á e m relação a q u a l q u e r m e m b r o d o g r u p o d o mostra Vuso scambievole dette voce ingiuria e colpa" ( G . P C h i r o n i , La Colpa nel Diritto Civile Odierno:
a u t o r do acto i n c r i m i n a d o . E s t e s i s t e m a de vingança p r i v a d a (faida germânica, vendetta etc.) supõe Colpa Extra-Contrattuale, v. I, T o r i n o : F r a t e l l i B o c c a E d i t o r i , 1 9 0 3 , p. 3 5 ) .
14 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
O Ocaso da C u l p a 15
13
e m o r a i s , ligados à idéia do livre-arbítrio e de sua má utilização pelos f i é i s . D u - culpa. 18
Stoppato alude à culpa c o m o um "diffetto delia intelligenza"} Pontes de 9
r a n t e t o d a a Idade Média, a influência do d i r e i t o canónico reforçara este t o m de M i r a n d a t r a t a da c u l p a c o m o "falta de d e v i d a atenção". José de A g u i a r Dias re- 20
1 4
infração m o r a l atribuído à c u l p a , que chega ao início da M o d e r n i d a d e intensa- fere-se à p r e v i s i b i l i d a d e do resultado c o m o e l e m e n t o indispensável ao c o n c e i t o . 21
m e n t e i n f l u e n c i a d a pela idéia de pecado, c o m o consciente violação a um dever Karl Larenz menciona, além da p r e v i s i b i l i d a d e , um "ineludível" juízo de v a l o r do
15
de o r d e m s u p e r i o r . agente sobre seu próprio c o m p o r t a m e n t o . 2 2
De fato, ao d e f i n i r a noção jurídica de c u l p a , m u i t o s autores se v a l i a m - e A própria fórmula tríplice da negligência, imprudência e imperícia, i n c o r p o r a d a
a i n d a hoje se v a l e m - de elementos psicológicos ou anímicos, típicos de u m a ava- a tantas codificações e apresentada freqüentemente c o m o s u b s t i t u t i v o à d e f i n i -
1 6
liação m o r a l e subjetiva da c o n d u t a i n d i v i d u a l . Assim, refere-se C h i r o n i à culpa ção de culpa, revela, c l a r a m e n t e , o caráter m o r a l e psicológico de que se c o s t u m a
17
c o m o um stato á"animo do agente que se p r e t e n d e responsável. S a l e m i refere- 23
revestir o c o n c e i t o . Não falta m e s m o q u e m veja na c u l p a u m a noção exclusi-
se expressamente à relação entre a psiche e o ato lesivo, c o m o característica da vamente m o r a l , de aferição n a d a científica. Neste s e n t i d o , relembre-se a sempre
citada definição de P h i l i p p e M a l a u r i e , p a r a q u e m a culpa, antes do mais, "é u m a
noção m o r a l , c o l h i d a pela evidência, i m e d i a t a m e n t e ressentida p o r todos, salvo
24
13
Neste sentido, Demétrio De M a r t i n i , Ifattiproduttivi di danno risarcibile, Pádua: Cedam, 1 9 8 3 , p. nos casos l i m i t e s ou pelas consciências t o r t u o s a s " .
61-61: "La svolta decisiva, nel corso di tale evoluzione, si ebbe verso la fine delia repubblica con Vawento
délie concezioni orientali e greche. Per Vinfluenza di tali concezioni, strettamente individualistiche, in 18
Giovanni S a l e m i , La cosiddetta responsabilità per atti legittimi delia pubblica amministrazione,
contrapposizione alla ideologia tipicamente statalistica dei Romani, il danno, commesso essenzialmente
Milão: F. V a l l a r d i , 1 9 1 2 , p. 4 4 .
dal singolo, fu riferito alie caratteristiche dei comportamento individuale èhe Vaveva provocato, sida 19
Stoppato, Levento punibile, Pádua, 1898, p. 1 0 4 , apud José de A g u i a r D i a s , Da Responsabilidade
soggettivizzare il metro delia diligenza. Su questa linea evolutiva, sviluppatasi nel corso dei secoli, si
Civil, cit., p. 1 3 9 .
innestarono, in un período successivo, le idéologie Cristiane, che valsero a colorare il soggettivismo delia
20
"Negligentia, desidia etc., e , n o s textos, c u l p a , t e r m o genérico, q u e p o d e e m p r e g a r - s e e m s e n -
culpa di caratterizzazioni psicologiche ed etiche quali, ad esempio, il concetto di libero arbítrio, per cui
tido estrito, p a r a se d i s t i n g u i r de dolus, é a falta de d e v i d a atenção" (Pontes de M i r a n d a , Manual
il risarcimento assume carattere di sanzione in seguito al cattivo uso dei libero arbítrio stesso."
do Código Civil Brasileiro, P a u l o de L a c e r d a ( c o o r d . ) , R i o de J a n e i r o : J a c i n t h o R i b e i r o dos S a n t o s ,
14
O d a n o v i n h a , a s s i m , p r e t e r i d o e m f a v o r d a idéia d e infração, m u i t o s e m e l h a n t e m e n t e a o q u e I 9 2 7 , . n 1 M)j
ocorre n a r e s p o n s a b i l i d a d e c r i m i n a l . C o m o e s c l a r e c e F o u c a u l t : "Assim, n a noção d e c r i m e , a v e l h a 21
"A c u l p a é f a l t a de diligência na observância da n o r m a de c o n d u t a , isto é, o d e s p r e z o , p o r p a r -
noção de d a n o será substituída p e l a de infração. A infração não é um d a n o c o m e t i d o p o r um indiví- te do agente, do esforço necessário p a r a observá-la, c o m r e s u l t a d o , não o b j e t i v a d o , m a s previsível,
d u o c o n t r a o u t r o ; é u m a o f e n s a ou lesão de um indivíduo à o r d e m , ao E s t a d o , à l e i , à s o c i e d a d e , à desde q u e o a g e n t e s e d e t i v e s s e n a consideração d a s conseqüências e v e n t u a i s d a s u a atitude" (José
s o b e r a n i a , ao s o b e r a n o . A infração é u m a d a s g r a n d e s invenções do p e n s a m e n t o m e d i e v a l " ( M i c h e l de A g u i a r D i a s , Da Responsabilidade Civil, cit., p. 1 4 9 ) . A definição é c o e r e n t e c o m a concepção d o
F o u c a u l t , A Verdade e as Formas Jurídicas, R i o de J a n e i r o : N A U / P U C - R i o , 1 9 9 9 , p. 6 6 ) . autor, q u e , e m b o r a r e c o n h e c e n d o a n e c e s s i d a d e de d i s t i n g u i r o c o n c e i t o jurídico de c u l p a d a q u e l e
15
m e r a m e n t e m o r a l , a f i r m a : " A c u l p a , e l e m e n t o m o r a l g e r a d o r d a infração, t e m s u a noção i n a p e l a -
C o m o e x p l i c a P a u l E s m e i n na o b r a La faute et sa place dans la responsabilité civile, in Revue Tri-
v e l m e n t e j u n g i d a a o requisito m o r a l " (ob. cit., p . 1 4 8 ) .
mestrielle de Droit Civil, 1949, p. 482: "Dans sa acception chargée du sens le plus lourd, la faute éveille
22
les sentiments qui pour un Français sont depuis des siècles liés au mot péché. [ . . . ] Le péché peut être "El requisito de la culpa se deriva dei principio de la responsabilidad personal Este afirma que el
hombre se reconoce idêntico con su acción, se identifica con ella (como su autor espontâneo), que él
constitué par des actes ou pensées très divers, et, envisagé dans ses conditions d'existence, il ne peut être
juzga dei mérito o demérito de su obrar (juicio que es ineludible) y que acepta (o ha de aceptar sobre
défini que comme la faute l'a été plus haut: violation d'un devoir." Em i g u a l s e n t i d o , na cjoutrina b r a -
sí) las consecuencias de su acción como algo que a él le concieme directamente. [ . . . ] Pero el hombre
s i l e i r a , e n s i n a v a José d e A g u i a r D i a s : " N u m a noção prática, j á o d i s s e m o s , a c u l p a r e p r e s e n t a , e m
sólo se reconoce responsable de una acción cuando conoció o pudo haber conocido el mérito o demérito
relação ao domínio em q u e é c o n s i d e r a d a , situação contrária ao estado de graça, q u e , na l i n g u a g e m de la mismay si tuvo la posibilidad con respecto a ella de obrar de otra forma. Sólo es imputable a su
teológica, se a t r i b u i à a l m a i s e n t a d e p e c a d o " (Da Responsabilidade Civil, a t u a l i z . R u i B e r f o r d D i a s , actuación 'a título de culpa' aquello de que tuviera conocimiento o que hubiera podido prever" ( K a r l
Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 1 3 4 ) . L a r e n z , Derecho de Obligaciones, t. I I , M a d r i : R e v i s t a de D e r e c h o P r i v a d o , 1 9 5 9 , t r a d , e s p a n h o l a J a i -
16 me Santos Briz, p. 5 6 9 - 5 7 0 ) .
C o n f i r a - s e a constatação de M a s s i m o B i a n c a ao a n a l i s a r a matéria no direito i t a l i a n o : "Aila no- fc
23
zione soggettiva continua tuttavia a fare riferímento una larga parte delia dottrina prívatistica, che S o b r e a o r i g e m d e s t e s c o n c e i t o s , confira-se Demétrio De M a r t i n i , Ifatti produttivi di danno risar-
definisce la colpa come Velemento soggettivo o psicológico delVillecito, ragione di un giudizio morale di cibile, cit., p . 6 2 ? S o b r e o p a p e l e x c e s s i v a m e n t e r e l a t i v o q u e p o d e m a s s u m i r n a avaliação d a c o n d u t a
i n d i v i d u a l , v e r E n r i c o A l t a v i l l a , La colpa, v o l . I, T o r i n o : U T E T , 1 9 5 7 , p. 4 2 : " O r a parlaredi negligen-
condanna dei soggetto" (Diritto civile, v. 5, Milão: Dott. A. Giuffrè, 1 9 9 4 , p. 576).
za, imprudenza, significa esprimere dei críteri estremamente relaüvi, che nella loro indeterminatezza
17
S e g u n d o C h i r o n i , a t e o r i a d a r e s p o n s a b i l i d a d e e x i g e q u e s e d ê atenção não a p e n a s a o fato o b j e - possono inspirare i piu contrastanti giudizi. Lo stesso si dica aelVimperizia"
tivo da iniuría q u e l h e dá o r i g e m , " m a anche aWagente, onde la necessita di determinare in che stato 24
P h i i l i p p e M a l a u r i e e L a u r e n t Aynès, Droit Civil: L e s O b l i g a t i o n s , a p u d C a i o Mário d a S i l v a Pe-
d'animo, con qual condotta cioè, sia stato offeso il diritto altrui" {G. P. Chironi, La Colpa nel Diritto
r e i r a , Responsabilidade Civil, R i o d e J a n e i r o : F o r e n s e , 1 9 9 9 , p . <A. E m s e n t i d o m e n o s drástico, m a s
Civile Odierno: Colpa Extra-Contrattuale, cit., p. 103).
i g u a l m e n t e favorável a o conteúdo m o r a l d a noção d e c u l p a , v e r François T e r r e , P h i l i p p e S i m l e r e
16 Novos Paradigmas da Responsabilidade C i v i l • Schreiber O Ocaso da C u l p a 17
De fato, os acidentes trazidos pela Revolução I n d u s t r i a l e r a m , ao contrário suscitados pela rigorosa exigência de p r o v a da culpa, certo é q u e n e n h u m deles
do que sucedia nos séculos anteriores, i n t e i r a m e n t e despersonalizados, anônimos, teve efeito tão revolucionário q u a n t o a propagação da t e o r i a do risco.
provocados m u i t a s vezes p o r pequenas distrações ou falhas p r a t i c a m e n t e i m u n e s
a constatação. Na análise sempre r e f e r i d a de B r u g i : " N o exercício de certas indús-
trias e empresas, é impossível não p r o d u z i r d a n o ou infortúnios; mas d e m o n s t r a r
4 A t e o r i a do r i s c o e a r e s p o n s a b i l i d a d e o b j e t i v a
a c u l p a [ . . . ] é quase impraticável. Ora, é um g r a u mínimo de c u l p a que escapa aos
nossos o l h o s ; ora, não se sabe o n d e encontrá-la; ora, confunde-se c o m o caso for-
32
A investigação de critérios objetivos de imputação de responsabilidade q u e
t u i t o e c o m a força m a i o r . " Daí constatar-se, c o m o Resultado destas dificuldades
pudessem substituir ou atenuar o p a p e l c e n t r a l da culpa teve c o m o m a r c o i n i c i a l
históricas, que a "vítima t e m à sua disposição todos os m e i o s de p r o v a , pois não
a obra de R a y m o n d Saleilles, Les accidents de travail et la responsabilité civile: es-
há, em relação à matéria, limitação a l g u m a . Se, porém, fosse o b r i g a d a a provar, 36
sai d'une théorie o b j e c t i v e de la responsabilité délictuelle. P r o p u n h a o a u t o r
sempre e sempre, a c u l p a do responsável, r a r a m e n t e seria bem-sucedida na sua
33
que, o princípio de i m p u t a b i l i d a d e viesse substituído p o r um princípio de simples
pretensão de o b t e r r e s s a r c i m e n t o " .
causalidade, a prescindir da avaliação do c o m p o r t a m e n t o do sujeito causador do
A t e n t a t i v a de superar as injustiças impostas p e l a d i f i c u l d a d e de d e m o n s t r a - 37
d a n o . Orientação semelhante f o i seguida p o r Louis Josserand, que defendia a
ção da culpa d e u m a r g e m a inúmeros expedientes que se p r o p u n h a m a facilitar idéia de risco c o m o critério de responsabilização valendo-se de j u l g a d o s franceses
34
o acesso c o n c r e t o da vítima à reparação. "Vários f o r a m os processos técnicos que já v i n h a a p l i c a n d o a responsabilidade p o r g u a r d a da coisa de f o r m a bastante
postos em j o g o para atender à p r a t i c a b i l i d a d e da responsabilidade: admissão fácil objetiva. 38
a o a c i d e n t e - i q u e o c a r r o não e s t a v a i l u m i n a d o o u q u e c o r r i a a u m a v e l o c i d a d e e x c e s s i v a ? C o m o o R a y m o n d S a l e i l l e s , Les accidents de travail et la responsabilité civile: Essai d'une Théorie Objective
v i a j a n t e q u e , n o c u r s o d e u m trajeto efetuado e m e s t r a d a d e ferro, c a i s o b r e a v i a , p o d e p r o v a r q u e de la Responsabilité Délictuelle, P a r i s : A r t h u r R o u s s e a u , 1 8 9 7 .
o s e m p r e g a d o s t i n h a m n e g l i g e n c i a d o n o f e c h a m e n t o d a p o r t a , logo d e p o i s d a p a r t i d a d a última es- 3 7
Confîra-se também R a y m o n d S a l e i l l e s , Étude sur la Théorie Générale de l'Obligation, Paris: L G D J ,
tação?" {Evolução da Responsabilidade Civil, cit., p. 5 5 1 ) . . 1925, especialmente p. 3 7 6 - 3 8 3 .
3 3
José d e A g u i a r D i a s , Da Responsabilidade Civil, cit. p. 110. 38
S o b r e o t e m a , v e r L o u i s J o s s e r a n d , Evolução da Responsabilidade Civil, cit., p. 5 4 8 .
39
34
E m a l g u n s c a s o s , tais e x p e d i e n t e s v i n h a m j u s t i f i c a d o s também p e l a concepção m o r a l d a c u l p a . A l v i n o L i m a , Culpa e Risco, cit., p. 4 3 .
C o m o d e s t a c a Geneviève V i n e y , Introduction à la responsabilité, cit., p. 2 0 : "Mais ce qui mérite, à 40
N e s t e último s e n t i d o , imprescindível r e f e r i r à c o n v i c t a posição d o s irmãos M a z e a u d , q u e
notre avis, d'être également souligné c'est que ces mêmes exigences morales qui les ont incités à affir- c o n c l u e m : "On approche ainsi la vérité. La faute doit être maintenue comme condition et fondement de
mer la nécessité d'une faute pour justifier la condamnation du responsable les ont conduits également à la responsabilité civile. Là est le principe: pas de responsabilité civile sans une faute." (Leçons de Droit
consacrer des solutions qui, dans une certaine mesure, contredisent ce principe. Par exemple, en impo- Civil, t. 2, P a r i s * M o n t c h r e s t i e n , 1 9 6 2 , p. 3 6 4 ) .
sant la règle de la réparation intégrale du dommage qui consiste à mesurer la condamnation non pas à
41
A f i r m a André T u n e , La Responsabilité Civile, cit., p. 6 2 - 6 3 : "Le droit a pourtant évolué. Si l'on
la gravité de la faute (comme l'avait préconisé Domat) mais à l'ampleur du préjudice, et en abolissant
manque encore d'une vision générale d'un droit des accidents, nous avons en France des lois en faveur
l'ancienne distinction entre fautes 'lourde', 'légère'et 'très légère' au profit d'une conception unitaire et
des victimes d'accidents du travail et élaboré une responsabilité du fait des choses inanimées, ainsi que
très large de la faute civile qui comme toutes les nuances morales, les rédacteurs du Code civil n'ont pas
quelques lois spéciales. De nombreux pays ont multiplié les imposant des régimes spéciaux de responsa-
eu l'impression de sacrifier pour autant les exigences d'une saine morale'."
bilité pour certaines choses ou activités considérées comme spécialement dangereuses, ou pris des règles
35
A l v i n o L i m a , Culpa e Risco, São P a u l o : R e v i s t a d o s T r i b u n a i s , 1 9 6 0 , p . 4 3 . générales sur la responsabilité du fait des choses ou des activités particulièrement dangereuses."
20 Novos Paradigmas da Responsabilidade C i v i l • Schreiber O Ocaso da C u l p a 21
ponsabilidade objetiva ingressou efetivamente n o o r d e n a m e n t o p o s i t i v o p o r m e i o o novo Código C i v i l , tão tímido e m outras matérias, c o n s o l i d o u corajosamente a
Q 4 4
de d i p l o m a s especiais, c o m o a L e i de Estradas de Ferro (Decreto n 2 . 6 8 1 / 1 2 ) , orientação c o n s t i t u c i o n a l n o c a m p o d a responsabilidade c i v i l . E m p r i m e i r o lugar,
f í Q
o Código Brasileiro de Aeronáutica ( L e i n 7.565/86) e a Lei n 6.453/77, relativa converteu em o b j e t i v a a responsabilidade aplicável a u m a série de hipóteses antes
45
às atividades n u c l e a r e s . A Constituição de 1988 a b r i u novos c a m i n h o s , não ape- dominadas pela culpa p r e s u m i d a , c o m o a responsabilidade p o r fato de terceiro e
nas p o r força da previsão de hipóteses específicas (art. 7 , X X V I I I ; art. 2 1 , X X I I I ; Ô
por fato de animais. Além disso, elegeu a responsabilidade objetiva em novas hipó-
art. 3 7 , § 6 ) , 2 4 0
mas, s o b r e t u d o , pela inauguração de u m a n o v a tábua axiológica, teses c o m o aquela r e l a t i v a à responsabilidade e m p r e s a r i a l "pelos danos causados
4 9
mais sensível à adoção de u m a responsabilidade que, dispensando a culpa, se m o s - pelos p r o d u t o s postos em circulação" ( a r t . 9 3 1 ) . Sua m a i o r inovação, t o d a v i a ,
trasse f o r t e m e n t e c o m p r o m e t i d a c o m a reparação dos danos em u m a perspectiva foi prever e m seu art. 9 2 7 u m a cláusula g e r a l d e responsabilidade o b j e t i v a p o r
47 atividades de risco, c o m a seguinte redação:
m a r c a d a pela solidariedade s o c i a l .
"Art. 9 2 7 . [ . . . ]
42
N a França, é emblemático o l o n g o período d e discussão e m t o r n o d a L e i d e 9 d e a b r i l d e 1 8 9 8 , Parágrafo único. Haverá obrigação de r e p a r a r o d a n o , i n d e p e n d e n -
s o b r e a r e s p o n s a b i l i d a d e o b j e t i v a p o r a c i d e n t e s do t r a b a l h o , "votée justement pour la calmer les
t e m e n t e de c u l p a , nos casos especificados em l e i , ou q u a n d o a a t i v i d a d e
préoccupations qui conduisirent les auteurs à nier la nécessité de la faute" (Hçnri M a z e a u d et al, Traité
Théorique et Pratique de la Responsabilité Civile Délictuelle et Contractuelle, cit., p. 8 2 ) . n o r m a l m e n t e desenvolvida p e l o a u t o r d o d a n o implicar, p o r sua natureza,
43
O Código C i v i l d e 1 9 1 6 t i n h a a c u l p a c o m o e l e m e n t o n u c l e a r d a r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l , m a s risco p a r a os direitos de o u t r e m . "
a d m i t i a a o m e n o s u m a hipótese d e r e s p o n s a b i l i d a d e s e m c u l p a e m s e u art. 1 . 5 2 9 . O c e r t o , porém,
é q u e a l e i t u r a objetivista deste e de o u t r o s dispositivos da codificação de 1 9 1 6 só v e i o a s e r p l e n a -
m e n t e a c e i t a c o m a consagração doutrinária da t e o r i a do risco e c o m a c r e s c e n t e s i m p a t i a do legis-
lador especial pela responsabilidade objetiva. 5 A cláusula g e r a l d e r e s p o n s a b i l i d a d e p o r a t i v i d a d e s d e r i s c o
44
E s c l a r e c e M a r i a C e l i n a B o d i n de M o r a e s , Problemas em torno da cláusula geral de responsabi-
lidade objetiva ( n o p r e l o ) : "No B r a s i l , d i a n t e do e x p r e s s i v o e c o n s t a n t e a u m e n t o da utilização dos A n o r m a , c o n t i d a n o art. 9 2 7 , parágrafo único, d o Código C i v i l brasileiro en-
t r a n s p o r t e s ferroviários, e do c o r r e s p o n d e n t e i n c r e m e n t o no número de a c i d e n t e s , d e p a r o u - s e o
contra inspiração n a experiência estrangeira. O art. 4 9 3 d o Código C i v i l português
l e g i s l a d o r c o m a n e c e s s i d a d e de r e g u l a m e n t a r a r e s p o n s a b i l i d a d e do t r a n s p o r t a d o r ferroviário. E
o fez c o m b a s e n a r e s p o n s a b i l i d a d e o b j e t i v a , o p t a n d o p o r r e t i r a r d a s c o s t a s d a vítima o s prejuízos
de 1 9 6 6 estabelece expressamente:
f i
p o r e l a sofridos, i n d e p e n d e n t e m e n t e d e c u l p a . E m 1 9 1 2 , foi p r o m u l g a d o o D e c r e t o n 2 . 6 8 1 , o q u a l
a b r i a exceção a o princípio d a c u l p a , f o r j a n d o - s e i n t e i r a m e n t e n o âmbito d o r i s c o c r i a d o a o v i a j a n t e , "Art. 4 9 3 . [ . . . ]
e m b o r a o l e g i s l a d o r t e n h a então m a n t i d o a expressão ' c u l p a p r e s u m i d a ' . " 2. Q u e m causar danos a o u t r e m no exercício de u m a actividade, p e r i -
45
P a r a a evolução legislativa d a r e s p o n s a b i l i d a d e objetiva n o direito b r a s i l e i r o , v e r G u i l h e r m e C o u t o gosa p o r sua própria n a t u r e z a ou pela n a t u r e z a dos meios u t i l i z a d o s , é o b r i -
de C a s t r o , A Responsabilidade Civil Objetiva no Direito Brasileiro, R i o de J a n e i r o : F o r e n s e , 2 0 0 0 .
46 2
O s dispositivos referem-se, respectivamente, a o seguro contra acidentes d e trabalho (art. 7 ,
48
gado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências a cláusula geral de responsabilidade objetiva por atividades de risco contida no
exigidas pelas circunstâncias c o m o f i m de os prevenir." parágrafo único do art. 927, o legislador de 2 0 0 2 espancou definitivamente a
54
idéia da prevalência da culpa no sistema b r a s i l e i r o . Ao exigir a participação da
Por sua vez, a norma portuguesa apoiou-se no Código C i v i l italiano, que, duas discricionariedade jurisdicional na ampla tarefa de definir as atividades sujeitas à
décadas antes, já declarava em seu art. 2.050: sua incidência, a aludida norma retirou, a um só tempo, a condição excepcional
e o caráter ex lege, ainda então atribuídos à responsabilidade objetiva na cultura
"Qualquer um que cause dano a outros no desenvolvimento de u m a 55
jurídica n a c i o n a l .
atividade perigosa, por sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados,
é obrigado ao ressarcimento se não provar ter adotado todas as medidas Não há dúvida de que a indefinição quanto às atividades abrangidas pelo art.
idôneas a evitar o d a n o . " 50
927 pode gerar, na doutrina e na jurisprudência, certa perplexidade inicial. Pou-
cos anos após a promulgação do Código, discute-se, ainda, o sentido da referência
O art. 2.050, já dita 'Túnica innovazione che si riconosce vera" no Código Ci- legal às atividades que, "normalmente desenvolvidas", i m p l i c a m "risco para os d i -
51
v i l italiano de 1 9 4 2 , possui o mérito invulgar de ter, a seu tempo, aberto ampla 56
reitos de o u t r e m " . Contesta-se, habitualmente, que qualquer atividade humana
brecha no sistema de responsabilidade por culpa provada, em todos os casos em importa, em alguma proporção, risco aos direitos alheios. A crítica, puramente
que se estivesse diante de atividade perigosa. Note-se, a propósito, que o legisla- formal, demonstra apenas que o legislador pretendeu, obviamente, referir-se às
dor italiano não apenas inverteu o ônus da prova em tais hipóteses, mas também atividades que tragam risco elevado, risco provável, verdadeiro perigo de d a n o 57
strare di aver spinto la própria diligenza e prudenzá non meno che alVestremo limite." C o m o registra M a r i a C e l i n a B o d i n de M o r a e s , Problemas em Torno da Cláusula Geral de Res-
53
ponsabilidade Objetiva (no p r e l o ) : "A excessiva a b e r t u r a da cláusula t e m sido criticada por deixar
Note-se que, m e s m o na Itália, a m e l h o r doutrina passou, a partir dos anos 60, a extrair do art.
ao arbítrio do j u l g a d o r a definição da n a t u r e z a da responsabilidade, autorizando que a fluidez da
2.050 u m a n o r m a de responsabilidade objetiva. Neste sentido, informa Paolo Recano: "compiendo
noção de atividade de risco p e r m i t a a instituição de regimes de responsabilidade s e m c u l p a que
un'analisi attenta e particolareggiata delVoggetto delia prova liberatória riconosciuta dalla legge al-
não estejam caracterizados na lei." P a r a u m a m i n u c i o s a exposição das opiniões doutrinárias e j u -
Vesercente delVattività pericolosa la dottrina, a paräre dagli inizi degli anni sessanta, ha difatti esat-
risprudenciais e m torno d a aplicabilidade do art. 9 2 7 , parágrafo único, do Código C i v i l , ver Flávio
tamenteposto in luce la natura obiettiva delia responsabilità. [ . . . ] La tesi delia natura oggettiva delia
Tartuce, Direito Civil, v. 2, Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, São Paulo: Método, 2 0 0 8 ,
responsabilità merita di essere condivisa se solo si riflette sulla circostanza che il legislatore, nel fissare
3. ed., p. 4 5 4 - 4 6 6 .
il contenuto delia prova liberatória, ha intesó riconoscere efficacia esoneratrice dalla responsabilità ad
57
un dato obiettivo, quale Uorganizzazione delVattività pericolosa da parte delVesercente tramite adozione Também é esta a interpretação atribuída, no direito italiano, à mais reveladora locução ativi-
u
di tutte le cautele al tempo possibili, solo a costo di notevoliforzature ricostruibile in termini di assenza dades perigosas: Pericolose sono anche quelle attività che presentino, per loro natura o per le caratte-
di colpa. II soggetto imputato di responsabilità ai sensi delVart. 2050 c.c. deve provare, per evitare di ristiche dei mezzi adoperati, una rilevante probabilità di danno o una spiccata potenzialità offensiva"
essere condannato al risarcimento dei danni, la ricorrenza di un presupposto indicato specificamente (Pietro Perlingieri et al, Manuale di Diritto Civile, Nápoles: E S I , 2 0 0 3 , p. 6 3 4 ) . Na m e s m a direção,
24 Novos Paradigmas da Responsabilidade C i v i l • Schreiber O Ocaso da C u l p a 25
- o que, sem embargo do esclarecimento, não soluciona todas as dúvidas susci- digo de Defesa do Consumidor. Só que lá essa responsabilidade está melhor dis-
tadas pela expressão. 61
ciplinada do que a q u i . " Embora a prática possa efetivamente revelar situações
Certo, neste cenário, é apenas que as esforçadas tentativas de especificação da de c o m u m incidência das normas aludidas, parece certo que o art. 927 não t e m
cláusula geral têm conduzido a equívocos mais ou menos evidentes. Parte da dou- seu âmbito de aplicação l i m i t a d o a u m a responsabilidade perante o destinatário
t r i n a tem, por exemplo, sustentado afigurar-se imprescindível, para a incidência final, abrangendo todo o campo interempresarial, composto pelas relações entre
do parágrafo único do art. 927, a constatação de proveitos econômicos auferidos os diversos tipos de fornecedores (fabricante, i m p o r t a d o r e t c ) . Além disso, no
por q u e m desempenha a atividade lesiva. Assim, afirma-se que "maior será o risco que tange aos requisitos de incidência, não há como negar que a n o r m a contida
58
da atividade conforme o proveito visado". Tal entendimento parece, no entanto, no parágrafo único do art. 927 dispensa o defeito do ( p r o d u t o ou) serviço como
insustentável diante da própria redação do dispositivo, que, ao a l u d i r apenas ao condição de responsabilização, fundando-se, mais diretamente, na idéia de socia-
risco, sem cogitar do seu aproveitamento pelo responsável, sugere fortemente a lização dos riscos.
adoção da teoria do risco-criado, e não do risco-proveito. 59
Em outras palavras, para além das diferenças estruturais entre a n o r m a con-
sumerista e a cláusula geral de responsabilidade objetiva contida no Código Civil,
Outra abordagem t e m se fundado na exigência de que a atividade de risco se
resta claro que o fundamento de tutela, aqui e a l i , são inteiramente diversos. O
mostre organizada sob a forma de empresa, o que tampouco encontra respaldo escopo do parágrafo único do art. 9 2 7 é o de i m p o r responsabilização c o m base
na redação do dispositivo, que, ao contrário, se refere às atividades que causam no elevado risco p r o d u z i d o por certa atividade, o que não se verifica em qualquer
risco aos direitos de o u t r e m "por sua natureza" - e não já por sua forma de or- espécie de prestação de serviços, mas apenas naquelas hipóteses em que houver
ganização. Esta interpretação que restringe a incidência do parágrafo único do uma alta possibilidade de dano.
art. 9 2 7 às atividades empresariais parece contrariar, também, o próprio sistema Diante de todo o exposto, a conclusão mais razoável parece ser a de que a
instaurado pela codificação, que já conta c o m n o r m a especificamente d i r i g i d a à cláusula geral de responsabilidade objetiva dirige-se simplesmente às atividades
6 0
responsabilidade do empresário (art. 9 3 1 ) . perigosas, ou seja, às atividades que apresentam grau de risco elevado seja por-
Há, ainda, q u e m sustente u m a certa i n u t i l i d a d e do parágrafo único do art. que se centram sobre bens intrinsecamente danosos (como material radioativo,
explosivos, armas de fogo e t c ) , seja porque e m p r e g a m métodos de alto poten-
927, p o r se l i m i t a r a reeditar a regra do Código de Defesa do Consumidor relati-
cial lesivo (como o controle de recursos hídricos, manipulação de energia nuclear
va à responsabilidade objetiva pelo fornecimento de serviços. Neste sentido, já se 62
e t c . ) . Irrelevante, para a incidência do dispositivo, que a atividade de risco se
a f i r m o u : "Atividade é serviço. Então o que temos aqui? Temos a responsabilidade organize ou não sob forma empresarial ou que se tenha revertido em proveito de
pelo fato do serviço. Exatamente a responsabilidade prevista no artigo 14 do Có- qualquer espécie para o responsável.
Certo que a definição, embora sempre elástica, de um r o l de atividades com-
E n r i c o Altavilla, La colpa, cit., p. 170: "Ma per la retta applicazione bisogna riferirsi soltanto a quelle preendidas no âmbito de aplicação do parágrafo único do art. 9 2 7 é tarefa a de-
attività che per Ueccezionale pericolosità, richiedono cautele non comuni, areando un continuo stato di pender, p r i m o r d i a l m e n t e , da atuação j u r i s p r u d e n c i a l e da investigação d o u t r i -
allarme; quindi ci lascia qualche perplessità la sentenza dianzi ricordata, che ritiene attività pericolosa nária. A q u i , qualquer análise m i n i m a m e n t e consciente da u t i l i d a d e do método
quella dei taglio di alberi, perche si viene cosi ad allargare Vapplicazione delVarticolo ad ogni cosa in
n
comparativo não poderia desprezar a experiência estrangeira e, em particular, o
movimento che, urtando, può danneggiare.
58
rico arcabouço de decisões emitidas na Itália c o m vistas a determinar as ativida-
C a r l o s Roberto Gonçalves, Responsabilidade Civil, São Paulo: S a r a i v a , 2 0 0 3 , p. 2 5 .
des que se encontram sob a égide do art. 2.050 do Código C i v i l italiano. A l i , os
59
E m i g u a l sentido, R e g i n a B e a t r i z Tavares d a S i l v a , p a r a q u e m " a teoria que m e l h o r explica a
responsabilidade objetiva é a do risco criado, adotada pelo novo Código C i v i l , p e l a q u a l o dever de
r e p a r a r o d a n o surge da atividade n o r m a l m e n t e e x e r c i d a pelo agente, que c r i a risco a direitos ou 61
Sergio C a v a l i e r i F i l h o , O novo Código Civil e o Código do Consumidor: Convergências ou Antino-
interesses alheios. Nesta teoria, não se cogita de proveito ou v a n t a g e m p a r a aquele que exerce a a
mias?, in Revista da EMERJ, v. 5, n 20, 2 0 0 2 , p. 111.
atividade, m a s da atividade em si m e s m a que é potencialmente g e r a d o r a de risco a terceiros" (co- 62
A distinção m e r a m e n t e expositiva entre atividades perigosas p e l a n a t u r e z a dos bens e atividades
mentário ao art. 9 2 7 , in R i c a r d o Fiúza (coord.), Novo Código Civil Comentado, São Paulo: S a r a i v a ,
perigosas pelos meios empregados remete a E n r i c o A l t a v i l l a , que a s s i m as exemplifica: "a) perico-
2002, p. 820).
losità per la natura delia cosa: la fabbricazione di polvere è certamente un'attività pericolosa, ma non
60
Também na Itália, a tentativa de associação das atividades perigosas às atividades empresárias lo è Vesercizio tranviario in galleria, perché, se cosi fosse, ogni attività che si svolge in tunnel o di notte
não l o g r o u sucesso. C o m o e s c l a r e c e G i o v a n n a V i s i n t i n i , "la giurisprudenza, pur riservando nella darebbe luogo alVapplicazione delVart. 2050 c.c. La pericolosità Ínsita si rileva anche nella disciplina
maggior parte dei casi, Vapplicazione delVarticolo ad un imprenditore, ha anche ritenuto applicabile di polizia per la concessione di esercizio; b) pericolosità per la natura dei mezzi usati, come per Veser-
la relativa disciplina a soggetti non imprenditori, come chi pratica la caceia, che viene considerata dai cizio dei cavi elettrici aerei ad alta tensione. È stata ritenuta anche attività pericolosa la produzione
giudici attività pericolosa, anche se svolta per finalità di svago o chi svolge determinate attività sporti- e la distribuzione dei metano, la scalpellatura di pietre nella pubblica via, Vesercizio di una segheria
ve" (Trattato breve delia responsabilità civile, Pádua: C e d a m , 1 9 9 0 , p. 7 3 7 ) . elettrica" (La Colpa, cit., p. 1 7 0 ) .
26 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber O Ocaso da C u l p a 27
tribunais já d e c i d i r a m consistir em atividade perigosa, por exemplo, a gestão de É o que se vê, de f o r m a emblemática, na legislação previdenciária, onde o
63 64
a e r o p o r t o s ou a construção imobiliária, excluindo da categoria, p o r o u t r o lado, cálculo da contribuição devida p o r cada empresa para custeio de benefícios rela-
65
a fabricação de c i g a r r o s .
cionados a acidentes de trabalho já v a r i a conforme a classificação de risco da a t i -
É evidente que a experiência estrangeira na matéria serve apenas c o m o ele- vidade econômica desenvolvida. Assim, o art. 202 do Regulamento da Previdência
m e n t o de que se p o d e m socorrer os tribunais brasileiros na qualificação de certa ü
Social, aprovado pelo Decreto n 3.048, de 6 de maio de 1999, estabelece o per-
atividade c o m o "atividade de risco". M a i o r peso deve a d q u i r i r a análise de dados centual de " u m p o r cento para a empresa em cuja atividade preponderante o risco
estatísticos relativos a acidentes provocados, na realidade brasileira, pela a t i v i - de acidente de trabalho seja considerado leve"; "dois por cento para a empresa
dade que se e x a m i n a , a d q u i r i n d o importância não apenas a q u a n t i d a d e de danos em cuja atividade preponderante o risco de acidente do trabalho seja considera-
66
gerados, mas também a sua g r a v i d a d e , m u i t a s vezes já apreendidas em outras do médio"; e, finalmente, "três por cento para a empresa em cuja atividade pre-
67
manifestações da n o r m a t i v a n a c i o n a l . ponderante o risco de acidente de trabalho seja considerado grave". E as diversas
atividades econômicas são separadas entre estes três graus de risco na chamada
CNAE - Classificação N a c i o n a l de Atividades Econômicas, listagem elaborada sob
63
N a avaliação, f o r a m c o n s i d e r a d a s relevantes a s seguintes características d a atividade aeropor-
a coordenação da Secretaria da Receita Federal e orientação técnica do IBGE, c o m
tuária: " L a frequenza di eventi dannosi attestata da incontrovertibili dati statistici, e da elementi di
comune esperienza; la potenzialità altamente lesiva delVattività; la particolare incidenza difattori am- base na análise de dados e estatísticas relativos a acidentes de t r a b a l h o naquele
6 8
bientali e dimanei, che aumentano il rischio di collisione; la sussistenza di una normativa técnica, e di ramo p r o d u t i v o . A l i , pode se verificar, p o r exemplo, que "comércio varejista de
strutture amministrative volte alia prevenzione di infortuni e alia tutela delVincolumità degli utenti." calçados, artigos de couro e viagem" possui risco 1 (leve); "atividades relaciona-
Cf. T r i b u n a l e d i Gênova 5 . 1 0 . 2 0 0 1 , T N T E x p r e s s L t d . c . Autorità p o r t u a l e d i Gênova, A e r o p o r t o d i
das à organização do transporte de cargas" possuem risco 2 (médio); e "comércio
Gênova S . p . A . ; e também G i u d i c e di Pace di M i l a n o , s e z i o n e W, 2 3 . 7 . 2 0 0 2 , in Danno e Responsabi-
lità, n* 3, 2 0 0 3 , p. 3 0 1 - 3 0 2 .
a varejo de combustíveis" corresponde ao risco 3 (grave).
6 4
Cassazione civile, seção I I I , 1 0 . 2 . 2 0 0 3 , n. 1 9 5 4 . I n Danno e Responsabilità, n a
7, 2 0 0 3 , p. 7 8 1 . O g r a u de precisão na classificação de risco consubstanciada na CNAE tende a
e
65
Cf. A l b e r t o G i u l i o C i a n c i , Discovery e Danno da Fumo: Gestione dei Documenti Aziendali, Tecni- se incrementar c o m a alteração trazida pelo Decreto n 6.042, de 12 de fevereiro
che di Difesa e Violazione dei Fair Trial, in Danno e Responsabilità, n. 6, 2 0 0 3 , p. 5 9 8 : "Come si è già de 2 0 0 7 , que p e r m i t e a redução ou a u m e n t o das alíquotas a l i previstas c o m base
visto, la giurisprudenza ha escluso la riconducibilità dei consumo di tabacco a questa categoria, mo- no "desempenho da empresa em relação à sua respectiva atividade", aferido pelo
vendo dalla distinzione tra produzione e consumo, ed attribuendo importanza determinante a questo 69
Fator Acidentário de Prevenção - F A R Tem-se, assim, u m a variação para mais ou
secondo elemento. Pur dovendo segnalare il problema delVidoneità dei prodotto a creare dipendenza,
è possibile aderire a questo orientamento. II processo di condizionamento delia volontà dei fumatore para menos da alíquota, buscando-se alcançar o g r a u de risco da própria empresa
awiene con una certa lentezza. Egli può sempre decidere di smettere difumare, superando gli ostacoli e não apenas da atividade em geral.
di ordine fisico e psicológico. Comprendendo la produzione di tabacco nella nozione di attività perico-
lose, si giungerebbe ad un contenuto eccessivamente ampio. La causa determinante dei pericolo per la
C o m o se vê, no tocante às relações internas entre empregado e empresa, já
salute è comunque data dal comportamento dei consumatore, che incide sul quantum, che rappresenta existe na legislação pátria um parâmetro bastante específico para se aferir o grau
70
Velemento determinante per il rischio di malattia. Per questo Vordinamento deve favorire la corretta de risco da atividade concretamente d e s e n v o l v i d a . Nada impede que u m a classi-
informazione quale valore assoluto, in modo da tutelare in primo luogo Vautodeterminazione delle
scelte e-in conseguenza - la salute. Si tenga poi presente che, nel caso delia produzione di tabacco, si
giungerebbe ad una probatio diabólica per il fabbricante, perche le attività volte alia prevenzione dei ficação: " L a nozione di attività pericolosa aifini delVart. 2050 c.c, in altri termini, vaintesa in senso
danno rientrano solo minimamente nella própria sfera di controllo e rientrano quasi esclusivamente ampio, comprensiva sia delle attività che, avendo in sé una pericolosità collettiva e qualificata, siano
in quella dei consumatore." come tali considerate dalla legge di pubblica sicurezza o da leggi speciali, sia di tutte quelle altre in cui
66 si riscontri una pericolosità intrínseca o in relazione.ai mezzi adoperati, [ . . . ] Ne risulta la individua-
" C o m b a s e nos r e c u r s o s m e n c i o n a d o s (estatísticos e técnicos), deve o o p e r a d o r d a , n o r m a a p u -
zione difattispecie tipiche ed atipiche di attività perícolose" (Paolo R e c a n o , La Responsabilità Civile da
r a r a p e r i c u l o s i d a d e a p a r t i r de dois critérios, u m . d e o r d e m q u a n t i t a t i v a e outro de o r d e m qualita-
Attività Pericolose, cit., p. 2 2 ) .
tiva, q u a i s s e j a m : a) a q u a n t i d a d e dos d a n o s h a b i t u a l m e n t e c a u s a d o s p e l a ^atividade em questão;
68
b) a g r a v i d a d e de tais d a n o s . A a t i v i d a d e será, então, p e r i g o s a q u a n d o e s t a t i s t i c a m e n t e é c a u s a A C N A E pode ser c o n s u l t a d a n o site < w w w . c n a e . i b g e . g o v . b r > .
freqüente de d a n o s e q u a n d o esses d a n o s são graves" ( R a q u e l B e l l i n i de O l i v e i r a S a l l e s , A Exposi- 69
E m a p e r t a d a síntese, o F A P l e v a e m consideração índices d e freqüência, g r a v i d a d e e custo dos
ção a Perigo como Fato Gerador da Obrigação de Indenizar no Código Civil de 2002, R i o de J a n e i r o , acidentes ocorridos em c a d a e m p r e s a . Veja-se, a respeito, o art. 2 0 2 - A do já referido R e g u l a m e n t o
dissertação d e m e s t r a d o a p r e s e n t a d a a o P r o g r a m a d e Pós-Graduação d a F a c u l d a d e d e Direito d a fí
da Previdência S o c i a l , c o m a redação que lhe foi d a d a pelo D e c r e t o n 6 . 0 4 2 / 2 0 0 7 .
U E R J , 2004, p. 157). 70
Note-se, todavia, que os efeitos desta avaliação de risco na relação e m p r e g a d o - e m p r e g a d o r são
67
A s s i m , leis especiais relativas à s e g u r i d a d e s o c i a l ou à segurança pública m u i t a s v e z e s já reve- de o r d e m previdenciária, não se estendendo, neste caso, à r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l , já que o art. 7-,
l a m a preocupação do legislador e da sociedade c o m o alto p o t e n c i a l lesivo de d e t e r m i n a d a s ativi- inciso X X V I I I , d a Constituição, é expresso ao c o n d i c i o n a r a indenização a d i c i o n a l ao seguro contra
d a d e s . Daí a n e c e s s i d a d e de i n t e r p r e t a r o parágrafo único do art. 9 2 7 em sentido a m p l o e aberto, acidentes de t r a b a l h o à verificação de dolo ou c u l p a do e m p r e g a d o r ( r e s p o n s a b i l i d a d e subjetiva,
e x a t a m e n t e c o m o a m e l h o r d o u t r i n a i t a l i a n a t e m sustentado e m relação a o art. 2 . 0 5 0 d a s u a codi- portanto).
28 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber O Ocaso da C u l p a 29
ficação, semelhante seja elaborada c o m base nas estatísticas de acidentes sofridos estas teorias têm como p o n t o c o m u m a proposição de u m a responsabilidade i n -
p o r terceiros em decorrência de cada atividade econômica para fins de aplicação dependente de culpa, de t a l m o d o que, mais recentemente, chegou-se mesmo a
7 1
do art. 9 2 7 , parágrafo único, do Código C i v i l . Classificações de risco, aliás, já
advertir que a teoria do risco "talvez se resuma, no fundo, a u m a proposição p u -
são desenvolvidas, c o m a l g u m a freqüência, por institutos ligados à prevenção de
ramente negativa: ser responsável p o r risco é o ser mesmo que não se tenha i n -
danos em áreas específicas e p o r seguradoras privadas c o m o i n s t r u m e n t o impres- 74
corrido e m c u l p a " .
cindível para sua atividade. Todos estes parâmetros p o d e m e devem servir de au-
xílio ao magistrado no m o m e n t o de aferir se certa atividade se configura ou não C o m efeito, o discurso do risco como fundamento exclusivo da responsabili-
como atividade que, n o r m a l m e n t e , traz risco aos direitos de o u t r e m nos termos dade objetiva parece, hoje, questionável. Demonstra-o o próprio dado n o r m a t i v o .
da n o v a cláusula geral do art. 9 2 7 . Se é certo que o legislador a t r i b u i à criação do risco um papel relevante no meca-
nismo da responsabilidade objetiva -'Como se vê da cláusula geral de responsabi-
lidade objetiva p o r atividades de risco excessivo ou a n o r m a l -, não se pode dizer
6 A responsabilidade objetiva e seu significado a t u a l que consista em sua única fonte. Hipóteses legais há em que a criação de um risco
pelo sujeito responsável mostra-se de difícil ou a r t i f i c i a l identificação.
A cláusula geral de responsabilidade objetiva por atividades de risco demonstra
Pense-se, p o r exemplo, na responsabilidade objetiva pelo effusum et deiectum,
a importância que a noção de risco apresenta para esta espécie de responsabilida-
de. De fato, f o i sobretudo c o m base na idéia de que u m a pessoa deve responder em que o dano pode se ter verificado sem qualquer participação do ocupante do
pelos riscos derivados da sua atividade (culposa ou não) que a responsabilidade apartamento de onde cai o objeto que v e m a a t i n g i r a vítima - objeto que, i n c l u -
objetiva l o g r o u atrair adeptos em todos os ordenamentos, encerrando o império sive, poderia estar preso ao i n t e r i o r do a p a r t a m e n t o ou seguro p o r um aparato
72
exclusivo da culpa, no que já f o i definido como u m a " t r i p l a liberação". qualquer, não representando, socialmente, um risco. Parece certo que, em hipó-
A u n a n i m i d a d e i n i c i a l em t o r n o da teoria do risco veio, progressivamente, dar teses assim, a opção do legislador pela responsabilidade objetiva atende menos a
lugar a discussões mais sofisticadas, c o m diversos desdobramentos que i n c l u e m uma - m u i t a s vezes inexistente - contribuição do responsável para a criação ou
a teoria do risco-proveito, a teoria do risco-criado, a teoria do risco de empresa, incrementação do risco, e mais à necessidade de se assegurar à v i t i m a o d i r e i t o a
73
a teoria do risco integral, a teoria do risco m i t i g a d o e assim p o r d i a n t e . Todas alguma reparação, que restaria frustrada, na prática, houvesse ela de demonstrar
a culpa do morador, já que o desprendimento do objeto pode ter b e m se dado p o r
71
D o m e s m o m o d o , n o c a m p o das relações entre empregado-empregador, j á s e l e v a e m considera- razões m u i t o próximas da m e r a fatalidade.
ção, p a r a fins previdenciários, o g r a u de n o r m a l i d a d e de certa lesão no exercício d a q u e l a atividade (o
c h a m a d o " N T E P - N e x o Técnico Epidemiológico Previdenciário"), e n a d a i m p e d e que se d e s e n v o l v a Exemplo ainda mais eloqüente se v i s l u m b r a na responsabilidade objetiva do
método s e m e l h a n t e no c a m p o da r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l objetiva, p a r a d a n o s c a u s a d o s a terceiros. tutor pelos atos do tutelado, do curador pelo curatelado e assim p o r diante. Não
72
A expressão refere-se a u m a liberação jurídica, filosófica e política, t e n d o sido c u n h a d a p o r se pode, p o r certo, nestes casos, falar em criação de um risco pelo t u t o r ou pelo
François E w a l d , La Faute Civile, Droit et Philosophie, in Droits - Revue Française de Théorie Juridique,
Q
n 5, 1 9 8 5 , Paris: PUF, p. 4 9 : "L'institution d'un régime de réparation fondé sur le risque avait comme
curador, que d e s e m p e n h a m , m u i t o ao contrário, u m a função socialmente útil.
signification une triple libération. Libération juridique d'abord: la dépendance à l'égard d'un examen Atribui-lhes a l e i , entretanto, responsabilidade objetiva como consectário do en-
de la causalité des dommages dans laquelle l'idée de faute maintenait le régime de leur réparation se cargo social que desempenham, não c o m a finalidade de sancionar a criação ou
trouvait défaite. Affranchissement considérable puisqu'il revenait à situer le siège de l'obligation délic-
tuelle dans le contrat social, lui-même révisable, et non plus, comme on l'avait fait si longtemps, dans la
nature. Libération philosophique ensuite, puisque le droit de la responsabilité se trouvait ainsi affranchi certos riscos; a teoria do risco i n t e g r a l i n t r o d u z , a rigor, u m a classificação r e l a t i v a à extensão da
de toute référence aune métaphysique et à une problématique du fondement Celui-ci ne peut plus être r e s p o n s a b i l i d a d e ( s e n d o i n t e g r a l ou m i t i g a d o o risco, c o n f o r m e se a d m i t a ou não a exclusão de
que dans la loi, l'expression de la volonté du groupe, désormais libre de disposer à son gré des modes responsabilidade p o r caso fortuito ou força m a i o r ) . P a r a estas e o u t r a s vertentes da teoria do risco,
les plus justes de répartition de la charge des dommages. Libération politique enfin: grâce à l'idée de ver a sistemática exposição de F e r n a n d o N o r o n h a , Direito das Obrigações, v. 1, São Paulo: S a r a i v a ,
risque, la politique dela responsabilité (et de la sanction des conduites) se trouve déliée des rapports 2003, p. 485-490.
qu'elle entretenait avec celle de la protection des victimes." 74
A advertência é de Y v o n n e F l o u r : "En dépit d'un succès incontestable qui tient essentiellement à
73
E m a p e r t a d a síntese, a teoria d o r i s c o - p r o v e i t o impõe que q u e m extrai proveito d e c e r t a ativida- ce qu'elle a levé un obstacle psychologique, la théorie du risque semble parfois avoir déçu. C'est peut-
de r e s p o n d a também pelos riscos que e l a t r a z ; a teoria do risco c r i a d o a b s t r a i a noção de proveito être qu'elle se résume au fond en un proposition puremente négative: être responsable pour risque, c'est
e c o n s i d e r a c o m o f u n d a m e n t o da r e s p o n s a b i l i d a d e a simples a t i v i d a d e c r i a d o r a de risco; a teoria l'être même si on n'a pas commis de faute" (Faute et Responsabilité civile: Déclin ou R e n a i s s a n c e ? ,
do risco de e m p r e s a a p l i c a esta m e s m a idéia à atividade e m p r e s a r i a l / c o n s i d e r a n d o - l h e inerentes cit., p. 2 9 ) .
30 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r O O c a s o da C u l p a 31
tf
majoração de um risco, mas c o m o f i m exclusivo de assegurar indenização a q u e m 7 As p r e s u n ç õ e s de c u l p a e a t e n d ê n c i a à o b j e t i v a ç ã o
75
se vê lesado pelo ato de u m a pessoa que recebe do d i r e i t o especial proteção.
Paralelamente à evolução da responsabilidade objetiva, e c o m a mesma f i -
A análise das hipóteses legais revela um segundo aspecto: o de que a cons-
nalidade de evitar as dificuldades trazidas pela p r o v a diabólica, presunções de
trução do risco como fundamento exclusivo da responsabilidade objetiva parece
culpa f o r a m , em toda parte, instituídas pela jurisprudência ou prospectadas pela
d i r i g i d a a anseios de imputação subjetiva que, hoje, já não se m o s t r a m tão necessá- d o u t r i n a no próprio texto das codificações. A q u i , não se t r a t a de ignorar o ele-
rios. Verifica-se u m a crescente conscientização de que a responsabilidade objetiva mento culpa, mas tão-somente de i n v e r t e r o ônus da demonstração em benefício
consiste em u m a responsabilização não pela causa ( c o n d u t a negligente, conduta da vítima, c o n t r a r i a n d o o brocardo actori incumbit probatio - regra que, "toma-
criadora de risco e t c ) , mas pelo resultado ( d a n o ) , distanciando-se, por conseguin- da a rigor, em sentido estreito, a t r i b u i ao prejudicado um esmagador handicap:
te, de considerações centradas sobre a socialização dos riscos, para desaguar em impõe-lhe demonstrações de fatos que, p o r sua própria natureza, pelas próprias
u m a discussão mais finalística sobre a socialização das perdas. circunstâncias que o cercam, i m p o s s i b i l i t a m à vítima qualquer prova; e isso é o
76
mesmo que negar-lhe qualquer reparação". Por m e i o das presunções de culpa,
É evidente que, em última análise, a própria opção legislativa pela responsa-
então, "o ônus da prova é deslocado; é sobre os ombros do demandado, do p r o -
b i l i d a d e c o m culpa ou sem culpa i m p l i c a u m a redistribuição de riscos no contexto
prietário, do guardião, do empregador, que ele pesa e não mais sobre os ombros
social, mas t a l opção tanto pode ser guiada pelo fato de o sujeito responsável ter 77
da vítima".
efetivamente contribuído c o m sua atividade para a criação ou majoração do risco,
quanto p o r a l g u m o u t r o fator qualquer, como a acentuada dificuldade de prova Ideologicamente, a presunção de culpa representava u m a solução intermediá-
da culpa em casos daquela espécie ou a atribuição ao responsável de um encargo ria, que i m p e d i a as injustiças perpetradas pela severa exigência da prova da culpa,
social específico que justifica a responsabilização. O que se vê, p o r t a n t o , é que o ao mesmo t e m p o em que negava acolhida à teoria do risco como novo fundamento
78
de responsabilidade. Na prática, todavia, as presunções de culpa f o r a m passan-
risco aparece não como causa (rectius: f u n d a m e n t o ) , mas como efeito da opção
do, por m e i o da atuação j u r i s p r u d e n c i a l , de presunções relativas para presunções
legislativa, exatamente da mesma maneira que se p o d e r i a dizer que, na responsa-
absolutas, de t a l m o d o que o j u i z , ao f i n a l , já presumia de f o r m a tão definitiva a
b i l i d a d e subjetiva, se a t r i b u i ao agente o risco derivado de sua conduta culposa.
culpa do ofensor que isso equivalia a dispensá-la para fins de responsabilização.
Em síntese: a criação ou majoração de um risco, c o m o noção jurídica empre-
É emblemático, no Brasil, o caso da responsabilidade do preponente pelos
gada p o r cláusulas gerais de responsabilização/continua sendo i m p o r t a n t e fator atos do preposto. A d o u t r i n a já havia, c o n t r a a expressa exigência de prova cons-
na aplicação da responsabilidade objetiva, mas perde seu papel de fundamento tante do art. 1.525 do Código C i v i l de 1916, a u t o r i z a d o a presunção de culpa do
exclusivo do i n s t i t u t o na m e d i d a em que se v i s l u m b r a m hipóteses de incidência preponente e, logo, a jurisprudência d o m i n a n t e , consagrada na Súmula 3 4 1 do
desta espécie de responsabilidade em que não se pode, ou em que se pode apenas Supremo T r i b u n a l Federal, veio declarar t a l hipótese c o m o de presunção iuris et
artificialmente, invocar o risco como fator de vinculação entre o dever de indenizar 79
de iure, v e d a n d o a p r o v a e m contrário. O n o v o Código C i v i l apenas encerrou
e o agente. Em tais situações, a responsabilidade objetiva parece revelar a sua ver- formalmente o processo, declarando em termos expressos a responsabilidade ob-
dadeira essência na contemporaneidade: não a de u m a responsabilidade por risco, jetiva do "empregador ou comitente, p o r seus empregados, serviçais e prepostos,
mas a de u m a responsabilidade independente de culpa ou de qualquer o u t r o fator
de imputação subjetiva, inspirada pela necessidade de se garantir reparação pelos 7 6
José d e A g u i a r D i a s , Da Responsabilidade Civil, cit., p. 1 0 1 .
danos que, de acordo c o m a solidariedade social, não d e v e m ser exclusivamente 77
L o u i s J o s s e r a n d , Evolução da Responsabilidade Civil, cit., p. 5 5 5 .
suportados pela vítima - u m a proposição, p o r t a n t o , essencialmente negativa. 78
"Trata-se d e u m a espécie d e solução t r a n s a c i o n a l o u e s c a l a intermediária, e m que s e c o n s i d e r a
não p e r d e r a c u l p a a condição de suporte da r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l , e m b o r a aí já se d e p a r e m indí-
cios de s u a degradação c o m o e l e m e n t o etiológico f u n d a m e n t a l da reparação, e aflorem fatores de
consideração d a vítima c o m o c e n t r o d a e s t r u t u r a ressarcitória, p a r a a t e n t a r d i r e t a m e n t e p a r a a s
condições do l e s a d o e a n e c e s s i d a d e de s e r i n d e n i z a d o " ( C a i o Mário da S i l v a P e r e i r a , Responsabili-
75
Em sentido s e m e l h a n t e , a Corte di Cassazione i t a l i a n a já d e c i d i u , no que tange à aplicação da
dade Civil, cit., p. 2 6 3 ) .
r e s p o n s a b i l i d a d e p o r custódia de coisas i n a n i m a d a s , prevista n o art. 2 . 0 5 1 do Código C i v i l italiano,
7 9
que "il critério di imputazione delia responsabilità per i danni cagionati a terzi da cosa in custodia è la Ver, sobre a evolução do instituto, L u i z Roldão d e F r e i t a s G o m e s , Elementos de Responsabilida-
disponibilità difattò e giuridica sulla cosa che comporá il poter-dovere di intervenire sulla cosa" ( C a s - de Civil, in Curso de Direito Civil ( c o o r d . R i c a r d o P e r e i r a L i r a ) , R i o de J a n e i r o : Renovar, 2 0 0 0 , p.
2 Q
s a z i o n e civile, seção I I I , 1 0 . 2 . 2 0 0 3 , n 1 9 4 8 , i n Danno e Responsabilità, n 7 , 2 0 0 3 , p . 7 8 3 - 7 8 4 ) . 119-120.
32 Novos Paradigmas da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber O Ocaso da C u l p a 33
no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele" (arts. 9 3 2 , inciso riência brasileira. Por t o d a parte, as presunções de culpa vêm sendo empregadas
III, e 933). de forma cada vez mais abrangente e rigorosa, de m o d o a reduzir ao máximo a
Para designar as presunções de culpa iuris et de iure já se i n v o c o u mesmo a importância da culpa, chegando-se, muitas vezes, a u m a responsabilização de t i p o
80
expressão ficções de culpa. Isto porque tais presunções c o n d u z e m a efeitos idên- objetivo. Basta mencionar, a título i l u s t r a t i v o , o que ocorreu na França c o m rela-
ticos aos da responsabilidade objetiva. Como registra De Cupis, "onde a ausência ção à teoria da guarda. Como se sabe, a teoria da guarda extraída do art. 1.384,
de culpa não pode ser provada, é evidente que se responde independentemente I, do Code Civil, conquistou rapidamente a c o m u n i d a d e jurídica francesa, sendo
81
da culpa, não por culpa p r e s u m i d a " . Somente o apego f o r m a l à teoria da culpa entendida c o m o presunção de culpa do guardião p o r todos os danos a que o obje-
85
j u s t i f i c a r i a a manutenção de tais hipóteses sob o m a n t o da responsabilidade sub- to da sua guarda der causa. Em 1930, c o m o i m p o r t a n t e arrêt Jand'heur, a Cour
j e t i v a . O d i r e i t o , porém, veio gradativamente se l i v r a n d o desta "farsa jurídica" 82
de Cassation reverteu o posicionamento i n i c i a l , d e c i d i n d o que a responsabilidade
86
na m e d i d a em que se e x p a n d i u a aceitação da responsabilidade objetiva. do guardião t i n h a natureza o b j e t i v a e desprezando anteriores restrições à no-
87
ção de guarda baseadas na periculosidade ou vício da c o i s a . O uso atual da te-
Não por outra razão, o Código Civil brasileiro de 2 0 0 2 converteu e m hipóte-
oria da guarda na jurisprudência francesa revela, contudo, que a teoria t e m sido
ses de responsabilidade objetiva inúmeras situações de culpa p r e s u m i d a a que a
largamente estendida para se alcançar a reparação das vítimas de danos, muitas
jurisprudência v i n h a dando tratamento rigoroso. É o que se verifica na responsa-
vezes, casuais.
b i l i d a d e p o r fato de terceiro, como a dos pais pelos atos dos filhos menores que
estiverem sob sua autoridade e em sua c o m p a n h i a (art. 9 3 2 , inciso I ) , ou a já Neste sentido, a Cour d'appel de Paris, e x a m i n a n d o a situação de um alpinista
mencionada responsabilidade dos tutores e curadores, p o r pupilos e curatelados, atingido p o r u m a pedra deslocada p o r um colega que seguia acima dele na esca-
que se acharem nas mesmas condições (art. 932, inciso I I ) . Também f o i o que 8 3
lada, a p l i c o u a teoria da guarda, p r e s u m i n d o a responsabilidade deste último por
ocorreu c o m a responsabilidade por fato de animais, em que se e l i m i n o u a exclu- ter se t o r n a d o , no e n t e n d i m e n t o da corte, "guardião da pedra", e, conseqüente-
dente fundada na demonstração de que houvera guarda e vigilância do a n i m a l mente, responsável pelos danos derivados do seu deslocamento. A decisão f o i , em
"com o cuidado preciso", constante da codificação de 1 9 1 6 . 8 4
boa hora, r e f o r m a d a pela Cour de Cassation que r e c o r d o u somente ser possível
a aplicação da teoria da guarda sobre bens ou animais sobre os quais o respon-
Vislumbra-se, assim, u m a nítida objetivação das hipóteses de responsabilidade
sável tenha c o m a n d o ou governabilidade, o que não se aplica, evidentemente, à
subjetiva c o m culpa presumida, seja p o r força da prática j u r i s p r u d e n c i a l , seja em 88
relação estabelecida entre alpinistas e p e d r a s . O caso ilustra como o conceito
v i r t u d e da atuação expressa do legislador. Tal tendência não é p r i v a t i v a da expe-
85
80
S o b r e a t e o r i a da g u a r d a no direito francês, v e r M a r c e l P l a n i o l e G e o r g e s R i p e r t , Traité Pratique
A r n o l d o M e d e i r o s , A conveniência da revisão do Código Civil, in Revista de Crítica Judiciária, v.
de Droit Civil Français, Paris: L G D J , 1 9 3 0 , p. 8 3 4 , o n d e se a f i r m a v a que a teoria d a g u a r d a i m p l i c a
2 8 , p. 2 0 1 . u
a presunção de c u l p a sur celui à qui incombe, pour prévenir les dommages, la garde et surveillance de
81
No o r i g i n a l : "ove Vassenza di colpa non può provarsi, è evidente che si risponde oltre la colpa, non la chose". Decisão célebre sobre o t e m a é o arrêt Teffaine, de 16 de j u n h o de 1 8 9 6 .
per colpa presunta" ( A d r i a n o De C u p i s , II Donno, cit., p. 1 4 7 ) . 86
Cour de Cassation, Chambres réunies, 1 3 . 2 . 1 9 3 0 : "Attendu que la présomption de responsabilité
82
A expressão é de E n r i c o A l t a v i l l a , La Colpa, cit., p. 1 5 6 : "MaVevolversi dei diritto ci va liberando, établie par cet article à Vencontre de celui qui a sous sa garde la chose inanimée qui a causé un dom-
in matéria di colpa, di questa menzogna giuridica, imposta da una dottrina che non si rassegna a con- mage à autrui ne peut être détruite que par la preuve d'un cas fortuit ou de force majeure ou d'une cause
cepire una responsabilità senza colpa e la definisce presunta, anche quando da essa prescinde." étrangère qui ne lui soit pas imputable ; qu'il ne suffit pas de prouver qu'il n'a commis aucune faute ou
83
O art. 9 3 2 d e t e r m i n a : "São também responsáveis p e l a reparação civü: I - os p a i s , pelos filhos que la cause du fait dommageable est demeurée inconnue."
m e n o r e s que e s t i v e r e m sob s u a a u t o r i d a d e e em s u a c o m p a n h i a ; II - o tutor e o curador, pelos pupi- 87
A i n d a Coitr de Cassation, Chambres réunies, 1 3 . 2 . 1 9 3 0 : "La loi pour l'application de la présomp-
los e c u r a t e l a d o s , que se a c h a r e m nas m e s m a s condições; I I I - o e m p r e g a d o r ou comitente, p o r seus tion qu'elle édicté ne distingue pas suivant que la chose qui a causé le dommage était ou non actionnée
e m p r e g a d o s , serviçais e prepostos, no exercício do t r a b a l h o q u e lhes competir, ou em razão dele; IV par la main de l'homme, et il n'est pas nécessaire que la chose ait un vice inhérent à sa nature et sus-
- os donos de hotéis, h o s p e d a r i a s , casas ou estabelecimentos o n d e se a l b e r g u e p o r d i n h e i r o , m e s m o ceptible de causer le dommage, l'article 1384 rattachant la responsabilité à la garde de la chose, non
p a r a fins de educação, pelos seus hóspedes, m o r a d o r e s e e d u c a n d o s ; V - os que gratuitamente h o u - à la chose elle-même"
v e r e m participado nos produtos do c r i m e , até a c o n c o r r e n t e q u a n t i a . " O dispositivo sucessivo, por 88
No o r i g i n a l : "Ne donne pas de base légale à sa décision au regard de l'art. 1384, al. 1er, c.civ., la
s u a v e z , a f i r m a : "Art. 9 3 3 . As pessoas i n d i c a d a s n o s incisos I a V do artigo antecedente, a i n d a que
cour d'appel qui, pour condamner in solidum le demandeur, sa compagnie d'assurances et sa mutuelle,
não h a j a c u l p a de s u a parte, responderão pelos atos p r a t i c a d o s pelos terceiros a l i referidos."
à payer diverses sommes au défendeur et à la Caisse primaire d'assurance maladie en réparation du
84
"Art. 9 3 6 . 0 dono, ou detentor, do a n i m a l ressarcirá o d a n o por este c a u s a d o , se não provar, c u l p a préjudice corporel résultant de la chute d'une pierre provoquée, au cours de l'escalade d'une falaise, par
d a vítima o u força maior." O art. 1.527 do Código C i v i l de 1 9 1 6 , ao t r a t a r d a m e s m a matéria, a d m i t i a le demandeur, retient que ce dernier a précisé que la victime avait été frappée par une pierre qui s'était
a exclusão de responsabilidade c a s o o dono ou detentor do a n i m a l d e m o n s t r a s s e "que o g u a r d a v a e détachée alors qu'elle lui servait de prise et que celui-ci, en utilisant une pierre déterminée comme prise,
v i g i a v a c o m o c u i d a d o preciso", i n s e r i n d o a hipótese no âmbito da C u l p a p r e s u m i d a . en est devenue gardien, sans préciser en quoi, en prenant appui sur cette pierre déterminée, il avait ac-
O Ocaso da C u l p a 35
34 Novos Paradigmas da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
tf
t r a d i c i o n a l da teoria da guarda t e m sido alargado, a f i m de r e d u z i r ou até e l i m i - Sob t a l designação, a culpa passou a ser e n t e n d i d a como "o erro de conduta",
nar, em m u i t o s casos, o peso que a p r o v a da culpa desempenharia na dinâmica apreciado não em concreto, c o m base nas condições e na capacidade do próprio
t r a d i c i o n a l da responsabilidade civil, mesmo no que tange à exclusão da relação agente que se pretendia responsável, mas em abstrato, isto é, em u m a objetiva
92
de causalidade. comparação c o m um m o d e l o geral de c o m p o r t a m e n t o . A apreciação em abstrato
do c o m p o r t a m e n t o do agente, i m u n e aos aspectos anímicos do sujeito, justifica
C o m efeito, na m a i o r parte dos ordenamentos de tradição romano-germânica,
a expressão culpa objetiva, sem confundi-la c o m a responsabilidade objetiva, que
fala-se em u m a proliferação de presunções j u d i c i a i s , ou presunzioni difatto, ou, 93
ainda, présomption delVhomme no âmbito de aferição da culpa. Neste sentido, já prescinde da c u l p a . Para evitar confusões, c o n t u d o , parte da d o u t r i n a passou
sustentava Josserand que "há fatos que t r a z e m em si mesmos a p r o v a de sua o r i - a reservar a t a l concepção a denominação de culpa normativa, p o r fundar-se em
gem, que são por assim dizer assinados", e, suscitando o exemplo de u m a colisão juízo n o r m a t i v o entre a conduta concreta do sujeito e o m o d e l o abstrato de com-
de trens, concluía: "o fato danoso é um fato culposo; o empresário de transpor- portamento. Seja q u a l for a t e r m i n o l o g i a empregada, a idéia da culpa como des-
tes é presumido em culpa, sendo-lhe ressalvado provar o caso de força m a i o r ; o nível de conduta, aferido em abstrato, afigura-se, hoje, como a mais amplamente
94
89
ônus da prova lhe incumbe i n t e i r a m e n t e " . No mesmo sentido, a lição de Massi- aceita na m a i o r parte dos ordenamentos jurídicos.
mo Bianca, para q u e m "o dano n o r m a l m e n t e evitado p o r u m a conduta diligente C o m o m o d e l o abstrato de c o m p o r t a m e n t o , emprega-se tradicionalmente, nos
90
c o m p o r t a , p o r t a n t o , a presunção da c u l p a . "
ordenamentos de civil law, o parâmetro romanista do bónus pater famílias, enten-
No atual contexto, as designadas presunções de fato parecem representar não dido c o m o o homem médio, o homem-padrão, o indivíduo prudente. Entende a 95
t a n t o um artifício externo para sublimação do peso da p r o v a da culpa, mas u m a d o u t r i n a que, para 'Verificar se existiu, ou não, erro de conduta, e p o r t a n t o c u l -
alteração, ainda que c o m a mesma finalidade, no próprio método de aferição da pa, p o r parte do agente causador do dano, mister se faz comparar o seu compor-
culpa, e, mais que isso, no verdadeiro núcleo conceituai da noção. tamento c o m aquele que seria n o r m a l e correndo em um h o m e m médio, fixado
como padrão. Se de t a l comparação resultar que o dano d e r i v o u de u m a i m p r u -
dência, imperícia ou negligência do a u t o r do dano, nos quais não i n c o r r e r i a o ho-
8 As alterações na noção de c u l p a : o divórcio da m o r a l m e m padrão, criado in abstracto pelo julgador, caracteriza-se a culpa, ou seja, o
96
erro de c o n d u t a . " E não é substancialmente diversa a m e t o d o l o g i a adotada nos Se, p o r um lado, a concepção objetiva ( o u n o r m a t i v a ) da culpa atenua, i n t e n -
97
ordenamentos de common law, onde se invoca o chamado reasonableman como samente, as dificuldades inerentes à sua demonstração, por o u t r o - e, a rigor, exa-
98
parâmetro abstrato de c o m p o r t a m e n t o . tamente p o r essa razão - i m p l i c a um flagrante divórcio entre a culpa e sua tradição
C o m isso, evita-se o subjetivismo inerente a u m a análise em concreto, pres- moral. O agente não é mais t i d o em culpa p o r ter agido de f o r m a reprovável no
c i n d i n d o da investigação psicológica das intenções, previsões ou características sentido m o r a l , mas simplesmente por ter deixado de e m p r e g a r a diligência social
pessoais d o agente. Como explica A l v i n o L i m a : "Devemos fazer abstração das média, a i n d a que sua capacidade se encontre aquém deste patamar. Em outras
circunstâncias internas do agente, isto é, do seu estado de a l m a , hábitos, caráter, palavras, o indivíduo pode ser considerado culpado ainda q^ie "tenha feito o seu
o u , n u m a palavra, das circunstâncias de o r d e m intelectual, para atendermos tão- melhor para evitar o d a n o " . 101
103
seqüência. Seu método de aferição, essencialmente abstrato, é deliberadamen- 9 O a t a q u e ao bônus pater famílias e ao reasonable man
te indiferente ao juízo m o r a l - concreto por necessidade. O c o m p o r t a m e n t o do
agente não é mais avaliado em face do que se deveria esperar dele, mas do que se "Pois homens diligentes e avisados v i o l a m , m u i t o freqüentemente, um dever
espera do bônus pater famílias. Mais que isso, a passagem de um método de afe-
legal, contratual ou m o r a l . Um patife pode ser bastante prudente. E crê-se, diver-
rição in concreto àquele in abstracto t e m impactos profundos na responsabilidade
sas vezes, m u i t o hábil em escapar v o l u n t a r i a m e n t e a u m a obrigação. O canalha
civil, marcando, para diversos autores, a inauguração de u m a n o v a compreensão
que seduz u m a moça, o h o m e m de finanças que p r o m o v e um negócio duvidoso, o
do i n s t i t u t o , mais técnica, como exige a realidade atual, e menos ética, espiritual
104 comerciante que desvia deslealmente a clientela de o u t r o , são geralmente pessoas
ou m o r a l , como recomendava a tradição canónica.
hábeis e diligentes. Sua culpa é de haver d i r i g i d o esta habilidade à violação de um
A transformação, todavia, não se dá sem críticas; algumas delas extremamen- 109
d e v e r . " C o m estas palavras, Savatíer p r e c o n i z o u a oposição à idéia do bônus pa-
te argutas, como a de Demogue, para q u e m a análise in abstracto consiste n u m a
105
ter famílias, do h o m e m prudente, c o m o parâmetro para avaliação da culpa. A sua
contradição à própria idéia da responsabilidade s u b j e t i v a . Na mesma direção,
crítica, somaram-se, ao longo do t e m p o , muitas outras, que ainda hoje n o r t e i a m
chegou-se a sustentar, diante da nova concepção da culpa, a i m p r o p r i e d a d e da
os debates em t o r n o da culpa nos ordenamentos romano-germânicos.
expressão responsabilidade objetiva, oposta a responsabilidade subjetiva, "partindo
da consideração de que o critério que i n f o r m a a responsabilidade de acordo c o m O ataque ao m o d e l o abstrato de c o m p o r t a m e n t o fez-se sentir também nos
o padrão do b o m p a i de família é o b j e t i v o " . 106
chamados sistemas de common law, o n d e o reasonable man já f o i descrito como
110
Em sentido semelhante, ressaltou-se que a apreciação in abstracto da culpa "an odious and insujferable creature who never makes a mistake". A própria ex-
contrariava toda a tradição m o r a l do i n s t i t u t o e sua vinculação à iniuria do d i r e i t o pressão reasonable man v e m sendo substituída, naquele sistema, por reasonable
romano, e que, t o m a d a em sentido objetivo, a culpa se convertia em u m a deforma- person, n u m a tentativa pouco eficaz de responder à objeção segundo a q u a l o ter-
ção, c o m a única finalidade de "manter as aparências". E se a f i r m o u , ainda, sob 107
mo man invoca parâmetros típicos dé c o m p o r t a m e n t o masculino, inadequados às
111
a perspectiva u t i l i t a r i s t a , que, por razões evidentes, "a culpa apreciada in concreto mulheres - crítica de que também o pater famílias, p o r óbvio, não escaparia.
108
é mais apta a incitar os indivíduos a se m o s t r a r e m mais p r u d e n t e s " . Longe de cingirem-se a u m a m e r a discussão lingüística em t o r n o da proprie-
Sem embargo de todas estas ponderações, o certo é que as críticas mais i n t e n - dade das expressões empregadas, os ataques d i r i g i d o s ao bônus pater famílias e
sas e mais atuais à culpa objetiva dirigem-se não ao método abstrato de aferição ao reasonable man d e m o n s t r a m que a pretensa n e u t r a l i d a d e do m o d e l o abstrato
em si, mas ao m o d e l o abstrato de c o m p o r t a m e n t o empregado na tradição roma- de c o m p o r t a m e n t o , seja na tradição romano-germânica, seja na anglo-saxônica,
no-germânica e na tradição anglo-saxônica. oculta, a rigor, um m o d e l o específico antropologicamente definido: o do próprio
112
j u l g a d o r . É mesmo i n t u i t i v o que, na aplicação de um standard de elevado grau
1 0 3
Neste sentido, H e n r i M a z e a u d , Léon M a z e a u d e André T u n e , Traité théorique et pratique de la de generalização, o j u i z venha a exigir, deliberada ou inconscientemente, do réu
responsabilité civile délictuelle et contractuelle, cit., p. 4 6 8 : "Ceci montre nettement que la notion d'im-
putabilité est extérieure à la faute proprement dite. Elle est peut-être une conséquence de la notion de
1 0 9
faute. Elle n'est pas l'un de ses éléments." "Car des hommes diligents et avisés manquent trop souvent à un devoir légal, contractuel ou mo-
1 0 4 u
ral. Un coquin peut être très prudent. Et l'on se croit parfois très habile d'éluder volontairement une
Neste sentido, referiu-se M a s s i m o B i a n c a a l'abbandono delia concezione etica délia responsa-
obligation. Le roué qui séduit une fille, le financier qui lance une affaire douteuse, le commerçant qui
bilità" (Diritto Civile, v. 5, cit., p. 5 8 0 - 5 8 1 ) .
détourne déloyalement la clientèle d'un autre, sont généralement habiles et diligents. Leur faute est
1 0 5
René D e m o g u e , Traité des Obligations en Général: sources des obligations, t. IIÍ, Paris: L i b r a - d'avoir consacré cette habileté à violer un devoir" (René Savatier, Traité de la Responsabilité Civile en
rie A r t h u r R o u s s e a u , 1 9 2 3 , p. 4 2 6 : "Il faut avouer que la responsabilité in abstracto est contraire au Droit Français, 1.1, Paris: L G D J , 1 9 5 1 , p. 7 ) .
point de départ de la théorie subjective de la responsabilité. S'étant placée nettement au point de vue de 1 1 0
Peter C a n e , Atyiah's Accidents, Compensation and the Law, L o n d o n : W e i d e n f e l d a n d Nicolson,
l'auteur elle se refuse à s'y placer jusqu'au bout fait ici une concession à la théorie objective de la res-
1 9 8 7 , p. 3 7 .
ponsabilité. [ . . . ] En effet l'irresponsabilité dont on bénéficie lorsqu'il y avait impossibilité d'empêcher
1 1 1
le dommage ne s'explique pas." Naomi Cahn, The Looseness of Legal Language. The Reasonable Woman Standard in Theory and
1 0 6 in Practice, in 77 Cornell Law Review 1398,1992.
A s s i m noticia José A g u i a r D i a s , Da Responsabilidade Civil, cit., p . 1 0 0 .
