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APOSTILA DE DIREITO DO CONSUMIDOR

Aplicação: Oitavo Período do Curso de Direito da UGB/FERP


Bibliografia:
GRINOVER, Ada Pellegrini e outros. Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
Anteprojeto, 8ª ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2004.
CAVALIERI FILHO, Sérgio, Programa de Direito do
Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008.

UNIDADE I: O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR:

- Aspectos históricos
- Dispositivos constitucionais. Origem e finalidade.
- Princípios que norteiam as relações consumeristas.
- A Política Nacional das Relações de Consumo.
- Conceitos: consumidor, fornecedor, produtos e serviços.
- O consumidor perante a Teoria Finalista, Maximalista e
Finalista Atenuada.

Para o Mestre João Batista de Almeida,


hodiernamente, o consumo é parte indissociável
do cotidiano do ser humano. É verdadeira a
afirmação de que todos nós somos
consumidores. Independente da classe social e
da faixa de renda, consumimos desde o
nascimento e em todos os períodos de nossa
existência.

I - ASPECTOS HISTÓRICOS

Devemos, inicialmente, entender quais fatos sociais que


contribuíram para o surgimento do Código de Defesa do Consumidor, Lei
n.° 8.078 de 11 de setembro de 1990, além de afastar a influência dos
conceitos de base privatista, por serem absolutamente inadequados a
sociedade capitalista contemporânea, para então, compreendermos a
sua extensão e aplicação.

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Cediço que o CDC foi editado em 11/09/1990. Antes mesmo de sua
criação já existiam relações de consumo que eram protegidas,
inadequadamente, pelas regras do direito civil. Nesse sentido, aplicamos
durante quase um século às relações de consumo a lei civil e tal
aplicação, naturalmente, influenciou na nossa formação jurídica, fato este
que dificultou a compreensão da nova era jurídica, iniciada com sobredita
lei que regula as relações jurídicas de consumo.

Assim, entender o CDC pressupõe compreender a sociedade em


que vivemos, conhecida como sociedade de massa, que começou a se
formar a partir da Revolução Industrial. Não obstante, cediço que o ser
humano realiza atos de consumo desde sempre, há, inclusive, menção
no Código de Hamurabi. Contudo, o enfoque histórico será dado a partir
da história mais recente da humanidade, especialmente à época que
surgiu a sociedade em consumo em massa.

Nesse momento histórico, iniciou-se crescimento demográfico nos


grandes centros urbanos, proveniente do êxodo rural, gerando, com isso,
um aumento da demanda e, consequentemente, o aumento da oferta.
Diante dessa nova realidade, as indústrias se viram impelidas a
produzirem cada vez mais. Passou-se então a pensar num modelo de
produção capaz de entregar, para um maior número de pessoas mais
produtos e serviços. Para isso, criou-se a chamada produção em
série, a “standartização” da produção, ou seja, a homogeneização
da produção.

A aludida produção homogeneizada levou a redução dos custos e


ao aumento da oferta e deu tão certo que passou a alcançar um número
cada vez maior de consumidor, tornando essa relação indireta e
impessoal. Assim, ela rompeu com a conhecida produção artesanal,
onde o consumidor conhecia pessoalmente o fornecedor e isso lhe
permitia, de certa forma, controlar a produção e distribuição do produto
pretendido, já que nessa ocasião a relação era direta e pessoal.

Com a segunda grande guerra o novo modelo ganhou um plus


com o uso da tecnologia tornando-se o modelo padrão de produção
adotado mundialmente, criando, assim, os grandes empreendedores
comerciais e industriais que se tornaram a parte mais forte na relação
jurídica de consumo.

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Dentre as diversas características do aludido modelo, existem duas
que interessam de perto para o estudo do direito do consumidor. A
primeira caracteriza-se pela produção unilateral do fabricante, que tem
como escopo ofertar um grande número de produtos ou serviços para
serem adquiridos por um número cada vez maior de pessoas. Para tanto,
ele cria um modelo e depois o reproduz milhares de vezes. A segunda
resta evidenciada pelo gritante desequilíbrio da relação contratual que
se formou, onde a parte mais fraca da relação, o consumidor, fica
subordinada as regras impostas pela mais forte, o fornecedor.

Com escopo de vender os milhares de exemplares produzidos


tornou-se preciso contratar em massa. Diante disso, os contratos
passaram a obedecer a mesma regra da linha de produção do bem ou
serviço, qual seja, cria-se, unilateralmente, um único contrato e o
reproduz milhares de vezes, fazendo, com isso, surgir os contratos de
adesão, assim denominado, pois não permitem a discussão das
cláusulas nele contidas, impedindo o pleno exercício do elemento volitivo
do contratante-consumidor.

Tomemos como exemplo uma montadora que produz mil carros e


os vende a uma concessionária. Não teria sentido se a referida
concessionária fizesse mil contratos diferentes para mil compradores ou
no exemplo das instituições financeiras, milhões de contratos diferentes.
Conforme leciona Rizzatto Nunes, quem planeja a oferta de um serviço
ou um produto qualquer, por exemplo, financeiro, bancário, para ser
reproduzido milhões de vezes, também planeja um único contrato e o
imprime e distribui milhões de vezes.

Para realmente compreendermos a missão do CDC, devemos,


portanto, romper com a memória privatista, pois caso contrário,
nesse caso do contrato nos reportaríamos, entre outros, ao
aforismo pacta sunt servanda, (o contrato faz lei entre as partes ou os
pactos devem ser respeitados), já que no direito civil essa é uma forte
característica contratual que fundamenta-se na autonomia da vontade,
pois presume-se que o que ali está contido é fruto da deliberação
conjunta das partes envolvidas, que se apresentam em igualdades de
condição e não da imposição de uma sobre a outra.

Como vimos essa não é uma realidade nas relações de consumo,


pois o consumidor não discute qualquer cláusula, apenas faz a sua

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adesão, experimentando uma completa diminuição do seu poder de
deliberar que evidencia uma das vertentes de sua vulnerabilidade diante
do fornecedor.

Como se sabe, o direito é, e realmente deve ser, uma ciência


dinâmica, cambiante no tempo. Atento a isso e percebendo os
fenômenos sociais que estavam ocorrendo, o legislador começou a
pensar em uma forma de compensar o desequilíbrio que estava se
formando nas novas relações jurídicas, principalmente, com relação a
vulnerabilidade (econômica, técnica, fática, jurídica, etc.)do consumidor.
Assim, os velhos dogmas começaram a ser repensados e, aos poucos, o
contrato foi perdendo a sua aparência individualista para adquirir uma
função social dentro da sociedade moderna.

O discurso realizado pelo presidente John Kennedy ao


Congresso Nacional Americano em 15 de março de 1962 representa,
para muitos, um marco da proteção ao consumidor. Nesta ocasião,
ele proclamou: “consumer by definition, include us all” salientando
que todo consumidor tem direito, essencialmente, de ser ouvido,
mas também à segurança, à informação e à escolha. O referido
pronunciamento provocou debates em vários países e estudos
sobre a matéria e passou a ser considerado um marco na defesa
dos direitos dos consumidores.

Outrossim, verificou-se que o consumidor seria o elo mais


fraco da corrente econômica capitalista, e nenhuma corrente é mais
forte que o seu elo mais fraco ou nas palavras de Henry Ford "O
consumidor é o elo mais fraco da economia. E nenhuma economia
pode ser mais forte do que seu elo mais fraco".

Esta proclamação inspirou posteriormente legislações de proteção


do consumidor em diversos países, tornando o referido dia, 15 de
março, como o Dia Mundial de Proteção ao Consumidor. A partir
desse pronunciamento, ocorreu uma crescente inserção da proteção ao
consumidor nas constituições sendo este mais um importante passo para
a fundação deste ramo jurídico. Entre os anos 1974 e 1990, cerca de 30
(trinta) países passaram por uma transição rumo à democracia. Mauro
Cappelletti afirma que este processo incluiu a feitura de novos textos
constitucionais que passam a conter a proteção ao consumidor e a tutela
dos interesses difusos.

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No Brasil, este rol de direitos básicos do consumidor foi acolhido
pelo Código de Defesa do Consumidor e ampliado por seu art. 6º, bem
como o dia 15 de março foi proclamado como o Dia Nacional do
Consumidor pela Lei 10.504 de 08 de julho de 2002.

Com a nossa Constituição Cidadã não foi diferente. Assim, o Brasil


incluiu o consumidor como destinatário da proteção jurídica constitucional
com a Constituição de 1988. O reconhecimento da defesa do consumidor
representou um avanço aos direitos fundamentais. Da concepção
individual, restrita a direitos civis e políticos, ele passa ao conceito
coletivo ou grupal (criança e adolescente, consumidores idosos,
torcedores), abarcando direitos sociais e difusos.

A Carta Magna brasileira reconhece a proteção do consumidor


como direito fundamental, no art. 5º, XXXII, in verbis:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem


distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(…)
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a
defesa do consumidor;

Diante de tal regra, o constituinte originário institui um direito


subjetivo público geral a todos os brasileiros e estrangeiros residentes
no país.

Efeitos do status de direito fundamental.

A doutrina aponta três consequências da consagração do Direito do


Consumidor como um fundamental. Quais sejam:

I – Proteção como parte do núcleo imodificável da CF. Trata-se,


portanto, de cláusula pétrea (artigo 60, §4º da CF)

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II – Eficácia Horizontal (direta ou indireta) do direito
fundamental – o Estado deverá garantir que os fornecedores respeitem
o direito do consumidor. Será direta, quando utilizar o texto constitucional
para proteção dos direitos dos consumidores; será indireta, quando se
utilizar norma infraconstitucional para proteção, por exemplo, as normas
do CDC dentre outras.
Além da eficácia vertical dos direitos fundamentais, entendida como
a vinculação dos Poderes estatais aos direitos fundamentais, podendo os
particulares exigi-los diretamente do Estado, surgiu na Alemanha, com
expansão na Europa e, atualmente, no Brasil, a teoria da eficácia
horizontal dos direitos fundamentais.

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais, também


chamada de eficácia dos direitos fundamentais entre terceiros ou de
eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas, decorre do
reconhecimento de que as desigualdades não se situam apenas na
relação Estado/particular, como também entre os próprios particulares,
nas relações privadas.

DANIEL SARMENTO[7], em monografia sobre o tema diz que:

“O Estado e o Direito assuem novas funções


promocionais e se consolida o entendimento de
que os direitos fundamentais não devem limitar o
seu raio de ação às relações políticas, entre
governantes e governados, incidindo também
em outros campos, como o mercado, as
relações de trabalho e a família.”

Trazemos a lume algumas teorias explicativas sobre a relação


entre particulares e os direitos fundamentais, com destaque as Teoria da
INEFICÁCIA HORIZONTAL dos direitos fundamentais, Teoria da
EFICÁCIA HORIZONTAL INDIRETA dos direitos fundamentais, e por
fim, mas não menos importante, a Teoria da EFICÁCIA HORIZONTAL
DIRETA dos direitos fundamentais.

TEORIA da INEFICÁCIA HORIZONTAL dos direitos


fundamentais

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Segundo essa teoria, se há uma ineficácia horizontal, significa que
os direitos fundamentais não podem ser aplicados às relações entre
particulares. É a teoria adotada nos Estados Unidos, onde se entende
(doutrina e jurisprudência) que os direitos fundamentais têm apenas a
eficácia clássica, vertical. Aplicam-se às relações entre Estado e
particular, mas não seria aplicado às relações entre particulares.

Essa teoria só vigora nos EUA devido ao fato de a Constituição


norte americana, que é de 1787 (vigente até os dias atuais) e à época de
sua promulgação só haviam direitos de defesa do indivíduo em face do
Estado. Seu texto traz vários dispositivos que consagram direitos
fundamentais, fazendo referência ao Estado, ao Poder Público como
destinatário desses deveres. Só que mesmo nos EUA, criou-se uma
teoria para contornar essa situação.

Há muita divergência doutrinária sobre essa teoria da ineficácia


horizontal dos Direitos Fundamentais, ou Doutrina
da State Action (Doutrina da Ação Estatal).

Para Daniel Sarmento, referida teoria simplesmente nega


aplicação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, os
direitos fundamentais não se aplicariam nas relações entre particulares.

Já para Virgílio Afonso da Silva, a teoria da State Action não nega


aplicação dos direitos fundamentais entre particulares, mas tenta, de
alguma forma, contornar a falta de regulamentação, sendo a finalidade
da doutrina definir em que caso se poderia fazer a aplicação, mesmo que
os direitos fundamentais, em regra, não se apliquem às relações entre
particulares. O detalhe, segundo o doutrinador, é que não estamos nos
referindo a uma doutrina que estabelece de forma sistemática as
situações.

Nas palavras do constitucionalista Virgilio Afonso da Silva:

“Tentar afastar a impossibilidade de aplicação


definindo, ainda que de forma casuística e
assistemática em que situações essa aplicação
poderia ocorrer.”, essa a finalidade da Teoria
da State Action.

7
Ainda nas palavras do autor: “A equiparação de determinados atos
privados a atos estatais.”, é o artifício utilizado para aplicação da eficácia
horizontal em determinados atos privados.

Temos ainda duas teorias que buscam explicar a eficácia


horizontal dos direitos fundamentais: a teoria da eficácia indireta ou
mediata e a teoria da eficácia direta ou imediata.

TEORIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL INDIRETA DOS DIREITOS


FUNDAMENTAIS

Para a teoria da eficácia indireta ou mediata, os direitos


fundamentais são analisados do ponto de vista de duas dimensões:

a) dimensão negativa ou proibitiva, que veda ao legislador editar lei


que viole direitos fundamentais;

b) dimensão positiva, impondo um dever para o legislador


implementar direitos fundamentais, ponderando, porém, quais deles
devam se aplicar às relações privadas. Essa a teoria prevalente na
Alemanha.

Para essa teoria, não há que se falar em imposição de direitos


fundamentais numa relação entre particulares que estão em nível de
igualdade. Não negam - os seguidores de referida teoria - que os direitos
fundamentais possam ser aplicados a essas relações, mas dizem que
para isso acontecer, é necessário uma intermediação através da lei. A
lei, o direito privado, teria que regulamentar, que incorporar aqueles
direitos fundamentais ao direito privado, para que a aplicação fosse
relativizada, ou, tecnicamente falando, os direitos fundamentais irradiam
os seus efeitos nas relações entre particulares por meio de mediação
legislativa. Então, segundo a doutrina alemã, essa porta de entrada dos
direitos fundamentais nas relações entre particulares seriam as cláusulas
gerais do direito privado, os pontos de infiltração.

Portanto, para a teoria da eficácia indireta dos direitos


fundamentais, ao se interpretar uma cláusula geral, deve-se fazê-lo com
base nos direitos fundamentais que a Constituição consagra.

TEORIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DIRETA DOS DIREITOS


FUNDAMENTAIS

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Esta teoria curiosamente surgiu na Alemanha, na década de 50,
por meio de um magistrado do Tribunal Federal do Trabalho, chamado
Hans Carl Nipperdey. A curiosidade reside no fato de que, apesar de ter
surgido na Alemanha, não prevalece naquele país.

Nos termos da proposta da teoria da eficácia direta ou imediata,


como o próprio nome sugere, alguns direitos fundamentais podem ser
aplicados diretamente às relações privadas, ou seja, sem a necessidade
da intervenção legislativa.

III – Garantia constitucional deste novo ramo do direito, tendo


em vista a força normativa da Constituição. Significa que nenhuma lei
poderá desrespeitar a normatividade do CDC, pois está lastreado na
força normativa da Constituição, o que garante a eficácia de suas
normas.

Para alguns doutrinadores, aplica-se também a Teoria da


Proibição do Retrocesso, segundo a qual, qualquer norma que tente
diminuir ou suprimir direitos dos consumidores deve ser considerada
inconstitucional.

Outrossim, a CF/88 elenca a defesa do consumidor, adotando-o como


princípio da ordem econômica, conforme se depreende do art. 170, inciso
V, a seguir:

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na


valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios:
(...)
V – defesa do consumidor.

Vislumbra-se então, que a defesa do consumidor é princípio que


deve ser seguido pelo Estado e pela sociedade para atingir a finalidade
de existência digna e justiça social, imbricado com o princípio da
dignidade da pessoa humana.

Para a doutrina, este princípio possui um caráter conformador, pois


autoriza a intervenção do Estado na economia - decorrência do Estado
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Social de Direito, bem como conforma a atuação do fornecedor,
garantindo a sua livre iniciativa, mas garantindo a proteção do
consumidor. É uma forma de harmonizar o sistema, evitando
desequilíbrio na relação consumerista.

Assim, como nosso país adota o modelo de economia


capitalista de produção onde a livre iniciativa é um princípio basilar
da economia de mercado, mesmo assim, a CF/88 confere proteção
ao consumidor contra os eventuais abusos ocorridos no mercado
de consumo, abrindo uma brecha para a intervenção do Estado na
ordem econômica.

Além disso, a Constituição confere concreção ao princípio de


defesa do consumidor através de regras referentes à competência para
legislação sobre a responsabilidade por danos ao consumidor (art. 24,
VIII); ao esclarecimento sobre impostos incidentes sobre mercadoria e
serviço (art. 150, § 5º); à necessidade de lei sobre a concessão de
serviços públicos e o direito dos usuários (art. 175, parágrafo único, II);
ao esclarecimento em propaganda dos malefícios causados pelo fumo,
bebida, agrotóxico, medicamentos e terapias (art. 220, § 4º), etc.

Por fim, a Constituição determinou a elaboração de uma lei para a


defesa do consumidor, dando origem constitucional ao CDC, bem
diferente de como ocorre com as demais leis ordinárias em geral,
conforme se depreende do art. 48 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias:

Art. 48 - O Congresso Nacional, dentro de cento


e vinte dias da promulgação da Constituição,
elaborará código de defesa do consumidor.

Assim, por expressa determinação da Carta Política de 1988,


atribuindo, portanto, origem constitucional, surge o CDC para fazer frente
a nova realidade fática e, consequentemente, jurídica da expansão
mundial do consumerismo e regular o princípio constitucional da defesa
do consumidor.

INFLUÊNCIA
O Código de defesa do consumidor foi inspirado em vários modelos
legislativos estrangeiros, mas foi o Código de Consumo Francês nossa

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principal influência. Salienta-se que o CDC foi uma norma
extremamente revolucionária, servindo, hoje, como modelo para outros
países da América Latina.

O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR => Lei Ordinária n.°


8.078 de 11 de setembro de 1990.

CONCEITO

Conjunto de regras e princípios que regula a tutela de um sujeito


especial de direitos, a saber, o consumidor, como agente privado
vulnerável, nas suas relações frente a fornecedores.

CARACTERÍSTICAS DA LEI

OBJETO e FINALIDADE
O direito consumerista é concebido como conjunto de princípios e
regras destinadas à proteção do consumidor, logo se verifica que não é o
consumo o objeto central da tutela instituída (como ocorre na França), e
sim o próprio consumidor.
TERMINOLOGIA

Esta terminologia também se revela por ser mais adequada do


ponto de vista constitucional e legal, pois como vimos a defesa do
consumidor é preocupação expressa no art. 5º, XXXII da CF/88.
NORMA COGENTE

Verifica-se da simples leitura do artigo 1º do CDC que se trata de


norma cogente, cuja observância de seus preceitos se torna obrigatória,
pois não tolera renúncia de direito.

Nesse sentido o STJ: “As normas de proteção e defesa do


consumidor têm índole de ordem pública e interesse social. São,
portanto, indisponíveis e inafastáveis, pois resguardam valores básicos e
fundamentais da ordem jurídica do Estado Social, daí a impossibilidade
de o consumidor delas abrir mão ‘ex ante’ e no atacado” (Resp
586.316/MG).

Não bastasse, é considerada um norma de ordem pública e de


interesse social, o que permite a intervenção do juiz de oficio, a fim de

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que seja preservado o interesse do consumidor e o interesse social.
Assim, o juiz pode inverter o ônus da prova de oficio, declarar nulidade
de cláusula abusivas etc. Assim sendo, fica claro que representa uma
total afronta ao princípio do protecionismo do consumidor o teor da
Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual, nos
contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer de ofício das
abusividades das cláusulas contratuais.

Outra consequência da norma de ordem públlica, seria a de que


cabe sempre a intervenção do Ministério Público em questões
envolvendo problemas de consumo. A Lei da Ação Civil Pública (Lei
7.347/1985) reconhece a legitimidade do Ministério Público para as
demandas coletivas envolvendo danos materiais e morais aos
consumidores (art. 1º).

O interesse social permite que se combata os abusos não só das


partes, mas de toda a coletividade, pois as relações jurídicas de
consumos são disseminadas.
Ressaltando ainda mais a importância da proteção do consumidor,
destaque-se, do ano de 2013, a emergência do Decreto 7.963, que
institui o Plano Nacional de Consumo e Cidadania e cria a Câmara
Nacional das Relações de Consumo. Nos termos do seu art. 1º, tal Plano
tem como finalidade promover a proteção e defesa do consumidor em
todo o território nacional, por meio da integração e articulação de
políticas, programas e ações. O Plano Nacional de Consumo e Cidadania
será executado pela União em colaboração com Estados, Distrito
Federal, Municípios e com a sociedade. São suas diretivas fundamentais:
a) educação para o consumo; b) adequada e eficaz prestação dos
serviços públicos; c) garantia do acesso do consumidor à justiça; d)
garantia de produtos e serviços com padrões adequados de qualidade,
segurança, durabilidade e desempenho; e) fortalecimento da participação
social na defesa dos consumidores; f) prevenção e repressão de
condutas que violem direitos do consumidor; e g) autodeterminação,
privacidade, confidencialidade e segurança das informações e dados
pessoais prestados ou coletados, inclusive por meio eletrônico (art. 2º).
MICROSSISTEMA JURIDICO
O CDC ao lado de outras leis como a das Locações (Lei 8.245/91),
do Seguro (Dec. Lei 73/66), dos Condomínios e Incorporações (n°.
4.591/64) entre outras, criam o que se chama de microssistema
jurídico ou subsistema autônomo, instituindo uma tutela especial

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protetiva, muito similar da legislação trabalhista, da criança e do
adolescente, do idoso e outras leis ou estatutos tendentes a criar uma
esfera particular de normatização.

Outrossim, é importante ressaltar que o CDC, diante de uma relação


jurídica de consumo e na qualidade de subsistema e norma especial,
prevalece sobre as demais regras exceto claro, com relação a
Constituição, como de resto qualquer norma de hierarquia inferior, sendo
ainda, aplicado às outras normas de forma supletiva e complementar.

Dessa forma, verifica-se que o CDC possui posição de destaque


dentro do ordenamento jurídico, sendo uma norma supra legal com uma
malha principiológica própria, certo que eventual conflito aparente de
normas será resolvido com a aplicação da norma mais benéfica ainda
que está não seja o CDC, conforme dispõe o artigo 7º, a seguir
transcrito:

Art. 7º - Os direitos previstos neste Código não


excluem outros decorrentes de tratados ou
convenções internacionais de que o Brasil seja
signatário, da legislação interna ordinária, de
regulamentos expedidos pelas autoridades
administrativas competentes, bem como dos que
derivem dos princípios gerais do direito, analogia,
costumes e eqüidade.

STJ – O microssistema jurídico criado pela legislação consumerista


busca dotar o consumidor de instrumentos que permitam um real
exercício dos direitos a ele assegurados e, entre os direitos básicos
do consumidor, previstos no art. 6.º, VIII, está a facilitação da defesa
dos direitos privados.

Ademais, para Rizzatto Nunes, o CDC é uma lei principiológica,


modelo até então inexistente no Sistema Jurídico Nacional. Como lei
principiológica entende-se aquela que ingressa no sistema jurídico de
forma horizontal, atingindo toda e qualquer relação jurídica que possa
ser caracterizada de consumo e que também seja regrado por outra
norma jurídica infraconstitucional, levando a sua aplicação a todas as
áreas do direito, seja público, privado, contratual, extracontratual,

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material, formal, mas que, frisa-se, se caracterize uma relação jurídica de
consumo.

