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monica lima
1ª EDIÇÃO
rIO DE JANEIRO, 2009
Patrocínio
Copyright © Monica Lima
Heranças Africanas no Brasil
é uma publicação do
Centro de Articulação de Populações Marginalizadas - CEAP
Rua da Lapa, 200 - gr.810 - Lapa - RJ - CEP: 20021-180
Tels: (21) 2224-8530/2232-7077
e-mail: ceap@portalceap.org.br - Site: www.portalceap.org.br
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
SUMÁRIO
Apresentação 5
Fundamentos históricos das Heranças Africanas 7
Africanos no Brasil: origens 23
África na Antiguidade
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Redes de comércio no
Oceano Índico, século X
ao XVI.
Fonte: SHILLINGTON,
Kevin. History of África.
Nova Iorque: Macmillan,
2005. 2ªed rev. p.126
Islã e comércio de longa distância
Os africanos e a escravidão
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África Ocidental, região conhecida como Sudão Ocidental no século XVI. Encontram-se
identificados povos e reinos e marcados os limites ao Sul do deserto e ao Norte da região de
florestas. Desta região foram retirados os primeiros africanos escravizados para o tráfico atlântico.
Fonte: identificada na própria imagem.
26
Fonte: SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista. História da festa de coroação de Rei Congo. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2002. p.46
A região Congo Angola, que ia desde
Cabinda-Loango até Angola, foi responsável
por aproximadamente três quartos dos cativos
exportados para as Américas até finais do
século XVII. No século XVIII, o período mais
ativo do tráfico escravista, ainda continuou
sendo a maior fornecedora de escravos para as
Américas, mas sofreu maior concorrência da
região do Golfo da Guiné, que passou a ser
conhecida como Costa dos Escravos. O tráfico
dentro do Império Português se concentrava
nesta região da África. Com o tempo, e
especialmente a partir do século XVIII, este 27
comércio passou cada vez mais a se concentrar
em mãos de brasileiros ou residentes no Brasil,
principalmente na cidade do Rio de Janeiro.
Porcentagem de africanos escravizados desembarcados por região da África no Rio de Janeiro Amostragem
por embarcações do tráfico escravista, 1795-1852.
Reinos, cidades, rotas e portos do tráfico escravista na África Ocidental (século XVIII).
Fonte: LOVEJOY, Paul. A escravidão na África. Uma história de suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002. p.159.
Benguela 30 8 399
Outros 5 10 1213
Sub-Total 184 (33%) 75 (31,45%) 4709 (27,2%)
TOTAL 558 239 17325
Fonte: REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil. A história do levante dos malês em 1835. São Paulo: Cia das Leras, 2006. 2ªed. rev. p.309.
Outros lugares de chegada e partida
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Senegâmbia e Costa da Malagueta (conhecida como Costa dos Ventos pelos ingleses):
litoral que dava acesso aos povos da região conhecida como “Alta Guiné”.
Vê-se assinalado o porto de Cachéu, na atual Guiné Bissau,
onde funcionava uma feitoria portuguesa desde o século XV.
Fonte: CURTIN, Philip e outros. African History. From earliest times to independence.
Nova Iorque: Longman, 1995. 2ª ed.
Assim como em todas as regiões da África onde se estabeleceram os
negócios do tráfico, houve conflitos entre os europeus e africanos. Havia
muitas vezes uma tenaz resistência local à escravização. No relato de Gomes
Eanes de Zurara (1410-1474), a Crônica dos Feitos da Guiné, está registrada
a dificuldade dos portugueses em vencer os africanos da Senegâmbia:
“a gente dessa terra não é assim ligeira de pilhar (escravizar) como nós
desejamos, que são homens muito fortes e avisados e percebidos em suas
pelejas (lutas), e o que é pior, é que trazem suas setas empeçonhadas (enve-
nenadas) com erva mui perigosa.”
Fonte: citado por AMADO, Janaína e FIGUEIREDO, Luiz Carlos. A formação do
Império Português (1415-1580). São Paulo Atual, 1999. p.56. Explicação dos termos
por Mônica Lima.