1 1 2
1 0 7
E r a já o e n s i n a m e n t o de G i o r g i o G i o r g i , Teoria delle obbligazioni nel diritto moderno italiano, v.
"Ce détour permet évidemment de sauvegarder les apparences. La victime est indemnisée, le prin-
I X , T o r i n o : U T E T , 1 9 2 7 , p. 4 9 : "Restano dunque inutiligli antichi sistemi, e le disquisizioni che tuttora
cipe de la responsabilité pour faute est théoriquement conservé" ( Y v o n n e F l o u r , Faute et Responsabilité
si vogliono fare sulle graduazioni sistematiche: tanto piu che la diligenza del buon padre di famiglia
Civile: Déclin ou Renaissance?, cit., p. 3 5 ) .
non essendo definita con criteri legali, manca ilfondamento legittimo di ogni teórica; ed ogni giudizio
1 0 8
C o n f i r a - s e u m a p a n h a d o d a s d i v e r s a s posições e m A l v i n o L i m a , Culpa e Risco, cit., p. 6 5 . sulla colpa rimane abbandonato al critério personale del giudice."
O Ocaso da C u l p a 41
40 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r
If
o mesmo cuidado que ele ou seus pares a d o t a r i a m em seu lugar. C o m o já se ob- Todavia, a aplicação do m o d e l o , construído sobre a formação socioeconómica do
servou: magistrado, a certos cenários fáticos, mostra-se a r t i f i c i a l ou ineficaz, porque de-
sacompanhada dos fatores antropológicos que c o n t e x t u a l i z a m á inserção do réu
"Sem embargo, então, do seu d i s t i n t o pedigree, o h o m e m razoável re- na situação que c u l m i n a c o m o evento danoso.
presenta pouco mais que o ponto-de-vista subjetivo de um d e t e r m i n a d o
juiz." 1 1 3 Mais: a transposição do m o d e l o , fundado na percepção j u d i c i a l , a certos con-
textos mostra-se mesmo impossível diante da absoluta disparidade de anteceden-
A identificação do m o d e l o de conduta c o m a consciência j u d i c i a l suscita um tes culturais subjacentes ao próprio cenário em que determinados tipos de con-
grave p r o b l e m a de l e g i t i m i d a d e teórica. E m b o r a sua m a i o r v a n t a g e m prática seja, flitos emergem. Não apenas as desigualdades sociais, como também a crescente
de fato, a facilitação da prova da culpa, o método abstrato sempre teve como j u s t i - complexidade da v i d a contemporânea, a especialização dos setores econômicos
ficativa u m a certa secularização da culpa, no sentido de torná-la u m a noção mais e o avanço desconcertante das novas tecnologias resultam em que, muitas vezes,
científica, v i n c u l a d a a um m o d e l o de conduta que todos p o d e r i a m conhecer e ob- o j u i z se vê diante de situações às quais não se pode transportar. Como poderia
servar, ao invés de deixar a avaliação aos sabores da análise concreta. Entretanto, o julgador, i n d i v i d u a l m e n t e , no isolamento de seu gabinete, p o r exemplo, esta-
o parâmetro de c o m p o r t a m e n t o prudente do j u i z , em sua i n d i v i d u a l i d a d e , afigu- belecer o c u i d a d o médio que deve ser adotado na elaboração das demonstrações
ra-se tão inacessível e tão pessoal q u a n t o o parâmetro do próprio responsável. financeiras de u m a grande empresa, na reparação de u m a aeronave, na atuação
Verifica-se, p o r t a n t o , que a u n i f o r m i d a d e de t a l m o d e l o reside, a rigor, não policial em confronto c o m o c r i m e organizado, na manipulação de m a t e r i a l gené-
em um critério científico válido em termos gerais, mas apenas no fato de que os tico? Tais hipóteses r e v e l a m talvez a mais notável deficiência do m o d e l o abstrato
julgadores possuem todos u m a formação c u l t u r a l semelhante, correspondente a de c o m p o r t a m e n t o : a sua unicidade.
1 1 4
u m a d e t e r m i n a d a camada econômica da sociedade que i n t e g r a m . Se, nos sis-
Prendendo-se a u m a elevada generalização, tanto o bónus pater famílias quan-
temas de common law, o reconhecimento crescente de um papel de poliçy-maker
to o reasonable man tornam-se inúteis à avaliação das situações concretas em sua
aos juízes, sobretudo nas instâncias superiores, p o d e r i a servir a atenuar os efeitos 1 1 5
rica m u l t i p l i c i d a d e . A definição de um padrão único de diligência e razoabili-
negativos de t a l constatação, o mesmo não se verifica nos ordenamentos de t r a d i -
dade parece, de t o d o , incompatível c o m u m a realidade complexa e p l u r a l , como a
ção romano-germânica, onde a situação mostra-se absolutamente desconfortável. 116
que caracteriza as sociedades contemporâneas. Daí fomentar-se, por toda parte,
O desconforto torna-se ainda mais alarmante nos países latino-americanos, onde a
p l u r a l i d a d e de culturas e o imenso abismo econômico existente entre as diversas um fenômeno que se p o d e r i a designar como fragmentação do modelo de conduta,
classes sociais pode resultar em u m a diversidade r a d i c a l entre as concepções de ou seja, a utilização de parâmetros de c o m p o r t a m e n t o específicos e diferenciados
diligência média do j u i z e do sujeito que se pretende responsável. para as mais diversas situações.
1 1 3
Sem abandonar o método in abstracto ou r e t o r n a r a um exame de i m p u t a b i l i -
No o r i g i n a l : "Thus, despite his distinguished pedigree, the reasonable man represents little more
than the subjective viewpoint of a particular judge" ( J o a n n e C o n a g h a n e W a d e M a n s e l t , The Wrongs
dade m o r a l , os tribunais têm, em toda parte, procurado dar ênfase às circunstâncias
of Tort, L o n d o n : P l u t o , 1 9 9 9 , p. 5 3 ) . concretas e à especialidade das situações submetidas à sua avaliação, desenhando
1 1 4
E m análise d i r i g i d a à Grã-Bretanha, m a s também aplicável, e m parte, aos o r d e n a m e n t o s e u -
r o p e u s e l a t i n o - a m e r i c a n o s , a f i r m o u s e : "On the other hand, in recent year's many people have become^
: 1 1 5
A p l i c a - s e a q u i a crítica de L u i z E d s o n F a c h i n , Teoria Crítica do Direito Civil, R i o de J a n e i r o : R e -
more aware of the fact that judges in Britain are overwhelmingly white, wealthy, male, middle-aged or
novar, 2 0 0 0 , p. 5 5 : " I n i c i a l m e n t e se faz necessário c o m p r e e n d e r c o m o o s i s t e m a clássico trata do
elderly, from highly or relatively privileged backgrounds, and Judaeo-Christian in upbringing or outlook
sujeito, ou seja, d a s pessoas. O sujeito de direito e as pessoas são captados por u m a abstração do
even if not actively religious. If it is correct to say that it is judges who decide what conduct is reason-
mais e l e v a d o g r a u . O sujeito in concreto, o h o m e m c o m u m da v i d a , não i n t e g r a esta concepção, e
able and what is not, then it may be hard to avoid at least a suspicion that the law embodies standards
o Direito i m a g i n a um sujeito in abstrato e c r i a aquilo q u e a d o u t r i n a clássica d e s i g n o u de 'biografia
of reasonableness which may not reflect the views and expectations of many members of our society.
do sujeito jurídico'."
This inevitably raises the further question of why such people, who are neither popularly elected nor
1 1 6
democratically accountable, should be allowed to force their standards of justice and reasonableness on Neste sentido, J o a n n e C o n a g h a n e W a d e M a n s e l l , The Wrongs of Tort, cit., p. 5 4 : "Arguably,
the rest of us" (Peter C a n e , Atiyahs Accidents, Compensation and the Law, C a m b r i d g e : C a m b r i d g e such a solution remains problematic because it relies upon the idea of a single standard and continues
U n i v e r s i t y Press, 2 0 0 4 , p. 3 1 ) . v to deny the very real possibility of diverging concepts of reasonableness."
42 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r O Ocaso da C u l p a 43
117
modelos múltiplos e menos generalizados de c o m p o r t a m e n t o . Estes modelos vista da realidade prática. A prova da culpa, passando a contar c o m parâmetros
l e v a m em consideração não as características i n d i v i d u a i s do sujeito (análise in rnais específicos de aferição, afasta-se, p o r certo, do método abstrato singular,
concreto), mas fatores atinentes à sua formação socioeconómica que, muitas ve- que resultava em um juízo i n d i v i d u a l do magistrado. O método de verificação da
zes, se v i n c u l a m indissociavelmente à situação analisada. culpa perde, então, em abstração e generalidade, mas ganha em objetividade, es-
Na construção de tais modelos, as cortes não se têm baseado tão-somente na t i m u l a n d o o efeito dissuasivo, sem as deficiências de um standard unívoco, que,
consciência j u d i c i a l , mas se socorrido, saudavelmente, de parâmetros externos. correspondendo simplesmente à m o r a l i d a d e judiciária, acabava p o r projetar um
Mesmo fora do âmbito daqueles casos que tradicionalmente exigem perícia (como h o m e m médio desconhecido para a média dos homens.
os relacionados a erro médico), os magistrados têm buscado recursos na sociedade
para a formação dos standards de conduta, valendo-se, p o r exemplo, de d i r e t r i -
zes emitidas p o r associações profissionais, de códigos de conduta especializados 11 Os graus de c u l p a e a redução e q u i t a t i v a da indenização
mesmo desprovidos de v a l o r n o r m a t i v o , da o i t i v a de assistentes j u d i c i a i s espe-
cializados. Destaca-se, no Brasil, por exemplo, a atuação da Comissão de Valores A culpa n o r m a t i v a , aferida por m e i o de u m a análise in abstracto, ainda que à
Mobiliários como amicus curiae, cada vez mais solicitada pelas cortes nacionais, luz de standards variados de c o m p o r t a m e n t o , invoca a jamais superada discussão
"porquanto as questões de d i r e i t o societário, de competência da C V M , regem-se acerca da relevância dos graus de culpa. É antiga na d o u t r i n a civilista não apenas
p o r regras m u i t o específicas, costumeiramente regulamentadas p o r portarias, ins- a distinção teórica entre culpa stricto sensu e d o l o , mas também entre os diversos
truções, resoluções, pareceres de orientação que, p o r vezes, escapam do alcance graus de culpa, que, sob influência das fontes romanísticas, vêm sintetizados na
118
do já deveras atarefado Poder Judiciário". tripartição entre culpa grave, leve e levíssima. 119
A s s i m , os t r i b u n a i s passam a recorrer a assistência de órgãos, entidades e Se é certo que t a l classificação jamais f o i reconhecida como incontestável, a 120
técnicos periciais que t e n h a m conhecimento específico sobre o t i p o de comporta- consagração da culpa n o r m a t i v a veio advogar pela sua absoluta i n u t i l i d a d e diante
m e n t o que se avalia. Ao invés de se valer de um tão genérico quanto i r r e a l bônus de u m a concepção mais técnica, e menos m o r a l , da responsabilidade c i v i l . De 1 2 1
pater famílias, como m o d e l o único aplicável seja à avaliação do transporte de ma- fato, embora a concepção psicológica da culpa pudesse recomendar que o grau de
t e r i a l genético que restou danificado, seja à avaliação de u m a c o m p a n h i a acusada negligência fosse levado em consideração, a f i m de sancionar o agente na exata
de d i v u l g a r balanços adulterados, as cortes t e n d e m , cada vez mais, a se socorrer medida da reprovabilidade m o r a l da sua conduta, o mesmo não ocorre em u m a
de parâmetros específicos de conduta que l e v e m em conta, no p r i m e i r o caso, os visão objetiva ou n o r m a t i v a da culpa. A dissociação entre a culpa e a m o r a l veio
procedimentos técnicos habituais, as condições em que se d e u o transporte, as
recomendações da Agência N a c i o n a l de Saúde e de entidades especializadas; e,
1 1 9
na segunda hipótese, as normas gerais de contabilidade, as práticas habituais na "Quanto à i n t e n s i d a d e da c u l p a , no tocante à s u a g r a v i d a d e , é fato incontestável e n c o n t r a r e m -
se nas fontes r o m a n a s as expressões culpa lata, culpa latior, magna culpa dolo próxima, culpa levis,
elaboração de demonstrações financeiras, o grau de controle da a u d i t o r i a exter-
culpa levior e u m a única v e z culpa levíssima. Daí a razão p e l a q u a l os glosadores, d o m i n a d o s p e l a
na, e assim p o r diante. idéia constante de tudo classificar, não h e s i t a r a m , sob o i m p u l s o d e s s a tendência s i s t e m a t i z a d o r a ,
em estabelecer categorias e graus estimativos da i n t e n s i d a d e da diligência e m p r e g a d a pelo deve-
C o m isso, vislumbra-se significativo distanciamento dos referenciais p o s i t i -
dor, no c u m p r i m e n t o da obrigação, o u , p o r o u t r a , p a r a o c o n h e c i m e n t o da proporção de s u a negli-
vistas e cientificistas que i n f l u e n c i a r a m o desenvolvimento do método abstrato gência no não c u m p r i m e n t o da obrigação. S u r g i u então a communis opinio da tripartição da c u l p a
de aferição. De fato, a construção l a b o r a t o r i a l de u m a comparação estritamen- lata, leve e levíssima" ( M i g u e l M a r i a de S e r p a L o p e s , Curso de Direito Civil, R i o de J a n e i r o : Freitas
te racional entre o c o m p o r t a m e n t o do agente e um parâmetro único de conduta Bastos, 1 9 9 5 , p . 3 4 4 ) .
impor, a prevalência, mesmo na responsabilidade subjetiva, da função reparatória a elevação da indenização c o m base na culpa grave ou no d o l o do agente, mas
sobre qualquer função sancionatória ou dissuasiva que pudesse ser desempenhada exclusivamente p e r m i t i u a redução equitativa da indenização quando a culpa for
pelo i n s t i t u t o . Não tendo a intensidade da culpa qualquer influência sobre o valor desproporcionalmente tênue frente ao dano p r o v o c a d o .
do dano, despiciendo se t o r n a t o m a r sua gravidade em consideração.
A inovação do art. 9 4 4 pode, sim, ser vista como u m a atenuação dos rigores do
Neste sentido, a irrelevância da gradação da culpa afigura-se como i m p o r t a n -
método abstrato, mas em plena consonância c o m o desenvolvimento de padrões
te característica da responsabilidade civil, e m oposição à responsabilidade penal,
de diligência mais atentos às circunstâncias concretas envolvidas. Isto de f o r m a
onde o caráter p u n i t i v o recomenda a análise da intensidade do desvio cometido
pelo agente. Isto não significa, todavia, que, no âmbito c i v i l , a gradação de culpa alguma significa u m a retomada da concepção psicológica da culpa, seja porque
seja i n t e i r a m e n t e inútil. Há hipóteses específicas em que o g r a u de culpa assume a n o r m a se l i m i t a à redução, seja porque t r a t a exclusivamente da quantificação
importância. Tais hipóteses, entretanto, não p r o c u r a m atender a intuitos sancio- do dever de indenizar, e não de sua/deflagração, para a qual mesmo a leve des-
natórios ou punitivos, voltados ao agravamento da responsabilidade do réu, mas, conformidade c o m o standard específico de c o m p o r t a m e n t o se mostra suficiente.
m u i t o ao contrário, destinam-se a proteger o responsável c i v i l de u m ônus exces- Não se trata, p o r t a n t o , de um retrocesso no c a m i n h o da culpa r u m o à sua análise
sivo em certas situações. n o r m a t i v a , mas de u m a elevação da importância dispensada à situação fática que
Tome-se, como objeto de análise, o ordenamento brasileiro. A desimportân- se aprecia, em conformidade c o m o já m e n c i o n a d o distanciamento do paradigma
cia dos graus de culpa, associada muitas vezes ao brocardo l a t i n o in Lex Aquilio, et positivista e cientificista, que marca a construção o r i g i n a l da culpa n o r m a t i v a .
levíssima culpa venit, restou consagrada na nossa codificação de 1916:
ninguém, c o m efeito, passa despercebido o fato de que o legislador não a u t o r i z o u S o b r e o t e m a , ver, entre tantos outros, D i e t e r M e d i c u s , Tratado de las Relaciones Obíigacionales,
v. I, Barcelona: Bosch, 1995, trad. espanhola, p. 74-78, em que autor resume o desenvolvimento da
boa-fé no direito alemão e a f i r m a : "El BGB ha instalado el principio de la buena fe en la cúspide dei
1 2 2
P a r a a l g u n s autores, tal orientação v i n c u l a - s e m e s m o à noção d e c u l p a n o r m a t i v a . Cf. M a r i a derecho de obligaciones: todas las relaciones obíigacionales debían subordinarse a este principio."
C e l i n a B o d i n de M o r a e s , Danos à Pessoa Humana: Uma Leitura Civil-Constitucional dos Danos Mo- 1 2 4
"Sabe-se q u e o princípio da boa-fé d e v e s e r a t e n d i d o também p e l a administração pública, e
rais, R i o d e J a n e i r o : Renovar, 2 0 0 3 , p . 2 1 1 - 2 1 2 , que, a o tratar d a c u l p a n o r m a t i v a , a f i r m a : "Diver- até c o m m a i s razão p o r e l a , e o s e u c o m p o r t a m e n t o n a s relações c o m os cidadãos pode ser contro-
s a m e n t e da anterior, esta noção não só p e r m i t e c o m o impõe que se verifique em que m e d i d a , no lado p e l a t e o r i a dos atos próprios, que não lhe p e r m i t e v o l t a r s o b r e os próprios passos depois de
c a s o concreto, se c o n d u z i u m a l o agente ofensor, d a n d o ocasião, a s s i m , à elaboração de um juízo de estabelecer relações e m c u j a s e r i e d a d e o s cidadãos c o n f i a r a m " ( S T J , R e c u r s o E s p e c i a l 141.879/SÇ
p r o p o r c i o n a l i d a d e entre a c o n d u t a e o d a n o e, portanto, à individualização da sanção." j . 17.3.1998).
46 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r O O c a s o da C u l p a 47
Sob o p o n t o de vista de seu funcionamento, a noção de boa-fé objetiva escon- A própria evolução extraordinária da boa-fé o b j e t i v a está v i n c u l a d a a esta
129
de, sob a consagrada fórmula de sua tríplice função, um necessário estímulo à 125
forma, p o r assim dizer, tópica de proceder, que se contrapõe ao paradigma po-
construção j u r i s p r u d e n c i a l e doutrinária de parâmetros ou standards de comporta- sitivista, cientificista e largamente l i b e r a l de um m o d e l o único e excessivamente
m e n t o que possam ser considerados exigíveis no tráfego social. A copiosa referên- abstrato de c o n d u t a esperada. O fato de que a aferição da c u l p a não tenha al-
cia a deveres anexos, expressão cuja riqueza de conteúdo abrange, p o r exemplo, cançado esta m e t o d o l o g i a p i o n e i r a m e n t e ou que tenha, por força de sua tradição
subjetivista, a alcançado c o m menos intensidade que a boa-fé o b j e t i v a , além de
deveres de informação, de sigilo, de colaboração, torna-se ineficaz, na prática, se
produzir efeitos de notável importância para o estudo da responsabilidade civil
desprovida de parâmetros razoavelmente aceitos que p e r m i t a m estabelecer a ex-
126
em geral, revela, de m o d o especial, a relativização do papel da c u l p a no âmbito
tensão destes d e v e r e s .
da própria responsabilidade subjetiva.
Em outras palavras, a grande dificuldade não está em reconhecer que há de-
Se é certo que culpa e boa-fé objetiva p o d e m - e, para m u i t o s , devem - ser
ver de informação por força da boa-fé objetiva, mas em especificar o seu conteúdo compreendidas de f o r m a sistemática, exercendo esta última o p a p e l de fonte cria-
em relações concretas, tarefa a que a jurisprudência de t o d o o m u n d o se entregou dora de deveres de conduta leal cuja violação i m p l i c a , em s e n t i d o técnico, culpa
c o m afinco, e para a q u a l a d o u t r i n a m e l h o r c o n t r i b u i u na análise de determina- (desnível de c o m p o r t a m e n t o ) para fins de verificação de responsabilidade subje-
dos "tipos" de c o n f l i t o que p r o p r i a m e n t e na defesa apaixonada da necessidade tiva, não é menos verdadeiro que, em um t a l sistema, a culpa acaba por desempe-
de informar. Da mesma forma, no que tange à vedação de exercício de direitos, nhar um papel meramente f o r m a l como categoria de e n q u a d r a m e n t o de atos que
enormes passos f o r a m dados, p o r toda parte, na discussão e aperfeiçoamento de atingem valores impostos substancialmente p o r o u t r a cláusula g e r a l . Com isso,
modelos de comportamentos inadmissíveis, associados em ordenamentos c o m o o acaba ganhando força a sugestão de que a culpa consiste, a r i g o r , em apenas um
brasileiro à t r a d i c i o n a l categoria do abuso de d i r e i t o . Independentemente de 1 2 7
dos possíveis critérios de imputação de responsabilidade, sem q u e outros d e i x e m
130
seu nomen júris, tais modelos de c o m p o r t a m e n t o vedados pela boa-fé f u n c i o n a m de ser i g u a l m e n t e úteis. De um mQdo ou de o u t r o , o incontestável é que aquilo
exatamente c o m o standards, apenas que negativos, de c o n d u t a . 1 2 8 que tradicionalmente se entende p o r culpa acaba deixando espaço, na prática j u -
diciária, a discussões centradas em outros conceitos, de mais recente evolução.
1 2 5
A s a b e r : ( i ) a função de cânone interpretativo dos negócios jurídicos; ( i i ) a função c r i a d o r a de
d e v e r e s a n e x o s ou acessórios à prestação p r i n c i p a l ; e, p o r fim, ( i i i ) a função r e s t r i t i v a do exercício
de direitos. A r e f e r i d a tripartição f u n c i o n a l , i n s p i r a d a n a s funções do direito p r e t o r i a n o r o m a n o , 13 A c h a m a d a contra-ofensiva da c u l p a
foi m o d e r n a m e n t e s u g e r i d a p o r B o e h m e r , Grandlagen der bürgerlichen Rechtsordnung, apud F r a n z
W i e a c k e r , El principio general de la buena fe, M a d r i : Cívitas, 1 9 8 2 , p. 5 0 : "el parágrafo 2 4 2 B G B A trajetória registrada até a q u i revela, em essência, a s i g n i f i c a t i v a atenuação
a c t u a también iuris civilis iuvandi, supplendi o corrigendi gatia." N o B r a s i l , esta classificação foi a m -
do papel da culpa como filtro, demasiado restritivo, da responsabilização. 0 avanço
p l a m e n t e a d o t a d a . Cf. A n t o n i o J u n q u e i r a de A z e v e d o , Insuficiências, Deficiências e Desatualização do
Projeto de Código Civil na Questão da Boa-fé Objetiva nos Contratos, in Revista Trimestral de Direito da responsabilidade objetiva, a proliferação das presunções de c u l p a , a objetivação
Civil, v. 1, p. 7: " E s s a m e s m a tríplice função existe p a r a a cláusula g e r a l de boa-fé no c a m p o c o n - da própria noção de culpa, a consagração de outros critérios de imputação no âm-
t r a t u a l , p o r q u e j u s t a m e n t e a idéia é a j u d a r na interpretação do contrato, adjuvandi, s u p r i r a l g u m a s bito da responsabilidade subjetiva; todos estes procedimentos e o u t r o s tantos têm
d a s falhas do contrato, isto é, a c r e s c e n t a r o que n e l e n ã a está incluído, supplendi, e e v e n t u a l m e n t e
em c o m u m o fato de resultarem, e de serem mesmo dirigidos a u m a redução ou
c o r r i g i r a l g u m a c o i s a q u e não é de direito no sentido de j u s t o , corrigendi" No m e s m o sentido, R u y
R o s a d o de A g u i a r , A Boa-Fé na Relação de Consumo, in Revista de Direito do Consumidor, n. 1 4 , p.
2 5 , ao t r a t a r e s p e c i a l m e n t e d a s relações de c o n s u m o : "Na relação c o n t r a t u a l de c o n s u m o , a boa-fé ditório: Tutela da Confiança e Venire Contra Factum Proprium, 2. e d . R i o de J a n e i r o : Renovar, 2 0 0 7 ,
e x e r c e três funções p r i n c i p a i s : a) fornece os critérios p a r a a interpretação do que foi avençado pelas especialmente p . 1 2 0 - 1 2 7 .
partes, p a r a a definição do que se d e v e e n t e n d e r p o r c u m p r i m e n t o p o n t u a l d a s prestações; b) c r i a 1 2 9
A referência f u n d a m e n t a l a q u i , na d o u t r i n a b r a s i l e i r a , é J u d i t h M a r t i n s - C o s t a , A Boa-fé no Di-
d e v e r e s secundários ou anexos; e c) l i m i t a o exercício de direitos."
reito Privado: Sistema e Tópica no Processo Obrigacional, São P a u l o : R e v i s t a d o s Tribunais, 2 0 0 0 .
1 2 6
G u s t a v o T e p e d i n o e A n d e r s o n Schreiber, A Boa-fé Objetiva no Código de Defesa do Consumidor 1 3 0
V a l e , a q u i , a lição de Stefano Rodotà, II Problema Della Responsabilità Civile, Milão: Dott. A.
e no Novo Código Civil, in G u s t a v o T e p e d i n o ( c o o r d . ) , Obrigações: Estudos na Perspectiva Civil-Cons- u
Giuffrè, 1 9 6 7 , p. 7 1 : Cosi come nessuna necessita lógica impone un assoluto parallelismo tra respon-
t i t u c i o n a l , R i o d e J a n e i r o : Renovar, 2 0 0 5 , p . 2 9 - 4 4 .
sabilità civile e concezionifilosofiche o morali delia responsabilità (che si realizza soltanto come portato
1 2 7
S o b r e o a b u s o do direito na experiência b r a s i l e i r a , v e r Heloísa C a r p e n a , Abuso do Direito nos delia situazione storica), dei pari non esiste necessita alcuna - se no quella imposta agli spiriti da un'ar-
Contratos de Consumo, R i o de J a n e i r o : Renovar, 2 0 0 1 . monia di forme, che conseguirebbe ad un ordinamento unitário come quello che si presenta possibile nel
1 2 8
E x e m p l o eloqüente é o do venire contra factum proprium, ou s e j a , do c o m p o r t a m e n t o c o n t r a - piü semplice âmbito delia responsabilità contrattuale - di costruire la responsabilità civile attorno ad
ditório à legítima confiança d e s p e r t a d a em o u t r e m , "tipo" de c o n d u t a v e d a d o p e l a boa-fé objetiva. un único critério. E ciò vale non soltanto per la colpa (alia quale, owiamente, si usa piü frequentemente
S o b r e o t e m a , s e j a c o n s e n t i d o r e m e t e r a A n d e r s o n Schreiber, A Proibição de Comportamento Contra- ricorrere), ma per qualunque altro che sia presentato con i caratteri delia esclusività."
48 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r O Ocaso da C u l p a 49
If
eliminação do peso da culpa na dinâmica das ações de ressarcimento. A máxima mais em um p r o b l e m a de causalidade do que em u m a interferência da culpa na
atribuída a I h e r i n g - "sem culpa, n e n h u m a reparação" - parece hoje não apenas 133
responsabilidade o b j e t i v a , impressão que se c o n f i r m a ao se verificar que, nestes
inválida nas muitas situações regidas pela responsabilidade objetiva, mas também sistemas, ( i ) à culpa concorrente da vítima geralmente não se reconhece qualquer
relativizada no próprio âmbito da responsabilidade subjetiva, onde a culpa, embo- 134
e f e i t o ; e ( i i ) mesmo o ato praticado p o r sujeitos inimputáveis (menor, louco
ra continue sendo imprescindível, conta c o m meios facilitados de demonstração, etc.) v e m a d m i t i d o como excludente de responsabilidade do a g e n t e . Por f i m , os 135
que se não r e t i r a m a sua exigibilidade, reduzem, consideravelmente, seu poder juízos de culpabilidade no âmbito de ações de responsabilidade objetiva parecem,
prático de f i l t r a g e m dos pedidos de indenização. antes, o resultado de u m a anomalia, t r i b u t a d a ao apego dos tribunais à tradição
Seria tolice acreditar, todavia, que a responsabilidade c i v i l c a m i n h a segundo subjetivista, que p r o p r i a m e n t e um dado d i g n o de avaliação científica.
u m a tendência e v o l u t i v a única. Ao mesmo t e m p o em que a prática j u r i s p r u d e n c i a l Ao contrário do que p o d e m pretender os subjetivistas, o que a experiência
e a atuação legislativa vêm r e t i r a n d o da culpa parte de sua importância secular, jurídica v e m demonstrando, p o r toda parte, é mesmo a erosão da culpa como f i l -
um número não inexpressivo de autores se insurge em p r o l do que já f o i d e n o m i - t r o da reparação.
131
nado "une contre-offensive de la culpabilitê".
Tal contra-ofensiva parte, sobretudo, daqueles que, preocupados c o m o ex-
14 A erosão da c u l p a c o m o filtro da reparação
cessivo afastamento da concepção ética da responsabilidade civil, vêm p r o p o r a
recuperação do seu caráter sancionatório ou p u n i t i v o , em p r o l de um efeito dis-
A culpa c o n t i n u a sendo relevante para a responsabilidade civil. Embora tenha
suasivo sobre as condutas culposas. À parte a discussão de fundo, que envolve,
p e r d i d o aplicação em u m a a m p l a gama de relações - hoje regidas pela respon-
na verdade, o necessário debate acerca das funções da responsabilidade civil, o
sabilidade objetiva - a noção de culpa, não em sua versão psicológica ou m o r a l ,
fato é que, seja no tecido n o r m a t i v o , seja na prática j u r i s p r u d e n c i a l , esta contra-
mas em sua r o u p a g e m contemporânea, c o n t i n u a desempenhando papel i m p o r -
ofensiva t e m se manifestado de f o r m a m u i t o p o n t u a l e dispersa.
tante na e t i o l o g i a da responsabilidade subjetiva. M e s m o aí, c o n t u d o , a função
Invoca-se, p o r exemplo, como expressão de um r e t o r n o à culpa, o já analisado de filtro dos pedidos de indenização que, o u t r o r a , se lhe atribuíra v e m sofrendo
art. 9 4 4 que autoriza a redução equitativa da indenização em face da desproporcio- continuado desgaste.
nalidade entre a culpa e o dano. Recorda-se, também, o h a b i t u a l emprego do grau
A demonstração da culpa libertou-se, ao longo dos últimos anos, de muitos de
de culpa na quantificação do dano m o r a l . Fala-se, ainda, na introdução da culpa
seus tormentos originais, As transformações v i v i d a s no âmbito da própria respon-
no âmbito da responsabilidade objetiva, p o r força da excludente de responsabili-
sabilidade subjetiva c o r r o b o r a m t a l constatação. A proliferação das presunções de
dade consubstanciada na chamada culpa exclusiva da vítima. Por f i m , a l u d e m os
culpa, as alterações no método de aferição da culpa, a ampliação dos deveres de
partidários da c u l p a à invocação implícita ou explícita de juízos de c u l p a b i l i d a d e
c o m p o r t a m e n t o em v i r t u d e da boa-fé objetiva, e outros expedientes semelhantes
mesmo em ações de responsabilidade objetiva.
vêm c o n t r i b u i n d o , de f o r m a significativa, para a facilitação da p r o v a da culpa,
Note-se, porém, que tais expedientes não p a r e c e m desempenhar um papel hoje não mais u m a probatio diabólica.
s i g n i f i c a t i v o e sistemático. A redução e q u i t a t i v a da indenização não apenas se
O fenômeno está longe, no entanto, de representar alteração restrita ao campo
l i m i t a ao âmbito da quantificação, como também e x c l u i , a contrario sensu, u m a
probatório. Facilitada a sua demonstração, a própria noção teórica de culpa deixa
majoração do quantum indenizatório, i n d o j u s t a m e n t e de encontro ao caráter p u -
n i t i v o . O emprego do grau de culpa como critério de a r b i t r a m e n t o do dano m o r a l ,
1 3 3
além de se l i m i t a r i g u a l m e n t e à esfera q u a n t i t a t i v a , sequer encontra fundamento N a elegante afirmação d e Gisèla S a m p a i o d a C r u z : " A 'culpa e x c l u s i v a d a vítima' é u m a e x c l u -
dente de r e s p o n s a b i l i d a d e civil que interfere no l i a m e q u e v i n c u l a a c o n d u t a do agente ao dano" (O
legítimo no o r d e n a m e n t o jurídico brasileiro - d i a n t e do próprio art. 9 4 4 , entre
1 3 2
Problema do Nexo Causal na Responsabilidade Civil, R i o de J a n e i r o : Renovar, 2 0 0 5 , p. 1 6 9 ) .
outros -, sendo, p o r isso mesmo, c o m b a t i d o pela m e l h o r d o u t r i n a . A chamada 1 3 4
R e g i s t r a Z e l m o D e n a r i e m comentário a o Código B r a s i l e i r o d e Defesa d o C o n s u m i d o r : " A inves-
culpa exclusiva da vítima, como excludente de responsabilidade, parece consistir
tigação da c o n d u t a c u l p o s a do c o n s u m i d o r ou do terceiro s o m e n t e é admissível p a r a d e m o n s t r a r a
e x c l u s i v i d a d e da c u l p a . [...] C a r a c t e r i z a d a , portanto, a concorrência de c u l p a , subsiste a responsa-
bilidade i n t e g r a l do fabricante e d e m a i s fornecedores a r r o l a d o s no caput, p e l a reparação dos danos"
1 3 1
Geneviève Vîney, Le déclin de la Responsabilité Individuelle, Paris: L G D J , 1 9 6 4 , p. 2 1 3 . N o B r a s i l , ( A d a P e l l e g r i n i G r i n o v e r et a l . , Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores
r e c o m e n d a - s e a l e i t u r a da o b r a de M a r c e l o J u n q u e i r a C a l i x t o , A Culpa na Responsabilidade Civil - do Anteprojeto, R i o de J a n e i r o : F o r e n s e Universitária, 1 9 9 9 , p. 1 6 6 ) .
Estrutura e Função. R i o de J a n e i r o , Renovar, 2 0 0 8 . 1 3 5
"As ações do m e n o r e do l o u c o não são c u l p o s a s , m a s na opinião de g r a n d e parte da d o u t r i n a
1 3 2
A referência máxima neste t e m a é M a r i a C e l i n a B o d i n de M o r a e s , Danos à Pessoa Humana: Uma p o d e m s u p r i m i r a c a d e i a c a u s a l " ( G i s e l a S a m p a i o da C r u z , O Problema do Nexo Causal na Respon-
Leitura Civü-Constitucional dos Danos Morais, R i o de J a n e i r o : R e n o v a r , 2 0 0 3 . sabilidade Civil, cit., p. 1 6 9 ) .
50 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r
de ser vista de f o r m a tão rigorosa pelas cortes. Suas presunções vão se aplicando
de f o r m a cada vez mais tranqüila, e a avaliação negativa do c o m p o r t a m e n t o sub-
j e t i v o v a i , gradativamente, passando de fundamento da responsabilização para um
elemento ou aspecto do c o m p l e x o juízo de responsabilidade.
A perda desta força de contenção da culpa resulta no a u m e n t o do fluxo de
ações de indenização a exigir p r o v i m e n t o j u r i s d i c i o n a l favorável. Corrói-se o p r i -
m e i r o dos filtros tradicionais da responsabilidade c i v i l , sendo n a t u r a l que as aten-
2
ções se v o l t e m - como, efetivamente, têm se v o l t a d o - para o segundo obstáculo à
reparação, q u a l seja, a demonstração do nexo de causalidade. Também aí, entre-
tanto, verifica-se u m a relativa perda do papel de f i l t r a g e m do ressarcimento dos
danos, por força de um fenômeno que pode ser genericamente designado como
flexibilização do nexo causal
A Flexibilização do Nexo Causal
1
Ou n a s p a l a v r a s de A d r i a n o De C u p i s : "Rapporto di causalità è il legame che intercede tra due di-
versifenomeni, per cui Vuno assume figura di effetto rispetto alValtro: quando un fenômeno sussiste in
ragione delVesistenza di un altro fenômeno, esso si dice 'causato'da questo, ad indicare che un rapporto
di causalità si inserisce tra entrambi. Piü precisamente, rapporto di causalità è il nesso eziologico raa-
teriale (owerosia, oggettivo od esterno} che lega un fenômeno ad un altro; esso, per quanto concerne
il danno, costituisce ilfattore delia sua imputazione materiale al soggetto umano" ( A d r i a n o de C u p i s ,
II Danno, cit., p. 2 1 5 ) .
2
C a i o Mário da S i l v a P e r e i r a , Responsabilidade Civil, cit., p. 7 6 .
3
A p a s s a g e m é r e c o r d a d a p o r W i l s o n M e l o da S i l v a , Responsabilidade sem Culpa, São P a u l o : S a -
r a i v a , 1 9 7 4 , p. 1 1 7 .
54 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r A Flexibilização do Nexo C a u s a l 55
ção, consistindo a prova do nexo de causalidade em m e r a etapa f o r m a l , não raro contribuir para a produção do dano deve ser considerado causa do dano para fins
4
solucionada de f o r m a empírica no i n t e r i o r da própria discussão sobre a c u l p a . de responsabilização. 8
E m b o r a ainda hoje isto, em a l g u m a medida, se verifique na prática j u r i s p r u - A j u s t i f i c a t i v a desta t e o r i a reside no e n t e n d i m e n t o de que o dano não teria
dencial, o advento da responsabilidade objetiva veio transformar radicalmente a ocorrido sem que cada u m a das condições tivesse se verificado, razão pela q u a l
atuação das cortes em geral, exigindo redobrada atenção na decisão acerca do nexo a teoria é também d e n o m i n a d a teoria da conditio sine qua non. O retumbante i n -
causal, cuja interrupção consiste, em tais hipóteses, no único c a m i n h o concedido conveniente de sua aplicação está em a m p l i a r i l i m i t a d a m e n t e o dever de reparar,
ao réu para o afastamento da condenação. Assim, não apenas o convencimento imputando-o a u m a m u l t i p l i c i d a d e de agentes e eventos que, apenas r e m o t a m e n -
acerca da causalidade perdeu seu antecedente m o r a l j u s t i f i c a d o r da responsabili- te, se r e l a c i o n a m ao dano p r o d u z i d o sobre a vítima. C o m razão já se a f i r m o u que
zação - a prova da culpa -, mas também t o d a a discussão, nas ações de responsa- a adoção da t e o r i a da equivalência r^as condições e m âmbito civil t o r n a r i a cada
b i l i d a d e objetiva, passou a gravitar em t o r n o da noção jurídica de nexo causal. h o m e m responsável p o r todas as desgraças que a t i n g e m a h u m a n i d a d e . 9
Chega-se, hoje, a afirmar que o juízo de responsabilidade, nos casos de respon- A teoria da equivalência das condições e n c o n t r o u acolhida na seara do d i r e i t o
sabilidade objetiva, "acaba p o r traduzir-se no juízo sobre a existência de nexo de penal, justificadamente. A l i , o princípio da t i p i c i d a d e l i m i t a o âmbito de exten-
5
causalidade entre fato e d a n o " . E os tribunais têm mesmo declarado, c o m a l g u m são da conditio sine qua non, r e s t r i n g i n d o o juízo de responsabilização sobre as
exagero, que "o nexo causal é a p r i m e i r a questão a ser enfrentada na solução de
condutas típicas praticadas, ainda que outras t e n h a m concorrido e, p o r t a n t o , se
demandas envolvendo responsabilidade civil e sua comprovação exige absoluta
afigurem, em tese, c o m o causas do resultado punível. Por e x e m p l o , a conduta do
segurança quanto ao vínculo entre d e t e r m i n a d o c o m p o r t a m e n t o e o evento da-
6
vendedor de m a t e r i a l esportivo pode ser considerada causa, porque conditio sine
noso".
qua non, do d a n o provocado p o r u m a b o l a de golfe que vendera a um jogador,
Neste cenário, retoma-se a longa, mas inconclusiva discussão acadêmica sobre o qual, deliberadamente ou p o r infortúnio, v e m a acertar, d u r a n t e a partida, um
a causalidade jurídica. Reabre-se, p o r t o d a parte, o debate em t o r n o das diversas passante. Já não pode, todavia, ser o v e n d e d o r considerado penalmente respon-
teorias da causalidade, em especial: ( i ) a teoria da equivalência das condições, sável p o r falta de tipicidade da sua conduta, que, sendo lícita, não se encaixa em
( i i ) a teoria da causalidade adequada, ( i i i ) a teoria da causalidade eficiente e ( i v ) qualquer t i p o descrito na codificação c r i m i n a l . O m e s m o não aconteceria na esfera
a teoria da causa d i r e t a e imediata. cível, onde a atipicidade do ato ilícito resultaria em responsabilização do comer-
ciante, efeito claramente indesejável p o r sua sonora injustiça.
4
Neste sentido, M a r c e l P l a n i o l e G e o r g e s R i p e r t , Traité Pratique de Droit Civil Français, cit., p.
8
7 4 1 - 7 4 2 : "Les tribunaux, qui, pour écarter la responsabilité, déclarent le préjudice indirect, ou même Na lição de A g o s t i n h o A l v i m : "A t e o r i a da equivalência d a s condições a c e i t a q u a l q u e r das causas
nient la relation causale bien qu'elle existe certainement, s'inspirent, entre autres considérations, de la c o m o eficiente. A s u a equivalência r e s u l t a de que, s u p r i m i d a u m a d e l a s , o d a n o não se verifica" (Da
gravité de la faute. Plus elle est grave, plus ils sont portés à mettre ses conséquences variées à la charge Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências, cit., p. 3 4 5 ) .
de son auteur." 9
"De fato: a t e o r i a da equivalência d a s condições, p e l a n e n h u m a restrição à a m p l a r e g r a do esta-
5
No original: "finisce per tradursi nel giudizio sulla sussistenza del nesso di causalité trafatto e dan- b e l e c i m e n t o da relação de c a u s a e efeito entre condições n e c e s s a r i a m e n t e d e p e n d e n t e s u m a s das
outras, e m b o r a lógica, p o d e c o n d u z i r a r e s u l t a d o s a b e r r a n t e s d e n t r o do direito. [...] Na hipótese
no" ( A n d r e a V i o l a n t e , Responsabilità Oggettiva e Causalità Flessibile, Nápoles: E S I , 1 9 9 9 , p. 7 2 ) .
d e u m homicídio, c o m o o b e m l e m b r a d o p o r N e l s o n H u n g r i a , p o d e r i a fazer-se estender, segundo
6
T J R J , A p . Civ. 2 0 0 4 . 0 0 1 . 1 0 2 2 8 , R e i . Des. Sergio C a v a l i e r i F i l h o , j . 4 . 8 . 2 0 0 4 .
t a l t e o r i a , a r e s p o n s a b i l i d a d e pelo e v e n t o d a n o s o ao próprio fabricante da a r m a c o m a q u a l o d a n o
7
C a i o Mário da S i l v a Pereira, Responsabilidade Civil, cit., p. 7 8 . * se perpetrou" ( W i l s o n M e l o da S i l v a , Responsabilidade sem Culpa, cit., p. 1 1 6 ) .
)
A causalidade adequada, como se vê, envolve não um juízo concreto acerca Tal característica c o n d u z i u à certa associação e n t r e a teoria da causalidade o
da causa do evento danoso, mas u m a avaliação abstrata fundada em um princípio adequada e a teoria da condido sine qua non no que d i z respeito a u m a intolerável
o
de n o r m a l i d a d e . Imputa-se ao agente as conseqüências que, em um d e t e r m i n a d o indefinição quanto à efetiva causa do dano. Isso p o r q u e tais teorias "gerariam re-
m o m e n t o histórico, segundo o estado da ciência e da técnica, são "normais" con- sultados exagerados e imprecisos, estabelecendo nexo de causalidade entre todas ,)
12
seqüências de seu c o m p o r t a m e n t o . Procurando especificar o critério da n o r m a - as possíveis causas de um evento danoso e os resultados efetivamente produzidos, < )
lidade, afirma-se que, a f i m de se saber se a causa é ou não adequada a p r o d u z i r - por se equivalerem ou por serem abstratamente adequadas a produzi-los - ainda
)
d e t e r m i n a d o efeito, deve-se perguntar se t a l relação de causa e efeito existe sem- que todo e qualquer resultado danoso seja sempre, e necessariamente, p r o d u z i d o
pre, em casos daquela espécie, ou se existiu naquele caso, p o r força de circuns-
tâncias específicas. Somente na p r i m e i r a hipótese, considera-se que a causa f o i
por u m a causa i m e d i a t a , engendrada e c o n d i c i o n a d a pelas circunstâncias especí-
ficas do caso c o n c r e t o " . 16
o
13 )
adequada a p r o d u z i r o e f e i t o .
Procurando fugir à incerteza reinante em matéria de causalidade, f o r m u l o u -
se a chamada teoria da causalidade eficiente, segundo a q u a l as condições que
1 0
" E x p o n d o , V o n Kries, s u a teoria, parte, n a explicação de s e u núcleo c e n t r a l , de considerações concorrem para um certo resultado não são equivalentes, existindo sempre um )
in abstracto e não de considerações in-concreto, c o m o se c o s t u m a f a z e r na teoria da equivalência antecedente que, em v i r t u d e de um intrínseco poder q u a l i t a t i v o ou quantitativo,
das condições. Em p r i m e i r o l u g a r t e r i a m de ser c o n s i d e r a d a s as condições atinentes a um prejuízo 17
, )
elege-se como verdadeira causa do e v e n t o . A q u i , o juízo acerca da causalidade
d a d o . Q u a i s d e s s a s condições, em tese e s e g u n d o o 'séntir do agente, p o d e r i a m s e r c o n s i d e r a d a s
:
agente, aptas a d e t e r m i n a r o d a n o em foco, sê-lo-iam também s e g u n d o as leis n a t u r a i s que r e g e m a causas, f o i a mais eficiente na determinação do d a n o . Não obstante os esforços de-
produção dos fenômenos?" ( W i l s o n M e l o da Silva, Responsabilidade sem Culpa, cit., p. 1 1 9 ) . S o b r e
as diversas concepções da teoria da c a u s a l i d a d e a d e q u a d a que se s e g u i r a m à formulação o r i g i n a l
d e V o n B a r e V o n K r i e s , v e r G a b r i e l Marty, L a R e l a t i o n d e C a u s e a Eeffet C o m m e C o n d i t i o n d e l a caso concreto" (Antônio L i n d b e r g h C. M o n t e n e g r o , Responsabilidade Civil, R i o de J a n e i r o : Lúmen
Responsabilité Civile, in Revue Trimestrielle de Droit Civil, 1 9 3 9 , p. 6 8 5 . Júris, 2 0 0 1 , p . 3 3 6 ) .
14
11
F e r n a n d o N o r o n h a , Direito das Obrigações, cit., p. 6 0 0 . No e n s i n a m e n t o de G a l g a n o : "un datofatto è considerato, giuridicamente, come causa di un evento
12
se questo sulla base di un giudizio di probabilità ex ante, poteva apparire come la conseguenza prevedi-
A lição é de Pietro Perlingieri et al, Manuale di Diritto Civile, cit., p. 6 1 4 - 6 1 5 : "Tale nesso, per
bile ed evitabile di quelfatto" ( F r a n c e s c o G a l g a n o , Diritto Privato, Pádua: C e d a m , 1 9 9 8 , p. 1 9 9 ) .
diffusa opinione, è ispirato al principio delia adeguatezza causale, secondo il quale si possono e devono
15
imputare alla persona soltanto le conseguenze dei suo comportamento che, in un determinato momen- Neste sentido, a f i r m o u C a i o Mário d a S i l v a P e r e i r a : " É certo q u e , depois d e ter surgido, bafejada
to storico, secondo lo stato delia scienza e delia técnica, sono normale conseguenza di quel comporta- por u m a a u r a de prestígio, a d o u t r i n a da C a u s a l i d a d e a d e q u a d a ' sofreu v i g o r o s a crítica ( H e b r a u d ,
mento." Esmein, Houin), e n t r a n d o em desprestígio. A r g u m e n t a - s e que o caráter 'adequado' da causalidade
13
depende do g r a u de p r o b a b i l i d a d e do d a n o . M a s a p r o b a b i l i d a d e não é certeza" (Responsabilidade
A g o s t i n h o A l v i m , Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências, cit., p. 3 4 5 . A teoria da
Civil, cit., p. 7 9 ) .
c a u s a l i d a d e a d e q u a d a , a rigor, divide-se em d u a s vertentes, ditas p o s i t i v a e negativa: "De a c o r d o
16
c o m a p r i m e i r a concepção, u m a condição é a d e q u a d a p a r a p r o d u z i r o evento q u a n d o o ato prati- G u s t a v o T e p e d i n o , Notas sobre o Nexo de Causalidade, in Revista Trimestral de Direito Civil - RTDC,
c a d o pelo lesante foi relevante p a r a p r o v o c a r o d a n o , l e v a n d o - s e em c o n t a o c u r s o ordinário d a s v. 6, a b r . / j u n . 2 0 0 1 , p. 7.
coisas e a experiência corrente da v i d a . A concepção f o r m a l n e g a t i v a s u s t e n t a de f o r m a m a i s a m - 17
" E n t r e o s antecedentes c a u s a i s , o s defensores desta teoria d e s t a c a v a m : (i) a c a u s a que p r o d u z
p l a que u m a condição será i n a d e q u a d a , e por conseguinte também i r r e l e v a n t e (eine Bedingung sei o resultado; (ii) a condição que não p r o d u z o r e s u l t a d o , m a s de a l g u m a f o r m a r e m o v e o obstáculo
inadäquat und folglich auch irrelevant), q u a n d o for i n t e i r a m e n t e indiferente p a r a a verificação do p a r a a atuação da c a u s a ; e (iii) a ocasião q u e favorece a o p e r a t i v i d a d e da c a u s a eficiente" ( G i s e l a
d a n o , o q u a l só o c o r r e u por força de circunstâncias a n o r m a i s ou extraordinárias que a t u a r a m no S a m p a i o da C r u z , O Problema do Nexo Causal na Responsabilidade Civil, cit., p. 5 8 - 5 9 ) .
58 Novos P a r a d i g m a s da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber A Flexibilização do Nexo C a u s a l 59
21
senvolvidos neste sentido, os ilustres defensores da teoria da causalidade eficiente e x t r a c o n t r a t u a l . Plena, portanto, a adoção legislativa da teoria da causalidade
- entre os quais, Birkmeyer, Stoppato e K o h l e r - j a m a i s l o g r a r a m alcançar um acor- direta e i m e d i a t a como definidora do nexo causal no d i r e i t o brasileiro, seja no
do acerca de critérios mais ou menos objetivos que permitissem selecionar, entre âmbito contratual, seja no e x t r a c o n t r a t u a l . 22
as diversas causas de um dano, aquela que teve o p o d e r intrínseco de p r o d u z i - l o Nada disso significou, contudo, a solução dos dramas da causalidade. A própria
no caso concreto. Tal construção t e r m i n o u p o r cair em desprestígio, resultando
18
teoria da causalidade direta e imediata f o i , pouco a pouco, mostrando-se excessi-
em u m a espécie de "empirismo que lhe retira t o d o v a l o r científico".
vamente restritiva, especialmente em casos nos quais a causa i n d i r e t a do prejuízo
Em m e i o às críticas dirigidas ao caráter incerto das teorias já examinadas, associava-se à causa direta de m o d o m u i t o intenso. Tome-se, como exemplo, as
alcançou papel de destaque a chamada teoria da causalidade direta ou imediata, discussões recentes e m t o r n o do chamado d a n o sexual, consubstanciado na p r i -
que, em sua formulação mais simples, considera c o m o causa jurídica apenas o vação da possibilidade de relacionamento sexual de um dos cônjuges após e r r o
evento que se v i n c u l a diretamente ao dano, sem a interferência de o u t r a condição médico de que v e m a ser vítima o o u t r b . Em hipóteses assim, a conduta negligente
19
sucessiva. Tal teoria, ao menos aparentemente, fundamenta-se em um fator mais do médico afeta, reflexamente, o cônjuge da vítima, mas não há dúvida de que a
objetivo que suas concorrentes, prescindindo de noções abertas c o m o "eficiência ressarcibilidade deste prejuízo autônomo, e m b o r a passível de discussão, não deve
causal" ou "normalidade social". Além disso, sob o p o n t o de vista da sua extensão, ser excluída sob o argumento de que se trata de dano r e m o t o . 2 3
24
tando e m u m potente f i l t r o d e ressarcibilidade, t a l abordagem gerava, e m certos causalidade revela um cenário m u i t o mais preocupante. Não apenas se verifica
casos, e n o r m e injustiça. Desenvolveu-se, deste m o d o , no âmbito da própria teoria um emprego m u i t a s vezes atécnico das construções teóricas acima examinadas,
da causalidade direta e imediata, a chamada subteoria da necessariedade causal, como se n o t a u m a verdadeira profusão de raciocínios inconciliáveis que desafiam
que entende as expressões dano direto e dano imediato de f o r m a substancial, como a redução das decisões j u d i c i a i s a um posicionamento m i n i m a m e n t e u n i f o r m e .
reveladoras de um liame de necessariedade - e não de simples p r o x i m i d a d e - en-
25
tre a causa e o e f e i t o . Haverá, assim, dever de reparar, quando o evento danoso
26
for efeito necessário de determinada causa.
3 A posição eclética d o s t r i b u n a i s
Desta f o r m a , podem-se identificar danos indiretos, passíveis de ressarcimen-
27
t o , desde que sejam conseqüência necessária da c o n d u t a t o m a d a como causa. Em que pese a inegável importância do debate acadêmico em t o r n o das d i -
De fato, a m e l h o r d o u t r i n a conclui, atualmente, que a necessariedade consiste no versas teorias da causalidade, em n e n h u m a parte alcançou-se um consenso signi-
v e r d a d e i r o núcleo da teoria da causalidade d i r e t a e i m e d i a t a , não se e x c l u i n d o 29
ficativo em t o r n o da matéria. A observação das decisões j u d i c i a i s revela que as
a ressarcibilidade excepcional de danos indiretos, q u a n d o derivados necessaria- cortes têm empregado ora u m a teoria, o r a outra, sem que se possa d e f i n i r sequer
28
m e n t e da causa em questão. um padrão de j u l g a m e n t o a p a r t i r dos diversos precedentes emitidos em um de-
A evolução da teoria da causalidade direta e i m e d i a t a r u m o à subteoria da ne- terminado o r d e n a m e n t o .
cessariedade, embora afaste satisfatoriamente as injustiças que p o d e r i a m resultar Neste particular, a experiência brasileira é, i n f e l i z m e n t e , emblemática. O 30
da aplicação da teoria em sua acepção o r i g i n a l , abre, em certa m e d i d a , as portas Supremo T r i b u n a l Federal brasileiro já a d o t o u expressamente a teoria da causali-
desta construção à incerteza que serviu de fundamento para a rejeição das demais dade direta e i m e d i a t a , sob a vertente da subteoria da necessariedade. O p r i n c i p a l
teorias da causalidade. Em outras palavras, se é relativamente fácil alcançar con- precedente consiste no j u l g a m e n t o do Recurso Extraordinário 1 3 0 . 7 6 4 - l / P R , em
senso c o m relação ao antecedente que se liga, direta e imediatamente,.ao dano, 12 de m a i o de 1992, em que se discutia a responsabilidade do Estado do Para-
m u i t o menos tranqüilo é obter acordo c o m relação àquilo que antecede necessa- ná em v i r t u d e de assalto praticado p o r f u g i t i v o de u m a penitenciária estadual. A
riamente ou não um evento anterior, nas circunstâncias de cada caso concreto. suprema corte brasileira considerou inexistente o nexo causal d i r e t o e i m e d i a t o
Se, sob o p o n t o de vista teórico, não resta dúvida de que a teoria d o m i n a n t e entre a fuga e o assalto, praticado pelo foragido j u n t a m e n t e c o m outros integran-
31
e m matéria de nexo causal v e m sofrendo certas relativizações e m seu r i g o r o r i g i - tes do bando, meses após a evasão. Em seu v o t o , o Relator, M i n i s t r o M o r e i r a
nário, a análise da prática j u r i s p r u d e n c i a l no que tange à aferição da relação de
29
Ao contrário, a própria d o u t r i n a a s s e v e r a que " n e n h u m a t e o r i a oferece soluções p r o n t a s e a c a -
24 badas p a r a todos os p r o b l e m a s e n v o l v e n d o n e x o c a u s a l " ( C a r l o s A l b e r t o M e n e z e s D i r e i t o e Sérgio
G i o v a n n a V i s i n t i n i , Trattado breve delia responsabilité civile, cit., p. 5 8 9 : "A questo punto del di-
C a v a l i e r i F i l h o , Comentários ao novo Código Civil, Sálvio de F i g u e i r e d o T e i x e i r a ( c o o r d . ) , v. 1 3 , t. I I ,
scorso dobbiamo esaminare la parte, per cosi dire, precettiva délia disposizione laddove si delimita il
Rio d e J a n e i r o : F o r e n s e , 2 0 0 4 , p . 7 9 ) .
danno risarcibile aile 'conseguenze immédiate e dirette'. E questo infatti il critério giuridico accolto dal
30
códice civile perfissare un limite alla responsabilité per danni. n
C o m efeito, " a jurisprudência b r a s i l e i r a , não obstante t e n h a d e s e m p e n h a d o u m p a p e l f u n d a -
25 m e n t a l n a r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l , é bastante c o n f u s a n o que tange a o n e x o c a u s a l " ( G i s e l a S a m p a i o
Na s e m p r e l e m b r a d a lição de L a l o u : "le préjudice est direct quand il est la suite nécessaire de la
3 da C r u z , O Problema do Nexo Causal na Responsabilidade Civil, cit., p. 2 1 ) .
faute, telle une opération médicale à suite mortelle après un accident ' ( H e n r i L a l o u , Traité pratique de
3 1
la responsabilité civile, Paris: L i b r a i r i e D a i l o z , 1 9 6 2 , p. 4 4 ) . RTJ, v. 1 4 3 , p. 2 7 0 (JSTF, v. 1 7 2 , p. 1 9 7 ) . É d e se registrar, todavia, a recente publicação de acór-
26 dão do m e s m o S u p r e m o T r i b u n a l F e d e r a l , em que, e m b o r a se t e n h a registrado o afastamento de se-
" A circunstância d e q u e u m a p e s s o a que c o n d u z u m veículo s e m t e r habilitação l e g a l não é ,
melhança no caso concreto c o m o precedente aludido no texto, c o n c l u i u a corte p e l a presença do nexo
p o r esta só razão, n e c e s s a r i a m e n t e responsável pelo a c i d e n t e que c a u s a , u n i a v e z que pode h a v e r
c a u s a l "entre a fuga do a p e n a d o e o d a n o sofrido pelas recorrentes, h a j a v i s t a que, se a L e i de Execução
a interposição de outras c a u s a s que e l i m i n a m o caráter de necessariedade entre e s s a falta e o d a n o .
Penal houvesse sido a p l i c a d a c o m um mínimo de rigor, o c o n d e n a d o dificilmente teria continuado a
O u t r a hipótese: o m o t o r i s t a que feriu o t r a n s e u n t e não é responsável p e l a m o r t e deste, se esta m o r -
c u m p r i r p e n a nas m e s m a s condições que originariamente lhe f o r a m impostas e, p o r conseguinte, não
te r e s u l t a de ato culposo do médico assistente" ( C a i o Mário da S i l v a P e r e i r a , Responsabilidade Civil,
teria a oportunidade de evadir-se p e l a oitava v e z e cometer o delito em horário no q u a l d e v e r i a estar
cit., p. 7 9 ) .
recolhido a o presídio" ( R E 4 0 9 . 2 0 3 / R S , R e i . M i n . J o a q u i m B a r b o s a , j . 7 . 3 . 2 0 0 6 ) . D e c l a r o u o Relator:
27
N a c o n h e c i d a p a s s a g e m d e A g o s t i n h o A l v i m : "os d a n o s indiretos o u r e m o t o s não s e e x c l u e m , s ó "O nexo c a u s a l , a m e u ver, está presente no caso. Por outro lado, não v i s l u m b r o , neste, semelhanças
p o r i s s o ; em r e g r a , não são indenizáveis, p o r q u e d e i x a m de ser efeito necessário, pelo a p a r e c i m e n t o c o m alguns outros casos em q u e a jurisprudência da C o r t e afasta a responsabilidade do E s t a d o em
de c o n c a u s a s . S u p o s t o não e x i s t a m estas, aqueles d a n o s são indenizáveis" (Da Inexecução das Obri- razão de ato omissivo. Na m a i o r i a dos casos em que é afastada a responsabilidade estatal, há sempre
gações e suas Conseqüências, cit., p. 3 6 9 - 3 7 0 ) . um elemento sutil a d e s c a r a c t e r i z a r a c a u s a l i d a d e direta: o r a o e l e m e n t o tempo, o r a a circunstância
28
G u s t a v o T e p e d i n o , Notas sobre o Nexo de Causalidade, cit., p. 5. Ver, também, G i s e l a S a m p a i o da de ter sido o c r i m e praticado p o r c o n d e n a d o fugitivo em p a r c e r i a c o m outros delinqüentes fugitivos"
C r u z , O Problema do Nexo Causal na Responsabilidade Civil, cit., p. 111. N
(voto d o M i n . J o a q u i m B a r b o s a , p . 5 , e m v i a s d e publicação).
62 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r A Flexibilização do Nexo C a u s a l 63
t
Alves, assim se p r o n u n c i o u : " E m nosso sistema jurídico, como resulta do disposto que "de acordo c o m a teoria da causalidade adequada, aceita pelo d i r e i t o brasilei-
no artigo 1.060 do Código C i v i l , a teoria adotada q u a n t o ao nexo de causalidade ro, toda condição necessária do dano é p r e s u m i d a m e n t e causa dele, a menos que
é a teoria do dano direto e imediato, também d e n o m i n a d a teoria da interrupção o agente demonstre (o que não f o i feito) tratar-se de evento que, de m o d o geral
32 37
do nexo causal." ou n o r m a l , se revele indiferente à sua produção".
A posição claramente adotada pelo Supremo T r i b u n a l Federal a favor da teo- A confusão t e m chegado ao p o n t o de i m p e l i r os tribunais superiores a traba-
r i a do dano direto e i m e d i a t o (necessário) não i m p e d i u que, p o r t o d o o país, pro- l h a r e m c o m mais de u m a teoria da causalidade. O próprio plenário do Supremo
liferassem, como c o n t i n u a m p r o l i f e r a n d o , decisões expressamente calcadas em Tribunal Federal, já em 1980, c o n c l u i u pela irresponsabilidade da empresa de ôni-
outras teorias da causalidade. Por exemplo, diversos j u l g a d o s sustentam adotar o bus c o m relação à m o r t e de passageiro em assalto o c o r r i d o durante o transporte,
38
direito civil brasileiro a teoria da equivalência das condições. Outros tantos invo- 33
à luz da t e o r i a da causalidade adequada e da t e o r i a da causa direta e i m e d i a t a .
34
c a m a teoria da causalidade a d e q u a d a . A efetiva investigação da ratio decisória Assim c o n s t o u do v o t o vencedor: **Quer se adote esta teoria, do dano d i r e t o e
revela, todavia, que, não raro, expressões amplas c o m o causalidade adequada e imediato, quer a da causalidade adequada, não é possível, data vénia, concluir-se
causalidade eficiente são empregadas em procedimentos racionais que refletem o que a m o r t e do m a r i d o da autora, resultante do t i r o t e i o que ele manteve c o m os
uso de outras teorias, como a subteoria da necessariedade. Como ensina Gustavo assaltantes do ônibus/constitua dano d i r e t o e i m e d i a t o resultante do contrato de
39
32
E s c l a r e c e u , a i n d a , o Relator c o m relação à situação fática em análise: "No caso, em face dos fatos
tidos c o m o certos pelo acórdão r e c o r r i d o , e c o m base nos quais r e c o n h e c e u ele o n e x o de c a u s a l i d a - 4 O c h a m a d o n e x o c a u s a l flexível
de indispensável p a r a o r e c o n h e c i m e n t o da r e s p o n s a b i l i d a d e objetiva c o n s t i t u c i o n a l , é inequívoco
que o nexo de c a u s a l i d a d e inexiste, e, portanto, não pode h a v e r a incidência da r e s p o n s a b i l i d a d e A indefinição q u a n t o às teorias da causalidade t e m servido, m u i t o mais do
a a
p r e v i s t a n o artigo 1 0 7 d a E m e n d a C o n s t i t u c i o n a l n 1 / 6 9 , a q u e c o r r e s p o n d e o § 6 d o artigo 3 7 d a
que a q u a l q u e r das soluções teóricas propostas, a garantir, na prática, reparação
a t u a l Constituição. C o m efeito, o d a n o d e c o r r e n t e d o assalto p o r u m a q u a d r i l h a d e que p a r t i c i p a -
va um dos e v a d i d o s da prisão não foi o efeito necessário da omissão da a u t o r i d a d e pública que o às vítimas dos danos. Os tribunais têm, p o r t o d a parte, se v a l i d o da miríade de
acórdão r e c o r r i d o teve c o m o c a u s a da fuga dele, m a s r e s u l t o u de c o n c a u s a s , c o m o a formação da teorias do nexo causal para justificar um juízo antecedente de responsabilização,
q u a d r i l h a , e o assalto ocorrido c e r c a d e vinte e u m m e s e s após a evasão" ( S T F , R E 1 3 0 . 7 6 4 - 1 / P R , j .
1 2 . 5 . 1 9 9 2 , voto do R e i . M i n . M o r e i r a A l v e s , RTJ, v. 1 4 3 , p. 2 7 0 ) .
3 3
Confira-se, por e x e m p l o , T J D F , E m b a r g o s Infringentes 5 1 3 2 1 . 2 0 0 - 1 , j . 1 5 . 8 . 2 0 0 1 : 'Três são as acordo c o m a t e o r i a d a c a u s a a d e q u a d a a d o t a d a e m sede d e r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l , também c h a m a -
p r i n c i p a i s correntes doutrinárias a respeito do n e x o c a u s a l : a da equivalência d a s condições, a da da de c a u s a d i r e t a ou i m e d i a t a , n e m todas as condições q u e c o n c o r r e m p a r a o resultado são equi-
c a u s a l i d a d e a d e q u a d a e a que exige que o d a n o s e j a conseqüência i m e d i a t a do fato q u e o p r o d u z i u . valentes, c o m o o c o r r e na r e s p o n s a b i l i d a d e p e n a l , m a s s o m e n t e a q u e l a que foi a m a i s a d e q u a d a a
O código c i v i l b r a s i l e i r o a d o t o u a p r i m e i r a . " p r o d u z i r c o n c r e t a m e n t e o r e s u l t a d o . A s s i m , p r o v a d o q u e a invasão de c u p i n s foi a c a u s a direta dos
3 4
Neste sentido, T A R J , Apelação Cível 1 2 2 0 5 / 9 3 , j . 2 4 . 1 1 . 1 9 9 3 : "O fato de t e r c e i r o não e x c l u i danos sofridos p e l a a u t o r a , e o m a d e i r a m e n t o d e i x a d o p e l a c o n s t r u t o r a no teto do imóvel a p e n a s
a r e s p o n s a b i l i d a d e de indenizar, q u a n d o não e l i m i n a totalmente a relação de c a u s a l i d a d e entre o c o n c a u s a , fica e s t a última e x o n e r a d a do d e v e r de i n d e n i z a r . R e c u r s o desprovido."
d a n o e o d e s e m p e n h o do c a u s a d o r dele, pois, h a v e n d o m a i s de u m a c a u s a , a p l i c a - s e a t e o r i a da 3 7
T A R J , Apelação Cível 9 0 6 2 / 9 4 , j . 1 3 . 1 2 . 1 9 9 4 (grifou-se). U m a análise b e m m a i s rica deste modo
c a u s a m a i s adequada". N a m e s m a direção, entre outros, T J D F , Apelação Cível 2 0 0 1 . 0 1 1 . 0 5 8 7 9 2 7 , de p r o c e d e r encontra-se no já referido artigo de G u s t a v o T e p e d i n o , Notas sobre o Nexo de Causali-
j . 3 0 . 8 . 2 0 0 4 ; TJSÇ Apelações Cíveis 5 6 . 5 0 4 - 4 / 0 , j . 2 9 . 7 . 1 9 9 8 , 2 2 . 7 3 0 - 4 / 7 , j . 5 . 5 . 1 9 9 8 , 5 8 . 7 0 7 - 4 / 0 , dade, cit., p. 3 - 1 9 .
j . 12.11.1998. 38
S T F , R e c u r s o Extraordinário 8 8 . 4 0 7 - R J , j . 7 . 8 . 1 9 8 0 , RTJ, v . 9 6 , p . 1 2 0 1 ss.
35
G u s t a v o T e p e d i n o , Notas sobre o Nexo de Causalidade, cit., p. 9. 39
A i n d a S T F , R e c u r s o Extraordinário 8 8 . 4 0 7 - R J , j . 7 . 8 . 1 9 8 0 , RTJ, v . 9 6 , p . 1 2 1 4 - 1 2 1 6 . P a r a u m a
3 6
T J R J , A C 1 9 9 5 . 0 0 1 . 2 7 1 , j . 7 . 3 . 1 9 9 5 , registrado e m 1 8 . 5 . 1 9 9 5 , folhas 9 6 4 6 / 9 6 5 0 : "Responsa- análise da evolução j u r i s p r u d e n c i a l em matéria de r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l nos assaltos a ônibus, v e r
b i l i d a d e C i v i l . D a n o s c a u s a d o s e m imóvel p o r invasão de c u p i n s . N e x o c a u s a l inexistente. Ninguém C e s a r C a l d e i r a , Assaltos a Passageiros de Ônibus no Rio de Janeiro: o problema da reparação de danos,
r e s p o n d e p o r aquilo a que não tiver d a d o c a u s a , segundo f u n d a m e n t a l princípio do direito. E de in Revista Trimestral de Direito Civil - RTDC, v. 4, 2 0 0 0 , p. 1 2 5 ss.
64 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r A Flexibilização do Nexo C a u s a l 65
43
cuja finalidade consiste, quase sempre, em assegurar à vítima a l g u m a compensa- tado de certas d e m a n d a s . Analisando t a l fenômeno, na jurisprudência france-
ção. De certa forma, pode-se afirmar que as cortes têm se recusado a dar à p r o v a sa, Camille Potier se referiu a presunções clandestinas de causalidade, justamente
do nexo causal o mesmo tratamento rigoroso e dogmático que, no passado, ha- para ressaltar esta atuação criativa dos tribunais à m a r g e m de qualquer previsão
44
exemplo, já se a f i r m o u que " d o u t r i n a e jurisprudência não sustentaram de m o d o risco próprio da atividade em causa". Como se vê, a situação atual, seja na d o u -
rígido u m a ou o u t r a tese sobre a causalidade, exatamente para não i n c o r r e r em trina, seja na jurisprudência, encontra-se m u i t o distante da célebre lição de A l t a -
46
v i l l a , segundo a q u a l "o nexo de causalidade não se presume j a m a i s " .
soluções unívocas", "mas r e c o r r e r a m sempre a temperâncias destas teorias para
p r o c u r a r p r o p o r critérios mais razoáveis a f i m de resolver, nos casos concretos, a Certo é que, muitas vezes, o que se chama de presunção do nexo causal não
41
problemática da causalidade". Tem-se, assim, que a eventual exclusão do nexo passa de u m a etapa lógica de sua verificação, em que o j u i z recorre a regras co-
causal pela teoria da causalidade necessária v e m , p o r e x e m p l o , suprida pela a p l i - muns de experiência ou a u m a suposta n o r m a l i d a d e dos fatos para aferir se há
cação ou conjugação c o m a teoria da equivalência das condições ou pela teoria relação de causalidade entre a atividade lesiva e o dano. Verifica-se, contudo, em
da causalidade adequada, independentemente da t e r m i n o l o g i a adotada ao final, diversas ocasiões, o recurso a expedientes mais drásticos, como a desconsideração
no texto das decisões. de u m a excludente de causalidade ou a aplicação de teorias que, sem se p r o p o r a
explicar o significado da causalidade jurídica, l o g r a m e x p a n d i r a m a r g e m de dis-
Mais que isso, verifica-se, muitas vezes, que, mesmo na absoluta ausência de cricionariedade do j u i z na imposição da responsabilidade c i v i l .
nexo causal sob a ótica de qualquer das teorias d o u t r i n a r i a m e n t e reconhecidas,
as cortes acabam condenando o responsável de m o d o a não deixar a vítima sem
42
reparação. I n t e r f e r e m aí fatores os mais variados, de c u n h o mais político, m o r a l
e ideológico do que técnico, e que t o r n a m verdadeiramente imprevisível o resul-
43
E x e m p l o d e c o m o fatores e p o s i c i o n a m e n t o s d e o r d e m v a r i a d a i n t e r f e r e m n a discussão n o nexo
40 c a u s a l verifica-se nos s e m p r e polêmicos pedidos de r e s s a r c i m e n t o p o r d a n o s derivados do tabagis-
N o caso b r a s i l e i r o , limitava-se j á o art. 1.060 d o Código C i v i l d e 1 9 1 6 a estabelecer, n a parte
mo. O T r i b u n a l de Justiça do R i o G r a n d e do S u l , p o r e x e m p l o , já a f i r m o u e x p r e s s a m e n t e : "Ás regras
r e l a t i v a a o i n a d i m p l e m e n t o o b r i g a c i o n a l , u m l i m i t e e x c e s s i v o , c o m o s e v i u , aos d a n o s indenizá-
de experiência, e n f i m , d e m o n s t r a m que o e x a m e do n e x o c a u s a l p o d e ser a m p l i a d o pelo que se t e m
veis, restringindo-os aos prejuízos diretos e imediatos. O n o v o Código C i v i l r e p e t i u a n o r m a no art.
c o n h e c i m e n t o da v i d a , r e l a t i v a m e n t e ao uso do c i g a r r o , o m a l que t e m c a u s a d o aos seus usuários e
4 0 3 , p e r d e n d o a o p o r t u n i d a d e d e instituir u m p o s i c i o n a m e n t o m a i s s e g u r o c o m relação a o nexo
que estão a nos rodear, t r a z e n d o conseqüências maléficas irreversíveis em m u i t o s casos. T u d o pelo
de c a u s a l i d a d e .
uso i n a d e q u a d o dos d e p e n d e n t e s químicos e psíquicos, s e m que h a j a q u a l q u e r responsabilização das
41
Na íntegra: "Come sipuò constatare, dottrina e giurisprudenza non hanno sostenuto in modo rígido indústrias fabricantes de cigarros, que apenas l u c r a m c o m o s e u agir e em n a d a c o n t r i b u e m p a r a ame-
Vuna o Valtra tesi sulla causalità, próprio per non incorrere in soluzioni univoche che di per sé sole sa- n i z a r o m a l que c a u s a m à saúde pública deste País." (Apelação Cível 7 0 0 0 7 0 9 0 7 9 8 , 1 9 . 1 1 . 2 0 0 3 ) .
rebbero risultate verosimilmente irrazionali rispetto allefattispecie concrete produttive di eventi dannosi,
44
ma hanno fatto ricorso sempre a temperamenti delle teorie assunte per cercare di proporre críteri piü Cf. C a m i l l e Potier, Les Présomptions de Causalité, cit., p. 7: "D'une façon plus générale les présomp-
ragionevoli per rísolvere nei cosi concreti la problemática delia causalità" ( A n d r e a V i o l a n t e , Responsa- tions de causalité, envisagées comme une double exception à la fois au droit commun de la preuve et au
mécanisme plus global de la responsabilité civile, ainsi que leur développement plus ou moins clandestin,
bilità Oggettiva e Causalità Flessibile, Nápoles: E d i z i o n i Scientifiche I t a l i a n e , 1 9 9 9 , p. 5 9 ) .
posent la question de leur insertion dans le domaine de la responsabilité individuelle et des incidences
42
C o n f i r a - s e , a título de e x e m p l o do d r a m a v i v i d o pelo P o d e r Judiciário, o trágico caso concreto qu'elles peuvent avoir sur des mécanismes traditionnels."
noticiado na Revista Trimestral de Direito Civil, v. 2 7 : "A P r i m e i r a T u r m a do S T J , em 2 6 / 0 5 / 2 0 0 6 ,
45
r e v e r t e u decisão do T J R S p a r a c o n d e n a r o E s t a d o a o p a g a m e n t o d e indenização por dano moral N a íntegra: " A r e s p o n s a b i l i d a d e objetiva a g r a v a d a insere-se n o f i n a l d e u m a evolução que come-
a u m a estudante de 10 anos que foi estuprada logo depois de liberada pela escola antes do horário çou q u a n d o , n u m p r i m e i r o m o m e n t o , se r e c o n h e c e u que o requisito c u l p a não s e m p r e e r a impres-
r e g u l a r de saída, em razão da falta de professor. A decisão d a s instâncias inferiores se b a s e a v a na cindível p a r a o s u r g i m e n t o da obrigação de i n d e n i z a r . [...] A g o r a e s t a m o s e n t r a n d o n u m segundo
existência de um bilhete na a g e n d a d a s crianças d a n d o notícia aos responsáveis s o b r e a falta de m o m e n t o , em que se v e r i f i c a h a v e r hipóteses e s p e c i a i s em que se p r e s c i n d e também de n e x o de
a u l a n a q u e l e horário. M a s , de a c o r d o c o m o r e l a t o r do r e c u r s o , m i n i s t r o F r a n c i s c o Falcão, h o u v e c a u s a l i d a d e , p a r a se p a s s a r a exigir u n i c a m e n t e que o d a n o a c o n t e c i d o p o s s a ser c o n s i d e r a d o risco
falha do e s t a b e l e c i m e n t o escolar, que se o m i t i u na prestação do c o m p r o m i s s o de c u i d a r dos a l u n o s , próprio da atividade em c a u s a " ( F e r n a n d o N o r o n h a , Desenvolvimentos Contemporâneos da Respon-
s e n d o negligente, e também e n t e n d e u h a v e r relação de c a u s a e efeito entre a c o n d u t a c u l p o s a do sabilidade Civil, in Revista dos Tribunais, v. 7 6 1 , 1 9 9 9 , p. 3 7 ) .
E s t a d o e a violência sofrida p e l a estudante, já que, ao s a i r d e s a c o m p a n h a d a dos responsáveis em 46
No o r i g i n a l : "la prova delVesistenza dei nesso di causalità, spetta, come già dicemmo, sempre al-
horário escolar, e l a a c a b o u sendo a b o r d a d a e e s t u p r a d a em t e r r e n o próximo à e s c o l a , l o c a l que se- Vattore, anche se la colpa si presuma. [ . . . ] II nesso di causalità non si presume mai" ( E n r i c o A l t a v i l l a ,
ria s a b i d a m e n t e perigoso." La colpa, cit., p. 9 3 ) .
