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Jorge Coli
simplesmente não as viam. Eles não pousavam ponto nevrálgico da construção é o confronto
os olhos sobre a superfície pintada. Eles criavam entre André Vidal de Negreiros e o coronel
uma fronteira, uma muralha. Daqui para cá, holandês Pedro Keeweer. E para que esse
moderno. Daqui para lá, “acadêmico”. E basta, confronto se afirme todo poderoso, Victor
para uma atitude que fazia uma ótima economia Meirelles faz prova de uma extraordinária
do olhar, da análise autêntica e da reflexão ciência na disposição da cena. Da esquerda para
fecunda. a direita, avançam os brasileiros: a atitude dos
corpos inclinados para a frente conduz o olhar, e
O olhar descobre o movimento é ativado por três figuras mais
importantes –Henrique Dias, atrás, seu escudo
Afastando o véu das tiranias classificatórias, as levantado no braço esquerdo e contrastando,
telas se revelam ricas, sutis, fascinantes –o quase silhueta, com o fundo luminoso; João
oposto do dever escolar sem inspiração ao qual Fernandes Vieira, que vem a cavalo, brandindo
a idéia de “acadêmico” está com freqüência a finíssima lâmina de sua espada; Antônio Dias
ligada. E em pinturas que se espraiam sobre tão Cardoso, sargento-mor dos Infantes, claramente
enormes superfícies, achados e soluções iluminado, a figura mais nítida de todo o
sedutores multiplicam-se, permitindo que o quadro, correndo a passos largos, com a espada
percurso do olhar se torne uma extraordinária abaixada, cuja linha acentua a inclinação do
aventura. Tomemos um pequeno detalhe da corpo.
Batalha de Avaí (Fig. 3): no limite esquerdo da Eles todos convergem para André Vidal de
tela, por trás do oficial que, sabre na mão, Negreiros. Este, monumentalizado ao modo de
empina seu cavalo, há um grupo de soldados uma estátua eqüestre, está, como convém, numa
envolvidos pela fumaça, baionetas em riste. As posição mais alta do que todos os outros, no
que estão próximas são definidas por seu topo de um triângulo vasto, cujos ângulos da
volume e pela sua cor cinza; atrás, elas base são ocupados por Cardoso e Keeweer.
sobressaem na fumarada, adquirindo um reflexo
longilíneo, de tom creme. Ainda mais longe, o Em frente deles amontoam-se os holandeses,
que era palpável desaparece e resta apenas o subalternos, com as lanças erguidas, tentando
brilho, através de longo traço claro: do mais uma defesa vã: a derrocada parece definitiva
sólido ao mais imaterial, o objeto persiste como com a queda de Keeweer e seu cavalo branco. O
visualidade. arremesso e a defesa não se concretizam em
qualquer imagem efetiva de luta; o confronte
Ou reflitamos um pouco sobre a Batalha dos entre os dois grupos é concentrado no
Guararapes, de Victor Meirelles. Bandeira afrontamento dos dois chefes, opostos num
insistia: a obra, ao contrário de Avaí, não possui notável efeito de tensão: Negreiros, empinando
virtuosidade evidente. A ela se substitui uma seu cavalo, freia as oblíquas que avançam;
fatura serena e sólida, uma composição muito Keeweer, desmoronado, forma uma espécie de
pensada e clara. À paisagem que ocupa o canto barricada, por trás da qual se levantam as lanças
esquerdo superior da tela, apresentada como holandesas. E o retesamento se cristaliza no
massa vegetal dissolvida na atmosfera, con- espaço vazio entre as duas montarias, centro
trapõe-se o grupo de militares no canto direito virtual de oposições, habitado pela invisível
inferior, em primeiríssimo plano e contraluz. trajetória dos olhares trocados por vencido e
Entre esses seis grupos se situa a batalha, vencedor.
limpidamente organizada, aos poucos
desaparecendo em direção ao espaço aberto à A atenção é bastante para observações deste
direita, que nos mostra, ao longe, o Cabo de gênero. Mas ela não é suficiente se tentarmos
Santo Agostinho, o mar e o céu imenso. Estes aprofundar as inter-relações culturais
são os pontos principais de organização do intrincadas que estes quadros possuem, e cujo
quadro. Acrescente-se, indo para o lado acesso perdemos porque as obras não nos
esquerdo, em direção das terras, uma teoria de interessavam mais. As razões delas se foram,
soldados que se mistura com a fumaça e a esquecidas durante o longo período de
vegetação. desafeição.
modo mecânico, sem compreender bem o que do futuro, as soluções anunciadoras de uma
ocorre, as atitudes que os debates do passado pintura que virá. As obras encontram-se, desse
faziam suscitar. Ainda hoje –mas, por sorte, modo, valorizadas a partir de critérios que lhes
num nível jornalístico não muito elevado– são exteriores, aplicados de trás para frente.
