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(...

) este trabalho aprofunda substancialmente nossa compre-


ensão sobre a complexidade da escravidão moderna. Stanley
Engerman e Eugene Genovese, University of Rochester.

(...) esta tese mudou completamente a maneira de entender


a economia do Império. Maria Lígia Coelho Prado. Professora
emérita, USP.

(...) Até agora os historiadores consideravam a escravidão


brasileira como parte intrínseca e inseparável do setor expor-
tador; por isso evitamos nos confrontar com esse fenôme-
no. Martins Filho e Martins esfregaram nossos narizes nele.
Warren Dean, New York University.

(...) Roberto Martins tem contribuído muito para derrubar ver-


dadeiros mitos acerca da economia e demografia de Minas do
século passado. Douglas Libby, História UFMG.

(...) Roberto Martins [demonstra] o que parecia indemonstrá-


vel, desfazendo, de maneira veemente uma série de hipóteses
já cristalizadas como verdade em alguns dos melhores traba-
lhos de história econômica. José Roberto Amaral Lapa. Profes-
sor emérito, UNICAMP.

(...) as pesquisas e formulações teóricas de Roberto Martins fo-


ram o ponto de partida desta profunda revisão. Clotilde Paiva e
Marcelo Godoy, FACE UFMG.

ISBN 978-85-63449-08-5

9 788563 449085
Crescendo em silêncio:
A incrível economia escravista de Minas Gerais no século XIX
Roberto B. Martins

Crescendo em silêncio:
A incrível economia escravista de Minas Gerais no século XIX

ICAM - ABPHE
Belo Horizonte
2018
Título original: Growing in silence: the slave economy of nineteenth-century Minas Gerais, Brazil.
Tese de doutorado, Universidade de Vanderbilt, Nashville, 1980.

Publicação realizada através de convênio com o Ministério da Cultura – convênio 874626/2018.

Coordenação Editorial: Lucilene Rodrigues


Revisão: Maria do Carmo Salazar Martins
Projeto gráfico e capa (sobre imagens de Debret): Sérgio Luz
Editoração eletrônica: Alan David Vasconcelos

M386

Martins, Roberto Borges

Crescendo em silêncio: a incrível economia escravista de Minas


Gerais no século XIX / Roberto B. Martins. – Belo Horizonte: ICAM: ABPHE,
2018.
632 p.: Il. tabs., gráfs.; 18 cm.

Inclui bibliografia.

ISBN 978-85-63449-08-5

1. Trabalho escravo – Minas Gerais – Séc. XIX 2. Minas Gerais –


Condições econômicas – Séc. XIX I. Título
CDD 326
CDU 326

ICAM
Instituto Cultural Amilcar Martins

ABPHE
Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica
Para Duca
ICAM – Instituto Cultural
Amilcar Martins

É
com grande entusiasmo que o Instituto Cultural Amilcar Martins se junta
à Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica para a
publicação de Crescendo em Silencio: a incrível economia escravista de Minas
Gerais no século XIX, de Roberto Martins, que contém a primeira edição integral,
em português, da importante tese Growing in Silence: the Slave Economy of Ninete-
enth-Century Minas Gerais, Brazil, defendida pelo autor na Universidade de Van-
derbilt, nos Estados Unidos, em 1980.
Apesar de até hoje só ter sido divulgado por meio de artigos, seminários e con-
gressos, o trabalho de Roberto Martins tornou-se leitura e referência obrigatória
para os estudiosos da escravidão no Brasil, especialmente para aqueles interessados
na história da província de Minas Gerais. É considerado um verdadeiro divisor de
águas, não apenas por sua reinterpretação da história de Minas, mas também por
desafiar, com sucesso, a visão tradicional, até então dominante na historiografia
brasileira e internacional, de que a escravidão só teve viabilidade nas economias
exportadoras de produtos primários.
Há quase 40 anos, as teses defendidas por Roberto Martins têm estado no cen-
tro de um debate acadêmico internacional sobre a origem da população escrava e a
própria natureza da economia mineira do século XIX, que foi iniciado nas páginas
da prestigiosa Hispanic American Historical Review, e se prolonga até os nossos
dias, enriquecendo cada vez mais a historiografia sobre a escravidão, sobre Minas
e sobre o Brasil.
Para nós do ICAM, que somos uma instituição dedicada a promover estudos e
pesquisas sobre a história e a cultura de Minas, não há como exagerar a importân-
cia da presente publicação, que certamente terá grande impacto no conhecimento
sobre o nosso passado. Obrigado, Roberto, por esse livro que já devia estar entre
nós há muitos anos, e que é muito benvindo agora.

Letícia Martins Azeredo


presidente do ICAM
ABPHE – Associação Brasileira de
Pesquisadores em História Econômica

A
tese de doutorado de Roberto Borges Martins – “Growing in silence: the
slave economy of nineteenth-century Minas Gerais, Brazil” - defendida em
1980 na Vanderbilt University, teve uma trajetória única no pensamento
social brasileiro. Texto muito citado e nem sempre lido, tornou-se referência obri-
gatória entre aqueles que estudam a economia brasileira no oitocentos e impôs
reflexões e inflexões no fazer historiográfico que até hoje são sentidas para a com-
preensão da importância que a escravidão teve na formação de nossa sociedade.
Orgulhosa de ter o professor Roberto como um dos seus mais antigos mem-
bros, e orgulhosa de participar, juntamente com o ICAM, da publicação de tão
importante obra, a ABPHE reafirma seu compromisso de apoiar e difundir estudos
que, ao deslindarem nosso passado, contribuam ativamente para a discussão crítica
de nosso presente.

Luiz Fernando Saraiva


presidente da ABPHE
Agradecimentos

A
milcar Vianna Martins, foi o pai mais generoso do mundo. Homem pobre
de dinheiro – viveu e criou seus nove filhos com o salário de professor –
nunca teve nada de seu, para que pudéssemos ter tudo. Sem nenhum luxo
e com muita luta, nos deu tudo o que realmente importa, principalmente uma edu-
cação de qualidade, e uma casa cheia de livros.
Médico, biólogo, e cientista, tinha uma vasta cultura humanista e era um incan-
sável lutador pela democracia, no Brasil e no mundo. Voluntário na FEB, lutou con-
tra o nazismo na Itália. Sua militância pela justiça social o levou a ser perseguido
pela ditadura militar de 64.
Era apaixonado pela UFMG, onde se formou em medicina aos 22 anos, e foi
professor durante mais de quatro décadas. Só se afastou dela por alguns momentos,
para dirigir instituições nacionais de pesquisa, ou quando, cassado em 1969 pelo
AI-5, teve de encontrar trabalho em outros países. Voltou como Professor Emérito,
em 79, e retomou suas pesquisas até morrer, anos depois, vítima do mal de Chagas,
que o pegou no campo de trabalho. Hoje é nome de um auditório na Faculdade de
Medicina, de uma rua no campus e do prédio do Instituto de Ciências Biológicas, o
que o deixaria muito feliz, porque estas eram as suas casas.
Sem nunca o ter dito, incutiu em todos nós – talvez excessivamente – a ideia de
que o dinheiro não vale nada, que a única coisa que importa é estudar, e pesquisar,
e viver a academia – de preferência na UFMG. Gosto de pensar que tentei seguir
esse caminho. Queria que ele estivesse aqui agora, e em sua homenagem publico
esse livro através do ICAM, instituto cultural que leva o seu nome.
Minha mãe, Beatriz, era uma mulher culta e carinhosa, que cuidou de nós – tam-
bém excessivamente – até o dia em que morreu, perfeitamente lúcida, aos 97 anos.
Desenhava, e pintava muito bem, bordava e fazia ótimos doces. Lia muito, escreveu
um livro, e nos obrigava a levantar cedo para não perdermos nenhuma aula.
Meus irmãos e irmãs, Lúcia, Renato, Ângela, Eliana, Sérgio, Amilcar, Letícia e
Eduardo, completaram o ambiente alegre, seguro e inteligente, no qual tive a feli-
cidade de crescer. Sou muito grato a todos, por serem do jeito que são, ou que
foram, e por formarem, com seus maridos, mulheres, filhos e netos, uma família
maravilhosa.

Graduei-me em economia na UFMG, e tornei-me professor da Face, por con-


curso público, com 23 anos, em 1971. No ano seguinte surgiu uma oportunidade de
fazer pós-graduação nos Estados Unidos. Fui aceito na Universidade de Vanderbilt,
mas faltava resolver o problema do dinheiro. As bolsas que pedi à Capes e ao CNPq
foram recusadas, e com muito custo consegui saber que o problema era político.
Meu pai tinha sido cassado pouco antes, junto com outros professores e pesquisa-
dores de esquerda, da UFMG, da USP, da UFRJ, de Manguinhos, e de outras uni-
versidades. As “autoridades” diziam que eu tinha “ficha no DOPS”. Anos depois,
com a divulgação dos arquivos da repressão pelo Arquivo Público Mineiro, fiquei
sabendo que tinha mesmo. Meu “prontuário”, de nº 10.107, é um atestado da estu-
pidez da ditadura, pois diz que eu era, ao mesmo tempo, do Partidão e da AP (da
esquerda católica), que eram inimigos mortais no movimento estudantil. Absurdo
total – eu era só do Pecezão – mas a tal ficha me custou as bolsas.
Fui socorrido pelo Professor Werner Baer, de Vanderbilt, e pela UFMG. Wer-
ner me conseguiu uma bolsa da Ford Foundation, para pagar as passagens de ida
(minha e da Duca, já éramos casados), e as tuition and fees da universidade. O
departamento de economia, a Face e a reitoria da UFMG concordaram em me dar
licença remunerada e continuar pagando meu salário de “auxiliar de ensino”. O
dinheiro era pouco, e era em cruzeiros. Nossa vida oscilava com o câmbio – cada
desvalorização era um susto, uma maxi em 79 quase nos fez passar fome. Mas aos
25 anos tudo é festa – o Simonsen desvalorizava o cruzeiro, a gente comia macar-
rão, e a vida seguia em frente. Voltei doutor, Duca voltou mestre.
Sou profundamente grato por isso ao meu departamento, à minha faculdade, e
aos reitores Marcelo de Vasconcelos Coelho, Eduardo Osório Cisalpino e Celso de
Vasconcelos Pinheiro que, mantendo a tradição de resistência da UFMG, desobe-
deceram à ditadura e viabilizaram meu doutorado.
Agradeço também, de todo coração, a Werner Baer, a quem devo a aceitação em
Vanderbilt e a bolsa da Ford, e de quem me tornei grande amigo, até sua morte, em
2016. Depois fiquei sabendo que não fui o único a receber esse socorro. Academica-
mente, Werner era aberto a todas as ideologias, e a todas correntes de pensamento.
Pessoalmente não era um homem de esquerda, mas ficou conhecido por ajudar
pessoas atormentadas por ditaduras, em vários países. Ajudou Celso Furtado, per-
seguido no Brasil, a conseguir uma posição em Yale. Em Vanderbilt fui colega e
amigo de José Almino Alencar, filho de Miguel Arraes, que também fora para lá
ajudado por ele. Fui também contemporâneo de vários hispano-americanos resga-
tados por ele das horrorosas ditaduras da América Central daquele tempo. Logo
depois de 1973 começaram a chegar alguns chilenos. Em 1977, foi a vez do meu
irmão Amilcar, que já tinha sido preso e julgado duas vezes por tribunais militares,
e vivia na corda bamba, sempre com risco de novas prisões. Werner viabilizou sua
ida para Illinois onde, com grande ajuda de Joseph Love, conseguiu recursos para
financiar seu doutorado e sua manutenção.
Por várias razões, sou também muito agradecido a meu sogro, Guttenberg
Salazar Júnior. Assim como meu pai, ele era médico, funcionário público e pobre.
Acho que foi a pessoa mais bondosa que conheci. Ajudava todo mundo. Tratava de
graça do pessoal da favela vizinha de sua casa. Era um homem simples e corajoso.
Nos anos de chumbo, costurava, engessava e remendava, escondido, militantes da
esquerda clandestina que, feridos pela repressão, não podiam aparecer nos hospi-
tais. Além de ser um grande sogro e um grande amigo até morrer, o Gute, mesmo
sendo apenas remediado, nos ajudou financeiramente várias vezes, durante o dou-
torado, quando a coisa apertava.

Qualquer estudante de economia que tenha passado por Vanderbilt no terceiro


quartel do século XX guarda uma forte lembrança de Nicholas Georgescu-Roegen,
um romeno de maus bofes, com quem fiz cursos de advanced statistical methods e
de teoria econômica avançada. Era um matemático e estatístico da pesada, foi aluno
de Karl Pearson e de Joseph Schumpeter, e tornou-se um economist’s economist
mundialmente respeitado. Foi um importante teórico heterodoxo da economia,
precursor de concepções revolucionárias, e criador da bioeconomia ou economia
ecológica. Era também um exímio torturador de estudantes, mas me dei muito bem
com ele, e tirei notas excelentes em todos os seus cursos, onde aprendi o pouco que
sei de estatística. Georgescu escreveu que eu tinha “levado encantamento às suas
aulas” – “a student who brought delight in my classes” – e achava que eu deveria me
tornar um economista teórico. Sou muito feliz por não ter seguido seu conselho.
Rudolph Blitz, meu professor de história econômica, era austríaco e tinha os
erres mais rascantes que já ouvi. Dizia que nunca mais voltaria para a Áustria, por-
que, de um país de artistas, ela havia se transformado em um país de innkeeperrrrs.
Tornei-me amigo dele – eu era o único estudante do doutorado em economia que
fazia um field em história econômica, e ele era o único professor de história do
departamento de economia. Com Rudi Blitz fiz bons cursos de história econômica
da Europa e dos Estados Unidos, além de vários cursos de leituras sobre escravidão
no Caribe, economia da escravidão, questões metodológicas em história econô-
mica e outros.
James Wesson era um fantástico professor do Departamento de Matemática,
onde fiz os cursos do meu outro field. Escreveu um belo livro de álgebra linear,
e fui da turma de cobaias, onde esse livro foi testado. Fiz com ele dois cursos de
matrizes e sistemas lineares, nos quais, sem nenhuma frescura, me fez ver como a
matemática pode ser bonita e prazerosa. Até aprendi um pouco.
Agradeço também a Paula Covington, das Joint University Libraries, em Vander-
bilt. Mrs. Covington era a bibliotecária especializada em assuntos latino-americanos,
e me ajudou, incontáveis vezes, a encontrar, em bibliotecas do país inteiro, os livros
raros e os artigos que eu precisava para a pesquisa da tese, e não encontrava em
Vanderbilt. Fiquei emocionado ao saber, no ano passado, por meio de Marshall
Eakin e Jane Landers, que Mrs. Covington continua lá, em seu posto, ajudando
estudantes in distress.
Samuel Morley era um excelente professor de Macroeconomia e foi meu orien-
tador na tese. Já tínhamos um ótimo relacionamento antes, e ao longo do traba-
lho nos tornamos muito amigos. Sou-lhe muito grato pela liberdade, pela atenção,
pelas muitas horas de conversa, e pelas críticas e sugestões com que enriqueceu
meu trabalho.
Além de Morley e Blitz, também fizeram parte da banca da tese, os professores
Andrea Maneschi e William Thweatt, do Departamento de Economia, e Eul Soo
Pang, do Departamento de História, aos quais agradeço por seus comentários, crí-
ticas e sugestões.

Eustáquio José Reis é meu amigo desde 1959, no Colégio Estadual e depois na
faculdade. Nossa amizade resistiu (talvez por isso mesmo) ao fato de morarmos
em cidades diferentes desde 1970. Resistiu aos quatro anos em que trabalhamos
juntos no IPEA (ele no Rio e eu em Brasília). Resistiu até mesmo ao grande cisma
político que rachou o Brasil nos últimos anos. Além de amigo, o Bola é um pre-
cioso interlocutor, tanto para bobagens quanto para conversas sérias. É para ele que
pergunto todas as (muitas) coisas de macroeconomia, de econometria, e de vários
outros assuntos que não sei. Foi ele que me apresentou, em 1974, quando estudava
no MIT, à hipótese de Domar sobre as causas da escravidão, através da qual cheguei
a Wakefield, Merivale, Nieboer, Kloosterboer, e aos outros membros da família de
teorias que ocupa um lugar importante na minha tese e, até hoje, no meu entendi-
mento da instituição da escravidão. Sou grato a ele, por isso e pelos quase 60 anos
de amizade.

Agradecimentos atrasados mais de trinta e quarenta anos correm o risco de


omitir alguém pelo esquecimento. Mas têm a vantagem de permitir manifestar gra-
tidão não só pelo que aconteceu antes e durante, mas também por coisas que vie-
ram depois do doutorado e da tese pronta.
Ao professor José Jobson Arruda, agradeço pelo grande empenho que teve, há
alguns anos, quando editor-chefe de uma grande editora universitária, em publicar
esta tese. De sua iniciativa resultou uma primeira versão da tradução que, revista e
modificada por mim, serviu de base para a tradução atual.
Meu irmão, Eduardo Borges Martins, ajudou muito na edição dos originais
desta versão.
Agradeço de coração aos colegas que receberam Growing in Silence e suas novi-
dades com aprovação, principalmente àqueles que manifestaram calorosamente
essa aprovação em seus escritos. O aplauso aquece o coração, mas a boa crítica
também merece gratidão. É ela que desafia, provoca e faz o conhecimento avançar.
Com o mesmo coração, agradeço aos colegas que criticaram vários de seus aspec-
tos, severamente algumas vezes, mas sempre nos limites da boa educação e da ética
acadêmica. Douglas Libby, Robert Slenes, Clotilde Paiva, Marcelo Godoy, muito
obrigado. Vocês não fazem ideia do quanto me fizeram pensar, estudar, pesquisar
e progredir.

O ICAM – Instituto Cultural Amilcar Martins, é o mais importante centro


de estudos e documentação bibliográfica sobre a história e a cultura de Minas. A
ABPHE - Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica, é a prin-
cipal organização científica brasileira na área de história econômica, e congrega o
que há de melhor no país no campo da pesquisa nessa disciplina. A parceria dessas
duas instituições de excelência para a publicação deste livro é motivo de muita
honra para mim. Agradeço à direção do ICAM através de sua presidente Letícia
Martins Azeredo, e à ABPHE, na pessoa de seu presidente Luiz Fernando Saraiva.
Por último, meus agradecimentos mais especiais.

Minha filha Mariana nasceu quando morávamos nos Estados Unidos. É brasi-
leira, mineira e belo-horizontina, porque quisemos que fosse assim, e a Duca veio
para o Brasil no final da gravidez. Mariana participou intensamente do meu dou-
torado. Frequentemente, ainda engatinhando, escalava minha mesa de trabalho,
bagunçava e amarrotava todos os papéis que encontrava. Uma vez sentou-se em
cima de um livro aberto, novinho em folha, e fez xixi. Mais tarde especializou-se
em rabiscar meus livros com aquelas canetinhas coloridas que não saem nunca
mais. Essays Concerning the Socioeconomic History of Brazil and Portuguese Índia,
editado por Alden e Dean, mijado e manchado, e The Destruction of Brazilian
Slavery 1850-1888, de Robert Conrad, um dos rabiscados, continuam nas minhas
estantes, me lembrando daqueles bons tempos. Quando defendi a tese, Mariana
tinha seis anos, hoje ela tem dois filhos, João Pedro, de 23, e Maria Clara, de 20, que
são meus netos muito queridos.

Amilcar Vianna Martins Filho, meu irmão menor, parceiro e sócio em aventu-
ras e trapalhadas desde a infância, teve um papel fundamental na história desta tese
e de suas inovações. Foi ele que, em 1979, analisou, pela primeira vez, a distribuição
dos escravos pelas paróquias de Minas Gerais no recenseamento de 1872, e che-
gou ao surpreendente resultado de que a grande maioria dos cativos não morava
nas paróquias cafeeiras da Zona da Mata. Me ligou, de madrugada, em Vanderbilt,
assustado com a descoberta. Não acreditei, achei que estava tudo errado – aquilo
era uma heresia que contrariava toda a historiografia conhecida. Todo mundo
sabia que a escravidão em Minas no século XVIII era o mesmo que ouro, e que,
no século XIX, em Minas e em todo o sul do Brasil, era sinônimo de café. Que era
impossível haver escravidão fora da grande lavoura exportadora. As contas foram
refeitas e trefeitas, conferidas e reconferidas. Então vimos que estávamos diante de
algo muito importante, que iria mudar a história da província. Eu trabalhava em
outro projeto – as diferentes transições regionais para o trabalho livre no Brasil,
pela ótica da hipótese de Wakefield – que já estava aprovado com todas as forma-
lidades. Convenci meu orientador da importância da descoberta, e trabalhei como
um alucinado durante um ano e meio para transformar o achado do Amilcar em
Growing in Silence, que defendi em outubro de 1980. Assim, devo a ele o ponto de
partida, que deflagrou toda a tese e muito do meu trabalho subsequente. Depois,
escrevemos e publicamos artigos em parceria, fizemos juntos muitas outras coisas,
e continuamos hoje, na velhice, as aventuras e as trapalhadas da infância.
Eu e Duca fomos juntos para Vanderbilt, e vivemos juntos todos os apertos e
alegrias dessa jornada. Me ajudou em tudo na tese, e foi um dos meus raros interlo-
cutores durante esse trabalho. Ela socióloga, eu economista, viramos historiadores
juntos. De volta ao Brasil nos tornamos parceiros em pesquisas, em artigos e em
publicações. Na vida, já éramos parceiros desde os meus dezessete, e os seus catorze
anos. A amo muito e não sei viver sem ela. Esse livro é para ela.
Introdução geral

E
ste livro é a tradução da minha tese de doutorado em economia, Growing
in Silence: The Slave Economy of Nineteenth-Century Minas Gerais, Brazil,
defendida na Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos, em outubro
de 1980.
Desde então, Growing in Silence foi apresentada e discutida em palestras, debates,
seminários e congressos, mas nunca foi publicada. Muito pouca gente leu o texto
completo. Até agora, ele só estava disponível, em inglês, na University Microfilms
International. Recebi uma vez, décadas atrás, um cheque de dezessete dólares, que
guardo como uma relíquia, pela venda de um único exemplar. A imensa maioria das
pessoas que dela tomou conhecimento o fez através de um artigo escrito em par-
ceria com Amilcar Martins Filho, publicado em 1983 na Hispanic American Histo-
rical Review ou, mais frequentemente, por meio do resumo A Economia Escravista
de Minas Gerais no século XIX, que circulou mimeografado. Esse pequeno texto foi
escrito em novembro de 1980 para ser submetido ao Encontro Nacional da ANPEC.
Foi recusado: uma senhora da Unicamp (Aureliana não-sei-de-que), deu bomba nele
dizendo que era de interesse apenas regional, e não nacional.
Malgré cela, a tese foi muito bem recebida, como comento adiante, pela comu-
nidade científica no Brasil e no exterior, e é considerada um divisor de águas na
interpretação da história econômica da província e do império, e um desafio a anti-
gos dogmas da historiografia internacional sobre a escravidão moderna. Growing
in Silence, e os artigos dela derivados, frequentam até hoje as listas de leitura aqui
e “lá fora”, recebendo muitas citações e comentários, e ainda gerando animados
debates.
Publiquei vários artigos e recebi propostas para publicá-la em livro, aqui e nos Esta-
dos Unidos, mas nunca as aceitei, porque achava que, apesar da boa acolhida dos pares,
o texto ainda não estava em condições de ser entregue ao prelo, que várias coisas pre-
cisavam ser consertadas. Eu não percebia que uma tese não é o único, nem o último
trabalho, mas apenas o primeiro. Que opera prima e obra-prima são duas coisas com-
pletamente diferentes.
Historiador calouro, demorei a entender que não poderia cometer o pecado
do anacronismo, corrigindo no documento de 1980, com conhecimento adquirido
anos depois, erros inerentes ao estado da arte e à minha própria ignorância na
época em que foi produzido. Que isso seria uma falsificação, e até um desrespeito
àquele estudante, de quem tenho muita saudade.
Assim, resolvi publicá-la agora exatamente como foi escrita, com todos os erros
e defeitos. E com todos os exageros de um doutorando, como todos, apaixonado
pela própria cria. Acrescentei apenas, no capítulo final, algumas notas importantes
que estavam prontas em 1980, mas não puderam ser incorporadas ao texto, no
sufoco para cumprir o deadline da defesa. Essa mesma correria impediu que eu
escrevesse até mesmo a clássica – e indispensável – seção de agradecimentos, que
acrescento agora. Suprimi alguns gráficos de difícil leitura, e acrescentei alguns
outros, bem simples, bem como umas poucas tabelas. Lembrando que naquela
época não existia Excel, e que o próprio microcomputador pessoal era uma coisa
desconhecida, é facil imaginar que fazer um gráfico era um luxo e um sofrimento.
Envolvia papel “milimetrado”, um monte de cálculos, e talentos de desenhista.
Depois tinha de ser recortado e colado no texto “datilografado”. Dá para entender
que a tentação agora é muito grande.
A tradução corrige também alguns erros formais, como referências erradas,
notas, tabelas e até páginas que estavam fora do lugar no manuscrito original e, é
claro, enseja algumas melhorias de estilo. Afinal, agora é a minha própria língua.
Mas a disciplina da história em geral, o conhecimento acumulado sobre a escra-
vidão e o tráfico no Brasil e no mundo, e sobre a história de Minas (em parte pelas
provocações geradas pela própria tese) mudaram tanto nessas quatro décadas, que
não posso deixar de registrar que tenho consciência dessas mudanças. Que não
fiquei congelado em 1980.
Para isso resolvi incluir um postscriptum, um longo comentário, que terminei
agora, em 2018. Aí sim posso corrigir, confessar erros, acrescentar dados, evidências,
leituras, rever posições e opiniões, sem afetar a integridade do texto original. Posso
incorporar livremente as novidades, as importantes contribuições de gente que não
tinha nem nascido em 1980, as novas tendências e as minhas próprias mudanças.
Esse comentário não é uma revisão da tese de 1980. São apenas notas soltas,
sem um roteiro definido. Nelas corrijo alguns erros – talvez cometa outros –
reafirmo a maioria das minhas posições antigas, radicalizo algumas, e modifico
outras tantas. Sugiro sua leitura, porque nessas notas relato revisões, para mim
importantes, na minha visão da história de Minas, particularmente sobre a eco-
nomia do século XVIII e a transição para o século XIX. Apresento principal-
mente a minha opinião atual sobre alguns temas que abordo na tese, e as críticas
que faço a mim mesmo, quarenta anos depois. Discuto alguma coisa de outros
autores, mas não trato de todas as controvérsias levantadas pelo meu trabalho.
Reservo alguns debates para espaços maiores e mais adequados. Espero refletir
nestas notas meu entendimento pessoal das mudanças cruciais que têm ocorrido
na visão geral sobre o passado de Minas nessas quatro décadas.
A primeira parte deste volume é composta pela tradução de Growing in Silence,
com o título de Crescendo em Silêncio: A Incrível Economia Escravista de Minas
Gerais no século XIX. A segunda parte, intitulada Quarenta anos depois, contém o
postscriptum, com as notas e comentários escritos em diferentes momentos e fina-
lizados em 2018.
Para poupar o leitor daquela chatice de ter de buscar a todo momento as refe-
rências e os comentários no final do capítulo, ou do livro, optei por colocar as
notas no rodapé das próprias páginas. Resolvi, também, para maior limpeza do
texto, agrupar todas as fontes, notas e explicações da metodologia das tabelas, que
normalmente ficam no pé de cada uma delas, em um apêndice específico. O estilo
que usei para as citações, com pequenas indisciplinas, é o notes-bibliography style,
conforme o Manual for Writers of Research Papers, Theses, and Dissertations, de
Kate L. Turabian, que era exigido em Vanderbilt e que decidi manter na tradução. A
primeira referência traz o nome e sobrenome do autor, na ordem normal, seguidos
pelo título completo da publicação em itálicos, o local da publicação, o editor, a
data da publicação e o número da página da citação, quando for o caso. Nas ocor-
rências subsequentes da mesma referência, apenas o último sobrenome do autor,
uma versão reduzida do título, e o número da página.
Para maior facilidade de consulta, acrescentei ainda, separadamente, ao final de
cada parte, a lista de referências bibliográficas, ordenadas pelo último sobrenome
do autor.
Sumário

Parte I

CRESCENDO EM SILÊNCIO:

A Incrível Economia Escravista de Minas Gerais no século XIX

Capítulo 1 - Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

Capítulo 2 - A escravidão no setor minerador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37


A corrida do ouro do século XVIII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
O setor minerador de ouro no início dos anos 1800 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
A mineração de diamantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
A primeira geração de companhias inglesas de mineração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
O emprego de escravos na mineração na primeira metade do século XIX . . . . . . . . . . . . . . 71
As companhias inglesas de mineração na segunda metade do século . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
O emprego de escravos na mineração na segunda metade do século XIX . . . . . . . . . . . . . . . 79

Capítulo 3 - A Escravidão no Setor Cafeeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89


O surgimento da cultura cafeeira em Minas Gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
A geografia do café em Minas Gerais no século XIX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
O trabalho escravo no café . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105

Capítulo 4 - População escrava, tráfico e manumissão em Minas no século XIX . . . . . . . . 135


A primeira metade do século XIX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
Do fim do tráfico africano ao Censo do Império . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154
A década de 1870 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172
A década de 1880 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187
Manumissão e o apego dos mineiros à escravidão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195
Capítulo 5 - Uma Economia Vicinal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199
Transformação estrutural durante o declínio da mineração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 200
Isolamento e autossuficiência no século XIX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206
Algodão e têxteis de algodão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 226
A indústria açucareira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 240
A indústria do ferro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243
A fazenda mineira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 248
Distribuição ocupacional da força de trabalho escrava . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 253
Uma ilha econômica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 256

Capítulo 6 - Conclusão: terra, camponeses e escravos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 259


A hipótese de Wakefield . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 263
A hipótese de Wakefield na história do Novo Mundo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 288
A hipótese de Wakefield e o fim da escravidão no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 308
Terra livre, camponeses livres e escravos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 317

Apêndice A - A População de Minas Gerais no século XIX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 321

Apêndice B - Estimativas do tráfico: Metodologia e resultados por município . . . . . . . . . . . 325

Apêndice C - Fontes, notas e metodologia das tabelas do texto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 347

Bibliografia e referências da parte I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 375

Lista das tabelas da Parte I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 395

Lista dos gráficos da Parte I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 399


Parte II

QUARENTA ANOS DEPOIS

Growing in Silence e a historiografia econômica do século XX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 403


A corrida aos arquivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 413
Repercussão de Growing in Silence . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 420
Muita água passou debaixo da ponte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 425
Voo quase solo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 426
Pecados veniais e pecados mortais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 429
Uma ilha econômica? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 435
O milagre dos porcos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 441
O porco e o rabo do porco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 465
O avesso da plantation . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 470
O xis do problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 490
Os quatro cavaleiros do falso apocalipse . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 492
Uma nova história de Minas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 504
Diversificação precoce . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 504
É a oportunidade que faz o sapo pular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 519
Pobreza de Minas ou pobreza da história? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 530
Fartura pra dar e vender . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 539
A importação de escravos nunca parou . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 541
A lenda da transferência de escravos para o café . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 551
A lenda das alforrias na crise do ouro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 570
O mito da articulação das economias da colônia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 575
O Rio é uma dádiva do Caminho Novo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 586

Bibliografia e referências da parte II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 597

Lista das tabelas da parte II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 623

Sobre o ICAM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 625

Sobre a ABPHE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 627

Sobre o autor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 629


Parte I

Crescendo em Silêncio:
A Incrível Economia Escravista de
Minas Gerais no século XIX
Capítulo 1 - Introdução

E
ste é um estudo sobre o maior sistema escravista regional que jamais existiu
no Brasil: o da província de Minas Gerais no século XIX. Durante todo esse
século a população escrava de Minas foi maior do que a de qualquer outra
província brasileira. Essa população não só era grande, mas era também vigorosa-
mente crescente: de aproximadamente 170 mil em 1819 passou para mais de 380
mil em 1873. Nesta última data, um quarto de todos os cativos do Brasil residia
em Minas, onde havia mais escravos do que em todas as dez províncias situadas
ao norte da Bahia mais as de Goiás, Mato Grosso e Paraná somadas. O plantel
mineiro era maior do que o de Cuba na mesma época, ou que o da Jamaica, princi-
pal colônia inglesa no Caribe, e um dos maiores produtores mundiais de açúcar no
século XVIII, em qualquer momento de sua história. Superava a população escrava
de qualquer sociedade escravista das Américas, em qualquer época, com exceção
dos Estados Unidos, do Brasil, de Cuba, ou de Saint Domingue (Haiti), nos seus
apogeus. As evidências disponíveis indicam que, como importadora de escravos,
Minas Gerais ocupou o segundo lugar dentre todas as regiões americanas nos anos
1800, sendo suplantada apenas por Cuba.1
Diante da óbvia importância desta região na história da escravidão moderna, é
espantoso verificar quão pouca pesquisa se tem feito sobre ela. Não existe um único
estudo sistemático do sistema escravista provincial mineiro. Os mais elementares
fatos e números, sobre os quais qualquer interpretação histórica deveria ser base-
ada, têm sido completamente ignorados ou grosseiramente distorcidos. Nenhum
estudo de abrangência nacional sobre a escravidão no Brasil do século XIX con-
tém mais do que referências sumárias a Minas Gerais. As fontes mineiras estão

1 Com exceção dos Estados Unidos e do Brasil, as maiores populações escravas da América foram: Cuba,
436.495 em 1841; Saint Domingue, 434.424 em 1789 e Jamaica, 345.252, em 1817. Franklin Knight.
Slave Society in Cuba During the Nineteenth Century. Madison: University of Wisconsin Press, 1970,
p. 22; David Cohen e Jack Greene (eds.). Neither Slave nor Free: The Freedmen of African Descent
in the Slave Societies of the New World. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1972, p. 337; B.
W. Higman. Slave Population and Economy in Jamaica, 1807-1834. Cambridge: Cambridge University
Press, 1976, p. 256.

29
inteiramente ausentes de todos esses trabalhos, mesmo de alguns mais recentes,
que são bem pesquisados e bem documentados a respeito de outras áreas.2
Isso não impediu, no entanto, que alguns autores tirassem (e proclamassem)
conclusões categóricas sobre a história de Minas Gerais. O resultado é que, fre-
quentemente, eles têm acrescentado mais à nossa ignorância do que ao nosso
conhecimento sobre o assunto, repetindo, sem nenhuma crítica, velhos equívocos,
ou criando alguns novos.
A escassez de pesquisas não se restringe à questão da escravidão. A economia e
a sociedade de Minas Gerais do século XIX, em geral, não receberam melhor tra-
tamento nas mãos dos historiadores. Exceto por seu próprio livro sobre a política
econômica do governo provincial, a queixa de Francisco Iglésias seria tão justifi-
cada hoje como há mais de vinte anos atrás, quando foi formulada: “É verdadeira-
mente chocante a ausência de bibliografia para essa fase: nada de estudos gerais,
pouco de aspectos. A vida provincial mineira ainda não existe como tema para o
historiador.”3
Parte da culpa deve ser atribuída aos próprios mineiros. A maioria dos histo-
riadores locais se deixou fascinar inteiramente pelo esplendor da “idade do ouro”, o
século XVIII, quando Minas era o centro do império português. A República Velha
trouxe nova proeminência para o estado no cenário político nacional, e também
tem tido seus cultores. Assim, a capitania e o estado receberam uma razoável aten-
ção, mas a província foi completamente ignorada.
O trabalho acadêmico estrangeiro, a cujo olhar culturally unbounded a historio-
grafia de outras partes do Brasil deve, em anos recentes, várias revisões e insights
importantes, ainda está por prestar uma contribuição positiva para a história pro-
vincial de Minas. Por enquanto, nessa área sua presença tem significado mais atrasos
do que avanços, pois a maioria dos Brasilianistas estrangeiros, apesar de suas poucas
incursões pelo tema, também tem ajudado a propagar noções distorcidas sobre esse
período da história mineira.
O principal obstáculo para um melhor entendimento de Minas no século XIX
tem sido, entretanto, uma distorção legada pelo colonizador e ainda profunda-
mente arraigada na historiografia econômica do Brasil, qual seja, a noção de que a

2 Veja, por exemplo, Robert Conrad. The Destruction of Brazilian Slavery, 1850-1888. Berkeley: University
of California Press, 1972; Robert W. Slenes. The Demography and Economics of Brazilian Slavery, 1850-
1888. Tese de doutorado, Stanford University, 1975; Robert Brent Toplin. The Abolition of Slavery in
Brazil. New York: Atheneum, 1972.
3 Francisco Iglésias. Política Econômica do Governo Provincial Mineiro, 1835-1889. Rio de Janeiro: MEC/
Instituto Nacional do Livro, 1958, p. 11. Esse trabalho foi escrito em 1953.

30 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


exportação é a única coisa que interessa. De um modo geral, a evolução econômica
do país é descrita como uma série de “ciclos de exportação”: açúcar no nordeste nos
séculos XVI e XVII, ouro em Minas no século XVIII, café no sudeste no século XIX
e no começo do século XX.
Em qualquer desses períodos as regiões que não participavam da atividade
exportadora são sumariamente descartadas como decadentes, estagnadas e indig-
nas de estudos e pesquisas. É negada a elas uma identidade econômica própria:
são tratadas, no máximo, como periféricas, ou “dependentes”, ou meros coadjuvan-
tes dos setores de exportação. Se nem essa conexão puder ser estabelecida, a área
recebe o mais reles de todos os rótulos possíveis – “economia de subsistência” – e
fica condenada ao esquecimento.4
A pouca atenção que se dedicou à Minas Gerais do século XIX se concentrou
no setor exportador (cafeeiro) da província. Mesmo isso não significa, entretanto,
que se tenha pesquisado muito sobre ele: a maioria dos historiadores da escravidão
no Brasil, brasileiros e brasilianistas, têm se contentado em projetar sobre Minas
Gerais suas teses e interpretações sobre São Paulo e o Rio de Janeiro. O tratamento
típico consiste em incluir Minas num pacote rotulado de “províncias cafeeiras”,
pesquisar e discutir a história das duas vizinhas, e supor que o caso mineiro siga
o mesmo roteiro, por analogia. Assim, como se sabe que naquelas províncias a
sobrevivência e o crescimento da escravidão, no século XIX, pode ser atribuído
ao desenvolvimento do setor cafeeiro, aceita-se como ponto pacífico que isso vale
também para Minas Gerais.
As linhas principais da interpretação dominante podem ser resumidas da
seguinte maneira: no século XVIII, devido às descobertas de ouro e de diamantes,
um grande contingente de escravos se concentrou em Minas Gerais. À medida que
o boom minerador foi se esvaindo os escravos foram se espalhando pelo interior,
retirando-se com seus senhores para o setor de subsistência, onde se tornaram eco-
nomicamente “redundantes” ou “sub-utilizados”. A economia regional entrou em
um período de dormência até ser despertada pelo surgimento do setor cafeeiro,
algumas décadas mais tarde. Os escravos foram então transferidos em massa para
as áreas cafeeiras, que se tornaram o baluarte do sistema escravista provincial.

4 Um dos mais importantes trabalhos nessa linha é o conhecido livro de Celso Furtado, Formação
Econômica do Brasil, cuja primeira edição é de 1959. O tratamento de Furtado sobre Minas Gerais,
especialmente das transformações econômicas ocorridas depois do ciclo do ouro, é particularmente
inepto.

PARTE I - CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO


31
As regiões não-cafeicultoras de Minas, apressadamente reunidas sob o rótulo
de “áreas mineradoras decadentes”, são apresentadas como um reservatório de tra-
balho escravo não só para a própria zona cafeeira mineira, mas principalmente
para as de São Paulo e do Rio de Janeiro. Tem-se argumentado que essas áreas
não-cafeeiras eram menos comprometidas com a escravidão do que as zonas de
plantation e que a “manumissão se tornou claramente mais extensa (...) no velho
estado minerador de Minas Gerais do que no Rio de Janeiro e em São Paulo”.5
Em resumo, a tendência geral da historiografia dominante é afirmar que em
Minas, assim como em São Paulo e no Rio de Janeiro, o café “explica” a evolução
da instituição servil nos anos 1800. A maioria dos historiadores parece ter aceito
literalmente o argumento do cearense Capistrano de Abreu de que “o Sul, basica-
mente, é São Paulo”.6 As raras vozes discordantes, como a de Daniel de Carvalho,
que lutou tenazmente contra a obsessão plantacionista-exportadora da historio-
grafia brasileira e pelo reconhecimento da identidade histórica de Minas no século
XIX, permaneceram totalmente ignoradas.7
As conclusões apresentadas nesta tese estão em aberto confronto com a inter-
pretação resumida acima. No capítulo 2 demonstramos que, no começo do período
estudado, a fase mineradora da história mineira já estava em grande parte encer-
rada. Durante o século XIX a mineração foi um setor menor na economia provin-
cial. Em particular, sua importância como empregador de escravos era muito limi-
tada. Mostra-se também que a população escrava existente em Minas no começo
do século não era uma herança do ciclo do ouro, mas sim o resultado de importa-
ções recentes não motivadas pela mineração.
No capítulo 3 analisa-se o setor cafeeiro de Minas. Aí argumentamos que a
associação entre escravidão e cultura de café ou, na verdade, entre escravidão e

5 Os principais trabalhos dos quais foi extraído este sumário são referidos nos lugares apropriados do
texto, onde aparecem as citações específicas. A citação sobre manumissões é de Thomas Merrick and
Douglas Graham. Population and Economic Development in Brasil, 1800 to the Present. Baltimore: The
Johns Hopkins University Press, 1979, p. 70. Apenas como uma curiosidade, observe-se o equívoco da
expressão “o velho estado minerador”. Minas Gerais é seguramente um dos “estados” mais jovens do
Brasil, pois só foi colonizado no século XVIII.
6 A citação é da introdução de Capistrano de Abreu à Geografia Geral do Brasil, de Alfred W. Sellin. Rio
de Janeiro, 1889. Para um nordestino como Capistrano, o “sul” significa tudo que se situa ao sul da
Bahia.
7 Veja Daniel de Carvalho. Formação Histórica das Minas Gerais. In: Universidade de Minas Gerais.
Primeiro Seminário de Estudos Mineiros. Belo Horizonte: Imprensa da UMG, 1957, especialmente p.
25; Ensaios de Crítica e História. Rio de Janeiro: edição do autor, 1964; Estudos e Depoimentos (1ª.
série). Rio de Janeiro: José Olympio, 1953; e Estudos de Economia e Finanças. Rio de Janeiro: Livraria
Agir Editora, 1946.

32 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


qualquer tipo de plantation exportadora, não tem, nem de longe, a importância que
se costuma atribuir a ela. Até a metade do século a indústria cafeeira mineira era
muito pequena e seu crescimento não pode, de forma alguma, explicar o grande
aumento da população escrava no período. Nas quatro décadas seguintes o setor
se expandiu rapidamente e atingiu um tamanho absoluto considerável. No entanto,
mesmo no seu apogeu no período imperial, era pequeno em comparação com o
conjunto da economia provincial e empregava somente uma fração de sua força
de trabalho servil. A vasta maioria dos escravos mineiros permaneceu, mesmo nos
anos finais do regime, fora da plantation exportadora. Nos anos 1870 o número de
escravos não ocupados na agricultura de exportação ou na mineração em Minas
Gerais, era maior do que a população escrava total da maioria das sociedades escra-
vistas do Novo Mundo em qualquer momento de suas histórias.
O crescimento da população escrava mineira no século XIX e a participação
da província no tráfico de escravos são estudados no capítulo 4, onde mostramos
que Minas não foi um fornecedor de trabalho cativo para outras áreas, mas, pelo
contrário, um grande importador líquido durante a maior parte do século, o maior
entre as províncias brasileiras.
Nas décadas de 1870 e 1880, o tráfico de escravos é analisado no nível dos
municípios: as estimativas apresentadas demostram que a ideia de que a zona cafe-
eira estava exaurindo a população servil do restante da província não tem nenhuma
base empírica. Nessa época, a região cafeeira foi, de fato, a principal importadora
de cativos, mas um grande número de municípios não-cafeicultores também apre-
senta saldos importadores positivos. A análise dos dados disponíveis sobre as alfor-
rias mostra que, ao contrário das teses convencionais, Minas Gerais tinha as mais
baixas taxas de manumissão do país durante quase todos os anos para as quais tais
taxas podem ser computadas. As evidências sobre o tráfico, a manumissão e os pre-
ços de escravos, não sugerem nenhuma diferença no comprometimento das duas
partes da província com o regime servil: com base nesses dados pode-se afirmar
que ambas se apegaram tenazmente a ele até o fim.
No capítulo 5 mostramos que o grosso da economia mineira, onde a grande
maioria desses escravos era empregada, não era constituido por plantations nem
era orientado para a exportação. Isolamento dos mercados externos, diversificação
e autossuficiência eram suas principais características. Minas tinha o mais baixo
nível de exportação per capita do país e, fora da região cafeeira, esse nível diminuiu
em termos reais ao longo do século. A agricultura plantacionista exportadora per-
maneceu restrita a uma pequena área e teve pouco impacto sobre a vida econômica

PARTE I - CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO


33
do resto da província. A essência da economia provincial consistia em unidades
agrícolas internamente diversificadas – grandes propriedades, fazendas, sítios ou
pequenas roças8 – produzindo para seu próprio consumo ou para a venda em mer-
cados locais, e, em muitas áreas da província, apenas parcialmente integradas em
uma economia monetária.
Mas sendo, por sua própria natureza, menos visível, e deixando relativamente
poucos registros para a posteridade, esse vasto complexo agrícola foi ignorado
pela maioria dos historiadores. A produção para a subsistência e para o comér-
cio local não gera, dentro do contexto institucional e ideológico de uma econo-
mia exportadora como a do Brasil do século XIX, fluxos de comércio e de receitas
tributárias (ou mesmo estradas de ferro e baronatos) tão claramente perceptíveis
como a monocultura exportadora. Não estando conectado às oscilações típicas dos
mercados internacionais, esse sistema econômico não era susceptível a booms ou
a depressões espetaculares. Assim, talvez fosse natural que alguns atores contem-
porâneos desprezassem esses tipos de atividades, ou que simplesmente não conse-
guissem perceber sua extensão e importância, mas os mesmos enganos são menos
desculpáveis em um historiador moderno.
Embora a agricultura fosse o principal campo de emprego da força de trabalho
servil no século XIX, os escravos de Minas eram também usados em uma variedade
de outras ocupações, incluindo uma ampla gama de ofícios e atividades manufatu-
reiras. Em algumas delas, como têxteis de algodão ou fundição de ferro, o uso de
trabalho servil parece ter sido considerável. As ocupações dos escravos eram cla-
ramente mais diversificadas em Minas do que nas verdadeiras províncias cafeeiras,
como o Rio de Janeiro e São Paulo.
A maioria dos historiadores se apegou tanto à ideia da associação entre o traba-
lho forçado e o sistema de plantation, que a simples menção da escravidão no Novo
Mundo lhes traz automaticamente à mente as ilhas-fábrica de açúcar do Caribe, as
plantações de algodão do Old South dos Estados Unidos, e as fazendas de café ou os
engenhos de açúcar do Brasil. A existência de “um produto cujo cultivo exige com-
binação e organização de trabalho em larga escala” e fortes conexões com mercados
internacionais ou, em uma palavra, a existência da plantation monocultora e expor-
tadora, é frequentemente considerada como condição sine qua non para a viabilidade
e a sobrevivência da escravidão como um sistema dominante de trabalho. Por outro

8 Uma roça é qualquer plantação, especialmente de mantimentos. No sentido aqui empregado


significa uma propriedade camponesa composta por um casebre e um pedaço de terra plantado para
subsistência.

34 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


lado, atividades como o cultivo de mantimentos, a criação de gado ou a manufatura,
voltadas para o mercado interno, como as que prevaleceram em Minas, são sempre
consideradas incompatíveis com os sistemas de trabalho compulsório.9
Assim, a existência de um grande sistema escravista, que sobreviveu e se expan-
diu por mais de um século sem estar associado à plantation exportadora, como o
que descrevemos aqui, tem uma importância que transcende o âmbito da história
mineira ou brasileira. Este é, provavelmente, o mais importante dos resultados que
apresentamos, pois revela uma situação que tem sido até hoje rejeitada ou ignorada
pelos historiadores da escravidão moderna.
No capítulo 6 sugerimos uma explicação para o prolongado apego da provín-
cia ao sistema escravista. Argumentamos que não há nada paradoxal nisso, desde
que se perceba que a existência da plantation não é a condição crucial para a
sobrevivência da escravidão. O caso mineiro se enquadra perfeitamente bem na
hipótese enunciada, há muito tempo atrás, por E. G. Wakefield e vários outros
autores que o seguiram. Ao longo de todo o século não existiu uma oferta voluntária
de trabalho assalariado porque a fronteira agrícola permaneceu amplamente aberta,
com grande abundância de terras livres, da qual os camponeses livres podiam
extrair uma subsistência independente. Nesse contexto uma classe de proprietários
não-trabalhadores só poderia subsistir através de uma contínuada dependência do
trabalho escravo.
O caso aqui estudado levanta questões importantes quanto ao papel desempe-
nhado pelo sistema fundiário na história brasileira. Sempre se aceitou como ponto
pacífico que o predomínio dos latifúndios e a exclusão dos camponeses da terra
foram os componentes determinantes na formação da estrutura socioecônomica
do Brasil rural. Isso pode ter sido verdadeiro, durante boa parte do século XIX, na
região nordeste do país, onde a maioria das terras cultiváveis já tinha sido apro-
priada e a população camponesa foi sendo reduzida a um status de dependência dos
senhores da terra, enquanto a escravidão se extinguia gradualmente. Essa evolução,
entretanto, não se verificou de forma alguma em Minas Gerais (nem no restante do
Brasil central e meridional). Os latifúndios não eram menos comuns nessas áreas,
mas controlavam somente uma fração das terras e não podiam, por essa razão,
controlar os camponeses. Terra livre, camponeses independentes e escravidão são,
portanto, complementares, e são ingredientes fundamentais para o entendimento
da realidade histórica de Minas no século XIX.

9 O locus classicus desse argumento é John Elliot Cairnes. The Slave Power: Its Character, Career and
Probable Designs. New York: Negro Universities Press, 1969. A citação utilizada está na p. 46.

PARTE I - CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO


35
Capítulo 2 - A escravidão
no setor minerador

A
historiografia econômica da escravidão em Minas Gerais é fortemente con-
centrada em dois setores: a mineração e o cultivo de café. Durante o século
XVIII as minerações de ouro e de diamantes foram, de fato, as atividades
dominantes da região e empregavam a grande maioria dos trabalhadores escravos e
livres. Entretanto, já no início dos anos 1800 o ciclo da mineração estava em grande
parte encerrado e durante o século XIX essa indústria foi um setor de importância
relativamente menor na economia provincial.
Neste capítulo examinamos o setor minerador da província. Depois de uma
breve descrição das corridas do ouro e dos diamantes do século XVIII, a análise
focaliza o século XIX. As companhias inglesas de mineração que se instalaram em
Minas são objeto de atenção especial, e mostramos que sua presença não restaurou
a importância anterior dessa indústria. Ao longo de quase todo o século, os escra-
vos continuaram a ser empregados na mineração, mas a participação do setor no
total do emprego de trabalho servil foi insignificante.

A CORRIDA DO OURO DO SÉCULO XVIII


A colonização do que hoje é o estado de Minas Gerais foi deflagrada pela
descoberta de grandes depósitos de ouro e de pedras preciosas. Os primeiros
achados, nos últimos anos do século XVII, desencadearam uma corrida do ouro
de grandes proporções. O rápido influxo de pessoas vindas de outras regiões da
colônia foi de tal ordem que a própria sobrevivência dos assentamentos agrícolas
chegou a preocupar a administração colonial. Novas descobertas continuaram a
ocorrer ao longo da primeira metade do século XVIII, e no final dos anos 1720,
o fascínio dos diamantes foi acrescentado ao brilho do ouro. À medida que a
administração portuguesa foi se instalando, com força total, para cobrar a parte
do Rei, os acampamentos dos mineradores foram se transformando em arraiais,
vilas e cidades, engrossadas por legiões de funcionários, soldados e comerciantes.

37
As jazidas auríferas e as povoações que se formavam à sua volta estavam disper-
sas por um território imenso – maior do que a França, para usar uma comparação
predileta dos mineiros de antigamente – distantes dos núcleos do litoral, e situadas
em áreas que até pouco tempo antes eram terras completamente virgens, intocadas
por qualquer tipo de “civilização”. As comunicações eram extremamente difíceis
e garantir o abastecimento dos núcleos mineradores e das povoações foi um pro-
blema constante nos primeiros anos.10
A distribuição geográfica das jazidas de ouro e de diamantes apresenta uma
orientação geral sudoeste-nordeste, acompanhando mais ou menos a Mantiqueira
e as outras grandes cadeias de montanhas do centro de Minas Gerais, numa faixa
de algumas centenas de quilômetros de largura, ao longo de todo o estado. A maior
concentração das ocorrências de ouro se situava em torno de Ouro Preto, Mariana,
Sabará, Pitangui, São João del Rei, Caeté e São José del Rei, e as de diamantes ao redor
de Diamantina e do Serro, mas ocorreram importantes descobertas muito além des-
sas áreas principais. Lugares tão afastados como Bagagem, Desemboque e Paracatu,
na direção oeste, ou como São Romão e Grão Mogol, no rumo norte, foram sítios de
consideráveis minas de ouro ou de diamantes. Na verdade, quase não se encontra
nenhum lugar em Minas Gerais que não tenha sido cenário de algum tipo de minera-
ção durante algum período de sua história. A toponímia de Minas nos séculos XVIII
e XIX, grande parte da qual sobreviveu até nossos dias, está repleta de nomes como
Ouro Preto, Ouro Branco, Ouro Fino, Minas Novas, Lavras, Catas Altas, etc., que são
uma lembrança permanente da origem mineradora desses lugares.
O isolamento da região das minas tornava seu abastecimento muito difícil e a
fome foi uma visita frequente nas primeiras décadas da ocupação. Alimentos e outros
artigos essenciais tinham que ser trazidos de São Paulo ou do Rio de Janeiro por
perigosas trilhas através das montanhas, ou da Bahia, por uma rota mais longa, mas
mais fácil, ao longo da margem direita do rio São Francisco. Artigos básicos de ali-
mentação alcançavam preços fantásticos: por volta de 1700 uma arroba de carne de

10 A corrida do ouro em Minas é bem documentada e bem estudada. Algumas das melhores descrições
das descobertas, das técnicas iniciais e da legislação portuguesa sobre a mineração se encontram
em W. L. von Eschwege. Pluto Brasiliensis, trad. Domício de Figueiredo Murta. 2 vols. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1944; em Paul Ferrand. L’Or a Minas Geraes, Brèsil, 2 vols. Ouro
Preto: Imprensa Official do Estado de Minas Gerais, 1894; e em João Pandiá Calógeras. As Minas do
Brasil e sua Legislação. 2ª. ed. atualizada e dirigida por Djalma Guimarães. São Paulo: Cia. Editora
Nacional, 1938. C. R. Boxer. The Golden Age of Brasil, 1695-1750. Growing Pains of a Colonial Society.
Berkeley, Los Angeles e Londres: University of California Press, 1962, oferece um relato mais curto,
mas mais abrangente do período, incluindo aspectos sociais e políticos da sociedade mineradora em
sua fase ascendente. Esses trabalhos também oferecem muita informação bibliográfica sobre fontes
arquivísticas, escritos contemporâneos e a historiografia do “ciclo” do ouro.

38 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


vaca e um alqueire de farinha valiam, em São Paulo, 240 e 640 réis, respectivamente,
enquanto eram vendidos por 2.400 e 4.800 réis na região mineradora. Uma galinha,
que podia ser comprada no Rio de Janeiro a 800 réis, em 1702, não podia ser adqui-
rida em Minas por menos de cinco a nove vezes esse preço.11
Era natural, portanto, que núcleos de agricultura de subsistência e fazendas de
gado começassem a se desenvolver ao redor das áreas mineradoras e ao longo das
principais rotas comerciais. Vários colonos acharam mais lucrativo cultivar feijão,
milho, mandioca e batata doce, ou criar porcos, gado e aves para vender aos mine-
radores do que revirar a terra em busca de ouro. A ocupação agrícola dos vales dos
grandes rios São Francisco, Doce, Paraíba e outros, começou dessa forma, e data
das primeiras décadas da mineração. Algumas vezes o estabelecimento de roças e de
fazendas de gado até mesmo antecedeu a descoberta do metal: esse foi o caso de luga-
res como Mariana, Pitangui e São João del Rei, que mais tarde tornaram-se famosos
pela riqueza de suas minas de ouro.12
A corrida do ouro provocou grandes conturbações na vida econômica da colô-
nia e mesmo de Portugal. De acordo com um contemporâneo, o jesuíta Antonil,
Cada ano vem nas frotas quantidade de portugueses e de estrangeiros
para passarem às minas. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do
Brasil vão brancos, pardos e pretos e muitos índios, de que os paulistas se
servem. A mistura é de toda a condição de pessoas: homens e mulheres,
moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares e clérigos, e
religiosos de diversos institutos, muitos dos quais não têm no Brasil nem
convento nem casa.13

Boxer cita uma fonte contemporânea que afirma que “metade de Portugal”
estava migrando para as minas e alguns historiadores modernos asseveram que

11 Maurício Goulart. A Escravidão Africana no Brasil. Das Origens à Extinção do Tráfico, 3ª. ed. revista.
São Paulo: Alfa-Omega, 1975, p. 135. Informações adicionais sobre as condições de vida dos primeiros
mineradores e sobre os preços contemporâneos podem ser encontradas em Boxer. The Golden Age,
p. 48 e, especialmente, pp. 330-31; André João Antonil. Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas
e Minas. 8ª ed. prefácio e notas por Orlando Valverde, ilustrações por Francisco Barbosa Leite e Percy
Lau. Rio de Janeiro: IBGE, Conselho Nacional de Geografia, 1963; Mafalda Zemella. O Abastecimento
da Capitania de Minas Gerais no Século XVIII. São Paulo: 1951; João Dornas Filho. O Ouro das Gerais e
a Civilização da Capitania. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957, pp. 12-13.
12 Paul Singer. Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana: análise da evolução econômica de São
Paulo, Blumenau, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife. São Paulo: Cia. Editora Nacional e EDUSP,
1968., pp. 202-04; Boxer. The Golden Age, pp. 47-48.
13 João Antônio Andreoni (André João Antonil). Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minasl.
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967, p. 264. Apesar de ser o autor do mais famoso relato
sobre a corrida do ouro, o jesuíta Antonil nunca esteve em Minas Gerais.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


39
não menos do que 800 mil imigrantes portugueses chegaram a Minas Gerais na
primeira metade do século XVIII. Embora este autor rejeite as duas afirmações, e
sugira que três ou quatro mil imigrantes por ano seria uma estimativa mais razoá-
vel, não resta dúvida de que a drenagem da força de trabalho de algumas províncias
agrícolas da metrópole foi grande bastante para levar a Coroa a impor restrições à
imigração para o Brasil em 1720.14
O impacto sobre a economia colonial foi ainda maior. Os preços das mercadorias
nas regiões não-mineradoras sofreram uma drástica revolução, causada tanto pela
nova demanda dos mineradores como pelo deslocamento de braços da agricultura
para as minas. Em São Paulo, por exemplo, entre 1690 e 1700, o preço do feijão cres-
ceu 220%, o do açúcar subiu 300%, o toucinho e o milho aumentaram 500 e 1.300 por
cento respectivamente. A escassez se manifestou nas cidades portuárias e em outros
lugares. Antonil comenta que os altos preços em Minas Gerais,
foram causa de subirem tanto os preços de todas as outras cousas, como
se experimenta nos portos das cidades e vilas do Brasil, e de ficarem
desfornecidos muitos engenhos de açúcar das peças necessárias e
de padecerem os moradores grande carestia de mantimentos, por se
levarem quase todos aonde vendidos hão de dar mais lucro.15

Durante a corrida do ouro, homens deixavam suas guarnições na Bahia, no Rio


de Janeiro e na Colônia de Sacramento em tais números que a segurança desses
lugares ficou ameaçada. A tripulação dos navios que chegavam aos portos brasi-
leiros desertava para correr às minas, assim como os trabalhadores e artesãos das
cidades costeiras. Um observador contemporâneo escreveu que bastava visitar as
cidades de Pernambuco, da Bahia, o Rio de Janeiro e São Paulo para verificar o
“terrível dano” causado pelo êxodo para as minas de ouro.16
Com os migrantes brancos vieram os escravos e, desde suas origens, no final
do século XVII, até as décadas finais do século XVIII, a história da escravidão
em Minas Gerais está intimamente ligada à história da mineração. Durante esse
período a maior parte do ouro era encontrada em depósitos de aluvião nos leitos
dos riachos ou em formações superficiais nas encostas dos morros. As tecnologias

14 Boxer. The Golden Age, p. 49. O historiador mineiro Augusto de Lima Júnior estima que, entre 1705 e
1750, mais de 20.000 pessoas imigraram de Portugal para o Brasil, por ano. Augusto de Lima Júnior. A
Capitania das Minas Gerais. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Zélio Valverde, 1943, p. 79.
15 Goulart. A Escravidão Africana no Brasil, p. 136; Boxer. The Golden Age, p. 55; Antonil. Cultura e
Opulência do Brasil, p. 269.
16 Boxer. The Golden Age, p. 54; Lima Júnior. A Capitania das Minas Gerais, p. 76.

40 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


empregadas em sua extração, que os portugueses aprenderam com os africanos,
eram extremamente intensivas em trabalho, o que fez com que a corrida do ouro
gerasse uma enorme procura por mão de obra.
Nos primeiros anos essa demanda foi satisfeita por transferências de escravos
de outras partes da colônia, especialmente das áreas agrícolas da Bahia e de Per-
nambuco. Além dos muitos cativos que migraram com seus senhores, um grande
número foi vendido para as minas onde, de acordo com uma fonte, valiam dez
vezes mais do que no litoral.17 Mesmo as pessoas que não abandonaram as cidades
frequentemente participavam das especulações minerais, entrando com quotas de
capital na forma de escravos.
A drenagem de escravos de outras capitanias alarmou o governo colonial, pois
ameaçava de aniquilamento não somente a produção de mantimentos, mas tam-
bém as principais indústrias de exportação - açúcar e fumo - que eram, até então,
as “verdadeiras minas” do Brasil. Desde os primeiros anos do século XVIII, a cor-
respondência entre as autoridades coloniais e metropolitanas está repleta de recla-
mações sobre a escassez de braços para a agricultura causada pela corrida do ouro.
No relatório apresentado ao rei, em 1706, o Conselho Ultramarino português, por
exemplo, endossou o diagnóstico de D. Rodrigo da Costa, recentemente chegado
do Brasil, dizendo que
todo o dano de que padece o Brasil (...) procede da falta de negros, e de
não bastarem os que se introduzem para a fábrica dos engenhos, cultura
de tabacos e trabalho das minas, porque o maior interesse que tem neles
os particulares, faz extrair para as mesmas minas os negros que haviam
de servir nas fábricas dos engenhos e dos tabacos.18

Vãos foram os esforços da Coroa para sustar essa drenagem. Vinte anos mais
tarde, repetindo a reclamação, o governador da Bahia confessava sua impotência
nesse assunto:
Não posso eu evitar, nem descubro meio algum que sirva de remédio a
este dano, porque a opulência [das minas] arrasta os ânimos, de sorte
que nenhuma diligência que respeita a impedir-lhes aquela jornada será

17 Goulart. A Escravidão Africana no Brasil, pp. 149-50; Lima Júnior. A Capitania das Minas Gerais, p. 75 e
p. 80. Essa afirmação parece ser um exagero. D. Rodrigo da Costa, Governador Geral do Brasil na época,
afirma que o preço dos escravos na região mineradora era somente duas ou três vezes mais alto do que
nas áreas agrícolas. Citado por Goulart. A Escravidão Africana no Brasil, p. 152.
18 Relatório do Conselho Ultramarino ao Rei, 1o de setembro de 1706, citado por Goulart. A Escravidão
Africana no Brasil, p. 151.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


41
bem executada, de tal forma que nenhuma medida com o objetivo de
impedir tal debandada pode ser implantada.19

Em pouco tempo, as descobertas de ouro tiveram o efeito de estimular o tráfico


atlântico de escravos. Já nas primeiras duas décadas do setecento, a média anual de
importação de cativos dobrou em relação à dos cinquenta anos anteriores e cresceu
firmemente à medida que o século se desenrolava, como é mostrado na tabela 2.1.

Tabela 2.1 - Brasil: Médias anuais de


importação de escravos, 1651-1760

Período Média de escravos


importados por ano

1651-1675 7.400
1676-1700 7.000
1701-1720 14.600
1721-1740 15.600
1741-1760 17.700
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Os traficantes de escravos responderam com grande agilidade à crescente


demanda, e os primeiros impactos se manifestaram na Bahia: entre 1681 e 1700
uma média de 76 navios por década havia deixado esse porto em direção à costa
africana; enquanto entre 1701 e 1710 esse número quase triplicou, aumentando
para 217.20
A partir de 1715 o porto do Rio de Janeiro tornou-se o principal fornecedor
de escravos para Minas Gerais. Navios negreiros de Angola começaram a passar
ao largo de Pernambuco e da Bahia, indo direto para o Rio de Janeiro, de onde sua
carga podia ser mais facilmente transportada para as minas.21
Essa substituição da Bahia pelo Rio não se restringiu ao tráfico de escravos.
A descoberta do ouro causou deslocamentos decisivos tanto na atividade econô-
mica, como na dinâmica demográfica e política, cujo resultado foi a transferência
do “centro de gravidade” do Brasil colonial das capitanias do nordeste para as do

19 Governador D. Vasco da Cunha Menezes, em 1728, citado por Goulart. A Escravidão Africana no Brasil,
p. 137.
20 Boxer. The Golden Age, pp. 45-46; Philip Curtin. The Atlantic Slave Trade: A Census. Madison: University
of Wisconsin Press, 1969, p. 210.
21 Goulart. A Escravidão Africana no Brasil, p. 153; Boxer. The Golden Age, p. 55.

42 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


sudeste: Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Outros fluxos econômicos con-
firmam a tendência mostrada pelo tráfico de escravos e revelam que as mudanças
começaram bem cedo no século XVIII. Nos primeiros anos do rush, a principal
rota comercial para Minas era o Caminho da Bahia: até 1721 a arrecadação média
de direitos de entradas nessa rota foi de 15 arrobas de ouro por ano, enquanto nos
trajetos de São Paulo e do Rio de Janeiro, o Caminho Geral do Sertão e o Caminho
Novo, somados, não passou de 11,5 arrobas.
Em 1724, os direitos de importação pela Bahia atingiram um máximo de 25 arro-
bas de ouro, declinando drasticamente em seguida, enquanto as receitas nas rotas do
Rio e de São Paulo cresciam continuamente, alcançando, já em 1722, as cifras de 26 e
32 arrobas, respectivamente.22 Em 1763, refletindo a mudança de suas importâncias
relativas, a capital da colônia foi transferida da Bahia para o Rio de Janeiro.
A média anual das importações de escravos para Minas Gerais foi estimada em
2.500 a 2.700 entre 1698 e 1717; 3.500 a 4.000 no período de 1717 a 1723; 5.700 a
6.000 de 1723 a 1735 e 6.500 de 1735 a 1760, representando cerca de 38% e 36% de
todas as importações brasileiras de escravos nos dois últimos períodos.23
Na fase ascencional do ciclo do ouro a população escrava da capitania acom-
panhou pari passu a produção aurífera, e podemos acompanhar a evolução dessas
variáves a partir dos registros da cobrança do quinto real e da capitação.24
As tabelas 2.2 e 2.3 mostram que a produção de ouro cresceu rapidamente durante
as primeiras décadas do período até atingir seu zênite em torno da metade do século, e
que durante a fase de expansão foi seguida de perto pela população escrava. O número
total de escravos triplicou nas duas décadas entre 1717 e 1737, atingiu seu pico em 1738
e aí permaneceu estável, com uma ligeira tendência ao declínio, até 1749.
Os dados também deixam claro que a idade do ouro de Minas Gerais já
estava começando a se esvair por volta da quarta década. À medida que o século
avançava, os depósitos aluviais facilmente acessíveis iam dando sinais de cres-
cente esgotamento, e a manutenção dos níveis de produção alcançados até então

22 Boxer. The Golden Age, pp. 39-40; Lima Júnior. A Capitania das Minas Gerais, pp. 98-99.
23 Goulart. A Escravidão Africana no Brasil, pp. 165-70.
24 O imposto por capitação permaneceu em vigor em Minas Gerais de 1735 a 1749. “Todos os escravos
dos dois sexos acima da idade de 12 anos eram tributados a uma taxa fixa de 4,75 oitavas de ouro
por cabeça (...) negros livres, mulatos e mestiços que não possuissem escravos, deviam pagar uma
taxa de capitação idêntica sobre si mesmos. Artífices e trabalhadores pagavam a mesma quantia,
enquanto lojas, armazéns e estalagens eram divididos em três categorias, seus proprietários pagando
vinte e quatro, dezesseis e oito oitavas respectivamente (...) A capitação tinha que ser paga em duas
prestações, vencíveis em 15 de março e 15 de setembro”. Boxer. The Golden Age, pp. 198-99.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


43
exigiria uma tecnologia e investimentos que estavam fora do alcance da maioria
dos mineradores.

Tabela 2.2 - Minas Gerais: Arrecadação do quinto real e produção


total de ouro, 1700-1820, em quilos1
Períodos Quinto real Produção de ouro Índice

Total Média Total Média 1736-51 = 100


1700-1713 203 14 1.014 72 0,8
1714-1725 4.589 382 22.944 1.912 20,3
1726-1735 7.345 734 36.723 3.672 39,0
1736-1751 2 30.110 1.882 150.548 9.409 100,0
1752-1777 3 36.652 1.410 183.260 7.048 74,9
1778-1800 18.408 800 92.041 4.002 42,5
1801-1820 7.535 377 37.677 1.884 20,0

1700- 1820 104.841 866 524.206 4.332 46,0


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Tabela 2.3 - Minas Gerais: População escrava no século XVIII

Ano População Escrava Ano População Escrava


1717 33.000 (1) 1742 94.128 (4)
1723 50.000 (2) 1743 94.424 (4)
1735 96.541 (3)
1745 95.366
1738 101.607 1749 88.286
1740 94.632 1786 188.941 (5)
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Uma vez iniciada, a decadência não foi revertida. A arrecadação do quinto real
permite acompanhar esse declínio: de um máximo de 1.733 quilos em 1754 caiu
para 1.351 em 1770, 999 em 1780, 779 em 1790, 573 em 1800, 411 em 1810, até atin-
gir somente 29 quilos em 1820. Entretanto, de uma perspectiva mais ampla, exa-
minando um período maior, e com dados mais desagregados, podemos perceber
que, na segunda metade do século, a queda foi inexorável, porém bastante lenta.25

25 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 1, pp. 166-68. A série anual que usamos no gráfico 2.1 é o Mappa

44 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


Gráfico 2.1 - Minas Gerais: Arrecadação dos quintos do ouro, 1715 - 1805,
em arrobas (médias móveis de 3 anos)
300

250

200

150

100

50

0
1715

1720

1725

1730

1735

1740

1745

1750

1755

1760

1765

1770

1775

1780

1785

1790

1795

1800

1805
Nota: Entre 1735 e 1749 a cobrança foi feita pelo sistema da capitação
Fonte: “Mappa do Rendimento que produzio o Real Quinto do Oiro na Capitania de Minas Gerais
de 1707 a 1787.” RAPM VIII (1908) rep. por Maxwell, Conflicts, p. 253; complementada por dados
de Eschwege, Pluto, pp. 166-68.

À medida que o ouro diminuía, a população começou a deixar os núcleos mine-


radores, espalhando-se pelo interior, pontilhando ainda mais com fazendas, currais
e roças de mantimentos os vales dos rios São Francisco, Grande, Paranaíba e Doce.
Em contraste com a época do boom, quando a maior parte da população se dedi-
cava à mineração, um autor do século XX estimou que, em 1776, algo em torno de
80% da força de trabalho (livre e escrava) já não estava empregada nesse setor.26

O SETOR MINERADOR DE OURO NO INÍCIO DOS ANOS 1800


Na virada do século a idade do ouro já pertencia ao passado. Depois da transfe-
rência da corte portuguesa para o Brasil, foram dadas permissões, pela primeira vez,

do rendimento que produzio o Real Quinto do Oiro na Capitania de Minas Gerais de 1700 a 1787.
Revista do Arquivo Público Mineiro VIII (1908): 575-577, reproduzida por Kenneth R. Maxwell. Conflicts
and Conspiracies: Brazil and Portugal, 1750-1808. Cambridge: At the University Press, 1973, p. 253;
complementada no período 1787 a 1805 com dados de Eschwege. Nesta série, o ano de maior
arrecadação do quinto é 1744, quando a receita atingiu 280 arrobas ou 4.113 quilos de ouro.
26 Singer. Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana, p. 204.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


45
para estrangeiros viajarem pelo interior do país. Muitos se apressaram em correr para
as regiões do ouro e dos diamantes de Minas Gerais para ver as lendárias riquezas tão
ciosamente escondidas pelos portugueses por mais de um século.
Seus diários de viagem, em vez de relatos de um Eldorado, registraram ape-
nas histórias de decadência.27 As vilas do ouro estavam semi-desertas; suas casas,
igrejas e edifícios públicos, em ruínas. A terra ao seu redor era estéril, o cascalho
aurífero tinha sido lavado vezes sem conta, e na maioria dos lugares era trabalhado
somente por uns poucos faiscadores, que mal conseguiam retirar dele um miserá-
vel sustento. A maior parte da população tinha migrado para a agricultura e para
a criação de gado. Os únicos lugares que mostravam algum sinal de prosperidade
eram aqueles que, em virtude de uma localização privilegiada, tinham-se tornado
entrepostos comerciais ou que tinham conseguido efetuar com sucesso a transição
da mineração para outras atividades.
John Mawe, o primeiro inglês que obteve permissão “para ultrapassar a barreira
das montanhas alpinas que se estendem ao longo da costa”, visitou Minas Gerais em
1809. Ficou surpreso com o que chamou de “comparativa pobreza” da região. Vila
Rica, a capital do distrito do ouro, uma cidade que já fora “reputada o lugar mais
rico do globo”, estava em decadência. “Uma boa parte das mais de duas mil habita-
ções existentes na cidade estava desocupada e os aluguéis das demais estavam em
queda constante. As casas podiam ser compradas pela metade do seu valor real”. Os
moradores lhe disseram que todo o ouro tinha sido levado para a Inglaterra e que
o próprio nome da cidade deveria ser mudado, pois ela agora devia ser chamada de
Vila Pobre.28
O Barão von Eschwege, um engenheiro de minas alemão a serviço da coroa
portuguesa, que foi enviado a Minas Gerais em 1811, com a missão de estudar as
causas e de sugerir soluções para o declínio da mineração, deixou um relatório
detalhado sobre estado da indústria na segunda década do século XIX. Ele descreve

27 Descrições detalhadas das condições do setor minerador no início do século XIX, a decadência urbana e
a transição geral para a agricultura podem ser encontradas, entre outros, nos seguintes trabalhos: John
Mawe. Travels in the Interior of Brazil. Philadephia: M. Carey and Boston: Wells and Lilly, 1816; Auguste
de Saint-Hilaire. Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, trad. Clado Ribeiro Lessa, 2
vols. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938; Auguste de Saint-Hilaire. Segunda Viagem do Rio
de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo, 2ª. ed., trad. Affonso de Taunay. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1938; Auguste de Saint-Hilaire. Viagem ao Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil, trad.
Leonam de Azeredo Pena. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1941; W. L. von Eschwege. Pluto Brasiliensis;
G. W. Freireyss. Viagem ao Interior do Brasil nos annos de 1814-1815. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo, vol. XI, 1906 (São Paulo, 1907), pp. 158-228; J. B. von Spix e C. F. P. von Martius.
Viagem pelo Brasil, 4 vols., trad. Lucia Furquim Lahmeyer. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1938; Rev.
Robert Walsh. Notices of Brazil in 1928 and 1829, 2 vols. London: F. Westley and A. H. Davis, 1830, vol. 2.
28 John Mawe. Travels, pp. 149, 177 e 179.

46 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


inúmeras localidades que tinham contido ricas lavras, mas estavam agora decaden-
tes ou abandonadas, e conclui a análise dizendo que poderia citar dezenas de outros
lugares que foram sustentados pela mineração de ouro no passado, mas que haviam
se tornado empobrecidos.29
O naturalista Freireyss, viajando pela região em 1815, também ficou chocado
com o que viu.
(...) eu fantasiava grandes estabelecimentos mineradores; enorme,
porém, foi minha surpresa quando me mostraram, aqui e acolá, uns
poucos negros nus, sem outras ferramentas (...) além de uma enxada,
uma gamela de madeira e uns trapos de pano.30

O Reverendo Robert Walsh registrou que a transição para a agricultura estava


quase completa nos anos 1820. Do vale do rio Paraopeba, no coração da zona mine-
radora, ele escreveu que
os habitantes haviam exaurido seus recursos na busca pelo ouro, tinham
abandonado as tentativas e, por necessidade, voltaram sua atenção para a
agricultura; por isso não encontramos uma única lavra nos dois últimos
dias, mas vimos muitas fazendas bem cultivadas.31

Fica claro que, desde as primeiras décadas do século XIX, a província de Minas
Gerais já não mais poderia ser caracterizada como uma economia mineradora. A
evidência disponível também mostra que a dissociação entre escravidão e mineração,
que já tinha começado há algum tempo, estava quase completa nessa época.
Dos dados colhidos por Eschwege, na sua permanência de dez anos em Minas,
podemos aferir a importância da mineração como setor empregador de escravos no
período. Ele estimou que o número total de pessoas empregadas na mineração do
ouro que, por volta de 1750, tinha sido cerca de 80 mil, ou um terço da população,
diminuira para cerca de 6.000 por volta de 1820, o que não representava mais do que
1,2% da população na época.32
As detalhadas tabelas que publicou, referentes aos anos de 1810 e 1814, regis-
tram a força de trabalho do setor aurífero, desagregada segundo a condição. A com-
paração entre as tabelas 2.4 e 2.5 revela a rapidez com que o setor estava decaindo.
No curto espaço de quatro anos, 114 de lavras deixaram de operar. O número de

29 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 1, pp. 43-47.