66 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber A Flexibilização do Nexo C a u s a l 67
ao dever de i n d e n i z a r a empresa que, c o m base em t a l documentação, inscreve o título de ilustração desta tendência, o conhecido caso do escorrega, d e c i d i d o pelo
5 6
n o m e do suposto devedor no Serviço de Proteção ao Crédito. 53
Superior T r i b u n a l de Justiça e m 2 0 0 1 . A controvérsia e n v o l v i a u m j o v e m que
viajou c o m amigos para Serra Negra, em São Paulo, hospedando-se em um h o t e l
Decisões como esta demonstram, à parte outras tantas conclusões merecedoras
fazenda, e, d u r a n t e a m a d r u g a d a , após confraternizar c o m os amigos, dirigiu-se
de análise, que a invocação do f o r t u i t o i n t e r n o não se baseia t a n t o em u m a qua-
à área da piscina, s u b i u sobre um escorrega e m e r g u l h o u do a l t o do mesmo den-
lificação cientificamente rígida, porque tormentosa, de um acontecimento como
tro da piscina. A piscina, não obstante a presença do escorrega, não era suficien-
externo ou i n t e r n o à certa atividade. N e m mesmo a p r e v i s i b i l i d a d e ou resistibili-
temente p r o f u n d a para acolher um m e r g u l h o daquela a l t u r a e o rapaz acabou,
dade têm desempenhado nesta análise um papel tão decisivo. O juízo acerca da
por força do seu salto, chocando a cabeça c o n t r a o solo em um acidente que lhe
incidência ou não da f i g u r a do f o r t u i t o i n t e r n o parece, antes, v i n c u l a d o à lógica
provocou sérios danos à saúde.
do risco e de sua imputação a certo sujeito que desenvolve u m a atividade poten-
cialmente lesiva. Daí ser o f o r t u i t o i n t e r n o noção recorrente em relações regidas Não obstante a consternação que o episódio n a t u r a l m e n t e desperta, um caso
pela responsabilidade objetiva, mas elemento tecnicamente estranho à seara da assim seria t r a d i c i o n a l m e n t e resolvido c o m a constatação de que a causa dos da-
responsabilidade subjetiva, onde a simples i m p r e v i s i b i l i d a d e é considerada sufi- nos sofridos pela vítima fora a sua própria c o n d u t a . O T r i b u n a l de Justiça de São
ciente para desconfigurar o ilícito. Paulo entendeu, ao contrário, que a responsabilidade pelos danos pertencia inte-
gralmente ao h o t e l e à agência de t u r i s m o que o i n d i c a r a . E o Superior T r i b u n a l
E não é apenas o caso f o r t u i t o que v e m sofrendo relativização em seu papel
de Justiça m a n t e v e a decisão, r e d u z i n d o apenas p a r c i a l m e n t e a responsabilidade
de interrupção do nexo causal. Também a culpa exclusiva da v i t i m a e o fato de
destas sociedades c o m base na concorrência dos atos da vítima para o resultado
terceiro têm sido, c o m este escopo, aferidos de f o r m a restritiva, mantendo-se em 57
d a n o s o . Considerou-se, no j u l g a m e n t o do caso, que o fato da vítima encontra-
m u i t o s casos o nexo de causalidade o r i g i n a r i a m e n t e f o r m a d o entre a conduta do
va-se no âmbito de previsibilidade e prevenção do estabelecimento h o t e l e i r o , ex-
responsável e o dano. De um lado, a c o m u m exigência de exclusividade da culpa
a
cluindo-se a responsabilidade i n t e g r a l da vítima, c o m o questionável f u n d a m e n t o
da vítima, consagrada inclusive em l e i especial (CDC, arts. 12, § 3 , I I I , e 14, § 5 8
e
de que mesmo o sujeito inimputável i n c o r r e r i a no d a n o .
3 , I I ) , afasta, a princípio, a relevância jurídica da concorrência da vítima para o
evento, a i n d a que em g r a u elevado, o que i m p e d e a interrupção da causalidade A t o d a evidência, a decisão a l u d i d a fundou-se na relativação de um t r a d i c i o -
em u m a g a m a significativa de situações. 54
n a l fator de r o m p i m e n t o do nexo causal - a culpa exclusiva da vítima -, que, na
espécie, sofreu drástica restrição em seu p o d e r de interrupção, c o m a cristalina
De o u t r o lado, não é raro que certos c o m p o r t a m e n t o s p o r parte da vítima ou
do terceiro, a i n d a que incompatíveis c o m os standards específicos de diligência,
sejam considerados inclusos no risco do responsável ou imputáveis à sua esfera por escludersi che, nel livello di prevenzione dei soggetto che ha posto in essere un certo comportamento,
5 5 potesse prevedersi che il terzo avrebbe potuto produrre eventi dannosi: si immagini Vimprenditore che
a l g u m a o u t r a razão, a e x e m p l o do que ocorre c o m o f o r t u i t o i n t e r n o . Tome-se, a
abbia collocato un'impalcature con ponteggi in adiacenza ad uno Stabile condominiale, che sia servita
poi ad agevolare il furto in un alloggio dei predetto Stabile ad opera di terzi ignoti; trattasi di fattispecie
53
in cui non sembra difficile ritenere che Vimprenditore potesse prevedere che la situazione create dalla
" R e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l . D a n o m o r a l . Inscrição i n d e v i d a d o n o m e d o a u t o r nos cadastros dos
impalcatura cosi collocata avrebbe potuto tradursi in una condizione agevolativa per il furto"
serviços de proteção a o crédito. C o n t r a t o firmado p o r terceiro c o m o u s o de d o c u m e n t o falso. For-
5 6
tuito i n t e r n o . D e v e r de i n d e n i z a r . Se o v a l o r da indenização foi fixado de f o r m a razoável, m e n s u - S u p e r i o r T r i b u n a l d e Justiça, R e c u r s o E s p e c i a l 287.849/SÇ j . 1 7 . 4 . 2 0 0 1 , R e i . M i n . R u y R o s a d o
r a n d o , a d e q u a d a m e n t e , as circunstâncias do evento, s u a s conseqüências, o g r a u de r e p r o v a b i l i d a d e de A g u i a r Jr.
da c o n d u t a do agente causador, não d i s c r e p a n d o , s i g n i f i c a t i v a m e n t e , dos parâmetros adotados por 57
R e c o n h e c e u o S u p e r i o r T r i b u n a l de Justiça: "Ocorre que o a u t o r u s o u do e s c o r r e g a d o r e 'deu
esta Câmara p a r a situações s e m e l h a n t e s , não há p o r que se r e f o r m a r o j u l g a d o . I m p r o v i m e n t o do um salto em direção à p i s c i n a ' , c o n f o r m e n a r r o u na i n i c i a l , b a t e n d o c o m a cabeça no piso e sofrendo
p r i m e i r o r e c u r s o e p a r c i a l p r o v i m e n t o do segundo" ( T J R J , Apelação Cível 2 0 0 4 . 0 0 1 . 3 1 2 2 0 , D e s . as lesões descritas n o l a u d o . E s s e m a u u s o do e q u i p a m e n t o - instalação q u e e m s i é perigosa, m a s
Fernando Cabral, j . 1.3.2005). c o m p e r i c u l o s i d a d e q u e não e x c e d e a o que d e c o r r e d a s u a n a t u r e z a , l e g i t i m a m e n t e e s p e r a d a pelo
54
"A c u l p a e x c l u s i v a é inconfundível c o m a c u l p a c o n c o r r e n t e : no p r i m e i r o caso, d e s a p a r e c e a r e - usuário - c o n c o r r e u c a u s a l m e n t e p a r a o r e s u l t a d o d a n o s o " ( R e c u r s o E s p e c i a l 287.849/SÇ voto do
lação de c a u s a l i d a d e e n t r e o defeito do p r o d u t o e o evento d a n o s o , dissolvendo-se a própria relação M i n . R u y R o s a d o d e Aguiar, p . 2 ) .
de r e s p o n s a b i l i d a d e ; no s e g u n d o , a r e s p o n s a b i l i d a d e se a t e n u a em razão da concorrência de c u l p a , 58
A s s i m , d e c l a r o u o T r i b u n a l d e Justiça d e São P a u l o n o acórdão r e c o r r i d o : "Aliás, m e s m o que
e os a p l i c a d o r e s da n o r m a c o s t u m a m c o n d e n a r o agente c a u s a d o r do d a n o a r e p a r a r p e l a m e t a d e o fosse o caso, n e m de c u l p a c o n c o r r e n t e p o d e r - s e - i a cogitar d i a n t e da ausência t o t a l de comunicação
prejuízo, c a b e n d o à vítima a r c a r c o m a o u t r a metade" ( A d a Pellegrini G r i n o v e r et a l . , Código Brasi- sobre a p r o f u n d i d a d e da p i s c i n a , q u e t i n h a s e u acesso l i v r e e a p r e s e n t a v a iluminação precária. Tanto
leiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto, cit., p. 1 6 6 ) . há r e s p o n s a b i l i d a d e do h o t e l , q u e u m a criança, b r i n c a n d o p e l o l o c a l e não s a b e n d o ler, p o d e n d o pe-
55
Neste sentido, A n d r e a V i o l a n t e , Responsabilità Oggettiva e Causalità Flessibile, cit., p. 5 5 : "Neppure n e t r a r l i v r e m e n t e n a s dependências d a p i s c i n a , não s a b e n d o n a d a r , c a i n d o d e n t r o d'água, m o r r e r i a
possono ricondursi automaticamente ad unfatto interruttivo dei nesso di causalità, e quindi a causa di afogada e não se p o d e o l v i d a r q u e o infausto a c o n t e c i m e n t o o c o r r e u às vésperas do N a t a l , q u a n d o
esclusione dalla responsabilità, il farto dei terzo ed ilfatto delia vittima. Sotto il primo aspetto non può os hotéis f i c a m lotados" ( t r e c h o transcrito n o j á m e n c i o n a d o R e c u r s o E s p e c i a l 2 8 7 . 8 4 9 / S P ) .
70 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r A Flexibilização do Nexo C a u s a i 71
finalidade de assegurar ao acidentado a l g u m a espécie de reparação, que a assis- na lição de Patrick A t i y a h , um verdadeiro "stretching" (esticamento) das regras de
tência pública, em um país como o Brasil, seria incapaz de g a r a n t i r mesmo no que causalidade em proteção da vítima. 62
E a mesma observação parece valer para a
59
tange ao mínimo indispensável para o adequado t r a t a m e n t o médico da lesão. análise de t a l orientação em ordenamentos romano-germânicos.
De fato, tomando-se qualquer das teorias da causalidade, não resulta possível
considerar o efeito, absolutamente imprevisível, decorrente de u m a anormalidade
6 T e o r i a d a r e s p o n s a b i l i d a d e p e l o r e s u l t a d o m a i s g r a v e (thin skull
congênita da vítima, como um efeito direto, i m e d i a t o ou necessário da conduta do
rule)
ofensor, n e m parece ser sua conduta a causa adequada ou eficiente do dano mais
grave experimentado. Em outras palavras, mesmo que a fragilidade intrínseca da
Além de relativizar as excludentes de causalidade, d o u t r i n a e jurisprudência
têm, em alguns casos, dispensado a prova da relação causal no tocante a um re- vítima não fosse suficiente a i n t e r r o m p e r a cadeia causal, excluindo integralmente
sultado u l t e r i o r da c o n d u t a do agente, assegurando ao nexo de causalidade u m a a responsabilidade do agente, o resultado mais grave, em um exame n o r m a l de
elasticidade que n e n h u m a das teorias usuais c o m p o r t a r i a . O p r o b l e m a que releva, preponderância, derivaria, p r i n c i p a l m e n t e , da condição especial do lesado. D i a n -
a q u i , é o da responsabilidade pelo resultado mais grave. te de "pequeno golpe" de que "resulte fratura do crânio em razão da fragilidade
A t a l respeito, ilustres autores têm sustentado que o agente que p r a t i c a a congênita do osso f r o n t a l " , a preponderância causal cabe à fragilidade congênita
c o n d u t a deve ser responsabilizado também pelo resultado mais grave, ainda que peculiar, e não ao c o m p o r t a m e n t o do a g e n t e . 63
de civitlaw, ao menos em determinados setores onde a previsibilidade do dano é um grupo de pessoas se não é identificado o a u t o r do dano. Por exemplo, não se
66
requisito da reparação. provando q u a l de duas pessoas no local tenha ateado fogo, n e n h u m a das duas
68
se v i n c u l a à sua conduta, salvo por u m a relação de causalidade no sentido natural, nais pátrios, como os de t o d a parte, comovem-se c o m a injustiça de tais situações,
correspondente à tão criticada teoria da equivalência das condições, cuja ausência uma vez que a vítima resta deixada ao desamparo, mesmo sendo certo que o dano
de limites afigura-se perigosa em um campo do d i r e i t o l i v r e da tipicidade como é lhe f o i provocado por, ao menos, um dos integrantes do grupo. A jurisprudência
70
a responsabilidade c i v i l . A teoria da responsabilidade pelo resultado mais grave passa, assim, a buscar remédios para esta situação p a r a d o x a l , valendo-se de re-
aparece, neste cenário, como mais um recurso empregado, e m b o r a c o m m e n o r cursos mais ou menos intensos à eqüidade e à justiça.
freqüência, para a extensão do remédio ressarcitório a domínios que a exigência É neste contexto que v e m invocada a teoria da causalidade alternativa, a f i m
de demonstração do nexo de causalidade m a n t i n h a imunes t a n t o à responsabili- de i m p o r a responsabilidade solidária sobre t o d o o g r u p o e n v o l v i d o na geração
dade subjetiva quanto à responsabilidade objetiva. do dano, embora, a rigor, apenas um de seus integrantes o tenha provocado. A
expressão causalidade alternativa encerra, p o r t a n t o , certa imprecisão lingüística: a
causalidade é única, embora imprecisável, sendo alternativa, a rigor, a imputação
7 Teoria da causalidade alternativa de responsabilidade aos agentes, justamente pelo fato de não se l o g r a r determinar
71
qual deles, i n d i v i d u a l m e n t e , p r o d u z i u o d a n o .
A rigorosa necessidade de demonstração do nexo causal v e m , ainda, amenizada A teoria da causalidade alternativa f o i expressamente adotada em alguns or-
pela chamada teoria da causalidade alternativa. Tal t e o r i a não se propõe a eleger denamentos, c o m o o alemão, a título de solução geral para as situações de au-
um critério de aferição da causalidade jurídica, mas a c u i d a r de certas situações 72
t o r i a anônima de um d a n o . Em outras experiências, a consagração da causali-
que pareciam ao desabrigo nas construções mais comumente adotadas. Sua origem dade alternativa t e m se restringido a hipóteses específicas de responsabilização.
situa-se na discussão sobre o t r a t a m e n t o a ser d a d o à causalidade em hipóteses
em que, e m b o r a seja possível identificar o g r u p o de cuja atuação adveio o dano, 68
M a s s i m o B i a n c a , Diritto Civile, v. 5, cit., p. 6 4 8 . No original: "II concorso nella produzione dei
mostra-se impraticável a determinação precisa do seu causador. Como exemplo danno dev'essere specijïcamente provato dal danneggiato. A tal fine non basta la mera presenza dei sin-
clássico, tem-se o acidente de caça, em que um disparo atinge a vítima, sem que golo in un gruppo di persone se non è identificato Vautore dei danno. A± es., non si prova quale delle
due persone che si trovavano nel locale abbia appiccato il fuoco: nessuna delle due può essere reputata
se possa d e t e r m i n a r de que a r m a p a r t i u o projétil. Ao contrário do que ocorre na
responsabile."
causalidade concorrente - em que todos os participantes c o n c o r r e m para o resul- 69
"O p r o b l e m a da c a u s a l i d a d e a l t e r n a t i v a é sério, p o r q u e , c o m o s a b e m o s , o ônus da p r o v a do nexo
tado a q u i , não se sabe de q u a l ou quais agentes p a r t i u a ação que resultou no c a u s a l cabe a o lesado, u m a v e z que s e t r a t a d e fato constitutivo d o direito deste (Cód. P r o c . C i v i l ,
dano, sendo certo, porém, que n e m todos contribuíram para o prejuízo. art. 3 3 3 , 1 ) . Por isso, e m caso d e dúvida e m r e g r a haverá que d e c i d i r contra ele. E s s a é u m a r e g r a
que não consente t e m p e r a m e n t o s . " ( F e r n a n d o N o r o n h a , Direito das Obrigações, cit., p. 6 5 2 ) . C o m
A rigor, a solução para tais casos é a irresponsabilidade. Afirma-se precisa- relação à r e g r a do ônus da p r o v a , o a u t o r a d m i t e , t o d a v i a , d u a s situações "em q u e a p a r e n t e m e n t e
mente que, em situações assim, "a relação de causalidade é incerta, já que não é (e só na aparência) e l a p a r e c e sofrer a b r a n d a m e n t o s em benefício do lesado: q u a n d o se p u d e r falar
67
possível estabelecer q u e m é o autor da falta c o m e t i d a " . No expresso ensinamento e m p e r d a d a c h a n c e d e evitar u m d a n o e nos casos d e r e s p o n s a b i l i d a d e coletiva, o u grupai".
Confira-se, no Brasil, de f o r m a emblemática, a solução j u d i c i a l gradativamente vírus da AIDS por meio de transfusão de sangue, contra u m dos hospitais no q u a l
alcançada para as hipóteses de effusum et deiectum, ou seja, de queda de objetos recebeu t r a t a m e n t o :
provenientes de casas e edifícios. Embora o art. 1.529 d o Código C i v i l de 1916,
em sua literalidade, já permitisse a responsabilização objetiva e solidária de todos "Responsabilidade c i v i l . D e m a n d a proposta c o n t r a h o s p i t a l . Pacien-
os habitantes de u m a casa pelos danos provenientes das coisas que dela caíssem te hemofílico, sujeito a transfusão de sangue. Alegação de que o vírus da
ou fossem lançadas, m u i t o s autores sustentavam que, nas hipóteses envolvendo A I D S f o i contraído por negligência do corpo médico. D e p o i m e n t o pessoal
condomínios de apartamentos, tornava-se necessário que a vítima demonstrasse da genitora do m e n o r especificando que h o u v e t r a t a m e n t o em outros l o -
de q u a l u n i d a d e autônoma p r o v e i o a coisa danosa. A t e n t a ao fato de que esta cais. Sentença de improcedência do p e d i d o . A p e l o i m p r o v i d o . Voto v e n -
p r o v a de nexo causal tornava, na prática, impossível a reparação, orientaram-se cido: responsabilidade do apelado na infringência do dever de informar.
76
Causalidade a l t e r n a t i v a . " '
as cortes no sentido de, nestes casos, a t r i b u i r a responsabilidade ao condomínio
como um todo, admitindo-se apenas como questão interna corporis do condomí- Em alguns ordenamentos, procura-se justificar esta ampla aplicação c o m base
n i o a posterior exclusão das colunas de onde, pela sua localização, não teria sido em u m a interpretação extensiva da n o r m a que impõe responsabilidade solidária
73
possível que o objeto tivesse caído. O novo Código C i v i l d e i x o u de regular mais 77
a todos os co-autores de um d a n o . Tal extensão v e m explicada ao argumento de
detalhadamente a matéria, limitando-se a repetir substancialmente a n o r m a an- que "a ativa participação em u m a ação c o m u m t o r n a solidariamente responsável
74
terior, c o m o que, ao menos, manteve válida a construção p r e t o r i a n a . ' o indivíduo na m e d i d a em que sua participação c o n t r i b u i para a criação do risco
Em construção mais ousada, a responsabilidade solidária em situações de cau- 78
específico de dano inerente àquela ação". Embora a validade deste recurso so-
salidade alternativa t e m passado a ser invocada mesmo na ausência de n o r m a que mente possa ser avaliada à luz de cada ordenamento particular, não resta dúvida
legitime sua aplicação. Confira-se, p o r exemplo, a seguinte decisão do T r i b u n a l de de que o expediente representa u m a significativa extensão da idéia de responsa-
Alçada do Rio Grande do Sul que aplicou a causalidade alternativa em matéria de bilidade solidária entre co-autores, já que co-autoria, a rigor, não se verifica, ao
responsabilidade c i v i l p o r acidente de automóveis: menos em relação ao dano, sendo possível, no máximo, falar em u m a co-autoria
ou comparticipação da situação de risco que r e s u l t o u na lesão à vítima.
"Causalidade alternativa. M e s m o que não se saiba q u e m f o i o autor
do dano, se há vários indivíduos que p o d e r i a m ser, todos estão obrigados De qualquer forma, o certo é que, p o r m e i o deste ou de outros subterfúgios,
a i n d e n i z a r solidariamente. Culpa. À vítima, a q u e m não se pode a t r i b u i r v e m se p r e s u m i n d o a existência de nexo causal em relação a todos os potenciais
qualquer culpa pelo acidente, não se pode exigir que descreva e prove m i - causadores de um dano sempre que não se afigura possível demonstrar de q u a l
nunciosamente a culpa de cada um dos motoristas. Teoria da causalidade deles p a r t i u a conduta efetivamente lesiva. A responsabilidade solidária daí deri-
alternativa." 75 vada v e m repartida entre os diversos envolvidos c o m base em critérios variáveis,
muitas vezes i n t e i r a m e n t e dissociados da incidência ou prevalência da causa j u -
Confira-se, ainda, na jurisprudência do mesmo Estado, o v o t o vencido exara-
do em tormentosa ação m o v i d a por paciente menor, hemofílico, infectado c o m o
7 6
T J R S , Apelação Cível 5 9 3 . 0 0 8 . 8 0 8 , Q u i n t a Câmara Cível, R e i . A l f r e d o G u i l h e r m e E n g l e r t , j .
2
1 .4.1993.
77
N o Código C i v i l brasileiro, a n o r m a c o n s t a d o art. 9 4 2 , e m q u e s e lê: "Art. 9 4 2 . O s bens d o res-
s e m a m p a r o o l e s i o n a d o só porque não foi possível identificar o responsável pelo prejuízo" ( G i s e l a ponsável p e l a ofensa ou violação do direito de o u t r e m f i c a m sujeitos à reparação do d a n o c a u s a d o ;
S a m p a i o da C r u z , O Problema do Nexo Causal na Responsabilidade Civil, cit., p. 273). e, se a ofensa tiver m a i s de um autor, todos responderão s o l i d a r i a m e n t e p e l a reparação. Parágrafo
73
único. São s o l i d a r i a m e n t e responsáveis c o m os a u t o r e s os co-autores e as pessoas designadas no
A s s i m d e c i d i u , p o r e x e m p l o , o S u p e r i o r T r i b u n a l d e Justiça, n o âmbito d o R e c u r s o E s p e c i a l
art. 9 3 2 . "
6 4 . 6 8 2 / R J , j u l g . 1 0 . 1 1 . 1 9 9 8 : "A impossibilidade de identificação do exato ponto de o n d e parte a
78
rídicaxlo evento danoso no caso concreto, c o m o ocorre nas divisões c o m base em ao sujeito que se considera responsável. Fala-se, neste sentido, em vitimização
81
market share (participação no mercado do p r o d u t o n o c i v o ) , tão habituais no ce- social ou blame culture.
79
nário norte-americano dos chamados toxic torts ( a m i a n t o , tabaco e t c . ) . É certo que t a l c u l t u r a responde, em parte, a u m a m a i o r conscientização do
C o m o se vê, a relativização do nexo causal abrange situações as mais diversas cidadão e do c o n s u m i d o r c o m relação aos seus direitos e a um crescente acesso
e as justificativas empregadas em t a l procedimento mostram-se plurais, variando aos seus meios de tutela. Igualmente v e r d a d e i r o que, em m u i t o s casos, a respon-
de acordo c o m o cenário que se t e m em vista. Idêntico é apenas o seu efeito: a sabilização acaba alcançando agentes perpetradores de abusos frente aos quais a
erosão do nexo causal como filtro da reparação. vítima permaneceria sem remédio na d i s c i p l i n a t r a d i c i o n a l da responsabilidade
civil. A v i a escolhida, contudo, embora pareça justificada e m face destas premis-
sas, mostra-se inconsistente. A presunção do nexo causal, não raro, i m p u t a a res-
ponsabilidade de tragédias pessoais, a outros indivíduos ou agentes econômicos
8 A erosão do nexo causal c o m o filtro da reparação
que acabam s u p o r t a n d o , i n d i v i d u a l m e n t e , um ônus que u m a postura coerente
a t r i b u i r i a à sociedade c o m o um t o d o , e não simplesmente à pessoa mais próxima
A g r a d u a l perda de r i g o r na apreciação do nexo de causalidade, extraída de
da fatalidade.
tantos expedientes empregados pela jurisprudência, c o m m a i o r ou m e n o r apoio
na d o u t r i n a , efetivamente assegura às vítimas em geral a reparação dos danos so- Enquanto não se procede à necessária revisão da i n t e i r a dogmática da respon-
fridos. Até aqui, o que v e m sendo apontado como relativização da prova do nexo sabilidade c i v i l , vive-se u m m o m e n t o de evidente perplexidade c o m a corrosão
causal parece legitimar-se por aquilo que já f o i d e n o m i n a d o como "o imperativo das bases do i n s t i t u t o . Não resta dúvida de que o n e x o causal não l o g r o u substi-
social da reparação". 80
t u i r a culpa c o m o barreira de contenção ao ressarcimento dos danos. E mais: à
semelhança do que o c o r r e u c o m a p r o v a da culpa, a p r o v a do nexo causal parece
A análise das decisões em sua totalidade revela, no entanto, o efeito negativo
tendente a sofrer, no seu papel de filtragem da reparação, u m a erosão cada vez
dos expedientes empregados pela jurisprudência. A a m p l a m a r g e m de discriciona-
mais visível. O resultado desta tendência é a realização do p i o r t e m o r dos juristas
riedade na aferição da causalidade jurídica não apenas p r o d u z decisões incoeren-
da M o d e r n i d a d e : a extraordinária expansão do d a n o ressarcível.
tes, mas também resulta, p o r t o d a parte, em certa insegurança no que concerne
às próprias responsabilidades. Pior: a liberdade c o m que o Poder Judiciário trata
a questão do nexo causal estimula pedidos de reparação, fundados mais na des-
graça da vítima, que em u m a possibilidade jurídica de imputação dos infortúnios
79
É neste sentido o e n s i n a m e n t o de G u i d o A l p a : "Jn alcune esperienze, segnatamente quella statu-
nitense, Uimputazione delia responsabilità, in casi di eccezione, viene effettuata senza avere riguardo al
nesso causale. In altri termini, nonpotendosi individuarela responsabilità di uno dei diversi soggetti che
potenzialmente abbiano avuto un ruolo causativo nella produzione dei danno, la responsabilità viene
ripartita tra di essi sulla base di criteri diversi dalla incidenza o dalla prevalenza delle cause. È il caso
dei cosiddetti toxic torts, in cui gli effetti delVasbestosi, dei fumo da tabacco, deifattori di inquinamen-
to idrico, aéreo, dei suolo ecc. Non sono facilmente riconducibili a un atto o a un'attività del soggetto o
dei soggetti che raranno ritenuti responsabili. II panorama delia giurisprudenza evince che in casi come
questi le corti non hanno seguito indirizzi univoci, ma hannofatto riferimento di volta in volta a teo- 81
Sobre o t e m a , v e r Patrick A t i y a h , The Damages Lottery, cit., p. 138: "Many members of the public
rie diverse, in cui concorrono più soggetti ritenuti (stocasticamente) responsabili: la responsabilità per
feel uneasy about the increasing spate of claims for damages, and one of the problems they are able to
compartecipazione alia creazione del rischio; la responsabilità per Vesercizio di una attività d'impresa;
identify, without having any technical knowledge of the law, is that it encourages people to blame other
la responsabilità per azioni concertate; la responsabilità alternativa" (Diritto delia Responsabilità Ci-
for their misfortunes. This encouragement takes two distinct forms. First, the public are encouraged to
vile, cit., p. 1 2 5 - 1 2 6 ) .
think that others are responsible for taking the necessary precautions to prevent accidents or misfor-
80
Cf. Y v o n n e Flour, Faute et Responsabilité Civile: Déclin ou Renaissance?, cit., p. 3 9 - 4 0 : "Lappa- tunes occurring, and secondly, they are also encouraged to think that it is the responsibility of others
rition de moyens techniques puissants plus ou moins bien maîtrisés, Vanonymat des dommages qui en to take the necessary financial steps (by insurance or otherwise) to safeguard them against loss when
résultent, qu'il devient impossible d'imputer à telle cause déterminée, et notamment à une défaillance these misfortunes strike. There can be no doubt that the legal system, as it operates today is partly
humaine, et par suite la disproportion criante entre l'action de l'homme et l'étendue de ses conséquences, responsible for this. The legal system is helping to create a blame culture in which people have a strong
tous ces éléments vont faire du besoin de réparation un véritable impératif social." financial incentive to blame other for loss or death or injury."
Os Novos Danos
1
No o r i g i n a l : "lafunzione risarcitoria viene per cosi dire esaltata dalVincremento dei danni che è un
a
connotato típico delia società moderna" ( G u i d o A l p a e M a r i o B e s s o n e , Atipicità delVillecito, I parte,
Milão: Dott. A . Giuffrè, 1 9 8 0 , p . 4 ) .
82 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r O s Novos D a n o s 83
do é questão cuja análise se faz útil não apenas p a r a c o m p r e e n d e r a n o v a meto- ordem processual têm provocado u m a verdadeira revolução que c o n t r i b u i signi-
d o l o g i a que v a i caracterizando a responsabilidade c i v i l , mas para enfrentar o tão ficativa e saudavelmente, para um aumento q u a n t i t a t i v o das ações de indenização
necessário q u a n t o imprescindível debate acerca dos papéis que o i n s t i t u t o v e m e dos danos efetivamente ressarcidos.
desempenhando e que deve desempenhar na sociedade contemporânea. À parte essa expansão quantitativa, verifica-se, em todo m u n d o , e de m o d o
ainda mais marcante, u m a expansão qualitativa, na m e d i d a em que novos inte-
resses, sobretudo de natureza existencial e coletiva, passam a ser considerados
2 Expansão q u a n t i t a t i v a e q u a l i t a t i v a pelos tribunais como merecedores de tutela, consubstanciando-se a sua violação
em novos danos ressarcíveis. De fato, o reconhecimento da necessidade de tutela
O p r i m e i r o p r i s m a sob o q u a l a expansão do d a n o ressarcível costuma ser dos interesses existenciais atinentes à pessoa h u m a n a , e, de o u t r o lado, a v e r i f i -
identificada é sempre o q u a n t i t a t i v o . Aponta-se, em m u i t a s partes, o a u m e n t o do cação de danos demasiado abrangentes, identificados c o m interesses t r a n s i n d i -
número de ações de ressarcimento e não f a l t a m estatísticas alertando para o ver- viduais ou supra-individuais, que passam a ser considerados dignos de proteção,
5
tiginoso crescimento dos pedidos de indenização p o r dano m o r a l . Em parte, t a l v i e r a m e x i g i r o repensar da estrutura i n d i v i d u a l i s t a e eminentemente p a t r i m o n i a l
a u m e n t o deriva dos fenômenos já examinados: o ocaso da culpa e a flexibilização das ações de reparação. 7
f í
pre, p o r t a n t o , em p r i m e i r o lugar, investigar o recente reconhecimento de tutela É emblemático o caso brasileiro. Já a Lei n 4.717, de 29 de j u n h o de 1965,
destes novos interesses coletivos e existenciais à l u z dos percursos históricos pró- instituíra a ação popular, i n s t r u m e n t o capaz de assegurar a t u t e l a de interesses
prios dos diferentes ordenamentos jurídicos. Só então, afigura-se possível avaliar, supra-individuais, mas cujas potencialidades n u n c a v i e r a m a ser inteiramente ex-
9 ü
c r i t i c a m e n t e , os diversos critérios e métodos de seleção dos interesses tutelados, ploradas. A Lei n 7.347, de 24 de j u l h o de 1985, t r o u x e , por sua vez, a disciplina
que e m e r g e m da experiência j u r i s p r u d e n c i a l pátria e estrangeira. da ação c i v i l pública, e o Código de Defesa do C o n s u m i d o r (Lei n - 8.078, de 1 1 de
setembro de 1990) dedicou inúmeros dispositivos à t u t e l a coletiva dos interesses
dos consumidores, ainda quando tais interesses sejam essencialmente i n d i v i d u a i s
10
- os conhecidos interesses i n d i v i d u a i s homogêneos. A extensão legislativa da
3 Os interesses s u p r a - i n d i v i d u a i s e as ações c o l e t i v a s de reparação Q
tutela consumerista aos chamados consumidores p o r equiparação (CDC, arts. 2 ,
parágrafo único, 17 e 2 9 ) acabou p o r c o n t r i b u i r para um cenário em que as ações
A evolução científica e i n d u s t r i a l c o n d u z i u , c o m o já é truísmo dizer, a u m a
coletivas alcançam a m p l a variedade de relações.
substancial majoração do p o t e n c i a l lesivo da a u t o n o m i a p r i v a d a . A exploração de
novas fontes de energia; as técnicas de produção em massa; a a m p l a comercializa- Decisões atuais m o s t r a m a crescente aceitação das ações coletivas de repa-
ção de medicamentos e terapias que refletem descobertas relativamente recentes ração em âmbitos diferenciados e p o r i n i c i a t i v a de entidades diversas. Tome-se
da ciência médica; o d e s e n v o l v i m e n t o desconcertante dos transportes terrestre, como exemplo a decisão do Superior T r i b u n a l de Justiça, que considerou legítima
aéreo e marítimo; a explosão da mídia; t u d o que caracteriza, e n f i m , a sociedade a p r o p o s i t u r a pela Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado de São Pau-
1 1
contemporânea esconde, p o r trás de si, um e n o r m e p o t e n c i a l de d a n o . l o de ação c i v i l pública visando indenização p o r danos materiais e morais das
diversas vítimas da explosão de um estabelecimento que explorava o comércio de
Não se chega, no mais das vezes, a cogitar da paralisação ou eliminação destes
fogos de a r t i f i c i o . Reconheceu, na o p o r t u n i d a d e , a corte que "no que se refere à
fatores de risco, mas b e m se sabe que os acidentes daí derivados alcançam enor-
defesa dos interesses do consumidor p o r m e i o de ações coletivas, a intenção do
mes proporções. A tragédia ínsita a tais episódios aflige, há m u i t o , a c o m u n i d a d e
legislador pátrio f o i ampliar o campo da legitimação ativa, conforme se depreende
jurídica internacional, tendo, p o r t o d a parte, se desenvolvido a idéia dos interes- â
8
do art. 8 2 e incisos do CDC, b e m assim dò art. 5 , inciso XXXII, da Constituição
ses difusos ou coletivos em t o r n o de bens jurídicos de u t i l i d a d e c o m u m . U m a vez
Federal, ao dispor expressamente que i n c u m b e ao Estado promover, na f o r m a da
violados, tais interesses ensejam danos i g u a l m e n t e comuns, a serem ressarcidos 12
l e i , a defesa do c o n s u m i d o r " .
em benefício de toda a sociedade ou da coletividade a t i n g i d a .
A dificuldade de se e n q u a d r a r e m danos coletivos e difusos em um esquema 9
Neste sentido, José C a r l o s B a r b o s a M o r e i r a , O Processo Civil Brasileiro entre Dois Mundos, cit.,
dogmático construído sobre bases essencialmente i n d i v i d u a i s parece, hoje, supe- p. 126, e, do m e s m o autor, A Ação Popular do Direito Brasileiro como Instrumento de Tutela Juris-
rada na m a i o r parte dos ordenamentos por força da d i l i g e n t e atuação da proces- dicional dos Chamados Interesses Difusos, in Studi inonore di Enrico Tullio Liebman, Milão: Giuffrè,
sualística contemporânea. Verifica-se, a t u a l m e n t e , um a m p l o d e s e n v o l v i m e n t o 1 9 7 9 , v. IV p. 2 . 6 7 3 ss.
Par t o d a parte, a d o u t r i n a , há m u i t o , constata que as ações coletivas não ape- o indivíduo. De um lado, a negativa de reparabilidade ao "dano m o r a l coletivo"
nas superam a dificuldade de acesso i n d i v i d u a l à Justiça, mas também asseguram não.implica a impossibilidade de dano m o r a l decorrente da lesão a um interesse
17
a plena compreensão da d e m a n d a e u m a decisão coerente ( p o r q u e unitária) para t r a n s i n d i v i d u a l . De o u t r o , a própria discussão em t o r n o do tema revela, antes,
todas as vítimas, p o u p a n d o esforços e custos desnecessários às partes e ao p o d e r que os interesses difusos e coletivos, até p o u c o t e m p o combatidos apenas p o r
público. Tais benefícios são, por óbvio, m u i t o bem-vindos em sociedades em que medidas de d i r e i t o público em sentido estrito ( m u l t a s administrativas e t c ) , i n -
o recurso ao Poder Judiciário ainda consiste em atitude i n c o m u m para a m a i o r gressam, f i r m e m e n t e , no campo da responsabilidade c i v i l e passam a exigir novos
parcela da população. Não são dispensáveis, t o d a v i a , n e m mesmo naquelas so- posicionamentos das cortes de todo o m u n d o , em oposição à dogmática tradicio-
18
ciedades marcadas por u m a c u l t u r a da a m p l a defesa j u d i c i a l dos direitos, como nalmente i n d i v i d u a l i s t a d o i n s t i t u t o .
ocorre nos Estados Unidos, cujo m o d e l o bem-sucedido das class actions serviu, em
larga medida, de inspiração ao legislador brasileiro. A eficiência do i n s t r u m e n t o 7<
é, aliás, demonstrada pelos seus próprios opositores. E significativo que a recente 4 A d i g n i d a d e da pessoa h u m a n a e a t u t e l a d o s interesses
batalha travada pelo Governo Bush contra o alto custo empresarial representado existenciais
pelo sistema de torts norte-americano tenha t i d o como alvo da p r i m e i r a investida
13
justamente as class actions.
Se o despertar do d i r e i t o para os interesses supra-individuais pode ser con-
A parte a questão das ações coletivas de reparação, parece inegável que, sob siderado um dos grandes avanços da ciência jurídica recente, o reconhecimento
o p o n t o de vista substancial, a tutela dos interesses supra-individuais veio revelar da necessidade de t u t e l a dos interesses existenciais atinentes à pessoa h u m a n a
19
a insuficiência da d i c o t o m i a dano moral-dano p a t r i m o n i a l e p r o p o r novos proble- representa u m a autêntica revolução. A consagração da dignidade h u m a n a como
mas, como se vê particularmente da discussão em t o r n o do chamado "dano m o r a l valor f u n d a m e n t a l nas constituições do último século, associada à aplicação dire-
14
c o l e t i v o " . Pressupõe a figura que seja possível causar dano m o r a l de forma difusa, ta das normas constitucionais às relações privadas, v e i o exigir c o m força irresis-
20
afetando-se u m a comunidade de pessoas, para além da i n d i v i d u a l i d a d e de cada tível a ressarcibilidade, até então discutida, do dano e x t r a p a t r i m o n i a l . Embora
u m . N o Brasil, acórdão recente do Superior T r i b u n a l de Justiça considerou, p o r de f o r m a diferenciada, cada sistema jurídico passou, gradativa ou subitamente,
m a i o r i a , impossível cogitar de dano m o r a l coletivo, pleiteado em n o m e de c o m u - a conceder reparação a lesões de interesses existenciais, antes considerados de
nidade afetada por lesão ao m e i o ambiente, a r g u m e n t a n d o que "não parece ser forma m e r a m e n t e programática, como escopo de comandos dirigidos tão-somen-
compatível c o m o dano m o r a l a idéia da t r a n s i n d i v i d u a l i d a d e (da i n d e t e r m i n a b i - te ao legislador, inaptos a deflagrar d i r e t a proteção contra violações perpetradas
21
lidade do sujeito passivo e da i n d i v i s i b i l i d a d e da ofensa e da reparação) da lesão. pelo Estado ou p o r outros p a r t i c u l a r e s .
É que o d a n o m o r a l envolve, necessariamente, dor, sentimento, lesão psíquica,
afetando a parte sensitiva do ser h u m a n o , como a i n t i m i d a d e , a v i d a privada, a 17
O próprio S T J r e c o n h e c e : " O d a n o a m b i e n t a l o u ecológico p o d e , e m tese, a c a r r e t a r também
15
h o n r a e a i m a g e m das pessoas." d a n o m o r a l - c o m o , p o r e x e m p l o , na hipótese de destruição de árvore p l a n t a d a por antepassado
de d e t e r m i n a d o indivíduo, p a r a q u e m a p l a n t a teria, p o r e s s a razão, g r a n d e v a l o r afetivo. T o d a v i a ,
A decisão é criticável em sua associação do d a n o m o r a l c o m a d o r e o a vítima d o d a n o m o r a l é , n e c e s s a r i a m e n t e , u m a pessoa" ( R E s p 5 9 8 . 2 8 1 , R e i . M i n . T e o r i A l b i n o
16
s o f r i m e n t o , mas o j u l g a m e n t o , longe de revelar oposição à t u t e l a dos interesses Zavascki, 2.5.2006).
supra-individuais, demonstra u m a crescente sensibilidade do Poder Judiciário para 18
Neste sentido, P a t r i z i a Petrelli, Interessi Collettivi e Responsabilità Civile, cit., p. 2 2 1 - 2 2 2 .
a distinção entre os interesses puramente i n d i v i d u a i s e aqueles que transcendem 19
S o b r e a t u t e l a da p e s s o a h u m a n a , imprescindível a l e i t u r a de Pietro Perlingieri, La personalità
umana neWordinamento giuridico, C a m e r i n o : J o v e n e E d i t o r e , 1 9 7 2 . No B r a s i l , f u n d a m e n t a l é a lei-
t u r a de G u s t a v o T e p e d i n o , A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil-Constitucional Brasileiro,
13
R e c e n t e m e d i d a legislativa l i m i t o u a competência d a s cortes e s t a d u a i s ' a m e r i c a n a s p a r a a a p r e - in Temas de Direito Civil, cit., p. 2 3 - 5 8 ; e M a r i a C e l i n a B o d i n de M o r a e s , A Caminho de um Direi-
ciação de class actions, o que pode, de acordo c o m o Prof. A r t h u r R. Miller, da U n i v e r s i d a d e de H a r - to Civil Constitucional, in Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, v. 6 5 , j u l . / s e t .
vard, levar à "balkanization of class-action litigation by encouraging plaintiffs' lawyers to file smaller 1993, p. 21-32.
suits in different courts, rather than a single large nationwide action" (New York Times, 11.2.2005,
20
E s p e c i f i c a m e n t e sobre a r e s s a r c i b i l i d a d e dos d a n o s à p e s s o a , v e r M a r i a C e l i n a B o d i n d e Moraes,
Senates Approves Measure to Curb Big Class Actions).
Danos à Pessoa Humana, cit., p a s s i m . Na experiência e s t r a n g e i r a , v e r A n t o n i n o P r o c i d a M i r a b e l l i di
14
S o b r e o t e m a , v e r C a r l o s A l b e r t o Bittar F i l h o , Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico L a u r o , La riparazione dei danni alia persona, Nápoles: E S I , 1 9 9 3 .
brasileiro, in Revista de Direito do Consumidor, v. 1 2 , p. 4 4 - 6 2 .
21
No B r a s i l , confira-se, c o m o u m a das p r i m e i r a s obras a sistematizar, entre nós, a evolução do
1 5
S T J , R E s p 598.281, Rei. M i n . Teori Albino Zavascki, 2.5.2006. d a n o m o r a l , C a r l o s E d i s o n do Rêgo M o n t e i r o F i l h o , Elementos de Responsabilidade Civil por Dano
16
V e r Capítulo 4, i t e m 4 - A i m p r o p r i e d a d e do critério da dor. Moral, R i o de J a n e i r o : R e n o v a r , 2 0 0 0 .
88 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber O s Novos Danos 89
O fenômeno da constitucionalização do d i r e i t o c i v i l refletiu-se, p o r t a n t o , tam- se, deste m o d o , diante dos tribunais de toda parte o que já se d e n o m i n o u de "o
22
bém na responsabilidade civil, e de f o r m a notável. U m n o v o universo de inte- 28
grande m a r " da e x i s t e n c i a l i d a d e , em u m a expansão gigantesca, e, para alguns,
resses merecedores de tutela veio dar m a r g e m , diante da sua violação, a danos tendencialmente i n f i n i t a das fronteiras do dano ressarcível.
que até então sequer e r a m considerados j u r i d i c a m e n t e c o m o tais, tendo, de forma
direta ou i n d i r e t a , negada a sua ressarcibilidade.
Basta pensar, a título de ilustração, no dano à p r i v a c i d a d e . Em 1 9 6 0 , era i n - 5 E x e m p l o s de novos danos
concebível que u m a pessoa recorresse ao Poder Judiciário alegando ter sofrido
dano à privacidade, c o m o m o d a l i d a d e autônoma e específica de um prejuízo res- Às figuras mais comuns de dano não-patrimonial (dano à integridade psico-
23
sarcível. Hoje, ao contrário, a privacidade é a m p l a m e n t e reconhecida como um física, d a n o estético, dano à saúde etc.) vêm se somando outras, de surgimento
interesse merecedor de tutela, e os tribunais têm se mostrado prontos para tutelar mais recente e de classificação ainda üm t a n t o assistemática. Para designá-las, a
qualquer lesão que se lhe apresente, como evidenciam, p o r exemplo, os casos de
d o u t r i n a de toda parte t e m empregado expressões c o m o novos danos ou novos ti-
condenação p o r revista ou video-vigilância não autorizada em ambiente de tra-
2 4 25
pos de danos. A rigor, a alusão a "tipos" mostra-se imprópria na m a i o r parte dos
b a l h o ou p o r abuso no d i r e i t o de informação.
ordenamentos, já que a tendência m u n d i a l hoje é a de se rejeitar a aplicação do
A exemplo do que ocorreu c o m a privacidade, a aplicação d i r e t a da n o r m a princípio - ou da lógica - da t i p i c i d a d e no que tange à definição dos danos ressar-
constitucional de t u t e l a da dignidade h u m a n a v e i o a b r i r c a m i n h o à proteção de cíveis. Justamente p o r essa razão, o a r r o l a m e n t o destes "novos danos" mostra-se
outros interesses existenciais que, há m u i t o , d e m a n d a v a m reparação. Por exemplo, tarefa das mais ingratas. Não sendo possível exauri-los, sua indicação t e m como
d o u t r i n a e tribunais brasileiros passaram, mesmo à m a r g e m de previsão legislativa u t i l i d a d e apenas a descrição i l u s t r a t i v a da amplíssima expansão do dano ressar-
específica, a considerar c o m o dano ressarcível o d a n o à i m a g e m , o dano estético cível que v e m chocando t r i b u n a i s ao redor do m u n d o . Ao mesmo tempo, com-
26
e o dano à integridade psicofísica. Consolidou-se, na experiência brasileira, a
preensões sistemáticas que p o d e r i a m , quiçá, a u x i l i a r na apreensão do fenômeno
efetiva t u t e l a reparatória destes aspectos da personalidade, constitucionalmente
vêm já desencorajadas pela imensa variabilidade das tantas figuras reunidas sob
protegida.
o signo c o m u m da novidade.
O p r o b l e m a mais a t u a l reside no fato de que a d i g n i d a d e h u m a n a não se l i m i -
Tome-se como exemplo i n i c i a l a jurisprudência italiana. A Corte di Cassazione
ta, n e m p o d e r i a se limitar, como cláusula geral que é, aos interesses existenciais
menciona expressamente "o dano à v i d a de relação, o dano pela perda de concor-
acima mencionados. O seu conteúdo i n c l u i aspectos diversos da pessoa h u m a n a 29
27 rencialidade, o dano p o r redução de capacidade l a b o r a l genérica" e reconhece a
que "vêm se enriquecendo, a r t i c u l a n d o e d i f e r e n c i a n d o sempre m a i s " . A b r e - 30
ressarcibilidade do chamado "dano s e x u a l " . O T r i b u n a l de Florença propõe " u m
31
reconhecimento em v i a autônoma do conceito de d a n o hedonístico". O T r i b u -
22
S o b r e a constitucionalização do direito c i v i l , ver, c o m o referência f u n d a m e n t a l , G u s t a v o Tepe-
dino, Premissas Metodológicas para a Constitucionalização do Direito Civil, in Temas de Direito Civil, 2 0 0 1 , p. 4 ) .
cit., p. 1-22. 28
A expressão é de F r a n c e s c o D o n a t o B u s n e l l i , Il Danno alla Persona al Giro di Boa, in Danno e
23
P a r a a evolução d o t r a t a m e n t o d a p r i v a c i d a d e n o direito b r a s i l e i r o , confira-se D a n i l o D o n e d a , Responsabilità, a n o V I I I , 2 0 0 3 , p. 2 4 3 .
Da Privacidade à Proteção de Dados Pessoais, R i o de J a n e i r o : Renovar, 2 0 0 6 .
29
"II danno alla vita di relazione, il danno per la perdita di concorrenzialità, il danno per riduzione
24
S o b r e o t e m a , imprescindível a l e i t u r a de B r u n o L e w i c k i , A Privacidade da Pessoa Humana no delia capacita lavorativa genérica" {Corte di Cassazione, 27 agosto 1999, n Q
8998).
Ambiente de Trabalho, R i o de J a n e i r o : Renovar, 2 0 0 3 . 30
T r a t a - s e d o d a n o autônomo sofrido p e l o indivíduo q u e s e v ê i m p e d i d o d e m a n t e r relações
25
C o n f i r a - s e , p o r e x e m p l o , decisão d o T r i b u n a l d e Justiça d o R i o d e J a n e i r o e m que s e d e c l a r o u : sexuais por força de outro d a n o c a u s a d o d i r e t a m e n t e ao s e u cônjuge. No e n t e n d e r da corte italiana:
"A r e p o r t a g e m p u b l i c a d a em revista de g r a n d e circulação n o t i c i a n d o e n c o n t r o forjado de c a s a l , c o m "II comportamento doloso o colposo dei terzo che cagiona ad una persona coniugata Vimpossibilità dei
reprodução d e diálogo r e v e l a d o r d a v i d a íntima, d a p e s s o a que a c r e d i t a v a s e r v e r d a d e i r o aquele rapporti sessuali è immediatamente e direitamente lesivo, sopprimendolo, dei diritto delValtro coniu-
i n i c i a l r e l a c i o n a m e n t o , v i o l a o direito à p r i v a c i d a d e e à i n t i m i d a d e , a s s e g u r a d o na Constituição F e - ge a tali rapporti, quale diritto-dovere reciproco, inerente alia persona, strutturante, insieme agli alai.
d e r a l , e n s e j a n d o a reparação m o r a l " ( T J R J , Apelação Cível 2 0 0 4 . 0 0 1 . 1 4 7 2 5 2 0 0 4 . 0 0 1 . 1 4 7 2 5 , R e i . diritti-doveri reciproci, il rapporto di coniugio. La soppressione di taie diritto, menomando la persona
Des. José G e r a l d o A n t o n i o , j . 3 1 . 8 . 2 0 0 4 ) . dei coniuge, nel suo modo di essere e nel suo svolgimento nella famiglia, è di per sé risarcibile, quale
26
Ver, entre o u t r o s , S u p e r i o r T r i b u n a l d e Justiça, R e c u r s o s E s p e c i a i s 1 8 2 . 9 7 7 / P R , 207.165/SÇ modo di riparazione delia lesione di quel diritto délia persona, qualificabile corne danno che non è né
595.338/RJ, 327.210/MG, 401.124/BA e 449.000/PE. patrimoniale, né non patrimoniale, comunque rientrante nella previsione delUart. 2043 cod. civ" (Cas-
f i
27 sazione Civile, sezione I I I , 1 1 . 1 1 . 1 9 8 6 , s e n t e n z a n 6 6 0 7 ) .
No original: "si sono venuti sempre piü arricchendo, articolando e differenziando" (Raffaele T o m -
31 û
m a s i n i , Soggetti e area dei danno risarcibile: Vevoluzione dei sistema, T u r i m : G. G i a p p i c h e l l i E d i t o r e , T r i b u n a l d e Florença, 2 4 . 2 . 2 0 0 0 , i n Guida a l Diritto, 2 0 0 0 , n 2 5 , p . 4 6 ss.
90 Novos P a r a d i g m a s da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber O s Novos D a n o s 91
n a l de yeneza v e m apenas enriquecer um debate a m p l a m e n t e desenvolvido em lizada não d e i x o u de atentar para o risco de que, na esteira da decisão da Corte
território francês ao d e c i d i r que o nascimento não-programado de u m a criança de Justiça, as férias passassem a ser consideradas c o m o um b e m jurídico a u t o n o -
p o r força de u m a c i r u r g i a de esterilização falha i m p l i c a no ressarcimento do dano mamente t u t e l a d o . 3 6
32
consistente no custo de manutenção do filho i n d e s e j a d o . E o T r i b u n a l de Milão C o m risco mais ou menos semelhante, fala-se hoje, na Europa, em dano de
já reconheceu o dano existencial de emissão de ruído, c o m o "dano consistente na mobbing, dano de mass media, dano de processo lento, dano de brincadeiras cruéis
perturbação das n o r m a i s atividades do indivíduo e da serenidade pessoal a que 37
(bullying) e assim por d i a n t e . No Brasil, à parte outras figuras controversas de
33
cada sujeito t e m d i r e i t o " . danos, a jurisprudência t e m , mais recentemente, se deparado c o m inúmeros p e d i -
A l g u n s destes novos danos acabam por alcançar, na Europa, reconhecimento dos de indenização em decorrência de r u p t u r a ou desenvolvimento insatisfatório
em g r a u comunitário. A Corte de Justiça da C o m u n i d a d e Européia, p o r exemplo, de relações familiares. Confrontam-se, deste m o d o , as cortes pátrias c o m d e m a n -
acolheu expressamente o chamado "danno da vacanza rovinata" (literalmente, das de ressarcimento pelo dano mojpal decorrente do " r o m p i m e n t o de noivado",
dano de férias arruinadas), d e t e r m i n a n d o que faz j u s o c o n s u m i d o r ao ressarci- da "separação após a notícia da g r a v i d e z " e do "abandono afetivo" de filhos e
38
m e n t o do dano não p a t r i m o n i a l derivado do i n a d i m p l e m e n t o ou da má execução cônjuges. Também t e m provocado polêmica, a q u i e alhures, a indenização do
3 4
das prestações contratadas p o r ocasião de u m a v i a g e m de t u r i s m o . O caso, am-
p l a m e n t e debatido na c o m u n i d a d e jurídica européia, f o i o da m e n i n a infectada le alie vivande servite nel club. La malattia, che continuava dopo la fine del soggiorno, si manifestava
p o r salmonela durante v i a g e m à Turquia, em v i r t u d e das refeições consumidas con accesso difebbre per piu giorni, problemi circolatori, diarrea e vomito assieme a stati di ansieté. I
35
em um resort onde permanecia hospedada c o m a família. A d o u t r i n a especia- genitori dovevano assistere la sig.na Leitner fino al termine del soggiorno. Molti altri clienti del club si
erano ammalati, presentando gli stessi sintomi" Fatos semelhantes têm sido a m p l a m e n t e reconhecidos
c o m o fonte de d e v e r de i n d e n i z a r na jurisprudência i t a l i a n a , p o d e n d o - s e citar, a título ilustrativo, a
2
32 2
T r i b u n a l d e V e n e z a , 1 0 . 9 . 2 0 0 2 , i n Danno e Responsabilité, n 4 , 2 0 0 3 , p . 4 0 3 . O b s e r v a , porém, o decisão do T r i b u n a l de Milão, de 7 . 2 . 2 0 0 2 , p u b l i c a d a em Danno e Responsabilité, n 5 , 2 0 0 3 , p. 5 5 3 :
t r i b u n a l que "affermare la risarcibilità dei danni per la nascita di un bambino non significa qualificare "Tenuto conto delle precise ríchieste delle attríciun addetto delVAgenziaAcentro prowedeva a contattare
negativamente la vita umana, ma più semplicemente riconoscere ilfatto che unfiglio puo determinare telefonicamente ilpersonale delia Teorema, che consigliava Valbergo SolAkti Zeus di Hiraklion, situato
dei costi, senz'altro economici, e talvolta morali, e che questi devono gravare sul medico, responsable nella zona di Amoudara (Creta), descritto come Hino di quelli con il mare migliore' e con ía spiaggia
del proprio errore, anziehe sui genitori del bambino la cui nascita non era pianificata né desiderata. In maggiormente attrezzata'. [ . . . ] Le attrici hanno altresi precisato che il mare e la spiaggia rísultavano
altre parole, il danno risarcibile non è la nascita in sé, ma Vonere económico inevitabilmente correlato completamente inagibili a causa del pesante inquinamento sia marino che atmosférico con presenza di
ad un evento non programmato" E s t a e r a já a a b o r d a g e m da m e l h o r d o u t r i n a i t a l i a n a . Cf. Rocco bidoni di idrocarburi galleggianti sul mare prospiciente la spiaggia, che si presentava in stato di totale
2
F a v a l e , Genitori contro Volonté e Risarcimento per i Danni da Nascita, in Danno e Responsabilité, n incúria e sporcizia, essendo copara dirífiuti. Inoltre le attrici hanno lamentato che i servizi e i comforts
5, 2 0 0 1 , p. 4 8 1 - 4 8 9 (publicado também no B r a s i l na Revista Trimestral de Direito Civil - RTDC, v. del complesso alberghiero, compresi quelli di rístorazione, erano di livello scadente e, comunque, di li-
6, p. 1 2 9 s s . ) , em que o c o m p a r a t i s t a conclui: "Certamente il risarcimento dei danni subiti dai geni- vello qualitativo inferiore rispetto a quelli offerti da un albergo classificato di categoria A."
tori per il figlio non voluto è si collegato alia nascita contro volonté, ma la compensazione riguarda 36
Confira-se a pertinente crítica de M a s s i m o G a z z a r a , Vacanze Tutto Compreso' e Risarcimento del
soprattutto i genitori, o meglio il 'programma' dei genitori di non averlo. La lesione investe appunto la Danno Morale, in Danno e Responsabilité, n 2
3 , 2 0 0 3 , p. 248: "Se invece si concepisse la vacanza come
pianificazione realizzata dalla coppia. In questa direzione decisamente si richiama la violazione delia
bene delia vita autonomamente tutelabile anche ai sensi delUart. 2043 c.c. dovrebbe in linea teórica
personalité dei genitori: nessuno può attentare al diritto fondamentale di autodeterminazione. Questa
riconoscersi il diritto al risarcimento del danno da vacanza rovinata anche per chi, ad esempio, vitti-
tendenza, che difende il valore esistenziale delia procreazione consapevole, potrebbe costituire la base
ma di un sinistro stradale nei giorni precedenti alia partenza, fosse costretto ad annullare il viaggio in
comune delle soluzioni europee, compresa anche la nostra, per offrire una risposta all'unisono con i
conseguenze delle lesioni riportate."
valori fondamentali delia civilté europea".
37
P a r a u m a análise destas e outras figuras recentes de d a n o , v e r Paolo C e n d o n , Trattato Breve dei
33
T r i b u n a l de Milão, 2 1 . 1 0 . 1 9 9 9 . No original: "Coloro che a causa di immissioni provenienti dalfondo
Nuovi Danni, cit., passim.
del vicino e qualificabili come illecite, in quanto eccedenti la normale tollerabilité ex art. 844 cod. civ., 3 8
T a i s ações não são e x c l u s i v i d a d e d a experiência b r a s i l e i r a . O T r i b u n a l de Milão j á r e c o n h e c e u
subiscono un danno, non necessariamente di carattere biológico, ma anche semplicemente di tipo esisten-
que a m u l h e r a b a n d o n a d a no d i a seguinte à notícia de s u a g r a v i d e z sofre um d a n o ressarcível repre-
ziale, ossia un danno consistente in un turbamento delle normali attivité delVindividuo e delia sérénité
sentado p e l a "modificação p r e j u d i c i a l d a s u a e s f e r a p e s s o a l d e sujeito, e n t e n d i d a c o m o c o m p l e x o d e
personale cui ciascun soggetto ha diritto, devono essere risarciti ai sensi dell'art.'2043 cod. civ."
atividades, m a s também de experiências afetivas, e m o c i o n a i s e r e l a c i o n a i s , em que o sujeito e x p l i c a
34
C o r t e d e Justiça C E , 1 2 . 3 . 2 0 0 2 , n . C - 1 6 8 / 0 0 , i n Danno e Responsabilité, n . 1 1 , 2 0 0 2 , p . 1 0 9 8 . s u a própria p e r s o n a l i d a d e , b e m m a i s grave que o m e r o deságio n o r m a l m e n t e resultante da r u p t u r a
3 5 ö
P a r a u m a descrição m a i s d e t a l h a d a dos fatos, v e r Corte de Justiça C E , 1 2 . 3 . 2 0 0 2 , n C - 1 6 8 / 0 0 , in da união c o n j u g a l " ( T r i b u n a l de Milão, 7 . 3 . 2 0 0 2 , in Danno e Responsabilité, n. 6, 2 0 0 3 , p. 6 4 4 - 6 5 1 ) .
2
Danno e Responsabilité, n 1 1 , 2 0 0 2 , p. 1 0 9 8 : "Lafamiglia délia signa Leitner (nata il 7 luglio 1987) O aludido T r i b u n a l ressaltou, a i n d a , que a c o n d u t a do cônjuge que d e i x a a m u l h e r grávida representa
acquistava presso la TUI un viaggio (con soggiorno) 'tutto compreso'presso il club Robinson 'Pamfiliya' violação dos d e v e r e s m a t r i m o n i a i s , c u j a g r a v i d a d e s e t o r n a a i n d a m a i s i n t e n s a d i a n t e d a s condições
a Side, in Turchia (in prosiego: il 'club'), per il período compreso tra il 4 luglio e il 18 luglio 1997. La de "particular fragilidade e n e c e s s i d a d e de assistência e suporte m o r a l e afetivo" que d e c o r r e m do
sig.na Leitner raggiungeva la destinazione con i suoi genitori il 4 luglio 1997. Lafamiglia trascorreva estado de g r a v i d e z . S o b r e a r u p t u r a de n o i v a d o , ver, e n t r e o u t r a s decisões, T r i b u n a l de Justiça de
l'intero soggiorno presso il club e vi consumava tutti ipasti. Circa otto giorni dopo l'inizio del soggiorno São P a u l o , Apelação Cível 8 1 . 4 9 9 - 4 / 3 - 0 0 , 2 4 . 9 . 1 9 9 8 . O c a s o específico do "abandono afetivo", que
la sig.na Leitner accusava sintomi di un'intossicazione da salmonella. Tale intossicazione era imputabi- p r o v o c o u a m p l a polêmica n a c o m u n i d a d e jurídica b r a s i l e i r a , será e x a m i n a d o m a i s a d i a n t e .
92 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber O s Novos D a n o s 93
d a n o - m o r t e , seja no que diz respeito à vítima do falecimento - atualmente, i n - "a multiplicação de novas figuras de dano v e n h a a ter c o m o únicos limites á fan-
deniza-se, em diversos países, a m o r t e de a n i m a l doméstico, às vezes em bases 42
tasia do intérprete e a f l e x i b i l i d a d e da jurisprudência". C o m efeito, as últimas
39
assustadoramente semelhantes à m o r t e de pessoas -, mas, sobretudo, no que décadas têm d e m o n s t r a d o que a c r i a t i v i d a d e do intérprete e a f l e x i b i l i d a d e da
tange à t i t u l a r i d a d e do ressarcimento, que se t e m p r o c u r a d o estender a parentes jurisprudência p o d e m ir b e m longe. Basta examinar, a título i l u s t r a t i v o , algumas
40
mediatos e, às vezes, até a pessoas sem relação de parentesco c o m o f a l e c i d o . decisões polêmicas proferidas ao r e d o r do m u n d o .
A l g u n s t r i b u n a i s superiores estrangeiros têm chegado ao p o n t o de reconhecer,
genericamente, que "não só no caso de m o r t e , mas também no caso de lesões c u l -
posas, é ressarcível - na condição de dano reflexo e desde que seja demonstrado
o nexo de causalidade c o m a vítima i m e d i a t a do ilícito — o dano m o r a l l a m e n t a d o 6 A l g u n s casos polêmicos
41
pelo cônjuge do o f e n d i d o " .
Na Itália, em 27 de n o v e m b r o def â000, dois sujeitos que h a v i a m sido presos
Esta avalanche de "novos danos", se, por um lado, revela m a i o r sensibilida-
em flagrante ao tentar furtar u m a m o t o f o r a m condenados pelo T r i b u n a l de Milão,
de dos tribunais à tutela de aspectos existenciais da personalidade, p o r o u t r o , faz
nascer, em t o d a parte, um certo t e m o r - antevisto p o r Stefano Rodotà - de que em âmbito cível, não apenas à reparação dos danos p a t r i m o n i a i s causados, mas
também à reparação do "danno morale affetivo", decorrente, nos próprios termos
do j u l g a d o , do fato de existir um intenso vínculo afetivo entre a vítima e o obje-
3 9
to, já que a m o t o era nova e havia sido a d q u i r i d a c o m o p r i m e i r o salário do seu
O d a n o m o r a l decorrente d a m o r t e de a n i m a i s domésticos é bastante difundido n o B r a s i l e s u a 43
Q
A decisão foi t r a z i d a a debate p o r T o m m a s o A r r i g o n o 4 v o l u m e d e célebre publicação i t a l i a n a
Responsabilità, n 11, 2 0 0 2 , p. 1 0 7 9 : "Uesistenza di uno stato di sofferenza o prostrazione ç presunta
de direito c o m p a r a d o , c o o r d e n a d a p o r M a u r i z i o L u p o i , EAlambicco dei Comparatista: Dalla Disgra-
per alcune categorie di relazioni, quali il coniugio, lafiliazione e la parentela; in un caso, ad esempio
zia al Danno, Milão: Giuffrè, 2 0 0 2 , p. 1 1 - 1 3 . O j u l g a d o m e r e c e u também a atenção de F r a n c e s c o
(Trib. Milano, 10 giugno 1999), si nega il risarcimento ai nonni delia vittimain quanto 'nel caso di
Donato B u s n e l l i , Il Danno alia Persona al Giro di Boa, cit., p. 2 3 8 : "Possono i confini delia responsa-
specie non esiste alcun riscontro difrequentazione deipredetti con la vittima, di rapporti epistolari, di
bilità civile dilatarsi fino a ricomprendere la risarcibilità dei turbamento emotivo accusato dal giovane
convivenze, diperiodi di vacanze trascorse dalla nipote presso i nonni, di talché difetta ogni presupposto
proprietário di unafiammante motocicletta (acquistata - silegge in motivazione - 'con iprimi guada-
per il riconoscimento dei danno in parola'." 1
gni, realizzando con sacrifício un desiderio a lungo accarezzato ) per il tentato furto delia stessa, di li
41 Q Q
Corte di Cassazione, sentença n 4 1 8 6 , 2 3 . 4 . 1 9 9 8 , in Danno e Responsabilità, 1 9 9 8 , n 6, p. 6 8 6 . apoco ritrovata intatta? È, questo, un caso a cui dà risposta affermativa una sentenza dei Tribunale
No original: "non solo nel caso di morte, ma anche nel caso di lesioni colpose, è risarcibile - in quanto di Milano inserendosi in un dibattito, particolarmente acceso in Italia, avente ad oggetto dimensioni e
danno riflesso e purchésia dimostrato il nesso di causalità con il danno súbito dalla vittima immediata limiti di unaprospetriva di liberalizzazione' dei risarcimento dei danno non patrimoniale, attualmente
delVillecito - il danno morale lamentato dai congiunti deWoffeso". S o b r e o t e m a , v e r E n z a Pellecchia, 'ingessato' nelle rigide maglie delVart. 2059 dei nostro códice civile. Si prospetta, qui, il pericolo di una
Danno Morale e Legittimazione adAgire dei Congiunti inCaso di Soprawivenza delia Persona Lesa, in dilatazione incontrollabile dei confini delia responsabilità civile, che pone necessariamente il problema
Q
Danno e Responsabilità, n 1 1 , 2 0 0 2 , p. 1 0 7 1 . \ - ben noto all'esperienza tedesca - di fronteggiare le ed. Bagatelschãden."
94 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber O s Novos D a n o s 95
Na França, ganhou ampla repercussão o chamado Áffaire Perruche, em que a pessoal", após ter, no curso de u m a série de artigos jornalísticos, visto se lhe a t r i -
Cour de Cassation reconheceu a um adolescente o d i r e i t o de ser indenizado pe- b u i r u m a posição científica que jamais adotara: a de convencido entusiasmo em
los danos derivados do seu "nascimento c o m grave deficiência física" decorrente 48
relação à eficácia afrodisíaca da raiz de g i n s e n g . Polêmica mais recente resul-
de rubéola contraída p o r sua mãe durante a gravidez, m u i t o e m b o r a a genitora t o u do j u l g a m e n t o que considerou como dano à integridade física a negligente
houvesse expressamente declarado em contratos celebrados c o m seus médicos destruição de líquido seminal em um banco de sêmen, ressaltando a corte alemã
seu desejo de i n t e r r o m p e r a gestação caso o diagnóstico de rubéola viesse a ser a possibilidade de extensão do conceito de corpo para abranger também partes
45
c o n f i r m a d o . A suposição de que, no e n t e n d i m e n t o d a q u e l a corte superior, o dele destacadas. 49
nascimento indesejado, l i m i t a n d o o remédio ressarcitório àquelas hipóteses em de fax publicitário não solicitado, e m f u m t o t a l de US$ 1 1 , 8 8 9 , 0 0 0 . 0 0 . Também
que o erro médico tenha provocado diretamente o handicap, o tenha agravado, nos Estados Unidos, em O h i o , o t r e i n a d o r de um t i m e j u v e n i l de beisebol, após
ou tenha, de alguma f o r m a , i m p e d i d o que fossem adotadas as providências neces- perder todas as partidas da temporada, f o i processado pelo p a i de um dos joga-
46
sárias a atenuá-lo. Apesar da m e d i d a legislativa, as discussões parecem, ainda, dores, p o r "danos emocionais decorrentes do fracasso esportivo". O p a i alegou
longe de se encerrar. 47
que o seu filho e t o d a a família padeceram de grave sofrimento em v i r t u d e das
51
derrotas.
Na A l e m a n h a , histórica importância é atribuída ao caso de um ilustre p r o -
fessor de d i r e i t o eclesiástico que obteve reparação p o r "dano à sua i d e n t i d a d e Entre nós, g a n h o u repercussão o pedido de indenização f o r m u l a d o p o r ado-
lescente barrada na entrada de um baile de gala, p o r estar vestindo traje inade-
4 5
quado à ocasião. A demanda f o i severamente rejeitada pelo j u i z , que enfatizou na
Cour de Cassation, 1 7 . 1 1 . 2 0 0 0 . P a r a discussões a d i c i o n a i s , v e r J a n i n e C h a n t e u r , Condamnés à
mort ou condamnés à vivre? Autour de l'arrêt Perruche, Paris: E d i t i o n s F a c t u e l , 2 0 0 2 . P a r a u m a abor- sentença sua estupefação c o m o p e d i d o :
d a g e m do p r o b l e m a sob a p e r s p e c t i v a c o m p a r a t i s t a , confira-se R o c c o F a v a l e , Genitori contro volon-
tà e risarcimento per i danni da nascita, cit., p. 1 2 9 s s . ) , em que o a u t o r a f i r m a : "II modello francese " N o Brasil, m o r r e por subnutrição u m a criança a cada dois m i n u t o s ,
parte dal principio secondo cui la nascita di un bambino non può costituire in sé un danno risarcibile, mais ou menos. A população de nosso planeta já ultrapassou seis bilhões de
in quanto il diritto alla vita è bene supremo di ciascun individuo. [ . . . ] Died anni dopo la Corte di cas-
pessoas e um terço deste contingente passa f o m e , d i a r i a m e n t e . A miséria
sazione francese ha ribadito il medesimo principio negativo, ma nel contempo ha fatto un po' di luce
nell'angolo buio delle circostanze derogatorie. Neila specie igiudici supremi hanno posto Vaccento sullo
se alastra, os problemas sociais são gigantescos e causam a c r i m i n a l i d a d e
stato di salute del bambino nonché delia madre, soprattutto sotto ilprofilo delia sofferenza morale. La e a violência generalizada. Vivemos em um m u n d o de exclusão, no q u a l
salute del bambino quindi integra una delle circostanze rilevanti derogatorie circa la risarcibilità del a b r u t a l i d a d e supera c o m larga m a r g e m os valores humanos. O Poder Ju-
danno da nascita indesiderata cosi come espresso dal Consiglio di Stato in un arresto del 1989, anche
diciário é incapaz de p r o p o r c i o n a r um mínimo de justiça social e de paz
se limitatamente alie conseguenze direitamente collegabili alie circostanze particolari"
46 f i Q
à sociedade. E agora tenho de j u l g a r um c o n f l i t o surgido em decorrência
A L e i n 2 0 0 2 - 3 0 3 , de 4 de março de 2 0 0 2 , d e t e r m i n o u , em s e u art. 1 : "Nul ne peut se prévaloir
d'un préjudice du seul fait de sa naissance. La personne née avec un handicap dû à une faute médicale
peut obtenir la réparation de son préjudice lorsque l'acte fautif a provoqué directement le handicap ou 48
B G H , 1 9 . 9 . 1 9 6 1 , N J W , 1 9 6 1 , 2 0 5 9 . A decisão é c o m e n t a d a p o r Paolo C e n d o n , Trattato Breve
Va aggravé, ou n'a pas permis de prendre les mesures susceptibles de l'atténuer. Lorsque la responsabi-
dei Nuovi Danni, cit., p. 5 3 - 5 4 .
lité d'un professionnel ou d'un établissement de santé est engagée vis-à-vis des parents d'un enfant né
49
avec un handicap non décelé pendant la grossesse à la suite d'une faute caractérisée, les parents peuvent B G H 9 . 1 1 . 1 9 9 3 , NJW, 1 9 9 4 , 1 2 8 . O j u l g a d o a d q u i r e e x t r e m a importância n a m e d i d a e m que
demander une indemnité au titre de leur seul préjudice. Ce préjudice ne saurait inclure les charges par- se verifica, na a t u a l i d a d e , a possibilidade de extração do código genético do indivíduo a partir de
ticulières découlant, tout au long de la vie de l'enfant, de ce handicap. La compensation de ce dernier fios de cabelo, s a l i v a e outros c o m p o n e n t e s destacados do corpo físico de f o r m a c a u s a l . N o B r a s i l ,
relève de la solidarité nationale." pode-se r e m e t e r a o desfecho intolerável d o caso d a c a n t o r a m e x i c a n a G l o r i a T r e v i , que, tendo en-
gravidado n a s dependências da Polícia F e d e r a l , v i u s u a p l a c e n t a c o l e t a d a e c o n g e l a d a p a r a fins de
47 Q
C o m efeito, r e c e n t e decisão da Cour de Cassation c r i o u polêmica ao e s t a b e l e c e r que a L e i n e x a m e d e D N A c o n t r a s u a e x p r e s s a manifestação d e v o n t a d e , t u d o c o m a c h a n c e l a d o S u p r e m o
2 0 0 2 - 3 0 3 não t e m aplicação r e t r o a t i v a , r e s t a n d o a salvo de s u a incidência os processos já em c u r s o T r i b u n a l F e d e r a l ( S T F , Reclamação 2 0 4 0 / D F , j . 2 1 . 2 . 2 0 0 2 ) .
q u a n d o d a s u a e n t r a d a e m v i g o r ( R e c u r s o 0 2 - 1 3 7 7 5 , 2 4 . 1 . 2 0 0 6 ) , m u i t o e m b o r a o d i p l o m a l e g a l de-
50
a Nicholson vs. Hooters of Augusta Inc., Superior Court of Richmond County, Estado de Augusta,
clarasse j u s t a m e n t e o oposto em s e u art. I ("les dispositions du présent sont applicables aux instances
e
e n cours"). A d u p l i c i d a d e d e r e g i m e s fundou-se n a previsão d o art. I d o protocolo d a Convenção Civil Action File 9 5 - R C C V - 6 1 6 , j. 25.4.2001.
51
d é D i r e i t o s d o H o m e m , c u j o d e s c u m p r i m e n t o foi sustentado p o r litigantes p r e j u d i c a d o s p e l a L e i n Q
P a r a d e t a l h e s sobre este e outros casos e n v o l v e n d o p e d i d o s d e indenização c o n t r a t r e i n a d o -
2 0 0 2 - 3 0 3 e m r e q u e r i m e n t o s vitoriosos p e r a n t e a C o r t e Européia d e Direitos H u m a n o s (Affaire D r a - res de equipes desportivas, v e r matéria jornalística i n t i t u l a d a "Sue the Coach", in Sports Illustrated,
on c. F r a n c e , Requête 1 5 1 3 / 0 3 e Affaire M a u r i c e c. F r a n c e , Requête 1 1 8 1 0 / 0 3 ) . 6 . 1 1 . 2 0 0 2 , disponível e m : w w w . c n n s i . c o m .
96 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r O s Novos D a n o s 97
de um vestido! Que v a l o r h u m a n o i m p o r t a n t e é este, capaz de gerar u m a um quadro em que segredos mágicos e r a m desvendados. A r g u m e n t a v a a associa-
52
d e m a n d a jurídica?" ção que "houve intenção deliberada de menosprezar a arte mágica, mostrando-os
como verdadeiros embusteiros, enquanto M i s t e r M aparecia c o m o o paladino da
A l g o espantoso é a franca acolhida às inúmeras decisões que impõem i n d e n i -
Justiça, o herói capaz de resgatar a verdade", afirmando-se, ainda, que "a l i n g u a -
zação p o r danos decorrentes de r o m p i m e n t o de n o i v a d o , invocando, muitas ve-
gem u t i l i z a d a , na referência aos mágicos, era de escárnio, desafiadora, irônica e
zes em associação c o m a lógica contratual, a r u p t u r a de u m a promessa u n i l a t e r a l
53 acompanhada de entonação de deboche e olhares irônicos dos apresentadores".
c o m o fonte do dever de i n d e n i z a r . Controvérsia recente é aquela que diz respeito
à possibilidade de se reparar dano m o r a l decorrente da "ausência de a m o r e cari- O juízo de p r i m e i r o g r a u havia condenando a emissora a reparar os danos mate-
5 6
sarcível a certos interesses previamente indicados, r e s t r i n g i n d o a atuação j u d i c i a l dadeiramente c o m p a r a t i v a , deve-se c e n t r a r o estudo sobre dois ordenamentos
a um campo d e t e r m i n a d o . Nos ordenamentos atípicos, ao contrário, o legislador particulares que e x p r i m e m posições i n t e i r a m e n t e opostas, r e f l e t i n d o de f o r m a
prevê tão-somente cláusulas gerais, que d e i x a m ao Poder Judiciário a m p l a m a r g e m geral as vocações das diversas realidades jurídicas nacionais. Dentre os sistemas
de avaliação no que tange ao m e r e c i m e n t o de t u t e l a do interesse alegadamente atípicos, convém e x a m i n a r o sistema b r a s i l e i r o que, t e n d o seguido o m o d e l o da
lesado. Nesta esteira, diz-se típico, o r i g i n a r i a m e n t e , o o r d e n a m e n t o alemão, em codificação francesa, não c o n t o u , porém, c o m a "tipificação j u r i s p r u d e n c i a l " que
que o ressarcimento dos danos v e m assegurado apenas em face da lesão a inte- se o p e r o u na França, permanecendo, p o r esta razão, a m p l a m e n t e aberto. Dentre
resses tipificados em l e i , como a v i d a , a i n t e g r i d a d e física, a saúde, a liberdade
59
os sistemas típicos, convém analisar o s i s t e m a i t a l i a n o , que, e m b o r a c o l h e n d o
t
e a p r o p r i e d a d e . É atípico, p o r o u t r o l a d o , o o r d e n a m e n t o b r a s i l e i r o , em que
inspiração, em parte, no d i r e i t o francês e, em parte, no d i r e i t o alemão, acabou
o legislador não i n d i c a os interesses cuja violação o r i g i n a um d a n o ressarcível,
resultando, nos termos da codificação de 1 9 4 2 , em um sistema de ressarcibilidade
limitando-se a prever u m a cláusula geral de ressarcimento pelos danos p a t r i m o -
niais o u m o r a i s . 60 até mais fechado que o deste último.
Ressalte-se, desde l o g o , que, c o m o t o d o esquema classificatório, a distinção A análise de cada um destes sistemas, não restrita ao seu tecido n o r m a t i v o ,
entre ordenamentos típicos e atípicos no que tange à ressarcibilidade do dano i m - mas v o l t a d a , sobretudo, à sua evolução concreta em tempos recentes, demons-
plica certa dose de simplificação. M u i t o s ordenamentos usualmente qualificados tra, c o m clareza, a convergência em um único p r o b l e m a e, quiçá, em u m a c o m u m
61
c o m o típicos contêm válvulas de abertura a novos interesses e mesmo os orde- solução.