Nesse sentido, ensina Nelson Nery Júnior quando discorre sobre a


proteção contratual no CDC, comentado pelos autores do anteprojeto da
editora Forense Universitária – página 444, 7ª edição, “Optou-se por
aprovar lei que contivesse preceitos gerais, que fixasse os princípios
fundamentais das relações de consumo. É isto que significa ser uma lei
principiológica. Todas as demais que se destinarem, de forma específica,
a regular determinado setor das relações de consumo deverão submeter-
se aos preceitos gerais da lei principiológica, que é o Código de Defesa
do Consumidor”.

O Mestre Sérgio Cavalieri Filho bem ensina quando afirma, que


hoje, tudo ou quase tudo é relação de consumo: saúde, habitação,
segurança, transportes, alimentação, medicamentos, e assim, por diante:
Somos mais de 180 milhoes de consumidores no Brasil, sem contar as
pessoas jurídicas, gerando diariamente outros tantos milhões de relações
de consumo. Seria uma temeridade, e até uma impossibilidade, se o
legislador pretendesse retirar dos múltiplos diplomas legais tudo aquilo
que se relaciona com os direitos ou interesses do consumidor, para
concentrar tudo isso em um minissistema jurídico. Isso seria impraticável.
Por isso, sem retirar as relações de consumo do campo do Direito onde
por natureza se situam, sem afastá-las de seu natural habitat, o Código
do Consumidor irradia sobre elas a sua disciplina, colorindo-as com as
suas tintas. Vale dizer, a disciplina do Código de Defesa do Consumidor
alcança as relações de consumo onde quer que venham a ocorrer.

Tomemos como exemplo da sua inserção horizontal um contrato de


seguro de automóvel, pois continua sendo regrado pelo Código Civil e
pelas demais normas editadas pelos órgãos que regulamentam o setor
(SUSEP, instituto de Resseguros, etc.), entretanto, também está
submetido a todos os princípios e regras da Lei 8.078/90, ressaltando
que esta ultima prevalece sobre aquelas. Igualmente ocorre com os
serviços públicos, pois continuam regidos pelas leis e princípios de
Direito Público, mas o que for pertinente as relações de consumo fica
também sujeitos a disciplina do CDC.

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Diante disso, não é mendaz afirmar por força constitucional surgiu
um novo direito que figura na relação de consumo e como tal, tem campo
de aplicação próprio, objeto próprio e princípios próprios.
Sua aplicação não retroage a sua vigência, exceto nos casos de
prestações sucessivas, em que o contrato é por prazo indeterminado, a
exemplo dos planos de saúde.

POLÍTICA NACIONAL DE RELAÇÕES DE CONSUMO

Adotar uma Política Nacional significa adotar uma orientação


global para disciplinar as relações de consumo. A Política Nacional
de Relações de Consumo está contemplada pelo artigo 4° do CDC e
deve fundamentar-se em diversos princípios que permeiam todo o CDC,
sendo inclusive utilizados como direitos básicos do consumidor.

Ressalta-se, que os objetivos da Política Nacional de Defesa do


Consumidor, previstos no artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor,
consistem no atendimento das necessidades dos consumidores, o
respeito à sua dignidade, saúde, segurança, a proteção de seus
interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem
como a transparência e harmonia das relações de consumo,
atendidos determinados princípios. Tais princípios consubstanciam no
estabelecimento de alguns pressupostos básicos previstos pela lei, a
serem observados pela sociedade (também o Poder Público), que
servem de diretrizes para todo o sistema de proteção e defesa do
consumidor.

Para efetivação destes princípios, o Código de Defesa do


Consumidor, em seu artigo 5º, dispôs sobre os instrumentos que
devem ser utilizados, como a assistência jurídica, integral e gratuita
para o consumidor carente; criação de Promotorias de Justiça de
Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público; criação de
delegacias de polícia especializadas no atendimento de
consumidores vítimas de infrações penais de consumo; criação de
Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas.

Conforme se depreende da simples leitura do artigo 4º da Lei n.º


8.078, de 11 de setembro de 1990), vários são os princípios gerais da
defesa do consumidor que visam proporcionar o atendimento das
necessidades dos consumidores, levando-se em consideração sua

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dignidade, saúde e segurança, bem como a proteção de seus interesses
econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, transparência e
harmonia nas relações entre eles e seus fornecedores de produtos ou
serviços.

Vejamos então, os incisos e princípios mais importantes e não


somente aqueles adotados pela Política Nacional de Relações de
Consumo:

PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR

O princípio em baila é, na verdade, a primeira medida da isonomia,


garantida pela Constituição Federal. Significa dizer que o consumidor é
a parte mais fraca da relação jurídica de consumo. Essa fraqueza é real,
concreta e decorre de vários aspectos entre os quais temos o aspecto
econômico, o técnico e o aspecto fático.

O aludido princípio está contemplado expressamente no CDC, em


seu artigo 4°, I, a seguir transcrito:

Art. 4° (…)
I – reconhecimento da vulnerabilidade do
consumidor no mercado de consumo.

As suas vertentes serão estudadas quando da análise do conceito


de consumidor, haja vista ser este o sujeito que ostenta esse título por
não possuir qualquer controle sobre o processo produtivo (produção,
distribuição e comercialização), pois apenas participa em sua última
etapa (consumo).

Como bem ensina o mestre Antônio Hermam Benjamim,


vulnerabilidade não se confunde com hipossuficiência, para ele, a
vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, ricos ou
pobres, educados ou ignorantes, crédulos ou espertos. Já a
hipossuficiência e a marca pessoal, limitadade de alguns – até mesmo de
uma coletividade – mas nunca de todos os consumidores (....) A
vulnerabilidade do consumidor por si, justifica a existência do Código.

PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA

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O principio da transparência consta em diversos artigos do CDC de
forma implícita e explicita como é o caso do caput do artigo 4.°do CDC,
conforme segue:

Art.4° A Política Nacional das Relações de Consumo


tem por objetivo o atendimento das necessidades dos
consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e
segurança, a proteção de seus interesses
econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida,
bem como a transparência e harmonia das
relações de consumo, atendidos os seguintes
princípios. (grifei)

Nas relações de consumo, o que se quer é uma conduta


transparente de ambas as partes. As partes não podem contratar de
maneira ambígua, com reserva mental, elas devem expor uma á outra as
suas pretensões, as suas expectativas. Foi-se o tempo dos contratos
redigidos em linguagem hermética, impenetrável, técnica, que o
contratante não podia decifrar e, por isso, somente depois percebia que
tinha sido enganado.

Tamanha é a necessidade de transparência que o próprio CDC


determinou expressamente que haja transparência nas relações de
consumo. Igualmente ocorreu com outras leis que lhes seguiram,
inclusive para alterá-lo, pois reafirmaram a necessidade de transparência
nas relações de consumo, come ocorreu com a Lei 11.785/2008 que
determinou que a fonte n.° 12 deverá ser utilizada nos contratos de
adesão, igualmente, a Lei 11.989/2009 acrescentou o parágrafo único no
art. 31 do CDC, dispondo que as informações, nos produtos refrigerados
devem ser gravados de forma indelével, ou seja, não podem delir,
desvanecer, apagar, a exemplo do queijo, iorgute, margarina, pizza, etc.

O que se busca com a transparência é permitir que os contratos,


uma vez lidos, por pessoas comuns, sejam por elas compreendidos. O
princípio da transparência decorre do dever de informar do fornecedor e
do direito a informação do consumidor, que torna defeso a criação de
barreiras à informção a fim de ocultar desvantagens ao consumidor ou a
enganosa valorização das vantagens que o contrato lhe trará.

PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO

17
Visa suprir a deficiência técnica do consumidor, ou seja, a
vulnerabilidade técnica do consumidor diante do produto e serviço
colocado a disposição no mercado de consumo. O fornecedor deve
informar o consumidor tudo que ele precisa saber sobre aquele
produto/serviço, em especial, no que tange a sua segurança, qualidade,
características, funcionamento, preço, etc.

Assim, ainda que o consumidor adquira um produto importado, o


manual deve estar em português a fim de que o mesmo possa ser
compreendido. Acabou-se o tempo que consumidor comprava um
determinado produto importado, inclusive no supermercado, e ficava sem
saber quais eram os seus componentes ou como era o seu
funcionamento.

O aludido princípio está contemplado expressamente no inciso II do


artigo 6°, entre outros artigos, senão vejamos:
Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:
(…)
III - a informação adequada e clara sobre os
diferentes produtos e serviços, com
especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade e preço,
bem como sobre os riscos que apresentem;

O direito a informação trata-se de um dever exigido mesmo antes do


início de qualquer relação. A informação passou a ser um componente
do produto ou serviço que não podem ser ofertados no mercado sem ela.

PRINCÍPIO DA SEGURANÇA

O princípio da segurança garante a proteção à vida e a saúde dos


consumidores determinando que os produtos e serviços colocados no
mercado de consumo não poderão acarretar riscos à saúde ou
segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e
previsíveis. Neste último caso o fornecedor tem o dever de informar ao
consumidor os riscos que o produto pode causar as medidas para mitigá-
los, como nos casos os produtos de limpeza, os defensivos agrícolas,
remédios, entre outros.

18
O princípio de segurança resta contemplado no caput do artigo 4°, e
inciso I do 6°, bem como na estrutura do sistema de responsabilidade
civil. Por isso mesmo é que vamos encontrá-lo no parágrafo dos artigos
12 e 14 do CDC.

Art. 4º - A Política Nacional de Relações de


Consumo tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à
sua dignidade, saúde e segurança, a proteção
de seus interesses econômicos, a melhoria de
sua qualidade de vida, bem como a
transparência e harmonia das
relações de consumo, atendidos os seguintes
princípios:

Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:


I - a proteção da vida, saúde e segurança
contra os riscos provocados por práticas no
fornecimento de produtos e serviços
considerados perigosos ou nocivos;

PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE

O parágrafo único do art. 7° estabeleceu o princípio da


solidariedade legal para a responsabilidade pela reparação dos danos
causados ao consumidor, conforme segue:

Art. 7º ( ... )
Parágrafo único - Tendo mais de um autor a
ofensa, todos responderão solidariamente pela
reparação dos danos previstos nas normas de
consumo.

Outrossim, a norma estipulou de forma implícita a responsabilidade


solidária quando atribui a responsabilidade aos fornecedores, ou seja,

19
deixando firmado a obrigação de todos os partícipes da cadeia de
produção, conforme se extrai da leitura dos artigos 12 a 20.

Isso significa que o consumidor pode escolher a quem acionar: um


ou todos. Como a solidariedade obriga a todos os responsáveis,
simultaneamente, todos respondem pelo total do dano causado.
Do ponto de vista processual a escolha do consumidor em mover a
ação contra mais de um responsável está garantido na forma de
litisconsórcio facultativo, descrito no artigo 113 do CPC.

O principio da solidariedade aparece novamente nos artigos 12 e


18, caput, nos parágrafos 1° e 2° do artigo 25, no parágrafo 2° do art. 28
e no art. 34, entre outros. Dessa forma, tanto a responsabilidade por vício
ou defeito será solidária.

PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA

O presente artigo está contemplado no inciso II do art. 6° do CDC


que garante a ampla proteção de acesso aos órgãos administrativos e
judiciais para proteção e garantia de seus direitos enquanto
consumidores, o que implica abono e isenção de taxas e custas,
nomeação de procuradores para defendê-los, atendimento preferencial,
entre outros.

Outro ponto que merece destaque é o fato de que acesso a justiça


difere de acesso ao judiciário. Sendo este último estendido a todas as
pessoas por força da própria Constituição Federal.

O acesso a justiça aqui tratado é o direito que o consumidor tem de


receber uma resposta do Estado rápida e efetiva, conferindo utilidade ao
provimento jurisdicional. Para tanto, o CDC criou regras que tornam o
acesso e a resposta ao judiciário mais eficiente, como, por exemplo, a
inversão do ônus da prova, a responsabilidade solidária, a proibição,
como regra, de intervenção de terceiros.

PRINCÍPIO DA BOA-FÉ

O princípio da Boa fé vem da necessidade de criar uma harmonia


nas relações de consumo entre os seus partícipes. Essa harmonização
nasce fundada na boa-fé que resta estampada no inciso III do artigo 4°

20
do CDC, como cláusula geral de uma relação jurídica de consumo, o que
importa dizer que ela estará inserida em toda relação assim considerada.

A boa-fé aqui tratada é a objetiva, ou seja, decorre da própria


relação de consumo que seria uma regra de conduta que deve ser
obrigatoriamente observada pelos dois pólos da relação de consumo, isto
é, tanto o consumidor quanto o fornecedor devem agir conforme certos
parâmetros de honestidade e lealdade a fim de se estabelecer o
equilíbrio nas relações de consumo.

Assim, boa-fé objetiva, conforme Cláudia Lima Marques, “significa


atuação refletiva, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro
contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas
expectativas razoáveis seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso,
sem obstrução, sem causar lesão ou devantagem excessiva, cooperando
para atingir o bom fim das obrigações”.

Com base nesse princípio, torna-se lícito ao juiz, modificar as


cláusulas de um contrato se verificar que é abusiva ou, da mesma forma
que poderá modificar ou rever de alguma cláusula, a pedido do
consumidor, quando demonstrar que, por motivo superveniente, o
mesmo tenha se tornado excessivamente oneroso.

Enfim, boa-fé objetiva é a ética negocial, ou seja, o comportamento


ético, padrão de conduta, tomando como paradigma o homem honrado,
leal e honesto.

RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO

O Código de defesa do Consumidor não conceitua relação jurídica


de consumo, mas para que ele seja aplicado é preciso que o caso
concreto se caracterize como uma relação jurídica de consumo.
Assim, para justificar a incidência do Código de Defesa do
Consumidor, é preciso estudar a estrutura da relação jurídica de
consumo, na perspectiva de seus elementos subjetivos e objetivos, ou
seja, das partes relacionadas e o seu conteúdo.
Nelson Nery Júnior define relação jurídica de consumo como sendo
a relação jurídica existente entre fornecedor e consumidor, tendo por
objeto a aquisição de produtos ou a utilização de serviços pelo
consumidor.

21
Com o conceito acima noticiado, podemos identificar os elementos
da relação jurídica de consumo em subjetivos e objetivos. No primeiro
encontram-se os sujeitos da relação, consumidores e fornecedores no
segundo o objeto, a razão pela qual realizaram a relação, sendo este os
produtos ou serviços.

Nesse contexto, para que haja efetiva relação jurídica de consumo


torna-se necessário identificar num dos pólos da relação o consumidor
no outro, o fornecedor, que pode tomar forma de fornecedor real
(fabricante, produtor construtor e prestador de serviços) fornecedor
presumido (importador) e fornecedor aparente (comerciante) e devem
estar transacionando produtos ou serviços.

Assim, será efetiva a relação de consumo quando ocorrer direta


transação entre o consumidor e fornecedor. Será, entretanto,
presumida quando realizada por simples oferta ou publicidade
inserida no mercado de consumo, bem como pela ocorrência de um
acidente de consumo que cause dano a terceiro, ainda que este não
tenha participado diretamente de uma relação de consumo.

Temos, portanto, no art. 2°, caput, do CDC a definição do titular


merecedor de uma proteção integral, denominado consumidor em
sentido próprio. Além deste, há outros três consumidores denominado
equiparados que restam dispostos, respectivamente, no parágrafo único
do art. 2º; no art. 17 e 29. A técnica da equiparação permite que certos
sujeitos que não figure, efetivamente, em uma relação jurídica de
consumo, possam fazer uso restrito do Código.

Inicialmente, nos preocuparemos com a definição de Consumidor


sentido próprio, chamado pela doutrina de consumidor padrão, standard
ou stricto sensu, cuja lei disponibiliza sua tutela integral e que é
exatamente a que apresenta mais conflito em razão do uso do termo
“destinatário final”.

CONSUMIDOR STANDARD

Assim, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 2º, caput,


define:

22
Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produto ou
serviço como destinatário final.

Parece fácil, mas é muito árduo o labor no sentido de se exarar a


precisa definição de consumidor, pois temos que levar em conta a
acirrada divergência conceitual em torno do significado do vocábulo
“destinatário final”, desenvolvido nas teorias que veremos mais adiante.
Antes, porém cabe tecer algumas elucidações iniciais.

Vislumbrando-se o seu enquadramento inicial, previsto no texto da


norma, o consumidor pode ser, uma pessoa natural ou jurídica, sem
qualquer distinção.

A respeito da pessoa jurídica consumidora, como bem aponta José


Geraldo Brito Filomeno “Prevaleceu, entretanto, como de resto em
algumas legislações alienígenas inspiradas na nossa, a inclusão das
pessoas jurídicas igualmente como ‘consumidores’ de produtos e
serviços, embora com a ressalva de que assim são entendidas aquelas
como destinatárias finais dos produtos e serviços que adquirem, e não
como insumos necessários ao desempenho de sua atividade lucrativa”.

Na opinião deste autor, estando configurados os elementos da


relação de consumo, não se cogita qualquer discussão a respeito de tal
enquadramento, uma vez que, conforme outrora exposto, a
vulnerabilidade é elemento posto da relação de consumo. Em outras
palavras, é irrelevante ser a pessoa jurídica forte ou não
economicamente, pois tal constatação acaba confundindo a
hipossuficiência com a vulnerabilidade.

De toda sorte, a jurisprudência do STJ já concluiu pela possibilidade


de se mitigar a vulnerabilidade da pessoa jurídica, conforme adiante
veremos com a análise das teorias. Por ora, registra-se que uma pessoa
jurídica pode ser considerada consumidora.
Assim, podendo uma pessoa jurídica ser consumidora destaca-se
que tanto a pessoa de Direito Privado quanto a de Direito Público
podem também o ser. Entre as primeiras, cite-se uma pessoa jurídica de
direito privado que se constitui sobre a forma de sociedade que adquire
um eletrodoméstico em uma loja de departamentos. Entre as últimas,

23
consigne-se a hipótese de uma prefeitura como consumidora, conforme o
entendimento jurisprudencial:

“Administrativo. Serviço de telefonia. Falta de


pagamento. Bloqueio parcial das linhas da
Prefeitura. Município como consumidor. 1. A
relação jurídica, na hipótese de serviço público
prestado por concessionária, tem natureza de
Direito Privado, pois o pagamento é feito sob a
modalidade de tarifa, que não se classifica como
taxa. 2. Nas condições indicadas, o pagamento
é contraprestação, aplicável o CDC, e o serviço
pode ser interrompido em caso de
inadimplemento, desde que antecedido por
aviso. 3. A continuidade do serviço, sem o
efetivo pagamento, quebra o princípio da
isonomia e ocasiona o enriquecimento sem
causa de uma das partes, repudiado pelo Direito
(interpretação conjunta dos arts. 42 e 71 do
CDC). 4. Quando o consumidor é pessoa
jurídica de direito público, a mesma regra deve
lhe ser estendida, com a preservação apenas
das unidades públicas cuja paralisação é
inadmissível. 5. Recurso especial provido” (STJ
– REsp 742.640/MG – Segunda Turma – Rel.
Min. Eliana Calmon – j. 06.09.2007 – DJ
26.09.2007, p. 203).

Noutro giro, admite-se que o consumidor seja pessoa nacional ou


estrangeira. Em relação ao último, imagine-se o caso de um turista, em
férias no Brasil, que fica intoxicado com um alimento consumido na praia
ou em um restaurante, podendo demandar os agentes causadores do
dano com base na responsabilidade objetiva prevista pela Lei
8.078/1990.

O consumidor pode ser ainda um ente despersonalizado, mesmo


não constando expressamente menção a ele na Lei Consumerista. Incide
a equivalência das posições jurídicas, uma vez que tais entes podem ser

24
fornecedores, como antes exposto, cabendo, do mesmo modo, a sua
qualificação como consumidores.

A título de exemplo, cite-se julgado do Tribunal Paulista, que


considerou o condomínio edilício – tratado como ente despersonalizado –
consumidor de uma prestação de serviços:

“Contrato. Prestação de serviços. Relação de


consumo. Condomínio e prestadora de serviços
de engenharia e manutenção. Código de Defesa
do Consumidor. Aplicabilidade. Condomínio,
ente despersonalizado, com capacidade
processual, pode ser considerado consumidor
final dos serviços prestados pela agravada.
Recurso provido nesse aspecto” (TJSP – Agravo
de Instrumento 1.009.34000/1, Santos –
Trigésima Segunda Câmara de Direito Privado –
Rel. Des. Orlando Pistoresi – j. 26.01.2005).

Apesar de a conclusão final da decisão ser perfeita, deve ser feita a


ressalva na qual, para parte da doutrina, o condomínio edilício pode ser
considerado pessoa jurídica, conforme consta do Enunciado n.º 90, do
Conselho da Justiça Federal, da I Jornada de Direito Civil, que sintetiza o
pensamento da melhor doutrina contemporânea.

Vimos que tanto a pessoa física quanto a jurídica podem ser


considerados consumidores, desde que sejam destinatários finais do
produto ou serviço.
Assim, “destinatário final é o elemento qualificador da figura do
consumidor e que causa grande divergência doutrinária por sua
amplitude. Surge ai o problema, a definição de destinatário final, em
razão da sua ambigüidade. Diante do termo em baila surgiram algumas
correntes, sendo as mais relevantes a que seguem:

TEORIAS

DESTINO FINAL
Cumpre registrar desde inicio que destinação final deve ser
compreendida sob o aspecto fático e econômico. Aonde a destinação
fática seria aquela que retira o produto, por exemplo, da cadeia de

25
produção e o atribui destino pessoal ou familiar. Por sua vez, o destino
final econômico é aquele que não admite revenda, uso profissional, pois
o bem seria novamente um instrumento de produção, cujo preço será
incluído no preço final do profissional para adquiri-lo, já que nesse caso o
destino seria intermediário.

CORRENTE SUBJETIVA OU FINALISTA

Essa teoria analisa o que é feito com o produto ou serviço sob os


aspetos fático e econômico, por isso, subjetivista.

Para a corrente finalista, o destinatário final seria a pessoa que retira


o produto ou serviço não apenas da cadeia de produção, mas também
da cadeia do mercado, assim caracterizado como sendo aquele que
utiliza o produto para o seu benefício pessoal ou da sua família e que
não usa como meio de produção de outro produto ou serviço ou, ainda
para revendê-lo. Não se admite, portanto, que o consumo se faça
com vistas à incrementar uma atividade profissional lucrativa,
qualquer que seja a sua destinação.

Nesse sentido, é necessário dar destinação final fática e


econômica ao produto ou serviço, ou seja, é preciso retirar do
mercado de consumo e esgotá-lo economicamente (não pode ser
utilizada em novo ciclo de produção)

Como exemplo, imagine que um advogado adquira um ar


condicionado para colocar no seu escritório, incorporando em sua
atividade laboral para dar maior conforto aos seus clientes, podendo,
com isso, aumentar o preço da consulta ou mesmo captar novos clientes.
Para essa corrente esse advogado não seria consumidor, pois não
estaria utilizando o bem como destinatário final, mas estaria
incorporando-o no seu labor para auferir renda. Diferente seria se ele
utilizasse o mesmo aparelho em seu quarto dando-lhe uma destinação
pessoal, pois nesse caso e, somente nessa hipótese, ele seria
considerado consumidor.

Assim, a corrente subjetiva entende ser imprescindível para a


conceituação de consumidor que a destinação final seja entendida como
fática e econômica, isto é, que a aquisição de um bem ou a utilização
de um serviço satisfaça uma necessidade pessoal do adquirente,

26
seja ele pessoa física ou jurídica desde que esta não desenvolva
atividade econômica organizada e ainda, não objetive o
desenvolvimento de outra atividade negocial ainda que a sua
utilização não esteja vinculada a atividade fim.