30 Freireyss. Viagem, p. 178.
31 Walsh. Notices, vol. 2, p. 171. A palavra fazendas está em português no original.
32 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 1, pp. 361-62.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


47
escravos e o emprego total nas lavras, ambos já pequenos em 1810, diminuíram na
mesma proporção, quase 40%.
A força de trabalho nas lavras era predominantemente escrava (97% nos dois
anos), como sempre fora, desde o começo do rush. Os poucos trabalhadores livres
empregados nas lavras eram supervisores ou feitores.33 O inverso era verdadeiro no
caso dos faiscadores, onde os escravos eram minoria. Os faiscadores livres não eram
assalariados, mas trabalhadores independentes, em muitos casos libertos, para quem
a faiscagem era uma atividade de subsistência. Isso não surpreende porque a pró-
pria natureza dessa exploração a tornava inadequada para qualquer tipo de emprego,
escravo ou livre. A produtividade era muito baixa, deixando um excedente mínimo
acima do nível de subsistência, especialmente no período do declínio.
Tipicamente, o faiscador trabalhava em alguma lavra abandonada ou a jusante
das lavras ainda em operação, revolvendo areia e cascalho que já tinham sido proces-
sados, na esperança de recuperar as poucas gramas de ouro que podiam ter escapado
das técnicas rudimentares empregadas. Eschwege observou que, na estação seca, um
faiscador costumava obter de 100 a 150 réis por dia, ficando no limite da subsistência,
enquanto na estação das chuvas seus ganhos podiam aumentar para 500 a 600 réis em
poucas horas de trabalho, e assim podia ficar à toa pelo resto da semana.
Um faiscador disse a Saint-Hilaire que 5 vinténs (0,560 gramas) de ouro seria
um resultado excepcionalmente bom para um dia de trabalho e que habitualmente
ele não conseguia nem a metade disso. Gardner avaliou o teto dos ganhos dos fais-
cadores em um shilling por dia; Spix e Martius estimaram suas rendas em 600 réis
por semana. Diversos outros observadores concordaram que o padrão de vida dos
faiscadores era miserável.34

33 Saint-Hilaire. Viagem pelas Províncias, vol. 1, p. 217.


34 Os observadores contemporâneos são unânimes nas afirmações de que a produtividade dos
faiscadores era geralmente muito baixa. Descrições do trabalho dos faiscadores, suas técnicas e
estimativas de suas rendas podem ser encontradas em: Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 1, pp. 309-
10, vol. 2, pp. 10-11, 16-17 e 21-22; Saint-Hilaire. Viagem pelas Províncias, vol. 1, pp. 143, 152, 224-26;
George Gardner. Viagens pelo Brasil. trad. Albertino Pinheiro. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1942, p. 424; Spix e Martius. Viagem, vol. 1, pp. 314, 332; Hermann Burmeister. Viagem ao Brasil
através das Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. trad. Manoel Salvaterra e Hubert Schoenfeldt.
São Paulo: Livraria Martins, 1952, pp. 181-82; Conde de Suzannet. O Brasil em 1845, trad. Márcia de
Moura Castro. Rio de Janeiro: Livraria Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1954, pp. 90-91, 99;
Walsh. Notices, vol. 2, p. 200; José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo. Memórias Históricas do Rio
de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1948, vol. 8, tomo 2, pp. 263-64. Um vintém de ouro é
igual a 1/32 oitavas, ou sejam, 0,112 gramas.

48 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


Tabela 2.4 - Minas Gerais: O setor minerador de ouro em 1810 (*)
Termos Lavras em Trabalhadores nas lavras Faiscadores
operação
Livres Escravos Livres Escravos
Vila Rica 67 23 3.457 479 315
Cidade de Mariana 126 44 1.886 600 591
São João del Rei 31 27 362 – 3
São José del Rei 34 7 307 46 8
Barbacena 12 11 77 122 154
Sabará 55 25 757 457 143
Vila Nova da Rainha 95 33 1.813 801 385
Paracatu 17 7 141 139 60
Vila do Príncipe** 15 23 317 120 293
Serro do Frio** 74 81 288 159 42
Campanha da Princesa 50 5 788 3 22
Minas Novas 8 2 60 20 22
Pitangui 47 47 350 345 10
Total 631 335 10.603 3.291 2.048
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Tabela 2.5 - Minas Gerais: O setor minerador de ouro em 1814


Termos Lavras em Trabalhadores Produção Faiscadores Produção dos
operação das lavras faiscadores

Livres Escravos Livres Escravos


Ouro Preto 66 45 536 17,7 572 307 95,1
Mariana 94 12 1.491 143,3 848 450 57,6
Vila do Príncipe 48 * 365 33,0* 95 130 0,6*
Minas Novas 13 17 56 1,5 57 3 2,2
Caeté 98 14 1.869 78,6 903 562 121,8
Sabará 85 80 1.136 80,4 782 340 80,2
Pitangui 8 * 82 1,9 110 56 13,2
Paracatu 17 7 129 4,6 177 53 17,5
S. João del Rei 29 11 292 * * 12 *
S. José del Rei 1 * 16 * * * *
Campanha 48 * 486 42,6 14 * 1,2
Barbacena 10 11 77 8,8 46 144 4,2
Total 517 197 6.535 412,4 3.604 2.057 393,6
Dados de produção em quilogramas.
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

O controle da força de trabalho era outro problema que dificultava o uso de


escravos na faiscagem. A prevenção de roubos pelos trabalhadores era uma preo-
cupação constante para todas as empresas mineradoras porque, de acordo com os
depoimentos contemporâneos, quantidades substanciais de ouro e de diamantes

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


49
eram roubadas pelos escravos apesar do grande número de feitores e supervisores.
Na faiscagem esses problemas eram muito mais complexos e constituíam um ver-
dadeiro pesadelo para o empresário: como controlar uma grande força de trabalho,
trabalhando a céu aberto, espalhada por uma grande área, lidando todo o tempo
com um produto de pequeno volume, que não exigia nenhum processamento pos-
terior e valia, literalmente, seu peso em ouro? Os custos de supervisão certamente
a tornariam inviável.
Não é surpresa, portanto, que a faiscagem permanecesse essencialmente como
uma atividade de subsistência. Era o equivalente, no setor da mineração, das roças
de subsistência dos camponeses pobres das áreas agrícolas. Mesmo os faiscadores
escravos nem sempre trabalhavam para seus senhores. Muitos faiscavam por conta
própria, nos domingos e dias santos – para eles a faiscagem era o equivalente das
slave patches das plantations.35
O número de faiscadores, escravos e livres, aumentou ligeiramente entre 1810
e 1814. Esse fenômeno, um claro sinal de decadência do setor, não ocorreu ape-
nas nesse período. As estimativas da produção dos faiscadores em anos posterio-
res apresentam grandes variações e devem ser consideradas como tentativas, na
melhor das hipóteses. Elas mostram, não obstante, que o número de faiscadores
nos primeiros anos do século XX era algo entre 6.500 e 10.500.36

35 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 10-11, 65. Russell-Wood cita um tipo de faiscador escravo
que corresponde exatamente aos “negros de ganho” frequentemente encontrados nas áreas urbanas
brasileiras. O escravo era obrigado a entregar ao seu senhor, todo sábado, uma quantia determinada
de ouro, além de prover seu próprio sustento. Cabia a ele decidir onde, quando e como trabalhar. Não
há evidência, entretanto, de quão disseminada era essa espécie de arranjo. Nos primeiros anos do
século XIX certamente não era importante, dado o pequeno número de faiscadores escravos, como
mostram as tabelas 2.4 e 2.5. A. J. R. Russel-Wood. Technology and Society: The Impact of Gold Mining
on the Institution of Slavery in Portuguese America. Journal of Economic History, vol. 37, n°. 1 (março
de 1977), pp. 59-63, 76-77.
36 A produção total dos faiscadores foi estimada em 2.200 quilos de ouro no período 1901-1903,
resultando em uma média anual de 733,3 quilos. Usando o nível de produtividade observado em
1814 (cerca de 69,5 gramas por homem, por ano), chegamos à estimativa mais alta. Goulart sugere
que a produção anual de um faiscador era ao redor de 112,5 gramas. Essa produtividade resulta
na estimativa mais baixa do número de faiscadores. Calógeras estimou a produção de ouro pelos
faiscadores em 20.000 quilos no período 1896-1900, o que daria uma média anual de 4.000 quilos
e um número de faiscadores entre 35.000 e 57.000. Isso parece ser uma enorme superestimativa.
O número que usamos, também devido a Calógeras, está de acordo com o do engenheiro de minas
contemporâneo William Jory Henwood, que estimou a média de produção anual dos faiscadores
e das companhias brasileiras de mineração em 747 quilos no período 1820-1860. Uma vez que as
companhias brasileiras do setor não eram importantes no período, esses números podem ser tomados
como uma aproximação para a produção dos faiscadores. Calógeras. As Minas, p. 473; Goulart. A
Escravidão, pp. 160-61; William Jory Henwood. Observations on Metalliferous Deposits. Transactions
of the Royal Geological Society of Cornwall, vol. 8, t. 1 (1871), pp. 367-69.

50 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


As lavras ainda em operação em 1814 eram apenas pálidas sombras do que
tinham sido poucas décadas antes. Jazidas que haviam ocupado centenas, ou
mesmo milhares de escravos, estavam quase abandonadas. Um caso típico foi o
das lavras do Morro de São João, perto de São João del Rei, que tinham empregado
2.426 escravos até 1780 e estavam reduzidas, em 1814, a cerca de 50 cativos.37

Tabela 2.6 - Minas Gerais: Escravos nas lavras de ouro, 1814


Escravos por lavra Número de lavras %
Zero* 6 1,2
1a5 162 31,3
6 a 10 164 31,7
11 a 20 110 21,3
21 a 50 60 11,6
51 a 100 14 2,7
100 ou mais 1 0,2

Total 517 100,0


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Nesse último ano, o número médio de escravos por lavra era de 12,6 mas a
grande maioria delas tinha bem menos que isso. Quase dois terços das lavras em
atividade tinham dez ou menos escravos, enquanto apenas uma, a famosa mina
de Morro Velho, em Congonhas do Sabará (com 122 escravos), ultrapassava uma
centena de cativos.
Algumas poucas lavras ainda apresentavam uma alta produtividade por traba-
lhador e certamente geravam bons retornos. Esse foi o caso, por exemplo, das lavras
do Morro das Almas, no distrito de Água Quente. Essas duas lavras produziram,
em 1814, 46.690 gramas de ouro, usando uma força de trabalho de 48 escravos. A
produção por escravo, 973 gramas de ouro, representava, segundo Eschwege, quase
o dobro do valor de cada escravo.38 A maioria das lavras, entretanto, tinha um nível
de produtividade baixíssimo.
Como se pode ver na tabela 2.7, 340, ou 76%, das 446 lavras para as quais temos
informações sobre a produção e a força de trabalho, tiveram uma produção média
por trabalhador inferior a 70 gramas de ouro, ou seja, menor que a produção média

37 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 31-32.


38 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 22. Na página 22, Eschwege dá a produção total de 14.040
oitavas de ouro (50.396 gramas) para essas duas lavras, o que significaria uma produção de 1.049
gramas por escravo. Mas, pela tabela na página 41 obtemos os números ligeiramente mais baixos
usados no texto.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


51
de um faiscador, nesse mesmo ano.39 Tendo em mente que a renda dos faiscado-
res não ultrapassava o nível de subsistência, fica óbvio que a maioria das lavras
não poderia produzir lucros. A maior parte do ouro fácil já tinha sido colhida e,
à medida que tentavam prosseguir, os mineradores se deparavam com problemas
para cuja solução não tinham nem o conhecimento técnico nem os recursos finan-
ceiros necessários. As minas eram constantemente inundadas por águas subterrâ-
neas e os deslizamentos de terra, desabamentos e outras catástrofes tornavam-se
mais frequentes. Algumas vezes tinham proporções trágicas: um único acidente, no
morro de São João, causou a morte de 200 escravos e 11 feitores.40

Tabela 2.7 - Minas Gerais: Produtividade do trabalho em 4461 lavras de ouro, 1814
(número de lavras segundo a localização e a produção por trabalhador)
Municípios Produção por trabalhador, em gramas Total
0 - 10 11 - 20 21 - 40 41 - 70 71 - 100 101 - 200 201 - 500 500 +

Ouro Preto 16 14 15 12 5 1 * * 63
Mariana 9 18 22 26 10 6 * 2 93
Vila do Príncipe 2 3 5 9 8 15 2 * 44
Minas Novas * 3 10 * * * * * 13
Caeté 18 13 16 6 5 6 5 * 69
Sabará 6 9 27 20 11 6 3 * 82
Pintangui 2 * 2 3 * * * * 7
Paracatu * 2 6 8 1 * * * 17
Campanha 2 5 15 13 3 7 2 1 48
Barbacena * * 1 2 3 3 1 * 10
Total 55 67 119 99 46 44 13 3 446
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Não surpreende, portanto, que o número de lavras em operação declinasse con-


tinuamente. Não são disponíveis dados detalhados para anos posteriores a 1814,
mas Eschwege relatou que, entre aquele ano e 1820, o número de lavras diminuira
“extraordinariamente” e que mesmo naquelas ainda em operação no final do último

39 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, p. 65. Eschwege questiona o resultado de que a produção por
trabalhador era, em média, mais alta na faiscagem do que nas lavras. Na p. 65 apresenta algumas
razões para justificar o argumento de que os dados de 1814 superestimam a produtividade dos
faiscadores. Uma fonte do século XVIII sugere que em 1780 a produção por trabalhador nas lavras já
era muito baixa, embora algo mais alta do que em 1814. Essa estimativa, de 20 oitavas (71,7 gramas)
por escravo está em José João Teixeira Coelho. Instrução para o Governo da Capitania de Minas Gerais.
Revista do Instituto Histórico e Geographico do Brazil. 3ª. série, nº. 7, 4º. trimestre de 1852, p. 377.
40 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, p. 32.

52 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


ano, o nível de atividade tinha sido muito reduzido.41 A maioria dos escravos nelas
empregados já não eram mais mineiros em tempo integral, e trabalhavam vários
meses por ano no cultivo dos mantimentos necessários para sua manutenção. Nessa
época, um tipo de estabelecimento misto, combinando mineração e agricultura,
que já era comum em Minas Gerais desde o início da colonização, tornou-se ainda
mais disseminado.42

A MINERAÇÃO DE DIAMANTES
Nenhuma história da mineração em Minas Gerais pode deixar de mencionar
o setor diamantino.43 A primeira comunicação oficial sobre a ocorrência de dia-
mantes foi apresentada em 1729 à Coroa Portuguesa por D. Lourenço de Almeida,
governador da capitania. As primeiras descobertas, entretanto, certamente ocor-
reram vários anos antes, pois a resposta da Coroa a D. Lourenço foi uma severa
reprimenda pelo atraso da notícia, uma vez que os diamantes de Minas já estavam
chegando a Lisboa, há pelo menos dois anos, nas frotas do Brasil.44

41 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 1, pp. 361-62 e vol. 2, p. 64.


42 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, p. 64; Spix e Martius. Viagem, vol. 1, pp. 279 e 332; Mawe. Travels,
p. 192; Dornas Filho. O Ouro das Gerais, p. 208. O estudo de Kenneth Maxwell sobre a economia
mineira na segunda metade do século XVIII mostra que, nesse período, a ocorrência de propriedades
rurais horizontalmente integradas já era muito comum. Apresenta diversos exemplos de fazendas que
combinavam mineração, açúcar, criação de gado e outros produtos agrícolas. Veja Maxwell. Conflicts
and Conspiracies, pp. 87-88. Miguel Costa Filho dedica um capítulo inteiro a essas fazendas mistas
mostrando que elas eram a regra, desde as primeiras décadas da colonização. Miguel Costa Filho. A
Cana de Açúcar em Minas Gerais. Rio de Janeiro: MEC/ Instituto Nacional do Livro, 1958, pp. 159-65.
43 Aqui, como no caso da mineração de ouro, nosso foco principal é dirigido às relações entre mineração
e escravidão no século XIX. A inclusão de um curto relato do setor de diamantes no século XVIII,
entretanto, atende a um duplo objetivo: dá alguma autossuficiência a esta seção e descreve as
condições do setor no começo do período em estudo. Boas descrições da mineração de diamantes em
Minas Gerais no século XVIII podem ser encontradas em Augusto de Lima Jr. História dos Diamantes
nas Minas Gerais. Rio de Janeiro: Edições Dois Mundos, 1945; Joaquim Felício dos Santos. Memórias do
Distrito Diamantino da Comarca do Serro Frio. Não pude ter em mãos nenhuma das edições brasileiras
desse livro clássico, lançado em 1868. As citações são da tradução francesa Le Diamant au Brésil.
trad. Manoel Gahisto. Paris: Société d’Editions Les Belles Lettres, 1931; Mawe. Travels, Spix e Martius.
Viagens, vol. 2, especialmente pp. 99-136; Richard Francis Burton. Explorations of the Highlands of
the Brazil: with a full account of the gold and diamond mines, 2 vols. London: Tinsley Brothers, 1869,
vol. 1; Saint-Hilaire. Viagens pelo distrito; Boxer. The Golden Age; Pizarro e Araújo. Memórias, vol. 8,
tomo 2; Jean Claude Rose Milliet de Saint-Adolphe. Diccionario Geographico, Histórico e Descriptivo
do Império do Brasil. trad. Caetano Lopes de Moura, 2 vols. Paris: J. P. Aillaud, 1845, vol. 1; Eschwege.
Pluto Brasiliensis, vol. 2. Essas obras cobrem vários aspectos do setor diamantino, mas, como regra,
concentram-se na política, na legislação portuguesa e nas descrições da tecnologia adotada na época.
A história dos diamantes em Minas no século XIX ainda está por ser escrita.
44 Lima, Jr. História dos Diamantes, pp. 27-30. Essa fonte reproduz a carta de D. Lourenço ao Rei, em 27
de julho de 1729, e a resposta do Rei, em 8 de fevereiro de 1730.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


53
Logo depois do anúncio das descobertas, as autoridades coloniais e metropolitanas
agiram rapidamente para obter o controle do tesouro recém-encontrado. Os instrumen-
tos dessa ação, um emaranhado de decretos e regulamentos que se estendeu por mais de
um século, constituiu um dos códigos coloniais mais repressivos e mais violentamente
cumpridos jamais impostos por qualquer metrópole a uma colônia americana.
Nas palavras de um especialista na expansão ultramarina portuguesa, a minera-
ção de diamantes e a região diamantina de Minas Gerais se sobressaem em meio à
relativa frouxidão e mesmo brandura da administração colonial portuguesa, como
o “único objeto e a única região aos quais essas qualificações não se aplicaram, e
nos quais a Coroa demonstrou uma ferocidade deliberada na defesa de seus direi-
tos e na opressão de seus vassalos que faria inveja um déspota oriental”.45
A política diamantina da Coroa perseguiu obsessivamente dois objetivos. O pri-
meiro, assegurar o monopólio das pedras, revelou-se logo na primeira peça da legis-
lação sobre o assunto. Em 8 de agosto de 1730, todos os diamantes foram declara-
dos propriedade da Coroa, e o governador de Minas foi instruído a tomar quaisquer
medidas que julgasse necessárias para garantir isso. Consequentemente, D. Lourenço
cancelou todas as concessões de mineração anteriormente outorgadas em terrenos
diamantinos e impôs uma capitação sobre todos os escravos empregados na minera-
ção de diamantes.46
O Distrito Diamantino, que compreendia partes dos vales dos rios Jequitinho-
nha e Pardo, foi, desde o início, submetido a leis especiais, muito mais severas do
que as que vigoravam em outras partes da colônia. Era uma região áspera e deso-
lada no centro de Minas Gerais, cercada de “penhascos que bem poderiam orna-
mentar a boca do inferno” e merecidamente chamada de Serro do Frio. Por um
decreto de 1733, implementado no ano seguinte, foi feito um levantamento do dis-
trito e foram definidas as fronteiras da Demarcação Diamantina. Era uma área de
forma ovalada, com 42 léguas de circunferência e um diâmetro de 14 a 15 léguas,
tendo como centro o arraial do Tejuco, hoje cidade de Diamantina. À medida que

45 A citação é de Boxer. The Golden Age, p. 205. A copiosa legislação portuguesa sobre o assunto é
estudada nas fontes citadas na nota 43 acima. Essas fontes estão, às vezes, em desacordo quanto
a datas e o conteúdo específico de alguns dos atos. Uma possível fonte de conflito está no fato de
que, muitas vezes, se legislava na colônia e na metrópole sobre o mesmo assunto. O governador
da capitania podia promulgar “bandos” ou medidas provisórias, mais tarde submetidas à apreciação
real. Quando aprovadas pela Coroa a decisão contida no “bando” era repromulgada na forma de um
decreto definitivo, dessa forma gerando duas peças de legislação sobre a mesma questão, com datas
diferentes e, algumas vezes, com diferentes disposições.
46 Eschwege. Pluto Brasiliensis, pp. 116-17; Lima, Jr. História dos Diamantes, pp. 30 e 76; Saint-Hilaire.
Viagens pelo Distrito, p. 3; Saint-Adolphe. Diccionario, vol. 1, p. 239.

54 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


ocorriam novas descobertas fora dos limites originais, as fronteiras eram estendi-
das para incluir os novos sítios na jurisdição especial. Quando eram encontradas
jazidas em lugares não adjacentes à Demarcação, as áreas eram transformadas em
“destacamentos diamantinos”, como foi o caso de Abaeté e Indaiá.47
O Distrito Diamantino foi descrito por vários autores como “um Estado dentro
do Estado”. A partir de 1733 passou a ser governado por uma agência especial, a
Intendência dos Diamantes, cuja principal autoridade, o Intendente, era indicado
diretamente pelo rei. Era a autoridade suprema para todas as questões administra-
tivas, judiciais e policiais e suas decisões não eram passíveis de apelação.
Para impedir o contrabando, as fronteiras do distrito foram fechadas e as estra-
das principais eram continuamente patrulhadas por companhias de elite de dragões.
Ninguém, nem mesmo o governador da capitania, tinha permissão para entrar sem
um passaporte especial; ninguém podia sair sem ser minuciosamente revistado.
A posse de um diamante ou de uma ferramenta de mineração era punida com
penas que variavam de multas e expulsão do distrito até o degredo para a África e a
morte. A ostentação pública de riqueza era um convite à investigação pelos agentes
do Intendente. Lojas, tavernas e outros estabelecimentos comerciais, sempre sob
a suspeição de abrigar transações ilícitas, sofriam constante vigilância e as vilas e
arraiais viviam sob uma espécie de toque de recolher permanente. Especialmente
tenaz era a perseguição aos garimpeiros, como eram chamados os mineradores
clandestinos nos terrenos diamantinos. Havia uma constante guerrilha entre eles e
as tropas da Coroa e, de tempos em tempos, eram organizadas grandes operações
militares para varrê-los do distrito.
A legislação repressiva alcançou seu clímax com os atos de julho e agosto de
1771. O livro no qual esses atos foram reunidos tornou-se um símbolo da opressão
colonial no Brasil, conhecido como o Livro da Capa Verde.48
O segundo objetivo da política portuguesa era o controle da oferta de dia-
mantes. Logo após as primeiras descobertas, sua mineração foi tratada da mesma

47 Saint-Adolphe. Diccionario, vol. 1, p. 330; Pizarro e Araújo. Memórias, vol. 8, tomo 2, pp. 107-115;
Lima Jr. História dos Diamantes, p. 38; Boxer. The Golden Age, pp. 207-08; Burton. Explorations, vol.
2, p. 106; Spix e Martius. Viagem, vol. 2, p. 108; Felício dos Santos. Le Diamant, pp. 55-56. Lima Jr.
e Felício dos Santos descrevem os limites do distrito com maiores detalhes e Mawe. Travels, p. 144,
apresenta um esboço do seu mapa na época de sua visita.
48 Spix e Martius. Viagem, vol. 2, p. 103; Saint-Hilaire. Viagens pelo distrito, p. 1. A legislação repressiva
e sua aplicação são descritas com algum detalhe pela maioria dos autores citados na nota 43,
especialmente Lima Jr., Felício dos Santos e Eschwege. Sobre os garimpeiros, veja especialmente
Felício dos Santos, filho ilustre do Serro e morador de Diamantina, que os retrata como folk heroes.
Seu relato, escrito no terceiro quartel do século XIX, tem fortes tons emocionais, e revela o ódio dos
diamantinenses pela legislação diamantina, mesmo várias décadas depois de sua abolição.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


55
maneira que a mineração de ouro: qualquer pessoa podia obter uma concessão
para sua exploração, desde que pagasse uma capitação de cinco mil réis por cada
escravo empregado no empreendimento.49 O resultado dessa liberalidade foi uma
tal pletora dessas pedras nos mercados europeus que fez seu preço despencar, no
início dos anos trinta, para cerca de um quarto do nível anterior a 1730.50
Em 1731 a Coroa já tinha percebido que, para estancar a queda do preço, a
oferta teria que ser judiciosamente controlada e ordenou, portanto, pelo decreto de
16 de março, que toda a mineração fosse suspensa e os mineradores expulsos do
distrito. Uma forte oposição popular tornou a medida insustentável e tudo o que o
governador pôde fazer foi aumentar a capitação para 20 mil réis por escravo. Em
1733 a taxa foi elevada para 40 mil réis, com o objetivo explícito de desencorajar a
mineração de diamantes.51 Como esse múltiplo aumento da taxação não conseguiu
impedir o crescimento da produção, a Coroa decidiu, de novo, em 19 de julho de
1734, proibir toda a mineração.52
Desta vez a proibição surtiu o efeito desejado: por volta de 1736, os preços
começaram a se recuperar, e em 1740 a exploração foi reaberta, em bases intei-
ramente diferentes.53 Naquele ano a mineração foi retomada em escala limitada,
sob um sistema de arrendamento, chamado de Contratação, no qual o contratador,
por meio de um leilão (arrematação) e do pagamento de uma soma fixa à Coroa,
obtinha o monopólio da extração das pedras. A Coroa reservava para si o direito
exclusivo de comprar toda a produção e o contrato estipulava que, a fim de mantê-
-la sob controle, o contratador não poderia empregar mais do que 600 escravos.54

49 Felício dos Santos. Le Diamant, pp. 42-43; Luis Beltrão Gouveia de Almeida. Discurso sobre os Sistemas
de Arrecadação dos Diamantes, em Pizarro e Araújo. Memórias, vol. 8, tomo 2, pp. 232-33; Saint-
Adolphe. Diccionário, vol. 1, p. 329.
50 Lima Jr. História dos Diamantes, pp. 42-43; Saint-Hilaire. Viagens pelo Distrito, p. 3; Boxer. The Golden
Age, p. 210.
51 Eschwege. Pluto Brasiliensis, p. 117; Lima, Jr. História dos Diamantes, pp. 32-33 e 37; Pizarro e Araújo.
Memórias, vol. 8, tomo 2, p. 110; Gouveia de Almeida, Discurso, pp. 232-33; Felício dos Santos. Le
Diamant, pp. 44-52. Saint-Adolphe. Diccionario, vol. 1, p. 329, afirma que poucos meses mais tarde a
taxa foi aumentada para 50 mil réis por escravo, mas de acordo com Pizarro e Araújo, somente foi dada
ao governador a opção para fazê-lo.
52 Lima Jr. História dos Diamantes, p. 77; Felício dos Santos. Le Diamant, p. 57; Boxer. The Golden Age, p.
210.
53 Boxer. The Golden Age, p. 211.
54 Boxer. The Golden Age, pp. 212, 221; Felício dos Santos. Le Diamant, pp. 74-75; Gouveia de Almeida,
Discurso, p. 235; Saint-Adolphe. Diccionario, vol. 1, p. 330; Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, p. 120.
Pizarro e Araujo. Memórias, vol. 8, tomo 2, p. 112, cita um contrato de 1735 a 1739, que está em
conflito com todas as outras fontes.

56 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


Entre 1740 e o final de 1771 foram firmados seis contratos desse tipo envolvendo
sete indivíduos, como mostra a tabela 2.8.

Tabela 2.8 - Minas Gerais: Produção de diamantes sob o sistema de Contratação,


em quilates*

Contratos Nome dos Contratadores Produção Média anual

1740 - 1743 João Fernandes de Oliveira e Francisco F. Silva 134.071 33.518


1744 - 1748 João Fernandes de Oliveira e Francisco F. Silva 177.200 35.440
1749 - 1752 Felisberto Caldeira Brant e três irmãos 154.579 38.645
1753 - 1758 João Fernandes de Oliveira 390.094 65.016
1759 - 1762 João Fernandes de Oliveira e filho 106.416 26.604
1763 - 1771 João Fernandes de Oliveira e filho 704.209 78.245

Total 1.666.569 52.080


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Durante as três décadas de vigência do regime de Contratação, os contratadores


conseguiram abocanhar a parte do leão: a Coroa recebeu somente 4.644 contos de
réis, ou seja, menos de 30% do total dos 15.515 contos produzidos no período. É
claro que isso levantou muitas suspeitas na corte portuguesa e os críticos do sis-
tema acusavam os contratadores de fraudar a Coroa de várias maneiras. Dizia-se
que eles não respeitavam o limite contratual de 600 escravos, mineravam fora das
áreas especificadas e entravam em conluio com os garimpeiros e os contrabandistas
para desviar parte da produção dos cofres reais.55
Em 1771 o sistema de Contratação foi suspenso e, a partir de 1º de janeiro de
1772, as terras diamantinas começaram a ser exploradas diretamente pela Coroa,
através de uma empresa estatal denominada Real Extração. A Real Extração era
regulamentada pelos atos contidos no supracitado Livro da Capa Verde, operava
com escravos alugados e tinha uma meta de produção de 2.200 oitavas (38.500 qui-
lates) por ano. A companhia revelou-se um fracasso, com resultados muito inferio-
res aos do período da Contratação. Em pouco tempo o sistema mostrou-se incapaz
de cumprir a meta, e tornou-se fortemente deficitário.

55 Boxer. The Golden Age, pp. 220-23; Gouveia de Almeida. Discurso, pp. 235-40; Lima Jr. História dos
Diamantes, pp. 83-92; Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 120-22 e 177; Felício dos Santos. Le
Diamant, pp. 72-85 e 152-184.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


57
Nos anos 1790 a companhia se encontrava em profundas dificuldades financei-
ras e foi fechada, em 19 de maio de 1803, por um decreto que tentou restabelecer
a exploração privada com base no arrendamento das terras diamantinas. Esse sis-
tema também não funcionou, ocasionando a reativação da Real Extração, em 1808.

Tabela 2.9 - Minas Gerais: Produção de diamantes no período da Real Extração,


em quilates 1
Período Produção segundo diversas fontes Média anual 2
(A) (B) (C) 3 (D)
1772 - 1785 583.767 586.949 * 587.173 41.941
1786 - 1795 293.162 293.337 290.648 288.047 28.805
1796 - 1806 182.483 * 182.579 183.780 16.707
1807 - 1818 * * 185.296 220.843 18.404
1819 - 1827 * * 58.635 * 6.515

1772 - 1827 4 23.901


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Sob a competente direção do Intendente Câmara por quatorze anos consecu-


tivos, a empresa melhorou ligeiramente seu desempenho nessa fase, mas no final
do período colonial encontrava-se novamente em crise. A independência do Brasil
não significou o fim da odiada instituição, que perdurou, de forma modificada, por
mais de dez anos. O ato de 25 de outubro de 1832, que finalmente estabeleceu a
liberdade da mineração de diamantes, foi comemorado pelos diamantinenses com
desfiles nas ruas e a queima pública do Livro da Capa Verde.56
Por causa da atividade dos garimpeiros, que absolutamente não era insignifi-
cante, é impossível estimar a produção total de diamantes em Minas Gerais nesta
ou em qualquer outra época durante a era colonial. A produção legal, da Real
Extração, entretanto, foi cuidadosamente registrada e, uma vez que os garimpeiros
eram homens livres em sua grande maioria, ela pode ser considerada como uma
boa estimativa da produção escravista de diamantes no período.
A produção total da Real Extração foi de 1.338.478 quilates, resultando em uma
média anual de 23.901 quilates. Esses números são bem próximos aos calculados por

56 Dornas Filho. O Ouro das Gerais, pp. 219-33; Lima Jr. História dos Diamantes, pp. 137-76; Eschwege.
Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 122-58, 164, nota do tradutor 353; Gouveia de Almeida. Discurso, pp.
241-60; Felício dos Santos. Le Diamant, pp. 185-281; Pizarro e Araújo. Memórias, vol. 8, tomo 2, pp.
112-14.

58 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


Calógeras, que estimou a produção total de 1.319.192 quilates entre 1772 e 1828, com
uma média anual, portanto, de 23.144 quilates.57 A tabela 2.9 mostra que, nas primei-
ras décadas do século XIX, o setor diamantino também estava em crise, claramente
visível na trajetória da produção média anual que, de 52.080 quilates sob o sistema de
Contratação (1740-1771), caiu para 6.515 quilates nos anos 1819-1827.
A força de trabalho escrava empregada na mineração de diamantes durante
o período colonial flutuou muito, mas aparentemente, raramente excedeu cinco
mil cativos. No final dos anos 1720 foi estimada em 1.500 escravos, crescendo
para 2.500 no início da década seguinte.58 O sistema de Contratação estipulava o
emprego de 600 escravos no máximo. Tudo indica, entretanto, como os críticos
do sistema repetidamente apontaram, que os contratadores sempre violaram essa
limitação contratual, empregando até quatro ou cinco mil escravos, sob o disfarce
de lenhadores, lavradores e outros serviços auxiliares.59
Para o período da Real Extração existem dados muito mais precisos. O ato de
1771, que criou a agência, estabeleceu instruções detalhadas sobre o emprego de
escravos. A administração recebeu permissão para comprar os escravos do antigo
contratador, mas proibiu qualquer compra adicional. O grosso da força de trabalho
deveria ser formado por escravos alugados, de modo a permitir um fácil ajuste às
variações sazonais no serviço.60
A Real Extração iniciou suas operações com 3.610 escravos, dos quais 581
tinham sido comprados do último contratador ao preço médio de 90 milréis cada.
Entre 1772 e 1795 foram geralmente empregados cerca de 500 escravos durante a
estação fraca (os cinco meses de estiagem), crescendo até 4.200 ou 4.400 durante o
período forte (os sete meses de chuva).61

57 Para a produção total e a média anual no período 1772-1827 usamos os números na coluna (D) para
1772-1818 e na coluna (C) para 1819-1827. As estimativas de Calógeras estão em Dornas Filho. O Ouro
das Gerais, p. 222.
58 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 116-17, notas do tradutor. Lima Jr. História dos Diamantes, p.
47, cita uma fonte de 1735 que dá uma estimativa, aparentemente exagerada, de 18.000 escravos no
início dos anos 1730. De acordo com os números da capitação citados por Boxer. The Golden Age, p.
217, o número não excedia 8 a 9 mil nos anos 1730.
59 Gouveia de Almeida. Discurso, pp. 238, 244; Saint-Adolphe. Diccionario, vol. 1, p. 330. Boxer, mesmo
concordando que os contratadores frequentemente burlavam a limitação contratual, não acredita
que números tão grandes de escravos clandestinos pudessem ter passado despercebidos pelos
Intendentes. Boxer. The Golden Age, p. 221.
60 Artigos 16 a 21 do “Regimento para a Extração Real dos Diamantes no Arraial do Tejuco do Serro do
Frio, 2 de agosto de 1771”, reproduzidos em Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 130-31.
61 Felício dos Santos. Le Diamant, p. 186; Gouveia de Almeida. Discurso, p. 242; Pizarro e Araújo.
Memórias, vol. 8, tomo 2, p. 113. Spix e Martius. Viagem, vol. 2, p. 109, dão 4.500 a 5.000 como

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


59
Em 1795, devido aos problemas financeiros da empresa, o número foi reduzido
para 1.500, sendo aumentado logo depois para 1.700 e permanecendo nesse nível
até 1801. Desse ano até 1814 a força de trabalho oscilou entre 2.100 e 2.800 cativos,
caindo para 1.000 a 1.800 entre 1814 e 1817. Os últimos dados disponíveis indicam
que em 1818 a Real Extração empregava 1.200 escravos.62
Esses números são confirmados pelos relatos dos viajantes que visitaram o dis-
trito diamantino no início do século XIX. Mawe, Pohl e Freireyss referem-se a 2.000
escravos na época de suas visitas, enquanto Saint-Hilaire encontrou o contingente
reduzido para cerca de um milhar. Poucos anos mais tarde d’Orbigny afirmou que
eram apenas uma centena, no máximo.63
Havia outras pedras preciosas em Minas Gerais. A ocorrência de topázios, safi-
ras, berilos, ametistas e euclásios era bastante disseminada, mas as explorações
eram pequenas e irregulares. Eschwege visitou o principal distrito produtor de
topázios e relatou que os dois maiores mineradores dessa pedra empregavam, res-
pectivamente, 10 a 14 e 4 a 5 escravos. “Todos os outros”, acrescenta, “não empre-
endem esse trabalho senão em caso de necessidade, e são antes faiscadores, que
vendem suas pedras aos dois mineiros principais mencionados.”64
O número total de escravos regularmente ocupados em todas os tipos de mine-
ração no final do período colonial mal atingiria a cifra de dez mil, constituindo
cerca de 5,5 a 6,0 porcento da população escrava de Minas Gerais no período,
dependendo da estimativa populacional que usarmos. Na distribuição ocupacional
da população livre, o emprego na mineração era ainda menos importante. Os 3.801
trabalhadores livres empregados na mineração de ouro em 1814 não representa-
vam mais do que um porcento da população livre dessa época.65

o número empregado em 1771-75, Alcide d’ Orbigny. Voyage pittoresque dans les deux Amériques.
Paris, 1836, p. 163, menciona 6.000 em 1776.
62 Pizarro e Araujo. Memórias, vol. 8, tomo 2, p. 114, Spix e Martius. Viagem, vol. 2, p. 109.
63 Mawe. Travels, p. 265; Johann Emanuel Pohl. Viagem no interior do Brasil empreendida nos anos de
1817 a 1821. trad. Teodoro Cabral, 2 vols. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1951, vol. 2, p.
405; Freireyss. Viagem, p. 190; Saint-Hilaire. Viagem pelo distrito, p. 9; D’Orbigny. Voyage, p. 163.
64 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, p. 172.
65 O Conselheiro Antonio Rodrigues Velloso de Oliveira estimou que, em 1819, havia 168.543 escravos
e 463.342 pessoas livres em Minas. Eschwege dá 181.882 escravos e 332.225 livres em 1821. Como
número total de escravos empregados na mineração usamos 8.592 no setor de ouro, mostrado na
tabela 2.5, mais 1.500 no setor de diamantes. Para as fontes dos dados de população veja o Anexo A.
Não é possível estimar a força de trabalho, escrava ou livre, nesse período.

60 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


A PRIMEIRA GERAÇÃO DE COMPANHIAS INGLESAS DE MINERAÇÃO
Apesar do quadro sombrio do setor aurífero no início do século XIX, a maioria
dos especialistas contemporâneos insistia que as jazidas não estavam esgotadas.
Argumentavam que apenas as camadas superficiais tinham sido arranhadas e que,
com tecnologia mais avançada e o necessário capital, a mineração ainda poderia
oferecer perspectivas animadoras.66
Sob a influência de Eschwege, a Coroa portuguesa decidiu, em 1817, autorizar a
formação de sociedades por ações para explorar a mineração de ouro. A Carta Régia
determinava que as companhias deveriam ter um mínimo de 25 e um máximo de
128 quotas. Cada quota podia ser comprada por 400 mil réis em dinheiro ou com
três escravos sadios, com idade entre 16 e 26 anos.
O próprio Eschwege foi o primeiro a se beneficiar da nova legislação, formando,
em 1819, a Sociedade Mineralógica da Passagem, para a exploração da mina de Pas-
sagem, perto de Mariana. A companhia começou suas operações com 20 escravos e
um engenho de pilões de nove cabeças, uma considerável novidade para a época e
o lugar. Embora festejada como o início de uma nova era, a Mineralógica teve um
sucesso apenas moderado, durante poucos anos, e não sobreviveu ao retorno de seu
fundador à Europa.67
A Carta Régia não estimulou muitos empreendedores locais mas teve, não obs-
tante, implicações de longo alcance. Logo depois da independência, os ingleses –
novos amigos e parceiros comerciais do Brasil – começaram a assumir o controle
do setor minerador de ouro. “A imensa quantidade de ouro extraída do Brasil” com
os métodos rudimentares dos dias coloniais,
despertou grandes ideias de sua riqueza nos estrangeiros, que tinham sido
impedidos de participar dela; mas quando o país abriu suas portas (...)
acreditava-se que um território tão rico, trabalhado com a competência
e a riqueza de uma companhia formada na Inglaterra, produziria os mais
valiosos retornos.68

66 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, p. 242; Saint-Hilaire. Viagem pelas Províncias, vol. 1, p. 171.
Diversos outros escritores contemporâneos fizeram comentários semelhantes. É interessante notar
que não houve no século XIX nenhuma nova descoberta importante. Todas as companhias inglesas
estabelecidas em Minas Gerais, operaram minas já conhecidas, algumas das quais já tinham sido
exploradas por mais de um século.
67 Carta Régia de 12 de agosto de 1817 ao governador D. Manoel de Portugal e Castro. Sobre isso e sobre
a formação da companhia de mineração de Eschwege, ver Ferrand. L’Or, vol. 1, pp. 93-96, 135.
68 Walsh. Notices, vol. 2, pp. 114-15.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


61
Nos anos 1820 e 1830 pelo menos cinco companhias foram constituídas na
Inglaterra para explorar minas de ouro em Minas Gerais. A primeira, a Imperial
Brazilian Mining Association, organizada em 1824, começou suas operações em
1826 na mina de Gongo Soco em Caeté.
Em 1830 veio a Saint John d’El Rey Mining Company, no município de São João
del Rei. Em 1835 a companhia transferiu suas operações principais para a mina de
Morro Velho, em Congonhas do Sabará que, com o tempo, veio a ser um dos mais
bem sucedidos investimentos britânicos em toda a América Latina no século XIX.
Foram seguidas pela Brazilian Company, em 1832, com a mina de Cata Branca
em Ouro Preto, a National Brazilian Mining Association, em 1833, em Cocais, e
pouco depois pela Serra da Candonga Company, no Serro Frio. Uma sexta compa-
nhia, a General Mining Association, estabelecida em 1828 com quatro minas em
São José del Rei, é citada por Walsh.69
As companhias inglesas trouxeram muitas mudanças ao combalido setor mine-
rador. Eram empresas capitalistas, com gestão capitalista e novas tecnologias, ope-
rando em larga escala. As poucas que foram bem-sucedidas tiveram um grande
impacto sobre a economia das regiões onde se localizavam. Isso é especialmente
verdadeiro com respeito à Saint John d’El Rey Company. Entre 1838 e 1885, a

69 Ferrand. L’Or, vol. 1, pp. 100-47; Burton. Explorations, vol. 1, pp. 211-14; Walsh. Notices, vol. 2,
pp. 90, 111, 116. A Companhia da Serra da Candonga é citada somente por Burton e por Gardner,
Viagens. p. 407. Não consegui encontrar nenhuma outra informação sobre ela. A companhia inglesa
em São José del Rei, a qual, segundo Walsh, se denominava General Mining Association, é citada
somente por ele e por Charles James Fox Bunbury. Narrativa de Viagem de um Naturalista Inglês ao
Rio de Janeiro e Minas Gerais (1833-1835). Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. 62
(1940), Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942, p. 135. Provavelmente era a General South American
Mining Association, uma companhia que, de acordo com J. Fred Rippy. British Investments in Latin
America, 1822-1949. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1959, p. 23, foi formada em 1824-
25, “principalmente (...) para operar no Brasil”. Henry English, autor de um levantamento de 1825
sobre as companhias britânicas criadas para operar minas estrangeiras, informa sobre a formação
da General South American mas não informa a localização de suas operações. English também cita a
Imperial Brazilian Mining Association, a Brazilian Company, e uma quarta, planejada para operar na
província do Espírito Santo, a Castello e Espírito Santo Brazil Mining Association. A Brazilian Company,
aparentemente, teve problemas em seu início: em 1825 English relatava que “ainda não tinha vindo
à luz” e, em outro levantamento, em 1827, ainda a cita como uma companhia em projeto. Veja Henry
English. A General Guide to the Companies Formed for Working Foreign Mines. London: Boosey and
Sons, 1825, pp. 9, 10, 25, 35 e 76-88, e seguintes; e Henry English. A Complete View of the Joint-
Stock Companies Formed During the Years 1824 and 1825. London: Boosey and Sons, 1827, pp. 4, 6
e 17. Quase todos os viajantes estrangeiros que estiveram em Minas Gerais no século XIX visitaram
as minas inglesas e escreveram sobre elas. Além dos já citados, veja também: Burmeister. Viagem, p.
222; Francis Castelnau. Expedição às Regiões Centrais da América do Sul. trad. Olivério M. de Oliveira
Pinto. 2 vols. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1949, vol. 1, pp. 158-78; Charles d’Ursel. Sud-
Amérique. Séjours et Voyages au Brèsil, a La Plata, au Chili, en Bolivie et au Perou, 2ª. ed. Paris: E. Plon
et Cie., 1879, pp. 50-67; e Suzannet. O Brasil, pp. 107-23.

62 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


empresa dispendeu uma média de 75.000 libras esterlinas por ano em custos opera-
cionais, a maior parte das quais foi injetada diretamente na economia da província.
Suas grandes demandas por madeira para escoramento das galerias, carvão para
o processo de amalgamação, pólvora para as explosões, ferro para as cabeças dos
pilões, brocas e outras ferramentas, alimentos e outras necessidades de sua grande
força de trabalho eram supridas localmente e certamente geravam emprego para
homens livres e escravos.70
As companhias inglesas retardaram um pouco a decadência do setor minerador
mas a tendência geral não foi revertida. A produção média anual de ouro, que tinha
sido de 1.884 quilos no período 1800-1820, caiu para 1.635 quilos em 1820-1860,
dos quais 52,3 por cento foram produzidos somente por Gongo Soco, Morro Velho
e Cata Branca.71
Mais do que tudo, a presença britânica não reverteu a crescente dissociação
entre escravidão e mineração. Não porque tivessem qualquer escrúpulo a respeito
do uso do trabalho escravo – eles sabiam pefeitamente que a escravidão “relates not
to vice and virtue, but to production” – e não davam muita bola para os saints da
campanha abolicionista na Inglaterra.72
Essas companhias utilizaram largamente a mão de obra cativa, mas seu impacto
no emprego de escravos em Minas Gerais foi muito limitado porque elas eram pou-
cas, usavam tecnologia mais intensiva em capital e foram, com uma única exceção,
grandes fracassos, de vida curta. Embora conseguissem se apropriar de algumas
das minas mais ricas da província, eram bastante incompetentes e, aparentemente,
desonestas. Algumas eram claramente “esquemas” para enganar o investidor inglês.
Comentando os primeiros anos da Imperial Brazilian, Eschwege acusou sua
administração de ser tecnicamente ineficiente e levantou sérias dúvidas sobre sua
integridade ética. De acordo com ele, a administração, entre outros delitos, ado-
tava a prática de comprar ouro contrabandeado para inflar a produção da mina,

70 Douglas Cole Libby. O Trabalho Escravo na Mina de Morro Velho. Dissertação de Mestrado. Departa-
mento de Ciência Política, Universidade Federal de Minas Gerais, 1979, pp. 61-62, 79-81, 84-85; Caló-
geras. As Minas, p. 484. A afirmação de Libby que a St. John del Rey sustentava “sozinha a economia
regional” é um claro exagero. Burton, um grande admirador da empresa, manifestou um juízo muito
mais comedido sobre seu impacto econômico: “Ela emprega diretamente 2.521 almas; indiretamente
o dobro desse número”. Burton. Explorations, vol. 1, p. 278.
71 Henwood. Observations, pp. 367-69.
72 A citação é de Edward Gibbon Wakefield. A View of the Art of Colonization, with Present Reference to
the British Empire [1849], reprinted: New York: Augustus M. Kelley Publishers, 1969, p. 323. Saints era
o apelido dado aos abolicionistas ingleses no final do século XVIII e início do XIX.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


63
enganando os acionistas. Escrevendo quarenta anos mais tarde, o capitão Richard
Burton voltou ao tema, afirmando:
Havia uma grotesca incompetência gerencial, tanto aqui [na Inglaterra]
como no estrangeiro (...) em alguns casos foram organizadas verdadeiras
pilhagens, esquemas mirabolantes foram lançados no mercado, os mais
reles especuladores enriqueceram.73

A National Brazilian Association arrendou, em 1833, por cinquenta anos, a


mina de Cocais. As operações começaram em 1834 e se depararam, desde o início,
com problemas de infiltração de água. Em 1846 a mina desmoronou e foi aban-
donada. Depois de romper o contrato, em 1851, a companhia tentou explorar as
minas de Cuiabá e Brucutu, mas os resultados foram pífios. Em 1867 foi descrita
como “se arrastando”. O empreendimento foi um desastre financeiro: entre 1834 e
1846 produziu 207,9 quilos de ouro, no valor de 27.711 libras esterlinas enquanto,
por volta de 1840, as despesas já tinham atingindo a mais de 200.000 libras.74
A Brazilian Company revelou-se um fiasco semelhante. Seus principais traba-
lhos, na mina de Cata Branca, começaram em 1832 e, como em Cocais, por incom-
petência gerencial e técnica, não conseguiu controlar as abundantes águas subter-
râneas que encontrou. A mina desmoronou em 1844, soterrando 30 mineiros. A
falta de capacidade técnica foi a causa do fracasso, uma vez que a jazida era razoa-
velmente rica. Entre 1840 e 1844 produziu uma média de 12,8 gramas de ouro por
tonelada de minério, totalizando 1.181,3 quilos de ouro em quatro anos e meio.75
Pouco se sabe sobre a companhia da Serra da Candonga, exceto que não durou
mais do que dois ou três anos. A empresa foi formada no final dos anos 1830 e,
quando visitou a região em 1841, Gardner relatou que ela estava prestes a ser
abandonada.76
A Imperial Brazilian Mining Association saiu-se melhor e foi capaz de produ-
zir lucro durante seus trinta anos de operação. A companhia comprou, em 1824,
as minas de Gongo Soco, Cata Preta, Antonio Pereira e Água Quente, e as opera-
ções começaram em 1826, concentrando-se no Gongo Soco, uma das jazidas mais
ricas jamais descobertas em Minas Gerais. Do final dos anos 1820 até a metade
dos anos 1830 essa mina produziu mais de uma tonelada de ouro por ano, com a

73 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 66-104; Burton. Explorations, vol. 1, p. 215-18.
74 Ferrand. L’Or, vol. 1, pp. 126-27; Burton. Explorations, vol. 1, p. 215.
75 Ferrand. L’Or, vol. 1, p. 124-25.
76 Burton. Explorations, vol. 1, p. 214; Gardner. Viagens, p. 407.

64 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


produtividade atingindo o assombroso nível de dois quilos por trabalhador, em
1829. Em 1828 um visitante registrou que a propriedade tinha a aparência de uma
aldeia inglesa nos trópicos, incluindo até mesmo uma capela e um capelão consa-
grados pelo Bispo de Londres. Foi descrita, em 1830, como um “estabelecimento
impecável”, sob “judiciosa disciplina militar”.
Entretanto, a bonança não durou muito tempo. Os veios mais ricos tornaram-se
profundos demais para serem seguidos, a qualidade da administração se deterio-
rou. Os problemas de drenagem, que tanto tinham atormentado as outras empre-
sas britânicas, começaram a aparecer. A produção caiu drasticamente: de 1845 em
diante ficou constantemente abaixo de 100 quilos de ouro por ano, atingindo ape-
nas 25 e 27 quilos nos dois últimos anos de operação. Nem mesmo as sucessivas
reduções “compassivas” de impostos, feitas pelo governo brasileiro, conseguiram
salvar o empreendimento. Em 1856 a mina encontrava-se inteiramente inundada
e sua operação tornou-se impossível. No ano seguinte um credor brasileiro confis-
cou os escravos da companhia, tornando-se seu proprietário.
Alguns anos antes, quando Gongo Soco começou a fraquejar, a empresa tentou,
sem sucesso, explorar suas outras minas. Cata Preta produziu somente 10,5 quilos
de ouro de 1844 a 1846, enquanto Água Quente rendeu 300 quilos entre 1847 e
1853, mas caiu abruptamente em seguida. Entre 1826 e 1856, a Imperial Brazilian
extraiu 12.887 quilos de ouro, que geraram uma receita de 1.697.295 libras ester-
linas. As despesas totais foram, no mesmo período, de 1.347.781 libras, deixando
um lucro de 349.514 libras esterlinas, das quais 348.750 foram distribuídas como
dividendos aos acionistas.77
A grande exceção ficou por conta de Morro Velho. Essa mina, que é produtiva
até hoje, foi operada pela Saint John del Rey até 1960. Entre 1845 e 1875 produziu
um dividendo médio nominal ordinário de 23% por ano, crescendo para 36% nos
cinco anos seguintes. Durante todo o período de operação de Morro Velho durante
o império, de 1835 a 1886, o retorno médio do capital foi de 18% ao ano.
A companhia foi organizada em Londres, em abril de 1830, com um capital de
165 mil libras esterlinas. No mesmo ano começou a explorar alguns depósitos ao
norte da cidade de São João del Rei. Em dezembro de 1834, depois de registrar um

77 Ferrand. L’Or, vol. 1, pp. 100-13. Os dados de produção são de Henwood. Observations; Walsh.
Notices, vol. 2, p. 212; Burton. Explorations, vol. 1, pp. 212-14. Burton cita uma outra fonte que dá
números diferentes para a receita, despesas e lucros da companhia. Os números apresentados no
texto são de Ferrand. L’Or, vol. 1, pp. 111-112, cuja fonte, Henwood, foi um antigo superintendente
da companhia.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


65
prejuízo de 26.287 libras, a Saint John decidiu transferir suas operações para Morro
Velho, no distrito de Congonhas do Sabará, hoje município de Nova Lima.78

Tabela 2.10 - Mina de Morro Velho:


Produção de ouro, 1835 - 1885 (em quilogramas*)

Período Produção total Média anual


1835 - 1840 1.070,6 178,4
1841 - 1850 5.933,3 593,3
1851 - 1860 12.227,5 1.222,7
1861 - 1870 13.438,8 1.343,9
1871 - 1880 11.412,8 1.141,3
1881 - 1885 4.305,3 861,1
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Apesar do lento começo em Morro Velho, o empreendimento apresentou desde


o início um progresso constante. Em 1850 produziu, pela primeira vez, uma tone-
lada de ouro, e permaneceu acima desse nível ao longo dos dezessete anos seguin-
tes, com apenas duas exceções. Em dezembro de 1867, o “poderoso escoramento”
da mina, descrito poucos meses antes como “uma vasta floresta subterrânea”, se
incendiou. Diversas galerias cederam, matando 21 escravos e um mineiro inglês. A
atividade foi reduzida de 1868 até 1873, mas em 1874 a produção já tinha recupe-
rado o nível anterior ao sinistro. Em 1879, Morro Velho, sozinha, foi responsável
por 83% de todo o ouro produzido em Minas Gerais.79
Em 1886, após cinquenta anos de quase ininterrupta prosperidade, Morro
Velho foi o cenário de outra catástrofe, de proporções ainda maiores, quando toda

78 Ferrand. L’Or, vol. 1, p. 114; Libby. O Trabalho Escravo, pp. 24-25; Rippy. British Investments, pp. 157,
175-77. A dissertação de mestrado de Libby, baseada em uma extensa pesquisa nos arquivos da
companhia, é a melhor história de Morro Velho disponível até o presente. Outra história da mina, de
autoria de Bernard Hollowood. A História de Morro Velho. edição particular. London: Saint John del
Rey Mining Co., Ltd., 1955, foi escrita com o patrocínio da Saint John del Rey e não é confiável. Além
desses trabalhos existem os relatos dos viajantes europeus, para quem uma visita ou mesmo uma
permanência prolongada em Morro Velho tornou-se obrigatória durante o século XIX. Infelizmente
esses depoimentos são claramente marcados pelo tratamento vip que a companhia dispensava aos
seus visitantes europeus. A tabela de Rippy, na página 175, onde lista as empresas britânicas mais
rentáveis na América Latina, não faz justiça ao desempenho da Saint John no século XIX. O período
incluído, 1875 a 1950, além de se situar em sua maior parte no século XX, contém quinze anos nos
quais não foram distribuídos dividendos, em virtude do desmoronamento de 1886
79 Libby. O Trabalho Escravo, pp. 49, 60. A citação é de Burton. Explorations, vol. 1, p. 247.

66 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


a mina desmoronou. Permaneceu fechada pelo resto do período imperial, sendo
reaberta somente na metade dos anos 1890.80
A Saint John del Rey possuía e operava outras minas em Minas Gerais, nenhuma
das quais, entretanto, chegou perto de Morro Velho em importância. As minas de
Gaia e Gabiroba foram adquiridas em 1862, mas só foram exploradas, com fracos
resultados, durante a interrupção forçada, causada pelo incêndio de 1867. A mina
de Cuiabá foi comprada em 1877 e foi trabalhada por 16 anos, durante os quais
rendeu somente um total de 700 quilos de ouro.81
Alguns observadores afirmaram que as companhias inglesas não eram parti-
cularmente avançadas em termos de tecnologia. Eschwege comentou que a com-
panhia do Gongo Soco havia aderido a métodos locais e Gardner não se mostrou
favoravelmente impressionado por seu maquinário. Um recente historiador de
Morro Velho observou que “a Saint John se destacou mais pela organização racio-
nal dos recursos humanos (...) do que por avanços tecnológicos”.82
Essa é, obviamente, uma questão de padrões de comparação. As companhias cer-
tamente não estavam na fronteira técnica do setor minerador do século XIX, mas,
não obstante, introduziram mudanças significativas em todos os estágios da mine-
ração de ouro em Minas. Os métodos do período colonial, trazidos pelos escravos
africanos, eram altamente intensivos em mão de obra. Só eram usadas as ferramentas
mais rudimentares, e a principal fonte de energia era a força física do escravo. A água,
embora sempre usada para a lavagem do minério, só muito raramente era empregada
como energia hidráulica, para movimentar máquinas. Além de ignorar totalmente
métodos mais avançados, os donos das minas eram inteiramente avessos a inovações.
Eschwege reclamava amargamente que seus esforços didáticos eram quase sempre
recebidos com ceticismo e escárnio.83
Muito disso, entretanto, foi mudado pelas companhias inglesas. Uns poucos
exemplos serão suficientes para ilustrar a extraordinária economia de trabalho que
resultou das inovações relativamente simples introduzidas por elas.
O esgotamento de água sempre foi um dos principais problemas que os minera-
dores tinham de enfrentar. Na maioria dos estabelecimentos a água era levada para a
superfície em recipientes rudimentares de madeira (carumbés) passados de mão em

80 Libby. O Trabalho Escravo, p. 64.


81 Ferrand. L’Or, vol. 1, p. 123.
82 Eschwege Pluto Brasiliensis, vol. 1, p. 83; Gardner. Viagens, p. 410; Libby. O Trabalho Escravo, p. 74.
83 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 1, p. 68-76.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


67
mão ou carregados na cabeça pelos negros. Umas poucas minas usavam os antiquís-
simos sistemas de noras montadas em correntes, que frequentemente eram movidas
por escravos. Bombas hidráulicas e galerias de drenagem eram totalmente desco-
nhecidas e Eschwege não conseguiu convencer as pessoas a adotá-las. Segundo ele
os mineradores preferiam usar todos os seus escravos no transporte da água do que
escavar uma galeria de drenagem afastada do veio aurífero.
O transporte do minério para a superfície era outra operação que envolvia
um grande número de trabalhadores. “Nem um carrinho de mão é usado”, assina-
lou Mawe, “tudo que tem de ser movido é carregado em gamelas nas cabeças dos
pobres negros que, em muitos casos, têm que subir íngremes encostas, ao invés de
planos inclinados, que poderiam ser empregados com grande proveito.84 Eschwege
fez a mesma observação e Saint-Hilaire declarou que somente em Itabira viu carre-
tas serem empregadas para esse fim.85
É obvio que nessas e em outras etapas do processo de produção havia um enorme
potencial para grandes economias nos custos de trabalho. Esse potencial foi, em
grande medida, aproveitado pelas companhias inglesas. E nem podia ser diferente:
essas empresas foram a Minas Gerais para explorar jazidas que tinham se tornado
impraticáveis pelos métodos locais tradicionais e sua única possibilidade de torná-las
novamente rentáveis era através da aplicação de mais capital e de novas tecnologias.
O uso mais eficiente da água, bombas hidráulicas e sistemas de drenagem,
vagonetes e caçambas ou kibbles, a adoção de pólvora e, mais tarde, de dinamite
para as explosões, processos modernos de amalgamação, tudo isso contribuiu para
aumentar a produtividade e poupar trabalho.86
A operação de redução era a área onde se podiam obter os ganhos mais signifi-
cativos, pois o método local de pulverização do minério baseava-se exclusivamente
na utilização de ferramentas manuais. Primeiro as pedras de minério eram quebradas
(britadas) com martelos de ferro, sendo em seguida moídas, também manualmente,

84 Ferrand. L’Or, p. 46; Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 1, pp. 307, 326-27; Mawe. Travels, p. 229.
85 Mawe. Travels, p. 283; Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 1, p. 327; Saint-Hilaire. Viagem pelas Províncias,
vol. 1, p. 220. Essas observações aplicam-se às minas de ouro. No distrito diamantino, diversas
inovações técnicas foram experimentadas com diferentes graus de sucesso pelo empreendedor
Intendente Câmara.
86 Kibble era o nome dado pelos mineiros da Cornualha, em Morro Velho, a um grande balde de ferro
puxado por correntes e rodas d’água, usado para trazer o minério do poço da mina para a superfície.
Burton. Explorations, vol. 1, pp. 246, 253. Castelnau. Expedição, tomo I, p. 174, descreve um mecanismo
semelhante no Gongo Soco.

68 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


com pedras roliças. Com esse processo um escravo era capaz de produzir, em um dia de
trabalho, cerca de cinquenta quilos de minério em pó, pronto para ser lavado.
Eschwege descreveu o estágio técnico dessa operação como “deplorável” e disse
que o desperdício de mão de obra era tão evidente que alguns empresários já esta-
vam começando a descobrir as vantagens dos engenhos de pilões.87 A maioria dos
donos das minas, entretanto, apegava-se aos velhos métodos: das 517 lavras regis-
tradas em 1814 somente cinco empregavam baterias de pilões, e mesmo estes eram
descritos como extremamente rudimentares.
Um dos primeiros engenhos de redução eficientes usados em Minas foi ins-
talado por Eschwege em sua mina da Passagem. Pouco antes, em 1815, ele tinha
construído um outro para o Coronel Romualdo José Monteiro de Barros, em Con-
gonhas do Campo. A economia de mão de obra era imensa, embora a instalação
fosse modesta: segundo o proprietário, ela podia fazer, com dois escravos em dois
dias, a mesma tarefa que anteriormente exigia o trabalho de trinta homens durante
uma semana, significando, portanto, um aumento de quarenta e cinco vezes na
produtividade do trabalho nessa operação.
Grandes moinhos de redução eram equipamentos padrão nas companhias
inglesas. A britagem continuou a ser feita manualmente até, pelo menos, os anos
1890, mas a pulverização foi mecanizada desde o princípio.88 Em Cata Branca “três
enormes máquinas hidráulicas (...) punham em movimento um número infinito de
pilões”, de acordo com um visitante de 1842. A arrumação e a eficiência das insta-
lações em Cocais mereceram grande louvor por parte de outro viajante, que viu ali
um nítido contraste com os métodos brasileiros. A água, trazida de uma distância
de sete léguas, movimentava uma serraria, um moinho de grãos, foles e malhos
na tenda do ferreiro; irrigava uma grande horta, e acionava bombas de drenagem,
ventiladores e duas máquinas de triturar minério.
No Gongo Soco as instalações não eram tão boas, carecendo da aparência
“quase coquette” da anterior. Mesmo assim, a companhia tinha um engenho de
pilões capaz de pulverizar 3.250 quilos de minério por dia, um trabalho que teria
exigido 65 escravos se usasse a tecnologia local.89

87 Ferrand. L’Or, p. 60; Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 1, pp. 349-50. O processo descrito por Eschwege
é ligeiramente diferente.
88 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 34-63; vol. 1, pp. 75-76, 352-55. Usei uma semana de seis
dias para comparar a produtividade do trabalho antes e depois da instalação do engenho na mina do
Coronel Romualdo. Ferrand. L’Or, vol. 1, p. 147 diz que na mina do Faria, operada por uma companhia
francesa desde 1867, a trituração ainda era feita manualmente.
89 Castelnau. Expedição, tomo I, pp. 161-175; Gardner. Viagens, p. 406; Ferrand. L’Or, vol. 1, pp. 106-7.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


69
Por ocasião da visita de Burton, o departamento de redução de Morro Velho
empregava 550 pessoas, ou 38% da força de trabalho escrava da companhia, 350
das quais eram empregados na britagem manual. A operação de pulverização era
inteiramente mecanizada. O número total de pilões, que era de 27 em 1835, aumen-
tou para 65 em 1838, e para 135 por volta da metade do século. Eram aparelhos
modernos, pesando 290 quilos cada, e capazes de desferir de 60 a 80 golpes por
minuto. As quantidades de minério triturado em 1856, 1865 e 1877, por exemplo,
teriam exigido, com os métodos antigos, o emprego de 5.056, 3.347 e 3.527 escra-
vos, respectivamente.90
O resultado das inovações técnicas introduzidas pelos ingleses foi aumentar
substancialmente a produtividade da mão de obra, com relação às 59,3 gramas por
trabalhador por ano observada em 1814. Em algumas minas os dados disponí-
veis permitem comparar com razoável precisão a produção por trabalhador antes e
depois da chegada dos ingleses.
Em Cata Branca a produtividade decuplicou, de 65 gramas por escravo em 1814
para 654,8 em 1842, com a Brazilian Company. Gongo Soco tinha produzido 11,3
gramas por escravo em 1814. No primeiro ano de operação da Imperial Brazilian, a
produtividade foi de 460 gramas por escravo, aumentou continuamente até atingir
2.000 gramas em 1829, e permaneceu acima de 500 gramas até 1842. Quando a
mina foi abandonada, em 1856, a produtividade ainda era mais de cinco vezes mais
alta do que em 1814. Em Morro Velho a produção por trabalhador foi de 111,4
gramas em 1814, aumentou, sob a administração da Saint John, para 446 gramas
em 1838, e atingiu 1.927 gramas em 1875. A única queda na produtividade por
trabalhador, sob administração inglesa, ocorreu em Cocais: de 77,3 gramas por
trabalhador em 1814 diminuiu para 48,1 gramas em 1841, quando a mina já estava
enredada em sua crise terminal.91

90 Burton. Explorations, vol. 1, pp. 253-55; Ferrand. L’Or, vol. 1, pp. 117-19. Burton relatou que a
companhia estava experimentando ansiosamente máquinas que poupassem mão de obra nos
trabalhos de trituração. Ao lado dos 135 pilões do engenho principal, havia duas outras baterias, com
um total de 56 cabeças, usadas para triturar minério mais pobre. Para computar as exigências de mão
de obra da velha tecnologia usamos os dados fornecidos por Ferrand e assumimos que em 1856 o ano
de trabalho teve 356 dias, como em 1865 e 1877.
91 A produtividade da mão de obra em 1814 foi computada a partir dos dados de Eschwege. Pluto
Brasiliensis, vol. 2, pp. 34-63. Para os outros anos dados são de: Cata Branca: Ferrand. L’Or, p. 125 e
Castelnau. Expedição, tomo I, p. 160. Gongo Soco: Ferrand. L’Or, p. 110. Morro Velho: Libby. O Trabalho
Escravo, pp. 167-68. Cocais: Gardner. Viagens, pp. 405-06 e Ferrand. L’Or, pp. 126-27. A mina de Gongo
Soco não foi citada com esse nome em 1814. Aparentemente é a lavra Paciência em Santa Bárbara,
propriedade do Guarda Mor José Alves da Cunha Porto. A localização e o nome do proprietário são os
fornecidos por Ferrand para Gongo Soco.

70 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


De qualquer maneira, seja pela adoção de tecnologia mais intensiva em capital,
seja por uma administração mais eficiente, ou pela combinação dos dois fatores, o
fato é que os altos ganhos de produtividade do trabalho das companhias inglesas
resultaram em um limitado emprego de escravos na mineração de ouro.

O EMPREGO DE ESCRAVOS NA MINERAÇÃO NA PRIMEIRA METADE DO


SÉCULO XIX
Individualmente consideradas, todas essas companhias eram grandes empre-
gadoras de escravos. A Imperial Brazilian começou suas operações no Gongo Soco
com um contingente de 40 mineiros ingleses e 410 nativos, a maioria dos quais
era composta por escravos alugados. Em 1828 Walsh informou que o número de
ingleses, presumivelmente incluindo trabalhadores, administradores e suas famí-
lias, era de 180, e que havia 600 trabalhadores nativos entre negros e outros. Em
1832 a força de trabalho era composta por 183 europeus, 207 brasileiros livres e 404
escravos. O conde de Suzannet visitou a mina em 1842 e registrou 500 escravos e
80 mineiros ingleses. Em 1848, J. C. Westwood, cônsul britânico no Rio de Janeiro
informou ao Visconde Palmerston que a companhia tinha cerca de 400 escravos.
De acordo com Burton, a maior força de trabalho de Gongo Soco, durante todo o
tempo em que foi operada pelos ingleses, foi constituída por 217 europeus, 200 bra-
sileiros livres e 500 escravos. Quando abriu falência, em 1856, a Imperial Brazilian
ainda empregava 14 europeus e 446 escravos.92
A General Mining Association, em São José, quando visitada por Walsh tinha
cerca de uma dúzia de mineiros alemães do Hartz e empregava acima de cem pes-
soas, presumivelmente escravos.93 A National Brazilian Association, em Cocais,
tinha uma força de trabalho de 30 mineiros ingleses, 30 brasileiros livres e 300
escravos quando foi visitada pelo botânico Gardner em 1841. Em 1848, o supraci-
tado cônsul Westwood relatou que ela tinha entre 300 e 400 escravos.94 Em 1835 a
Brazilian Company (Cata Branca) empregava, além de trabalhadores contratados
(presumivelmente nativos livres), 38 europeus, 76 escravos e 34 escravas. Tinha 450

92 Burton. Explorations, vol. 1., p. 212. Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 1, p. 81; Walsh. Notices, vol. 2,
p. 212; Acting-consul Westwood to Viscount Palmerston, December 28th, 1848. British and Foreign State
Papers, volume 37, p. 152; p. 429. Inclosure - List of 15 English Subjects within the District of the British
Consulate at Rio de Janeiro who are the Owners of about 2,231 Slaves. Suzannet. O Brasil, p. 119.
93 Walsh. Notices, vol. 2, pp. 118,120.
94 Gardner. Viagens, pp. 405-06; Westwood to Palmerston, December 28th, 1848, p. 152.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


71
escravos em 1842, de acordo com o viajante francês Francis Castelnau, mas Suzan-
net registrou somente 300, no mesmo ano.95
A Saint John del Rey foi provavelmente a maior empresa escravista privada de
todos os tempos em Minas Gerais.96 Ela importava, como as demais, mineiros euro-
peus da Cornualha e contratava brasileiros livres, mas o grosso de sua força de tra-
balho era escrava. Um visitante da metade do século notou que somente os ingleses
e os escravos trabalhavam dentro da mina, os brasileiros livres eram empregados
apenas nas operações de superfície.97
A companhia tinha 263 escravos ao iniciar sua exploração em Morro Velho,
em 1835. Seu contingente servil cresceu continuamente até 1863, quando atingiu o
ponto máximo, com 1.691 indivíduos, e só começou a declinar em 1872-73. Nessa
época a companhia estava retomando a plena capacidade de suas operações depois
da redução causada pelo incêndio de 1867, e encontrou um mercado de escravos
cada vez mais tensionado. Foi uma das poucas empresas do Brasil a importar coo-
lies chineses.98 Em 1875 os escravos ainda constituiam 71% dos trabalhadores não
europeus, mas a companhia estava iniciando sua transição para o trabalho livre.
Em 1879, pela primeira vez na longa história de Morro Velho, os trabalhadores
livres ultrapassaram os escravos. Em 1885, último ano de operação no período
escravista, a Saint John ainda tinha 258 escravos.99 A tabela 2.11 mostra a evolução
da força de trabalho escrava de Morro Velho.
O Brougham Act, de 1843, que tornou ilegal a compra de escravos por súditos
britânicos, encontrou a Saint John no meio de uma forte expansão, que incluia pla-
nos para grandes aquisições de cativos. A companhia foi então forçada a se voltar
para o mercado do aluguel. Uma importante fonte de escravos de aluguel foram as
companhias inglesas falidas. É irônico constatar que, por um contrato assinado em
Londres em 1845 – o ano e o lugar da promulgação do Bill Aberdeen – os esquires
da Brazilian Company, entre os quais havia pelo menos um “proeminente membro

95 Castelnau. Expedição, tomo I, p. 160; Suzannet. O Brasil, p. 112; Burton. Explorations, vol. 1, p. 183.
96 Tanto quanto pude apurar, a única empresa em Minas Gerais que teve, em qualquer época, mais
escravos do que a Saint John del Rey foi a estatal Real Extração, no Distrito Diamantino.
97 Burmeister. Viagem, p. 222.
98 Libby. O Trabalho Escravo, pp. 167-88, 63. Libby afirma que a Saint John foi a única empresa a usar
o trabalho de coolies chineses no Brasil. Não foi o caso: a Fazenda de Santa Cruz, de propriedade da
Coroa, empregava-os no cultivo de chá, e a malfadada Companhia de Colonização do Mucuri, em
Minas, também usou indentured labor chinês nos anos 1850. Pode ter havido outros casos além
destes. Ver Robert Avé-Lallemant. Viagem pelo Norte do Brasil no ano de 1859. trad. Eduardo de Lima
Castro, 2 vols. Rio de Janeiro: MEC-Instituto Nacional do Livro, 1961, vol. 1, pp. 184-86, 204-05.
99 Libby. O Trabalho Escravo, pp. 167-68.