58
Neste sentido, G u i d o A l p a e M a r i o Bessone, Atipicità delVillecito, cit. p. 2 4 7 . atípico, ma mancando la coscienza di tale atipicità, preferiamo usare il termine di atipicità potenziale
59
"Come e stato appena sottolineato, Vorigine e la formulazione definitiva delia norma dei § 823 per descrivere tale sistema, almeno finché Vatipicità non sara utilizzata coscientemente come principio
comma 1 BGB stava nella profonda convinzione dei legislatore dei 1896 che fosse indispensabile evita- informatore delia responsabilità extracontrattuale."
re di aprire le porte delia responsabilità civile ad un indiscriminato allargamento di pretese. Per ques- 62
N o o r d e n a m e n t o brasileiro, p o r e x e m p l o , s e m e m b a r g o d a j á e x a m i n a d a tendência j u r i s p r u d e n -
to motivo, i padri dei BGB evitarono la formulazione di una clausola generale, prevedendo il sorgere c i a l à flexibilização na aferição do n e x o c a u s a l , f u n c i o n a c o m o l i m i t e de r e s s a r c i b i l i d a d e no direito
delVobbligazione ex delicto solo nelVipotesi di una lesione di un diritto soggettivo qssoluto. Lindividuazione ÍC
positivo a previsão do art. 4 0 3 , s e g u n d o a q u a l : Mnda q u e a inexecução r e s u l t e de dolo do deve-
dei beni giuridici protetti divenne cosi Vesercizio interpretativo piü importante nelVapplicazione delia dor, as p e r d a s e d a n o s só i n c l u e m os prejuízos e f e t i v o s e os l u c r o s c e s s a n t e s p o r efeito d e l a direto e
fattispecie identificata dal § 823 comma 1 BGB. Sul finire dei XLK secolo, i beni classici da proteggere i m e d i a t o , s e m prejuízo d o disposto n a l e i p r o c e s s u a l . "
erano la vita, Vintegrità física, la salute, la liberta, la proprietà, owero un sonstiges Recht*" ( M a x i m i - 63
É a lição de Léontin-Jean C o n s t a n t i n e s c o , II método comparativo, e d . i t a l . A n t o n i n o P r o c i d a M i -
l i a n F u c h s , / Caratteri Fondamentali dei Sistema delia Responsabilità Civile Tedesca, in Danno e Res-
rabelli di L a u r o , T u r i m : G. G i a p p i c h e l l i E d i t o r e , 2 0 0 0 , p. 2 4 : " T r a Valtro è opportuno ricordare che
ponsabilità, n. 1 2 , 2 0 0 1 , p. 1 1 3 5 ) .
i giuristi, inizialmente, si sono affannati a confrontare il maggior numero possibile di esperienze. La
60
"Art. 1 8 6 . A q u e l e que, p o r ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, v i o l a r direito ragione e la conseguenza di questa tendenza universaUstica è nella concezione filosófica che, attraverso
e c a u s a r d a n o a o u t r e m , a i n d a que e x c l u s i v a m e n t e m o r a l , c o m e t e ato ilícito." (Código C i v i l ) generalizzazioni successive, aspira a scoprire le leggi generali e Vessenza dei diritto. Ma questa ilusione
61
O próprio s i s t e m a alemão j á foi classificado c o m o p o t e n c i a l m e n t e atípico, e m v i r t u d e d a litera- e stata abbandonata. R moderno studioso tende a circoscrivere il numero degli ordinamenti messi a
l i d a d e do § 8 2 3 ter p e r m i t i d o a posterior a b e r t u r a à reparação de lesões a outros interesses. C o n - confronto, alio scopo di preferire la profondità delia comparazione rispetto a una ricerca orientata verso
fira-se F r a n c o F e r r a r i , Atipicità delVIllecito Civile: Una Comparazione, Milão: Dott. A. Giuffrè, 1 9 9 2 , Vestensione. Un'opera, per soddisfare tutte le esigenze metodologiche e scientifiche, deve necessariamente
p. 1 9 3 : "possiamo affermare che anche il sistema di illecito tedesco può essere considerato un sistema essere limitata a un numero ristretto di modeUL"
1 0 0 - Novos P a r a d i g m a s da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r O s Novos D a n o s 101
ressarcibilidade somente fica excluída pela ausência dos demais pressupostos do N ã o é desprezível o fato de que não c o n t a o o r d e n a m e n t o b r a s i l e i r o c o m u m a n o r m a que auto-
rize o a r b i t r a m e n t o do d a n o p a t r i m o n i a l . De t a l m o d o , as d i f i c u l d a d e s práticas de identificação do
ato ilícito, isto é, pela ausência de i l i c i t u d e da c o n d u t a ou de nexo causal entre a quantum do d a n o c a u s a d o , c o m o ocorre nestes casos em q u e não há parâmetro a n t e r i o r de aferição,
conduta e o dano. conduzem muitas vezes à negativa j u d i c i a l de ressarcimento.
69
A associação entre o conceito jurídico de d a n o e o decréscimo matemático so- A íntegra d a célebre decisão d o S u p r e m o T r i b u n a l F e d e r a l , d e 1 9 6 6 , encontra-se p u b l i c a d a n a
Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 3 9 , p. 3 8 - 4 4 . A n t e s disso, o Código C i v i l de 1 9 1 6 r e c o n h e c i a
f r i d o pela vítima não deixava, porém, de gerar inconsistências d e n t r o do próprio
hipóteses específicas de reparação por lesão não-patrimonial (homicídio, ofensa à saúde, injúria e t c ) ,
âmbito do dano p a t r i m o n i a l : a histórica resistência, no Brasil, à indenização p o r m a s ao vocábulo "dano" se atribuía o sentido p a t r i m o n i a l . I n t e r e s s a n t e notar, a propósito, c o m o o
"perda de u m a chance", p o r exemplo, é fenômeno que se explica, em boa m e d i d a , n o v o Código C i v i l , d e 2 0 0 2 , e m b o r a r e c o n h e c e n d o e x p r e s s a m e n t e a ressarcibilidade genérica do dano
pela impossibilidade de a t r i b u i r à o p o r t u n i d a d e p e r d i d a um v a l o r econômico que m o r a l , m a n t e v e as anacrônicas previsões de indenização p a r a a q u e l a s hipóteses de homicídio, ofensa
à saúde e t c , i n c l u s i v e no q u e tange à s u a quantificação ( a r t . 9 4 8 s s ) . A n o v a codificação revela-se,
pudesse ser t o m a d o c o m o diminuição econômica. A vinculação da noção técnica
neste particular, não a p e n a s i n c o e r e n t e , m a s i n c o n s t i t u c i o n a l ( A n d e r s o n Schreiber, Arbitramento do
Dano Moral no Novo Código Civil, in Revista Trimestral de Direito Civil - RTDC, v. 12, p. 3 - 2 4 ) .
64
O equívoco não e r a privativo d a d o u t r i n a b r a s i l e i r a , c o m o s e v ê d a advertência d e C h i r o n i : "Vero 70
De fato, lições m a i s a n t i g a s entre nós t r a t a m o d a n o m o r a l c o m o algo e s t r a n h o à própria noção
e che il danno ingiusto, iniuria datum, assorbe comumente Vattenzione dei giuristi, tanto da far ritenere h a b i t u a l de d a n o : "Vale d i z e r que d a n o m o r a l é, t e c n i c a m e n t e , um não-dano, o n d e a p a l a v r a 'dano' é
che di nessun'altra specie di danno possa parlarsi sul terreno giuridico" (fl Danno, v. I, cit., p. 2 5 ) . e m p r e g a d a c o m sentido t r a n s l a t o o u c o m o metáfora: u m estrago o u u m a lesão (este o t e r m o jurídico
102 Novos Paradigmas da Responsabilidade C i v i l • Schreiber O s Novos D a n o s 103
brasileira c o n t i n u o u , no entanto, hesitante mesmo após os precedentes da supre- ponsabilidade sem culpa, a i l i c i t u d e encontra-se ausente, havendo, no máximo,
ma corte. M u i t o s julgados permaneceram rejeitando a "reparação pecuniária da de se cogitar de a n t i j u r i d i c i d a d e no resultado do c o m p o r t a m e n t o , isto é, c o m a
7 3
dor" e outros, numerosos, somente reconheciam a ressarcibilidade do dano m o r a l geração d o dano e m s i .
71
q u a n d o c u m u l a d o c o m a l g u m prejuízo p a t r i m o n i a l . Indenizava-se, p o r exemplo, Além disso, perdeu o legislador a o p o r t u n i d a d e de afastar a t r a d i c i o n a l equi-
o d a n o m o r a l decorrente de ferimento físico, porque acompanhado do dano pa- valência entre o sentido jurídico de dano e seu significado material, a qual, embo-
t r i m o n i a l relativo às despesas médicas e à incapacidade para o trabalho nos dias ra algo inofensiva no que diz respeito ao dano p a t r i m o n i a l , mostra-se nefasta no
de recuperação, mas o dano exclusivamente m o r a l , ou seja, desacompanhado de que concerne ao dano m o r a l ou e x t r a p a t r i m o n i a l . C o m efeito, não sendo possível
prejuízo econômico, restava, freqüentemente, irressarcido. a aplicação do método matemático consagrado pela t e o r i a da diferença, o dano
F o i somente a p a r t i r de 1988, quando da promulgação da a t u a l Constituição m o r a l acaba p o r ter seu sentido n a t u r a l (rectius: não jurídico) associado a qual-
74
brasileira, que o cenário começou a se alterar. Por força de previsão expressa no quer prejuízo economicamente incalculável. Daí a sua identificação, tão c o m u m
t e x t o constitucional, a reparabilidade do dano m o r a l tornou-sé incontestável e os entre nós, c o m a dor, o sofrimento, a frustração, definindo-se o dano m o r a l como
t r i b u n a i s , rapidamente, curvaram-se à n o r m a superior. Nos bastidores legislati- "as dores físicas e morais que a h o m e m experimenta em face da lesão". 75
Decisões como esta m o s t r a r a m a necessidade de se rejeitar, de f o r m a geral, a anseios, dotada de u m a vastidão tecnicamente insustentável. A definição de dano
identificação do dano em sentido jurídico c o m o dano em sentido m a t e r i a l (pre- como lesão a um interesse tutelado, m u i t o ao contrário, estimula a investigação
juízo econômico ou e m o c i o n a l ) , recuperando-se o conceito de dano c o m o lesão a sobre o objeto da lesão - o interesse da vítima efetivamente v i o l a d o pelo ofensor
77
um interesse j u r i d i c a m e n t e t u t e l a d o . A v a n t a g e m desta definição está em con- -, a f i m de se aferir o seu merecimento de t u t e l a ou não, possibilitando a seleção
centrar-se sobre o objeto a t i n g i d o - o interesse lesado -, e não sobre as conseqü- dos danos ressarcíveis.
78
ências econômicas ou emocionais da lesão sobre d e t e r m i n a d o s u j e i t o . A m e l h o r d o u t r i n a brasileira t e m defendido abertamente este caminho. Neste
A alteração do conceito de dano t e m aparentemente pouco i m p a c t o no que sentido, a f i r m a M a r i a Celina B o d i n de Moraes: "De fato, não será t o d a e qualquer
tange ao d a n o p a t r i m o n i a l . A lesão ao patrimônio de um indivíduo, sendo aferida situação de sofrimento, tristeza, transtorno ou a b o r r e c i m e n t o que ensejará a re-
p o r um critério matemático (teoria da diferença), corresponde, objetivamente, à paração, mas apenas aquelas situações graves o suficiente para afetar a d i g n i d a -
conseqüência econômica que sobre ele repercute, sem que se v i s l u m b r e aí tanto de h u m a n a em seus diversos substratos materiais, já identificados, quais sejam,
espaço ao subjetivismo. O mesmo não acontece no dano m o r a l , em que a lesão a a igualdade, a integridade psicofísica, a liberdade e a solidariedade familiar ou
80
um interesse tutelado (por exemplo, a saúde, a privacidade) repercute de f o r m a social, no p l a n o e x t r a p a t r i m o n i a l em sentido e s t r i t o . " E a jurisprudência pátria
i n t e i r a m e n t e diferenciada sobre cada pessoa, não h a v e n d o um critério objetivo começa a m o s t r a r u m a tendência mais seletiva no que tange ao ressarcimento
81
que p e r m i t a sua precisa aferição. Por esta razão, fazer depender a configuração dos d a n o s .
do dano m o r a l de um m o m e n t o conseqüencial (dor, sofrimento etc.) equivale a Pode-se concluir que a experiência jurídica brasileira, embora p a r t i n d o de u m a
lançá-lo em um Hmbo inacessível de sensações pessoais, íntimas e eventuais. Da noção abertíssima de dano - pela própria ausência de definição o u l i m i t e legislativo
mesma f o r m a , d e f i n i - l o p o r v i a negativa, como t o d o prejuízo economicamente v e m sendo, sobretudo diante do reconhecimento dos danos extrapatrimoniais,
79
incalculável, acaba p o r converter o dano m o r a l em figura receptora de todos os compelida a fechar-se gradativamente, em busca de u m a noção menos abrangente
de dano ressarcível, que p e r m i t a a seleção dos interesses merecedores de tutela
77
indenizatória. O desafio que, hoje, se impõe aos j u r i s t a s brasileiros é justamente
A construção remete à célebre lição de F r a n c e s c o C a r n e l u t t i : "il danno riguarda sempre la situazio-
o de d e f i n i r os métodos de aferição deste m e r e c i m e n t o de tutela, reconhecendo a
ne delia persona rispetto al bene, non il bene in sè. Appunto il concetto di lesione si attaglia alVinteresse,
non invece al bene (considerato al di fuori dal suo rapporto con un uomo). Questo è il motivo, per cui importância da discricionariedade j u d i c i a l na tarefa, mas sem deixá-la exclusiva-
la formula può e deve essere semplificata in queste parole brevi: lesione di interesse. Non credo che il mente ao arbítrio dos t r i b u n a i s .
danno possa essere definito piü precisamente di cosi" (II danno e il reato, Milão: C e d a m , 1 9 3 0 , p. 1 4 ) .
S o b r e a noção de interesse, e s c l a r e c e o autor: "Perciò la nozione di interesse, se ha da essere uno dei
fondamenti delia teoria giuridica, conviene che sia obbiettiva, non subbiettiva; che consideri Vinteresse
come qualcosa che esiste fuori da noi, non innoi. Cio che esiste fuori da noi, e non è il bene stesso, è la 9 O d a n o ressarcível no d i r e i t o i t a l i a n o
situazione di ciascun uomo rispetto al bene, in virtü delia quale gli sia possibile, gli sia facile, gli sia si-
curo di poterlo impiegare per la sodisfazione di un bisogno; questa situazione è Vinteresse; la relazione, Ao contrário do que ocorre no Brasil, o d i r e i t o italiano parte de um sistema
dunque, quae inter est, tra Vuomo e il bene. La fame è un bisogno; il pane è un bene; poter mangiare il fechado: e m b o r a também não conte c o m u m a definição legislativa de dano, a sua
pane, questo e un interesse" (ob. cit., p. 1 2 ) .
ressarcibilidade v e m consideravelmente l i m i t a d a pela codificação de 1942. A v u l -
7 8
Neste sentido, C e s a r e S a l v i , Danno, i n Digesto delle Discipline Privatistiche, Seção C i v i l , v. V T u -
t a m em importância, neste sentido, os arts. 2.043 e 2 . 0 5 9 :
rim: U T E T , 1 9 8 9 , p. 63-64: "le consuete definizioni del danno, quando non restano allivello genérico
delVindicazione di un fatto pregiudizievole per un soggetto determinato, seguono due strade: tentano
"Art. 2.043. Ressarcimento p o r ato ilícito - Qualquer ato doloso ou cul-
di individuare il tipo di conseguenze pregiudizievoli che si assumono rilevaná; oppure si concentram
poso, que causa a outros um dano injusto, o b r i g a q u e m o cometeu a res-
sul contrasto delVaccadimento con regole o principi posti a protezione delVinteresse leso.>. Nella pri-
82
ma prospettiva, per danno si intende Valterazione negativa di una determinata situazione delia vitti- sarcir o d a n o . "
ma, econômica, o anche fisica o psichica. Nella seconda, il danno è definito come lesione del diritto o
delVinteresse protetto."
80
79
M a r i a C e l i n a B o d i n de M o r a e s , Danos à Pessoa Humana, cit., p. 1 8 8 - 1 8 9 .
E s t a a o u t r a orientação c o m u m na experiência b r a s i l e i r a - a de definir o d a n o m o r a l c o m o t o d a
8 1
8 3
conservado.
ressarcido apenas nos casos determinados pela l e i . "
Por sua vez, o art. 2.059 representava u m a inovação mais substancial, d e l i -
Há aí as duas normas basilares do sistema i t a l i a n o de reparação de danos: beradamente destinada a l i m i t a r a reparabilidade dos "males do espírito" que, já
( i ) u m a n o r m a geral de ressarcimento p o r ato ilícito, que acrescenta ao elemento nas palavras de Gabba em 1896, "si èfatta cosifacile strada nella giurisprudenza
11 88
dano a qualificação de "injusto"; e ( i i ) u m a n o r m a especificamente d i r i g i d a aos italiana . Inspirado pelo BGB alemão, o Código C i v i l italiano de 1942 inaugura
danos não-patrimoniais, que l i m i t a sua ressarcibilidade aos casos previstos em um sistema guiado pela tipicidade, mas, aparentemente, mais flexível, na m e d i d a
l e i . Ambas as normas, ausentes n o Código C i v i l i t a l i a n o de 1865, representam em que remete à l e i - e ao ordenamento em geral - a tarefa de definir e a m p l i a r
inovações do legislador de 1 9 4 2 , p a r a cuja compreensão faz-se imprescindível as hipóteses de reparabilidade, em um resultado d i t o "a m e i o c a m i n h o entre o
u m a análise histórica. sistema francês e o alemão, conjugando a elasticidade do p r i m e i r o c o m a instân-
89
cia de certeza do s e g u n d o " .
O t e r m o injusto acrescentado à noção de dano visava tão-somente esclarecer
que o d a n o ressarcível seria apenas aquele resultante de c o n d u t a antijurídica. 84 O aparente aspecto flexível do sistema i t a l i a n o de reparação de danos não pa-
Tratava-se, p o r t a n t o , de m e r a repetição enfática d a q u i l o que já d e n o t a v a m os t r i m o n i a i s caiu p o r terra, todavia, diante da interpretação atribuída ao art. 2.059,
que passou a limitá-lo às hipóteses de c r i m e , na esteira do art. 185 do Código
demais pressupostos do ato ilícito, vinculando-se a injustiça ao caráter antijurídi-
85
co do ato l e s i v o . A duplicação r e s u l t o u em que "segundo a opinião prevalente,
c o m p a r t i l h a d a também pelo legislador (v. arts. 2.044-2.045 do Código C i v i l ) , o
p r o b l e m a das excludentes de antijuridicidade é considerado parte integrante do
86
i n t e i r o p r o b l e m a do dano ressarcível." A i n d a hoje se a t r i b u i ao t e r m o injusto
87
De fato, a d o u t r i n a i t a l i a n a r e c o n h e c e , a t u a l m e n t e , ao t e r m o injustiça do dano um d u p l o cará-
ter: (i) contra ius, a r e v e l a r o atentado a um interesse tutelado p e l o o r d e n a m e n t o ; e (ii) non iure,
83
No original: "Art. 2059. Danni non patrimoniali - II danno non patrimoniale deve essere risarcito correspondente à ausência de direito do agente de p r a t i c a r a c o n d u t a l e s i v a . Confira-se A n t o n i n o
solo nei casi determinati dalla legge" P r o c i d a M i r a b e l l i d i L a u r o , La responsabilità civile: strutture e f u n z i o n i , T u r i m : G . G i a p p i c h e l l i E d i -
u
84
tore, 2 0 0 4 , p. 7 2 : Il danno ingiusto, per un verso, va inteso nel suo essere contra ius o, piu precisa-
Neste sentido, G u i d o A l p a , Danno Ingiusto e Ruolo Della Colpa: Un Profilo Storico, cit., p. 154:
mente, nella violazione di un qualsiasi interesse protetto dalVordinamento. Per altro verso, va verifica-
"Come e noto, si aggiunge nella clausola générale la menzione delVingiustizia del danno. Ecco la giu-
to nel suo manifestarsi non iure, nelVassenza di un diritto (o di un dovere) delVagente al compimento
stificazione: si precisa cosi, conferendo maggior chiarezza alla norma delYart. 1151 cod. civ. del 1865,
delia condotta che ha causato il danno. Le due concezioni, originariamente pensate come antitetiche,
che la culpa o Viniuria sono concetti distinti; e quindi si esige che ilfatto o Yomissione, per essere fonte
anziché elidersi vicendevolmente, individuano il compiuto significato del danno ingiusto próprio nella
di responsabilità, debba essere doloso o colposo, ossia imputabile, e debba inoltre essere compiuto me-
loro reciproca combinazione, secondo quella lógica di complementarità che lega la norma primaria di
diante la lesione delia sfera giuridica altrui. Non vi sara responsabilità quando il danno è arrecato in
cui alVart. 2043 c.c. alie regole successive e, in questo caso, alia disciplina esimenti (in particolare, agli
situazione di legittima difesa perche chi agisce ha in tal caso il potere di difendere il próprio diritto a
artt. 2044 e 2045 c.c)." Na m e s m a direção, entre outros, F r a n c o F e r r a r i , Atipicità delVIllecito Civi-
costo di recare danno a chi lo aggredisce; il danno arrecato in tal caso non può qualificarsi ingiusto. u
le: U n a C o m p a r a z i o n e , Milão: Dott. A. Giuffrè, 1 9 9 2 , p. 1 2 1 : la ingiustizia, che Vart. 2043 assume
In altri termini, iniuria si ha quando si lede, senza giustificazione, la sfera giuridica altruV (R.G., n.
quale componente essenziale delia fattispecie di responsabilità civile, va intesa nella dúplice accezione
267). Parole che oggi possono apparire di scarso significato e che invece, lo si è visto, sono ricche di
di danno prodotto non iure e contra ius: non iure, nel senso che ilfatto produtávo del danno non debba
storia e di esperienza."
essere giustificato dalVordinamento. II danno si considera, invece, giustificato dalVordinamento, ossia
85
E m a n u e l a N a v a r r e t t a , Diritti Inviolabili e Risarcimento del Danno, T u r i m : G. G i a p p i c h e l l i Edito- il danno non è ingiusto, quando il danneggiato abbia agito per la legitima difesa o in stato di necessita
re, 1996, p. 142-143: " L a sua interpretazione - in una prima fase - aveva indotto a ribadire la cqnti- e comunque, ogni volta che abbia agito in presenza di una causa di giustificazione, anche se diversa
nuità con Vart. 1151 del códice civile del 1865, fino a sconfessare il senso letterale delia nuova norma, dalle due ora ricordate. n
spostando la sua orbita attrativa dal danno alfatto. Ne risultava confermata una concezione tipizzante 88
C a r l o F r a n c e s c o G a b b a , in Foro italiano, 1 8 9 6 , 1 , c c . 7 0 0 e 7 0 2 , o n d e o autor expressa todo o
e sanzionatoria delVillectio, che connotava Vart. 2043 c.c. come norma secondaria, correlandola alia
seu e s p a n t o c o m este fato d e q u e o s m a l e s d a a l m a v e n h a m r e s s a r c i d o s d e f o r m a e x c e s s i v a m e n t e
lesione di diritti soggettivi assoluti."
facilitada pelas cortes italianas.
86
No original: "secondo Vopinione prevalente, condivisa anche dal legislature (v. gli artt. 2044-2045 89
Na íntegra: "íí risultato è che la norma è in grado di seguire Vevoluzione delVordinamento, ren-
cod. civ.), il problema delle cause di giustificazione è considerato parte integrante delVintero problema
n
dendo risarcibile il danno conseguente alia lesione non solo di ogni diritto soggettivo riconosciuto
del danno risarcibile. ( G i u s e p p e T u c c i , II Danno Ingiusto, Nápoles: Editore Jovene Napoli, 1 9 7 0 , p.
dalVordinamento anche successivamente alVintroduzione del códice, ma pure di ogni situazione sogget-
9 ) . O autor, porém, insurge-se c o n t r a este entendimento, c o n c l u i n d o que: "Ló studio delle c.d. cau-
tiva che, in quanto resa rilevante dalVordinamento, rende ingiusta la lesione che la riguarda. Su ques-
se di giustificazione non ïnterferisce quindi con quello delVingiustizia del danno, próprio perche non
ta base abbiamo potuto sostenere Videa che il nostro ordinamento risulta attestato a meta tra quello
si tratta di spiegare per quali ragioni la presenza di determinati elementi difatto rende secundum ius
francese e quello tedesco, coniugando Velasticità del primo con Vistanza di certezzadel secondo" ( C a r l o
un eveto lesivo, ma se mai di chiarire per quali motivi la realizzazione di un danno contra ius non dà
C a s t r o n o v o , La Nuova Responsabilità Civile, Milão: Dott. A. Giuffrè, 1 9 9 7 , p. 1 0 ) .
luogo alia tutela risarcitoria." (ob. cit., p. 10).
108 Novos P a r a d i g m a s da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
Os Novos Danos 109
90
Penal i t a l i a n o . Assim, a inovação, que pretendia mover-se em direção à t i p i c i - liano não se t o r n a apenas mais rígido que o alemão, mas também menos razoável,
dade, conservando, porém, alguma flexibilidade, acabou ganhando, p o r força do já que f u n d a d o não no objeto da lesão, mas no caráter p e n a l do ilícito em que se
espírito da época, rigidez sem precedentes. C o n c l u i r i a , tempos depois, a d o u t r i n a consubstancia. 95
que "a idéia de i n t r o d u z i r o art. 2.059 parecia feliz; m u i t o menos feliz, ao contrá-
A multiplicação dos acidentes e a g r a d u a l consolidação de u m a perspectiva
r i o , f o i a estreita importância atribuída à n o r m a que, ao t i p i f i c a r o dano m o r a l ,
mais atenta à dignidade h u m a n a v i e r a m a exigir a superação destes estreitos l i m i -
acabou essencialmente ancorada a u m a asfixiante vinculação c o m o art. 185 do
91
tes impostos pela interpretação prevalente do art. 2 . 0 5 9 . Já na década de 70, os
Código P e n a l " .
tribunais italianos passaram a se referir ao danno biológico, como figura destina-
Nesta perspectiva, o dano não-patrimonial resta l i m i t a d o ao t r a d i c i o n a l "danno da a assegurar à vítima ressarcimento pelos danos derivados de lesão à sua saú-
morale-soggettivo", identificado c o m a dor, física e psíquica, cuja ressarcibilidade de que superassem a simples perda de renda p o r incapacidade de trabalho (dano
9 2
é concedida apenas nas hipóteses de c r i m e . O sistema i t a l i a n o adquire, então, p a t r i m o n i a l ) mesmo nos casos em que não se estivesse diante de um crime (dano
um caráter mais fechado que o próprio BGB, onde a t i p i c i d a d e já v i n h a atenuada não-patrimonial e m sentido e s t r i t o ) . 9 6
93
pela expressão outros direitos alheios (sonstige Rechte) e a interpretação v i n h a
C o m a consolidação j u r i s p r u d e n c i a l do danno biológico, logo se passou a res-
c a m i n h a n d o em sentido oposto, isto é, j u s t a m e n t e no de ensejar a reparação em
94
sarcir a f i g u r a mais a m p l a do danno alia salute, expressão que transcende o cará-
casos adicionais aos taxativamente c o n t e m p l a d o s . Mais que isso: o sistema ita-
ter médico-legal intrínseco à p r i m e i r a t e r m i n o l o g i a e que assegura a esta segunda
97
conteúdo mais a m p l o e f u n d a m e n t o c o n s t i t u c i o n a l . O dano à saúde p r o v o c o u
90
"Art 185. Restituizioni e risarcimento dei danno - Ogni reato obbliga alie restituzioni, a norma acirradas discussões em t o r n o do seu p o s i c i o n a m e n t o na t i p o l o g i a dos danos res-
delle leggi civili". sarcíveis à l u z da experiência italiana. De fato, a b i p o l a r i d a d e o r i g i n a l , que en-
91
No original: "Videa di introdurre Vart. 2059 apparve felice; molto menofelice, invece, fu Vangusta xergava no art. 2.043 a regra de ressarcimento dos danos p a t r i m o n i a i s e no art.
portata attribuita alia norma che, nel tipizzare il danno morale, rimane essenzialmente ancorata a
un asfittico collegamento con Vart. 185 c.p." ( F r a n c e s c o B u s n e l l i , I n t e r e s s i D e l l a P e r s o n a e R i s a r c i -
mento dei Danno, in Rivista Trimestrale di Diritto de Procedura Civile, a n o L, 1 9 9 6 , Milão: Dott. A. giurisprudenza, come vedremo in seguito, a diritti soggettivi simili a clausole generali (es. il generale
Giuffrè, p . 4 ) . diritto delia personalità) ha fatto esplodere Vequilibrio dei sistema positivo previsto dal legislatore." É
9 2
C e s a r e S a l v i , Danno, i n Digesto delle Discipline Privatistiche, seção c i v i l , v. V T u r i m : U T E T , 1989, de se conferir também F r a n c o F e r r a r i , Atipicità delVIllecito Civile: Una Comparazione, Milão: Dott. A.
a
p. 6 6 . Giuffrè, 1 9 9 2 , p. 1 7 4 : "La responsabilità ex § 823 comma I BGB non sorge, tuttavia, solo nei casi ora
93
illustrati, ossia nei casi di uccisione, di Körperverletzung, di lesione delia salute, di lesione delia liberta
A expressão o r i g i n a r i a m e n t e t i n h a tão-somente a função de p e r m i t i r a r e s s a r c i b i l i d a d e em aten-
e di Eigentumsverletzung, in quanto Varticolo in esame fa sorgere la responsabilità anche nelVipotesi in
tados a interesses s e m e l h a n t e s aos previstos no § 8 2 3 . Ver M a x i m i l i a n F u c h s , I C a r a t t e r i F o n d a m e n -
2
cui venga leso "un altro diritto altrui". Ed è proprio da questo termine, o, meglio, dalVinterpretazione
tali d e i S i s t e m a d e l i a Responsabilità C i v i l e T e d e s c a , in Danno e Responsabilità, n 12, 2 0 0 1 , p. 1 1 3 5 :
che di questo termine viene data che traiamo spunto per criticare la concezione che vuole Vordinamento
"Si tratta di una norma di chiusura. Non potendo elencare tutti i diritti assoluti esistenti, il legislatore
tedesco essere imperniato sul principio di tipicità, critica che, comunque, crediamo potersi basare anche
chiuse la sua elencazione prevedendo un Concetto che consentisse di considerare nelVambito di operati-
su altri argomenti che di volta in volta esporremo."
vità dei § 823 comma 1 BGB ogni bene giuridico che fosse símile ai beni già espressamente individuati
9 5
dalla norma [ . . . ] Restringendo il novero dei beni giuridicamente protetti, si sperava d'inalzare la diga G i o v a n n i B o n i l i n i , Danno Morale, i n Digesto delle Discipline Privatistiche, seção c i v i l , v. V, T u r i m :
necessária a scongiurare il tracimamento dei danni da risarcire." U T E T , 1 9 8 9 , p. 8 5 : "Non va dimenticato, peraltro, che la somiglianza e stata adottata, dal legislatore
94
italiano, in chiave deteriore, puntandosi infatti sulla limitazione basata sulla qualità - penale o civile -
A própria d o u t r i n a i t a l i a n a a s s i m reconhece. Confira-se G i o v a n n a V i s i n t i n i , Trattado Breve delia
delVillecito generatore dei pregiudizio nonpatrimoniale, laddove il legislatore germânico punta sul bene
Responsabilità Civile, cit., p. 3 6 2 - 3 6 3 : "Dunque quello che caratterizza il sistema tedesco è la menzione
concretamente leso, con soluzione piü aderente - data Vampiezza delia lista dei casi, e Vimportanza dei
dei beni giuridici la cui lesione fa sorgere la responsabilità ex par. 823. Questa caratteristica ha fatto
beni ivi contemplati - al fine di tutela delVindividuo."
dire, e si tratta di uríopinione corrente, che il sistema tedesco e imperniato sulla tipicità deifatti illeciti.
96
Viceversa bisogna osservare che dopo Velenco di diritti ivi specificati vi è anche la menzione delVipotesi C e s a r e S a l v i , Danno, in Digesto delle Discipline Privatistiche, s e z i o n e civile, v. Y T u r i m : ÜTET,
in cui venga leso un'altro diritto altruV. Ed è próprio dalVintepretazione che estata data dai giudici 1 9 8 9 , p. 6 7 .
tedeschi a questa previsione che si può trarre lo spunto per dire che Vordinamento tedesco non ê imper- 97
P i e r G i u s e p p e M o n a t e r i , Danno alia Persona, in Digesto delle Discipline Privatistiche, seção civil,
niato su un principio di tipicità in via assoluta. Infatti si è imposta una interpretazione delia locuzione v. y T u r i m : U T E T , 1 9 8 9 , p. 7 5 : "Mentre il primo concetto, infatti, è desunto dalla medicina legale, e
altro diritto che figura nel primo comma dei paragrafo 823 nel senso che il termine integri una sorta il giurista non à in grado di contribuire al suo approfondimento, il secondo ha un suo referente nella
di clausola generale, che consente ai giudici di estendere la responsabilità aquiliana ad ogni altro dirit- norma costituzionale e ordinária (art. 32 e l 23-12-1987, n. 833) e come tale è soggetto alVelabora-
to e non soltanto ai diritti somiglianti a quelli menzionati espressamente, çioè ai diritti assoluti." No zione delia scienza giuridica. II danno alia salute non si limita al danno biológico definito come lesione
m e s m o sentido, já a f i r m a v a G i u s e p p e T u c c i , II Danno Ingiusto, cit., 1 9 7 0 , p. 3 3 : "Senonchè lo svilup- delVintegrità física in sée per sé considerata, ma riguarda anche il danno psichico in sé considerato. II
po delia dottrina e delia giurispruderíza tedesca e awenuto nel senso di estendere oltre i casi previsti la danno alia salute ha per oggetto la lesione delia salute (intesa nel suo ampio significato costituziona-
tutela risarcitoria, facendo leva sul concetto di lesione dei diritto soggettivo che nel § 823 BGB è espres- le) ed è questo concetto che la giurisprudenza è venuta delineando, pur se gli viene spesso attribuito il
samente codificato. Questo processo, per il sempre piü frequente ricorso da parte delia dottrina e delia nome di danno biológico."
110 Novos Paradigmas da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
O s Novos D a n o s 111
1 0 7
a t u a l possibilidade de a m p l i a r os antes rígidos limites do ressarcimento é vista, de d a n o . O t e m o r que vêm experimentando os juristas italianos nos dias atuais é
f o r m a geral, como u m a saudável inovação. Os precursores da n o v a m o d a l i d a d e de justamente o de que a consagração do danno esistenziale conduza ao acolhimento
d a n o parecem mesmo festejar sua g e n e r a l i d a d e . Preocupações c o m a expansão 106 de todas as demandas indenizatórias, sem o d e v i d o cuidado c o m a identificação
108
excessiva do danno esistenziale têm, contudo, se verificado mais recentemente, e seleção dos interesses j u r i d i c a m e n t e t u t e l a d o s .
sobretudo em sede doutrinária, onde não se t e m deixado de registrar a inexau-
rível capacidade de advogados e magistrados para "inventar" novas espécies de
10 Convergência e n t r e as experiências a n a l i s a d a s
l i a n o , p o r sua vez, não conta c o m u m a única categoria de dano e x t r a p a t r i m o n i a l , E no Brasil não é diversa a conclusão a que t e m chegado a m e l h o r d o u t r i n a , res-
t e n d o as sucessivas tentativas de evasão da rigidez do art. 2.059 dado margern a saltando que a 'Violação de u m a situação jurídica subjetiva e x t r a p a t r i m o n i a l ( o u
110
categorias construídas de f o r m a autônoma, c o m o o danno morale-soggettivo, o de um 'interesse não p a t r i m o n i a l ' ) em que esteja e n v o l v i d a a vítima, desde que
111
danno biológico e o danno esistenziale. merecedora de tutela, será suficiente para g a r a n t i r a reparação". 114
Verifica-se, todavia, que, embora os caminhos seguidos t e n h a m sido antagô- Sem embargo, p o r t a n t o , de seus pontos de p a r t i d a diferenciados, o certo é
nicos, o m o m e n t o atual, seja na experiência italiana, seja na experiência brasilei- que, hoje, juristas italianos e brasileiros, alemães e franceses, americanos e i n -
ra, é significativamente semelhante, havendo u m a genuína convergência destas gleses, j u r i s t a s , e n f i m , de ordenamentos típicos e atípicos defrontam-se c o m o
experiências em t o r n o de um p r o b l e m a único: o da seleção dos interesses mere- rnesmo p r o b l e m a f u n d a m e n t a l : o de identificar critérios e métodos aptos a pro-
1 1 2
cedores de t u t e l a . Assim, na Itália, afirma-se que "o v e r d a d e i r o p r o b l e m a em mover, sobretudo em matéria de dano não p a t r i m o n i a l , a seleção dos interesses
t e m a de danos à pessoa não é ( o u não é mais) hoje aquele da classificação e da merecedores de tutela. ;
'resposta acobertadora' a oferecer ao magmático aflorar de espécies sempre novas
de prejuízos emergentes da praxe: é, ao contrário, aquele de selecionar e conter
tais danos, no escopo de não desperdiçar em um interminável acúmulo de trivial
actions a t u t e l a ressarcitória da pessoa h u m a n a , que deve, isto s i m , concentrar-se
em assegurar plena satisfação às pretensões legítimas de sujeitos seriamente lesa-
113
dos em interesses privilegiados pela escala de valores delineada pelo s i s t e m a . "
1 1 0
P i e r G i u s e p p e M o n a t e r i et alii, II nuovo danno alia persona, Milão: Giuffrè, 1 9 9 9 , p. 1 3 : "Oggi
una trattazione unitária del danno non patrimoniale appare impossibile. Tale categoria sifrantuma,
infatti, in una pluralità di considerazioni che attengono aile diverse fattispecie."
1 1 1
M a r c o B o n a , II Danno Esistenziale Bussa alla Porta e la Corte Costituzionale apre (verso il nuovo
2
art. 2059 ex.), in Danno e Responsabilità, n 10. 2 0 0 3 , p. 9 4 9 - 9 5 0 . Note-se, t o d a v i a , que, p a r a a l -
guns autores, a categoria do danno esistenziale tende a absorver as d e m a i s categorias de d a n o não-
p a t r i m o n i a l , quiçá equiparando-se, neste sentido, ao d a n o m o r a l brasileiro. S o b r e a c a p a c i d a d e de
absorção do danno esistenziale, v e r Paolo C e n d o n , Trattato breve dei nuovi danni, cit., p. 2 - 3 , em que
u
a n o v a m o d a l i d a d e de d a n o v e m definida c o m o una figura da prospettarsi, secondo Vinquadramento
preferíbile, come entità ricomprensiva di due sotto-alveifondamentali, quello del danno esistenziale bio-
lógico (luogo cui ricondurre le ipotesi effettive di aggressione alia salute) e quella del danno esistenziale
non biológico (sede per la menomazioni inerenti a beni diversi dalVintegrità psicofisica)."
1 1 2
T u d o a c o n f i r m a r a lição de C o n s t a n t i n e s c o , p a r a q u e m sob o tecido legislativo de c a d a orde-
n a m e n t o n a c i o n a l esconde-se, m u i t a s v e z e s , u m direito judiciário d e características d i v e r s a s d a q u e -
las c o n s a g r a d a s no direito positivo. V Léontin-Jean C o n s t a n t i n e s c o , II método comparativo, e d . ital.
u
A n t o n i n o P r o c i d a M i r a b e l l i di L a u r o , T u r i m : G. G i a p p i c h e l l i E d i t o r e , 2 0 0 0 , p. 1 4 4 : Consultare le
fonti del diritto straniero nella loro totalità significa completare il testo con Vesame delle consuetudini,
delia dottrina, delle preassi commerciali e, soprattutto, delia giurisprudenza, e ciò anche nei paesi nei
quali il primato delia legge costituisce un principio generalmente riconosciuto. Infatti, sulla base delle
regole legali, ma di là dei testi e talvolta contro di essi, si sviluppa un diritto di origine giudiziaria che
si distingue, in diversi punti essenziali, da quello legislativo." v ' -
1 1 3
Na íntegra: "In verità, tornando conclusivamente ad alcune considerazioni di carattere générale,
il vero problema in tema di danni alia persona non è (o non è più) oggi quello délia catalogazione e
delia Hsposta accorpante' da offrire alla magmática fioritura delle sempre nuove voci di pregiudizio
emergenti dalla prassi: è, invece quello délia selezione e del contenimento di tali danni, alio scopo di non altrove. In altre parole, è indispensabile valutare in termine di opportunità e di ragionevolezza a chi
disperdere in una sterminata congerie di trivial actions la tutela risarcitoria délia persona umana, che atribuire il compito di dterminare i danni alia persona risarcibili, come selezionare gli interessi merite-
deve invece concentrarsi nélVassicurare soddisfazione piena aile legittime pretese di soggetti seriamente voli di tutela, quali danni sottoporre a un trattamento risarcitorio differenziató" ( F r a n c e s c o B u s n e l l i ,
pregiudicati negli interessi privilegiati dalla scala di valori delineata dal sistema. [ . . . ] Non serve conti- Interessi delia Persona e Risarcimento del Danno, in Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile,
nuare a chiedersi se Vart. 2059 vada salvato o, invece, vada eliminato. È il caso piuttosto di interrogarsi ano L, 1 9 9 6 , Milão: Dott. A . Giuffrè, p . 2 1 ) .
sulla stratégie da adottare per far fronte aiproblemi e ai timori veri del momento attuale, in Italia come 1 1 4
M a r i a C e l i n a B o d i n de M o r a e s , Danos à Pessoa Humana, cit., p. 188 (grifou-se).
A Seleção dos Interesses
Merecedores de Tutela
/
1 A insuficiência do r e c u r s o a o s d i r e i t o s s u b j e t i v o s
1
E m oposição aos c h a m a d o s direitos relativos, tutelados p o r m e i o do art. 1.228 do Código C i v i l
italiano, d e d i c a d o ao i n a d i m p l e m e n t o . S o b r e o t e m a , confira-se Demétrio De M a r t i n i , Ifatti produt-
tivi di danno risarcibile, cit., p. 6 8 - 6 9 : "È dunque comprensibíle che la dottrina tradizionale, trovandosi
nella necessita di attribuireun significato e un contenuto autônomo alia ingiustizia del danno rispetto
alia illiceità delVatto, ed imbattendosi nella ostativa considerazione che se un atto è illecito perche com-
piuto in violazione di una norma (e dato che la norma di diritto privato e posta alia realizzazione di un
interesse privato la cui mancata realizzazione costituirebbe il danno), un atto illecito di diritto privato,
se produttivo di danno, non può provocare altro che un danno ingiusto, ha dovuto necessariamente
operare una distinzione nelVambito degli interessi tutelati normativamente, identificando il concetto
di ingiustizia con la lesione di una sola categoria di interessi tutelati, e particolarmente delia categoria
piü intensamente tutelata nella forma del diritto soggettivo. Eidentificazione, poi, delia specie del diritto
assoluto come único diritto soggettivo tutelabile ex art. 2043 cod. civ. e awenuta in via residuale, nel
n
contrapposto con la tutela del diritto di credito ex art. 1218 cod. civ.
2
Ver, entre outros, F r a n c o F e r r a r i , Atipicità déíVIllecito Civile: Una Comparazione, Milão: Dott. A.
Giuffrè, 1 9 9 2 , p. 1 1 2 : "Tale indirizzo si basava sulla considerazione che Vingiustizia devesse riguarda-
re il fatto e non il danno e considerava, di conseguenza, come ingiusti ifatti in violazione delVobbligo
generale di neminem laedere inteso come sintesi di una serie di obblighi speáfici previsti dália legge a
tutela dei diritti dei singoli. Questo significa che Vart. 2043 c.c. non costituiva che una norma seconda-
n
ria, di carattere sanzionatorio.
120 Novos P a r a d i g m a s da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber A Seleção dos I n t e r e s s e s M e r e c e d o r e s de T u t e l a 121
3 4
tão-somente de um interesse legítimo - foi finalmente superada a p a r t i r de 1 9 9 9 , sacra do l i b e r a l - i n d i v i d u a l i s m o . A consagração da técnica legislativa das cláusu-
5
não sem influência do d i r e i t o comunitário. las gerais e a aplicação d i r e t a dos princípios constitucionais às relações privadas
A limitação da ressarcibilidade dos danos à violação de um d i r e i t o subjeti- vêm assegurando um papel cada vez mais relevante à discricionariedade j u d i c i a l ,
vo ou a qualquer o u t r a situação jurídica subjetiva p r e v i a m e n t e especificada em guiada p o r valores fundamentais consagrados na Constituição, e, p o r isso mesmo,
8
l e i mostra-se absolutamente incompatível c o m a realidade jurídica contemporâ- tão legítima q u a n t o a específica atuação do legislador.
nea. Em todo o m u n d o , restou demonstrada a falência do m o d e l o regulamentar A insuficiência da técnica r e g u l a m e n t a r se t o r n a a i n d a mais evidente q u a n d o
inspirado na pretensão de completude das codificações oitocentistas, diante da se t r a t a de t u t e l a r a d i g n i d a d e h u m a n a . A constante alteração da realidade so-
multiplicação desconcertante de novas situações e expectativas que caracteriza
6
cial desafiou, repetidamente, o e n t e n d i m e n t o doutrinário que pretendia reduzir
as sociedades atuais. Mesmo a "orgia legiferante" em que se e m b r e n h a m os par-
o v a l o r constitucional da d i g n i d a d e bjumana a um r o l taxativo de direitos subjeti-
lamentos de t o d a parte não se mostra capaz de dar conta dos desafios impostos
7
vos da personalidade. No Brasil, n e m o t r a t a m e n t o aparentemente típico dos " d i -
pelas novas tecnologias. N e m a tentativa parece justificar-se em um contexto i n -
reitos da personalidade" por parte do n o v o Código C i v i l afetou o largo espectro
teiramente diverso daquele vigente ao t e m p o das grandes codificações, em que à
de proteção da d i g n i d a d e h u m a n a , hoje reconhecida c o m o v a l o r abrangente de
segurança da l e i era h a b i t u a l c o n t r a p o r o arbítrio do Poder Judiciário, especial-
m e n t e preocupante em face da compreensão da a u t o n o m i a p r i v a d a c o m o área múltiplas manifestações da personalidade, i n d e p e n d e n t e m e n t e de seu expresso
reconhecimento legislativo. Parece e n f i m consolidada entre nós a lição de Gustavo
3
Tepedino, segundo a q u a l "as previsões constitucionais e legislativas, dispersas e
A categoria do "interesse legítimo", c e n t r a l na distinção entre as jurisdições a d m i n i s t r a t i v a e or-
dinária, já foi c h a m a d a de "o g r a n d e erro do constituinte italiano" p e l a m a i s a u t o r i z a d a d o u t r i n a .
casuísticas, não l o g r a m assegurar à pessoa proteção exaustiva, capaz de t u t e l a r
C o n f i r a - s e Pietro Perlingieri, Riflessioni Finali sul Danno Risarcibile, in G i o v a n n i di G i a n d o m e n i c o as irradiações da personalidade em todas as suas possíveis manifestações. C o m a
( c o o r d . ) , II Danno Risarcibile per Lesione di Interessi Legittimi, cit., p. 2 8 5 - 2 8 6 : "VEuropa poco com- evolução cada vez mais dinâmica do& fatos sociais, torna-se assaz difícil estabele-
prende la problemática degli interesse legittimo, che è stato il grande errore che il nostro costituente ha
compiuto pensando di poter rompere Vunità delia giurisdizione separando quella amministrativa da
cer d i s c i p l i n a legislativa para todas as possíveis situações jurídicas de que seja a
9
quella ordinária. Occorre ritornare alVunità delia giurisdizione, anche per evitare di discutere di una pessoa h u m a n a t i t u l a r . "
serie di questioni creati da noi stessi, tralasciando i problemi sostanziali."
4 2
Verifica-se, assim, a insuficiência da técnica r e g u l a m e n t a r diante de u m a rea-
Em 1 9 9 9 , a sentença n 5 0 0 da Corte di Cassazione, enfim, a b r i u c a m i n h o à tutela ressarcitória do
interesse legítimo, p r e s c i n d i n d o de prévia especificação legislativa sob a f o r m a de direito subjetivo.
lidade em constante mutação e, mais que isso, diante da i r r e d u t i b i l i d a d e do valor
F o i a m p l a a repercussão d e tal j u l g a d o n a d o u t r i n a i t a l i a n a . C o n f i r a - s e G i o v a n n i d i G i a n d o m e n i c o da dignidade h u m a n a , pelo seu próprio significado, a um r o l tipificado de m a n i -
( c o o r d . ) , II danno risarcibile per lesione di interessi legittimi, cit., c o n t e n d o as transcrições de con- festações. Tudo isso impõe, c o m o conseqüência necessária, a rejeição de concep-
gresso c e l e b r a d o especificamente sobre o t e m a .
5
ções que p r e t e n d a m selecionar os interesses merecedores de t u t e l a c o m base em
Rocco F a v a l e , G l i A p p r o c c i Attuali, in G i o v a n n i di G i a n d o m e n i c o ( c o o r d . ) , // Danno Risarcibile per
Lesione di Interessi Legittimi, cit., p. 15: " L a spinta comunitária ha contribuito non poco ad awolgere
u m a prévia especificação legislativa, seja sob a f o r m a de d i r e i t o subjetivo absolu-
anche gli interessi legittimi nelVarea delia responsabilità civile. E la giurisprudenza, un tempo di retro- to, seja p o r m e i o de qualquer o u t r a categoria inflexível. A própria proliferação de
guardia, ha assunto repentinamente un atteggiamento propulsivo orientato a salvaguardare posizioni novos interesses e de novas situações lesivas a que t e m dado m a r g e m a evolução
giuridiche soggettive, 'debolV sotto il profilo delia tutela."
tecnológica e científica - pense-se, p o r e x e m p l o , no d a n o p o r divulgação de códi-
6
Emblemático neste sentido o depoimento de C o e l h o Rodrigues: "Quanto a m i m , confesso: a grande
go genético - favorece u m a solução que i n d e p e n d a da prévia atuação do legisla-
cópia das nossas leis recentes, s e m o r d e m , n e m sistema, me não p e r m i t e c o n h e c e r b e m a todas elas,
a p e s a r de fazer de s e u estudo m i n h a profissão h a b i t u a l , e o q u e me a c o n t e c e a m i m d e v e acontecer dor, infraconstitucional e que conceda ao Poder Judiciário o papel p r i m o r d i a l na
se não a todos os colegas, ao m e n o s à g r a n d e m a i o r i a dos nossos concidadãos" (Introdução Históri- proteção da pessoa h u m a n a .
Q
ca ao Projeto do Código Civil, n 3 9 , a p u d M a n o e l Inácio C a r v a l h o de Mendonça, Doutrina e Prática
das Obrigações, R i o de J a n e i r o : F o r e n s e , 1 9 5 6 , p. 5 1 ) .
8
7
Sobre o t e m a , G u s t a v o T e p e d i n o , O Código Civil, os Chamados Microssistemas e a Constituição: O fenômeno se v e r i f i c a c o m o auxílio do próprio legislador, c o m o r e v e l a a proliferação daquilo
Premissas Para uma Reforma Legislativa, in G u s t a v o T e p e d i n o ( C o o r d . ) , Problemas de Direito Civil- que já se c h a m o u de normas narrativas, descritivas não de d e v e r e s , m a s de v a l o r e s . V e r E r i k J a y m e ,
Constitucional, cit., p. 5-6: "E o q u a d r o a i n d a se a g r a v a , p o s t e r i o r m e n t e , em face da proliferação Cour Générale de Droit International Privé, in Recueil des Cours, Académie de Droit International, t.
d e s m e s u r a d a d a produção legislativa, e s t i m u l a d a pelos avanços d a t e c n o l o g i a e por u m a r e a l i d a d e 2 5 1 , H a i a : M a r t i n u s Nijhoff P u b l i s h e r s , 1 9 9 7 , p. 3 6 - 3 7 "Le porteur de la narration est de nouveau la
econômica c a d a v e z m a i s c o m p l e x a , a r e c l a m a r novos m e c a n i s m o s de regulamentação. B a s t a l e m - façade du bâtiment à laquelle les architectes concerne le droit, nous notons un phénomène particulier:
brar, p o r e x e m p l o , as inúmeras técnicas d e fertilização in vitro e d e mutação genética, além d a s l'émergence des 'normes narratives'. Ces normes n'obligent pas, elles décrivent des valeurs."
p r o e z a s d a s r e d e s de informática, t e m a s que, lançados à o r d e m do d i a , e x i g e m o estabelecimento 9
Gustavo Tepedino, A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil-Constitucional, in Temas de
x
de limites éticos e jurídicos." • Direito Civil, cit., p. 3 7 .
122 Novos P a r a d i g m a s da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
A Seleção dos Interesses M e r e c e d o r e s de T u t e l a 123
2 A insuficiência da s i m p l e s alusão à d i g n i d a d e h u m a n a 12
h u m a n a e dos interesses da pessoa. Onde quer que se indenize o dano existencial
decorrente da tentativa de furto de u m a m o t o nova, ou se compense o dano m o r a l
Se, p o r um lado, a seleção dos interesses merecedores de t u t e l a não pode,
decorrente da r u p t u r a de um noivado, assim se faz sempre c o m alusões apaixo-
especialmente no que diz respeito às lesões da personalidade, ser guiada p o r ca-
nadas à tutela da personalidade e à sua preponderância como v a l o r fundante do
tegorias rígidas pré-estipuladas pelo legislador, claro está que t a m p o u c o pode t a l
sistema c o n s t i t u c i o n a l . O conteúdo necessariamente aberto, mutável, flexível da
seleção operar-se à luz da simples referência n o m i n a l ao v a l o r constitucional da
noção de dignidade h u m a n a não pode i m p e d i r t a l expediente.
d i g n i d a d e h u m a n a . O caráter extremamente aberto do c o m a n d o de t u t e l a da per-
sonalidade, como incorporado, hoje, pela esmagadora m a i o r i a das Constituições, Daí d e c o r r e m tentativas variadas de especificação do conceito de dignidade
afasta u m a u t i l i d a d e concreta definitiva que pudesse se lhe a t r i b u i r como critério h u m a n a . Nesta esteira, parte da d o u t r i n a t e m definido a dignidade h u m a n a como
10
selecionador dos danos ressarcíveis. princípio p r o i b i t i v o do c o m p r o m e t i m e n t o de a l g u m a atividade realizadora da per-
13
Antes: é justamente pela fluidez da noção de dignidade h u m a n a que a neces- ' sonalidade, o u , na síntese de Paolo Cendon, um "não fazer mais" (nonfarepiü).
sidade de seleção se faz tão i m p e r a t i v a . O risco reside exatamente em que a força De acordo c o m este e n t e n d i m e n t o , u m a lesão à d i g n i d a d e h u m a n a - e, p o r t a n t o ,
ética e jurídica de que é p o r t a d o r a a idéia de d i g n i d a d e h u m a n a , identificada c o m um d a n o ressarcível - o c o r r e r i a apenas q u a n d o a a t i v i d a d e do ofensor viesse a
a própria condição de pessoa, impeça u m a seleção criteriosa dos interesses me- resultar em u m a renúncia involuntária da vítima a u m a d e t e r m i n a d a atividade
14
recedores de tutela, declarando-se ressarcível q u a l q u e r prejuízo ou desfavor que, que se revele c o m o expressão da sua p e r s o n a l i d a d e .
na falta de possibilidade de aferição precisa, afete alegadamente a personalidade O critério não t e m resistido às críticas que lhe são dirigidas. Em p r i m e i r o lugar,
do ofendido. De fato, mesmo a m e l h o r d o u t r i n a cede, vez p o r outra, a esta tenta-
parece verdade que ele pouco especifica, já que um p e d i d o de ressarcimento é,
ção, chegando a afirmar que a simples invocação da t u t e l a da personalidade já é
suficiente para o reconhecimento do dano não p a t r i m o n i a l , restando como único
12
p r o b l e m a verdadeiro a quantificação ou estimativa do dano s o f r i d o . 11 Fala-se j á e m u m a "inflação dos direitos d a p e r s o n a l i d a d e " e n a "absorção d a responsabilidade
c i v i l p e l a t e o r i a dos direitos da personalidade". V e r X a v i e r P r a d e l , Le Préjudice dans le Droit Civil
M u i t o ao contrário, parece justamente que o an debeatur seja um p r o b l e m a de la Responsabilité, Paris: L G D J , 2 0 0 4 , p . 1 2 3 : "M. Cadiet a parlé de Vabsorption de la responsabi-
mais ou tão preocupante quanto a sem dúvida t o r m e n t o s a questão da q u a n t i f i - lité civile par la théorie des droits de la personnalité. Il reprend les paroles de M. Hauser qui craignait
récemment Tautodestruction de l'homme par l'inflation des droits subjectifs'. De ces propositions qui
cação. As demandas absurdas ou bagatelares, que t a n t o p r e o c u p a m a d o u t r i n a ,
ne sont pas tellement éloignées, on peut craindre un emballement de la 'machine indemnitaire' si l'on
quando acolhidas, não o são p o r mero capricho ou criatividade dos juízes, mas, adopte une conception beaucoup trop large des droits subjectifs. La lésion de ces derniers doit également
quase sempre, p o r u m a eloqüente argumentação em favor da defesa da d i g n i d a d e être précisée. "
13
R e c o n h e c e , porém, o a u t o r a dificuldade de se d e t e r m i n a r que atividades s e r i a m consideradas
10
c o m o r e a l i z a d o r a s da p e r s o n a l i d a d e , e quais não o s e r i a m . V e r Paolo C e n d o n , Non di Sola Salute vive
Neste sentido, ver, entre outros, Ingo Wolfgang S a r l e t , Dignidade da Pessoa Humana e Direitos e u
l'Uomo, in Rivista Critica del Diritto Privato, 1 9 9 8 , n 4, p. 5 8 0 - 5 8 1 : Beninteso, le domande-chiave
Fundamentais na Constituição Federal de 1988, Porto A l e g r e : L i v r a r i a do A d v o g a d o , 2 0 0 1 , p. 3 8 - 3 9 :
- quali siano le attività realizzatrici della persona, quai le gerarchie o i raggrupamenti al low interno
" U m a das p r i n c i p a i s dificuldades, todavia - e a q u i r e c o l h e m o s a lição de M i c h a e l S a c h s - reside no
(secondo una leitura arieggiante, verosimilmente, i poli della quotidianità biológica, dell'ajfettività, del-
fato d e q u e n o caso d a d i g n i d a d e d a pessoa, d i v e r s a m e n t e d o que o c o r r e c o m a s d e m a i s n o r m a s
la partecipazione sociale, dello svago), cosa significhi, prowisoriamente o per sempre, non poterie più
j u s f u n d a m e n t a i s , não se c u i d a de aspectos m a i s ou m e n o s específicos da existência h u m a n a (inte-
coltivare; se abbia senso nei loro confronti, magari a fini di calcolo, un'impostazione differenzialistica
gridade física, i n t i m i d a d e , v i d a , p r o p r i e d a d e e t c ) , m a s , s i m , d e u m a q u a l i d a d e tida c o m o inerente
- non sono tutte facili da ajfrontare"
a todo e q u a l q u e r ser h u m a n o , de tal sorte que a d i g n i d a d e - c o m o já r e s t o u e v i d e n c i a d o - p a s s o u
14 l
a ser h a b i t u a l m e n t e definida c o m o constituindo o v a l o r próprio que identifica o ser h u m a n o c o m o Em sentido s e m e l h a n t e , a l g u n s autores têm definido o d a n o à pessoa c o m o Timpossibilità di
tal, definição e s t a que, todavia, a c a b a por não c o n t r i b u i r m u i t o p a r a u m a compreensão satisfatória agire, Vimpossibilità di tenere comportamenti per i quali sussisterebbe almeno una ragione di àgire.
do q u e e f e t i v a m e n t e é o âmbito de proteção da d i g n i d a d e , na s u a condição j u n d i c o - n o r m a t i v a . " [ . . . ] 'Impossibilita di tenere un comportamento per il quale sussisterebbe almeno una ragione per agi-
11
re' risulta di immediata evidenza intuitiva se riferita al danno a cose o altre entità del mondo esterno
Confira-se o trecho de M a s s i m o F r a n z o n i , Danno Ingiusto e Danno Risarcibile, in G i u s e p p e Vet-
u
qualificate come oggetti di situazioni soggettive: Voggetto del diritto è sempre il termine di riferimento
tori ( c o o r d . ) , II Danno Risarcibile, v. I I , Pádua: C e d a m , 2 0 0 4 , p. 1 2 1 4 : Sono convinto che le nuove
di almeno una azione umana. Ancora maggiore è la sua pertinenza alVarea comumente ascritta al dan-
fenomenologie del danno alia persona non pongano mai un problema di ingiustizia, perche, quando in
no alia salute: la menomazione della salute può essere in ogni caso descritta in termini comportamen-
questione vi sia la persona, e inutile arrovellarsi per cercare un fondamento normativo di tutela nella
tistici. Minore parrebbe invece la applicabilità di tale ridefinizione alVarea comumente ascritta a talune
Convenzione europea dei diritti delVuomo, nella Costituzione, in una legge ordinária. In questi casi il
fattispecie di danno alia persona (riservatezza, onore, identità personale, danno da emozione). A ben
diritto esiste, perche esistono le persone; se non esistessero le persone, non esisterebbe il diritto. Quando
guardare, tuttavia anche in tali ipotesi la persona è ingiustificatamente costretta a soggiacere ad una
in sede aquiliana si voglia tutelare und posizione soggettiva delia persona, e sufficiente un richiamo piano
limitazione delle suefacoltà di agire: ad esempio, chi sia leso nella riputazione dovrà modificare talune
alia clausola generale contenuta nelVart. 2 Cost., per risolvere il problema delVingiustizia. Ü problema
delle sue relazione sociali [ . . . ] " (Pasquale F e m i a , Interessi e Conflitti Culturali neWAutonomia Privata
vero in questi illeciti non è Vingiustizia, ma quello diverso delia stima e quantificazione del danno".
e nella Responsabilità civile, Nápoles: E S I , 1 9 9 6 , p. 3 9 4 - 3 9 7 ) .
124 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber A Seleção dos Interesses M e r e c e d o r e s de T u t e l a 125
inexoravelmente, acompanhado de u m a alegação de renúncia forçada, isto é, de que "ameaçam p o l u i r a vocação constitucional de ressarcimento do dano à pes-
perda, permanente ou temporária, de algo que a vítima antes possuía, sendo esta
15
a própria idéia v u l g a r de prejuízo. Além disso, e de f o r m a mais preocupante, o
non fare piu não traz qualquer pista que p e r m i t a d i s t i n g u i r o/are que efetivamente
representa u m a realização da personalidade h u m a n a daquele/are que não alcança 3 A i m p r o p r i e d a d e do critério da g r a v i d a d e da o f e n s a
este status - e consiste justamente nisto o p r o b l e m a central da seleção dos interes-
ses merecedores de tutela, que u m a definição de dano à pessoa deveria se p r o p o r Afligindo-se entre a imóvel concretude de um recurso a direitos subjetivos,
a solucionar. Por f i m , o critério parece carecer de f u n d a m e n t o constitucional, já previamente fixados em l e i , e a excessiva fluidez da cláusula geral de tutela da
que nada autoriza reduzir todas as expressões da d i g n i d a d e h u m a n a a um fazer, dignidade h u m a n a , d o u t r i n a e jurisprudência vêm, p o r t o d a parte, inclinando-se
ou seja, a u m a manifestação exteriorizada e c o m p o r t a m e n t a l da personalidade. em p r o l do critério da gravidade da ofensa.
A princípio, p o r t a n t o , n e m o recurso à cláusula geral de t u t e l a da dignidade Neste sentido t e m se repetido, c o m freqüência cada vez maior, a afirmação
h u m a n a n e m as suas especificações conceituais mais c o m u n s têm se m o s t r a d o dos juristas ingleses segundo a q u a l "trivial damage is to be disregarded", expres-
aptas a servir d i r e t a e d e f i n i t i v a m e n t e de critério para a seleção dos intefesses são que v e m t e x t u a l m e n t e adotada em esboços preliminares para o projeto de có-
18
merecedores de tutela. Longe de reduzir ou l i m i t a r a t u t e l a da personalidade, tal digo c i v i l e u r o p e u . M u i t o s autores têm sustentado que a própria configuração
conclusão pretende apenas demonstrar que o exclusivo recurso n o m i n a l ao v a l o r do d a n o à pessoa exige não apenas a lesão a u m a situação constitucionalmente
19
constitucional não l e g i t i m a e não desautoriza pedidos de ressarcimento de danos protegida, mas u m a lesão g r a v e . E t r i b u n a i s de m u i t o s países têm ressaltado
que o d a n o não p a t r i m o n i a l deve ser de "gravidade que vá além de um simples
não patrimoniais. A alusão descomprometida à dignidade h u m a n a periga resultar, 20
aborrecimento".
ao contrário, na banalização j u s t a m e n t e d a q u i l o que mais se pretende proteger,
de f o r m a semelhante ao que começa a ocorrer no d i r e i t o brasileiro c o m a boa-fé A i n d a nesta esteira, em diversas experiências, a alusão à gravidade da ofensa
objetiva. 16
t e m c o n d u z i d o à desnecessidade de demonstração do dano não p a t r i m o n i a l . No
Brasil, p o r exemplo, o Superior T r i b u n a l de Justiça já dispensou, e m várias oca-
Necessário se faz, de fato, operar de f o r m a mais específica na seleção dos
siões, a p r o v a do dano m o r a l ao a r g u m e n t o de que se t r a t a de resultado inerente
interesses merecedores de tutela, sob pena de deixar portas abertas ao que já se
à gravidade do ilícito praticado: "Como se t r a t a de algo i m a t e r i a l ou ideal, a pro-
d e n o m i n o u , de f o r m a algo enfática, "a praga dos chamados danos bagatelares",
17
Os t r e c h o s são de F r a n c e s c o D o n a t o BusnelÜ, Chiaroscuri d'Estate: La Corte di Cassazione e il
15
Daí a crítica d e A n t o n i n o P r o c i d a M i r a b e l l i d i L a u r o , n o sentido d e que q u a l q u e r c a t e g o r i a d e Danno alia Persona, in Danno e Responsabilità, n 8-9, 2 0 0 3 , p. 8 2 9 . Q
patrimônio afigura-se, em teoria, ressarcível. Ora, agir diferentemente no que 23 histórica, repugnava à m o r a l . Não obstante a superação das barreiras impostas
tange aos danos não p a t r i m o n i a i s representaria v e r d a d e i r a inversão axiológica, ao ressarcimento do dano não p a t r i m o n i a l , é interessante n o t a r como mesmo o
p r i v i l e g i a n d o o patrimônio frente à pessoa, p o r m e i o do emprego de um critério seu pleno reconhecimento aparece ainda hoje associado, muitas vezes, a argumen-
p u r a m e n t e q u a n t i t a t i v o , que n e n h u m a base n o r m a t i v a encontra, ao menos no or- tos que p r e t e n d e m se c o n t r a p o r à crítica histórica, às vezes no campo da própria
d e n a m e n t o jurídico brasileiro. moralidade. Diz-se, p o r exemplo, c o m freqüência, em indenizações de dano não
25
p a t r i m o n i a l que "mais i m o r a l seria n e m isso p r o p o r c i o n a r ao lesado", assumin-
Neste sentido, aliás, parece evidente que a gravidade da lesão decorre, no dano
do, quase d i s t r a i d a m e n t e , que u m a certa i m o r a l i d a d e existe na reparação. Daí
e x t r a p a t r i m o n i a l , não da sua intensidade, mas do seu próprio objeto - o, interesse
toda a costumeira preocupação em explicar a reparação do dano m o r a l não como
existencial constitucionalmente tutelado. Pode-se mesmo dizer, c o m o Superior
indenização pelo sofrimento irreparável, mas como compensação que proporcio-
2 1
S u p e r i o r T r i b u n a l d e Justiça, R e c u r s o E s p e c i a l 6 0 8 9 1 8 / R S , j . 2 0 . 5 . 2 0 0 4 . S o b r e este mito d o
24
d a n o in re ipsa, v e r Capítulo 6, i t e m 4. " C o m o os bens ideais não têm preço econômico e d a d a a i m p o s s i b i l i d a d e m a t e r i a l de se e n c o n -
22
trar u m d e n o m i n a d o r c o m u m , valorativo, p a r a os d a n o s m o r a i s , p r e t e n d e u - s e que a insistência de
I m a g i n e - s e , p o r e x e m p l o , o efeito e x t r e m o da falência de c e r t a instituição f i n a n c e i r a p o r força
alguns d o u t r i n a d o r e s e de alguns t r i b u n a i s , d e t e r m i n a n d o a reparação desses m e s m o s d a n o s , só se
d o i n a d i m p l e m e n t o d e u m vultoso contrato d e mútuo c o m u m g r u p o d e e m p r e s a s p r i v a d a s .
p o d e r i a conceber, i m o r a l m e n t e , p e l a atribuição de um preço à dor" ( W i l s o n M e l o da S i l v a , O Dano
23
"Está sujeito a i n d e n i z a r a q u e l e que c a u s a prejuízo e m t e r m o s m a t e m a t i c a m e n t e r e d u z i d o s , d a Moral e sua Reparação, R i o de J a n e i r o : F o r e n s e , 1 9 6 9 , p. 1 7 ) .
m e s m a f o r m a a q u e l o u t r o que c a u s e d a n o de e l e v a d a s proporções. É o q u e r e s u l t a dos princípios, e 25
Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Coimbra: Alme-
que é a m p a r a d o na jurisprudência, n o s s a e a l h e i a . A importância q u a n t i t a t i v a do d a n o , de resto, é
dina, 1999, p. 375.
m u i t o r e l a t i v a " ( C a i o Mário da S i l v a P e r e i r a , Responsabilidade Civil, cit., p. 3 9 ) .
128 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber A Seleção dos I n t e r e s s e s M e r e c e d o r e s de T u t e l a 129
ne à vítima distrair-se ou alegrar-se de outras formas - não pretiwn doloris, mas A rigor, entretanto, a gravidade em nada atenua o caráter subjetivo da dor, seja
26
compensatio doloris. com relação à sua intensidade, seja c o m relação à sua existência. O masoquista, o
30
C o m efeito, ainda é significativa a parcela da d o u t r i n a que conceitua o dano insensível e o que padece de h i p o a l g e s i a também fazem j u s à reparação do dano
m o r a l como "os danos que consistem em m e r o sofrimento (não i m p o r t a se físico, m o r a l . Embora pitoresca, a constatação revela que reconhecer validade ao critério
psíquico ou psicofisico), males da alma, dores, que, por exemplo, se experimentam da dor implica em desnecessárias discussões acerca, p o r exemplo, da reparabilidade
p o r haver sofrido u m a agressão, ou a perda de um ente querido, ou u m a injúria do dano m o r a l decorrente de lesão extràpatrimonial (física, à h o n r a etc.) causada
31
etc. (donde a definição, para o ressarcimento, de pecunia doloris, Schmerzegeld)"P a paciente em c o m a . A toda evidência, a d o r não representa elemento ontológico
E diversos tribunais não hesitam em confirmar que "o dano m o r a l pressupõe dor do dano m o r a l , mas p u r o reflexo conseqüencialístico, que pode se manifestar ou
física ou m o r a l , e se configura sempre que alguém aflige o u t r e m injustamente, não, sem que isto e l i m i n e o fato da lesão a um interesse extràpatrimonial.
28
sem c o m isso causar prejuízo p a t r i m o n i a P . Aliás, é j u s t a m e n t e da confusão c o m a dor, que deriva, em larga medida, o en-
Os problemas qüe d e r i v a m desta confusão conceituai são múltiplos, a come- gano de se t o m a r o dano m o r a l não como a lesão a um interesse extràpatrimonial,
32
çar pela própria dificuldade de aferição do dano não p a t r i m o n i a l diante da con- mas como a conseqüência extràpatrimonial da lesão a um interesse q u a l q u e r .
figuração absolutamente subjetiva da d o r e do sofrimento. C o m o é óbvio, a lesão Argumenta-se, neste sentido, que a lesão a um b e m p a t r i m o n i a l (a destruição de
à privacidade que pode provocar o p r o f u n d o desgosto de um indivíduo pode ser um automóvel) pode causar, como conseqüência, danos morais representados pelo
mesmo perseguida p o r o u t r o , como revelam os reality shows, que dão publicidade sofrimento físico de q u e m sofre um ferimento c o m o acidente. E afirma-se expressa-
permanente à i n t i m i d a d e de seus voluntários participantes. O critério da gravidade, mente que a distinção entre dano m o r a l e dano p a t r i m o n i a l "diz respeito ao plano
33
antes mencionado, veio j u s t a m e n t e no afã de se escapar a esta dificuldade trazida das conseqüências da lesão, não ao p l a n o do t i p o de objeto do ilícito".
pela identificação do dano não p a t r i m o n i a l c o m a d o r e o sofrimento. Sustenta-se, Tal construção representa o vício histórico da ressarcibilidade do dano m o r a l ,
em síntese, que "só deve ser reputado como dano m o r a l a dor, vexame, sofrimento inicialmente l i m i t a d a , p o r t o d a parte, aos casos em que viesse acompanhada de
ou humilhação que, f u g i n d o à n o r m a l i d a d e , interfira intensamente no comporta- um dano p a t r i m o n i a l . No Brasil, como já registrado, declarava-se repetidamente
m e n t o psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio
que "não é admissível que os sofrimentos morais dêem lugar à reparação pecu-
do seu bem-estar. M e r o dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilida- 34
niária, se deles não decorre n e n h u m dano m a t e r i a l " . Daí a necessidade, à época,
de exacerbada estão fora da órbita do dano m o r a l , p o r q u a n t o , além de fazerem
de compreender o dano m o r a l como um evento conseqüencial do dano m a t e r i a l .
parte da n o r m a l i d a d e do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e
Mais: a própria verificação do dano p a t r i m o n i a l , t r a d i c i o n a l m e n t e efetuada p o r
até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a p o n t o de
29
meio da aplicação da teoria da diferença, favorecia a compreensão do dano como
r o m p e r o equilíbrio psicológico do indivíduo". Assim, o dano m o r a l se resumiria
a conseqüência de u m a lesão sobre o patrimônio da vítima - e não c o m o lesão ao
na d o r suficientemente grave e escaparia ao subjetivismo do sofrimento.
patrimônio em si. A aplicação indevida desta lógica diferencialista ao dano não
p a t r i m o n i a l reforçou a perspectiva conseqüencialística, que ainda hoje persegue
26
V e r A l f r e d o M i n o z z i , Studi sul Danno non Patrimoniale, Milão: S E L , 1 9 1 7 , p. 1 1 2 : "Lequivalen- a noção.
zafra dolore e danaro, a prima vista tanto impossibile e scandalosa, diventa possibile e giusta se alia
parola dolore si sostituiscono le sensazioni piacevoli bastanti ad estinguere quel dolore, ed alla parola
30
danaro si sostituiscono le sensazioni piacevoli che una data quantità di danaro è capace di produire. T e r m o médico c o m que se d e s i g n a a patologia consistente na diminuição da sensibilidade à dor.
II paragone, in tal modo, sifa fra due quantum omogene, con Vargomento del tutto sentimentale della P a r a m a i o r e s detalhes, confira-se w w w . d o r . o r g . b r ( S o c i e d a d e B r a s i l e i r a p a r a E s t u d o d a D o r ) .
no possibile equivalenza tra danaro e dolore resta completamente allontanato." 31
Neste sentido, a Cour de Cassation f r a n c e s a já d e c l a r o u q u e "l'inconscience n'est pas l'insensibilité
27
A n d r e a T o r r e n t e e Piero Schlesinger, Manuale di Diritto Privato, Milão: Giuffrè, 1 9 9 9 , p. 6 6 5 . [...] L'état végétatif d'une personne humaine n'excluant aucun chef d'indemnisation, son préjudice doit
Tradução l i v r e do o r i g i n a l : "i danni che consistono in mere sofferenze (non importa se fisiche' o 'psi- être réparé dans tous ses éléments" (22.2.1995).
chiche' o 'psico-fisiche), patemi d'animo, dolori, che, ad. es., siprovano per aver subito unaferita, o 3 2
Ver, entre outros, José de A g u i a r D i a s , Da Responsabilidade Civil, cit., p. 9 9 2 : "A distinção, ao
la perditadi una persona cara, per un'ingiuria ecc. (donde la definizione, per il risarcimento, di pecu- contrário d o q u e p a r e c e , não d e c o r r e d a n a t u r e z a d o direito, b e m o u interesse l e s a d o , m a s d o efeito
nia doloris, Schmerzegeld)." Em sentido m u i t o s e m e l h a n t e , F e r n a n d o Pessoa J o r g e , Ensaio sobre os da lesão, do caráter da s u a repercussão sobre o l e s a d o . De f o r m a q u e tanto é possível o c o r r e r d a n o
Pressupostos da Responsabilidade Civil, cit., p. 3 7 3 : "O d a n o m o r a l consiste p r o p r i a m e n t e na d o r ou p a t r i m o n i a l e m conseqüência d e lesão a u m b e m não p a t r i m o n i a l c o m o d a n o m o r a l e m resultado
desgosto q u e d e r i v a d a p e r d a d e u m ente q u e r i d o , d a ofensa c o r p o r a l que p r o v o c a u m sofrimento de ofensa a b e m m a t e r i a l . "
ou deformação física, da calúnia q u e atinge a h o n r a ou a reputação." 33
No o r i g i n a l : "riguarda il piano delle conseguenze della lesione, non il piano del tipo di bene oggetto
28
TJSÍ> j . 1 5 . 4 . 1 9 9 2 , i n Revista dos Tribunais 6 8 3 / 7 9 . dell'illecito" ( A n d r e a T o r r e n t e e Piero Schlesinger, Manuale di Diritto Privato, cit., p. 6 6 5 ) .
29
Sergio C a v a l i e r i F i l h o , Programa de Responsabilidade Civil, cit., p. 80/ 34
Revista Forense, v. 1 3 8 , p. 4 5 2 .
A Seleção dos I n t e r e s s e s M e r e c e d o r e s d e T u t e l a l31
130 Novos P a r a d i g m a s da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
reparação dos danos. De fato, as discussões mais recentes em t o r n o da responsa- tentativa de r e d u z i - l a a fenômeno de técnica legislativa - ou m e s m o à m e r a a t e c n i a -, r e v e l a p r o -
cesso de p r o f u n d a transformação social, em q u e a a u t o n o m i a p r i v a d a p a s s a a ser r e m o d e l a d a p o r
bilidade civil têm se caracterizado pela inserção, e m u m discurso antes d o m i n a d o
valores não p a t r i m o n i a i s , de c u n h o existencial, inseridos na própria noção de o r d e m pública" ( Q u s -
exclusivamente pela justiça, de preocupações de o r d e m econômica. À ética da re- tavo T e p e d i n o , Do Sujeito de Direito à Pessoa Humana, e d i t o r i a l à Revista Trimestral de Direito Czvíí
paração t e m se associado, c o m efeito, u m a série de outros argumentos de natureza -RTDC,v. 2,, 2000).
u t i l i t a r i s t a , que, se antes não e r a m ignorados pelos juristas, v i n h a m , ao menos, 39
Pietro P e r l i n g i e r i , Autonomia Negoziale e Autonomia Contrattuale, Nápoles: Edizione Scientifi-
l i m i t a d o s ao debate subjacente à produção legislativa, não já à atuação das cor- che Italiane, 2000, p. 333: Tindividuazione del fondamento costituzionale delVautonomia negoziale
tes. O gradual desenvolvimento, especialmente no common law, de um papel mais non può essere disancorata dalla natura degli interessi per i quali essa è in concreto esplicata. Poiché
ogni interesse è correlabile ad un valore, Vanalisi degli interessi consente d'individuare quali fra essi
"político" do Poder Judiciário, atento às conseqüências de suas decisões também
estrinsecano valori che hanno nella Carta costituzionale il loro riconoscimento e la loro tutela. Pertan-
em um patamar social, que transcende a singularidade do caso concreto, acabou to, il fondamento costituzionale delVautonomia negoziale va individuato alia luce di molteplici supporti
p o r servir de base para a consagração m u n d i a l da eficiência econômica como um normativi, in ragione delia natura degli interessi affidati alie singole esplicazionio di autonomia e dei
dos objetivos a serem perseguidos pela responsabilidade c i v i l , como mecanismo valori costituzionali ai quali questi interessi sono riconducibilt"
36
de repartição dos prejuízos normais à v i d a em sociedade. 40
" C u i d a - s e , e m s u m a , d e u m a constitucionalização d o c o n c e i t o d e interesse público, q u e ferç d e
m o r t e a idéia d e s u p r e m a c i a c o m o u m princípio jurídico o u u m p o s t u l a d o n o r m a t i v o q u e a f i r m e
p e r e m p t o r i a m e n t e a preponderância do coletivo sobre o i n d i v i d u a l ou do público sobre o particular.