Nesse contexto, a corrente sbjetivista, restringe o conceito de


consumidor às pessoas fisicas ou jurídicas, não profissionais, que
não desenvolvam atividade econômica organizada por caracterizar uso
intermediário. Não se admite, portanto, que o consumo se faça com
intuito de incrementar atividade profissional lucrativa e isto, ressalte o
produto ou serviço à revenda ou a integração do processo de
transformação, beneficiamento ou montagem de outros bens ou serviços,
que simplesmente passe a compor o ativo fixo da atividade profissional
desenvolvida pelo consumidor.

Não há de se cogitar em consumo final, mas intermediário,


quando um profissional adquire produto ou usufrui serviço com o
fim de, direta ou indiretamente, dinamizar ou instrumentalizar seu
negócio lucrativo.

Adotando essas premissas, na I Jornada de Direito Comercial,


promovida pelo Conselho da Justiça Federal em outubro de 2012, foi
aprovado enunciado doutrinário no sentido de que não se aplica o
Código de Defesa do Consumidor nos contratos entre empresários que
tenham por objetivo o suprimento de insumos para as suas atividades de
produção, comércio ou prestação de serviços (Enunciado n. 20).
Todavia, a verdade é que existem outras teorias a respeito da
caracterização do consumidor. Uma delas, como se verá, até se justifica,
eis que a aplicação cega e literal da teoria finalista pode gerar situações
de injustiça.
Como destacado pela própria Claudia Lima Marques no trecho
transcrito, vários julgados do Superior Tribunal de Justiça adotam esse
posicionamento categórico. A ilustrar, por todos:

“Conflito de competência. Sociedade empresária.


Consumidor. Destinatário final econômico. Não
ocorrência. Foro de eleição. Validade. Relação de
consumo e hipossuficiência. Não caracterização. 1. A
jurisprudência desta Corte sedimenta-se no sentido da
adoção da teoria finalista ou subjetiva para fins de

27
caracterização da pessoa jurídica como consumidora
em eventual relação de consumo, devendo, portanto,
ser destinatária final econômica do bem ou serviço
adquirido (REsp 541.867/BA). 2. Para que o
consumidor seja considerado destinatário econômico
final, o produto ou serviço adquirido ou utilizado não
pode guardar qualquer conexão, direta ou indireta,
com a atividade econômica por ele desenvolvida; o
produto ou serviço deve ser utilizado para o
atendimento de uma necessidade própria, pessoal do
consumidor. 2. No caso em tela, não se verifica tal
circunstância, porquanto o serviço de crédito tomado
pela pessoa jurídica junto à instituição financeira
decerto foi utilizado para o fomento da atividade
empresarial, no desenvolvimento da atividade
lucrativa, de forma que a sua circulação econômica
não se encerra nas mãos da pessoa jurídica,
sociedade empresária, motivo pelo qual não resta
caracterizada, in casu, relação de consumo entre as
partes. 3. Cláusula de eleição de foro legal e válida,
devendo, portanto, ser respeitada, pois não há
qualquer circunstância que evidencie situação de
hipossuficiência da autora da demanda que possa
dificultar a propositura da ação no foro eleito. 4.
Conflito de competência conhecido para declarar
competente o Juízo Federal da 12ª Vara da Seção
Judiciária do Estado de São Paulo” (STJ – CC
92.519/SP – Segunda Seção – Rel. Min. Fernando
Gonçalves – j. 16.02.2009 – DJe 04.03.2009).

“Competência. Relação de consumo. Utilização de


equipamento e de serviços de crédito prestado por
empresa administradora de cartão de crédito.
Destinação final inexistente. A aquisição de bens ou a
utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica,
com o escopo de implementar ou incrementar a sua
atividade negocial, não se reputa como relação de
consumo e, sim, como uma atividade de consumo
intermediária. Recurso especial conhecido e provido
para reconhecer a incompetência absoluta da Vara

28
Especializada de Defesa do Consumidor, para
decretar a nulidade dos atos praticados e, por
conseguinte, para determinar a remessa do feito a
uma das Varas Cíveis da Comarca” (STJ – REsp
541.867/BA – Segunda Seção – Rel. Min. Antônio de
Pádua Ribeiro – Rel. p/Acórdão Min. Barros Monteiro –
j. 10.11.2004 – DJ 16.05.2005, p. 227).

CORRENTE MAXIMALISTA OU OBJETIVA

Essa teoria amplia sobremaneira o conceito de consumidor e daí a


própria relação jurídica de consumo, na medida em que para ela pouco
importa com o que é feito com o produto ou serviço, tendo, pois conceito
jurídico, exceto no caso de revenda.

A corrente maximalista ou objetiva tenta ampliar as hipóteses de


incidência do CDC, sustentando, em síntese que o destinatário final é
aquele que retira o produto do mercado, ainda que para usá-lo como
meio de produção.

Assim, defende que a expressão “destinatário final” deve ser


interpretada de forma ampla, bastando que o consumidor seja o
destinatário fático de bem ou serviço, isto é, que retire do mercado,
encerrando objetivamente a cadeia produtiva em que foi inserido o
fornecimento do bem ou da prestação do serviço, não podendo
apenas, ser objeto de revenda.

Como bem apresenta Claudia Lima Marques, “os maximalistas viam


nas normas do CDC o novo regulamento do mercado de consumo
brasileiro, e não normas orientadas para proteger somente o consumidor
não profissional. O CDC seria um código geral sobre o consumo, um
código para a sociedade de consumo, que institui normas e princípios
para todos os agentes do mercado, os quais podem assumir os papéis
ora de fornecedores, ora de consumidores. A definição do art. 2º deve
ser interpretada o mais extensivamente possível, segundo esta corrente,
para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada
vez maior de relações de consumo”.

No exemplo citado acima, o advogado que comprou o ar-


condicionado para o seu escritório seria destinatário final, portanto.

29
Igualmente ocorreria no caso de hipotético de uma grande pessoal
jurídica ao adquirir um computador como instrumento de trabalho de um
de seus funcionários de um pequeno fonercedor, ou seja, a única
exigência é que se dê ao bem ou serviço uma destinação final fática,
pouco importanto se há ou não desequilíbrio na relação decorrente da
vulnerabilidade deste adquirente.

Adeptos da corrente maximalista defendem que para a definição


legal de consumidor, ex vi o art. 2º do CDC, basta que o consumidor seja
o destinatário final de produtos e serviços, incluindo aquilo que é
utilizado, adquirido para empenho de atividade ou profissão, bastando,
para tanto, que não haja a finalidade de revenda.

Não há razão plausível para se distinguir o uso privado do uso


profissional, o importante é a ausência de intermediação ou
revenda.

Os maximalistas defendem em última análise que o CDC seria um


Código geral de consumo, para toda a sociedade de consumo,
devendo aplicar uma interpretação extensiva para que as suas normas
possam servir cada vez mais às relações de mercado.

Assim, a doutrina maximalista prega a interpretação mais extensa


possível e considera a definição do art. 2º puramente objetiva, não
importando se tem ou não objetivo de lucro quando adquirido o produto
ou serviço.

Destinatário final seria, portanto, o destinatário fático, ou seja,


aquele que retira do mercado o produto ou serviço e utiliza ou consome.
O uso privado ou econômico-profissional não infere na definição de
consumidor desde que o produto ou serviço não integre diretamente o
seu processo de produção, transformação, montagem, beneficiamento
ou revenda da atividade fim do adquirente.

Assim, a aquisição de um computador ou software, para o


exercício profissional da advocacia pouco importa se por um
advogado principiante ou por grande banca de advocacia, a
presente corrente qualifica ambos como consumidor, pois não se
apoia na vulnerabilidade do adquirente que no caso da banca
poderá não exsitir. Da mesma forma, a aquisição de gasolina por um

30
taxista ou por uma empresa de ônibus, colocaria ambos sob a êgide
do CDC. Portando, sendo o taxista ou a grande empresa
destinatários finais, podem ser perfeitamente considerados
consumidores.

TEORIA FINALISTA ATENUADA

Cláudia Lima Marques partiu do viés da vulnerabilidade para melhor


definir a figura do consumidor.

Essa teoria é fruto do trabalho de criação de Claudia Lima Marques,


a maior doutrinadora brasileira sobre o tema Direito do Consumidor.
Nesse ínterim, cumpre colacionar seus ensinamentos:
“Realmente, depois da entrada em vigor do
CC/2002 a visão maximalista diminuiu em força,
tendo sido muito importante para isto a atuação do
STJ. Desde a entrada em vigor do CC/2002, parece-
me crescer uma tendência nova da jurisprudência,
concentrada na noção de consumidor final
imediato (Endverbraucher), e de vulnerabilidade
(art. 4º, I), que poderíamos denominar aqui de
finalismo aprofundado.

POSIÇÃO DO STJ

Essa teoria busca conferir uma interpretação finalista mais


aprofundada e madura, que deve ser saudada. Em casos difíceis
envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para a sua
produção, mas não em sua área de expertise ou com uma utilização
mista, principalmente na área de serviços, provada a vulnerabilidade,
conclui-se pela destinação final de consumo prevalente.

A linha de precedentes adotada pelo STJ inclinava-se pela teoria


maximalista ou objetiva, posto que vinha considerando consumidor o
destinatário final fático do bem ou serviço, ainda que utilizado no
exercício de sua profissão ou empresa.

Neste sentido: vide Resp 208.793/MT, Min.


Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma,

31
unânime, DJ 01/08/2000; Resp 329.587/SP, Rel.
Min. Carlos Alberto Menezes Direito. Terceira
Turma, unânime, DJ 24/06/2002, Resp
286.441/RS, Min. Rel. Antônio de Pádua Ribeiro,
DJ 03/02/2003.

Resp 286.441/RS, DJ 03/03/2003, Resp


488.274/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJU
23/06/2003, Resp 468.148/SP, DJU 23/06/2003,
Resp 445.854/MS, Rel. Castro Filho, 3a. T. DJU
28/10/2003.

Depois de 10.11.2004, especificamente, com o julgamento do REsp


n.° 541.867/BA, na segunda Seção do STJ, Rel. Min. Barros Monteiro, a
corrente subjetivista prevaleceu: “não há falar em relação de consumo
quando a aquisição de bens ou utilização de serviços, por pessoa natural
ou jurídica, tem como escopo incrementar a sua atividade comercial.”

O recurso acima julgou o caso de uma pequena farmácia que se


filiou ao sistema de cartões de crédito, mas que por erro da
administradora do cartão que teria efetuado o pagamento a terceiro que
não a farmácia, pela compra realizada no seu estabelecimento. Após
delonga discussão sobre a configuração ou não da relação jurídica de
consumo o STJ, por maioria, decidiu pela inexistência.

Por fim, hodiernamente, após o REsp n.° 476.428/SC - 2005,


verifica-se que o STJ passou a adotar a teoria finalista
atenuada/mitigada/abrandada/aprofundada que suaviza os conceitos
trazidos pelo CDC, reconhecendo como consumidor a pessoa física ou
jurídica que adquire o produto ou utiliza o serviço, mesmo em razão de
sua atividade econômica tendo em vista a necessidade de se equilibrar
as relações entre fornecedores e consumidores, quando verificada a
vulnerabilidade destes com relação aqueles.

Seguindo nas concretizações dessa tese, vejamos decisão


publicada em 2010 no Informativo n. 441 do Superior Tribunal de Justiça,
a respeito da aquisição da aquisição de máquina de bordar para pequena
produção de subsistência:

32
“A jurisprudência do STJ adota o conceito
subjetivo ou finalista de consumidor, restrito à
pessoa física ou jurídica que adquire o produto
no mercado a fim de consumi-lo. Contudo, a
teoria finalista pode ser abrandada a ponto de
autorizar a aplicação das regras do CDC para
resguardar, como consumidores (art. 2º daquele
Código), determinados profissionais
(microempresas e empresários individuais) que
adquirem o bem para usá-lo no exercício de sua
profissão. Para tanto, há que demonstrar sua
vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica
(hipossuficiência). No caso, cuida-se do contrato
para a aquisição de uma máquina de bordar
entabulado entre a empresa fabricante e a
pessoa física que utiliza o bem para sua
sobrevivência e de sua família, o que demonstra
sua vulnerabilidade econômica. Destarte, correta
a aplicação das regras de proteção do
consumidor, a impor a nulidade da cláusula de
eleição de foro que dificulta o livre acesso do
hipossuficiente ao Judiciário. Precedentes
citados: REsp 541.867-BA, DJ 16.05.2005; REsp
1.080.719-MG, DJe 17.08.2009; REsp 660.026-
RJ, DJ 27.06.2005; REsp 684.613-SP, DJ
1º.07.2005; REsp 669.990-CE, DJ 11.09.2006, e
CC 48.647-RS, DJ 05.12.2005” (STJ – REsp
1.010.834-GO – Rel. Min. Nancy Andrighi – j.
03.08.2010).

Assim, a corrente subjetivista sofreu certo abrandamento, a fim de


admitir a aplicação do CDC quando a aquisição do produto ou serviço,
ainda que feita para incremento de atividade profissional, mas que entre
os sujetios da relação esteja presente a vulnerabilidade do adquirente
em relação ao fornecedor.

A exemplo, podemos citar o caso da 3º Turma do STJ que


demonstra a ampliação do conceito de consumidor a uma pessoa que
utilize determinado produto para fins de trabalho e não apenas para
consumo direto. Nesse sentido, a 3ª turma negou provimento a recurso

33
especial interposto pela Marbor Máquinas Ltda., de Goiás, que pretendia
mudar decisão de primeira instância. A decisão beneficiou uma
compradora que alegou ter assinado, com a empresa, contrato que
possuía cláusulas abusivas.

A consumidora-costureira, Sheila de Souza Lima, ajuizou ação


judicial pedindo a nulidade de determinadas cláusulas existentes em
contrato de compra e venda firmado com a Marbor para aquisição da
determinada máquina de costura, mediante pagamento em vinte
prestações mensais. O acórdão de primeira instância aceitou a revisão
do contrato da compradora, de acordo com a aplicabilidade do CDC.
Mas, ao recorrer ao STJ, a Marbor alegou que não se configura
como relação de consumo um caso em que o destinatário final adquire
determinado bem para utilizar no exercício da profissão, conforme
estabelece o CDC. Argumentou, ainda, que de acordo com o CPC, a
ação deve ser julgada no foro eleito pelas partes - uma vez que, no
contrato firmado, foi eleito o foro da comarca de São Paulo/SP - para
dirimir eventuais controvérsias da referida relação contratual, e não a
comarca de Goiânia/GO - onde correu a ação.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.010.834 – GO
(2007/0283503-8)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MARBOR MÁQUINAS LTDA
ADVOGADO : JOSE ROBERTO CAMASMIE
ASSAD E OUTRO(S)
RECORRIDO : SHEILA DE SOUZA LIMA
ADVOGADO : VALÉRIA DE BESSA
CASTANHEIRA LEÃO E OUTRO(S)
EMENTA PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR.
CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE
MÁQUINA DE BORDAR. FABRICANTE.
ADQUIRENTE. VULNERABILIDADE. RELAÇÃO
DE CONSUMO. NULIDADE DE CLÁUSULA
ELETIVA DE FORO.

Ao proferir seu voto, a Ministra Relatora do recurso no âmbito do


STJ, Nancy Andrighi, considerou que embora o Tribunal tenha restringido
anteriormente o conceito de consumidor à pessoa que adquire
determinado produto com o objetivo específico de consumo, outros
julgamentos realizados depois, voltaram a aplicar a tendência

34
maximalista. Dessa forma, agregaram novos argumentos a favor do
conceito de consumo, de modo a tornar tal conceito "mais amplo e justo",
conforme destacou.

A ministra enfatizou, ainda, que "no processo em exame, o que se


verifica é o conflito entre uma empresa fabricante de máquinas e
fornecedora de softwares, suprimentos, peças e acessórios para a
atividade confeccionista e uma pessoa física que adquire uma máquina
de bordar em prol da sua sobrevivência e de sua família, ficando
evidenciada sua vulnerabilidade econômica".

Por conta disso, a relatora entendeu que, no caso em questão, pode


sim ser admitida a aplicação das normas do CDC a determinados
consumidores profissionais, "desde que seja demonstrada a
vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica" da pessoa. Os ministros
que compõem a 3ª turma acompanharam o voto da relatora e, em
votação unânime, negaram provimento ao recurso da empresa Marbor.

Voltemos ao exemplo de um advogado que adquire livros ou


computadores para usá-los profissionalmente. Para os maximalistas,
quer se cuide de um profissional iniciante ou de um grande e conceituado
escritório de advocacia o CDC iria incidir sobre a transação. Entretanto,
para os finalistas, ambas relações (advogado iniciante ou grande banca)
estariam excluídas da incidência do CDC, por não restar caracterizada a
figura do consumidor no adquirente, seja ele o profissional liberal ou
grande escritório. Entretanto, como vimos o STJ passou a adotar a
corrente subjetivista atenuada e isso quer dizer que a figura do
consumidor se caracteriza pela posição do vulnerável em relação ao
fornecedor, pouco importando tratar-se de pessoa fisíca ou jurídica,
ainda que o consumo seja para incremento de atividade profissional, ou
seja, teoricamente, o CDC iria proteger a figura do pequeno advogado,
mas o mesmo não ocorreira com a grande banca, conforme segue:

REsp 476428 / SC
RECURSO ESPECIAL 19/04/2005
2002/0145624-5 Direito do Consumidor. Recurso
especial. Conceito de consumidor. Critério
subjetivo ou finalista. Mitigação. Pessoa Jurídica.
Excepcionalidade. Vulnerabilidade.

35
Constatação na hipótese dos autos. (...) - A
relação jurídica qualificada por ser "de
consumo" não se caracteriza pela presença
de pessoa física ou jurídica em seus pólos,
mas pela presença de uma parte vulnerável
de um lado (consumidor), e de um
fornecedor, de outro.
- Mesmo nas relações entre pessoas
jurídicas, se da análise da hipótese concreta
decorrer inegável vulnerabilidade entre a
pessoa-jurídica consumidora e a
fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca
do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o
critério finalista para interpretação do conceito
de consumidor, a jurisprudência deste STJ
também reconhece a necessidade de, em
situações específicas, abrandar o rigor do
critério subjetivo do conceito de consumidor,
para admitir a aplicabilidade do CDC nas
relações entre fornecedores e consumidores-
(...). (grifei)

Deve ficar claro que, para o Superior Tribunal de Justiça, a


hipossuficiência ou vulnerabilidade (a última, conforme as decisões) deve
ser devidamente demonstrada para que se mitigue a teoria finalista.
Nesse sentido, decisão extraída do seu Informativo n. 236:
“Em ação de indenização por danos morais e
materiais, a empresa alega a suspensão
indevida do fornecimento de energia elétrica
pela concessionária. Por outro lado, a ré
sustentou preliminares de ilegitimidade ativa,
incompetência da vara de defesa do consumidor
por não existir relação de consumo e inépcia da
inicial. O Tribunal a quo manteve a decisão
agravada que rejeitou as preliminares. Daí o
REsp da concessionária ré. A Turma, em
princípio, examinou a questão relativa à
admissibilidade e processamento desse REsp e
reconheceu que, como a discussão versa sobre
competência, poderia influenciar todo o curso

36
processual, justificando, pela excepcionalidade,
o julgamento do REsp, sem que ele
permanecesse retido, conforme tem admitido a
jurisprudência. A Turma também reconheceu a
legitimidade ativa da recorrida, pois cabe à
locatária, no caso a empresa, o pagamento das
despesas de luz (art. 23 da Lei do Inquilinato).
Mas proveu o recurso quanto à inexistência de
consumo e a consequente incompetência da
vara especializada em Direito do Consumidor.
Argumentou-se que a pessoa jurídica com fins
lucrativos caracteriza-se, na hipótese, como
consumidora intermediária e a uniformização
infraconstitucional da Segunda Seção deste
Superior Tribunal perfilhou-se à orientação
doutrinária finalista ou subjetiva, na qual o
consumidor requer a proteção da lei. O Min.
Relator ressaltou que existe um certo
abrandamento na interpretação finalista a
determinados consumidores profissionais, como
pequenas empresas e profissionais liberais,
tendo em vista a hipossuficiência. Entretanto, no
caso concreto, a questão da hipossuficiência da
empresa recorrida em momento algum restou
reconhecida nas instâncias ordinárias. Isso
posto, a Turma reconheceu a nulidade dos atos
processuais praticados e determinou a
distribuição do processo a um dos juízos cíveis
da comarca. Precedente citado: REsp 541.867-
BA” (STJ – REsp 661.145/ES – Rel. Min. Jorge
Scartezzini – j. 22.02.2005).

Nessa linha, não reconhecendo a vulnerabilidade do da pessoa que


adquira ou utilize o produto ou serviço, consumidor será reconhecido nos
moldes da teoria subjetivista, conforme segue:

DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR.


CLÍNICA DE ONCOLOGIA. COMPRA DE
MÁQUINA RECONDICIONADA, DE
VENDEDOR ESTRANGEIRO, MEDIANTE

37
CONTATO FEITO COM REPRESENTANTE
COMERCIAL, NO BRASIL. PAGAMENTO DE
PARTE DO PREÇO MEDIANTE REMESSA AO
EXTERIOR, E DE PARTE MEDIANTE
DEPÓSITO AO REPRESENTANTE
COMERCIAL. POSTERIOR FALÊNCIA DA
EMPRESA
ESTRANGEIRA. CONSEQUÊNCIAS.
APLICAÇÃO DO CDC. IMPOSSIBILIDADE.
DEVOLUÇÃO DO PREÇO TOTAL PELO
REPRESENTANTE COMERCIAL.
IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO
DA PARCELA DO PREÇO NÃO TRANSFERIDA
AO EXTERIOR. POSSIBILIDADE. APURAÇÃO.
LIQUIDAÇÃO. 1. A relação jurídica entre clínica
de oncologia que compra equipamento para
prestar serviços de tratamento ao câncer,
e representante comercial que vende esses
mesmos equipamentos, não é de consumo,
dada a adoção da teoria finalista acerca da
definição das relações de consumo, no
julgamento do REsp 541.867/BA (Rel.
Min. Barros Monteiro, Segunda Seção, DJ de
16/5/2005). 2. Há precedentes nesta Corte
mitigando a teoria finalista nas hipóteses em que
haja elementos que indiquem a presença de
situações de clara vulnerabilidade de uma das
partes, o que não ocorre na situação concreta. 3.
Pela legislação de regência, o representante
comercial age por conta e risco do
representando, não figurando, pessoalmente,
como vendedor nos negócios que intermedia.
Tendo isso em vista, não se pode imputar a ele
a responsabilidade pela não conclusão da
venda decorrente da falência da sociedade
estrangeira a quem ele representa. 4. Não tendo
sido possível concluir a entrega da
mercadoria, contudo, por força de evento
externo pelo qual nenhuma das partes responde,
é lícito que seja resolvida a avença, com a

38
devolução, pelo representante, de todos os
valores por ele recebidos diretamente, salvo os
que tiverem sido repassados à
sociedade estrangeira, por regulares operações
contabilmente demonstradas. 5. Recurso
especial conhecido e parcialmente provido.
(Recurso Especial Nº 1.173.060,
Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça,
Relator: Nancy Andrighi, Julgado em
16/10/2012)

A vulnerabilidade, portanto, e aqui se inclui a técnica, fática ou


econômica, jurídica e informacional, é o ponto de partida fundamental
para verificação da aplicabilidade ou não das normas do CDC, nos
termos do STJ REsp 1195642/RJ.

Hodiernamente, o conceito de consumidor e o seu alcance,


portanto, passa necessariamente pela análise in concreto da noção
de vulnerabilidade, independente do adquirente ser profissional ou
não, pessoa física ou jurídica.

O princípio, vulnerabilidade do consumidor é tido como o princípio


maior que rege as relações de consumo. Com seu reconhecimento no
mercado de consumo, trazido explicitamente no CDC, em seu art. 4.º, I, o
legislador consumerista demonstrou a fragilidade do consumidor na
relação perante o fornecedor.

Assim considera-se que todos os princípios, direitos e


garantias relacionadas ao direito consumerista advém do
reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor.