72 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


da Anti-Slavery Society” concordaram em alugar seus escravos para os esquires da
Saint John del Rey Company. Assim, 385 escravos foram transferidos para Morro
Velho por um período de três anos, para gerar lucros que seriam distribuídos aos
acionistas britânicos da empresa.100

Tabela 2.11 - St. John del Rey Mining Company:


Força de trabalho escrava, 1835 - 1885

Período Média de escravos por ano

1835 -1840 373


1841 -1850 793
1851 -1860 1.181
1861 -1867 1.476
1868 -1872 1.182
1873 -1880 702
1881 -1885 331
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Em 1867, dos 1.450 escravos empregados, 1.196 eram alugados, dos quais 245
eram de Cata Branca e 155 pertenciam à também falida Companhia de Cocais (Natio-
nal Brazilian). Entre os restantes, 414 podem ter sido antigos escravos de Gongo
Soco, pois 269 foram alugados do Comendador Francisco de Paula Santos que, em
1856, tinha confiscado os escravos daquela empresa e se tornado seu proprietário,
enquanto outros 145 foram alugados de seu genro.101
Em 1879 a Saint John del Rey tornou-se o centro de um escândalo de vastas
proporções. O contrato de 1845 com Cata Branca, cujos termos não foram divulga-
dos no Brasil, estipulava que os escravos transferidos para Morro Velho deveriam

100 O título completo do Brougham Act é: An act for the more Effectual Suppression of the Slave Trade, 24
de agosto de 1843. Ao introduzir sua proposta, Lord Brougham disse explicitamente que um dos seus
alvos eram as companhias inglesas de mineração em Minas Gerais. Veja-se seu discurso na House of
Lords, em 2 de agosto de 1842. Veja também: Libby. O Trabalho Escravo, pp. 57-58. A informação de
que um membro da Anti-Slavery Society possuía ações da companhia Cata Branca é de Frank Bennett.
Forty Years in Brasil. London: Mills and Boon Ltd., 1914, pp. 84-85.
101 Burton. Explorations, vol. 1, pp. 273-74. Tudo indica que “o aluguel” dos escravos de Cata Branca foi
uma fraude para burlar o Brougham Act. Apesar de não serem contados entre os company blacks,
estes cativos também não eram incluídos entre os hired blacks. Seus uniformes, assim como os dos
“pretos da companhia” portavam número de identificação enquanto que os “pretos alugados” tinham
somente as inicias M.V.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


73
ser libertados após 14 anos de serviço e que seus filhos deveriam ser emancipados
ao completarem 21 anos. A Saint John ignorou essa cláusula até ser denunciada
no parlamento brasileiro por manter mais de 385 pessoas em escravidão ilegal
por mais de vinte anos. A comunidade norte-americana do Rio teve importante
papel na divulgação do escândalo, que alcançou a Inglaterra através da Anti-Slavery
Society, e a França, em artigos publicados na importante Revue des Deux Mondes.
A subsequente batalha judicial chegou ao Supremo Tribunal, no Rio de Janeiro,
o qual, em 1881, confirmou a decisão de um tribunal inferior, declarando livres,
desde 1860, os 165 escravos sobreviventes, e condenando a companhia a pagar-lhes
dezenove anos de salários atrasados. Os últimos 28 escravos envolvidos no caso
foram libertados em junho de 1882.102
Comparado com a população escrava provincial, o contingente escravo total
empregado pelas companhias inglesas era claramente insignificante. No início dos
anos 1840, quando as quatro maiores companhias estavam todas em atividade,
o número total de escravos empregados por elas não excedia 1.750, incluindo as
crianças. Pela metade do século, com Cata Branca fora de operação, pode ter alcan-
çado 2.000, no máximo. Daí em diante, com o fechamento de Gongo Soco e a lenta
agonia de Cocais, o número certamente decaiu, apesar do crescimento de Morro
Velho.
Não existem, até o presente, dados confiáveis sobre a população escrava total da
província no meado do século. Aplicando à população de 1819 a taxa de crescimento
observada entre aquele ano e 1873, chega-se a 269.550 escravos em 1850, um número
que é certamente subestimado pois, com toda probabilidade, a população servil cres-
ceu muito mais rapidamente antes do fechamento do tráfico internacional do que
depois dele. Assim, a estimativa de 2.000 cativos empregados conjuntamente por
todas as empresas inglesas em torno da metade do século, não representa mais do que
0,7 por cento dessa provável subestimativa da população escrava total da província.103

102 Libby. O Trabalho Escravo, pp. 68-71; Conrad. The Destruction, p. 136; Richard Graham. Britain and the
Onset of Modernization in Brazil, 1850-1914. Cambridge: At the University Press, 1972, pp. 184-85. Os
norte-americanos e os franceses sempre tiveram imenso prazer em expor publicamente as hipocrisias
de que acusavam o abolicionismo britânico. O Rio News, jornal da comunidade norte-americana,
desempenhou um importante papel no escândalo de 1879. Para denúncias das práticas trabalhistas da
Saint John del Rey, veja, por exemplo, d’Ursel. Sud-Amerique, p. 65; e Paul Berenger. Le Brèsil en 1879.
Revue des Deux Mondes, tomo 37 (Paris, 1880), pp. 440-41. Veja também, C. F. Van Delden Laerne.
Brazil and Java. Report on Coffee–culture in America, Asia and África. London: W. H. Allen and Co. and
The Hague: Martinus Nijhoff, 1885, pp. 92-93.
103 Para uma discussão dos dados sobre a população escrava de Minas Gerais no século XIX, veja o Anexo A.

74 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


É difícil quantificar o emprego de escravos no setor aurífero fora das companhias
inglesas, mas podemos estar certos de que era muito reduzido.
O setor nativo da indústria do ouro estava decaindo rapidamente na virada do
século e não há nenhuma evidência de que essa tendência tenha sido revertida. Na
verdade, seus problemas devem ter se agravado com a passagem do tempo. Os escra-
vos estavam se tornando mais caros, a produtividade das minas estava declinando e
as exigências de capital e de tecnologia para a sobrevivência na indústria tornavam-se
cada vez mais difíceis de alcançar.
As empresas locais não conseguiram acompanhar a mudança estrutural do setor,
e é pouco provável que mais que um punhado delas estivessem vivas no meado do
século. Além da efêmera Sociedade Mineralógica da Passagem, a única empresa
nacional de mineração na primeira metade do século XIX citada por Ferrand foi
a Sociedade União Mineira, organizada em 1835 pelo Comendador Francisco de
Paula Santos. A empresa não teve sucesso e em pouco tempo suas atividades foram
interrompidas.104
Estima-se que entre 1820 e 1860 as empresas brasileiras e os faiscadores pro-
duziram, juntos, um total de 29.889 quilos de ouro, ou uma média de 729 quilos
por ano. Por volta da metade do século a produção anual foi, certamente, muito
menor que essa média, uma vez que a produção mencionada acima se concentrou
no começo do período. Um dado de 1879 confirma a tendência de queda: naquele
ano as companhias brasileiras e os faiscadores produziram somente 95,9 quilos
de ouro, representando 5,2 por cento da produção da província. Há também indi-
cações que a parcela dos faiscadores nessa produção declinante estava crescendo
rapidamente. Em 1814 tinha sido 49,4 por cento; em 1879 aumentou para 94,3 por
cento da produção não-inglesa.105
Lembrando que os faiscadores eram predominantemente homens livres, pode-
-se concluir que o número de escravos empregados na mineração de ouro fora das
companhias inglesas deve ter sido insignificante por volta de 1850, contribuindo
apenas marginalmente para o total de cativos envolvidos no setor.106

104 Ferrand. L’Or, vol. 1, p. 135.


105 Henwood. Observations, pp. 367-69; Estatística da Produção de Ouro na Província de Minas Gerais,
no ano de 1879, Annaes da Escola de Minas de Ouro Preto, vol. 1, p. 168 (1881), citado por Libby. O
Trabalho Escravo, p. 49.
106 Há também evidência sugerindo alguma disseminação de tecnologia poupadora de trabalho nas
minerações nativas que sobreviveram. Ferrand afirma que quando a mina de Parí foi comprada por
uma companhia inglesa em 1862, já possuía duas baterias com seis pilões cada. Outra companhia
inglesa, que operou entre 1863 e 1873, substituiu um engenho de pilões estragado por outro

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


75
AS COMPANHIAS INGLESAS DE MINERAÇÃO NA SEGUNDA METADE
DO SÉCULO
Por volta do terceiro quartel do século, o sucesso de Morro Velho tinha reabi-
litado a mineração de ouro em Minas Gerais aos olhos do investidor inglês. Entre
1860 e 1880, oito novas companhias foram formadas na Inglaterra, mas suas histórias
não foram diferentes das de suas predecessoras. Somente duas delas conseguiram ser
lucrativas e a maioria durou apenas poucos anos. Em pelo menos dois casos houve
uma clara intenção de enganar o investidor sugerindo, nos nomes das empresas, uma
falsa associação ou proximidade geográfica com a Saint John del Rey.107
A East del Rey Mining Company foi formada em 1861 para explorar as minas do
Capão e Papafarinha, próximas de Sabará. Em 1863, em virtude da baixa produção
dessas jazidas, suas operações foram transferidas para as minas do Morro de São João
e do Morro das Almas, que foram exploradas até 1875 e 1876, respectivamente.108
A Don Pedro North del Rey Gold Mining Company foi organizada em 1862.
Apesar do nome enganoso, que induz uma identificação espúria não somente com
Morro Velho mas também com o imperador D. Pedro II, este empreendimento foi
lucrativo, embora de vida curta. Após um começo malsucedido no Morro de San-
tana, em Mariana, transferiu-se, em 1865, para a mina de Maquiné, onde produziu
2.427 quilos de ouro de 1865 a 1868. O rendimento por tonelada foi extremamente
alto: em 1868, por exemplo, um único lote de 102 toneladas de minério rendeu 124
quilos de ouro, ou seja, um incrivelmente alto rendimento de 1.204,9 gramas por
tonelada. Mesmo depois desses anos de riqueza e prosperidade incomuns, a pro-
dução se manteve muito rentável, no nível de 15 gramas por tonelada, em média. A
infiltração de água foi, mais uma vez, o flagelo. Em 1878 a mina estava inundada e
os esforços para salvá-la arruinaram a companhia.109
A outra história de sucesso da segunda geração de companhias inglesas é a da
Santa Barbara Gold Mining Company. A companhia começou a explorar, em 1862,
a mina de Parí em Santa Bárbara. Apesar de um desmoronamento, em 1882, que
interrompeu o trabalho regular por três anos, a mina produziu 2.682 quilos de ouro
entre 1862 e 1892, com uma média de 9,91 gramas por tonelada de minério. Entre

“comprado na vizinhança”. Ferrand. L’Or, vol. 1, pp. 130-138.


107 Para um relato irônico sobre como “levantar” uma companhia de mineração inglesa no Brasil, veja
Burton. Explorations, vol. 1, pp. 216-17.
108 Ferrand. L’Or, vol. 1, pp. 127-28.
109 Ferrand. L’Or, vol. 1, pp. 128-29.

76 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


1876 e 1882 a Santa Bárbara apresentou um retorno de 14% por ano sobre o capital
investido, tornando-se o segundo investimento britânico mais lucrativo no Brasil
do século XIX, logo abaixo da Saint John del Rey.110
Em 1863, a recém-formada Anglo-Brazilian Gold Mining Company comprou
as minas do Fundão, Mineralógica (Passagem) e Paredão. Começou a funcionar
em janeiro de 1864, concentrando os trabalhos em Fundão e Passagem e, em 1865,
adquiriu a mina de Mata-Cavalos. Logo surgiram problemas de infiltração em Pas-
sagem, e no Fundão o veio se revelou pobre demais para ser lucrativo. Em 1871 a
Anglo-Brazilian tentou explorar a mina de Pitangui, mas foi novamente frustrada
pela inundação das galerias. As pesadas perdas sofridas na última tentativa selaram
o destino da empresa, que foi fechada no início de 1873. Em seus nove anos de
existência, de 1864 a 1873, produziu somente 735,5 quilos de ouro, acumulando
um prejuízo de 28.167 libras esterlinas.111
Em 1864 veio a Rossa Grande Brazilian Gold Mining Company, com a mina
de Roça Grande, em Caeté. Circunstâncias suspeitas cercaram sua formação, pois
a mina esteve à venda por 1.000 libras esterlinas, por longo tempo, sem encontrar
comprador, e foi adquirida pelos organizadores da companhia por 22.000 libras.
Foi anunciado também que ensaios com amostras de minério dessa mina tinham
produzido 150 gramas de ouro por tonelada o que, mais tarde, verificou-se ser
inteiramente falso. Não surpreende, portanto, que o empreendimento tenha che-
gado rapidamente ao fim.112
Seguiu-se a Brazilian Consols Gold Mining Company, formada em 1873, explo-
rando a mina de Taquara Queimada, perto de Mariana. Dois anos mais tarde os
trabalhos foram suspensos, tendo produzido somente 4.750 gramas de ouro.113 Em
1876 a Pitangui Gold Mining Company foi organizada para retomar a exploração
da mina de Pitangui, adquirida da falida Anglo-Brazilian Company. Durante algum
tempo foi capaz de superar os problemas que tinham arruinado suas predecessoras,
retirando, entre 1876 e 1887, 285 quilos de ouro de 18.227 toneladas de minério,
com a altamente respeitável produtividade de 15,6 gramas por tonelada, mas em
1887 novas infiltrações forçaram seu abandono.114

110 Ferrand. L’Or, vol. 1, pp. 130-34, Rippy. British Investments, pp. 156-57.
111 Ferrand. L’Or, vol. 1, pp. 135-38.
112 Ferrand. L’Or, vol. 1, p. 139.
113 Ferrand. L’Or, vol. 1, p. 139.
114 Ferrand. L’Or, vol. 1, p. 140.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


77
A última tentativa britânica no período imperial aconteceu em 1880, com a
Brazilian Gold Mines Ltd., que comprou a mina de Descoberto, em Caeté e seguiu,
sem novidades, a tradição estabelecida por suas antecessoras. Segundo Ferrand, “o
resultado das operações foi desastroso... em menos de três anos tudo estava termi-
nado e apenas 15 quilos de ouro tinham sido extraídos”.115
Em 1883 foi formada a Ouro Preto Gold Mines of Brazil Ltd. Apesar do nome
inglês, foi fundada por um sindicato francês, que tinha adquirido as minas de Pas-
sagem, Raposos, Espírito Santo e Borges, poucos anos antes. Espírito Santo nunca
entrou em operação, o mesmo acontecendo com Borges, onde sucessivos ensaios
não produziram mais do que 1,5 gramas por tonelada. As operações foram inicia-
das em abril, 1883, em Passagem e Raposos. Esta última gerou grande excitação
em 1886, quando um rico filão foi encontrado, mas ele logo se exauriu. A velha
Passagem, com sua tecnologia renovada (e com Morro Velho temporariamente fora
de ação), era, na época que Ferrand escrevia seu livro, a mais importante mina de
ouro de Minas Gerais. De 1883 a 1893, ela produziu 2.567 quilos de ouro, com um
rendimento médio de 11,8 gramas por tonelada de minério.116
Outra empresa francesa encerra a história das companhias estrangeiras durante
o Império. A Société des Mines d’Or de Faria, organizada em Paris em abril de
1887, comprou a mina de Faria, perto de Congonhas do Sabará e começou a explo-
rá-la no mesmo ano, mas as operações de redução somente começaram em 1890,
já no período republicano.117 Somente duas companhias brasileiras foram registra-
das por Ferrand, entre 1850 e 1888. Foram a Associação Brasileira de Mineração,
formada em 1874 para explorar diversas minas em Itabira do Mato Dentro e a
Empresa de Mineração do Município de São José del Rey. Ambas foram malsucedi-
das e tiveram vidas bem curtas.118

115 Ferrand. L’Or, vol. 1, p. 141.


116 Ferrand. L’Or, vol. 1, pp. 142-46.
117 Ferrand. L’Or, vol. 1, p. 147.
118 Ferrand. L’Or, vol. 1, pp. 139 e 140-41. O autor revela na página 139 a existência de outra companhia
inglesa que não consegui identificar. Segundo ele a Associação Brasileira de Mineração comprou suas
minas de uma companhia inglesa falida que operou em Itabira do Mato Dentro entre 1870 e 1874.

78 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


O EMPREGO DE ESCRAVOS NA MINERAÇÃO NA SEGUNDA METADE DO
SÉCULO XIX
A importância das companhias inglesas da segunda geração, no que diz respeito
ao emprego de escravos, foi, de novo, mínima. A maioria delas, de fato, nunca deco-
lou. Algumas das últimas, aquelas organizadas no final dos anos 1870 e 1880, pos-
sivelmente não usaram trabalho escravo em números significativos. A mais bem-
-sucedida, a Santa Bárbara Company, foi um empreendimento surpreendentemente
pequeno. Em 1867 o capitão Burton encontrou os trabalhos “nas mãos de um ex-me-
cânico, dois mineiros ingleses e muito poucos brasileiros livres. Não havia mais escra-
vos.” A despeito do quadro sombrio diante de seus olhos, ele corretamente previu que
a empresa “poderia renascer.” De fato, ela se firmou, mas permaneceu bem pequena.
Em 1886, ano de sua maior produção, tanto em termos de minério extraído como de
ouro produzido, a companhia empregava somente 308 pessoas: 132 no poço da mina
e 160 nos trabalhos de superfície, provavelmente todos livres.119
A North del Rey Company começou suas operações, em 1863, com 12 euro-
peus, 65 brasileiros livres, 123 escravos e 30 escravas. Em 1867 estava empregando
350 “braços, entre brancos e pretos.”120 A Anglo-Brazilian tinha, também em 1867,
19 europeus, incluindo a administração. A força de trabalho “não-branca” era com-
posta de 380 a 400 homens e mulheres. A informação de que o recrutamento para
a guerra do Paraguai estava interferindo com a oferta de mão de obra pouco con-
tribui para determinar o status da força de trabalho, já que tanto escravos como
homens livres foram recrutados para essa campanha. Mas a fonte informa que
todos os trabalhadores no poço da mina eram escravos.121
A Rossa Grande Company, formada somente três anos antes, estava moribunda
quando visitada por Burton em 1867. “O lugar tinha a aparência do fracasso”, escre-
veu, “viam-se apenas quatorze homens brancos bastante desanimados, uns poucos
brasileiros livres e nenhum escravo.”122
Nenhum escravo foi encontrado na East del Rey Company. Nessa época a com-
panhia tinha abandonado as operações em Sabará e tinha se transferido para a mina
do Morro de São Vicente, onde foi feita uma experiência com uma força de trabalho
inteiramente livre.

119 Burton. Explorations, vol. 1, p. 308; Ferrand. L’Or, vol. 1, p. 133.


120 Burton. Explorations, vol. 1, p. 337.
121 Burton. Explorations, vol. 1, p. 340.
122 Burton. Explorations, vol. 1, p. 288.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


79
Um banqueiro filantrópico de Falmouth, “notável antiescravista”, deter-
minado a maravilhar e a convencer o mundo com a demonstração dos
grandes resultados do trabalho dos negros livres (...) O resultado, como
se poderia esperar, foi pure perte.123

Das companhias da primeira geração, somente duas sobreviveram até os anos


1860: a Saint John del Rey, cuja força de trabalho já examinamos, e a National
Brazilian, ou Cocais Company, que tinha estado, por vários anos, sob intervenção
judicial. Somente a mina de Cuiabá estava em operação, empregando um minera-
dor inglês e cerca de quarenta a cinquenta brasileiros livres.124
Mesmo se admitirmos que todos os trabalhadores cuja condição não estivesse
claramente especificada fossem escravos, concluiremos que as sete companhias
mineradoras inglesas em operação em 1867 não empregavam mais do que 2.200
escravos, dos quais dois terços trabalhavam em Morro Velho. Esses cativos repre-
sentavam 0,6 por cento da população servil da província, a qual, em 1873, era de
381.893 indivíduos, segundo o Censo do Império.
Nesse meio tempo o setor diamantino tinha atravessado um ciclo completo de
ascensão e declínio. O fim do monopólio real, em 1832, deflagrou um segundo rush
diamantino de proporções consideráveis. Esse fenômeno, como a maioria dos pro-
cessos econômicos do século XIX, foi negligenciado pelos historiadores de Minas
Gerais, com sua excessiva concentração no período colonial. Por isso, os dados
sobre o segundo boom diamantino são escassos e fragmentários, mas a tendência é
inequívoca. A produção média anual, que tinha sido de 23.901 quilates sob a Real
Extração, cresceu para 207.820 quilates no período de 1828 a 1849.125 A exploração
finalmente se tornou livre e era fácil obter uma concessão diamantina:
Depois da prospecção, para explorar os terrenos diamantinos basta
solicitar ao governo uma concessão, que atualmente é facilmente
obtida. O solicitante especifica os limites da área que pretende explorar.
A terra é levada a leilão público, qualquer um pode fazer seu lance, e
a concessão é dada para a melhor oferta. O proprietário da terra tem

123 Burton. Explorations, vol. 1, p. 418.


124 Burton. Explorations, vol. 1, pp. 440-41.
125 A produção total até 1827 tinha sido (tabelas 2.8 e 2.9) de 3.005,047 quilates. A estimativa de
Wappaus para 1849 foi que esse total tinha crescido para 7.577,097 quilates. A produção para 1828-
1849 foi então obtida por subtração. O tradutor de Eschwege fornece alguns dados sobre exportações
de diamantes da metade do século XIX em diante, mas não indica se se referem ao Brasil ou a Minas
Gerais. Não pude usar sua reprodução das estimativas de Calógeras porque não ficou claro se as
unidades eram gramas ou quilates. Ver Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 191-192.

80 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


prioridade, e se forem oferecidos somente 200 réis por braça ele pode
ficar com a concessão.126

Assim libertados, depois de um século de proibição e de repressão, ricos senho-


res de escravos, homens pobres livres e forros, todos correram para fazer, aberta-
mente, o que sempre tinham feito ilegalmente e com alto risco. Em Diamantina,
“quase todos os proprietários empregam seus escravos nos garimpos”, observou
Gardner em 1840. Em suas andanças pela região observou também que “muitos
negros forros são faiscadores independentes, tirando daí uma pobre subsistência.”
Aos escravos era permitido garimpar nos domingos e feriados e – “um fato notável”
- as maiores pedras eram invariavelmente encontradas nessas ocasiões. “Pode-se
dizer que no mínimo dez mil pessoas vivem inteiramente da extração de ouro e
diamantes.”127
O antigo Arraial do Tejuco tinha se tornado a Vila Diamantina em 1832. Ele-
vada à categoria de cidade em 1839, estava em franco progresso. Suas lojas eram bem
abastecidas de artigos europeus, pareciam-se, no aspecto, com as do Rio de Janeiro;
os lojistas e os comerciantes enriqueciam.128 Anos mais tarde sua prosperidade era
de tal ordem que, de acordo com a fonte, Gardner não a teria reconhecido. “A cidade
tinha uma aparência de riqueza e importância,” sua elite causava a “mais agradável
impressão”, mesmo a visitantes europeus sempre prontos a esnobar a elite nativa.129
Aparentemente a exploração dos diamantes ocorria em todas as escalas, indo
desde a lavagem do pobre faiscador até alguns garimpos de grande porte, que
empregavam muitos escravos. No rio Jequitinhonha, Gardner examinou o garimpo
que lhe pareceu ser o maior do distrito. Começara em 1840 com 150 escravos,
“todos alugados dos vizinhos”, e era um grande empreendimento, com bombas
hidráulicas que tinham custado mil libras esterlinas.130
O Conde de Suzannet visitou a região em 1843 e encontrou uma atividade intensa.
Descreveu o Arraial de Grão Mogol, fundado há menos de dez anos, como repleto
de pessoas que para lá tinham migrado depois do fim do monopólio, para explorar

126 Burton. Explorations, vol. 2, p. 136.


127 Gardner. Viagens, p. 386-87. Os termos garimpo, garimpar, garimpeiro, originalmente usados para
designar a mineração clandestina de diamantes, mais tarde foram estendidos a qualquer indivíduo ou
operação em pequena escala. O ouro era um subproduto dos aluviões de diamantes.
128 Gardner. Viagens, pp. 382-83, 386-87.
129 Burton. Explorations, vol. 2, pp. 94-95, 98. Até mesmo Suzannet, que achou tudo detestável no Brasil,
teve coisas agradáveis para dizer sobre a sociedade de Diamantina. Ver Suzannet. O Brasil, pp. 134-35.
130 Gardner. Viagens, pp. 373-74.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


81
os ricos depósitos da Serra do Grão Mogol. Outros lugares da região foram descritos
da mesma maneira. Suzannet visitou também um garimpo em Coités, explorado por
vários pequenos proprietários: “Cerca de 200 escravos, pertencentes a vinte diferentes
donos são empregados nesses trabalhos. No primeiro ano, Coités foi explorado por
apenas dois proprietários, auxiliados por 30 escravos. As boas descobertas atraíram
os concorrentes (...) quando estive lá a maioria dos empresários já estava pensando
em sair”. Ele informou ainda que nessa época a região diamantina estava importando
escravos africanos através do porto da Bahia.131
Mais tarde, na região em torno de Diamantina, Burton descreveu diversas
lavras, algumas das quais eram, ou tinham sido, bem grandes. Uma delas, perten-
cente ao Sr. Vidigal, empregava 300 escravos, alugados cada um a 1.200 réis por dia,
durante o período de atividade. A lavra do Duro, em São João do Descoberto, teve,
em seu apogeu, mais de 100 escravos. A lavra do Barro empregou 200 escravos em
1834.132
O renascimento não ficou restrito ao velho distrito diamantino. Com a explo-
ração livre foram descobertas novas jazidas, tanto em regiões diamantíferas já
conhecidas, como Abaeté, Indaiá, Grão Mogol e Paracatu, quanto em áreas novas
como Bagagem e Desemboque. Bagagem forneceu algumas das maiores gemas já
extraídas no Brasil: ali foram encontrados o “Estrêla do Sul”, em 1853, pesando 262
quilates, e o “English Dresden”, em 1854, com 119, 5 quilates. No presente século
diversos diamantes pesando acima de 400 quilates foram encontrados lá.133
A extensão geográfica do segundo boom diamantino, entretanto, parece ter
sido bastante restrita. Fora do distrito diamantino as descobertas permaneceram
circunscritas a alguns bolsões, nunca se aproximando, mesmo remotamente, da
grande dispersão do setor minerador de ouro.
Sua duração também foi limitada: os diamantes aluvionais, de fácil extração,
logo escassearam e a continuação de operações lucrativas passou a exigir capital e
tecnologia. De acordo com um residente, na época da visita de Burton, no final dos
anos 1860, a riqueza de Diamantina já tinha atingido seu apogeu e já estava decli-
nando: “Nos últimos anos sua prosperidade diminuira. Antigamente os diamantes

131 Suzannet. O Brasil, pp. 145, 154, 156-57, 162.


132 Burton. Explorations, vol. 2, pp. 115-32. Dornas Filho. O Ouro, pp. 228-29, afirma que “muitas
companhias brasileiras e estrangeiras, foram formadas durante o século (XIX) para extrair diamantes
na região”, mas todas as companhias que cita foram formadas depois de 1897. A mina do Vidigal tinha
muitos trabalhadores livres, assim como escravos, de acordo com Burton. Explorations, vol. 2, p. 113.
133 Iglésias. Política Econômica, p. 193; Dornas Filho. O Ouro, pp. 231-32.

82 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


eram facilmente encontrados em lavras superficiais, agora os trabalhos estão restri-
tos aos capitalistas.” O informante de Burton lhe disse ainda que os escravos tinham
sido vendidos para as províncias cafeeiras e que os donos das minas comemoravam
a perspectiva de imigração dos Confederados para a região: “Que o Senhor os traga
(...) e logo estarão usando nossos inúteis escravos”.134
Outro fator, provavelmente mais decisivo, contribuiu para aprofundar a depres-
são da região diamantina. Ela foi duramente atingida pelas grandes descobertas
no Cabo (atual África do Sul), as quais, a partir de 1867, geraram uma inundação
no mercado mundial da gema, derrubando drasticamente seu preço. Pedristas de
Diamantina, surpreendidos com grandes estoques depreciados, tentaram, em vão,
negociar os diamantes pessoalmente nos mercados europeus. O desespero chegou
a levar um deles ao suicídio, atirando-se ao mar na viagem de volta.135
No início dos anos 70, “com o intuito de aliviar o desemprego entre os minera-
dores atingidos pelo surto de diamantes na África do Sul”, o bispo de Diamantina
organizou, junto com alguns parentes, uma fábrica de tecidos de algodão.136 As
exportações de diamantes, que haviam chegado a 207.820 quilates por ano entre
1828 e 1840, declinaram abruptamente no quarto de século seguinte.

Tabela 2.12 - Diamantes exportados pelo


Rio de Janeiro 1, 1854 - 1876
Médias anuais,
Período
em quilates 2
1854/55 - 1860/61 107.256
1861/62 - 1866/67 103.315
1867/68 - 1875/76 3
62.229
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Dados coletados por Burton para os anos de 1861 a 1867 mostram uma média
anual de exportações de 91.902 quilates. Não é claro, entretanto, qual era a proce-
dência desses diamantes.137

134 Burton. Explorations, vol. 2, p. 104.


135 Berenger. Le Brèsil, p. 444; Dornas Filho. O Ouro, pp. 223-24.
136 Stanley J. Stein. The Brasilian Cotton Manufacture. Textile Enterprise in an Underdeveloped Area, 1850-
1950. Cambridge: Harvard University Press, 1957, p. 26. Essa foi a fábrica do Biribiri, que iniciou as
operações em 1876.
137 Burton. Explorations, vol. 2, p. 108.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


83
Nos anos 1870 e 1880 tornaram-se disponíveis novas fontes de informação sobre
o emprego de escravos na mineração. O Censo do Império, que em Minas Gerais se
realizou em 1873, registrou somente 1.625 escravos empregados como “mineiros,
canteiros, calceteiros e cavouqueiros”. Pela abrangência da categoria ocupacional,
esse é, naturalmente, o limite máximo do número de mineradores escravos na pro-
víncia. Em somente doze, dos setenta e dois municípios existentes, o censo regis-
trou algum escravo nessa categoria e, com poucas exceções, estes constituíam uma
porcentagem insignificante dos cativos do município. No conjunto da província, o
setor de mineração empregava, no máximo, 0,44 por cento da população escrava
recenseada, como mostra a tabela 2.13.
A primeira coisa que se observa na tabela, além do pequeno número de escra-
vos mineradores, é a surpreendente ausência do município de Sabará, onde se loca-
lizava a Saint John del Rey, que ainda empregava 726 escravos nesse ano. O censo
registrou 3.284 escravos na paróquia de Congonhas do Sabará, que continha a mina
de Morro Velho, mas nenhum deles é listado como mineiro.
Podem ser tentadas algumas explicações para essa lacuna. Primeiro, como
vimos, a maioria dos escravos da Saint John era alugada. É possível que esses cati-
vos viessem de fora do município e poderiam ter sido recenseados nos locais de
residência de seus donos. Mesmo os do município de Sabará podem ter sido clas-
sificados como jornaleiros. Uma segunda, embora menos plausível, especulação, é
que, na época do censo, Morro Velho ainda estava com a atividade reduzida, cau-
sada pelo incêndio de 1867. A companhia tinha diminuído sua força de trabalho
e tinha transferido escravos para as minas de Gaia e Gabiroba, tornando-os muito
menos visíveis. A explicação mais provável, entretanto, é que os dados tenham sido
pura e simplesmente fraudados. A Saint John del Rey era notoriamente sensível a
má publicidade, especialmente sobre a espinhosa questão do trabalho escravo, e
tinha razões de sobra para tentar encobrir esse flanco.138
A tabela também mostra uma alta concentração (78%) dos mineradores escra-
vos nas áreas diamantinas. Todos os quatro municípios onde a porcentagem de
escravos nessa categoria era significativamente superior a um por cento, eram
zonas diamantíferas. Esses números, embora confirmem o segundo boom diaman-
tino, também indicam que ele já estava no ocaso em 1873. Nessa época o uso de

138 Sobre as relações entre a Saint John e o governo provincial e sobre as tentativas da companhia de
ocultar acidentes que resultaram na morte de trabalhadores, ver Libby. O Trabalho Escravo. Era
particularmente fácil fraudar o censo de 1872, uma vez que os questionários eram entregues nos
domicílios, preenchidos por seus responsáveis e recolhidos depois pelos agentes censitários. Ver
Oliveira Vianna. Resumo Histórico dos Inquéritos Censitários Realizados no Brasil. In: Brasil. Directoria
Geral de Estatística. Recenseamento do Brasil, Realizado em 1 de setembro de 1920 (Rio de Janeiro:
Typografia de Estatística, 1922), vol. 1.

84 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


escravos na mineração de diamantes pode ter tido alguma importância local, mas
era insignificante em comparação com a população escrava provincial.

Tabela 2.13 - Minas Gerais: Número máximo


de escravos empregados na mineração em 1873
Escravos na % dos escravos
Setor 1 Municípios
mineração 2 do município
Ouro Caeté 30 1,07
Campanha 84 1,25
Conceição 3 46 1,13
Mariana 132 1,57
Montes Claros 9 0,22
Santa Bárbara 23 0,30
Ouro Preto 27 0,48
Diamantes Bagagem 12 0,40
Diamantina 3 325 15,96
Grão Mogol 197 5,32
São João Batista 3 87 3,76
Serro 653 6,86

Total Minas Gerais 1.625 0,44


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Existem dados disponíveis sobre a população escrava de alguns municípios dia-


mantinos na metade do século XIX. Em 1854, Diamantina tinha 9.795 escravos,
Paracatu tinha 7.576, Serro e Minas Novas tinham cerca de 8 mil e 10 mil, respec-
tivamente. Esses números são estimativas cuja precisão é difícil de avaliar mas, se
forem corretos, mostram que esses quatro municípios tinham, respectivamente, a
terceira, a décima, a oitava e a segunda maior população escrava entre os vinte e
sete municípios que responderam ao inquérito feito pelo presidente da província.139
Em todos, exceto no Serro, a população escrava tinha diminuído em 1873. Em
Paracatu e Minas Novas a redução foi drástica: tinham apenas 2.638 e 4.312 escra-
vos, respectivamente, no ano do censo, e nenhum deles foi listado como minerador.
Em Diamantina o censo foi incompleto, mas é quase certo que o número de escra-
vos tenha declinado desde o meado do século.140

139 Os números da população escrava para os 27 municípios de Minas Gerais, em 1854, estão nos rela-
tórios das autoridades municipais anexas ao Relatório... pres. Pereira de Vasconcellos, 25 de março,
1855.
140 Brazil. Directoria Geral de Estatística. Recenseamento da população do Império do Brasil a que se

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


85
Tabela 2.14 - Minas Gerais: Escravos empregados
na mineração de ouro, 1872 - 1883

Ano Fiscal Arrecadação do Número de


imposto (milréis) escravos
1872-73 1.944 972
1873 -74 1.834 917
1874-75 1.596 798
1875-76 1.376 688
1876-77 1.288 644
1877-78 1.804 902
1878-79 1.714 857
1879-80 1.636 818
1880-81 1.268 634
1881-82 1.306 653
1882-83 1.288 644
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Em 1871 a Assembléia Provincial aprovou um imposto de dois mil réis sobre


cada escravo diretamente ou indiretamente empregado na mineração de ouro. A
receita anual desse imposto nos permite avaliar o número de escravos no setor
aurífero nos anos finais da escravatura.141
Uma desagregação por estações fiscais, disponível para 1881-82, mostra que,
dos 653 escravos tributados naquele ano, 309 se localizavam em Sabará, o que coin-
cide aproximadamente com o número então empregado pela Saint John del Rey.
Outros 241, entretanto, estavam em Santa Bárbara. Isso sugere que, ao contrário
das evidências encontradas para o final dos anos 1860, a Santa Bárbara Company
poderia estar usando um número considerável de escravos em sua mina de Pari.142

procedeu no dia 1°. de agosto de 1872. Rio de Janeiro: Leuzinger e Filhos, 1873-1876. Em Minas Gerais
só foi realizado em 1°. de agosto de 1873. O censo é a única fonte de informação sistemática sobre a
distribuição ocupacional da população escrava de Minas Gerais. Os resultados para Minas da matrícula
de escravos de 1873 nunca foram completamente publicados. Somente sobreviveu uma lista parcial
dos totais por municípios. Para uma breve discussão sobre o censo e a matrícula, veja o anexo A.
A mera comparação das populações em dois pontos do tempo pode ser enganosa. No capítulo 4
discutimos a utilização de dados de população para estimar exportações e importações de escravos.
141 Lei provincial n°. 1811, de 10 de outubro de 1871. Essa lei estipulava uma taxa de dois mil réis sobre
cada escravo que, direta ou indiretamente, fosse empregado no serviço de mineração de ouro, por
qualquer pessoa particular, se ela tivesse mais do que cinco escravos empregados nesse serviço. Livro
da Lei Mineira, tomo 38, parte 1ª., p. 9.
142 Falla... pres. Antonio Gonçalves Chaves, 2 de agosto de 1883. Anexo A: Directoria da Fazenda Provincial.
Sem número de página. A Saint John del Rey empregava em 1881 uma média de 376 escravos e em

86 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


Em 1883, foi criada pela Assembléia Provincial uma taxa de cinco por cento
sobre valor dos contratos de aluguel de escravos a serem empregados na mineração.
Até três anos mais tarde nada havia sido arrecadado dessa taxa.143 Na última matrí-
cula de escravos de escravos do império, em 1887, a classificação ocupacional nem
mesmo incluía a categoria “minerador”.144
As evidências apresentadas neste capítulo mostram que, além de qualquer
dúvida, Minas Gerais tinha deixado de ser uma economia “mineradora” no raiar do
século XIX. Do ciclo minerador tinham permanecido alguns pontos isolados, com
um papel bastante limitado na vida econômica posterior da província. A impor-
tância da mineração como campo de emprego de escravos foi mínima e à medida
que o século se desenrolava essa tendência foi sendo claramente acentuada. Os 75
mil escravos mineradores dos meados do século anterior reduziram-se a cerca de
10 mil em 1814, uns 2.000 por volta de 1850, pouco mais de 1.500 em 1873, e umas
poucas centenas nos anos 1880.145
Esses números têm algumas implicações imediatas. Antes de qualquer outra
coisa, eles excluem completamente a possibilidade de transferências de trabalho
escravo, mesmo pequenas, da mineração para o café, em Minas Gerais ou em qual-
quer outro lugar. Muito antes da decolagem do setor cafeeiro, a indústria da mine-
ração já não dipunha de qualquer quantidade significante de escravos que pudesse
ser liberada ou transferida.
É possível que a região diamantina preencha, num sentido bastante limitado, o
papel que a historiografia tem atribuído ao “decadente setor minerador”. Seu tardio
segundo boom e sua abrupta crise podem ter tornado seus escravos “redundantes”,
bem a tempo de serem drenados para as regiões cafeeira paulista e mineira, nos
anos 1870 e 1880. Voltaremos a essa questão no capítulo 4. É importante notar, por
enquanto, que, mesmo nesse caso, as tranferências teriam resultado de um novo,
curto e localizado ciclo de boom and bust, e não da decadência de longo prazo do
setor minerador.

1882 uma média de 383. Libby. O Trabalho Escravo, pp. 167-68.


143 Lei provincial n°. 3117, 17 de outubro de1883. A informação de que nada foi arrecadado até o ano
fiscal de 85-86 é de Breve Notícia do Estado Financeiro das Províncias, organizada por ordem de S. Ex.
o Sr. Barão de Cotegipe, Presidente do Conselho de Ministros. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887.
144 Os resultados, por província, da matrícula de escravos de 1887, estão no Relatório Agricultura, ministro
Rodrigo Augusto da Silva, 1888, p. 24.
145 75.000 escravos na mineração é a estimativa de Maurício Goulart para o período 1735-1777. Goulart.
A Escravidão, p. 168. As fontes dos outros números são dadas no texto.

PARTE I - CAPÍTULO 2 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR MINERADOR


87
Capítulo 3 - A Escravidão
no Setor Cafeeiro

A
maioria dos historiadores, mesmo concordando que a grande e crescente
população escrava de Minas Gerais não pode ser atribuída, no século XIX,
ao agonizante setor minerador, não hesitaria em atribuir esse papel pro-
tagonista à produção do café. O setor cafeeiro é geralmente apresentado como a
atividade que resgatou a província, e na verdade, todo o império, de um impasse
econômico. O cultivo do café teria inaugurado uma nova era, dando novo sopro de
vida ao regime escravista e cumprindo, nesse particular, um papel semelhante ao
que é atribuído ao algodão no Sul dos Estados Unidos.
Já ressaltamos que, pelo menos no caso de Minas Gerais, esse ponto de vista é
altamente questionável e significa um enorme exagero da importância do café na
economia provincial. É uma visão míope que implica na adoção, pelo historiador,
da mentalidade legada pelo colonizador – a de que a atividade exportadora é o
único objetivo econômico respeitável, e que somente através dela se pode medir
o “progresso”. Neste capítulo analisamos a relação entre a escravidão e o café em
Minas, objetivando, em particular, chegar a uma estimativa da mão de obra escrava
empregada neste setor durante o período imperial.

O SURGIMENTO DA CULTURA CAFEEIRA EM MINAS GERAIS


O café foi cultivado nas terras altas de Minas Gerais desde o século XVIII. Os
primeiros pés foram provavelmente plantados nas vilas mineradoras de Ouro Preto,
Mariana e São João del Rei, e em Barbacena, mas permaneceu até o século XIX como
uma cultura “de chácara ou de quintal”. Caríssimo, “bebida de fidalgo”, era um artigo
de luxo, cultivado em pequena escala para o consumo dos mineiros ricos. Os pobres
e os escravos bebiam chá de congonha, o “chá mineiro”, colhido no mato.
Foi somente na segunda década dos oitocentos que seu cultivo chegou à Zona da
Mata Mineira, na fronteira com o Rio de Janeiro, onde veio a se tornar a principal ati-
vidade de exportação da província. Por volta dessa época, famílias mineiras começa-
ram a se retirar da mineração em declínio, migrando para a Mata Fluminense, onde

89
iniciaram a plantação de café em larga escala, estabelecendo as primeiras fazendas.
A partir desse núcleo a cultura começou a se expandir através do vale do Paraíba, no
rumo sudoeste, em direção a São Paulo, e no rumo norte, atravessando os rios Para-
íba e Paraibuna e entrando na Zona da Mata de Minas Gerais.
Cerca de 1817 já havia plantações de café em Mar de Espanha, antes de 1830
em Matias Barbosa. Por volta da metade do século alcançaram São João Nepomu-
ceno e estavam começando a se espalhar para Leopoldina, Ubá e Muriaé, a leste, e
até Juiz de Fora e Rio Preto, a oeste.
O movimento foi rápido e existem registros de café exportado para o Rio de
Janeiro desde o princípio do século, mas até os anos 50 o setor cafeeiro mineiro foi
muito pequeno. Suas exportações eram apenas 3,5% do café exportado pelo porto
do Rio em 1820, 4,6% em 1830, e 5,6% no ano fiscal de 1851-52. Mesmo durante a
década de 1850, a exportação de café de Minas não chegava a 10% da fluminense.146
A evolução do setor cafeeiro mineiro, no século XIX, é mostrada na tabela 3.1. O
crescimento aparentemente espetacular dos índices deve-se ao fato de partirem de
uma base muito pequena.
No período compreendido entre o fim do tráfico africano, em 1850, e a eman-
cipação final dos escravos, em 1888, o café apresentou notável expansão em Minas.
Seu crescimento seguiu de perto, com uma defasagem determinada pelo inter-
valo entre o plantio de novos cafezais e sua maturação, as oscilações do preço
internacional.

146 Sócrates Alvim. Projeção Econômica e Social da Lavoura Cafeeira em Minas. In: Secretaria da
Agricultura. Minas e o Bicentenário do Cafeeiro no Brasil. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1929, pp.
41-42. Outras fontes sobre os primórdios do café são: Rio de Janeiro: Stanley J. Stein. Vassouras. A
Brazilian coffee county, 1850-1890. New York: Atheneum, 1970, p. 53; Minas Gerais: Aristóteles Alvim.
Confrontos e Deduções. In: Secretaria da Agricultura. Minas e o Bicentenário do Cafeeiro no Brasil.
Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1929. pp. 80-83. O desenvolvimento inicial do setor cafeeiro mineiro
é descrito por: Hildebrando de Magalhães. Subsídios para a História do Café em Minas Gerais. O Café
no Segundo Centenário de sua Introdução no Brasil. Rio de Janeiro: Edição do Departamento Nacional
do Café, 1934; Honorio Silvestre. A Colonização Mineira nos Grandes Latifúndios de Café do Estado
do Rio de Janeiro. O Café no Segundo Centenário de sua Introdução no Brasil. Rio de Janeiro: Edição
do Departamento Nacional do Café, 1934; Manoel Xavier de Vasconcellos Pedrosa. Zona Silenciosa
da Historiografia Mineira – A Zona da Mata. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 257
(outubro-dezembro) de 1962, pp. 122-62. O papel dos migrantes mineiros como pioneiros no setor
cafeeiro fluminense é também destacado por Stein. Vassouras, pp. 9-12, 17-21. Veja também Daniel
de Carvalho. O Café em Minas Gerais. In: Secretaria da Agricultura. Minas e o Bicentenário do Cafeeiro
no Brasil. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1926, pp. 218-27.

90 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


Tabela 3.1 - Minas Gerais: Exportações de café, 1819 - 1899
(médias anuais em arrobas e toneladas)

Período 1 Arrobas 2 Toneladas 1819-20 = 100


1819-20 15.635 230 100
1821-25 38.740 569 248
1826-30 72.780 1.069 466
1831-35 139.000 2.042 889
1836-40 218.195 3.205 1.396
1841-45 305.912 4.494 1.957
1846-50 444.939 6.536 2.846
1851-55 703.265 10.330 4.498
1856-60 882.169 12.958 5.642
1861-65 1.120.547 16.460 7.167
1866-70 2.146.655 31.532 13.730
1871-75 2.210.606 32.472 14.139
1876-80 3.133.121 46.022 20.039
1881-85 4.486.461 65.902 28.695
1886-87 5.934.458 87.171 37.957
1888-93 5.270.565 77.419 33.711
1894-99 7.994.386 117.430 51.132
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Gráfico 3.1 - Minas Gerais: Exportações de café, 1820-1900 (mil arrobas)

12.000

10.000

8.000

6.000

4.000

2.000

0
1820 1830 1840 1850 1860 1870 1880 1890 1900

Fonte: Aristóteles Alvim. Confrontos e Deduções, pp. 80-83

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


91
Preços baixos no início dos anos cinquenta levaram a um lento crescimento
no fim do decênio. No começo dos anos 1860 o preço teve grande incremento,
causando uma aceleração da expansão durante a década, especialmente em sua
segunda metade. De 1866 a 1870 os preços permaneceram altos, mas ficaram estag-
nados, resultando em um crescimento praticamente nulo da produção nos cinco
anos seguintes. O movimento ascensional foi retomado em 1871 e os dois anos
seguintes registraram os preços de café mais altos do período imperial. O setor res-
pondeu, consequentemente, com uma alta taxa de crescimento durante o final dos
anos setenta e o início dos oitenta. A euforia dos preços foi seguida por um longo
declínio, que durou de 1874 até 1887. As velhas áreas de café do Vale do Paraíba,
especialmente as de São Paulo e do Rio de Janeiro, foram as mais afetadas, e sua
produção decaiu, de fato, em termos absolutos nos últimos anos da escravidão. A
Mata Mineira não escapou incólume: outras fontes mostram uma desaceleração em
sua expansão, mas na província como um todo, o impacto da queda dos preços foi
compensado pelo aumento da produção dos novos cafezais da Zona Sul. A tendên-
cia de crescimento das exportações também se manteve na outra área pioneira, o
Oeste Paulista.147
Ao longo de todo o império Minas Gerais foi o terceiro maior produtor do
Brasil, imediatamente abaixo do Rio de Janeiro e de São Paulo. Entre 1852 e 1870
o setor mineiro cresceu mais rapidamente do que qualquer outra área cafeeira
do país, incluindo o Oeste de São Paulo. Foi somente depois desse período que o
Oeste paulista saltou à frente de todas as demais regiões, assumindo, no final dos
anos oitenta, a liderança da produção no Brasil. Nesse ínterim, a região cafeeira de
Minas continuou a crescer rapidamente, enquanto as áreas fluminense e paulista
do Vale do Paraíba permaneceram estagnadas ou declinaram, da metade do século
em diante. No início do período republicano Minas Gerais ultrapassou o Rio de
Janeiro na produção de café.
As fazendas de café foram as únicas plantations que existiram em Minas Gerais
no século XIX. Informações a respeito de propriedades individuais são muito escas-
sas e, para os anos anteriores a 1880 não consegui encontrar nada. Felizmente, em
1883, o perito holandês C. F. van Delden Laerne foi enviado ao Brasil com a missão
de estudar o setor cafeeiro, que era o principal concorrente de Java, do Suriname

147 A evolução do índice dos preços médios do café com base em 1853-55 =100 foi a seguinte:
1856-60 =121,5; 1861-65 =176,5; 1866-70 =167,9; 1871-75 =187,6; 1876-80 =137, 2; 1881-85 =101,8;
1886-88 =141,9. Os dados são de Affonso d’Escragnolle Taunay. História do Café no Brasil, 15 vols. Rio
de Janeiro: Departamento Nacional do Café, 1939-1941.

92 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


e de outras colônias neerlandesas, no mercado mundial. Seu relatório ao ministro
holandês das colônias contém grande riqueza de dados sobre a situação nas três
principais províncias produtoras.148 São especialmente valiosas as informações que
reproduz sobre 543 fazendas de café penhoradas ao Banco do Brasil em 1883, pois
constituem, no meu conhecimento, o único conjunto publicado de dados sistemá-
ticos sobre plantations brasileiras de café anteriores à abolição da escravidão.149

Tabela 3.2 - Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo:


Evolução das exportações de café, 1852 - 1888. Médias anuais, em toneladas 1
São Paulo São Paulo
Minas Gerais Rio de Janeiro
Período Vale do Paraíba Oeste2
Ton. índice Ton. índice Ton. índice Ton. índice
1852 - 1855 3 10.264 100 117.372 100 18.790 100 9.369 100
1856 - 1860 12.958 126 119.272 102 17.191 91 14.302 153
1861 - 1865 16.460 160 85.442 73 14.886 79 19.871 212
1866 - 1870 31.532 307 117.841 100 18.014 96 28.213 301
1871 - 1875 32.472 316 106.610 91 17.206 92 35.250 376
1876 - 1880 46.022 448 116.521 99 20.379 108 58.318 622
1881 - 1885 65.902 642 131.572 112 23.368 124 106.647 1.138
1886 - 1888 82.829 807 97.995 83 15.382 82 117.797 1.257
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

A comparação das fazendas mineiras com as de São Paulo e do Rio de Janeiro


mostra notáveis semelhanças entre elas, especialmente entre as que pertencem à
zona cafeeira do Rio. A Zona do Rio, isto é, a região que exportava seu café através
do porto do Rio de Janeiro, compreendia os distritos cafeeiros das províncias do
Rio de Janeiro, de Minas Gerais e da parte paulista do Vale do Paraíba. A Zona de
Santos, cujo escoadouro era o porto de Santos, compreendia os distritos cafeeiros
de São Paulo situados ao norte e a oeste da capital provincial, e era também conhe-
cida como Oeste Paulista.150

148 Laerne, Brazil and Java.


149 Na verdade a amostra de Laerne contém mais do que 543 fazendas. Estamos usando aqui somente
aquelas localizadas nos municípios classificados por ele como plantadores exclusivamente de café.
150 A importante região cafeeira desenvolvida mais tarde no sudoeste de Minas Gerais exportava através
do porto de Santos e, portanto, fazia parte da zona cafeeira de Santos. Mostramos abaixo que no
nosso período de análise essa região era pequena e relativamente sem importância.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


93
Tabela 3.3 - Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo: 543 fazendas* de café em 1883
Características Zona do Rio (Vale do Paraíba) Zona de Santos
Rio de Janeiro Minas Gerais São Paulo** Oeste Paulista
Número de fazendas incluídas 191 153 53 146
Tamanho médio (hectares) 628 591 895 633
Número médio de pés de café 197.060 134.856 148.856 88.383
Número médio de escravos 56 36 37 36
Média de pés de café por escravo 3.514 3.706 3.623 2.450
Valor médio dos escravos (milréis) 1.170 1.196 1.239 1.404
Valor médio das fazendas (milréis) 73.927 55.312 66.685 82.063
Valor escravos/valor fazendas (%) 47 44 41 38
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

As fazendas do Oeste Paulista, que nessa época (1883) já constituíam o seg-


mento mais próspero e de crescimento mais rápido do setor cafeeiro do Brasil,
tinham um menor número médio de cafeeiros e eram relativamente melhor supri-
das de escravos, resultando em uma média de pés de café por escravo considera-
velmente menor do que nas propriedades da Zona do Rio. A qualidade superior de
suas terras se reflete no fato do Oeste Paulista apresentar um maior valor médio por
fazenda, apesar do número menor de cafeeiros, e também nas porcentagens mais
baixas que os escravos representavam nos valores totais das fazendas.
Entre as fazendas da Zona do Rio, as da área fluminense eram maiores em ter-
mos dos cafeeiros e escravarias, mas notavelmente similares às suas correspon-
dentes mineiras e paulistas com respeito a outras características, tais como a razão
de cafeeiros por escravo, o valor médio dos escravos e o peso do plantel cativo
no valor total dos estabelecimentos. A amostra inclui 153 fazendas localizadas em
onze municípios de Minas Gerais, que estão descritas na tabela 3.4.
A tabela revela que essas fazendas eram surpreendentemente pequenas, em
número de cafeeiros, em comparação com as enormes plantations do século XX,
que frequentemente continham milhões de pés de café. Seus plantéis de escravos
também eram relativamente modestos. Os estabelecimentos eram grandes em
extensão fundiária, mas a terra não era um componente importante no valor total
das propriedades. Seu valor médio, que presumivelmente inclui as terras, os pré-
dios, os equipamentos e os cafezais, não apresenta nenhuma correlação com seu
tamanho médio (r = – 0,118). O número de cafeeiros, por outro lado, mostra forte
associação positiva com os valores das fazendas (r = 0,93). O número de cafeeiros
também apresenta alta correlação com o plantel de escravos (r = 0,84), resultando

94 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


em uma razão relativamente uniforme de cafeeiros por escravo, um coeficiente téc-
nico de grande importância para nossa análise posterior.

Tabela 3.4.1 - Minas Gerais: Características de 153 fazendas de café em 1883


Tamanho Número Número Média de
Número de
Municípios médio em médio de médio de pés de café
fazendas
hectares pés de café escravos por escravo
Leopoldina 42 703,7 114.047 33 3.456
Mar de Espanha 36 474,2 165.555 37 4.431
Juiz de Fora 26 522,2 166.692 50 3.331
Rio Novo 15 357,3 110.800 31 3.566
S. P. do Muriaé 14 1.145,0 134.928 32 4.207
Rio Preto 5 241,4 97.200 31 3.176
Ubá 4 367,2 116.250 46 2.513
Cataguazes 4 530,0 62.000 17 3.757
Pomba 3 599,7 73.000 26 2.808
Pouso Alegre 2 762,5 62.500 21 2.976
Além Paraíba 2 368,5 227.500 49 4.691

Total 153 591,2 134.856 36 3.706


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Tabela 3.4.2 - Minas Gerais: Características de 153 fazendas de café em 1883 (continuação)
Valor Valor Valor Valor total Escravos
Municípios médio dos médio dos médio das médio das como % do
escravos dos plantéis fazendas propriedades valor total
Leopoldina 1.174 38.742 51.077 89.819 43,1
Mar de Espanha 1.198 44.805 62.714 107.519 41,6
Juiz de Fora 1.183 59.150 62.330 121.480 48,7
Rio Novo 1.198 37.258 43.481 80.739 46,1
S. P. do Muriaé 1.272 40.831 58.763 99.594 41,0
Rio Preto 1.255 38.403 44.801 83.204 46,2
Ubá 1.079 49.850 51.078 100.928 49,4
Cataguazes 1.295 21.368 35.122 56.490 37,8
Pomba 1.137 29.562 31.605 61.167 48,3
Pouso Alegre 1.483 31.143 42.180 73.323 42,5
Além Paraíba 1.271 61.644 108.175 169.819 36,3

Total 1.196 43.534 55.312 98.846 44,0


Todos os valores em milréis.
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


95
O preço médio dos escravos mostra uma variação muito pequena entre os
municípios, sendo muito concentrado em torno do valor médio de 1.196 mil réis.
Os escravos representavam uma porcentagem uniformemente alta do valor total
das fazendas, entre 40 e 50 por cento na maioria dos casos.
Laerne visitou pessoalmente e colheu dados em primeira mão sobre 31 fazen-
das de café, dez das quais situadas em Minas Gerais. Eram propriedades incomuns
por seu tamanho e importância, muito pouco representativas das fazendas de café
típicas de Minas, mas servem para ilustrar como eram as grandes plantations cafe-
eiras da província nessa época.

Tabela 3.5 - Minas Gerais: Fazendas de café visitadas por Laerne em 1883

Tamanho Pés de café Colheita Pés por


Fazendas Município Escravos
(hectares) (milhares) (toneladas) escravo
Boa Vista Juiz de Fora 435 295 118,2 132 2.235
São Marcos Juiz de Fora 368 233 105,7 63 3.698
Recato Juiz de Fora 2.178 400 88,1 71 5.634
Cedofeita1 Juiz de Fora 2.900 900 227,6 220 4.091
Fortaleza Juiz de Fora 3.617 700 143,8 140 5.000
Pouso Mar de
968 250 48,7 55 4.545
Alegre Espanha
Trimonte Leopoldina 1.687 500 146,8 80 6.250
Cruz Alta Leopoldina 1.326 800 117,4 150 5.333
Médias2 1.685 510 124,5 91 4.598
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

A GEOGRAFIA DO CAFÉ EM MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


O café era cultivado em pomares ou quintais para consumo doméstico em quase
toda Minas Gerais. O cultivo comercial, entretanto, era limitado a uma pequena
parte do território provincial. Era uma estreita faixa de terra, que se estendia de
sudoeste a nordeste, ao longo da fronteira com o Rio de Janeiro, limitada ao norte
pela serra da Mantiqueira e ao sul pelos afluentes do rio Paraíba. A região além da
Mantiqueira também se prestava à cultura da planta, mas os custos de transporte
impediam que fosse lucrativa. Em seu compêndio sobre a geografia botânica do
Brasil, publicado em 1872, Emmanuel Liais, então diretor do Observatório Impe-
rial do Rio de Janeiro, anotou que

96 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


O café é a principal cultura da província do Rio de Janeiro e da região
fronteiriça de Minas Gerais, até a Serra da Mantiqueira. Mesmo além
[desse limite] a planta tem bom desenvolvimento, e vi em Sabará, e até
mais para o interior, cafeeiros com mais de sessenta e mesmo oitenta anos
de idade. Parece que vivem mais tempo nesses lugares do que no vale
do Paraíba, mas o cultivo aí está praticamente limitado às necessidades
locais, por falta de rotas fáceis de comunicação com a capital.151

Não existem dados desagregados por município sobre a produção de café


durante todo o século XIX. Felizmente, para o historiador, o café estava sujeito
ao imposto provincial de exportação, e os postos fiscais espalhados ao longo das
rotas comerciais registraram as quantidades que cruzavam as fronteiras provin-
ciais. Nem todos esses registros sobreviveram, mas aqueles que chegaram até nós
permitem reconstituir com razoável precisão as origens regionais das exportações
mineiras de café durante o período imperial. Foi possível recuperar dados para os
anos fiscais de 1818-19, 1842-43, 1844-45, 1847-48, 1850-51, 1867-68, 1881-82,
1882-83 e 1883-84, cobrindo praticamente todo o período em estudo.
As tabelas seguintes deixam claro que a produção de café em Minas Gerais era
fortemente concentrada na Zona da Mata. A participação dessa região no total
provincial se manteve perto de 100% durante todo o período, só caindo para 93%
no último ano da série. Essa queda na participação se explica muito mais por uma
grande quebra (de aproximadamente 40%) na produção da própria Mata, e menos
pelo crescimento do produto das outras regiões.
Em vista dos dados aqui alinhados, é surpreendente constatar como era gene-
ralizada a noção de que a Zona Sul era um importante produtor de café durante
o Império. Essa ideia, aparentemente originada da interpretação errônea de uma
observação feita por Saint Hilaire no começo do século XIX, ilustra quão pouco se
pesquisou sobre a história econômica de Minas Gerais.152

151 Emmanuel Liais. Climat, Géologie, Faune et Géographie Botanique du Brésil. Paris: Garnier Frères,
1872, pp. 631-32.
152 Daniel de Carvalho atribui a origem desse erro a uma interpretação equivocada da observação de
Saint-Hilaire de que o café era exportado du Midi de la Province de Minas. No mesmo estudo sustenta
que o Sul não foi um produtor de café no século XIX e apresenta evidências sobre isso. Carvalho, O
Café, pp. 152-53.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


97
Tabela 3.6 - Minas Gerais: Exportações de café,
1818 - 1819, por registros e regiões, em toneladas
Registros Café (toneladas) %
Caminho Novo 136,0 95,0
Rio Preto 0,6 0,4
Presídio do Rio Preto 3,8 2,6
Porto do Cunha 2,2 1,6
Barra do Pomba 0,0 0,0
Total da Zona da Mata 142,6 99,7
Mantiqueira 0,0 0,0
Jaguari 0,0 0,0
Campanha de Toledo 0,0 0,0
Itajubá 0,0 0,0
Sapucaí Mirim 0,0 0,0
Total da Zona Sul 0,0 0,0
Malhada 0,5 0,3
Rio Pardo 0,0 0,0
Rio das Velhas 0,0 0,0
Total de outras regiões 0,5 0,3

Total de Minas Gerais 143,1 100,0


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Tabela 3.7 - Minas Gerais: Exportações de café,


1842-43 e 1844-45, por registros e regiões, em toneladas

Café exportado Café exportado


Registros % %
em 1842 - 43 em 1844 - 45
Paraibuna 1.491,6 38,47 1.813,7 32,98
Mar de Espanha 114,4 2,95 390,5 7,10
Porto Velho do Cunha 22,8 0,59 65,0 1,18
Porto Novo do Cunha 186,2 4,80 432,7 7,87
Ponte de Sapucaia 1.397,9 36,05 2.013,5 36,61
Pomba 0,5 0,01 7,6 0,14
Presídio 283,3 7,31 232,6 4,23
Rio Preto 2,6 0,07 0,0 0,00
Ponte do Zacarias 30,3 0,78 13,0 0,24
Barra das Flores 342,7 8,84 530,2 9,64
Total da Zona da Mata 3.872,3 99,86 5.498,8 99,99
Ouro Fino 0,5 0,01 0,0 0,00
Jacuí 4,8 0,12 0,0 0,00
Total da Zona Sul 5,3 0,14 0,0 0,00
Santa Bárbara 0,0 (+) 0,4 (+)
Rio Pardo 0,0 0,00 0,3 (+)
Total de outras regiões 0,0 (+) 0,6 0,01
Total de Minas Gerais 3.877,6 100,00 5.499,5 100,00
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

98 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX


Tabela 3.8 - Minas Gerais: Exportações de café, 1847-48 e 1850-51,
por registros e regiões, em toneladas
Café exportado Café exportado
Registros % %
em 1847 - 48 em 1850 - 51
Patrocínio do Muriaé 0,0 0,00 1,8 0,01
Paraibuna 2.701,2 24,67 3.271,9 24,75
Ericeira 481,9 4,40 695,0 5,26
Mar de Espanha 1.406,5 12,85 2.025,7 15,32
Sapucaia 3.614,8 33,02 3.775,5 28,56
Porto Novo do Cunha 1.169,6 10,68 1.843,1 13,94
Porto Velho do Cunha 146,0 1,33 29,5 0,22
Barra do Pomba 99,1 0,90 124,4 0,94
Flores do Rio Preto 956,4 8,74 1.079,2 8,16
Presídio do Rio Preto 335,5 3,06 336,9 2,55
Ponte do Zacarias 12,7 0,12 6,7 0,05
Total da Zona da Mata 10.923,7 99,78 13.189,7 99,76
Carrijo 0,2 (+) 0,7 0,01
Itajubá 0,0 0,00 0,4 (+)
Sapucaí Mirim 0,0 0,00 1,3 0,01
Monte Belo 0,1 (+) 0,0 0,00
Ouro Fino 13,9 0,13 0,9 0,01
Porto do Machado 5,3 0,05 22,8 0,17
Total da Zona Sul 19,6 0,18 26,1 0,20
Ponte Alta 0,1 (+) 0,0 0,00
Morrinhos 1,4 0,01 1,1 0,01
Rio Pardo 3,6 0,03 4,1 0,03
Total de outras regiões 5,0 0,05 5,2 0,04

Total de Minas Gerais 10.948,3 100,00 13.221,0 100,00


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


99
Tabela 3.9 - Minas Gerais: Exportações de café,
1867-68, por registros e regiões, em toneladas
Registros Café (toneladas) %
Barra do Pomba 1.906,8 6,09
Flores do Rio Preto 1.160,5 3,71
Gameleira 2.765,4 8,83
Mar de Espanha 2.055,1 6,57
Paraibuna 10.579,9 33,80
Patrocínio 1.559,4 4,98
Porto Novo do Cunha 2.367,7 7,56
Porto Velho do Cunha 1.268,3 4,05
Porto do Avelar 1.503,0 4,80
Presídio do Rio Preto 514,3 1,64
Pirapetinga 157,4 0,50
Sapucaia 3.889,2 12,42
Três Ilhas 1.342,3 4,29
Zacarias 151,9 0,49
Total da Zona da Mata 31.221,2 99,74
Caldas 3,1 0,01
Dores do Guaxupé 0,2 (+)
Monte Santo 9,1 0,03
Ouro Fino 37,1 0,12
Passa Vinte 23,6 0,08
Total da Zona Sul 73,1 0,23
Rio Pardo 2,7 0,01
Ponte Alta 0,0 (+)
Pontal do Escuro 4,3 0,01
Salto Grande 0,9 (+)
Total de outras regiões 8,0 0,03

Total de Minas Gerais 31.302,3 100,00

Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

100 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela 3.10 - Minas Gerais: Exportações de café, 1881-82, 1882-83 e 1883-84,
por registros e regiões, em toneladas
Café Café Café
Registros exportado % exportado % exportado %
em 1881-82 em 1882-83 em 1883-84
E. F. União Mineira 0,0 0,00 13.420,8 15,95 8.609,8 15,98
E. F. Pirapetinga 0,0 0,00 1.722,6 2,05 0,0 0,00
E. F. Leopoldina 0,0 0,00 16.482,2 19,59 17.623,6 32,70
Flores do Rio Preto 1.615,6 2,57 1.909,4 2,27 1.463,9 2,72
Ilha dos Pombos 0,0 0,00 566,1 0,67 193,5 0,36
Juiz de Fora 7.330,5 11,68 18.506,5 22,00 9.735,5 18,07
Paraibuna 1.512,8 2,41 1.827,6 2,17 1.186,9 2,20
Patrocínio do Muriaé 1.106,2 1,76 1.681,7 2,00 489,7 0,91
Presídio do Rio Preto 1.135,6 1,81 1.116,2 1,33 825,4 1,53
Porto Novo do Cunha 27.935,4 44,52 21.780,3 25,89 7.677,9 14,25
Tombos do Carangola 763,1 1,22 896,6 1,07 639,9 1,19
Três Ilhas 1.486,0 2,37 1.513,4 1,80 1.079,2 2,00
Zacarias 152,1 0,24 169,4 0,20 55,9 0,10
Serraria 17.821,6 28,40 0,0 0,00 0,0 0,00
Chiador 0,0 0,00 0,0 0,00 613,6 1,14
Rio Pardo 0,8 (+) 0,4 (+) 1,7 (+)
Total da Zona da Mata 60.859,8 96,98 81.593,2 96,99 50.196,5 93,15
Caldas 117,9 0,19 284,6 0,34 672,2 1,25
Dores do Guaxupé 769,5 1,23 849,1 1,01 1.096,9 2,04
Itajubá 9,0 0,01 25,0 0,03 29,6 0,05
Jaguari 42,5 0,07 64,1 0,08 43,2 0,08
Monte Santo 331,5 0,53 626,2 0,74 938,5 1,74
Ouro Fino 275,2 0,44 298,9 0,36 350,2 0,65
Passa Vinte 107,0 0,17 108,4 0,13 181,1 0,34
Picu 19,0 0,03 17,5 0,02 7,4 0,01
Sapucaí Mirim 87,9 0,14 94,9 0,11 111,4 0,21
E. F. Minas e Rio 0,0 0,00 0,0 0,00 24,8 0,05
Total da Zona Sul 1.759,5 2,80 2.368,7 2,82 3.455,2 6,41
Jaguara 7,5 0,01 5,3 0,01 0,0 0,00
E. F. do Oeste 0,0 0,00 0,2 (+) 0,6 (+)
Januária 0,5 (+) 1,0 (+) 3,7 0,01
Filadélfia 121,2 0,19 151,2 0,18 228,6 0,42
Salto Grande 5,2 0,01 8,7 0,01 2,2 (+)
Total de Outras Regiões 134,4 0,21 166,6 0,20 235,0 0,44

Total de Minas Gerais 62.753,7 100,00 84.128,4 100,00 53.886,7 100,00


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


101
Tabela 3.11 - Minas Gerais: Exportações de café,
1818-1884: participação das regiões, em porcentagens
Anos Zona da Mata Zona Sul Outras Regiões
1818-19 99,7 0,0 0,3
1842-43 99,9 0,1 *
1844-45 100,0 0,0 *
1847-48 99,8 0,2 *
1850-51 99,8 0,2 *
1867-68 99,7 0,2 *
1881-82 97,0 2,8 0,2
1882-83 97,0 2,8 0,2
1883-84 93,2 6,4 0,4
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Esse erro é insistentemente repetido na literatura recente, e é muitas vezes


acompanhado pela afirmação de que a Zona Sul também atraiu grande número de
escravos para trabalhar em seus cafezais. Herbert Klein, por exemplo, afirma que
“a maior concentração de escravos em Minas Gerais estava na região Sul e na Zona
da Mata, as duas áreas que constituiam o centro da importante zona de plantation
de café de Minas”. Argumentando na mesma linha, em seu famoso estudo sobre
a escravidão nas áreas cafeeiras, Emilia Viotti da Costa sustenta que, em Minas
Gerais, a falta de braços para o café “não se revelava tão urgente quanto nas zonas
cafeeiras paulistas, em virtude do deslocamento da mão de obra escrava para as
zonas de expansão econômica da Mata e do Sul.”153
A evidência em contrário é tão forte que causa surpresa que tal erro possa sequer
ter aflorado. A participação da Zona Sul na produção cafeeira provincial se manteve
muito abaixo de um por cento durante a maior parte do século. Nos anos finais do
regime escravista essa participação estava em crescimento, mas permaneceu abaixo
de 3%. Em todos os anos para os quais temos dados, somente em 1884 o Sul produziu
mais do que 5% do café da província, e mesmo então, esse aumento relativo resultou,
em grande parte, de uma queda substancial na produção da Zona da Mata.

153 Herbert S. Klein, The Internal Slave Trade in 19th. Century Brazil. The Middle Passage: Comparative
Studies in the Atlantic Slave Trade. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1978, p. 114;
Emilia Viotti da Costa. Da Senzala à Colônia. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1966, p. 110. Essas
duas citações são apenas uma amostra, colhida em dois autores bem conhecidos. Muitas outras
poderiam ser apresentadas, tanto de historiadores mineiros como não-mineiros. Esta proposição está
errada nas duas pontas: O Sul de Minas não era um produtor importante de café nesse período, e nem
estava atraindo escravos em números consideráveis.

102 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
O volume total das exportações de café da Zona Sul até os anos 1870 era equi-
valente à colheita de uma única plantation de porte médio. Cresceu rapidamente
na década de 1880, mas mesmo então poderia ter sido produzido por apenas um
punhado de grandes fazendas. Todas as outras evidências apontam na mesma dire-
ção: o setor cafeeiro do Sul foi uma extensão do Oeste Paulista e durante os últimos
anos da escravidão estava apenas começando a se desenvolver.
A edição de 1874 do Almanaque Sul-Mineiro informa que, nos vales dos rios
Verde e Sapucaí, o café, “até o presente é plantado quase que somente para consumo
local”, acrescentando que em Pouso Alegre e Jaguarí já havia grandes plantações
das quais “algum” café era exportado.154
José Joaquim da Silva, em seu Tratado de Geographia Descriptiva Especial da
Província de Minas Geraes, publicado em 1878, menciona um incipiente cultivo de
café em Caldas, Alfenas, São José do Paraíso, Ouro Fino e Carmo do Rio Claro, dei-
xando claro, entretanto, que todos esses municípios mantiveram sua diversificação
agrícola e que, em todos os casos, o café era suplantado em importância pela cana
de açúcar, pelo fumo, pelos cereais e pela pecuária. Em outros treze municípios da
Zona Sul a cultura do café não é sequer mencionada.155
Todos esses municípios estão localizados na porção oeste da Zona Sul, próximos
à fronteira com São Paulo. Os dados de exportação confirmam que essa área estava
começando a se integrar com o Oeste Paulista nos anos 1870 e 1880: os registros
fiscais de Caldas, Guaxupé, Jaguarí, Monte Santo e Ouro Fino se situavam perto da
fronteira, e o aumento das exportações de café através deles mostra que esses distritos
estavam começando a se aproveitar da expansão da rede ferroviária paulista.
Entretanto, durante a maior parte do período em questão, a Zona Sul era uma
região isolada da costa por uma formidável barreira natural e não dispunha de rotas
exportadoras importantes. Os produtos de sua agropecuária diversificada (princi-
palmente fumo, toucinho e porcos em pé) eram enviados para o Rio de Janeiro, mas
como dependiam do transporte por tropas de mulas através de trilhas montanho-
sas que datavam do século XVIII, era impossível qualquer desenvolvimento de um
fluxo importante de exportações para o exterior.
Por volta da metade do século houve uma tentativa de quebrar o isolamento da
região, com a estrada do Passa Vinte, projetada para ligar Lavras ao litoral. Somente

154 Almanaque Sul-Mineiro, 1874, citado por Daniel de Carvalho. O Café em Minas Gerais, p. 152.
155 José Joaquim da Silva, Tratado de Geographia Descritiva Especial da Província de Minas Gerais. Rio de
Janeiro: Typographia Universal de E. e H. Laemmert, 1878, pp. 78-175. Em alguns dos cinco municípios
onde se menciona o café, esse artigo não é listado entre as exportações. Silva cita a cultura do café em
Aiuruoca, mas deixa claro que era somente para consumo local.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


103
uma parte do projeto original (o trecho de Barra Mansa a Livramento) foi execu-
tada e a construção foi logo abandonada.156
A primeira estrada de ferro a penetrar a região, a Minas and Rio Railway, de
propriedade britânica, só foi aberta ao tráfego em 1884 e, com certeza, não percorria
território cafeeiro. Laerne, um observador particularmente atento ao café, se refe-
riu a essa ferrovia como um exemplo de investimento britânico mal planejado: “Um
caso em foco é a estrada de ferro Lavrinhas – Três Corações (...) que é totalmente
supérflua, por atravessar uma região pouco cultivada, no sul de Minas Gerais”. Em
seu primeiro ano de operação a estrada carregou somente vinte e quatro toneladas
de café e “seu principal negócio foi transportar as boiadas de uma área esparsamente
povoada.”157 Outro contemporâneo relatou que o empreendimento fora condenado
por alguns como a railway to the clouds, mas previu “um próspero, embora remoto,
futuro para essa linha, pois ela atravessa um território próprio para a agricultura e a
pecuária, os fretes não dependem de produtos específicos e o clima é admirável.”158
Só depois que a Estrada de Ferro Mogiana ligou a Zona Sul ao porto de San-
tos, em 1889, o cultivo de café realmente começou a espalhar-se pela região. Suas
exportações subiram a 7.376 toneladas em 1894, a 18.816 toneladas em 1898 e a
39.502 toneladas em 1905, que correspondiam, respectivamente a 8,4%, 14,6% e
26,9% do total do estado.159
A ascensão da Zona Sul a uma posição de destaque na exportação de café é,
portanto, um fenômeno da era republicana e antes da abolição da escravidão ela
não tinha nenhuma importância nesse setor. Usando os dados de exportação apre-
sentados acima, estimei que a força de trabalho necessária para a cultura do café
nessa região não alcançaria 100 indivíduos até os anos 1870, crescendo para algo
entre 1.755 e 2.178 escravos em 1884.160

156 Carvalho. Estudos e Depoimentos, p. 133.


157 Laerne. Brazil and Java, p. 178; Graham. Britain and the Onset, pp. 58-59.
158 James W. Wells. Exploring and Travelling Three Thousand Miles through Brazil. 2 vols. London:
Sampson Low, Marston, Searle and Rivington, 1887, vol. 2, p. 339. Os itálicos são meus.
159 Usamos como estimativas das exportações da zona sul em 1894 e 1898 as exportações do café mineiro
através do porto de Santos, dadas por Taunay. História do Café, vol. 9, p. 242. Os números de 1905
foram estimados a partir dos dados fornecidos por Rodolpho Jacob. Minas Gerais no XXº século. Belo
Horizonte: Gomes e Cia., 1911, pp. 48 e 58.
160 O procedimento usado nas estimativas está descrito nas páginas abaixo. Como usamos coeficientes
técnicos estimados para a Zona da Mata, esses números provavelmente superestimam a força de
trabalho necessária na Zona Sul, pois é consensual a maior produtividade dos cafezais do Sul nessa
época. Uma fonte de 1897, por exemplo, afirma que a produção por cafeeiro era duas vezes mais alta
no Sul que na Mata.