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Brasil africanizado
Influências e preconceitos
Danças sagradas
escola, o samba de parelha, o hip hop, entre muitas outras danças de matriz
africana no Brasil. Cada uma delas tem uma história e sua especificidade,
mas também revelam pontos em comum. São danças coletivas, em que
até mesmo a virtuose de um dançarino sempre se insere no movimento de
um grupo que o cerca. Muitos estudiosos também sinalizam a presença do
rebolado, o movimento de quadril e pélvis, que marca muitas danças afro-
brasileiras. Pesquisadores e folcloristas chegam a afirmar que o rebolado é
característico da cultura corporal dos povos da África Centro-Ocidental.
Isto levaria a que reconhecêssemos que na memória do nosso corpo se
encontra inscrita a ginga congo-angolana.
Em meados do século XX surgiu no cenário brasileiro um
personagem que se tornou um símbolo da dança de matriz africana
que soube se fazer traduzir sob os mais diferentes estilos. Essa figura foi
Mercedes Batista, primeira bailarina negra a integrar o corpo de baile do
Teatro Municipal, e fundadora do grupo de balé folclórico que levou o seu
nome e afirmou o balé afro no Brasil. Mercedes Batista participou ainda de
fóruns culturais do movimento negro como o TEN (Teatro Experimental
do Negro) onde cresceu sua consciência do lugar do corpo negro na dança.
Seu trabalho foi um divisor de águas na história das danças de matriz
africana no Brasil.
Hoje em dia, professores e pesquisadores das áreas de expressão
corporal e Educação Física ressaltam os aspectos saudáveis da prática de
58 danças afrodescendentes, pelo fortalecimento de vínculos coletivos e o
cooperativismo, ao desenvolvimento de componentes das funções motoras
como: coordenação, ritmo, equilíbrio, e ainda, percepção ao nível de corpo,
objetos, formas, linhas e cores. Homens e mulheres, com a prática desses
tipos de danças podem fortalecer sua musculatura abdominal. Os exercícios
aeróbicos ritmados que proporcionam, principalmente, as modificações
significativas do sistema cardiopulmonar que se caracteriza por um aumento
das cavidades do coração, alem da melhoria das trocas gasosas.
Além da saúde do corpo, as danças de matriz africana ressaltam
a sensualidade, que traz como princípio o corpo que pode e mostra seu
desejo e suas possibilidades. O corpo na dança afrodescendente não deve
se envergonhar de sua vitalidade e de sua beleza, ao contrário, faz delas um
motivo de celebração.
No mundo mais contemporâneo e jovem, ocorre um expressivo
resgate desses movimentos por meio das danças de rua, que aparecem nos
seus diferentes estilos conectadas à herança africana. Nascidas como modelo
de dança nas cidades estadunidenses, as danças de rua se alimentam de uma
longa história afro-americana, e da expressividade da juventude negra nos
seus locais de moradia. Hoje essas danças correram o mundo, chegando
até o Japão. No Brasil encontraram milhares de seguidores e admiradores,
e ganharam outros elementos. Além disso, na juventude da periferia,
majoritariamente negra, a dança é um lugar de afirmação positiva.
Estética
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Menina do bloco mirim do
Olodum.
Salvador, Bahia.
Fonte: foto da internet
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Os artefatos mais comuns confeccionados pelos grupos africanos
eram: enxadas, machados, enxós e pontas de lança. Esses objetos tinham,
além de uma função utilitária, um caráter simbólico. A enxada poderia
ser apenas uma ferramenta ou simbolizar uma oferenda mortuária,
um dote, um talismã protetor representando autoridade, saúde, status
social, e fazer parte de rituais secretos. Um dos prováveis motivos de o
ferro estar relacionado a papéis sociais é que apenas alguns indivíduos
escolhidos recebiam de seus antecessores os conhecimentos da metalurgia.