Seguindo essa concepção, um taxista que adquire o veiculo


para seu trabalho pode ser considerado consumidor (REsp 611.872-
RJ, 2012, INFO 505) ou da empresa administradora de imóveis que
adquire um avião para servir de meio de transporte de seus sócios e
funcionários, havendo relação de consumo entre ela e o vendedora
de aviões (REsp 1321083-PR, 2014, INFO 548), ainda da
concessionária de veículos que firma contrato de seguro de
responsabilidade para proteção do seu patrimônio (REsp 1352419-
SP, 2014, INFO 548).

39
Como vimos, a vulnerabilidade do consumidor decorre dos
fenômenos de massificação da produção e da contratação em massa e
pode, em sintese, ser verificada em algumas situações distintas, quais
sejam: econômica, técnica, jurídica, fática e informacional, não obstante
a doutrina abarque outras searas da vulnerabilidade, como a científica,
entre outras.

VULNERABILIDADE ECONÔMICA
A regra, é que o consumidor é sempre o mais fraco na relação sob o
enfoque econômico que, como vimos, é resultado do sistema capitalista
estruturado na chamada produção em série, a Standartização da
produção, ou seja, a homogeneização da produção.

Assim, a vulnerabilidade econômica resulta das disparidades de


força entre os agentes econômicos e os consumidores, fazendo com que
os fornecedores possam blindar seu negócio. Os fornecedores detêm
condições objetivas de impor sua vontade seja, pela ignorância do
consumidor, sua dispersão, pela pressão das necessidaddes, ou por
muitos outros mecanismos. O próprio contrato de adesão é um exemplo
desses mecanismos.

VULNERABILIDADE JURÍDICA
Essa espécie de vulnerabilidade se manifesta pela falta de
conhecimentos jurídico, contábil e econômico do consumidor, o que o
fragiliza diante do poderio do fornecedor que, sob a alegação de
legalidade de suas práticas, fragiliza e anula uma possível discussão
sobre o tema, fazendo com que o consumidor simplesmente acate as
exigências do fornecedor e acabe por pagar tarifas indevidas, aceitar
obrigações que não são licitas, condicionar a aquisição de um produto ou
serviço a outro, entre outras práticas abusivas.

VULNERABILIDADE TÉCNICA
Mesmo na sociedade de massa em que vivemos é possível, ainda
que mesmo remotamente, o consumidor não seja o mais fraco da relação
sob o aspecto econômico, poderá ser quanto ao conhecimento técnico,
pois, inegavelmente, é o fornecedor que possui conhecimentos sobre o
processo produtivo, pois a ela cabe o monopólio da cadeia produtiva.

40
A vulnerabilidade técnica é decorrente do fato de o consumidor não
possuir conhecimentos específicos sobre produtos ou serviços por ele
adquiridos, ficando sujeito a vontade dos fornecedores e tendo como
única garantia a confiança na boa-fé da outra parte, no proceder honesto,
leal do fornecedor, fato que lhe deixa sensivelmente exposto.

Esta vulnerabilidade concretiza-se pelo fenômeno da complexidade


do mundo moderno, que impossibilita o consumidor de conhecer
propriedades, malefícios e benefícios dos produtos e serviços adquiridos
no mercado de consumo. Dessa forma, o consumidor se vê totalmente
desamparado, já que dificilmente há possibilidade de saber quando
determinado produto ou serviço apresenta defeito ou vício, colocando em
perigo a sua incolumidade física e patrimonial. Como exemplo, suponha
que uma pessoa não entenda nada de computadores, mas influenciada
pelo vendedor, acaba comprando um equipamento que está além das
suas necessidades e, portanto, mais caro do que o que lhe atenderia.

A vulnerabilidade técnica se caracteriza, portanto, pela falta de


conhecimentos específicos sobre o produto ou serviço. É presumida no
caso de consumidor não-profissional. Eventualmente, nos casos que o
produto ou serviço adquirido não tiver relação com a formação,
competência ou área de atuação do consumidor.

VULNERABILIDADE FÁTICA
Ocorre quando, em determinados mercados, somente existem um
ou poucos fornecedores e o consumidor na impossibilidade de ter seu
direito de escolha respeitado fica sujeito a estes fornecedores.

Pode decorrer até da essencialidade do produto ou serviço no


mercado, como no caso de saúde, educação, fornecimento de energia,
disponibilidade de crédito etc. Desta forma o consumidor fica sujeito às
condições impostas pelo fornecedor, pois não tem como escolher outro
fornecedor.

De acordo com o atual posicionamento do STJ, o CDC tem


como escopo equilibrar as partes das relações jurídicas que se
formaram sob esse novo mercado de produção em massa. Nesse
sentido, a relação jurídica de consumo não se caracteriza pela
presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela
presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um

41
fornecedor, de outro, o que permite seu reconhecimento mesmo nas
relações entre pessoas jurídicas, desde que da análise do caso
concreto verificar inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica
consumidora e a fornecedora.

VULNERABILIDADE INFORMACIONAL

Advém da ausência, insuficiência ou complexidade da informação


prestada que não permite a compreensão do consumidor. O consumidor
tem direito a informação o que leva ao fornecedor o direito de informar,
nos termos do artigo 6º, III do CDC. Portanto, está ligada ao consumidor
consciente, por isso o fornecedor deve .

O STJ negou provimento ao fornecedor que, sem informar


claramente o consumidor, reduziu o volume do refrigerante de garrafa
PET de 600 ml para 500, prática que é considerada “maquiagem de
produto” ou “aumento disfarçado de preço”.

Aqui o consumidor não detém informações suficientes para realizar


o processo de aquisição ou não do produto.

DOS CONSUMIDORES EQUIPARADOS


bystandard

O Código de Defesa do Consumidor estabeleceu consumidores por


equiparação, ampliando a sua aplicação a terceiros que não se encaixam
no conceito padrão de consumidor (destinatário final), mas que a estes
se equiparam para efeitos da tutela legal, conforme estabelece dos
artigos 2º, parágrafo único, 17, e 29. Tais dispositivos funcionam como
normas de extensão na medida em que colocam sob o manto protetivo
do CDC, as figuras ali encontradas.

Conforme já afirmado, o conceito jurídico previsto no art. 2º caput, é


denominado pela doutrina como conceito padrão ou standard, entretanto,
a lei consumerista reconhece outras pessoas (a coletividade de pessoas,
vitimas do fato do produto ou serviço e todas as pessoas expostas as
práticas comerciais e à dsiciplina contratual) como consumidoras
denominando-as de consumidores por equiparação ou bystandard.

DA COLETIVIDADE DE PESSOAS
Art. 2º (...)
42
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a
coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, que haja intervindo nas
relações de consumo.

A regra do parágrafo único do artigo 2º amplia a definição de


consumidor, dada pelo caput, equiparando a ele a coletividade de
pessoas, mesmo que não possam ser identificadas, desde que, tenham
de alguma maneira participado da relação de consumo, (terceiros
intervenientes) absorvendo bens ou serviços ou se apresenantando
para tais absorções.

A aludida regra, segundo Rizzatto Nunes, tem como escopo


garantir e proteger uma particular coletividade de pessoas, como o
condomínio e, por analogia, a massa falida, o espólio (mesmo que,
tecnicamente, não se trate de uma coletividade de pessoa e o artigo não
contemple os entes com personalidade anômala) que possam ser, de
alguma maneira, afetadas pela relação de consumo. Assim, o aludido
artigo amplia o caput do art. 2º e permite, por exemplo, que a massa
falida ao adquirir produtos possa estar resguardada pelas regras do
CDC.

Assim, tratando do condomínio edilício, recente decisão do Superior


Tribunal de Justiça considerou-o legitimado a defender os interesses dos
seus componentes perante a incorporadora imobiliária, em tratamento
regido pelo CDC.

Nos termos da ementa:

“polêmica em torno da possibilidade de inversão


do ônus da prova para se atribuir a
incorporadora demandada a demonstração da
destinação integral do produto de financiamento
garantido pela alienação fiduciária de unidades
imobiliárias na incorporação em questão
(patrimônio de afetação). Aplicabilidade do
Código de Defesa do Consumidor ao
condomínio de adquirentes de edifício em
construção, nas hipóteses em que atua na
defesa dos interesses dos seus condôminos
frente a construtora/incorporadora. O

43
condomínio equipara-se ao consumidor,
enquanto coletividade que haja intervindo na
relação de consumo. Aplicação do disposto no
parágrafo único do art. 2º do CDC. Imposição de
ônus probatório excessivamente complexo para
o condomínio demandante, tendo a empresa
demandada pleno acesso às provas necessárias
à demonstração do fato controvertido” (STJ –
REsp 1.560.728/MG – Terceira Turma – Rel.
Min. Paulo de Tarso Sanseverino – j. 18.10.2016
– DJe 28.10.2016).

Ainda no tocante aos entes despersonalizados, vejamos decisão do


Tribunal Fluminense que tratou o espólio como consumidor, em caso
envolvendo a prestação de serviços de telefonia:

“Cessão do direito ao uso de linha telefônica.


Morte do titular. Art. 1.572. Código Civil de 1916.
Obrigação de fazer. Ação de obrigação de fazer.
Uso de linha telefônica. Indevida rescisão do
contrato. Com o falecimento do titular do direito
de uso de linha telefônica, este se transmite aos
herdeiros, na forma do art. 1.572 do Código
Civil, integrando o acervo hereditário. Desta
forma, é possível o espólio pleitear em ação de
obrigação de fazer a instalação de linha
telefônica, desde que esteja em dia com
pagamentos. Os serviços interrompidos, com
afronta ao disposto na Lei 9.472/1997 e no
Código de Defesa do Consumidor, merecem ser
restabelecidos. Afasta-se a possibilidade de
indenização por dano moral, uma vez que o
espólio é ente despersonalizado, sendo-lhe
conferida apenas capacidade processual, como
parte formal. Recurso provido em parte” (TJRJ –
Acórdão 14.509/2002, Rio de Janeiro – Décima
Quarta Câmara Cível – Rel. Des. Walter D’
Agostino – j. 17.12.2002).

44
O mestre Sérgio Cavalieri Filho interpreta de forma diversa o
referido artigo quando diz que a regra afirma o caráter difuso do direito
do consumidor, ou seja, explica que a norma visa tratar da classe dos
consumidores de forma difusa ou coletiva, permitindo com isso que
esteja amparado pela tutela jurisdicional coletiva. Por isso, teria no CDC
previsão tanto da tutela individual, quanto da coletiva, conforme artigos
81 e 91 do CDC. Assim, para o renomado Mestre, entra em cena,
portanto, a defesa dos interesses individuais homogêneos, coletivos e
difusos, que podem ser objeto de ações coletivas, inclusive intentadas
por associações voltadas à proteção dos direitos do consumidor,
Ministério Público etc.

VITIMAS DO ACIDENTE DE CONSUMO

Art. 17 Para os efeitos desta Seção,


equiparam-se aos consumidores todas as
vítimas do evento.

Já o artigo 17 equiparou a vítima do acidente do consumo (pessoa


que foi atingida pelo fato do produto/serviço – terceiros-vítimas) como
consumidor para os fins de responsabilizar o fornecedor do
produto/serviço defeituoso de forma objetiva.

Quanto aos objetivos protecionistas buscados pelo legislador


consumerista, Zelmo Denari cita as considerações feitas pela jurista
espanhola Parra Lucan, de seguinte teor: "trata-se de impor, de alguma
forma, ao fornecedor a obrigação de fabricar produtos seguros, que
satisfaçam os requisitos de segurança a que tem direito o grande
público”.

Cabe aqui destacar que, a regra contida no art. 17 do CDC agasalha


a proteção ao terceiro que não faz parte da relação direta de consumo,
logo de se concluir que, se do acidente de consumo restou prejuízo para
qualquer pessoa, mesmo aquelas que não estariam enquadradas no
conceito de consumidor padrão, o dever de indenizar estará presente,
bem como a aplicação do diploma consumerista. Neste aspecto, Jaime
Marins nos fornece um exemplo bem ilustrativo do que seja o chamado
‘bystander’ ao relatar o caso de um comerciante de defensivos agrícolas
que se vê seriamente intoxicado pelo simples ato de estocagem em
decorrência de defeito no acondicionamento do produto (defeito de

45
produção). Neste caso, embora o comerciante não seja consumidor
stricto sensu, poderá se socorrer da proteção consumerista.

Imagine um pedestre que atropelado em decorrência deste defeito


de fabricação de um veículo adquirido por um consumidor ou de uma
empresa de transporte coletivo, que após brusca colisão com uma
escola, causa lesão aos seus passageiros e fere diversas crianças que
ali estudavam.

Na realidade o fato do acidente que causou a lesão aos passageiros


foi o mesmo fato que causou a lesão nas crianças. Ora, não restam
dúvidas que os passageiros são considerados consumidores, logo
poderão valer-se do CDC (e também do Código Civil por ser mais
benéfico ao consumidor por regular o contrato de transporte), buscando
responsabilizar o fornecedor (empresa de transporte coletivo), pelos
danos causados, utilizando inclusive a responsabilidade objetiva. E as
crianças?

Diante do artigo em comento o CDC chama estas pessoas


(crianças) de vítimas do evento, pois foram vítimas de um acidente de
consumo, vale dizer: foram vítimas de um serviço defeituoso, que expôs
a vida humana em risco, daí, em razão do critério ex vi legis, tais
pessoas são equiparadas aos consumidores garantindo-lhes os
instrumentos do CDC. Assim, as crianças também estarão amparadas
pelo CDC.

A compreensão dessa modalidade permite, inclusive que um


fornecedor se torne consumidor equiparado quando se tornar vitima do
produto que comercializa, como foi o caso do REsp 1288008 - MG, 2013,
no qual o comerciante foi atingido em seu olho esquerdo pelo estilhaço
de uma garrafa de cerveja que estourou em suas mãos quando colocava
em um freezer, causando graves lesões. O comerciante foi vitima de uma
acidente de consumo.

Nesse sentido, Zelmo Denari afiança que o CDC demonstra a


preocupação com "terceiros" nas relações de consumo, protegendo os
denominados bystanders, vale dizer, aquelas pessoas estranhas à
relação de consumo, mas que sofreram prejuízo em razão dos defeitos
intrínsecos ou extrínsecos do produto ou serviço.

46
EXPOSTOS ÀS PRÁTICAS ABUSIVAS

Art. 29 Para os fins deste Capítulo e do


seguinte, equiparam-se aos consumidores
todas as pessoas determináveis ou não,
expostas às práticas nele previstas

Consigna-se ainda, que o produto ou serviço defeituoso atinge o


consumidor (terceiros-expostos) não só em sua incolumidade física,
mas também psíquica, e para tanto, tem-se a regra do artigo 29 do
CDC.

Leciona Maria Zanardo que o consumidor equiparado é também a


pessoa que foi exposta a uma prática comercial. Maria Zanardo expõe
que práticas comerciais são técnicas, meios de que o fornecedor se
utiliza para comercializar, vender, oferecer o seu produto ao consumidor
potencial, atingindo a quem se pretende transformar em destinatário final:
o consumidor/adquirente. Pela sistemática adotada pelo CDC, a
expressão “Práticas Comerciais” abrange desde a oferta do produto até
as cobranças de dívidas. Estende-se, pois, da pré-venda a pós-venda.

Conforme ensinamentos de Hélio Zaghetto Gama, equiparam-se ao


consumidor na forma do art. 29 do CDC, as pessoas expostas à oferta, à
publicidade, às práticas comerciais abusivas, às cobranças de
dívidas e aos bancos de dados e cadastros. Com isso, todas as
ilegalidades que os fornecedores praticarem sob esse enfoque, as
vitimas serão equiparadas a consumidor.

Assim, o artigo 29, assim como o 17, apresenta-se como regra


excepcionadora da abrangência original do CDC, pois amplia a
incidência da legislação consumerista para além dos restritos limites da
relação de consumo, originada pela relação do consumidor e fornecedor
descritos no caput dos artigos 2° e 3°, respectivamente. Assim, basta que
o consumidor esteja exposto áquelas práticas, prescindindo, portanto, da
efetiva participação da pessoa na relação juridica de consumo (art. 2°) ou
que seja atingida pelo evento danoso (art. 17).

47
Conclui-se, que na sistemática adotada pelo Código de Defesa do
Consumidor a definição de consumidor se alarga, indo além da figura do
cosumidor strito sensu do produto e/ou serviço descrita no caput do art.
2º, para contemplar toda a coletividade de consumidores, de acordo com
parágrafo único do art. 2°, além das vítimas do acidente decorrente do
fato de produto e/ou serviço, na forma do art. 17, bem como aqueles que
estejam expostos às práticas consideradas abusivas, conforme reza o
art. 29.

FORNECEDOR
Art. 3º - Fornecedor é toda pessoa física ou
jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem
atividades de produção, montagem, criação,
construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços.

O art. 3º do CDC conceitua fornecedor como sendo toda pessoa


física ou jurídica nacional ou estrangeira de direito público ou privado,
que atua na cadeia produtiva, exercendo atividade de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Conforme vimos anteriormentes, temos como elementos subjetivos


da relação jurídica de consumo, a figura do consumidor e do fornecedor,
onde este último pode tomar forma de fornecedor real (fabricante,
produtor, contrutor e prestador de serviços) fornecedor presumido
(importador) e fornecedor aparente (comerciante) e devem estar
transacionando produtos ou serviços. Assim, temos que a expressão
fornecedor foi utilizada pelo CDC para designar o gênero, do qual
fabricante, produtor, construtor, prestador de serviços, importador e
comerciante são espécies.

CONCEITO

Diferente do que ocorre com o consumidor, o conceito de fornecedor


não ganhou grande discussão doutrinária em razão da amplitude do
artigo 3° do CDC, pois conceitua como fornecedor todas as pessoas,

48
naturais ou jurídicas, bem como os entes despersonalizados e os
considerados como entes de personalidade anômala, que mediante suas
atividades de caráter profissional ofereçam no mercado, produtos ou
serviços.

Deste modo, não apenas o fabricante ou produtor originário, mas


também todos os intermediários (intervenientes, transformadores,
distribuidores) e, ainda, o comerciante, desde que façam disso suas
atividades principais ou profissões, serão tratados pela lei, como
fornecedores. Frisa-se que o rol do artigo 3º é um rol meramente
exemplificativo, mas que pratica com habitualidade e mediante
remuneração.

A determinação precisa de fornecedor tem grande relevância para


caracterizar a relação jurídica de consumo, pois mesmo que haja na
relação o consumidor como destinatário final do produto ou serviço não
será relação de consumo se a figura do fornecedor não for encontrada.

Como exemplo, suponha que uma pessoa queira vender seu carro
usado para adquirir um novo e assim o faz. Diante do conceito de
consumidor, anteriormente estudado, verificamos que o comprador será
um consumidor se adquirir o veiculo como destinatário final e não para
revendê-lo. Entretanto, a relação jurídica celebrada não estará sob a
égide do CDC, pois o vendedor não será considerado fornecedor já que
a venda não tem caráter atividade profissional. A atividade tem que ser
de caráter profissional habitual, seja cíclica ou continua, como no caso
do estudante que, apesar de ser funcionário de uma empresa, vende
roupas para ajudar a pagar a mensalidade. Nesse caso, sua atividade de
venda é exercida com características de atividade profissional, pois faz
dela uma atividade regular ainda que seja realizada de forma cíclica, já
que só vende seus produtos em determinados períodos. Igual ocorre
com os vendedores ambulantes das praias brasileiras, que trabalham
somente alguns meses do ano.

Assim, o requisito fundamental para a caracterização da figura do


fornecedor é a atividade profissional habitual remunerada, que pode
ser cíclica ou continua, no exercício contínuo de determinado serviço ou
fornecimento de produto.

DA PESSOA JURÍDICA

49
Com relação as pessoas jurídicas não há qualquer exclusão, pois o
Código declarou que todas as espécies de pessoa jurídica,
personalizadas ou não, podem ser fornecedores, ou seja, qualquer
pessoa jurídica de direito público, interno ou externo, privado,
nacional ou estrangeira, poderá figurar na relação jurídica de consumo
na qualidade de fornecedora.

A respeito da finalidade lucrativa ou não da pessoa jurídica


fornecedora, é interessante reproduzir o entendimento do Superior
Tribunal de Justiça, no sentido de que “Para o fim de aplicação do
Código de Defesa do Consumidor, o reconhecimento de uma pessoa
física ou jurídica ou de um entre despersonalizado como fornecedor de
serviços atende aos critérios puramente objetivos, sendo irrelevantes a
sua natureza jurídica, a espécie dos serviços que prestam e até mesmo o
fato de se tratar de uma sociedade civil, sem fins lucrativos, de caráter
beneficente e filantrópico, bastando que desempenhem determinada
atividade no mercado de consumo mediante remuneração” (STJ – REsp
519.310/SP – Terceira Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – j.
20.04.2004). Desse modo, entidades beneficentes podem perfeitamente
ser enquadradas como fornecedoras ou prestadoras, sem qualquer
entrave material.

Com relação a pessoa jurídica estrangeira o artigo em baila se


refere àquela admitida em nosso território e que, nessa qualidade, presta
serviços ou venda produtos, como no caso da companhia aérea que aqui
faz escalas, ou da companhia teatral estrangeira que vem ao país para
realizar apresentações.

ENTES DESPERSONALIZADOS E DE PERSONALIDADE


ANÔMALA

A proteção do CDC subsiste, ainda que o fornecedor seja um ente


despersonalizado, ou seja, entidades despedidas de personalidade
jurídica ou, por analogia, considerado de personalidade anômala, como
nos casos do espólio e da massa falida.

Por exemplo, a quebra de um fabricante de televisores não tem o


condão de eliminar a garantia do funcionamento dos aparelhos, bem

50
como afastar a aplicação do CDC, igualmente ocorreria com a morte de
um prestador de serviço.

DA PESSOA FÍSICA

No que tange a pessoa física, seja ela empresário individual ou


autônomo poderá ser considerado fornecedor. Assim, o eletricista,
encanador, pedreiro, o vendedor, camelô, vendedor ambulante, etc,
desde que coloquem no mercado, com habitualidade e
profissionalmente, produtos e serviços são considerados fornecedores.

Para facilitar a compreensão retornemos ao exemplo acima que


considera fornecedor o estudante que vende roupas para ajudar a pagar
a mensalidade escolar ou do ambulante que vende coco na praia.

Certo, porém que o CDC, no caso dos “profissionais liberais”


prestadores de serviços, o CDC fez uma ressalva com relação as suas
responsabilidades, pois para eles, em regra necessita da análise da
culpa.

Por derradeiro, o CDC utiliza-se de critério puramente objetivos


para definir a figura do fornecedor, sendo irrelevante a sua natureza
jurídica, assim, mesmo as pessoas que não exploram fins
econômicos, como as associações e fundações, também
denominadas de entidades filantrópricas ou beneficentes, podem
ser consideradas fornecedor. Esse é o entendimento dos nossos
trinbunais, conforme REsp n.° 519.310/SP, em parte transcrito:

“Processo Civil. Recurso Especial. Sociedade


Civil, sem fins lucrativos de carárter beneficente
e filantrópico. Prestação de serviços médicos,
hospitalares, odontológicos e jurídicos aos seus
associados. Relação de consumo caracterizada.
Possibilidade de aplicação do Código de Defesa
do Consumidor.”

O estatuto de torcedor equipara a fornecedor os organizadores do


evento ou aquele que possui o mando de campo, por outro lado, o

51
torcedor é considerado consumidor. Segundo o STJ, o STJD não é
equiparado a fornecedor.
Na verdade, o que interessa mesmo na caracterização do
fornecedor ou prestador é o fato de ele desenvolver uma atividade, que
vem a ser a soma de atos coordenados para uma finalidade específica,
como bem pontua Antonio Junqueira de Azevedo:

“‘Atividade’, noção pouco trabalhada pela


doutrina, não é ato, e sim conjunto de atos.
‘Atividade’ foi definida por Túlio Ascarelli como a
‘série de atos coordenáveis entre si, em relação
a uma finalidade comum’ (Corso di diritto
commerciale. 3. ed. Milano: Giuffrè, 1962. p.
147). Para que haja atividade, há necessidade:
(i) de uma pluralidade de atos; (ii) de uma
finalidade comum que dirige e coordena os atos;
(iii) de uma dimensão temporal, já que a
atividade necessariamente se prolonga no
tempo. A atividade, ao contrário do ato, não
possui destinatário específico, mas se dirige ad
incertam personam (ao mercado ou à
coletividade, por exemplo), e sua apreciação é
autônoma em relação aos atos que a compõem”.