35
S o b r e a distinção entre danno evento e danno conseguenza, v e r A n t o n i n o P r o c i d a M i r a b e l l i di Q u a l q u e r juízo de prevalência deve s e r s e m p r e r e c o n d u z i d o ao s i s t e m a constitucional, n e c e s s a r i a -
L a u r o , La Responsabilità Civile: Structure e Funzioni, cit., p. 1 0 1 . m e n t e dúctil e p l u r a l , que p a s s a a constituir o núcleo c o n c r e t o e r e a l da atividade a d m i n i s t r a t i v a "
36
(Gustavo Binenbojm, Uma Teoria do Direito Administrativo: Direitos Fundamentais, Democracia e
S o b r e o t e m a , v e r a célebre o b r a de G u i d o C a l a b r e s i , Costo degli Incidenti e Responsabilità Civi-
Constitucionalização, R i o d e J a n e i r o : R e n o v a r , 2 0 0 6 , p . 109).
le. Analisi Economico-Giuridica, Milão: Giuffrè, 1 9 7 5 . P a r a m a i o r e s detalhes sobre a análise econô-
132 Novos P a r a d i g m a s da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber A Seleção dos I n t e r e s s e s M e r e c e d o r e s de T u t e l a 133
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Neste s e n t i d o , o d e p o i m e n t o d e Stefano Rodotà, que r e s s a l t a o s riscos d e u m progressivo cer-
c e a m e n t o da l i b e r d a d e i n d i v i d u a l e um g r a d u a l regresso c u l t u r a l a p a r t i r do c o m b a t e a atos terro-
ristas: "in simili casi può cominciare un processo di mitridatizzazione: a piccole e progressive dosi, si
abbassa la soglia di percezione della tua liberta. Ricordo una frase pronunciata dal re di Spagna, Juan
Carlos, dopo Vatroce strage di Madrid, che riprendeva uma formula che viene dalla grande tradizione
rido no H a b e a s C o r p u s 7 7 0 . 0 3 4 / P E , in DJU 1 1 . 9 . 1 9 9 8 : "Não se c o a d u n a c o m os interesses maiores
americana, purtroppo smarrita dalVattuale amministrazione degli Stati Uniti: i mali della democrazia
da s o c i e d a d e a c i o n a r - s e o Judiciário, m o v i m e n t a n d o - o , no que já p o r d e m a i s s o b r e c a r r e g a d o , ten-
si curano rispettando le regole della democrazia. Condivido senza riserve. E aggiungo che molte misure
do presente situação c o n c r e t a que n e n h u m prejuízo t r o u x e p a r a o b e m protegido pelo Decreto-lei
restrittive sono al tempo stesso inutili e pericolose. Sono pericolose perche favoriscono la regressione â
n 2 1 0 / 6 7 . " Enfática também a manifestação do R e i . D e s . Mário d o s S a n t o s P a u l o , do T r i b u n a l de
culturale e permettono limitazioni di diritti in casi che con il terrorismo non hanno niente a che fare"
Justiça do R i o de J a n e i r o , q u e ao r e j e i t a r d e m a n d a indenizatória em relação de família, a f i r m o u :
(Intervista su privacy e liberta, R o m a - B a r i : L a t e r z a , 2 0 0 5 , p. 9 4 - 9 5 ) . Sobre o m e s m o t e m a , e em par-
u
"Se a s s i m não fosse, estar-se-ia a b r i n d o u m a l a r g a p o r t a de incentivo às a v e n t u r a s mercantilistas do
ticular sobre seus efeitos na sociedade a m e r i c a n a , a d v e r t i u Jeffrey R o s e n : If polls about the U.S.A
gênero, s e n d o previsível n o v a e n x u r r a d a d e processos e m que u m dos cônjuges v e n h a a p r e t e n d e r
Patriot Act are correct (only 22 percent of Americans say it goes too far in restricting people's civil liber-
do outro, em razão da separação do c a s a l , compensação f i n a n c e i r a pelas j u r a s de a m o r desde a fase
ties to fight terrorism, while 69 percent are content with it or say it doesn't go far enough), many people
de n a m o r o . Q u e m sabe o traficante de drogas fracassado ou preso não a r r i s q u e obter indenização
may not object to data-mining technology that promises to identify potential terrorists. But if the war
dos p a r e n t e s , aos quais c e r t a m e n t e a t r i b u i r i a a c u l p a p o r s e u d e s v i o de c o n d u t a ? " ( T J R J , Apelação
against terror escalates further, the government may deploy even more controversial forms of electronic
Cível 2 0 0 5 . 0 0 1 . 1 3 6 6 4 , 8 . 9 . 2 0 0 4 ) .
surveillance" (Roberts v. the Future, in New York Times, 2 8 . 8 . 2 0 0 5 ) .
45
42
Neste sentido, é importantíssima a advertência de B a r a k : " L a politica giudiziaria riflette, come
E m a n u e l a N a v a r r e t t a , Diritti inviolabili e risarcimento del danno, cit., p. 154.
abbiamo visto, i criteri sviluppati consapevolmente dal giudice per la soluzione dei casi difficili. Ci si
43
G u i d o A l p a e M a r i o Bessone, Atipicità dell'illecito, cit., p. 4 5 1 . può domandare se ogni giudice ne segua una personale: infatti, se la discrezionalità nei casi difficili
4 4
N o B r a s i l , o S u p r e m o T r i b u n a l F e d e r a l t e m feito uso r e c o r r e n t e d e s t a espécie de argumentação, fosse dettata dalla mera soggettività, aüora la politica giudiziaria cambierebbe a seconda dei giudici"
i n c l u s i v e em s e d e de r e s p o n s a b i l i d a d e c r i m i n a l . C o n f i r a - s e , e n t r e outras decisões, o acórdão profe- ( A h a r o n B a r a k , La Discrezionalità del Giudice, Milão: Dott. A. Giuffrè, 1 9 9 5 , p. 2 1 9 ) .
134 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
A Seleção dos I n t e r e s s e s M e r e c e d o r e s de T u t e l a 135
6 A i m p r o p r i e d a d e do critério da relevância s o c i a l e a c h a m a d a ausência de fundamento n o r m a t i v o para a reparação, não é menos correto que,
tipificação j u r i s p r u d e n c i a l dos danos em i g u a l número de ocasiões, v e m inspirada pela m e r a rejeição à novidade de um
interesse tutelável, a demonstrar que a simples manutenção do status quo ou da
A insuficiência ou i m p r o p r i e d a d e dos critérios antes mencionados d e u mar- normalidade social não pode se converter em um critério válido de seleção.
g e m , c o m o razão do ressarcimento, àquilo que se t e m d e n o m i n a d o "relevância
C o m efeito, o critério da relevância social oculta, sob o p o n t o de vista cientí-
social" do prejuízo. Tal expressão, a rigor, não corresponde a um critério de seleção
fico, um m e r o reenvio à intuição j u d i c i a l , que, operando sob a expressão preten-
dos interesses merecedores de tutela, mas, antes, equivale à renúncia, c o m maior
samente l i b e r t a d o r a da "lógica do razoável", sequer se preocupa em especificar
ou m e n o r consciência, à busca de um critério ou método cientificamente válido
em suas decisões as razões que, no caso concreto, c o n d u z i r a m à constatação de
e controlável. C o m efeito, a relevância social a que se alude consiste, essencial-
relevância ou irrelevância social de certo prejuízo. M u i t o ao contrário, a análise j u -
m e n t e , na constatação de que um dano é "intolerável", "inadmissível", " a n o r m a l "
46
risprudencial revela que a relevância tfòcial de um dano v e m quase sempre aferida
ou "ilegítimo" no m o m e n t o histórico em que se v e r i f i c a . Fácil perceber que t a l
c o m base no prévio reconhecimento daquela "espécie" de dano pela totalidade ou
construção funda-se em um esquema meramente f o r m a l , remetendo, sem nenhu-
pela m a i o r i a dos órgãos j u d i c i a i s . Embora a atitude traga, sem dúvida, seguran-
ma contribuição substancial, o p r o b l e m a da seleção dos danos ressarcíveis a u m a
ça ao etéreo cenário da responsabilidade civil, parece evidente que o número de
percepção excessivamente subjetiva do j u i z acerca de quais prejuízos d e v e m - e,
47
pedidos relativos a um certo interesse existencial acolhidos pelo Poder Judiciário
sobretudo, quais não d e v e m - ser ressarcidos.
não pode servir de parâmetro à aferição de seu m e r e c i m e n t o de tutela, sob pena
E inegável que a discricionariedade j u d i c i a l desempenha importantíssimo pa- da perpetuação de abusos não i m p u g n a d o s pelas suas vítimas e da p r o l o n g a d a
p e l na seleção dos interesses merecedores de tutela. Demonstrou-se, a mais não omissão diante de novas condutas lesivas, a engessar, de f o r m a perigosa, t o d a a
poder, a insuficiência da orientação que pretende reservar ao legislador a definição evolução liderada pelos próprios tribunais.
dos novos danos dignos de ressarcimento. Justamente p o r isso, na m a i o r parte das
Além disso, especialmente no âmbito do d a n o não p a t r i m o n i a l , o fato de
experiências jurídicas, a jurisprudência t e m liderado, a p a r t i r de seu contato p r i -
se r o m p e r a " n o r m a l i d a d e social", submetendo a juízo u m a lesão i n t e i r a m e n t e
v i l e g i a d o c o m os conflitos particulares e de seu crescente ativismo na proteção da
"nova" - nunca antes reparada não pode ser desestimulado quando t a l lesão
d i g n i d a d e h u m a n a , o processo de identificação dos novos interesses tutelados.
efetivamente represente um atentado à dignidade h u m a n a . Permitir a consagra-
Por o u t r o lado, a estrutura hierarquizada da organização judiciária t e m , à fal- ção do critério da "relevância social" do prejuízo significaria p r e m i a r seguidores
ta de critérios ou métodos determinados de seleção, funcionado como o p r i n c i p a l e apenar os seguidos, já que os preconizadores de demandas de ressarcimento
mecanismo u n i f o r m i z a d o r da ressarcibilidade de danos, freando o sucesso de de- sobre "novos danos" acabariam vendo seus pedidos rejeitados, exatamente pelo
mandas que causam certa perplexidade nos setores mais conservadores do pensa- seu caráter inovador. A l o n g o prazo, t a l orientação resultaria em um cenário pa-
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m e n t o jurídico. Se é certo que t a l resistência, muitas vezes, justifica-se diante da radoxal, em que somente a insistência das vítimas p o d e conduzir ao sucesso do
ressarcimento, mas todas as vítimas são desestimuladas a deflagrar este proces-
46
A título ilustrativo, v e r a tese de X a v i e r P r a d e l , p a r a q u e m o prejuízo indenizável é aquele que
so. Pode-se, de fato, argumentar que assim já acontece na prática j u r i s p r u d e n c i a l ,
v i o l a a q u i l o que d e n o m i n a "constante de legitimidade": "Dans toute révolution de la jurisprudence, la mas nada parece j u s t i f i c a r a chancela científica destes obstáculos, convertendo-se
structure de l'intérêt lésé a évolué, mais une constante a pu être dégagée: celle de légitimité. Le préjudice em critérios de seleção dos danos ressarcíveis práticas questionáveis de restrição
est inséré dans une ordre juridique universel qui irrigue toutes les notions juridiques. Lintérêt lésé entre- aos novos danos.
tient des liens particuliers avec l'ordre juridique et principalement la condition de légitimité. Celle-ci est
directement répercutée sur le préjudice - plus précisément sur l'intérêt lésé. Elle participe donc pleinement N a d a disto e x c l u i a a m p l a área deixada, em matéria de reparação de danos,
à la définition du préjudice" (Le Préjudice dans le Droit civil de la Responsabilité, cit., p. 1 3 3 ) . à discricionariedade j u d i c i a l . Exige-se, t o d a v i a , que t a l discricionariedade seja
47
A s s i m , dificulta-se, c l a r a m e n t e , o controle do mérito de decisões j u d i c i a i s em que a rejeição exercida c o m redobrada atenção a parâmetros extraídos do o r d e n a m e n t o jurídico
ou identificação do d a n o m o r a l se dá ao f u n d a m e n t o de t e r e m o c o r r i d o ou não "aborrecimentos,
p o s i t i v o . Sobretudo no que diz respeito às cláusulas gerais - em especial àquela
angústias e aflições que não p o d e m s e r considerados n o r m a i s do d i a - a - d i a " ( T J R J , Apelação Cível
2004.001.00736, j . 30.11.2005).
de t u t e l a da d i g n i d a d e h u m a n a -, a investigação cautelosa do dado n o r m a t i v o
49
48
consubstancia-se no único p o r t o seguro a l e g i t i m a r a atuação j u r i s p r u d e n c i a l .
T e n h a - s e c o m o p a r a d i g m a a v e r d a d e i r a "tipificação" p r o c e d i d a pelos t r i b u n a i s franceses, n o
sentido d a identificação r e l a t i v a m e n t e r í g i d a , m e s m o diante d e u m s i s t e m a p o s i t i v a m e n t e aberto,
de r u b r i c a s de d a n o s q u e p e r m i t e m indenização - préjudice esthétique, préjudice sexuel, préjudice 49
C o m o e x p l i c a Perlingieri: "Ji fenômeno si ripete non soltanto in relazione alia persona umana, ma
d'agrément e a s s i m p o r diante. S o b r e o t e m a , é de se conferir Geneviève Vîney e Patrice J o u r d a i n ,
in relazione a tutti i valori: si dará quindi un valore maggiore o minore ad un aspetto delia persona
Les Conditions de la Responsabilité, Paris: L G D J , 1 9 9 8 , p. 2 0 1 - 2 0 2 .
umana, una valutazione minore o maggiore ad uno dei valori sui quali èfondata la società secondouna
136 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r A Seleção dos I n t e r e s s e s M e r e c e d o r e s de T u t e l a 137
Requer-sç dos juízes aquilo que, na Itália, já se d e f i n i u c o m o u m a "discrezionalità O equívoco mais c o m u m no desempenho desta tarefa t e m sido o prender-se
50
non difatto, ma pur sempre di diritto". a u m a perspectiva estática e abstrata do dano, que p r o c u r a d e f i n i r os interesses •
merecedores de tutela sem atenção ao c o n f l i t o que concretamente se apresenta.
Cai-se, assim, no equívoco metodológico de se proceder a u m a espécie de recons-
7 O d a n o e a n e c e s s i d a d e de seleção em c o n c r e t o d o s interesses trução de direitos subjetivos de m a t r i z j u r i s p r u d e n c i a l , em que as cortes elegem,
pela "relevância social", pela "importância do interesse lesado" ou pela simples
tutelados
repetição de casos concretos, interesses que, em abstrato, d e v e m ser considera-
dos protegidos pelo o r d e n a m e n t o jurídico. Disto resulta, a rigor, a mesma asfixia
As constatações de que a identificação dos danos ressarcíveis encontra-se sujei-
que provém da exigência de um d i r e i t o subjetivo em sentido técnico, legalmente
ta à discricionariedade j u d i c i a l , e de que t a l discricionariedade não pode afastar-se
estabelecido, já que é n a t u r a l que o Pc^er Judiciário seja hesitante e cauteloso na
do dado n o r m a t i v o , longe de serem banais, decretam a inevitável i m p r o p r i e d a d e
admissão de interesses que, em abstrato, passem a merecer t u t e l a na vasta m u l -
de todos os critérios que, já descartados ou não em seu conteúdo, não e n c o n t r e m
tiplicidade de situações concretas que p o d e m v i r a bater, no d i a seguinte, à sua
no o r d e n a m e n t o jurídico seu f u n d a m e n t o . Por o u t r o l a d o , resta evidente que a
porta. Além disso, não são desprezíveis os riscos que t a l m o d o de operar apresen-
simples remissão ao o r d e n a m e n t o jurídico, e n t e n d i d o a q u i c o m o conjunto positi-
ta para o princípio da divisão de poderes e p a r a a coerência das decisões em u m a
vo de normas, não oferece solução precisa ao p r o b l e m a da seleção dos interesses
tradição jurídica l i v r e da força v i n c u l a n t e dos precedentes j u d i c i a i s .
merecedores de tutela, caso em que t o d o o esforço representado pela indicação
dos mencionados critérios seria, além de equivocado, desnecessário, de p r o n t o . Mais ainda: o reconhecimento j u d i c i a l de novos interesses tutelados em abs-
t r a t o , se i m p l i c a na admissão de um d a n o ressarcível, resulta, i g u a l m e n t e , em
Ao revés, alterações profundas na técnica legislativa e no próprio pensamento
u m a n o v a causa l e g i t i m a d o r a de outros danos. A chancela geral e abstrata de um
jurídico d o m i n a n t e parecem reforçar a necessidade de fornecer parâmetros mais
novo interesse concede admissibilidade não apenas aos novos pedidos de ressarci-
seguros à atuação judiciária na identificação dos danos ressarcíveis. A crise do
51
m e n t o fundados em situações i n t e i r a m e n t e diversas, mas empresta legitimação à
d i r e i t o subjetivo, a desconstrução do m i t o da c o m p l e t u d e e a passagem a u m a
toda conduta lesiva que realiza aquele interesse em lesão a outros. A insuficiência
técnica legislativa fundada em cláusulas gerais e conceitos jurídicos i n d e t e r m i n a -
5 2
legislativa diante da realidade contemporânea se reflete na dogmática civilística
d o s lançaram sobre o Poder Judiciário a responsabilidade de estipular, à m a r g e m
não apenas n o que se refere ao dano, mas também às causas excludentes de i l i c i -
de previsão legal específica, os interesses que são merecedores de tutela, e cuja
tude, em especial no "exercício regular de um d i r e i t o " , i g u a l m e n t e desvinculado,
violação, p o r t a n t o , enseja danos ressarcíveis.
em se g u a r d a n d o o mínimo de coerência, de u m a prévia tipificação legislativa na
53
forma de d i r e i t o s u b j e t i v o .
Em outras palavras, se um n o v o interesse passa a ser merecedor de t u t e l a em
abstrato, passa-se a reconhecer não somente u m a nova m o d a l i d a d e de dano, nas-
scelta ideológica, secondo il modo col quale ogni soggetto intende che la società debba essere e si debba, cido da violação àquele interesse, mas também u m a n o v a excludente de i l i c i t u d e ,
in un certo senso, realizzare. Al di fuori di questa soluzione problemática, se si vuole, ma realistica, v'è
consubstanciada na realização daquele interesse p o r m e i o de u m a conduta, ainda
soltanto un critério al quale il giurista può e deve far riferimento: il dato normativo, espressione e sin-
tesi della molteplicità dei criteri che tendono 11
ad invididuare il valore (Pietro Perlingieri, La Personalità que eventualmente lesiva. Vale dizer: a admissão j u d i c i a l de um n o v o interesse
Umana nelVOrdinamento Giuridico, cit., p. 25). tutelado procedida em abstrato, e m b o r a a m p l i e o c a m p o de t u t e l a das situações
50
E m tradução l i v r e , " u m a d i s c r i c i o n a r i e d a d e não d e fato, m a s s e m p r e d e direito". A expressão jurídicas, e x p a n d i n d o a área do dano ressarcível, p r o d u z idêntica ampliação no
encontra-se em G i o v a n n a V i s i n t i n i , Trattado breve della responsabilità civile, cit., p. 3 6 7 : " O r a non
vi è dubbio che Sacco ha ragione quando segnala la diffidenza tradizionale dei giudici italiani a muo-
versi al di fuori da riferimenti legislative ma da qualche tempo le cose sono cambiate e almeno da un
decennio a questa parte in Italia esistono delle sfere di discrezionalità, che è, si noti, una discrezionalità
53
non difatto, ma pur sempre di diritto, in cui essi hanno imparato a muoversi. E uno di questi settori è Ver E m a n u e l a N a v a r r e t a , Diritti inviolabili e risarcimento del danno, cit., p. 1 5 2 : "Il passaggio
sicuramente Varea delia responsabilità extracontrattuale. 11 ermeneutico successivo vede, invece, un'estensione delia prospettiva generale ed atípica, dalVinteresse
51
leso alle Stesse cause di giustificazione. Ciò, tuttavia, non contraddice la tipicità delle varie catégorie di
S o b r e o m i t o d a c o m p l e t u d e que g u i a v a a s codificações Oitocentistas, ver, p o r todos, M i c h e l l e
scriminanti, ma riconosce alVinterno di alcune di esse (Vesercizio del diritto o Vadempimento del dovere)
G i o r g i a n n i , O Direito Privado e suas Atuais Fronteiras, in Revista dos Tribunais, v. 7 4 7 , p. 3 5 - 5 5 .
lineamenti di clausole generali, che rinviano ad interessi riconoseiuti dalVordinamento, ma non neces-
52
S o b r e cláusulas gerais, conceitos jurídicos i n d e t e r m i n a d o s e outros m o d o s "abertos" de expres- sariamente afattispecie legalmente tipizzate, La nuova concezione sostituisce, pertanto, ad un giudizio
são l e g i s l a t i v a , v e r K a r l E n g i s c h , Introdução ao Pensamento Jurídico, L i s b o a : Fundação C a l o u s t e astratto ed aprioristico delle cause di giustificazione una loro valutazione concreta, fondata sulla com-
Gulbenkian, 2001, p. 205-255. parazione giudiziale con gli interessi lest 11
138 Novos P a r a d i g m a s da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
54
P r o p o s t a s e m e l h a n t e pode ser e n c o n t r a d a em G i u s e p p e T u c c i , Il Danno Ingiusto, cit., p. 167:
"Llinterprete non deve chiedersi se esista un diritto del soggetto su un determinato bene, perché in tal
modo finisce col creare tante situazioni giuridiche di questo tipo ogni volta che sente il bisogno di rico-
noscere una forma di tutela di fronte a determinatifatti lesivi. Egli deve valutare invece se esista o meno
un'ingerenza in quelVambito di godimento garantito"
1 A técnica da ponderação na colisão de princípios c o n s t i t u c i o n a i s
1
Lex posterior derogat priori, lex superior derogat inferiori e lex specialis derogat generali. Os bro-
cardos c o r r e s p o n d e m aos critérios cronológico, hierárquico e da e s p e c i a l i d a d e . A l g u n s autores res-
s a l v a m , t o d a v i a , q u e estes critérios não são i n t e i r a m e n t e suficientes p a r a a solução de a n t i n o m i a s .
C o n f i r a - s e , p o r todos, N o r b e r t o B o b b i o , Teoria do Ordenamento Jurídico, Brasília: U n i v e r s i d a d e de
Brasília ( U n B ) , 1 9 9 9 , 1 0 . e d . , p . 9 1 - 1 1 4 .
2
A referência imprescindível, a q u i , é a R o n a l d D w o r k i n , Taking Rights Seriously, C a m b r i d g e : H a r -
u
vard University Press, 1 9 9 9 , 1 7 . e d . , p. 2 4 - 2 6 : The difference between legal principles and legal rules
is a logical distinction. Both sets of standards point to a particular decision about legal obligation in
particular circumstances, but they differ in the character of the direction they give. Rules are applicable
in all-or-nothing fashion. If the facts a rule stipulates are given, then either the rule is valid, in which
case the answer it supplies must be accepted, or it is not, in which case it contributes nothing to the
decision. [ . . . ] Principles have a dimension that rules do not - the dimension of weight or importance.
When principles intersect (the policy of protecting automobile consumers intersecting with principles of
freedom of contract, for example), one who must resolve the conflict has to take into account the relative
weight of each. This cannot be, of course, an exact measurement, and the judgment that a particular
principle or policy is more important than another will often be a controversial one. Nevertheless, it is
an integral part of the concept of a principle that it has this dimension, that it makes sense to ask how
important or how weighty it is."
3
E s t a a p r i n c i p a l inovação t r a z i d a p o r R o b e r t Alexy, s e g u n d o a f i r m o u o próprio em entrevista à
RTDC - Revista Trimestral de Direito Civil: "posso d i z e r q u e foi o p r i n c i p a l passo da m i n h a teoria, foi
o d e s e n v o l v i m e n t o do c o m a n d o de otimização" (v. 1 6 , p. 3 1 5 ) .
4
R o n a l d D w o r k i n , Taking Rights Seriously, cit., p. 2 6 .
5
" C o m o não existe um critério abstrato que i m p o n h a a s u p r e m a c i a de um (valor constitucional)
sobre o o u t r o , deve-se, à v i s t a do c a s o c o n c r e t o , f a z e r concessões recíprocas, de m o d o a p r o d u z i r
u m r e s u l t a d o s o c i a l m e n t e desejável, s a c r i f i c a n d o o mínimo d e c a d a u m d o s princípios o u direitos
142 Novos P a r a d i g m a s da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
Cláusula G e r a l de D a n o e Ponderação de Interesses 143
O método da ponderação consiste, tecnicamente, em estabelecer compressões delito grave, ( i i i ) que não correspondia a um interesse a t u a l de informação, e ( i v )
recíprocas entre os princípios em j o g o , d e f i n i n d o , em cada caso concreto, u m a re- que colocava em efetivo risco a ressocialização do autor. 8
6
lação de prevalência à l u z de certas condições p a r t i c u l a r e s . Tome-se como exem- A técnica da ponderação, b e m i l u s t r a d a pelo caso Lebach, e n c o n t r a a m p l a
7
p l o o sempre referido caso Lebach j u l g a d o pelo T r i b u n a l Constitucional alemão. consagração em t o d a parte c o m o f o r m a de solução das colisões entre princípios
9
Tratava-se de ação m o v i d a c o m o objetivo de suspender a exibição televisiva de constitucionais o u direitos fundamentais d e m a t r i z c o n s t i t u c i o n a l . N o Brasil,
um documentário i n t i t u l a d o "O assassinato de soldados em Lebach", que repro- como em muitos países, seu estudo t e m sido objeto p r i o r i t a r i a m e n t e de constitu-
d u z i a um c r i m e real em que sentinelas de um depósito de munições do Exército cionalistas, e não são raras definições que a apresentam como u m a m e t o d o l o g i a
10
aplicável exclusivamente à colisão de princípios c o n s t i t u c i o n a i s . Parece, todavia,
germânico, próximo à cidade de Lebach, f o r a m assassinados enquanto d o r m i a m
possível sustentar o contrário.
e t i v e r a m suas armas roubadas para a prática de outros delitos. O autor da ação
j u d i c i a l , que havia sido condenado como cúmplice do crime e, tendo c u m p r i d o
sua pena, encontrava-se prestes a deixar o presídio, sustentava que a exibição do 2 A técnica da ponderação e s u a a u t o n o m i a em relação aos
filme, em que seu nome era mencionado diversas vezes e em que aparecia fotogra- princípios c o n s t i t u c i o n a i s
fado, violava a proteção a sua personalidade, e mais especificamente seu legítimo
interesse a ser deixado só, a não ter fatos de sua v i d a veiculados publicamente e A técnica da ponderação t e m sido invocada como técnica de solução de confli-
tos entre princípios constitucionais, sob a já referida premissa d w o r k i n i a n a de que
a buscar, da m e l h o r f o r m a possível, sua ressocialização.
os princípios se caracterizam p o r u m a dimensão de peso, e n q u a n t o as regras se
O T r i b u n a l C o n s t i t u c i o n a l alemão i d e n t i f i c o u , no caso, a nítida colisão entre aplicam na f o r m a de tudo-ou-nada (all-or-nothingfashion). Esta distinção deriva 11
dois valores constitucionais: a liberdade de informação e a tutela da personalida- do e n t e n d i m e n t o de que os princípios consistem em m a n d a m e n t o s de conteúdo
de. Não se p o d e n d o estabelecer u m a relação abstrata de precedência entre tais axiológico ou finalístico, que somente p o d e m ser aplicados t e n d o em conta o peso
interesses, p o r serem de mesma hierarquia, a corte viu-se diante da necessidade
de d e c i d i r q u a l interesse deveria ceder no caso concreto - o u , em outras palavras,
q u a l a área de legítima atuação concreta de cada um dos interesses conflitantes.
Para t a n t o , estabeleceu, fundamentadamente, quatro condições de prevalência na
8
Na versão em língua i n g l e s a da decisão, disponível no já referido site do Institute of G l o b a l L a w :
espécie, d e t e r m i n a n d o , em síntese, que a proteção à pessoa deveria prevalecer "Altogether a repeated televised report concerning a serious crime which is no longer justified by the in-
tendo em vista que ( i ) se tratava de informação televisiva repetida ( i i ) sobre um terest to receive information about current events is undoubtedly inadmissible if it endangers the social
rehabilitation of the culprit. The vital chance necessary for the existence of the culprit and the interest
of the community to restore his social position must prevail in principle over the interest in a discus-
f u n d a m e n t a i s em oposição" (Luís Roberto B a r r o s o , Liberdade de Expressão, Direito à Informação e sion of the crime. Whether and to what extent any exceptions are conceivable such as in the case of an
Banimento da Publicidade de Cigarro, in Temas de Direito Constitucional, R i o de J a n e i r o : Renovar, overriding historical interest, of scholarly or other broadcasts which are addressed to a limited range of
2 0 0 1 , p. 2 6 5 ) . viewers need not be examined here." Vex, a i n d a , R o b e r t Alexy, Teoria de los Derechos Fundamentales,
6 cit., p. 9 7 : "Ella reza: una information televisiva repetida (SI) que no responde a un interés actual de
V e r Robert Alexy, Teoria de los Derechos Fundamentales, M a d r i d : C e n t r o de Estúdios Políticos y
information (S2) sobre un hecho delictivo grave (S3) y que pone en peligro la resocialización del actor
C o n s t i t u c i o n a l e s , 2 0 0 2 , p. 9 1 - 9 2 : "Tomados en símismos, los dos princípios conducen a una contradic-
n
ción. Pero, esto significa que cada uno de ellos limita lq posibilidad jurídica de cumplimiento del otro. (S4) está iusfundamentalmente prohibida (R).
Esta situación no es solucionada declarando que uno de ambos princípios no es válido y eliminándolo 9
E x p r e s s i v a n e s t a direção a o b r a recente do Prof. L u i s Roberto B a r r o s o , em e s p e c i a l s e u estudo i n -
del sistema jurídico. Tampoco se la soluciona introduciendo una excepción en uno de los princípios de titulado O Começo da História. A Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito
forma tal que en todos los casos futuros este principio tenga que ser considerado como una regia satis- Brasileiro, in L u i s Roberto Barroso ( o r g . ) , A Nova Interpretação Constitucional - Ponderação, Direitos
fecha o no. La solución de la colisión consiste más bien enque, teniendo en cuenta las circunstancias del Fundamentais e Relações Privadas, R i o de J a n e i r o : Renovar, 2 0 0 3 , p. 3 2 7 - 3 7 8 .
caso, se establece entre los princípios una relación de precedência condicionada. La determinación de la 1 0
Neste s e n t i d o , ver, p o r s u a importância p a r a a difusão d a técnica d a ponderação no B r a s i l , a
relación de precedência condicionada consiste en que, tomando en cuenta el caso, se indican las condi-
afirmação de D a n i e l S a r m e n t o : "A ponderação de interesses só se t o r n a necessária q u a n d o , de fato,
ciones bajo las cuales un principio precede al otro. Bajo otras condiciones, la cuestión de la precedência
17
estiver c a r a c t e r i z a d a a colisão e n t r e p e l o m e n o s d o i s princípios c o n s t i t u c i o n a i s i n c i d e n t e s sobre
puede ser solucionada inversamente.
um caso concreto" (A Ponderação de Interesses na Constituição Federal, R i o de J a n e i r o : L u m e n J u r i s ,
7
B V e r f G E 3 5 , 2 0 2 . P a r a u m a descrição do caso e m inglês, c o n s u l t a r o site do Institute of Global 2002, p. 99).
Law ( v v ^ v w . u c l . a c . u k / l a w s / g l o b a l l a w / i n d e x . s h t m l ) . O caso L e b a c h é a n a l i s a d o por Robert Alexy, 11
A p a s s a g e m , já t r a n s c r i t a , encontra-se em R o n a l d D w o r k i n , Taking Rights Seriously, cit., p. 2 4 -
Teoria de los Derechos Fundamentales, cit., p. 9 5 - 9 8 .
26.
Cláusula G e r a l de D a n o e Ponderação de Interesses 145
144 Novos P a r a d i g m a s da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r
í
crítica, chegou-se mesmo a dizer que, definindo princípios c o m o normas ponderá- por sua especialidade; ou na falta desta regra, somente as normas gerais p o d e m
veis, e a ponderação como método de aplicação dos princípios, "nada se avança", ser invocadas c o m o f u n d a m e n t o de t u t e l a destes interesses. Nesta segunda hipó-
m a n t e n d o a teoria dos princípios em " u m círculo t a u t o l o g i c a m e n t e v i c i o s o " . 15
tese, não é r a r o que o conflito se dê entre normas gerais de mesma hierarquia,
antigüidade e especialidade (rectius: generalidade). Pense-se nos princípios consti-
tucionais, mas também nas cláusulas gerais de um m e s m o estatuto ou codificação,
12 U
A própria definição d e princípio a d o t a d a p o r R o n a l d D w o r k i n j á é eloqüente neste sentido: I ou nos conceitos jurídicos i n d e t e r m i n a d o s reunidos em u m a mesma l e i .
call a 'principle' a standard that is to be observed, not because it will advance or secure an economic,
political, or social situation deemed desirable, but because it is a requirement of justice or fairness or O próprio D w o r k i n chega a cogitar das cláusulas gerais c o m o "regras que
some other dimension of morality. (...) When principles intersect (the policy of protecting automobile parecem mais c o m um princípio", negando, c o n t u d o , u m a perfeita identificação
consumers intersecting with principles of freedom of contract, for example), one who must resolve the
entre as duas espécies n o r m a t i v a s , ao a r g u m e n t o de que as cláusulas gerais, em
conflict has to take into account the relative weight of each" ( R o n a l d D w o r k i n , Taking Rights Seriously,
18
p r e l i m i n a r m e n t e h a v i d a c o m o automática (no caso de regras, c o n s o a n t e o critério a q u i investiga- D i z - s e "a princípio" p o r q u e a r e g r a extraída de n o r m a s específicas está s u j e i t a ao controle de
d o ) " (ob. cit., p. 4 4 ) . s u a v a l i d a d e d i a n t e d a s n o r m a s g e r a i s . P a r a a l g u n s a u t o r e s , está s u j e i t a a i n d a , não obstante s u a
especificidade, a um controle de adequação d i a n t e do c a s o c o n c r e t o . O t e m a será a b o r d a d o mais
15
A crítica é de M a r c e l o Borges de Mattos M e d i n a , Esboço de uma Teoria da Ponderação Indepen- detalhadamente em seguida.
dente da Teoria dos Princípios, in Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, 18
R o n a l d D w o r k i n , Taking Rights Seriously, cit., p. 2 8 : "Words like 'reasonable', 'negligent', 'unjust',
v. 5 8 , 2 0 0 4 , p. 1 6 6 - 1 6 7 . Na íntegra: " O r a , ao a f i r m a r que os princípios são m a n d a m e n t o s de otimi-
and 'significant'often perform this function, Each of these terms makes the application of the rule which
zação no que diz respeito às possibilidades jurídicas de s e u c u m p r i m e n t o , não c o n s e g u e o j u r i s t a
contains it depend to some extent upon principles or policies lying beyond the rule, and in this way
significar o u t r a c o i s a além de que princípios são as n o r m a s que se a p l i c a m m e d i a n t e ponderações
146 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r Cláusula G e r a l de D a n o e Ponderação de Interesses 147
19
raciocínio,^porém, parece i g u a l m e n t e aplicável aos princípios, e não se revela outras "regras" de conteúdo aberto, no mínimo parcialmente, p r o d u z um certo
apto a afastar o emprego da técnica da ponderação na hipótese de c o n f l i t o entre desconforto nas bases da diferenciação entre as espécies normativas, que talvez
as cláusulas gerais, quando sejam da m e s m a hierarquia, antigüidade e especiali- não sirva a abalar a útil distinção entre regras e princípios, mas que, certamente,
dade. De fato, a circunstância de que um conflito n o r m a t i v o entre cláusulas gerais afasta a relação de exclusividade entre estes últimos e a técnica da ponderação.
somente pode se dar em concreto, d i a n t e de um caso específico, e da interpretação
dada à parcela aberta de cada cláusula geral recomenda que a a n t i n o m i a desta C o m efeito, a própria d o u t r i n a constitucionalista v e m reconhecendo crescen-
espécie se resolva não pela exclusão de u m a das normas (resultado da aplicação temente esta a u t o n o m i a da técnica da ponderação em relação aos princípios, e
21
dos tradicionais critérios da hierarquia^ antigüidade e especialidade), mas pela a relatividade da distinção entre princípios e regras neste p a r t i c u l a r . Assim, a
sua simples prevalência episódica em face de certas condições. ponderação v e m sendo, gradativamente, invocada em conflitos entre princípios,
cláusulas gerais, enunciados normativos abertos, e quaisquer outras espécies nor-
Imagine-se, a título i l u s t r a t i v o , a ação proposta pelo proprietário de um terre-
mativas que, sendo da mesma h i e r a r q u i a , antigüidade e especialidade (ex.: as
no residencial contra seu v i z i n h o , um c a n t o r de ópera, p o r força das interferências
normas constitucionais), i n c i d a m sobre os mesmos pressupostos fáticos presentes
sonoras provocadas pelo mesmo. A aplicação da cláusula geral de proibição do uso
em certo caso concreto, i m p o n d o soluções distintas, sem que se possa, p o r conta
a n o r m a l da propriedade pode b e m c o l i d i r c o m a cláusula geral de boa-fé objeti-
disto, declarar de f o r m a d e f i n i t i v a a impossibilidade de convivência abstrata en-
va, em se verificando, p o r exemplo, q u e o autor da ação a l i e n o u , ele próprio, ao
tre tais normas.
tenor o imóvel v i z i n h o , tendo na ocasião da v e n d a não apenas sido i n f o r m a d o da
profissão do adquirente, mas também se declarado seu fã e enfatizado a tolerância Tal conclusão é muitíssimo relevante no que concerne à aferição do dano res-
elevada da vizinhança às cantorias em geral Nada parece afastar a q u i o recurso à sarcível. Diante da aplicação direta das normas constitucionais às relações privadas
ponderação, embora o confronto se estabeleça claramente entre o conteúdo aberto e da proliferação de cláusulas gerais nos diplomas de d i r e i t o p r i v a d o , os interes-
de duas cláusulas gerais que, no caso c o n c r e t o , se contrapõem. ses dos particulares, especialmente em se t r a t a n d o de ações de responsabilidade
c i v i l , vêm, cada vez mais, identificados c o m normas de enunciado aberto ("vida
O certo é que, p o r t o d a parte, a distinção entre regras e princípios v e m carac-
privada", " l i v r e iniciativa", " d i r e i t o ao próprio corpo", "dignidade da pessoa h u -
terizada, e m b o r a não exclusivamente, p o r u m a diferença e s t r u t u r a l f u n d a m e n t a l
m a n a " ) . Ao mesmo t e m p o , a proliferação de situações lesivas, advindas do avan-
entre os dois tipos de normas. E n q u a n t o as regras têm conteúdo mais determina-
ço tecnológico e das aceleradas transformações sociais, resulta, diante dos limites
do, mais específico, os princípios apresentam-se c o m o enunciados abertos, c o m
20 práticos da técnica legislativa regulamentar em u m a a m p l a área não disciplinada
alto g r a u de g e n e r a l i d a d e . Deste m o d o , a identificação de cláusulas gerais e de
por normas de conteúdo específico. Deste m o d o , os conflitos de responsabilidade
civil se dão, amiúde, no campo de colisão entre normas de conteúdo genérico e
makes that rule itself more like a principle. But they do not quite turn the rule into principle, because abstrato, c a m p o de p r e d o m i n a n t e aplicação da técnica da ponderação.
even the least confining of these terms restricts the kind of other principles and policies on which the
rule depends. If we are bound by a rule that says that 'unreasonable' contracts are void, or that grossly
'unfair' contracts will not be enforced, much more judgement is required than if the quoted terms were
omitted. But suppose a case in which some consideration of policy or principle suggests that a contract
3 A ponderação c o m o r e c u r s o i n d i r e t o : o c o n t r o l e de v a l i d a d e e
should be enforced even though its restraint is not reasonable, òr even though it is grossly unfair. En-
forcing these contracts would be forbidden by our rules, and thus permitted only if these rules were adequação das regras de prevalência
abandoned or modified. If we were dealing however, not with a rule but with a policy against enforc-
ing unreasonable contracts, or a principle that unfair contracts ought not to be enforced, the contracts Pode-se concluir, à luz do quanto f o i exposto acima, que a técnica da ponde-
could be enforced without alteration of law."
ração aplica-se a qualquer colisão de normas de conteúdo genérico que i n c i d a m
19
E s p e c i f i c a m e n t e c o n t r a o a r g u m e n t o d e D w o r k i n , p o d e r - s e - i a s u s t e n t a r q u e a cláusula g e r a l se-
sobre a mesma situação fática. Disto seria lógico extrair, a contrario sensu, que o
g u n d o a q u a l "grossly unfair contracts will not be enforced" não contém d e n s i d a d e p r o i b i t i v a m a i o r
do que o princípio da i g u a l d a d e s u b s t a n c i a l , q u e , em última análise, p o d e r i a b e m se e x p r e s s a r na
determinação de que "situações de i g u a l d a d e e n t r e desiguais não serão toleradas". legal speed on the turnpike is sixty miles an hour' or 'A will is invalid unless signed by three witnesses'.
20
A s s i m refere-se, p o r e x e m p l o , J . J . G o m e s G a n o t i l h o a o "grau d e abstracção: o s princípios são They are different because they are legal principles rather than legal rules" (Taking Rights Seriously,
n o r m a s c o m u m g r a u d e abstracção r e l a t i v a m e n t e e l e v a d o ; d e m o d o d i v e r s o , a s regras p o s s u e m cit., p. 2 4 ) .
u m a abstracção r e l a t i v a m e n t e r e d u z i d a " (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, C o i m b r a : 21
"A aplicação dos princípios se dá, predominantemente, m e d i a n t e ponderação. E certo que, m a i s
A l m e d i n a , 2 0 0 0 , p . 1 . 1 2 4 ) . E o próprio R o n a l d D w o r k i n f u n d a s e u p o s i c i o n a m e n t o , d e c e r t a f o r m a , r e c e n t e m e n t e , já se discute tanto a aplicação do e s q u e m a tudo ou n a d a aos princípios c o m o a pos-
na diferenciação de g r a u de g e n e r a l i d a d e ao a f i r m a r : "The standards set out in these quotations are sibilidade de também as regras s e r e m p o n d e r a d a s " ( L u i s Roberto B a r r o s o , O Começo da História. A
not the sort we think of as legal rules. They seem very different from propositions like The maximum Nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro, cit., p. 3 4 3 ) .
148 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r Cláusula G e r a l de D a n o e Ponderação de Interesses 149
seu emprego não t e m l u g a r q u a n d o a regra de prevalência v e m especificamente Tome-se como exemplo o art. 20 do Código C i v i l brasileiro, que, tratando do
estabelecida pelo legislador, c o m pressupostos fáticos precisos. Um exame mais direito à i m a g e m , estabeleceu:
cuidadoso revela, c o n t u d o , o oposto. Também diante de regras de prevalência ex-
pressamente estabelecidas pelo legislador, a ponderação desempenha um papel "Art. 2 0 . Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da
relevante. justiça ou à manutenção da o r d e m pública, a divulgação de escritos, a
Em p r i m e i r o lugar, não se furta o legislador ao controle das regras de preva- transmissão da palavra, ou á publicação, a exposição ou a utilização da
lência p o r ele mesmo estabelecidas, especialmente em face das normas consti- i m a g e m de u m a pessoa poderão ser proibidas, a seu r e q u e r i m e n t o e sem
tucionais. Todo o sistema de controle de constitucionalidade, tão a m p l o no caso prejuízo da indenização que couber, se lhe a t i n g i r e m a h o n r a , a boa fama
específico do o r d e n a m e n t o brasileiro, funda-se precisamente no objetivo de se ou a respeitabilidade, ou se sè d e s t i n a r e m a fins comerciais."
exercer permanente vigilância sobre a conformidade entre as normas infraconsti-
tucionais e a Constituição, em u m a constante ponderação entre os meios eleitos I n d i c o u , c o m isto, o próprio legislador as condições para que o interesse na
pelo legislador e os fins que estava l e g i t i m a d o a perseguir. M e s m o a regra de 22 preservação da própria i m a g e m prevaleça sobre o interesse fundado na liberdade
prevalência consubstanciada em u m a n o r m a expressa sujeita-se a u m a espécie de informação acerca de fato que envolva a i m a g e m alheia. Tais condições são, em
de ponderação eventual, realizada p o r m e i o do exame de sua validade à l u z da síntese: ( i ) que inexista autorização p a r a divulgação; ( i i ) que inexista, na d i v u l -
23
norma constitucional. gação, u t i l i d a d e para a administração da justiça ou para a manutenção da o r d e m
A importância da ponderação não se l i m i t a , todavia, ao exame da validade pública; ( i i i ) que a divulgação possa repercutir negativamente sobre a honra, fama
da regra de prevalência. Interfere também na sua interpretação e aplicação, sem ou respeitabilidade do t i t u l a r da i m a g e m , ou que, m e s m o sem t a l repercussão, se
necessariamente advogar sua i n v a l i d a d e . Isto p o r q u e m e s m o a regra específica destine a divulgação a fins comerciais.
sujeita-se a um controle dos resultados concretos de sua aplicação em face das Em hipóteses assim, a ponderação j u d i c i a l , a princípio, não poderia se subs-
normas mais gerais, especialmente dos princípios constitucionais. Por força da t i t u i r à ponderação prévia levada a cabo em sede legislativa. A i n d a que alguns
u n i d a d e e coerência do o r d e n a m e n t o jurídico, u m a regra l e g a l de prevalência
termos empregados no art. 20 sejam i n d e t e r m i n a d o s , resta clara a regra de pre-
não pode d i v e r g i r - não apenas em sua validade abstrata, mas também - em sua
valência entre o interesse lesivo e o interesse lesado especificamente estabelecida
aplicação concreta da regra de prevalência que resultaria da ponderação de nor-
pelo legislador: prevalece o d i r e i t o à i m a g e m se, i n e x i s t i n d o autorização o u u t i -
mas gerais aplicáveis ao caso. Assim, t o d a regra sujeita-se não apenas ao controle
de v a l i d a d e , mas também a um "controle de adequação" às circunstâncias do 24 lidade à administração da justiça ou à manutenção da o r d e m pública, a d i v u l g a -
caso concreto, tendo em vista as circunstâncias relevantes que f o r a m levadas em ção tiver repercussão negativa sobre a h o n r a , fama ou respeitabilidade, ou t i v e r
conta pelo l e g i s l a d o r . 25
finalidade comercial.
Confronte-se, entretanto, a n o r m a c o m u m caso concreto. Suponha-se, p o r
22
S o b r e controle de c o n s t i t u c i o n a l i d a d e , v e r Clèmerson M e r l i n C l e v e , A Fiscalização Abstrata de
exemplo, que o Chefe da Casa Civil da Presidência d a República seja vaiado p o r
Constitucionalidade no Direito Brasileiro, São Paulo: E d . R e v i s t a dos T r i b u n a i s , 1 9 9 5 ; e Ivo D a n t a s , estudantes ao visitar u m a Universidade, e que um telejornal veicule sua i m a g e m .
O Valor da Constituição: Do Controle de Constitucionalidade como Garantia de Supralegalidade Cons-
Não há autorização do t i t u l a r da i m a g e m , n e m t a m p o u c o se trata de veiculação
titucional, R i o de J a n e i r o : R e n o v a r , 2 0 0 1 .
23
necessária à manutenção da o r d e m pública ou à administração da justiça. Também
Neste sentido, D a n i e l S a r m e n t o , A Ponderação de Interesses na Constituição Federal, cit., p. 1 1 3 -
1 1 4 : "A ponderação de interesses pode ser r e a l i z a d a pelo P o d e r Judiciário b a s i c a m e n t e em d u a s
parece inegável que a notícia afeta a respeitabilidade do político e m questão. A i n -
hipóteses: ( a ) q u a n d o i n e x i s t i r r e g r a legislativa específica r e s o l v e n d o d e t e r m i n a d o conflito entre da assim, d i f i c i l m e n t e se negará que a liberdade de informação deve, neste caso,
princípios constitucionais s u r g i d o e m u m caso concreto, o u (b) q u a n d o a r e g r a legislativa e m ques-
tão tiver a s u a c o n s t i t u c i o n a l i d a d e q u e s t i o n a d a , p e l a v i a i n c i d e n t a l ou p r i n c i p a l . "
24
d a . E l e s ' r e c o n t e x t u a l i z a m ' a n o r m a , extraída do s e u contexto, q u a n t o à s u a v a l i d a d e , à l u z de um
S o b r e o controle de adequação d a s n o r m a s jurídicas, é imprescindível a referência a K l a u s Gün-
interesse c o m u m , ligando a s u a aplicação à consideração a d e q u a d a de todos os sinais característi-
ther, The Sense ofAppropriateness, N o v a I o r q u e : State U n i v e r s i t y of N e w Y o r k P r e s s , 1 9 9 3 . P a r a u m a
cos especiais de q u a l q u e r situação n o v a q u e s u r j a no espaço e no t e m p o . D e s s e m o d o , e m e r g e u m a
análise do t e m a no B r a s i l , v e r S i l v a n a B a t i n i César Góes, Novas Tendências para o Conceito de Culpa-
dinâmica que a c a d a circunstância a c r e s c e n t a u m a s u r p r e e n d e n t e q u a n t i d a d e de aspectos, nuanças
bilidade: Uma Abordagem da Teoria Argumentativa no Direito Penal, in A n t o n i o C a v a l c a n t i M a i a et al
ou mudanças i m p r e v i s t a s ao conteúdo semântico de d i v e r s a s n o r m a s aplicáveis, obrigando a m o d i -
( O r g . ) , Perspectivas Atuais da Filosofia do Direito, R i o de J a n e i r o : L u m e n J u r i s , 2 0 0 5 , p. 4 1 7 - 4 4 8 .
ficações, restrições ou d e s l o c a m e n t o de pesos, a fim de, p o r aproximação, f a z e r j u s à pretensão de
25
C o m o e s c l a r e c e K l a u s Günther: "Discursos d e aplicação c o m b i n a m a pretensão d e v a l i d a d e d e u m a consideração a d e q u a d a de todos os sinais característicos" (Teoria da Argumentação no Direito
u m a n o r m a c o m o contexto d e t e r m i n a d o , d e n t r o d o q u a i , e m d a d a situação, u m a n o r m a é a p l i c a - e na Moral: Justificação e Aplicação, t r a d . Cláudio M o l z , São P a u l o : L a n d y , 2 0 0 4 , p. 7 9 ) .
Cláusula G e r a l de D a n o e Ponderação de Interesses 151
150 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
às relações privadas - p i o n e i r a m e n t e defendida no Brasil p o r autores de d i r e i - A consagração da noção de ponderação para fins de aferição do dano não cor-
3 3
t o c i v i l - p r o d u z i u i m e d i a t o embaraço ao raciocínio subsuntivo j u d i c i a l , já que responde, no entanto, a u m a consagração da técnica da ponderação p r o p r i a m e n t e
3 7
os magistrados se v i r a m forçados a reconhecer t u t e l a a interesses aos quais não d i t a . Sobretudo na prática jurisprudencial, a ponderação v e m quase sempre invo-
correspondia um d i r e i t o subjetivo categorizado. Paralelamente, a própria técnica cada sem o necessário aprofundamento técnico, como u m a espécie de equiparação
legislativa infraconstitucional começou a alterar-se c o m a já mencionada prolife- a u m a "lógica do razoável" ou a um "senso de normalidade", capaz de converter a
ração de cláusulas gerais, cuja aplicação veio exigir do intérprete m u i t o mais do aferição do dano em m e r o juízo de eqüidade, sem a necessária precisão científica
38
que se p o d e r i a conter nos limites estreitos da subsunção. e sem o imprescindível apoio dos parâmetros c o n s t i t u c i o n a i s .
Particularmente no que tange à responsabilidade c i v i l , é de se ressaltar u m a Assim procedendo, os tribunais avançam em demasia no processo de erosão
certa tradição na brevidade das disciplinas normativas e o a m p l o emprego de con- dos filtros tradicionais da responsabilidade c i v i l , na m e d i d a em que submetem a
ceitos gerais, c o m o "culpa", "estado de necessidade", "exercício regular de um d i - análise do d a n o a u m a argumentação p u r a m e n t e retórica, desprovida de emba-
reito", "dever geral de cuidado", "abuso do d i r e i t o " , e assim p o r diante. A própria samento n o r m a t i v o e desacompanhada, quase sempre, de fundamentação con-
39
noção de dano, entendida como lesão a um interesse merecedor de tutela, con- trolável. C o m o já ressaltado, muitas cortes têm considerado certos prejuízos
verte-se, a p a r t i r da libertação das amarras do d i r e i t o subjetivo, em u m a cláusula ressarcíveis p o r q u e "inaceitáveis", "socialmente intoleráveis", "irrazoáveis", "gra-
ves", acreditando encerrar, c o m isto, a aferição deste elemento fundamental da
geral de impressionante a m p l i t u d e . 40
responsabilidade civil, cujo aplacamento consiste e m sua p r i n c i p a l função.
Diante de t u d o isto, hoje, não são poucos os civilistas a sustentarem que a sele-
Urge, p o r t a n t o , que a d o u t r i n a se empenhe em precisar os contornos da técni-
ção dos interesses merecedores de tutela, para fins de aferição do dano, demanda
ca da ponderação, a f i m de evitar que a sua utilização se dê de f o r m a puramente
a ponderação entre o interesse da vítima e o interesse do agente cuja c o n d u t a se
34
n o m i n a l . A dificuldade aqui reside em que t o d a a produção mais recente sobre
afigura l e s i v a . Exige-se a avaliação "simultânea e sintética, e não independen-
35
o método p o n d e r a t i v o , de m a t r i z constitucionalista, v e m se concentrando sobre
te e estática" do c o m p o r t a m e n t o lesivo e do interesse l e s a d o . Conclui-se, neste
aspectos procedimentais ou internos da ponderação. O propósito t e m sido mais
sentido, que "o dano será injusto quando, ainda que decorrente de conduta lícita,
o de demonstrar, sob o p r i s m a da lógica f o r m a l , que o p r o c e d i m e n t o racional de
afetando aspecto f u n d a m e n t a l da dignidade h u m a n a , não for razoável, pondera- ponderação é cientificamente controlável. A s s i m , a d o u t r i n a constitucionalista
36
dos os interesses contrapostos, que a vítima dele permaneça i r r e s s a r c i d a " . t e m , c o m v i g o r e excelência, depurado o f u n c i o n a m e n t o lógico da ponderação,
en el que resultan relevantes dos princípios en pugna, después de ponderar creo que aparece de nuevo 37
C o m o adverte, e m o u t r a s e a r a , A n t o n i o C a v a l c a n t i M a i a : " O r a , se, p a r a o constitucionalista con-
la exigência de subsunción. Yelloes asiporque, como se verá, la ponderación se endereza a laformula-
temporâneo a ponderação é c r u c i a l , posto q u e não há r o l de direitos f u n d a m e n t a i s s e m colisão destes
ción de una regia, de una norma en la que, reuniendo en cuenta las circunstancias del caso, se elimina
m e s m o s direitos - c o m o os incontornáveis conflitos entre l i b e r d a d e e segurança, h o n r a e liberdade
o posterga uno de los princípios para ceder el paso a otro que, superada la antinomia, opera como una
de expressão, v i d a e a u t o n o m i a pessoal etc. -, impõe-se a d e m a n d a constante por ponderação. T a l
regia y, por tanto, como la premisa normativa de una subsunción" (Neoconstitucionalismo y ponderación
m e c a n i s m o só pode ser e m p r e g a d o de m a n e i r a r a c i o n a l m e n t e controlável se seguir os cânones dita-
judicial, in M i g u e l C a r b o n e l l ( o r g . ) , Neoconstitucionalismo(s), M a d r i : T r o t t a , 2 0 0 3 , p. 1 4 5 ) .
dos pelas m o d e r n a s teorias da argumentação jurídica - c a m p o p o r excelência dos desenvolvimentos
3 3
É emblemático d o p i o n e i r i s m o dos civilistas n a matéria o artigo d e G u s t a v o T e p e d i n o , Pelo Prin- jusfílosófícos recentes." (Considerações acerca do Papel Civilizatório do Direito, in A n t o n i o C a v a l c a n t i
cipio de Isonomia Substancial na Nova Constituição - Notas sobre a Função Promocional do Direito, M a i a et a l . , Perspectivas Atuais da Filosofia do Direito, R i o de J a n e i r o : Lúmen Júris,' 2 0 0 5 , p. x i x ) .
Q
in Atualidades Forenses n 1 1 2 , a n o 1 1 , 1 9 8 7 , p. 3 0 - 3 5 , q u e r e p r o d u z p a l e s t r a a p r e s e n t a d a na V 38
C o n f i r a - s e , a título ilustrativo, a já m e n c i o n a d a tendência a n e g a r p r o v i m e n t o a ações de inde-
Conferência dos A d v o g a d o s d o E s t a d o d o R i o d e J a n e i r o , e m 2 3 d e j u l h o d e 1 9 8 7 , e que t e m c o m o
nização por d a n o m o r a l , ao só a r g u m e n t o de se tratar de "situação de m e r o a b o r r e c i m e n t o ou con-
núcleo j u s t a m e n t e a n e c e s s i d a d e de aplicação d i r e t a dos princípios c o n s t i t u c i o n a i s - em especial, o
t r a r i e d a d e , c o m u m a o n o r m a l das pessoas" ( T J R J , Apelação Cível 2 0 0 5 . 0 0 1 . 4 3 8 2 7 , j . 2 1 . 3 . 2 0 0 6 )
princípio da i s o n o m i a s u b s t a n c i a l - às relações p r i v a d a s .
ou de não consistir o evento lesivo e m "ofensa a n o r m a l aos p r e d i c a m e n t o s d a personalidade" ( T J R J ,
34
Neste sentido, Pietro P e r l i n g i e r i e P a s q u a l e F e m i a , Nozione introduttive e principi fondamentali Apelação Cível 2 0 0 4 . 0 0 1 . 2 3 1 0 8 , 1 2 . 7 . 2 0 0 5 ) .
del diritto civile, Nápoles: E S I , 2 0 0 0 , p. 2 4 : "Bilanciarei principi significa individuare le rispettive re- 39
C u m p r e o b s e r v a r que, o s t r i b u n a i s , e m s u a i m e n s a m a i o r i a , a i n d a têm s e m a n t i d o indiferen-
lazioni di preferenza e di compatibilità e individuare - quale risultato di tale bilanciamento - la norma
tes ao a m p l o m o v i m e n t o jusfilosófico contemporâneo, q u e t e m c o m o u m a de suas características
applicabile (la norma individuata è una regola: questo comportamento è vietato, questo danno deve
principais a "superação do fosso entre ser e dever-ser, c o m o e n f r e n t a m e n t o da fratura h u m a n a e a
essere risarcito, questo contratto non ê valido ecc.)."
conseqüente p o s s i b i l i d a d e de justificação do juízo m o r a l , a b r i n d o a discussão r a c i o n a l no domínio
35 u
E m a n u e l a N a v a r r e t t a , Diritti inviólabili e risarcimento del danno, cit., p. 1 5 2 : Vingiustizia inevi- normativo" ( A n t o n i o C a v a l c a n t i M a i a , A Distinção entre Fatos e Valores e as Pretensões Neofrankfur-
tabilmente, e quasi letteralmente, se si considera la sintesi del binômio non iure e contra ius, comporta tianas, in A n t o n i o C a v a l c a n t i M a i a et al, Perspectivas Atuais da Filosofia do Direito, cit., p. 1 4 ) .
una vàlutazione simultânea e sintético e non indipendente e statica dei due elementi". 40
V e r Capítulo 4, i t e m 6 - A i m p r o p r i e d a d e do critério da relevância s o c i a l e a c h a m a d a tipifica-
36 v
M a r i a C e l i n a B o d i n de M o r a e s , Danos à Pessoa Humana, cit.,.p. 1 7 9 . ção j u r i s p r u d e n c i a l dos d a n o s .
)
)
154 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r
Cláusula G e r a l de D a n o e Ponderação de I n t e r e s s e s 155
)
41
examinando, a fundo, suas várias etapas e diretrizes p r o c e d i m e n t a i s . De forma
dado n o r m a t i v o , e em especial das normas constitucionais relevantes para solução
geral, porém, t e m se e x i m i d o de apontar critérios substanciais para a solução dos
da colisão no caso concreto, p e r m i t e m d e t e r m i n a r a área de legítima atuação de
conflitos, deixando de i n d i c a r as condições de prevalência que entende aplicáveis cada interesse conflitante. A identificação de tais condições p e r m i t e aos tribunais
aos "tipos" habituais de colisão, ou mesmo de desvendar o enigmático método de estabelecer, para aquele t i p o de conflito, u m a regra de prevalência segundo a q u a l
identificação destas condições em certos exemplos paradigmáticos da j u r i s p r u - um interesse prevalece sobre o u t r o , não de f o r m a absoluta, mas de f o r m a relativa,
dência nacional e estrangeira. ou seja, apenas diante de condições fáticas determinadas.
A postura se explica, em parte, pela própria vocação mais abstrata e generali-
Tome-se c o m o e x e m p l o o c o n f l i t o entre l i b e r d a d e de expressão e d i r e i t o à
zante do d i r e i t o constitucional, no Brasil especialmente v i n c u l a d o ao pensamento
i m a g e m , no caso de divulgação televisiva de um acontecimento envolvendo certa
filosófico e político contemporâneo. Neste contexto, a indicação e discussão de
) pessoa. Na análise c o n s t i t u c i o n a l m ^ i s freqüente, as circunstâncias fáticas rele-
critérios substanciais para a definição da regra de prevalência aplicável a espé-
vantes, a dar ensejo a condições de prevalência, vêm assim enumeradas: ( i ) "a
) cies mais comuns de c o n f l i t o talvez deva ser mesmo tarefa do d i r e i t o c i v i l , como
veracidade do fato"; ( i i ) "a l i c i t u d e do m e i o empregado na obtenção da i n f o r m a -
r a m o mais afetado pela concreta aplicação dos valores constitucionais às relações
ção"; ( i i i ) "a personalidade pública ou estritamente p r i v a d a da pessoa objeto da
privadas. Cumpre, todavia, n o t a r que as preciosas conclusões a que t e m chegado
notícia"; ( i v ) "o local do fato" (público ou p r i v a d o ) ; ( v ) "a natureza do fato" (fato
a d o u t r i n a constitucional, em seu exame p r o c e d i m e n t a l da ponderação, não po-
que é notícia p o r si, como u m a enchente ou u m a eleição, ou que se t o r n a notícia
d e m ser transpostas ao campo civilístico sem esbarrarem c o m obstáculos estru-
apenas p o r conta da pessoa e n v o l v i d a ) ; ( v i ) "a existência de interesse público na
turais d a responsabilidade c i v i l , a exigir ulteriores acautelamentos e adaptações.
divulgação em tese"; ( v i i ) "a existência de interesse público na divulgação de fatos
De fato, a simples apreensão i n t e g r a l da construção c o n s t i t u c i o n a l sobre a técnica
relacionados c o m a atuação de órgãos públicos"; e (viii) "a preferência p o r sanções
da ponderação, sem atenção às bases civilísticas, arrisca fazer retroceder t o d a a 42
a posteriori, que não e n v o l v a m a proibição prévia da divulgação".
mais recente evolução da responsabilidade civil, e m sua g r a d a t i v a libertação da
culpa. É o que se passa a examinar. C o m o se vê, a enumeração das condições se dá sem preocupação c o m u m a
distinção entre o juízo de i l i c i t u d e e a aferição do d a n o . Parece, p o r exemplo, i r -
relevante à análise constitucional que "a l i c i t u d e do m e i o empregado na obtenção
da informação" seja, a rigor, u m a condição que d i z respeito à valoração da condu-
5 A t é c n i c a da p o n d e r a ç ã o e a d i s t i n ç ã o e n t r e r e s p o n s a b i l i d a d e
ta realizadora da liberdade de informação, e às razões do agente para a adoção
subjetiva e objetiva desta conduta, já não aos contornos da liberdade de informação e à sua lesão em
si. Sob a ótica civilista, ao contrário, t a l distinção afigura-se f u n d a m e n t a l diante
A técnica da ponderação impõe, como já se v i u , a identificação de condições da e s t r u t u r a l diferenciação entre responsabilidade subjetiva e objetiva. A üicitu-
de prevalência, que, em concreto, p e r m i t a m d e c i d i r q u a l deve prevalecer dentre de do m e i o de obtenção da informação i m p l i c a r i a , na dogmática civil, culpa do
dois interesses tutelados p o r normas de mesma h i e r a r q u i a , antigüidade e espe- agente, mas não p o d e r i a ser levada em consideração na análise ponderativa que
cialidade, que se e n c o n t r e m e m conflito. Sob a ótica da responsabilidade civil, a se propusesse a responder se houve ou não lesão a um interesse merecedor de
ponderação permite determinar, em casos concretos, se a interferência de um certo tutela ( d a n o ) , especialmente em casos de responsabilidade objetiva.
) interesse sobre o u t r o deve ser considerada legítima ou se, ao contrário, não deve
ser a d m i t i d a , consubstanciando-se em u m a lesão a um interesse concretamente Vale, a título de esclarecimento, recorrer a um novo exemplo. Suponha-se que
merecedor de tutela, isto é, em um dano ressarcível. O uso que a d o u t r i n a , consti- o órgão televisivo d i v u l g a d o r do acontecimento envolvendo a i m a g e m do autor da
) tucionalista faz da técnica da ponderação não pode, c o n t u d o , ser transposto para ação de responsabilização fosse um órgão estatal, sujeito, no regime brasileiro, à
o ambiente civilístico, sem adaptações. E isto se verifica, especialmente, em face responsabilidade objetiva. Imagine-se que o t r i b u n a l concluísse, à luz das condi-
da distinção entre responsabilidade subjetiva e objetiva. ções acima enumeradas, que a liberdade de informação deve prevalecer, dentre
outras razões, p o r q u e a obtenção do dado d i v u l g a d o se d e u p o r meios lícitos. Tal
C o m o se v i u , a aplicação da técnica da ponderação, tão freqüente em sede
resultado poderia, p o r força do próprio t e r m o ilicitude, ser interpretado como re-
constitucional, procura identificar condições de prevalência de um interesse so-
núncia à responsabilidade do órgão estatal p o r falta de culpa na obtenção da i n -
bre o u t r o . Trata-se de circunstâncias fáticas que, consideradas à l u z do exame do
, - .'- /
41
Por todos, L u i s R o b e r t o B a r r o s o , Colisão entre Liberdade de Expressão e Direitos da Personalida-
C o n f i r a - s e , neste sentido, o estudo de A n a P a u l a de B a r c e l l o s , Ponderação, Racionalidade e Ati-
de. Critérios de Ponderação. Interpretação Constitucionalmente Adequada do Código Civil e da Lei de
vidade Jurisdicional, R i o de J a n e i r o : R e n o v a r , 2 0 0 5 , e s p e c i a l m e n t e p. 91 e seguintes.
Imprensa, cit., p. 8 9 - 9 1 .
156 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber Cláusula G e r a l de D a n o e Ponderação de Interesses 157
formação veiculada. No entanto, responde o órgão estatal independentemente de do agente merecer a reprovação ou censura do d i r e i t o . E a conduta do lesante é
culpa, p o r força, aliás, não de u m a l e i civil, mas da própria Constituição. 43 reprovável, q u a n d o , pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas
46
da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo".
Em outras palavras, i n c l u i r no âmbito da ponderação, e mais especificamen-
Então, q u e m v i o l a um dever jurídico ou o d i r e i t o de o u t r e m , pratica um ato
te na enumeração das condições de prevalência a i l i c i t u d e do c o m p o r t a m e n t o do
antijurídico - contrário ao d i r e i t o - mas, n e m p o r isso, comete ato ilícito. A ilicitude
agente poderia i m p l i c a r em u m a contaminação do elemento do dano pelo compo-
depende da configuração desta possibilidade de agir de maneira diversa, sem a qual
nente da culpabilidade, c o m o resultado de se reintroduzir, n u m juízo de respon-
a responsabilidade subjetiva não se impõe. Por e x e m p l o , q u e m agride fisicamen-
sabilização que se pretende objetivo, a valoração da c o n d u t a do agente, elemento te u m a pessoa age, sem dúvida, de m o d o contrário ao d i r e i t o , v i o l a n d o inclusive
44
subjetivo do ilícito. 47
normas expressas; mas sua conduta, e m b o r a antijurídica, não configurará ato
ilícito se lograr demonstrar que assirrí^agiu sob estado de sonambulismo.
Neste sentido, a d o u t r i n a de diversos países i d e n t i f i c a d e n t r o da i l i c i t u d e
6 N e c e s s i d a d e de distinção e n t r e aferição do d a n o e i l i c i t u d e da dois componentes: ( i ) a antijuridicidade, entendida c o m o objetiva violação a um
conduta dever de c o m p o r t a m e n t o , e ( i i ) a culpabilidade, entendida c o m o a possibilidade
48
de imputação ao agente desta violação. M e s m o na figura do abuso do d i r e i t o ,
A interação entre juízo de aferição d o dano e i l i c i t u d e da c o n d u t a não é p r i - entendida hoje, em sua acepção mais objetiva, como o exercício de u m a situação
vilégio das ponderações operadas p o r constitucionalistas. M u i t o pelo contrário: jurídica subjetiva em divergência c o m a sua finalidade axiológico-normativa, 49
também na civilística já se v e r i f i c o u certa confusão entre as duas noções, o r i u n d a m u i t o s autores sustentam ser imprescindível a possibilidade de o causador do
da t r a d i c i o n a l ambigüidade do t e r m o iniuria. A própria definição de d a n o ressar- 50
dano agir de m o d o d i v e r s o . De qualquer m o d o , é certo que a antijuridicidade,
cível v e m , não raro, associada à i l i c i t u d e do c o m p o r t a m e n t o lesivo, sendo mesmo
freqüente a afirmação de que "o ilícito e o dano ressarcível constituem,.substan- 46
A n t u n e s V a r e l a , Das Obrigações em Geral, v. I, C o i m b r a : A l m e d i n a , 2 0 0 0 , p. 5 6 2 .
cialmente, dois perfis da mesma realidade, e somente a u m a observação empírica
4 7
45 No B r a s i l , confira-se o art. 9 4 9 do Código C i v i l , s e g u n d o o q u a l "no caso de lesão o u o u t r a ofensa
p o d e m se apresentar como duas entidades distintas e em conexão c a u s a l " .
à saúde, o ofensor indenizará o ofendido d a s despesas do t r a t a m e n t o e dos l u c r o s cessantes até ao
Necessário se faz, entretanto, d i s t i n g u i r a i l i c i t u d e e a a n t i j u r i d i c i d a d e da con- fim da convalescença, além de a l g u m outro prejuízo que o ofendido prove h a v e r sofrido".
d u t a lesiva. No juízo de i l i c i t u d e , encontra-se sempre um componente subjetivo 48
Neste sentido, F e r n a n d o N o r o n h a : "A ilicitude v e r d a d e i r a e própria, c o n s a g r a d a no art. 186, c o m -
que advém da própria definição usualmente codificada de ato ilícito. Tome-se, porta dois elementos, um objetivo, q u e é a a n t i j u r i d i c i d a d e , e outro subjetivo, que é a culpabilidade:
p o r exemplo, o art. 186 do Código C i v i l brasileiro que se refere àquele "que, por a antijuridicidade a p o n t a p a r a a c o n t r a r i e d a d e à n o r m a , a violação de direito alheio; a culpabilidade
é possibilidade de imputação ao agente do ato p r a t i c a d o , a título de dolo ou c u l p a . U m a p e s s o a é
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, v i o l a r d i r e i t o e causar
c u l p a d a q u a n d o p o d e r i a e d e v e r i a ter agido em c o n f o r m i d a d e c o m a prescrição legal" (Direito das
dano a o u t r e m " . A culpabilidade, entendida como a falta de diligência subjetiva do
Obrigações, cit., p. 3 6 5 ) . O a u t o r se refere, a i n d a no m e s m o sentido, à distinção entre ilicitude em
agente, compõe o conceito de i l i c i t u d e e lhe assegura um caráter tradicionalmente acepção a m p l a e ilicitude em acepção restrita: "De a c o r d o c o m a acepção a m p l a , também desig-
subjetivo. Em outras palavras, para haver i l i c i t u d e não basta um fato antijurídi- n a d a de ilicitude objetiva, ato ilícito significa q u a l q u e r ação h u m a n a que não s e j a conforme c o m o
co (na dicção legal, a violação a um d i r e i t o ) , mas faz-se necessário também u m a direito. [...] C o n f o r m e a acepção restrita, ou ilicitude subjetiva, atos ilícitos são somente as ações
atuação negligente, i m p r u d e n t e , de qualquer m o d o descuidada ou maliciosa. Daí de violação de direitos de o u t r e m que s e j a m s u b j e t i v a m e n t e reprováveis: são as ações ofensivas de
direitos alheios, p r o i b i d a s p e l a o r d e m jurídica e imputáveis a u m a pessoa, de q u e m se p o s s a a f i r m a r
dizer-se usualmente que "agir c o m culpa significa actuar em termos de a conduta
ter p r o c e d i d o de f o r m a i n t e n c i o n a l ou m e r a m e n t e c u l p o s a " (ob. cit., p. 3 6 1 - 3 6 2 ) .
49
D e fato, a evolução histórica d a noção d e a b u s o d o direito r e v e l a u m crescente r e c o n h e c i m e n t o
43 a
A Constituição b r a s i l e i r a dispõe: "Art. 37 [...] § 6 - As p e s s o a s jurídicas de d i r e i t o público e por manifestações a b u s i v a s i n d e p e n d e n t e s de u m a valoração d a s motivações do c o m p o r t a m e n t o do
as de direito p r i v a d o p r e s t a d o r a s de serviços públicos responderão pelos d a n o s que seus agentes, agente. S e j a p e r m i t i d o r e m e t e r a A n d e r s o n Schreiber, A Proibição de Comportamento Contraditório:
n e s s a q u a l i d a d e , c a u s a r e m a terceiros, a s s e g u r a d o o direito de regresso c o n t r a o responsável nos Venire Contra Factum Proprium e Tutela da Confiança, cit., p. 1 0 9 - 1 2 0 . A l g u n s autores têm chegado
casos d e dolo o u c u l p a . " m e s m o a defender a migração da r e s p o n s a b i l i d a d e p o r a b u s o do direito ao c a m p o da responsabili-
44
S o b r e a i m p o r t a n t e evolução r e p r e s e n t a d a p e l a r e s p o n s a b i l i d a d e objetiva e sobre as modifica- dade objetiva, c o m o se vê em F e r n a n d o N o r o n h a , Direito das Obrigações, cit., p. 3 7 1 : "Nós acredita-
ções m a i s r e c e n t e s n o próprio método d e aferição d a c u l p a , p e r m i t a - s e r e m e t e r a o Capítulo 1 - 0 mos que a razão esteja c o m os finalistas, e m b o r a um a b u s o de direito a s s i m c a r a c t e r i z a d o ultrapasse
ocaso d a c u l p a . efetivamente os limites da ilicitude subjetiva ( o u ilicitude própria), p a r a e n t r a r na objetiva, que é
45
quase sinônima de a n t i j u r i d i c i d a d e , c o m o já v i m o s . "
No o r i g i n a l : "Uilleáto ed il danno risarcibile costituiscono in buona sostanza due profili delia stessa
50
reaítà, e soltanto ad una psservazione empírica possono apparire come due entità distinte ed in con- Nas p a l a v r a s de A n t u n e s V a r e l a , a própria vinculação do a b u s o do direito c o m a boa-fé i m p e d e
nessione causale" ( R e n a t o S c o g n a m i g l i o , Illecito, i n Nuovissimo Digesto Italiano, v. V I I I , T u r i m : UTET, a exclusão total de fatores subjetivos: "Se, p a r a d e t e r m i n a r os l i m i t e s impostos p e l a boa-fé e pelos
1 9 5 7 , p. 1 7 1 ) . bons c o s t u m e s , há que a t e n d e r de m o d o e s p e c i a l às concepções ético-juridicas d o m i n a n t e s na colec-
Cláusula G e r a l de D a n o e Ponderação de Interesses 159
158 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r
c o m o componente objetivo da i l i c i t u d e , correspondente à violação de um dever pabilidade não ingressa no juízo de verificação do dano. Para tanto, i m p o r t a so-
de conduta, não se c o n f u n d i n d o c o m a i l i c i t u d e em si, que exige, além disso, um mente verificar se a conduta é objetivamente antijurídica - ou seja, coibida pela
c o m p o n e n t e v i n c u l a d o visceralmente à c o n d u t a do sujeito: o da culpabilidade, o r d e m jurídica p o r ser contrária a um dever n o r m a t i v o de c o m p o r t a m e n t o a
essencial à responsabilização subjetiva. f i m de se descartar o merecimento abstrato de t u t e l a do interesse representado
A aferição do d a n o na perspectiva a q u i defendida, ao transcender a m e r a pela conduta, e, conseqüentemente, qualquer necessidade de ponderação entre
t u t e l a em abstrato do interesse alegadamente lesado, depende da ocorrência de interesses i g u a l m e n t e tutelados.
violação à área c o n c r e t a de atuação legítima deste m e s m o interesse, área que A violação de um dever legal de c o m p o r t a m e n t o mostra, objetivamente, que
somente pode ser d e f i n i d a frente ao interesse lesivo. Isto i m p l i c a em se analisar, houve invasão da esfera de atuação legítima do interesse lesado. Por exemplo, se
diante de qualquer p e d i d o de reparação, o o r d e n a m e n t o jurídico como um todo, um operador de energia nuclear deixa ocorrer um vazamento de m a t e r i a l radioati-
no i n t u i t o de d e t e r m i n a r ( i ) se o interesse alegadamente lesado é merecedor de vo gerando a contaminação de certa área, não há dúvida de que houve dano, assim
tutela em abstrato; e ( i i ) se o interesse é concretamente merecedor de tutela diante entendida a lesão a um interesse concretamente merecedor de tutela. A conduta
da interferência representada pelo interesse lesivo. Nesta segunda etapa, é dado do operador v i o l o u um dever de cuidado na m e d i d a em que p e r m i t i u o vazamento
n a t u r a l m e n t e relevante o fato de ser o interesse lesivo t u t e l a d o ou não pelo or-
de m a t e r i a l perigoso. Pode, todavia, o operador demonstrar que v i o l o u este dever
denamento jurídico, porque, enquanto no p r i m e i r o caso, exigir-se-á u m a efetiva
porque, nas circunstâncias em que se encontrava, a o u t r a opção seria deixar toda
ponderação j u d i c i a l , no segundo, parte-se da ponderação previamente realizada
a usina e x p l o d i r acarretando danos ainda mais graves à população local (estado
pelo próprio legislador, ainda que sobre t a l ponderação possa o j u i z exercer certo
51
de necessidade). C o m isto, restará excluída a culpabilidade de sua conduta - e,
controle de validade e adequação.
portanto, a i l i c i t u d e , de que a culpabilidade é componente imprescindível -, mas
Tem-se, p o r t a n t o , que o fato de a conduta ser ou não p r o i b i d a pelo ordena- não o d a n o . A importância desta distinção está em que, sendo a hipótese de res-
52
m e n t o jurídico interfere na análise concreta do d a n o . Isto não significa, contudo, ponsabilidade objetiva, a reparação adabará p o r se i m p o r da mesma forma.
que a i l i c i t u d e seja um fator de verificação do dano e, m u i t o menos, que seja um
fator que possa ser levado em consideração nas hipóteses em que o dano exige Em síntese, a diferenciação entre culpabilidade e antijuridicidade no i n t e r i o r
ponderação. Para a aferição do dano, c o m o a q u i entendida, somente t e m impor- do conceito de i l i c i t u d e , que é s u t i l e delicada na análise concreta, e n e m sempre
tância a a n t i j u r i d i c i d a d e da conduta, na m e d i d a em que ela demonstra o prévio desperta a atenção dos constitucionalistas, mostra-se, na aferição do dano ressar-
estabelecimento legislativo de u m a relação de prevalência entre o interesse le- cível, de f u n d a m e n t a l importância. A culpabilidade não pode i n t e r f e r i r no método
sivo e o interesse lesado. E ju s ta m e n te em tais casos não será necessário aplicar de verificação do dano, sob pena de j o g a r p o r terra t o d o o i n s t i t u t o da responsa-
d i r e t a m e n t e a técnica da ponderação, vez que à relação de prevalência terá sido bilidade objetiva - já que fazer depender o dano da culpa resultaria em excluir
53
já estipulada pelo l e g i s l a d o r . a reparação na sua ausência. A a n t i j u r i d i c i d a d e , s i m , é componente i m p o r t a n t e
Em n e n h u m m o m e n t o , mostra-se relevante para a aferição do dano saber se da investigação do dano ressarcível, e, mesmo em sede constitucional, as refe-
o agente poderia ou deveria ter se c o m p o r t a d o de u m a ou de o u t r a f o r m a . A cul- rências à i l i c i t u d e devem ser compreendidas c o m o restritas ao seu componente
puramente objetivo.