retoma-se, por exemplo, a velha história de O
grito do lpiranga, de Pedro Américo, do Museu Esta é uma forma ainda mais traiçoeira, pois
Paulista, ter sido uma cópia de A batalha de nos faz crer que estamos nos aproximando
Friedland, de Meissonnier, do Metropolitan desses artistas, quando, em verdade, estamos
Museum de Nova York, quadros que não percebendo e nos referindo a elementos
possuem relação evidente entre si, que se projetados neles, isto é, não aos critérios que
referem muito mais a um modo prototípico de presidiram à criação de suas obras, mas a um
tratar a questão e para os quais, em todo caso, a construto, um fantasma, que os substitui. O
noção de cópia ou imitação servil é inteiramente ante-fixo pré, por exemplo, possui armadilhas
descabida. por vezes definitivas. Porque raramente designa
apenas uma anterioridade: ele faz com que um
Gonzaga Duque tem razão, do ponto de vista conjunto de obras e de acontecimentos deixe de
moderno, em seu ataque violento ele toma adquirir sentido em si próprio para definir-se
partido por uma certa concepção artística nova, através do futuro, ele faz esquecer que os
que vinha se afirmando. Durante muito tempo critérios culturais presentes à criação existiam
vivemos dentro dessa mesma polêmica, mas numa coerência especifica, numa complexidade
depois de a arte “acadêmica” ter sido vencida, onde o pensamento e o sensível se misturaram
podemos nos interrogar sobre ela e nos de maneira singular.
surpreendermos com a riqueza das respostas.
Basta colocar as questões adequadas. É É legitimo buscar nas obras e nos momentos
bobagem acusar uma bananeira de não produzir artísticos o seu passado: os criadores dos quais
mangas. eles derivaram servem-lhes de raízes. É, ao
contrário, enganoso construir-lhes um futuro, e
Como vencer os escolhos de uma análise que adivinhar neles aquilo que não podiam prever.
exige os próprios meios mentais da cultura na
qual o artista encontrava-se banhado? Buscando Geral e particular
alimentar-se dessa cultura. Por onde Meirelles,
Pedro Américo, Alexandrino ou Almeida Júnior Há outro ponto que se insere no elenco destas
passaram em sua formação? Que tipo de leitura atitudes mais fecundas para o estudo de nosso
podiam ter? Que contatos intelectuais? No patrimônio artístico do século XIX. Desde o
nosso meio –sem querer esgotar a lista e citando início deste texto insistimos sobre a importância
apenas dois nomes muito elevados e muito do olhar. Ele é essencial para a arte de qualquer
caros– Alexandre Eulálio e Gilda de Melo e período e de qualquer paiz, mais ainda para o
Souza7 ofereceram alguns dos estudos mais século XIX, diante do qual os velhos
exemplares para se compreender a maneira preconceitos ainda não desapareceram de todo.
como a arte do século XIX pode ser estudada, No caso do Brasil, entretanto, ele adquire um
com amplidão, pertinência e profundidade. papel ainda mais pertinente e, no atual estado
das coisas, eu diria mesmo, subversivo.
Finalismo
Aqui, devo arriscar uma generalização, que me
Atentar, porém, para um outro tipo de parece, no entanto, importante. O saber
recuperação insidiosa que esta pintura pode brasileiro, no século XX, adquiriu uma
sofrer é muito necessário: o de ser considerada predominante “intelectual”, em detrimento de
como “precursora”. Podemos ter, por exemplo, uma postura propriamente cultural. É o triunfo
uma alta estima pelo “modernismo”, e das chamadas “ciências humanas” que vão, cada
julgarmos baixos os critérios estéticos do que vez mais, revelando-se menos e menos ciências
chamamos “academismo”. A isto se associa uma e, menos e menos, humanas. Mas essa
concepção teleológica da história da arte, muito formação, trazida em grande parte pela
presente ainda, na qual se insere a idéia de universidade moderna, acreditava-se mais que
progresso. Buscamos, então, em Pedro Américo rigorosa: ela se tomava por verdadeira.