104 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Além de ser localizada quase que exclusivamente na Zona da Mata, a produção
mineira de café era ainda mais concentrada, não abrangendo sequer a totalidade
desta zona geográfica. Várias fontes registram que nem todos os municípios desta
região eram produtores comerciais de café durante o império. Diversas corografias
e relatos de viajantes do século XIX, abrangendo todo o período em estudo, mos-
tram claramente que os municípios do interior da Zona da Mata, aqueles situados
além das serras Mantiqueira, da Gameleira e do Caparaó, não podem ser carac-
terizados como distritos cafeeiros. O Tratado de Geographia Descriptiva Especial
descreve Piranga e Santa Rita do Turvo (Viçosa) como áreas de agricultura diver-
sificada e não lista o café entre seus produtos. Sobre Ponte Nova afirma que a cana
era sua principal cultura, com 140 engenhos de açúcar, e menciona o café como
uma lavoura incipiente.
O detalhado estudo de Laerne, poucos anos depois, lista como distritos cafeei-
ros de Minas Gerais apenas Juiz de Fora, Leopoldina, Mar de Espanha, São Paulo
do Muriaé, Rio Novo, Cataguazes, Rio Preto, Pomba e Ubá. Seu mapa situa a fron-
teira norte da região cafeeira em uma linha que passa por Rio Preto, Rio Novo e
Ubá, isto é, em uma faixa contida entre a fronteira do Rio de Janeiro e as cadeias de
montanhas citadas acima.
Quase quinze anos mais tarde, em 1886, viajando pela E. F. Pedro II, do Rio de
Janeiro rumo ao interior de Minas, o visconde Ernest de Courcy observou que o
cultivo comercial de café não tinha rompido esse limite norte, comentando que, até
a altura de Entre Rios, “todas as encostas do país são cobertas de plantações de café
(...) em Barbacena o país se transforma e a vegetação torna-se mais rarefeita. Sobre
as encostas o milho tomou o lugar do café.161 Toda a zona cafeeira de Minas não
compreendia, na época da abolição da escravidão, mais do que quatro por cento do
território da província.162

O TRABALHO ESCRAVO NO CAFÉ


Não foi realizado nenhum censo econômico no Brasil no século XIX. A clas-
sificação ocupacional do censo demográfico de 1872 não é suficientemente deta-
lhada para permitir a identificação das culturas em que eram empregados os

161 José Joaquim da Silva. Tratado, pp. 145-46, 154; Laerne. Brazil and Java, p. 118 e mapa no fim do
volume. Vicomte Ernest de Courcy. Six Semaines aux Mines d’Or du Brésil. Paris: L. Sauvaître, Editeur,
1889, pp. 92 e 97.
162 A área territorial da zona cafeeira foi estimada por Pedrosa. Zona Silenciosa, p. 157, como sendo de
25.000 km2, dos 587.000 km2 da província.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


105
trabalhadores agrícolas. Não há, portanto, estatísticas diretas sobre o emprego de
escravos no setor cafeeiro. Partindo dos dados de produção é possível, entretanto,
estimar com razoável segurança o contingente de escravos engajados nesse cultivo
em diferentes épocas. O procedimento consiste em estimar a produtividade por
trabalhador, e em seguida calcular os requisitos totais de mão de obra a partir dos
dados de produção. As técnicas de plantio e de colheita do café eram as mesmas em
toda a região cafeeira e, com exceção do beneficiamento dos grãos para o mercado,
não mudaram ao longo do século XIX.163
Para começar um novo cafezal a primeira tarefa era escolher o lugar adequado.
Isso era feito segundo dois critérios principais: a qualidade da terra e a exposição
do local às geadas. A qualidade do solo era geralmente determinada com base na
presença ou ausência de certas espécies específicas de árvores, conhecidas como
padrões. Proteção contra geadas era fundamental porque mesmo uma curta expo-
sição a elas pode queimar as folhas do arbusto e destruir a colheita, enquanto uma
mais longa pode matar o cafeeiro.
Depois vinha a preparação da terra para o plantio. Uma vez que o café era
sempre plantado em terras virgens de matas, este estágio envolvia um trabalho con-
siderável. As árvores eram derrubadas a machado, o mato era roçado com foices
e deixado no chão para secar. No final da estação seca a clareira era queimada.
Isso completava a preparação e as sementes eram plantadas entre os tocos ainda
fumegantes.
Por todo o vale do Paraíba o café era geralmente plantado nas encostas das
montanhas. Nesse caso a derrubada das árvores era quase sempre feita através de
uma técnica conhecida como picaria. Uma árvore grande, estrategicamente situ-
ada no topo da colina, era escolhida para ser o matador. As outras árvores, morro
abaixo, eram só parcialmente cortadas. A queda do matador gerava um efeito
dominó, derrubando toda a encosta. Havia consenso entre os contemporâneos que
estas operações envolviam uma habilidade considerável e bastante perigo, espe-
cialmente quando era empregado o método da picaria, que poupava trabalho, mas
era mais arriscado. Existe substancial evidência de que em toda a região cafeeira
a derrubada era feita por trabalhadores livres, mesmo nos anos iniciais do ciclo.
Segundo Laerne, “escravos nunca são empregados nesse trabalho árduo e frequen-
temente perigoso. A tarefa de derrubar as florestas é geralmente feita por caboclos

163 Descrições detalhadas da tecnologia e das práticas de plantio e processamento do café no Brasil do
século XIX podem ser encontradas em: Laerne. Brazil and Java e Stein, Vassouras.

106 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
e mineiros, isto é, brasileiros do interior, especialmente de Minas Gerais, que fazem
disso seu ofício predileto”.164
Esses lenhadores caboclos gozavam de grande reputação por suas habilidades.
Um engenheiro ferroviário inglês, trabalhando em áreas densamente florestadas
comentou:” Nunca vi os famosos madeireiros do interior dos Estados Unidos, mas
duvido que possam superar um traquejado matuto brasileiro no trabalho de der-
rubar florestas; cada golpe da foice ou do machado é desferido no ponto exato, e
raramente cometem algum erro”.165
A técnica usada para plantar os cafeeiros era extremamente simples. Stanley
Stein recolheu de um velho trabalhador do eito a seguinte descrição da operação:
“Coloque uma muda no buraco, aperte levemente com a enxada; coloque outra
muda e aperte de novo; jogue terra vermelha na raiz. Encha o buraco com terra e
aperte com força.”166 O plantio era outro estágio raramente executado pelos escra-
vos da fazenda. O cafeeiro somente começa a dar frutos no terceiro ano de vida e só
atinge seu potencial máximo em quatro ou seis anos. Por essa razão a maioria dos
fazendeiros considerava mais lucrativo contratar homens livres para esse trabalho.
Esses homens, conhecidos como empreiteiros ou formadores de cafezal, faziam o
plantio e cuidavam dos cafeeiros até a maturidade, capinando o mato e replantando
os arbustos mortos.
Frequentemente os empreiteiros eram, eles próprios, proprietários de escravos,
de Minas Gerais, que migravam de lugar em lugar com suas turmas, mas usual-
mente eram camponeses livres, muitas vezes também mineiros. Em alguns casos
os escravos da fazenda plantavam os novos cafezais, que eram então entregues aos
mineiros para a manutenção durante os primeiros anos. Além de receberem uma
soma fixa por cada árvore madura entregue ao fazendeiro, permitia-se que os for-
madores cultivassem feijão, milho e outros mantimentos entre as fileiras de café.167

164 Laerne. Brazil and Java, p. 279. As palavras caboclos e mineiros estão em português no original. Mais
evidências de que a limpeza dos terrenos para o café era sempre feita por trabalhadores livres podem
ser encontradas em Warren K. Dean. Rio Claro. A Brazilian Plantation System, 1820-1920. Stanford:
Stanford University Press, 1976, p. 35; Stein. Vassouras, p. 32. Um historiador da Zona da Mata mineira
afirma que nessa região o trabalho de “índios amansados” era extensamente usado nesta tarefa. Ver
Pedrosa. Zona Silenciosa, p. 132.
165 Wells. Exploring and Travelling, vol. 1, p. 148. A palavra matuto está em português no original.
166 Stein. Vassouras, p. 33.
167 Viotti da Costa. Da Senzala à Colonia, p. 144; Dean. Rio Claro, p. 35; João Pedro Carvalho de Moraes.
Relatório apresentado ao Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1870, pp. 67-68; Laerne. Brazil and Java, pp. 292-93. Dean e Carvalho de Moraes
mencionam grupos de escravos trazidos por empreiteiros das áreas centrais de Minas Gerais para São

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


107
No quinto ou sexto ano, quando os arbustos atingiam a maturidade, eram
devolvidos ao fazendeiro, e daí em diante eram cuidados pelos escravos da fazenda.
As principais tarefas rotineiras, nesse estágio, eram as capinas e as carpas do cafe-
zal. Em ambas só eram utilizadas enxadas, sendo, portanto, altamente intensivas
em trabalho. Eram feitas várias vezes por ano dependendo da disponibilidade de
mão de obra e do tamanho das plantações.
Os escravos do eito, dispostos em filas sob os olhares dos feitores, avançavam
lentamente pelo cafezal, limpando ao redor dos pés de café, um por um, fileira após
fileira. “É uma cena curiosa a visão dessas turmas de escravos trabalhando nos
campos”, escreveu Laerne,
uma turma consiste geralmente de 20 a 25 escravos, homens e mulheres,
sob o comando de um feitor que é, geralmente, ele próprio um escravo
(...) Se várias turmas trabalham juntas (vi grupos de 100 a 125 pessoas),
há um capataz português, usualmente chamado administrador, para
supervisionar o trabalho.168

Nas carpas, ou seja, a limpeza completa dos cafezais, o mato tinha que ser arran-
cado e suas raízes inteiramente expostas ao sol, para que não brotasse de novo, com
vigor renovado, logo na primeira chuva. As capinas se resumiam em simplesmente
cortar o mato no nível do solo. Se os trabalhadores fossem poucos as carpas podiam
ser substituídas por simples capinas, e mesmo o número de capinas podia ser redu-
zido. Essa foi a tendência na Zona do Rio nos últimos anos da escravidão, à medida
que a mão de obra ficou cada vez mais escassa. Mas os fazendeiros tinham plena cons-
ciência da relação entre a qualidade da manutenção dos cafezais e sua produtividade.
Importantes tarefas auxiliares eram a poda das árvores e a interminável guer-
rilha contra a saúva, o mais temido predador do cafezal. Essas tarefas especiais
exigiam pequena parcela do plantel, por serem executadas por uns poucos escravos
especialmente treinados. Toda grande fazenda mantinha alguns cativos com a mis-
são permanente de procurar e destruir os formigueiros. Outras tarefas auxiliares, de

Paulo. J. McFaden Gaston. Hunting a Home in Brazil. Philadelphia: King and Baird Printers, 1867, pp.
133-135, também ouviu dizer que isso era comum, mas afirma que os escravos geralmente vinham
da zona cafeeira mineira. Laerne menciona camponeses mineiros livres como empreiteiros. A questão
de os escravos da fazenda serem ou não usados para formar cafezais e para cuidar dos cafeeiros
jovens não é importante para o cálculo dos requisitos de trabalho. Se fossem usados somente escravos
para essas tarefas, tudo que teríamos que fazer era introduzir uma defasagem de quatro ou cinco
anos entre o produto e a correspondente mão de obra necessária. Exceto por essas defasagens as
estimativas não seriam modificadas.
168 Laerne. Brazil and Java, p. 293. Laerne está, evidentemente, descrevendo uma grande plantação. As
palavras turma, feitor e administrador estão em português no original.

108 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
natureza ocasional e não diretamente ligadas ao cultivo, como serviços de pedreiro
e carpinteiro, construção de cercas, regos, etc., eram geralmente executadas por
homens livres, contratados por empreitada ou como jornaleiros.169
Além da manutenção do cafezal, as outras operações que envolviam grande
quantidade de trabalho eram a colheita e o beneficiamento do produto para o
mercado. Ambas eram executadas pelos escravos da fazenda. A colheita, de maio
a setembro, era feita manualmente e exigia a participação de toda a escravaria,
homens, mulheres e crianças. No Brasil os frutos do café nunca eram colhidos um
a um. Devido à crônica escassez de mão de obra, o sistema da derriça, mais rudi-
mentar, mas poupador de trabalho, era o método sempre adotado:
Cada ramo era preso pelo polegar e pelo indicador, e a mão era então
movida para baixo e para fora, debulhando-o com um movimento
rápido e enchendo a peneira de folhas, gravetos secos e cerejas de café.
Quando esta se enchia, o conteúdo era lançado ao ar. O café caía no
fundo, e as folhas e gravetos que ficavam por cima eram varridos para o
chão com um movimento da mão.170

Era costume atribuir metas diárias a um apanhador de café, que variavam de


3 a 9 alqueires por dia, de acordo com o volume da colheita. O não cumprimento
dessas metas poderia resultar em castigo físico ou no cancelamento de pequenos
privilégios do escravo. Na Zona do Rio era usual oferecer incentivos em dinheiro
aos escravos durante o período da colheita, assim como pagar pelo trabalho nos
domingos, que não era obrigatório.171
Ocasionalmente o plantel da fazenda precisava ser suplementado por trabalha-
dores de fora. “Quando a colheita era grande, nas fazendas onde havia de 7.000 a
10.000 cafeeiros por escravo, os fazendeiros tentavam contratar apanhadores, que
podiam tanto ser escravos dos sitiantes e quitandeiros vizinhos, como trabalhadores
livres.” Quando isso era necessário, os escravos homens eram alugados por cerca de
20 mil réis por mês, e as mulheres escravas por cerca de 15 mil réis, no início dos
anos 1880.172

169 Os plantéis das grandes fazendas podiam incluir oficiais cativos, como pedreiros, carpinteiros e
ferreiros. Aparentemente a tendência no final do século foi concentrar a escravaria nas tarefas
agrícolas e contratar pessoas de fora para esses trabalhos. Ver Carvalho de Moraes. Relatório.
170 Stein. Vassouras, p. 35.
171 Laerne. Brazil and Java, p. 301.
172 Laerne. Brazil and Java, p. 302. As palavras sitiantes e quitandeiros estão em português no original.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


109
Depois de colhidas, as cerejas de café passavam à fase de preparação para o mer-
cado. Eram lavadas em tanques e depois postas para secar nos terreiros. Quando
estavam completamente secas, “quando quebram entre os dentes em vez de rasgar”,
eram estocados em depósitos até que toda a produção fosse colhida. O café seco
podia então ser enviado para os estágios finais de processamento, ou podia ficar
estocado durante anos, uma decisão que dependia da conjuntura do mercado, da
disponibilidade de mão de obra e da situação financeira do cafeicultor.
Os passos restantes do beneficiamento envolviam a pilagem, a remoção da
casca, a seleção dos grãos, o polimento e o ensacamento do café. Em todo o pro-
cesso produtivo esse era o estágio mais suscetível de mecanização e, à medida que
o século avançou e o problema da mão de obra foi se agravando, os fazendeiros
passaram cada vez mais a adotar tecnologias poupadoras de trabalho.
Escrevendo em 1884, Laerne comentou que
nos últimos dez anos o processamento mecanizado progrediu enorme-
mente. Para poupar trabalho manual e melhorar, por meio de uma pre-
paração cuidadosa, o produto mal colhido, os brasileiros não hesitam em
gastar fortunas em busca da maquinaria mais moderna (...) Desde a Lei
do Ventre Livre, de 1871, toda sua atenção se concentrou em um único
ponto: como poupar trabalho braçal. Há muitas fazendas onde o produto
é transportado para o engenho, ou casa das máquinas, descascado, sepa-
rado, brunido, ensacado e pesado por maquinas, saindo pronto para ser
despachado.173

Pela descrição acima podemos concluir que as necessidades de mão de obra da


cultura cafeeira eram determinadas pela manutenção rotineira dos cafezais madu-
ros. Na formação e no tratamento dos cafezais novos raramente eram utilizados
escravos. A colheita era feita pelos mesmos escravos que cultivavam os cafeeiros,
com a ajuda ocasional de trabalhadores de fora. Na etapa do beneficiamento os
escravos foram cada vez mais substituídos por máquinas.
É, portanto, na fase do cultivo que devemos nos fixar para calcular os requisitos
de mão de obra do setor. Essa é a metotodologia adotada tanto pelos especialistas
contemporâneos, como Laerne, quanto por historiadores recentes como Thomas
Holloway, em seu detalhado estudo sobre o setor cafeeiro paulista. A mesma abor-
dagem foi sempre predominante nas discussões contemporâneas sobre a substitui-
ção dos escravos por trabalhadores imigrantes, as quais, quase sempre, giravam em
torno do número de cafeeiros que poderia ser tratado por cada colono.174

173 Laerne. Brazil and Java, p. 317.


174 Laerne. Brazil and Java, pp. 336-38, 352-54; Thomas H. Holloway. Migration and Mobility: Immigrants

110 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Toda a questão gira em torno de dois coeficientes técnicos: a produção de
café por cafeeiro e a média de cafeeiros por escravo, isto é, o número de pés que
eram efetivamente cuidados por um escravo. A combinação desses dois parâme-
tros resulta na produtividade por escravo e assim o cálculo do número de escravos
engajados na produção de café se transforma na simples divisão da produção total
por esse coeficiente.
A produtividade dos cafezais (sempre medida em termos de arrobas de café
processado por mil pés) era uma das questões mais debatidas entre os cafeicultores.
Era uma discussão interminável, alimentada não só pela precariedade dos proces-
sos de medição, mas também pelo grande prestígio ligado à obtenção de altas taxas
de produtividade. Por isso, quando falavam de suas próprias plantações, os fazen-
deiros eram sempre bastante propensos a exagerar.
Um fazendeiro, falando com certa autoridade de suas colheitas de 200
arrobas por mil pés, toma ares de grandeza, e acredita que seus vizinhos
logo o estarão elogiando, e cumprimentando publicamente como “um
fazendeiro muito, muito importante”, um título muito valorizado com
vistas às eleições para Deputado Provincial.175

Durante o Império, as discussões sobre a produtividade do setor cafeeiro se con-


centravam principalmente em comparações entre o Vale do Paraíba e o Oeste Paulista,
e geralmente as estimativas se referiam às lavouras paulistas e fluminenses. Dados refe-
rentes a Minas Gerais são muito mais escassos. A variação das estimativas de produti-
vidade que se encontram na literatura é bastante ampla, mas parece haver um razoável
consenso em torno de dois pontos. O primeiro é que a produtividade era muito mais
alta, talvez o dobro, na Zona de Santos do que no Vale do Paraíba, no início dos anos
1880.176 O outro é que a produtividade acompanhava o ciclo de vida do cafeeiro, cres-
cendo nos primeiros anos, passando por um máximo e depois caindo rapidamente. A
tabela a seguir, atribuída a um especialista da época, ilustra o ciclo produtivo do cafe-
eiro, medido por seu valor de mercado nos meados da década de 1870.
Os dois pontos acima estão relacionados. O forte declínio na produção do cafe-
eiro era causado não somente pela decadência biológica da planta à medida que

as Laborers and Landowners in the Coffee Zone of São Paulo, Brazil, 1886-1934. Tese de doutorado,
University of Wisconsin, 1974, pp. 152-55; Johann Jacob von Tschudi. Viagem às Províncias do Rio de
Janeiro e São Paulo. trad. Eduardo de Lima Castro. São Paulo: Livraria Martins, 1953, pp. 46-47, 50.
175 Laerne. Brazil and Java. p. 307. A expressão um fazendeiro muito, muito importante está em português
no original.
176 Laerne. Brazil and Java, p. 308.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


111
envelhecia, mas também, em grande parte, pelo esgotamento do solo no qual estava
plantada. Dadas as técnicas agrícolas da época, para manter seu nível de produtivi-
dade a lavoura cafeeira precisava de uma fronteira aberta, ou seja, de ter reservas de
mata virgem. Só assim a produtividade declinante dos cafezais mais velhos poderia
ser continuamente compensada pela alta produtividade das novas plantações em
terras virgens.

Tabela 3.12 - Valor de um pé de café,


segundo sua idade (em réis, circa 1876)
Idade do cafeeiro, em anos Valor, em réis
1 60
2-3 100
3-5 160
5-8 200
8 - 16 280
16 - 20 180
20 - 25 120
25 ou mais 60
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Nos últimos anos do Império, os setores paulista e fluminense da Zona do Rio


já tinham atingido seus limites naturais. Não dispunham de terras novas para se
expandir e já estavam mergulhados na dramática decadência tão habilmente des-
crita por Stanley Stein em sua monografia sobre Vassouras. O diferencial de produ-
tividade observado entre a Zona do Rio e a de Santos se devia, em grande medida, a
esse fator, já que nas últimas décadas do período imperial a colonização e a expan-
são da cafeicultura estavam apenas começando no Oeste Paulista.
A discussão anterior é importante para o nosso objetivo por duas razões. Pri-
meiro, é claro que, à medida que retrocedemos no tempo, a produção por cafeeiro
na Zona do Rio deve ter sido mais alta do que a observada nos anos 1880, e o dife-
rencial entre essa zona e a de Santos deve ter sido menor. Segundo, e mais impor-
tante, é a questão da identificação da região cafeeira de Minas Gerais com a Zona
do Rio. É fora de dúvida que, em termos de clima, composição geológica e outras
características físicas, a Mata mineira pertencia a essa zona. Historicamente ela foi
uma extensão da cultura cafeeira no setor fluminense do Vale do Paraíba e pode-
mos estar certos que a tecnologia e as práticas agrícolas eram muito semelhantes
nas duas áreas.

112 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Quando se discute a questão da produtividade deve-se, entretanto, lembrar uma
diferença importante. Ao contrário do resto da Zona do Rio, a região cafeeira de
Minas não estava em decadência nas últimas décadas do século. Tinha uma grande
quantidade de terras virgens à sua disposição e estava crescendo vigorosamente,
não só no Sul mas também dentro da própria Mata. A fronteira do café continuava
aberta na entrada do século XX e, no final da Primeira República, Minas Gerais
estava exportando três vezes mais café do que no final do Império.177
Não se deve, portanto, associar o setor cafeeiro de Minas com o quadro som-
brio do Vale do Paraíba. É bem plausível, e de fato parece ter sido o caso, que a
produtividade média em Minas Gerais tenha permanecido constante ou até mesmo
aumentado no período em questão.
A consequência disso é que as estimativas de produtividade para a Zona do Rio,
baseadas, como foram, em observações no Vale do Paraíba fluminense no final do
século XIX, devem ser vistas como subestimações da produvidade real que, em
média, prevaleceu em Minas Gerais.
As informações mais antigas que encontrei sobre a produtividade de café na
Zona do Rio, são aquelas colhidas por Johann Jakob von Tschudi, o naturalista
suíço enviado ao Brasil em 1860, como ministro ad hoc para investigar as condi-
ções de vida dos imigrantes suíços na cultura do café. Em uma fazenda de Can-
tagalo, um distrito cafeeiro fluminense próximo de Minas Gerais, ele anotou a
produtividade média de 63,9 arrobas por mil pés em 1847-50; 55,8 arrobas em
1851-54 e 49,3 arrobas em 1855-60. Essa fazenda aparentemente não era típica
porque, usando “informações detalhadas obtidas em várias províncias”, o Dr.
Tschudi concluiu que a produtividade média era de 61,7 arrobas por mil pés em
cafezais com seis a dez anos de idade, e de 69,4 arrobas para aqueles entre dez e
dezoito anos. Ele usou o coeficiente de 61,7 arrobas em todas as estimativas em
seu relatório e observou que essa média foi a mesma obtida no Suriname, Santo
Domingo, Jamaica e Bourbon.178
Para o final dos anos 70 e o início dos 80, existem várias estimativas. Louis
Couty, cientista francês que viveu no Brasil e escreveu extensamente sobre café e
escravidão, sugeriu, em 1884, que nas fazendas escravistas a média foi de 40 a 80

177 Para um estudo sobre a evolução da ocupação e o movimento da frente pioneira na Zona da Mata, veja
Orlando Valverde. Estudo Regional da Zona da Mata, de Minas Gerais. Revista Brasileira de Geografia.
Ano XX, n°. 1 (Jan.-mar. 1958), pp. 25-29.
178 Tschudi. Viagem, pp. 39 e 46.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


113
arrobas por mil pés.179 Em outros escritos, o mesmo Couty mencionou produtivi-
dades médias de 140 a 160 arrobas por mil pés180 e de de 100 arrobas por mil pés.181
Esse último coeficiente também foi estimado, em 1884, para a Zona do Rio, pelo
engenheiro brasileiro André Rebouças.182
O historiador do café brasileiro, Afonso de Taunay, rejeitava, como exageros, as
duas últimas estimativas, e sugeriu o intervalo de 35 a 60 arrobas por mil pés como
a produtividade no Vale do Paraíba.183 Laerne também critica Couty por suas altas
estimativas e apresenta números consideravelmente mais baixos em seu relatório:
“Segundo as informações que recebi de vários fazendeiros escrupulosamente since-
ros, é extremamente raro que a produtividade de uma plantação excepcionalmente
boa na Zona do Rio supere 125 ou 130 arrobas por mil pés. E mesmo uma colheita
desse nível é considerada um verdadeiro aborto, uma produtividade anormal”.
Laerne descartou como fantasiosas mesmo as médias muito mais modestas de 50 a
70 arrobas por mil pés que lhe foram relatadas por vários fazendeiros, e se mostrou
muito mais inclinado a aceitar “as declarações de outros agricultores, para os quais
uma produtividade média de 25 a 35 arrobas por mil pés (...) é considerada muito
boa”.184 Suas próprias estimativas, baseadas nos dados colhidos em 31 plantações
na Zona do Rio, dez das quais se localizavam em Minas, são ainda mais baixas.
A produvidade média calculada por ele foi de 23,4 arrobas por mil pés, tanto nas
fazendas mineiras como nas fluminenses.185
Ao computar a produtividade média dessas 31 fazendas, Laerne cometeu um
erro, obtendo 333 gramas por pé ou 22,65 arrobas por mil pés. Uma vez que esses
números são constantemente usados na literatura eles merecem um breve comen-
tário. Como fica claro em seus cálculos, na página 336, Laerne se confundiu com
uma estatística elementar. Tirando a média da variável “produtividade por mil pés”
ele obteve 23,4 arrobas, a mesma a que chegamos na tabela 3.13. Em seguida somou
as produções das 31 fazendas e dividiu essa produção agregada pela soma dos cafe-
eiros, obtendo 21,9 arrobas por mil pés. E, “para reduzir tanto quanto possível as

179 Citado por Taunay. História do Café, vol. 8, p. 131.


180 Citado por Laerne. Brazil and Java, p. 307.
181 Citado por Taunay. História do Café, vol. 8, p. 129.
182 Citado por Taunay. História do Café, vol. 8, p. 127.
183 Taunay. História do Café, vol. 8, pp. 127-29 e vol. 7, pp. 167-81.
184 Laerne. Brazil and Java, pp. 306-08.
185 Laerne. Brazil and Java, pp. 325-29.

114 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
discrepâncias que sempre ocorrem em cálculos desse tipo”, tirou a média das duas
estimativas, obtendo o número, tantas vezes citado, de 22,65 arrobas por mil pés.
Obviamente as duas variáveis não são a mesma coisa, e tirar sua média não
faz nenhum sentido. A primeira (23,4) é a produtividade média, isto é, a média da
distribuição das produtividades observadas. A segunda (21,9) é a produtividade
agregada, não é a média de coisa nenhuma, não é comparável com a produtividade
média e não pode ser usada como representativa da distribuição das produtivida-
des, pois não leva em consideração as variações entre as fazendas.
Temos fortes razões para acreditar que a produtividade média de 23,4 arrobas
por mil pés não era representativa da cultura do café em Minas Gerais nessa época.
Taunay sugeriu que uma produção tão baixa era típica das plantações de café em
terras exauridas186, e um exame da tabela 3.13, abaixo, mostra imediatamente que,
de fato, todas as fazendas visitadas por Laerne em Minas Gerais estavam localiza-
das em alguns dos mais velhos distritos cafeeiros da província. Um exame mais
atento das próprias propriedades, especialmente das que apresentam as produtivi-
dades mais baixas, revela que estavam muito longe de serem típicas.
A fazenda Pouso Alegre (13,8 arrobas por mil pés), quando visitada por Laerne,
tinha sido comprada apenas seis anos antes “em uma condição muito abandonada”
por seu dono atual, que estava tentando “tirar a propriedade da ruína”. Seus cafezais
eram velhos, e os novos, que tinham sido plantados há apenas um ano, ainda não
estavam produzindo. A fazenda Recato (16,0 arrobas por mil pés) era, da mesma
forma, descrita como “muitíssimo mal cuidada”. O dono, embora residente na pro-
priedade, não visitava as plantações há vários anos. Tudo era administrado por um
feitor escravo.
As propriedades de Cedofeita, Belmonte e Joazal pertenciam ao mesmo dono,
o conde de Cedofeita, que era um proprietário absenteísta. A Fortaleza de Sant’Ana
foi descrita como “não sendo uma das mais produtivas.” A fazenda Cruz Alta, a
despeito das baixas colheitas obtidas, era a mais bem cuidada dentre as examinadas
por Laerne em toda a Zona do Rio. Era uma propriedade bem administrada, em
rápido crescimento, mas era ainda muito nova. Seu problema não era a velhice dos
cafeeiros, mas, pelo contrário, sua juventude. Seus cafeeiros mais antigos tinham
somente nove anos de idade, e apenas 300 mil dos seus 800 mil pés tinham seis
anos ou mais. A colheita prevista para 1884 é mais informativa sobre essa fazenda
do que as dos cinco anos anteriores: para aquele ano esperava-se uma produção de
35 arrobas por mil pés, e esse número certamente aumentaria nos anos seguintes,

186 Taunay. História do Café, vol. 10, pp. 436-37.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


115
à medida que a plantação fosse ficando mais madura. Deve-se também notar que a
inclusão de todos os cafeeiros com três anos ou mais no cálculo da produtividade,
com certeza deprimiu os resultados de Laerne para a Zona do Rio.187

Tabela 3.13 - Produtividade de 31 fazendas de café visitadas por Laerne


na Zona do Rio, 1874-1883, em arrobas por mil pés
Produtividade
Fazenda Município Safras observadas
média por safra
Boa Vista Juiz de Fora 1879 - 83 32,2
São Marcos Juiz de Fora 1879 - 83 35,8
Recato Juiz de Fora 1879 - 83 16,0
Cedofeita 1 Juiz de Fora 1880 - 83 18,2
Fortaleza Juiz de Fora 1875 - 83 19,5
Pouso Alegre Mar de Espanha 1878 - 83 13,8
Trimonte Leopoldina 1883 28,6
Cruz Alta Leopoldina 1879 - 83 22,9
Média de Minas Gerais 23,4
Areias Cantagalo 1874 - 83 28,0
Santa Rita Cantagalo 1874 - 83 25,7
Boa Sorte Cantagalo 1874 - 83 21,8
Boa Vista Cantagalo 1874 - 83 27,9
Jacotinga Cantagalo 1874 - 83 31,6
Itaoca Cantagalo 1874 - 83 28,0
Aldeia Cantagalo 1874 - 83 30,1
Gavião Cantagalo 1874 - 83 31,3
Cafés Cantagalo 1874 - 83 30,1
Boa Esperança São Fidélis n. d. 21,6
Santa Clara Cantagalo 1874 - 83 28,6
São Clemente Cantagalo 1875 - 82 18,2
Mata Porcos Cantagalo 1875 - 82 22,0
Bela Vista Cantagalo 1878 - 82 19,5
Lordelo Sapucaia 1874 - 83 18,1
Cantagalo Paraíba do Sul 1877 - 82 24,1
Ubá Vassouras 1878 - 83 12,4
Aliança Valença 1874 - 83 15,2
Santana Valença 1874 - 83 16,3
Monte Alegre Valença 1874 - 83 14,2
Ibitira Valença 1880 - 83 26,1
Média do Rio de Janeiro 23,4
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

187 Laerne. Brazil and Java, pp. 344-46.

116 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
A amostra de Laerne é ainda enviesada em outra direção. Era opinião consen-
sual (e empiricamente confirmada) que havia uma relação inversa entre a produção
por cafeeiro e o número de pés sob os cuidados de cada escravo. O cafeeiro é, em
outras palavras, muito sensível à intensidade do tratamento. Uma regressão linear
nos dados de Laerne, entre a produtividade por pé e o número de pés por escravo,
mostra uma inclinação negativa e coeficientes negativos de correlação, tanto na
Zona do Rio como na de Santos. Os mesmos resultados foram obtidos com uma
amostra de cafeeiros tratados por famílias de imigrantes livres em São Paulo.188
As fazendas mineiras incluídas na amostra de 31 propriedades da Zona do Rio
(tabela 3.5) tinham uma média de 4.598 pés por escravo, que é 24% mais alta do
que a média de 3.706 pés por escravo, obtida na outra amostra, de 153 proprieda-
des, apresentada na tabela 3.4. A amostra maior, infelizmente, não contém dados
de produção. Uma reta de mínimos quadrados ajustada às fazendas mineiras da
amostra de Laerne indica que, se a fazenda típica tinha 3.706 pés por escravo, a
produtividade média estimada seria de 36,7 arrobas por mil pés.189
As evidências disponíveis para anos posteriores também sugerem que a estima-
tiva de produtividade de Laerne é baixa. Em 1897, depois da abolição da escravidão
e de um período de preços baixos terem causado grandes danos ao setor cafeeiro da
Mata, Bernardino de Campos estimou a produtividade por mil pés em 30 arrobas
na Zona da Mata e o dobro desse número na Zona Sul, que estava em uma fase de
crescimento acelerado.190
As estimativas para o início do século XX, mais confiáveis porque pela primeira
vez os cafeeiros foram efetivamente contados, também indicam produtividades bem
mais altas do que os números de Laerne. Em um detalhado estudo sobre as condições
da agricultura na Zona da Mata, em 1905, o engenheiro Carlos Prates estimou a pro-
dutividade média em 36 arrobas por mil pés, chegando até a 70 arrobas nos distritos
da fronteira em expansão.191 Duas décadas mais tarde, em 1926, dados da Inspectoria

188 Usando as 29 observações na zona do Rio (três das 31 fazendas estavam reunidas em um único
estabelecimento), a reta de regressão entre a produtividade por cafeeiro (medida em gramas por pé)
e o número de pés por escravo tem uma inclinação igual a - 4,97.
189 A regressão para as fazendas mineiras tem a equação y = – 66,615x + 6.155,4, onde x = arrobas por mil
pés e y = pés por escravo.
190 Citado por Taunay. História do Café, vol. 9, pp. 189-90. É razoável presumir que um dos efeitos da crise
seria uma paralização na plantação de novos cafezais e que, por causa da escassez de mão de obra,
haveria uma deterioração na manutenção dos cafezais existentes. Os dois fatores tenderiam a baixar
a média produtividade da região.
191 Estado de Minas Gerais. A Lavoura e a Indústria da Zona da Mata. Relatório apresentado ao Exmo. Sr.
Secretário das Finanças pelo Engenheiro Carlos Prates, Inspector de Indústria, Minas e Colonização.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


117
Agrícola Federal de Minas Gerais mostram que a produção média na Zona da Mata
foi de 42,6 arrobas por mil pés.192 Esses números, incidentalmente, conferem peso
empírico ao argumento, apresentado acima, de que a produtividade média não deve-
ria diminuir com a passagem do tempo em um sistema cafeeiro em expansão.
Na estimativa dos requisitos de mão de obra da cultura cafeeira usaremos
36 arrobas por mil pés como a produtividade média do setor em Minas Gerais.
Note-se que esse parâmetro provavelmente ainda está subestimado. Ele se situa
no limite inferior do intervalo sugerido por Taunay, está ligeiramente abaixo das
36,7 arrobas que estimamos usando a amostra de Laerne, e é igual ou menor que as
produtividades observadas no início do século XX. Esse número também não leva
em consideração as produtividades muito mais altas obtidas na Zona Sul, que, no
início da década de 1880 estava produzindo uma porcentagem ainda pequena, mas
rapidamente crescente do total da safra mineira.
O outro componente da medida da produtividade escrava é o coeficiente pés de
café por escravo. Mais uma vez, os dados mais antigos que encontrei na literatura
são aqueles anotados por Tschudi, na Fazenda Cantagalo. O número médio de cafe-
eiros alocados a cada escravo era 3.934 em 1847-50; 3.790 em 1851-54 e 3.811 em
1855-60. O autor observou que
segundo as estatísticas da fazenda (...) cada escravo estava encarregado de
3.790 a 3.900 pés. O milho para as mulas e o feijão (...) eram trazidos de
fora e os escravos se ocupavam exclusivamente com o cafezal. Não sendo
assim um negro nunca será capaz de cuidar de mais de 3.000 pés.193

Nas décadas que se seguiram ao fim do tráfico africano e especialmente depois


que as três províncias cafeeiras mais importantes impuseram pesadas taxas sobre
as importações interprovinciais de escravos, no final de 1880 e início de 1881, o
número de pés por escravo parece ter aumentado. Escrevendo em 1883, Laerne
observou que
um escravo da roça, ou seja, um escravo empregado no trabalho do eito,
deveria cuidar (na Zona do Rio) de um máximo de 4.500 ou, no limite, de

Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1906. Anexo, quadro n°. 2, sem número
de página. A produtividade de 70 arrobas por 1.000 pés, observada em Ponte Nova, confirma que, em
1905, o município estava na zona fronteiriça da região cafeeira.
192 O Café no Segundo Centenário, p. 601.
193 Tschudi. Viagem, p. 46. Uma fonte de 1828, citada por Eulália Lobo, afirmou que um negro podia cuidar
de apenas 1.000 cafeeiros, enquanto que um branco era capaz de cuidar de 1.500. Esse testemunho é
contrário a toda a evidência acumulada ao longo do século.

118 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
5.000 pés, considerando que, além da manutenção das estradas e pontes,
ele tem que se ocupar do plantio de milho, feijão, mandioca, batatas,
enfim, de tudo que é necessário para o consumo dos trabalhadores em
uma fazenda. Entretanto, a paixão pelo plantio de café foi tão violenta
que, na maioria dos distritos da Zona do Rio, um escravo tem agora que
cuidar de mais de 7.000 pés.194

Nas 31 fazendas que visitou, Laerne registrou uma distinção entre escravos do
eito (field slaves) e escravos da fábrica (factory slaves), isto é, aqueles empregados no
beneficiamento da produção. O número de cafeeiros por escravo, acima mencionado,
refere-se apenas aos escravos do eito. Não o acompanhamos nesse procedimento, por
várias razões. Primeiro, não é claro, de forma alguma, que uma divisão tão rígida da
mão de obra fosse adotada nas fazendas de café. Na maioria dos casos, o trabalho
do campo e o trabalho da fábrica eram executados pelos mesmos escravos. Alguns
produtores, sobretudo os pequenos, nem sequer beneficiavam a colheita, preferindo
fazê-lo nas fazendas maiores e melhor equipadas de seus vizinhos.
Nas fazendas mineiras que visitou, Laerne registrou 0,61 escravos “da fábrica”
para cada escravo “do campo”. É muito improvável que uma proporção tão grande
fosse permanentemente empregada no beneficiamento, exceto, talvez durante
o período da colheita. Por essas razões, e porque a amostra maior não registra
nenhuma separação entre escravos de campo e de fábrica, decidi usar a razão dos
pés de café pelo número total de escravos nas fazendas. Poder-se-ia acrescentar
que o próprio Laerne abandonou a distinção entre essas diferentes funções quando
computou as necessidades de mão de obra.
No mesmo relatório, comentando sobre as tentativas de introduzir imigrantes
livres na cultura do café, o autor afirmou que os colonos “só cuidarão de uns dois
mil cafeeiros produtivos por homem, ou seja, nem um terço do número atribuído a
um escravo.”195 Nas 31 fazendas que observou pessoalmente, Laerne averiguou que
o número médio de pés por escravo era 3.379 nas 21 fazendas fluminenses e 4.598
nas dez propriedades em Minas Gerais, resultando em uma média de 3.715 pés por
escravo na Zona do Rio.196
Como mencionado acima, a média de 4.598 pés por escravo parece alta demais
para Minas Gerais. A amostra das 153 fazendas penhoradas ao Banco do Brasil

194 Laerne. Brazil and Java, p. 290. As palavras roça e batatas estão em português no original.
195 Laerne. Brazil and Java, p. 215.
196 Laerne. Brazil and Java, pp. 328-29. Nos cálculos da página 336 Laerne encontrou a média de 3.644
pés por escravo na zona do Rio. Aqui ele cometeu o mesmo erro referido acima.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


119
em 1883 registra uma média de somente 3.706 pés por escravo. Essa amostra é
mais confiável do que a pesquisa pessoal de Laerne não apenas porque inclui um
número muito maior de fazendas, mas também por abranger um número maior de
municípios.
Nas estimativas da mão de obra escrava empregada no setor cafeeiro adotamos
a produtividade de 36 arrobas por mil pés e a média de 3.706 pés por escravo, daí
resultando que um escravo produzia, em média, 134 arrobas de café por ano.
Há duas fontes principais de dados sobre a exportação de café de Minas Gerais
durante o século XIX. A primeira é a série estimada por Aristóteles Alvim para o
período de 1818 a 1926, com base nas receitas do imposto de exportação. A outra
é uma série para os anos de 1851 a 1890, obtida nos registros fiscais da província
fluminense, por onde passava a maior parte do café mineiro, para alcançar o porto
do Rio de Janeiro.197
Essas séries são baseadas em fontes independentes, numa época em que as esta-
tísticas brasileiras eram bastante deficientes e, portanto, é inevitável que apresen-
tem algumas discrepâncias. No geral, porém, a concordância entre elas é razoavel-
mente boa: uma reta de mínimos quadrados ajustada aos dois conjuntos de dados,
cobrindo todo o período para o qual ambas são disponíveis, tem uma inclinação
de 0,98, mostrando que a divergência sistemática entre elas é desprezível. O coefi-
ciente de correlação é 0,86. Em alguns anos, entretanto, as diferenças são conside-
ráveis. Isso é especialmente verdade na década de 1880. Ajustando uma linha reta
para os dados entre 1880 e 1888 obtemos uma inclinação de – 0,09 e um coeficiente
de correlação de – 0,10.
Parte da divergência poderia ser explicada pelo fato de que os dados fluminen-
ses incluem somente o café mineiro exportado via Rio de Janeiro, enquanto a outra
série incorpora também o café produzido na Zona Sul, que era exportado através
de Santos. Mas essa explicação é apenas parcial, pois vimos que na década de 1880
a parcela da Zona Sul na produção total de Minas variou entre 3 e 7 por cento, e
as discrepâncias entre as duas séries são muito maiores, chegando a 39% em 1886.
Além disso, a divergência não é sistemática: em vários anos os números da fonte
fluminense são maiores do que os da fonte mineira (Alvim).

197 As estimativas de Alvim estão em A. Alvim. Confrontos e Deduções, pp. 80-83. Os dados fluminenses
são das seguintes fontes: 1851-70: Relatório do diretor da Fazenda Provincial do Rio de Janeiro, Dr.
Almeida Torres, ao Presidente da província, Visconde de Prados, 1878. Reproduzidos em Taunay.
História do Café, vol. 6, pp. 316, 318-19. 1871-88: Estado do Rio de Janeiro, Relatório apresentado ao
Sr. Vice-Presidente do Estado...pelo Secretário das Finanças... em 31 de julho de 1893. Reproduzido
por Pedro Carvalho de Mello. The Economics of Labor in Brazilian Coffee Plantations, 1850-1888. Tese
de doutorado, University of Chicago, 1977, pp. 32-33.

120 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Utilizamos as duas séries nas estimativas das necessidades de mão de obra
escrava na lavoura cafeeira. A estimativa A usa a série mineira e a estimativa B é
baseada nos dados fluminenses, corrigidos nos anos 1880 para incluir a produção
da Zona Sul, imputando a esta região uma participação de 3 por cento na produção
total da província entre 1880 e 1883, e de 7 por cento entre 1884 e 1887.
Nos dois casos os dados foram convertidos de anos comerciais para anos calen-
dário. Para suavizar as flutuações anuais usamos uma média móvel de três anos.
Isso é especialmente importante no caso da cultura cafeeira porque nela, além das
oscilações anuais normais em qualquer cultura, havia, segundo os especialistas
contemporâneos, um padrão cíclico peculiar ao café, no qual uma safra boa era
geralmente seguida por um ou dois anos de colheitas fracas.
Não se fez nenhuma tentativa para corrigir as séries de exportação no sentido de
incluir o consumo doméstico de café. Isso se justifica porque, como já foi mencionado,
a maior parte do café consumido internamente era produzido em toda a província,
e não apenas na zona cafeeira. Se incluirmos essa produção nos cálculos, estaremos
atribuindo aos escravos das fazendas de café uma produção que estava ocorrendo em
outros lugares, fora da região de plantation utilizando cativos que não pertenciam a
essa região ou trabalhadores rurais livres. Assim, desde que o objetivo aqui é estimar
o emprego de escravos no setor plantacionista de café, não foi feita nenhuma tenta-
tiva de ajustar as séries de exportação para incluir o consumo doméstico.
Não distinguimos entre o café produzido na Zona da Mata e na Zona Sul. Para
a maior parte do período essa distinção é irrelevante por causa da insignificância
da produção do Sul. Na década de 1880, entretanto, dado o rápido crescimento da
participação do Sul, e o fato de que a sua produtividade era duas vezes mais alta do
que o da Mata, isso introduz um ligeiro viés para cima nas estimativas de emprego.
As estimativas na tabela 3.14 nos permitem avaliar o verdadeiro peso do setor
cafeeiro na economia escravista de Minas Gerais. Único setor de plantations que
existiu na província, ele era totalmente baseado no trabalho escravo e cresceu vigo-
rosamente ao longo do século. Porém, visto em perspectiva, contra o conjunto
da economia provincial, seu papel como empregador de cativos foi relativamente
modesto, mesmo nas décadas finais do regime servil.
Em particular, a expansão do café não é capaz de explicar, nem mesmo parcial-
mente, a sobrevivência ou o crescimento da escravidão em Minas Gerais depois
do declínio da mineração. Mesmo que venham a ser feitas correções consideráveis
nessas estimativas, isso não mudará a essência dessa conclusão.
No começo do período estudado os escravos empregados no cultivo do café
representavam menos de 0,1% da população cativa da província. Nas três décadas

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


121
seguintes, até o fim do tráfico africano, o setor cafeeiro teve uma rápida expansão,
mas o número total de escravos também cresceu fortemente. É possível que a popu-
lação escrava de Minas Gerais tenha atingido seu máximo no começo dos anos 1850,
sendo nessa época maior do que em 1873, quando foi realizado o Censo do Império.
Isso significaria que na primeira metade do século, enquanto o emprego de escra-
vos no café cresceu em torno de 5.000 trabalhadores, a população cativa provincial
aumentou cerca de 200.000 indivíduos. Usando como um proxy da população cativa
no meado do século, os 381.893 escravos recenseados em 1873 (dados corrigidos
pela Diretoria Geral de Estatística), vemos que o contingente empregado no café não
poderia ter abrangido, até 1860, mais do que dois por cento dessa população.198
As estimativas da tabela 3.14 podem ser ajustadas para incluir a mão de obra
escrava empregada no transporte do café para o Rio de Janeiro. Até a metade do
século XIX os meios de transporte eram extremamente rudimentares e altamente
intensivos em mão de obra, o que levou mais de um historiador a afirmar que
um grande número de escravos seria necessário para levar a produção até o porto.
Naqueles dias o transporte do café, ou de qualquer outra coisa, de Minas ou para
Minas, dependia quase exclusivamente das tropas de mulas. Na topografia aciden-
tada e nas péssimas trilhas da província, carroções, carroças e carros de boi eram
virtualmente inúteis para os transportes de longa distância, e a mula – mais firme,
mais resistente e mais inteligente do que o cavalo – era universalmente preferida,
mesmo como animal de montaria.
Os viajantes do século XIX, em Minas, se deparavam por toda parte com grandes
tropas de mulas pesadamente carregadas com todo tipo de mercadorias, variando de
sal a porcelana, de ouro a galinhas ou porcos vivos. Os tropeiros eram importantes e
onipresentes na vida econômica da província. A profissão de tropeiro, ou seja, o chefe
da tropa, que muitas vezes era também o seu dono, carreava considerável prestígio

198 Os números da população escrava sobre os quais essas porcentagens foram calculadas estão no
capítulo 4. Luiz Corrêa do Lago, usou um procedimento análogo, para estimar que, em 1870-71, cerca
de 60.000 escravos estavam empregados no cultivo do café em Minas Gerais. Considero esse número
exagerado, pelas seguintes razões: 1) O autor usou, sem nenhuma crítica, a estimativa extremamente
baixa de Laerne, de 17,8 sacas de café por escravo por ano. 2) Ao produto exportado acrescentou
350.488 sacas com o objetivo de incluir o consumo doméstico, um procedimento que rejeitamos
pelos motivos apontados no texto. Isso acrescentou 19.688 escravos à estimativa. 3) O ano escolhido
para a estimativa, 1870-71, foi um ano atípico, com uma produção anormalmente alta. As 3.034,4 mil
arrobas exportadas nesse ano foram mais do que o dobro dos dois anos adjacentes, acima e abaixo.
Note-se, incidentalmente, que mesmo se esta estimativa estivesse correta, os escravos empregados
no setor cafeeiro não representariam mais do que 15,7% dos 381.893 cativos registrados pelo Censo
do Império.

122 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
social e era sempre exercida por um homem livre. Seus subordinados, os tocadores
das mulas, podiam ser escravos ou trabalhadores livres.

Tabela 3.14 - Minas Gerais: Estimativa dos requisitos de mão de obra escrava
na lavoura cafeeira, 1820-1887, segundo duas fontes de dados de exportações
Escravos Escravos Escravos Escravos Escravos
Ano Ano Ano
(A) (A) (B) (A) (B)
1820 141 1843 2.236 1866 13.078 13.773
1821 190 1844 2.526 1867 15.746 15.743
1822 240 1845 2.754 1868 16.777 16.809
1823 289 1846 2.861 1869 17.079 16.532
1824 338 1847 2.908 1870 16.262 17.131
1825 388 1848 2.856 1871 15.753 15.759
1826 437 1849 3.611 1872 15.281 15.184
1827 486 1850 4.420 1873 15.771 15.516
1828 535 1851 5.014 1874 17.369 18.131
1829 597 1852 5.090 1875 17.966 19.502
1830 685 1853 5.007 5.718 1876 18.496 19.710
1831 797 1854 5.358 6.155 1877 20.193 20.775
1832 918 1855 5.876 6.424 1878 23.021 23.286
1833 1.037 1856 6.222 6.218 1879 26.889 26.070
1834 1.157 1857 6.237 5.934 1880 29.814 30.447
1835 1.276 1858 5.981 5.660 1881 32.584 33.113
1836 1.396 1859 6.696 6.290 1882 33.832 35.240
1837 1.515 1860 8.010 7.351 1883 32.420 33.415
1838 1.635 1861 8.211 8.212 1884 33.401 36.545
1839 1.744 1862 7.481 8.496 1885 37.160 36.104
1840 1.830 1863 7.280 8.535 1886 35.936 33.287
1841 1.892 1864 8.573 9.270 1887 36.202 30.078
1842 2.004 1865 10.826 11.164
Série A: Dados de exportação de Aristóteles Alvim.
Série B: Dados fiscais da província do Rio de Janeiro.
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

As evidências sobre a condição desses tocadores não são inteiramente conclu-


sivas. Não há dúvida de que escravos eram empregados na tarefa, mas não é menos
certo que homens livres não somente exerciam esse trabalho como se orgulhavam
dele.199

199 A maioria dos viajantes do século XIX descreveu com algum detalhe as tropas de mulas e os tropeiros.
Boas descrições podem ser encontradas em Burmeister. Viagem ao Brasil, pp. 71-72; Saint-Hilaire.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


123
Gráfico 3.2 - Minas Gerais: Estimativa do número de escravos
empregados na lavoura cafeeira, 1820-1887
40.000

35.000

30.000

25.000

20.000

15.000

10.000

5.000

0
1820 1825 1830 1835 1840 1845 1850 1855 1860 1865 1870 1875 1880 1885

Fonte: Tabela 3.14

Stanley Stein afirma que “vinte por cento da força de trabalho masculina das
fazendas (...) sempre escolhidos entre os melhores (...) era retirada do trabalho do
campo e ocupada na função de tropeiro.” Tschudi sugeriu que deve-se acrescentar
um terço sobre o número de escravos empregados no campo, para incluir os requi-
sitos do beneficiamento e do transporte. O Príncipe Adalbert da Prússia, John Luc-
cock, Spix e Martius, e Gardner também assinalaram que a maioria dos tocadores
de mulas eram escravos.200 John Codman, por outro lado, observou, em 1865, que
a “maioria dos tropeiros são açorianos rudes ou índios mestiços,” e o Reverendo
Ballard Dunn, um ex-confederado de Nova Orleans, escreveu, um ano mais tarde,

Viagem pelas Províncias, p. 70; Freireyss. Viagem, pp. 164-66. Veja também João Dornas Filho. Tropas
e Tropeiros. In: Universidade de Minas Gerais. Primeiro Seminário de Estudos Mineiros. Belo Horizonte:
Imprensa da UMG, 1957: 89-127; Spix e Martius. Viagem, vol. 1, pp. 147-48; Gardner. Viagens, p. 394.
200 Stein. Vassouras, p. 91; Tschudi. Viagem, pp. 46-47; Prince Adalbert of Prussia. Travels of His Royal
Highness Adalbert of Prussia in the South of Europe and in Brazil. trad. Sir Robert H. Schomburg e
John Edward Taylor, 2 vols. London: David Bogue, 1849, vol. 2, p. 7; John Luccock. Notas sobre o Rio
de Janeiro e Partes Meridionais do Brasil. trad. Milton da Silva Rodrigues. São Paulo: Livraria Martins,
1942, pp. 226, 246; Spix e Martius. Viagem, vol. 1, pp. 148-49; Gardner, Viagem, pp. 394-95.

124 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
que era comum para os brasileiros pobres, que viviam quase vegetando, “seguir a
vida quase totalmente selvagem de tropeiro”.201
Adotando a hipótese extrema de que todos os empregados no transporte do
café fossem escravos, podemos estimar o limite superior do número de cativos
necessários para a tarefa, uma vez que os coeficientes técnicos relevantes podem
ser determinados com uma precisão razoável.
Várias fontes informam que a capacidade usual de carga de uma mula era de 250
a 300 libras. No transporte do café essa carga era sempre exatamente de 256 libras,
ou oito arrobas, distribuídas igualmente nos dois lados do animal para garantir
o equilíbrio. Na verdade, foi essa imposição técnica que deu origem à prática de
embalar o café em sacas de 60 quilos, que sobrevive até nossos dias.202
As tropas, às vezes com centenas de animais, eram divididas em lotes ou grupos
de sete mulas cada um, cada lote a cargo de um condutor. Essa organização não se
modificou através dos tempos, tendo sido observada por Saint-Hilaire, por Luc-
cock, pelo Príncipe Maximilian Wied-Neuwied e por Spix e Martius na década de
1810, por Gardner em 1841, por Burmeister em 1851 e por Wells em 1873.203 Por-
tanto, um tocador com sete mulas carregando oito arrobas cada uma, transportaria
56 arrobas de café em uma viagem à costa.
Para avaliar a duração dessas jornadas, os diários dos viajantes europeus são
de muito menos ajuda. Embora seguissem muitas vezes pelas mesmas estradas e
nas mesmas condições que o café – suas mulas totalmente carregadas de provisões,
equipamentos e instrumentos científicos, e outros estorvos – esses homens eram na
maioria dos casos naturalistas em lua de mel com o trópico, inclinados, portanto,
a parar e se extraviar por qualquer coisa que vissem – plantas, índios, insetos ou

201 John Codman. Ten Months in Brazil with Incidents of Voyages and Travels, Descriptions of Scenery and
Character. Boston: Lee and Shepard, 1867, p. 60; Ballard Dunn. Brazil, The Home for Southerners. New
York: George B. Richardson and New Orleans: Bloomfield and Steel, 1866, p. 225. Codman escreveu
“rough, shaggy Western islanders”, referindo-se aos imigrantes das ilhas portuguesas de Açores e
Cabo Verde.
202 Burmeister. Viagem, pp. 71-72; Freireyss. Viagem, pp. 164-65; Saint-Hilaire. Viagem pelas Províncias,
p. 70; Stein. Vassouras, p. 92; Laerne. Brazil and Java, p. 190; Taunay. História do Café, vol. 3, p. 125.
203 Saint-Hilaire. Viagem pelas Províncias, p. 70; Luccok. Notas; Maximilian Wied-Neuwied. Viagens pelo
Brasil, 1815-1817. trad. Edgar Sussekind de Mendonça e Flávio Poppe de Figueiredo. São Paulo: Cia
Editora Nacional, 1940; Burmeister. Viagem, pp. 71-72; Wells. Exploring and Travelling, vol. 1, p. 55;
Spix e Martius. Viagem, vol. 1, pp. 147-48; Gardner. Viagem, pp. 394-95. A mesma organização foi
descrita pelo Barão do Pati do Alferes em 1848, de acordo com Dornas Filho. Tropas e Tropeiros, p.
109. Walsh está errado ao dizer que havia um condutor para cada três ou quatro mulas e Stein repete
esse erro. Agassiz também está errado ao dizer que cada lote era composto por oito mulas. Walsh.
Notices, vol. 2, p. 27; Stein. Vassouras, p. 92; Louis and Elizabeth Agassiz. A Journey in Brazil. Boston:
Ticknor and Fields, 1868. rep. New York: Frederick A. Praeger, 1969, p. 72.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


125
rochas. Podemos ter certeza que não viajavam mais depressa do que os calejados
tropeiros que, além de estarem em seu meio natural, não eram dados a se distrair
com borboletas ou orquídeas.
Gardner observou que uma tropa viajava de 3 a 4 léguas por dia. Freireyss
afirmou que uma mula carregada podia marchar de cinco a oito horas por dia, e
comentou que uma viagem de 3 a 4 léguas (20 a 26 quilômetros) era uma jornada
leve, que não apenas pouparia os animais mas também permitiria muito trabalho
de coleta. Codman relata que as tropas de mulas carregando café faziam em média
“cerca de dezesseis milhas por dia.” Stein cita uma fonte contemporânea que sugere
que a jornada diária de uma tropa de café era de 37 a 50 milhas.204
Já observamos que a zona cafeeira de Minas Gerais durante o império ficava
relativamente próxima do Rio de Janeiro. Seus limites mais remotos não estavam
a mais de 50 léguas do Porto da Estrela, que era o destino das tropas, e o grosso da
colheita ocorria ainda mais perto do Rio. Podemos assumir que dez a doze dias é
uma estimativa razoável da duração média de uma viagem à costa. Assim, jornada
de ida e volta levaria um mês, incluindo uma margem generosa para o descanso e a
recarga da tropa com artigos importados.
Depoimentos contemporâneos apoiam essa estimativa. Agassiz relata que a
centena de milhas entre Juiz de Fora e Petrópolis “representa uma difícil jornada
de três a quatro dias”. Burton concorda, dizendo que esta viagem consumia meia
semana em lombo de mula. Hadfield anotou que era necessária uma semana para
ir de Juiz de Fora ao Rio de Janeiro. Os historiadores Daniel de Carvalho e Manoel
Pedrosa informam que as tropas de mulas geralmente levavam de 10 a 12 dias de
Juiz de Fora ao Porto da Estrela, e cerca de trinta dias para a viagem de ida e volta.205
Se um tocador escravo pudesse fazer doze viagens anuais à costa, estaria condu-
zindo, em um ano, 672 arrobas de café. Usando esses números e os dados de expor-
tação das tabelas 3.1 e 3.2, calculamos o número máximo de escravos necessários
para o transporte do café ao Rio de Janeiro, apresentado na tabela 3.15.

204 Freireyss. Viagem, pp. 164-65; Codman. Ten Months, p. 59; Stein. Vassouras, p. 92; Gardner. Viagem,
pp. 394-95. Burmeister. Viagem, pp. 71-72 está evidentemente errado quando dá de 3 a 5 milhas
por dia como a velocidade usual de uma tropa de mulas. Pode ser um erro de tradução. Uma légua é
equivalente a 6,56 quilômetros ou 4,08 milhas.
205 Agassiz. A Journey, p. 64; Burton. Explorations, 1;34; William Hadfield. Brazil and the River Plate in
1868. London: Bates, Hendy and Co., 1869, p. 97; Daniel de Carvalho. Estudos e Depoimentos, p. 128;
Pedrosa. Zona Silenciosa, p. 138. Daniel de Carvalho calcula em 10 a 12 dias a jornada de Juiz de fora
até a “raiz da serra” em Petrópolis.

126 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela 3.15 - Escravos necessários para
o transporte da safra de café, 1820 -1860
Número máximo
Período
(médias anuais)
1819 - 1825 48
1826 - 1830 108
1831 - 1855 207
1836 - 1840 325
1841 - 1845 455
1846 - 1850 662
1851 - 1855 1.047
1856 - 1860 1.313
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

A partir do início da década de 1860, os requisitos de mão de obra para o trans-


porte de café foram drasticamente reduzidos. O primeiro agente dessa transforma-
ção foi a estrada União e Indústria que, atravessando o coração da zona cafeeira
mineira, unia Juiz de Fora a Petrópolis, onde se conectava com a estrada de ferro
Mauá, chegando assim até o Rio de Janeiro. Essa estrada não é muito impressio-
nante hoje, mas quando foi aberta ao tráfego, em 23 de junho de 1861, represen-
tou um empreendimento notável, que provocou aplausos entusiásticos de vários
observadores. Um deles foi o geógrafo francês Emmanuel Liais: “No meio de um
dos vales mais acidentados do mundo, um verdadeiro vale alpino, uma estrada
magnífica... dificilmente igualada mesmo na Europa (...) um feito gigantesco (...)
que honra o Brasil”.
Richard Burton, um globetrotter que conhecia vários continentes, classificou-a
como uma “nobre estrada”, admirável pela “perfeição de sua construção”. Agassiz
escreveu que a União e Indústria era uma “estrada que não ficava a dever a nenhuma
outra do mundo”, e Hadfield a considerou “decididamente uma das maravilhas do
Brasil.”206
A União e Indústria percorria os mais importantes distritos cafeeiros de Minas
Gerais. Tinha ramais para Rio Preto, Pomba, Mar de Espanha, Ubá e Rio do Peixe e,
quando foi visitada por Agassiz em 1865, a companhia trabalhava na construção de
ligações com os menores lugarejos em sua vizinhança.”207 Logo se tornou a princi-
pal artéria do comércio de café mineiro. Dados referentes ao início da década de 60

206 Liais é citado por Burton. Explorations, vol. 1, pp. 34-35. Agassiz. A Journey, p. 64; Hadfield. Brazil, p. 98.
207 Pedrosa. Zona Silenciosa, p. 138; Agassiz. A Journey, p. 66.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


127
mostram que pelo menos 60%, provavelmente mais, do café exportado por Minas
era transportado através da União e Indústria.208
A redução do tempo de viagem foi espetacular. Diligências cobriam a distância
em nove ou dez horas, jornais podiam ser trazidos da capital no mesmo dia em que
eram publicados. No transporte do café e de outras mercadorias, os comboios de
mulas foram rapidamente substituídos pelos carroções da companhia, que podiam
entregar a carga à estrada de ferro em Petrópolis em dois dias. Já em 1865 Agassiz
notou que as “tropas de mulas estavam começando a desaparecer do litoral desde o
surgimento da estrada de ferro e das linhas de diligências.”209
“Em abril de 1868, road lomotives foram testadas nessa estrada com inteiro
sucesso: planejava-se substituir as mulas por ônibus a vapor para passageiros e por
traction engines (locomotivas a vapor) para as mercadorias pesadas.”210 Entretanto,
a despeito do alegado sucesso do experimento, essas “locomotivas de estrada”
nunca entraram em serviço ativo.
Em seu relatório de 1869 à Assembléia Legislativa Provincial, o Presidente José
Maria Corrêa de Sá e Benevides anunciou, com grande alegria, que a ferrovia final-
mente chegara ao território mineiro.211
Sinto o mais vivo júbilo participando-vos que, no dia 27 de junho
último, Suas Majestades Imperiais e Sua Alteza, o Sr. Duque de Saxe (...)
assistiram à inauguração das estações da estrada de ferro denominadas
Santa Fé e Chiador. A estrada de ferro percorre já o solo mineiro. Eis um
grande acontecimento precursor de uma grande revolução econômica e
social.

Com efeito, em poucos anos a Zona da Mata dispunha de uma rede ferroviária
respeitável, abrangendo todos os distritos cafeeiros importantes. Mesmo antes que
os trilhos tocassem Minas Gerais, a ferrovia D. Pedro II já estava desviando tráfego
da União e Indústria. Em 1864, apenas três anos depois de sua inauguração, a com-
panhia se viu em sérios problemas financeiros e foi vendida ao governo. Em 1869
todo o transporte de carga foi transferido para a estrada de ferro.212 Escrevendo

208 De acordo com Codman a companhia transportou em 1865, 12.000 toneladas, aproximadamente 60
por cento do total das exportações de café de Minas Gerais. Codman. Ten Months, p. 119.
209 Hadfield. Brazil, pp. 96-97; Burton. Explorations, vol. 1, p. 34; Daniel de Carvalho. Estudos e
Depoimentos, p. 128; Agassiz. A Journey, pp. 64, 72.
210 Burton. Explorations, vol. 1, p. 35.
211 Relatório... pres. Sá e Benevides, 1869, p. 23.
212 Daniel de Carvalho. Estudos e Depoimentos, p. 128; Hadfield. Brazil, p. 97; Pedrosa. Zona Silenciosa,

128 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
em 1883, Laerne anotou que “agora os tropeiros vêem sua ocupação chegar ao fim,
exceto nos distritos onde a máquina a vapor ainda não fez sua aparição, isto é, no
longinquo interior, entre as fazendas e as estações ferroviárias”. O engenheiro fer-
roviário britânico James Wells, que tinha trabalhado na região em 1873, retornou
em 1885, encontrando as tropas de mulas “consideravelmente reduzidas” mesmo
no interior, além da zona cafeeira, por causa da extensão da Pedro II.213
Para as duas últimas décadas da escravidão existem dados mais detalhados sobre
a população escrava, sua distribuição geográfica e sua estrutura ocupacional. Com-
parando a mão-de-obra escrava empregada no setor cafeeiro, com essas informações,
podemos ter uma avaliação ainda mais clara da real importância do café na economia
escravista de Minas Gerais no período, como mostram as tabelas 3.16.1 e 3.16.2. Os
resultados apresentados desqualificam seriamente qualquer tentativa de associação
exclusiva entre a escravidão e o café em Minas Gerais, mesmo no final do século XIX.
Até 1886, menos de 15% da força de trabalho escrava (definida como todos
os indivíduos entre 11 e 60 anos de idade) estava empregada na cultura do café.
Mesmo em 1887, quando o regime já estava no estado terminal que conduziu à sua
abolição, e a população escrava estava se reduzindo dramaticamente, o contingente
escravo ocupado no café não atingia um quinto da força de trabalho servil.
Em 1821 havia em Minas cerca de 170 mil escravos fora do setor cafeeiro. Esse
número cresceu continuamente, até atingir 366 mil no censo do Império, e só dimi-
nuiu a partir da Lei do Ventre Livre, acompanhando o declínio geral da população
cativa. Na última contagem do “elemento servil”, em 1887, um ano antes da abolição,
ainda havia na província 155 mil escravos não empregados nas fazendas de café.
Confrontados com os escravos classificados pelo censo como lavradores, os
escravos empregados na cafeicultura representavam, em 1873, apenas 13,5% do
total. Essa porcentagem é certamente superestimada, uma vez que o recenseamento
registrou apenas 116.750 escravos lavradores em Minas, visivelmente uma subenu-
meração, pois representa somente 40% da força de trabalho cativa da província.
Na Matrícula de 1887, os escravos cafeicultores compunham 23,5% dos 153.743
escravoss classificados como “agrícolas”.

pp. 139-40.
213 Laerne. Brazil and Java, p. 190; Wells. Exploring and Travelling, vol. 1, p. 66. Ver também Dornas Filho.
Tropas e Tropeiros, p. 109.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


129
Tabela 3.16.1 - Minas Gerais: Escravos empregados no café comparados com a
população e e com a força de trabalho escravas, 1873-1887
Escravos População População Força de trabalho Força de trabalho
Ano ocupados escrava da escrava da escrava da escrava da
no café 1 província 4 região cafeeira 3 província 2 região cafeeira 2
1873 15.771 381.893 82.341 291.206 58.411
1880 29.814 324.538 84.102 - -
1884 33.401 298.931 91.505 274.341 76.784
1886 35.936 286.491 88.814 262.924 81.488
1887 36.202 191.952 - 191.952 -
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Tabela 3.16.2 - Minas Gerais: Escravos empregados no café comparados com a


população e com a força de trabalho escravas, 1873-1887 (continuação)
Escravos % da
% da força de % da população % da força de
residentes na população
trabalho escrava escrava da região trabalho escrava
Ano província não escrava total
total ocupada cafeeira ocupada da região cafeeira
ocupados ocupada
no café no café ocupada no café
no café no café
1873 366.122 4,1 5,4 19,2 27,0
1880 294.724 9,2 - 35,4 -
1884 265.530 11,2 12,2 36,5 43,5
1886 250.555 12,5 13,7 40,5 44,1
1887 155.750 18,9 18,9 - -
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Mesmo dentro da região cafeeira um número substancial de escravos não se ocu-


pava com a produção de café. Em 1873 somente 27% da força de trabalho escrava
e 60% da força de trabalho escrava agrícola da região cafeeira estava empregada
no café. Na década de 80 a participação do café no emprego de escravos aumentou
consideravelmentem, mas nunca chegou a atingir 50% da força de trabalho cativa
da própria região cafeeira.
Esses resultados estão em linha com outras evidências, discutidas no capítulo 5,
que mostram que em Minas Gerais a região cafeeira não era, nem de longe, tão espe-
cializada nesse produto como as áreas correspondentes do Rio de Janeiro e de São
Paulo. Além do café, a zona cafeeira de Minas era também uma importante produ-
tora e exportadora de grãos, laticínios, toucinho, açúcar, fumo e outras mercadorias.
A comparação entre Minas Gerais e as outras duas principais províncias cafeeiras é
gritante, como se pode observar nas tabelas a seguir, onde são apresentados os resul-
tados de estimativas, semelhantes às desenvolvidas para Minas Gerais, sobre a parti-
cipação do café no emprego de escravos no Rio de Janeiro e em São Paulo.

130 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela 3.17 - Rio de Janeiro: Escravos empregados no café, anos selecionados
Exportação Escravos Força de Escravos Força de trabalho
Ano de café 1 empregados trabalho empregados escrava residente
(arrobas) no café 2 escrava 3 na agricultura 4 na região cafeeira 5
1872 7.003.131 92.219 208.264 141.575 99.587
1882 9.467.787 124.675 238.408 199.167 138.114
1885 8.242.267 108.537 222.511 - 129.001
1887 7.766.832 102.276 162.421 149.815 101.480
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Tabela 3.18 - São Paulo: Escravos empregados no café, anos selecionados


Exportação Escravos Força de Escravos Força de trabalho
Ano Região de café empregados trabalho empregados escrava residente
(arrobas) no café escrava na agricultura na região cafeeira
1854 Vale do Paraíba 1.285.846 17.566 29.581 – –
Oeste 624.683 4.643 33.880 – –
São Paulo (total) 1.910.529 22.209 87.796 – 63.461

1874 Vale do Paraíba 1.183.541 16.177 36.173 – –


Oeste 2.302.168 17.110 64.323 – –
São Paulo (total) 3.485.709 33.287 116.755 84.620 100.496

1883 Vale do Paraíba 1.942.922 26.557 48.524 – –


Oeste 7.294.378 54.212 97.203 – –
São Paulo (total) 9.237.300 80.769 163.488 – 145.727

1887 Vale do Paraíba 2.327.666 31.816 28.541 – –


Oeste 8.525.933 63.364 71.329 – –
São Paulo (total) 10.853.599 95.180 107.076 95.782 99.870
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

A tabela 3.19 e o gráfico 3.3 deixam claro o enorme contraste que havia entre
Minas Gerais, de um lado e o Rio de Janeiro e São Paulo, do outro. Nas duas últi-
mas províncias a escravidão era, de fato, largamente identificada com o cultivo
do café. Essa associação se tornou especialmente forte nos anos finais do período
escravista, quando quase dois terços de todos os escravos do Rio de Janeiro e perto
de 90% dos de São Paulo, estavam empregados no café. Nas zonas cafeeiras des-
sas províncias a concentração era ainda maior, envolvendo virtualmente todos os
escravos dessas áreas.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


131
Tabela 3.19 - Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo:
Emprego de escravos no setor cafeeiro (anos selecionados)
% da força de % dos escravos % de força de Escravos na
trabalho escrava agricultores trabalho escrava força de trabalho
Província e ano
empregada no empregados da região cafeeira não empregados
café no café no café no café
Minas Gerais (1873) 5,4 13,5 27,0 275.435
Rio de Janeiro (1872) 44,3 65,1 92,6 116.045
São Paulo (1874) 28,5 39,3 33,1 83.468

Minas Gerais (1884) 12,2 - 43,5 240.940


Rio de Janeiro (1882) 52,3 62,6 90,3 113.733
São Paulo (1883) 49,4 - 55,4 82.719

Minas Gerais (1887) 18,9 23,5 - 155.750


Rio de Janeiro (1887) 63,0 68,3 100,0* 60.145
São Paulo (1887) 88,9 99,4 95,3 11.896
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Gráfico 3.3 - Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo:


Porcentagem da força de trabalho escrava empregada no café,
anos selecionados
100
88,9

80

63,0
60
52,3
49,4
44,3

40
28,5

18,9
20
12,2
5,4

0
Minas Rio de São Minas Rio de São Minas Rio de São
Gerais Janeiro Paulo Gerais Janeiro Paulo Gerais Janeiro Paulo
1873 1872 1874 1884 1882 1883 1887 1887 1887

Fonte: Tabela 3.19

132 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
A situação em Minas Gerais era inteiramente diferente. A participação do café
no emprego da força de trabalho escrava da província aumentou somente de 5,4%,
em 1873, para 18,9%, em 1887 (nesse último ano, como observado acima, a força
de trabalho escrava era idêntica à população escrava em todas as províncias, por-
que todos os cativos estavam na faixa de 16 a 60 anos de idade). O grande con-
tingente de escravos mineiros não empregados no café mostra que é um grande
equívoco caracterizar a economia escravista de Minas Gerais como um sistema
de plantations exportadoras, mesmo nos anos finais do Império e do regime ser-
vil. O setor cafeeiro era, sem dúvida, grande em tamanho absoluto, e importante,
mas, diante de sua concentração geográfica e dos números apresentados acima, fica
claro que as áreas não-cafeeiras da província merecem muito mais atenção do que
tem recebido até hoje.

PARTE I - CAPÍTULO 3 - A ESCRAVIDÃO NO SETOR CAFEEIRO


133
Capítulo 4 - População escrava, tráfico e
manumissão em Minas no século XIX

O
papel de Minas Gerais nos tráficos internacional e interprovincial de
escravos no século XIX nunca foi estudado. Apesar disso, a província tem
sido frequentemente apresentada como uma importante fornecedora de
escravos para as regiões vizinhas. A decadência da mineração, afirma-se, gerou
um grande reservatório de escravos “redundantes” ou “sub-utilizados”, no qual os
emergentes setores cafeeiros do Rio de Janeiro, de São Paulo e até mesmo da pró-
pria Minas obtiveram a mão de obra necessária para sua implantação e expansão.
Nessa linha de argumentação, Celso Furtado escreveu:
Ao transformar-se o café em produto de exportação, o desenvolvimento
de sua produção se concentrou na região montanhosa próxima da capital
do país. Nas proximidades dessa região, existia relativa abundância de
mão de obra, em consequência da desagregação da economia mineira (...)
Dessa forma, a primeira fase da expansão cafeeira se realiza com base num
aproveitamento de recursos pré-existentes e sub-utilizados (...) O segundo,
e principalmente o terceiro quartel do século passado são basicamente a
fase de gestação da economia cafeeira (...) Como em sua primeira etapa a
economia cafeeira dispôs do estoque de mão de obra escrava sub-utilizada
da região da antiga mineração, explica-se que seu desenvolvimento haja
sido tão intenso, não obstante a tendência pouco favorável dos preços.214

Escrevendo sobre um período posterior, Richard Morse sustentou que: “à


medida em que o centro de gravidade econômica do Brasil voltou-se para o Sul,
em direção às áreas cafeeiras paulistas, milhares de escravos foram transferidos, a
preços exorbitantes, de Minas Gerais e do norte”.215
Também se tem afirmado repetidamente que o mesmo padrão de transferên-
cias teria ocorrido dentro da própria Minas Gerais. No século XIX, o café teria se

214 Celso Furtado. The Economic Growth of Brazil. trad. R. W. de Aguiar e E. C. Drysdale. Berkeley:
University of California Press, 1963, pp. 123-24. Na 7ª. edição brasileira, de 1967, p. 122.
215 Richard M. Morse. From Community to Metropolis: A Biography of Sao Paulo, Brazil. Gainesville:
University of Florida Press, 1958.

135
tornado o setor dominante da economia provincial, e escravos teriam sido transfe-
ridos, em massa, dos decadentes distritos mineradores para as plantations cafeeiras
em expansão. Em seu estudo sobre a escravidão nas áreas cafeeiras, Emilia Viotti da
Costa afirmou que, para Minas Gerais,
O problema do trabalho rural não se colocava de maneira tão urgente
como no Rio, e principalmente em São Paulo. As atividades mineradoras
tinham propiciado a concentração de grande massa de escravos. Ao
iniciar-se o século XIX, com a decadência das minas, havia abundante
mão de obra escrava disponível. O desenvolvimento da lavoura cafeeira
provocou a migração interna. Primeiramente foram os proprietários que
se deslocaram com seus escravos para as regiões fluminenses e, mais
tarde, encaminharam-se para as regiões cafeeiras paulistas.
(...) Ao mesmo tempo, a Zona da Mata mineira povoava-se de gente
vinda das antigas zonas de mineração. O deslocamento da mão de obra
escrava concentrada nas antigas áreas de mineração, para as zonas de
expansão econômica da Mata ou Sul de Minas, suprirá em parte as
necessidades de braços.216

Estudando o tráfico interno no Brasil do século XIX, Herbert Klein concluiu


que “o grosso dos escravos necessários às plantações de açúcar e de café foi drenado
de áreas decadentes dentro dos próprios estados em expansão, ou trazidos de áreas
contíguas.” Em Minas Gerais, em especial, o setor plantacionista “parece ter sido
capaz de recrutar a maior parte de suas necessidades de mão de obra através do
crescimento interno e da redistribuição força de trabalho escrava dentro do vasto
território da própria província.”217
Francisco Iglésias escreveu que o agonizante setor minerador foi a fonte da mão
de obra empregada no setor cafeeiro das regiões mineiras do Sul e da Mata,218 e o
historiador da agricultura Luís Amaral descreveu essas transferências dizendo –
com um lirismo que nos lembra os apologistas contemporâneos da jolly institution

216 A autora prossegue dizendo que o “êxodo de negros em direção às zonas cafeeiras” estava esvaziando
a força de trabalho de algumas áreas da província. Emília Viotti da Costa. Da Senzala à Colônia,
pp. 60-61. Na página 132 afirma ainda que, na década de 1870, Minas forneceu grande quantidade de
escravos para o setor cafeeiro paulista.
217 Herbert Klein. The Internal Slave Trade, pp. 111-13.
218 Francisco Iglésias. Política Econômica, pp. 130-31. Afirmações semelhantes podem ser encontradas em
Norma de Goes Monteiro. Imigração e Colonização em Minas, 1889-1930. Belo Horizonte: Imprensa
Oficial, 1973, p. 16; João Heraldo Lima. Café e Indústria em Minas Gerais, 1870-1920. Dissertação de
Mestrado, Universidade de Campinas, 1977, pp. 2, 12; Peter Blasenheim. Uma História Regional da
Zona da Mata Mineira. Artigo não publicado, junho de 1977, p. 3; e Evantina Pereira Vieira. Economia
Cafeeira e Processo Político: Transformações na População Eleitoral da Zona da Mata Mineira (1850-
1889). Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Paraná, 1978, p. 56.