>
160 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r
Cláusula G e r a l de D a n o e Ponderação de Interesses 161
55
54
E m b o r a , n o texto, s e t e n h a c o n t e m p l a d o a p e n a s a s c o n d u t a s e s p e c i f i c a m e n t e p r o i b i d a s , t a l ter-
C o m e s p e c i a l referência à ponderação, a f i r m a A n a P a u l o d e B a r c e l l o s : " é c o m u m que a p r i m e i r a
mo não se l i m i t a , a rigor, à violação de um d e v e r e x p r e s s o de c o m p o r t a m e n t o , m a s a b r a n g e também
c o i s a a c a p t a r a atenção de q u e m esteja e x a m i n a n d o o caso s e j a m as conveniências dos envolvidos,
os casos de violação ao c h a m a d o d e v e r g e r a l de c u i d a d o e o exercício a b u s i v o de u m a situação j u -
seus interesses e, de f o r m a geral, a justiça ou injustiça de s u a s pretensões. N ã o obstante isso, quando
rídica s u b j e t i v a . Nestes casos, t o d a v i a , c o m o o e x a m e de m e r e c i m e n t o de tutela d e p e n d e , em parte
se v a i i n i c i a r a p r i m e i r a fase da ponderação, interesses g e n e r i c a m e n t e c o n s i d e r a d o s só p o d e m ser
significativa, da manifestação j u d i c i a l , a análise a c a b a , freqüentemente, p o r se m i s t u r a r c o m a e t a p a
levados em c o n t a se p u d e r e m ser r e c o n d u z i d o s a e n u n c i a d o s n o r m a t i v o s explícitos ou implícitos"
final da ponderação de interesses, de f o r m a d i f i c i l m e n t e dissociável. M a i s detalhes serão fornecidos
(Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional, cit., p. 9 7 ) .
no d e c o r r e r deste m e s m o Capítulo.
Cláusula G e r a l de D a n o e Ponderação de Interesses 163
162 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
Ü 5 8
identificação de u m a relação de prevalência e a de e v e n t u a l ponderação c o m o da justiça (CF, art. 5 , incisos V e X X X V ) - vêm a ter u m a relação de prevalência
estabelecida p o r n o r m a infraconstitucional - c o m o o art. 20 do Código C i v i l -,
interesse conflitante, passos sucessivos no iter do dano.
o intérprete está a u t o r i z a d o a discutir a v a l i d a d e e adequação desta última nor-
5 9
( i i i ) Existência d e r e g r a l e g a l d e prevalência e n t r e o s interesses c o n f l i - m a . Entretanto, salvo a eventual i n v a l i d a d e ou inadequação, a área de atuação
t a n t e s . Sendo abstratamente tutelados o interesse consubstanciado na conduta legítima entre estes dois interesses, para fins de configuração do dano ressarcí-
lesiva e o interesse lesado, cumpre verificar se o legislador estabeleceu, de alguma vel, encontra-se, a princípio, definida pelo legislador. É somente o desrespeito à
f o r m a , u m a regra de prevalência entre os dois interesses conflitantes. relação de prevalência estabelecida em sede legislativa que pode gerar um d a n o
indenizável.
Tome-se, a título i l u s t r a t i v o , o já mencionado art. 2 0 do Código C i v i l brasi-
l e i r o em que se lê: Por óbvio, a relação de prevalência n e m sempre pode ser identificada p r o n -
tamente no d i r e i t o positivo. Não raro é-apenas i n d i r e t a m e n t e que os enunciados
"Art. 2 0 . Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da normativos vêm cogitar de a l g u m a espécie de interação entre o interesse que t u -
justiça ou à manutenção da o r d e m pública, a divulgação de escritos, a telam de f o r m a i m e d i a t a e outros interesses tutelados. Não resta dúvida de que
transmissão da p a l a v r a , ou a publicação, a exposição ou a utilização da a interpretação jurídica desempenha, a q u i , um i m p o r t a n t e papel. A relevância,
i m a g e m de u m a pessoa poderão ser proibidas, a seu r e q u e r i m e n t o e sem contudo, do processo hermenêutico restringe-se às possibilidades oferecidas pelas
prejuízo da indenização que couber, se lhe a t i n g i r e m a h o n r a , a boa fama normas de cada ordenamento - objeto da interpretação - e encontra limites b e m
ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais." 60
definidos na própria técnica i n t e r p r e t a t i v a . Prova disto é que, freqüentemente,
por mais intenso que seja o esforço hermenêutico, n e n h u m a relação de prevalên-
Por m e i o da a l u d i d a n o r m a , o legislador estabeleceu, p o r exemplo, u m a regra
cia pode ser extraída do complexo n o r m a t i v o à luz do q u a l o conflito concreto é
de prevalência entre o interesse à própria i m a g e m e o interesse à administração
examinado.
da justiça. Se a veiculação da i m a g e m de u m a pessoa, captada em u m a filmagem,
se m o s t r a necessária à administração da justiça, o t i t u l a r da i m a g e m não pode De fato, constituinte e legislador limitam-se, muitas vezes, a declarar o mere-
alegar ter sofrido um dano ressarcível. Tal dano é irressarcível na m e d i d a em que cimento de t u t e l a de um interesse sem acrescentar nada que diga respeito à con-
a própria l e i estabelece que o interesse lesivo deve prevalecer. O magistrado ou vivência deste interesse c o m outros interesses i g u a l m e n t e tutelados. O art. 21 do
árbitro não há que proceder, nesta hipótese, à ponderação entre os interesses con- Código Civil brasileiro declara, p o r exemplo, que "a v i d a privada da pessoa natural
flitantes, porque a regra de prevalência - condicionada ou i n c o n d i c i o n a d a - já é inviolável" e, c o m isto, não esclarece como i n t e r a g e m a privacidade e a segurança
v e m determinada pelo legislador. 56 pública, no caso de quebra de sigüo bancário de pessoas suspeitas de c r i m e . Vale
dizer: a referida n o r m a tutela a privacidade, mas não estabelece quais condições a
Pode-se, isto s i m , proceder ao c o n t r o l e de v a l i d a d e da regra e m e s m o da fazem prevalecer, em hipótese de colisão, frente aos demais interesses tutelados.
adequação de seus resultados ao caso concreto, especialmente q u a n d o a regra
de prevalência v i e r estabelecida p o r n o r m a hierarquicamente i n f e r i o r às normas U m a conclusão logicamente possível consistiria em considerar que interesses
que g a r a n t e m proteção àqueles interesses. Assim, se dois interesses protegidos 57 tutelados desta f o r m a prevalecem incondicionalmente sobre todos os demais - é
em sede c o n s t i t u c i o n a l - como é o caso do d i r e i t o à i m a g e m e à administração
58
"Art. 5. Todos são iguais p e r a n t e a lei, s e m distinção de q u a l q u e r n a t u r e z a , garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a i n v i o l a b i l i d a d e do direito à v i d a , à liberdade, à
56
Aplicável a q u i a lição de U g o Natoli: "Üidea del conflitto si ricollega, infatti; a quella deíla arbitra- igualdade, à segurança e à p r o p r i e d a d e , nos termos seguintes: [...] V - é a s s e g u r a d o o direito de
rietà della interferenza tra le attività di esercizio dei diritti coesistenti; non ha senso là dove il modo di resposta, p r o p o r c i o n a l ao a g r a v o , além da indenização p o r d a n o m a t e r i a l , m o r a l ou à i m a g e m ; [...]
quella stessa interferenza sia preventivamente determinato; e neanche quando la prestabilita prevalen- X X X V - a lei não excluirá d a apreciação do Poder Judiciário lesão o u ameaça a direito".
za di uno dei diritti elimini ogni possibilita di realizzazione degli altri" (Conflitto di diritti, in Digesto 59
A constitucionalidade d o próprio art. 2 0 d o Código C i v i l b r a s i l e i r o j á foi q u e s t i o n a d a e m sede
delle Discipline Privatistiche, seção civil, I I I , T u r i m : U T E T , 1 9 8 8 , p. 4 4 8 ) .
doutrinária, c o m o s e v i u a n t e r i o r m e n t e neste Capítulo. A o propósito, L u i s G u s t a v o G r a n d i n e t t i C a s -
57
O e x a m e de v a l i d a d e e adequação faz-se p a r t i c u l a r m e n t e necessário q u a n d o a r e g r a de preva- tanho de C a r v a l h o , Direito à Informação x Direito à Privacidade. O Conflito de Direitos Fundamen-
lência é h i e r a r q u i c a m e n t e inferior às n o r m a s que t u t e l a m os interesses em conflito. Neste sentido, tais, cit., p. 1 5 .
eí
explica Giorgio Pino: presupposto del bilanciamento in sede giudiziale è la mancanza di una regola 60
Sobre os limites da interpretação jurídica, v e r F r a n c e s c o F e r r a r a , Interpretação e Aplicação das
precostituita, e dotata quantomenó dípari valore rispetto ai diritti in conflitto sul piano della gerarchia
7
Leis, São Paulo: S a r a i v a , 1 9 4 0 , p. 1 9 - 9 4 . S o b r e o p a p e l d a interpretação n a argumentação e m g e r a l ,
delle fonti, che indichi un critério di coordinazione o di preferenza tra i due diritti ' (Teoria e Pratica
ver C h a i m P e r e l m a n e L u c i e O l b r e c h t s - i y t e c a , Tratado da Argumentação: A Nova Retórica, São P a u -
del Bilanciamento: tra Liberta di Manifestazione del Pensièro e Tutela dell%entità Personale, in Danno
s
lo: Martins Fontes, 2 0 0 0 , p. 1 3 6 - 1 4 3 .
e Responsabilità, n 6 , 2 0 0 3 , p . 5 7 7 ) .
Cláusula G e r a l de D a n o e Ponderação de I n t e r e s s e s 165
164 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r
< )
)
) 166 Novos P a r a d i g m a s da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r
Cláusula G e r a l de D a n o e Ponderação de Interesses 167
)
Compreenda-se, c o n t u d o , que o propósito perseguido c o m a apresentação deste O que se faz na ponderação, então, é, essencialmente, m e d i r o g r a u em que
método, seja em sua versão detalhada, seja em sua diagramação sintética, não f o i a conduta realiza o interesse lesivo e o g r a u em que o interesse lesado é efetiva-
) o de encerrar em um único itinerário p r o c e d i m e n t a l a aferição do d a n o ressarcí- mente afetado. Um alto g r a u de afetação do interesse lesado não pode justifica-
j v e l . Pretendeu-se, m u i t o ao contrário, demonstrar que u m a alteração significati- damente a d v i r de um baixo grau de realização do interesse lesivo. Para t a l exame
va de abordagem na análise do dano, libertando-a de sua perspectiva puramente comparativo, a d o u t r i n a constitucionalista trabalha freqüentemente c o m a máxi-
) abstrata e e s t r u t u r a l , afigura-se não apenas necessária, mas também possível. O ma da p r o p o r c i o n a l i d a d e , que se baseia em três critérios ou submáximas: ( i ) ade-
j essencial, seja q u a l for o c a m i n h o t r i l h a d o , é reconhecer ao magistrado, em cada quação; ( i i ) necessidade e ( i i i ) p r o p o r c i o n a l i d a d e em sentido e s t r i t o . Também 64
caso particular, um juízo de ressarcibilidade do dano que, para além do exame da neste particular, c o n t u d o , a distinção entre responsabilidade subjetiva e objetiva
> n o r m a , abarque o controle do merecimento de tutela, em concreto, dos interesses exige certa cautela, como se passa a demonstrar.
colidentes. Eis o que há de urgente e imprescindível.
O critério da adequação impõe que os meios sejam adequados a a t i n g i r os
65
) fins p e r s e g u i d o s . N o âmbito da responsabilidade civil, equivale isso a dizer que
a conduta lesiva deve ser adequada à realização do interesse abstratamente tute-
) 8 V i s ã o crítica d a m á x i m a d a p r o p o r c i o n a l i d a d e à l u z d o d i r e i t o lado que a a u t o r i z a . Caso contrário, o q u e se t e m é o exercício de u m a situação
) civil jurídica subjetiva em t o t a l dissonância c o m a sua finalidade axiológico-normativa.
Em u m a t a l situação, ocorre abuso de d i r e i t o , a c o n d u t a se t o r n a p r o i b i d a , e o
No confronto entre dois interesses tutelados, c u m p r e ao órgão j u l g a d o r proce- interesse t u t e l a d o não chega a realizar-se, de m o d o que ponderação, a rigor, não
) der à ponderação não realizada pelo legislador. Trata-se, c o m o já se v i u , de t o m a r se faz necessária. Por exemplo, se um ente jornalístico invoca sua liberdade de
) em consideração os interesses conflitantes e estabelecer entre eles u m a relação informação para d i v u l g a r um texto que nada i n f o r m a , mas que se presta exclu-
de prevalência válida para o caso concreto, a p a r t i r do exame do dado n o r m a t i v o . sivamente a atacar a h o n r a de certa pessoa, não há que se ponderar a liberdade
) O objetivo da ponderação consiste, em outras palavras, em d e t e r m i n a r em qual de informação c o m o d i r e i t o à h o n r a . A ponderação p a r a aferição do dano, nesta
) m e d i d a um interesse deve, no caso concreto, prevalecer sobre o u t r o . A premissa hipótese, não se impõe, já que o interesse consubstanciado na conduta lesiva não
)
do raciocínio p o n d e r a t i v o está em que, na inexistência de regra de prevalência é, efetivamente, a liberdade de informação.
estabelecida pelo legislador, os interesses d e v e m realizar-se na m a i o r m e d i d a pos-
Não se poderia, porém, reduzir a figura do abuso ao exercício de u m a situação
) sível, respeitando-se m u t u a m e n t e .
jurídica subjetiva exclusivamente v o l t a d a para interesse diverso daquele em nome
Assim, diante de um conflito de interesses abstratamente tutelados, cumpre ao do q u a l t a l situação é tutelada. Tal conclusão reequipararia o abuso do d i r e i t o ao
Poder Judiciário verificar ( i ) o g r a u de afetação do interesse lesado; e ( i i ) o grau ato e m u l a t i v o , que, embora seja ainda a hipótese mais evidente de abusividade,
) de realização do interesse lesivo. O exame destas duas facetas do c o n f l i t o p e r m i t e de m o d o a l g u m consiste na sua única manifestação. Ao contrário, na m a i o r parte
) i d e n t i f i c a r condições fáticas que assumem relevância à l u z do o r d e n a m e n t o jurí- das vezes, o abuso provém não de um exercício exclusivamente em p r o l de o u t r o
j dico e que d e v e m guiar a decisão do magistrado. Retome-se, p o r exemplo, o caso
interesse, mas do exercício p r e d o m i n a n t e m e n t e ou i m e d i a t a m e n t e nesta direção,
Lebach, em que o t r i b u n a l alemão considerou relevantes, no c o n f l i t o entre o i n -
ficando relegado a segundo p l a n o , mas não excluído de todo, o interesse que a
teresse à ressocialização de ex-detento e a liberdade de informação, as seguintes
situação jurídica subjetiva exercida deveria promover.
y condições: ( i ) o caráter r e p e t i t i v o de informação televisiva ( i i ) sobre um d e l i t o
grave, ( i i i ) que não correspondia a um interesse a t u a l de informação, e ( i v ) que Neste sentido, registrou K a r l Larenz, em seu exame da decisão do T r i b u n a l
) colocava em risco efetivo a ressocialização do autor. C o m as condições ( i ) e ( i i i ) a Constitucional Federal alemão sobre o famoso caso do romance Mephisto, que a
) corte p r o c u r o u estabelecer q u a l o g r a u de realização do interesse lesivo ( b a i x o ) , proibição de divulgação da obra "só seria justificada quando o romance, ' n u m a
e c o m as condições ( i i ) e ( i v ) p r o c u r o u ressaltar o g r a u de afetação do interesse
lesado ( a l t o ) , t e n d o concluído, em síntese, que a liberdade de informação restaria 64
S o b r e a máxima da p r o p o r c i o n a l i d a d e e seus c o m p o n e n t e s , ver, por todos, R o b e r t Alexy, Teoria
) atendida em u m a m e d i d a relativamente baixa, a não justificar, no caso concre- de los Derechos Fundamentales, cit., p. 111-115.
to, o alto g r a u de c o m p r o m e t i m e n t o da ressocialização do ex-detento. Em outros 65
"Si Ml no es adecuado para la promoción u obtención del fin F exigido por PI o idêntico con PI,
) termos: e m b o r a o caráter p r e v e n t i v o da análise i n t e r f i r a , de certa f o r m a , no seu entonces Ml no es exigido por PI, es decir, para PI es igual si se utiliza Ml o no. Si, bajo estas circuns-
) resultado, impõe-se c o n c l u i r que, caso o documentário fosse veiculado, haveria tancias, Ml afecta la realización de P2, entonces, por lo que respecta al aspecto de la optimización con
relación a las posibilidades fâcticas, Ml está prohibido por PT ( R o b e r t Alexy, Teoria de los Derechos
^ dano ressarcível. , %
Fundamentales, cit., p. 114-115).
)
)
Cláusula G e r a l de D a n o e Ponderação de Interesses 169
168 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r
consideração genérica, persegue m u i t o preponderantemente o objectivo de injuriar da responsabilidade civil deriva do fato de que, a princípio, ninguém é obrigado,
ou d i f a m a r determinadas pessoas', se se u t i l i z a abusivamente a f o r m a artística do nas relações privadas, a empregar o meio que, dentre todos os meios possíveis e
6 6
romance para esse f i m " . O juízo de preponderância que resulta na conclusão de imagináveis, seja o menos gravoso. N e m c o m relação à Administração Pública ou
67
tros interesses muitas vezes só pode ser verificado a posteriori, em casos concretos. Neste s e n t i d o , H u m b e r t o Ávila, Teoria dos Princípios, cit., p. 1 1 7 : "A Administração e o legis-
l a d o r têm o d e v e r de e s c o l h e r o m a i s i n t e n s o , o m e l h o r e o m a i s s e g u r o m e i o p a r a a t i n g i r o fim,
Além disso, questão extremamente relevante para a aplicação do critério no âmbito
ou têm o d e v e r de e s c o l h e r um m e i o que ' s i m p l e s m e n t e ' p r o m o v a o fim? A administração e o le-
g i s l a d o r têm o d e v e r de e s c o l h e r um m e i o q u e s i m p l e s m e n t e p r o m o v a o fim. Várias razões l e v a m
K a r l L a r e n z , Metodologia da Ciência do Direito, cit., p. 5 8 5 . a e s t a conclusão."
)
170 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r
Cláusula G e r a l de D a n o e Ponderação de Interesses 171
)
) d i c i a l à vítima. O indispensável, contudo, é atentar para que a conformação a tal
ans-end relationship) e que, p o r isso mesmo, r e c o m e n d a m outros mecanismos de
exigência de cuidado não elida o dano em casos de responsabilidade objetiva. 69
solução, quiçá mais s i m p l e s " .
De todas as submáximas da proporcionalidade, somente a proporcionalidade
Todo o esforço recente parece ser, antes, o de "separar a proporcionalidade
em sentido estrito poderia ser identificada c o m o substrato da ponderação como
dos outros postulados ou princípios hermenêuticos", chegando-se a afirmar ex-
técnica de aferição do d a n o . A p r o p o r c i o n a l i d a d e em sentido estrito, definida,
pressamente que o "postulado da proporcionalidade não se identifica c o m a p o n -
) em âmbito c o n s t i t u c i o n a l , c o m o "a ponderação entre ônus i m p o s t o e benefício
deração de bens: esse último exige a atribuição de u m a dimensão de importância
t r a z i d o , para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos
68 a valores que se i m b r i c a m , sem que contenha qualquer determinação quanto ao
cidadãos", equivale, de fato, em larga medida, ao exame c o m p a r a t i v o entre o
m o d o c o m o deve ser feita essa ponderação, ao passo que o postulado da propor-
g r a u de realização do interesse lesivo e o grau de afetação do interesse lesado, co-
f o r m e referido pela civilística. Note-se que, a q u i , não se está mais diante de u m a c i o n a l i d a d e contém exigências precisas em relação à e s t r u t u r a de raciocínio a
0
análise i n t e r n a da c o n d u t a lesiva - de conformação entre o seu m e i o e o seu f i m ser empregada no ato de aplicação"/ Nesta esteira, as variadas tentativas de se
(adequação), ou entre o m e i o e o gravame i m p o s t o , em abstrato, a outros fins matematizar o método da ponderação, em um g r a u de abstração e f o r m a l i s m o
) (necessidade) mas diante de u m a concreta comparação, à l u z do ordenamento muitas vezes desconcertante, ainda não l o g r a r a m convencer a comunidade jurí-
jurídico, entre o ônus i m p o s t o ao interesse lesado e a intensidade de realização dica, que c o n t i n u a convicta de que "não se trata de grandezas quantitativamente
do interesse lesivo. mensuráveis, mas do resultado de valorações que - nisso reside a m a i o r dificul-
dade - não só d e v e m ser orientadas a u m a p a u t a geral, mas também à situação
C o m o se vê, a identificação da proporcionalidade c o m o princípio de ponde- 71
concreta em cada caso".
ração somente pode ser considerada tecnicamente útil, no campo da responsa-
b i l i d a d e civil, n o que tange ao critério da p r o p o r c i o n a l i d a d e e m sentido estrito. A j á referida abordagem procedimentalista da técnica da ponderação não t e m
N o que tange ao controle de adequação e de necessidade, o d i r e i t o c i v i l já conta, logrado superar objeções relacionadas à qualificação dos interesses c o n f l i t a n t e s 72
há m u i t o , c o m figuras destinadas ao mesmo propósito, c o m o o abuso do d i r e i t o , e, especialmente, à identificação das condições relevantes em cada caso concreto
a boa-fé objetiva e, mais genericamente, a própria funcionalização dos institutos
jurídicos que marca a evolução mais recente do d i r e i t o c i v i l - e m especial, sob a 69
C a r l o s Roberto S i q u e i r a C a s t r o , O Devido Processo Legal e os Princípios da Razoabilidade e da
vertente civil-constitucional -, e cujo papel é precisamente o de p r o m o v e r a con- Proporcionalidade, R i o de J a n e i r o : F o r e n s e , 2 0 0 5 , p. 2 0 9 - 2 1 0 .
formação entre m e i o e fim no âmbito i n t e r n o de cada situação jurídica subjetiva. 70
H u m b e r t o Ávila, Teoria dos Princípios, cit., p. 1 1 6 .
) Perseguir o mesmo efeito p o r m e i o de submáximas da proporcionalidade ensejaria 71
K a r l L a r e n z , Metodologia da Ciência do Direito, cit., p. 5 7 5 .
duplicação inútil ao menos em campo civilístico. 72
T o m e - s e c o m o e x e m p l o o j á noticiado caso d a c a n t o r a Glória T r e v i , que, tendo e n g r a v i d a d o nas
dependências d a Polícia F e d e r a l , o n d e e r a m a n t i d a p r e s a , a c u s o u d e estupro o s policiais que t r a -
M e s m o no que d i z respeito à proporcionalidade em sentido estrito, parece,
b a l h a v a m na c a r c e r a g e m . Às vésperas do n a s c i m e n t o , os a c u s a d o s a p r e s e n t a r a m e x a m e de D N A e
hoje, relativamente claro que sua invocação exclusiva c o m o d i r e t r i z f o r m a l da pon- s o l i c i t a r a m o e x a m e do D N A da criança p o r m e i o da utilização da p l a c e n t a da mãe. A despeito da
deração é, essencialmente, redutora. No próprio âmbito constitucional, a d o u t r i - oposição d a c a n t o r a , s u a p l a c e n t a foi u t i l i z a d a e m e x a m e d e D N A , c o m a c h a n c e l a do S u p r e m o T r i -
b u n a l F e d e r a l (STF, Reclamação 2 . 0 4 0 / D F , R e i . M i n . Néri d a S i l v e i r a , inDJ 2 7 . 6 . 2 0 0 3 ) . A d o u t r i n a
) na v e m reconhecendo já um certo uso exagerado da máxima da proporcionalida-
constitucional, s e g u i n d o a fundamentação e m p r e g a d a p e l a corte s u p r e m a , t e m exaltado o r e c u r s o
de, c o m seus três postulados tradicionais. Constitucionalistas falam, atualmente, ao raciocínio p o n d e r a t i v o , a f i r m a n d o que "o d a d o fático em questão - a circunstância de ser pos-
em u m a "superexpansão da regra de proportio" e a d m i t e m que "reduzir todos os sível r e a l i z a r o e x a m e de D N A a p a r t i r de m a t e r i a l da p l a c e n t a - não confere m a i o r importância à
h o n r a dos policiais. E l e s i m p l e s m e n t e r e v e l a que o a t e n d i m e n t o d e s s a pretensão no caso não c a u s a
) conflitos de interesses a um juízo geral de p r o p o r c i o n a l i d a d e ou aos esquemas
qualquer restrição r e l e v a n t e ao outro elemento em d i s p u t a , a saber: a integridade física da mãe e,
exegéticos que lhe são próprios" significaria " u m a h i p e r t r o f i a do princípio, u m a sobretudo, da criança" ( A n a P a u l a de B a r c e l l o s , Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional,
prodigalização i n d e v i d a de suas premissas, além de u m a utilização desmesurada cit., p. 1 2 1 ) . Note-se, c o n t u d o , que, e m b o r a c o l o c a d a n e s t e s t e r m o s , a decisão p o s s a p a r e c e r j u s -
tificada em face do b a i x o g r a u de sacrifício da i n t e g r i d a d e física da mãe e da criança, certo é que,
de suas v i r t u a l i d a d e s , em situações que apresentem outros contornos que não a
em se e l e g e n d o c o m o v a l o r contraposto não a i n t e g r i d a d e física, m a s a i n t i m i d a d e , ou o interesse
análise c o m p a r a t i v a de custo/benefício ou de congruência entre meios-fins (me- no controle sobre p a r t e s do próprio corpo, o g r a u de sacrifício r e p r e s e n t a d o p e l a pretensão de exa-
me p o d e r i a ser c o n s i d e r a d o altíssimo. Em outras p a l a v r a s : a eleição (qualificação) dos interesses
) em conflito e s u a p a r t i c u l a r identificação c o m certos v a l o r e s do o r d e n a m e n t o é um espaço de certa
68
L u i s R o b e r t o B a r r o s o , Interpretação e Aplicação da Constituição, São P a u l o : S a r a i v a , 1 9 9 8 , p. d i s c r i c i o n a r i e d a d e interpretativa no método da ponderação que p o d e ter peso decisivo na análise
209. do s e u r e s u l t a d o f i n a l .
)
172 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber Cláusula G e r a l de D a n o e Ponderação de I n t e r e s s e s 173
73
de colisão: A i n d a que t a l identificação funde-se - rectius: deva se fundar - no mais justos no decorrer de seu l o n g o império. Ademais, a interpretação do dado
cotejo entre a hipótese fática e o dado n o r m a t i v o , o espaço deixado pela lingua- n o r m a t i v o , mesmo na ausência de n o r m a específica, u m a vez justificada expres-
g e m e, mais, pelo caráter aberto das normas constitucionais v e m preenchido por samente, autoriza o controle de sua validade e de seu g r a u de convencimento,
74
elementos sociais e históricos que i n t e r f e r e m na sua própria compreensão, e em um profícuo debate que, ao contrário do que o c o r r e r i a em outros campos de
cujo enorme peso t e m sido i g n o r a d o pelos estudos procedimentalistas e formais conhecimento, encontra-se, fatalmente, l i m i t a d o p o r u m a decisão final, intrínseca
acerca da técnica da ponderação. O papel decisivo desempenhado pela valoração à própria estrutura judiciária e à f i n a l i d a d e prática do d i r e i t o . Daí a importân- 7 6
i n t e r p r e t a t i v a no método p o n d e r a t i v o v e m , c o n t u d o , servir de base a trabalhos cia de se analisarem situações específicas, c o n t e m p l a n d o tipos comuns de conflito
mais recentes, que, ao contrário de combater a técnica da ponderação, têm, cor- entre interesses tutelados e p r o m o v e n d o a m p l a discussão acerca das condições de
retamente, demonstrado que o componente hermenêutico não r e t i r a sua cientifi- relevância a serem tomadas em consideração pelo Poder Judiciário na presença
7 5
cidade, n e m c o m p r o m e t e sua u t i l i d a d e na aplicação do d i r e i t o . d e tais hipóteses. 77
/ 1
Ao contrário, um certo componente v a l o r a t i v o é mesmo pressuposto da pon- Três casos emblemáticos serão analisados. A n t e s , porém, faz-se necessária
deração na m e d i d a em que ela v e m justamente se o p o r ao t r a d i c i o n a l uso exclusi- u m a palavra acerca de u m a orientação geral que v e m sendo reconhecida como
vo da subsunção, cujo r i g o r metodológico não g a r a n t i u resultados concretamente critério n o r m a t i v o de ponderação: a prevalência de interesses existenciais sobre
78
interesses p a t r i m o n i a i s .
73
S o b r e a importância da consideração de certas condições fáticas c o m o r e l e v a n t e s , adverte K l a u s
Günther: " E m u m a situação q u e i m p l i c a ação, essas razões têm a v e r c o m a opção p o r característi-
cas r e l e v a n t e s da situação. Se d e i x a r m o s de c o n s i d e r a r um aspecto e s s e n c i a l da situação, ou não o
c o n s i d e r a r m o s a d e q u a d a m e n t e , poderá h a v e r i m p o r t a n t e s conseqüências m o r a i s . N ã o será possível
9 A d i g n i d a d e h u m a n a e a questão da prevalência d o s i n t e r e s s e s
evitá-las e x a m i n a n d o os fatos c o n s i d e r a d o s q u a n t o à s u a v e r a c i d a d e e a n o r m a s u g e r i d a quanto à existenciais
s u a correção" (Teoria da Argumentação no Direito e na Moral, cit., p. 2 2 ) .
74
É o que fica c l a r o na p a s s a g e m de A n a P a u l a de B a r c e l l o s , Ponderação, Racionalidade e Ativida- E m b o r a seja p r a t i c a m e n t e unânime o r e c o n h e c i m e n t o de que a técnica da
de Jurisdicional, cit., p. 1 1 6 : "O que l e v a u m a d e t e r m i n a d a circunstância fática a ser c o n s i d e r a d a
ponderação pressupõe a inexistência de h i e r a r q u i a f o r m a l entre os interesses em
r e l e v a n t e n o sentido a q u i r e f e r i d o ? E s s a discussão p o d e m u i t a s v e z e s t r a n s i t a r pelo óbvio o u , ao
contrário, s u s c i t a r graves d i s p u t a s . Nesse contexto, será útil o b s e r v a r que há em g e r a l dois funda-
conflito, não são poucos os autores para q u e m a d i g n i d a d e h u m a n a consiste em
m e n t o s que j u s t i f i c a m a relevância atribuída aos e l e m e n t o s de fato. O p r i m e i r o deles é d a d o pelo vetor da ponderação n o r m a t i v a . Afirma-se, c o m freqüência, que " n e n h u m a pon-
senso c o m u m d e u m a s o c i e d a d e , f o r m a d o a p a r t i r d e s u a história e c u l t u r a . D e s s a f o r m a , u m deter- deração poderá i m p o r t a r desprestígio à dignidade do h o m e m , já que a garantia e
m i n a d o aspecto fático é c o n s i d e r a d o relevante se a experiência social a s s i m o c o n s i d e r a . Um segun-
promoção desta dignidade representa o objetivo m a g n o colimado pela Constituição
do f u n d a m e n t o pelo q u a l se c o n s i d e r a m relevantes d e t e r m i n a d o s fatos é a existência de disposições 7 9
p o r m e i o da ponderação e o simples arbítrio j u d i c i a l r e m e t e , a rigor, a u m a discussão m a i s a m p l a e " C o m isso não se p r o j e t a a expulsão e a redução q u a n t i t a t i v a do conteúdo p a t r i m o n i a l no sis-
m a i s a n t i g a que t e m consistido e m objeto privilegiado d a f i l o s o f i a d o direito: "Os n o m e s d e C h a i m t e m a jurídico e n a q u e l e civilístico em e s p e c i a l ; o m o m e n t o econômico, c o m o aspecto da r e a l i d a d e
P e r e l m a n , R o n a l d D w o r k i n , R o b e r t A l e x y e C a r l o s S a n t i a g o N i n o d e s t a c a m - s e c o m o o s corifeus social o r g a n i z a d a , não é eliminável. A divergência, não c e r t a m e n t e de n a t u r e z a técnica, concerne
d e s s a n o v a a b o r d a g e m que p r o c u r a s u p e r a r o estiolado debate jusfilosófico há décadas p r e s o na à avaliação q u a l i t a t i v a do m o m e n t o econômico e à d i s p o n i b i l i d a d e de e n c o n t r a r , na exigência de
i n c o n c l u s a polêmica j u s n a t u r a l i s m o versus positivismo. A o b r a destes quatro autores d e m o n s t r a a tutela do h o m e m , Um aspecto idôneo, não a ' h u m i l h a r ' a aspiração econômica, m a s , pelo m e n o s , a
possibilidade de r e i n c o r p o r a r à análise do o r d e n a m e n t o jurídico e l e m e n t o s de n a t u r e z a axiológi- atribuir-lhe u m a j u s t i f i c a t i v a i n s t i t u c i o n a l d e suporte a o l i v r e d e s e n v o l v i m e n t o d a pessoa" (Pietro
ca - e x p r e s s o s p o r m e i o dos princípios jurídicos - s e m p e r m a n e c e r e m reféns d a s p e s a d a s heranças Perlingieri, Perfis do Direito Civil, cit., p. 3 3 ) .
metafísicas do p e n s a m e n t o j u s n a t u r a l i s t a " ( A n t o n i o C a v a l c a n t i M a i a , Considerações acerca do Papel 79
D a n i e l S a r m e n t o , A Ponderação de Interesses na Constituição Federal, cit., p. 7 5 . Na Itália, confira-
Civilizatório do Direito, cit., p. x x i ) . se a lição de U g o N a t o l i , m a i s especificamente no que tange aos direitos da p e r s o n a l i d a d e : "D'altra
174 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber Cláusula G e r a l de D a n o e Ponderação de Interesses 175
supremacia f o r m a l em relação às demais normas constitucionais, a ela se a t r i b u i o de e n t r e t e n i m e n t o , a invocação da dignidade h u m a n a não t e m i m p e d i d o prá-
u m a espécie de superioridade m a t e r i a l ou axiológica. 80
ticas que pressupõem verdadeira renúncia a direitos da personalidade, como os
chamados reality shows, que têm sido considerados lícitos e amplamente veicula-
Sem embargo disto, não se pode deixar de reconhecer que os interesses mate-
85
82
alimentos à família do c r e d o r . Ou recorde-se, ainda, a c o n t r o v e r t i d a decisão que ocorre d e n t r o do próprio conceito de dignidade h u m a n a . Embora essa construção
n e g o u a possibilidade de despejo de u m a senhora idosa, em prejuízo do d i r e i t o seja teoricamente acertada, não dçixa de resultar em u m a certa i n u t i l i d a d e do
do proprietário, que desejava alojar no apartamento o f i l h o recém-admitido em emprego da dignidade h u m a n a c o m o v a l o r supremo no processo de ponderação,
83
universidade cujo campus situava-se a l o n g a distância da m o r a d i a da família.
já que diversas colisões se reduzem, em última análise, a um conflito entre d i g -
Tampouco frente a outros interesses existenciais, a invocação da d i g n i d a d e nidade h u m a n a e dignidade humana, em que a dignidade de um dos envolvidos
h u m a n a necessariamente prevalece em sua dimensão i n d i v i d u a l . Por exemplo, a necessariamente cederá ao menos face à d i g n i d a d e do outro ou dos demais.
segurança pública t e m se m o s t r a d o p r e p o n d e r a n t e em m u i t o s casos concretos,
A dificuldade surge, claramente, porque a dignidade humana, conceitualmen-
como na recente decisão do T r i b u n a l Superior do Trabalho que r e j e i t o u a carac-
te aberta, materializa-se p o r m e i o de outros princípios e interesses. Neste sentido,
terização de dano m o r a l pelo emprego de detector de mentiras em investigação
afirma M a r i a Celina B o d i n de Moraes: "O substrato m a t e r i a l da dignidade assim
privada, p r o m o v i d a p o r certa c o m p a n h i a aérea, a f i m de combater o tráfico inter-
84 entendida pode ser desdobrado em quatro postulados: i) o sujeito m o r a l (ético)
nacional de d r o g a s . M e s m o diante de interesses coletivos mais "suaves", como
reconhece a existência dos outros como sujeitos iguais a ele, i i ) merecedores do
mesmo respeito à integridade psicofísica de que é t i t u l a r ; i i i ) é dotado de v o n -
parte, anche se potesse ammettersi tale possibilita di interferenza, il conflitto sarebbe escluso dalla evi-
dente diversa graduazione delle due catégorie di diritti tra i quali hanno, per loro natura, la prevalen-
tade l i v r e , de autodeterminação; i v ) é parte do g r u p o social, em relação ao qual
za quelli reali (in quanto ne sia possibile la coesistenza), cosi come, del resto, i diritti della personalità t e m a garantia de não v i r a ser m a r g i n a l i z a d o . São corolários desta elaboração os
hanno, per loro natura, la prevalenza su tutti gli altri" (Conflitto di diritti, cit., p. 4 5 0 ) . princípios jurídicos da igualdade, da integridade física e m o r a l - psicofísica -, da
80
"Haverá que dizer, s e m vacilar, que à v i d a h u m a n a e , d o m e s m o m o d o , à d i g n i d a d e h u m a n a , liberdade e da s o l i d a r i e d a d e . " 87
C o m o síntese da condição h u m a n a , a dignidade consiste no v e t o r segundo o pios emblemáticos já referidos: ( i ) o dano p o r furto de m o t o nova; ( i i ) o dano p o r
q u a l se o r i e n t a m e se d e v e m orientar todos os interesses (sejam materiais, sejam abandono afetivo; e ( i i i ) o dano por lentidão de processo j u d i c i a l . 9 0
c o n d u t a não pode i n d u z i r à admissibilidade de t u t e l a ao interesse alegadamente sobre a violação de um dever de amar ou de dar afeto, mas um interesse fundado
lesado, sob pena de impor-se sobre qualquer agente que t e n h a se c o n d u z i d o de no dever n o r m a t i v o expresso dos pais de educarem e c r i a r e m seus filhos. E, neste
f o r m a culposa a indenização de danos verdadeiramente imaginários. M u i t o s dos sentido, pode-se c o n c l u i r pelo seu m e r e c i m e n t o de t u t e l a , em abstrato.
problemas surgidos na acolhida dos chamados novos danos d e r i v a , de fato, de De o u t r o lado, porém, deve-se observar a c o n d u t a alegadamente lesiva. C u m -
certa tendência j u r i s p r u d e n c i a l a p r e s u m i r a ressarcibilidade do d a n o a p a r t i r da pre verificar se também ela é merecedora de tutela, abstratamente. A q u i , e m nível
a n t i j u r i d i c i d a d e da conduta, confundindo-se, em nítido caráter p u n i t i v o , a repro- m u i t o geral, poder-se-ia falar em um interesse à liberdade do p a i . O legislador,
vabilidade do c o m p o r t a m e n t o c o m a proteção do b e m o f e n d i d o . O m e r e c i m e n t o todavia, ao i m p o r sobre o p a i deveres de c o m p o r t a m e n t o em face dos filhos, já
de t u t e l a do interesse e, p o r t a n t o , o dano ressarcível representa um elemento i n - estabeleceu a relação de prevalência entre t a l liberdade e o interesse do m e n o r
dispensável da responsabilidade civil, e não u m m e r o pressuposto que pode ser à adequada formação da sua personalidade, d e t e r m i n a n d o , em síntese, que este
t i d o c o m o presente diante do simples prejuízo ou dissabor alegadamente experi- último interesse prevalece em relação ao "sustento, guarda e educação dos filhos
m e n t a d o pelo a u t o r da ação j u d i c i a l . menores" - não já, note-se, ao amor, ao afeto, ao carinho, sentimentos pessoais
subjetivos c o m relação aos quais a liberdade de autodeterminação do p a i m a n -
tém-se prevalente à l u z do tecido c o n s t i t u c i o n a l .
10.2 O dano por abandono afetivo
C u m p r e , então, verificar se a relação de prevalência estabelecida pelo legis-
l a d o r restou observada no caso concreto. Trata-se não de ponderação - cujo obje-
E x e m p l o mais c o m p l e x o é do c h a m a d o "abandono a f e t i v o " . Trata-se da já t i v o é j u s t a m e n t e a identificação da relação de prevalência nas hipóteses em que
mencionada demanda p o r m e i o da q u a l o filho requer indenização p o r dano m o r a l o legislador não a t i v e r fornecido mas de um exame de c u m p r i m e n t o ou não
a d v i n d o do abandono afetivo do p a i , que lhe deixa de dar "carinho e atenção" ao da prevalência legalmente estabelecida. Neste sentido, cumpre ao j u i z analisar se
l o n g o da formação da sua personalidade. A investigação do o r d e n a m e n t o p o s i t i - houve ou não violação do dever legal, t o m a n d o em consideração fatos tão objeti-
v o , se revela que não existe, p o r óbvio, um dever de amor, d e m o n s t r a que com- vos q u a n t o possível, como a participação do p a i no processo educacional (escolha
Q
pete aos pais "o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores" (Lei n da escola, reuniões c o m professores e t c ) , freqüência das visitas ao filho, p o n t u a l
8 . 0 6 9 / 1 9 9 0 , art. 2 2 ) , e, mais especificamente, o dever de "dirigir-lhes a criação e pagamento de pensão alimentícia, atividades conjuntas de lazer e assim p o r diante.
educação" (Código Civil, art. 1.634,1), e de "tê-los e m sua c o m p a n h i a e guarda" O j u i z , e m sua avaliação, determinará objetivamente se houve o u não violação dos
(Código C i v i l , art. 1.634, I I ) - deveres que, somente e m u m a visão reducionista, deveres pelo p a i - sem adentrar, ainda,, o exame de culpabilidade, que se refere
p o d e r i a m ser compreendidos de f o r m a exclusivamente p a t r i m o n i a l , a resultar ape- às razões desta violação e sua escusabilidade nas circunstâncias concretas, como
9 2
nas na obrigação de arcar c o m os custos da criação dos f i l h o s . É certo que tais poderia ocorrer, p o r exemplo, em caso de prisão do p a i , de desconhecimento da
deveres vão além, englobando, pela própria dicção legal, os aspectos existenciais existência do filho, de perda não-intencional de contato c o m a mãe que detém a
93
de criar e e d u c a r . O interesse p o r trás da d e m a n d a de abandono afetivo, por- guarda da criança, e de outros fatores não i n c o m u n s nos dramas familiares.
t a n t o , não é, c o m o m u i t a s vezes se d i z equivocadamente, um interesse construído
Em se verificando, concretamente, que o p a i não v i o l o u os deveres de susten-
t o , guarda, c o m p a n h i a , educação ou criação dos filhos menores, sua conduta será
92
Neste sentido, j á d e n u n c i o u G i s e l d a H i r o n a k a : " O q u e s e v i u , antes, à l u z d o a n t e r i o r m o d o d e merecedora de t u t e l a . Impor-se-ia a ponderação frente ao interesse lesado, se t a l
se d i z e r o direito, foi q u e na esfera da relação jurídica entre p a i e filho o q u e efetivamente i m p o r t a -
ponderação não tivesse sido já estabelecida pelo legislador. A q u i , ao contrário,
va e r a a s u a valoração b i o l o g i z a d a e a s u a valoração p a t r i m o n i a l i z a d a . Q u e r dizer, s e m se p r e o c u -
p a r c o m a l i n h a da afetividade, o direito e a jurisprudência se p r e o c u p a r a m m a i s em dar, áo filho, o legislador p o n d e r o u ambos os interesses, estabeleceu as condições de sua con-
o s e u r e c o n h e c i m e n t o consanguíneo (caráter biologizado da relação), o s e u direito a a l i m e n t o s e a vivência legítima e, se tais condições restaram cumpridas no caso concreto, não
s u a p o s s i b i l i d a d e f u t u r a de h e r d a r (caráter p a t r i m o n i a l i z a d o da relação). M a s fica a p e r g u n t a : isso pode haver dano ressarcível. 94
de proteção. Isto não e x c l u i o dever do autor de d e m o n s t r a r que t a l interesse f o i rá ao j u i z da ação ressarcitória proceder à ponderação entre ambos os interesses,
efetivamente afetado, ou seja, que a ausência de sustento, guarda, companhia, a f i m de d e t e r m i n a r a relação de prevalência válida p a r a o caso concreto.
9
criação ou educação afetaram concretamente a formação da sua personalidade. ^
Antes disso, c u m p r e , obviamente, verificar se a c o n d u t a lesiva efetivamente
Verificado, entretanto, o dano efetivo, este será ressarcível na presença dos demais
atende ao interesse que a protege (exame de adequação) e se o atende p o r um
elementos de responsabilização.
meio que não é vedado pela sua gravidade para outros interesses protegidos em
abstrato (exame de exigibilidade ou cuidado d e v i d o ) . Reprovada a conduta em
qualquer destes exames, será ela antijurídica na m e d i d a em que não realiza o i n -
10.3 O dano por processo lento
teresse que lhe assegura tutela, ou que não o realiza de um m o d o tolerável frente
ao ordenamento jurídico e m abstrato. A q u i , está-se diante de simples valoração da
Examine-se, p o r f i m , a hipótese de p e d i d o de ressarcimento p o r lentidão de conduta do Poder Judiciário ou da Administração Pública, e, p o r t a n t o , não ainda
processo j u d i c i a l . C o m o corolário do d i r e i t o de acesso à Justiça, a prestação j u -
9 6
em fase de ponderação de interesses. Deve o intérprete verificar, p o r exemplo, se
r i s d i c i o n a l útil e eficiente sempre f o i t i d a c o m o um m a n d a m e n t o n o r m a t i v o . A
2
a busca de u m a decisão j u s t a f o i exercida de f o r m a abusiva, tendo o órgão j u r i s -
Emenda C o n s t i t u c i o n a l n 4 5 , d e 3 0 d e dezembro d e 2 0 0 4 , v e i o inserir expressa-
d i c i o n a l p r o l o n g a d o o procedimento exclusiva ou p r i m o r d i a l m e n t e por o u t r o f i m ,
mente no r o l dos direitos fundamentais a garantia à "razoável duração do proces-
que não a justiça do seu p r o n u n c i a m e n t o ; se o t r i b u n a l cometeu erro judiciário;
so", nos seguintes termos:
ou ainda se f o i negligente na condução de atos processuais; e assim por diante.
"Art. 52 [ . . . ] Constatado, porém, que a conduta efetivamente realiza o interesse que a p r o -
LXXVTII - a todos, no âmbito j u d i c i a l e a d m i n i s t r a t i v o , são assegurados tege - a persecução da justiça -, e o. realiza de f o r m a aceitável, embora afetando
a razoável duração do processo e os meios que g a r a n t a m a celeridade de o u t r o interesse tutelado - a celeridade do p r o c e d i m e n t o instaura-se, aí sim, um
sua tramitação." conflito de interesses merecedores de t u t e l a em abstrato, para o qual o legislador
não estabeleceu, previamente, u m a relação específica de prevalência. Neste caso,
Não há dúvida, p o r t a n t o , de que o interesse de q u e m alega prejuízo p o r con- e somente neste caso, cumpre ponderar, concretamente, o grau de realização deste
ta da lentidão processual não razoável é, ao menos abstratamente, merecedor de interesse c o m o g r a u de afetação do interesse lesado, a f i m de aferir se, na hipó-
t u t e l a . Todavia, o próprio emprego n o r m a t i v o do t e r m o razoável exige mais que a tese, h o u v e d a n o ressarcível, isto é, a invasão da área de atuação concretamente
simples avaliação subsuntiva do c o m p o r t a m e n t o d o Poder Judiciário o u da A d m i - legítima de cada qual dos interesses envolvidos.
97
nistração Pública na condução do p r o c e s s o . C o m o também t a l c o m p o r t a m e n t o
Sob o prisma da afetação do interesse lesado, e sempre à l u z das circunstâncias
atende a um interesse constitucionalmente t u t e l a d o - o da correta administração
concretas, verificará o j u l g a d o r a intensidade do sacrifício à celeridade e efetivi-
da Justiça - , e o t e r m o razoável não traz parâmetros específicos de atuação, cabe-
dade da prestação j u r i s d i c i o n a l , m e d i n d o a duração do processo e a u t i l i d a d e de
seu resultado para o autor. De o u t r o lado, verificará a intensidade da realização
95
da justiça da decisão, t o m a n d o em conta, p o r exemplo, a complexidade da causa,
I m a g i n e - s e , p o r e x e m p l o , u m a criança que, v i v e n d o c o m u m p a i adotivo, s e m j a m a i s sabê-lo
adotivo, t e n h a recebido dele sustento, g u a r d a , educação e criação impecáveis, não s e n d o t o l h i d a em
a profundidade da decisão e a e x i g i b i l i d a d e de diligências probatórias. E n f i m , ve-
n e n h u m a d a s o p o r t u n i d a d e s d e d e s e n v o l v i m e n t o d a s u a p e r s o n a l i d a d e . E m b o r a o p a i genuíno t e n h a rificará, comparativamente, se o g r a u de realização da justiça autoriza o grau de
efetivamente, nesta hipótese, v i o l a d o o d e v e r l e g a l de educação de s e u filho, a c o n c r e t a afetação do sacrifício da celeridade processual.
interesse tutelado d o m e n o r não r e s t o u c o n f i g u r a d a . N a m e s m a direção, v e r M a r i a C e l i n a $ o d i n d e
M o r a e s , Deveres Parentais e Responsabilidade Civil, in Revista Brasileira de Direito de Família, v. 3 1 , p. Tem-se, então, que o t r i b u n a l elaborará a regra de prevalência válida para o
5 8 - 5 9 , 2 0 0 5 : "Para a configuração do d a n o m o r a l à integridade psíquica de filho, será preciso que caso concreto, d e t e r m i n a n d o q u a l interesse deve prevalecer na espécie. Por exem-
t e n h a h a v i d o o a b a n d o n o p o r parte do p a i ( o u da mãe) e a ausência de u m a figura substituta. Se p l o , pode b e m decidir o t r i b u n a l , ao avaliar d e m o r a de seis anos em u m a ação de
alguém 'faz as vezes' de p a i ( o u de m ã e ) , d e s e m p e n h a n d o suas funções, não há d a n o a ser r e p a r a d o ,
cobrança que exigia perícias e outras diligências probatórias, além de envolver
não obstante o c o m p o r t a m e n t o m o r a l m e n t e condenável do genitor biológico."
intrincadas questões jurídicas, todas contempladas m i n u c i o s a m e n t e na decisão,
96 2
A Constituição b r a s i l e i r a , e m s e u art. 5 , a o a r r o l a r o s direitos e garantias f u n d a m e n t a i s , determi-
que o g r a u de sacrifício da celeridade f o i pequeno d i a n t e do alto g r a u de realiza-
n a que: " X X X V - a lei não excluirá d a apreciação do Poder Judiciário lesão o u ameaça a direito."
97
ção da justiça. Pode, no entanto, decidir o contrário no caso, p o r exemplo, de u m a
S e o l e g i s l a d o r b r a s i l e i r o tivesse, a e x e m p l o d o q u e o c o r r e e m o u t r o s países, f i x a d o p r a z o s
máximos i m p e r a t i v o s p a r a a apreciação do p r o c e s s o j u d i c i a l , aí e s t a r i a d e t e r m i n a d a a relação de
m e d i d a cautelar para suspensão de edição de livros difamatórios, que, apesar de
prevalência, s e n d o de se a d m i t i r que, s u p e r a d o o p r a z o , p r e v a l e c e o interesse à c e l e r i d a d e , e, não dispensar dilação probatória, leva seis anos para ser apreciada, de f o r m a despro-
s u p e r a d o , p r e v a l e c e o interesse à justiça da decisão. v
p o r c i o n a l ao retardamento no j u l g a m e n t o da urgente pretensão a u t o r a l .
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1 O dano c o m o elemento p r i m o r d i a l da responsabilidade c i v i l
dano. Vale dizer: debruça-se sobre a aptidão da atividade para a produção do dano; o nexo causal encontra-se presente em ambas as hipóteses: o c o m p o r t a m e n t o
nada diz sobre a atividade em si ou sua comparação c o m o interesse lesado. De do réu causa o alegado dano do autor. N e m se trata de discutir a culpa, em sede
o u t r o lado, a verificação do dano, p o r sua vez, c o n t i n u a sendo realizada de m o d o de responsabilidade objetiva. E o alegado d a n o que não se configura na segun-
p u r a m e n t e estático. Significa isto dizer que, c o m relação ao dano p a t r i m o n i a l , as da hipótese, pois, embora o interesse à i n t i m i d a d e seja abstratamente tutelado,
cortes c o n t i n u a m entendendo suficiente a matemática demonstração da diminuição não o é concretamente; cede, nas circunstâncias fáticas aludidas, ao interesse na
econômica sofrida pela vítima, e, c o m relação ao dano m o r a l , os tribunais seguem segurança e i n t e g r i d a d e física dos demais passageiros. Vale dizer: não há dano
e x i g i n d o tão-somente a identificação, em abstrato, de u m a n o r m a que albergue o reparável, dano injusto, o u , simplesmente, dano em sentido técnico para fins de
3
interesse alegadamente transgredido, dispensando mesmo qualquer esforço pro- responsabilização.
batório ulterior, ao a r g u m e n t o de que o dano m o r a l é in re ipsa.
O dano não consiste, em d e f i n i t i v o , na lesão a um interesse tutelado em abs-
O resultado disto é que a combinação entre a responsabilidade objetiva e o trato, mas na lesão a um interesse concretamente merecedor de tutela. E t a l me-
dano m o r a l afigura-se desastrosa. Em um cenário marcado p o r princípios e cláu- recimento de t u t e l a em concreto somente pode ser aferido em comparação c o m o
sulas gerais, a identificação de u m a n o r m a que, em abstrato, acolha o interesse interesse lesivo, definindo-se a área legítima de atuação de cada interesse tutelado
alegadamente lesado é requisito p o r demasiado simples. M e s m o os danos mais à luz das circunstâncias fáticas em tela;. Este caráter dinâmico e concreto do ele-
controvertidos na sociedade a t u a l - c o m o o chamado dano à tranqüilidade pes- mento dano mostra-se importantíssimo, sobretudo na responsabilidade objetiva,
soal, dano à serenidade e m o c i o n a l etc. - d i f i c i l m e n t e d e i x a m de encontrar a l g u m onde é h a b i t u a l a colisão de interesses abstratamente tutelados, ao contrário do
princípio ou n o r m a a que possam ser remetidos, em abstrato. Por conseguinte, que ocorre na responsabilidade subjetiva, onde a própria definição de ato ilícito
nesta concepção d o m i n a n t e , o dano se apresenta c o m o um elemento de aceita- exclui qualquer m e r e c i m e n t o de tutela do interesse lesivo. Enxergando-se o dano
ção quase automática, explicada pela dificuldade de se excluir, em tese, a lesão da f o r m a que a q u i se propõe - como lesão a um interesse não apenas abstrata,
da vítima do âmbito de incidência de normas cujo enunciado é deliberadamen- mas concretamente merecedor de t u t e l a ( e m face do interesse lesivo) -, abre-se
te a m p l o . Tampouco se cogita de qualquer exclusão c o m base no efeito concreto no i n t e r i o r do juízo de responsabüização objetiva um n o v o espaço de discriciona-
da atividade sobre o lesado, pois t a l expediente v e m afastado pelo m i t o de que o riedade j u d i c i a l , que p e r m i t e a seleção dos danos ressarcíveis, sem que o reconhe-
dano m o r a l é in re ipsa. O dano v e m , assim, verificado em sede p u r a m e n t e nor- cimento de t u t e l a de um interesse em certa situação i m p l i q u e sua proteção geral
m a t i v a , sem qualquer cotejo c o m a atividade lesiva nas circunstâncias concretas. e abstrata em face de qualquer o u t r a atividade lesiva.
Por conta disto, em ações de responsabilidade objetiva, verificado o nexo causal,
praticamente conclui-se pela responsabilidade do réu.
Esta postura é nefasta na m e d i d a em que dispensa o j u i z de p r o m o v e r a efeti- 3 A c h a m a d a "indústria d o d a n o m o r a l " e o s i n s t r u m e n t o s
va seleção dos interesses merecedores de t u t e l a em concreto. Note-se: no campo institucionais de desincentivo ao seu desenvolvimento
da responsabilidade subjetiva, o juízo de i l i c i t u d e ( p o r t a n t o , também de a n t i j u r i -
dicidade) da conduta lesiva p e r m i t e ao magistrado afastar o resultado reparató-
A criação, ou melhor, o reconhecimento de um espaço de discricionariedade
rio nas hipóteses em que o dano é considerado, p o r assim dizer, j u s t o ou legítimo
j u d i c i a l na aferição do dano ressarcível não t e m , n o r m a l m e n t e , o condão de apla-
(porque resultado do exercício regular de um d i r e i t o ) . Tal esfera de discriciona-
car as angústias dos intérpretes e m matéria de responsabilidade civil. A o contrá-
riedade j u d i c i a l não encontra paralelo no âmbito da responsabilidade objetiva,
r i o : e m vasta m e d i d a , é j u s t a m e n t e a atuação mais livre do Poder Judiciário que
onde o exame acaba se r e s t r i n g i n d o , c o m o visto, à demonstração do nexo causal.
t e m estimulado o processo já analisado de erosão dos filtros tradicionais da res-
E parece absurdo que seja assim.
ponsabilidade civil, que traz certa insegurança aos resultados dos processos j u d i -
Tomem-se duas hipotéticas ações de indenização promovidas, c o m fundamen- ciais. Neste sentido, a atuação das cortes t e m t i d o menos o papel de tranqüilizar
to na responsabilidade objetiva, p o r pessoa que f o i s u b m e t i d a a p r o c e d i m e n t o inquietações, mais ou menos justificadas, e mais o de disparar os alertas acerca
de revista. Na p r i m e i r a ação, a revista f o i praticada na saída de estabelecimento da superproliferação das demandas de ressarcimento, especialmente em face dos
comercial, p o r suspeita de f u r t o , e o t r i b u n a l , analisando o caso, entende confi-
g u r a d o o dano m o r a l ( d a n o à i n t i m i d a d e ) , a cuja reparação condena o réu. Na
D i v e r s a m e n t e d o que o c o r r e n a p r i m e i r a hipótese, e m que o interesse c o n s u b s t a n c i a d o n a c o n -
segunda ação, a revista f o i praticada em aeroporto c o m a finalidade de assegurar
duta lesiva, p o r ser de o r d e m p u r a m e n t e p a t r i m o n i a l , não pode, n a s a l u d i d a s circunstâncias fáticas,
que o passageiro não ingressaria c o m n e n h u m objeto metálico no i n t e r i o r da ae- prevalecer sobre o interesse à i n t i m i d a d e , m o r m e n t e q u a n d o outros m e i o s m e n o s gravosos e x i s t e m
ronave. A q u i , o t r i b u n a l entende não ser devida a indenização. Parece claro que p a r a a vigilância do e s t a b e l e c i m e n t o c o m e r c i a l (controle de n e c e s s i d a d e ) .
190 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r Reparação do D a n o e D e s i n c e n t i v o a D e m a n d a s Frívolas 191
contornos ainda imprecisos do dano e x t r a p a t r i m o n i a l . A m e r a menção à discri- Mais válido, no atual contexto, e certamente mais lógico e eficiente que pre-
cionariedade dos juízes evoca projeções de profícuo desenvolvimento ao que se tender a exclusão da ressarcibilidade de diversas novas modalidades de prejuízos,
4
t e m d e n o m i n a d o "indústria do dano m o r a r . Não se deve desprezar, c o n t u d o , o é d i f u n d i r a compreensão do dano c o m o m e i o de seleção dos interesses merece-
que a própria expressão revela. dores dé t u t e l a . Não há dúvida de que, em um cenário de g r a d u a l objetivação
da responsabilidade civil e de flexibilização da p r o v a d o nexo causal, a aferição
Mais que a preocupação c o m o crescimento exponencial do número de ações
do dano se eleva a único filtro capaz de, l e g i t i m a m e n t e , funcionar como instru-
de indenização p o r dano m o r a l , o que o uso do t e r m o indústria anuncia é u m a
mento de seleção das demandas de responsabilização. A m e l h o r v i a parece ser,
f r o n t a l rejeição à sua produção mecânica, algo a r t i f i c i a l , c o m vistas à obtenção de
portanto, a de reconhecer o dano ressarcível como cláusula geral, operando u m a
lucro, em u m a espécie de abordagem capitalizada de um instituto ontologicamente
efetiva ponderação de interesses em c o n f l i t o para fins de configuração de ele-
existencial. E m b o r a a preocupação seja válida, sob o p o n t o de vista científico, o
mento imprescindível à deflagração do áever de reparar. Paralelamente a isto, é
certo é que, no Brasil ao menos, sua importância não pode ser exacerbada, já que, possível c o n s t r u i r ou precisar instrumentos institucionais que desestimulem, de
na m a i o r parte dos casos, o resultado das ações de danos morais é antes frustrante forma legítima e em conformidade c o m as normas constitucionais, as chamadas
que efetivamente enriquecedor. Há, p o r certo, casos pontuais de reconhecimento demandas bagatelares.
de danos, p o r assim dizer, imaginários, ou de atribuição de indenizações exage-
Neste sentido, e sem embargo de outros mecanismos de que se é possível co-
radamente elevadas, mas n e m estas duas hipóteses se c o m b i n a m c o m freqüência,
gitar, c u m p r e analisar quatro recursos aptos à p r o n t a aplicação no ordenamento
n e m o p e r c e n t u a l destes j u l g a d o s em relação à grande massa das condenações jurídico b r a s i l e i r o : ( i ) a reparação não-pecuniária dos danos e x t r a p a t r i m o n i a i s ;
pode ser considerado alarmante. ( i i ) a exigência de efetiva demonstração do d a n o ; ( i i i ) a repressão à litigância de
Nada disso exclui, p o r óbvio, a validade da preocupação, ainda que l i m i t a d a má-fé; e ( i v ) a rejeição do caráter p u n i t i v o da reparação.
a um cenário f u t u r o e eventual. O que não parece admissível, c o n t u d o , é que se
ataque o objeto pelo uso que se lhe dá. Vale dizer: diante de um número razoa-
velmente c o n t i d o de casos esdrúxulos, a c o m u n i d a d e jurídica - e especialmente 4 Reparação não pecuniária d o s d a n o s e x t r a p a t r i m o n i a i s
a c o m u n i d a d e advocatícia - t e m a p o n t a d o suas armas c o n t r a a própria expansão
do d a n o ressarcível. O alvo parece i n t e i r a m e n t e equivocado, na m e d i d a em que a O t e m o r de que o imenso oceano de novos interesses extrapatrimoniais desá-
expansão da ressarcibilidade corresponde a u m a legítima ampliação de t u t e l a dos güe em ações frívolas voltadas à obtenção de indenização pelos acontecimentos
mais banais da v i d a social deriva, em grande parte, do fato de que a abertura ao
interesses i n d i v i d u a i s e coletivos, sendo, antes, a sua invocação sem fundamento
ressarcimento do dano m o r a l deu-se por m e i o de u m a extensão da função histo-
a causa das angústias que afligem a d o u t r i n a e b a n a l i z a m a atuação dos tribunais.
ricamente p a t r i m o n i a l i s t a da responsabilidade c i v i l , sem que se procedesse, ao
Incorretas, p o r t a n t o , todas as medidas que têm sido propostas contra a expansão
mesmo t e m p o , a qualquer modificação substancial na estrutura do i n s t i t u t o . As-
do dano em geral, que vão desde a restrição a interesses previamente tipificados
sim, mesmo às lesões a interesses não p a t r i m o n i a i s o o r d e n a m e n t o jurídico con-
até a limitação das indenizações a tetos máximos i n t e i r a m e n t e despropositados e
tinua oferecendo, c o m o única resposta, o seu remédio t r a d i c i o n a l , de conteúdo
5
mesmo i n c o n s t i t u c i o n a i s . estritamente p a t r i m o n i a l , q u a l seja, a deflagração do dever de indenizar. Bem vis-
tas as coisas, a tão c o m b a t i d a inversão axiológica - p o r m e i o da q u a l a dignidade
4
E n t r e os diversos e x e m p l o s de e m p r e g o doutrinário e j u r i s p r u d e n c i a l da expressão, fique-se c o m humana e os interesses existenciais passam a ser invocados visando à obtenção
a decisão do T r i b u n a l de Justiça do R i o G r a n d e do S u l , em que se lê: "Ausente a q u e l a p r o v a , inviável de ganhos pecuniários -, t e m c o m o causa i m e d i a t a não o desenvolvimento social
deferir-se a reparação, fato que só v i r i a a e s t i m u l a r a crescente indústria do d a n o m o r a l " (Apelação
Cível 7 0 0 1 5 3 6 6 2 6 3 , 7 . 6 . 2 0 0 6 ) .
de ideologias reparatórias ou um processo coletivo de vitimização, mas a inércia
5 2
E x e m p l o emblemático é o Projeto de L e i n 1 5 0 / 1 9 9 9 , que, c o n t r a r i a m e n t e à Constituição b r a -
da própria c o m u n i d a d e jurídica, que insiste em oferecer às vítimas destes danos,
s i l e i r a , p r e t e n d e f i x a r limites quantitativos à indenização p o r d a n o m o r a l . E m u m a b s u r d o retorno como só solução, o pagamento de u m a soma em d i n h e i r o , estimulando necessa-
ao t a b e l a m e n t o d a s indenizações, o projeto, a p r o v a d o p e l a Comissão de Constituição e Justiça do riamente sentimentos mercenários.
S e n a d o F e d e r a l , divide o d a n o m o r a l em leve, médio e g r a v e , e s t i p u l a n d o tetos máximos de 20 m i l ,
90 m i l e 1 8 0 m i l r e a i s , r e s p e c t i v a m e n t e . A p r o p o s t a foi objeto da matéria Senado quer tabelar valor Pior: a manutenção de um remédio exclusivamente pecuniário aos danos ex-
do dano moral, p u b l i c a d a na Folha de S. Paulo, em 1 6 . 6 . 2 0 0 2 . trapatrimoniais i n d u z à conclusão de que a lesão a interesses existenciais é a todos
192 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber Reparação do D a n o e D e s i n c e n t i v o a D e m a n d a s Frívolas 193
sua dignidade, corroborada pela postura mercantilista m u i t a s vezes adotada por de um exercício de quantificação e de tradução em d i n h e i r o exatamente d a q u i l o
ofensores habituais e seus representantes. Daí a conveniência de substituir-se o que o d i n h e i r o não pode c o m p r a r " . 18
prima o poi aggredita dallo stesso diritto che Vha edificata? L(apparentemente) ozioso dilemma può del sistema delia responsabilità civile deve coniugarsi con la valutazione degli interessi e dei valori che
schematizzarsi cosi: Vincommensurabile, sebbene rispondente ad una definizione stipulativa, esiste, nel Vordinamento giuridico considera preválenti e, quindi, da proteggere: sarebbe un'assurdita, una discrasia,
senso che è profondamente radicato del nostro sentire, nella mentalità (anche del giurista) o invece è riconoscere neWordinamento diritti fondamentali della persona o altri diritti di estrema importanza e
completamente assente dalle strutture epistemologiche sulle quali si edifica il ragionamento giuridico. Se poi negare ad essi tutela. La problemática va allora rivista in chiave di rimedi. Occorre riconoscere quei
la prima asserzione risponde a verità, il giurista può ben pensare di razionalizzare attraverso categorie rimedi necessari per la tutela degli interessi che sono appunto degni di essere protetti."
196 Novos Paradigmas da Responsabilidade C i v i l • Schreiber Reparação do D a n o e D e s i n c e n t i v o a D e m a n d a s Frívolas 197
27
cia e a p a r t i r dela e x t r a i a ilação de que tenha ou não causado dano à h o n r a da
vistas. As bonitas, n ã o . " A decisão do T r i b u n a l de Justiça d o Rio de Janeiro foi,
vítima. Ao contrário, o j u i z observa a notícia e verifica, objetiva e concretamente,
posteriormente, reformada pelo Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu^ por
se sua veiculação lesa a h o n r a da vítima, p e r q u i r i n d o , p o r exemplo, se a notícia
m a i o r i a , que o dano configura-se c o m a lesão à i m a g e m de u m a pessoa, c o m seu
uso desautorizado, e não c o m as conseqüências negativas ( o u positivas) que de emprega contra o autor da demanda expressões difamatórias, se alude ao seu ca-
28
t a l uso p o d e m d e r i v a r . Q u e m t e m sua i m a g e m u t i l i z a d a , p o r exemplo, e m u m ráter, se lhe d i r i g e ofensa pessoal. Eis como se p r o v a a lesão e, p o r t a n t o , o dano.
outdoor que exalta suas virtudes, pode, na prática, v i r m e s m o a se alegrar c o m a Se a vítima se lamentará do fato, se sofrerá c o m ele, ou se lhe demonstrará i n -
exposição, mas o simples fato de não tê-la autorizado configura, p o r si só, u m a diferença são questões subjetivas que p o d e m , no máximo, servir de indícios da
lesão concreta a seu d i r e i t o personalíssimo de i m a g e m , tratando-se, p o r t a n t o , de intensidade do dano para fins de sua quantificação, mas não interferem tecnica-
d a n o indenizável. mente na sua aferição.
Em outras palavras, a construção dá presunção de d a n o e x t r a p a t r i m o n i a l ou
N a d a disto quer significar que baste a alegação em tese de lesão. M u i t o ao
do dano m o r a l in re ipsa parece i n t i m a m e n t e v i n c u l a d a a u m a concepção que en-
contrário, a definição de dano a q u i defendida, como lesão a um interesse concre-
xerga nesta espécie de dano u m a categoria conseqüencial e subjetiva - o dano
tamente merecedor de tutela, sempre se afastou de sua configuração c o m o v i o - 29
m o r a l como reflexo da lesão sobre a serenidade e m o c i o n a l da vítima. Rejeita-se
lação em abstrato, centrando-se sobre a sua concreta afetação. A s s i m como para
aqui t a l concepção, em favor de um e n t e n d i m e n t o que v i s l u m b r e no dano extra-
haver dano p a t r i m o n i a l não basta à vítima demonstrar que o réu a g i u de forma
p a t r i m o n i a l nada além da lesão a um interesse e x t r a p a t r i m o n i a l concretamente
antijurídica, trazendo risco à propriedade alheia, c u m p r i n d o - l h e p r o v a r que o seu
patrimônio f o i concretamente afetado, para haver d a n o e x t r a p a t r i m o n i a l não é merecedor de tutela. A lesão ocorre objetivamente e sua verificação se dá de forma
suficiente que a vítima prove ter o réu se conduzido de f o r m a a causar risco à sua inteiramente desvinculada da repercussão no estado de espírito da vítima. Escla-
privacidade, i m a g e m , integridade física etc. Exige-se a p r o v a da concreta afetação recido isto, parece certo que nada há que se presumir, procedendo-se tão-somente
(rectius: lesão) da sua privacidade, da sua i m a g e m , da sua integridade física ou à análise concreta e objetiva da relação entre a conduta alegadamente lesiva e o
de qualquer o u t r o aspecto da sua personalidade. interesse alegadamente lesado.
Visto c o m o lesão à personalidade h u m a n a , o dano m o r a l exige, evidentemen-
Em alguns danos, t a l prova é relativamente simples, p o r q u e v e m dotada de
te, a prova da lesão, da mesmíssima forma, aliás, que a exige o dano p a t r i m o n i a l ,
m a t e r i a l i d a d e : p o r exemplo, os danos morais p o r lesão à i n t e g r i d a d e física (v. g.,
ferimento ou p e r d a de m e m b r o ) ou p o r lesão à integridade psíquica medicamente
29
constatável (v. g., o desenvolvimento de certa patologia psicótica). Em outros casos, Neste sentido, confira-se, entre diversos outros, acórdão r e c e n t e d o T r i b u n a l d e Justiça d o R i o
d e J a n e i r o , e m que s e lê: " O a r b i t r a m e n t o d o d a n o m o r a l não o b s e r v a o s m e s m o s meios utilizados
a p r o v a é considerada b e m mais difícil, j u s t a m e n t e p o r faltar-lhe materialidade
p a r a comprovação dos d a n o s m a t e r i a i s , não se exigindo q u e a dor, v e x a m e , humilhação e constran-
visível. É o que ocorre, n o r m a l m e n t e , no dano à h o n r a , no d a n o à privacidade e gimentos s e j a m c o m p r o v a d o s através de p r o v a o r a l ou d o c u m e n t a l . O d a n o m o r a l existe in re ipsa,
assim p o r diante. Q u e m , neste sentido, alega dano à h o n r a p o r força de u m a no- b a s t a n d o a p r o v a da ofensa ao direito da pessoa, a g u i s a de u m a presunção n a t u r a l que d e c o r r e
tícia de j o r n a l tendenciosa pode enfrentar certa dificuldade em demonstrar que a d a s regras d e experiência c o m u m " (Apelação Cível 2 0 0 6 . 0 0 1 . 6 4 1 2 9 , j . 2 3 . 1 . 2 0 0 7 ) . S e m e l h a n t e
orientação a d o t a o S u p e r i o r T r i b u n a l de Justiça, ao r e i t e r a r "o e n t e n d i m e n t o f i r m a d o n e s t a C o r t e ,
sua reputação f o i efetivamente abalada pela c o n d u t a lesiva.
consoante o q u a l 'a r e c u s a i n d e v i d a à c o b e r t u r a p l e i t e a d a pelo s e g u r a d o é c a u s a de d a n o s m o r a i s ,
Nestas situações, diz-se c o m freqüência que o j u i z recorre a presunções de já que a g r a v a a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do s e g u r a d o , pois este, ao
dano. Não parece ser t a n t o este o caso. O j u i z não observa simplesmente a notí- p e d i r a autorização da s e g u r a d o r a , já se e n c o n t r a em condição de dor, de abalo psicológico e c o m
a saúde debilitada'. [...] A d e m a i s , c o m o , também, já t e m d e c i d i d o esta C o r t e , em casos c o m o este
'não é preciso que se d e m o n s t r e a existência do d a n o e x t r a p a t r i m o n i a l . A c h a - s e ele in re ipsa, ou
m
27
A decisão prossegue c o m i m p r e s s i o n a n t e r i q u e z a d e detalhes: "Fosse a a u t o r a u m a m u l h e r feia, seja, d e c o r r e dos próprios fatos q u e d e r a m o r i g e m à p r o p o s i t u r a d a a ç ã o ( S T J , R E s p 88Ò.035/PR,
g o r d a , c h e i a de estrias, de celulite, de culote e de p e l a n c a s , a publicação da s u a fotografia d e s n u d a j . 2 1 . 1 1 . 2 0 0 6 ) . N a jurisprudência e s t r a n g e i r a , v e r decisão d a Cassazione i t a l i a n a : "qualunque debba
- o u q u a s e - e m j o r n a l d e g r a n d e circulação, c e r t a m e n t e lhe a c a r r e t a r i a u m g r a n d e v e x a m e , m u i t a essere la natura da attribuire allafattispecie sanzinata [...], restano comunquesalve le ordinarie rego-
humilhação, c o n s t r a n g i m e n t o e n o r m e , sofrimentos s e m conta, a j u s t i f i c a r - aí s i m - o s e u pedido le, ex art. 2697 c.c, che disciplinano Vonere delia prova in ordine alVan ed al quantum del danno non
de indenização de d a n o m o r a l , a l h e s e r v i r de lenitivo p a r a o m a l sofrido. T r a t a n d o - s e , porém, de patrimoniale che si pretenda súbito, ferma restando, riguardo alVesistenza anche solo di una sofferenza
u m a d a s m u l h e r e s m a i s l i n d a s d o B r a s i l , n a d a j u s t i f i c a p e d i d o d e s s a n a t u r e z a , e x a t a m e n t e p e l a ine- morale', di un costo 'emotivo', di un 'paterna d'animo dovuto ad un'ansia prolungata ed angosciante'
xistência, a q u i , de d a n o m o r a l a s e r i n d e n i z a d o " ( T r i b u n a l de Justiça do R i o de J a n e i r o , E m b a r g o s in ipotesi connessi alia durata irragionevole del processo, Voperatività di presunzioni semplici, ai sensi
Infringentes 2 5 0 / 1 9 9 9 , 2 9 . 9 . 1 9 9 9 ) . P a r a a análise crítica da decisão, s e j a p e r m i t i d o remeter, a i n d a delVart. 2729 c.c, le quali, purpotendo in certo senso tradursi in una agevolazione delVonere suddetto,
u m a v e z , a M a r i a C e l i n a B o d i n de M o r a e s , Danos à Pessoa Humana, cit., p. 4 6 - 4 9 . che incombe sulVattore, non sono certamente in grado di eliminarlo quante volte la situazione concre-
2 8 a
ta non permetta difaread esse ricorso" ( C a s s a z i o n e civile, I Seção, 5 . 1 1 . 2 0 0 2 , n. 1 5 4 4 9 , in Danno e
S T J , 3 T u r m a , R e c u r s o E s p e c i a l 2 7 0 . 7 3 0 , r e l a t o r a p a r a acórdão M i n . N a n c y A n d r i g h i , j . 2
19.12.2000. Responsabilità, n 3 , 2 0 0 3 , p . 268).
200 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r
Reparação do D a n o e D e s i n c e n t i v o a D e m a n d a s Frívolas 201
30
como lesão ao patrimônio. E o fato de que t a l p r o v a se mostre mais difícil nos
6 R e p r e s s ã o à l i t i g â n c i a de m á - f é
casos em que a lesão não deixa traços materiais t a m p o u c o é p r e r r o g a t i v a do dano
extràpatrimonial, como se pode verificar, no campo p a t r i m o n i a l , nos tormento- Eficientes no i n t u i t o de desestimular demandas bagatelares são os mecanis-
31
sos casos de indenização p o r lucros cessantes ou p o r p e r d a de u m a c h a n c e . Lá, mos processuais disponibilizados por cada sistema jurídico para a repressão ao
c o m o a q u i , a d i f i c u l d a d e não exime a vítima da p r o v a do dano, ou j u i z de sua exercício frívolo do d i r e i t o de ação. Em t o d o o m u n d o , o d i r e i t o processual t e m
verificação. se preocupado, cada vez mais, em assegurar um c o m p o r t a m e n t o leal entre as
partes envolvidas no c o n f l i t o , c o i b i n d o atos praticados c o m o i n t u i t o exclusivo
C o m isto, evita-se, de um lado, o perigoso risco de uniformização rígida ou de prejudicar o adversário e sancionando o uso da máquina judiciária em p r o l
tabelamento das indenizações, que tende a prevalecer sempre que se dispensa a de interesses p u r a m e n t e pessoais. A p r o f u n d a alteração ideológica que sepultou
produção de p r o v a concreta de afetação do interesse existencial da vítima, contra- o i n d i v i d u a l i s m o jurídico, abrindo as portas do d i r e i t o contemporâneo ao pensa-
riando a tendência de reparação i n t e g r a l à l u z das condições da pessoa lesada. 32
mento solidarista, v e m e x i g i n d o u m a postura cada vez mais ativa do magistrado
De o u t r o lado, escapa-se à excessiva abertura que o m i t o da p r o v a in re ipsa traz no controle de adequação entre o exercício das posições processuais e os valores
ao campo dos danos extrapatrimoniais. C o m efeito, não pode haver m a i o r estí- normativos que as i n s p i r a m .
m u l o à p r o p o s i t u r a de ações infundadas que dispensar o autor, em um contexto Como ressalta José Carlos Barbosa M o r e i r a : "Já não se pretende do j u i z que
de erosão dos filtros tradicionais do ressarcimento, do ônus probatório do único assista, c o m o espectador frio e distante ao 'duelo' das partes; ao contrário, dele
elemento que se conserva c o m o indispensável à responsabilidade c i v i l - o dano, se espera a t i v i d a d e eficiente no sentido de que a justiça seja feita. Para t a n t o ,
procura a l e i m i n i s t r a r - l h e , entre outros, meios enérgicos de combate à má-fé, à
cuja reparação consiste na função p r i m o r d i a l do i n s t i t u t o . 33
improbidade, à chicana, em suas m u l t i f o r m e s manifestações." M u i t o mais que
a simples alteração da expressão h a b i t u a l c o m a q u a l se descreve a ação do autor
34
"contra" o réu, os novos tempos vêm exigir, sem embargo do antagonismo dos
30
E m sentido s e m e l h a n t e , Silvio R o d r i g u e s , h á m u i t o , j á d e s c a r t a r a teses q u e p r e t e n d i a m a irres-
pólos ativo e passivo dos conflitos j u d i c i a i s , um c o m p o r t a m e n t o de recíproca leal-
s a r c i b i l i d a d e d o d a n o m o r a l c o m base n a i m p o s s i b i l i d a d e d e s u a p r o v a , a f i r m a n d o : " O a r g u m e n t o dade na utilização dos direitos de natureza processual, em atenção ao i m p e r a t i v o
relativo à d i f i c u l d a d e de descobrir-se a existência do d a n o é de m e n o r a l c a n c e , pois trata-se de ques- da boa-fé objetiva que incide sobre todas as relações sociais. E as codificações pro-
tão probatória e tanto é válida em matéria de d a n o m o r a l , q u a n t o na de d a n o p a t r i m o n i a l " (Direito
cessuais d e d i c a m cada vez m a i o r espaço à regulação dos instrumentos necessários
Civil: Responsabilidade Civil cit., p. 191).