A par dessa construção, se alguém atuar de forma isolada, em um


ato único, não poderá se enquadrar como fornecedor ou prestador, como
na hipótese de quem vende bens pela primeira vez, ou esporadicamente,
com ou sem o intuito concreto de lucro. Como bem observa José
Fernando Simão, há, na relação de consumo, o requisito da
habitualidade, retirado do conceito de atividade, sendo interessante a
ilustração do jurista:

“O sujeito que, após anos de uso do carro,


resolve vendê-lo, certamente não será
fornecedor nos termos do Código de Defesa do
Consumidor. Entretanto, se o mesmo sujeito
tiver dezenas de carros em seu nome e
habitualmente os vender ao público, estaremos
diante de uma relação de consumo e ele será
considerado fornecedor”.

52
Pelo mesmo raciocínio, não pode ser tido como fornecedor aquele
que vende esporadicamente uma casa, a fim de comprar outra, para a
mudança de seu endereço. Do mesmo modo, alguém que vende coisas
usadas, de forma isolada, visando apenas desfazer-se delas. Ainda, para
a visualização da atividade do fornecedor, pode servir como amparo o
art. 966 do Código Civil, que aponta os requisitos para a caracterização
do empresário, in verbis:

“Considera-se empresário quem exerce


profissionalmente atividade econômica
organizada para a produção ou a circulação de
bens ou de serviços.” Na doutrina empresarial,
merecem atenção os comentários no sentido de
que não se pode falar em atividade quando há o
ato ocasional de alguém, mas, sim, em relação
àquele que atua “de modo sazonal ou mesmo
periódico, porquanto, neste caso, a regularidade
dos intervalos temporais permite que se
entreveja configurada a habitualidade”.7 A
mesma conclusão serve para a relação de
consumo, visando a caracterizar o fornecedor de
produtos ou prestador de serviços, em um mais
um diálogo de complementaridade entre o CDC
e o CC/2002. Ato contínuo de estudo, a
atividade desenvolvida deve ser tipicamente
profissional, com intuito de lucro direto ou
vantagens indiretas.8 A norma descreve
algumas dessas atividades, em rol meramente
exemplificativo (numerus apertus), eis que a Lei
Consumerista adotou um modelo aberto como
regra dos seus preceitos.

Vejamos, com as devidas exemplificações:

Atividade de produção – caso dos fabricantes de gêneros


alimentícios industrializados.
Atividade de montagem – hipótese das montadoras de automóveis
nacionais ou estrangeiras.

53
Atividade de criação – situação de um autor de obra intelectual
que coloca produtos no mercado.
Atividade de construção – caso de uma construtora e
incorporadora imobiliária.
Atividade de transformação – comum na panificação das
padarias, supermercados e afins.
Atividade de importação – como no caso das empresas que
trazem veículos fabricados em outros países para vender no Brasil.
Atividade de exportação – caso de uma empresa nacional que
fabrica calçados e vende seus produtos no exterior.
Atividades de distribuição e comercialização – de produtos e
serviços de terceiros ou próprios, desenvolvidas, por exemplo, pelas
empresas de telefonia e pelas grandes lojas de eletrodomésticos.

Por fim, em um sentido de ampliação ainda maior, a doutrina


construiu a ideia do fornecedor equiparado. A partir da tese de
Leonardo Bessa, tal figura seria um intermediário na relação de
consumo, com posição de auxílio ao lado do fornecedor de produtos ou
prestador de serviços, caso das empresas que mantêm e administram
bancos de dados dos consumidores.

A categoria conta com o apoio da nossa melhor doutrina, caso de


Claudia Lima Marques, que cita o seu exemplo do estipulante profissional
ou empregador dos seguros de vida em grupo e leciona:

“A figura do fornecedor equiparado, aquele que


não é fornecedor do contrato principal de
consumo, mas é intermediário, antigo terceiro,
ou estipulante, hoje é o ‘dono’ da relação conexa
(e principal) de consumo, por deter uma posição
de poder na relação outra com o consumidor. É
realmente uma interessante teoria, que será
muito usada no futuro, ampliando – e com justiça
– o campo de aplicação do CDC”.

A construção, do mesmo modo, conta com a adesão deste autor,


sendo certo que há decisão do Tribunal Mineiro que equiparou o órgão
que mantém o cadastro à instituição financeira em relação de consumo:

54
“Indenização. Fornecedor. Contratação de
empréstimo e financiamento. Fraude.
Negligência. Injusta negativação. Dano moral.
Montante indenizatório. Razoabilidade e
proporcionalidade. Prequestionamento. Age
negligentemente o fornecedor, equiparado à
instituição financeira, que não prova ter tomado
todos os cuidados necessários, a fim de evitar
as possíveis fraudes cometidas por terceiro na
contratação de empréstimos e financiamentos.
(…)” (TJMG – Apelação cível 1.0024.08.958371-
0/0021, Belo Horizonte – Nona Câmara Cível –
Rel. Des. José Antônio Braga – j. 03.11.2009 –
DJEMG 23.11.2009).

Mais recentemente, na mesma linha, o Tribunal do Paraná aplicou o


conceito de fornecedor equiparado para o agente financeiro,
responsável pelo empréstimo visando à aquisição do bem de consumo.
Do negócio decorreu a inscrição indevida do consumidor no cadastro de
inadimplentes, o que gerou a responsabilização solidária dos dois
envolvidos na contratação.
Nos termos da ementa:

“Aplicação do CDC. Fornecedor equiparado.


Inversão do ônus da prova. Fatos aduzidos na
inicial não refutados pela ré. Apelação (2).
Agente financeiro. Integrante da cadeia de
fornecedores do produto. Mútuo coligado à
compra e venda. Responsabilização solidária
pelos danos decorrentes da relação jurídica
comerciante consumidor. Inscrição indevida nos
órgãos de restrição ao crédito. Dano moral in re
ipsa. Prescindibilidade da comprovação do dano.
Cobrança abusiva. Inversão do ônus da prova.
Fatos adesivo. Autora. Majoração dos danos
morais. Pedido não acolhido. Responsabilização
autônoma da terceira ré que aumenta o valor a
ser recebido pela autora. Termo inicial dos juros
de mora. Responsabilidade contratual. Juros
contados da citação. Devolução do sofá.

55
Impossibilidade. Vedação ao enriquecimento
sem causa. Parcelas quitadas não foram objeto
do pedido inicial. Apelação Cível 1 e Recurso
adesivo conhecidos e parcialmente providos.
Apelação Cível 2 conhecida e não provida”
(TJPR – Apelação Cível 1284659-8, Londrina –
Oitava Câmara Cível – Rel. Des. Guilherme
Freire de Barros Teixeira – DJPR 24.02.2015, p.
335).

Do Tribunal Gaúcho, igualmente com conteúdo interessante e na


mesma linha do último aresto, foram considerados fornecedores
equiparados os dois entes relacionados com o contrato de empréstimo
de dinheiro para funcionários públicos. Vejamos a sua ementa, com
destaque especial:

“Recurso inominado. IPERGS. Instituto de


Previdência do Estado do Rio Grande do Sul.
FUSEPE. Fundação dos Servidores Públicos do
Estado do Rio Grande do Sul. Pretensão de
cancelamento de desconto de contribuição
associativa e devolução em dobro de valores
indevidamente descontados. Litisconsórcio
passivo necessário. Inocorrência. Prazo para
expedição de RPV. Lei Estadual nº 13.756/2011.
Sentença reformada em parte. No tocante à
preliminar de litisconsórcio passivo necessário,
para a formação do qual a Lei exige seja ele
unitário ou expressamente previsto, vislumbra-se
evidente que a relação jurídica discutida não se
enquadra em nenhuma dessas hipóteses, na
medida em que a parte demandante sofria
descontos de valores que eram repassados pelo
IPERGS à FUSEPE, a título de contribuição para
a manutenção da qualidade de associado,
condição necessária para a fruição do
empréstimo bancário que a referida fundação
intermediava para os seus associados. Relação,
portanto, diversa da que estava constituída entre

56
a parte demandante e o banco privado. Caso
concreto em que a parte autora encaminhou, na
via administrativa, de forma expressa, o pedido
de cancelamento da cobrança de contribuição à
FUSEPE, após o total adimplemento do contrato
de empréstimo intermediado, razão pela qual,
diante do direito de não ser compelida a manter-
se filiada – Art. 8º, V, CF/88 – Têm-se por
indevidas as cobranças realizadas a partir do
protocolo do pedido de desligamento. Pela
aplicação do conceito de fornecedor equiparado,
tendo os demandados participado de alguma
forma da execução do contrato de mútuo
bancário que configura relação de consumo,
cabível a aplicação do Código de Defesa do
Consumidor para obrigar a parte demandada à
devolução em dobro dos valores indevidamente
descontados, a teor do artigo 42, parágrafo
único, do CDC, na medida em que à conduta
lesiva não se pode conferir a qualidade de erro
justificável. (…)” (TJRS – Recurso Cível
0058556-77.2015.8.21.9000, Caxias do Sul –
Segunda Turma Recursal da Fazenda Pública –
Rel. Des. Mauro Caum Gonçalves – j.
26.08.2016 – DJERS 27.09.2016).

Com tal interessante conceito, que deve ser incrementado nos


próximos anos, encerra-se o estudo do fornecedor como elemento
subjetivo da relação de consumo.

MERCADO DE CONSUMO

Além do que foi dito acima, a atividade profissional deve ser


desenvolvida no mercado de consumo, espaço de negócio não
institucional no qual se desenvolvem atividades econômicas
próprias de ciclo de produção e comercialização dos produtos ou
de serviços.

Com esse entendimento, o STJ já afastou a aplicação do CDC


para os seguintes casos:

57
- Serviços advocatícios
- Contratos de crédito educativo
- Relação condominial
- Locação predial urbana
- Previdência privada complementar fechada (Súmula 563)
Súmula 563-STJ: O Código de Defesa do Consumidor
é aplicável às entidades abertas de previdência
complementar, não incidindo nos com tratos
previdenciários celebrados com entidades
fechadas.

OBJETO DA RELAÇÃO DE CONSUMO: PRODUTO E SERVIÇOS

PRODUTO

O objeto de uma relação jurídica é o elemento em razão do qual a


relação se constitui e sobre a qual recai tanto a exigência do credor,
como a obrigação do devedor, podendo ser tanto uma coisa quanto uma
prestação. Na relação de consumo, esse objeto, é determinado na
atividade humana de dar um produto ou de realizar um serviço por parte
do fornecedor.

Destarte, uma relação jurídica de consumo será caracterizada pela


presença em um de seus pólos do consumidor padrão, assim definido
pelo caput do artigo 2°, no outro polo, o fornecedor, assim definido pelo
caput do artigo 3° e, finalmente, pela existência de um vínculo jurídico de
direito material decorrente da celebração de contrato de fornecimento de
produto (art. 3° § 1°) ou prestação de serviço. (art. 3° § 2°).

Conceito de produto

O § 1º do art. 3º do CDC define: “produto é


qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou
imaterial.”

Assim, produto corresponde ao elemento objetivo da relação de


consumo, isto é, o objeto sobre o qual recai a relação jurídica.

58
O CDC conceitua produto como sendo qualquer bem, novo ou
usado, seja ele móvel, imóvel, material ou imaterial (ambiente virtual,
softwares), suscetível de apropriação e que seja destinado a satisfazer
uma necessidade do consumidor, isto é, aquilo que resulta do processo
de produção ou fabricação. Diante do dialogo das fontes, como o CDC
não traz o que é bem móvel ou imóvel, utilizam-se os artigos 79 a 84 do
CC.

Bens, portanto, podem ser definidos como coisa que, diante da sua
utilidade e raridade, passam a ter valor econômico e tornam-se
suscetíveis de apropriação pelo homem.

VALOR ECONÔMICO

Produto necessariamente deve possuir valor econômico, sendo o


bem jurídico objeto de direito subjetivo, que goza de tutela jurídica e que
possui natureza patrimonial, portanto devem ser raros e uteis. Assim
estão excluídos como objeto os bens sem apreciação econômica,
indisponíveis ou fora de comércio, tais como o nome, a vida, os
órgãos e tecidos do corpo humano os quais estão fora do âmbito de
aplicação do CDC.

Repisa-se que a exigência é que o produto tenha valor


econômico, isto não quer dizer que o consumidor tenha que,
necessariamente, pagar por ele, como exemplo das promoções leve
dois e pague um.

AMOSTRA GRÁTIS

A única referência à amostra grátis que o CDC faz é aquela do


parágrafo único do artigo 39, que serve apenas para liberar o consumidor
de qualquer pagamento. Não obstante, analogicamente, deve ressaltar
que a amostra grátis também está submetida as exigências legais de
qualidade, garantia, durabilidade, proteção contra vício, defeitos, etc.,
pois apesar de ter sido pago pelo consumidor, possui valor econômico.

MATERIAL OU IMATERIAL

59
A segunda característica do produto é diz respeito sua materialidade
ou imaterialidade. O diploma consumerista não restringe os produtos
quanto à materialidade.

Esta divisão era originária do direito romano - res corporales - em


que as coisas corpóreas eram as que podiam ser tocadas pelas mãos,
sendo a tangibilidade sua característica fundamental. Nosso direito
moderno, conservou a referida denominação, que aqui equivale a
material.

Insta salientar, quase sempre os produtos imateriais estarão ligados


a serviços, como por exemplo, pacote de turismo, mútuo bancário,
energia elétrica, gás natural, pacotes de telefonia, etc.. Cediço, aliás, que
não se vende um produto, seja ele material ou imaterial, sem serviço. Os
gases, o fundo de comércio com os bens que compõem, etc.
Entretanto os programas de computador ou softwares se encaixam
nessa concepção de bem imaterial.

Assim, atente-se ao fato de que os produtos digitais também podem


ser englobados pela Lei Protetiva do consumidor, caso de programas de
computador ou softwares.

Para concretizar, vejamos decisão do Tribunal de Minas Gerais, em


que se discutiu a aplicação do CDC para a aquisição de programas de
computador por escritório de advocacia, prevalecendo, ao final, a teoria
finalista aprofundada ou maximalista:

“Direito do consumidor. Programa de


computador. Software. Consumidor. Relação
entre sociedade de advogados e empresa de
software. Aplicação do Código de Defesa do
Consumidor. Teoria finalista mitigada. Da
responsabilidade pelo fato do produto e do
serviço. Inadimplemento total da obrigação.
Prescrição quinquenal. Voto vencido. O
consumidor intermediário, por adquirir produto
ou usufruir de serviço com o fim de, direta ou
indiretamente, dinamizar ou instrumentalizar seu
próprio negócio lucrativo, não se

60
MÓVEL OU IMÓVEL

De acordo com a definição tradicional, imóveis são as coisas que


não podem ser transportadas sem destruição, de um lugar para outro.
Móveis, em oposição, são bens que, sem deterioração na substância ou
na forma, podem ser transportados de um lugar a outro, por força própria
ou estranha. Assim os bens móveis abrangem os semoventes, (animais)
e os móveis propriamente ditos (moedas, produtos, ou mercadorias).

Por isso, conclui-se que os produtos, quer de natureza material ou


imaterial, quer móveis ou imóveis, serão objeto da relação de consumo,
bastando para isso que possuam existência própria e sejam dotados de
valor econômico.

DURÁVEL E NÃO DURÁVEL

Os conceitos de produto durável e não durável aparecem na seção


que trata da decadência e prescrição, especificamente no artigo 26, I e II,
pois os prazos decadenciais serão menores para os não duráveis e
maiores para os duráveis. Portanto, serão tratados na oportunidade em
que analisarmos tais temas. Entretanto, segue um breve conceito dos
mesmos, a iniciar pelo durável. Como o próprio nome sugere, produto
durável é aquele que não se extingue com o uso, ou seja, ele dura e leva
tempo para se desgastar, mas não é eterno. Assim, seriam duráveis os
livros, roupas, automóveis, equipamentos eletrônicos, etc. Até mesmo
um imóvel construído desgasta com o tempo. Para alguns doutrinadores
apenas o terreno seria um produto que não sofreria desgaste com o
tempo.

Por esse razão, o desgaste natural não poderia ser considerado


um vício do produto e, por esse motivo, não há proteção legal para
o desgaste natural, salvo se o fabricante tenha assumido certo
prazo de funcionamento, quando a proteção passa a ser contratual.

Por sua vez, produto não durável, é aquele que acaba com o uso,
ou seja, não possui qualquer durabilidade, pois quando usado, ele se
extingue ou, ao menos, vai se extinguindo. A extinção poderá ser
imediata, como os produtos alimentícios in natura, como a pesca, grão,
vegetais, ou enlatados, engarrafados, os remédios, cosméticos etc., ou,
paulatina, como sabonete, caneta, etc.

61
Assim, o que diferencia um produto durável do não durável é a
maneira de extinção enquanto é utilizado, pois enquanto aquele
(durável) permanece tal como era após ser utilizado, o não durável
perde totalmente ou parcialmente a sua existência com o uso ou vai.

A sua distinção interessa de perto ao estudo da decadencia, pois o


CDC estabelece prazos distintos para reclamação por vício do produto
ou serviço, sendo mais curtos para os não duráveis e mais longos para
os duraveis.

SERVIÇO
CDC Art. 3º (...)
§ 2º - Serviço é qualquer atividade fornecida no
mercado de consumo, mediante remuneração,
inclusive as de natureza bancária, financeira, de
crédito e securitária, salvo as decorrentes das
relações de caráter trabalhista.

Assim, percebe-se que o objeto da relação jurídica de consumo


não está restrito apenas as coisas, mas abrange também as
atividades ou ações humanas desde que alguém deva fazer ou não
fazer ou obrigue-se a dar alguma coisa. À essa atividade – física ou
intelectual – praticada pelo homem, através do seu trabalho,
mediante remuneração direta ou indireta, denomina-se serviço.

Inicialmente, vale esclarecer que o rol do artigo é meramente


exemplificativo, mesmo porque o parágrafo em questão utiliza a
expressão “qualquer”. Dessa forma, serviço é qualquer atividade
prestada no mercado de consumo mediante remuneração.

Os serviços objeto da relação de consumo podem ser de três tipos:

• Materiais: reparação, hotelaria, transporte, etc.


• Financeiros: seguro, crédito, etc.
• Intelectual: médico, assessoria jurídica, etc.

SERVIÇO DURÁVEL E NÃO DURÁVEL

62
Apesar do conceito de serviço conduzir ao enquadramento de uma
atividade não durável, o mercado acabou criando os chamados serviços
duráveis, assim considerados àqueles que tiverem sido estabelecidos no
contrato de prestação, como contínuo a exemplo dos educacionais, de
saúde, fornecimento de energia, etc., ou os que deixarem como resultado
um produto, como pintura, buffet, etc. Com isso, o CDC também regulou
os serviços como duráveis e não duráveis, no mesmo artigo 26, I e II,
que adiante será estudado.

REMUNERAÇÃO
A característica principal do serviço, para incidência do CDC, é
a remuneração.
Para efeitos de proteção do Código do Consumidor os serviços
devem ser prestados de forma profissional e habitual, no mercado
de consumo, mediante remuneração, excluindo-se os de caráter
trabalhista e fiscal, conforme veremos a seguir.

Afasta-se, pois, a incidência do CDC sobre os serviços de


natureza trabalhista, remunerados por tributo, os tidos como sociais
e os exercidos a título gratuito.

Assim, a proteção do CDC não será estendida aos casos de


serviços não remunerados. Nesse sentido, podemos afirmar que a
característica marcante da definição de serviço, para fins de
proteção do consumidor, é a que os mesmos devem ser prestados
mediante remuneração, exceto, os de caráter trabalhista e fiscal.

No entanto, a expressão mediante remuneração é interpretada de


forma bastante ampla pela doutrina e pela jurisprudência, abrangendo a
remuneração direita e indireta, conforme segue:

• Remuneração direta: ou seja, quando o consumidor efetua o


pagamento diretamente ao fornecedor. Assim, identifica-se a
remuneração direta como a contraprestação pecuniária do consumidor
diretamente ao fornecedor. Por exemplo, o consumidor vai ao fornecedor
(loja) e adquire um sapato e paga o preço por tal produto.

• Remuneração indireta: quando uma relação onerosa principal oferece


vantagens aparentemente gratuitas, mas que ocorrem em decorrência de
outra relação principal, onerosa. É o caso dos pontos derivados de cartão

63
fidelidade, dos estacionamentos em shoppingcenters, lojas e
supermercados, do serviço gratuito de instalação de som no automóvel,
manobristas, transportes gratuitos para estudante de escola pública,
idoso e deficiente físico, atendimento em hospitais beneficentes etc. Sem
dúvida, haverá nestes casos, a incidência das regras contidas no CDC
apesar de ser a remuneração indireta, pois todos esses serviços não são
considerados gratuitos já que, por serem facilidades utilizadas para atrair
potenciais clientes, os custos estão embutidos no preço do que foi pago
ou subsidiado por alguém, como nos exemplos, na anuidade do cartão,
compras no Shopping, no som, do atendimento hospitalar em rede
beneficente que recebe verba pública ou privada, etc.

É o que foi decidido no seguinte caso:

“Indenização por danos materiais. Furto em


estacionamento. Legitimidade passiva do
supermercado. Terceirização do
estacionamento. Irrelevância. Exoneração de
responsabilidades estabelecida entre o
supermercado e a empresa terceirizada não
pode ser oposta ao consumidor. Solidariedade
decorrente de lei. Furto Comprovado. A
disponibilização de estacionamento visa angariar
a clientela, ensejando a configuração de
depósito irregular e consequente dever de
guarda e vigilância, pouco importando tratar-se
de estacionamento gratuito. Lucros cessantes
afastados. Dano material correspondente ao
valor do veículo furtado. Sentença parcialmente
procedente. Recurso não provido” (TJSP –
Apelação 0097300-21.2007.8.26.0000 –
Acórdão 4895504, São Paulo – Décima Câmara
de Direito Privado – Rel. Des. Antonio Manssur –
j. 18.11.2010 – DJESP 24.02.2011).

“Civil. Apelação. Ação de indenização. Furto de


motocicleta em supermercado.
Responsabilidade civil da empresa configurada.
Dever de guarda e vigilância. Dano material.
Arts. 14 e 29 do CDC. Aplicação. Indenização

64
cabível. Súmula 130 do STJ. Dever de indenizar.
Responsabilidade civil do Estado. Não
configuração. Recurso conhecido e não provido.
O estabelecimento que permite, mesmo a título
gratuito, o estacionamento de veículo em seu
pátio, tem responsabilidade pela guarda e
vigilância do bem, e responde por qualquer dano
causado. Nos termos do art. 14 do CDC, o
fornecedor de serviços ou de produtos responde
para com o consumidor em caso de dano,
independentemente de culpa. A teor do art. 29
do CDC, equiparam-se aos consumidores todas
as pessoas determináveis ou não, expostas às
práticas nele previstas. O furto de veículo em
estacionamento privativo de empresa gera a
obrigação de indenizar conforme prevê a
Súmula 130 do STJ. Não há como imputar ao
Estado a responsabilidade por prejuízo sofrido
pelo furto ocorrido em estacionamento privado
de supermercado. Recurso conhecido e não
provido” (TJMG – Apelação Cível
1.0702.06.285022-8/0011, Uberlândia – Décima
Sétima Câmara Cível – Rel. Des. Márcia de
Paoli Balbino – j. 24.04.2008 – DJEMG
09.05.2008).