136 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
– que “em vez de estiolar-se dentro de escuras e úmidas e podres galerias subter-
râneas, os escravos iriam cantar por entre aleias de cafezais ensolarados e álacres e
salubres.”219
Robert Slenes afirmou que em Minas, como no Rio de Janeiro e em São Paulo,
nas décadas de 1870 e 1880 os principais municípios cafeeiros foram importadores
líquidos de escravos, enquanto aqueles onde a grande lavoura não era importante
“tenderam a ser perdedores líquidos de cativos.”220
Robert Conrad argumentou que a concentração de escravos nas províncias
cafeeiras criou uma profunda clivagem regional no até então monolítico apoio ao
regime escravista. Segundo ele, as diferenças no compromisso com a instituição
servil podiam ser observadas não só entre as províncias cafeeiras e as não-cafeeiras,
mas também dentro das primeiras: nelas próprias a escravidão era mais arraigada
nas regiões produtoras de café e estava perdendo apoio rapidamente nas outras
áreas.
Isto era especiamente verdadeiro na ampla e populosa Minas Gerais, que
possuía uma pequena zona cafeeira pró-escravidão na fronteira de áreas
semelhantes do Rio de Janeiro e de São Paulo, onde se concentrava uma
grande parte da população escrava da província. Mais para o interior,
entretanto, havia regiões mineradoras e criadoras mais pobres que,
assim como o Nordeste, tinham perdido escravos para zonas cafeeiras
e continuaram a fazê-lo, em larga escala, durante os últimos anos da
escravidão. Dentro de Minas Gerais, portanto, o interesse pelo sistema
servil variava tanto quanto no Império como um todo – distritos
cafeeiros defendendo este sistema de trabalho, e zonas não-cafeeiras,
maiores, porém mais pobres, demostrando menos preocupação com sua
sobrevivência ou até mesmo ansiosas para ver o seu fim.221

À província mineira, ou às suas regiões não-plantacionistas (que constituíam


a maior parte de seu território) foi atribuído – embora nenhum autor o tenha dito
explícitamente – um papel muito semelhante ao dos chamados breeding states do
Sul dos Estados Unidos: uma economia estagnada onde a escravidão deixara de ser

219 Luis Amaral. História Geral da Agricultura Brasileira. 3 vols. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1940, vol.
3, p. 87. “Jolly institution” foi a expressão usada por C. Vann Woodward para ironizar a imagem da
escravidão no sul dos Estados Unidos formulada por Robert Fogel e Stanley Engerman em seu famoso
livro Time on the Cross. The Economics of American Negro Slavery. Boston and Toronto: Little, Brown
and Company, 1974; C. Vann Woodward. The Jolly Institution. The New York Review of Books. May 2,
1974.
220 Robert W. Slenes. The Demography, p. 208.
221 Conrad. The Destruction, pp. 127-28.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


137
lucrativa, que transferia seus escravos redundantes para as regiões mais dinâmicas,
da grande lavoura exportadora.
Neste capítulo examinamos a participação de Minas Gerais no tráfico inter-
nacional e interprovincial de escravos no século XIX, bem como a distribuição da
população escrava dentro da província e suas mudanças ao longo do tempo.

A PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX


Tudo indica que a ideia de que Minas Gerais teria fornecido a mão de obra
servil para a implantação da lavoura cafeeira no Sudeste do Brasil, ou mesmo que
tenham ocorrido quaisquer exportações significativas de escravos da província, só
existe na imaginação de alguns historiadores do século XX. O extenso levanta-
mento que fizemos de relatos, depoimentos e autores contemporâneos, bem como
de documentos governamentais da primeira metade do século XIX, não revelou
uma única menção a exportações de escravos, ou à existência de excedentes de mão
de obra em Minas. O contrário – reclamações sobre o alto preço dos cativos, sobre
sua escassez, e referências a importações de escravos pela província foram frequen-
temente encontradas.
O naturalista Freireyss relatou, em 1815, que a agricultura de Minas sofria
escassez de mão de obra e que, entre 1803 e 1815, a província tinha importado mais
de quatro mil escravos por ano.222 Spix e Martius, que estiveram no Brasil entre
1817 e 1820, observaram que os escravos eram um dos principais artigos enviados
do Rio de Janeiro para Minas Gerais, além de um pequeno número que vinha da
Bahia, pela rota do São Francisco.223
Esta informação é confirmada pelos registros das importações de Minas no
ano fiscal de 1818-19, publicados por Eschwege. Nesse ano foram arrecadadas nos
registros da capitania, taxas referentes a 1.963 “escravos novos”, 92,7% dos quais
vinham do Rio de Janeiro e 2,7% da Bahia ou de Pernambuco. Os impostos pagos
sobre estas importações representaram o quarto maior item da receita no exercício.
Em sua primeira viagem para Minas Gerais, em 1811, ao passar pelo registro do
Paraibuna, o geólogo alemão anotou que apenas por aquela aduana tinham entrado
na capitania 3.704 africanos: “cada negro novo que se leva paga 5.400 réis (...) [e]
no ano de 1810, o tributo pelos escravos novos rendeu perto de 20 contos. Essa
receita já é muito considerável e provavelmente irá crescendo de ano para ano”.

222 Freireyss. Viagem, p. 216


223 Spix e Martius. Viagem, vol. 1, pp. 208-09, 312; vol. 2, pp. 241-42.

138 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Finalmente, em sua obra mais conhecida, o Pluto Brasiliensis, publicado em 1833,
Eschwege afirmou que “na província de Minas importavam-se anualmente de 5 a 6
mil escravos para substituição dos que morriam”.224
Uma petição dirigida ao príncipe regente, em 1810, por alguns pequenos pro-
prietários de minas de Minas Gerais, reivindicava a abolição dos impostos sobre a
importação de escravos, e se queixava dos seus altos preços na capitania.225
Auguste de Saint-Hilaire provavelmente conheceu Minas melhor que qualquer
outro viajante. Nos vários livros que escreveu nunca mencionou qualquer excesso
de escravos, e se referiu, pelo contrário, a escassez de mão de obra em diversos luga-
res. Em sua primeira viagem a Minas, vindo do Rio, encontrou um grupo de afri-
canos recém-chegados sendo conduzidos para o interior. No Distrito Diamantino
observou que “para muitos habitantes do Tejuco, a compra de escravos é um meio
fácil de aplicar seu capital,” e que a maioria dos escravos vendidos naquela região
vinha da Bahia.226
Johann Emmanuel Pohl, que visitou Minas duas vezes entre 1818 e 1821, tam-
bém lista escravos entre as importações mineiras vindas do Rio. Em Barbacena
ele ouviu queixas sobre sua escassez, apesar da existência de quase seis mil cativos
(41% da população). Comentou que a falta de mão de obra servil impedia o cresci-
mento da agricultura e paralizava o setor minerador. Os mesmos problemas foram
notados mais para o interior, em São José del Rei. Na estrada encontrou trinta
jovens africanos, comprados no Rio, sendo conduzidos para Minas.227
Na década de 1820, Jean Baptiste Debret observou que a depreciação do papel
moeda tinha tornado os escravos mais caros para os moradores do Rio de Janeiro,
mas os paulistas e os mineiros, que pagavam em moeda metálica, continuavam a
comprá-los. Em seu famoso desenho do mercado do Valongo no Rio, o cliente que
negocia com o vendedor de escravos é, significativamente, um mineiro.228

224 W. L. von Eschwege. Notícias e Reflexões Estadísticas da Província de Minas Gerais. Revista do Arquivo
Público Mineiro, IV (1899), p. 747. Em face das outras afirmações do próprio Eschwege, os números da
tabela de importações parecem ser incompletos. W. L. von Eschwege. Diário de uma Viagem do Rio de
Janeiro a Villa Rica, na Capitania de Minas Geraes, no anno de 1811. São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 1936, p. 16. Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, p. 450.
225 Vicissitudes da Indústria Mineira (1810). Revista do Arquivo Público Mineiro, 3 (1898), p. 80.
226 Saint-Hilaire. Viagem pelas Províncias, vol. 1, p. 171; Saint-Hilaire. Viagens pelo Distrito dos Diamantes,
pp. 48-49.
227 Pohl. Viagem, vol. 1, pp. 197, 204-05; vol. 2, p. 441
228 Jean Baptiste Debret. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. 2 vols. trad. Sérgio Milliet. São Paulo:
Livraria Martins Editora, 1940, vol. 1, p. 189 e figura 23.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


139
Em virtude de uma série de tratados negociados pelos britânicos com o governo
português na segunda década do século XIX e, depois da independência, com o
governo imperial, a participação de brasileiros no comércio internacional de escravos
tornou-se ilegal. A Convenção Anglo-brasileira, “com o fim de pôr termo ao comér-
cio da escravatura da Costa d’África”, foi assinada no Rio de Janeiro em 23 de novem-
bro de 1826 e, três anos depois da troca de ratificações, que teve lugar em Londres em
13 de março de 1827, entrou em vigor em 13 de Março de 1830. Seu artigo primeiro
equiparava o tráfico à pirataria, e pouco depois, a lei de 7 de novembro de 1831 decla-
rou livres todos os escravos que entrassem no Brasil após aquela data e estabeleceu
punições severas para os envolvidos nesse comércio, agora ilegal.229
Pouco antes da vigência desses atos, o Reverendo Robert Walsh, ministro angli-
cano da legação britânica, observou um grande aumento no fluxo de escravos
importados através do Rio de Janeiro, e o envio de uma grande parte destes para o
interior (Minas).230
A lei e o tratado antitráfico, contudo, foram totalmente ignorados nas décadas
seguintes e grandes números de africanos continuaram entrando no Império. Já em
1835, no Universal, de Ouro Preto, o articulista queixava-se de que, apesar da lei de
1831, o tráfico africano continuava a todo vapor, e que qualquer pessoa poderia ver,
a todo momento, “grandes comboios destas infelizes criaturas” sendo conduzidos
para Minas.231 No início da década de 40, o conde de Suzannet relatou que escravos
africanos estavam sendo introduzidos, através da Bahia, nas áreas diamantinas que
visitou.232
As evidências disponíveis indicam que, pelo menos enquanto durou o tráfico
internacional, os preços dos escravos eram mais altos em Minas Gerais do que no

229 Veja: Convenção entre o Senhor D. Pedro I, Imperador do Brasil e Jorge IV, Rei da Grã-Bretanha, com o
fim de pôr termo ao commercio da escravatura da Costa d’Africa, assignada no Rio de Janeiro em 23
de novembro de 1826, e ratificada por parte do Brasil no mesmo dia e anno, e pela Grã-Bretanha a 28
de fevereiro de 1827. As ratificações foram trocadas em Londres aos 13 de março de 1827. Coleção das
Leis do Império do Brasil. Perdigão Malheiro reproduz a lei antitráfico de 1831 na íntegra. Existe uma
extensa literatura sobre a abolição do tráfico internacional de escravos no Brasil. Veja, por exemplo,
Agostinho Marques Perdigão Malheiro. A Escravidão no Brasil. Ensaio Histórico, Jurídico, Social. 2 vols.
3ª. ed. Petrópolis: Editora Vozes e INL, 1976; Leslie Bethell. The Abolition of the Brazilian Slave Trade.
Britain, Brazil and the Slave Trade Question 1807-1869. Cambridge: Cambridge University Press, 1970;
Robert Conrad. The Struggle for the Abolition of the Bazilian Slave Trade. Tese de Doutorado, Columbia
University, 1967; Goulart. A Escravidão Africana no Brasil.
230 Walsh. Notices, vol. 2, pp. 321-22, 328-29..
231 O Universal (Ouro Preto), 10 de abril de 1835, citado por Marina de Avelar Sena. Compra e Venda de
Escravos. Belo Horizonte: Edição da autora, 1977, p. 109.
232 Suzannet. O Brasil em 1845, pp. 145, 162.

140 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Rio de Janeiro. Freireyss observou que os escravos crioulos eram, em geral, mais
caros do que os africanos, e os autores da petição de 1810, mencionada acima, afir-
mavam que, em Minas Gerais os escravos não podiam ser comprados por menos de
240 a 280 mil réis, enquanto uma amostra de vendas no Rio de Janeiro, entre 1807
e 1812, apresenta preços médios de 145 mil réis para os homens e 123 mil réis para
as mulheres.233
No final da década de 1820, devido às maciças importações especulativas que
se seguiram à convenção de 1826 com a Inglaterra, os preços de escravos no Rio de
Janeiro parecem ter sofrido uma forte queda. O Reverendo Walsh observou que,
em 1829, havia “tal pletora de carne humana nos mercados do Rio que esse artigo
tinha deixado de ser lucrativo. Os compradores conseguem até dez anos de crédito,
e o leitor gostará de saber que muitos especuladores têm sido arruinados por suas
pecaminosas importações”.234
A Saint John del Rey, uma empresa conhecida por suas atiladas práticas comer-
ciais, recorria sistematicamente ao mercado do Rio para efetuar suas principais
compras de escravos na década de 1830 e início da década de 1840. Aparentemente,
tinha bons motivos para fazê-lo: durante 1835, a companhia comprou 42 escravos
no Rio ao preço de 500 mil réis cada, enquanto 17 outros comprados em sua vizi-
nhança custaram, em média, 574 mil réis. Noventa cativos foram adquiridos no
Rio, em 1839, ao preço médio de 478 mil réis, enquanto 36 outros comprados na
região custaram 600 mil réis por cabeça, em 1841.235

233 Freireyss. Viagem, p. 222; Vicissitudes, p. 80. Os preços de escravos no Rio de Janeiro são de Mary
Catherine Karasch. Slave Life in Rio de Janeiro, 1808-1850. Tese de Doutorado, University of Wisconsin,
1972, pp. 525-27. Ao computar o preço médio dos escravos homens, excluí o escravo Jacinto, vendido
em 1807 por 12.800 réis, pois seu preço parece excepcionalmente baixo. Os preços dos homens nesta
amostra variam de 64 a 256 mil réis. O único escravo cuja idade foi registrada tinha vinte anos, e seu
preço foi de 102.400 réis. Lobo. História do Rio de Janeiro, vol. 1, p. 127 afirma que o preço médio
dos escravos no Rio de Janeiro, em 1821, variava entre 140 a 150 mil réis. Eschwege é mais específico,
dizendo que, nesse mesmo ano, um escravo saudável, do sexo masculino, entre 16 e 20 anos de idade,
custava no Rio de Janeiro, de 150 a 200 mil réis. Veja Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, p. 447.
234 Walsh. Notices, vol. 2, pp. 321-22. Eltis observou que “durante 1831 e 1832 houve, sem dúvida, poucas
importações, em parte por causa da saturação do mercado criada pelos maciços influxos de 1829 e
1830, e em parte porque os traficantes não sabiam quão rigorosa seria a aplicação da lei”. David Eltis.
The Direction and Fluctuation of the Transatlantic Slave Trade, 1821-1843: A Revision of the 1845
Parliamentary Paper. In: H. A. Gemery e J. S. Hogendorn (eds.). The Uncommon Market: Essays in
the Economic History of the Atlantic Slave Trade. New York: Academic Press, 1979, p. 280. Note-se,
entretanto, que na fonte mencionada na nota 235, abaixo, há indicações de um abrupto aumento nos
preços de escravos no Rio de Janeiro em 1830-1831.
235 Dados de documentos não-publicados da Saint John del Rey Mining Co., coletados por Douglas Cole
Libby, que gentilmente os tornou disponíveis para mim em carta de 31 de outubro de 1979.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


141
Estas diferenças de preço podem ter sido causadas, em parte, pelo fato
dos escravos comprados no Rio serem provavelmente negros novos ou boçais,
recém-chegados da África. Entretanto, o anúncio abaixo, publicado em 1835 no
Universal de Ouro Preto, sugere que os ladinos, ou escravos já aculturados, também
alcançavam preços mais altos em Minas:
Antônio Pereira Cardoso, novamente chegado do Rio de Janeiro, traz
uma não pequena porção de negros ladinos, oficiais carpinteiros,
pedreiros, ferreiros, cozinheiros, etc., e também negras costureiras,
lavadeiras, e hábeis para todo o serviço de uma casa. O anunciante os
pretende vender em leilão, que terá lugar no domingo, 25 do corrente,
pelas 10 horas da manhã, na Praça d’Alegria, esquina da Ladeira de
Simão da Rocha, nesta Cidade.236

Tais peças de evidência direta, apesar de fragmentárias, deixam poucas dúvidas


sobre a direção do fluxo desse tráfico. Qualquer mercadoria sempre flui do lugar
onde é mais barata para o lugar onde é mais cara, e não vice-versa – ninguém com-
pra caro para vender barato. Os escravos estavam sendo enviados do Rio de Janeiro
(ou melhor, da África, via Rio de Janeiro) para Minas Gerais, e não o contrário.
Em particular, as incipientes fazendas de café do Vale do Paraíba, fossem no Rio de
Janeiro, em São Paulo, ou na Zona da Mata Mineira, não estavam sendo tripuladas
por escravos originários da região central de Minas Gerais.
Durante a primeira metade do século XIX, o Brasil importou mais escravos
africanos do que em qualquer outro período de sua história.
A imensa maioria desses escravos se destinou à região Sudeste do país. Os
registros do British Foreign Office, analisados por Philip Curtin, mostram que,
no período de 1817 a 1843, das cargas de negreiros cujos portos de destino são
conhecidos, 76,9% desembarcaram no Rio de Janeiro e outros 7,1% seguiram para
portos localizados em São Paulo. As províncias do Norte e do Nordeste do Império
(incluindo a Bahia) tiveram uma parcela de apenas 15,0%, enquanto o Paraná rece-
beu menos de 1,0% dos escravos.237 Nos últimos anos do tráfico africano, a parcela
do Rio de Janeiro parece ter aumentado. Estes números significam que bem mais
de um milhão de escravos africanos desembarcaram nos portos do Rio de Janeiro e
de São Paulo durante a primeira metade do século XIX.

236 O Universal (Ouro Preto), 23 de setembro de 1835, citado por Sena. Compra e Venda, p. 5.
237 Curtin. The Atlantic Slave Trade, p. 240. Segundo Curtin, durante os vinte e sete anos de 1817 a 1843,
o British Foreign Office monitorou 1.308 navios negreiros chegados no Brasil, transportando 517.300
escravos. Foram identificados os portos de destino final de 491.000 destes escravos.

142 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela 4.1 - Brasil: Importações de escravos africanos,
1801-1851, por períodos
Período Escravos importados Média anual

1801 - 18101 108.322 10.832


1811 - 1820 266.800 26.680
1821 - 1843 829.100 36.048
1844 - 18511 289.002 41.286

1801 - 1851 1.493.224 29.864


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Mauricio Goulart estimou que somente o Rio de Janeiro importou, neste perí-
odo, 940.000 escravos, e Mary Karasch sugere um número mínimo de 895.949 cati-
vos. Karasch usou, para os anos de 1817 a 1843, a estimativa elaborada por Curtin,
que foi recentemente revista e aumentada em 30%, por David Eltis. Incorporando
a revisão de Eltis, o número mínimo de escravos africanos importados apenas atra-
vés do Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX, ultrapassa um milhão
de indivíduos.238 Esta, e não os supostamente “sub-utilizados” escravos de Minas
Gerais, foi a fonte da mão de obra para a decolagem do setor cafeeiro.
O tráfico atlântico e o início da grande lavoura cafeeira estão intimamente
interligados em mais de uma maneira. Muitos plantadores importantes, como
Vergueiro, de São Paulo, eram ou tinham sido grandes negociantes de escravos, e
pelo menos um – Souza Breves, do Rio de Janeiro – tinha suas próprias instalações
portuárias e importava diretamente da África para suas grandes propriedades. Até
mesmo em Minas Gerais encontram-se exemplos de agricultores que obtiveram
seu capital inicial através do tráfico negreiro.239
A historiografia tem dado muita ênfase ao fato de algumas famílias terem
migrado, no final do século XVIII e início do XIX, de áreas mineradoras de Minas
Gerais para a fronteira agrícola no Rio de Janeiro, na Mata Mineira e em São Paulo,
onde eventualmente formaram o núcleo pioneiro da plantocracia cafeeira.240 Nisso,

238 Karasch. Slave Life, pp. 105-06; Eltis. The Direction and Fluctuation, p. 289.
239 Dean. Rio Claro. p. 48; Francisco de Paula Ferreira de Rezende. Minhas Recordações. Rio de Janeiro:
Livraria José Olympio Editora, 1944, p. 343; Taunay. História do Café, vol. 8, pp. 267, 270.
240 Viotti da Costa. Da Senzala a Colônia, pp. 60-61; Amaral. História Geral, vol. 3, pp. 90-91; Stein.
Vassouras, p. 21; Ferreira de Rezende. Minhas Recordações, pp. 369, 390-98 passim. Para as migrações
de mineiros, principalmente das regiões do sul da província para várias regiões de São Paulo, veja
Mario Leite. Paulistas e Mineiros, Plantadores de Cidades. São Paulo: Edart, 1961, especialmente a
segunda parte, O Grande Refluxo, pp. 163-257.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


143
e exclusivamente nisso, repousa a tese da “origem mineradora” dos escravos empre-
gados nos primórdios do café. Algumas destas migrações ocorreram de fato, e com
toda certeza os migrantes levaram seus escravos consigo, mas jamais foi apresen-
tada qualquer evidência concreta de transferências significativas de escravos das
áreas mineradoras para as regiões cafeeiras emergentes. O volume dessas migrações
nunca foi estimado e, em muitos casos, não foi devidamente estabelecida sequer a
origem “mineradora” das famílias migrantes.241
Em seu detalhado estudo sobre o município cafeeiro fluminense de Vassouras,
Stanley Stein demonstrou a existência de muitos laços entre os pioneiros da cafei-
cultura e abastadas famílias mineiras, mas não menciona quaisquer transferências
de escravos vindos de Minas. Ao contrário, os vínculos familiares dos pioneiros
representaram fontes de capital e de crédito, com os quais compraram escravos
no mercado do Rio de Janeiro. Um fazendeiro por ele citado, por exemplo, tomou
empréstimos de seus parentes mineiros “para comprar doze escravos africanos
novos”.
Entre os primeiros povoadores de Vassouras, encontravam-se mineiros
que vieram de São João del Rei e Barbacena para o sul, rumo à “mata do
Rio”, com capital bastante para fornecer crédito aos primeiros fazendeiros
de café para a compra de escravos. O desenvolvimento da economia
cafeeira de Vassouras foi atribuído [por um contemporâneo] “em parte,
à chegada dos traficantes, que compravam e vendiam escravos com
prazos de mais de cinco anos (…) sem outra garantia além dos cafeeiros
plantados. Conheci um mineiro, meu amigo íntimo, João Francisco
Junqueira, que vendeu, dessa forma, mais de dois mil escravos nessas
paróquias quando o café começou”.

Além dos traficantes, dos tropeiros e dos comboieiros eram também impor-
tantes nessa tarefa os comissários no Rio de Janeiro, que “proviam mercadorias
e créditos e, logicamente, assumiam a função de fornecer escravos dos mercados
litorâneos para seus clientes do interior.”242

241 Viotti da Costa e Amaral simplesmente listam os nomes de um pequeno número de famílias mineiras
que se tornaram cafeicultores proeminentes nos vales do Paraíba fluminense e mineiro. Algumas
destas famílias, como os Leite Ribeiro e os Monteiro de Barros, tinham ligação com a mineração.
Outras, como a família Werneck, não vieram de áreas mineradoras e aparentemente adquiriram seus
capitais no comércio. Veja: Gardner. Viagens. pp. 447-48; Ferreira de Rezende. Minhas Recordações,
pp. 369-70; Stein. Vassouras, p. 21.
242 Stein. Vassouras, p. 18, 73-75. Os itálicos são meus. Além de João Francisco Junqueira, Stein também
menciona como negociantes de escravos vários membros da proeminente família mineira que
congregava os Leite Ribeiro, os Ferreira Leite e os Teixeira Leite.

144 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Outro estudo sobre a região do Vale do Paraíba descreve o surgimento da grande
lavoura cafeeira como resultante da convergência de dois fluxos migratórios: “Os
cafeeiros e os escravos partiram da costa (Rio de Janeiro) em direção ao interior, os
empresários (...) migraram do interior em direção à costa, sendo em sua maioria,
nativos de Minas Gerais”.243
Os dados demográficos disponíveis sustentam a ideia de que a província era
uma forte importadora líquida de escravos durante a primeira metade do século
XIX. Entre 1819 e 1872, como mostra a tabela 4.2, a população servil de Minas
cresceu rapidamente, comparada às outras províncias brasileiras.244
No início desse século (na verdade desde o século XVIII), Minas Gerais já
possuía a maior população escrava da colônia, depois império. Esta posição foi
reforçada pelo rápido crescimento observado nas décadas seguintes, entre 1819 e
1872, quando a participação mineira na população escrava total do Brasil cresceu
de 15,2% para 24,7%.
Durante o mesmo período, a população escrava mineira cresceu à uma taxa
quase 2,5 vezes maior que a média nacional, superada apenas pelas taxas do Rio de
Janeiro e do Rio Grande do Sul. Em termos absolutos, o incremento do contingente
escravo de Minas só foi igualado pelo do Rio de Janeiro, sendo ambos quase o triplo
daquele observado em São Paulo, e cinco vezes maior do que o de qualquer outra
província brasileira. Na época do censo, Minas Gerais tinha, sozinha, mais escravos
do que todas as dez províncias situadas ao norte da Bahia, mais Goiás, Mato Grosso
e Paraná somados.
Entretanto, a simples comparação da população escrava em dois pontos no
tempo, não é suficiente para avaliar o volume das importações ocorridas no inter-
valo entre eles. Uma população cresce (ou diminui) pela interação de dois fatores:
o crescimento natural (o saldo entre nascimentos e mortes, que pode ser positivo
ou negativo) e o saldo das migrações (que também pode ser positivo ou negativo).
Quando simplesmente constatamos que a população cresceu, os dois componentes
estão misturados, e para sabermos o que é crescimento (ou declínio) natural e o
que é imigração (ou emigração) temos de separá-los. No caso de uma população

243 Orlando Valverde. La Fazenda de Café Esclavista em el Brasil. Cuadernos Geográficos 3 (Universidad
de los Andes, Venezuela, 1965), p. 10. Pedrosa. Zona Silenciosa, p. 132, registra o emprego de índios
“domesticados” na preparação de terras para plantio na Zona da Mata mineira. Slenes concorda que a
disponibilidade de trabalho barato foi importante para o início da expansão do café, mas aponta para
a oferta africana, ao invés de escravos redundantes de Minas. Veja Slenes. The Demography, p. 198.
244 Os anos de 1819 e 1872 foram escolhidos por serem os dois únicos anos para os quais são disponíveis
números confiáveis das populações escravas de todas as províncias.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


145
escrava há um terceiro componente, que são as alforrias. Do ponto de vista numé-
rico, as alforrias são simplesmente um vazamento da população, e podem ser trata-
das em conjunto com as mortes.

Tabela 4.2 - Brasil: Crescimento da população escrava, por províncias, 1819 -1872
Províncias População População Taxa média Crescimento % %
escrava em escrava em anual de absoluto do Brasil do Brasil
1819 1872 crescimento 1819 -1872 em 1819 em 1872

Rio de Janeiro 90.970 306.425 2,29 215.455 8,2 19,8


Minas Gerais 168.543 381.893 1,51 213.350 15,2 24,7
São Paulo 77.667 156.612 1,28 78.945 7,0 10,1
Rio G. do Sul 28.253 69.685 1,70 41.432 2,6 4,5
Bahia 147.263 167.824 0,25 20.561 13,3 10,9
Piauí 12.405 23.924 1,24 11.519 1,1 1,5
Santa Catarina 9.172 14.984 0,93 5.812 0,8 1,0
Paraíba 16.723 21.526 0,48 4.803 1,5 1,4
Rio G. do Norte 9.109 13.020 0,67 3.911 0,8 0,8
Sergipe 26.213 30.119 0,26 3.906 2,4 1,9
Espírito Santo 20.272 22.659 0,21 2.387 1,8 1,5
Paraná 10.191 10.560 0,07 369 0,9 0,7
Amazonas 6.040 979 -3,43 -5.061 0,5 0,1
Pará 33.000 27.458 -0,35 -5.542 3,0 1,8
Côrte 55.090 48.939 -0,23 -6.151 5,0 3,2
Mato Grosso 14.180 6.667 -1,42 -7.513 1,3 0,4
Pernambuco 97.633 89.028 -0,17 -8.605 8,8 5,8
Goiás 26.800 10.652 -1,71 -16.148 2,4 0,7
Ceará 55.439 31.913 -1,04 -23.526 5,0 2,1
Alagoas 69.094 35.741 -1,24 -33.353 6,2 2,3
Maranhão 133.332 75.272 -1,08 -58.060 12,0 4,9

Brasil 1.107.389 1.545.880 0,63 438.491 100,0 100,0


Taxa de crescimento em porcento por ano.
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Um determinado volume de crescimento em um determinado período de


tempo, tem de ser integralmente rateado entre os dois componentes. Assim, dado
um determinado crescimento positivo da população, quanto maior for o cresci-
mento natural, menor será a parcela imputável à imigração, e vice-versa. Se, diante
de um crescimento populacional positivo, o crescimento natural for negativo (as
mortes forem maiores que os nascimentos) então, o componente imigração (ou
importação de escravos) será maior que o próprio incremento total da população.

146 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Para separar os dois componentes, estimamos o tráfico líquido de escravos de
Minas Gerais, nos períodos 1808-1819 e 1819-1873, usando uma adaptação do
método dos sobreviventes intercensitários, utilizado pelos demógrafos para o cál-
culo de migrações. Seria altamente desejável ter dados populacionais que permi-
tissem separar o impacto do tráfico internacional, que permaneceu ativo até o iní-
cio dos anos 1850, do efeito do tráfico interprovincial, que ganhou importância
depois dessa época. Infelizmente, não há dados seguros sobre a população escrava
de Minas na metade do século.

Tabela 4.3.1- Minas Gerais:


Importações líquidas de escravos, 1808-1819
(com taxas hipotéticas de crescimento interno)
(r)  Importação líquida Média anual
-20,00 55.224 5.020
-10,00 37.350 3.395
0,00 19.771 1.797
10,00 2.426 221
11,41 0 0
20,00 -14.470 -1.315
r = Taxa hipotética de crescimento interno (por mil por ano).
r* ( valor crítico de r) = 11,41
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Tabela 4.3.2- Minas Gerais:


Importações líquidas de escravos, 1819-1873
(com taxas hipotéticas de crescimento interno)
(r)  Importação líquida Média anual
-20,00 561.245 10.393
-10,00 372.459 6.897
0,00 213.350 3.951
10,00 71.431 1.323
15,26 0 0
20,00 -63.947 -1.184
r = Taxa hipotética de crescimento interno (por mil por ano).
r* ( valor crítico de r) = 15,26
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


147
O método empregado depende crucialmente do parâmetro que chamaremos
de taxa de crescimento interno (r) da população escrava, que reflete os efeitos com-
binados dos nascimentos, mortes e alforrias dos cativos. Como não há informa-
ções observadas e confiáveis sobre qualquer destas variáveis na primeira metade
do século, calculamos estimativas para um amplo intervalo de valores hipotéticos
dessa taxa. Em seguida, determinando através de evidências indiretas o valor pro-
vável da taxa verdadeira, poderemos balizar o volume do tráfico efetivamente ocor-
rido. A lógica e os procedimentos utilizados nesta e em todas as outras estimativas
do tráfico de escravos são descritas em detalhe no apêndice B.245
Os números apresentados nas tabelas acima se referem a importações líquidas,
ou seja, um número negativo significa que a província exportou a quantidade indi-
cada de cativos, e um número positivo significa que aqueles escravos foram impor-
tados por Minas Gerais. O número estimado de escravos importados é, obviamente,
muito sensível à taxa de crescimento interno adotado, mas a direção do fluxo do
tráfico é, sem sombra de dúvida, muito clara. Chamei de r* o valor crítico da taxa de
crescimento interno, isto é, aquele que torna as importações líquidas iguais a zero,
e cuja ultrapassagem muda o sinal (direção) do fluxo do tráfico. Assim, se r fosse
maior que r*, a província se tornaria exportadora líquida de escravos, se r fosse
menor que r*, ela seria uma importadora líquida.
No período 1808-1819 o valor de r* era igual a 11,41 por mil por ano, e
no período 1819-1873 esse valor foi igual a 15,26 por mil por ano. Como a taxa de
crescimento interno (r) inclui, por definição, os efeitos dos nascimentos, mortes e
alforrias, e como as alforrias sempre existiram e representavam um vazamento da
população escrava, para que o fluxo migratório fosse invertido seria necessário que
a taxa de crescimento natural (nascimentos menos mortes) fosse algo maior do que
r*, para acomodar a taxa de alforrias, sempre positiva por definição, uma vez que
não havia re-escravização de pessoas livres.

245 Como descrito no apêndice B, adotamos a hipótese de que todo o tráfico ocorreu no ponto médio
do período em foco. Os números das tabelas 4.3.1 e 4.3.2 foram comparados com o conjunto de
estimativas que resulta da hipótese alternativa de que a quantidade total importada foi uniformemente
distribuída ao longo de todo o período, isto é, que as importações de cada ano foram iguais à média
do período todo. As razões entre a primeira (T1) e a segunda (T2) estimativas são: para r (taxa de
crescimento interno, por mil) = 10, T1/T2 = 1,007; para r = 0, T1/T2 = 1; para r = - 10, T1/T2 = 1,017;
para r = - 20, T1/T2 = 1,060; para o período 1819-1873. No período 1808-1819, com os valores de
r listados na mesma ordem, os valores de T1/T2 são respectivamente: 0,995, 0, 1,005, e 1,012. Fica
claro que a diferença entre as duas hipóteses de distribuição do tráfico no tempo é desprezível. O
modelo alternativo também é descrito em detalhe no apêndice B.

148 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Gráfico 4.1 - Minas Gerais 1808-1819: Trade-off entre crescimento interno e tráfico
100

80

60
Escravos importados (mil)

40

20
r* = 11,41
0

-20

-40

-60
-40 -30 -20 -10 0 10 20 30 40
Taxa de crescimento interno

Gráfico 4.2 - Minas Gerais 1819-1873: Trade-off entre crescimento interno e tráfico
1.200

1.000

800
Escravos importados (mil)

600

400

200
r* = 15,26
0

-200

-400

-600
-40 -30 -20 -10 0 10 20 30 40
Taxa de crescimento interno

Portanto, a província teria sido uma grande importadora líquida, nos dois
perío­dos, mesmo com uma população escrava internamente estável ou razoavel-
mente crescente. Na verdade, dados os valores absolutos de sua população escrava,
até mesmo para ser um pequeno exportador de cativos, Minas Gerais teria que ter
sido um verdadeiro criatório de escravos, um autêntico breeding state.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


149
Mesmo correndo o risco de ser repetitivo, mas apenas para ilustrar e para enfa-
tizar, as estimativas do tráfico podem ser invertidas para demonstrar que, mesmo se
postularmos exportações líquidas extremamente baixas (seja em número de escra-
vos exportados, seja em termos do percentual do plantel da província), para que
essas exportações fossem viabilizadas, as taxas implícitas de crescimento teriam
de ter sido muito mais altas do que aquelas observadas em qualquer população
escrava das Américas, com exceção dos Estados Unidos durante o século XIX.246

Tabela 4.4 - Taxas implícitas de crescimento interno da população escrava,


com diferentes hipóteses de exportações líquidas anuais
Hipótese 1808 - 1819 1819 - 1873
Escravos Exportações Taxa implícita Exportações Taxa implícita
exportados como % de crescimento como % de crescimento
por ano no do plantel interno no período do plantel interno no período
período inicial (por mil por ano) inicial (por mil por ano)
2.000 1,34 24,3 1,19 23,2
1.000 0,67 17,8 0,59 19,3
500 0,34 14,6 0,30 17,3
200 0,13 12,7 0,12 16,1
100 0,07 12,0 0,06 15,7
0 0,00 11,4 0,00 15,3
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Essas estimativas mostram quão improvável é a hipótese de que Minas Gerais


tenha exportado escravos durante a primeira metade do século. Para ter sido um
exportador, mesmo modesto, a província teria que ter replicado, ou até superado, a
experiência demográfica, única nas Américas, dos Estados Unidos, cuja população
escrava apresentou uma taxa de crescimento interno de 23,9 por mil por ano, entre
1820 e 1860.247

246 O modelo é o mesmo utilizado para as estimativas das tabelas 4.3.1 e 4.3.2. As taxas implícitas são
obtidas tomando como dados os valores de T (exportações líquidas) e resolvendo as equações para r,
a taxa de crescimento interno da população.
247 A taxa bruta de crescimento da população escrava nos Estados Unidos foi computada a partir de dados
dos censos, reproduzidos por Claudia Dale Goldin. Urban Slavery in the American South, 1820-1860. A
Quantitative History. Chicago: University of Chicago Press, 1976, p. 67. Como o tráfico internacional de
escravos para os Estados Unidos já estava fechado há mais de dez anos, e as manumissões eram muito
poucas, esta taxa é também a taxa de crescimento interno, e é muito próxima à taxa de crescimento
natural.

150 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Em nenhuma outra sociedade escravista do Novo Mundo, a população escrava
foi demograficamente autossustentável. No Caribe Britânico, a taxa de crescimento
natural variou entre – 20 e – 50 por mil por ano durante o século XVIII, segundo
registros contemporâneos.248 No século XIX, depois da abolição do tráfico, em
1807, esta taxa tornou-se menos negativa em algumas colônias, mas na grande
maioria dos casos a transição para o crescimento positivo não se completou sob o
regime da escravidão.249
A população escrava de Cuba caiu de 370.553 em 1860, para 287.620 em 1871,
logo antes da Lei Moret entrar em vigor, apesar da importação de 49.532 africanos
entre 1861 e 1864, os últimos anos do tráfico escravo cubano. No meado do século,
a taxa de declínio foi estimada entre 30 e 50 por mil por ano.250 Na Martinica, colô-
nia francesa no Caribe, a taxa de declínio natural foi de 11,1 por mil por ano, de
1835 até a abolição, em 1848.
As matrículas de escravos realizadas na Jamaica entre 1817 e 1832 mostram
taxas de declínio natural variando de 0,7 a 4,8 por mil por ano. Deve-se observar,
entretanto, que em 1817 o tráfico atlântico para as colônias inglesas do Caribe já
havia terminado havia dez anos, de modo que todos os africanos vivendo na ilha
já tinham ultrapassado o seasoning period, fase crítica durante a qual ocorriam as
maiores taxas de mortalidade. Segundo uma das maiores autoridades nesse campo,
“mesmo sem uma taxa solidamente estabelecida, o fato do declínio natural é con-
firmado também em outras ilhas do Caribe.”251
O quadro não era diferente no continente. No Suriname a taxa de declínio natu-
ral foi de 13,2 por mil por ano entre 1830 e 1863, quando foi abolida a escravidão

248 Philip D. Curtin. Epidemiology and the Slave Trade. Political Science Quarterly 83 (June 1968), p. 214.
249 A única exceção é o caso de Barbados, que alcançou a sustentabildade logo após o fim do tráfico
africano para as colônias inglesas do Caribe, em 1807. Sua população escrava cresceu de 71.286 em
1815, para 80.861 em 1833. Segundo Curtin, havia uma clara relação negativa entre o volume de
importações de africanos e a taxa de crescimento natural das populações escravas do Novo Mundo:
“a parcela africana da população apresentava o maior desequilíbrio entre os sexos, as mais altas taxas
de morbidade e as mais altas taxas de mortalidade, era ela que deprimia a taxa de crescimento da
população como um todo”. No início do século XIX, Barbados era uma economia estagnada, que
tinha virtualmente cessado de importar escravos mesmo antes da abolição legal do tráfico. Curtin.
Epidemiology, p. 215.
250 Knight. Slave Society in Cuba, pp. 53, 63, 86 e 172-176. A Lei Moret emancipou os filhos de mulher
escrava e os escravos sexagenários em Cuba e Porto Rico. Foi assinada em 4 de Julho de 1870, mas,
devido a oposição dos donos de engenho, só se tornou efetiva algum tempo depois.
251 Cohen e Greene (eds.). Neither Slave nor Free, p. 337; Higman. Slave Population in Jamaica, p. 102;
Curtin. Epidemiology, p. 124. Em todos os casos onde a fonte não diz explicitamente o contrário,
assumimos que as manumissões eram desprezíveis.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


151
nas colônias holandesas. A Guiana Inglesa apresentou uma taxa de declínio natural
de 11,0 por mil por ano entre 1817 e 1829.252
A experiência brasileira não foi diferente. Aqui também a população escrava
não foi capaz de se manter sem ser constantemente realimentada pelo tráfico atlân-
tico. Em 1819 havia 1.107.389 escravos no Brasil e, entre aquele ano e 1851, foram
importados cerca de 1.192.642 africanos. Apesar disso, por volta de 1872 a popu-
lação escrava atingira apenas 1.545.880 indivíduos. Usando esses números e duas
hipóteses diferentes sobre a distribuição temporal das importações de africanos,
estimei a taxa de crescimento interno da população escrava brasileira entre 1819 e
1873.
A primeira hipótese – de que todas as importações ocorreram no ponto médio
do período 1819-1872 resultou em uma taxa de crescimento interno igual a – 8,9
por mil por ano. A segunda, de que as importações se distribuiram uniformemente
ao longo do intervalo 1819-1850 (equivalentes em cada ano à média anual do perí-
odo 1821-1851) e se tornaram iguais a zero após 1851, resultou em uma taxa de
crescimento interno de – 9,32 por mil por ano. Estes números são fortemente con-
sistentes com as estimativas das taxas vitais dos escravos brasileiros calculadas por
Robert Slenes. Usando uma abordagem diferente, Slenes concluiu que a taxa de
crescimento natural era, de fato, negativa, e que a taxa de crescimento interno se
situava no intervalo entre 0 e – 15 por mil por ano.253
Não há nenhum motivo para supor que a taxa de crescimento natural da popu-
lação escrava de Minas fosse positiva, ou menos negativa do que em outras partes do
Brasil. Pelo contrário, por ter importado, desde o século XVIII, muito mais africanos
do que a maioria das outras províncias, a taxa mineira era provavelmente mais nega-
tiva do que a média brasileira. A maior proporção de africanos, com sua mortalidade
mais alta e sua menor fertilidade, certamente contribuiu para deprimir a taxa de cres-
cimento natural da população cativa provincial para abaixo da média do país.254
Estimativas específicas para Minas Gerais são raras e, em geral, pouco con-
fiáveis, pois são geralmente baseadas em registros de nascimentos e óbitos, que
eram notoriamente deficientes com relação às mortes dos escravos. O subregistro
de nascimentos, tanto de livres quanto de escravos, era muito menor, pois ambos
eram ordináriamente batizados. Mas a maior parte dos escravos não era sepultada

252 A taxa para o Suriname foi computada a partir de dados em Cohen e Greene (eds.). Neither Slave, p.
336; e a da Guiana Inglesa é dada por Curtin. Epidemiology, p. 216.
253 Slenes. The Demography, pp. 363-65.
254 Ver nota 249, acima.

152 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
nas igrejas, e sim em cemitérios nas fazendas, ou no próprio campo, não deixando
rastro de seus óbitos.
Eschwege estimou, por volta de 1820, que a taxa de declínio natural da popula-
ção de escravos mulatos em Minas se situava em torno de 21,9 por mil por ano, e a
dos escravos pretos (que eram em sua maioria africanos) em um nível muito mais
alto, atingindo 39,5 por mil por ano. A taxa de declínio natural da população cativa
total da província seria, então, igual a 37,2 por mil por ano.255 Herbert Klein, por
outro lado, parece ter se convencido de que a população escrava de Minas tinha
um crescimento natural positivo e, baseado em dados para um único ano (1814),
concluiu que a taxa de crescimento natural era de 0,5 por mil por ano.
Esta estimativa é, no mínimo, suspeita. Além de se basear, sem nenhuma crí-
tica, em uma fonte pouco confiável, parece não se dar conta do problema mencio-
nado acima, do subregistro das mortes dos cativos. Nas estimativas de Klein, a taxa
bruta de mortalidade dos escravos (32,9) é menor do que a dos negros e mulatos
livres (34,3); e apenas ligeiramente mais alta do que a da população branca (27,4).
As taxas brutas de natalidade por mil pessoas, são 36,6; 41,7 e 33,4; para brancos,
negros e mulatos livres e escravos, respectivamente. Dado o grande desequilíbrio
entre os sexos na população escrava, as taxas apresentadas por Klein implicam que
as mulheres escravas eram mais férteis do que as brancas e as mulatas e negras
livres. Usando as razões de sexo registradas para 1808 e as taxas brutas de natali-
dade de Klein, obtemos taxas de natalidade por mil mulheres de 91,9, 82,4 e 74,3
para escravas, negras e mulatas livres, e brancas, respectivamente. Com as razões
de sexo observadas em 1821, essas taxas seriam 82,9, 80,7 e 75,1, com os grupos na
mesma ordem.256
É perfeitamente razoável sugerir que Minas Gerais importou cerca de 400 a
500 mil escravos durante as primeiras sete décadas do século XIX, em termos
líquidos. Se, como parece ter sido o caso, a grande maioria destas importações
ocorreu enquanto o tráfico atlântico ainda estava aberto, então Minas terá sido,
sem dúvida, a principal província importadora de africanos no século XIX, com

255 Eschwege. Notícias, p. 741. A taxa provincial é o somatório das taxas específicas de cada grupo
multiplicadas pela participação do grupo na população total. Em 1821, 13,3 por cento dos escravos
mineiros eram mulatos e 86,7 por cento eram pretos. Em outros escritos Eschwege revela perfeita
consciência da sub-enumeração dos óbitos dos escravos.
256 Herbert Klein. Nineteenth-Century Brazil, em Cohen e Greene (eds.). Neither Slave nor Free, pp. 314-
316. A taxa de natalidade por mil mulheres é dada por: (razão de sexo + 1) multiplicada pela taxa
bruta de natalidade. A razão de sexo é definida como o número de homens dividido pelo número de
mulheres. As razões de sexo de 1808 e 1821 estão em População da Província de Minas Gerais. Revista
do Arquivo Público Mineiro. Ano IV (1899), pp. 294-296.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


153
uma participação de pelo menos 30% no total das importações brasileiras. Os
dados disponíveis sobre a população escrava das outras províncias também sus-
tentam a conclusão de que Minas deve ter sido um forte importador. Sem impu-
tar a ela uma parte considerável do total nacional das importações, não é possível
alocar para o restante do país os quase 1,2 milhões de indivíduos importados pelo
Brasil entre 1819 e 1851.

DO FIM DO TRÁFICO AFRICANO AO CENSO DO IMPÉRIO


Tanto observadores contemporâneos como historiadores sempre deram muito
destaque ao tráfico interprovincial que foi deflagrado pela abolição do tráfico afri-
cano. Não há dúvida de que as transferências de escravos entre as províncias assu-
miram proporções sem precedentes no terceiro quartel do século. E nem poderia
ser de outra forma: com o fechamento da fonte africana, as condições econômicas
muito divergentes que prevaleciam nas diferentes regiões do Brasil só poderiam
resultar em fortes pressões para realocação da força de trabalho servil entre elas.
A economia da região Sudeste vivia uma excelente fase: o café estava em rápida
expansão em Minas Gerais e no Oeste Paulista, e mesmo no Vale do Paraíba flu-
minense havia algum crescimento localizado. Depois da metade do século, a pro-
dução de suas seções mais antigas estava em declínio, mas novas terras cafeeiras
estavam sendo abertas na parte ocidental do vale, em áreas fronteiriças a Minas e
ao Espírito Santo257.
As condições econômicas eram muito piores no Nordeste, cujo principal setor
exportador – o açucareiro – permaneceu enredado em uma crise crônica durante
a maior parte do século. Além disso, e mais importante do que a própria estagna-
ção do açúcar, as províncias do Nordeste começaram, nesse período, a substituir
escravos por trabalhadores livres num ritmo relativamente rápido. Nesta região,
por volta da metade do século, a maior parte das terras cultiváveis já tinha sido
apropriada, e já havia claros sinais de pressão populacional sobre os recursos natu-
rais, até mesmo em áreas do sertão semi-árido. A resultante massa de camponeses
sem terra tornou-se uma fonte de mão de obra barata e voluntária, que permitiu
aos proprietários se desfazerem gradualmente de seus escravos, vendendo-os em
quantidades crescentes para os vorazes mercados do Sudeste.258

257 Ver a tabela 3.2 e Mello. The Economics of Labor, p. 78.


258 A transição para o trabalho livre no Nordeste tem sido mais estudada na província de Pernambuco.
Estima-se que, no início da década de 1870, cerca de metade do açúcar da província já era produzido
por mão de obra livre. Nas áreas algodoeiras, durante o surto exportador causado pela Guerra Civil

154 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Entretanto, até a década de 1870, o volume dessas transferências não parece
ter sido tão grande quanto se costumava acreditar. O censo de 1872 revelou que
somente 18.513 escravos nascidos no Norte e no Nordeste estavam vivendo nas
províncias do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Este número
representava apenas 3,6% dos escravos nascidos nas onze províncias situadas ao
norte de Minas. O fluxo do Sul era ainda menos importante: de um total de 86.858
escravos nascidos no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, somente
1.569 (1,8%) residiam no Sudeste.259
Rio de Janeiro e São Paulo foram os principais importadores. O setor cafeeiro
fluminense se encontrava estagnado, mas apenas para manter sua força de traba-
lho estabilizada no nível do meado do século, foi necessário um grande volume
de importações. Em São Paulo, a expansão do café gerou uma forte demanda por

Americana, aparentemente a transição estava ainda mais avançada. Várias fontes relatam que na
metade da década de 60, eram empregados quase exclusivamente trabalhadores livres na agricultura
do Ceará e que o trabalho assalariado estava também sendo utilizado em escala crescente no Rio
Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Maranhão. Vejam-se: Perdigão Malheiro. A Escravidão no Brasil,
p. 460; Aureliano Cândido Tavares Bastos. A Província. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 2ª. ed., 1937,
p. 245; Herbert Huntington Smith. Brazil: The Amazons and the Coast. New York: Scribner’s Sons, 1879,
p. 444, 470; Peter L. Eisenberg. The Sugar Industry of Pernambuco. Modernization without Change,
1840-1910. Berkeley: University of California Press, 1974; Peter L. Eisenberg. Abolishing Slavery: The
Process on Pernambuco’s Sugar Plantations. Hispanic American Historical Review 53 (4) (December
1972); John H. Galloway. The Sugar Industry of Pernambuco during the Nineteenth Century. Annals
of the Association of American Geographers 58 (2) (June 1968); John H. Galloway. The Last Years of
Slavery on the Sugar Plantations of Northeastern Brazil. Hispanic American Historical Review 51 (4)
(November 1971); Manuel Correia de Andrade. A Terra e o Homem no Nordeste. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1963; Roger L. Cunniff. The Great Drought: Northeast Brazil, 1877-1880. Tese de doutorado,
University of Texas, 1970; Jaime B. G. Reis. Abolition and the Economics of Slaveholding in North East
Brazil. Boletin de Estudios Latinamericanos y del Caribe 17 (1974); Jaime B. G. Reis. Brazil: The Peculiar
Abolition. Ibero-Amerikanishes Archiv N. F. Jg 3 H.3 (1977); Jaime B. G. Reis. From Banguê to Usina:
Social Aspects, Growth and Modernization in the Sugar Industry of Pernambuco, Brazil, 1850-1920. In:
K. Duncan and I. Rutledge (eds.) Land and Labor in Latin America. Cambridge: Cambridge University
Press, 1977; Jaime B. G. Reis. The Impact of Abolitionism in Northeast Brazil: A Quantitative Approach.
In: V. Rubin and A. Tuden (eds.). Comparative Perspectives on Slavery in the New World Plantation
Societies. Annals of the New York Academy of Sciences, volume 292. June 1977.
259 “População em relação à nacionalidade brasileira”. Tabelas provinciais 4 e 5. Recenseamento de 1872.
Como explicado abaixo, há grandes erros de agregação nas tabelas provinciais do censo que registram
a província de nascimento dos habitantes. Nos casos de Minas Gerais e São Paulo usamos as tabelas
paroquiais e corrigimos a agregação, mas para as outras províncias tivemos que usar as tabelas
provinciais. Os dados sobre o local de nascimento dos escravos não são suficientes, é claro, para
descrever o tráfico interprovincial, mas podem oferecer insights valiosos. Outro problema sério é que
não podemos detectar as transferências interprovinciais de escravos nascidos na África. É também
difícil determinar a precisão das informações prestadas ao censo: muitos escravos residentes em Minas
e São Paulo e registrados como nascidos no Rio de Janeiro, podem ter sido nordestinos comprados
no mercado do Rio. De qualquer maneira, mesmo se contiverem muitos erros, as estatísticas de local
de nascimento mostram que o Sudeste não foi invadido por escravos nordestinos, pelo menos até o
Censo do Império.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


155
novos escravos: sua população servil aumentou em um terço entre 1854 e 1874. O
mesmo ocorria no Espírito Santo, que quase dobrou seu pequeno plantel de cativos
entre 1857 e 1872.260 Por outro lado, as províncias nordestinas parecem ter perdido
escravos neste período, sendo a Bahia e Pernambuco provavelmente os maiores
exportadores.261
É dificil determinar com precisão o papel de Minas Gerais no período entre o
fim do tráfico atlântico e o censo, pela falta de dados confiáveis sobre a população
da província na metade do século.262 A evidência disponível é indireta, fragmentada
e frequentemente contraditória.

260 A população escrava do Rio de Janeiro aumentou apenas de 293.554, em 1850, para 306.425 escravos
em 1872. Em São Paulo, o aumento foi de 117.731 em 1854 para 156.612 em 1874, e no Espírito Santo
de 11.819, em 1857, para 22.659 em 1872. Usando uma taxa de crescimento interno de – 10 por mil
por ano, estimamos que essas províncias importaram, em termos líquidos, 79.415, 66.696 e 13.471
escravos, respectivamente, nos períodos mencionados. As fontes são as mesmas da tabela 4.2. Robert
Slenes está certo ao concluir que o tráfico de longa distância não foi muito intenso antes da década de
70, mas sua estimativa de que o conjunto do Sudeste importou somente 110.000 escravos nos anos
1850-1872, é provavelmente muito baixa, a menos que Minas Gerais tivesse perdido cerca de 50.000
escravos no período, o que é totalmente improvável. Veja Slenes. The Demography, pp. 136-38. O caso
mineiro é discutido abaixo.
261 Usando o mesmo procedimento anterior, estimei que Pernambuco exportou 24.637 escravos, em
termos líquidos, entre 1845 e 1872. Dados para a população escrava baiana por volta da metade
do século não foram encontrados, mas os registros de local de nascimento do censo mostram que
mais escravos nascidos na Bahia viviam fora de sua província de nascimento do que aqueles nascidos
em qualquer outra província, enquanto que somente um pequeno número de escravos nascidos em
outras províncias vivia na Bahia. No início da década de 50, a perda de escravos para o Centro-Sul
já estava causando alarme na Bahia. Em 11 de agosto de 1854, um projeto de lei foi apresentado à
Câmara dos Deputados pelo representante baiano João Maurício Wanderley, visando proibir o tráfico
interprovincial de escravos. Embora apoiado por deputados de várias províncias nordestinas, o projeto
foi derrotado pela oposição do Sudeste. É interessante observar que, em sua defesa do projeto,
Wanderley afirmou que os senhores de engenho do norte ainda não tinham começado a vender
seus escravos nessa época. Os escravos exportados para o sul eram originários de áreas urbanas e de
pequenas fazendas, “onde o trabalho poderia ser feito por homens livres”. Conrad. The Destruction,
pp. 65-67.
262 As únicas estimativas que conheço da população escrava de Minas para o período entre a década
de 1820 e o censo são, com exceção de algumas observações casuais em relatos de viajantes, as
de Tomaz Pompeo de Souza Brazil, para 1864, e de Sebastião Ferreira Soares, para 1865. Ambas
são reproduzidas em Perdigão Malheiro. A Escravidão, vol, 2, pp. 150-51, e não são mais do que
chutes, que o Censo de 1872 demonstrou estarem grosseiramente errados. As estimativas do Padre
Pompeo, contudo, foram recentemente usadas por dois autores norte-americanos para sustentar
algumas conclusões ousadas sobre migrações de escravos no período pós-1850. Baseados nesses
números, Thomas Merrick e Douglas Graham concluíram que “até 1864, a velha região nordestina
ainda detinha aproximadamente metade do número total de escravos do país, e mais do que a região
cafeeira do Sudeste. Por volta de 1872, essas posições relativas tinham mudado abruptamente, com
o Sudeste abrangendo quase 60 por cento da população escrava, e o Nordeste somente 32 por cento.
Portanto, o auge das transferências inter-regionais de escravos no Brasil ocorreu nos anos 1860 e
início da década de 70”. Merrick and Graham. Population and Economic Development, pp. 65-66. Esses
autores ignoraram a forte advertência sobre a precariedade das estimativas, na mesma página em

156 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Observadores contemporâneos tenderam a enfatizar as exportações de escravos
de algumas regiões mineiras, mas outras fontes indicam o contrário. As inferências
que podem ser feitas a partir dos dados populacionais incompletos existentes para
a década de 1850 e do censo de 1872 sugerem que a província como um todo era
uma importadora líquida, ou uma exportadora líquida insignificante de escravos.
As condições econômicas eram muito variadas dentro do “mosaico mineiro” e o
padrão do tráfico era, consequentemente, bastante complexo. Alguns locais esta-
vam perdendo escravos para outras partes da província e para outras províncias,
enquanto outras regiões mineiras os estavam importando, através de fontes tanto
intraprovinciais como interprovinciais.263 Embora difícil de ser fixado com pre-
cisão, o impacto líquido das transferências sobre o conjunto da província parece
ter sido pequeno. Durante esse período, encontramos, pela primeira vez, referên-
cias a exportações de escravos de Minas. Sebastião Ferreira Soares registra que um
pequeno número de escravos mineiros foi enviado ao mercado do Rio de Janeiro
durante os anos 50.264
Em São João del Rei, em 1867, o Capitão Richard Burton foi informado que
os escravos eram um “elemento em rápido declínio”, tendo sido “principalmente
vendidos aos distritos agrícolas do Rio de Janeiro.” Em Diamantina, disseram-lhe
que os cativos “estavam sendo negociados para as províncias cafeeiras”, e que os
mineradores arruinados estavam muito animados com a perspectiva da imigração

que obtiveram os números. Se estivessem corretas, elas implicariam em que pelo menos 360.000
escravos teriam mudado de província no curto período de oito anos entre 1864 e 1872. O Nordeste
teria perdido, em termos líquidos, 287.000 cativos, enquanto as quatro províncias do Sudeste teriam
ganho mais de 300.000. Pernambuco e Bahia teriam exportado, respectivamente, 153.000 e 108.000
escravos, e Minas Gerais, sozinha, teria recebido um contingente líquido de 154.000 escravos. Essas
implicações devem ser comparadas, por exemplo, com o fato de que em 1873 Minas Gerais tinha
somente 8.578 escravos nascidos em outras províncias, ou com as estimativas recentes de que, em
todo o período de 1850-1888, o tráfico de escravos entre o Centro-Sul e o resto do país não envolveu
mais do que 200.000 indivíduos. Veja Slenes. The Demography, pp. 136-38 e Klein. The Internal Slave
Trade, p. 98. No cálculo das transferências que seriam decorrentes dessas estimativas, usamos a taxa
de crescimento interno de – 12,8 por mil por ano para o conjunto do Brasil, que está implícita nas
populações escravas de 1.715.000 em 1864 (estimativa de Pompeo) e 1.546.880 em 1872 (censo).
263 Tomei emprestada de John Wirth a caracterização de Minas como um mosaico de áreas econômicas
diversificadas e fracamente articuladas entre si. O reconhecimento de que as condições locais
variavam entre as regiões mineiras e que havia um ativo tráfico de escravos entre elas não significa
concordar que essas transferências fossem um fluxo unidirecional das áreas não-cafeeiras para as
áreas cafeeiras.
264 Sebastião Ferreira Soares. Notas Estatísticas sobre a Produção Agrícola e Carestia dos Gêneros
Alimentícios no Império do Brasil. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1977, p. 135. Segundo Ferreira Soares,
“pelo menos 305 escravos” foram enviados todos os anos de Minas e do Rio Grande do Sul para o Rio
de Janeiro.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


157
de Confederados dos Estados Unidos: “que o Senhor os traga: (...) e logo eles terão
ocupação para nossos inúteis escravos! ” De Januária, no norte de Minas, Burton
escreveu que “desde algum tempo os escravos vinham sendo negociados para o Rio
de Janeiro, e recentemente trinta deles tinham sido enviados para lá. ”265
Os relatos dos viajantes devem, muitas vezes, ser tomados cum grano salis. No
caso de São João del Rei, por exemplo, a informação está pura e simplesmente
errada: o censo do Império revelou, em 1873, que o município possuía 8.092 escra-
vos, e não os 1.350 relatados por Burton em 1867. Nossas estimativas mostram que
ele certamente foi um importador líquido de cativos, talvez um importador pesado,
entre o final dos anos 1850 e o censo.266
É possível, contudo, que Burton estivesse certo com relação à região diaman-
tina, que estava envolvida em uma grave crise no final dos anos 60 e, principal-
mente, durante a década de 1870. O segundo rush diamantino, deflagrado pela
liberação da mineração em 1832, tinha sido abruptamente interrompido pelas des-
cobertas na África do Sul, e o boom do algodão, um dos principais produtos da
região, entrou em colapso com a recuperação da oferta norte-americana após a
Guerra da Secessão. A rapidez desses processos, aliada à falta de alternativas em
uma área pobremente dotada para a agricultura, pode ter gerado desemprego na
força de trabalho servil da região.267 Em 1876, foi inaugurada uma fábrica de teci-
dos de algodão, fundada pelo Bispo de Diamantina, com a intenção explícita de
“aliviar o desemprego dos trabalhadores no diamante afetados pelas descobertas na
África do Sul.”268

265 Burton. Explorations, vol. 1, pp. 114-15, vol. 2, pp. 104, 260.
266 Veja a tabela 4.5, abaixo.
267 Essa situação – uma crise econômica localizada, causada por acontecimentos em mercados externos,
em virtude da qual escravos teriam ficado sem ocupação – constitui um caso muito incomum no
cenário econômico mineiro do século XIX. Como mostraremos no capítulo 5, a economia provincial
(com exceção do setor cafeeiro) era quase inteiramente voltada para mercados locais, não sendo,
portanto, vulnerável a flutuações nos mercados internacionais. A natureza quase autárquica das
unidades produtivas e seu relativo isolamento dos mercados davam a elas condições de reter seus
escravos, independentemente do que acontecesse no resto do mundo. A fragilidade da região
diamantina em relação ao mercado internacional de gemas, agravada por seu envolvimento na
cotton famine da Inglaterra, causada pela guerra civil dos Estados Unidos, foi, portanto, uma situação
conjuntural e atípica.
268 Stein. The Brazilian Cotton Manufacture, p. 26. A fonte não especifica que estes trabalhadores
desempregados eram escravos. É muito improvável que um grande número de escravos fosse
usualmente empregado no cultivo de algodão, que era predominantemente uma cultura camponesa
(veja o capítulo 5). Entretanto isto pode ter se modificado durante a bolha causada pela cotton
famine, a exemplo do que aconteceu nas províncias nordestinas. A afirmação de que escravos foram
transferidos dos distritos algodoeiros em retração no norte de Minas para as zonas cafeeiras de São

158 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Há também evidencias de que, na segunda metade da década de 1860, escravos
mineiros estavam sendo contratados para trabalhar em plantações de café de São
Paulo. O Dr. J. McFaden Gaston, da Carolina do Sul, que visitou aquela província
em 1865 como scout para uma possível imigração de Confederados desenganados,
foi informado, por um importante fazendeiro, que turmas de escravos de Minas
podiam ser contratadas para a derrubada das matas e formação de novos cafezais.
Outro agricultor o informou que escravos mineiros eram alugados ao preço de 40
a 60 dólares por ano.269 Isto é confirmado pelo relatório de João Pedro Carvalho de
Moraes, em 1870, sobre a questão do trabalho na cafeicultura paulista, que informa
que alguns dos empreiteiros de formação de cafezais eram mineiros que tinham
migrado com seus escravos.270
Em sua monografia sobre o município cafeeiro paulista de Rio Claro, Warren
Dean localizou contratos “para o plantio de mais de um milhão de pés por emprei-
teiros que, juntos, introduziram 332 escravos no município”, entre 1864 e 1878.271
Não é claro, entretanto, que esses escravos eram originários de áreas não-cafeeiras
de Minas. A afirmação de Dean, de que eles foram trazidos de “regiões menos
favorecidas, como a área central de Minas Gerais”, é contrariada pela observação do
Dr. Gaston, segundo a qual, “esses negros tinham sido, até então, empregados em
fazendas de café que tinham deixado de ser lucrativas naquela região [Minas].”272
Outras evidências sugerem que, apesar desses depoimentos, Minas Gerais não
poderia ter sido uma exportadora líquida de escravos, mesmo modesta, nesse perí-
odo. Estimativas baseadas em dados sobre a população escrava de 27 municípios
mineiros (cerca de metade do total da província) em meados da década de 1850 e
no censo de 1872 mostram um saldo líquido altamente favorável à província (con-
trariamente à prática usual na literatura sobre comércio, estamos usando o termo
“favorável” para designar um excesso das importações sobre as exportações).
Esta é uma estimativa parcial, que reflete tanto o tráfico interprovincial como
também os fluxos intraprovinciais, entre os próprios municípios mineiros. É bem
provável, conforme sugerido por outras evidências discutidas abaixo, que o ganho
líquido total da província fosse menor do que a soma das importações líquidas

Paulo e da Zona da Mata encontra-se em Daniel de Carvalho. Notícia Histórica sobre o Algodão em
Minas. Rio de Janeiro: Typografia do Jornal do Comércio, 1916, p. 18.
269 Gaston. Hunting a Home, pp. 125, 193.
270 Moraes. Relatório apresentado ao Ministério da Agricultura, p. 69.
271 Dean. Rio Claro, pp. 35, 55. 205.
272 Dean. Rio Claro, p. 35; Gaston. Hunting a Home, p. 125.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


159
destes municípios. Em tese, é até mesmo concebível que os 25 municípios não
incluídos tivessem um saldo negativo grande bastante para superar as importações
dos 27 incluídos, tornando, portanto, a província em exportadora líquida de escra-
vos nessa época.
É muito pouco provável, no entanto, que esta inclusão pudesse transformar
Minas em uma grande exportadora. Dentre os municípios omitidos, alguns pou-
cos, como Abaeté, Desemboque, Rio Pardo e Grão Mogol eram distritos diaman-
tinos, que podem ter estado em crise durante o período. Por outro lado, alguns
deles, como Leopoldina, Muriaé, Juiz de Fora e Rio Preto, eram distritos cafeeiros
em franca expansão, e estavam certamente entre os maiores importadores. A maior
parte, como, por exemplo, aqueles localizados na Zona Sul, eram áreas agrícolas e
pecuárias diversificadas e prósperas, que podem ter perdido alguns, mas não um
grande número de cativos.273

Tabela 4.5 - Estimativas das importações de escravos


por 27 municípios mineiros, 1854 - 1873

Município Importações r* Município Importações r*


líquidas líquidas

Queluz 8.854 35,6 Lavras 3.968 19,7


Bonfim 1.859 8,0 Formiga -375 -14,6
Sabará 12.752 50,6 Tamanduá 3.598 26,2
S. José del Rei -954 -21,7 Pium-í 2.595 37,3
Mariana 7.633 20,0 Pitanguí -712 -14,8
Itabira 1.103 2,4 Patrocínio 9.507 64,7
Santa Bárbara 5.615 49,5 Januária -137 -15,4
Caeté -249 -14,0 M. Claros 2.766 33,1
S. João del Rei 2.903 19,2 Serro 3.096 8,6
M. de Espanha 13.021 39,4 Diamantina 36 -9,7
Ubá 7.476 26,0 Minas Novas 2.179 1,2
Pomba 2.714 12,7 Paracatu -3.983 -53,9
Cristina 1.759 12,8 Uberaba -912 -21,6
Aiuruoca -697 -14,3 Total 85.415
Nota: r = taxa de crescimento interno da população escrava, e r* = valor crítico de r.
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

273 A economia do Sul de Minas estava muito saudável nessa época. O principal produto de sua agricultura
comercial era o fumo, cujas exportações para outras províncias cresceram de 134.270 arrobas, em
1844-45 para 282.090 arrobas, em 1867-68, num salto de 210%. As exportações de queijos, outro
artigo importante da região, embora não exclusivo dela, cresceram, no mesmo período, de 395.202
para 545.401 unidades.

160 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Como já foi mencionado acima, o valor crítico da taxa de crescimento interno
(r*) é definido como o valor limite além do qual o saldo líquido do tráfico mudaria
de sinal (transformando o município de importador em exportador, ou vice-versa).
Assim, por exemplo, se o valor crítico para Queluz é r* = 35,6, isso significa que,
dados os plantéis inicial e final, este município teria sido um exportador líquido
de escravos no período se, e somente se, sua população escrava estivesse crescendo
internamente a uma taxa mais alta do que 35,6 por mil por ano.274
Os valores de r* podem, portanto, ser usados para avaliar a confiabilidade da
direção dos fluxos estimados do tráfico. Estes valores mostram que, mesmo man-
tendo reservas com relação aos números estimados, podemos ter bastante confiança
com respeito à separação dos municípios entre importadores ou exportadores de
escravos. Podemos admitir uma razoável margem de erro na taxa de crescimento
interno adotada na estimativa, ou uma ampla variação dessa taxa entre os muni-
cípios, sem que isso acarrete mudanças significativas nos sinais dos seus saldos
migratórios líquidos.
Assim, por exemplo, se a taxa real divergir da adotada (– 10 por mil por ano),
mas se situar em qualquer ponto do intervalo entre – 8 a – 12 por mil por ano (uma
variação de 20% para cada lado da taxa adotada), isso poderia provocar a rever-
são do sinal de, no máximo, um saldo líquido municipal. Da mesma forma, uma
variação da taxa real de 50% para cada lado da taxa adotada (entre – 5 e – 15 por
mil por ano) poderia inverter os sinais dos saldos líquidos de, no máximo, cinco
municípios. As estimativas sugerem que houve uma considerável movimentação de
escravos dentro das fronteiras provinciais, mas não indicam um padrão claramente
perceptível. Os três municípios cafeeiros incluídos (Mar de Espanha, Ubá e Pomba)
eram fortes importadores líquidos, mas outros dezesseis municípios localizados
fora da região de grande lavoura cafeeira, incluindo a maioria dos antigos distritos
mineradores incluídos na tabela também o eram.
Outro conjunto importante de dados são as estatísticas de província de nas-
cimento versus local de residência (paróquia), registradas pelo censo de 1872. A
primeira surpresa desses dados é o pequeno número de escravos africanos recen-
seados em Minas. À primeira vista, dadas as maciças importações de africa-
nos feitas pela província antes de 1851, este número – apenas 27.946 indivíduos
– sugeriria que Minas estaria exportando africanos durante o terceiro quartel do
século. Entretanto, há fortes motivos para suspeitar desses dados. Como o tráfico

274 O valor de r* é obtido fazendo T = 0 na equação Pt = Po (1+r) t + T (1+r) t/2, e resolvendo para r.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


161
internacional se tornara ilegal desde 1831, a grande maioria dos escravos africanos
existentes na época do censo tinha entrado no país ilegalmente, como contrabando
e era, portanto, livre.
Somente mais tarde os abolicionistas adotaram a tática de levar esses casos aos
tribunais, mas o problema dos “africanos livres” e das importações ilegais já era uma
questão importante e motivo de sérios confrontos entre o Brasil e a Inglaterra há
várias décadas.275 Os senhores de escravos, e o próprio governo brasileiro tinham,
portanto, motivos de sobra para esconder a origem africana de seus cativos, e apa-
rentemente o fizeram em larga escala nas respostas ao recenseamento. Muito tem
sido dito na historiografia sobre a falsificação das idades dos africanos, para escon-
der sua importação ilegal, mas não se deu nenhuma atenção, até agora, a este outro
tipo de fraude. A conclusão sobre sua ampla ocorrência parece inevitável.
A comparação do número de africanos importados entre 1819 e 1851, com o
número de africanos sobreviventes recenseados em 1872, indica que a taxa bruta de
mortalidade dos africanos no Brasil estaria entre 60 e 70 por mil por ano, durante o
período de 1818 a 1872. Essa taxa seria o triplo daquela estimada por Slenes para o
conjunto da população escrava durante a década de 1870, e duas vezes mais alta que
a taxa de mortalidade de escravos africanos na Jamaica, registrada por Higman.
Esta taxa anormalmente alta corrobora a hipótese de uma grande sub-enumeração
dos escravos africanos no censo do Império.276

275 As palavras do futuro primeiro ministro, Gladstone, em 1850, definem bem a atitude e o humor do
governo britânico com relação ao assunto: “Temos um tratado com o Brasil, que foi quebrado por
ele todos os dias, nos últimos vinte anos. Tentamos garantir o direito dos emancipados; conseguimos
fazer com que os brasileiros declarassem ser crime a importação de escravos no Brasil. Este tratado
foi repetidamente violado e temos pleno direito de exigir seu cumprimento e, se temos o direito de
exigí-lo, temos o direito de fazê-lo na ponta da espada, em caso de recusa. Temos agora pleno direito
de ir até o Brasil e exigir a emancipação de todos os escravos importados desde 1830 e, diante de
uma recusa, guerrear contra ele até o extermínio”. William Ewart Gladstone, citado por W. D. Christie.
Notes on Brazilian Questions. London and Cambridge: Macmillan and Co., 1865, pp. 81-82. Gladstone
se refere, é claro, à convenção anglo-brasileira de 1826, que proibia o tráfico de africanos a partir de
1830. A palavra emancipados está em português no original.
276 Sobre a falsificação das idades dos escravos africanos, veja, por exemplo, Conrad. The Destruction,
pp. 215-16. Para estimar a taxa de mortalidade dos africanos, usamos a equação apresentada no item
2 do apêndice B, com Po e Pt significando, neste caso, as populações inicial e final de escravos nascidos
na África. O número de africanos sobreviventes em 1872 é dado pelo censo (138. 560). Para gerar o
limite inferior da taxa, supusemos que não havia nenhum escravo africano em 1819: isto produz uma
taxa bruta de mortalidade (desprezando as manumissões) de 62 por mil por ano. Assumindo que os
africanos constituíssem 20% da população escrava de 1819, a taxa de mortalidade estimada sobe para
66 por mil por ano. É claro que quanto maior for a população africana inicial (mantendo constante o
número de sobreviventes, ou população africana final) mais alta será a taxa de mortalidade resultante.
Robert Slenes concluiu que as taxas de mortalidade entre os escravos no Brasil foram provavelmente

162 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Os dados sobre a província de residência dos escravos nascidos no Brasil reve-
lam que apenas 11.563 (3,3%) dos escravos nascidos em Minas residiam em outras
províncias. Na mesma data havia 8.578 cativos nascidos em outras províncias
vivendo em Minas Gerais (2,3% dos escravos residentes em Minas). Esses números
sugerem que a província pode ter tido um saldo ligeiramente desfavorável no trá-
fico com seus vizinhos nos anos anteriores ao censo.277

Tabela 4.6 - Local de residência dos escravos nascidos em Minas


e local de nascimento dos escravos residentes em Minas, 1872
Províncias Província de Porcentagem Porcentagem Província de Porcentagem
residência dos dos escravos dos escravos nascimento dos escravos
nascidos em nascidos em da província dos residentes residentes em
Minas Minas de residência em Minas Minas
São Paulo 4.018 1,16 2,56 1.309 0,35
Rio de Janeiro 3.704 1,07 1,26 3.757 1,01
Goiás 1.311 0,38 12,31 185 0,05
Espírito Santo 756 0,22 3,33 97 0,03
Município Neutro 728 0,21 1,48 (**) (**)
Bahia 542 0,16 0,32 2.094 0,57
Pernambuco 7 (*) (*) 667 0,18
Outras exceto Minas 497 0,14 0,14 469 0,13
Minas Gerais 333.853 96,65 90,14 333.853 90,14

Nascidos em Minas 345.416 100,00 333.853 90,14

Nascidos no Brasil 342.431 92,45

Nascidos na África 27.946 7,55

Residentes em Minas 370.377 100,00


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

mais altas no início do século XIX do que mais tarde no mesmo século, mas não dramaticamente. Mesmo
considerando que, pelas razões já mencionadas, a taxa de mortalidade africana era certamente mais
alta do que a dos crioulos, as taxas implícitas calculadas acima são exageradamente altas, indicando
erro ou fraude no número de africanos registrado pelo censo. Slenes. The Demography, pp. 354-63; e
Higman. Slave Population, p. 109.
277 A fonte desses números são as tabelas paroquiais de Minas Gerais. Os dados sobre o local de
nascimento do censo devem ser usados com cuidado. As tabelas provinciais contêm enormes erros. A
tabela “Província de Minas Gerais. População em relação à Nacionalidade Brasileira”, na parte 9, vol.
2, p. 1.084, por exemplo, registra somente 793 escravos nascidos em outras províncias e vivendo em
Minas Gerais.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


163
O padrão do tráfico indicado pelos dados de residência/nascimento é bem dife-
rente daquele sugerido na historiografia. Em primeiro lugar, estes números contes-
tam a ideia, transmitida por alguns relatos da segunda metade do século, de que
Minas Gerais era uma grande fornecedora de trabalhadores para o setor cafeeiro
do Rio de Janeiro. Na verdade, segundo o recenseamento, havia mais escravos flu-
minenses residindo em Minas (3.757), do que escravos mineiros morando na pro-
víncia do Rio de Janeiro (3.704).278
A esmagadora maioria dos escravos mineiros vivendo fora de Minas (96,9% do
total) estava localizada em províncias lindeiras, em muitos casos em municípios
situados junto da divisa. Nenhuma província detinha uma porcentagem superior
a 1,2 porcento do total dos escravos nascidos em Minas e, em nenhum caso, com
exceção de Goiás, onde os escravos nascidos em Minas representavam 12,3 por-
cento da população cativa, as transferências de cativos mineiros significaram mais
que um impacto trivial sobre a população escrava da província receptora.
Os dados sobre o local de nascimento sugerem que, longe de ser um fluxo forte
e unidirecional em direção a áreas cafeeiras, o que estava de fato ocorrendo era um
border trade sem um padrão definido.279
Estes dados também revelam que uma parte considerável das transferências
interprovinciais de escravos mineiros estava associada a migrações de mineiros
livres, pequenos proprietários de escravos. Em São Paulo, pelo menos 36% dos
escravos mineiros não estavam nas áreas da grande lavoura cafeeira. Dos quinze
municípios paulistas com maior número de escravos nascidos em Minas, sete esta-
vam situados além da fronteira cafeeira da época, e em alguns outros o cultivo do
café era incipiente. A área de maior concentração – a zona da Mogiana, adjacente à
divisa sudoeste de Minas Gerais – estava apenas começando a ser colonizada, e era
um dos destinos favoritos dos migrantes mineiros. A colonização desta região foi
feita quase exclusivamente por mineiros – fazendeiros e criadores, não cafeiculto-
res – que ocupavam terras virgens além da fronteira do café, se estabeleciam como
posseiros e viviam da agricultura de subsistência e da criação de gado.