ou Victor Meirelles, para recuperá-los, os sinais
A verdade é o carma dessas “ciências humanas” uma tradição de ensaios com resultados
que trazem chaves para interpretações fulgurantes –basta pensar n’Os sertões ou em
pretensamente objetivas. A relação com a Casa grande e senzala–,9 mas que é pobre na
cultura, mais difusa, pessoal, que se vincula a busca sistemática do particular. Essas intuições,
trajetórias de vida, que lida com intuições, era iluminadoras, não podem ser a regra. Urge um
vista com desprezo. Até hoje, no Brasil, fala-se, trabalho metódico, indutivo, que saiba organizar
por exemplo, numa crítica “teórica” e numa os detalhes para deles extrair, pouco a pouco, o
outra, “impressionista” –divisões que só se geral. Isto viria enriquecer entre nós –como
justificam pela separação tácita que eu evoquei acontece nas culturas de grande tradição
acima. Esse clima de preconceitos em relação à analítica– as percepções, controlaria os insights
cultura valorizou a “teoria”; na verdade, a dos ensaios, introduziria um debate seguro.
leitura de alguns poucos livros onde se acredita
encontrar as chaves para a compreensão do A tendência de muitos dos nossos estudos sobre
mundo. Tenho a impressão, por exemplo, que as a arte –e particularmente a do século XIX– é a
teorias sobre as artes acabaram ficando, nos da generalização. Não é muito fácil, a não ser em
meios acadêmicos, mais importantes do que as certas publicações universitárias brasileiras
próprias obras. O trabalho longo, paciente, às mais especificas (felizmente elas vêm
vezes desordenado, mas prazeroso, de ler aumentando em número), encontrar um lugar
romances, ver quadros, ouvir música, torna-se onde publicar o resultado de pesquisa específica
secundário em relação a esquemas sobre uma obra, sobre uma questão. Falando
interpretativos, necessariamente muito pobres. por experiência pessoal: os convites para
conferências, para artigos, para cursos,
Os grandes estudos ditos “sociológicos” em arte, solicitam, na esmagadora maioria, “visões
aqueles que realmente compensam a leitura – panorâmicas”, como se o geral não pudesse ser
penso no alto nível de um Michael Baxandall,8 pensado partindo do particular, como se, por
por exemplo–, não são feitos com “metodologia exemplo, o estudo de uma obra trouxesse uma
científica”: são uma mistura de intuições, de visão estreita das coisas.
cultura imensa, de percepções muito secretas
sobre as relações entre os seres humanos e os Ora, entender de verdade as artes é saber vê-las
objetos artísticos. na sua complexidade concreta. Isto, para o
século XIX, surge como definitivamente
Há uma evidente sedução em métodos essencial. Tentei mostrar como estamos num
aparentemente objetivos, em estatísticas, em processo internacional de revisão desse período,
levantamentos numéricos. Ou nas convicções do carregado de preconceitos. Para desen-
que imaginamos ser os determinismos de classe volvermos os estudos que busquem dar a esse
ou de instituições –“gosto burguês”, “critérios universo artístico sua plena significação, não há
oficiais”. Eles oferecem uma agradável dúvida, é preciso partir da obra.
impressão de segurança e de certeza. O hic está
no fato de ela ser inteiramente falaciosa. O A teia e a aranha
impacto de uma obra, sua força interna, a
capacidade de agir sobre outros criadores, que Resta um ponto a considerar e que deriva de
multiplicarão, de maneira muitas vezes indireta nossa trajetória ideológica. O século XIX
e não explícita, a força dos protótipos, é inventou uma história brasileira. Ela ergueu-se
impossível de medir por números ou pelas dentro de um clima cultural nacionalista, que
formas simplificadas daquilo que se imagina ser teve configurações diferentes, mas que
uma compreensão ideológica. Quando muito, permaneceu até o século XX, reforçado pelo
alguns desses estudos “cientificamente” Estado Novo. São mitologias que se pretendem,
sociológicos podem servir como apoio, outra vez, verdades.
secundário, para a compreensão das obras. No
entanto, eles não funcionam de maneira O olhar projetado pelo século XX sobre a cultura
primordial, para o que de mais importante a do período que o antecedeu, seja ele
história das artes pode trazer. “acadêmico” ou “moderno”, deu-se, quase
sempre, através de óculos nacionalistas. Trata-
O que há de mais difícil é fazer a junção entre o se de uma espécie de curto-circuito, já que
particular e o geral. Nossa história mental tem muito da arte do século XIX contribuiu para a
N0tas
¿Cómo citar correctamente el
1Lionello Venturi, Para compreender a pintura. De Giotto presente artículo?
a Chagall, Rio de Janeiro, Editora Estudios Cor, 1954.
2 Pierre Francastel, Histoire de la peinture française,
COLI, Jorge; “Pedro Américo, Victor
Paris, Denoël, 1990.
Meirelles, entre o passado e o presente”. En
3 Jacques Thuillier, Peut-on parler d’une peinture
caiana. Revista de Historia del Arte y
“pompier’?, Paris, PUF, 1984.
Cultura Visual del Centro Argentino de
4 Manuel Bandeira, “Pedro Americo e Victor Meirelles”, em