Furto de veículo em estacionamento de


supermercado. Responsabilidade civil
decorrente do dever de prestar segurança.
Aplicação da Súmula 130 do STJ. Incidência do
Código de Defesa do Consumidor. Dano Moral
in re ipsa. Indenização por danos materiais
arbitrada em R$15.855,42 e de R$5.000,00 por
danos morais. Sentença mantida. (BRASIL.
TJRJ. 4ª. CC. Des. Sidney Hartung. J.
08/04/2008 Ap. Civ. 2008.001.1112)

Súmula 130 do STJ.


“Direito civil. Responsabilidade civil. Furto em
estacionamento. Shopping center. Veículo

65
pertencente a possível locador de unidade
comercial. Existência de vigilância no local.
Obrigação de guarda. Indenização devida.
Precedentes. Recurso provido. I. Nos termos do
enunciado n. 130/STJ, ‘a empresa responde,
perante o cliente, pela reparação de dano ou
furto de veículo ocorridos em seu
estacionamento’. II. A jurisprudência deste
Tribunal não faz distinção entre o consumidor
que efetua compra e aquele que apenas vai ao
local sem nada despender. Em ambos os casos,
entende-se pelo cabimento da indenização em
decorrência do furto de veículo. A
responsabilidade pela indenização não decorre
de contrato de depósito, mas da obrigação de
zelar pela guarda e segurança dos veículos
estacionados no local, presumivelmente seguro”
(STJ – REsp 437.649/SP – Quarta Turma – Rel.
Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – j.
06.02.2003 – DJ 24.02.2003, p. 242).

Outro exemplo que envolve as vantagens indiretas ao prestador é


o sistema de milhagens ou de pontuação em companhias áreas, que
igualmente serve como um atrativo aos consumidores, ou até mesmo
como uma publicidade.

Nesse sentido:

TJPE – Apelação 0188732-5, Recife – Sexta


Câmara Cível – Rel. Des. Eduardo Augusto
Paura Peres – j. 11.03.2010 – DJEPE
05.05.2010). Fornecendo amparo doutrinário a
essa forma de pensar, na VI Jornada de Direito
Civil, em 2013, foi aprovado o Enunciado n. 559
do CJF/STJ, segundo o qual “no transporte
aéreo, nacional e internacional, a
responsabilidade do transportador em relação
aos passageiros gratuitos, que viajarem por
cortesia, é objetiva, devendo atender à integral
reparação de danos patrimoniais e

66
extrapatrimoniais”. A menção à reparação
integral segue a linha exposta neste livro, de
afastar qualquer tarifação da indenização nas
relações de consumo.

Tal fato se dá em razão de que tudo tem um custo e este custo


acaba sendo repassado ao consumidor. Assim, se um restaurante não
cobra o cafezinho, não é mendaz a firmar que o seu custo já está
embutido no preço dos demais produtos.

O STJ, no Resp 566.468/RJ, firmou entendimento de que é possível


que haja remuneração indireta, vejamos um trecho do julgado:

STJ: inexiste violação ao art. .3,§2º, do Código de


Defesa do Consumidor, portanto, para a
caracterização da relação de consumo, o serviço pode
ser prestado pelo fornecedor mediante remuneração
obtida de forma indireta.

Dessa forma, os serviços cujo pagamento ocorre indiretamente


(aparentemente gratuitos), em nada se confundem com os puramente
gratuitos, estes sim estão afastados da incidência do CDC, que seriam
prestados no exclusivo interesse do beneficiario, sem nenhuma
vantagem financeira do executor.

PÚBLICO OU PRIVADO

O CDC aplica-se ainda a certos serviços públicos, tradicionalmente


regulados pelo Direito Administrativo, nos termos do artigos 4.º, VII, 6º, X
e 22 do CDC. O artigo dispõe que os órgãos públicos, por sí ou suas
empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma
de impreendimentos são obrigados a fornecer serviços adequados,
eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Porém não é qualquer serviço publico que será objeto da relação de


consumo, mas apenas aquele que é possível identificar o usuário e
quando for possível mensurar a prestação dos serviços público, a
exemplo do serviço de agua, esgoto, telefonia, transporte, etc. Por outra
banda, os serviços indivisíveis e imensuráveis, não são abrangidos pelo

67
CDC, a exemplo do serviço de iluminação pública. Igualmente, os
serviços próprios do Estado (saúde, educação, segurança pública) não
podem ser tutelados pelo CDC, diante da ausência da relação de
consumo.

O regime jurídico do CDC será aplicável aos serviços públicos


sempre que estes observem o requisito do recebimento de contra-
prestação (tarifa ou preço público) em dinheiro, destinada
especificamente para a prestação recebida, denominados de serviços
uti singuli, omo vimos acima. Significa, que os serviços públicos
financiados através dos tributos em gerais para fomentar as atividades
próprias do Estado, não são objeto de relação de consumo, bem como
aqueles serviços uti univesi, ou seja difusos decorrentes das atividade
precípua do Estado, visando ao bem comum, tal como ocorre com a
Educação Pública, Saúde, saneamento básico, segurança, etc., quando
serão aplicados o Art. 37 parágrafo 6º da CF de 1988.

Nesse sentido, somente os serviços públicos impróprios


remunerados com preços públicos ou tarifas especificas e proporcionais
à prestação recebida que integram o conceito de serviço do CDC. Visto
que estes pagamentos são opcionais, oriundos da relação contratual na
qual impera a manifestação de vontade, podendo o particular interromper
o contrato quando quiser. O contrário ocorre com os tributos, pois a
própria lei (art. 3° CTN) afirma o seu caráter compulsório. Assim são
serviços públicos sob a égide do CDC: luz, telefonia, correios, pedágio,
alguns deles operados por empresas ou entidades governamentais,
outros objetos de concessão a empresas privadas, mas remunerados por
tarifas ou preços públicos.

Tarifa é, portanto, a remuneração facultativa oriunda de relação


contratual na qual impera a manifestação da vontade, podendo o
particular interromper o contrato quando quiser.

Assim, não se pode confundir taxa com tarifa ou preço público, aliás,
o STF editou a Súmula n.° 545, nesse sentido, pois afirma que: Se o
serviço Público é remunerado por taxa, não podem as partes cessar a
prestação ou contraprestação por conta própria, característica só
pertinente às relações contratuais, na esfera do direito civil.

68
Conlui-se que é a partir do sistema da remuneração que se
define a natureza da relação de serviço público prestado, fazendo
com que o CDC incida apenas sobre as relações remuneradas por
tarifa ou preço público, conforme decisão do STJ, proferida no Resp
n;° 525.520/AL.

Cabe ainda ressaltar que, aos serviços públicos impróprios, a lei


consumerista consagra dois dispositivos, o art. 6, X, e o art. 22, abaixo
transcritos:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor (...)
X – a adequada e eficaz prestação dos serviços
públicos em geral.

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas


empresas, concessionárias, permissionárias ou
sob qualquer outra forma de empreendimento,
são obrigados a fornecer serviços adequados,
eficientes, seguros e, quanto aos essenciais,
contínuos.

SERVIÇO NOTARIAL
Atualmente, o STJ possui precedente afastando a aplicação do CDC
aos serviços notarias, sob o argumento de que o STF entende que as
custas e emolumentos possuem natureza administrativo-tributária e por
isso não há como reconhecer a relação e consumo, pois no lugar de
consumidor há contribuinte, bem como não há como considerar que os
cartórios de notas e registros sejam fornecedores, eis que seus serviços
não integram o mercado de consumo.

CONTRATOS DE AUTOGESTÃO DE SERVIÇO DE SAÚDE

Para o Superior Tribunal de Justiça, não são abrangidos pelo


Código de Defesa do Consumidor os contratos de autogestão dos
serviços de saúde. Conforme acórdão prolatado no ano de 2016, pela
Segunda Seção da Corte, “a operadora de planos privados de
assistência à saúde, na modalidade de autogestão, é pessoa jurídica de
direito privado sem finalidades lucrativas que, vinculada ou não à
entidade pública ou privada, opera plano de assistência à saúde com
exclusividade para um público determinado de beneficiários. A
constituição dos planos sob a modalidade de autogestão diferencia,

69
sensivelmente, essas pessoas jurídicas quanto à administração, forma
de associação, obtenção e repartição de receitas, diverso doscontratos
firmados com empresas que exploram essa atividade no mercado e
visam ao lucro. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao
contrato de plano de saúde administrado por entidade de autogestão, por
inexistência de relação de consumo” (STJ – REsp 1.285.483/PB –
Segunda Seção – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – j. 22.06.2016 – DJe
16.08.2016).
Nos termos do voto do Ministro Relator, “a inegável diferença
estrutural existente entre os planos de saúde oferecidos pelas entidades
constituídas sob aquele modelo, de acesso restrito a um grupo
determinado, daqueles comercializados por operadoras que oferecem
seus produtos ao mercado geral e objetivam o lucro, ensejam a retomada
do tema e encorajam submeter a questão ao criterioso exame desta
Seção”.

Não se olvide que, pelo Novo CPC, tal decisão vincula os


advogados (art. 332, inciso III) e os julgadores de primeira e segunda
instâncias (art. 489, § 1º, inciso VI). Em suma, tal posição deve ser
considerada majoritária e consolidada, para os devidos fins práticos.

Conforme visto acima, apenas os serviços públicos divisíveis e


mensuráveis serão objetos de uma relação de consumo protegida pelo
CDC, desde que remunerados por tarifa ou preço público. O art. 22 do
CDC impõe uma série de exigências aos fornecedores de serviços
públicos, vejamos:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas


empresas, concessionárias, permissionárias ou
sob qualquer outra forma de empreendimento,
são obrigados a fornecer serviços adequados1,
eficientes2, seguros3 e, quanto aos essenciais,
contínuos4. Parágrafo único. Nos casos de
descumprimento, total ou parcial, das obrigações
referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas
compelidas a cumpri-las e a reparar os danos
causados, na forma prevista neste código.

70
ADEQUADOS: o dever de qualidade-adequação também é
imposto ao serviço público, o qual deve ter um bom
desempenho, sendo adequado ao fim a que se destina;

EFICIENTES: bom desempenho a um baixo custo;

SEGUROS: dever de qualidade-segurança, não podem colocar


em risco o consumidor;

CONTÍNUOS: refere-se aos serviços públicos considerados


essenciais (art. 10 da Lei 7.783/1989), utiliza este artigo por
analogia, eis que o CDC não prevê.
Art. 10 - São considerados serviços ou
atividades essenciais: I - tratamento e
abastecimento de água; produção e
distribuição de energia elétrica, gás e
combustíveis; II - assistência médica e
hospitalar; III - distribuição e comercialização
de medicamentos e alimentos; IV -
funerários; V - transporte coletivo; VI -
captação e tratamento de esgoto e lixo; VII -
telecomunicações; VIII - guarda, uso e
controle de substâncias radioativas,
equipamentos e materiais nucleares; IX -
processamento de dados ligados a serviços
essenciais; X - controle de tráfego aéreo; XI
compensação bancária.

INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO PUBLICO ESSENCIAL

É possível a interrupção de serviço público essencial em razão do


inadimplemento do consumidor? Parte da doutrina entende que não é
possível a interrupção, tendo em vista que o art. 22 do CDC exige que
sejam prestados de forma continua. Posição diversa defende a
possibilidade, pois o art. 22 do CDC refere-se a disponibilidade do
serviço público para toda a coletividade, sendo possível a interrupção
para o usuário inadimplente, até mesmo para que o serviço seja mantido
aos demais.

71
O STJ entende que é possível a interrupção, quando, após o aviso, o
consumidor continua inadimplente.

Administrativo. Energia elétrica. Corte. Falta de pagamento. É lícito à


concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica, se, após
aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente
no pagamento da respectiva conta (L. 8.987/95, art. 6.º, § 3.º, II).

Destacam-se a seguir alguns entendimentos, do STJ, sobre serviço


público:

• Interrupção do serviço público essencial em caso de inadimplência


do consumidor. É possível?

É possível o corte que: 1) seja precedido de aviso prévio; 2) não se


trate de dívidas antigas;3) não se trate de dívida referente a suposta
fraude em medidor contestada em juízo pelo consumidor; e 4) não haja
riscos de lesões à integridade física do usuário, especialmente quando
este se encontrar em estado de miserabilidade em respeito à dignidade
da pessoa humana.

• Interrupção do serviço público essencial em caso de inadimplência


de pessoa jurídica de direito público consumidora.

É possível o corte, desde que preservadas as unidades públicas


provedoras de necessidades inadiáveis as comunidades* (hospitais,
prontos-socorros, centros de saúde, escolas e creches). Como também
ser feito mediante aviso prévio.

Obs.: Necessidades inadiáveis da comunidade são aquelas que, se


não atendidas, colocam em perigo iminente a sobrevivência, saúde ou
segurança da população (art. 11, parágrafo único, da Lei 7.783/1989).

Destarte, embora a parte final do artigo 22 estabeleça o dever de


continuidade dos serviços públicos, as decisões jurisprudenciais
consolidaram-se no sentido de permitir a sua interrupção, desde que haja
comunicação prévia do inadimplemento, pois são públicos, por vezes
contínuos, mas não são gratuitos.

72
Ação declaratória de inexistência de dívida.
Fornecimento de energia elétrica. Falta de
pagamento. Corte do fornecimento. Aviso prévio
efetuado. (BRASIL. TJRJ. 16ª CC. Ap. Civ
2007.001.66429 rel. Carlos José Martins Gomes.
J. 15/04/2008)

SERVIÇO BANCÁRIO

É o que consta no segundo parágrafo do art. 3º do CDC. Preferiu o


legislador esclarecer que as atividades bancárias, financeiras, crédito e
securitárias estariam também inclusas no rol de serviços, para que não
houvesse dúvida quanto à incidência do microssistema para estas
atividades, sendo, pois, meramente exemplificativo.

Externou a jurisprudência majoritária o entendimento de que o CDC


aplica-se aos contratos bancários, vez que as instituições financeiras
estão inseridas na definição de prestadoras de serviços, contempladas
no art. 3º, e segundo parágrafo, do CDC.

As discussões doutrinárias e jurisprudencial quanto o


enquadramento da atividade bancária como relação jurídica cessaram
com a edição da Súmula 297 do STJ que declarou que o CDC é aplicável
as instituições financeiras.
Por fim, destaca-se que o próprio STF já se manifestou sobre a
constitucionalidade do §2º do artigo 3º do CDC, ADI 2591.

CONCLUSÃO
Por tudo que foi estudado podemos concluir que o CDC incidirá nas
relações jurídicas de consumo, consubstanciada pela presença do
consumidor em um dos pólos e noutro o fornecedor, transacionando um
produto ou serviço. Poderá ainda ser aplicado se a prática comercial
puder se tornar relação de consumo, pelo simples fato de expor e poder
se impor a um consumidor em potencial ou lhe causar algum acidente de
consumo.

UNIDADE II - A TUTELA JURISDICIONAL

DIREITOS BÁSICOS DO CONSUMIDOR

73
Os direitos básicos do consumidor estão elencados no artigo 6° do
CDC e são considerados princípios fundamentais que nunca poderão ser
afastados pela vontade do fornecedor, já que o CDC é considerado
norma cogente. Qualquer cláusula inserida no contrato de consumo que
pretender afastar ou mitigar esses direitos será nula de pleno direito,
conforme se depreende do artigo 1° do CDC.

Art. 1º - O presente Código estabelece normas


de proteção e defesa do consumidor, de ordem
pública e interesse social, nos termos dos
artigos 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da
Constituição Federal, e artigo 48 de suas
disposições transitórias.

Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:

Assim o rol descrito no artigo 6° do CDC não é um rol taxativo, pelo


contrário, há nele apenas uma síntese dos institutos e direito material e
formal do consumidor. Seria, na verdade, uma prévia do que será
abordado nos títulos e capítulo seguintes.

Destarte, resume-se, esse momento, apenas para enunciá-los com


a simples leitura do artigo. Assim, o Código de defesa do Consumidor de
maneira simples e direta, em seu artigo 6°, contempla 9 (nove) direitos
básicos do consumidor, muitos dos quais já foram vistos anteriormente:

I - Proteção da vida, saúde e segurança;


II - Educação para o consumo;
III - Informação adequada e clara sobre os
diferentes produtos e serviços;
IV - Proteção contra publicidade enganosa e
abusiva;
V - Proteção a modificação das cláusulas
contratuais;
VI- Prevenção e reparação dos danos =
Indenização;
VII- Acesso a Justiça;

74
VIII- Facilitação de defesa de seus direitos=
inversão do ônus da prova;
IX - Qualidade dos serviços públicos.

A DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUIZO – TUTELA INDIVIDUAL

Vimos acima que o acesso à justiça que foi tratado como princípio
garantidor dos direitos básicos do consumidor que visa garantir uma
resposta do Estado rápida e efetiva, a fim de conferir utilidade ao
provimento jurisdicional. Para tanto, o CDC criou regras que tornam o
acesso e a resposta ao judiciário mais eficiente.
Nessa toada, o CDC trouxe inúmeros direitos e garantias aos
consumidores. Visando a efetivação de tais direitos e garantias, trouxe os
meios, igualmente, os meios de defesa do consumidor em juízo, tanto de
forma coletiva quanto de forma individual, os quais iremos analisar a
partir de agora.

Destarte, passemos ao estudo de alguns instrumentos que o


consumidor pode utilizar para viabilizar o efetivo cumprimento do
princípio do acesso a justiça, entre os quais estão o foro privilegiado,
adstrição da tutela especifica de obrigação de fazer e não fazer, a
proibição da denunciação da lide, a inversão do ônus da prova e a
desconsideração da pessoa jurídica do fornecedor.

COMPETÊNCIA TERRITORIAL PELO DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR

O artigo 101, inciso I do CDC merece destaque no que tange ao


ajuizamento da ação de responsabilidade civil em face do fornecedor de
produtos e serviços, pois confere foro privilegiado ao consumidor.

A aludida regra busca facilitar o acesso do consumidor à justiça,


pois de acordo com a regra geral dos direitos pessoais, estabelecida pela
lei processual, a competência deveria ser fixada pelo foro do domicílio do
réu, conforme determina o artigo 46 do pergaminho Processual. Assim,
se vigorasse a regra geral estabelecida pelo CPC o consumidor deveria
acionar o fornecedor em seu domicílio que poderia ser em outro
município ou estado, por exemplo, do consumidor domiciliado em Volta
Redonda e o fornecedor em São Paulo.

FORO DE ELEIÇÃO

75
Insta salientar, que a competência territorial, está classificada
como relativa, permitindo, portanto, a livre disposição das partes. Essa
faculdade, aliás, vai mais longe que própria temática da prorrogação da
competência. Com efeito, mesmo antes da existência do litígio, podem as
partes estabelecer convenção de competência de foro, através de
contrato escrito. A única exigência feita pela lei é a vinculação do ajuste a
um negócio jurídico certo e determinado. Sendo tal foro de livre escolha
das partes, dá-se o nome de foro de eleição. Nesse contexto, pontua
Arruda Alvim:
"O foro de eleição decorre do ajuste entre dois
ou mais interessados, devendo constar de
contrato escrito e se referir especificamente a
um dado negócio jurídico (disponível), para que
as demandas oriundas de tal negócio jurídico
possam ser movidas em tal lugar" (Manual de
direito processual civil, vol. I, p. 277).

No Código vigente, o foro de eleição encontra-se positivado no art.


63, segundo o qual "As partes podem modificar a competência em razão
do valor e do território , elegendo o foro onde será proposta ação oriunda
de dierito e obrigações”.

Por sua vez, o artigo 62 diz que a competência determinada em


razão da matéria, da pessoa ou da função é inderrogável por convenção
das partes.

Assim, as partes podem apenas modificar a competência em razão


do valor e do território, elegendo foro onde serão propostas as ações
oriundas de direitos e obrigações.

Por consequência, mitigou-se a máxima segundo a qual o juiz não


pode declinar quando tratar-se de incompetência relativa. Entretanto, a
jurisprudência, aos poucos, passou a firmar entendimento favorável ao
consumidor. Nesse ponto, tratando-se de competência territorial
estabelecida por força de contrato de adesão, o magistrado poderá
declinar a competência, notadamente, quando se convencer do prejuízo
trazido ao consumidor com o foro escolhido, em verdade, imposto.

Enveredando-se por esse entendimento, o Superior Tribunal de


Justiça passou a emitir reiteradas decisões, permitindo a declaração ex

76
officio de incompetência territorial. Vale colacionar alguns arestos para
ilustrar o tema:

STJ – 2ª Seção – CC nº 48097/RJ – Rel. Min.


Fernando Gonçalves – j. 13.04.05
"Em se tratando de relação de consumo, tendo
em vista o princípio da facilitação de defesa do
consumidor, não prevalece o foro contratual de
eleição, por ser considerada cláusula abusiva,
devendo a ação ser proposta no domicílio do
réu, podendo o juiz reconhecer a sua
incompetência ex officio".

STJ – 4ª Turma – AgRgAI nº 495742/DF – Rel.


Min. Barros Monteiro – j. 29.06.04
"O Código de Defesa do Consumidor é aplicável
aos contratos submetidos às regras do Sistema
Financeiro de Habitação, e, dessa forma, o Juiz
pode declinar, de ofício, a competência, visando
à proteção do consumidor, quando a cláusula de
eleição de foro vier a prejudicá-lo".

“Conflito negativo de Competência. Ação


Monitória. Mútuo Concedido por Entidade de
Previdência Complementar. Foro de Eleição em
Belo Horizonte”.

RSTJ 129/212-215 “A regra do foro privilegiado


do consumidor se aplica ainda nos contratos de
consumo, quando estes, de alguma forma,
dificulte o acesso à Justiça do consumidor, em
especial, nos contratos de adesão, conforme se
depreende do julgamento proferido pelo STJ,
REsp 23.968-DF. Contrato Celebrado em
Brasília. Local do Domicílio dos Réus. CDC.
Serviço. Facilidade de Defesa.”

77
Assim, ainda que a competência territorial possa ser prorrogada
pela vontade das partes (foro de eleição), deve-se esclarecer que não irá
prevalecer o foro contratual de eleição caso dificulte a defesa do
consumidor, em face do ônus que terá para acompanhar o processo em
local distante daquele em que reside e, também, onde foi celebrado o
negócio ainda que tal indicação não constitua mera adesão a cláusula
preestabelecida pelo fornecedor.

FORO PRIVILEGIADO

Assim, caracterizada a relação jurídica de consumo,


decorrente ou não de um contrato de adesão, o consumidor tem
foro privilegiado para o ajuizamento da ação, pouco importando se
existe cláusula contratual estipulando de forma diversa. Ademais,
por serem de ordem pública as normas do CDC, o juiz poderá de
ofício, declarar a incompetência do foro, ou seja, mesmo que não
tenha manifestação do consumidor nesse sentido, a fim de
beneficiá-lo, mesmo diante da Súmula 33do STJ que diz que a
incompetência de oficio não pode ser reconhecida de oficio.

Assim, conclui-se que em regra, a incompetência relativa não


pode ser conhecida de oficio nas ações que não versam sobre
relação de consumo conforme a Sumula 33 do STJ (já que para as
lides que tratam de relação de consumo é possível reconhecer de
oficio).

Excepcionalmente, o juiz pode declarar de oficio a cláusula de


eleição de foro como abusiva, desde que seja declarada antes da
citação.