31
ao controle da c o n d u t a das partes em juízo e da própria motivação subjacente ao
A distinção, m u i t a s v e z e s sutil, entre a s d u a s f i g u r a s está e m q u e , n a p e r d a d e u m a c h a n c e , " o
exercício do d i r e i t o de ação.
r e s s a r c i m e n t o t e m p o r objeto não a p e r d a do l u c r o q u e e v e n t u a l m e n t e se v e r i f i c a r i a , m a s o d a n o
certo e a t u a l , a i n d a que p a r c i a l , que d e r i v a d a p e r d a e m s i d a p r o b a b i l i d a d e d e r e s u l t a d o favorável", No o r d e n a m e n t o b r a s i l e i r o , sem e m b a r g o de u m a ( a g u a r d a d a ) aplicação
consistindo, p o r t a n t o , em d a n o e m e r g e n t e ( A n t o n i n o P r o c i d a M i r a b e l l i di L a u r o , La Riparazione dei
mais enérgica da boa-fé objetiva em campo processual, deve-se atentar para os
Danni alia Persona, cit., p. 1 5 9 - 1 6 0 ) . S o b r e a p e r d a de u m a c h a n c e e as d i f i c u l d a d e s inerentes à s u a
quantificação, v e r S e r g i o S a v i , Responsabilidade Civil por Perda de urna Chance, São P a u l o : Atlas,
mecanismos já previstos pelo legislador, c o m o a repressão à litigância de má-fé. O
2 0 0 6 . A c e r c a do m e s m o t e m a , é v a l i o s a a contribuição de R a f a e l Peteffi da S i l v a , Responsabilidade Código de Processo C i v i l , em seu art. 16, d e t e r m i n a que "responde por perdas e
35
Civil pela Perda de uma Chance, São P a u l o : Atlas, 2 0 0 7 . C o n s u l t e - s e também Sérgio S e v e r o , Os Da- danos aquele que pleitear de má-fé c o m o autor, réu ou i n t e r v e n i e n t e " . O art. 17,
nos Extrapatrimoniais, São P a u l o : S a r a i v a , 1 9 9 6 , p. 1 1 - 1 4 . claramente inspirado na acepção subjetiva de boa-fé, elenca as situações em que
32
A l e r t a M a r i a C e l i n a B o d i n d e M o r a e s : "desmentido s e v ê h o j e , também,.o a x i o m a segundo o
q u a l não h a v e r i a r e s p o n s a b i l i d a d e s e m a p r o v a do d a n o , substituída que foi a comprovação antes
3 3
e x i g i d a p e l a presunção hominis de que a lesão a q u a l q u e r dos aspectos q u e compõem a d i g n i d a - José Carlos B a r b o s a M o r e i r a , A Responsabilidade das Partes por Dano Processual no Direito Bra-
â
de h u m a n a g e r a d a n o m o r a l . [...] E s t a ilação, porém, t e m tido c o m o conseqüência lógica, a ser sileiro, in Temas de Direito Processual, l série, São P a u l o : S a r a i v a , 1 9 8 8 , p. 1 6 .
o p o r t u n a m e n t e c r i t i c a d a , o e n t e n d i m e n t o s u b j a c e n t e de q u e o d a n o m o r a l sofrido p e l a vítima s e r i a 34
C a p t a d a c o m v e r v e literária p o r S e r g i o B e r m u d e s em s e u artigo i n t i t u l a d o Ação contra o réu, ou
idêntico a q u a l q u e r evento d a n o s o s e m e l h a n t e sofrido p o r q u a l q u e r vítima, p o r q u e a m e d i d a , nesse em face dele?: a favor do contra, in Direito Processual Civil: Estudos e Pareceres, 2 a
série, São Paulo:
caso, é, u n i c a m e n t e , a da s e n s i b i l i d a d e do j u i z , que b e m sabe, p o r f a z e r p a r t e do gênero h u m a n o ,
Saraiva, 1994, p. 171-177.
q u a n t o m a l lhe c a u s a r i a u m d a n o d a q u e l a m e s m a n a t u r e z a . A g i n d o d e s t a f o r m a , porém, ignora-se, 3 5
N o m e s m o sentido, o Código de Processo C i v i l i t a l i a n o , e m s e u a r t . 8 8 , impõe às partes e a seus
em última análise, a i n d i v i d u a l i d a d e d a q u e l a vítima, cujo d a n o , e v i d e n t e m e n t e , é diferente do d a n o
representantes o d e v e r de l e a l d a d e e p r o b i d a d e no d e c o r r e r do processo: "Art. 88 (Dovere di lealtà
sofrido p o r q u a l q u e r o u t r a vítima, p o r m a i s q u e os eventos d a n o s o s s e j a m iguais, p o r q u e as condi-
edi probità) Le parti e i loro difensori hanno il dovere di comportarsi in giudizio con lealtà e probità.
ções pessoais d e c a d a vítima d i f e r e m e , j u s t a m e n t e p o r q u e d i f e r e m , d e v e m s e r l e v a d a s e m conta"
In caso di mancanza dei difensori a tale dovere, il giudice deve riferirne alie autorità che esercitano il
(Danos à Pessoa Humana, cit., p. 1 5 9 - 1 6 1 ) . \
potere disciplinare su di essi"
Reparação do D a n o e D e s i n c e n t i v o a D e m a n d a s Frívolas 203
202 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r
alguém pode ser reputado l i t i g a n t e de má-fé, m e n c i o n a n d o , entre outras condu- fundadas na pretensão de enriquecimento a p a r t i r de meros aborrecimentos so-
tas, a de "alterar a verdade dos fatos" (inciso I I ) ou "deduzir pretensão ou defesa ciais, sem qualquer suporte para a configuração técnica de um dano ressarcível,
c o n t r a texto expresso de l e i ou fato incontroverso" (inciso I ) . O r o l f o i , a rigor, 3 6 autoriza a aplicação do i n s t i t u t o de m o d o a r e p r i m i r a ausência de boa-fé no acio-
41
a
t o r n a d o mais restrito pela Lei n 6 . 7 7 1 , de 27 de março de 1980, já que, em sua namento da contraparte e no próprio recurso ao Poder Judiciário.
versão o r i g i n a l , incluía expressões mais elásticas, c o m o "deduzir pretensão ou de- Somada a outros instrumentos institucionais de c o n t r o l e , como aqueles anali-
fesa, cuja falta de fundamento não possa razoavelmente desconhecer". sados anteriormente, a repressão à litigância de má-fé revela imenso potencial no
No sistema brasileiro, a condenação por litigância de má-fé i n c l u i m u l t a e i n - desincentivo à invocação descomprometida da d i g n i d a d e h u m a n a e na repressão
denização, e pode se dar de ofício, conforme expressamente reconhece o art. 18 a projetos ressarcitórios desprovidos de efetiva lesão m o r a l ou p a t r i m o n i a l . Todo
3 7
do Código de Processo C i v i l . A m e l h o r d o u t r i n a processualista não afasta sequer esse esperado desestímulo a demandas infundadas vê-se, todavia, em risco d i a n -
a hipótese de a sanção processual p o r litigância de má-fé "ser aplicada mesmo te de algumas tentativas, mais recentes, àe importação de institutos estrangeiros,
ao demandante v i t o r i o s o na causa em que a g i u c o m o improbus litigator em de- em p a r t i c u l a r dos chamados punitive damages, que florescem no c a m i n h o oposto
38
t e r m i n a d o incidente processual". Ao objeto da litigância maliciosa, todavia, a ao t r i l h a d o até aqui.
jurisprudência brasileira t e m reservado interpretação restritiva, entendendo que
a decisão que a i n s t i t u i deve necessariamente se referir a u m a das hipóteses con-
3 9
tidas n o art. 17 do Código de Processo C i v i l . A limitação parece imprópria na 7 Rejeição do caráter p u n i t i v o da reparação
m e d i d a em que a repressão ao c o m p o r t a m e n t o desleal impõe-se p o r normas de
d i r e i t o m a t e r i a l b e m mais abrangentes, como a própria cláusula geral de boa-fé Na esteira do exemplo norte-americano, vêm fazendo estrada, em todo o m u n -
objetiva, que autoriza, senão a imposição de m u l t a , ao menos a indenização dos do, os chamados punitive damages, isto é, a indenização a d i c i o n a l assegurada à
prejuízos sofridos pela o u t r a parte. vítima c o m a finalidade de p u n i r o ofensor, e não simplesmente de compensar os
42 43
De fato, u m a cada vez m a i o r influência da boa-fé objetiva no âmbito proces- danos s o f r i d o s . Os equivocadamente chamados "danos p u n i t i v o s " encontram,
sual, c o m vedação a comportamentos tidos c o m o desleais, e u m a continuada 40 por toda parte, defensores, que apregoam seu caráter dissuasivo da conduta lesiva
preocupação c o m a efetividade dos processos j u d i c i a i s têm clamado p o r sanções e sua necessidade diante de um cenário j u r i s p r u d e n c i a l que mantém relativamente
cada vez mais freqüentes aos litigantes temerários. Em matéria de responsabilidade baixos os valores das reparações de danos morais.
c i v i l , não resta dúvida de que a p r o p o s i t u r a de demandas frívolas o u bagatelares, No B r a s i l , c o m o em outros países de tradição romano-germânica, vive-se
u m a situação claramente anômala, na q u a l os punitive damages não vêm a d m i t i -
36
Na íntegra: "Art. 1 7 . R e p u t a - s e litigante de má-fé aquele que: I - d e d u z i r pretensão ou defesa
c o n t r a texto e x p r e s s o de lei ou fato incontroverso; II - a l t e r a r a v e r d a d e dos fatos; I I I - u s a r do pro- 41
Neste sentido, decisão do T r i b u n a l de Justiça do R i o de J a n e i r o , q u e a p l i c o u a condenação p o r
cesso p a r a c o n s e g u i r objetivo ilegal; I V - o p u s e r resistência injustificada a o a n d a m e n t o d o processo; litigância de má-fé em ação de indenização em que se d e c l a r o u : "O d e s c u m p r i m e n t o c o n t r a t u a l ,
V - p r o c e d e r d e m o d o temerário e m q u a l q u e r incidente o u ato d o processo; V I - p r o v o c a r incidentes por si só, não dá ensejo à existência de d a n o s m o r a i s , t e n d o em v i s t a tratar-se de singelo a b o r r e c i -
m a n i f e s t a m e n t e infundados; V I I - i n t e r p u s e r r e c u r s o c o m intuito m a n i f e s t a m e n t e protelatório." mento, situado n a esfera c o m u m do m u n d o dos negócios" ( T J R J , Apelação Cível 2 0 0 5 . 0 0 1 . 5 4 6 3 7 ,
37
"Art. 1 8 . O j u i z ou t r i b u n a l , de ofício ou a r e q u e r i m e n t o , condenará o litigante de má-fé a pagar j . 5.4.2006).
m u l t a não e x c e d e n t e a um por cento sobre o v a l o r da c a u s a e a i n d e n i z a r a p a r t e contrária dos pre- 42
D a t a de 1 7 8 4 o p r i m e i r o c a s o de indenização p u n i t i v a n o s E s t a d o s U n i d o s : Genay v. Norris,
2
juízos que esta sofreu, m a i s os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou. § l Q u a n d o que r e s u l t o u n a condenação d e u m médico que, após h a v e r a c e i t a d o u m desafio p a r a u m d u e l o d e
f o r e m dois ou m a i s os litigantes de má-fé, o j u i z condenará c a d a um na proporção do s e u respectivo pistolas, i n s e r i u s e c r e t a m e n t e n a taça d e v i n h o d o s e u adversário u m a dose considerável d e c a n -
o
interesse na c a u s a , ou s o l i d a r i a m e n t e aqueles que se c o l i g a r a m p a r a l e s a r a p a r t e contrária. § 2 O t a r i d i n a e propôs um d r i n q u e de reconciliação. A S u p r e m a C o r t e da C a r o l i n a do S u l e n t e n d e u que
v a l o r da indenização será desde logo fixado pelo j u i z , em q u a n t i a não s u p e r i o r a v i n t e p o r cento as dores e x t r e m a s p r o v o c a d a s à vítima p e l a malícia do médico m e r e c i a m , n a q u e l a s circunstâncias,
sobre o v a l o r da c a u s a , ou l i q u i d a d o p o r a r b i t r a m e n t o . " u m a "punição e x e m p l a r " (Genay v. Norris, 1 S . C . L . (1 B a y ) 6 ( 1 7 8 4 ) ) . P a r a detalhes a c e r c a d a evo-
38
L u i z F u x , Curso de Direito Processual Civil, R i o de J a n e i r o : Forense, 2 0 0 1 , p. 4 5 7 . lução histórica dos punitive damages nos E s t a d o s U n i d o s , v e r M i c h a e l R u s t a d e T h o m a s K o e n i g , The
39 Historical Continuity of Punitive Damages Awards: Reforming the Tort Reformers, in The American
"Litigância de má-fé. Averbação que se c a n c e l a , posto que o acórdão não d e m o n s t r o u que r e a -
University Law Review, S u m m e r , 1 9 9 3 , 4 2 , 1 2 6 9 .
l i z a d a a l g u m a d a s hipóteses do art. 1 7 do CPÇ" ( S u p e r i o r T r i b u n a l de Justiça, R e c u r s o E s p e c i a l
43
32.932-6/RS, j . 8.11.1993). O que a s s u m e caráter p u n i t i v o não é o d a n o , o b v i a m e n t e , m a s a indenização a que se c o n d e n a
40 o Seu autor. O m a i s correto s e r i a falar, a s s i m , em indenização p u n i t i v a . S e r i a esta, aliás, a tradução
Neste sentido, j á s e registrou, e m o u t r a sede, a aplicação d a proibição d e c o m p o r t a m e n t o c o n -
traditório - o nemo potest venire contra factum proprium - ào p r o c e s s o ( A n d e r s o n Schreiber, A Proi- m a i s c o r r e t a p a r a a expressão punitive damages, já q u e o t e r m o damages em inglês i n d i c a tanto o
bição de Comportamento Contraditório, cit., p. 2 4 0 - 2 4 2 ) . d a n o em si, q u a n t o o m o n t a n t e atribuído à vítima em razão do d a n o .
204 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber Reparação do D a n o e D e s i n c e n t i v o a D e m a n d a s Frívolas 205
dos c o m o parcela a d i c i o n a l de indenização, mas aparecem embutidos na própria medida em que não d i z e m respeito ao dano em si, mas à conduta e, mais grave-
compensação do dano m o r a l . Assim, a d o u t r i n a a m p l a m e n t e majoritária sustenta mente, à pessoa do ofensor. 48
Diversos autores sustentam, nesta direção, que "a indenização do dano m o r a l t e m d a n o " . Pior: ao c o m b i n a r critérios punitivos e critérios compensatórios, chegan-
um inequívoco sabor de pena, de represália pelo m a l i n j u s t o " . Fala-se, no mesmo 45 do-se a um resultado único, a prática brasileira distancia-se do m o d e l o norte-ame-
sentido, em função pedagógica, dissuasiva ou de desestímulo, sendo certo que, em ricano, que distingue claramente compensatory damages e punitive damages. C o m
qualquer caso, o agente se vê obrigado a indenizar a vítima em q u a n t i a superior isso, cria-se, no Brasil, u m a espécie bizarra de indenização, em que ao responsável
a o dano m o r a l efetivamente s o f r i d o . 46
não é dado conhecer em que m e d i d a e^tá sendo apenado, e em que m e d i d a está
simplesmente compensando o dano, atenuando, exatamente, o efeito dissuasivo
Grande parte das cortes brasileiras não só t e m chancelado o d u p l o caráter do
dano m o r a l , como t e m aplicado, na sua quantificação, critérios deliberadamente que consiste na p r i n c i p a l v a n t a g e m do i n s t i t u t o .
p u n i t i v o s . As cortes referem-se usualmente a q u a t r o critérios: ( i ) gravidade do A incorporação dos punitive damages pela prática j u d i c i a l brasileira traz, ain-
dano; ( i i ) capacidade econômica da vítima; ( i i i ) g r a u de culpa do ofensor; e ( i v ) da, consideráveis inconsistências face ao princípio de proibição ao e n r i q u e c i m e n -
47
capacidade econômica do ofensor. Como denuncia M a r i a Celina B o d i n de M o - to sem causa - já que a q u a n t i a paga a título de punição v e m , inexplicavelmente,
raes, os dois últimos critérios refletem u m a função exclusivamente p u n i t i v a , na atribuída à vítima - , além de ferir f r o n t a l m e n t e a d i c o t o m i a entre ilícito c i v i l e
ilícito penal, aplicando penas sem balizamento legal, sem as garantias processuais
50
44
N a íntegra;. " Q u a n d o s e c u i d a d o d a n o m o r a l , o fulcro d o conceito ressarcitório a c h a - s e deslo- próprias e sem a necessária tipificação prévia das condutas reprováveis. Por f i m ,
c a d o p a r a a convergência de d u a s forças: caráter punitivo p a r a que o c a u s a d o r do d a n o , pelo fato a indenização p u n i t i v a não r a r o se mostra ineficaz em seu próprio i n t u i t o , u m a
da condenação se v e j a castigado p e l a ofensa que p r a t i c o u ; e o caráter compensatório p a r a a vítima,
que receberá u m a s o m a q u e l h e p r o p o r c i o n e p r a z e r e s c o m o c o n t r a p a r t i d a d o m a l sofrido" ( C a i o
Mário da S i l v a P e r e i r a , Responsabilidade Civil, cit., p. 5 5 ) . No m e s m o sentido, ver, entre outros, Ser- 48
C o m o r e s s a l t a a a u t o r a , t a l método d e quantificação d i s t a n c i a - s e d e u m a r b i t r a m e n t o d a i n -
gio C a v a l i e r i F i l h o , Programa de Responsabilidade Civil, cit., p. 9 0 - 9 1 , e G u i l h e r m e C o u t o de C a s t r o , denização que leve em c o n t a a p e s s o a do ofendido: "Se a fundamentação, feita pelo juízo do fato,
A Responsabilidade Civil Objetiva no Direito Brasileiro, cit., p. 25.
não for c u i d a d o s a e rigorosa, j a m a i s se aproximará da avaliação discricionária q u e leve em c o n t a as
45
Mário M o a c y r Porto, Temas de Responsabilidade Civil, São P a u l o : R e v i s t a dos T r i b u n a i s , 1 9 8 9 , p e c u l i a r i d a d e s existenciais d a pessoa. Consistirá, n o m e l h o r dos c a s o s , e m u m a s i m p l e s operação
p. 3 3 . - , matemática, e no pior deles, em u m a operação arbitrária, c o m o as que nos h a b i t u a m o s a conhecer."
46
C o n f i r a - s e , entre outros, F e r n a n d o N o r o n h a , p a r a q u e m "se e s s a f i n a l i d a d e ( d i t a função r e p a r a - ( M a r i a C e l i n a B o d i n de M o r a e s , Danos à Pessoa Humana, cit., p. 173).
tória, ressarcitória ou indenizatória) é a p r i m a c i a l , a responsabiÜdade c i v i l d e s e m p e n h a outras i m - 49
A única exceção a o art. 9 4 4 está e m s e u parágrafo único e v a i n o s e n t i d o d a redução equitati-
portantes funções, u m a sancionatória ( o u p u n i t i v a ) e o u t r a p r e v e n t i v a ( o u d i s s u a s o r a ) . " (Direito das
va da indenização, q u a n d o h o u v e r "excessiva desproporção entre a g r a v i d a d e da c u l p a e o dano."
Obrigações, cit., p. 4 3 7 ) . S o b r e a distinção entre a finalidade p u n i t i v a e dissuasória, m e r e c e destaque
Neste particular, é inevitável c o n c l u i r q u e , tendo previsto e x p r e s s a m e n t e a p e n a s a possibilidade de
a lição de A n t o n i o J u n q u e i r a de A z e v e d o : " O b s e r v a m o s , sobre isso, q u e a p e n a t e m em v i s t a um fato
p a s s a d o e n q u a n t o que o v a l o r de desestímulo t e m em v i s t a . o c o m p o r t a m e n t o futuro; há punição redução, e não a de a u m e n t o , o n o v o Código C i v i l r e p e l i u a idéia d a indenização p u n i t i v a .
versus prevenção. O desestímulo é tanto p a r a o agente q u a n t o outros que fiquem tentados a repetir 50
Sobre o t e m a , seja permitido r e m e t e r a A n d e r s o n Schreiber, Arbitramento do Dano Moral no novo
o m e s m o ato lesivo. Nesse sentido, a indenização dissuasória é didática. C o m o todo e n s i n a m e n t o , Código Civil, cit., p. 3 - 2 4 . Atento às inconsistências d o s punitive damages c o m o s i s t e m a r o m a n o -
projeta-se no futuro. O v a l o r de desestímulo, p o r outro l a d o , v o l t a n d o à comparação c o m a punição,
germânico, W e s l e y L o u z a d a s u s t e n t a a possibilidade de adoção dos d a n o s punitivos s o m e n t e diante
é e s p e c i a l m e n t e útil q u a n d o se trata de e m p r e s a , p e s s o a jurídica, a g i n d o no exercício de s u a s ativi-
de (i) autorização legislativa prévia, ( i i ) fixação l e g a l do caso-tipo, ( i i i ) identificação da v e r b a re-
d a d e s profissionais, em g e r a l atividades dirigidas ao público, c o m o no caso dos c o n s u m i d o r e s . " (Por
lativa aos d a n o s punitivos na sentença e ( i v ) destinação de t a l v e r b a não à vítima, m a s a um fundo
uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o d a n o s o c i a l , in RTDC, v. 19, p. 2 1 4 ) .
específico ( W e s l e y de O l i v e i r a L o u z a d a B e r n a r d o , Dano Moral: Critérios de Fixação de Valor, R i o de
47
O s critérios advêm d e antigas leis especiais, e m p a r t i c u l a r d o Código B r a s i l e i r o d e T e l e c o m u n i -
f i 2
J a n e i r o : Renovar, B i b l i o t e c a d e Teses, 2 0 0 5 , p . 1 7 9 - 1 8 2 ) . N o t e - s e q u e a e n t r e g a d a indenização
cações ( L e i n 4 . 1 1 7 / 6 2 ) e d a L e i d e I m p r e n s a ( L e i n 5 . 2 5 0 / 6 7 ) . À falta d e critérios definidos n o
p u n i t i v a à vítima é d e f e n d i d a m e s m o p o r a u t o r e s q u e f u n d a m e n t a m o instituto na lesão ao inte-
Código de 1 9 1 6 e no n o v o Código C i v i l , a jurisprudência b r a s i l e i r a t e m seguido tais parâmetros, e
resse da sociedade (e não ao interesse i n d i v i d u a l da vítima). C o n f i r a - s e , por todos, o e n t e n d i m e n t o
a d o u t r i n a os térh a p r o v a d o . C o n f i r a - s e , p e l a importância, C a r l o s E d i s o n do Rêgo M o n t e i r o F i l h o ,
Elementos de Responsabilidade Civil por Dano Moral, cit., p. 1 5 2 : "relativamente ao t e m a da quantifi- de A n t o n i o J u n q u e i r a de A z e v e d o , s e g u n d o o q u a l , e m b o r a a indenização p u n i t i v a ou dissuasória
cação do d a n o m o r a l , não se pode d e i x a r de ao m e n o s , segundo a concepção a d o t a d a neste t r a b a l h o , vise "restaurar o nível s o c i a l de tranqüilidade diminuída pelo a t o ilícito", d e v e m os v a l o r e s s e r e n -
s i t u a r o caráter p u n i t i v o d e n t r o do segundo p l a n o de investigação s u c e s s i v a , c o m o u m a espécie de t r e g u e s "à própria vítima, q u e foi p a r t e do p r o c e s s o , e i s q u e , p a r a a obtenção da indenização, foi
sobrecritério, a s e r a p l i c a d o c o n j u n t a m e n t e c o m os critérios de reparação do d a n o m o r a l atinentes e l a q u e m de fato t r a b a l h o u . O operário faz j u s ao s e u salário". (Por uma nova categoria de dano na
ao ofensor, e s p e c i a l m e n t e g r a u de c u l p a e posição econômica do m e s m o / * responsabilidade civil: o d a n o social, in RTDC, v. 19, p. 2 1 7 ) .
206 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
Reparação do D a n o e D e s i n c e n t i v o a D e m a n d a s Frívolas 207
vez que "na responsabilidade civil, n e m sempre o responsável é o culpado e n e m consideravelmente elevados em u m a perspectiva que atentasse, efetivamente, às
51
sempre o culpado será p u n i d o (porque ele pode ter feito um s e g u r o ) " . condições pessoais da vítima. U m a compensação mais personificada asseguraria
Em alguns países, c o m o £ Itália, a idéia da indenização p u n i t i v a v e m ganhan- tutela mais efetiva à dignidade h u m a n a que a aplicação generalizada de i n d e n i -
5 5
do adeptos na t u t e l a dos interesses da pessoa h u m a n a . Argumenta-se, em síntese, zações punitivas a qualquer hipótese de dano m o r a l .
que a proteção da pessoa, c o m o v a l o r prioritário do o r d e n a m e n t o jurídico, justifi- Existem, claro, situações de "microlesões" existenciais provocadas por conduta
ca a condenação em u m a indenização a d i c i o n a l àquela simplesmente compensa- maliciosa e repetitiva, onde a soma g l o b a l das indenizações compensatórias "não
52
tória. A função p u n i t i v a t e m sido defendida nestas hipóteses ao a r g u m e n t o de justifica", em termos econômicos, a adoção de um procedimento mais p r o b o p o r
que sendo intrinsecamente grave e incalculável o prejuízo gerado pela violação de 56
parte do ofensor. Em tais hipóteses, seria mais difícil i m a g i n a r um a u m e n t o sig-
um interesse da personalidade, a tutela reservada pelo o r d e n a m e n t o a tais lesões
53
nificativo dos montantes das indenizações compensatórias, mas ainda assim outros
possui natureza não compensatória, mas eminentemente p u n i t i v o - s a t i s f a t i v a . E
54
instrumentos mostram-se disponíveis sem a necessidade de reformas tão drásti-
o e n t e n d i m e n t o já v e m despertando entusiasmo no B r a s i l .
cas quanto aquelas que se f a r i a m necessárias para o agasalhamento dos punitive
Embora a exigência de proteção intensa aos valores existenciais pudesse servir, damages no o r d e n a m e n t o brasileiro. Pode-se, p o r exemplo, estabelecer sanções
de legeferenda, à defesa da indenização p u n i t i v a , não há dúvida de que a elasti- administrativas, tais como multas e suspensões aplicadas pelos órgãos regulado-
cidade da indenização p o r d a n o não p a t r i m o n i a l autoriza soluções mais simples, res da atividade do ofensor (Banco Central, C V M e t c ) . O sistema de sanções ad-
mais adequadas e mais eficientes. Em p r i m e i r o lugar, como alternativa à admissão ministrativas possui, a um só t e m p o , a d u p l a v a n t a g e m de superar o p r o b l e m a do
dos punitive damages, pode-se facilmente adotar u m a postura j u r i s p r u d e n c i a l mais enriquecimento sem causa da vítima - já que o eventual ganho econômico é des-
generosa na quantificação das indenizações p u r a m e n t e compensatórias p o r dano tinado ao poder público -, e desestimular, de f o r m a m u i t a s vezes mais eficiente, a
extràpatrimonial, para que não restem economicamente tímidas. Tais indeniza- conduta antijurídica, pelo próprio relacionamento jurídico-político existente entre
ções, p o r dependerem tão-somente do a r b i t r a m e n t o j u d i c i a l , t e r i a m seus valores 57
os agentes lesivos e o órgão regulador de sua a t i v i d a d e . Tudo de f o r m a menos
tormentosa do que ocorreria c o m o acolhimento de indenizações punitivas.
51
M a r i a C e l i n a B o d i n de M o r a e s , Danos à Pessoa Humana, cit., p. 1 4 1 . A propósito, deve-se acres-
c e n t a r que a figura das indenizações punitivas t r a z dificuldades p a r a a própria prática securitária:
55
"II ricorso alia formula del risarcimento per danno punitivo introdurrebbe problemi di copertura as- A s u p r e m a c i a dos interesses existenciais no texto c o n s t i t u c i o n a l não a u t o r i z a a conclusão de que
sicurativa poiché le polizze non coprirebbero una voce di danno ricollegabile ad una pena civile, salvo a tutela de tais interesses d e v a o c o r r e r de m o d o punitivo, p e l a s i m p l e s razão de que q u a l q u e r p e n a
2
che questa non sia stata specificamente pattuita" ( A l b e r t o M. Musy, Punitive Damages e Resistenza exige, também por força constitucional, "prévia cominação legal" ( a r t . 5 , X X X I X ) . E m sentido con-
Temerária in G i u d i z i o : Regole, Definizioni e Modelli Istituzionali a Confronto, in Danno e Responsabi- trário, ver André G u s t a v o Corrêa de A n d r a d e , p a r a q u e m : "É j u s t a m e n t e porque a Constituição de
2
lità, n 11, 2 0 0 0 , p . 1 1 2 7 ) . 1 9 8 8 c o l o c a a d i g n i d a d e h u m a n a e os direitos da p e r s o n a l i d a d e h u m a n a no núcleo do o r d e n a m e n -
52
to jurídico, protegendo-os c o m m a i o r i n t e n s i d a d e do que os direitos patrimoniais, que se justifica
A s s i m , a u t o r i z a d a d o u t r i n a v i s l u m b r a n o art. 2 . 0 5 9 u m a função não compensatória, m a s "afflit-
a d i v e r s i d a d e de t r a t a m e n t o , c o m a imposição de indenização de caráter punitivo em caso de d a n o
tiva", que "consente al giudice italiano - diversamente da quanto accade nel diritto d'oltrape, che non
m o r a l " (Dano Moral e Indenização Punitiva: Os Punitive Damages na Experiência do Common Law e
conosce una previsione análoga alVart. 2059 cc - di sganciare la valutazione da una lógica di com-
na Perspectiva do Direito Brasileiro, cit., p. 2 7 9 ) .
pensation e di liquidare Ventità della riparazione, sul modello dei punitive damages statunitensi, oltre
56
che sulla base della 'gravita del danno o del pericolo cagionato alia persona offesa\ anche in relazione É o que ocorre c o m certas instituições financeiras que e n v i a m aos serviços de proteção ao crédito
al carattere di maggiore o minore antigiuridicità della condota (gravita del reato, circostanze aggra- dados de devedores s e m a necessária verificação de c a d a situação particular, r e s u l t a n d o , freqüente-
vant!, intensità del dolo o della colpa, carettere abietto delVazione, ecc) ed alie condizioni economiche m e n t e , n a inscrição d e devedores c u j a dívida encontra-se e m estado d e inexigibilidade p o r a l g u m a
del responsabile (cosi come prescritto dagli artt. 133 e 133 bis c.p.)" ( A n t o n i n o P r o c i d a M i r a b e l l i di razão, c o m o a discussão j u d i c i a l do débito, fraude de terceiro ou m e s m o a extensão c o n s e n s u a l do
L a u r o , La Responsabilità Civile: Strutture e Funzioni, cit., p. 7 8 ) . Cf., também, G i o v a n n i B o n i l i n i , II prazo para pagamento.
danno non patrimoniale, Milão: Giuffrè, 1 9 8 3 , p. 2 7 2 ss. 57
C o m o s e a f i r m o u e m o u t r a sede: " A majoração d a indenização, c o m b a s e e m critérios a i n d a
53
G i u l i o P o n z a n e l l i , Non c'è Bisogno del Danno Esistenziale, cit., p. 5 5 1 : "il danno esistenziale, per p u r a m e n t e compensatórios c o m o as condições pessoais da vítima, t a l v e z já fosse suficiente p a r a de-
la sua non patrimonialità, non può essere riportato nelValveo delVart. 2043 (che è dominato da una sequilibrar a equação matemática e d e s e s t i m u l a r a prática de c o n d u t a s m a l i c i o s a s . M a s a i n d a que
lógica riparatoria), poiché ha unafunzione (da intendersi quale reqzione ad una violazione 'che investe a s s i m não fosse, s e r i a possível a p l i c a r a tais c o n d u t a s punições a d m i n i s t r a t i v a s , p a r a l e l a m e n t e à
i diritti primari della persona nei suoi risvolti esistenzialï) di tipo diverso: ossia, di tipo eminentemente indenização civil. A s s i m , no citado e x e m p l o das instituições financeiras que r e m e t e m i n d e v i d a m e n -
punitivo satisfattivo." te n u m e r o s o s d e v e d o r e s aos serviços de proteção ao crédito, a previsão de m u l t a s e o u t r a s sanções
54
pelo B a n c o C e n t r a l d o B r a s i l , órgão r e g u l a d o r d o s i s t e m a f i n a n c e i r o n a c i o n a l , t e r i a força p a r a coi-
Ver, entre outros, André G u s t a v o Corrêa de A n d r a d e , Dano Moral e Indenização Punitiva: os pu-
bir a prática de tais c o n d u t a s , inclusive c o m m a i o r eficiência que a indenização civil, em v i r t u d e da
nitive damages na experiência do common law e na perspectiva do direito brasileiro, R i o de J a n e i r o :
c e l e r i d a d e da sanção e dos efeitos políticos que a punição p o r u m a c o n d u t a d e s t a espécie p o d e r i a
F o r e n s e , 2 0 0 6 , e s p e c i a l m e n t e p. 2 7 9 e seguintes.
gerar no r e l a c i o n a m e n t o entre a instituição financeira e o B a n c o C e n t r a l . A d e m a i s , a punição na
Reparação do D a n o e D e s i n c e n t i v o a D e m a n d a s Frívolas 209
208 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
Em sentido contrário, pode-se a r g u m e n t a r que a aplicação de sanções a d m i - expressamente l i m i t a a possibilidade de punitive damages aos casos de violação
de u m a obrigação extracontratual "em que se demonstre, por p r o v a clara e con-
nistrativas dependeria de prévia autorização legal. Todavia, o a r g u m e n t o é igual- 60
vincente, que o réu f o i responsável p o r opressão, fraude ou malícia". A e x e m p l o
m e n t e aplicável à adoção dos danos p u n i t i v o s , já que o apenamento sem previsão
do que ocorre na Califórnia, onze Estados americanos já e d i t a r a m leis l i m i t a n d o
em l e i e sem balizamento n o r m a t i v o contraria toda a tradição dos ordenamentos
expressamente a incidência das indenizações p u n i t i v a s , e m e s m o nos Estados que
de civiZ law e configura verdadeiro arbítrio do j u i z . De o u t r a parte, a d m i t i r os pu-
não o f i z e r a m os punitive damages têm sido cuidadosamente controlados pelos
nitive damages mediante previsão legal mostra-se, de certa forma, paradoxal. A
tribunais. A própria Suprema Corte t e m estipulado l i m i t e s aos punitive damages,
v a n t a g e m dos punitive damages e a causa de seu sucesso em nossa experiência 61
ao menos no que d i z respeito à sua quantificação.
jurídica deve-se exatamente ao fato de v i r e m sendo - i l e g i t i m a m e n t e - adotados
Neste cenário, a defesa da reparação p u n i t i v a nos ordenamentos de civiZ law
sem previsão legal anterior, de m o d o que o Poder Judiciário, diante de flagrantes
parece mesmo inadequada, não apenas; pelos resultados negativos que a experi-
injustiças, não se sente obrigado a manter-se à espera do Poder Legislativo. Esta
ência t e m p r o d u z i d o nos Estados Unidos, ou pela já m e n c i o n a d a i n c o m p a t i b i l i -
também a razão subjacente à construção tortuosa do caráter p u n i t i v o c o m o ele-
dade c o m conceitos basilares da tradição romano-germânica, mas sobretudo p o r
m e n t o da reparação do dano m o r a l , e não como parcela adicional à compensação.
situar-se na contramão da evolução mais recente da responsabilidade c i v i l . Como
Sustentar, assim, a aplicabilidade dos punitive damages mediante previsão legal é
já se v i u , o avanço da responsabilidade o b j e t i v a e as alterações na própria noção
r e t i r a r seu p r i n c i p a l atrativo prático e torná-lo, p o r isso mesmo, dispensável com- de culpa têm c o n d u z i d o a responsabilidade c i v i l a um campo dissociado de preo-
p e t i d o r diante de outras alternativas, como o sistema de sanções administrativas cupações subjetivistas e cada vez menos sensível à idéia de c u l p a b i l i d a d e . Os pu-
ou a simples expansão dos valores compensatórios em campo e x t r a p a t r i m o n i a l . nitive damages são a essência da orientação contrária - fundam-se, i n t e i r a m e n t e ,
É de se notar, e m consonância c o m t u d o isto, que, nos próprios Estados U n i - no g r a u de c u l p a b i l i d a d e do agente e radicam-se fundo na idéia de reprovação
dos, alma mater dos punitive damages, o i n s t i t u t o v e m sofrendo críticas severas m o r a l e castigo e x e m p l a r do ofensor. Opõem-se, desta f o r m a , a t o d a a m a r c h a
58
e continuadas restrições. Tome-se, a título de exemplo, o Estado da Califórnia, que a responsabilidade c i v i l v e m desenvolvendo nos dois últimos séculos. Por isso
em que os punitive damages são restritos aos casos em que há inequívoca demons- mesmo, parecem carecer de lugar no cenário que se anuncia: o da solidarização
tração de intenção dolosa o u maliciosa do ofensor. O Código C i v i l da Califórnia 59 da reparação dos danos.
Liability Litigation, 4 0 A L A . L a w R e v i e w 9 1 9 , 9 1 9 ( 1 9 8 9 ) . N a jurisprudência, v e r o voto v e n c i d o n o Na íntegra: In an action for the breach of an obligation not arising from a contract, where it is
caso Bowning-Ferris Industries v. Kelco Disposal, Inc., 4 9 2 U . S . 2 5 7 ( 1 9 8 9 ) , em q u e ajuíza da .Supre- proven by clear and convincing evidence that the defendant has been guilty of oppression, fraud, or
ma C o r t e n o r t e - a m e r i c a n a , S a n d r a D a y O'Connor, tece críticas às indenizações milionárias e alerta: malice, the plaintiff, in addition to the actual damages, may recover damages for the sake of example
"punitive damages are skyrocketing". and by way opunishing the defendant" (Código C i v i l d a C a l i f o r n i a , seção 3 . 2 9 4 ) .
61
59 C o m efeito, no intuito de r e d u z i r v a l o r e s excessivos atribuídos às vítimas a título de punitive
Note-se, c o n t u d o , que a aplicação de punitive damages também é a u t o r i z a d a em casos de "ma-
damages, a Supreme Court e s t a b e l e c e u critérios p a r a a s u a quantificação, a saber: ( i ) o g r a u de re-
lícia implícita" (implied malice), conceito que se a s s e m e l h a ao dolo e v e n t u a l u t i l i z a d o pelo direito
p r e e n s i b i l i d a d e da c o n d u t a do ofensor (degree ofreprehensibility); ( i i ) a relação c o m o d a n o sofrido
p e n a l b r a s i l e i r o . Ver, na jurisprudência n o r t e - a m e r i c a n a , decisão da S u p r e m a C o r t e da Califórnia no
p e l a vítima (ratio to the actual harm inflicted to on the plaintiff); e ( i i i ) as sanções e v e n t u a l m e n t e pre-
caso Taylor v. Stille, 24 C a l . 3d 8 9 0 , em que se b u s c a v a indenização compensatória e p u n i t i v a por
vistas n a lei o u e m r e g u l a m e n t o s p o r c o n d u t a s s e m e l h a n t e s àquela p r a t i c a d a p e i o ofensor (sanctions
d a n o s c a u s a d o s e m acidente automobilístico p r o v o c a d o p o r u m alcoólatra, que d i r i g i a e m b r i a g a -
for comparable misconduct). Cf. BMW of North America, Inc. v. Ira Gore, Jr., 1 1 6 S. C t . 1 5 8 9 ( 1 9 9 6 ) , e
do. O a u t o r s u s t e n t o u que o réu, m e s m o ciente da g r a v i d a d e de s e u vício e dos riscos de d i r i g i r sob
PaciflcMut. Life Ins. Co. v. Haslip, 111 S. C t . 1 0 3 2 ( 1 9 9 1 ) . E s p e c i f i c a m e n t e sobre o critério da relação
efeito de álcool, a c e i t a r a um e m p r e g o de m o t o r i s t a de veículo t r a n s p o r t a d o r de b e b i d a s alcoólicas,
entre os punitive damages e o d a n o sofrido, v e r TXO Production Corp. v. Alliance Resources Corp., 1 1 3
q u e lhe e x i g i a dirigir por t o d a a c j d a d e , fazendo p a r a d a s ocasionais em lojas de bebidas e s u j e i t a n -
S. C t . 5 9 4 ( 1 9 9 2 ) , em que a Supreme Court a p r e c i o u r e c u r s o da T X O p a r a r e d u z i r punitive damages
do-se, d e s t a f o r m a , a tentações que não p o d i a controlar. O t r i b u n a l c o n s i d e r o u que h o u v e c o n s c i e n -
arbitrados e m u m a q u a n t i a q u e c h e g a v a a 5 2 6 v e z e s o v a l o r d o d a n o efetivamente sorrido.
te desconsideração da segurança de terceiros e malícia implícita (implied malice) p o r parte do réu,
Da Responsabilidade à Solidariedade
1
Em interessante análise do célebre caso New York Times vs. Sullivan, Richard
Epstein p o n d e r a que qualquer sistema de responsabilidade c i v i l parte de duas es-
colhas fundamentais: a p r i m e i r a , relativa à p r o b a b i l i d a d e de sucesso das ações de
responsabilização, e a segunda, referente ao v a l o r das indenizações concedidas a
2
p a r t i r d o estabelecimento d a responsabilidade. U m sistema fundado, p o r exem-
p l o , na perquirição da culpa como elemento psicológico afeta a p r i m e i r a variável,
criando um baixo g r a u de p r o b a b i l i d a d e de sucesso das ações, da mesma f o r m a
que a adoção de punitive damages afeta a segunda variável, resultando em um alto
valor de indenizações. De f o r m a geral, descartando-se possíveis sistemas mistos,
a combinação das duas variáveis p o d e resultar em q u a t r o sistemas diversos de
responsabilidade c i v i l : ( i ) alta chance de sucesso c o m alta indenização; ( i i ) baixa
chance de sucesso c o m baixa indenização; ( i i i ) a l t a chance de sucesso c o m baixa
indenização; e ( i v ) baixa chance de sucesso c o m alta indenização.
Para o professor de Chicago, os dois p r i m e i r o s sistemas p o d e m ser, de p r o n -
to, descartados, p o r r e s u l t a r e m em estímulo excessivo ou insuficiente às ações de
1
No início dos a n o s 1 9 6 0 , o j o r n a l The New York Times p u b l i c o u um anúncio político a f i r m a n d o
que a prisão do r e v e r e n d o M a r t i n L u t h e r K i n g Jr. p o r perjúrio, no E s t a d o do A l a b a m a , f a z i a parte de
u m a c a m p a n h a p a r a m i n a r seus esforços n a l u t a pelos direitos civis e p e l a i g u a l d a d e r a c i a l . S u l l i v a n ,
a u t o r i d a d e m u n i c i p a l no E s t a d o do A l a b a m a , propôs ação c o n t r a o j o r n a l , p l e i t e a n d o indenização
p o r difamação. A Supreme Court a m e r i c a n a , r e v e r t e n d o p o s i c i o n a m e n t o dos t r i b u n a i s inferiores,
d e c i d i u q u e funcionários públicos não p o d e m s e r i n d e n i z a d o s p o r declarações difamatórias a c e r c a
de s u a c o n d u t a oficial, a não ser que p r o v e m q u e tais declarações f o r a m feitas de f o r m a m a l i c i o s a
- with actual malice -, isto é, c o m c o n h e c i m e n t o de q u e e r a m falsas ou c o m consciente desconside-
ração da questão de s e r e m falsas ou não ( 3 7 6 U . S . 2 5 4 ( 1 9 6 4 ) . A decisão é c o n s i d e r a d a , nos E s t a d o s
U n i d o s , u m m a r c o n a tutela d a l i b e r d a d e d e expressão frente à s a u t o r i d a d e s públicas.
2
No original: "In general, any liability system must make two critical choices. The first concerns the
likelihood of success of the plaintiff's action, and this typically varies with the theories of liability ad-
opted. Strict liability cases are uniformly more likely to succeed than those which require actual malice.
The second element that the system controb is the level of damages awarded once liability is established.
In the simplest model the damages could be low, as with actual damages, or high, as when punitive
damages apply. In more complex models the level of actual damage could be allowed to vary with the
strength of the plaintiff's case. Yet for the moment the central points can be made by confining atten-
tion to cases with two standards of liability and two measures of damages" ( R i c h a r d A. Epstein, Was
New York Times v. Sullivan Wrong?, 53 U. Chi. L. Rev. 8 0 3 ) .
Da R e s p o n s a b i l i d a d e à S o l i d a r i e d a d e 215
214 Novos P a r a d i g m a s da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
seguinte, na quantificação dos danos, m e s m o o n d e a indenização se pretende mesmo no Brasil, onde a matéria era t r a d i c i o n a l m e n t e regida pela responsabili-
5
p u r a m e n t e compensatória. dade subjetiva, as cortes já r e c o r r i a m i expedientes bastante objetivistas, como a
Tem-se, assim, que a tão t e m i d a objetivação da responsabilidade civil conduz presunção, t o m a d a em sentido quase absoluto, de responsabilidade do m o t o r i s t a
7
à expansão do número de demandas acolhidas, mas o custo g l o b a l do sistema de que atinge a parte traseira do automóvel a l h e i o .
responsabilidade c i v i l não resta necessariamente mais elevado. Em outras pala- Outros tantos exemplos evidenciam que a responsabilidade subjetiva pode,
vras, se, p o r um lado, a responsabilidade objetiva dá ensejo a um m a i o r número na prática, a d q u i r i r alto g r a u de objetividade p o r m e i o da simples adoção de pa-
de reparações, em geral, as mantém em valor indenizatório mais r e d u z i d o , porque râmetros bastante elevados e rígidos de c o m p o r t a m e n t o d i l i g e n t e , ou ainda p o r
desvinculado o resultado reparatório de i n t u i t o s p u n i t i v o s ou moralizantes que, força de u m a inversão insuperável do ônus probatório na demonstração da c u l p a . 8
tradicionalmente, se v i n c u l a m à responsabilidade por culpa. Isto, p o r certo, não condena ontologicamente a distinção entre responsabilidade
Poder-se-ia v i s l u m b r a r nisso u m a tendência à absorção da responsabilidade objetiva e subjetiva, mas t o r n a sua distinção prática menos relevante do que se
subjetiva pela responsabilidade objetiva. Reforçaria esta impressão o uso algo exa- costuma imaginar, sob o p o n t o de vista dos resultados atingidos. Alguns autores
cerbado que certas cortes têm reservado ao conceito de culpa n o r m a t i v a , muitas chegam mesmo a a f i r m a r expressamente a possibilidade de convergência entre
9
vezes aferido sem qualquer atenção ao componente subjetivo da culpabilidade, de estas duas espécies de responsabilidade c i v i l .
t a l m o d o que a própria i l i c i t u d e se estaria restringindo ao seu elemento objetivo
( a n t i j u r i d i c i d a d e ) . B e m mais que u m a absorção da responsabilidade subjetiva, o 6
C o m o e x p l i c a Nils J a n s e n : "From a comparative point of view, rules of strict liability and negligence
que revela a análise dos resultados dos diversos sistemas de responsabilização é are largely equivalent. Traffic accidents are governed in Germany and France by a regime of strict liabil-
ity, in England by the old rules of negligence, the results being similar. The gardien-liability in France
is mirrored by the German Verkehrspflichten-Haftung, the former being understood as a strict liability,
3
R i c h a r d A. E p s t e i n , Was New York Times v. Sullivan Wrong?, cit., p. 8 0 3 - 8 0 4 . the latter as a liability for breach of a legal duty. None the less, there is apparently no substantial dif-
4
"Two strategies remain: strict liability and low damages; actual malice and high damages. The key ference in the courts' decisions. Likewise, the rules of strict liability of English nuisance correspond to
question is which strategy better controls for the risk of error in defamation cases. In one sense there strict Verkehrspflichten in Germany, the results being identical" (Duties and Rights in Negligence, cit.,
is no obvious answer to that question a priori. To see the point note that, as a first approximation, the p. 4 6 7 - 4 6 8 ) .
net cost of the defamation laws to a defendant are simply a product of the two numbers - the prob- 7
Ver, entre muitos outros, T r i b u n a l de Justiça do Distrito F e d e r a l , Apelação Cível 2 0 0 3 0 1 1 0 0 3 0 9 5 3 ,
ability of plaintiff's success and the level of damages awarded. It is easy to think of numbers in which 1 1 . 1 0 . 2 0 0 4 , in DJ 1 7 . 2 . 2 0 0 5 , p. 6 8 : "Acidente de trânsito. Indenização. L e g i t i m i d a d e p a s s i v a . P r e -
first one and then the other system has greater total effect. In strict liability the probability of recovery
sunção r e l a t i v a da colisão p o r detrás. Réus que não se d e s i n c u m b i r a m de p r o v a r fato que elidisse a
is relatively large and the damages can be kept relatively small. With actual malice the probability of
presunção. V a l o r do m e n o r orçamento a p r e s e n t a d o . Apelação i m p r o v i d a . "
recovery is relatively small and damages are relatively large. It takes little mathematical sophistication
8
to realize that if success is more likely with strict liability, and damages are more generous with actual Sobre o t e m a , s e j a p e r m i t i d o r e m e t e r ao q u a n t o foi dito sobre as presunções de c u l p a no Capí-
malice, it becomes uncertain whether the total liabilities, which equal the product of loss and damages, tulo 1 - 0 ocaso d a c u l p a .
are greater under the strict liability rule or the actual malice rule. The tipping point depends upon the 9
Confira-se outro trabalho do Prof. E p s t e i n : "Viewed from a more distant perspective, the choice be-
relative magnitudes of the different variables" ( R i c h a r d A. E p s t e i n , W a s New York Times v. Sullivan tween these liability rules looms less large, if only because of the many ways in which the two theories
W r o n g ? , cit., p . 8 0 4 ) of liability can in practice be made to converge one to another." E prossegue o professor de C h i c a g o :
5
"The theory of strict liability can be softened to exclude from recovery those cases in which the defendant
R i c h a r d A. E p s t e i n , Was New York Times v. Sullivan Wrong?, cit., p. 8 1 5 : "fit part the desired re-
hurts the plaintiff when the plaintiff is under imminent danger to his person or property. In a similar
duction in award levels will be obtained simply because the element of actual malice is removed from
fashion, the theory of negligence can be tightened by placing the burden of proof upon the defendant,
the case; juries and judges are far less likely to be inflamed if the only evidence they see relates to the
or by allowing the plaintiff to find some 'antecedent negligence' which converts some otherwise innocent
statement made and its consequences for the plaintiff's welfare. What the change in attitudes does not
act into tortious liability. The hardy and practical among us, therefore, might decide not to worry about
supply can be supplemented by continued judicial scrutiny of excessive damage awards, even if there are
the dispute at all since so much more turns on whether we displace the ordinary tort system for physical
no other structural changes in the law."
216 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r Da Responsabilidade à Solidariedade 217
A progressiva perda de n i t i d e z da distinção entre responsabilidade subjetiva A transferência d o foco da responsabilidade c i v i l e m direção ao dano, c o m a
e objetiva encontra-se, p o r certo, v i n c u l a d a à gradual reunificação entre a antiju- relativa perda de importância da culpa e do nexo causal na f i l t r a g e m das deman-
r i d i c i d a d e e o dano. O já mencionado despertar do d i r e i t o contemporâneo para das indenizatórias, denota, c o m o já repetidamente enfatizado, um afastamento
a necessidade de assegurar proteção a interesses tutelados, independentemente do p a r a d i g m a de i m p u t a b i l i d a d e m o r a l em favor de um sistema de reparação ca-
da violação de normas proibitivas de determinados comportamentos indesejáveis, paz de efetivamente proteger as vítimas dos c o m p o r t a m e n t o s - rectius: dos fatos
restaura o componente antijurídico do próprio dano, fazendo c o m que a avaliação 12
- l e s i v o s . A idéia de solidariedade v e m , assim, se i m i s c u i n d o nas bases teóricas
da c o n d u t a do ofensor passe de elemento f u n d a m e n t a l à c o m p o n e n t e dispensá- da responsabilidade civil e na própria filosofia que a sustenta. Há, cada vez mais,
v e l da responsabilização. Essa transformação estrutural provém, a rigor, de u m a solidariedade na culpa (todos somos culpados pelos danos) e solidariedade na cau-
modificação f u n c i o n a l p r o f u n d a , tantas vezes tangenciada até a q u i , e que v e m sa (todos causamos danos), e o passo necessariamente seguinte é o de que haja
simplesmente confirmada pela análise dos resultados convergentes entre respon- solidariedade na reparação (todos devem/os reparar os danos).
sabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva. Em síntese, o que a expansão do
O próprio fenômeno da erosão dos filtros d a responsabilidade civil evidencia
dano ressarcível deve provocar, na esteira de u m a c o n t i n u a d a transformação do
que as cortes aderem, crescentemente, a esta orientação. A m a t r i z i n d i v i d u a l i s t a
i n s t i t u t o da responsabilidade c i v i l , é não um a u m e n t o de custos do sistema de
da responsabilidade civil v a i sendo corroída pela prática j u r i s p r u d e n c i a l e grada-
reparação, como t e m e m alguns, mas u m a mais a m p l a distribuição destes custos
tivamente abandonada em p r o l de u m a solução de índole mais social e coletiva,
entre os potenciais responsáveis. Trata-se, em síntese, de um processo de repar- 13
fundada em um dever solidário de reparação. Neste sentido, n e m sequer o dano
tição do ônus ressarcitório, que se pode chamar, s i m p l i f i c a d a m e n t e , de diluição
afigura-se, hoje, o mais relevante, sendo de se eleger c o m o p r o b l e m a central da
dos danos. 14
responsabilidade civil os danos, e m sua dimensão coletiva, s o c i a l .
O misoneísmo dos manuais, o silêncio da d o u t r i n a e a resistência da c o m u n i -
dade jurídica em geral à alteração da dinâmica e da finalidade da responsabilida-
2 A diluição dos d a n o s
de c i v i l p o d e r i a m sugerir que esta solidária diluição d o ônus reparatório consiste
em u m a polêmica novidade. M u i t o pelo contrário: n o v i d a d e há tão-somente no
A solidariedade social consubstancia-se, sem dúvida alguma, em um dos p r i n -
seu reconhecimento expresso. O fenômeno em si opera-se, cotidianamente, con-
cipais vetores do d i r e i t o contemporâneo. A influência dos ideais solidários e do re-
tra a inspiração i n d i v i d u a l i s t a d a disciplina codificada da responsabilidade c i v i l ,
conhecimento do caráter n o r m a t i v o do princípio da solidariedade social, p o r toda
por diversos e variados caminhos, trilhados o r a p e l o legislador, ora pelas cortes
parte d i f u n d i d o , p r o v o c o u efeitos revolucionários em diversos setores do d i r e i t o
10
judiciais, o r a espontaneamente pelos próprios particulares.
p r i v a d o , t e m p e r a n d o sua histórica orientação l i b e r a l e i n d i v i d u a l i s t a . Também
na responsabilidade c i v i l , esta influência se fez sentir intensamente. M u i t o além A título m e r a m e n t e i l u s t r a t i v o , permita-se e x a m i n a r três meios já em curso de
da costumeira alusão às hipóteses legais de responsabilidade objetiva, a solida- diluição dos danos, quais sejam: ( i ) a ampliação das hipóteses de responsabilidade
riedade social p r o m o v e u radical transformação na própria função atribuída a este
r a m o jurídico, especialmente p o r m e i o de u m a gradativa conscientização de que o tendência que v a i se c o n f i r m a n d o n o s m o s t r a que m a i s do q u e a p o n t a r o responsável pelo d a n o op-
escopo f u n d a m e n t a l da responsabilidade civil não deve ser a repressão a condutas t a r a m legisladores e a p l i c a d o r e s do direito em d i z e r c o m o ele será r e p a r a d o " (José de A g u i a r D i a s ,
negligentes, mas a reparação dos d a n o s . 11
Da Responsabilidade Civil, cit., p. 50).
12
"Ressarcíveis não são os d a n o s causados, m a s s i m os d a n o s sofridos, e o o l h a r do D i r e i t o volta-se
totalmente p a r a a proteção da vítima" ( M a r i a C e l i n a B o d i n de M o r a e s , Deveres Parentais e Respon-
harms with a system of government regulation. But the more intellectually insistent among us would, sabilidade Civil, cit., p. 55).
most assuredly demand some form of theoretical unity, which it is hoped would provide a knock-down 13
Neste sentido, já s u g e r i a Patrice J o u r d a i n : "Au moment où s'affirme avec plus de force la fonction
argument that cuts the case one way or the other" ( R i c h a r d A. E p s t e i n , Symposium on Causation in
indemnitaire de l'institution, le fondement spiritualiste et individualiste que lui a donné le Code civil
the Law of Torts - Causation in Context: an Afterword, 63 C h i . - K e n t . L. Rev. 6 5 7 ) .
semble de plus en plus inadapté à cette fin" (Les Principes de la Responsabilité Civile, cit., p. 11).
10
M e n c i o n e - s e , a título ilustrativo, a evolução m a i s recente do direito dos contratos na experiên- 14
No m e s m o sentido, s u s t e n t a R i c a r d o de A n g e l Yágüez q u e "lo que adquiere importância es el ca-
c i a jurídica b r a s i l e i r a , c o m a incorporação ao n o v o Código C i v i l de institutos c o m o a resolução e
rácter social que todos los danos revisten, perspectiva desde la que se habla simplemente de accidentes,
revisão c o n t r a t u a l p o r o n e r o s i d a d e e x c e s s i v a (arts. 3 1 7 e 4 7 8 a 4 8 0 ) , a boa-fé objetiva (arts. 1 1 3 ,
con deliberada voluntad deposponer los rasgos jurídicos. Así, por ejemplo, se discurre sobre 'el costo de
1 8 7 e 4 2 2 ) , a função s o c i a l do contrato (art. 4 2 1 ) etc.
los accidentes'como de una cuestión colectiva y de orden económico, no individual o jurídica." (Algunas
11
A f i r m o u R u i B e r f o r d D i a s , ao' a t u a l i z a r e e x p a n d i r a o b r a máxima d a r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l previsiones sobre el futuro de la responsabilidad civil (con especial atención a la reparación del dano),
b r a s i l e i r a : "Parece não h a v e r m a i s dúvidas no sentido de que em t e m a de r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l a Madri: Civitas, 1995, p. 16-17).
218 Novos Paradigmas da Responsabilidade C i v i l • Schreiber
Da Responsabilidade à Solidariedade 219
solidária; Iii) a crescente importância da prevenção e da precaução dos danos; e da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores p o r
( i i i ) o desenvolvimento dos seguros de responsabilidade c i v i l . U m a rápida análise defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, m o n t a g e m , fórmulas, ma-
destes fenômenos será útil para compreender os r u m o s que v ê m sendo tomados
nipulação, apresentação ou acondicionamento de seus p r o d u t o s , b e m como p o r
pela responsabilidade c i v i l contemporânea. 18
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e r i s c o s . "
A i n d a que o próprio d i p l o m a consumerista preveja, em tais casos, ações de
regresso c o n t r a os demais responsáveis "segundo sua participação na causação do
3 A ampliação das hipóteses de r e s p o n s a b i l i d a d e solidária 19
evento d a n o s o " , as dificuldades de determinação do p e r c e n t u a l de participação
causal de cada um dos fornecedores excluem, na prática, a reunificação do custo
N o m o d e l o l i b e r a l - i n d i v i d u a l i s t a da responsabilidade c i v i l , a reparação do da reparação sobre um único responsável. De fato, é m u i t o provável que diversos
dano era fruto de u m a relação pessoal estabelecida entre a vítima e o ofensor. A
fornecedores solidariamente responsabilizados acabem s u p o r t a n d o de f o r m a co-
dualidade deste vínculo v i n h a quebrada tão-somente nas raras hipóteses de res-
letiva o peso econômico da indenização. Sustenta-se que t a l ônus econômico pode
ponsabilidade solidária previstas nas codificações da Idade M o d e r n a . A solidarie-
ser repassado aos consumidores de m o d o geral e t a l a r g u m e n t o não deixa de ser
dade passiva no dever de indenizar v i n h a , usualmente, l i m i t a d a aos casos de cum-
verdadeiro, m u i t o e m b o r a as relações concorrenciais v e n h a m i m p e d i r , na m a i o r
plicidade na produção do dano e de responsabilidade p o r fato alheio, restando, a
parte dos setores de mercado, um repasse simples p o r m e i o de a u m e n t o d i r e t o do
princípio, afastada a interpretação extensiva destas hipóteses, p o r força do antigo
15
preço dos p r o d u t o s e serviços. De qualquer m o d o , o ônus da reparação não v e m
a x i o m a segundo o q u a l a solidariedade não se p r e s u m e . Por t o d a parte, porém,
deixado sobre a vítima, n e m transferido a um responsável i n d i v i d u a l i z a d o , mas
a jurisprudência passou a r o m p e r esta restrição. É emblemática a construção da
acaba espalhado p o r t o d a coletividade o u , na m a i o r parte dos casos, p o r t o d o o
já mencionada teoria da causalidade alternativa, em que os potenciais causado-
grupo de agentes potencialmente lesivos.
res de um evento lesivo são, à falta de possibilidade de identificação do causador
específico, considerados todos solidariamente responsáveis perante a vítima. 16
Parece bastante evidente que, ao d i f u n d i r o ônus da reparação - e, em última
análise, do próprio d a n o - sobre mais de u m a pessoa, a responsabilidade solidária
N a d a obstante os méritos judiciários nesta matéria, f o i , sobretudo, p o r obra
transcende as amarras individualistas da dogmática tradicional da responsabilidade
do legislador extravagante que novas hipóteses de responsabilidade solidária pas-
saram a ser reconhecidas, algumas de abrangência verdadeiramente assustadora civil e se soma a outros instrumentos mais recentes que, e m p a r a l e l o às técnicas
aos olhos da d o u t r i n a ainda v i n c u l a d a aos paradigmas i n d i v i d u a l i s t a s . Tome-se de responsabilização, vão g a n h a n d o espaço, na c u l t u r a jurídica contemporânea,
como exemplo a a m p l a responsabilidade solidária instituída, no Brasil, em relação como f o r m a de administração dos danos injustos. Neste sentido, merecem p a r t i -
ao f o r n e c i m e n t o de produtos ou serviços. O Código de Defesa do Consumidor, em cular atenção as técnicas de prevenção e precaução dos danos.
seu art. 3-, v e m d e f i n i r o fornecedor de produtos ou serviços c o m o "toda pessoa
física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, b e m c o m o os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, m o n t a g e m , criação, 4 Prevenção e precaução dos d a n o s
construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercializa-
17
ção de p r o d u t o s ou prestação de serviços". E o art. 12 i n s t i t u i a responsabilidade A revisão crítica da estrutura e da função da responsabilidade c i v i l , provoca-
solidária de diversos fornecedores, ao afirmar: "O fabricante, o p r o d u t o r , o cons- da pela expansão do d a n o ressarcível e pelos outros fenômenos já aludidos, não
trutor, n a c i o n a l ou estrangeiro, e o i m p o r t a d o r respondem, independentemente t r o u x e para a o r d e m do d i a apenas questionamentos acerca da m e l h o r f o r m a de
reparar os danos, mas também o d i l e m a sobre se repará-los é efetivamente a me-
1 5
O Código C i v i l brasileiro, p o r e x e m p l o , dispõe e m s e u art. 9 4 2 , parágrafo único: "São solidaria- l h o r solução.
m e n t e responsáveis c o m os autores os co-autores e as pessoas d e s i g n a d a s no a r t . 932", referindo-se
este último dispositivo às hipóteses de r e s p o n s a b i l i d a d e p o r fato a l h e i o .
18 f i
16
N a m e s m a n o r m a vêm i n d i c a d a s a s únicas e x c l u d e n t e s d e r e s p o n s a b i l i d a d e a d m i t i d a s : " § 3 O
V e r Capítulo 2 - A Flexibilização do N e x o C a u s a l .
fabricante, o construtor, o p r o d u t o r ou i m p o r t a d o r só não será r e s p o n s a b i l i z a d o q u a n d o p r o v a r : I
17
E o m e s m o dispositivo estabelece, e m seus parágrafos, d e f o r m a i g u a l m e n t e a b r a n g e n t e , o s - que não c o l o c o u o p r o d u t o no m e r c a d o ; II - que, e m b o r a h a j a c o l o c a d o o p r o d u t o no m e r c a d o , o
Q
conceitos de p r o d u t o e serviço: "§ 1 P r o d u t o é q u a l q u e r b e m , móvel ou imóvel, m a t e r i a l ou i m a t e - defeito inexiste; I I I - a c u l p a e x c l u s i v a do c o n s u m i d o r ou de t e r c e i r o . "
Q
rial. § 2 Serviço é q u a l q u e r a t i v i d a d e fornecida no m e r c a d o de c o n s u m o , m e d i a n t e remuneração, 19
"Art. 1 3 ( . . . ) Parágrafo único. A q u e l e q u e efetivar o p a g a m e n t o a o p r e j u d i c a d o poderá exer-
i n c l u s i v e as de n a t u r e z a bancária, f i n a n c e i r a , de crédito e securitária, salvo as d e c o r r e n t e s das r e -
c e r o direito de regresso c o n t r a os d e m a i s responsáveis, s e g u n d o s u a participação na causação do
lações de caráter t r a b a l h i s t a . "
evento danoso."
220 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber Da R e s p o n s a b i l i d a d e à S o l i d a r i e d a d e 221
Não se t r a t a de t o m a r em consideração propostas que, fundadas exclusiva- De q u a l q u e r m o d o , o certo é que precaução, prevenção e todas as técnicas de
m e n t e em critérios de eficiência econômica, seduziam, até p o u c o t e m p o , parte administração de risco p a r t e m do princípio de que a p o t e n c i a l lesão a um i n t e -
da c o m u n i d a d e jurídica i n t e r n a c i o n a l c o m a simplicidade da fórmula de "a per- resse t u t e l a d o deve ser objeto de controle, t a n t o q u a n t o a lesão em si. A rigor, a
20
da j a z onde cai" (the loss lies where it falis). Tais propostas, que, desvinculadas preocupação c o m os riscos de lesão já, há m u i t o , ocupa o pensamento do d i r e i t o
de qualquer concepção de justiça social, chegavam a adquirir, na realidade social civil-constitucional, para o q u a l a t u t e l a dos interesses fundados em valores cons-
brasileira, feição verdadeiramente selvagem, f o r a m rejeitadas pela própria análise titucionais não se l i m i t a a u m a tutela de t i p o negativo clássico, destinada a r e p r i -
econômica do d i r e i t o , a qual, hoje, reconhece que, sob o discurso do custo social m i r sua lesão, mas abrange também u m a t u t e l a negativa p r e v e n t i v a ou inibitória,
da reparação, esconde-se o menos evidente, mas i g u a l m e n t e i m p a c t a n t e , custo no sentido de evitar situações p o t e n c i a l m e n t e lesivas a tais interesses, b e m c o m o
21
social da não-reparação. u m a t u t e l a positiva, c o m p r o m e t i d a em jpromover a sua máxima realização. 24
O que se pretende a q u i ressaltar é, na verdade, o crescente reconhecimento A eliminação prévia dos riscos de dano encontra seu p r i n c i p a l i n s t r u m e n t o na
pela o r d e m jurídica de outros instrumentos, diversos da responsabilidade civil, instituição de deveres de c o m p o r t a m e n t o prévios, quase sempre p o r normas legais
que p o d e m ser opostos aos danos injustos. Neste sentido, fala-se hoje, sobretu- ou regulamentares. Inteiros setores econômicos passam, assim, a sofrer u m a re-
do, em prevenção e precaução de danos. Por prevenção entende a d o u t r i n a toda gulamentação intensa, que, v o l t a d a às especificidades do seu r a m o de produção,
e qualquer m e d i d a destinada a evitar ou r e d u z i r os prejuízos causados p o r u m a pretende a d m i n i s t r a r satisfatoriamente os riscos de acidentes. A d i c i o n a l m e n t e , 25
atividade conhecidamente perigosa, p r o d u t o r a de risco atual, enquanto o concei- impõe-se a fiscalização eficiente p o r parte do poder público no que tange ao c u m -
to de precaução estaria l i g a d o à incerteza sobre a periculosidade mesma da coisa p r i m e n t o destas normas, sobretudo pelos agentes econômicos de m a i o r potencial
22
ou atividade, ou seja, ao evitar ou controlar um risco meramente p o t e n c i a l . Na lesivo, sem a q u a l t o d o esforço regulamentar se t o r n a inútil.
mesma direção, fala-se, ainda mais recentemente, em risk management c o m o téc-
Em algumas áreas, especialmente as v i n c u l a d a s à prestação de serviços pú-
nica que, somada à responsabilidade c i v i l , buscaria identificar os pontos de risco
23
blicos, o m o d e l o das agências reguladoras t e m sido adotado de f o r m a a combinar
em cada estrutura organizacional e eliminá-los antes da produção de d a n o s .
o interesse na prestação da a t i v i d a d e c o m a proteção dos interesses da c o l e t i v i -
26
dade beneficiária daquele serviço. No Brasil, a Agência N a c i o n a l de Telecomu-
20
Confira-se sobre o referido princípio, Patrick Atiyah, Accidents, Compensation and the Law, L o n d o n :
nicações ( A n a t e i ) e a Agência N a c i o n a l de Energia Elétrica (Aneel) têm imposto
W e i d e n f e l d a n d N i c h o l s o n , 1 9 7 5 , p. 51 ss. Ver, também, A n d r e a s H e l d r i c h , Compensating Non-Eco-
nomic losses in the Affluent Society, em American Journal of Comparative Law, 18, 1970, p. 25 ss. significativas medidas destinadas a evitar a produção de danos aos consumidores
21
Sobre o t e m a , A n t o n i n o P r o c i d a M i r a b e l l i di L a u r o , La Responsabilità Civile, cit., p. 1 0 7 - 1 5 1 . de m o d o geral, e já g o z a m de u m a consolidada reputação neste sentido órgãos
Confira-se, também, T h o m a s C. G a l l i g a n , The Tragedy in Torts, 5 C o r n e l l J. L. & P u b . 1 3 9 . fiscalizadores do mercado, como o Conselho A d m i n i s t r a t i v o de Defesa Econômica
2 7
22
"En el caso de la prevención, la peligrosidad de la cosa o actividad ya es bien conocida, y lo único (Cade) e a Comissão de Valores Mobiliários ( C V M ) .
que se ignora es si el dano va a producirse en un caso concreto. Un ejemplo típico de prevención está
dado por las medidas dirigidas a evitar o reducir los prejuicios causados por automotores. En cambio,
el caso de la precaución, la incertidumbre recae sobre la peligrosidad misma de la cosa, porque los co- responsabilità medica lascia cosi spazio ad una prospettiva nella quale possono svolgere una funzione
nocimientos científicos son todavia insuficientes para dar una respuesta acabada al respecto. Dicho de sinérgica anche momenti pubblicistici"
otro modo, la prevención nos coloca ante un riesgo actual, mientras que en el supuesto de la precaución 24
Pietro P e r l i n g i e r i , La Personalità Umana nelVOrdinamento Giuridico, cit., p. 1 7 7 : "Non è possibile
estamos ante un riesgo potenciar (Roberto A n d o r n o , El Principio de Precaución: un Nuevo Standard qffermare che un interesse è rilevante soltanto dal momento della sua lesione, perché la tutela del mo-
Jurídico para la Era Tecnológica, Diário La Ley, B u e n o s A i r e s , j u l . 2 0 0 2 , p. 1 s s . ) . mento patológico dimostra próprio che Vinteresse è rilevante anche dal punto di vista sostanziale."
23
A importância do risk management em matéria de r e s p o n s a b i l i d a d e médica t e m sido d e s t a c a d a 25
N ã o s e d e v e d e s c o n s i d e r a r , p o r óbvio, advertências m a i s recentes n o sentido d e q u e a própria
pela d o u t r i n a i t a l i a n a . Confira-se G i u l i o P o n z a n e l l i , La Responsabilità Medica ad un Bivio: Assicura- concretização d o princípio d e precaução p o d e , e v e n t u a l m e n t e , p r o d u z i r r i s c o s a d i c i o n a i s a o s j á
Q
zione Obbligatoria, Sistema Residuale No-Fault o Risk Management?, in Danno e Responsabilità, n 4, inerentes à at ividade lesiva. Neste sentido, é de se conferir C a s s S u n s t e i n , Laws ofFear: Beyond the
2 0 0 3 , p. 4 3 0 : "La Strada del risk management punta conforza ad una rivisitazione, non solo i chia- Precautionary Principie, C a m b r i d g e : C a m b r i d g e U n i v e r s i t y P r e s s , 2 0 0 5 , passim.
ve aziendalistica, delle strutture ospedaliere: molti errori, infatti, provengono da difetti organizzativi 26
Ver, p o r todos, Marçal J u s t e n F i l h o , O Direito das Agências Reguladoras Independentes, São P a u -
ospedalieri (ossia, e senza che Vélenco abbia natura tassativa: cattive condizioni di lavoro; turni irra-
zionali; mancata comunicazione tra operatori; tecnologie obsolete o malfunzionanti; errori nei percorsi lo: Dialética, 2 0 0 2 .
27
ospedalieri; assenza di programmi di educazione e cosi via). Piuttosto che invocare Vapplicazione di una A experiência b e m - s u c e d i d a v e i o r e s s a l t a d a p o r p a l e s t r a n t e s d e diferentes setores n o I Seminá-
responsabilità ospedaliera per carenze organizzative (dallefragile basi sistemache e dagli incerti confini rio em comemoração aos 30 a n o s da Comissão de V a l o r e s Mobiliários, intitulado "Fundos de Inves-
operativi), si traita di puntare su un controllo degli accidents rate interno allq singola struttura ospe- timento - Tutela do Investidor e Responsabilidade dos Administradores", organizado pelo Instituto de
daliera, senza eliminare, owiamente, le ordinarie regole di responsabilità civile. Il diritto privato della Direito C i v i l e p e l a C V M .
Da Responsabilidade à Solidariedade 223
222 Novos P a r a d i g m a s da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
A criação de deveres prévios à ocorrência de lesão, necessária sobretudo em Tem contado, nesta esteira, c o m a m p l a difusão o chamado seguro de respon-
28
matéria de danos e x t r a p a t r i m o n i a i s , impõe sobre t o d a a coletividade dos agen- sabilidade c i v i l , p o r meio d o q u a l o segurado contrata a assunção - econômica
tes potencialmente lesivos um ônus adicional, cujo custo v e m , na m a i o r parte das ou, em alguns ordenamentos, até mesmo jurídica - pelo segurador das obrigações
vezes, repassado aos beneficiários da atividade e m questão. A q u i , diferentemente derivadas da sua eventual responsabilização no exercício de certa atividade. Tal
do que ocorre na responsabilização solidária p o r acidentes pontuais, as relações difusão tende a alcançar a totalidade dos casos em atividades fortemente oneradas
de concorrência d i f i c i l m e n t e i m p e d e m o repasse, na m e d i d a em que, sendo o de- pela aplicação da responsabilidade civil, como ocorre, nos Estados Unidos, c o m a
ver de precaução ou prevenção i m p o s t o a todos os agentes do setor econômico prática médica onde o i n c r e m e n t o do v a l o r das indenizações em v i r t u d e dos puni-
específico, o a u m e n t o do preço final acaba se dando de f o r m a global. O ônus da tive damages estimulou, apenas entre 2 0 0 0 e 2 0 0 2 , um a u m e n t o de 1 5 % no v a l o r
antecipada exclusão dos danos recai, assim, sobre t o d a a sociedade, e não sobre dos prêmios pagos p o r médicos em geral, c o m elevação a i n d a m a i o r para certas
um causador eventual, ou sobre u m a vítima, que não logre ultrapassar os filtros especialidades, c o m o ginecologistas ( 2 Í % ) e cirurgiões gerais ( 3 3 % ) . 3 1
um progressivo abandono do escopo repressivo da c o n d u t a culposa em favor da do segurado perante o terceiro, se o segurador for insolvente" (art. 787, § 4 ) .
proteção à pessoa lesada, eliminaram-se os obstáculos ideológicos que i m p e d i a m
30
a transferência do ônus econômico da reparação a um terceiro i n o c e n t e . soupape de Vassurance. Or, celle-ci denature la responsabilité civile en même temps qu'elle enfavorise
Vexpansion."
31
28
"The past few years have seen a sharp increase in premiums for medical malpractice liability insur-
"II sistema delia responsabilità civile deve, cioè, muoversi in una prospettiva unitária, coerente con
ance, which health care professionals buy to protect themselves from the costs of being sued [...]. On
il nostro ordinamento costituzionale, nel quale gli interessi non patrimoniali, in particolare gli interes-
average, premiums for all physicians nationwide rose by 15 percent between 2000 and 2002 - nearly
si esistenziali delia persona umana, esigono una tutela tanto in via preventiva (neila fase fisiológica di
twice as fast as total health care spending per person. The increases during that period were even more
realizzazione), quanto nel momento patológico (owerosia ogniqualvolta quegli interessi vengano lesi)"
dramatic for certain specialties: 22 percent for obstetricians/gynecologists and 33 percent for internists
(Pietro Perlingieri, La Responsabilità Civile tra Indennizzo e Risarcimento, in Rassegna di diritto civile,
a
n 4 , 2004, p. 1064). and general surgeons" (Limiting Tort Liability for Medical Malpractice, disponível no site do Congres-
s i o n a l B u d g e t Office, w w w . c b o . g o v ) .