278 A maioria dos escravos mineiros no Rio de Janeiro (2.992 de 3.704) estava em áreas cafeeiras, e o
mesmo ocorria com os escravos fluminenses residentes em Minas (2.182 de 3.757).
279 Robert Slenes apresenta uma visão semelhante, embora menos incisiva, concluindo que “está claro
que nenhuma redistribuição maciça da população escrava ocorreu no Centro-Sul durante as décadas
de 50 e 60”. Não podemos, entretanto, compartilhar de sua afirmação de que “a grande maioria dos
escravos mineiros em 1872 eram residentes de seu município de origem”. O censo registrou apenas a
província de nascimento dos escravos, e não o município. Ver Slenes. The Demography, pp. 142-43. Os
itálicos são meus.

164 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
A maioria dos municípios com números relativamente altos de escravos minei-
ros – como São João da Boa Vista, Mococa, Batatais, Mogi-mirim, Franca e Caconde
se localizava nesta região. Os primeiros povoadores de todos estes lugares tinham
sido mineiros e todos eram áreas de forte imigração mineira. Outros locais com
grandes contingentes de escravos de Minas, como Rio Verde, Botucatu e Sorocaba
(na região da Sorocabana) ou São Carlos do Pinhal (na região da Paulista) eram
também áreas de colonização mineira. Outros ainda, como Itatiba, Taubaté, Belém
do Descalvado e Brotas, não eram fruto de colonização mineira, mas eram focos
de imigração relativamente intensa de mineiros livres. Somente em Campinas (347
escravos mineiros) e Limeira (113 escravos mineiros) encontramos contingentes
relativamente grandes de escravos mineiros não associados a uma grande popula-
ção de mineiros livres.280 No conjunto da província de São Paulo, a correlação, por
regiões, entre a presença de escravos mineiros e a de mineiros livres era bastante
alta (r = 0,72), sendo ainda maior (r = 0,84), por municípios, na zona da Mogiana.
Por outro lado, estudos sobre a região cafeeira paulista mostram que, nesse
período, o recrutamento de mão de obra para o café foi feito principalmente em
fontes intraprovinciais, especialmente através da transferência de escravos das
áreas urbanas para as rurais, e da pequena lavoura para a grande lavoura.281 Warren
Dean verificou que, em Rio Claro, “até bem tarde na década de 1860, o suprimento
de escravos continuou vindo de municípios próximos.”282 As importações interpro-
vinciais nesse período foram de importância secundária no recrutamento de mão
de obra para a cafeicultura paulista, e em particular, aquelas originárias de Minas
Gerais, foram totalmente insignificantes. Em Campinas, que nessa época era o cen-
tro da região cafeeira paulista e o mercado de escravos mais ativo da província, uma

280 As maiores concentrações de escravos mineiros estavam em São João da Boa Vista (onde os mineiros
representavam 27,8% da população escrava), Rio Verde (23,4%) e Mococa (16,0%). Nestes municípios,
os mineiros livres eram 26,8%, 21,1% e 26,8% da população livre, respectivamente. Nos casos de
Campinas e Limeira, os escravos de Minas eram parcelas sem importância da população escrava total
dos municípios (2,5% e 3,7%, respectivamente). A fonte desses dados é o censo de 1872. Sobre a
colonização de pioneiros mineiros em São Paulo, veja Pierre Monbeig. Pionniers et Planteurs de São
Paulo. Paris: Librairie Armand Colin, 1952, pp. 116-20; e Leite. Paulistas e Mineiros, Plantadores de
Cidades, 2ª. parte, O Grande Refluxo, pp. 165-257.
281 Veja Samuel H. Lowrie. O Elemento Negro na População de São Paulo. Revista do Arquivo Municipal
48. São Paulo (junho de 1938), pp. 13-15. Sebastião Ferreira Soares, importante economista contem-
porâneo, argumentou que a realocação de mão de obra escrava da pequena lavoura para as planta-
ções de café no Rio de Janeiro e São Paulo, no período imediatamente posterior ao fim do tráfico afri-
cano, foi a principal causa da forte inflação nos preços dos alimentos observada no período. Ferreira
Soares. Notas Estatísticas, p. 137.
282 Dean. Rio Claro, p. 54.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


165
amostra de cinco grandes fazendas (com uma média de 108 escravos por fazenda)
em 1872-73 revela que, dos 523 escravos cuja origem era conhecida, 19,9% tinham
vindo da África, 47,0% da própria província de São Paulo, 31,7% de outras provín-
cias brasileiras, e somente 1,3% de Minas Gerais.283
Em outras províncias também se observa uma robusta associação entre a pre-
sença de escravos mineiros e de mineiros livres. Goiás foi outra região de forte
imigração mineira durante todo o século, e em 1872 quase 8,0% de sua popula-
ção livre era nativa de Minas Gerais. O coeficiente de correlação (por municí-
pios) entre mineiros livres e escravos mineiros é igual a 0,80.284 No Espírito Santo,
96,3% dos escravos mineiros estavam concentrados em apenas dois municípios
do sul da província, Cachoeiro do Itapemirim e Itapemirim, os quais também
detinham 77,3% dos mineiros livres nela residentes. Esta região era uma área
cafeeira incipiente, mas em rápido crescimento, e a presença relativamente forte
de mineiros sugere que a expansão de café no Espírito Santo tem relação com
esses fluxos migratórios. No conjunto da província, o coeficiente de correlação
(por municípios) entre mineiros escravos e livres é igual a 0,98.285 O Mato Grosso
não era uma região de imigração mineira muito significativa, mas ali também a
localização dos poucos escravos de origem mineira era fortemente associada à
dos mineiros livres (r = 0,93).
O envolvimento da província como importadora no tráfico interprovincial de
longa distância também era pequeno: 86,8% dos escravos naturais de outras pro-
víncias e residentes em Minas tinham origem em províncias limítrofes. Somente
12,3% vinham do Nordeste (excluindo a Bahia), e menos de 1,0% vinham das três
províncias do Sul.
Como se poderia esperar, a Zona da Mata era, de longe, a mais ativa região
importadora mineira, tanto no tráfico de fronteira como no de longa distância. Ela
detinha, em 1873, 49% de todos os escravos nascidos em outras províncias, seguida
pela região Sul com 19,7%, e pela Metalúrgica-Mantiqueira, com 11,5%. A parte
da Mata que continha a região cafeeira mineira continha 42,8% dos escravos não

283 Slenes. The Demography, pp. 113-34.


284 Viajantes do início do século XIX que visitaram Goiás mencionam a migração de mineiros para aquela
província. Pohl, por exemplo, descreve uma povoação de 100 agricultores mineiros na região de Santa
Cruz, no final da década de 1810. Pohl. Viagem, p. 238.
285 O principal porto da região, o porto de Itapemirim exportou 2.081 toneladas de café (46,2% do total
provincial) em 1873; 3.296 toneladas (31,6% do total) em 1883-84, e 5.648 toneladas (30,6% do total)
em 1884-85. Durante esse período, foi o maior porto de café do Espírito Santo. Taunay. História do
Café, vol. 6, pp. 300, 308-09.

166 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
nascidos em Minas e, consequentemente, a maior parte dos escravos de fora da
província (57,2%) residia em áreas não-cafeeiras.

Tabela 4.7- Local de nascimento dos escravos residentes em Minas Gerais em 1873,
por região de residência
 Região de residência Local de nascimento Porcentagem de nascidos em

Outras África Minas Todos Outras África Minas


províncias Gerais províncias Gerais

Metalúrgica-Mantiqueira 985 6.755 86.393 94.133 1,0 7,2 91,8


Mata 4.205 8.256 82.641 95.102 4,4 8,7 86,9
Sul 1.691 6.268 71.938 79.897 2,1 7,8 90,0
Oeste 702 2.382 30.627 33.711 2,1 7,1 90,9
Alto Paranaíba 227 906 17.360 18.493 1,2 4,9 93,9
Triângulo 0 413 7.553 7.966 0,0 5,2 94,8
São Francisco-M. Claros 55 580 6.872 7.507 0,7 7,7 91,5
Paracatu 228 196 2.215 2.639 8,6 7,4 83,9
Jequit.-Mucuri-Doce 485 2.190 28.254 30.929 1,6 7,1 91,4

Minas Gerais 8.578 27.946 333.853 370.377 2,3 7,5 90,1


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

8 7
9

6 5
4 1

2
3

Regiões: 1. Metalúrgica-Mantiqueira; 2. Mata; 3. Sul; 4. Oeste; 5. Alto Paranaíba;


6. Triângulo; 7. São Francisco-Montes Claros; 8. Paracatu; 9. Jequitinhonha-Mucuri-Doce.
Veja no Apêndice B a lista dos municípios incluidos em cada região.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


167
Os dados também sugerem que a Zona da Mata (e sua área cafeeira, em parti-
cular), podem ter importado mais africanos do que as outras regiões, individual-
mente, nos últimos anos do tráfico atlântico, pois ela também lidera a província na
quantidade de escravos nascidos na África. No entanto, isto é apenas uma conjec-
tura, já que esses africanos poderiam ter sido adquiridos em qualquer época ante-
rior ao censo, em outras províncias ou em outras regiões de Minas.

Tabela 4.8 - Brasil: Características de sexo e idade da população escrava,


por províncias ou regiões, 1872
Província de Homens de Escravos de Razão de Razão de Razão de
residência dos 11 a 40 anos 11 a 40 anos masculinidade masculinidade masculinidade
escravos como % dos como % dos dos escravos de dos escravos dos escravos
homens escravos 11 a 40 anos africanos totais
Minas Gerais 60,3 60,6 1,15 1,54 1,16
São Paulo 58,2 58,1 1,30 1,82 1,30
Rio de Janeiro 51,1 51,3 1,24 1,71 1,25
Norte e Nordeste 54,8 55,7 1,03 1,31 1,06
Demais províncias 51,2 53,8 0,98 1,76 1,09

Brasil 55,4 56,1 1,12 1,61 1,14


Nota: Razão de masculinidade = número de escravos dividido pelo número de escravas.
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Devido à natureza seletiva do tráfico interprovincial que, assim como o tráfico


atlântico, envolvia mais homens do que mulheres, e mais indivíduos em idades pro-
dutivas do que em outras faixas, os dados sobre sexo e idade registrados pelo censo
fornecem indicações valiosas. No caso de províncias exportadoras de escravos, as
distorções causadas pelas perdas de cativos devem se revelar através de uma razão
de masculinidade mais baixa do que nas províncias importadoras, principalmente
na faixa etária mais produtiva e mais suscetível ao tráfico, e uma relativa escassez
de escravos dos dois sexos nessa faixa etária, especialmente entre os homens. A
maior incidência de alforrias entre as mulheres, que ocorria em todos os lugares,
não afetaria esses resultados, pois não há evidências de variações significativas nas
taxas de manumissão entre as províncias, até a década de 1870.286

286 Só nas décadas de 70 e 80, quando a erosão da escravidão se acelerou nas províncias do Norte e do
Sul, é que surgiram largas discrepâncias entre as taxas provinciais de alforria. No Nordeste, além das
razões já mencionadas, o processo foi fortemente estimulado pela longa seca de 1877-1880. Parece
haver consenso entre os autores recentes sobre a predominância das manumissões de mulheres. As
explicações oferecidas variam de ligações afetivas entre senhores e escravas, pretensas vantagens das

168 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Os dados do censo confirmam as conjecturas feitas acima. As diferenças entre
as províncias não são muito grandes, mas são perfeitamente consistentes com o que
sabemos sobre o tráfico interprovincial desse período. A porcentagem de escra-
vos na faixa etária mais produtiva (11 a 40 anos), tanto dos homens quanto do
total, é nitidamente maior nas províncias de Minas Gerais e de São Paulo, e em
ambas está acima da média nacional. Nas províncias do Norte e do Nordeste e nas
demais (incluindo o Município Neutro) essas porcentagens são menores e estão
abaixo da média nacional. No caso do Rio de Janeiro, outro grande importador,
a parcela do grupo de 11-40 anos é surpreendentemente baixa. A falsificação das
idades dos africanos pode ser a resposta: Todos os africanos importados entre 1831
e 1851 (a grande maioria dos quais teria menos de 40 anos em 1872) eram ilegais,
e um número ignorado, mas presumivelmente grande, deles teria sido declarado
ao recenseador como tendo mais de quarenta anos. Essa fraude foi praticada em
todos os lugares, mas no Rio de Janeiro, que possuía, de longe, o maior contingente
africano, ela certamente distorceu a distribuição etária mais do que nas outras
províncias.
As razões de masculinidade nas províncias do Norte e Nordeste, e nas demais,
são muito mais baixas que as de Minas, São Paulo e Rio de Janeiro, indicando que,
de fato, aquelas províncias estavam exportando cativos para o Sudeste nos anos
anteriores ao censo. A razão de masculinidade dos escravos africanos ainda reflete,
pelo menos em parte, a época do tráfico internacional, confirmando a grande dis-
paridade entre os sexos que se verificava naquele tráfico.
À luz dessa análise é, mais uma vez, muito difícil acreditar que Minas tenha
sido um exportador líquido de escravos, e muito menos um grande exportador.
Possuía as mais altas porcentagens de escravos de ambos os sexos na faixa etária
mais produtiva, e todos os outros indicadores estavam acima das médias do país,
com exceção da razão de masculinidade dos escravos nascidos na África.287

mulheres para a compra de sua liberdade, principalmente nas áreas urbanas, até o seu menor valor
de mercado. Além de outras evidências discutidas pelos autores mencionados abaixo, deve-se notar
que os dados populacionais mostram uma consistente preponderância de mulheres sobre homens
na população livre de cor, durante todo o período da escravidão. Veja: Slenes. The Demography, pp.
484-550; Klein. The Internal Slave Trade, p. 116; Karasch. Slave Life, pp. 490-528, e Stuart B. Schwartz.
The Manumission of Slaves in Colonial Brazil, Bahia 1648-1745. Hispanic American Historical Review
54 (4) (Novembro de 1974). No local indicado acima, Klein faz referência a outros estudos locais que
chegaram à mesma conclusão.
287 A razão de masculinidade dos escravos africanos em Minas era apenas ligeiramente inferior à média
nacional, diferentemente de algumas províncias nordestinas (como Ceará e Sergipe) onde as mulheres
africanas escravas excediam os escravos africanos homens em números absolutos, deixando pouca
dúvida quanto à sua exportação. A possibilidade de pequenas exportações de africanos não pode ser

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


169
Tabela 4.9 - Minas Gerais: Características da população escrava, por regiões, 1873
Regiões Homens Escravos RM dos RM dos RM dos RM da
11 a 40 11 a 40 escravos escravos escravos população
como % como % nascidos nascidos nascidos escrava
dos dos em em outras na África total
homens escravos Minas províncias

Metal.- Mantiqueira 60,4 60,5 1,10 1,60 1,63 1,13


Mata 59,6 59,9 1,18 1,29 1,47 1,21
Sul 62,3 62,4 1,12 1,28 1,58 1,15
Oeste 64,3 63,1 1,08 1,23 1,75 1,12
Alto Paranaíba 56,4 58,0 1,19 1,04 1,50 1,20
Triângulo 47,1 49,5 1,14 * 1,27 1,15
S. Francisco-M. Claros 57,2 57,7 1,11 1,04 1,26 1,11
Paracatu 60,4 63,0 0,92 2,40 2,38 1,06
Jequit.-Mucuri-Doce 59,5 60,5 1,17 1,01 1,28 1,18

Minas Gerais 60,3 60,6 1,14 1,31 1,54 1,16


RM = Razão de masculinidade
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

O mesmo raciocínio pode ser usado para detectar movimentos de escravos


dentro de Minas Gerais. Os dados sugerem fortemente que não ocorreram grandes
realocações nos anos anteriores ao censo. A Zona da Mata apresenta característi-
cas evidentes de uma região importadora. Ela tinha mais escravos africanos, mais
escravos nascidos em outras províncias e um contingente total maior que as outras
regiões, além da mais alta razão de masculinidade total. Mas fica claro que ela não
estava drenando os escravos do resto da província. Outras regiões se equiparavam
a ela, seja com respeito ao tamanho da população cativa, seja nos indicadores da
qualidade – distribuição etária e razão de masculinidade – dessa população como
força de trabalho. A nata da mão de obra escrava, isto é, os jovens adultos do sexo
masculino, estava bem distribuída entre as regiões e, na verdade, várias das áreas
não plantacionistas estavam em uma posição melhor do que a região de plantation,
no tocante à estrutura de idade e sexo da população escrava.
Finalmente, o censo registrou quantos escravos estavam ausentes de suas paró-
quias de residência (o domicílio de seus senhores). Essa informação pode ser usada

descartada, contudo, principalmente em vista da alta razão de masculinidade dos africanos em São
Paulo.

170 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
para estimar um limite máximo do número de escravos alugados ou contratados
para trabalhar nas plantações de café de outras províncias. Em toda a província
de Minas, os escravos ausentes eram apenas 2.886, dos quais 1.776 eram homens e
1.110 eram mulheres. Dada a natureza das tarefas envolvidas na abertura de novos
cafezais, principalmente o pesado trabalho da derrubada de matas virgens, é muito
pouco provável que as mulheres fossem empregadas em quantidade significativa
nessas tarefas.
Entre os escravos homens ausentes, 87,3%, ou 1.551 indivíduos, tinham ida-
des entre 15 a 50 anos, a faixa etária compatível com esse tipo de trabalho. Esse
contigente constituia cerca de 0,4% da população escrava mineira da época e pode
ser considerado o número potencial máximo de escravos contratados para o setor
cafeeiro fora de Minas.
O número real era certamente bem menor, por diversos motivos. Em primeiro
lugar, estes escravos estavam fora de suas paróquias de residência, mas não neces-
sariamente do seu município ou da província. Era uma prática comum dos pro-
prietários alugar ou emprestar, escravos para parentes ou amigos nas vizinhanças,
mas há indicações de que muitos senhores eram relutantes em alugá-los para luga-
res distantes. Além disso, é provável que muitos dos escravos que estavam fora de
suas paróquias não tivessem nada a ver com o café. O governo e os empreiteiros
de obras públicas normalmente usavam escravos alugados para uma variedade de
trabalhos, principalmente para a construção e manutenção de estradas. No final da
década de 1860 e no início da década de 1870, escravos foram largamente empre-
gados na construção das primeiras ferrovias de Minas. As companhias inglesas de
mineração, impedidas desde 1843, pelo Brougham Act, de comprar escravos, eram
também grandes usuárias de mão de obra servil alugada.288
E, é claro, os escravos poderiam estar fora de suas paróquias de residência por
outros motivos além dos mencionados acima: eles poderiam estar acompanhando
seus donos em alguma viagem, ou trabalhando em tropas. Em vista de tudo isso,
está claro que apenas uma fração insignificante de escravos mineiros poderia ter
sido contratada para trabalhar em plantações paulistas de café nesse período.

288 Sobre o trabalho de escravos na construção de estradas em Minas, e a relutância de seus senhores
em alugá-los para trabalhar em distritos distantes, veja Falla... pres. Bernardo Jacinto da Veiga, 1839,
p. 37 e Falla...pres. Bernardo Jacinto da Veiga, 1840, p. 14. Sobre escravos trabalhando na construção
da ferrovia D. Pedro II, veja John Codman. Ten Months in Brazil, p. 76. Já mencionamos acima que
o discurso de Lord Brougham na Câmara dos Lordes, em 2 de agosto de 1842, deixa claro que as
companhias inglesas que operavam em Minas Gerais eram um dos alvos explícitos da medida proposta.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


171
A DÉCADA DE 1870
A década de 1870 assistiu a uma intensificação do tráfico interprovincial, na
qual o Sudeste absorveu escravos do Nordeste e do Sul a uma taxa mais rápida do
que em qualquer outro período.
Os contrastes econômicos regionais esboçados na seção anterior foram aguda-
mente acentuados. Na primeira metade da década, o preço do café atingiu níveis
inéditos, e os produtores responderam com um surto de plantio, em todas as partes
da região cafeeira. Quando as novas plantações alcançaram a maturidade, no iní-
cio da década de 1880, o nível de produção tinha quase quadruplicado no Oeste
Paulista, e mais do que dobrado em Minas Gerais, com relação à primeira metade
dos anos 70. Até mesmo no Vale do Paraíba, o crescimento foi notável: a produção
aumentou em 23% no Rio de Janeiro e em 35% na seção paulista do Vale.289
No Nordeste a transição para o trabalho livre continuou, e foi acelerada pela
grande seca de 1877-79. O frágil equilíbrio entre a população e os recursos naturais
no sertão semiárido foi dramaticamente rompido, forçando centenas de milhares
de sertanejos a buscar sua sobrevivência nas áreas litorâneas. A seca estimulou
a liberação da mão de obra escrava para o Centro-Sul de duas maneiras: por um
lado aniquilou temporariamente a economia do sertão tornando impossível a
retenção de quaisquer escravos que ainda tivesse; e por outro, aumentou forte-
mente a oferta de mão de obra assalariada nas regiões açucareiras do litoral.290
A década de 1870 também assistiu ao fim do surto algodoeiro deflagrado pela
Guerra Civil Americana. A desorganização da produção nos estados do Sul e o
bloqueio dos portos confederados pela União gerou uma cotton famine na indústria
têxtil inglesa, favorecendo outros produtores, como o Brasil e o Egito. As expor-
tações brasileiras, que se originavam em grande parte no Nordeste, tinham quin-
tuplicado, entre 1860 e 1870, e sua fatia do mercado britânico tinha crescido de
menos de 3%, em 1860, para quase 20% em 1872. Em tempos normais, o algodão
era principalmente uma cultura camponesa do sertão, mas no período do boom
algumas plantations de açúcar foram convertidas parcialmente para o algodão, alo-
cando terras e escravos para sua produção. Com a recuperação da oferta norte-a-
mericana, as exportações brasileiras mergulharam do pico de 717 mil fardos (bales)
em 1872 para apenas 77 mil em 1879. As exportações de Pernambuco e Ceará, que

289 Veja o capítulo 3, especialmente a tabela 3.2.


290 Ver referências na nota 258, acima, principalmente Cunniff. The Great Drought, que documenta bem
a migração do sertão para o litoral e mostra o impacto que isso teve na oferta de trabalho e no nível
dos salários nos distritos açucareiros.

172 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
tinham atingido 31 mil toneladas em 1871-72 foram reduzidas a 2,6 mil toneladas
em 1878-79.291
A região Sul também tinha seus problemas. Lá, a escravidão estava concen-
trada no Rio Grande do Sul e a maior parte de sua mão de obra servil estava
empregada na indústria do charque. Apoiada por um extenso setor pecuário, e
estimulada pela crescente demanda da região cafeeira (o charque era um item
básico na dieta dos escravos das plantations), a indústria expandiu-se rapida-
mente no terceiro quartel do século, mas por volta do fim da década de 1870
viu-se envolvida em uma grave crise. Economicamente, ela não conseguia com-
petir com os saladeros do Rio da Prata, e politicamente era incapaz de obter pro-
teção tarifária de um governo imperial dominado pelos barões do café. As char-
queadas entraram em rápido declínio, do qual nunca mais se recuperariam.292
O resultado disso tudo foi a intensificação do fluxo de escravos para o Sudeste.
Uma estimativa recente de Robert Slenes situa as importações médias dessa região
em mais de 11 mil por ano, de 1873 a 1881, mais que o dobro da média anual veri-
ficada entre 1850 e 1872. Slenes também demontrou que os cativos continuaram
chegando do Nordeste em números crescentes, e o impacto da Grande Seca foi
claramente detectado por ele no mercado escravo de Campinas, na forma de um
aumento imediato nas vendas de escravos originários das províncias afetadas pela
estiagem. O tráfico por via terrestre da região Sul para as províncias cafeeiras tam-
bém ganhou nova importância na década de 1870.293
As avaliações sobre o papel desempenhado por Minas no tráfico interno nesse
período variam largamente: alguns autores apresentam a província como um grande

291 Gavin Wright. Cotton Competition and the Post-Bellum Recovery of the American South. Journal of
Economic History 34 (3) (Set. 1974), p. 611; Cunniff. The Great Drought, p. 81. Ver também Eisenberg.
The Sugar Industry; Andrade A Terra e o Homem; Stein. The Brazilian Cotton Manufacture, pp. 45-
46; John Casper Branner. Cotton in the Empire of Brazil. The antiquity, methods and the extent of its
cultivation, together with statistics of exportation and home consumption. Department of Agriculture.
Miscellaneous. Special Report nº. 8. Washington: Government Printing Office, 1885, p. 48, e John
Casper Branner. The Cotton Industry in Brazil. Popular Science Monthly, vol. 40 (1891), pp. 666-674.
Além do Nordeste, a cotton famine da Inglaterra também gerou booms de produção de algodão em
São Paulo e em Minas Gerais. O surto paulista foi estudado por Alice Piffer Canabrava em sua tese de
cátedra na USP em 1951, publicada como O Desenvolvimento da Cultura do Algodão na Província de
São Paulo, 1861-1875. São Paulo: Martins, 1951. O caso mineiro é analisado brevemente no capítulo
5, adiante. Bales são a unidade usada nos Estados Unidos para medir quantidades de algodão, desde
os tempos coloniais até hoje. 1 bale = 250 pounds = 113,4 quilos = 7,72 arrobas.
292 Sobre a ascensão e queda da indústria de charque e da escravidão no Rio Grande do Sul, veja Fernando
Henrique Cardoso. Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional: O Negro na Sociedade Escravocrata
do Rio Grande do Sul. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962.
293 Slenes. The Demography, pp. 124, 136-38, 188-90, 196.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


173
exportador, enquanto outros, historiadores e contemporâneos, tendem a enfati-
zar suas importações de escravos. Emilia Viotti da Costa argumenta que depois
que a Assembleia Provincial de São Paulo suprimiu o imposto sobre a importação
de escravos, em 1873, o influxo de cativos do Nordeste, da Bahia, do Rio Grande
do Sul e de Minas para plantações de café tornou-se grande. Herbert Klein sus-
tenta que a província “perdeu escravos através da emigração” nos anos 1872-1876.
Warren Dean encontrou evidências de vendas de escravos mineiros em Rio Claro,
e informa que uma empresa de Minas Gerais era um das mais importantes nego-
ciantes de escravos no município durante a década de 1870.294
A maioria dos observadores contemporâneos, entretanto, afirma que Minas
Gerais importava um grande número de escravos nessa época. Robert Conrad cita
Prudente de Morais, deputado por São Paulo e futuro Presidente da República,
dizendo à Câmara dos Deputados, em 1885, que “metade, ou mais da metade,” dos
escravos de Minas Gerais e de São Paulo tinham sido comprados do norte desde
1871. “Na mesma ocasião”, relata Conrad, “outro futuro presidente, Campos Sales,
concordou que ‘certamente mais da metade’ tinha sido importada das províncias
do norte.”295
O engenheiro Theodoro Sampaio, em seu levantamento do rio São Francisco,
relatou, em 1879, que grandes comboios de escravos eram enviados rio abaixo,
da Bahia para Minas Gerais, vendidos para as zonas cafeeiras. O correspondente
internacional e representante dos interesses cafeeiros de Ceilão, A. Scott Blacklaw
escreveu, no início da década de 80, que “durante os últimos oito anos houve uma
migração geral da população escrava do norte para as três províncias cafeeiras, Rio
de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.”296
O influxo durante a década de 1870 foi grande bastante para fazer com que a
Assembleia Provincial aprovasse, em 1880, uma taxa de dois contos de réis sobre
cada escravo trazido para Minas, o que tornava essas importações praticamente
inviáveis. Dois relatórios presidenciais mineiros de 1881 informam que a medida

294 Viotti da Costa. Da Senzala à Colonia, p. 132; Klein. The Internal Slave Trade, p. 98; Dean Rio Claro,
pp. 56-57. O imposto que foi suprimido em São Paulo havia sido criado em 1871 e taxava em 200
milréis cada escravo que entrasse na província.
295 Conrad. The Destruction, p. 131.
296 Theodoro Sampaio. O Rio São Francisco e a Chapada Diamantina. Bahia: Editora Cruzeiro, 1938, p.
105. Este relato é mencionado por John Wirth. Minas Gerais, p. 20, como evidência de exportações de
cativos do norte de Minas para a zona cafeeira. Ele está equivocado: Sampaio, que subia o rio, da Bahia
para Minas, estava se referindo a Carinhanha, uma localidade baiana, perto da fronteira mineira. A.
Scott Blacklaw. Slavery in Brazil. South American Journal and Brazil and River Plate Mail (6 de julho,
1882), p. 9.

174 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
tinha enfrentado forte oposição nos círculos traficantes do Rio, e indicam que antes
de sua entrada em vigor, pelo menos a Zona da Mata tinha sido uma grande impor-
tadora. O presidente José Francisco Neto não deixa dúvida de que a província era
importadora, alertando para o fato de que “se a execução fosse retardada, a estatís-
tica da população escrava, que no fim de 1876 era de 289.919, ascenderia a propor-
ções incalculáveis; a lavoura no futuro sofreria as consequências de uma importa-
ção em grande escala”. No relatório seguinte, do presidente Meira de Vasconcelos,
o diretor da Fazenda Provincial relata que, diante do início da cobrança da taxa,
“em poucos dias viu-se a repartição a meu cargo abarrotada de reclamações e con-
sultas, que afluiam principalmente das coletorias colocadas nas zonas próximas e
limítrofes das províncias de São Paulo e Rio de Janeiro, e dos próprios comerciantes
de escravos”.297
Os dados coletados por Robert Slenes não sustentam a posição de que Minas
tenha exportado qualquer quantidade considerável de escravos para São Paulo neste
período. Uma grande amostra de vendas no mais importante mercado daquela pro-
víncia, nos anos de 1875, 1877, 1878 e 1879, revela que, de todos os escravos cuja
origem provincial era conhecida, somente 1,6% (35 indivíduos) vieram de Minas
Gerais, enquanto 53,5% eram do Nordeste, e 21,2% das províncias do Sul. Slenes
também localizou evidências de que “um número substancial” dos escravos que
chegou ao porto do Rio de Janeiro “estava, na verdade, a caminho de Minas Gerais
e São Paulo. Suas próprias estimativas colocam Minas como uma das províncias
mais importadoras no período de 1873-1887.298
Existem mais dados sobre a população escrava e seus movimentos para as déca-
das de 1870 e 1880 do que para qualquer período anterior, permitindo uma análise
mais minuciosa do tráfico interno. A partir desse período dispomos, pela primeira

297 Segundo o Presidente José Francisco Neto, sua regulamentação da Lei n. 2.716, que estabelecia o
gravame, e o início de sua cobrança suscitou “vivíssima oposição em um dos órgãos da imprensa da
Corte. Muitas reclamações apresentaram-me os comerciantes, alegando prejuízos que lhes impunha a
execução do Regulamento, tendo sido feitas as transações no pressuposto de que lei só teria execução
em julho”. Relatório…pres. José Francisco Netto, 4 de maio de 1881, pp. 19-20. No relatório seguinte,
o diretor da Fazenda Provincial registrou novamente que “grande foi a celeuma levantada na imprensa
e fora dela contra o ato patriótico que (...) mandou por em execução o imposto de dois contos de réis
(...) sobre cada escravo que viesse residir na província (...). Quiseram enxergar os traficantes de carne
humana não só excesso e abuso de poder no referido ato, mas sobretudo surpresa. Relatório...pres.
Meira de Vasconcellos, 7 de agosto de 1881, Anexo 4, Diretoria da Fazenda, pp. 80-81.
298 Slenes. The Demography, pp. 600, 627-28, 660. Slenes tem, entretanto, reservas sobre as generalizações
baseadas no mercado de Campinas, o qual, devido ao seu tamanho, pode ter atraído uma parcela
desproporcional do tráfico de longa distância. Em mercados paulistas menores, a parcela de escravos
de outras partes do Sudeste pode ter sido maior. Suas estimativas sobre as importações mineiras são
discutidas abaixo.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


175
vez, de dados razoavelmente confiáveis sobre a população escrava de Minas Gerais
em nível municipal.

Tabela 4.10 - Minas Gerais: População escrava, por regiões, 1873 - 1886
Regiões População escrava % sobre o total da província % Livres
1873 1880 1884 1886 1873 1880 1884 1886 1873
Metal.-Mantiqueira 95.401 63.160 51.820 49.436 24,9 19,5 17,3 17,3 24,7
Mata 100.776 100.248 106.939 104.360 26,3 30,9 35,8 36,4 16,9
Sul 81.511 71.682 63.982 61.270 21,3 22,1 21,4 21,4 19,0
Oeste 33.711 29.806 24.440 23.152 8,8 9,2 8,2 8,1 10,1
Alto Paranaíba 18.493 11.616 10.443 9.998 4,8 3,6 3,5 3,5 5,2
Triângulo 7.966 9.436 5.921 5.522 2,1 2,9 2,0 1,9 2,1
São Franc.-M. Claros 7.983 8.325 7.574 7.411 2,1 2,6 2,5 2,6 4,9
Paracatu 2.639 1.714 1.587 1.548 0,7 0,5 0,5 0,5 1,9
Jequit.-Mucuri-Doce 34.160 28.551 26.225 23.794 8,9 8,8 8,8 8,3 15,2

Minas Gerais 382.640 324.538 298.931 286.491 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Em 1873, a distribuição dos escravos pelas regiões de Minas seguia de perto a


da população livre: a correlação entre as porcentagens de escravos e de livres, por
regiões, é igual a 0,92. Em três regiões, a Mata, o Sul e a Metalúrgica-Mantiqueira, a
porcentagem dos escravos (no total provincial de escravos) era maior do que a das
pessoas livres (no total provincial de livres), mas nas duas últimas a diferença era
insignificante. Somente na Mata (que detinha 26,3% dos escravos contra 16,8% dos
livres) havia uma distância significativa. No Triângulo as porcentagens se equiva-
liam e nas demais regiões a parcela dos livres superava a dos escravos. Em apenas
três regiões, todas situadas ao norte do paralelo 19, a porcentagem de escravos era
significantemente menor do que a da população livre. Estas áreas, com exceção de
uma parte do Vale do Rio Jequitinhonha, eram regiões de sertão ou distritos espar-
samente povoados, muitos dos quais permaneceram assim até o século presente.
Os dados mostram uma crescente concentração de escravos na Zona da Mata
ao longo do período em exame. Entretanto, como já foi mencionado acima, a sim-
ples comparação dos estoques em diferentes datas, não é um procedimento acei-
tável para detectar fluxos migratórios. Por não considerar as mortes (e, no caso de
populações escravas, as manumissões), esta comparação tem um viés implícito que

176 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
exagera as perdas das áreas exportadoras e subestima os ganhos das áreas impor-
tadoras de cativos.
Foram exercícios enganosos desse tipo que levaram alguns autores a concluir,
e proclamar, que a escravidão estava desaparecendo nas regiões não-cafeeiras da
província, pois todas elas pareciam estar perdendo escravos para a zona da grande
lavoura plantacionista de café.299 Para evitar esse erro primário, recorremos, mais
uma vez, à técnica dos sobreviventes intercensitários para estimar as transferências
líquidas de escravos de cada município.
Desde a aprovação da Lei Rio Branco, em 28 de setembro de 1871, todos os
filhos de mães escravas nasciam livres. Como consequência, o crescimento natural
da população escrava, que já era negativo, tornou-se ainda mais negativo (a taxa
bruta de natalidade tornou-se igual a zero) e a taxa de crescimento natural tornou-
-se idêntica à taxa bruta de mortalidade.
Nas estimativas para o intervalo 1873-1880, usamos, para todos os municípios,
a taxa de mortalidade de 23 por mil por ano, computada por Slenes para a zona
central de São Paulo no mesmo período. Não há razão para supor que os padrões
de mortalidade da amostra de Slenes diferissem significativamente daqueles de
Minas Gerais: a distribuição etária dos escravos era razoavelmente similar, as duas
populações estavam expostas ao mesmo ambiente nosológico e tinham padrões de
vida semelhantes.
A mortalidade de 23 por mil, por ser inferior às taxas prevalecentes no mesmo
período em vários países da Europa ocidental e do norte, pode parecer muito baixa,
mas deve-se ter em mente a singularidade da estrutura etária da população em
questão. Após 1871, não havia mais nascimentos de escravos e a idade mínima
dos cativos (que era de dois anos em 1873) cresceu até atingir nove anos em 1880,
ficando assim eliminados da população os segmentos etários com as maiores taxas
específicas de mortalidade.300
Estimamos o total de alforrias na província no período 1873-1880 em 7.700, e
adotamos a hipótese de que elas eram proporcionais à população escrava de cada

299 Veja por exemplo, Conrad. The Destruction, tabela nº. 12 no anexo, p. 293. A maior parte dos municípios
listadas por Conrad como mining municípios não mais o eram por quase um século, e alguns daqueles
listados como sendo localizados em Central Minas, como Paracatu, Rio Pardo e Januária, são tão
centrais em Minas como são o Alaska e o Maine nos os Estados Unidos.
300 As estimativas para a região central de São Paulo, e um breve levantamento das estimativas contem-
porâneas da taxa de mortalidade escrava, podem ser encontrados em Slenes. The Demography, pp.
341-46. Scott Blacklaw reporta que, em 1882, dados referentes a oito províncias revelaram uma taxa
de declínio (englobando mortes e alforrias) de 25/1000 por ano. Blacklaw. Slavery in Brazil, p. 10.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


177
município em 1873. Novamente, não há razão suficiente para presumir outra coisa
e, sobretudo, como demonstraremos abaixo, a taxa de manumissão em Minas Gerais
era baixa bastante para ser considerada um vazamento desprezível nas populações
escravas municipais.301 As transferências desagregadas por municípios são apresen-
tadas no Apêndice B. Nesse anexo apresentamos também uma descrição detalhada
da metodologia empregada nessas estimativas, bem como as populações escravas
por município nos anos 1873, 1880, 1884 e 1886.

Tabela 4.11 - Minas Gerais: Transferências interregionais de escravos, 1873-1880


Regiões Municípios Municípios Exportações Importações Saldo Saldo
exportadores importadores líquidas dos líquidas dos líquido da como %
líquidos líquidos municípios municípios região de 1873

Metal.-Mantiqueira 10 4 19.388 1.889 -17.499 -18,3


Mata 3 8 1.680 19.568 17.888 17,7
Sul 9 9 8.075 12.341 4.266 5,2
Oeste 5 3 1.988 3.927 1.939 5,8
Alto Paranaíba 3 2 4.631 558 -4.073 -22,0
Triângulo 1 2 506 3.560 3.054 38,3
S. Franc.-M. Claros 1 3 768 2.601 1.833 23,0
Paracatu 1 0 520 0 -520 -19,7
Jequit.-Muc.-Doce 4 3 5.108 5.279 171 0,5

Minas Gerais 37 34 42.664 49.723 7.059 1,8


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Consideremos inicialmente a província como um todo. A agregação das transfe-


rências líquidas dos municípios resulta em uma importação líquida de 7.059 escravos
por Minas Gerais, indicando um leve envolvimento líquido no tráfico interprovincial
durante esse período. Olhando para dentro da província, observamos que, também
nesse período, os dados da população escrava e as estimativas de tráfico não susten-
tam a ideia de que o regime escravista continuava forte apenas na região da mono-
cultura exportadora. Além dessa região, várias outras, como a Metalúrgica, o Sul, o

301 Pelo menos parte das alforrias de cada município – aquelas com recursos do Fundo Imperial de
Emancipação – eram grosso modo proporcionais à sua população escrava, pois as cotas do fundo eram
distribuídas em proporção ao número de escravos existentes. A proporcionalidade das manumissões
resultantes não era exata porque havia variações no preço de compra dos escravos alforriados.
Experimentei maneiras alternativas de distribuir as manumissões estimadas entre os municípios e o
impacto sobre as estimativas de tráfico líquido foi mínimo. A alforria representava um vazamento tão
pequeno que o ganho de refinar a metodologia das estimativas nesse particular é desprezível.

178 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Oeste e o Jequitinhonha, mantinham grandes plantéis (tabela 4.10). A Zona da Mata
era o maior importador líquido, mas cinco outras regiões também tiveram saldos
positivos de importações de escravos, como mostra a tabela 4.11.
No nível dos municípios, os resultados mostram uma divergência ainda maior
com esta visão. A importação de escravos não estava, de forma nenhuma, associada
exclusivamente com a cultura cafeeira: dos trinta e quatro importadores líquidos,
somente seis eram distritos cafeeiros consolidados e em poucos outros, ao longo
da fronteira com São Paulo, esse cultivo estava apenas começando. A maioria dos
importadores estava localizada fora da zona de plantations.
Outras evidências disponíveis para o mesmo período apontam para um cenário
semelhante.
A legislação determinou que, a partir da matrícula de 1873, fossem registrados
os “movimentos” da população escrava, tais como mortes, alforrias ou mudanças do
município de domicílio. Segundo estes registros, entre setembro de 1873 e junho de
1881, 64.718 escravos entraram nos municípios mineiros enquanto outros 58.782
partiram dos mesmos, deixando, portanto, um saldo positivo de 5.936 importações
pela província.302
Como a matrícula dos escravos em seus municípios de residência valia como
prova legal de propriedade, os compradores de escravos de fora de seus municí-
pios tinham motivos óbvios para registrar as entradas dos cativos em seu domicí-
lio, mas, segundo fontes oficiais, por falta de motivação e de sanções adequadas,
os vendedores muitas vezes não se incomodavam em registrar as saídas. Por essa
razão, o saldo positivo registrado de entradas sobre saídas pode inflar o total real
das importações líquidas de Minas Gerais.303

302 As entrada e saídas dos municípios encontram-se no Relatório Agricultura. Ministro Henrique d’Ávila,
10 de maio de 1883, p. 10. Cinco municípios (5,6% do total) não relataram os dados. Nenhuma
tentativa foi feita para corrigir essa omissão. Infelizmente os registros dos municípios individuais não
sobreviveram.
303 Sobre a sub-declaração das saídas de escravos dos municípios, veja o Relatório da Seção de Estatística
Anexa à 3ª Directoria da Secretaria de Estado dos Negócios do Império. Rio de Janeiro, 10 de maio
de 1883. Pode-se ficar tentado a ajustar os dados de entrada e saída assumindo, como fez Slenes,
que o percentual de sub-declaração em cada província era o mesmo do conjunto do país. No Brasil
inteiro os dois fluxos deveriam necessariamente coincidir, mas o número de entradas relatadas no
período de 1873-1882 excede o das saídas relatadas em 3,9%. Usando esse coeficiente para ajustar
as importações líquidas mineiras, o número seria reduzido a 4.143 escravos. No entanto, essa
tentação deve ser evitada, pois os dados para outros períodos mostram que essa hipótese está
longe de ser segura. Os registros sugerem que, durante a década de 80, enquanto em todo o Brasil
as saídas ainda eram fortemente sub-reportadas, nas principais províncias cafeeiras as entradas é
que eram sub-declaradas. Tomados por seu valor de face, ou com a hipótese de que as saídas eram

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


179
A única outra tentativa de estimar as migrações interprovinciais de escravos no
Brasil foi feita por Robert Slenes. Usando um modelo diferente de sobreviventes
intercensitários, Slenes concluiu que Minas importou 23.745 escravos durante o
período de 1873 a 1887. Como, desde o início de 1881, as importações interprovin-
ciais de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro foram efetivamente interrompi-
das, o período coberto pelas duas estimativas é efetivamente o mesmo, e a grande
discrepância entre elas precisa, portanto, ser explicada.
Acredito que essa valorosa tentativa foi comprometida por uma escolha infeliz
de dados. Ao invés de usar o Recenseamento do Império de 1872, Slenes preferiu
adotar os dados da Matrícula de 1873, o registro nacional de escravos determi-
nado pela Lei Rio Branco. Não há dúvida de que está certo ao argumentar que
os senhores de escravos tinham um forte motivo para registrar corretamente sua
propriedade e que isto deveria fazer da matrícula uma fonte presumivelmente mais
confiável do que o censo.
Acontece que a matrícula foi uma autêntica lambança. Sua apuração e a divul-
gação dos seus resultados oferecem um raro espetáculo de confusão e de incom-
petência. Os dados foram publicados em prestações desordenadas, todas parciais e
incompletas. Várias vezes uma suposta atualização divulgava números provinciais
menores do que aqueles apresentados em publicações anteriores.
No que se refere a Minas Gerais, seus dados são particularmente deficientes
e totalmente imprestáveis. Não há quaisquer indicações de que os mineiros não
tenham registrado devidamente seus escravos, mas aparentemente, muitas cole-
torias locais da província não reportaram (ou não o fizeram tempestivamente)
os resultados às autoridades centrais no Rio de Janeiro. Seja qual for o motivo,
o fato é que os números completos de matrícula de Minas Gerais nunca foram
divulgados. Os primeiros resultados, publicados em 1875, atribuem 235.115
cativos a Minas Gerais, e declaram explicitamente que esse número se refere a
apenas 51 dos 72 municípios existentes. A correção de Slenes, ajustando esse
total publicado para 333.436 é claramente insuficiente. Este ajuste desconsi-
dera, por exemplo, as sucessivas atualizações oficiais posteriores que, embora

incompletamente relatadas, os registros implicariam que as três províncias principais cafeeiras seriam
todas exportadoras líquidas de escravos, o que não é plausível. É verdade que foi somente depois de
1880 (devido à severa taxação das importações interprovinciais em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São
Paulo) que os importadores dessas províncias passaram a ter um forte motivo para evitar o registro,
mas os dados para Minas Gerais apresentados no texto incluem o primeiro semestre de 1881, quando
a taxa já estava em vigor.

180 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
ainda incompletas, elevaram o número de escravos matriculados em Minas em
1873 para 356.254.304
As duas estimativas aqui apresentadas indicam saldos líquidos de importações
favoraveis a Minas, mas relativamente modestos. Isto não significa, entretanto, que
o envolvimento total da província no tráfico interprovincial nesse período fosse
necessariamente pequeno: nos dois casos o resultado líquido obtido é compatível
com fluxos de importações e de exportações de qualquer tamanho absoluto. Na
realidade, há vários motivos para supor uma participação bruta muito maior do
que aquela sugerida pelos saldos líquidos.
As regiões da província eram fracamente integradas e as comunicações entre
elas eram notoriamente deficientes. Seria muito mais conveniente para algumas
áreas negociar escravos com outras províncias do que com outras regiões de Minas,
exatamente como faziam com outras mercadorias. Desde os tempos coloniais, o
vale do São Francisco tinha relações comerciais mais intensas com a Bahia e com
Pernambuco do que com o resto da província. O mesmo era verdadeiro para a zona
de Paracatu com relação a Goiás, e para as regiões mais meridionais com relação
às vizinhas províncias de São Paulo e do Rio de Janeiro. A Zona da Mata, em espe-
cial, era fortemente ligada à capital imperial desde a abertura do Caminho Novo.

304 Os primeiros resultados da Matrícula de 1873 foram publicados em Directoria Geral de Estatística.
Relatório e Trabalhos Estatísticos apresentados ao Illm. e Exm. Sr. Conselheiro Dr. João Alfredo Corrêa
de Oliveira, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império pelo Diretor Geral Interino
Dr. José Maria do Couto, em 30 de abril de 1875. Rio de Janeiro: Typ. de Pinto Brandão e Comp.,
1875. Essa fonte apresenta os números para 51 municípios mineiros e declara não dispor daqueles
referentes a Sabará, Baependí, Curvelo, Conceição, Cristina, Diamantina, São Sebastião do Paraíso,
São João del Rei, São José del Rei, Minas Novas, Pium-í, São Romão, Serro, Tamanduá, Muriaé, Guaicuí
e Boa Esperança. Entretanto, além dos municípios citados pela fonte, são também omitidos os dados
referentes a Bonsucesso, Monte Alegre, Ouro Fino e São José do Paraiso. Nos anos seguintes foram
feitas sucessivas correções oficiais, a última das quais, publicada no Relatório de 1884 do Ministro da
Agricultura, atribuiu a Minas o registro, ainda deficiente, de 356.254 escravos na Matrícula de 1873.
Relatório apresentado à Assembléa Geral na primeira sessão da décima nona legislatura pelo Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Públicas, João Ferreira de Moura
(1884). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1885, p. 372. Diferentemente de outras províncias, nunca
foram publicados dados individuais completos para os municípios mineiros, nem as desagregações
por sexo, idade e ocupação. Alguns dados municipais publicados são flagrantemente errados e alguns
são copiados do censo, revelando artifícios dos agentes responsáveis para encobrir seus atrasos e
suas inadimplências. Os dados do recenseamento para Minas Gerais também são deficientes, como
apontei várias vezes neste trabalho. Mas o mais incompleto número do censo (370.459) é maior que o
resultado mais atualizado da Matrícula. A estimativa de Slenes está em The Demography, pp. 616, 700-
01. Na p. 660, nota 16, ele admite ter dúvidas sobre a mesma, reconhecendo que ela “pode exagerar
a importância da migração de escravos para Minas”. Nas pp. 609-10, Slenes apresenta uma outra
estimativa sobre o tráfico líquido para Minas, usando os registros de entradas e saídas dos municípios
entre 1873 e 1885. Seu ajustamento nos dados, usando um coeficiente nacional de sub-registro das
saídas jjá foi criticado na nota 303 acima.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


181
Durante todo o século XIX, exportou todo seu café através do Rio de Janeiro, e era
seu principal fornecedor de diversos produtos.
A Mata, após a abertura da rodovia União e Indústria, e principalmente depois
que a conexão ferroviária foi concluída, no final dos anos 60, distava apenas algu-
mas horas da capital. O Rio de Janeiro, por sua vez, era um importante entreposto
de escravos do Nordeste, ao qual estava ligado por telégrafo desde 1874. A viagem
de navio a vapor entre Salvador e o Rio levava menos de quatro dias e, segundo
Slenes, “o custo da passagem marítima era mínimo.” O custo da transferência de
um escravo entre esses dois portos “em 1877 era de 10 a 15 mil réis, menos de 1%
do preço que um escravo jovem adulto, do sexo masculino obteria nesse período
nos mercados do Centro-Sul”.305
É bastante provável, portanto, que os escravos pudessem ser transferidos muito
mais facilmente, e a um custo menor, do Nordeste para a Mata mineira, do que de
várias outras regiões de Minas. Além disso, o preço médio dos escravos nas pro-
víncias nordestinas era muito inferior aos que prevaleciam em qualquer parte de
Minas. Nunca é demais lembrar que, em qualquer sistema comercial não-idiota, as
mercadorias são vendidas das praças onde são mais baratas para aquelas onde são
mais caras, e não o contrário.
A única fonte de informação sistemática sobre os preços de escravos, disponí-
vel para todas as províncias, é o custo médio das alforrias financiadas pelo Fundo
Imperial de Emancipação. Como a manumissão era concentrada nas mulheres e nos
escravos mais velhos, esse custo pode não refletir adequadamente o valor absoluto
dos jovens do sexo masculino, que eram os principais objetos do tráfico. Entretanto,
há bons motivos para acreditar que, como um indicador dos níveis relativos (entre
as províncias) dos preços, o custo médio das emancipações seja bastante confiável.
Os registros incluem um número razoavelmente grande de casos para a maioria das
unidades do império, e a existência de critérios nacionais rígidos para a seleção dos
escravos a serem adquiridos pelo Fundo impede a ocorrência de grandes diferenças
na composição sexo-etária dos cativos libertados nas diferentes províncias.306
A tabela 4.12 mostra claramente que o preço médio das emancipações em Minas
Gerais era o mais alto de todas as províncias (com exceção do Mato Grosso, para
o qual existem apenas 19 registros) e em todas as regiões mineiras, consideradas
individualmente, se situava substancialmente acima do da maioria das províncias.

305 Slenes. The Demography, pp. 150-52.


306 Uma boa discussão sobre a confiabilidade desses dados é apresentada em Slenes. The Demography.
p. 645.

182 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Em algumas delas, como a Mata, o Oeste e o Alto Paranaíba, os preços médios atin-
giam quase o dobro daqueles do Norte e do Nordeste. Nestas regiões era mais alto
do que em São Paulo, e consideravelmente mais alto que no Rio de Janeiro. Mesmo
na região de Paracatu, que tinha o índice mais baixo de Minas, o preço médio era
mais alto do que no Nordeste.
Embora sejam necessárias pesquisas mais aprofundadas, em vista desses dados
e dos outros argumentos apresentados acima, não seria surpreendente descobrir
que algumas áreas de Minas, especialmente a zona cafeeira, estavam importando
nessa época um número considerável de escravos nordestinos ao invés de adqui-
ri-los de fontes intraprovinciais, enquanto outras regiões mineiras poderiam estar
exportando cativos para fora da província. Este padrão mais complexo de tráfico
poderia, incidentalmente, ajudar a explicar as avaliações conflitantes de alguns
autores sobre a posição de Minas no tráfico interno na década de 1870.

Tabela 4.12 - Preço médio dos escravos comprados pelo Fundo Imperial de
Emancipação, por regiões do Brasil, províncias selecionadas e regiões de Minas,
1875 -1880
Escravos Preço médio Índice Índice Índice Índice
comprados (milréis) BR = 100 MG = 100 SP = 100 NE = 100
Brasil 4.569 764 100 78 80 121

Sudeste exceto Minas 1.453 876 115 90 92 139


Sul 278 784 103 80 82 124
Centro Oeste 65 775 101 79 81 123
Nordeste 2.008 632 83 65 66 100
Norte 136 493 64 50 52 78
Minas Gerais 629 976 128 100 102 154
São Paulo 413 954 125 98 100 151
Rio de Janeiro 775 887 116 91 93 140
Rio Grande do Sul 207 817 107 84 86 129
Corte 186 674 88 69 71 107
Alto Paranaíba 20 1.259 165 129 132 199
Oeste 45 1.169 153 120 123 185
Mata 165 1.109 145 114 116 175
Triângulo 11 930 122 95 97 147
Metal.-Mantiqueira 167 926 121 95 97 146
Sul 157 865 113 89 91 137
Jequit.-Mucuri-Doce 42 828 108 85 87 131
S. Francisco-M. Claros 16 822 108 84 86 130
Paracatu 6 761 100 78 80 120
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


183
Como já foi mencionado diversas vezes, as quantidades de escravos importa-
dos ou exportados pelos municípios não podem ser estabelecidas com precisão,
pois as estimativas são bastante sensíveis às taxas de crescimento natural adotadas.
Entretanto, os sinais dos saldos migratórios líquidos, são estáveis e confiáveis. Isso
nos permite identificar, com razoável segurança, os municípios importadores e os
municípios exportadores. Usando os valores críticos da taxa de crescimento natural
(r*) podemos determinar, para cada município, quanto a taxa real poderia divergir
da taxa adotada na estimativa sem reverter o sinal do saldo líquido estimado.
A tabela B.4: Estabilidade dos saldos municipais do tráfico, 1873-1880, no
Apêndice B, mostra que variações relativamente grandes na taxa adotada afeta-
riam os sinais de apenas um pequeno número de casos. Fica também claro que
existe uma margem de segurança considerável para acomodar possíveis variações
da taxa entre os municípios. Nessa tabela as taxas críticas de crescimento natural
dos 71 municípios foram listadas em ordem crescente (da mais negativa para a mais
positiva). A taxa de crescimento natural usada na estimativa (– 23 por mil por ano,
no caso presente) divide os municípios em importadores líquidos e exportadores
líquidos: aqueles cujas taxas críticas são menores (mais negativas) do que a taxa
adotada são exportadores, os outros são importadores.
Percebe-se prontamente que uma redução de 25% na taxa de crescimento natu-
ral adotada (de – 23 por mil para – 28,8 por mil) inverteria os sinais de apenas
sete saldos municipais (sete exportadores se tornariam importadores). O mesmo
aumento percentual nessa taxa (de – 23 por mil para – 17,3 por mil) reverteria
apenas um sinal (um importador se tornaria exportador). Uma redução de 50% na
taxa (de – 23 por mil para – 34,5 por mil) mudaria somente 10 sinais (10 exporta-
dores se tornariam importadores) enquanto um aumento da mesma ordem (de –
23 por mil para – 11,5 por mil) inverteria os sinais de somente três saldos líquidos
(3 importadores se tornariam exportadores).
Assim, se a taxa “verdadeira” de crescimento natural se situar entre – 17,3 por
mil a – 28,8 por mil, poderia inverter, no máximo, os sinais dos saldos de 8 muni-
cípios, mas os outros 63 não seriam afetados. Os municípios não afetados serão
denominados “estáveis no intervalo de 25%.” Da mesma forma, os 58 municípios
cujas taxas críticas estão fora intervalo de – 11,5 a – 34,5 por mil serão denomina-
dos “estáveis no intervalo de 50%”.
Não existem dados sobre a produção de café desagregada por municípios nesse
período, e não é possível sequer ordenar os produtores segundo o volume produ-
zido. O melhor que podemos fazer, é identificar, usando fontes contemporâneas,

184 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
quais eram os municípios cafeeiros. Assim, mesmo não sendo possível conseguir
níveis mais altos de mensuração (cardinal ou ordinal) das variáveis “produção
de café” e “migração de cativos”, podemos classificar os municípios, por um lado,
como cafeeiros ou não-cafeeiros e, por outro, como importadores ou exportadores
de escravos, com bastante segurança. Daí decorre que o coeficiente de contingên-
cia (C), que permite medir o nível de associação ou de relação entre conjuntos de
atributos, é uma medida particularmente apropriada para o problema em foco.307
Computamos três coeficientes de contingência para medir a associação entre
o cultivo de café e o e a posição no tráfico de escravos: o primeiro inclui todos os
71 municípios mineiros (entre 1873 e 1880 a fusão de Montes Claros e Guaicuí eli-
minou um dos 72 municípios existentes no Censo), o segundo inclui apenas os 63
municípios “estáveis no intervalo de 25%” e, finalmente, o terceiro inclui somente
os 58 “estáveis no intervalo de 50%”. Nos três casos, o coeficiente C é muito baixo,
indicando fraca correlação entre os atributos (cafeeiro/não-cafeeiro) e (importa-
dor/exportador de escravos).

Tabela 4.13 - Minas Gerais: Associação entre café e tráfico, 1873-1880


Municípios incluídos Coef. de contingência (C)

Todos os 71 municípios* 0,19


63 municípios estáveis no intervalo de 25% 0,29
58 municípios estáveis no intervalo de 50% 0,30
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Da mesma forma, a exportação ou importação de escravos não estava rela-


cionada com a mineração. A caracterização das regiões exportadoras como áreas
mineradoras decadentes, como afirmaram muitos autores, não tem nenhuma base
factual. É verdade que muitos dos exportadores líquidos, como grande parte dos
lugares de Minas, tiveram um passado minerador mas, em quase todos, esse pas-
sado já havia se esvaído várias décadas antes do período em foco. Por outro lado,
as estimativas mostram que muitos municípios que tiveram suas raízes na minera-
ção colonial foram importadores líquidos durante 1873-1880. Como não existem
dados desagregados por município sobre a produção mineral nessa época, usamos

307 Na classificação dos municípios como cafeeiros e não-cafeeiros seguimos Laerne. Brazil and Java, p.
118. Sobre o conceito e a computação do coeficiente de contingência veja, por exemplo, Sidney Siegel.
Nonparametric Statistics for the Behavioral Sciences. New York: McGraw-Hill, 1956, pp. 196-202.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


185
quatro diferentes critérios para definir se um município era minerador ou não-mi-
nerador, para o cálculo do coeficiente de contingência.
No primeiro critério consideramos como sendo mineradores aqueles muni-
cípios que tinham pelo menos um escravo empregado nesse setor em 1873 – ou
seja, aquelas localidades nas quais qualquer número de escravos, não importa quão
poucos, poderia ter sido liberado da mineração e exportado. A segunda definição
incluiu aqueles municípios onde foi arrecadada qualquer receita do imposto sobre
escravos empregados na mineração de ouro em 1881-82. A seguir, o critério foi
expandido para incluir todos os municípios onde o censo registrou qualquer traba-
lhador (livre ou escravo) empregado na mineração em 1873, isto é, todos aqueles
onde havia qualquer atividade mineratória. Finalmente, classificamos como mine-
radores todos os municípios que tinham lavras em operação em 1814 – uma ten-
tativa de incluir todos os lugares que tiveram um passado minerador no século
XIX.308 A tabela 4.14 mostra que, independentemente da definição adotada, a
correlação, medida pelo coeficiente de contingência, entre a mineração e o papel
desempenhado pelo município no tráfico de escravos (importador ou exportador)
era praticamente inexistente nesse período.

Tabela 4.14 - Minas Gerais: Associação entre mineração e tráfico, 1873-1880

Definição de município minerador Todos os 71* 63 municípios 58 municípios


municípios estáveis no estáveis no
intervalo de 25% intervalo de 50%
1. Municípios com escravos empregados C = 0,17 C = 0,19 C = 0,26
na mineração no Censo do Império

2. Municípios com escravos empregados C = 0,23 C = 0,23 C = 0,26


na mineração de ouro em 1881-82

3. Municípios com quaisquer empregados C = 0,18 C = 0,23 C = 0,23


na mineração no Censo do Império

4. Municípios com passado minerador C = 0,25 C = 0,26 C = 0,29


C = coeficiente de contingência.
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

308 Na primeira definição incluímos Sabará, que não foi listado no censo, mas sediava a Saint John del Rey
Mining Company (Morro Velho), e certamente tinha escravos empregados na mineração. As fontes
desses dados encontram-se no capítulo 2.

186 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
A DÉCADA DE 1880
Em dezembro de 1880, a Assembléia Provincial de Minas Gerais, temendo que
a excessiva concentração de escravos no Centro-Sul pudesse alienar o apoio do
resto do Império à instituição servil, aprovou uma lei impondo severas restrições
às importações de escravos de outras províncias. Cada escravo trazido para Minas
passou a ser taxado em dois contos de réis (mais do que o preço de mercado de
um jovem adulto do sexo masculino), além de serem aumentados o imposto já
existente sobre vendas de cativos e a taxa de licenciamento para comerciantes de
escravos.309
Uma medida semelhante havia sido adotada pela província do Rio de Janeiro
algumas semanas antes, e São Paulo fez o mesmo em janeiro do ano seguinte. Essa
ação conjunta – uma clara manifestação de compromisso de longo prazo com o
regime – fechou simultaneamente os três maiores mercados provinciais compra-
dores de escravos e parece ter congelado definitivamente a distribuição regional
da população servil brasileira.310 Depois de 1881, segundo Slenes, “virtualmente
nenhum escravo entrou nos dois portos (Santos e Rio) consignado para venda”.311
No longo prazo, entretanto, a legislação antitráfico da “trindade negra” saiu
claramente pela culatra: em vez de fortalecer o compromisso da nação com a

309 Lei Provincial nº 2.716, de 18 de dezembro de 1880. O artigo décimo desta lei elevou para dois contos
de réis a taxa cobrada pela “anotação da mudança do escravo procedente de outra província com
transferência de domínio”, que já existia desde 1871.
310 Análises sobre a adoção dessas leis contra o tráfico interprovincial em Minas Gerais, Rio de Janeiro
e São Paulo podem ser encontradas em Conrad. The Destruction, pp. 170-74 e Toplin. The Abolition,
pp. 88-91. Esses autores, bem amparados por evidências contemporâneas, concordam que a principal
motivação desta legislação era impedir a drenagem da população escrava nordestina, e que ela
implicava em um sacrifício no curto prazo para prolongar a vida da instituição. O correspondente
residente do jornal Observer, do Ceilão (concorrente brasileiro no mercado de café), escreveu em
1882, que “parece pouco generoso supor que o verdadeiro objeto que os legisladores tinham em
mente fosse o prolongamento do prazo para a extinção da escravidão”, mas “há uma forte evidência
circunstancial de que foi isso que aconteceu”. Blacklaw. Slavery in Brazil, p. 9. Outro observador
contemporâneo, C. F. van Delden Laerne, observou que a motivação dessas leis foi que “as pessoas
pensaram ter percebido uma tentativa, por parte das províncias do norte (...) de transferir seus
escravos para as províncias cafeeiras, com o intuito de – sem prejudicar seus próprios interesses –
insistir na emancipação dos escravos tão logo a desova fosse efetivada”. Laerne. Brazil and Java, p.
85. No mesmo lugar o autor informa que a Bahia e o Ceará também cobravam taxas de 800 a 1.000
mil réis, respectivamente, sobre as importações interprovinciais durante 1881-82. Estas taxas eram
certamente inócuas, visto que ambas as províncias eram fortes exportadoras. Toplin afirma que uma
fonte de apoio para essa legislação, em São Paulo, vinha de cafeicultores que já tinham escravos
suficientes para suas necessidades e esperavam que, reduzindo a oferta, a lei aumentaria o valor de
seus plantéis, propiciando-lhes um bônus extra no caso de abolição com indenização aos proprietários.
311 Slenes. The Demography, p. 123.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


187
sobrevivência do regime escravista, ela aprofundou a clivagem regional e acabou
favorecendo a causa da emancipação. Pode ser que os legisladores de São Paulo,
Minas e Rio de Janeiro estivessem certos em seu cálculo político, mas não conside-
raram, ou subestimaram, alguns aspectos econômicos da questão.
Os preços de escravos nas províncias exportadoras vinham sendo, em grande
medida, sustentados pela demanda da região cafeeira. O fechamento abrupto dos
grandes mercados do Sudeste causou uma queda drástica no valor da proprie-
dade escrava – portanto no interesse econômico pela manutenção da instituição
– em quase todo o resto do país. No período 1880-1883, os preços dos escravos no
Nordeste e no Sul já eram consideravelmente mais baixos do que nos anos 70, ape-
sar dos dados disponíveis incluirem a maioria das compras que ocorreram ao longo
1880, antes das restrições ao tráfico interprovincial entrarem em vigor. Em Minas,
no Rio de Janeiro e em São Paulo, os preços dos escravos subiram, aumentando a
distância entre essas províncias e o resto do país.312

Tabela 4.15 - Preço médio dos escravos comprados pelo Fundo Imperial de
Emancipação, por regiões e províncias selecionadas, 1875 - 1888
Escravos comprados 1875 - 1880 1883 - 1885 1885 - 1888
e preços médios Escravos Preço Escravos Preço Escravos Preço
comprados médio comprados médio comprados médio

Nordeste 1.874 634 5.825 311 1.892 497


Sul 278 784 900 272 95 484
Rio de Janeiro 775 887 2.131 650 953 643
São Paulo 413 954 1.821 718 679 555
Minas Gerais 629 976 2.297 693 1.034 617

Evolução dos preços 1875 - 1880 1883 - 1885 1885 - 1888

Nordeste 100 49 78
Sul 100 35 62
Rio de Janeiro 100 73 72
São Paulo 100 75 58
Minas Gerais 100 71 63
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

312 Em Minas Gerais, os preços dos escravos, medidos pelo custo médio de emancipação, aumentaram
no período 1880-82, em relação a 1875-80, em cinco regiões, e cairam ligeiramente nas quatro
restantes. Os dados são do Relatório Agricultura, Ministro José Antonio Saraiva, 1881, pp. 27-29.
Deve-se observar que não há razão para esperar que o preço em qualquer região de Minas devesse
ter reagido às leis antitráfico em qualquer direção definida. As áreas exportadoras perderam seus
clientes paulistas e fluminenses, mas ganharam um mercado cativo dentro de Minas Gerais. As zonas
importadoras perderam seus fornecedores nordestinos, mas tinham agora a oferta mineira quase
completamente represada dentro das fronteiras provinciais.

188 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Essa tendência foi acentuada nos anos seguintes. Nessa época, devido à cres-
cente pressão abolicionista, já havia um pessimismo generalizado sobre o futuro
da escravidão, e os preços de escravos estavam caindo em todas as regiões do país,
mas os custos médios das emancipações mostram que essa queda foi mais lenta no
Centro-Sul. Em 1883-85, os escravos comprados pelo Fundo em São Paulo, Minas
e no Rio de Janeiro ainda custaram duas vezes mais do que aqueles libertados no
resto do país.313
No último período, especialmente após 1887, a instituição já estava em ruínas.
Grandes números de escravos começaram a abandonar as fazendas em direção às
cidades, onde eram protegidos pela população urbana, em grande parte já conver-
tida ao abolicionismo. Curvando-se ao inevitável, os senhores de escravos começa-
ram a conceder alforrias em massa. Todos sabiam que a abolição final era iminente.
Nesta situação caótica, é muito pouco provável que os custos das emancipações
pudessem refletir qualquer coisa além da desordem que reinava nos mercados de
escravos.
Em Minas Gerais, a lei de 1880 interrompeu efetivamente as importações de
escravos. Nenhuma receita jamais foi arrecadada pelo imposto sobre as importa-
ções interprovinciais por ela determinado. As legislações paulista e fluminense,
por seu lado, parecem ter encerrado as exportações mineiras para essas províncias.
Mercados menores permaneceram abertos nas províncias vizinhas de Goiás, Mato
Grosso e Espírito Santo, que podem ter importado um pequeno número de escra-
vos de Minas após 1880.
Os dados de entrada e saída de escravos mostram que, entre junho de 1881 e
junho de 1884, as saídas registradas dos municípios mineiros excederam as entra-
das registradas em apenas 717 indivíduos. Já mencionamos que nesse período as
saídas podem ter sido subregistradas, mas, em qualquer hipótese, o fluxo de trans-
ferências foi insignificante. Para todos os efeitos práticos, a população escrava pro-
vincial mineira tornou-se “fechada” na década de 1880.314
Assim, como se poderia prever, durante o período de 1880 a 1884, houve uma
intensificação do tráfico intraprovincial de cativos. A zona cafeeira e as outras
áreas importadoras tinham sido privadas de suas fontes externas de abastecimento,
enquanto os mercados paulista e fluminense tinham sido fechados para as regiões

313 Uma análise bem-feita e bem documentada sobre a evolução da confiança (sanguinity) dos
proprietários de escravos na instituição, nas décadas de 70 e 80, encontra-se em Slenes. The
Demography, pp. 234-62.
314 Breve Notícia do Estado Financeiro das Províncias, informação nº. 4, tabela nº. 3, sem número de

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


189
exportadoras. A maior parte do tráfico legal tinha agora que se realizar dentro das
fronteiras da província. Os registros de entrada e saída mostram que, entre 1881 e
1884, foram transferidos entre os municípios de Minas 12.636 escravos, em média,
por ano, um número pelo menos 56% mais alto do que a média observada nos anos
1873-1881.315

Tabela 4.16 - Minas Gerais: Transferências interregionais de escravos, 1880-1884

Regiões Municípios Municípios Exportações Importações Saldo Saldo


exportadores importadores líquidas dos líquidas dos líquido como %
líquidos líquidos municípios municípios da região de 1880
Metal.-Mantiqueira 11 3 7.433 811 -6.622 -10,5
Mata 1 8 814 16.028 15.214 15,2
Sul 9 7 5.557 3.428 -2.129 -3,0
Oeste 6 2 3.332 190 -3.142 -10,5
Alto Paranaíba 3 2 424 156 -268 -2,3
Triângulo 3 0 2.887 0 -2.887 -30,6
S. Francisco-M.
Claros 2 2 505 406 -99 -1,2
Paracatu 0 1 0 9 9 0,5
Jequit.-Mucuri-Doce 3 4 1.446 1.370 -76 -0,3

Minas Gerais 38 29 22.398 22.398 0 0,0


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Entre 1873 e 1880 foram criados vários novos municípios em Minas Gerais.
Para manter a comparabilidade territorial das regiões, a população dos municípios
criados durante o período foi agregada de volta aos municípios aos quais seu terri-
tório pertencia em 1873. Alguns desses novos municípios foram constituídos por
partes desmembradas de diferentes municípios existentes em 1873. Nesses casos
tivemos de utilizar clusters de municípios, o que reduziu o número de unidades de
análise para 67. Os clusters são explicitados na tabela desagregada por municípios,
no Apêndice B.

página. Os dados de entrada e saída são do Relatório Agricultura, Ministro Henrique d’Avila, 1882, p.
10; e Relatório Agricultura, Ministro João Ferreira de Moura, 1884, p. 372. Robert Toplin apresenta
evidências de que após a lei de 1881 houve algum tráfico ilegal de escravos para o Oeste de São Paulo,
mas não dá nenhuma indicação de seu volume. Toplin. The Abolition, p. 91.
315 Dos 8.089 escravos que entraram nos municípios mineiros, a cada ano, entre 1873 e 1880, um número
não determinado, mas provavelmente considerável, veio de fora da província, enquanto que todas as
12.636 entradas anuais médias, em 1881-84, tiveram sua origem em outros municípios de Minas. As
fontes dos dados são as mesmas da nota 314.

190 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
O padrão do tráfico não foi significativamente diferente daquele observado no
período anterior. A Mata continuou a ser o principal importador mas, com exceção
do Triângulo, as perdas das regiões exportadoras foram pequenas em relação às
suas populações escravas. No nível de agregação usado na tabela 4.16, as estima-
tivas parecem indicar um padrão bastante assimétrico de tráfico, no qual a área
cafeeira sugava os escravos de quase todas as outras regiões. Entretanto, a análise
desagregada por municípios revela, novamente, que não foi assim tão simples. De
fato, quase todos os municípios cafeeiros foram importadores líquidos e a Zona da
Mata absorveu quase 70% das importações líquidas. Mas 21 municípios fora dessa
região também foram importadores líquidos. Vários outros mantiveram popula-
ções escravas grandes e estáveis, e dez deles aumentaram seus plantéis de cativos,
em termos absolutos.
Os sinais dos saldos líquidos estimados dos municípios são muito estáveis nesse
período também. Nos dois últimos períodos em análise (1880-84 e 1884-86), não
há possibilidade de divergência entre as taxas reais e as taxas adotadas nas estima-
tivas, porque usamos as taxas de crescimento interno observadas no conjunto da
província (–20,34 por mil em 1880-84 e –21,03 por mil em 1884-86). Resta ainda,
naturalmente, a possibilidade de variações dessas taxas entre os municípios.316 A
tabela B.5: Estabilidade dos saldos municipais do tráfico, 1880-1884, no Apêndice
B, mostra entretanto, que essas flutuações poderiam reverter os sinais dos saldos
líquidos de apenas um pequeno número de municípios.
Flutuações de 25% para cima ou para baixo na taxa usada nas estimativas (de
–15,3 por mil a –25,4 por mil) poderiam reverter no máximo os sinais de sete
municípios. Aumentando o intervalo de variação para 50% (–10,2 por mil a –30,5
por mil) traria para dentro da zona de instabilidade mais dez municípios. Portanto,
usando a terminologia adotada acima, temos, no período 1880-84, 60 municípios
(89,5% do total) “estáveis no intervalo de 25%”, e 56 (74,6% do total) “estáveis no
intervalo de 50%”.