TUTELA ESPECIFICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER

A tutela específica inovou o ordenamento jurídico brasileiro,


eis que até então não havia tal previsão no CPC/73. O Código de
Processo Civil de 2015, em seus artigos 497, 499, 500, 536 e 537,
disciplina de forma semelhante a tutela específica prevista no art. 84
do CDC

CDC

78
Art. 84 - Na ação que tenha por objeto o
cumprimento da obrigação de fazer ou não
fazer, o Juiz concederá a tutela específica da
obrigação ou determinará providências que
assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento.
Art. 497. Na ação que tenha por objeto a
prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se
procedente o pedido, concederá a tutela
específica ou determinará providências que
assegurem a obtenção de tutela pelo resultado
prático equivalente. Parágrafo único. Para a
concessão da tutela específica destinada a inibir
a prática, a reiteração ou a continuação de um
ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a
demonstração da ocorrência de dano ou da
existência de culpa ou dolo.
Art. 499. A obrigação somente será convertida
em perdas e danos se o autor o requerer ou se
impossível a tutela específica ou a obtenção de
tutela pelo resultado prático equivalente.
Art. 500. A indenização por perdas e danos dar-
se-á sem prejuízo da multa fixada
periodicamente para compelir o réu ao
cumprimento específico da obrigação.
Art. 536. No cumprimento de sentença que
reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer
ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a
requerimento, para a efetivação da tutela
específica ou a obtenção de tutela pelo resultado
prático equivalente, determinar as medidas
necessárias à satisfação do exequente. § 1o
Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá
determinar, entre outras medidas, a imposição
de multa, a busca e apreensão, a remoção de
pessoase coisas, o desfazimento de obras e o
impedimento de atividade nociva, podendo, caso
necessário, requisitar o auxílio de força policial.
§ 2o O mandado de busca e apreensão de
pessoas e coisas será cumprido por 2 (dois)

79
oficiais de justiça, observando-se o disposto no
art. 846, §§ 1o a 4o, se houver necessidade de
arrombamento. § 3o O executado incidirá nas
penas de litigância de má-fé quando
injustificadamente descumprir a ordem judicial,
sem prejuízo de sua responsabilização por crime
de desobediência. § 4o No cumprimento de
sentença que reconheça a exigibilidade de
obrigação de fazer ou de não fazer, aplica-se o
art. 525, no que couber. § 5o O disposto neste
artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento
de sentença que reconheça deveres de fazer e
de não fazer de natureza não obrigacional.
Art. 537. A multa independe de requerimento da
parte e poderá ser aplicada na fase de
conhecimento, em tutela provisória ou na
sentença, ou na fase de execução, desde que
seja suficiente e compatível com a obrigação e
que se determine prazo razoável para
cumprimento do preceito. § 1o O juiz poderá, de
ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a
periodicidade da multa vincenda ou excluí-la,
caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou
excessiva; II - o obrigado demonstrou
cumprimento parcial superveniente da obrigação
ou justa causa para o descumprimento. § 2o O
valor da multa será devido ao exequente. § 3º A
decisão que fixa a multa é passível de
cumprimento provisório, devendo ser depositada
em juízo, permitido o levantamento do valor
após o trânsito em julgado da sentença favorável
à parte. (Redação dada pela Lei nº 13.256, de
2016) (Vigência) § 4o A multa será devida
desde o dia em que se configurar o
descumprimento da decisão e incidirá enquanto
não for cumprida a decisão que a tiver
cominado. § 5o O disposto neste artigo aplica-
se, no que couber, ao cumprimento de sentença
que reconheça deveres de fazer e de não fazer
de natureza não obrigacional.

80
Ainda do ponto de vista processual, o CDC outorga poderes ao juiz
para conferir ao processo de consumo praticidade e aderência às
peculiaridades do caso concreto. Em se tratando de ação que tenha por
objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz, além de
conceder a tutela específica da obrigação, poderá determinar
providências que assegurem o resultado prático equivalente ao
adimplemento.

§ 1º - A conversão da obrigação em perdas e


danos somente será admissível se por elas optar
o autor ou se impossível a tutela específica ou a
obtenção do resultado prático correspondente.

A tutela específica, isto é, aquilo que efetivamente foi pleiteado


pelo consumidor, deverá ser o resultado prático a ser alcançado,
podendo e devendo o juiz determinar todas as providências necessárias
e adequadas à efetivação desse objetivo.

Assim, a conversão da obrigação específica em perdas e danos


somente será permitida se o consumidor aceitar ou se for impossível a
tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

Vale dizer, que se a tutela específica não puder ser cumprida por
impossibilidade do meio ou desaparecimento do bem pretendido, pode o
juiz criar condições e condenar o fornecedor a entrega de outro bem que
tenha o mesmo efeito real ao do adimplemento e, se este também não
for possível, poderá ser convertida a tutela específica em perdas e
danos.

Assim, podemos concluir que a conversão da tutela específica em


perdas e danos somente será realizada se o consumidor assim optar ou
por impossibilidade de resultado efetivo, sendo que a primeira prefere as
demais.
§ 2º - A indenização por perdas e danos se fará
sem prejuízo da multa (artigo 287 do Código de
Processo Civil).

§ 3º - Sendo relevante o fundamento da


demanda e havendo justificado receio de
ineficácia do provimento final, é lícito ao Juiz

81
conceder a tutela liminarmente ou após
justificação prévia, citado o réu.

Para compelir o réu ao cumprimento da obrigação específica de


fazer ou não fazer, poderá o juiz impor-lhe multa diária, liminarmente ou
na sentença, independente do pedido do autor, se esta for suficiente
ou compatível com a obrigação sem prejudicar o direito do credor à
realização da obrigação específica ou ao recebimento do equivalente
monetário, e tampouco à postulação de eventuais perdas e danos. A
multa, em suma, tem função puramente coercitiva.

§ 4º - O Juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na


sentença, impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for
suficiente ou compatível com a obrigação,
fixando prazo razoável para o cumprimento do
preceito.

A respeito da multa (astreintes), cabe ainda lembrar que, diante do


poder concedido ao juiz de impô-lo independente do pedido da parte,
não haverá ofensa ao princípio da adstrição ou congruência do pedido e
a sentença, seja liminarmente ou na própria sentença. Na verdade a
multa é mais um instrumento que o juiz tem para dar eficácia a sua
decisão, por isso, uma vez cumprida a decisão a mesma deve cessar,
não obstante tenha aplicação até o cumprimento.

O NCPC determinou que o beneficiário da multa será o próprio


consumidor demandante, bem como que a multa poderá ser fixada na
fase de conhecimento, em tutela provisória, na sentença ou na fase de
execução (CPC, art. 537, caput).

Além disso, disciplinou a possibilidade de execução provisória da


multa, aplicando-se às relações de consumo. Por fim, o NCPC também
autoriza o juiz a modificar o valor da multa APENAS das parcelas
VINCENDAS, não poderá modificar das parcelas vencidas.

Da mesma forma, os poderes do juiz para conceder a antecipação


da tutela, desde que relevante o fundamento da demanda, ou seja,
desde que haja verossimilhança das alegações do autor e justificado
receio de ineficácia do provimento final.

82
§ 5º - Para a tutela específica ou para a
obtenção do resultado prático equivalente,
poderá o Juiz determinar as medidas
necessárias, tais como busca e apreensão,
remoção de coisas e pessoas, desfazimento de
obra, impedimento de atividade nociva, além de
requisição de força policial.

Pode ainda o Juiz tomar medidas que assegurem o resultado


prático e equivalente da demanda em benefício do consumidor o que lhe
permite fazer requisições para que, por exemplo, o banco apresente o
contrato ou extrato bancário do autor, por exemplo, entre outras medidas
que achar necessário.

O NCPC disciplinou as tutelas de urgência da seguinte forma:

• Tutela de urgência (em caráter antecedente ou incidental) - é


aplicado ao consumidor em caráter complementar, ao direito do
consumidor interessa a antecipação da tutela. • Tutela de evidência
(CPC, arts. 311, I a IV) - ampliou-se os efeitos da tutela de evidência que
também vão impactar no direito do consumidor

PROIBIÇÃO DE DENUNCIAÇÃO DA LIDE e CHAMAMENTO AO


PROCESSO ESPECIAL

O Código de processo civil, como regra, permite que o direito de


regresso seja realizado nos próprios autos da ação e decidido pela
mesma sentença, tal regra se denomina denunciação da lide. Por ser
ação regressiva, a princípio, não poderá o autor legitimidade para
executar diretamente o denunciado, ainda que a sentença tenha acolhido
a denunciação, pois não existe relação jurídica entre o autor e o
denunciado, mas somente deste com o réu. Entretanto, o CDC proíbe
expressamente a denunciação da lide na ação indenizatória movida pelo
consumidor em face do fornecedor, conforme parte final do seu artigo 88.

CDC
Art. 88 - Na hipótese do artigo 13, parágrafo
único, deste Código, a ação de regresso poderá

83
ser ajuizada em processo autônomo, facultada a
possibilidade de prosseguir-se nos mesmos
autos, vedada a denunciação da lide.

Com efeito, embora esteja prevista a vedação da denunciação à


lide apenas na hipótese do art. 13, parágrafo único do CDC, a
interpretação lógico-sistemática da lei consumerista induz à conclusão de
que não se admite a denunciação da lide nas ações que versem sobre
relação de consumo, ou seja, quando a lide envolver relação jurídica de
consumo a denunciação está vedada, apresar de alguns
posicionamentos contrários. Assim, o fornecedor demandado não
poderia denunciar a lide o fabricante, produtor, construtor, produtor, ou
qualquer outro agente que componha a cadeia da relação de consumo, a
ele somente restaria a propositura de demanda regressiva autônoma,
ainda que apensa aos próprios autos.

A vedação à denunciação da lide, refere-se tanto a


responsabilidade pelo fato do produto e do serviço não se restringindo,
portanto, a responsabilidade do comerciante (artigo 13) (STJ AgRg no
REsp 694,980- MS, 2015)

Salienta-se ainda que a proibição de denunciação à lide não


poderá ser alegada pelo denunciado, pois essa norma é prevista em
beneficio do consumidor, atuado em prol da brevidade do processo de
ressarcimento de seus prejuízos, devendo, pois, ser arguida apenas pelo
consumidor em seu beneficio. Assim, se o fornecedor faz a denunciação
e o consumidor não se insurge a isso, haverá preclusão, sendo
descabido ao denunciado invocar em seu beneficio.(STJ REsp 913.687-
SP, 2016, INFO 592)

Cediço que a intervenção com base no contrato de seguro


caracteriza-se como denunciação da lide, já estabelece uma relação
de garantidor. É assim, porque a empresa seguradora não possui
qualquer vinculo jurídico de direito material com o autor-consumidor, mas
tão somente com o réu-fornecedor a fim de garantir os riscos da sua
atividade, razão pela qual, a Súmula 529 do STJ deixa claro que “No
seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe ajuizamento de
ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da
seguradora do apontado causador do dano”. Segunda Seção, aprovada
em 13/05/2015. Contudo o próprio STJ reconheceu a solidariedade da
seguradora junto com o segurado, a Seguradora denunciada pode ser
condenada direta e solidariamente com o segurado a pagar a
84
indenização devida à vitima, nos limites contratados, editando a Sumula
537 que segue:

“Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se


aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, ´pode ser
condenada, direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento
da indenização devida à vitima, nos limites contratados na apólice. Dje
15/06/2015 Dexcisão 10/06/2015”.

Ocorre que o CDC trata a matéria de forma diferente, pois além de


denominá-la de chamamento ao processo, cria regra própria quando o
fornecedor tiver, para garantia de sua atividade, contratado um seguro.
Na verdade, ele mesclou os efeitos da denunciação com os do
chamamento com o único objetivo garantir ao consumidor uam efetiva
prestação jurisdicional.

Assim, a primeira vista poderia dizer que seria uma espécie de


denunciação da lide, mas em razão dos seus efeitos estaria mais
próxima do chamamento ao processo, visto que a execução poderá ser
direcionada contra o garantidor. Nesse caso, o CDC criou uma nova
figura do chamamento ao processo em caso de seguro atribuindo, na
verdade, uma solidariedade legal entre o fornecedor-segurado e a
seguradora, a fim de beneficiar o consumidor, conforme se depreende do
artigo 101, II do CDC, a seguir:

Art. 101 - Na ação de responsabilidade civil do


fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo
do disposto nos Capítulos I e II deste Título,
serão observadas as seguintes normas:
(…)
II - o réu que houver contratado seguro de
responsabilidade poderá chamar ao processo o
segurador, vedada a integração do contraditório
pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta
hipótese, a sentença que julgar procedente o
pedido condenará o réu nos termos do artigo 80
do Código de Processo Civil. Se o réu houver
sido declarado falido, o síndico será intimado a
informar a existência de seguro de
responsabilidade facultando-se, em caso
afirmativo, o ajuizamento de ação de

85
indenização diretamente contra o segurador,
vedada a denunciação da lide ao Instituto de
Resseguros do Brasil e dispensado o
litisconsórcio obrigatório com este.

Na verdade, o CDC adotou a concepção doutrinária que admitia a


condenação direta, mesmo não havendo relação jurídica entre ele
(consumidor) e o adversário jurídico (segurador), sob o fundamento de
haver formado um litisconsórcio do denunciante que estabeleceu uma
solidariedade legal.

Diante da regra acima, o consumidor que vencer a demanda,


poderá executar a sentença diretamente contra o segurador caso este
tenha sido chamado ao processo, até o limite do contrato de seguro, em
razão da solidariedade estabelecida pelo CDC. Assim, garante ao
consumidor a efetiva prestação jurisdicional com a reparação do dano.

O Mestre Arruda Alvim ao comentar o CDC diz que o artigo 101,


inciso II do CDC, dispõe, na sua primeira parte, que o réu será
condenado nos termos do art. 80 do CPC de 1973, atual 132 do CPC de
2015. Tal fato conduz a condenação do fornecedor e do segurador, pois
o artigo 130 do CPC diz que o juiz declarará as responsabilidades dos
obrigados que nesse caso é do fornecedor e segurador, ambos
obrigados em face do consumidor. Com isso evidencia-se que o
chamamento ao processo por ato do fornecedor, garante ao consumidor
mais um responsável que o CDC coloca como solidariamente
responsável. Entretanto, esta responsabildiade estará limitada aos
termos e limites estabelecidos pelo contrato de seguro.

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

Pode-se dizer que a produção das provas é o campo que gera


maiores dificuldades para os autores das demandas em geral para que
façam valer seus direitos em juízo. Para os consumidores tal fato se
agravaria, pois é a parte mais vulnerável da relação, conforme
reconhecido pelo próprio CDC no inciso I do art. 4°. Por isso, o CDC
conferiu aos consumidores mais um instrumento que viabilizasse a
efetiva prestação jurisdicional. Estamos falando da inversão do ônus da
prova.

O CPC reparte o ônus probante da seguinte forma:

86
Art. 373 O ônus da prova incumbe:
I - Ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu
direito;
II – Ao réu, quanto à existência de fato
impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do
autor.

A distribuição acima tem como base a igualdade das partes


perante a formação do convencimento do juiz, fato este que não se faz
presente nas relações de consumo. Assim, a prova do fato deve ser
produzida por quem tem interesse no seu reconhecimento, sob pena do
fato ser considerado inexistente, seja ela autora ou ré.

Ocorre que, e, regra o dispositivo acima não se aplica nas relações


de consumo, pois, como vimos, o CDC tem regra própria tratada no seu
artigo 6°, VIII, 12, 14 e 36, cujo primeiro segue abaixo:

CDC
Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos,
inclusive com a inversão do ônus da prova, a
seu favor, no processo civil, quando, a critério do
juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele
hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiências;

Diante da vulnerabilidade do consumidor e das naturais


dificuldades da produção da prova, o CDC inverte o ônus a seu favor, ou
seja, verificando que seria mais uma barreira a efetiva proteção do
consumidor atribuir-lhe o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito
o CDC determinou que o interesse na produção da prova é do
fornecedor, pois os fatos articulados pelo consumidor presume-se
verdadeiros, nos termos do artigo 374, IV do CPC.

Assim, o fornecedor deverá provar a existência de fato impeditivo,


modificativo ou extintivo do direito do consumidor, já que este é que
detém todo conhecimento do processo de produção do bem ou serviço,
como as fórmulas, cálculos, projetos, componentes, etc.

87
Sérgio Cavalieri Filho afirma que a inversão do ônus da prova
serviria para retirar dos ombros do consumidor a carga da prova
referente aos fatos do seu interesse. Presumem-se, portanto,
verdadeiros os fatos por ele alegados, cabendo ao fornecedor a prova
em contrário.

Nesse sentido segue o julgado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO N.° 9403/2001 2ª


Câmara Cível do TJRJ. Rel. Des. Sérgio
Cavalieri Filho. PROVA. Inversão do Ônus.
Efeitos. A inversão do onus probandi, a critério
do juiz é princípio do Código do Consumidor que
tem por finalidade equilibrar a posição das
partes no processo, atendendo aos critérios da
verossimilhança, ou da hipossuficiência.
Estabelecida a inversão pelo juiz, a prova a
ser produzida passa a ser do interesse do
fornecedor sob pena de não elidir a
presunção que milita em favor do
consumidor em face da plausibilidade da sua
alegação. (grifei)

EFEITOS DA INVERSÃO

Ao deferir a inversão do ônus da prova o juiz não cria novo


encargo probatório ao fornecedor ele simplesmente, dispensa o
consumidor da prova do fato constitutivo do seu direito, conforme
determina o inciso I do art. 373 E 374, IV do CPC, sem que lhe recaia
o ônus da inexistência do fato pela não produção.

Conforme leciona Sérgio Cavalieri Filho, não se trata de transferir


ao fornecedor o encargo de provar a veracidade dos fatos alegados pelo
autor, pois se assim fosse, teria que produzir provas contra si mesmo.
Entretanto, deverá o fornecedor provar os fatos impeditivos, modificativos
ou extintivos do direito do consumidor, conforme determina o inciso II do
art. 373 do CPC.

Conclui-se, que deferido a inversão do ônus da prova, os fatos do


consumidor serão tidos, por presunção relativa, como verdadeiros,
devendo, pois, o fornecedor provar os fatos impeditivos, modificativos ou
extintivos daqueles que foram alegados pelo consumidor.

88
No que pertine ao custeio, da prova a inversão seria indireta, pois
se for deferida a inversão do ônus da prova em favor do consumidor e,
para esclarecer o fato necessite de uma prova pericial, o fornecedor não
tem o dever de arcar com os custos, não obstante responda pela sua não
realização, pois os fatos alegados pelo autor foram tidos por verdadeiro.
Essa é a posição do STJ de acordo com os precedentes da 3ª Turma,
uma vez que fala: “No entanto, o fornecedor assume as consequências
processuais advindas da sua não produção”.

ESPÉCIES DE INVERSÃO

O CDC prevê que a inversão poderá operar em razão da lei ou do


processo, ou seja, as teremos as denominadas inversão ope legis ou ope
judicis, respectivamente.

INVERSÃO OPE JUDICIS

Assim, será ope judicis se o juiz determinar em razão de ter


verificado os requisitos contidos no artigo 6°, inciso VIII, que como vimos,
reza que o juiz poderá determinar a inversão do ônus se a alegação do
consumidor for verossímil ou quando ele for hipossuficiente, segundo as
suas regras ordinárias de experiência.

Conclui-se que a verossimilhança das alegações e a


hipossuficiência do consumidor são os pressupostos para a inversão do
ônus da prova ope judicis.

Resta saber se os dois requisitos devem estar presentes para que


haja o deferimento da inversão do ônus da prova.

Parte da doutrina afirma que apenas um basta, em razão da


utilização da partícula alternativa “ou” descrita no inciso VIII, do artigo 6°
do CDC. Entretanto, maior parte da doutrina, inclusive o Mestre Sérgio
Cavalieri Filho, entende que no caso de haver verossimilhança nas
alegações do autor não seria necessário a presença da hipossuficiência,
mas o mesmo não ocorreria quando na situação oposta.

Nesse sentido, caso o autor não demonstre a verossimilhança, ao


contrário numa primeira análise parece inverossímil, ou seja, sem
nenhuma possibilidade de ser verdadeiro, o juiz não deverá inverter o
ônus da prova pelo simples fato de ser hipossuficiente.

89
Resulta da interpretação acima que caberá ao juiz avaliar a
situação concreta antes de deferir a inversão, devendo adotar o critério
da verossimilhança em relação aos fatos afirmados pelo consumidor
mesmos nos casos de hipossuficiência, mesmo porque não cabe ao
fornecedor fazer prova de fato negativo.

Fato ou ato verossímil é aquele que possui aparência de


veracidade que resulta de uma situação fática com base naquilo que
normalmente acontece, ou ainda, porque um fato é ordinariamente
conseqüência de outro, permitindo concluir que existente deste admite a
existência daquele, a menos que a outra parte demonstre o contrário.

O CDC adotou o sentido amplo de hipossuficiência como critério


de inversão do ônus, aproximando do conceito de vulnerabilidade, mas
que com esse guarda diferença. Como vimos a vulnerabilidade conduz a
fragilidade econômica, fática e técnica. Mas a hipossuficiência, para fins
de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento
técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de
seu funcionamento, de sua distribuição, dos modos especiais de
controle, etc.

Por isso, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor não


pode ser visto como forma de proteção ao mais pobre, ou seja, não é por
ele ser pobre que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova,
até porque a questão da produção da prova é processual e a condição
econômica, material.

Não podemos deixar de mencionar que para os pobres, na


acepção jurídica do termo, existe a justiça gratuita, a qual permite ao
beneficiário a isenção do pagamento das custas, o que não significa que
ele está isento de provar o seu direito.

O inverso ocorre com os consumidores que forem considerados


hipossuficientes para efeitos da inversão do ônus, pois poderão ser
economicamente poderosos, mas hipossuficientes tecnicamente ou de
informação. Para esses a inversão deverá ser deferida.

Destarte, nas relações de consumo, em regra, sempre se constata


a hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor, pois
somente este detém o pleno conhecimento do projeto, da técnica e do
processo de fabricação.

90
Nesses casos, a prova torna-se ao consumidor, extremamente
difícil, ao contrário do que acontece com o fornecedor, pois este detém
os documentos técnicos, científicos e contábeis, como os registros,
contratos, extratos bancários, banco de dados, etc..

Obs.: Hipossuficiência e vulnerabilidade não se confundem. A


vulnerabilidade está relacionada à relação jurídica de direito material, em
que uma das partes está em condição de inferioridade por questões
técnicas, econômicas ou jurídicas, todo consumidor é vulnerável. Já a
hipossuficiência relaciona-se à relação jurídico-processual, em que há
dificuldade de produção de prova, por questões técnicas ou econômicas,
nem todo consumidor é hipossuficiente.

Obs2.: Hipossuficiente não se confunde com necessitado.

Deve-se comentar, apesar da divergência do tema, o momento que


ocorre a inversão no caso da inversão ope juicias.

Atualmente (art. 373, §1º do NCPC) chegou-se a conclusão que a


inversão do ônus da prova é regra de procedimento, portanto deve ser
realizada antes do fim da instrução, de preferência até o despacho
saneador.

CPC, 373, § 1º Nos casos previstos em lei ou


diante de peculiaridades da causa relacionadas
à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de
cumprir o encargo nos termos do caput ou à
maior facilidade de obtenção da prova do fato
contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova
de modo diverso, desde que o faça por decisão
fundamentada, caso em que deverá dar à parte
a oportunidade de se desincumbir do ônus que
lhe foi atribuído

Permito-me traçar apenas duas posições sendo a primeira


defendida pelo Rizzatto Nunes e a segunda por Sérgio Cavalieri Filho.

Para Rizzatto Nunes o juiz tem que pronunciar expressamente


sobre a inversão do ônus mesmo porque ela não decorra da lei e como
vimos depende da verossimilhança das alegações ou da hipossuficiência
do consumidor, em especial por causa deste último a fim de garantir o
contraditório e a ampla defesa.

91
Defendendo a necessidade de pronunciamento nos autos ela cita o
seguinte exemplo: Pode muito bem o consumidor ser um engenheiro que
tinha claras condições de conhecer o funcionamento do produto, de
modo a elidir a sua presumida hipossuficiência. Pode ainda o mesmo
engenheiro desconhecer o funcionamento do produto, caracterizando a
sua hipossuficiência. Diante disso, torna-se necessário que o juiz se
manifeste no processo invertendo ou não o ônus da prova.