A aprendizagem desses conhecimentos se dava por meio de rituais de
iniciação, e longo períodos em que o candidato a ferreiro era submetido
a provas para mostrar-se digno da função. Isso tudo porque acreditavam
que os conhecimentos de metalurgia teriam sido passados pelos próprios
deuses aos ancestrais daquele grupo.
Havia uma relação direta entre o dominio da metalurgia e o poder
de um grupo. Por meio da fabricação de artefatos metálicos, obtinham-se
melhores condições de trabalho nas suas atividades agrícolas e domésticas,
assim como nas práticas militares, pela utilização de armas mais potentes
e eficazes, objetivando a defesa e conquista de seus territórios. Assim,
procuravam cada vez mais melhorar sua técnica.
Fabricação de utensílios nas fazendas
“Alguns dos grãos de ouro são tão pequenos, que flutuam na superfície,
podendo, por conseguinte, ser arrastados nas repetidas mudanças da
água que se fazem. Para prevenir esse inconveniente, os negros
esmagam algumas ervas em uma pedra e misturam um pouco do seu
suco à água de suas gamelas. Não afirmarei que este líquido contribuísse
realmente para precipitar o ouro, mas é certo que os negros o
empregavam com grande confiança.”
Fonte: MAWE, John. Viagens ao interior do Brasil. (trad.) Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/
EDUSP, 1978, p. 134.
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Orunmilá disse que já havia ido buscar folhas para o benefício dos humanos
na Terra. Disse: - ‘Olha todas essas folhas. ’ Ossain pode apenas arrebatar todas
as folhas. Ele poderia fazer remédios com elas, porém não conhecia seus nomes.
Foi Orunmilá quem deu nome a todas as folhas. Assim Orunmilá nomeou
todas as folhas naquele dia. Ele disse: - ‘Você, Ossain, carregue todas as folhas
para a Terra. Volte e iremos juntos. ’ Foi assim que Orunmilá entregou todas
as folhas para Ossain naquele dia. Foi ele quem ensinou a Ossain o nome
das folhas apanhadas. Olodumaré deu a Ossain o poder das folhas, o qual ele
guardava numa cabaça pendurada num galho de uma árvore.
Um dia Xangô se queixou a sua mulher Oyá, deusa dos ventos, que só Ossain
conhecia o segredo de cada uma das folhas e que os demais Orixás estavam
no mundo sem possuir nenhuma planta. Oyá levantou a sua saia e agitou-a,
um vento violento começou a soprar e derrubou a cabaça de Ossain no chão,
quebrando-a. Ossain, ao perceber o que aconteceu, gritou – ‘Ewéo!’ (Oh! As
folhas! As folhas!), mas não pode impedir que os demais Orixás pegassem as
folhas e as dividissem entre eles. Mas, os orixás não tinham os conhecimentos
das ervas e até hoje precisam de Ossain para usá-las em seus rituais, ficando
seus segredos a salvo.”
Educação ambiental
A frase em ioruba “Ewe orixá ewé” (sem folha não tem orixás) revela bem
o princípio do culto aos orixás de tradição africana. A relação com a natureza é
muito próxima, essencial. As matas são moradas de deuses, assim como rios, lagos
e mares. Muitas vezes a divindade se expressa por meio do meio natural, ela é a
própria cachoeira, a árvore, ou o animal. O equilíbrio entre os humanos e esse
mundo que dá abrigo e consistência aos orixás é fundamental para essa fé.
Por tal razão as ameaças aos ecossistemas são ameaças graves à
sobrevivência das religiões de matriz africana. Praticamente todas elas
sobrevivem desse contato com a Natureza. Por isso, os terreiros e casas de
santo têm que ter árvores, de preferência um rio passando perto, porque
diversas cerimônias e preces tem que ser realizadas em encontro esse mundo.
Preservar, cuidar e manter a fauna e a flora é condição fundamental para
os(as) participantes dessa religiosidade afro-brasileira. Os ritos e rituais são
propiciados por meio de folhas, banhos de águas naturais e por partes de
animais consagrados aos orixás. Esse uso de animais em sacrifício não deve
ser nunca exagerado nem desperdiçado. O animal sacrificado na maioria
das vezes transforma-se em alimento, retornando ao mundo vivo por
outros caminhos.