316 Como a população escrava de Minas Gerais tornou-se fechada depois de 1880, não foi necessário
usar uma taxa de crescimento natural da população escrava estimada exógenamente. Computamos
a taxa implícita de crescimento interno para o conjunto da província, fazendo T = 0 na equação
Pt = P0 (1 + r)t + T(1 + r)t/2 e resolvendo para r. Assumimos que ela era uniforme através dos municípios.
Não são disponíveis dados de manumissão para os municípios individualmente. Seria ocioso, portanto,
estimar o total provincial das alforrias e depois alocá-lo proporcionalmente às populações escravas
municipais, como fizemos para o período 1873-1880. Em outras palavras, como assumiríamos, de
qualquer forma, que tanto a taxa de mortalidade como a taxa de manumissão eram iguais em todos
os municípios, podemos simplesmente aceitar que a taxa de crescimento interno (que inclui os dois
vazamentos) era uniforme.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


191
Para avaliar a associação entre o cultivo de café e o papel desempenhado no trá-
fico durante 1880-84, computamos, como antes, três coeficientes de contingência,
incluindo no primeiro todos os municípios, e nos demais somente aqueles estáveis
nos intervalos de 25% e de 50%, respectivamente. Além dos oito municípios lis-
tados por Laerne como cafeeiros na Zona da Mata, incluímos como produtores
outros dez municípios, na Zona Sul, onde o cultivo comercial do café estava se
desenvolvendo rapidamente no início dos anos 1880.317
Para avaliar a relação entre a mineração e o papel no tráfico, usamos duas defi-
nições de município minerador: os que tinham escravos empregados na mineração
de ouro em 1881-82 (atividade mineradora no presente) e aqueles que tinham tido
lavras em operação em 1814 (um passado minerador). Os valores muito baixos dos
coeficientes de contingência obtidos mostram, uma vez mais, que nem o plantio
de café nem a mineração (passada ou presente) são capazes de explicar os papéis
importadores ou exportadores dos municípios no tráfico intraprovincial.

Tabela 4.17 - Minas Gerais: Associação entre café e tráfico, 1880-1884


Municípios incluídos Valor de C
Todos os 67 municípios* 0,18
60 municípios “estáveis no intervalo de 25%” 0,15
50 municípios “estáveis no intervalo de 40%” 0,13
C = coeficiente de contingência.
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Tabela 4.18 - Minas Gerais: Associação entre mineração e tráfico, 1880-1884


Definição de Todos os 67* 60 municípios estáveis 50 municípios estáveis
município minerador municípios no intervalo de 25% no intervalo de 50%
1. Municípios com escravos na
C = 0,21 C = 0,23 C = 0,23
mineração em 1881-82

2. Municípios com passado


C = 0,14 C = 0,24 C = 0,25
minerador
C = coeficiente de contingência.
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

317 Esses municípios são: Alfenas, Cabo Verde, Caldas, Jaguari, Ouro Fino, São José do Paraíso, São
Sebastião do Paraíso, Muzambinho, Jacui e Guaxupé. Nas estimativas de tráfico, os três últimos estão
agregados em outros municípios.

192 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Depois de 1884 observa-se uma queda brusca no volume do tráfico intrapro-
vincial. Os escravos continuaram a ser transferidos em todas as direções através da
província, mas agora em números bem menores. Além das perspectivas políticas
sombrias do regime escravista, esse foi um período de queda nos preços do café e
de desaceleração da expansão do setor. Na Mata as importações líquidas em 1884-
86 pouco passaram de um quarto do nível atingido nos quatro anos anteriores.
Entre junho de 1884 e junho de 1885, foram registradas apenas 4.989 entra-
das de escravos no conjunto dos municípios mineiros, apenas um terço da média
anual registrada nos três anos precedentes.318 A arrecadação do imposto sobre
vendas de escravos caiu do valor médio de 295 contos de réis nos anos fiscais de
1879-80 a 1882-83, para 160 contos em 1883-84, e 117 contos em média no biênio
1884-85 /1885-86.319

Tabela 4.19 - Minas Gerais: Transferências interregionais de escravos, 1884-1886


Regiões Municípios Municípios Exportações Importações Saldo Saldo
exportadores importadores líquidas dos líquidas dos líquido da como %
líquidos líquidos municípios municípios região de 1884

Metal.-Mantiqueira 4 10 1.240 1.008 -232 -0,4


Mata 2 7 2.220 4.132 1.912 1,8
Sul 8 8 2.943 2.893 -50 -0,1
Oeste 2 6 1.181 904 -277 -1,1
Alto Paranaíba 2 3 209 199 -10 -0,1
Triângulo 2 1 180 23 -157 -2,6
S. Franc.-M. Claros 2 2 66 221 155 2,1
Paracatu 0 1 0 27 27 1,7
Jequit.-Mucuri-Doce 5 2 1.701 333 -1.368 -5,2

Minas Gerais 27 40 9.740 9.740 0 0,0


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Nesse último período, 40 dos 67 municípios tiveram saldos importadores posi-


tivos e as perdas de escravos se concentraram apenas nos 27 restantes. A realoca-
ção da escravaria dentro da província foi mínima. Em 1886 nenhuma região tinha
uma participação na população escrava total sequer um ponto percentual maior ou

318 Relatório Agricultura, Ministro Antonio da Silva Prado, 1885 (publicado em 1886)
319 Falla... pres. Antonio Gonçalves Chaves, 1º de agosto de 1884, Anexo B (Directoria da Fazenda
Provincial). Apêndice nº 17, e Relatório...pres. Manoel do Nascimento Machado Portela, 13 de abril
de 1886, Anexo B (Directoria da Fazenda Provincial).

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


193
menor que em 1884. O plantel total da província em 1886 era 4% menor que em
1884. O declínio ocorreu em todas as regiões, mas em nenhuma delas foi maior do
que 9%. Mesmo entre os 67 municípios as variações foram muito pequenas: em 46
deles elas se situaram abaixo de 9% para mais ou para menos.
Como nos períodos anteriores, a tabela B.6: Estabilidade dos saldos municipais
do tráfico, 1884-1886, no Apêndice B, mostra a estabilidade dos sinais dos saldos
líquidos estimados para 1884-86: dentro do intervalo de 25% (as taxas de cres-
cimento interno variando de –15,77 a –26,29 por mil) 56 municípios têm saldos
líquidos estáveis; dentro do intervalo de 50% (taxas de crescimento interno entre
–10,52 a –31,55 por mil) os saldos líquidos de 44 municípios são estáveis.
Novamente, e ainda menos do que nos períodos anteriores, nem o cultivo do
café nem a mineração podem explicar o papel dos municípios no tráfico de escra-
vos. As tabelas 4.20 e 4.21 mostram os resultados da análise de contingência para
esse período.

Tabela 4.20 - Minas Gerais: Associação entre café e tráfico, 1884-1886


Municípios incluídos Valor de C

Todos os 67* municípios 0,058


56 municípios “estáveis no intervalo de 25%” 0,006
44 municípios “estáveis no intervalo de 50%” 0,015
C = coeficiente de contingência.
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Tabela 4.21 - Minas Gerais: Associação entre mineração e tráfico, 1884-1886


Definição de Todos os 67* 56 municípios estáveis 44 municípios estáveis
município minerador municípios no intervalo de 25% no intervalo de 50%

1. Municípios com escravos


C = 0,077 C = 0,055 C = 0,023
na mineração em 1881-82

2. Municípios com passado


C = 0,092 C = 0,026 C = 0,052
minerador

C = coeficiente de contingência.
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

194 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
MANUMISSÃO E O APEGO DOS MINEIROS À ESCRAVIDÃO
A análise apresentada neste capítulo demonstra que Minas Gerais manteve um
vínculo forte e obstinado com o regime escravista durante todo o século XIX. Sua
grande população escrava não era constituída por sobras da época da mineração, e
não exerceu o papel de reservatório de mão de obra para a expansão do setor cafe-
eiro no Sudeste brasileiro.
Não se trata apenas de constatar que Minas Gerais não foi um exportador de
cativos: muito ao contrário, a evidência empírica mostra que, ao longo do século, a
província foi um ativo importador que adquiriu, em termos líquidos, consideravel-
mente mais escravos do que qualquer outra província brasileira. Na verdade, se as
estimativas do tráfico atlântico atualmente disponíveis estiveram corretas, Minas
só fica abaixo de Cuba como destino final dos africanos que cruzaram o oceano no
século XIX.320
A cronologia das importações mineiras é extremamente importante. O maior
influxo ocorreu enquanto o tráfico africano ainda estava aberto, ou seja, numa
época em que o setor minerador estava definhando e o setor cafeeiro ainda estava
na sua infância, e nenhum deles empregava mais do que uns poucos milhares de
escravos. Mesmo depois da metade do século, quando a grande lavoura atingiu sua
maturidade, o café não é capaz de explicar, por si só, nem o volume nem o padrão
do tráfico mineiro de escravos.
Segundo nossas estimativas os distritos cafeeiros foram os principais impor-
tadores de cativos entre 1873 e 1886, e no mesmo período a porcentagem da
população escrava da província residente na região cafeeira, aumentou de 21,5%
para 31,0%. Entretanto, os mesmos números demonstram que a grande maioria
dos escravos de Minas permaneceu fora da zona de plantations. Longe de esta-
rem “ansiosas para ver seu fim”, as áreas onde a grande lavoura exportadora não se
implantou permaneceram apegadas ao regime servil, mantiveram um contingente
cativo numeroso, e um grande número de municípios não cafeeiros continuaram a
ser importadores ativos até os anos finais. Em contraste com as regiões brasileiras
onde a escravidão estava sendo realmente descartada, os preços dos escravos em
todas as regiões mineiras se mantiveram entre os mais altos do Brasil, em níveis
comparáveis aos observados nas áreas de plantation, até os dias finais do regime.
A afirmação de que os escravos foram maciçamente transferidos da mineração
para a cultura do café, está errada nas duas pontas da jornada. É óbvio que o setor
minerador já não dispunha, desde a virada do século, de escravos excedentes que

320 Segundo Curtin, Cuba importou 616.200 africanos entre 1801 e 1865. Curtin. The Atlantic Slave Trade,
p. 40.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


195
pudessem ser exportados, e a evidência analisada demonstra que é um erro iden-
tificar as áreas exportadoras com a mineração presente ou passada, ou as regiões
importadoras de escravos exclusivamente com o café.
O comportamento da província com relação às alforrias oferece outro ângulo
revelador do comprometimento dos mineiros com respeito à instituição servil. O
exame dos dados disponíveis para as províncias brasileiras, nos anos 1870 e 1880,
mostra que os níveis de manumissão refletiam a vitalidade do regime escravista
em cada região. As taxas mais altas de manumissão ocorreram nas áreas onde a
disponibilidade de fontes alternativas de mão de obra tornou os escravos menos
necessários, como no Nordeste e na Corte. Ou nas regiões onde a base econômica
do sistema servil estava se desmoronando, como foi o caso do Rio Grande do Sul e
de algumas províncias nordestinas atingidas pela seca nos anos setenta. Não cons-
titui surpresa o fato de que as províncias com altas taxas de manumissão fossem
também exportadoras de escravos.
Baixos níveis de manumissão foram observados nas províncias economica-
mente prósperas e fortemente dependentes do regime escravista, como o Rio de
Janeiro e São Paulo. É, portanto, muito significativa a constatação de que Minas
Gerais teve, ao longo de todo o período para o qual tais taxas podem ser compu-
tadas de maneira sistemática, os mais baixos índices de alforria do Brasil, como se
pode ver na tabela 4.22. Os dados também mostram que Minas Gerais foi a pro-
víncia que manumitiu a menor porcentagem de sua população escrava entre 1873
e 1885.321
Não foi possível obter dados de manumissão desagregados por municípios, mas
podemos afirmar que as baixas taxas observadas em Minas Gerais não podem ser
atribuídas apenas ao comportamento da zona cafeeira. A taxa provincial é, por defi-
nição, uma média ponderada das taxas das regiões que a compoem. Logo, devido
à grande parcela da população escrava residente fora da área da grande lavoura
exportadora, as baixas taxas observadas no conjunto da província implicam, neces-
sariamente, em baixos níveis de alforria também nessa área. O exercício abaixo, no
qual atribuimos níveis hipotéticos de manumissão para a região cafeeira, permite
balizar as taxas verificadas no restante do território provincial.

321 Thomas Merrick e Douglas Graham, baseados em sua própria imaginação, afirmaram que “a
manumissão se tornara claramente mais extensa no Nordeste (e no velho estado minerador de
Minas Gerais) do que no Rio de Janeiro e São Paulo.”. Merrick and Graham. Population and Economic
Development, p. 70. Não apresentam nenhum dado, fonte ou referência em apoio a essa afirmativa.

196 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela 4.22 - Brasil: Alforrias de escravos, por províncias, 1877-1881
Províncias Taxa anual de alforria 1 % alforriada
1877 1878 1879 1880 1881 1873 -1885 2
Amazonas 7,7 6,1 7,2 14,4 69,8 *
Ceará 12,2 13,1 10,9 13,5 31,8 *
Rio G. do Sul 10,2 10,9 13,9 15,9 18,0 47,1
Município Neutro 20,6 19,0 26,0 33,5 33,3 32,2
Pará 17,8 18,1 16,0 19,5 20,4 25,4
Santa Catarina 8,2 11,2 19,7 30,1 14,5 24,5
Paraná 13,1 22,6 20,5 36,9 18,7 20,4
Mato Grosso 3,7 13,2 12,1 25,6 8,3 13,6
Piauí 12,7 9,5 10,2 15,5 11,8 13,3
Rio G. do Norte 9,9 10,7 10,3 12,7 10,1 12,4
Goiás 6,6 6,7 5,4 12,9 5,8 12,2
Pernambuco 5,4 5,0 6,5 8,7 8,4 11,4
São Paulo 3,9 3,5 3,7 4,7 5,6 9,8
Espírito Santo 5,2 5,9 7,1 8,2 7,4 9,6
Bahia 11,8 10,1 10,5 11,5 16,9 9,2
Sergipe 9,2 5,8 5,7 7,6 6,7 8,8
Alagoas 6,2 5,5 5,4 10,1 6,9 8,7
Maranhão 9,3 7,8 10,7 10,2 11,2 7,4
Rio de Janeiro 4,5 3,9 5,1 5,5 5,8 6,9
Paraíba * * * * * 6,2
Minas Gerais 3,9 3,0 3,2 5,2 5,1 5,0

Brasil 7,0 6,3 7,1 9,1 11,1 11,8


(1) A taxa de alforria é definida como o número de alforrias por mil escravos registrados
no ano.
(2) Porcentagem da população escrava existente em 1873 alforriada entre este ano e 1885.
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Tabela 4.23 - Taxas de alforria 1 na região não-plantation de Minas Gerais,


1877 - 1881

Taxa hipotética de alforria Taxa implícita de alforria na região não-plantation


na zona cafeeira de Minas 1877 1878 1879 1880 1881
1. Igual à taxa de São Paulo 3,9 2,8 3,0 5,5 4,9

2. Metade da taxa de São Paulo 4,5 3,4 3,6 6,2 5,8


(1) A taxa de alforria é o número de alforrias por mil escravos registrados no ano.
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

PARTE I - CAPÍTULO 4 - POPULAÇÃO ESCRAVA, TRÁFICO E MANUMISSÃO EM MINAS NO SÉCULO XIX


197
Ou seja, se a zona cafeeira mineira tiver se comportado com respeito a manu-
missão, exatamente como São Paulo (que tinha a taxa mais baixa entre as províncias
cafeeiras), as taxas da área não-plantation de Minas Gerais ainda seriam as mais
baixas do país. Mesmo no caso improvável de que a zona cafeeira mineira tivesse
níveis de alforria iguais à metade daqueles praticados em São Paulo, sua região
não-cafeeira ainda teria taxas comparáveis às das províncias cafeeiras e muito mais
baixas do que as observadas em qualquer outra parte do Brasil.322

322 Se M, Mc e Mn são respectivamente as taxas de manumissão da província toda, da zona cafeeira e da


zona não-cafeeira, a última é dada por: Mn = (M – Mc · Sc)/Sn (onde Sc e Sn são as participações das duas
regiões na população escrava provincial).

198 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Capítulo 5 - Uma Economia Vicinal

(...) les seuls cordonniers de France


produisaient dix fois plus que les mines réunies
du Pérou, du Brésil et du Mexique (...)
Pierre-Joseph Proudhon
Système des contradictions économiques ou Philosophie de la misère
Paris: Chez Guillaumin et Cie. Libraires, 1846, tome I, p. 35.

N
os capítulos anteriores argumentamos que a Minas Gerais do século XIX
não pode ser descrita nem como uma economia mineradora nem como
uma economia cafeeira. Mostramos que estes dois setores desempenharam
papéis relativamente modestos na vida econômica da província como um todo e,
em particular, que não se pode atribuir a eles a grande população escrava existente
em Minas, nem seu crescimento nesse período. O que foi então a economia pro-
vincial no oitocentos? O que mantinha ocupado seu vasto contigente de escravos?
Quais eram as atividades econômicas de sua grande população livre?
Neste capítulo tentamos responder a estas questões. Argumentamos que em
Minas, excetuado o setor cafeeiro da Zona da Mata, a produção para exportação
era a exceção e não a regra. O grosso da economia mineira era a antítese da grande
lavoura monocultora e exportadora organizada em plantations. Ao longo de todo o
século essa economia era constituída principalmente por estabelecimentos agríco-
las e pecuários que produziam basicamente para seu próprio consumo e vendiam
seus excedentes dentro da própria província ou no mercado brasileiro interno,
sobretudo para a cidade do Rio de Janeiro. As mercadorias enviadas para fora de
Minas eram alimentos básicos, animais vivos, queijos e outros derivados da pecu-
ária bovina e suína, fumo e algumas manufaturas simples como panos de algodão
grosseiro. Todos esses itens eram largamente consumidos dentro da província e, na
maioria dos casos, as quantidades exportadas eram desprezíveis em comparação
com a produção e o consumo provinciais desses artigos.

199
A propriedade rural típica de Minas Gerais, embora frequentemente incluisse
grandes extensões de terra, e algumas vezes uma grande força de trabalho escravo,
em nada se parecia com a grande lavoura exportadora. Faltavam-lhe quase todas as
características definidoras de uma plantation, ou sejam, a concentração monocul-
tora, a disciplina e o método quase-fabril de trabalho e administração e, acima de
tudo, a orientação exportadora da grande lavoura.
As fazendas mineiras eram, bem ao contrário, unidades autossuficientes, espa-
lhadas por um vasto território, isoladas dos grandes mercados internacionais e,
em algumas regiões, apenas parcialmente integradas na economia monetária. Sua
tecnologia era bastante rudimentar e sua produção extremamente diversificada
internamente. Geralmente incluía produtos “coloniais” historicamente associados
à plantation exportadora, como o açúcar e o algodão, mas em Minas esses artigos
eram cultivados quase exclusivamente para consumo dentro da própria província.
Ainda mais distantes do paradigma da plantation estavam o sítio, a roça e a fazenda
de gado, os quais, juntos com a fazenda diversificada e polivalente, continuaram
a ser o cerne da vida econômica de Minas mesmo durante o período da expansão
do café. Resumir a história econômica de Minas do século XIX como uma mera
transição da mineração para o café é um erro grosseiro. Caracterizar a província
como uma província cafeeira é concentrar o foco no apêndice, e ignorar a essência
dessa economia.

TRANSFORMAÇÃO ESTRUTURAL DURANTE


O DECLÍNIO DA MINERAÇÃO
Descrever sinteticamente a economia da província não é uma tarefa fácil, pois
nela não encontramos em lugar algum a simplicidade estrutural típica das econo-
mias de plantation exportadora. Desde o começo de sua colonização, Minas Gerais,
apresentou características que contrastavam marcadamente com a
economia de latifúndios e plantations do litoral. As descobertas de ouro
criaram pela primeira vez, a centenas de quilômetros da costa, novos
mercados para produtos como aguardente e açúcar, que até então só
tinham sido exportados. Muito cedo os próprios mineiros começaram
a produzir localmente alguns produtos básicos essenciais para o
abastecimento dos núcleos mineradores em expansão.323

323 Maxwell. Conflicts and Conspiracies, p. 87.

200 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Durante a fase ascensional do ciclo de ouro a sociedade mineira era mais urba-
nizada do que qualquer outra região da América portuguesa e uma considerável
parte de sua população estava engajada em uma atividade não-agrícola especiali-
zada. As grandes distâncias que separavam os centros mineradores da costa e de
outras áreas já colonizadas, e os altos preços das necessidades mais básicas, gera-
ram um forte estímulo para o surgimento de uma oferta local. A diversificação da
economia regional foi, portanto, concomitante com a expansão da mineração e
representou, inicialmente, uma resposta à demanda gerada pelos setores urbanos
e mineradores.324 O declínio da mineração, no terceiro e quarto quartéis do século
XVIII, intensificou o processo de diversificação e conduziu a economia regional
em direção a um crescente isolamento dos mercados externos, à medida em que a
queda da produção de ouro reduzia progressivamente sua capacidade de importar.
Essa tendência está claramente refletida na arrecadação dos direitos de entra-
das. Esses impostos de importação sobre as mercadorias que entravam em Minas
Gerais eram divididos em duas grandes categorias: “as fazendas secas, que incluíam
todos os itens não-comestíveis estavam sujeitas a uma taxa fixa de 1.125 réis por
arroba, e os molhados (alimentos e bebidas) que pagavam 750 réis por cada carga
de duas até três arrobas de peso”.
Como essas alíquotas permaneceram fixas de 1714 em diante, a receita arreca-
dada reflete basicamente o volume físico das importações. A arrecadação também
era afetada, é claro, pela composição da pauta, que evoluiu no sentido da queda na
participação dos artigos molhados e do aumento das fazendas secas, que consis-
tiam principalmente em manufaturados europeus, mais dificilmente substituídos
pela produção local. Então, como a alíquota das fazendas secas era mais alta do que
dos molhados, a receita registrada dos direitos de entrada subestima o declínio da
quantidade física das importações.325
Em 1818-19, foram arrecadados 183.834 mil réis de direitos de entradas, indi-
cando que o volume das importações tinha apresentado alguma recuperação com

324 Sobre a diversificação precoce da economia mineira, ver Zemella. O Abastecimento, pp. 206-08; Singer.
Desenvolvimento Econômico, pp. 202-05; Maxwell. Conflicts and Conspiracies, pp. 87-90. Singer é
especialmente enfático ao criticar o empenho de “muitos historiadores em apresentar a economia de
Minas, no século XVIII, como sendo de quase mono-produção de ouro e pedras preciosas, datando
o surgimento das atividades agrícolas no solo mineiro apenas do fim da mineração, como atividade
substitutiva desta. Esta distorção na análise dos fatos históricos permeia toda a historiografia
brasileira e se explica pelo menosprezo com que eram encaradas as atividades de subsistência pelos
contemporâneos, cujos depoimentos chegaram até nós”.
325 A citação é de Maxwell. Conflicts and Conspiracies, pp. 84-85. Sobre os direitos de entrada, ver
também Boxer. The Golden Age, pp. 189-90.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


201
relação à última década do século anterior, mas ainda se situava abaixo do nível da
década 1751-60. Algumas décadas mais tarde, em 1844-45, a receita desse tributo
foi somente 104.592 mil réis. As importações tinham voltado a cair, atingindo o
nível de apenas 55% do máximo da série, observado em 1751-60. Em termos per
capita, a tendência ao declínio foi monotônica: do índice 100 em 1776 caiu para 79
em 1786, 73 em 1818-19 e apenas 29 em 1844-45.326

Tabela 5.1 - Minas Gerais: Arrecadação dos


direitos de entradas, 1717-1800, por períodos, em milréis
Período Direitos Média Índice
arrecadados anual (1751-60 = 100)
1717-1720 125.635 31.409 16,7
1721-1730 900.241 90.024 47,9
1731-1740 1.352.190 135.219 71,9
1741-1750 1.832.025 183.203 97,4
1751-1760 1.881.170 188.117 100,0
1761-1770 1.765.043 176.504 93,8
1771-1780 1.412.594 141.259 75,1
1781-1790 1.244.286 124.429 66,1
1791-1800 1.206.673 120.667 64,1
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

A crescente restrição da capacidade de importar deflagrou um vigoroso pro-


cesso de substituição de importações, de profundas e duradouras consequências.
Atividades que tinham sido ancilares ao setor minerador tornaram-se centrais na
vida econômica provincial. O processo foi acompanhado pela dispersão da popu-
lação pelo território e o foco principal da economia se transferiu das cidades e
vilas para as fazendas e roças. Com exceção de alguns poucos lugares, os animados
centros urbanos da era do ouro tornaram-se villes de dimanche, onde a maioria das
casas permanecia fechada durante a semana, despertando somente nos domingos

326 Os direitos de entradas, em 1818-19 e 1844-45 são, respectivamente, de Eschwege. Notícias e


Reflexões, p. 747 e Falla...pres. Quintiliano José da Silva, 1846, p. 122. Os dados da população usados
para computar os índices per capita são de População da Província de Minas Gerais, p. 294; Oliveira
Viana. Resumo Histórico, p. 405 e Iglésias. Política Econômica, pp. 119-20. A população em 1845 foi
calculada aplicando-se à população de 1819 a taxa de crescimento observada no período 1819-1854.
Não foi possível determinar positivamente se as alíquotas permaneceram inalteradas até 1844-45,
mas a não ser que tenham caído muito, ocorreu claramente uma forte queda nas importações. O
volume total da arrecadação das entradas nesse ano foi somente 57% do nível de 1818-19.

202 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
e feriados, quando seus proprietários, fazendeiros da vizinhança, se reuniam para
a missa.327
No final do século XVIII, Minas Gerais tinha se tornado autossuficiente na
produção de alimentos e começou a exportar o excedente, principalmente para o
mercado urbano do Rio de Janeiro, mas também para a Bahia e Pernambuco. Os
viajantes do início do século XIX frequentemente encontravam tropas de mulas
carregadas de artigos mineiros a caminho dessas províncias. Ao Rio de Janeiro
eram enviados fumo, toucinho, pano de algodão, queijos, gado vacum, porcos em
pé, galinhas, couros e solas, milho, feijão, vários alimentos processados e muitas
manufaturas simples, além do café, que se destinava ao mercado externo. Para a
Bahia e Pernambuco, descendo o rio São Francisco, as exportações eram de farinha
de mandioca, feijão, milho, toucinho, carne seca, couro e rapaduras.328
As importações, que vinham principalmente do Rio de Janeiro, consistiam
basicamente de sal, tecidos e manufaturas européias, matérias primas (ferro, cobre,
chumbo, estanho) e alimentos de luxo, como vinhos e outras bebidas, azeitonas
e azeite de oliva, vinagres e presuntos – e, é claro, muitos escravos. Nenhum item
básico da dieta mineira era importado. A província era totalmente autossuficiente na
produção de seus alimentos.329
No setor manufatureiro o escopo da substituição de importações foi muito mais
limitado, mas, mesmo assim, a resposta foi bastante impressionante, para a época
e o lugar. Em vários lugares apareceram fundições de ferro, que começaram a pro-
duzir substitutos locais para as ferramentas agrícolas e de mineração anteriormente
importadas. Seu desenvolvimento foi de tal ordem que, quando a Coroa suspendeu
a proibição sobre a produção colonial de ferro, ela estava apenas se curvando diante
de um fato consumado.330
Ainda mais importante foi a vasta indústria têxtil, apoiada por um extenso
cultivo do algodão. Considerada pelas autoridades metropolitanas como uma das

327 Todos os viajantes do século XIX deixaram descrições da sonolenta vida urbana de Minas no período.
Veja, por exemplo, Saint-Hilaire. Viagem às Províncias, vol. 1, pp. 140-41, 270; e Viagem às Nascentes,
vol. 1, p. 160.
328 Veja Spix e Martius. Viagem, vol. 1, pp. 118, 120, 148, 187; vol. 2, pp. 236, 241-48; Pohl. Viagem,
vol. 1, p. 190; vol. 2, p. 44; Eschwege. Notícias, pp. 748-49. As exportações de Minas Gerais no século
XIX são analisadas adiante, neste capítulo.
329 A única listagem detalhada das importações de Minas Gerais no começo do século XIX, que conheço,
é referente a 1818-19, e foi publicada por Eschwege em Notícias, p. 747. Veja também Pohl. Viagem,
vol. 1, p. 190; Spix e Martius. Viagem, vol. 1, pp. 187, vol. 2, pp. 236 e 241-48.
330 Zemella. O Abastecimento, p. 254.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


203
causas do declínio da mineração e uma séria ameaça para o desenho mercantilista
do império português, a indústria têxtil mineira foi o verdadeiro alvo do famoso
Alvará de 1785, que determinou a destruição dos teares no Brasil.
Referindo-se, em particular, ao desenvolvimento têxtil e, mais genericamente, à
visível tendência à diversificação e à autossuficiência econômica da região, o preo-
cupado Secretário dos Negócios Ultramarinos, Martinho de Mello e Castro, preve-
niu o recém-nomeado Governador de Minas, Luiz Antônio Furtado de Mendonça,
em 1788, que “é indispensavelmente necessário que a capitania de Minas Gerais se
conserve em alguma dependência das outras capitanias pelo que respeita ao seu
consumo e giro do seu comércio (...)”. Os mineiros, explicou Mello e Castro,
não satisfeitos com os tesouros que a terra lhes oferece, nem com o
útil comércio que deles lhes resulta, estendendo as suas vistas a outros
objetos, se determinaram a estabelecer em Minas Gerais, diferentes
fábricas e manufaturas, levando-as a um tal adiantamento que (...) se
continuassem nele, dentro de muito pouco tempo ficariam os habitantes
dessa capitania independentes das desse reino pela diversidade de
gêneros que já nas suas fábricas se trabalhavam.331

O Marquês de Lavradio, Vice-rei do Brasil de 1769 a 1779, não estava menos


alarmado, quando reportou, ao transmitir o governo a seu sucessor,
a independência, que os povos de Minas se tinham posto dos gêneros
da Europa, estabelecendo a maior parte dos particulares, nas suas
próprias fazendas, fábricas e teares, com que vestiam a si, e à sua família e
escravatura, fazendo panos e estopas, e diferentes outras drogas de linho
e algodão, e ainda de lã.332

O Vice-rei alertava que “deviam considerar que uns povos compostos de tão
más gentes, em um país tão extenso, fazendo-se independentes, era muito arris-
cado a poderem algum dia dar trabalho de maior consequência.”333 A tenaz oposi-
ção da metrópole às fábricas têxteis não impediu o crescimento da indústria têxtil
doméstica. No início da década de 1800, sua produção era grande bastante para
suprir a massa da população mineira e ainda exportar para as províncias vizinhas o

331 Martinho de Mello e Castro. Instrução para o Visconde de Barbacena, Luiz Antônio Furtado de
Mendonça, Governador e Capitão General da Capitania de Minas Gerais. Revista Trimensal de História
e Geographia ou Jornal do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro, n. 21, abril de 1844, pp. 19 e 47.
332 Relatorio do Marquez de Lavradio, Vice-Rei do Rio de Janeiro, entregando o Governo a Luiz de
Vasconcellos e Souza, que o succedeu no vice-reinado. Revista Trimensal de História e Geographia ou
Jornal do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro, n. 16, janeiro de 1843, p. 457.
333 Relatório do Marquez de Lavradio, p. 458.

204 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
que pareceu a um observador contemporâneo “uma quantidade colossal” de panos
grosseiros de algodão.334
As principais linhas do desenvolvimento de Minas Gerais na segunda metade
do século XVIII são, portanto, bastante claras. A direção da mudança foi da mine-
ração para a agricultura, do urbano para o rural e, acima de tudo, de um alto grau
de especialização no ouro e dependência de fontes externas de abastecimento para
uma crescente diversificação, autossuficiência e crescimento baseados principal-
mente no mercado interno.
Os registros fiscais da capitania nos permitem construir uma medida da intro-
versão da economia mineira nesse período. Os já mencionados direitos de entradas
são um indicador do volume das importações. Os dízimos eram tributos cobrados
sobre uma ampla lista de produtos agrícolas e outros bens e serviços, com uma
única alíquota, de 10% sobre seus valores.335 Sua arrecadação, fornece, portanto,
uma medida do nível da atividade econômica doméstica. A razão entre os dois
indicadores (dízimos divididos por entradas) mostra a evolução da importância
relativa da produção interna versus importações.336 O persistente crescimento do
índice por toda a segunda metade do século XVIII indica claramente o movimento
em direção à autossuficiência e ao isolamento.

334 Spix e Martius. Viagem, vol. 1, p. 118. O desenvolvimento da indústria têxtil de algodão mineira no
século XIX é descrito mais adiante. As evidências aqui apresentadas devem ser comparadas com
a citação abaixo, de Celso Furtado, que ilustra o estado deplorável da pesquisa sobre a história
econômica de Minas: “Este conjunto de circunstâncias tornava a região mineira muito mais propícia
ao desenvolovimento de atividades ligadas ao mercado interno do que havia sido até então a região
açucareira. Contudo, o desenvolvimento endógeno, isto é – com base em seu próprio mercado – da
região mineira, foi praticamente nulo. É fácil compreender que a atividade mineratória haja absorvido
todos os recursos disponíveis na etapa inicial. É menos fácil explicar, entretanto, que, uma vez
estabelecidos os centros urbanos, não se hajam desenvolvido suficientes atividades manufatureiras
de grau inferior, as quais poderiam expandir-se na etapa subsequente de dificuldades de importação”.
Furtado. Formação Econômica, p. 86.
335 O dízimo compreendia a décima parte de todos os produtos da agricultura e da pecuária e dos
rendimentos de qualquer emprego, ofício ou negócio. Boxer. The Golden Age, p. 189.
336 A fonte dos dados é Maxwell. Conflicts and Conspiracies, pp. 147-48. As séries das receitas do dízimo
e das receitas das entradas foram suavizadas tomando-se suas médias móveis de três anos e em
seguida os dízimos foram divididos pelas entradas. Essa razão foi denominada “indice de introversão”.
Por construção, valores crescentes do índice significam que a podução doméstica se tornava mais
importante em relação às importações. Deve ser notado que, embora a arrecadação do dízimo seja
uma medida direta do produto nominal, a receita das entradas é apenas um índice das importações.
Portanto, a razão entre essas duas grandezas não mede o grau de abertura da economia. Os valores
do índice de introversão não carregam, em si, nenhum significado específico, apenas sua tendência é
significante.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


205
Gráfico 5.1 - Índice de introversão da economia mineira, 1750 - 1800
80

70

60

50

40

30

20
1750 1755 1760 1765 1770 1775 1780 1785 1790 1795 1800

Fonte: Maxwell. Conflicts and Conspiracies, pp. 147-48. Veja a nota 336 para a definição do índice.

ISOLAMENTO E AUTOSSUFICIÊNCIA NO SÉCULO XIX


É fundamental perceber que a transformação pela qual passou a economia
mineira depois do apogeu da mineração, não foi um arranjo provisório, um entre-
ato, uma pausa para arrumação, nem um estupor passageiro do qual foi despertado
pela chegada do café. Quando o “ciclo” do ouro se esgotou, Minas Gerais deixou
de ser uma economia exportadora, para sempre. A estrutura econômica que tomou
forma no final do setecentos permaneceu essencialmente inalterada, e suas linhas
principais - autossuficiência e independência dos mercados externos - foram refor-
çadas ao longo do século XIX. Em muitos lugares da província essa estrutura sobre-
viveu ao império e persistiu até o século atual.337
As administrações provinciais e imperial tentaram desesperadamente reinte-
grar Minas nos circuitos do comércio internacional. Suas tentativas para estimular
a produção de mercadorias exportáveis incluíram experimentos com diversos tipos

337 Para uma análise da economia e da política de Minas durante a primeira república (1889-1930), que
destaca sua diversificação e crescimento interno, e desenfatiza o papel do setor cafeeiro, veja Amilcar
Martins Filho. Minas e São Paulo na Primeira República Brasileira: a ‘Política Café com Leite’ (1900-
1930). Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, 1978.

206 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
de chá, trigo, centeio, cevada, uvas para vinho, bichos-da-seda, cochonilhas, lhamas,
alpacas, camelos e dromedários e, como se poderia prever, resultaram, sem exce-
ção, em completos fracassos.338 Minas Gerais manteve seu caráter não-exportador.
O surgimento da lavoura do café, e seu rápido crescimento após a metade do
século não mudaram esse panorama. A área cafeeira foi desde o começo, e per-
maneceu por todo o império, um enclave plantacionista-exportador, que teve um
impacto bastante reduzido sobre o cerne da economia da província. Inferir, a par-
tir do tamanho absoluto do setor cafeeiro, que Minas Gerais era uma economia
exportadora, ou rotulá-la de “província cafeeira”, é uma generalização equivocada,
baseada em informação incompleta e superficial sobre a economia provincial.
A grande e crescente participação do café nas exportações totais de Minas tam-
bém tem sido invocada para arguir o peso dessa atividade no cenário mineiro, mas
na verdade o que os números revelam é a pequena importância das exportações no
conjunto da economia provincial. A parte não-cafeeira de Minas, que compreen-
dia, nas últimas décadas do império, cerca de 96% do território, 79% dos escravos
e mais de 80% da população livre, gerou bem menos de 30% das exportações no
período 1850-1888.339
Ao longo deste capítulo usaremos o termo exportação para designar todos os arti-
gos enviados para mercados fora da província. As exportações incluem, portanto,
tanto as vendas para outras províncias como as vendas para outros países. Importação,
por seu lado, se refere a todos as mercadorias trazidos de fora da província, sejam elas
originadas em outras províncias ou em outros países. Da mesma forma, os termos
interno e doméstico se referem sempre a Minas Gerais, e não ao Brasil.
A evolução das exportações não-cafeeiras é mais representativa do comporta-
mento exportador de Minas do que o desenvolvimento das exportações de café,
porque reflete a história da maior parte da economia provincial. O valor per capita
das exportações não-cafeeiras foi muito baixo durante todo o século. Seu cresci-
mento foi lento e inconstante em termos nominais e, em termos reais, apresentou
uma queda significativa ao longo do período estudado. Em dólares americanos as
exportações não-cafeeiras per capita diminuíram de 2,70 em 1819 para 1,71 em
1888.340 No caso de alguns produtos importantes, como porcos vivos e panos de

338 Iglésias. Política Econômica, pp. 70-81, passim.


339 As populações das zonas cafeeira e não-cafeeira são do Recenseamento 1872. Os dados de exportação
são de A. Alvim. Confrontos e Deduções, pp. 80-83. Os produtos não-café responderam por 31% do valor
total das exportações em 1885-1888, mas uma grande parte delas era produzida na região cafeeira.
340 As taxas cambiais usadas para converter milréis em dólares são de Julian Smith Duncan. Public and

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


207
algodão, as quantidades totais exportadas declinaram, especialmente após a metade
do século.341

Gráfico 5.2 - Minas Gerais: Valor das exportações de café


como porcentagem das exportações totais, 1839-1888
90

80

70

60

50

40

30

20

10

1884-1885
1875-1876

1878-1879

1881-1882
1869-1870

1872-1873
1860-1861

1863-1864

1866-1867
1851-1852

1854-1855

1857-1858
1845-1846

1848-1849
1839-1840

1842-1843

1888
Fonte: Aristóteles Alvim. Confrontos e Deduções, pp. 80-83

Tabela 5.2 - Minas Gerais: Exportações per capita de café


e produtos não-café, 1819-1888, anos selecionados
Ano Valor nominal Valor real
(milréis correntes) (milréis de 1819)
café não-café total café não-café total
1819 0,05 2,60 2,65 0,05 2,60 2,65
1845 0,78 1,86 2,64 0,58 1,30 1,88
1868 6,20 3,18 9,38 2,02 0,90 2,92
1882 10,60 3,33 13,93 2,77 0,68 3,45
1888 13,60 3,36 16,96 2,63 0,60 3,23
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Private Operation of Railways in Brazil. New York: Columbia University Press, 1932, pp. 183-84.
341 Veja a Tabela 5.6, adiante.

208 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Para os observadores contemporâneos era perfeitamente claro que Minas não
era nem uma economia exportadora, nem uma economia de plantation. Sua ima-
gem como “província cafeeira” é uma criação dos historiadores do século XX. Louis
François de Tollenare, que viveu no Brasil de 1816 a 1818, expressa com precisão
esse ponto de vista, ao observar que,
a província mais interessante é a de Minas Gerais, que conta um milhão
de habitantes, fornece poucos gêneros para o comércio, mas produz
muitos para o consumo interno ... Concebe-se que não é só a extração de
(...) ouro que ocupa toda aquela população, e sim a pequena lavoura, que
nós europeus, acostumados a não ver nos produtos da América senão
açúcar café e algodão, desdenhamos.342

Escrevendo sobre o mesmo período, Auguste de Saint-Hilaire observou que,


em muitas outras partes da província, os donos de terra não consideram
lucrativo cultivar milho além da quantidade necessária para o consumo
de suas próprias casas e, a despeito de seu maior valor, o açúcar e o café
também não podem ser exportados para lugares distantes, uma vez que
têm que ser transportados por mulas.

A dificuldade para exportar não significava, entretanto, um problema, na opi-


nião do botânico francês. Em um comentário que lhe valeu a eterna simpatia dos
mineiros, ele observou que a província era superiormente dotada para uma vida
autárquica: “Se existe alguma região que possa dispensar o resto do mundo, será
certamente a Província das Minas, quando seus inúmeros recursos forem explora-
dos por uma população mais densa.343
Outras fontes valiosas sobre a estrutura da economia regional desse período são
as corografias, um tipo de publicação muito popular no século XIX, que apresenta
sumários descritivos dos municípios ou distritos, listando suas atividades econô-
micas e seus produtos, além de registrar, em muitos casos, indicações sobre os flu-
xos de comércio. As corografias sobre Minas Gerais na primeira metade do século
confirmam a visão aqui apresentada.344

342 Louis François de Tollenare. Notas Dominicais tomadas durante uma viagem em Portugal e no Brasil
em 1816, 1817 e 1818. Salvador: Livraria Progresso Editora, 1956, p. 315.
343 Saint-Hilaire. Viagem pelas províncias, vol. 2, p. 154, vol. 1, p. 86.
344 Algumas boas corografias, focalizando ou incluindo Minas Gerais no século XIX, são: Manuel Ayres
de Casal. Corografia Brasílica ou Relação Histórico-Geográfica do Reino do Brasil. São Paulo: Editora
Cultura, 1943 (originalmente publicada em 1817); José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo. Memórias
Históricas do Rio de Janeiro e das Províncias anexas à jurisdição do Vice-Rei do Estado do Brasil. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1948 (originalmente publicadas em 1822), vol. 8, tomo 2; J. C. R. Milliet de

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


209
Na maioria dos lugares a base da vida econômica era o cultivo de gêneros
“comuns” e a criação de gado para consumo local, ou para venda nas cidades vizi-
nhas. A manufatura em pequena escala, também para mercados locais, é frequen-
temente citada. Em muitos poucos casos a produção era comercializada em merca-
dos localizados fora da província. Entre esses, o mais importante foi o curto boom
de exportação de algodão em rama nas duas primeiras décadas do século.
Bovinos, suínos e seus derivados, assim como fumo em rolo e têxteis de algodão
foram exportados em quantidades razoavelmente grandes durante a maior parte
do período, mas todas essas atividades eram basicamente voltadas para o mercado
interno, e suas exportações eram inferiores ao consumo provincial. Mesmo no caso
do café, a maior parte da produção era consumida dentro da província até a década
de 1850.
Na segunda metade do século várias fontes registram o crescimento do setor
cafeeiro, mas indicam que nada tinha mudado no resto da província. Os obstácu-
los para o desenvolvimento das exportações não tinham sido superados, exceto na
Zona da Mata. Minas era, nas palavras de um deputado provincial, em 1875,
fértil, prodigiosamente fértil, não só em produtos naturais, mas ainda
em produtos estrangeiros; em todos os seus municípios dá muito bem
o café, o algodão, a cana, todos esses gêneros que podiam enriquecê-la
(...) Entretanto, nós não exportamos uma arroba de açúcar, um litro de
aguardente; não exportamos, por assim dizer, senão algum café desses
ricos municípios da Mata, que estão mais em contato com a província do
Rio de Janeiro, e mais próximos do mercado da Côrte. A razão de tudo
isso é a falta de estradas; não vale a pena cultivar esses gêneros porque a
despesa do transporte absorve todo o preço que eles alcançam.345

A descrição que James Wells faz de São José, no coração da província, é típica
de muitos lugares de Minas, em 1873: “Não há, na verdade, nenhuma exportação
de excedentes, pois quase toda a produção é consumida localmente; alguns artigos

Saint Adolphe. Diccionário Geográfico, Histórico e Descriptivo do Império do Brasil. 2 vols. trad. Caetano
Lopes de Moura. Paris: J. P. Aillaud, 1845; H. G. F. Halfeld und J. J. von Tschudi. Die Brasilianische
Provinz Minas Gerais. Erganzungsheft Nr. 9 zu Peterman’s Geograhischen Mitteilugen. Gotha: Justus
Perthes, 1862. Para a década de 1870, veja José Joaquim da Silva. Tratado de Geographia Descriptiva
Especial da Província de Minas Geraes. Rio de Janeiro: Typografia Universal de E. e H. Laemmert, 1878.
Também muito informativo é o relatório sobre o “Estado moral e material dos diversos municípios da
província”, inserido na Falla... pres. Quintiliano José da Silva, 1846, pp. 28-59. Os livros de Saint-Hilaire,
Spix e Martius, Pohl, Burton e Wells, listados na bibliografia, não são em formato corográfico, mas são
também muito ricos em informações sobre a economia de Minas no século XIX.
345 Deputado provincial Batista Pinto, citado por Miguel Costa Filho. A Cana de Açúcar em Minas Gerais.
Rio de Janeiro: Instituto do Açúcar e do Álcool, 1963, p. 216.

210 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
simples, tais como morins e estampados baratos, xales coloridos, pólvora, balas, sal,
algumas ferragens, bacalhau e vinho, são importados de Barbacena, mas o misté-
rio é saber de onde vêm os meios para pagar por eles”. A ausência de exportações,
entretanto, não significava uma prostração da economia local. Muito pelo contrá-
rio, aparentemente havia fartura e prosperidade, pois Wells registrou que “todos os
artigos de consumo local são baratos: galinhas gordas custam cerca de 8 d. e uma
dúzia ovos se compra por 1 d.; milho, legumes e verduras, e peixes de água doce são
extremamente baratos”.346 Mais para o interior, na bacia do São Francisco, o mesmo
autor comentou que mesmo o comércio interno era muito limitado:
todos produzem as mesmas coisas e sabem que, se a produção exceder
a demanda dos pequenos mercados locais, os preços deixam de ser
remunerativos. Se a colheita foi ruim, aqueles que, por sorte, têm algum
excedente disponível, são beneficiados pelos preços altos; se foi boa,
armazenam o feijão, o milho, a farinha, etc, para a estação seguinte; mas
recebem pequena recompensa por seus excedentes, já que todo mundo
está na mesma condição e não precisa de comprar ou trocar.347

O isolamento das regiões de Minas e a deficiência do sistema de transportes


como obstáculos para o desenvolvimento das exportações foram, uma vez mais,
observados em 1879 por Henri Gorceix. Viajando pelo vale do Jequitinhonha,
Gorceix notou que a agricultura (incluindo gêneros próprios para o mercado
externo) e a pecuária prosperavam em muitos lugares,
O algodão ergue-se por toda parte, o milho produz uma média de 150 a 200
por um, a cana desenvolve-se tão bem como nas melhores e tão afamadas
terras do litoral da Bahia e Pernambuco e, apesar da seca que havia quando
passei, o gado estava todo gordo e sadio. Entretanto o progresso ali não
se produz: a dez ou quinze léguas distante desses celeiros manifestou-se
a fome (...) Por que? Não há meios de comunicação! (...) quem há de se
aventurar a produzir em grande escala tendo que esperar meses e meses,
ou mesmo um ano, um vapor que não lhe poderá exportar senão uma
partida, e lhe importar com frete oneroso os objetos de necessidade?348

O problema do transporte era, de fato, uma séria limitação para Minas Gerais.
Até bem tarde no século XIX, as principais saídas para a exportação da província
eram as acidentadas trilhas do período colonial. A única alternativa para a tropa de

346 Wells. Exploring and Travelling, vol. 1, p. 111.


347 Wells. Exploring and Travelling, vol. 1, pp. 297-98.
348 Henri Gorceix, citado no Relatório...pres. Rebello Horta, 1879, pp. 47-48.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


211
mulas, exceto pela limitada navegação de uns poucos rios do norte, era o pesado,
e ainda mais rudimentar, carro de bois. Tinha uma capacidade de carga maior,
mas era muito mais lento e mais exigente com relação à qualidade das estradas.
Trafegando por estradas favoráveis, um carro puxado por dezoito bois podia carre-
gar 1.200 quilos e percorrer 12 quilômetros por dia.349 O carro de boi era, portanto,
limitado ao transporte local, enquanto o comércio de longa distância permanecia
inteiramente dependente da mula.
No sudeste de Minas a situação começou a mudar radicalmente com a inaugu-
ração da estrada União e Indústria em 1861, mas no resto da província não ocor-
reu nenhum progresso significativo até cerca de vinte anos mais tarde. Em 1869,
a ferrovia chegou à Zona da Mata quando a Pedro II alcançou à fronteira mineira.
Em 1871, a linha atingiu Porto Novo do Cunha, de onde partiu a Estrada de Ferro
Leopoldina. O primeiro trecho dessa ferrovia foi aberto ao tráfego em 1874, e em
poucos anos ela tinha se transformado em uma extensa rede, que cobria a maioria
dos distritos cafeeiros. No início dos anos oitenta também foram construídas na
Mata as ferrovias Juiz de Fora a Piau (que chegou a Lima Duarte em 1884, e a Rio
Novo em 1888) e a E. F. União Mineira, comprada pela Leopoldina em 1884.

Tabela 5.3 - A malha ferroviária mineira, 1884-1889

Ferrovia Região servida Quilômetros em operação


1884 1887 1889
D. Pedro II Mata e Metalúrgica-Mantiqueira 242 250 392
Leopoldina Mata 277 523 1
764
União Mineira 2 Mata 117
Juiz de Fora-Piau Mata 40 40 60
Oeste de Minas Metalurgica-Mantiqueira e Oeste 99 99 320
Minas and Rio Sul 170 179 179
Mogiana 3 Sul, Alto Paranaiba e Triângulo 0 121

Total 945 1.091 1.836


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

349 Iglésias. Política Econômica, p. 160.

212 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Fora da região cafeeira o transporte ferroviário só teve início no final dos anos
setenta. A construção teve um ritmo relativamente rápido durante a década de
1880, mas, nos últimos anos do Império, a rede ferroviária mineira ainda era extre-
mamente pequena em relação ao território provincial. Em 1883, a linha tronco da
Pedro II tinha atingido Carandaí, já bem além da fronteira do café. Em 1884, o
tráfego foi aberto até Queluz, e a construção continuou no rumo norte em direção
ao interior mineiro, alcançando Ouro Preto em 1889. A Estrada de Ferro Oeste
de Minas partiu da D. Pedro II na estação de Sítio, perto de Barbacena, rumando
para oeste, em direção a São João del Rei (1881) e Oliveira (1889). O Sul foi servido
inicialmente pela Minas and Rio Railway, inaugurada em 1884, que começava em
Cruzeiro, na fronteira com São Paulo, e chegava até Três Corações, e depois por
um ramal da E. F. Mogiana, que atingiu Poços de Caldas em 1886. Outra extensão
da Mogiana servia o Triângulo Mineiro, inaugurando o tráfego para Uberaba em
1889.350
Fica claro, portanto, que o preâmbulo da história ferroviária de Minas refletiu
a bipolaridade da economia provincial. Na Mata, o avanço dos trilhos foi alavan-
cado pela vigorosa expansão da plantation exportadora: a zona cafeeira, que não
ocupava mais do que 4% do território mineiro, detinha 55% da extensão ferroviária
total de Minas em 1884, 60% em 1887, e 50% em 1889.
No resto da província o desenvolvimento foi mais lento e muitas vezes determi-
nado por critérios não-econômicos. Comentando sobre os resultados da D. Pedro
II na região central de Minas, um engenheiro ferroviário salientou, em 1885, que
a escassez de tráfego nesta seção da linha já tinha causado consideráveis prejuízos
à companhia, e previu que sua subsequente extensão para o interior mineiro, em
construção na época, “reduziria grandemente, por muitos anos, os lucros da ferro-
via, pois o insignificante volume de tráfego terá de ser feito com um considerável
excesso de despesas sobre receitas”.351

350 As notas sobre os primórdios da malha ferroviária mineira são baseadas em Iglésias. Política
Econômica, pp. 161-67; Wells. Exploring and Travelling, vol. 2, pp. 331-43; Hastings Charles Dent. A
Year in Brazil. With notes on the abolition of slavery, the finances of the Empire, religion, meteorology,
natural history, etc. London: Kegan Paul, Trench and Co., 1886., pp. 267-72; Ricketts (Consul). British
Consulat Rio de Janeiro. Foreign Office. Miscellaneous Series, vol. 82, n. 58. Reports on Subjects of
General and Commercial Interest. Brazil. Report on the Province of Minas Geraes. 1887, p. 13; Falla...
pres. Gonçalves Chaves, 1884, pp. 93-99; Falla...pres. Gonçalves Chaves, 1883, p. 75; e Relatório...
pres. Sá e Benevides, 1869, p. 23.
351 Wells. Exploring and Travelling, vol. 2, pp. 332-22. No capítulo 3 já mencionamos que as perspectivas
de tráfego de outra estrada de ferro não-cafeeira, a Minas and Rio Railway, eram também vistas com
grande pessimismo pelos contemporâneos.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


213
As contrastantes estruturas econômicas da Mata e do resto de Minas prevalece-
ram até o fim do Império. Em sua Falla de 1883 à Assembleia Provincial, o presi-
dente Antônio Gonçalves Chaves descreveu Minas como uma província
dividida, como sabeis, em duas zonas distintas: a da Mata, em que se
pratica a grande cultura; e a dos campos, em que se exerce a indústria
pastoril e quase exclusivamente a cultura de cereais” (...) Produzir
quase exclusivamente para o consumo é a sorte da pequena lavoura que
predomina na região dos campos. (...) Nossa agricultura, “com exceção
feita da produção do café, não passou ainda, em geral, do período que se
denomina – doméstico.”352

Em 1887, o cônsul britânico no Rio informou ao Foreign Office que a provín-


cia do Rio de Janeiro, “com uma população muito menor, gera muito mais receita
do que Minas.” Segundo ele, “este estado de coisas pode ser atribuído em grande
medida ao fato de que, na província do Rio os habitantes estão, em sua maior parte,
engajados em plantations de café e de cana de açúcar, enquanto em Minas a maioria
se ocupa com a criação de gado, fazendas e posses de subsistência (squatting).”353
O cônsul Ricketts não poderia ser mais preciso em seu diagnóstico. Com o
tosco aparato fiscal daquele tempo, as receitas governamentais eram altamente
dependentes da taxação do comércio de mercadorias, especialmente do de longa
distância. Em um sistema econômico como o que vigorava em Minas, onde a maio-
ria das pessoas produzia para seu próprio sustento ou para o comércio local, o
coletor de impostos tinha, com certeza, uma vida difícil.
No final da década de 1880, Minas Gerais tinha, com exceção de Goiás, o mais
baixo nível de receitas governamentais per capita entre as províncias brasileiras,
tanto em termos das receitas gerais (do governo central), quanto em termos das
receitas provinciais, que eram baseadas principalmente nos impostos de exporta-
ção. Na receita total (soma dos dois níveis de governo), apesar de ter, de longe,
a maior população do Império, classificava-se, em termos da arrecadação global,
apenas em sétimo lugar no país, abaixo de São Paulo, Bahia, Pará, Pernambuco, Rio
Grande do Sul e Rio de Janeiro.354

352 Falla...pres. Antonio Gonçalves Chaves, 1883, pp. 37-38. A palavra doméstico está em itálicos no
original.
353 Ricketts. Report on the Province of Minas Geraes.
354 Breve Notícia do Estado Financeiro das Províncias. Tabela n°. 3, sem número de página. Para calcular
os valores per capita usamos os dados de população das províncias, agora estados, do recenseamento
de 1890.

214 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela 5.4 - Brasil: Receita total e per capita dos governos geral e provinciais,
por províncias, 1886-87

Receita do Receita do Receita Receita Receita Receita Total per


Governo Governo total geral per provincial total per capita
Geral * Provincial (soma) capita per capita capita SP = 100

Pará 9.029 3.961 12.989 27,49 12,06 39,55 368


Amazonas 961 1.939 2.900 6,50 13,11 19,61 182
Pernambuco 10.126 2.715 12.841 9,83 2,64 12,46 116
Rio G. do Sul 7.379 2.807 10.186 8,22 3,13 11,35 106
São Paulo 9.659 5.237 14.895 6,97 3,78 10,76 100
Rio de Janeiro 1.284 6.017 7.301 1,46 6,86 8,33 77
Bahia 10.885 3.047 13.932 5,67 1,59 7,26 67
Maranhão 2.237 716 2.953 5,19 1,66 6,85 64
Mato Grosso 395 228 623 4,25 2,46 6,71 62
Paraná 548 969 1.517 2,19 3,88 6,07 56
Espírito Santo 306 439 745 2,25 3,23 5,48 51
Santa Catarina 783 374 1.157 2,76 1,32 4,08 38
Sergipe 383 800 1.183 1,23 2,57 3,80 35
Alagoas 928 742 1.670 1,81 1,45 3,27 30
Ceará 1.173 977 2.149 1,46 1,21 2,67 25
Rio G. do Norte 178 391 569 0,66 1,46 2,12 20
Piauí 271 273 544 1,01 1,02 2,03 19
Paraíba 395 523 918 0,86 1,14 2,01 19
Minas Gerais 1.660 3.410 5.071 0,52 1,07 1,59 15
Goiás 61 240 301 0,27 1,06 1,32 12
Valores totais em contos de réis e valores per capita em milréis.
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Tabela 5.5 - Brasil: Valor das exportações per capita, por regiões,
1869-1873 e 1879-1882 (médias anuais, em milréis)
1869 - 1873 1879 - 1882
Exportação Índice Exportação Índice
per capita Centro-Sul = 100 per capita Centro-Sul = 100
Norte 38,0 57,9 71,2 101,2
Nordeste 21,2 32,3 15,6 22,2
Sul 39,7 60,5 26,8 38,1
Centro-Sul exceto Minas 65,6 100,0 70,3 100,0
Minas Gerais 8,5 12,9 11,9 16,9

Zona cafeeira de Minas 39,9 60,8 68,8 97,9


Resto da província 4,0 6,1 3,8 5,4
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


215
Na tabela 5.5 vemos, sem surpresa, que o mesmo panorama se repetia com
respeito ao comércio exterior. As exportações per capita de Minas, entre o final dos
anos 60 e início dos 80, eram significativamente menores do que as de qualquer
outra região do país, e atingiam pouco mais de 10% das exportações per capita do
Centro-Sul. No final do período enfocado na tabela, as exportações per capita da
zona cafeeira de Minas se aproximaram daquelas da região Centro-Sul, mas as do
resto da província continuaram mínimas, evidenciando com ênfase, mais uma vez,
a estrutura bipolar da economia mineira. Esses números subestimam a diferença
entre Minas Gerais e o resto do país e, dentro de Minas, entre a zona cafeeira e o
resto da província. As exportações mineiras incluem todos os produtos que deixa-
vam o território provincial, enquanto as das outras províncias compreendem ape-
nas as mercadorias exportadas por mar, para o exterior e outras partes do Império,
excluindo, portanto, todo o comércio terrestre dessas províncias.
Além disso, os dados disponíveis para Minas Gerais não permitem uma identi-
ficação dos locais de origem das exportações não-cafeeiras. Por isso alocamos todas
as exportações de café à zona cafeeira (onde de fato era produzido) e atribuimos
todas as exportações não-café ao resto da província. Mesmo não podendo estabe-
lecer números precisos, pode-se demonstrar que uma parte substancial das últimas
se originava na região do café. O resultado desse procedimento é que os valores per
capita da região cafeeira ficam subestimados enquanto os do resto da província são
superestimados, reduzindo a diferença que existia realmente entre elas.

Tabela 5.6 - Minas Gerais: Principais produtos exportados, 1818-1884


(em milhares de unidades)
Produtos 1818-19 1839-40 1842-43 1844-45 1867-68 1882-83 1883-84
Café 9,7 243,5 264,0 374,4 2.131,0 5.727,3 3.668,5
Gado vacum 62,1 50,4 45,4 53,5 67,3 100,8 145,1
Toucinho 1 145,5 181,1 220,3 220,4 207,2 234,9 230,9
Porcos em pé 40,2 21,5 44,8 47,0 28,1 26,5 26,0
Queijos 2 1.059,6 399,0 377,2 395,2 545,4 885,2 996,5
Açúcar 22,8 5,9 2,0 7,1 6,9 (*) (*)
Rapaduras (*) 9,9 4,2 1,1 185,6 221,3 239,5
Fumo 58,6 133,3 154,2 134,3 282,1 208,6 249,5
Pano de algodão 1.242,5 1.023,3 1.247,0 1.910,6 1.568,3 172,3 171,4
Algodão em rama 92,0 1,0 0,2 1,3 25,3 0,1 (*)
Unidades: Café, toucinho, açúcar, fumo e algodão em arrobas. Gado e porcos em cabeças.
Queijos e rapaduras em unidades. Pano de algodão em varas.
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

216 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela 5.7 - Minas Gerais: Valor das exportações, 1818-1884,
por produtos, em contos de réis correntes

Produtos 1818-19 1839-40 1842-43 1844-45 1867-68 1882-83 1883-84


Café 29,2 365,2 528,0 748,8 9.802,6 31.548,2 21.859,4
Gado vacum 248,4 503,7 454,2 534,6 2.018,0 4.030,2 5.225,0
Toucinho 291,0 289,8 440,6 440,8 1.243,1 1.725,0 1.471,8
Porcos em pé 120,5 86,2 201,7 211,3 280,8 397,5 389,6
Queijos 106,0 79,8 90,5 94,8 327,2 584,2 664,4
Açúcar 45,7 8,8 3,0 10,6 20,6 (*) (*)
Rapaduras (*) 0,4 0,0 0,0 18,6 22,1 23,9
Outros alimentos e bebidas 1 41,7 31,7 28,2 28,3 87,0 225,9 91,9
Pano de algodão 186,4 163,7 199,7 305,8 313,7 37,9 31,7
Algodão em rama 368,0 3,1 0,8 4,1 151,7 0,6
Fumo 70,4 266,5 308,4 268,5 1.128,4 1.225,9 1.466,0
Outros produtos 2 166,2 88,9 77,7 73,3 154,0 519,1 313,0

Valor total das exportações 1.673,5 1.887,9 2.332,8 2.721,0 15.545,6 40.316,6 31.536,6
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Tabela 5.8 - Minas Gerais: Participação dos produtos no valor total das exportações,
1818-1884, em porcentagens

Produtos 1818-19 1839-40 1842-43 1844-45 1867-68 1882-83 1883-84


Café 1,7 19,3 22,6 27,5 63,1 78,3 69,3
Gado vacum 14,8 26,7 19,5 19,6 13,0 10,0 16,6
Toucinho 17,4 15,3 18,9 16,2 8,0 4,3 4,7
Porcos em pé 7,2 4,6 8,6 7,8 1,8 1,0 1,2
Queijos 6,3 4,2 3,9 3,5 2,1 1,4 2,1
Açúcar 2,7 0,5 0,1 0,4 0,1 (*) (*)
Rapaduras (*) (+) 0,0 (+) 0,1 0,1 0,1
Outros alimentos e bebidas 1 2,5 1,7 1,2 1,0 0,6 0,6 0,3
Pano de algodão 11,1 8,7 8,6 11,2 2,0 0,1 0,1
Algodão em rama 22,0 0,2 0,0 0,1 1,0 (+) (*)
Fumo 4,2 14,1 13,2 9,9 7,3 3,0 4,6
Outros produtos 2 9,9 4,7 3,3 2,7 1,0 1,3 1,0

Valor total das exportações 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


217
Tabela 5.9 - Minas Gerais: Outros alimentos e bebidas exportados, 1818-1884
Milho Patos, marrecos e gansos Pinhões, batatas e carás
Feijão Perus Amendoins
Arroz pilado ou com casca Galinhas d’Angola Cevada
Farinha de mandioca Marmelada Cerveja
Farinha de milho Doce de qualquer qualidade Vinagre
Farinha de trigo Carne seca Mel de abelha
Farinha de tapioca Gengibre Ovos
Fubá Araruta Perdizes
Polvilho Melado Aguardente de cana
Galinhas Cebolas e alhos
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Tabela 5.10 - Minas Gerais: Outros produtos exportados, 1818-1884


Ametistas Colchas de algodão Selotes de liteira
Cristal branco ou outros Mantas de algodão Couros curtidos de bezerro
Pedras preciosas exc. diamante Mantas de retalho Couros de boi
Topázios Cobertores Couros de veado
Anil Novelos de linha de algodão Meios de sola
Azeite de mamona Redes Chapéus de palha inferiores
Mamona em grão Toalhas Chapéus de palha superiores
Cera branca Toalhas de mesa Chapéus de lebre, seda ou lã
Cera da terra Guardanapos Chicotes ordinários
Cera preta Lã Chicotes com anéis de prata
Poaia ou ipecacuanha Tecidos de lã Cigarros
Pumada Tecidos de linho Tabaco e fumo em folhas
Quina Cravos para ferraduras Fumo pixuá
Extrato de quina Estribos Mel de fumo
Leite de mangabeira Facas ordinárias Gamelas grandes e pequenas
Sabão Facas aparelhadas de prata Panelas e vasos de pedra
Salitre Ferraduras Pólvora
Velas de cera Ferro em barra Sebo em rama
Couçoeiras de jacarandá Armações de cangalha Telhas, tijolos e cal
Dormentes Capim de cangalha Ovinos
Paus para dormentes Carros Caprinos
Tábuas Liteiras Muares
Canoas de madeira Selas e selins Equinos
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

218 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
A composição das exportações mineiras lança ainda mais luz sobre a estrutura
da economia regional. A grande variedade da pauta de exportações não é senão o
espelho da grande diversidade da economia da província, pois, como já ressaltamos
anteriormente, tudo que se exportava era também consumido pelos mineiros. Ou,
dito de forma mais direta, os mineiros exportavam aquilo que consumiam.
As listas indicam uma agricultura, uma pecuária e uma manufatura extrema-
mente diversificadas. A pecuária não só comercializava grande quantidade de bois,
porcos e galinhas, mas também um imenso volume de derivados processados,
como queijos e toucinho, além de couros, bestas muares, cavalos, cabras, ovelhas e
lã, esses últimos em pequena escala.
O setor agrícola produzia café e fumo, largamente consumidos internamente
e exportados em grande quantidade. O açúcar e o algodão eram objeto de grande
consumo doméstico, mas só eram exportados em quantidades ínfimas. Essas duas
commodities são, sem sombra de dúvida, os dois maiores ícones da escravidão no
Novo Mundo, e sua peculiar situação em Minas Gerais será tratada adiante. A agri-
cultura era também responsável, como mostra a tabela 5.9, por uma imensa gama
de alimentos processados ou in natura, que eram parte da dieta cotidiana das popu-
lações mineiras, e eram também exportados em pequenas quantidades.
A tabela 5.10 arrola uma grande variedade de artigos manufaturados, que
engloba desde itens simples, de processamento de produtos agrícolas e extrativos,
de fabricação caseira, até produtos metalúrgicos de fabrico mais complexo. A lista
contém artigos medicinais, madeiras e artefatos de madeira, manufaturas têxteis,
produtos metalúrgicos, material de transporte, couros e artigos de couro, utensílios
diversos e materiais de construção.
Além dessas mercadorias, Minas exportava, e consumia internamente, uma
infinidade de outros itens que, por não estarem sujeitos ao imposto de exportação,
não aparecem nos registros das aduanas. Entre estes, podemos citar, por exemplo e
por curiosidade, botas, botas de montar, calçados de homens ou senhoras, sapatos
de cordovão, chinelos rasos, chinelos de talão, freios de ferro, esporas de prata, de
ferro e de latão, cabeçadas, rédeas e cilhas para aparelho de sela ou selim, cabelos e
crinas, malas, peneiras de taquara, violas, pitos ou cachimbos, canudos de pitar de
barro, e “oratórios de santos com imagens de pedra mármora polida”. Esses artigos,
juntamente com os cerca de um a dois milhões de varas de pano de Minas que eram
exportadas anualmente, e somados com o imenso consumo doméstico que se fazia
de todos eles, configuram um setor manufatureiro, simples e pré-industrial, mas

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


219
com uma extensão e uma variedade que dificilmente seriam igualadas por qual-
quer outra província.
Uma característica importante dos produtos exportados é que eles, com exce-
ção do café, não provinham de plantations, e nada tinham a ver com a grande
lavoura monocultora. Eram originários da pequena lavoura, produzidos em fazen-
das diversificadas, fazendas de criação, sítios, roças, quintais, hortas, pomares, ou
em oficinas de artesãos, fábricas de ferro, tendas de ferreiro, pequenas manufaturas
e domicílios rurais e urbanos.
Os produtos da pecuária, especialmente gado, porcos e seus derivados, como
carne de porco, banha, toucinho, queijos e couros, constituiam, durante todo o
período, cerca de 70% do valor das exportações não-cafeeiras. A criação de gado
era disseminada por toda a província, mas a pecuária em larga escala estava concen-
trada em duas áreas principais. Uma delas era o vasto sertão do rio São Francisco
no centro e no norte de Minas. A outra era a comarca do Rio das Mortes, compre-
endendo o vale do Alto Rio Grande (partes das zonas Sul e Mantiqueira) e, do outro
lado da serra da Mantiqueira, a porção sudoeste da Mata.
A distância entre o vale do São Francisco e os principais mercados não permitia
que ele fosse um exportador importante. Abastecia algumas áreas urbanas, como
Serro e Diamantina, e a região algodoeira de Minas Novas (especialmente com cou-
ros para as bruacas de embalagem do algodão), mas exportava muito pouco para
outras províncias. A comarca do Rio das Mortes era, de longe, a principal expor-
tadora de gado, porcos, aves e seus derivados. O principal destino era a cidade do
Rio de Janeiro.355
Em nenhuma das principais áreas pecuárias de Minas as fazendas se pareciam
com as estâncias patriarcais do Rio Grande do Sul. No sertão do São Francisco
seguiam o modelo do agreste nordestino, que foi sua origem no período colonial.
A pecuária era uma atividade quase de subsistência e pouco empregava escravos,
nesta região. “Os vaqueiros geralmente eram os filhos dos proprietários, ou homens
livres, que eram remunerados com a terça parte do aumento do rebanho”.356

355 No ano comercial de 1818-19, 85,5% do gado, 100% dos porcos, 97,7% do toucinho e 99,9% dos queijos
que Minas exportou, foram despachados através de registros localizados no sudeste da província, na
zona da Mata ou na zona Sul. No final do período (1881-82) essas regiões exportaram: 96,2% do gado,
99,9% dos porcos, 99,1% do toucinho e 100% dos queijos.
356 Saint-Hilaire. Viagem às Províncias, vol. 2, p. 263. Spix e Martius, Viagem, vol. 2, pp. 174-75, também
indicam que, no sertão, a mão de obra para a criação de gado era fornecida pelos “membros da
família”. Não se deve inferir que não havia escravos nessa área. Muitas fazendas eram grandes e
diversificadas, e tinham numerosos escravos, como atesta o próprio Saint-Hilaire. Veja, por exemplo,
as páginas. 283 e 286 do trabalho mencionado acima.

220 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Uma pequena quantidade de gado em pé era enviada à Bahia, mas o principal
objeto de comércio eram os couros, porque o alto custo do sal tornava inacessível à
maioria dos fazendeiros até mesmo a produção de carne seca.

Tabela 5.11 - Minas Gerais: Valor das exportações de animais e derivados não
manufaturados da pecuária, 1818-1884, em contos de réis correntes

1818-19 1839-40 1842-43 1844-45 1867-68 1882-83 1883-84


Gado vacum 248 504 454 535 2.018 4.030 5.225
Porcos em pé 121 86 202 211 281 398 390
Toucinho, banha e c. de porco 291 290 441 441 1.243 1.725 1.472
Queijos 106 80 91 95 327 584 664
Galinhas 17 14 12 14 25 87 63
Solas e couros, curtidos ou não 12 22 17 14 51 24 18
Bestas, ovelhas, cavalos, etc. 130 55 50 40 76 92 71

Total dos produtos pecuários 925 1.050 1.266 1.349 4.021 6.940 7.902

Pecuária s/ o total (%) 55,3 55,6 54,3 49,6 25,9 17,2 25,1

Pecuária s/ o total não-café (%) 56,3 68,9 70,1 68,4 70,0 79,2 81,7
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

No Alto Rio Grande as fazendas de gado eram muito mais diversificadas: cria-
vam bovinos e porcos para o mercado do Rio de Janeiro, e carneiros, cuja lã era
tecida em teares domésticos. Queijos e toucinho também eram produzidos em
grande quantidade. As fazendas eram geralmente extensas e possuiam escravos,
mas os fazendeiros não eram ricos: suas casas eram modestas e os plantéis de cati-
vos eram pequenos. Os proprietários e seus filhos trabalhavam lado a lado com os
vaqueiros que, nessa área, eram geralmente escravos. Apesar de serem mais orien-
tadas para o mercado que suas similares do norte, essas fazendas se caracterizavam
por um alto grau de autossuficiência: exportavam apenas parte da produção, e usa-
vam essas receitas para adquirir os artigos que não podiam produzir, principal-
mente escravos, sal e uns poucos produtos manufaturados.357

357 Uma descrição detalhada dessa área no início do século XIX está em Saint-Hilaire. Viagem às Nascentes,
vol. 1, especialmente pp. 69-81, 89, 116, 118-19, e Segunda Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais
e a São Paulo, especialmente pp. 68-69, 75, 84, 90, 92, 94, 98, 102-04. Vale a pena notar que seu
testemunho contradiz frontalmente o mito, muito difundido, da incompatibilidade entre escravidão e
criação de gado. Para excelentes comentários sobre essa questão e informações sobre outras regiões
do Brasil, veja Jacob Gorender. O Escravismo Colonial. São Paulo: Editora Ática, 1978, pp. 414-22.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


221
Depois dos produtos da pecuária, o artigo mais importante era o fumo, que
respondeu por cerca de 15% a 20% das exportações não-cafeeeiras durante a
maior parte do século. Seu cultivo era muito disseminado: os primeiros viajantes
mencionam essa cultura em lugares tão afastados entre si como Abaeté, Minas
Novas, Serro, São João del Rei, Tamanduá e outros.358 Nos meados dos anos qua-
renta, dos vinte e oito municípios que responderam a uma enquete do governo
provincial, doze mencionam o fumo entre suas principais produções, incluindo
Queluz, Itabira, Barbacena, Pium-i, Montes Claros e, especialmente, os municí-
pios da Zona Sul.359

Tabela 5.12 - Minas Gerais: Exportações de fumo, 1818-1886


Ano Quantidade Valor
(toneladas) (milréis)
1818-19 861 70.377
1820 797 (*)
1828 1.170 (*)
1839-40 1.958 266.546
1842-43 2.265 308.358
1844-45 1.972 268.540
1867-68 4.144 1.128.359
1881-82 2.891 1.156.586
1882-83 3.065 1.156.586
1883-84 3.665 1.465.999
1886 3.645 (*)
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Durante a primeira metade do século foi essa região que concentrou a produ-
ção mineira de fumo para exportação. Os principais exportadores eram Baependi,
Cristina, Aiuruoca, Campanha e as áreas circunvizinhas. Na segunda metade, o
cultivo comercial tinha se expandido para muitas partes da Mata, especialmente
Pomba e Rio Novo. A maior parte das exportações consistia de fumo em rolo, mas

Especificamente sobre o Rio Grande do Sul, veja Spencer Leitman. Slave Cowboys in the Cattle Lands
of Southern Brazil, 1800-1850. Revista de História (São Paulo) 5 (1975), pp. 167-77.
358 Spix e Martius. Viagem, vol. 1, pp. 293; vol. 2, p. 153; Pohl. Viagem, vol. 2, pp. 248, 304; Saint-Hilaire.
Viagem às Províncias, vol. 1, pp. 374-75; Saint-Hilaire. Viagem às Nascentes, vol. 1, p. 142.
359 Falla...pres. Quintiliano José da Silva, 1846, pp. 28-59.