Contrariamente se manifesta o Mestre Sérgio Cavalieri Filho, pois


entende desnecessária a manifestação do juiz sobre a inversão, pois a
inversão não atribui ao fornecedor um novo onus probandi, mas apenas
dispensa o consumidor do ônus da prova do fato constitutivo do seu
direito, mas ainda assim, o réu-fornecedor terá que provar a existência
de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

O comentado autor finaliza dizendo que nada impede – pelo


contrário, é recomendado - que o juiz, no despacho saneador, na fase
instrutória da causa ou em qualquer outro momento que se tornar
possível, inverta o ônus da prova ou advirta as partes que isso poderá
ser feito no momento do julgamento final, com o que afastará qualquer
alegação de cerceamento de defesa.

Por fim, deve-se entender a expressão “a critério do juiz” não como


a faculdade, mas como o dever do juiz em inverter o ônus toda vez que
restar constatado os requisitos que autorizam a sua inversão, mesmo
que não haja pedido, nesse sentido, do autor. Tal fato ocorre, pois no
processo civil o juiz não age com discricionariedade (que é medida pela
conveniência e pela oportunidade da decisão), mas dever agir sempre
dentro da legalidade, fundamentando suas decisões em base objetivas.

Vale dizer, deverá o magistrado determinar a inversão quando as


alegações do autor tiverem verossimilhança ou este for hipossuficiente.

INVERSÃO OPE LEGIS

Vimos que a inversão também poderá ocorrer pela vontade da lei,


denominada de ope legis. Trata-se de inversão obrigatória, onde a lei diz
os casos que esta se opera, sem que haja qualquer decisão do juiz ou
pedido da parte.

O CDC prevê nos artigos 12, §3° e 14 §3°, na responsabilidade


civil do fornecedor pelo fato do produto ou serviço e no art. 38, nos casos

92
de informação ou comunicação publicitária, sendo, portanto, taxativa as
suas possibilidades.

No primeiro caso (responsabilidade civil do fornecedor por


acidentes de consumo), o CDC determinou expressamente que o
fornecedor deverá arcar com o ônus da prova quanto as causas
excludentes de sua responsabilidade, quando afirma em seu art. 12, §3°,
III que “O fabricante, o construtor, o produtor e o importador só não serão
responsabilizados quando provar que, embora haja colocado o produto
no mercado, o defeito inexiste” ou para o art. 14 §3°, “ O fornecedor só
não será responsabilizado quando provar que, embora haja colocado o
produto no mercado, o defeito inexiste”

Assim, basta que o consumidor demonstre o acidente de consumo


(fato do produto ou serviço) e o respectivo dano para decorrer a inversão
ope legis do ônus da prova. Assim, o que a lei inverte é a prova quanto
ao defeito do produto ou serviço e não a prova da própria ocorrência do
acidente de consumo, continuando este ônus do consumidor, mesmo se
tratando de responsabilidade objetiva.

O artigo 38, por sua vez, dispõe que o ônus da prova da


veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a
quem as patrocina. A regra decorre do dever inscrito no art. 36 no
sentido de que, o fornecedor, na publicidade de seus produtos ou
serviços, manterá, sem seu poder para informação dos legítimos
interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão
sustentação a mensagem.

Caberá, nessa hipótese, ao fornecedor provar que a sua


informação ou publicidade é verdadeira e correta em face da afirmativa
do consumidor da inveracidade ou incorreção da informação ou
comunicação publicitária, independente de qualquer decisão do juiz,
nesse sentido.

Destarte, não há o que se discutir, pois em qualquer disputa na


qual se ponha em dúvida ou se alegue enganosidade ou abusividade do
anúncio, caberá ao anunciante o ônus de provar o inverso, sob pena de
dar validade ao outro argumento. Tal fato permite concluir que a norma
estabelece que não basta veicular a verdade, é necessário que a prova
da verdade da informação veiculada seja mantida em arquivo para
eventual averiguação e checagem, sob pena inclusive da
responsabilização penal, conforme determina o artigo 69 do CDC

93
Assim, quando um fabricante de pneus disser que seu
produto dura 50.000 Km, deverá manter consigo os testes de
qualidade e durabilidade que comprovem a afirmação.

DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA

Por derradeiro, mas nem por isso de menor importância, temos a


desconsideração da pessoa jurídica (disregard doctrine) que serve como
instrumento, da mesma forma que os anteriores, para assegurar o pleno
ressarcimento dos danos causados por fornecedores enquanto pessoa
jurídica, aos consumidores. Fazendo uso da desconsideração da pessoa
jurídica, busca o verdadeiro causador do dano como se a pessoa jurídica
não existisse.

NATUREZA JURÍDICA DA PESSOA JURÍDICA

Há controvérsias no que diz respeito à caracterização da pessoa


jurídica. No entanto, o direito sempre encarou estes grupos
destacadamente de seus membros, o que significa que a ordem
jurídica considera estas entidades como seres dotados de
existência própria e autônoma, inconfundível com a vida das
pessoas naturais que os criaram. Assim, o direito agasalhou o
entendimento de que a vontade da pessoa jurídica é distinta da vontade
individual dos membros componentes; seu patrimônio, constituído pela
aferição de bens, ou pelos esforços dos criadores, é diverso do
patrimônio de uns e de outros e sua capacidade, limitada à consecução
de seus fins pelo fenômeno da especialização.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a principal característica da


pessoa jurídica é a autonomia em relação às pessoas que a
integram. As pessoas jurídicas não se confundem com as pessoas
naturais que a integram, mesmo sendo seus administradores que agem
diretamente em nome daquela. Quando a pessoa jurídica adquire bens
por compra, é o administrador quem assina o contrato, mas é a
manifestação de vontade da pessoa jurídica que é concretizada. É a
pessoa jurídica quem adquire a propriedade. Tal fato decorre da ficção
legal da pessoa jurídica que a separa rigidamente das pessoas que a
compõem.

94
Da mesma maneira, em quaisquer demandas judiciais, seja no
pólo ativo ou passivo, quem figura é a pessoa jurídica e não a pessoa
natural que a representa, seja este sócio, associado, administrador, etc.

No entanto, ressalta-se a possibilidade da responsabilidade


contraída pela pessoa jurídica recair sobre a pessoa do sócio ou
administrador, quando isso acontecer, estaremos diante do fenômeno da
desconsideração da personalidade jurídica, já que, como regra, é a
pessoa jurídica que deve responder por suas obrigações e não as
pessoas que a integram.

Tal fato se deu em decorrência do uso nocivo da pessoa jurídica,


pois as pessoas físicas ou naturais passaram a utilizá-la para acobertar,
sob seu manto, as práticas abusivas e ilegais.

Neste sentido, temos o art. 28 do Código de Defesa do


Consumidor, a seguir transcrito.
CDC
Art. 28 O juiz poderá desconsiderar a
personalidade jurídica da sociedade quando, em
detrimento do consumidor, houver abuso de
direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou
ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato
social. A desconsideração também será
efetivada quando houver falência, estado de
insolvência, encerramento ou inatividade da
pessoa jurídica provocados por má
administração.

Trata-se, portanto, da possibilidade de desconsiderar a pessoa


jurídica para buscar o verdadeiro causador do dano, não se trata de
considerá-la nula, mas torná-la ineficaz para determinados atos.

A primeira parte do art. 28 do CDC, reproduz as hipóteses


tradicionais de desconsideração da pessoa jurídica(abuso de direito,
excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos
estatutos ou contrato social), aparentemente adotando a teoria maior da
desconsideração da pessoa juridica, conforme segue:

ABUSO DE DIREITO

95
O abuso de direito decorre quando o titular de um direito, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, de acordo
com o artigo 187 do CC, a seguir transcrito.

Código Civil
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de
um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes.

O caso em baila fundamenta-se na idéia de que os direitos são


concedidos aos seus titulares para serem exercidos de maneira justa,
social, legítima e não para que faça uso deles de forma arbitraria.
Impede, portanto, que o direito sirva de forma de coação, exploração,
fraude.

EXCESSO DE PODER - INFRAÇÃO A LEI – VIOLAÇÃO DO


CONTRATO SOCIAL

Nesses casos temos que ter em mente que o poder é exercido


com excesso quando ocorrer abuso ou desvio do mandato, conforme se
depreende do art. 50 do CC, a seguir:
Código Civil
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade
jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade,
ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir,
a requerimento da parte, ou do Ministério
Público quando lhe couber intervir no processo,
que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos
bens particulares dos administradores ou sócios
da pessoa jurídica.

Tal como previsto do art. 50 do CC, existe a possibilidade de


desconsiderar a pessoa jurídica do fornecedor quando o titular desvia ou
vai além da finalidade das normas, estatutos ou do contrato social,
extrapolando ou abusando do mandato que lhe foi conferido e cause um
ato ilícito.

96
No que tange a infração da lei ou prática de ato ilícito também
será possível desconsiderar a pessoa jurídica e atingir o patrimônio do
sócio se o ato por ele praticado em nome da sociedade for contrário a lei,
violar um dever jurídico de qualquer ordem e causar dano. Como dito
será praticado em nome da sociedade e nesse caso com nítida violação
do estatuto ou contrato social, posto que esses não podem buscar o
ilícito.

Ocorre, que o CDC, no § 5° do artigo 28 (a seguir) permite ainda


que a desconsideração da pessoa jurídica ocorra sempre que a
manutenção da personalidade, como conseqüência, a autonomia das
vontades e responsabilidades, crie um obstáculo ao ressarcimento de
prejuízos causados ao consumidor, conduzindo às demais possibilidades
a categoria de cláusulas exemplificativas. Resta esclarecer que este
dispositivo comporta grande divergência doutrinária.

§ 5º - Também poderá ser desconsiderada a


pessoa jurídica sempre que sua personalidade
for, de alguma forma, obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados aos
consumidores.

Rizzatto Nunes afirma que a intenção do legislador foi dar caráter


meramente exemplificativo ao rol de possibilidades da desconsideração
da pessoa jurídica, descrito no caput do artigo 28, por serem mais
comuns. No entanto, apesar de comuns nada impede que outras
espécies de fraude e abusos sejam praticadas, tendo a pessoa jurídica
como escudo. Para evitar que, nesses casos, os sócios violadores
passem impunes, o § 5° deixou o texto normativo aberto para que, em
qualquer outra hipótese, seja possível desconsiderar a sua
personalidade.

Destarte, O parágrafo 5° faz uso da conhecida teoria menor,


contrário, portanto, ao Código Civil que adota a teoria maior (Admite a
desconsideração APENAS quando restar provado desvio de finalidade
(teoria maior subjetiva) ou confusão patrimonial (teoria maior objetiva)
mais prejuízo ao credor (art. 50 do CC)), conforme se depreende do seu
artigo 50 e do próprio caput do artigo 28 do CDC, no qual está inserido o
§ 5° ora estudado.

Para a teoria menor, não há necessidade da prova do desvio,


confusão patrimonial ou abuso no uso da pessoa jurídica, basta apenas,
97
a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o
cumprimento de suas obrigações.

Ressalta-se que essa teoria foi adotada pelo CDC, de forma


excepcional em seu §5° do artigo 28 (e na lei de crimes ambientais, Lei
n.º 9605/98), pois a regra do nosso ordenamento (art. 50 CC) é a teoria
maior que exige, além da prova de insolvência, a prova de que está
ocorreu por desvio de finalidade, confusão patrimonial, entre outras.
Nesse sentido, seu emprego tem sido tímido em nossos tribunais, mas
aceito pelo STJ.

Assim, esse entendimento prevaleceu, por maioria, no Superior


Tribunal de Justiça no julgamento do rumoroso caso da explosão so
Shopping Center de Osasco (REsp n.° 279273 – SP, 3° Turma, Rel. Min.
Ari Pargendler, Rel, para o Acórdão, Min. Nancy Andrighi )

NCPC E DESCONSIDERAÇÃO

O NCPC passou a prever, expressamente, a desconsideração da


personalidade jurídica inversa (já era admitida pelo STJ), na qual se
afasta o patrimônio do sócio para alcançar o patrimônio da pessoa
jurídica.

CPC, Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade


jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público,
quando lhe couber intervir no processo. § 2o Aplica-se o disposto neste
Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade
jurídica.

Ademais, o NCPC encampou a jurisprudência do STJ, afirmando


que não há necessidade processo autônomo para que seja
desconsiderada a personalidade jurídica, podendo ocorrer em qualquer
fase processual.

CPC, Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas


as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e
na execução fundada em título executivo extrajudicial.

O CDC não trata da desconsideração da pessoa jurídica nos


parágrafos 2°, 3° e 4° do artigo 28, mas da responsabilidades solidária e
subsidiárias das sociedades coligadas.

98
Desta forma, dentre as espécies de sociedades coligadas temos os
grupos societários, as sociedades controladoras e as sociedades
consorciadas, sendo as suas responsabilidades subsidiária, para as duas
primeiras (grupos societários e sociedades controladoras) e solidária
para a última (consorciadas), não obstante, as suas responsabilidades
dependem da prova da culpa, sendo, portanto, subjetiva, conforme
segue:

CDC
Art. 28 (...)
§ 2º - As sociedades integrantes dos grupos
societários e as sociedades controladas são
subsidiariamente responsáveis pelas obrigações
decorrentes deste Código.
§ 3º - As sociedades consorciadas são
solidariamente responsáveis pelas obrigações
decorrentes deste Código.
§ 4º - As sociedades coligadas só responderão
por culpa.

RESPONSABILIDADE CIVIL

Vamos agora ao estudo da Responsabilidade Civil decorrente das


relações de consumo, para tanto devemos tecer alguns breves
comentários.

DEVER JURÍDICO

Dever jurídico é a conduta externa de uma pessoa imposta pelo


Direito Positivo por exigência da convivência. Não se trata de simples
conselho, advertência ou recomendação, mas de um comando que a
todos se dirige e a todos vincula.

Conforme afirmou San Tiago Dantas, o principal objetivo da ordem


jurídica é proteger o lícito e reprimir o ilícito, ou seja, ao mesmo tempo
em que ela se empenha em tutelar a atividade do homem que se
comporta de acordo com o Direito, reprime a conduta daquele que o
contaria.

99
Entende-se por dever jurídico como a forma de conduta que o
homem deve adotar em razão das regras impostas pelo Direito Positivo,
por exigência da conivência social.

DEVER JURÍDICO ORIGINÁRIO E DERIVADO.

A violação de um dever jurídico que acarrete dano a outrem


configura o ilícito e faz nascer um novo dever jurídico que é o de reparar
o dano. Há assim, um dever jurídico originário ou primário, cuja violação
gera um dever jurídico sucessivo ou secundário que é o de indenizar o
prejuízo.

Justamente com a violação do dever jurídico originário é que


aparece a noção de responsabilidade civil, que no seu sentido
etimológico, passa a idéia de obrigação, encargo, contraprestação.
Igualmente, ocorre com o seu sentido jurídico, pois designa o dever que
alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um dever
jurídico originário.

Assim, a responsabilidade civil somente aparece, como regra, onde


houver violação de um dever jurídico e dano. É assim, porque
responsabilidade pressupõe um dever jurídico preexistente, uma
obrigação descumprida e um dano ocasionado.

CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Conclui-se que responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo


que surge para recompor o prejuízo decorrente da violação de um dever
jurídico originário que gere dano.

Para Maria Helena Diniz a responsabilidade civil seria “a aplicação


de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou
patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma
praticado, por pessoa por quem responde, por alguma coisa a ela
pertencente ou por simples imposição legal”.

FUNÇÃO

100
O anseio de obrigar o agente causador do dano a repará-lo, tem seu
âmago no mais elementar sentimento de justiça. O dano causado pelo
ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre
o agente e a vitima. Há uma necessidade fundamental de se restabelecer
esse equilíbrio, o que se procura fazer recolocando o prejudicado no
statu quo ante. Isso se faz através de uma indenização fixada na
proporção ao dano experimentado.

ESPÉCIES

Sabendo que a responsabilidade tem por elemento nuclear uma


conduta violadora de um dever jurídico. Sob tal premissa, torna-se
possível separá-la em diferentes espécies, levando em consideração a
origem do dever e qual o seu elemento subjetivo.

Assim, pode-se concluir que são espécies de responsabilidade: a


contratual e extracontratual, a civil e penal e, por fim,a subjetiva e
objetiva.

RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

Em síntese, sempre que um dever jurídico for violado haverá


responsabilidade. Assim, se o dever jurídico tiver como fonte um negócio
jurídico estaremos diante da responsabilidade contratual, por outro lado
quando a ofensa for legal, teremos a responsabilidade extracontratual
subjetiva ou aquiliana.

Com base nessa divisão que a doutrina separa a responsabilidade


civil em contratual e extracontratual, sendo a primeira também
denominada de ilícito contratual ou relativo e a segunda de ilícito
aquiliano ou absoluto, quando subjetiva.

Por fim, conforme leciona Sérgio Cavalieri Filho, as


responsabilidades contratual e extracontratual importam em violação de
um dever jurídico preexistente. A diferença, portanto, está na origem
desse dever. Haverá responsabilidade contratual quando o dever jurídico
violado (inadimplemento ou ilícito contratual) estiver previsto no contrato
ou negócio jurídico. Haverá por seu turno responsabilidade
extracontratual se o dever jurídico violado não estiver previsto no
contrato, mas sim na lei.

101
RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL

Verificamos que a ilicitude ocorre quando da transgressão das


normas concebidas em sociedade. Nesse sentido, pode ocorrer em
qualquer ramo do Direito.

Como vimos, quando a norma violada for penal, haverá um ato ilícito
penal e, consequentemente, a responsabilidade será penal. Na mesma,
linha teremos responsabilidade civil, quando a ofensa for perpetrada
contra a respectiva norma de Direito Privado.

Maria Helena Diniz ressalta que à responsabilidade penal pressupõe


lesão aos deveres dos cidadãos para com a sociedade, acarretando um
dano social determinado pela violação da norma penal, exigindo para
restabelecer o equilíbrio a aplicação de uma pena ao lesante. Enquanto
que para responsabilidade civil requer prejuízo a terceiro, particular ou
Estado, de modo que a vítima poderá pedir reparação do dano traduzida
na recomposição do statu quo ante ou numa importância em dinheiro.

Ocorre que a separação entre as ilicitudes penais e civis tem cunho


meramente didático, pois como vimos ambos importam na violação de
um dever jurídico. Outrossim, a separação dos atos ilícitos permite que a
ilicitude praticada pelo mesmo ato ou a pela mesma conduta constitua
crime e ato ilícito civil, passível de indenização. Desse modo para o
mesmo fato ou ato podem ocorrer, concomitantemente, à persecução
criminal e a ação de ressarcimento, ou seja, um mesmo ato ilícito pode
assumir duplo aspecto e ocasionar uma responsabilidade civil e outra
penal.

Tal fato ocorre, pois as normas de direito penal são de direito


público e interessam mais diretamente a sociedade, enquanto as de
direito civil, são de direito privado, interessando mais de perto ao
ofendido. Quando a ofensa permeia por ambas, haverá duas
persecuções, uma em favor da sociedade e outra em favor do ofendido.

A exemplo do motorista de uma mepresa de ônibus, que dirigindo


com imprudência atropela e mata um pedestre. Tal conduta produz o
nascimento da responsabilidade penal do motorista, que ficará sujeito a
sanção pelo crime de homicídio, teoricamente, culposo e, ainda, será

102
obrigado a reparar o dano aos descendentes da vítima, decorrente do
ilícito civil. Em tal caso, como se vê, haverá dupla sanção: a penal, de
natureza repressiva, consistente em uma pena privativa de liberdade ou
restritiva de direitos, e a civil, de natureza reparatória, consubstanciada
na indenização.

Silvo de Salvo Venosa exemplifica utilizando dois círculos


concêntricos, sendo esfera do processo criminal um círculo menor, de
menor raio, porque a culpa criminal e aferida de forma mais restrita e
rigorosa, tendo em vista a natureza da punição e ainda porque, para o
crime, a pena não pode ir além do autor da conduta.

A esfera da ação civil de indenização é mais ampla, porque a


aferição de culpa é mais aberta, admitindo a culpa grave, leve e
levíssima, mas todas acarretam, como regra, o dever de indenizar.
Ainda, porque há terceiros que podem responder patrimonialmente pela
conduta de outrem, bem pelo fato de que determinados atos podem não
ter conseqüências criminais, mas irão acarretar o dever de indenizar,
pois ingressam na categoria de ato ilícito lato sensu, cujo âmbito é
estritamente de responsabilidade civil.

Responsabilidade

Responsabilidade
Penal

Civil

RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA

Resumidamente, pode-se sintetizar que a responsabilidade civil


subjetiva decorre do dano causado em função do ato doloso ou culposo,
enquanto que para a responsabilidade civil objetiva o elemento

103
conduta humana (culposa ou dolosa) torna-se irrelevante, pois o que
importa é a demonstração do elo de causalidade entre o dano e a
conduta do agente quando desempenhada uma atividade de risco, para
que surta o dever de indenizar.

A responsabilidade civil objetiva surge em razão da evolução da


responsabilidade subjetiva, pois sua clássica teoria da culpa não estava
conseguindo satisfazer todas as necessidades da vida comum, deixando
sem reparação um imenso número de casos concretos pela
impossibilidade de comprovação da conduta culposa.

Assim, mais recentemente, a jurisprudência começou a vislumbrar


novas soluções com a ampliação do conceito de culpa e da sua prova,
passando para conceito da culpa presumida, hipótese em que ainda será
subjetiva, até chegar na responsabilidade objetiva que, em alguns casos,
se fundamenta na teoria do risco integral.

Podemos concluir que a responsabilidade civil decorrente das


relações de consumo, como regra, seria a última etapa do processo
de evolução da responsabilidade civil e que nasceu para fazer frente
a nova realidade decorrente da evolução industrial e do
desenvolvimento tecnológico e científico a fim de, principalmente,
suprir a lacuna que existia na reparação do dano e na proteção do
consumidor em razão da ineficácia da tradicional responsabilidade
civil nesse novo cenário mercantil.

Vejamos o exemplo abaixo:

Um consumidor adquiriu de um mercado uma garrafa de


refrigerante. Ao chegar em casa, colocou-a no refrigerador e após
algumas horas resolveu abri-la, quando a garrafa produziu, literalmente,
uma explosão e a tampa veio a acertar seu olho esquerdo, causando-lhe
a perda da visão deste olho.

Cabe, a seguinte indagação: De acordo com o critério tradicional


responsabilidade civil (aquiliana), quem seria o causador do dano?

Seria do vendedor? A defesa deste seria simples, pois bastaria


alegar que não teve culpa do resultado, pois se limitou a vender ao
consumidor o produto que recebeu do fabricante.

104
Seria então do fabricante? A sua alegação, que também afastaria a
sua responsabilidade, seria que não existe qualquer relação jurídica
estabelecida com o consumidor, pois nada vendeu a este, bem como que
não poderia responder pelo fato da coisa, pois esta não estava sob sua
guarda, comando ou direção.

Restaria afirmar que, sob o fundamento da tradicional


responsabilidade civil o consumidor seria o próprio causador do dano
tendo que absorver o prejuízo experimentado ficando, portanto,
desamparado.

Destarte, até o advento do CDC, por não haver legislação eficiente


para enfrentar os problemas decorrentes dos acidentes de consumo, o
consumidor teria que provar a culpa ou o dolo do fornecedor (prova esta
praticamente impossível ou mesmo inexistente), sob pena de assumir os
riscos e danos decorrentes do consumo.

Por incrível que pareça o risco do negócio era do consumidor.


Era ele quem corria o risco de adquirir um produto ou serviço, pagar
o seu preço e não poder dele usufruir adequadamente, ou pior,
sofrer algum dano.

O maior absurdo é que esse sistema foi aplicado até o dia 10 de


março de 1991, pois somente depois desse dia o CDC entrou em vigor e
inverteu a relação preexistente referente aos riscos do consumo, do
consumidor para o fornecedor, além de estabelecer a responsabilidade,
sem culpa (objetiva), para todos os casos de acidentes de consumo.

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