29
Neste sentido, F e r n a n d o N o r o n h a , Direito das Obrigações, cit., p. 5 4 6 : "Ao tempo em que preva- 32
O art. 1.917 da codificação i t a l i a n a descreve a e s t r u t u r a do contrato: "NelVassicurazione delia
lecia a idéia de que toda responsabilidade d e v e r i a ser f u n d a d a na c u l p a , e r a c o n s i d e r a d a i m o r a l a
responsabilità civile Vassicuratore è obbligato a tenere indenne Vassicurato di quanto questi, in conse-
possibilidade de o lesante transferir p a r a u m a c o m p a n h i a s e g u r a d o r a a obrigação de indenizar."
guenza del fatto accaduto durante il tempo delVassicurazione, deve pagare a un terzo, in dipendenza
30
Y v o n n e Flour, Faute et Repqnsabilité Civile: Déclin ou Renaissance?, cit., p. 40: "Au spectaculaire delia responsabilità dedotta nel contratto."
développement de la responsabilité civile, l'assurance a servi tout à la fois de cause et d'effet. Lune se 33
"Art. 1917 [...] Sono esclusi i danni derivanti dafatti dolosi."
nourrit de Vautre. Le besoin toujours croissant de réparation eût été d'un poids insupportable sans la
224 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber Da Responsabilidade à Solidariedade 225
À pacte as especificidades de sua disciplina em cada o r d e n a m e n t o jurídico, E m última análise, o d e s e n v o l v i m e n t o d o seguro de responsabilidade c i v i l
o seguro de responsabilidade civil produz, claramente, u m a diluição dos danos, anuncia um cenário algo curioso em que m e s m o a decisão mais vinculada à idéia
na m e d i d a em que reparte entre os diversos agentes potencialmente lesivos, por de punição m o r a l , na hipótese mais dependente de p r o v a da culpa do ofensor, pro-
m e i o da cobrança dos prêmios, os custos globais advindos da indenização de to- moverá, ao declarar procedente o p e d i d o de indenização, u m a quase automática
dos os danos derivados daquela atividade. Tal instrumento torna-se imprescindível transferência do ônus econômico da reparação a u m a c o m p a n h i a seguradora, que
na m e d i d a em que se verifica que os danos perderam, na sociedade contemporâ- diluirá entre todos os segurados o v a l o r daquela e de todas as demais condena-
nea, o seu caráter acidental e fatalístico, convertendo-se em prejuízos que acom- ções, sem q u a l q u e r consideração sobre a existência ou não de culpa p o r parte do
p a n h a m , necessariamente, o desenvolvimento de certas atividades socialmente agente lesivo ou dos demais contratantes. T u d o a revelar que as habituais defesas
34
úteis, c o m o a circulação automobilística. Neste c o n t e x t o , já se reconhece que inflamadas da responsabilidade subjetiva e da concepção i n d i v i d u a l i s t a da res-
"na época contemporânea, a responsabilidade c i v i l não pode mais ser pensada ponsabilidade c i v i l convertem-se, a t u a l m e n t e , e m batalhas teóricas que a prática
35
fora da noção de s e g u r o " . tende, gradativamente, a i g n o r a r . 37
34
E r a já a lição de Stefano Rodotà, II Problema della Responsabilità Civile, cit., p. 19: "L'accadimento and the idea against which it stands in opposition (loss-spreading among those who are not at fault),
dannoso, nei campi segnati dal progresso, non è piii il prodotto di unafatalità cieca, di un destino av-
is its most commonplace effect."
verso, che impedisce diprevedere il verificarsi del danno: esso diviene unfatto che si accompagna ordi- 37
D e fato, o d e s e n v o l v i m e n t o d e seguros t e m i n f l u e n c i a d o d e f o r m a m a r c a n t e a r e s p o n s a b i l i d a -
nariamente alVoperare umano, rimanendo però sottratto alia tradizionale configurazione delVelemeto
de c i v i l em inúmeros o r d e n a m e n t o s estrangeiros. A própria erosão d o s filtros do r e s s a r c i m e n t o , já
della volontà, dal momento che si tratta di danni che devono àccadere."
a n a l i s a d a , t e m s e verificado c o m a i n d a m a i o r i n t e n s i d a d e n a q u e l a s hipóteses e m q u e h á seguros
35
No o r i g i n a l : "à l'époque contemporaine, la responsabilité civile ne peut certainement pas être pen- amparando o responsável: "Plus techniquement, la lecture de certaines décisions de jurisprudence per-
sée en dehors de l'assurance" ( Y v o n n e Flour, Faute et Reponsabilité Civile: Déclin ou R e n a i s s a n c e ? , met de déceler que les juges, tant français qu'anglais, interprètent certains des. éléments constitutifs de
cit., p. 4 2 ) .
la responsabilité dans un sens large lorsqu'ils savent que le préjudice en cause est couvert par un contrat
36
S o b r e o t e m a , é de se conferir a p a s s a g e m de J o a n n e C o n a g h a n e W a d e M a n s e l l , The Wrongs d'assurance" ( L y d i e R e i s s , Le Juge et le Préjudice: Étude Comparée des Droits Français et Anglais, Aix-
of Tort, cit., p. 1 2 - 1 3 : "Thus, one of the problems with the traditional perception of negligence is that M a r s e i l l e : P r e s s e s U n i v e r s i t a i r e s d'Aix-Marseille, 2 0 0 3 , p . 4 4 2 - 4 4 3 ) .
it is predicated on the idea of a loss-shifting rather than loss-spreading. To shift a loss generated by the 38
T r a t a n d o especificamente d a r e s p o n s a b i l i d a d e p o r a c i d e n t e s automobilísticos, ressaltou C a r l o
vicissitudes of life from one poor unfortunate to another hardly seems consonant with justice, whereas C a s t r o n o v o que a adoção de um s i s t e m a de r e s p o n s a b i l i d a d e objetiva em situações n e c e s s a r i a m e n -
to spread it so widely that it is scarcely noticed by the multitude of people who absorb it is an entirely te lesivas r e s u l t a m u i t o próxima, em s u a s razões últimas, de um m o d e l o de s e g u r i d a d e que d i l u a o
different matter - and, indeed, forms the basis of the philosophy behind the welfare state. Yet the no- ônus da reparação p o r todos os agentes p o t e n c i a l m e n t e c a u s a d o r e s do d a n o . Cf. C a r l o C a s t r o n o v o ,
tion of culpability implicit in the concept of fault ensures that loss-shifting not loss-spreading remains La Nuova Responsabilità Civile, cit., p. 4 6 4 : "Laddove invece si ponga mente che, per riferirci al tema
the primary rhetorical focus of negligence. Ironically, while individual responsibility continues to be the nostro, la circolazione di autoveicoli è la fonte di un danno che, considerato nel suo insieme, non risulta
perspective which informs most cases, collective responsibility and loss-spreading through the mechanism
evitabile e si présenta come endêmico della società conteporanea, ci si awede corne la stessa responsa-
of liability insurance tends to be incidental by-product. Thus, from the very outset, negligence proves
bilità, ove diventi oggettiva e imputi i costi alla circolazione come taie, non risulti molto distante, nella
paradoxical The goal to which it claims to aspire (loss-shifting on grounds of fault), it rarely attains
sua ragione ultima, dal modello assicurativo"
Da Responsabilidade à Solidariedade 227
226 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r
destes danos p o r toda sociedade o u , ao menos, p o r um g r u p o de agentes poten- razão disso, u m a intensa flexibilização dos filtros da reparação, e um deslocamento
cialmente lesivos, que a sua atribuição quase aleatória ao "culpado" ou "causador" gradual das atenções em direção ao dano, t u d o a favorecer a condenação do réu,
mais próximo, como t e m o c o r r i d o na experiência j u r i s p r u d e n c i a l de m u i t o s paí- mesmo à m a r g e m da configuração dos tradicionais pressupostos de responsabili-
ses. Parece restritivo, e excessivamente indiferente à própria evolução histórica do zação. Atende-se, dessa forma, a um princípio a m p l a m e n t e celebrado de reparação
instituto, entender que a responsabilidade civil consiste e m noção visceralmente integral do d a n o sofrido pela vítima, mas ao m e s m o t e m p o se impõe sobre o réu,
v i n c u l a d a aos dogmas que a sustentaram a p a r t i r da M o d e r n i d a d e , de t a l m o d o i n d i v i d u a l m e n t e , um ônus excessivo e, pior, i n c e r t o , na m e d i d a em que as regras
que a exigência de diluição dos danos reparáveis seria estranha ao seu âmbito ou da responsabilidade são flexibilizadas para se alcançar este resultado.
incompatível c o m a sua o n t o l o g i a .
Em outras palavras, solidariza-se a verificação dos pressupostos da condena-
Neste sentido, já André Tunc sustentava que "a responsabilidade c i v i l pode, ção, a d m i t i n d o - a quase a u t o m a t i c a m e n t e , c o m base no substrato ideológico de
i g u a l m e n t e , ser u m a técnica d i r e t a de diluição da carga dos danos, na m e d i d a em que somos todos responsáveis, mas o dever de reparar c o n t i n u a pesando, caso a
que se concentre não sobre um indivíduo enquanto t a l , mas sobre u m a pessoa em caso, sobre um responsável único. Deste m o d o , cada responsabilizado conserva
relação c o m u m a coletividade ou c o m o público, e que se encontre, desta forma, a impressão de que em t a l posição f o i colocado p o r álea, p o r azar, p o r injustiça
em situação de r e d i s t r i b u i r a carga que se deposita sobre ela. No exemplo clássico, mesmo, e n q u a n t o a sociedade como um t o d o d e i x a de assumir a responsabilidade
a responsabilidade civil da empresa pode ser contabilizada e m suas despesas ge- que, diluída, m a i o r proteção asseguraria à v i t i m a .
rais e ser redistribuída entre todos os compradores dos seus produtos a um custo
41
Há, deste m o d o , u m choque entre a v e l h a estrutura d a responsabilidade civil
i n f i n i t e s i m a l para cada u m deles". - essencialmente i n d i v i d u a l i s t a , destinada a transferir o dano a um único culpado,
um único causador, um único responsável - e a sua função p r i m o r d i a l na atualida-
39
Ricardo de A n g e l Yâgùez, Algunas Previsiones sobre el Futuro de la Responsabilidad Civil, cit., de - a de reparar adequadamente o d a n o , o que r e c o m e n d a r i a a sua difusão p o r
p. 16.
40
C o m o e x p l i c a m J o a n n e C o n a g h a n e W a d e M a n s e l l : "The foundation of tort law reflects a particu-
charge que Von place sur elle. Ainsi, pour prendre l'exemple classique, la responsabilité civile de l'en-
lar ideological and philosophical perspective (essentially captured by the principle of individual rather
treprise peut entrer dans ses frais généraux et être redistribuée entre tous les acheteurs de ses produits
than societal responsibility for the misfortune of others) which is, in our view, highly contentius. In-
à un coût infinitésimal pour chacun d'eux" (André T u n c , La Rresponsabilité Civile, Paris: Económica,
deed, if the basic subject-matter of tort is concerned with how the law responds, or fails to respond, to
1989, p. 146-147).
the misfortunes which afflict individuals in our society, it can be strongly argued that the tort system
42 u
represents a political solution which is undesirable both because of the arbitrariness of its results and O fenômeno não se l i m i t a , a rigor, à r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l . C o m o e n s i n a Pietro P e r l i n g i e r i , il
1
because of the underlying callousness of its ideology (The Wrongs of Tort, cit., p. 3 ) . nostro è un momento storico di traspasso e di utilizzazione di certe strutture, nate - corne detto-per
41
svolgere certe funzioni e chiamate oggi, in un nuovo ordinamento costituzionale, a svolgerne altre,
No o r i g i n a l : "la responsabilité civile peut également être une technique directe de dilution de la
senz'altro diverse, se non talvolta addirittura opposte" (La Personalità Umana nell'Ordinamento Giu-
charge des dommages lorsqu'elle porte, non sur un individu en tant que tel, mais sur une personne
ridico, cit., p. 21).
en rapport avec une collectivité ou avec le public, et qui se trouve ainsi en situation de redistribuer la
228 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber Da Responsabilidade à Solidariedade 229
mais de um responsável. De fato, parece evidente que a reparação da vítima não assim se assegura a t u t e l a da vítima sem lançar sobre o réu um ônus exagerado,
pode ser b e m a t e n d i d a na m e d i d a em que se lança t o d o o seu peso sobre um úni- podendo-se e n c o n t r a r um equilíbrio j u s t o e solidário e n t r e estas duas posições
co responsável. Em p r i m e i r o lugar, b i p o l a r i z a r o c o n f l i t o torna-o excessivamente antagônicas, ou m e s m o e l i m i n a r o antagonismo que historicamente lhes carac-
tormentoso, c o m a n a t u r a l resistência do responsável exclusivo à pretensão inde- teriza. A responsabilidade c i v i l apresenta-se, sob esta ótica, c o m o u m renovado
nizatória, muitas vezes c o m recursos mais eficientes que aqueles de que dispõe o instrumento a serviço não de pretensões i n d i v i d u a i s , mas v o l t a d o à solução dos
autor. A i n d a que condenado, o responsável único pode não arcar c o m o custo da danos c o m o p r o b l e m a coletivo e social.
reparação, p o r insolvência, situação não i n c o m u m sobretudo em um cenário de Aceita a n o v a e abrangente feição da responsabilidade c i v i l , mecanismos d i -
tendencial crescimento do v a l o r das indenizações. versos se apresentam no sentido de promover, paralelamente aos remédios t r a d i -
Além disso, a estrutura i n d i v i d u a l i z a d a cria u m a situação de injustiça em um cionais, á diluição do ônus reparatório na sociedade. O p r i n c i p a l deles c o n t i n u a
cenário em que a identificação de um responsável é cada vez mais flexível, mais sendo, c o n t u d o , o mecanismo securitário, seja sob a f o r m a de seguridade social,
aleatória e mais c o m p r o m e t i d a c o m a satisfação da vítima, independentemente da seja sob a f o r m a de seguros privados obrigatórios.
43
conduta l e s i v a . Parece, c o m efeito, absurdo condenar a elevadas indenizações
- l e g i t i m a m e n t e elevadas, diga-se, porque elevado é o dano - alguém que pode
ter agido c o m máxima diligência e que pode não ter d a d o causa, j u r i d i c a m e n t e , à 7 S e g u r i d a d e s o c i a l e o p r o b l e m a da deficiência das políticas
lesão sofrida pela vítima. Neste contexto, o a t e n d i m e n t o à função p r i m o r d i a l da
públicas
responsabilidade c i v i l - a adequada reparação dos danos - passa necessariamente
pela difusão do dever de indenizar, ou seja, pela distribuição da responsabilida-
O progressivo afastamento da responsabilidade c i v i l de um escopo de i m p u t a -
de p o r toda a c o m u n i d a d e , c o m a construção de u m a autêntica responsabilidade
44
ção m o r a l , l i g a d o à repressão da conduta culposa, p e r m i t i u que responsabilidade
social.
e seguridade se reunificassem em t o r n o daquela que consiste na função c o m u m
46
Tetos indenizatórios, exclusão de ressarcibilidade de certos danos extrapatri- de ambos os institutos: a reparação dos d a n o s . Parece, nesta direção, verdadeira
moniais, critérios ilegítimos de merecimento de t u t e l a fundados na gravidade da a afirmação de Y v o n n e Flour, para q u e m "a questão não consiste tanto em saber
lesão ou na sua anormalidade social, todos estes instrumentos de que se cogita q u e m é o responsável pelo dano, mas q u a l g r u p o deve assumir o ônus financeiro
na experiência jurídica contemporânea são direcionados a um único o b j e t i v o : o do risco". 47
de conter a expansão do dano ressarcível, pelo n a t u r a l t e m o r de que t a l expansão Nesta perspectiva, não há dúvida de que o sistema i d e a l consistiria na cons-
lance sobre os agentes lesivos um ônus exagerado e, conseqüentemente, injusto. trução de um seguro social a m p l o e universal, em que todos respondessem pelos
Todas estas propostas reduzem, porém, a reparação i n t e g r a l a que faz j u s a víti- danos sofridos p o r qualquer u m . As vantagens de t a l m o d e l o sobre a estrutura-
ma, p r o m o v e n d o i g u a l ou m a i o r injustiça. Entre estes dois extremos oscila, hoje, ção i n d i v i d u a l i s t a da responsabilidade c i v i l t r a d i c i o n a l são evidentes. Evita-se o
a gangorra da responsabilidade c i v i l . M e l h o r do que permanecer neste d i l e m a é, antagonismo do c o n f l i t o reparatório, que t o r n a mais difícil - porque resistido - o
sem dúvida, o p t a r pela diluição do ônus reparatório entre t o d a a coletividade ou sucesso da vítima, afastando-se, ao mesmo t e m p o , o risco de insolvência do réu,
entre grupos de agentes potencialmente lesivos. "
Tecnicamente, p o r t a n t o , a diluição dos danos é não apenas imposta pelo p r i n - dos d a n o s e a funcionalização da r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l , c o m ênfase no direito a m b i e n t a l , a o b r a de
cípio da solidariedade social, mas consiste em um i m p e r a t i v o necessário ao pró- L u c a s A b r e u B a r r o s o , A Obrigação de Indenizar e a Determinação da Responsabilidade Civil por Dano
p r i o a t e n d i m e n t o da função contemporânea d a responsabilidade c i v i l . Somente 4 5
Ambiental, R i o d e J a n e i r o : F o r e n s e , 2 0 0 6 , e s p e c i a l m e n t e p . 1 2 1 - 1 3 4 .
46
Em s e n t i d o s e m e l h a n t e , C a r l o C a s t r o n o v o , La Nuova Responsabilità Civile, cit., p. 4 5 9 : "Proprio
la prospettiva funzionale, alfine, ha consentito di mettere in luce come la pur diversa efficacia giuridica
43
A referência obrigatória, a q u i , é a P a t r i c k A t i y a h , The Damages Lottery, cit., em que o a u t o r e n - che caratterizza ü danno assicurato e il danno risarcibile possa essee colta quale modalità alternativa di
fatiza, sob diversos aspectos, a álea inerente à a t u a l aplicação da r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l . risoluzione di un único problema: quello del danno che, al di là della lesione giuridicamente rilevante,
44
E m sentido s e m e l h a n t e , referia-se o W o o d h o u s e R e p o r t a "Community Responsibility" c o m o u m costituisce una conseguenza patrimoniale negativa per una determinata sfera giuridica. In termini anali-
dos princípios a g u i a r a r e f o r m a do s i s t e m a de r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l na N o v a Zelândia (The Woo- ticamente più precisi: quäle offerta di modelli in competizione, purse non necessariamente esclusivi l'uno
dhouse Report, W e l l i n g t o n : N e w Z e a l a n d G o v e r n m e n t , 1 9 6 7 ) . dell'altro, per l'individuazione delia sfera giuridica nella quale allocare il costo del danno stesso"
47
45
Neste sentido, referia-se André T u h c a um d e v e r de diluição dos d a n o s : "Ainsi conçue, la dilution No o r i g i n a l : "la question n'est pas alors tant de savoir qui est responsable du dommage, mais quel
des dommages est un devoir pour la société, et un devoir à l'accomplissement duquel la responsabilité est le groupe qui doit assumer la charge financière du risque" ( Y v o n n e F l o u r , Faute et Reponsabilité
civile peut être associée" (La Responsabilité Civile, cit., p. 1 4 6 ) . No B r a s i l , corifïra-se sobre a diluição Civile: Déclin ou Renaissance?, cit., p. 4 2 ) .
230 Novos P a r a d i g m a s da R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber Da Responsabilidade à Solidariedade 231
já que um sistema tão a m p l o de seguridade social tende a ser g e r i d o pelo poder frente críticas, sobretudo em relação aos seus elevados custos globais, financiados
público, c o m recursos inesgotáveis. Além disso, reduz-se tendencialmente o risco essencialmente pelos trabalhadores ativos, o certo é que a p i o n e i r a experiência
de vitimização social e de proliferação das chamadas demandas frívolas, na medida neozelandesa pode ser considerada relativamente bem-sucedida na sua ousada
em que o custo de qualquer reparação repercute, declaradamente, sobre todas as implementação de u m sistema substitutivo à responsabilidade c i v i l .
pessoas. A i n d a : a álea inerente à atual aplicação prática da responsabilidade civil
v e m substituída pela absoluta segurança da vítima na obtenção do ressarcimento, Certo, porém, que t a l ousadia exige condições políticas e econômicas especí-
50
fator que t o r n a menos conflituosa a sociedade como um t o d o . Há, além disso, van- ficas, não raro ausentes sobretudo em países em d e s e n v o l v i m e n t o . Daí a m a i o r
tagens estruturais relevantes, como o fato de que, ao contrário do que ocorre na parte do m u n d o c o n t a r c o m sistemas de seguridade social apenas em caráter sub-
responsabilidade civil - e m que a quantificação da indenização t e m lugar, muitas sidiário ao f u n c i o n a m e n t o da responsabilidade c i v i l e de f o r m a restrita a certos
vezes, antes de se ter exata idéia dos efeitos futuros da lesão sobre a vítima ~, o segmentos p a r t i c u l a r m e n t e lesivos, onde a periculosidade é evidente, ou a pres-
sistema de seguridade social é compatível c o m u m a indenização g r a d u a l e variável são política, considerável. E o que c o m p r o v a a experiência italiana mais recente,
Q
no t e m p o , t o r n a n d o mais precisa a relação entre d a n o e reparação. c o m relação às vítimas de t e r r o r i s m o ou de c r i m e organizado (Lei n 302, de 20
5 1
de o u t u b r o de 1 9 9 0 ) , ou às vítimas de vacinações obrigatórias e de transfusões
Estas e outras vantagens do sistema de seguridade social para reparação dos ü
de sangue infectado ( L e i n 2 1 0 , de 25 dé fevereiro de 1 9 9 2 , modificada pela Lei
danos c o n d u z i r a m , em alguns países, à completa eliminação das ações de responsa- Q 5 2
n 238, de 25 de j u l h o de 1 9 9 7 ) .
bilidade civil. A Nova Zelândia, por exemplo, u m a das pioneiras na implementação
do seguro obrigatório para acidentes de t r a b a l h o ( 1 9 0 0 ) e acidentes de trânsito Em m u i t o s países, porém, cogitou-se, na esteira da experiência neozeolandesa,
( 1 9 2 8 ) , i n s t i t u i u , em 1972, um sistema de seguridade social para a compensação de u m a possível expansão destes mecanismos r u m o à construção de um sistema
48
de danos que substituiu, p o r completo, as ações de reparação. A i n d a vigente,
o sistema neozelandês sofreu, como ocorre c o m qualquer experiência inovadora, u m m e r c a d o competitivo p a r a seguros d e acidentes e m a m b i e n t e d e t r a b a l h o . U m a agência r e g u l a -
avanços e retrocessos ao l o n g o de sua breve história, t e n d o sido m a r c a d o p o r u m a d o r a - Office of the Accident Insurance Regulator - foi c r i a d a p a r a f i s c a l i z a r este n o v o m e r c a d o . Em
grande quantidade de alterações legislativas. Embora ainda hoje o sistema en- 49 2 0 0 0 , a d i t a m e n t o s ao Accident Insurance Act r e v o g a r a m a p o s s i b i l i d a d e de e m p r e s a s p r i v a d a s pres-
t a r e m seguros, e a a t i v i d a d e v o l t o u a s e r de domínio estatal. Em 2 0 0 1 , na última alteração legislati-
va até o momento, o Injury Prevention Rehabilitation and Compensation Act trouxe como principais
48
E m 1 9 6 7 , a N o v a Zelândia c r i o u u m a comissão r e a l p a r a a n a l i s a r a s m a z e l a s d o s i s t e m a d e res- mudanças u m a i n t e n s a ênfase na prevenção de d a n o s e na reabilitação das vítimas. P a r a m a i o r e s
p o n s a b i l i d a d e c i v i l e p r o p o r reformas. O resultado foi o célebre Woodhouse Report - a s s i m d e n o m i - informações sobre a a t u a l feição do s i s t e m a de compensação de d a n o s na N o v a Zelândia, v e r o site
n a d o em referência ao chairman da comissão, o m a g i s t r a d o Q w e n W o o d h o u s e -, r e c o m e n d a n d o a da Accident Compensation Corporation, e n t i d a d e g o v e r n a m e n t a l responsável p e l a s u a operação, em
adoção de um s i s t e m a a m p l o de r e s p o n s a b i l i d a d e objetiva, q u e cobrisse as m a i s v a r i a d a s situações www.acc.co.nz.
de acidentes pessoais. Na esteira d e s t a proposta, o p a r l a m e n t o neozeolandês a p r o v o u , em 1 9 7 2 , o 50
Note-se q u e o e x e m p l o neozelandês foi s e g u i d o a p e n a s e m países c o m r e c u r s o s econômicos r e -
Accident Compensation Act, que a s s e g u r a v a às vítimas de acidentes pessoais p r o n t a reparação, i n - l a t i v a m e n t e e l e v a d o s , c o m o a Suécia. S o b r e o s i s t e m a sueco de s e g u r i d a d e s o c i a l p a r a c o m p e n s a -
c l u i n d o despesas hospitalares, custos de reabilitação, indenização p o r d o r e sofrimento até o teto ção de d a n o s , s u a s características p a r t i c u l a r e s e seus p r i n c i p a i s p r o b l e m a s , ver, em u m a a b o r d a g e m
de $ 1 0 . 0 0 0 e lucros cessantes pagáveis já a partir do sétimo d i a após o acidente em v a l o r e q u i v a - comparatista, Alessandro Simoni, Una Macchina Risarcitoria: Regole, Attori, Problemi nel Modello
lente a 8 0 % da r e n d a s e m a n a l pregressa. Em 1 9 7 3 , o Accident Compensation Act foi a d i t a d o p a r a Svedese di Riparazione del Danno alia Persona, T u r i m : G. Giappichelli Editore, 2001.
a b r a n g e r vítimas não c o n t e m p l a d a s na versão original do ato, em e s p e c i a l estudantes, trabalhadores 51 e f i U
O art. I da L e i n 3 0 2 / 1 9 9 0 dispõe in verbis: A chiunque subisca un'invalidità permanente,
inativos e m e s m o turistas em visita à N o v a Zelândia. P a r a informações a d i c i o n a i s sobre a criação e
per effetto diferite o lesioni riportate in conseguenza dello svolgersi nel território dello Stato di atti di
d e s e n v o l v i m e n t o i n i c i a l do s i s t e m a neozelandês, v e r W i l l i a m F r a n c i s B i r c h , Accident Compensation:
terrorismo o di eversione delVordine democrático, a condizione che il soggetto leso non abbia concorso
A Fairer Scheme, W e l l i n g t o n : N e w Z e a l a n d G o v e r n m e n t , 1 9 9 1 , passim.
alia commissione degli atti medesimi owero di reati a questi connessi ai sensi delVart. 12 del códice di
49
E m 1 9 8 2 , d e z anos depois d a instituição d o s i s t e m a , a preocupação g o v e r n a m e n t a l c o m o ní- procedura pénale, è corrisposta una elargizione fino a lire 150 milioni, in proporzione alia percentuale
v e l elevado de insatisfação dos t r a b a l h a d o r e s ativos, que a c a b a v a m f i n a n c i a n d o a compensação de di invalidità riscontrata, con riferimento alia capacita lavorativa, in ragione di 1,5 milioni per ogni
inativos, r e s u l t o u em um segundo e m a i s s u b s t a n c i a l a d i t a m e n t o ao Accident Compensation Act, c o m punto percentuale."
a finalidade de r e d u z i r os custos globais do s i s t e m a e a p r i m o r a r s u a eficiência. E n t r e 1 9 8 6 e 1 9 9 0 , 52 f i û
O art. l da L e i n 2 1 0 / 1 9 9 2 d e t e r m i n a : "1. Chiunque abbia riportato, a causa di vaccinazioni
novos estudos críticos f o r a m r e a l i z a d o s sob i n i c i a t i v a g o v e r n a m e n t a l , e s p e c i a l m e n t e c o m relação a
obbligatorie per legge o perordinanza di una autorità sanitaria italiana, lesioni o infermita, dalle quali
m e d i d a s a s e r e m adotadas p a r a r e d u z i r a d i s p a r i d a d e de t r a t a m e n t o entre vítimas de acidentes e
sia derivata una menomazione permanente delia integrità psico-fisica, ha diritto ad un indennizzo da
vítimas de e n f e r m i d a d e s , já que as p r i m e i r a s e r a m d e m o n s t r a d a m e n t e m e l h o r c o m p e n s a d a s que as
parte dello Stato, alie condizioni e nei modi stabiliti dalla presente legge. 2. Üindennizzo di cui al com-
últimas, fato tido c o m o incoerente e m u m sistema público d e s e g u r i d a d e . E m 1 9 9 2 , u m a r e f o r m a
ma 1 spetta anche ai soggetti che risultino contagiati da infezioni da HIV a seguito di somministrazione
a m p l a sob o ponto de v i s t a e s t r u t u r a l foi a p r o v a d a sob o título de Accident Rehabilitation and Com-
di sangue e suoi derivati, nonché agli operatori sanitari che, in occasione e durante il servizio, abbiano
pensation Insurance Act, m a s a d i t a d a já em 1 9 9 6 . Em 1 9 9 8 , a legislação foi n o v a m e n t e a l t e r a d a , c o m
riportato danni permanenti alia integrità psico-fisica conseguenti a infezione contratta a seguito di con-
o Accident Insurance Act, que e n c e r r o u o monopólio e s t a t a l na a t i v i d a d e securifária, i n a u g u r a n d o
tatto con sangue e suoi derivati provenienti da soggetti affetti da infezione da HIY\
232 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r Da Responsabilidade à Solidariedade 233
mais a m p l o , a i n d a que l i m i t a d o e c o m características estruturais definidas, acre- Desta maneira, a seguridade social, hoje, aparece mais c o m o p r o b l e m a que
ditando-se possível seu f i n a n c i a m e n t o p o r m e i o da imposição de t r i b u t o s ou da como solução para a responsabilidade civil. Embora subsistam meios de i m p l e m e n -
combinação c o m recursos privados. A falência generalizada das políticas públicas tação e o projeto de um a m p l o seguro social permaneça, teoricamente, viável, aos
no entanto, afastou qualquer pretensão neste sentido. As crises orçamentárias errí obstáculos já existentes somou-se u m a opinião geral desfavorável, inspirada no
que ingressaram não apenas países emergentes, mas também t r a d i c i o n a i s estados d i f u n d i d o t e m o r da excessiva oneração estatal, consolidando-se u m a nítida pre-
assistencialistas, c o l o c o u em xeque a própria idéia do Welfare State e declarou i n - ferência p o r soluções desvinculadas de q u a l q u e r afetação pública. Incrementa-se,
gênuos todos os projetos de ampliação do sistema de seguridade social. Mesmo assim, a defesa dos chamados seguros privados obrigatórios.
os preconizadores dos sistemas públicos de reparação a d a p t a r a m gradativamen-
5 3
te seu pensamento, voltando-se p a r a soluções de caráter p r i v a d o . Ao mesmo
t e m p o , a experiência neozeolandesa e as que a seguiram, e m b o r a relativamente
8 S e g u r o s p r i v a d o s o b r i g a t ó r i o s - third-party insurance e first-party
bem-sucedidas, e v i d e n c i a r a m a persistência de certos vícios dà responsabilização
i n d i v i d u a l e ofereceram aos críticos sinais de indefinição que acabaram p o r fazer
insurance
54
c o m que se descartasse a adoção i m e d i a t a de projetos s e m e l h a n t e s .
Tem-se registrado que, m e s m o no âmbito da responsabilidade subjetiva, o
O aparente fracasso do Estado assistencialista não apenas d e s e s t i m u l o u a padrão de c o m p o r t a m e n t o d i l i g e n t e v e m sendo gradativamente associado à ado-
estruturação de sistemas universais de seguridade, mas lançou sobre a respon- ção de medidas capazes de assegurar a plena reparação dos danos eventualmente
sabilidade civil u m peso ainda m a i o r d o que aquele que a prática d o instituto já provocados. Desta m a n e i r a , o dever de comportar-se de f o r m a cuidadosa v a i , na
experimentava. C o m efeito, a falência das políticas públicas g e r o u um crescente visão de alguns autores, se identificando, em parte, c o m o dever de contratar se-
anseio p o r soluções assistenciais da parte do Poder Judiciário, para que as vítimas guro para qualquer atividade h a b i t u a l m e n t e lesiva. Se a exigência de contratação
dos danos não fossem deixadas aos cuidados sabidamente insuficientes do poder de seguros prospera mesmo n u m a perspectiva v i n c u l a d a à noção de culpa, m a i o r
55
e s t a t a l . Sobretudo em países c o m o o Brasil, marcados p o r u m a c r u e l desigual- relevo assume, p o r óbvio, no r e d i r e c i o n a m e n t o do objetivo da responsabilidade
dade social, os t r i b u n a i s passaram a simbolizar a única esperança de solução dos civil à diluição dos danos, especialmente nos casos e m que os prejuízos se p o d e m
dramas h u m a n o s , e as ações de responsabilidade c i v i l passaram gradativamente dizer a c i d e n t a i s . 56
mais amplos de inclusão, t u d o de f o r m a tão contrária à dogmática jurídica quanto te, no que tange aos acidentes automobilísticos. C o m isso, foge-se ao t e m o r de
necessária à realidade social. c o m p r o m e t i m e n t o do patrimônio público e escapa-se a preocupações de o r d e m
geral, vinculadas à burocratização excessiva ou às chances alegadamente mais
elevadas de corrupção que i n c i d i r i a m sobre um mecanismo securitário financiado
53
A s s i m , o próprio P a t r i c k A t i y a h , antes defensor d e u m s i s t e m a d e s e g u r i d a d e s o c i a l , p a s s o u , gra- o u simplesmente g e r i d o pelo E s t a d o . 58
mente inattuale un pensiero disposto a reputare la responsabilità civile ormai defunta in quanto sop- Neste sentido, sustenta-se, h á a l g u m t e m p o , a criação d e u m v e r d a d e i r o "direito dos acidentes".
piantatadalVassicurazione: simile valutazione potrebbe avere senso in un sistema di totale sicurezza C o n f i r a - s e , e n t r e outros, André T u n c , La Responsabilité Civile, cit., p. 1 2 1 - 1 2 8 .
sociale che rinunciasse afarpagare il danno a chi lo ha causato e nel quale, owiamente, lafunzione 5 7
T r a t a - s e d o s e g u r o D P V A T - s e g u r o de d a n o s p e s s o a i s c a u s a d o s p o r veículos a u t o m o t o r e s de
di prevenzione svolta dalla responsabilità civile fosse commessa ad altre forme di reazione giuridica, le 2
vias terrestres, r e g u l a d o p e l a L e i n 6 . 1 9 4 , d e 1 9 d e d e z e m b r o d e 1 9 7 4 , c u j o g r a u d e proteção d a
quali allora non potrebbero che essere di tipo sanzionatorio. Non è questo tuttavia, Vimmediato futuro vítima é, na prática, m u i t o b a i x o .
che ci attendiamo" 58
A d v e r t e a d o u t r i n a i t a l i a n a : "Ciò che préoccupa, e che oggettivamente intralcia il cammino verso
55
P a t r i c k A t i y a h , The Damages Lottery, cit., p. 1 7 6 : "People who have grown up believing that the tale modello, à la tradizionale assenza di trasparenza nella gestione delle asscurazioni sociali e Veccessi-
state would always look after them, nó matter what misfortunes should strike, are now driven to find va - e non sempre casuale - burocratizzazione delle istituzioni" ( A n t o n i n o P r o c i d a M i r a b e l l i di L a u r o ,
someone to sue, when they discover that the state will not and cannot deliver on this expectation" La Responsabilità Civile, cit., p. 151).
Da Responsabilidade à Solidariedade 235
234 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r
danos sofridos pelas vitimas - u m a resposta fundada na contratação privada. A aqui proposta. Tomem-se c o m o e x e m p l o os bônus e alíquotas diferenciadas con-
crítica revela-se menos estrutural que ideológica. Um exame mais i m p a r c i a l do forme o histórico lesivo de cada segurado, recursos já consolidados nos seguros
f u n c i o n a m e n t o da responsabilidade c i v i l demonstra que, ao menos em sua apli- automobilísticos de fonte voluntária. Além disso, os estudos mais recentes têm
cação t r a d i c i o n a l , a publicidade do sistema é já questionável, na m e d i d a em que demonstrado que o c o m p o r t a m e n t o i n d i v i d u a l não se f u n d a m e n t a t a n t o em u m a
análise u t i l i t a r i s t a como gostaria a análise econômica do d i r e i t o . Conforme já men-
o pagamento é efetuado, em última análise, p o r um particular. Não há dúvida de
cionado, a opção de cada indivíduo p o r u m a c o n d u t a cuidadosa depende de fato-
que o poder público - especificamente, o Poder Judiciário - exerce nas ações de
res m u i t o mais complexos que u m a simples comparação entre custo e benefício.
responsabilidade civil u m papel decisivo na quantificação e imposição d o paga-
A j á secular experiência da responsabilidade objetiva evidencia que a dissociação
m e n t o da reparação. Entretanto, o sistema dos seguros privados obrigatórios, de
entre reparação e c o n d u t a do ofensor não reduz, significativamente, o cuidado
um lado, não dispensa o controle público, que pode ser feito p o r m e i o de agências 60
empregado p o r pessoas físicas e jurídicas, no tráfego s o c i a l .
reguladoras ou de outros modelos a d m i n i s t r a t i v o s que p e r m i t a m a fiscalização
e vigilância da atividade das companhias seguradoras, ou até m e s m o a p a r t i r de Superadas, p o r t a n t o , as críticas mais comuns, o seguro p r i v a d o obrigatório
u m a concorrência de seguradoras particulares c o m empresas públicas. De outro t e m sido adotado em diversos países para segmentos variados da responsabilidade
lado, o mecanismo securitário efetivamente não requer o m e s m o g r a u de inter- civil. N a Itália, é emblemático o m o d e l o de seguridade obrigatória para acidentes
ferência existente nas ações de responsabilidade c i v i l , vez que a questão central automobilísticos. O Código C i v i l i t a l i a n o já i n d i c a v a certa tendência à objetivação
passa a ser a existência ou não de dano, e não a perquirição de culpa ou outros da responsabilidade c i v i l p o r acidentes de trânsito, ao i n s t i t u i r e m seu art. 2.054
61
fatores que t o r n a m tão conflituosa a identificação do responsável. u m a exigência de diligência máxima p o r parte do c o n d u t o r , mas somente c o m a
2
Lei n 9 9 0 , de 24 de dezembro de 1969, o ônus da reparação veio a ser efetivamen-
O u t r a crítica c o m u m é a de que os seguros privados obrigatórios - e todos os te d i f u n d i d o entre todos os condutores de veículos pela imposição de um seguro
sistemas securitários de f o r m a geral - p o d e r i a m desestimular a adoção do cuidado 62
p r i v a d o obrigatório nesta matéria. A experiência t e m sido considerada m u i t o
médio p o r cada pessoa, já que o ônus recairia, em última análise, sobre a segu- bem-sucedida e encontra paralelo nos principais ordenamentos e u r o p e u s . 63
de f o r m a célere, um sujeito solvente ao q u a l i m p u t a r o d a n o em sua totalidade, germânica, a experiência dos seguros privados obrigatórios não se encontra ain-
d e m o n s t r a a incidência do seguro obrigatória sobre a e s t r u t u r a e a função social da suficientemente consolidada a p o n t o de se poder identificar exatamente qual
da responsabilidade c i v i l e i n d u z a considerar as vítimas c o m o portadores de u m tipo de seguro seria mais eficiente. O que se pode verificar, em tese, é que t i p o de
64
interesse quase publicístico". A rigor, atende-se, c o m isto, de f o r m a transparen- seguro i m p l i c a r i a m e n o r custo, mas a eficiência, do p o n t o de vista da finalidade
te, àquilo que a atuação j u r i s p r u d e n c i a l já alcança de f o r m a sub-reptícia - a pro- p r i m o r d i a l do d i r e i t o da responsabilidade civil - a j u s t a reparação dos danos
teção da vítima - e ao que o mercado v e m e s t i m u l a n d o c o m o s u b p r o d u t o desta envolve condições m u i t o mais complexas que o simples cálculo do ônus econô-
atuação dos t r i b u n a i s - a diluição dos custos da indenização p o r m e i o de segu- mico de cada m o d e l o .
ros voluntários de responsabilidade c i v i l . Tudo de f o r m a mais j u s t a , mais direta
65
Além disso, a transferência do ônus da contratação do seguro à vítima não
e mais e f i c i e n t e .
apenas suscita complexas questões estruturais, como o fato de que, embora cada
E m b o r a a experiência dos seguros privados obrigatórios seja r e l a t i v a m e n t e pessoa possa p r e v e r razoavelmente que espécie de dano pode causar (de acordo
recente, as discussões têm avançando de m o d o i n i n t e r r u p t o , às vezes de f o r m a c o m seu r a m o de atividade, seus hábitos e t c ) , não t e m , em geral, condições de
até excessivamente distanciada da atual realidade da reparação dos danos. Na es- antecipar a que espécie de dano está sujeita. M a i s : sob o aspecto funcional, revela
t e i r a de estudos econômicos específicos, já se pretende a superação dos seguros um flagrante descompasso c o m a fase de transição pela q u a l passa a responsabi-
de t i p o mais c o m u m , os chamados third-party insurance, em que a seguradora se lidade c i v i l . E m b o r a , futuramente, o chamado first-party insurance possa mesmo
c o m p r o m e t e frente ao segurado a arcar c o m os custos da reparação dos danos v i r a se mostrar como a m e l h o r opção, afigura-se, na a t u a l concepção, abominá-
que este venha a provocar. Declara-se a m a i o r eficiência de seguros de t i p o first- v e l i m p o r à vítima o custo da implementação deste sistema. Resistência acentu-
party, em que é a própria vítima que contrata o seguro c o m relação aos danos que ada têm e x p e r i m e n t a d o , no Brasil, transposições de institutos estrangeiros que
66
possa v i r a sofrer. Em que pesem os fascinantes argumentos econômicos a seu se a p r o x i m a m desta inspiração, c o m o se vê das recentes discussões em t o r n o do
favor, soa algo p r e m a t u r a a proposta. Ao menos nos países de tradição romano- 67
duty to mitigate loss (dever de m i t i g a r os d a n o s ) . I n a u g u r a r soluções de caráter
securitário, deixando sua i n i c i a t i v a sobre a vítima, seria passar de um extremo a
o u t r o , sem a necessária consolidação de u m a c u l t u r a securitária que permitisse
64
No o r i g i n a l : "la preminente lógica riparatoria dell'azione diretta del danneggiato nei confronti del-
afastar os riscos inerentes à mudança de perspectiva.
Vassicuratore, che consente di individuare celermente un soggetto solvibile al quale imputare il danno Tem-se, em síntese, de reconhecer que a construção da responsabilidade so-
nella sua totalità, dimostra Vincidenza delVassicurazione obbligatoria sulla struttura e sullafunzione so-
cial mostra-se, hoje, como um c a m i n h o a ser t r i l h a d o . No Brasil, embora as cortes
ciale della responsabilità civile e induce a considerare i danneggiati come portatori di um interesse quase
pubblicistico" ( A n t o n i n o P r o c i d a M i r a b e l l i di L a u r o , La Responsabilità Civile, cit., p. 1 1 8 - 1 1 9 ) .
j u d i c i a i s t e n h a m acelerado o processo de solidarização c o m relação aos pressu-
65
postos tradicionais da reparação, as decisões c o n t i n u a m necessariamente v i n c u -
Por todos, G u i d o C a l a b r e s i , Costo Degli Incidenti e Responsabilità Civile. Analisi Economico-Giu-
ridica, Milão: Giuffrè, 1 9 7 5 , p. 4 0 1 ss. ladas à resposta i n d i v i d u a l que lhes reserva o o r d e n a m e n t o jurídico. A superação
66
S o b r e o t e m a , ver, m a i s u m a v e z , Patrick A t i y a h , The Damages Lottery, cit., p. 1 8 5 - 1 8 6 : "Some
desta incoerência flagrante exige u m a revisão crítica da função da responsabili-
countries, and many of the separate states or provinces in the US, Australia and Canada have already dade civil, que só mais recentemente v e m se p r o p o n d o . As soluções securitárias,
established special no-fault road accidents without the need to prove fault, and are based on the first relativamente bem-sucedidas em outras experiências, d e v e m ser estudadas c o m
party insurance principle. Coverage is therefore universal, or almost so (there are sometimes exclusions afinco, procedendo-se às necessárias adaptações do i n s t i t u t o à realidade dos paí-
for people like 'fleeing felons'or drunken drivers). Usually these schemes offer reasonable compensation
ses latino-americanos. As ações de responsabilização d e v e m ser adaptadas à nova
for earning losses and medical expenses, but nothing for pain and suffering. Sometimes they completely
replace claims for damages; sometimes they offer benefits without depriving the victim of the right to sue,
dimensão social do p r o b l e m a da reparação. Não se deve, de qualquer m o d o , pre-
though in that case they all require deduction (or repayment) of the no-fault benefits from the dama- tender u m a r e f o r m a definitiva, sob pena de se p r i v i l e g i a r a abordagem estrutura-
ges recovered; in some American states the right to sue is only left intact for serious injuries. Sometimes lista do i n s t i t u t o , em desprezo à sua função, repetindo o equívoco que c o n d u z i u
the insurance is handled by private insurers in the same way they handle the vehicle comprehensive a responsabilidade civil a todos os seus atuais t o r m e n t o s . A completa eliminação
insurance system; in other places the personal injury insurance is placed in the hands of a state board
destas dificuldades exige u m a consciente opção pela diluição dos danos por toda
or authority of some kind. Practically any one of these no-fault schemes would be better than what we
currently have though by far. The most successful schemes are those which completely abolish the right
a sociedade, c o m o desprendimento dos paradigmas individualistas acirrados na
to sue for damages. They are cheaper to operate and provide much wider coverage; they are generally abordagem jurídica t r a d i c i o n a l , e m p r o l da assunção a m p l a de u m a responsabili-
able to start paying compensation for earning losses on a weekly or monthly basis much sooner than the dade civil de todos, p o r todos, e e m favor de todos.
present damages system. The costs do not fall on governments, but are easily met from levies on drivers
(replacing existing third party premiums). The adversary relationship between the victim and the other
. party's insurer is eliminated and replaced by a relationship either with a first party insurer, or with a 67
S o b r e o d e v e r de m i t i g a r os d a n o s , v e r V e r a M a r i a J a c o b F r a d e r a , Pode o Credor Ser Instado a
state authority which is not a money-making institution." Diminuir o Próprio Prejuízo?, in Revista Trimestral de Direito Civil - RTDC, v. 1 9 , p. 109-119.
)
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y
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Conclusão
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) Quem tem medo da responsabilidade civil?
Stefano Rodotà
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O itinerário percorrido neste l i v r o evidencia que das sólidas lições dos manuais
pouco resta no f l u i d o mosaico j u r i s p r u d e n c i a l da responsabilidade c i v i l . Entre a
dogmática d o m i n a n t e e o resultado das decisões proferidas na matéria existe mes-
mo u m a distância abissal, a p o n t o de sua análise já ter suscitado impressões de
1
que "o d i r e i t o enlouqueceu". A aparente anarquia de idéias e conceitos revela,
contudo, em um exame mais d e t i d o , precisas concatenações de tendências e con-
tratendências no percurso histórico do i n s t i t u t o . Na tentativa de a u x i l i a r a compre-
ensão deste quadro geral da responsabilidade civil contemporânea, reproduzem-se
a seguir algumas das principais conclusões alcançadas nas páginas anteriores.
1
E s t a é a h a b i t u a l indagação do h o m e m c o m u m , que, n a s p a l a v r a s de P a t r i c k A t i y a h , "have read
accounts of strange cases, in which huge damages have been awarded for bizarre events, and wonders
whether the law has gone mad" (The Damages Lottery, cit., p. v i i ) .
242 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r Conclusão 243
)
3. Paralelamente, desenvolveu-se a teoria do risco c o m o n o v o fundamento concretos a serem alcançados, que c o m a técnica empregada em seus j u l g a m e n -
da responsabilidade c i v i l , d a n d o ensejo à responsabilidade objetiva, adotada pelo tos. Esse "nexo causal flexível", que t e m se manifestado em diversas experiências,
)
legislador em hipóteses particulares. Foi somente em um m o m e n t o posterior que surge não c o m o um elemento dogmático de caracterização precisa, mas como um
a responsabilidade objetiva veio a ser incorporada c o m o cláusula geral aplicável espaço de discricionariedade j u d i c i a l a ser exercido em favor da conclusão "mais
às atividades de risco, a exemplo do que se vê do art. 9 2 7 , parágrafo único, do justa" no caso particular, quase sempre identificada c o m a i n t e g r a l reparação dos
Código C i v i l brasileiro. C o m isto, a responsabilidade objetiva p e r d e u , a um só danos sofridos pela vítima.
t e m p o , a conotação excepcional e o caráter ex lege que l h e v i n h a m tradicional-
9. No mesmo sentido, as tradicionais excludentes de causalidade vêm sendo,
m e n t e atribuídos.
igualmente, relativizadas. Do caso f o r t u i t o distingue-se, hoje, o chamado " f o r t u i t o
4. A t u a l m e n t e , um exame abrangente das diversas hipóteses de responsabi- interno", considerado incapaz de quebrar o nexo etiológico entre a atividade e o
l i d a d e objetiva existentes em cada ordenamento jurídico revela,.em m u i t o s deles, dano cuja reparação se pretende. A culpa exclusiva da v i t i m a ou de terceiro v e m ,
o seu destacamento da própria noção de risco e a sua afirmação c o m o simples em diversos casos concretos, considerada c o m o risco que o agente lesivo deveria
responsabilidade i n d e p e n d e n t e de culpa. ter levado em consideração e que, p o r este m o t i v o , consiste em evento i n a p t o a
5. A própria noção de culpa sofreu também alterações profundas, consistin- afastar a relação de causalidade. Por toda parte, p r o c e d e m os t r i b u n a i s a presun-
do hoje em u m a noção d i v o r c i a d a das preocupações morais e psicológicas que a ções de causalidade já ditas "clandestinas", p o r serem desprovidas de qualquer
) g u i a v a m o u t r o r a . A chamada culpa n o r m a t i v a , aferida não frente à vítima e às fundamento n o r m a t i v o .
suas capacidades ou intenções, mas em relação a um parâmetro abstrato de com- 1 0 . C o m o ocorrera c o m a p r o v a da culpa, p o r t a n t o , também a p r o v a do nexo
^ p o r t a m e n t o (bônus pater famílias ou reasonable mari), f a c i l i t o u imensamente a
causal v e m perdendo, gradativamente, seu papel de filtro d a reparação, passando
constatação do c o m p o r t a m e n t o culposo do agente lesivo. Em m o m e n t o mais re- fc
a ser empregado pelo Poder Judiciário com desenvolta elasticidade em p r o l da
) cente, o caráter excessivamente abstrato dos parâmetros médios indicados veio a
responsabilização de a l g u m agente mais preparado a suportar a a m p l a reparação
ser atenuado pela identificação de standards mais específicos de c o m p o r t a m e n t o ,
dos danos. A erosão dos obstáculos tradicionais ao ressarcimento resulta, obvia-
em u m a verdadeira fragmentação do m o d e l o de conduta, que evita as injustiças
mente, em u m a crescente expansão dos danos ressarcíveis, a exigir, também dos
' derivadas de u m a identificação da diligência média c o m a diligência considerada
estudiosos, um deslocamento do foco de suas atenções, que passa da culpa e do
) necessária p o r cada magistrado.
nexo causal ao dano, como elemento p r i m o r d i a l da responsabilidade c i v i l e locus
6. Na dinâmica contemporânea das ações de reparação, seja no âmbito da p r i v i l e g i a d o para a aferição da ressarcibilidade.
responsabilidade objetiva, seja no que tange à própria responsabilidade subjetiva,
) a p r o v a da culpa v e m dispensada ou e n o r m e m e n t e facilitada, de t a l f o r m a que a
I I . O d a n o c o m o cláusula g e r a l de seleção de i n t e r e s s e s t u t e l a d o s e o
noção perde grande parte de seu poder de f i l t r a g e m da reparação dos danos. Esta
m é t o d o d a ponderação
profunda alteração desperta o t e m o r de u m a expansão descontrolada do dano res-
sarcível, e lança todas as atenções sobre o segundo filtro t r a d i c i o n a l da reparação, 1 1 . Paralelamente à erosão dos filtros tradicionais da reparação, a abertura
q u a l seja: a p r o v a do nexo causal. dos ordenamentos jurídicos aos danos não p a t r i m o n a i s e coletivos, na esteira da
7. O renovado debate doutrinário em t o r n o das teorias da causalidade jurídica aplicação direta dos valores constitucionais às relações privadas, v e m suscitar u m a
não t e m , c o n t u d o , encontrado na jurisprudência um público tecnicamente com- extraordinária profusão de "novos danos" que desafiam a d o u t r i n a e a jurisprudên-
) p r o m e t i d o . Diante da miríade de teorias e orientações, as cortes parecem adotar, cia de t o d a parte. A constante transformação do conceito de d i g n i d a d e h u m a n a ,
) a cada caso, um e n t e n d i m e n t o diverso, não raro o c u l t a n d o sob certa t e r m i n o l o g i a c o m o seu crescente desdobramento em novos interesses existenciais, a m p l i a , de
) procedimentos racionais atinentes a doutrinas opostas. E m b o r a t a l fenômeno seja f o r m a t e n d e n c i a l m e n t e i l i m i t a d a , o espectro de lesões q u e pode ser c o n d u z i d o
geralmente descrito c o m o u m a lamentável atecnia j u d i c i a l , mais realista parece ao Poder Judiciário, d a n d o m a r g e m à efetiva ocorrência de demandas algo fanta-
) a constatação de que os t r i b u n a i s têm simplesmente se recusado a dar ao nexo siosas de ressarcimento. Tudo isso v e m e x i g i r u m a transformação na abordagem
causal um t r a t a m e n t o rigoroso e de conseqüências aflitivas c o m o o que fora, an- t r a d i c i o n a l m e n t e reservada ao dano, que deve d e i x a r de ser visto c o m o elemento
^ t e r i o r m e n t e , reservado à culpa. estático e m e r a m e n t e pressuposto das ações de responsabilidade c i v i l , para passar
8. A postura eclética das cortes no que tange à aferição da relação de causali- a ser c o m p r e e n d i d o como cláusula geral destinada à seleção dos interesses mere-
dade revela, de fato, que os magistrados têm se preocupado mais c o m os resultados cedores de t u t e l a , cuja violação dá m a r g e m ao dever de indenizar.
244 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r Conclusão 245
1 2 . G o m efeito, a análise da experiência estrangeira revela que a seleção dos ção de culpa e nexo causal, pois o dano é t i d o c o m o in re ipsa. O que se propõe é
interesses merecedores de t u t e l a é o p o n t o de convergência das preocupações que, m u i t o diversamente, diante da alegação de lesão ao interesse à privacidade,
manifestadas em sistemas de d i r e i t o positivo o r i g i n a r i a m e n t e antagônicos. Orde- o magistrado verifique q u a l é, no caso concreto, o interesse lesivo, e, sendo t a l i n -
namentos típicos ou fechados, caracterizados pela restrição à ressarcibilidade dos teresse também tutelado em abstrato, proceda a um exame de prevalência entre
danos, sobretudo de natureza não p a t r i m o n i a l , como acontece na A l e m a n h a e na ambos os interesses c o m base nas condições relevantes do c o n f l i t o que lhe v e m
Itália, abrem-se gradativamente a figuras mais abrangentes, que, e m b o r a bem- submetido. Somente concluindo-se pela prevalência em concreto do interesse le-
vindas, despeitam preocupação crescente c o m os limites do dano ressarcível, como sado é que se pode falar, tecnicamente, em dano ressarcível.
se vê claramente no exemplo do danno esistenziale do d i r e i t o i t a l i a n o . Por sua vez, 1 5 . Sob esta ótica, o dano deixa de ser visto c o m o lesão a um interesse tute-
ordenamentos abertos ou atípicos e x p e r i m e n t a m , na esteira da juridicização dos lado em abstrato, passando a consistir em um c o m p o n e n t e relacional, que emerge
interesses existenciais e coletivos, u m a já mais a m a d u r e c i d a perplexidade c o m da análise comparativa c o m o interesse lesivo. D a n o passa a ser, em síntese, a lesão
as potencialidades expansivas de categorias tecnicamente irrestritas c o m o a do à área de legítima atuação de um interesse em c o n c r e t o . C o m isso, evita-se que o
dano m o r a l do d i r e i t o brasileiro, equivocadamente d e f i n i d o c o m o a conseqüência reconhecimento de t u t e l a de um interesse lesado em certo caso concreto, frente
de qualquer lesão que não seja economicamente apreciável, ou simplesmente "a a o u t r o interesse lesivo, dependa - e, p o r t a n t o , i m p l i q u e - o reconhecimento ge-
dor, a humilhação e o sofrimento". Em ambas as espécies de sistemas jurídicos, os nérico e abstrato de sua proteção prevalente em face deste interesse. Tão amplo
anseios mais recentes têm-se u n i d o em t o r n o da i m p e r a t i v i d a d e de se estabelecer reconhecimento traz diversos inconvenientes, u m a vez que ( i ) b interesse reco-
a l g u m a f o r m a de seleção dos interesses merecedores de t u t e l a . nhecido c o m o t u t e l a d o no caso concreto pode não se m o s t r a r prevalente frente a
1 3 . Orientações restritivas r e c o m e n d a m a adoção de um critério único para outros interesses lesivos, de m a i o r importância à l u z do ordenamento jurídico e
a seleção dos interesses merecedores de tutela. Propostas o u t r o r a festejadas, re- das circunstâncias da espécie; ( i i ) o reconhecimento genérico d o interesse i m p l i -
lacionadas à exigência de prévio e específico reconhecimento legislativo do inte- ca na sua proteção também quando se m o s t r a r não c o m o interesse lesado, mas
resse p r o t e g i d o sob a f o r m a de d i r e i t o subjetivo, mostram-se, hoje, inaceitáveis como interesse lesivo, restando seu t i t u l a r albergado, na dogmática tradicional,
diante da c o m p r o v a d a incapacidade do legislador em acompanhar o r i t m o ace- pela excludente de a n t i j u r i d i c i d a d e fundada no exercício regular de um d i r e i t o ;
lerado das mudanças sociais. A supremacia da técnica legislativa das cláusulas ( i i i ) o reconhecimento pelo Poder Judiciário de interesses tutelados em abstrato
gerais não fechou, porém, as portas a outras propostas i g u a l m e n t e improceden- i m p l i c a u m a certa inversão de papéis c o m o Poder Legislativo, podendo gerar i n -
tes. Por e x e m p l o , difunde-se em toda parte a idéia de que a seleção dos danos coerências entre a atuação de um e de o u t r o .
e x t r a p a t r i m o n i a i s deve ocorrer c o m base no critério da gravidade. Tal orientação 1 6 . Parece evidente que o método subsuntivo t r a d i c i o n a l m e n t e aplicado à
revela-se, porém, não apenas ilógica, mas também f r o n t a l m e n t e contrária à axio- verificação do dano, p o r m e i o da sua qualificação estática c o m o violação a uma
logia constitucional, já que se n e n h u m a gravidade se exige para o ressarcimento n o r m a jurídica abstrata, não se mostra suficiente ao n o v o cenário da responsabi-
do dano p a t r i m o n i a l , sendo considerada reparável mesmo a mínima ofensa ao d i - lidade civil, e m que os conflitos se verificam cada vez mais entre interesses igual-
reito alheio de propriedade, não há porque se a t r i b u i r t r a t a m e n t o mais restritivo mente tutelados. E o que se vê especialmente no c a m p o da responsabilidade obje-
ao dano não p a t r i m o n i a l . tiva, onde atividades autorizadas p r o v o c a m lesões a interesses protegidos. Em tais
1 4 . D i f e r e n t e m e n t e do que sugerem propostas c o m o essas, o p r o b l e m a da hipóteses, aferir o dano apenas em abstrato torna-se especialmente preocupante,
seleção de interesses tutelados não parece ser t a n t o o de identificar um critério pois mesmo os danos mais controvertidos - c o m o o c h a m a d o dano à tranqüilida-
único, mas o de adotar u m método de atuação j u d i c i a l , que p e r m i t a , diante de de pessoal, dano à serenidade e m o c i o n a l etc. - d i f i c i l m e n t e d e i x a m de encontrar
cada caso particular, um juízo de ressarcibilidade que não se centre simplesmente a l g u m princípio ou cláusula geral a que possam ser remetidos em tese. Tampouco
sobre a consideração estática e abstrata do interesse alegadamente lesado, mas se cogita de qualquer exclusão c o m base no efeito concreto da atividade sobre o
que o t o m e em consideração de m o d o dinâmico e concreto, em face do interesse lesado, pois t a l expediente v e m afastado pelo m i t o de que o dano m o r a l é in re
lesivo. De fato, a existência de um dano ressarcível na dogmática t r a d i c i o n a l se ipsa. Assim, o d a n o v e m reconhecido de f o r m a quase automática, e a discussão
dava - e para a a m p l a m a i o r i a dos juristas, ainda hoje se dá - p o r m e i o de um ra- passa a centrar-se exclusivamente sobre a causalidade. E n q u a n t o no campo da
ciocínio p u r a m e n t e subsuntivo: a vítima alega lesão à privacidade; verifica-se se responsabilidade subjetiva, o juízo de i l i c i t u d e ( p o r t a n t o , também de a n t i j u r i d i -
a privacidade é um interesse tutelado pelo o r d e n a m e n t o em abstrato; e, em caso cidade) da c o n d u t a lesiva p e r m i t e ao m a g i s t r a d o afastar o resultado reparatório
a f i r m a t i v o , considera-se haver dano, cuja ressarcibilidade depende da demonstra- nas hipóteses em que o dano é considerado, p o r assim dizer, j u s t o ou legítimo
246 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r
Conclusão 247
(porque resultado do exercício regular de um d i r e i t o ) , t a l esfera de discricionarie- I I I . Instrumentos institucionais de desincentivo a demandas frívolas
dade j u d i c i a l não encontra paralelo no âmbito da responsabilidade objetiva, onde
a inaplicabilidade da noção de ato ilícito acabou p o r isentar o Poder Judiciário de 1 9 . Paralelamente à adoção do método da ponderação, que confia ao Poder
preocupações c o m a a n t i j u r i d i c i d a d e ( t i d a como componente da i l i c i t u d e ) . Urge Judiciário, e m b o r a sempre à l u z do dado n o r m a t i v o , a seleção de interesses me-
reconhecer que o dano não consiste na lesão a um interesse t u t e l a d o em abstrato, recedores de t u t e l a em concreto, outros i n s t r u m e n t o s institucionais p o d e m ser
mas na lesão a um interesse concretamente merecedor de tutela, assegurando-se empregados no desestímulo às demandas frívolas qué t a n t o a f l i g e m a c o m u n i -
ao Poder Judiciário, mesmo nas ações de responsabilização objetiva, um espaço dade jurídica d i a n t e da expansão do dano ressarcível. Neste sentido, assume es-
de seleção dos danos ressarcíveis, p o r m e i o da análise c o m p a r a t i v a entre os inte- pecial p a p e l o desenvolvimento de meios não pecuniários de reparação, capazes
resses abstratamente tutelados à l u z das circunstâncias concretas. de atenuar a imensa contradição da responsabilidade c i v i l contemporânea, que
7
reconhece o caráter extràpatrimonial do d a n o , mas l h e reserva um remédio ex-
1 7 . Tal análise comparativa entre interesse lesado e interesse lesivo exige re-
clusivamente monetário. E neste remédio, note-se, e não na reparação em si, que
curso ao método da ponderação, cujas potencialidades ainda p e r m a n e c e m pouco
reside o m a i o r i n c e n t i v o às ações que se costuma i d e n t i f i c a r c o m o produtos da
exploradas fora do âmbito constitucional. A identificação de condições de preva-
chamada "indústria do dano m o r a l " . Desta f o r m a , o recurso às retratações públicas
lência em cada caso particular, a p a r t i r do exame do o r d e n a m e n t o jurídico, per-
e a outros meios de reparação extràpatrimonial, paralelos ou mesmo substitutivos
m i t e , a um só t e m p o , um reconhecimento de ressarcibilidade l i m i t a d o ao caso
à indenização em d i n h e i r o , mostra-se absolutamente necessário e, muitas vezes,
concreto e um controle n o r m a t i v o da fundamentação das decisões que acolhem
mais eficiente na reparação dos danos de natureza m o r a l . A efetiva repressão à
ou rejeitam as demandas de indenização. Mais que um critério único, p o r t a n t o , a
litigância de má-fé e a rejeição do caráter p u n i t i v o das reparações são outros me-
seleção de interesses merecedores de t u t e l a parece destinada a ser objeto de um
canismos institucionais que se oferecem p r o n t a m e n t e a esta tarefa de desincentivo
método, fundado no raciocínio p o n d e r a t i v o , que se mostre apto a identificar, em
a demandas de finalidade mercenária!
cada c o n f l i t o ou t i p o de c o n f l i t o , o conjunto de condições j u r i d i c a m e n t e relevan-
tes para a t u t e l a de um certo interesse.
IV Solidarização da reparação d o s d a n o s - diluição do ônus reparatório e
1 8 . Entretanto, a transposição da m e t o d o l o g i a da ponderação, c o m o enca- responsabilidade social
rada e m sede constitucional, ao campo específico da responsabilidade c i v i l não
pode se dar sem adaptações e cautelas. Em p r i m e i r o lugar, ao contrário do que 2 0 . N e m a aplicação do método p o n d e r a t i v o , n e m o recurso a instrumentos
costuma ocorrer na análise constitucionalista, os aspectos atinentes ao comporta- institucionais de desincentivo a demandas frívolas p o d e m frear a expansão do dano
m e n t o do ofensor d e v e m ser b e m diferenciados daqueles relativos ao dano em si, ressarcível. Tampouco se propõem a isto. A ampliação da ressarcibilidade corres-
sob pena de se desrespeitar a distinção entre responsabilidade subjetiva e objeti- ponde a um salutar alargamento da esfera de proteção dos interesses, sobretudo
va. Além disso, o recurso, tão c o m u m na ponderação constitucional, à máxima da existenciais e coletivos, c o m o conseqüência das mais positivas transformações
p r o p o r c i o n a l i d a d e exige redobrado cuidado, na m e d i d a em que as submáximas experimentadas pelo d i r e i t o nos séculos X I X e X X . O p r o b l e m a da responsabili-
da adequação e da necessidade desempenham a função de conformação i n t e r n a dade c i v i l contemporânea não é, a rigor, a expansão d o dano ressarcível, mas a
da situação jurídica subjetiva aos seus próprios fins, tarefa que já v e m , há m u i t o , atribuição do ônus inevitável desta expansão a um único indivíduo em cada caso
desempenhada e m âmbito c i v i l p o r instrumentos consolidados c o m o o alpuso do particular.
d i r e i t o , a boa-fé objetiva e a própria funcionalização dos institutos jurídicos. Mais: 2 1 . I n s p i r a d a na solidariedade social, a jurisprudência t e m , p o r toda parte,
constitucionalistas e civilistas concordam, hoje, que elementos hermenêuticos que se recusado a deixar as vítimas dos danos sem reparação. As cortes f l e x i b i l i z a m ,
transcendem o m e r o exame de p r o p o r c i o n a l i d a d e i n t e r f e r e m , de f o r m a decisiva, deste m o d o , a configuração dos pressupostos da responsabilização, no solidário
no raciocínio p o n d e r a t i v o e, sobretudo, na identificação das condições relevantes reconhecimento de que, de a l g u m a forma, p o r v i v e r m o s em sociedade, todos so-
em cada caso concreto. Daí a importância do d e s e n v o l v i m e n t o de estudos que mos culpados p o r todos os danos e todos somos causadores de todos os danos.
e x a m i n e m conflitos entre certos interesses abstratamente tutelados, que surgem Este itinerário, t o d a v i a , se c o n c l u i , a t u a l m e n t e , c o m o lançamento do dever de
mais freqüentemente e m matéria de responsabilidade civil, a fim de apontar crité- indenizar sobre um único agente, despertando sentimentos de injustiça e suscitan-
rios substanciais de solução, transcendendo a abordagem f o r m a l e p r o c e d i m e n t a l d o perplexidade q u a n t o ao p a p e l d a responsabilidade c i v i l . M a i s : parece evidente
a t u a l m e n t e reservada à matéria. que, seja diante da crise de l e g i t i m i d a d e deste m o d o de atuação, seja pela possível
248 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • S c h r e i b e r
Conclusão 249
insuficiência p a t r i m o n i a l do réu, a própria reparação da vítima fica c o m p r o m e t i - Embora o p r o b l e m a possa ser r e m e t i d o a u m a causa única, n e m por isso sua
da c o m o resultado i n d i v i d u a l i s t a da ação de responsabilização. E inegável que, superação deve se d a r p o r um único c a m i n h o ou u m a única i d e o l o g i a . C o m o 2
se solidarizamos os pressupostos da reparação, também o dever de reparar deve ocorre e m m u i t o s outros campos, as soluções para a responsabilidade civil atual
ser solidarizado. não parecem se concentrar sobre apenas um i n s t r u m e n t o . Ao contrário, encontra-
se superado o t e m p o das propostas de r e f o r m a i n t e g r a l , que p r e t e n d i a m a subs-
2 2 . Longe de representar u m a novidade radical, a solidarização da reparação
tituição do i n s t i t u t o p o r sistemas que solucionassem de forma unitária e global
dos danos já se opera p o r m e i o de instrumentos indiretos. De um lado, o próprio 3
o p r o b l e m a dos danos em t o d a sua c o m p l e x a m u l t i p l i c i d a d e . Hoje, o foco das
legislador t e m p r i o r i z a d o a expansão das hipóteses de responsabilidade solidária
discussões tem-se estendido p o r u m a p l u r a l i d a d e de instrumentos cuja aplicação
e das técnicas de prevenção e precaução de danos, que, em última análise, d i s t r i - combinada possa v i r a promover, da f o r m a mais intensa, a j u s t a reparação, não
b u e m p o r t o d a a sociedade o u , ao menos, pela coletividade de agentes potencial- do dano, c o m o categoria única, mas dbs danos, c o m o manifestações concretas d i -
mente lesivos os custos da administração dos riscos. De o u t r o lado, a a u t o n o m i a ferenciadas de um fenômeno que apenas em nível teórico pode ser contemplado
p r i v a d a t e m criado e desenvolvido, espontaneamente, mecanismos que alcançam, como elemento singular. 4
nova abordagem, mais existencial e solidária. Enquanto a i d e o l o g i a t r a d i c i o n a l processo d i f r a m m e n t a z i o n e d e l i a responsabilità civile i n più ( m i c r o ) sistemi settoriali; l a t e n d e n z a
a l i a c o m m i s t i o n e t r a r i s a r c i m e n t i e i n d e n n i z z i i n ( m i c r o ) s i s t e m i v a r i a m e n t i c o m b i n a t i t r a responsa-
arraiga-se à estrutura do i n s t i t u t o , a nova orientação m o l d a a sua função, ense- bilità civile e s i c u r e z z a sociale" ( F r a n c e s c o D o n a t o B u s n e l l i , II Danno alia Persona al Giro di Boa, in
j a n d o u m a verdadeira deturpação j u d i c i a l das bases teóricas da responsabilidade Danno e Responsabilità, a n o V I I I , 2 0 0 3 , p. 2 3 8 ) .
c i v i l . Por conta da resistência que lhe é oferecida pelos velhos dogmas, o novo 5
S a l v a t o r e Pugliatti, La proprietà nel nuovo diritto. Milão: Dott. A. Giuffrè E d i t o r e , 1 9 6 4 .
papel da responsabilidade c i v i l exacerba-se quase até o assistencialismo arbitrá- 6
S e m e l h a n t e p r o p o s t a j á se e n c o n t r a v a s u b j a c e n t e às lições d e André T u n c , q u a n d o d i s t i n g u i a
rio, revelando, mais do que em qualquer o u t r o r a m o , os resultados negativos da os meios jurídicos de reparação dos c h a m a d o s d a n o s c o r p o r a i s : "En ce qui concerne les dommages
corporels, les principaux instruments de dilution sont bien entendu la sécurité sociale et les services de
convivência entre os dois modelos. 11
santé publique (André l u n e , La Responsabilité Civile, cit., p. 146).
250 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
ALVIM, Agostinho. Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências. São Paulo: Sarai BERMUDES, Sergio. Direito Processual Civil: Estudos e Pareceres. São Paulo: Saraiva, 1994.
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C D a n o d e a b a n d o n o afetivo, 9 6 ( C a p . 3 , i t e m
C u l p a psicológica, 1 2 - 1 6 ( C a p . 1 , i t e m 2 ) D a n o estético, 8 9 ( C a p . 3 , i t e m 5 )
268 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
índice R e m i s s i v o 269
"Dano-evento" e "dano-conseqüência", 1 3 0
Despatrimonialização d a reparação, 1 9 5 - 1 9 6 S u b t e o r i a d a necessarièdade c a u s a l , 6 0 -
( C a p . 4,"item 4 ) N e c e s s i d a d e d e seleção e m c o n c r e t o , 1 3 6 -
(Cap. 6, item 4)
138 (Gap. 4, item 7) 6 1 ( C a p . 2 , item 2 )
D a n o "existencial", 1 1 0 - 1 1 3 ( C a p . 3 , i t e m 9 )
D i c o t o m i a público-privado, 1 3 1 ( C a p . 4 , item Nonfare piü, 1 2 3 - 1 2 4 ( C a p . 4, i t e m 2)
D a n o e r e s p o n s a b i l i d a d e objetiva, 1 8 7 - 1 8 9 Ponderação de interesses c o m o método de
5)
N o v o s d a n o s , 8 9 - 9 7 ( C a p . 3 , itens 5 - 6 )
( C a p . 6, item 2) seleção, 1 3 9 - 1 7 6 ( C a p . 5 , itens 1-9)
Dignidade h u m a n a , 87-89 ( C a p . 3, item 4)
D a n o injusto, 1 0 5 - 1 1 3 ( C a p . 3 , i t e m 9 ) C o m o critério de r e s s a r c i b i l i d a d e , 1 2 2 - 1 2 5 Ponderação de interesses e e x e m p l o s de
seleção, 1 7 6 - 1 8 1 ( C a p . 5 , i t e m 1 0 ) O
Dano-morte, 92 (Cap. 3, item 5) (Cap. 4, item 2)
D a n o m o r a l coletivo, 8 6 - 8 7 ( C a p . 3 , i t e m 3 ) Interesses s u p r a - i n d i v i d u a i s , 8 4 - 8 7 ( C a p . 3 ,
D i g n i d a d e h u m a n a e ponderação -, 1 7 3 - 1 7 6
Ocaso da culpa, 12-50 (Cap. 1)
D a n o m o r a l c o m o dor: crítica, 1 2 7 - 1 3 0 (Cap. 5, item 9) item 3)
(Cap. 4, item 4) Diluição dos d a n o s , 2 1 6 - 2 1 8 ( C a p . 7, i t e m 2)
L \ P
D a n o m o r a l in re ipsa: crítica, 1 9 6 - 2 0 0 ( C a p . Direitos subjetivos, 1 1 9 - 1 2 1 ( C a p . 4 , i t e m 1 )
6, item 5) D o r e d a n o m o r a l : crítica, 1 2 7 - 1 3 0 ( C a p . 4, Litigância d e má-fé, 2 0 1 - 2 0 3 ( C a p . 6 , i t e m 6 )
Perda de u m a chance, 200 (Cap. 6, item 5)
"Danos punitivos", 4 8 ( C a p . 1 , i t e m 1 3 ) , item 4) L u c r o s cessantes, 2 0 0 ( C a p . 6 , i t e m 5 )
Políticas públicas, 2 2 9 - 2 3 3 ( C a p . 7 , i t e m 7 )
203-209 (Cap. 6, item 7)
Ponderação, 1 3 9 - 1 8 1 ( C a p . 5 )
Dano sexual, 59 (Cap. 2, item 2 ) , 89 (Cap. E M
A u t o n o m i a frente aos princípios
3, item 5) Método d e aferição d o d a n o , 1 5 9 - 1 6 6 ( C a p . 5 ,
Effusum et deiectum, 29 ( C a p . 1, i t e m 6 ) , 74 constitucionais, 143-147 ( C a p . 5, item 2)
D a n o versus d a n o s , 2 1 7 ( C a p . 7 , i t e m 2 ) ( C a p . 2, item 7 ) . item 7), 176-181 (Cap. 5, item 10)
C o n t r o l e de v a l i d a d e e adequação, 1 4 7 - 1 5 1
Dicotomia dano moral-dano patrimonial, 86
Erosão dos filtros da reparação, 1 1 - 1 2 ( C a p . 1,
(Cap. 3, item 3) (Cap. 5, item 3)
item 1) N
Ponderação e d i g n i d a d e h u m a n a , 1 7 3 - 1 7 6
Expansão d o d a n o ressarcível, 8 2 - 8 4 ( C a p . Expansão d o d a n o ressarcível, 8 1 - 8 4 ( C a p . 3 , Nexo causal, 51-77 ( C a p . 2)
3, itens 1-2) itens 1-2) (Cap. 5, item 9)
Causalidade alternativa, 72-76 ( C a p . 2, item
Método d e aferição d o d a n o , 1 5 9 - 1 6 6 ( C a p . Ponderação n a r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l , 1 5 1 -
7)
5, item 7 ) , 176-181 (Cap. 5, item 10) 1 5 9 ( C a p . 5 , itens 4 - 6 )
F
Critério do market share, 76 ( C a p . 2, i t e m 7)
N o v a concepção d o d a n o , 1 8 5 - 1 8 7 ( C a p . 6 , Ponderação p a r a aferição do d a n o , 1 5 9 - 1 6 6
First-party, insurance, 2 3 3 - 2 3 7 ( C a p . 7, i t e m " C u l p a ' " e x c l u s i v a d a vítima, 4 8 - 4 9 ( C a p . 1 ,
item 1) (Cap. 5, item 7 ) , 176-181 ( C a p . 5, item
8)
item 13), 70-72 ( C a p . 2, item 6) 10)
Novos d a n o s , 8 9 - 9 7 ( C a p . 3 , itens 5 - 6 )
Fortuito i n t e r n o , 6 6 - 7 0 ( C a p . 2 , i t e m 5 ) Excludentes de causalidade, 66-70 (Cap. 2,
O r d e n a m e n t o s atípicos, 9 8 - 1 0 5 ( C a p . 3 , P r o p o r c i o n a l i d a d e : visão crítica, 1 6 6 - 1 7 3
Função dá r e s p o n s a b i l i d a d e c i v i l , 2 2 5 - 2 2 9
itens 7 - 8 ) item 5) (Cap. 5, item 8)
(Cap. 7, item 6)
Erosão d o n e x o c a u s a l , 7 6 - 7 7 ( C a p . 2 , i t e m Prevenção, 2 1 9 - 2 2 2 ( C a p . 7 , i t e m 4 )
O r d e n a m e n t o s típicos, 9 8 - 9 9 ( C a p . 3 , i t e m
8) Precaução, 2 1 9 - 2 2 2 ( C a p . 7 , i t e m 4 )
7), 105-113 (Cap. 3, item 9)
G
Fortuito interno, 6 6 - 7 0 ( C a p . 2 , i t e m 5 ) Punitive damages, 48 ( C a p . 1, i t e m 1 3 ) , 2 0 3 -
Prova do dano, 196-200 (Cap. 6, item 5)
G r a u s de culpa, 43-45 ( C a p . 1, item 11) Nexo causal flexível, 63-65 ( C a p . 2, item 4) 209 (Cap. 6, item 7)
Reparação d o d a n o , 1 8 3 - 2 0 9 ( C a p . 6 )
G r a v i d a d e d a ofensa, 1 2 5 - 1 2 7 ( C a p . 4 , item 3 ) N e x o c a u s a l n a t u r a l versus jurídico, 5 3 ( C a p .
Reparação não-pecuniária do d a n o m o r a l Pretium doloris, 1 2 7 - 1 3 0 ( C a p . 4, i t e m 4)
2, item 1)
191-196 ( C a p . 6, item 4) Probatio diabólica, 1 7 - 1 9 ( C a p . 1, i t e m 3)
H Posição eclética d o s t r i b u n a i s , 6 1 - 6 3 ( C a p . Q
Seleção d o s d a n o s ressarcíveis 1 1 7 - 1 8 1
(Caps. 4-5) 2, item 3) Quantificação d o d a n o m o r a l , 4 8 ( C a p . 1 , i t e m
" H o m e m médio", 3 9 - 4 3 ( C a p . 1, itens 9-ÍO)
Teorias da causalidade, 54-61 ( C a p . 2, item 13), 191-196 (Cap. 6, item 4 ) , 203-209
Critérios d e seleção, 1 1 7 - 1 3 8 ( C a p . 4 )
2) (Cap. 6, item 7)
N e c e s s i d a d e d e seleção e m c o n c r e t o , 1 3 6 -
I
T e o r i a d a equivalência d a s condições, 5 4 -
138 (Cap. 4, item 7) In re ipsa: crítica, 1 9 6 - 2 0 0 ( C a p . 6, i t e m 5) R
55 (Cap. 2, item 2)
Ponderação de interesses c o m o método de "indústria do d a n o m o r a l " , 1 8 9 - 1 9 1 ( C a p . 6, Reasonable man, 3 9 - 4 3 ( C a p . 1, itens 9 - 1 0 )
item 3) Teoria da causalidade adequada, 56-57
seleção, 1 4 1 - 1 7 6 ( C a p . 5 , itens 1-9) Redução e q u i t a t i v a d a indenização ( a r t . 9 4 4 ) ,
Interesses existenciais, 8 7 - 8 9 ( C a p . 3 , item 4 ) (Cap. 2, item 2)
Ponderação de interesses e e x e m p l o s de 43-45 (Cap. 1, item 11)
seleção, 1 7 6 - 1 8 1 ( C a p . 5 , i t e m 1 0 ) Interesses m e r e c e d o r e s de t u t e l a e s u a seleção, T e o r i a d a c a u s a l i d a d e eficiente, 5 7 - 5 8
Relevância s o c i a l d o d a n o , 1 3 4 - 1 3 6 ( C a p . 4 ,
D e s i n c e n t i v o a d e m a n d a s frívolas, ,109-191 113-115 (Cap. 3, item 10) (Cap. 2, item 2)
item 6)
(Cap. 6, item 3) Critérios de seleção, 117-138 ( C a p . 4) Teoria da causalidade direta e imediata, Reparação d o d a n o , 1 8 3 - 2 0 9 ( C a p . 6 )
58-59 (Cap. 2, item 2)
270 Novos P a r a d i g m a s d a R e s p o n s a b i l i d a d e C i v i l • Schreiber
R e s p o n s a b i l i d a d e subjetiva, 1 2 - 1 6 ( C a p . 1,
item 2) T