Assim, por princípio e sobrevivência, as religiões de matriz africana
devem ter compromisso com o meio ambiente e sua preservação.
Alimentação 83
Os significados da capoeira
Jogo da Capoeira.
Rugendas (1834)
Fonte: SOARES, Carlos
Eugênio Líbano. A
negregada instituição:
os capoeiras no Rio de
Janeiro 1850-1890. Rio
de Janeiro: Secretaria
Municipal de Cultura
/ Coleção Biblioteca
Carioca, 1994. p.30
A capoeira na cidade do Rio de Janeiro nos tempos da escravidão
se tornou também uma forma de instituição associativa, ao agregar
grupos que eram chamados como as maltas de capoeiras. Na primeira
metade do século XIX o Rio de Janeiro, principalmente sua zona central,
era dividida entre áreas de atuação das diferentes maltas de capoeira,
que tinham como razão de ser a autodefesa e a tentativa de controle
sobre determinadas partes da cidade. A autodefesa era principalmente
dirigida a proteger os membros do grupo da truculência dos senhores
e da polícia.
Os capoeiras também desenvolveram um cancioneiro em que
faziam referência às origens de sua prática (o refrão: “venho de Angola,
camará!” é um exemplo), bem como destacavam qualidades como a
88 esperteza, a argúcia e a agilidade corporal:
(Cantiga de Capoeira, anônimo. Citada por SCHWARCZ, Lilia e REIS, Letícia Vidor. Negras
Imagens. Ensaios sobre cultura e escravidão no Brasil. São Paulo: EdUSP, 1996. p.34)
Musicalidade
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Africanos caracterizados
para a celebração da
Congada tocam tambores.
Foto de Christiano Júnior,
Rio de Janeiro, c. 1865.
Acervo do Instituto do
Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional
(IPHAN).
Na sua origem, os tambores são também instrumentos de
comunicação com os antepassados, com o mundo imaterial. Por meio
de diferentes tipos de instrumentos percussivos e com toques variados, se
pode homenagear, pedir, chamar e se despedir de uma entidade do mundo
sagrado. Os ancestrais ouvem os tambores porque o som do instrumento
atravessa as fronteiras entre os diferentes mundos.
Mas, com o tambor também se pode dançar e se divertir. Nas
rodas: de samba, de capoeira, de jongo, de caxambu, nas quais o círculo
sagrado adquire seu formato profano, lá se encontram os tambores. E eles
estão lá, desde a chegada dos primeiros africanos escravizados ao Brasil.
Como forma de resistência, de sobrevivência, de expressão de identidade.
Como uma negação e uma afirmação, pois, como bem diz a canção de
92 Chico César: “mais forte que o açoite dos feitores são os tambores”.
Cantos do trabalho
Ler o mapa da áfrica – cada ano pode ficar com uma região da áfrica,
dependendo do tamanho da escola, cada classe pode se responsabilizar por
um país. A partir daí, pesquisas e uma bela exposição no final sobre a África e
seus países para além dos estereótipos. Imaginem, contatos com embaixadas,
consulados, sites... centros de pesquisas...
Africanidades – um projeto dos professores e professoras. Para inicio de
conversa, os –as docentes podem preparar um material inicial, cada um com
sua contribuição, sobre AFRICANIDADES BRASILEIRAS – A herança
africana no Brasil, a partir da leitura deste caderno.Depois...é só construir
milagres de fé num mundo sem racismo nas nossas escolas.
O Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP) é uma organização não
governamental, sem fins lucrativos, laica, fundada em 1989, na cidade do Rio de Janeiro, por ex-
internos da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem), membros da comunidade
negra e do Movimento de Mulheres. Defende o direito à liberdade religiosa como um princípio,
assim como a dignidade das religiões de matrizes africanas. A recorrente violação dos direitos
fundamentais da criança e do adolescente, das mulheres e das populações negras marginalizadas
pela prática do racismo serviu de inspiração para sua criação.