222 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
havia também uma pequena indústria de cigarros que exportava para o Rio de
Janeiro.360
Apesar do considerável volume exportado, a produção de fumo não era um
grande empregador de mão de obra. Supondo que a produtividade por trabalhador
em Minas Gerais fosse comparável à observada nos Estados Unidos no século XVII
e no início do século XVIII, a produção da quantidade exportada não exigiria mais
do que 1.200 trabalhadores em 1819, 3.200 na década de 1840 e 5.100 nos anos
1880.361
Alguns produtores de fumo, especialmente na região Sul operavam em grande
escala, utilizavam escravos e eram grandes exportadores. Como regra geral, entre-
tanto, em Minas, assim como na vega cubana e em vários outros lugares da América,
o fumo não era cultivado em plantations, mas sim como um cash crop de pequenos
lavradores. Os baixos requisitos de capital, os cuidados intensivos exigidos pela
planta e a possibilidade de utilizar trabalho feminino e infantil faziam do fumo um
produto muito adequado para o cultivo em unidades de agricultura familiar.362
Outra característica notável da economia mineira no século XIX é que, em
nítido contraste com o paradigma da economia primário-exportadora, os produ-
tos exportados eram o excedente do consumo local. Com exceção do setor cafe-
eiro, nenhum cultivo objetivava primordialmente a exportação. Mesmo os setores

360 Saint-Hilaire. Segunda Viagem, pp. 120-21; Falla...pres. Quintiliano José da Silva, 1846, pp. 28-59; Ferreira
Soares. Notas Estatísticas, pp. 65-67; Burton. Explorations, vol. 1, pp. 68, 94; Ricketts. Report, p. 6.
361 A média de diversas estimativas de produtividade apresentadas por Lewis Gray para o século XVII
e início do século XVIII nos Estados Unidos é de 1.580 libras, ou 717 quilos por trabalhador. Em
muitos casos as estimativas contemporâneas indicam que, como no Brasil, os trabalhadores também
produziram consideráveis quantidades de milho. Há várias razões para acreditar que as produtividades
provavelmente não eram muito diferentes nos dois lugares. Como mencionado acima, nos dois casos,
o tabaco era plantado em associação com o milho. Arados não eram empregados nessa cultura nos
Estados Unidos até depois do período colonial. O cultivo era feito com a enxada como no Brasil. Os
métodos de adubação eram os mesmos. A preparação das folhas não era mais avançada nos Estados
Unidos nessa época: assim como o americano, o tabaco brasileiro era air-cured e, de fato, como Gray
indica, o processo brasileiro de cura era considerado superior. Finalmente várias das estimativas de
produtividade referem-se claramente ao tabaco cultivado em pequenas fazendas, como era o caso em
Minas. Veja Lewis Cecil Gray. History of Agriculture in the Southern United States to 1860. Gloucester,
Mass.: Peter Smith, 1958, vol. 1, pp. 215-19.
362 Segundo a descrição dada em Franklin Knight. Slave Society in Cuba, pp. 5-6, a vega de tabaco cubana,
antes da revolução do açúcar, deve ter sido muito parecida com a fazenda de fumo mineira. Eram
pequenas, com poucos escravos e os proprietários trabalhavam lado a lado com os cativos. Para o
caso mineiro ver a descrição de Saint-Hilaire, do sul de Minas, nos lugares mencionados na nota 358
acima. Para outras evidências de que o cultivo de tabaco era pequena lavoura e empregava mão de
obra escrava veja Elemento Servil. Parecer e Projecto de Lei apresentado à Câmara dos Srs. Deputados
na secção de 16 de agosto de 1870 pela Commissão especial nomeada pela mesma Câmara em 24 de
maio de 1870. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1870, p. 51.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


223
do fumo e da pecuária, que se tornaram grandes exportadores, e do algodão, que
exportou um volume considerável durante um curto período, têm suas raízes forte-
mente fincadas na demanda interna da província, e seus produtos nunca deixaram
de ser intensamente consumidos domesticamente.
Vale a pena enfatizar uma vez mais que, quando dizemos que a economia se
baseava no mercado interno, não estamos nos referindo ao mercado interno bra-
sileiro. Mercado interno, ao longo de todo este trabalho significa o mercado interno
da província de Minas Gerais. A importância do mercado do Rio de Janeiro para a
economia mineira tem recebido uma ênfase exagerada, sugerindo uma espécie de
divisão do trabalho dentro do Sudeste brasileiro, na qual o Rio de Janeiro e São Paulo
teriam se especializado na produção para o mercado internacional, tocando a Minas
a função de abastecer essas províncias com alimentos. Segundo essa visão, a província
mineira teria desempenhado o papel de uma periferia de apoio ao setor exportador,
semelhante ao que geralmente é atribuído pela historiografia econômica brasileira
ao Rio Grande do Sul durante os “ciclos” da mineração e do café, ou ao interior do
Nordeste com relação ao setor plantacionista-exportador de açúcar do litoral.363
Nada poderia estar mais longe da verdade. A razão de ser da economia mineira
era a própria Minas. Qualquer que tenha sido a importância real das exportações
mineiras no abastecimento do Rio de Janeiro, elas não eram mais do que uma
pequena fração da produção provincial total dessas mercadorias. Mesmo nos pou-
cos casos excepcionais mencionados acima, as quantidades consumidas interna-
mente eram muito superiores aos volumes exportados.
Dentro da própria província, as áreas não-plantacionistas não eram produtoras
de alimentos para a região da grande lavoura exportadora: a zona cafeeira mineira
não era, nem de longe, tão especializada como suas similares fluminense e paulista.
A própria Mata era uma grande produtora de gêneros alimentícios básicos, açúcar,
fumo, porcos, gado e queijos, e um exportador líquido dessas mercadorias.
O milho e vários de seus derivados (especialmente o fubá, do qual se fazia o angu,
que era a principal fonte de calorias para os escravos), o feijão, o arroz, a carne de
porco e o toucinho, as aves domésticas, alguns vegetais, o café, o açúcar (principal-
mente na forma de rapadura), o leite, os queijos e, em menor escala, a carne bovina
e a farinha de mandioca, compunham a dieta básica da população mineira. Além de
sua importância na alimentação humana, o milho tinha um papel vital como insumo:

363 Sobre essa ilação veja, por exemplo, Antonio Barros de Castro. A Herança Regional no Desenvolvimento
Brasileiro. In: Antonio Barros de Castro. Sete Ensaios sobre a Economia Brasileira. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 1971, especialmente p. 68; e Celso Furtado. Formação Econômica do Brasil.

224 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
era indipensável na alimentação das mulas e, portanto, no funcionamento do sistema
de transportes, e também como ração de cavalos, porcos e galinhas. 364
Era a produção desses artigos, juntamente com os já citados algodão, fumo e
mamona (cujo azeite era universalmente usado em lamparinas, para iluminação),365
além do fabrico de algumas manufaturas simples, também para consumo local – ou
seja, a produção das necessidades cotidianas de sua grande população – que consti-
tuía a atividade do grosso da força de trabalho provincial, escrava ou livre.

Tabela 5.13 - Minas Gerais: Consumo interno como porcentagem


do produto total 1 de alguns bens, 1818-1883
Produto 1818-19 1839-40 1842-43 1844-45 1867-68 1882-83
Açúcar 68,7 92,0 97,2 91,1 95,3 (*)
Cachaça 99,8 100,0 100,0 100,0 100,0 99,4
Rapaduras 100,0 98,2 99,2 99,8 85,3 88,7
Arroz 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 99,9
Feijão 99,9 99,2 99,4 99,9 99,6 99,1
Milho 100,0 99,9 99,9 99,9 99,9 99,9
Farinha de mandioca 97,0 100,0 100,0 100,0 99,9 99,6
Porcos 76,9 89,3 80,7 80,5 92,9 95,1
Gado bovino 52,6 64,9 68,1 65,1 73,9 80,3
Algodão 2 33,3 83,4 82,6 75,5 76,5 97,0
Azeite de mamona 99,1 99,4 98,3 99,3 99,9 100,0
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

O cultivo desses produtos era muito disseminado, e a precariedade dos trans-


portes não permitia o desenvolvimento de especialização regional e nem mesmo
local. Quase todas as famílias cultivavam os mantimentos básicos necessários
para seu próprio consumo. “Todos os agricultores plantam milho”, escreveu Saint-
Hilaire, acrescentando que, além de ser consumido diretamente pela população,
esse produto era também importante na alimentação de cavalos, mulas, porcos e

364 Todos os viajantes são pródigos em detalhes sobre a dieta mineira. Alguns descreveram quase todas
as refeições que fizeram. Para uma amostra de descrições, que cobrem dos anos 1810 aos anos 1870,
e registram semelhanças notáveis, veja Saint-Hilaire. Viagem às Províncias, vol. 1, p. 186; Burmeister.
Viagem, p. 253; Burton. Explorations, vol. 1, pp. 104-05; Wells. Exploring and Travelling, vol. 1, p. 186.
365 Sobre o uso universal de óleo de mamona para iluminação, como medicamento emético e purgativo,
e o cultivo da mamoneira em Minas, ver: Spix e Martius. Viagem, vol. 2, pp. 140-41; Pohl. Viagem, vol.
1, pp. 237-40, vol. 2, pp. 287, 305; Saint-Hilaire. Viagem às Províncias, vol. 1, pp. 237-28, vol. 2, p. 36.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


225
galinhas. “O cultivo de feijão é ainda mais geral”.366 A tabela 5.13 dá uma idéia do
grau de autossuficiência da economia mineira, mostrando como eram insignifican-
tes os fluxos de exportação de alguns produtos básicos, em comparação com seu
consumo interno.

ALGODÃO E TÊXTEIS DE ALGODÃO


O algodão e o açúcar, par excellence as culturas da plantation exportadora e
escravista das Américas, ilustram, talvez melhor do que qualquer outra coisa, a sin-
gularidade da economia mineira no século XIX, e seu afastamento do paradigma
da grande lavoura plantacionista exportadora.
O algodão era cultivado em Minas desde o começo da colonização e no início
do século XIX sua cultura já tinha se espalhado pela capitania/província. Os pri-
meiros relatos dos viajantes mencionam seu extenso cultivo em Itabira, Queluz,
Carandaí, São João del Rei e em outras partes da comarca do Rio das Mortes.367 No
vale do São Francisco era cultivado na vasta área situada de Abaeté até Pirapora e a
foz do Rio das Velhas.368 A principal zona produtora era o termo de Minas Novas,
no nordeste mineiro, ao longo dos vales dos rios Jequitinhonha e Araçuaí: Fanado,
Água Suja, Peçanha, São Domingos, Chapada, Sucuriú, Bom Jardim e São Miguel,
nessa região, eram todos grandes produtores.369
O algodão não era cultivado em plantations. Embora haja evidências de algum
emprego de escravos, essa era essencialmente uma cultura camponesa, já que esse
produto, mais ainda que o fumo, prestava-se facilmente à pequena lavoura familiar.
O investimento de capital era nulo, e os requisitos de trabalho eram tão reduzidos
que não interferiam com o cultivo das lavouras de mantimentos.
Em Minas Novas, Saint-Hilaire anotou que “nada é tão barato neste país como
o plantio de algodão e nada produz tão bem.” Enquanto cultivava um alqueire de

366 Saint-Hilaire. Viagem às Províncias, vol. 1, pp. 204-07. A única maneira de dar uma idéia adequada da
disseminação do cultivo de mantimentos básicos em Minas é remeter o leitor a todos os relatos dos
viajantes, todas as corografias e toda a literatura descritiva mencionada. Como um pobre substituto,
veja a seção sobre a fazenda mineira abaixo.
367 Saint-Hilaire. Viagem pelo Distrito dos Diamantes, pp. 186, 207; Viagem às Províncias, vol. 1, p. 230;
Spix e Martius. Viagem, vol. 1, p. 293; Pohl. Viagem, vol. 2, pp. 297-312, 342, 362.
368 Pohl. Viagem, vol. 2, pp. 256, 259-61, 272, 274, 281.
369 Saint-Hilaire. Viagem às Províncias, vol. 1, pp. 289, 337-39; vol. 2, pp. 16, 98: 216 passim, Spix e
Martius. Viagem, vol. 2, pp. 141, 148-50; Pohl. Viagem, vol. 2, pp. 297-312, 342, 362.

226 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
algodão um trabalhador podia cuidar da mesma área em milho e feijão.370 Por essa
razão, o algodão era extremamente adequado como um cash crop em uma agricul-
tura camponesa. Na região de Minas Novas, mesmo no auge do surto algodoeiro,
esse artigo era cultivado principalmente por agricultores que não possuiam escra-
vos ou tinham plantéis muito pequenos. Não havia plantadores ricos nessa área.371
Em 1812 havia somente mil escravos em todo o termo, que constituíam apenas
4,1% de sua população.372
Décadas mais tarde, Richard Burton observou que, em Minas, o algodão era
uma “lavoura de pobre”373 Nos anos 1870, James Wells visitou uma das maiores
fábricas têxteis da província e registrou que ela “recebia algodão cru, sem benefi-
ciamento, entregue na porta do estabelecimento por sitiantes que o cultivavam em
pequenas roças no vizinho vale do Rio das Velhas.”374
A revolta dos escravos no Haiti criou a primeira cotton famine na Inglaterra
e abriu grandes oportunidades no mercado mundial de algodão. Em 1790, ano
imediatamente anterior a ela, a colônia francesa era o maior produtor do mundo,
e detinha 24% do mercado inglês. O colapso desta oferta e a avidez da demanda
inglesa, em plena revolução industrial, geraram uma alta sustentada do preço que
se manteve em níveis sem precedentes por mais de duas décadas, oferecendo forte
estímulo a outros produtores, entre eles o Brasil. No período 1816-1820 o país tinha
se tornado o segundo maior exportador do mundo, com 28% do mercado inglês,
abaixo apenas dos Estados Unidos, que detinham 49%, acima da Índia, que tinha
14,1% e do Caribe Britânico, com 9%. Foi capaz de manter a segunda colocação
até 1826-1830, mas com uma participação declinante, por não conseguir competir
com a produção norte-americana, que nessa época já se tornara completamente
hegemônica, com quase 70% das importações inglesas.

370 Saint-Hilaire. Viagem às Províncias, vol. 1, pp. 339-40. Pohl. Viagem, vol. 2, p. 302, também apontou a
facilidade do cultivo de algodão, mas observou o emprego de escravos.
371 Para evidências de que o algodão era principalmente uma cultura camponesa no início do século
XIX, veja: Spix e Martius. Viagem, vol. 2, pp. 166-67; Pohl. Viagem, vol. 2, pp. 272, 342; Saint-Hilaire.
Viagem às Províncias, vol. 1, p. 350, vol. 2, pp. 17, 41, 128, 159, 199, 216. Os mesmos autores também
indicam algum emprego de escravos em alguns lugares.
372 Spix e Martius. Viagem, vol. 2, pp. 166-67.
373 Burton. Explorations, vol. 1, p. 106.
374 Wells. Exploring and Travelling, vol. 1, p. 124. Para outras evidências de que o algodão não era
geralmente uma cultura de plantation em outras partes do Brasil, veja: Branner. Cotton in the Empire,
p. 36; Stein. The Brazilian Cotton Manufacture, p. 47; Andrade. A Terra e o Homem, pp. 150-55, e
Cuniff. The great Drought.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


227
Nas duas primeiras décadas do século XIX, Minas Gerais foi um exportador
relativamente importante de algodão. O produto do termo de Minas Novas tinha
alta reputação entre os importadores de Liverpool por sua qualidade, e agentes das
casas importadoras costumavam viajar do Rio de Janeiro até lá para comprar as
colheitas in loco. O algodão era embalado em bruacas de couro e transportado por
mulas para o Rio de Janeiro, ou para a Bahia através do rio Jequitinhonha. Nesse
período Minas Novas era a principal área algodoeira do sul do Brasil, produzia a
maior parte do algodão exportado pelo Rio e esse artigo era, de longe, o principal
item da pauta das exportações mineiras.375

Tabela 5.14 - Minas Gerais: Exportações de algodão em rama, 1819-1888


Ano Exportação % do total Ano Exportação % do total
(toneladas) do Brasil (toneladas) do Brasil
1819 1.379,9 11,43 1866 679,4 1,59
1820 1.034,0 8,56 1867 323,6 0,82
1823 1.485,0 11,79 1868 387,4 0,93
1828 120,9 0,97 1869 400,3 1,02
1829 105,0 0,78 1870 531,1 1,23
1840 23,1 0,22 1871 455,6 1,03
1843 5,0 0,05 1872 508,6 0,65
1845 19,1 0,16 1873 210,5 0,46
1850 2,4 0,01 1874 107,1 0,19
1851 5,0 0,04 1875 73,9 0,17
1852 10,7 0,08 1876 35,3 0,13
1853 5,1 0,03 1877 15 0,05
1854 3,0 0,02 1878 12,5 0,07
1855 4,0 0,03 1879 3,4 0,01
1857 4,5 0,03 1880 4,6 0,04
1858 2,7 0,02 1881 16,5 0,13
1860 0,7 (*) 1882 5,1 0,02
1861 0,4 (*) 1883 1,1 (*)
1865 502,8 1,98 1888 0,5 (*)
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

375 Sobre a evolução do mercado internacional de algodão e a participação brasileira nesse período
veja Gray. History of Agriculture, vol. 2, p. 693. Segundo Gray, nesse período o algodão brasileiro era
considerado o segundo melhor do mundo, só inferior ao produto egípcio em termos de qualidade e
comprimento da fibra. Informações sobre o comércio algodoeiro de Minas Novas, sua importância nas
exportações mineiras, seu conceito entre os comerciantes ingleses de algodão, as rotas comerciais,
etc., podem ser encontradas em Spix e Martius. Viagem, vol. 1, pp. 120, 148; vol. 2, pp. 140-150,
164; Saint-Hilaire. Viagens às Províncias, vol. 2, pp. 16, 199. Sobre a participação do algodão nas
exportações mineiras, veja as tabelas 5.6, 5.7 e 5.8, acima.

228 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
O boom de exportação de algodão mineiro teve vida extremamente curta.
Começou, segundo Saint-Hilaire, por volta de 1808, e no final da década de 20
já estava completamente encerrado. As razões dessa abrupta queda são claras. O
enorme crescimento da produção norte-americana, bem como das exportações
do Egito – que por suas características competia mais diretamente com o produto
brasileiro – deprimiu os preços no mercado internacional, tornando o algodão
mineiro inframarginal. De quase 35 centavos de dólar por libra em 1818, o preço
do algodão despencou para cerca de 11 centavos em 1825. Entre 1829 e 1831 per-
maneceu abaixo de 10 centavos por libra e, depois de uma curta recuperação (para
cerca de 15 centavos, nos meados dos anos trinta), retomou a tendência declinante,
chegando a 5 centavos em 1842 e 1844. Entre 1845 e 1860 oscilou entre 5 e 12 cen-
tavos por libra.376
A região Nordeste conseguiu manter o volume de suas exportações pratica-
mente inalterado até os anos 1860, mas o algodão de Minas, muito onerado pelos
custos de transporte, ficou inteiramente excluído do mercado internacional.377 O
argumento, sugerido por Luís Amaral, de que a queda das exportações mineiras foi
causada pela substituição do cultivo do algodão pelo de café durante os anos 1820,
não tem sustentação lógica nem empírica.
Como vimos no capítulo 3, nos anos 1820, o cultivo do café era totalmente
incipiente. Até o final dessa década, as exportações de café não passavam de uns
poucos milhares de arrobas, que empregavam umas poucas centenas de escravos.
Além disso, o algodão e o café não competiam nem por terras, nem por capitais, e
nem por mão de obra. O algodão era uma cultura camponesa, de pobre, não exigia
capital, e não utilizava trabalho escravo. Ao longo de todo o século, a produção
comercial de café ocorreu quase exclusivamente (mais de 99%) nas zonas da Mata e
Sul, enquanto a produção de algodão para o mercado externo acontecia na metade
norte, especialmente na região de Minas Novas. Algodão e café, em Minas Gerais,
nunca competiram por nenhum insumo ou fator de produção.378

376 Estes são os preços de exportação do algodão americano de fibra curta, dados por Gray. History of
Agriculture, vol. 2, p. 697. Os preços do algodão brasileiro possívelmente diferiam um pouco, mas a
tendência era a mesma.
377 As exportações brasileiras de algodão oscilaram sem uma tendência definida entre 12 mil e 17 mil
toneladas desde o início da década de 1820 ao final dos anos 1850. Veja Stein. The Brazilian Cotton
Manufacture, p. 198.
378 Luis Amaral. História Geral da Agricultura, vol. 2, p. 235. Ele se baseia no comentário de Daniel de
Carvalho, Notícia Histórica, p. 17, de que é “curioso” notar o contraste entre a queda das exportações
algodoeiras e o aumento nas de café. Antonio de Castro, em Sete Ensaios, p. 45, repete esse erro sem
críticas.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


229
As exportações mineiras de algodão permaneceram em níveis insignificantes
até o novo surto gerado pela segunda grande crise do algodão, a Lancashire cotton
famine. Esta crise foi causada pela guerra civil americana e o bloqueio dos portos
confederados, por onde era escoada a safra do sul dos Estados Unidos, que repre-
sentava antes do conflito, 80% de todas as importações inglesas. A escassez aguda
de matéria prima se arrastou pela década de 1860, provocando grande desemprego,
sofrimento e miséria entre os trabalhadores do setor têxtil da Inglaterra, especial-
mente no Lancashire, mas gerou novo surto de exportações em outras partes do
mundo.
Entretanto, esse novo boom exportador não teve nem a força nem a duração do
primeiro. No seu ponto mais alto, em 1866, Minas exportou somente 679 tonela-
das, e o declínio subsequente foi novamente abrupto e rápido. A participação da
província nas exportações brasileiras de algodão nesse período nunca atingiu 2%
do total.
O surto exportador do começo do oitocentos não foi a origem da cultura algo-
doeira em Minas, e o fim da bonança, no terceiro quartel, também não causou seu
desaparecimento. O cultivo do algodão aparentemente declinou na principal área
exportadora, Minas Novas, mas subsistiu e se espalhou para outras partes do terri-
tório. Um levantamento realizado em vinte e oito municípios, na metade dos anos
1840, registrou o cultivo do algodão em Bonfim, Queluz, Barbacena, Pitangui, Três
Pontas, Aiuruoca, Jacuí, Caldas e Araxá.379 Em 1851, Burmeister mencionou essa
cultura em Pomba e em Lagoa Santa.380
No início dos anos 70, o vale do rio das Velhas era uma importante região coto-
nicultora. Em 1878, Pitangui, Tamanduá, Baependí, Bonfim, Santa Luzia, Alfenas,
Três Pontas, Curvelo, Sacramento, Pará e Abaeté foram citados como produtores,
assim como Araçuaí, Minas Novas e São João Batista, em 1879. Quatro anos mais
tarde, Montes Claros, Grão Mogol, Rio Pardo e Salinas foram listados como muni-
cípios algodoeiros.381
Quase todo o algodão produzido em Minas ao longo de todo o século foi con-
sumido na própria província. A manufatura doméstica de pano de Minas, já for-
temente enraízada no século XVIII, cresceu rapidamente no começo do século

379 Estado Moral, em Falla...pres. Quintiliano José da Silva, 1846, pp. 28-59.
380 Burmeister. Viagem, p. 169, 234.
381 Silva. Tratado de Geographia, pp. 234-5; Relatório...pres. Rebello Horta, 1879, pp. 47-48; Falla...pres.
Gonçalves Chaves, 1883, pp. 37-38.

230 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
seguinte, para tornar-se, provavelmente, uma das principais atividades manufatu-
reiras do Brasil durante a primeira metade do século XIX.
Mesmo no auge do boom exportador de algodão, uma grande parte da produ-
ção era manufaturada localmente e Minas já era um grande exportador de tecidos.
A queda do preço internacional do algodão bruto estimulou ainda mais a manu-
fatura local . Em 1836 um observador registrou que “nas partes mais remotas da
província de Minas não vale a pena colher o algodão para exportação (...) sua fiação
e o fabrico de panos grosseiros, para consumo doméstico e para exportação para o
litoral torna-se, portanto, quase uma questão de necessidade”.382
Uma grande quantidade de pano e outros produtos têxteis de algodão eram
exportados, desde o século XVIII até, pelo menos, o final da década de 1860, espe-
cialmente para o Rio de Janeiro, de onde era distribuído para uma grande área.
Pano de Minas era uma marca forte, e o produto tinha mercados em várias pro-
víncias. Era largamente consumido nas fazendas de café do Vale do Paraíba flu-
minense: podia ser encontrado rotineiramente no comércio local de Vassouras e,
nos inventários post-mortem de alguns fazendeiros do município encontram-se
grandes estoques desse produto. Seu uso era tão comum que “encontrar fiapos do
‘algodão de Minas’ em algum lugar, era sinal certo de que escravos tinham estado
na vizinhança”. Os autores de dois manuais de agricultura recomendavam o tecido
mineiro para vestuário dos escravos. Carlos Augusto Taunay, em seu Manual do
Agricultor Brasileiro, publicado em1839, prescreve que “seria para desejar… que
tudo quanto se consome em uma fazenda saísse dela, e mesmo o pano de algodão
de que se vestem os pretos. Todavia, nem todos os fazendeiros têm as comodidades
de mandarem fiar e tecer em casa o pano de seu uso; mas os tecidos de algodão
de Minas são baratos e próprios para a escravatura”. O Padre Antonio Caetano
da Fonseca, vigário da Freguesia de São Paulo do Muriaé, proprietário de terras
e de escravos, também redigiu um manual de orientação agrícola, o Manual do
Agricultor dos Generos Alimentícios, publicado em 1863, no qual recomendava
que “cada escravo deveria receber anualmente duas camisas, duas calças de pano
grosso de Minas e dois casacos de lã.” Segundo observadores contemporâneos, o
mercado do pano de Minas chegava até o extremo sul do Império, e até mesmo a
Buenos Aires nos primeiros anos do século. Saint-Hilaire anotou que, em 1816,

382 Johann Jakob Sturz. A Review, Financial, Statistical and Commercial of the Empire of Brazil and its
Resources, together with a suggestion of the expediency and mode of admitting Brazilian and other
foreign sugars into Great Britain for refining and exportation. London: Effingham Wilson, 1837, pp.
112-13.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


231
o Rio Grande do Sul importou 167.904,5 varas de tecido de algodão de Minas, e
Spix e Martius observaram a mesma coisa.383 Na tabela 5.10 já mostramos que as
exportações da província incluíam também colchas de algodão, mantas de algodão,
mantas de retalhos, cobertores, novelos de linha de algodão, redes, toalhas, toalhas
de mesa e guardanapos.

Tabela 5.15 - Minas Gerais: Exportações de pano de algodão,


1818-1884
Anos Pano exportado Pano como % do peso total do
(metros) algodão exportado
1818-19 1.366.797 14,2
1828 2.139.335 82,6
1839-46 1.346.674 (*)
1839-40 1.125.672 89
1842-43 1.369.752 97,9
1844-45 2.100.525 94,9
1867-68 1.725.092 40,6
1881-82 148.676 70,2
1882-83 189.487 93,6
1883-84 188.546 100
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

O algodão era fiado e tecido em quase toda a província, empregando um grande


número de pessoas, tanto nas fazendas como nos núcleos urbanos. Sua manufatura
era a base da vida econômica de povoações inteiras. “Quase todas as mulheres de
Sucuriú fiam algodão e em muitas casas dessa aldeia também se tece. Os panos
mais finos são consumidos pela família e o resto é vendido,” escreveu Saint-Hilaire,
no nordeste de Minas. Na mesma região ele anotou que “o que sustenta a maior
parte dos moradores de Água Suja e seus arredores é a manufatura de cobertores
e panos grosseiros”, e no Fanado observou que as pessoas se vestiam bem porque
“o tecido de algodão é barato e um grande número de pessoas o fabrica em suas
casas”. Em Conceição, no centro de Minas, registrou que “quase todo mundo faz

383 Stanley Stein. Vassouras, pp. 85, 180-81; C. A. Taunay. Manual do Agricultor Brazileiro. Rio de Janeiro:
Typographia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve Comp., 1839, p. 10; Antonio Caetano da
Fonseca. Manual do Agricultor dos Generos Alimentícios ou Methodo da Cultura Mixta desses Gêneros
nas Terras Cansadas. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1863, p. 103; Augusto de Saint
Hilaire. Viagem ao Rio Grande do Sul. Belo Horizonte e São Paulo: Editora Itatiaia/ EDUSP, 1974, p. 75;
Spix e Martius. Viagem, vol. 1, pp. 120, 148, 187.

232 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
panos de algodão, cobertores, colchas e toalhas que são consumidos localmente ou
exportados para o Rio”.384
Apesar do grande volume das exportações, o grosso da produção doméstica
de pano era consumido localmente. Em 1828, o tecido artesanal produzido e con-
sumido dentro da província foi estimado em 5,3 milhões de metros,385 enquanto
outros 2,1 milhões foram exportados, apenas para o Rio de Janeiro. A produção total
da província atingiu, portanto, segundo esta estimativa, pelo menos 7,4 milhões de
metros de pano de algodão, não contando outros produtos têxteis como toalhas,
cobertores, linha e outros, além de tecidos de linho e de lã, para os quais não temos
dados. Para avaliar o significado desse número, basta notar que ele é quase o dobro
da produção total de todas as fábricas têxteis brasileiras quarenta anos mais tarde,
em 1866, e bem superior à produção de todas as fábricas mineiras desse setor no
início da década de 1880. A produção mineira de 1828 foi equivalente a quase 20%
da média anual de importações brasileiras de tecidos ingleses de algodão nos cinco
anos de 1827 a 1831.386 A manufatura doméstica de algodão cresceu continuamente
durante a primeira metade do século. Doze dos vinte e oito municípios cobertos
pelo levantamento incompleto citado acima são arrolados como produtores têxteis,
incluindo vários não citados por fontes anteriores.387
Os primeiros viajantes registraram que o pano de Minas tinha a reputação de
ser forte e durável, mas observaram que era um tecido grosseiro, adequado somente
para o consumo dos escravos e dos camponeses pobres. Existem, entretanto, evi-
dências de que isso mudou com o passar do tempo: fontes posteriores indicam uma
considerável diversificação e registram o fabrico de panos de melhor qualidade,
que eram usados na confecção de roupa de baixo e roupas para homens. Algumas
fontes chegam a afirmar que a produção de alguns lugares competia em qualidade
com os melhores panos importados. Quando o Conselho da Província se reuniu,
em 1831, alguns deputados se vestiam com o pano de Minas. Mais tarde, Martinho

384 Saint-Hilaire. Viagem ao Distrito, p. 75, e Viagem às Províncias, vol. 2, pp. 84, 212, 216. Ver também,
vol. 1, pp. 230, 337; vol. 2, pp. 73, 98, 199 e Pohl. Viagem, vol. 1, pp. 201-02, 229. As técnicas da
indústria têxtil doméstica são descritas por Carvalho. Notícia, pp. 22-25.
385 Sturz. A Review, p. 111.
386 Branner. Cotton, p. 41; Ricketts. Report, p. 8; Sturz. A Review, pp. 104-05. De acordo com essa última
fonte, entre 1827 e 1831 o Brasil importou uma média anual de 40,7 milhões de metros de tecido
de algodão da Inglaterra. De acordo com Branner, que cita um relatório oficial, a produção total de
algodão industrial no Brasil em 1866 foi de 3.944.600 metros.
387 Falla...pres. Quintiliano José da Silva, 1846, pp. 28-59. Os municípios arrolados como produtores de
tecido de algodão são: Queluz, Piranga, Barbacena, Sabará, Três Pontas, Aiuruoca, São João del Rei,
Oliveira, Caldas, Pium-i, Araxá e Montes Claros.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


233
Campos, deputado mineiro à Assembleia Geral, era conhecido na Corte por suas
calças de pano tecido em seu distrito de Pitangui.388
Na década de 1860 se comentava que a indústria têxtil doméstica estava em
decadência, sucumbindo às “incursões dos importados ingleses baratos e à pro-
dução de umas poucas fábricas brasileiras.”389 Escrevendo em 1862, Tavares Bastos
atribuiu esse fato à melhoria dos transportes entre o Rio de Janeiro e Minas, que
tinha facilitado a distribuição dos produtos importados para o interior.390
Durante a guerra do Paraguai um observador mencionou o declínio o setor,
mas registrou que ele sobrevivia em várias fazendas e localidades do interior.391
Em 1869, o presidente da província lamentou que a indústria manufatureira já não
era tão próspera como antes, e tendia a continuar decaindo, devido à competição
dos produtos estrangeiros, melhores e mais baratos, introduzidos na província pelo
progresso dos meios de comunicação.”392 Esses depoimentos parecem subestimar
a resiliência do pano artesanal de Minas. No final dos anos 60 ele continuava a
ser largamente consumido internamente e suas exportações continuavam em um
patamar bem alto.
Atravessando o territorio mineiro em 1867, Richard Burton encontrou mui-
tas rodas de fiar e teares manuais, e anotou que o processamento doméstico do
algodão “era, em toda Minas, um passe-temps tão comum como na antiga França.”
Observou, entretanto, que embora fosse de boa qualidade e mais durável que os
tecidos industrializados, o pano caseiro era caro e sua oferta não conseguia acom-
panhar o crescimento da demanda.”393 Nos anos 70, James Wells registrou a fabri-
cação do pano de Minas em diversos lugares, comentando que ele era “largamente
usado pelos habitantes.”394
No início dessa década o Recenseamento do Império revelou que o pano de
Minas ainda tinha grande vitalidade. A classificação de ocupações do censo é
tosca e os dados parecem conter muitas incorreções, mas mesmo assim oferece

388 Silva. Tratado, pp. 56-77, passim; Iglésias. Política Econômica, p. 106; João Dornas Filho. Aspectos da
Economia Colonial. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1959, p. 169; Carvalho. Notícia, pp. 21-22.
389 Stein. The Brazilian Cotton Manufacture, p. 4.
390 Tavares Bastos. A Indústria Manufatureira e as Tarifas Protetoras. In: Cartas do Solitário, p. 432.
391 Visconde de Taunay. A Marcha das Forças. São Paulo: Weisflog Irmãos, s.d., p. 105, citado por Dornas
Filho. Aspectos da Economia Colonial, p. 169.
392 Relatório...pres. Andrade Figueira, 1869, p. 37, citado por Iglésias. Política Econômica, p. 107.
393 Burton. Explorations, vol. 1, pp. 133-34, 157. A expressão passe-temps está em francês no original.
394 Wells. Exploring and Travelling, vol. 1, pp. 100, 104, 131.

234 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
informações valiosas. Na rubrica “profissões manuais”, a categoria de “operários em
tecidos” é certamente uma denominação vaga, por não discriminar trabalhadores
fabris de artesãos, ou assalariados de autônomos. Mas indica, com certeza que os
indivíduos recenseados nesta categoria eram produtores de tecidos. Como se pode
ver na tabela 5.16, a distribuição desses “operários” entre as províncias era extre-
mamente desigual, e Minas detinha, sozinha, mais indivíduos classificados como
trabalhadores têxteis, do que todas as outras províncias somadas.

Tabela 5.16 - Brasil: Operários em tecidos, por províncias, 1872


Províncias Número %
Minas Gerais 70.457 50,7
Ceará 16.656 12,0
São Paulo 12.412 8,9
Goiás 9.969 7,2
Bahia 6.485 4,7
Demais províncias 22.950 16,5

Brasil 138.929 100,00


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

O censo não especifica que as mais de 70 mil pessoas que tinham esta ocupação
em Minas Gerais trabalhavam na manufatura doméstica de algodão, mas essa é a
única possibilidade. Em 1873, o setor têxtil industrial mineiro tinha, no máximo,
três fábricas que, conjuntamente, não empregavam mais do que umas duzentas
pessoas. Assim, em Minas, a quase totalidade dos “operários em tecidos” estava
necessáriamente produzindo pano artesanal. Isso sugere que, apesar de já existirem
vários estabelecimentos têxteis fabris em outras províncias, a província mineira
continuava sendo um empório importante de tecidos para os pobres e escravos e,
embora não tenhamos obtido dados concretos para o restante da década, provavel-
mente o pano de Minas continuava sendo exportado em larga escala. Em Minas,
como no resto do país, essa era uma ocupação sobretudo de gente livre, mais pre-
cisamente, de mulheres livres.
Tanto em Minas, como nas outras províncias, as pessoas livres representavam
mais de 90% dessa categoria ocupacional e, entre estas mais de 90% eram do sexo
feminino. Isso está perfeitamente alinhado com as observações de cronistas da
primeira metade do século, sugerindo que a composição da força de trabalho da
manufatura têxtil se manteve basicamente inalterada.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


235
Tabela 5.17 - Brasil e Minas Gerais: sexo e condição dos operários em tecidos, 1872
Homens Mulheres Homens Mulheres Total % % %
livres livres escravos escravas geral total operários mulheres
geral livres livres
Minas Gerais 5.892 58.111 972 5.482 70.457 50,7 90,8 90,8
Demais províncias 3.875 59.459 576 4.562 68.472 49,3 92,5 93,9

Brasil 9.767 117.570 1.548 10.044 138.929 100,0 91,7 92,3


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

A difusão desta atividade entre as mulheres mineiras era impressionante.


Segundo o censo, havia 821.684 mulheres livres, das quais 322.954 tinham “pro-
fissão”, 215.965 se dedicavam ao “serviço doméstico”, e 282.765 foram classificadas
como “sem profissão”. Portanto, as 58.111 operárias em tecidos representavam nada
menos que 18% das mulheres livres “com profissão”. Isso significa que uma em cada
5,6 mulheres livres “com profissão” foi registrada como ocupada específicamente
com a produção de pano. Ou ainda, uma em cada 10,6 mulheres livres entre 11 e
60 anos de idade.
Com toda a certeza as mulheres livres ocupadas no setor têxtil eram muito mais
do que as quase 60 mil arroladas pelo censo. Entre as 215.965 ocupadas no “ser-
viço doméstico” certamente um grande número também fazia parte deste grupo.
A tecelagem, e principalmente a fiação, eram parte integrante das tarefas rotineiras
das donas de casa e suas filhas, e não seriam sequer citadas como uma ocupação
à parte, e muito menos como uma profissão. Havia ainda 529.061 mulheres livres
recenseadas nas ocupações de lavradora (104.481), costureira (141.815) e sem pro-
fissão (282.765). Sem dúvida muitas dessas mulheres também se dedicavam a fiar e
tecer, pelo menos durante parte de seu tempo.395
No momento do censo, como em períodos anteriores, era também notável a
dispersão geográfica dessa ocupação e, consequentemente, da produção artesanal.
Mais de três quartos dos 72 municípios existentes tiveram pessoas classificadas
como “operários em tecidos”. Esses municípios estavam bem distribuídos pelas
regiões, cobrindo toda a província. Os 67.620 trabalhadores do ramo se espalhavam
por todo o território, acompanhando, grosso modo, a distribuição da população.

395 O Recenseamento de 1872 arrolou 614. 945 mulheres livres com idades entre 11 e 60 anos. As 282.765
listadas como “sem profissão” certamente incluíam mulheres fora das idades ativas, mas também
incluíam muitos milhares em idade de trabalhar. Lembre-se ainda que a fiação era um trabalho e
mesmo um desenfado comum entre pessoas muito idosas ou muito jovens.

236 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela 5.18 - Brasil e Minas Gerais, por regiões: Operários em tecidos, 1872
Regiões Operários em tecidos Municípios Total de
Livres Escravos Total c/ operários municípios

Metalúrgica-Mantiqueira 21.355 1.997 23.352 10 14


Mata 7.002 774 7.776 9 11
Sul 7.355 1.078 8.433 12 18
Oeste 8.060 695 8.755 7 8
Alto Paranaiba 5.234 652 5.886 5 5
Triângulo 49 15 64 1 3
S. Francisco-Montes Claros 2.152 67 2.219 4 5
Jequitinhonha-Mucuri-Doce 8.527 1.141 9.668 6 7
Paracatu 1.431 36 1.467 1 1
Total de Minas Gerais 61.165 6.455 67.620 55 72
Total de outras províncias 63.273 5.165 68.438 (*) (*)
Total do Brasil 124.438 11.620 136.058 (*) (*)
Minas como % do Brasil 49 56 50 (*) (*)
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Em 1878, o Tratado de Geographia, de José Joaquim da Silva, informava que a


manufatura têxtil doméstica ainda prosperava em quase todos os municípios. Vinte
e dois deles, não incluindo aqueles onde havia fábricas têxteis em operação são
citados como grandes produtores.396 Porém, no início da década de 1880 os dados
de exportação mostram que o pano artesanal mineiro havia perdido seu mercado
externo para os tecidos industriais e para as importações. Apesar disso, a indústria
doméstica sobreviveu pelo menos até a Primeira Guerra Mundial. Uma monografia
de 1916 sobre algodão e têxteis de algodão em Minas afirma que “a maioria dos
municípios de hoje preserva a tradição da tecelagem doméstica” e lista dezessete
deles como produtores comerciais.397
A produção industrial de tecidos de algodão foi tentada durante a primeira
metade do século XIX, mas só se consolidou de fato na década de 1870. Em 1847
foi estabelecida, em Conceição do Serro, a fábrica Cana do Reino, que operou irre-
gularmente até 1874. O primeiro estabelecimento têxtil realmente bem sucedido,

396 Silva. Tratado, pp. 41, 56-177 passim. Os municípios citados como produtores de tecido doméstico são:
Queluz, Barbacena, Bonfim, São João del Rei, São José del Rei, Lavras, Oliveira, Pitangui, Bonsucesso,
Tamanduá, Campo Belo, Formiga, Pium-i, Araxá, Patrocínio, Bagagem, Uberaba, Paracatu, Passos,
Sabará, Aiuruoca e Pará.
397 Carvalho. Notícia, pp. 21-22.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


237
a fábrica do Cedro na paróquia do Taboleiro Grande (Sete Lagoas), começou suas
operações em 1872. James Wells visitou suas instalações no início da década de 1870
e ficou tão impressionado “com os méritos e vantagens” dessa iniciativa que voltou
para a Inglaterra acalentando sonhos de embarcar em um projeto semelhante.398
A fábrica do Cedro foi seguida por várias outras, nos anos setenta e oitenta,
em Pitanguí, Curvelo, Sabará, Diamantina (a já mencionada fábrica do bispo),
Machado, Pará, Oliveira, Tamanduá, Dores do Indaiá, Araçuaí, Itabira, Uberaba,
Montes Claros, Juiz de Fora, Santa Rita do Turvo, Gouveia e Mariana. Em 1883,
usando dados muito incompletos, o presidente da província informou que a indús-
tria produzia 12 mil metros por dia e empregava 700 trabalhadores. A produção
anual foi calculada em 6,2 milhões de metros em 1884 e cerca de 9 milhões em
1887.399
O setor têxtil fabril de Minas conservou algumas características importantes
da indústria doméstica. As fábricas eram dispersas na zona rural, e algumas eram
parte integrante de propriedades rurais grandes e diversificadas. O maquinário
era importado da Inglaterra ou dos Estados Unidos, mas o capital e a iniciativa
empresarial eram, quase sem exceção, locais. A matéria prima era produzida nas
vizinhanças e em distritos próximos, algumas vezes na própria fazenda onde se
localizava a fábrica. Das sete fábricas que indicaram a fonte de matéria prima em
1883, três a obtinham no mesmo município onde se situavam, duas recebiam algo-
dão de municípios vizinhos, uma indicou a “área ao redor” como fonte, e uma tinha
sua própria plantação.400
Em pelo menos um caso a integração vertical era completa: a Fábrica São
Sebastião, localizada perto de Curvelo, na fazenda de mesmo nome, foi descrita
como “um acessório de um importante estabelecimento agrícola”, que produzia não
só o algodão, mas também a mão de obra que usava. De acordo com a fonte, “o
serviço é em grande parte feito por ingênuos”, filhos dos escravos da propriedade.401
A indústria têxtil fabril era ainda mais direcionada para o consumo local do
que a própria indústria doméstica. Numa enquete de 1883-84, todas as fábricas que
informaram seus mercados relataram que a produção era vendida na vizinhança
imediata ou em outros municípios mineiros. Nesse ano foram exportados somente

398 Iglésias. Política Econômica, pp. 106-08; Wells. Exploring and Travelling, vol. 1, pp. 212-15.
399 Falla...pres. Gonçalves Chaves, 1883, p. 41; Ricketts. Report, p. 8.
400 Falla...pres. Gonçalves Chaves, 1883, pp. 40-44; e Falla...pres. Gonçalves Chaves, 1884, p. 72.
401 Falla...pres. Gonçalves Chaves, 1884, p. 74.

238 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
188 mil metros, cerca de 3% da produção provincial de 6,2 milhões de metros.
Provavelmente toda essa exportação consistia de pano artesanal.402
Não há dúvida a respeito do emprego de escravos nas primeiras fábricas, mas
sem uma pesquisa mais aprofundada não é possível determinar a extensão de sua
utilização no início da fase fabril da indústria têxtil mineira.403 O trabalho escravo
participava da manufatura doméstica mas, aparentemente, não tanto nas fábri-
cas instaladas nos anos setenta e oitenta. O único caso seguro é o da fábrica São
Sebastião, que, como mencionado acima, utilizava extensamente o trabalho de
ingênuos.404 Entretanto, tudo indica que as fábricas se apropriaram de outra fonte
de trabalho de facto compulsório, talvez até mais barato e mais cruel que o pró-
prio trabalho escravo: todas os seis estabelecimentos que tiveram a natureza de sua
força de trabalho explicitada registraram o emprego de crianças, órfãos e “meninos
desvalidos”.405

Tabela 5.19 - Minas Gerais: Fábricas de


tecidos em operação, 1852-1888
Ano Número de fábricas
1852 1
1868 2
1876 10
1883 14
1884 17
1887 19
1888 20
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

402 Falla...pres. Gonçalves Chaves, 1883, pp. 38, 30-33; Stein. The Brazilian Cotton Manufacture, p. 72.
403 Veja Stein. The Brazilian Cotton Manufacture, pp. 35, 51, 53, 55, 61.
404 Veja a nota 402, acima. De acordo com a lei Rio Branco, ou do Ventre Livre, de 28 de setembro de
1871, ingênuos eram os filhos de mães escravas nascidos a partir daquela data. Não eram escravos,
mas, quando atingiam a idade de 8 anos os senhores de suas mães tinham a opção de entregá-los
ao Estado ou utilizar seu trabalho até completarem 21 anos. Para todos os efeitos o trabalho dos
ingênuos era tão compulsório como o dos outros escravos;
405 Falla...pres. Gonçalves Chaves, 1883, pp. 41-44 e Falla...pres. Gonçalves Chaves, 1884, pp. 72-74.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


239
A INDÚSTRIA AÇUCAREIRA
A cana de açúcar foi cultivada em Minas Gerais desde o começo de sua colo-
nização. No século XIX essa cultura se alastrou pelo território e a produção pro-
vincial de açúcar, rapadura e cachaça, parece ter sido muito grande. Ao longo de
todo o século, observadores notaram que os canaviais, os engenhos e os alambiques
eram presenças constantes em qualquer propriedade rural de porte razoável, na
maior parte da província.406

Tabela 5.20 - Minas Gerais:


Engenhos de cana no século XIX

Ano Número de engenhos


1845 5.000
1853 1 3.702
1854 2 3.296
1863 4.500
1869 2.717
1874 8.800
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Tabela 5.21 - Minas Gerais: Localização de 3.702


engenhos de cana em 1853, por regiões
Regiões Engenhos %
Metalúrgica-Mantiqueira 1.326 35,8
Mata 311 8,4
Sul 228 6,2
Oeste 462 12,5
Alto Paranaíba 149 4,0
Triângulo 320 8,6
São Francisco-Montes Claros 309 8,3
Paracatu 90 2,4
Jequitinhonha-Mucuri-Doce 507 13,7

Total* 3.702 100,0


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

406 Sobre isto veja toda a literatura de descrição e viagem mencionada neste capítulo. Por exemplo, veja:
Spix e Martius. Viagens, vol. 1, pp. 279; vol. 2, p. 194; Pohl. Viagem, vol. 2, pp. 284-85; Saint-Hilaire.
Viagem às Províncias, vol. 1, pp. 122, 327-28; Falla...pres. Quintiliano José da Silva, 1846, pp. 28-59;
Wells. Exploring and Travelling, vol. 1, p. 202.

240 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
As estimativas disponíveis do número de engenhos em Minas são incompletas e
pouco confiáveis, mas não deixam margem a nenhuma dúvida. O número de enge-
nhos era enorme, e a atividade era disseminada por todo o território. A estrutura
e a escala da produção de cana e derivados em Minas eram diferentes de outras
regiões produtoras, mas mesmo assim a comparação do número de unidades é
impressionante.
A Bahia tinha somente 869 engenhos em 1875. Em Pernambuco, o mais impor-
tante produtor brasileiro, seu número nunca chegou a dois mil no século XIX.
Durante os anos 1860, a província tinha 1.672 engenhos que produziam, em média,
33,4 toneladas de açúcar cada um. Na safra de 1860, Cuba tinha 1.318 engenhos,
com uma produção média de 391,3 toneladas por engenho.407
Diferentemente do Nordeste, e mesmo das províncias do Rio de Janeiro e de São
Paulo, em Minas nunca existiu um setor de monocultura açucareira. Os engenhos
de cana não eram, como em várias outras partes do Brasil e da América, estabeleci-
mentos especializados na produção de açúcar, mas sim, em geral, apenas um entre
os vários equipamentos da fazenda diversificada, como a roça de milho, a tenda do
ferreiro, o engenho de farinha, ou o curral de gado. Eram muito numerosos, mas,
em geral, pequenos, e muitos não produziam açúcar, concentrando-se no fabrico
de rapadura e de cachaça.
Eram muito atrasados tecnologicamente, “the simplest expression of a
mill”, nas palavras de Richard Burton. A maioria era tocada por bois e durante a
primeira metade do século todos ainda empregavam cilindros verticais de madeira.
A primeira moenda com cilindros horizontais revestidos de ferro só foi instalada
em 1843. Com o desenvolvimento da indústria metalúrgica, os cilindros de ferro,
movidos por força hidráulica – “engenhos de água” – tornaram-se mais comuns.
Em 1867, o mesmo Burton registrou que as antigas moendas verticais de madeira
eram “cada vez mais obsoletas”, mas não tinham desaparecido.408
Os engenhos mineiros não precisavam ser eficientes porque não estavam com-
petindo com ninguém, nem mesmo entre si. A produção de açúcar era consumida

407 Nas grandes regiões exportadoras de açúcar, a concorrência eliminava os engenhos pequenos e
ineficientes. Os dados são de: Costa Filho. A Cana de Açúcar, p. 348; Eisenberg. The Sugar Industry
in Pernambuco, p. 15, 124; Manoel Moreno Fraginals. The Sugarmill: The Socio-Economic Complex of
Sugar in Cuba 1760-1860, trad. Cedric Belfrage. New York: Monthly Review Press, 1976, p. 84. Para
uma discussão sobre o tamanho dos engenhos mineiros veja o capítulo Microengenhos, de Costa
Filho, pp. 347-56.
408 Burton. Explorations, vol. 2, pp. 40-41; Costa Filho. A Cana de Açúcar, pp. 246-47. Sobre a tecnologia
do açúcar em Minas e sua evolução veja o capítulo de Costa Filho, Tecnologia, pp.237-249.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


241
localmente, ou enviada para as cidades, vilas e povoados vizinhos. Se a oferta supe-
rava as limitadas demandas locais, os produtores remanejavam os recursos produ-
tivos para outras culturas. Alguns engenhos alternavam entre rapadura e cachaça
para evitar que o mercado ficasse saturado, deixando-os com estoques invendáveis.
Minas Gerais não importava açúcar e suas exportações desse produto eram
francamente irrisórias.409 Em nenhum dos anos da tabela abaixo a quantidade total
exportada de açúcar mineiro foi maior do que a produção de uns poucos engenhos
pernambucanos médios na década de 1860 e, em todos eles, foi nitidamente menor
do que a safra de um único engenho cubano de porte mediano em 1860.410

Tabela 5.22 - Minas Gerais: exportações de açúcar,


1818-1880 (anos selecionados)
Ano Exportações % das exportações
(toneladas) brasileiras 4
1818-19 336 (*)
1839-40 87 0,11
1842-43 29 0,03
1844-45 104 0,12
1851-60 1 127 0,11
1861-69 2 158 0,14
1871-80 3 70 0,04
Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Nos últimos anos do Império ocorreram algumas tentativas tímidas de moder-


nização da indústria açucareira mineira, com a construção de engenhos cen-
trais tecnicamente mais avançados. O primeiro desses engenhos centrais come-
çou a operar em 1885, no município de Visconde do Rio Branco, e cinco outros
foram construídos até 1888: o Engenho Central de Aracati, em Leopoldina, os
Engenhos Centrais Vieira Martins, Piranga e Vau-açu, todos em Ponte Nova, e o
Engenho Central Cabral, em Cataguazes. O fato de estarem todos localizados na
Zona daMata atesta, uma vez mais, a diversificação agrícola da região cafeeira da

409 Para depoimentos sobre a natureza local da produção de açúcar em Minas em diferentes anos ao
longo do século XIX, veja Spix e Martius. Viagem, vol. 1, p. 279; Saint-Hilaire. Viagem às Províncias,
vol. 1, pp. 327-38; Falla...pres. Quintiliano José da Silva, 1846, pp. 28-59; Burmeister. Viagem, p. 334;
Wells. Exploring and Travelling, vol. 1, p. 202; Ricketts. Report, p. 6.
410 Veja as fontes na nota 407, acima.

242 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
província. Vários outros foram projetados, mas não foram construídos antes do fim
do Império.
Entre todos que efetivamente entraram em operação nesse período, somente
o de Rio Branco se credenciou, pela capacidade instalada, a receber o incentivo
governamental de garantia de juros sobre o capital investido. Os outros eram técni-
camente modernos, mas de dimensões modestas. Aracatí, Piranga e Vau-açu dei-
xaram de funcionar poucos anos depois de sua inauguração e o próprio Rio Branco
teve problemas financeiros desde o começo.411
É muito interessante notar que mesmo a instalação dos engenhos centrais
não mudou o caráter não-exportador da indústria açucareira mineira. Em 1885,
quando a Assembleia Provincial debatia uma emenda que isentava de impostos
o açúcar exportado e aumentava a taxação sobre o importado, um parlamentar
observou que as duas medidas eram inteiramente inócuas. “Não temos exportação
de açúcar”, disse o deputado Barbosa da Silva, acrescentando que se havia impor-
tação, esta era insignificante.412 No mesmo ano, o presidente da província relatou à
Assembleia que
a exportação deste produto é de pequena escala.Temos apenas funcio-
nando o Engenho Central Rio Branco, e os outros pequenos engenhos
dos fazendeiros, que já são tributados conforme o motor, unicamente
produzem para o consumo da província. Entende o diretor da Fazen-
da que o imposto sobre os engenhos centrais deve recair sobre a sua
produção anual, pois que, na provável hipótese de que seja também
consumida somente na província, ficarão esses mesmos engenhos sem
contribuição alguma.413

A INDÚSTRIA DO FERRO
O ferro era um dos produtos mais essenciais tanto para os agricultores como
para os mineradores. No início da colonização todo o suprimento necessário tinha
que ser importado da Europa, chegando a Minas com preços exorbitantes, por causa
dos altos custos de transporte e das pesadas taxas de importação. Pode parecer

411 Todas as informações sobre os engenhos centrais mineiros usadas aqui são de Costa Filho. A Cana de
Açúcar, pp. 377, 385-86.
412 Deputado provincial Antonio Joaquim Barbosa da Silva, citado por Costa Filho. A Cana de Açúcar, pp.
216-17.
413 Falla...pres. Alves de Brito, 1885, p. 22.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


243
incrível, mas é perfeitamente lusitano, que uma arroba de ferro, que era classifi-
cada como “fazenda seca”, pagasse exatamente a mesma tarifa que uma arroba da
mais fina seda. Era, portanto, inteiramente natural que os mineiros, sentados como
estavam, sobre alguns dos mais ricos depósitos de minério de ferro do planeta,
começassem a substituir as importações pela produção local, usando a tecnologia
aprendida com os escravos africanos.
No início do século XIX a fundição de ferro, talvez o mais tipicamente mineiro
de todos os setores produtivos, já estava amplamente disseminada, apesar das res-
trições legais impostas pela metrópole portuguesa. A suspensão da proibição de
produção de ferro, em 1795, desencadeou um período de rápido desenvolvimento
da indústria, no qual Eschwege desempenhou um papel muito importante, espe-
cialmente na disseminação de tecnologia mais avançada.
“Por ocasião de minha chegada a Minas, em 1811, era comum esse bárbaro
processo de produção de ferro. A maioria dos ferreiros e dos grandes fazendeiros
que possuíam ferrarias tinha também o seu forninho de fundição”, diz Echwege,
acrescentando que eram extremamente rudimentares e nunca produziam mais que
umas poucas libras de ferro.414 No início da década de 1810, Itabira já tinha uma
fundição de tamanho considerável, com vários fornos e uma fábrica de espingar-
das. Com a assistência técnica de Eschwege esse estabelecimento foi o primeiro a
construir um malho hidráulico, que operou pela primeira vez em 1812.415 Outros
produtores começaram a adotar os novos processos e “em pouco tempo trabalha-
vam dezesseis pequenos fornos, com diversos malhos de ferro forjado, movidos a
água. Em Cocais, perto da Vila do Príncipe, em Antonio Pereira e em muitos outros
lugares apareceram fabricantes de ferro em número sempre crescente.”416
No final da década, vários viajantes registraram a multiplicação das fundições.
Saint-Hilaire afirmou que o fim da proibição produzira uma “feliz revolução” em
Itabira. Quando lá esteve, além daquela já mencionada acima, encontrou doze fábri-
cas de ferro em funcionamento, com ótimas perspectivas. Visitou outra fundição
em Penha, na região de Minas Novas, que produzia ferro com um quarto do custo
do material importado. Em Cocais alguns proprietários de minas tinham constru-
ído fornos, onde produziam suas próprias ferramentas, vendendo o excedente nos

414 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 340-41. Para exemplos de pequenas fundições observadas
pelos primeiros viajantes nas fazendas espalhadas por toda Minas, veja Saint-Hilaire. Viagem às
Nascentes, vol. 1, p. 134; Viagem, vol. 2, p. 283.
415 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, p. 342.
416 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, p. 342.

244 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
mercados locais.417 Pohl e Freireyss também registraram muitas fundições peque-
nas em vários lugares.418
Após seu retorno à Europa, no início dos anos vinte, Eschwege se vangloriava
de que, graças a seus esforços, “o fabrico de ferro tinha se desenvolvido em toda a
província (...) Cerca de trinta fundições tinham se estabelecido, cada uma das quais
produzia de 100 a 400 arrobas por ano.”419
A maior parte das fundições era pequena, mas algumas atingiram uma dimen-
são considerável. As Forjas do Girau, perto de Conceição, tinham oito fornos e
empregavam 25 trabalhadores quando foi visitada por Saint-Hilaire. Vinte anos
mais tarde ainda estavam muito prósperas, “produzindo toda espécie de imple-
mentos usados no país”, de acordo com Gardner. A produção era de 100 arrobas
por dia e todos os equipamentos eram movidos a água. O proprietário tinha pla-
nos para dobrar a capacidade da planta.420 A fábrica do Bonfim, fundada em 1815,
entre Diamantina e São João Batista, foi descrita como o mais belo estabelecimento
industrial de toda a província. Tinha uma força de trabalho de 80 pessoas e produ-
zia “ótimos machados, enxadas, facas e ferraduras”, que eram comercializados nas
regiões de Diamantina e Minas Novas.421
As fundições mais importantes da década de 1810 foram a Real Fábrica de
Ferro do Morro do Pilar, fundada em Conceição, pelo Intendente dos Diamantes,
Ferreira Câmara, e a Fábrica Patriótica ou Fábrica de Ferro do Prata, construída em
Congonhas do Campo, por Eschwege. Os projetos dessas duas empresas revelam
concepções diferentes sobre a economia mineira, e o contraste entre seus destinos
oferece insights interessantes sobre a província.
Câmara tinha mercados externos em mente: sua fábrica foi projetada com a
intenção de abastecer não somente Minas Gerais, mas também os arsenais do Rio
de Janeiro e da Bahia e até mesmo exportar para outros países. Essas considerações
foram determinantes na definição da localização e da escala da planta. O plano
incluia a abertura de um canal que, ligando a fábrica ao rio Doce, permitiria o
escoamento da produção até o litoral, e daí para o mundo.

417 Saint-Hilaire. Viagem às Províncias, vol. 1, pp. 230-40, 247, 250, vol. 2, p. 21.
418 Pohl. Viagem, vol. 2, pp. 436-37; Freireyss. Viagem, p. 150.
419 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, p. 442. Ver também seu Notícias e Reflexões, pp. 757-58.
420 Saint-Hilaire. Viagem às Províncias, vol. 1, pp. 249-50; Gardner. Viagem, pp. 399-400. Saint-Hilaire
afirma que as Forjas do Girau se localizavam perto de Itabira, enquanto Gardner as coloca perto de
Conceição.
421 Saint-Hilaire. Viagem às Províncias, vol. 2, pp. 235-37; Saint-Adolphe. Diccionario, vol. 1, p. 151.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


245
Financiado por recursos da Real Extração Diamantina, Câmara construiu um
grande estabelecimento com uma numerosa força de trabalho, mas o projeto foi
um fracasso desde o começo. Sempre atormentado por incapacidade técnica, supri-
mentos inadequados de água e de combustível, e por sua escala visionária, o empre-
endimento foi um desastre financeiro. Entre 1815 e 1821, Morro do Pilar produ-
ziu 6.865 arrobas, com um custo médio muito mais alto que o preço de mercado
do ferro. O canal nunca foi construído e a produção nunca foi exportada: a Real
Extração absorvia 60% do ferro produzido, 10% eram consumidos pela própria
fábrica e o restante era vendido localmente. Em 1830 a empresa foi liquidada.422
Eschwege revelou uma compreensão muito mais correta do ambiente econô-
mico de Minas. Defendeu reiteradamente a construção de pequenas fundições,
espalhadas pelo território, e produzindo para as necessidades locais, como a melhor
maneira para desenvolver a indústria mineira de ferro. Tinha consciência de que os
custos de transporte e a concorrência estrangeira asfixiariam quaisquer planos de
exportar, mas que, no mercado provincial, as pequenas fundições eram plenamente
competitivas.423
Sua Fábrica do Prata era pequena e foi bem sucedida. Compunha-se de quatro
fornos que produziam uma média anual de 1.300 arrobas de ferro em lingotes,
vendidos localmente com um lucro razoável. Mais do que uma grande contribuição
à produção total, a fundição de Eschwege deixou uma marca duradoura no setor
siderúrgico de Minas, que se desenvolveu em grande parte segundo o padrão esta-
belecido por ele.424
Na década de 1820, Jean de Monlevade instalou uma fundição em São Miguel
do Piracicaba, que se tornou a fábrica de ferro mais duradoura e mais importante
de Minas durante o Império. Por volta da metade do século, Monlevade estava pro-
duzindo 30 arrobas de ferro por dia, que eram transformadas em enxadas, macha-
dos, facas, utensílios domésticos e especialmente cabeças de pilão para as empresas
mineradoras, bigornas, engenhos de serra e engenhos de açúcar.425

422 As fontes para a história da fábrica de ferro do Morro do Pilar são: Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2;
Eschwege. Notícias, p. 757; Spix e Martius. Viagem, vol. 2, pp. 91-92; Pohl. Viagem, vol. 2, pp. 369-72;
Saint-Hilaire. Viagem às Províncias, vol. 1, pp. 259-63; Marcos Carneiro de Mendonça. A Economia
Mineira no século XIX. Primeiro Seminário de Estudos Mineiros. Belo Horizonte: Editora da UMG, 1957.
423 Eschwege. Pluto Brasiliensis, pp. 436-444.
424 Sobre a Fábrica do Prata ver: Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 418-38; Eschwege. Notícias, p.
757; Spix e Martius. Viagem, vol. 1, pp. 368-69; Saint-Hilaire. Viagem ao Distrito, pp. 170-72.
425 Mendonça. A Economia Mineira, pp. 133-34; Halfeld und Tschudi. Die Brasilianische Provinz, p. 22;
Dornas Filho. O Ouro das Gerais, pp. 188-209.

246 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Ao visitar a Saint John del Rey, em Morro Velho, em 1867, Ricard Burton obser-
vou que as cabeças de pilão importadas da Inglaterra eram quatro vezes mais caras
e que nenhuma durava mais que as revestidas com “chapas de ferro de Minas”,
fornecidas por Monlevade.426 A produção da província foi estimada, em 1815, em
cinco mil arrobas de ferro, que supriam mais de 70 por cento do seu consumo
total.427
Segundo uma memória produzida por Monlevade, a pedido do presidente da
província, em 1853, somente na área entre Ouro Preto e Itabira, existiam “84 ofici-
nas onde se funde o ferro, sem contar as numerosas tendas onde se elabora o ferro
comprado nas fábricas, as quais, entre forros e cativos, empregam ao menos duas
mil pessoas e produzem anualmente de 145 a 150 mil arrobas de ferro [2.175 a
2.250 toneladas]”.428 Em 1864, o número de fundições foi calculado em 120, produ-
zindo 1.550 toneladas, e em 1876, estimou-se que eram 110, com uma produção de
três mil toneladas.429 Em 1883 foram arroladas, “no centro da província”, 75 fábricas
de ferro, que produziam entre 1.500 a 1.600 toneladas por ano.430
Toda a produção mencionada por Monlevade era consumida dentro de Minas,
“em parte já reduzido a obras, e o restante é vendido e disseminado por toda a pro-
víncia, principalmente ao norte e ao oeste”. Ou seja, seu mercado abrangia toda a
região central, onde se localizava a maioria das fundições, mas, “ao sul ele chega até
Barbacena, onde se vende em concorrência com o ferro estrangeiro”, afirma o fran-
cês, que prossegue dizendo que era a produção local que atendia às necessidades
dos mineiros: “quase se pode afirmar que se não houvesse no país essa produção de
ferro barato para suprir a mineração de ouro e diamantes, a agricultura, etc., etc.,
estaria esta província quase abandonada”.431
Escravos eram extensamente empregados em todas as fundições, grandes ou
pequenas. Metade dos trabalhadores das Forjas do Girau eram cativos. Em Bonfim,

426 Burton. Explorations, vol. 1, p. 255. A expressão chapas de ferro está em português no original. Burton
visitou a siderúrgica de Monlevade e a descreveu nas páginas 298, 304-306, do mesmo volume.
427 O cálculo se deve a Eschwege, citado em Dornas Filho. O Ouro das Gerais, p. 172.
428 João Antônio de Monlevade. Memória anexa ao Relatório que ao Ilmo. e Exmo. Sr. Desembargador
José Lopes da Silva Viana, muito digno 1º. Vice-Presidente da Província de Minas Gerais, apresentou
ao passar-lhe a Administração, o Presidente Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos. Ouro Preto:
Typographia do Bom Senso, 1854. Anexo S3, p. 1.
429 Dornas Filho. O Ouro das Gerais, p. 206; Dent. A Year in Brazil, p. 264.
430 Iglésias. Política Econômica, p. 97.
431 Monlevade. Memória, p. 1; Mendonça. A Economia Mineira, pp. 133-34; Carvalho. Formação Histórica,
p. 27.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


247
o proprietário tinha tentado, sem sucesso, empregar somente homens livres, e por
ocasião da visita de Saint-Hilaire a maior parte da força de trabalho era escrava.432
Eschwege também planejou usar apenas mão de obra livre, mas logo precisou
recorrer aos escravos, que foram treinados e utilizados em todos os tipos de tarefa,
tanto braçais como especializadas. A força de trabalho de sua fundição, constituída
inicialmente por 20 cativos, poucos anos depois tinha crescido para 50 escravos.433
Morro do Pilar empregava escravos alugados: em certa época havia na empresa,
além do pessoal normal, que já incluía pelo menos 70 cativos, uma força suplemen-
tar de 120 escravos. Câmara não tinha a fama de ser um senhor bondoso: “durante
toda a operação o tronco nunca permanecia vazio”.434 Monlevade tinha 150 escra-
vos trabalhando em São Miguel em 1853. Por ocasião de sua morte, em 1872, seu
patrimônio incluía nada menos de 200 escravos, muitos dos quais eram hábeis
fundidores.435 Pelo menos até 1883, segundo um relatório do professor Bovet, da
recém-fundada Escola de Minas de Ouro Preto, a maioria dos fabricantes de ferro
ainda dependia do trabalho escravo.436

A FAZENDA MINEIRA
Durante o século XIX a grande maioria dos mineiros vivia e trabalhava no
campo. Isso é especialmente verdade no que diz respeito aos escravos: a única dis-
tribuição conhecida desta população por situação de domicílio (urbano ou rural),
mostra que no último ano do regime escravista somente 4,9 % dos cativos mora-
vam nas cidades e vilas da província.437

432 Saint-Hilaire. Viagem às Províncias, vol. 1, pp. 249-50; vol. 2, pp. 235-37.
433 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 421-22, 428; Freireyss. Viagem, p. 150.
434 Pohl. Viagem, vol. 2, pp. 369-72; Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 351, 356, 358. A citação é do
mestre fundidor alemão Schonewolf, que trabalhou no Morro do Pilar, reproduzida por Eschwege.
Dados sobre as despesas da fábrica, também fornecidos por Eschwege, permitem identificar, pelo
menos, 70 escravos entre a força do trabalho normal da empresa.
435 Dornas Filho. O Ouro das Gerais, pp. 205, 208-09. Sobre o emprego de escravos por Monlevade veja
também Suzannet. O Brasil em 1845, p. 126; e Burton. Explorations, vol. 1, pp. 298, 304-06.
436 Iglésias. Política Econômica, p. 97.
437 Os dados são da Matrícula dos escravos do Império, determinada pela Lei de 28 de setembro de 1885,
encerrada em 30 de março de 1887, anexa ao Relatório apresentado à Assembleia Geral da Terceira
Sessão da Vigésima Legislatura, pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas, Rodrigo Augusto da Silva. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1888. São
Paulo, com 4,6%, Pará, com 4,7%, e Minas Gerais, com 4,9%, eram as províncias com as menores
porcentagens de escravos com residência urbana. Esses números provavelmente exageram a
ruralização da população escrava em períodos anteriores. Em várias sociedades escravistas houve uma

248 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Havia uma grande variedade de tipos de estabelecimentos rurais, que iam
desde propriedades camponesas rústicas (compreendendo um casebre e uma roça
de subsistência), a sítios ou situações (propriedades familiares trabalhadas pelos
membros da família, algumas vezes com a ajuda de uns poucos escravos),438 até
grandes fazendas, que podiam abranger até centenas de milhares de acres e cente-
nas de escravos. No próximo capítulo examinaremos rapidamente o modo de vida
da população camponesa, aqui estamos interessados nas fazendas porque era nelas
que vivia a maioria dos escravos. Embora sua dimensão variasse muito, as fazendas
possuiam, em geral, grandes extensões de terra. Já vimos que o tamanho médio das
fazendas mineiras de café era de 591,2 hectares, ou 1.491 acres e, aparentemente, as
fazendas não-cafeeiras eram ainda maiores.
Não existem dados sistemáticos sobre isso, mas encontramos nos relatos dos
viajantes constantes referências a propriedades com mais de 50 mil acres. Na região
oeste da província, Saint-Hilaire notou que as fazendas frequentemente tinham de
oito a dez léguas de comprimento (sic). A fazenda da Jaguara, perto de Santa Luzia,
tinha mais do que 400 mil acres, e a fazenda de Pompeu, na região de Pitangui,
atingia mais de um milhão.439
Havia também muita variação no tamanho dos plantéis de escravos. No começo
do século essa variação apresentava um padrão regional claro. Nas regiões sul e
sudoeste da província as fazendas tinham poucos escravos: em grande parte des-
sas regiões o povoamento era esparso e os habitantes eram relativamente pobres:
“aqueles que possuem de oito a dez escravos são considerados ricos”. A vasta região
norte era uma zona predominantemente pecuária e também possuia poucos escra-
vos. Os grandes plantéis estavam concentrados no centro de Minas Gerais. Mas
mesmo naquelas regiões onde a população cativa era mais rarefeita encontravam-se,

redução da população escrava urbana nos últimos anos do regime servil. As crescentes demandas
da agricultura drenaram os cativos para o campo, enquanto nas cidades eles eram substituídos em
diversas funções por mão de obra livre. Para o principal debate sobre o declínio da escravidão urbana
nos Estados Unidos, veja Goldin. Urban slavery in the American South, e Richard C. Wade. Slavery in
the Cities. The South 1820-1860. London, Oxford and New York: Oxford University Press, 1964.
438 As duas palavras significam literalmente “lugar”. Esta nota era, óbviamente, voltada para o leitor não-
brasileiro.
439 Saint-Hilaire. Viagem às Nascentes, vol. 1, pp. 118-19, 217, 229; Wells. Exploring and Travelling,
vol. 1, p. 258; Burton. Explorations, vol. 2, p. 23. Em 1860, o tamanho médio das fazendas no Sul dos
Estados Unidos era de 399 acres, e no país todo, 202 acres. Em Pernambuco, em 1850, as plantations
(engenhos) de cana de açúcar de um município típico tinham 2.871 hectares em média, enquanto as
fazendas não açucareiras tinham somente 350 hectares. Gray. History of Agriculture, vol. 1, p. 530;
Eisenberg. The Sugar Industry, pp. 129-30.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


249
com frequência, fazendas com considerável número de escravos.440 Para o restante
do século são poucas as informações disponíveis sobre o tamanho dos plantéis.
Entretanto os relatos dos viajantes mostram que propriedades de 50, 100 ou mais
cativos não eram incomuns. Em algumas grandes fazendas a população escrava
atingia até 400 ou 500 indivíduos.
As principais características da fazenda mineira eram sua diversificação interna
e sua autossuficiência. A produção mercantil era limitada e praticamente não
tinham nenhuma ligação com mercados distantes. Seus produtos eram consumidos
localmente, ou vendidos para vilas e cidades em sua vizinhança. A fazenda mineira
não era uma empresa: apesar de produzir alguns artigos para venda (cash crops),
ela nunca se especializava na produção mercantil, e suas decisões econômicas eram
apenas parcialmente determinadas pelas forças do mercado. O absenteísmo dos
proprietários era raro, pois a própria fazenda era o centro da vida social da classe
dominante. Booms ou crises econômicas, revoluções no Haiti, ou quebras da safra
em Java, quase não afetavam sua vida, que permaneceu essencialmente inalterada
ao longo do século.
“A fazenda é algo entre uma família e um reino”, escreveu um observador no
início do século XX, acrescentando que
foi em Minas que existiram, e talvez ainda se possam encontrar, aquelas
fazendas onde uma família vive com abundância, mas sem riqueza,
exportando pouco, demandando poucas coisas do resto do mundo,
quase não sendo tocada em sua vida isolada pelo impacto de revoluções
econômicas que perturbam mercados distantes.441

Existem descrições detalhadas de muitas fazendas mineiras em diferentes


períodos do século XIX. Na década de 1810, Pohl descreveu uma propriedade no
nordeste da província, onde havia muitos escravos, um alambique de cachaça, um
engenho de açúcar e outro de azeite de mamona. As criações incluiam gado bovino,
porcos e carneiros. Plantava cana, café, trigo, mandioca e milho (que eram trans-
formados em farinha) e tinha sua própria fundição de ferro.442

440 Sobre as diferenças regionais entre as propriedades e seus plantéis de escravos, veja Saint-Hilaire.
Viagem às Nascentes, vol. 1, pp. 76-79. Para exemplos de fazendas importantes, com muitos escravos
em áreas pouco povoadas, veja o mesmo livro, vol. 1, pp. 88, 118-19, 132-34, 165, 167, 181; e Viagem
às Províncias. vol. 2, p. 286.
441 Pierre Dennis. Le Brèsil au XXe Siècle. Paris: Librarie Armand Colin, 1909, pp. 6-7.
442 Pohl. Viagem, vol. 2, p. 287. Para outras fazendas descritas por esse autor, veja: vol. 1, p. 217-18, vol.
2, pp. 229, 375.

250 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
No mesmo período, no outro extremo de Minas, Spix e Martius visitaram uma
fazenda onde se minerava ouro e se produzia uma quantidade “colossal” de milho,
além de mandioca, farinha, feijão, sabão e alguma cana de açúcar. Um pequeno
engenho produzia aguardente e melado, que eram parcialmente vendidos aos vizi-
nhos. Seiscentas cabeças de gado abasteciam “a economia doméstica” com carne,
leite, queijos e couros. A propriedade era inteiramente autossuficiente e, em sua
opinião, seus muitos escravos pareciam “saudáveis e alegres”. Em outro trecho,
Martius comentou que
As fazendas isoladas estão privadas de todo auxílio dos centros mais
habitados. Cada fazendeiro rico vê-se, portanto, forçado a prover por si
mesmo às necessidades de sua casa, mandando ensinar ofícios aos seus
escravos. Em geral encontram-se, nestas fazendas, oficinas com todos
os operários, como sapateiros, alfaiates, tecelões, serralheiros, ferreiros,
pedreiros, oleiros, caçadores, mineiros, lavradores, etc., bem como as
ferramentas necessárias para esses trabalhos.443

Saint-Hilaire descreveu muitas fazendas de diferentes partes de Minas. Em


Itacambira visitou uma onde a cana de açúcar, o arroz, o feijão, o milho e o algodão
eram cultivados. O pano de algodão era tecido em casa e todo o ferro necessário
era produzido na propriedade. Um grande pomar fornecia uvas e café. O proprie-
tário, Sr. Vieira, como muitos outros da região, só precisava comprar sal fora de sua
fazenda.
A fazenda Santo Elói, em Montes Claros, era outro grande estabelecimento,
com numerosos escravos, e exibia engenhos hidráulicos de mandioca, cana, milho
e mamona. Tinha receitas monetárias provenientes das vendas de gado e de açúcar,
mas todos os outros produtos eram consumidos internamente. Quando Gardner
visitou Santo Elói, em 1841, nada tinha mudado em relação à descrição de Saint-
Hilaire, exceto pela marca do tempo na senhora da casa, cuja beleza tinha cativado
o olhar do botânico francês, vinte anos antes.444
Em Minas, mesmo as fazendas cafeeiras eram muito diversificadas. No início
da década de quarenta, a fazenda do Capitão Francisco Leite Ribeiro, no distrito
de Mercês do Cágado, atual Mar de Espanha, então no município de Barbacena,
“talvez o homem mais rico dessa parte do país”, tinha um engenho movido a água, e
produzia grande quantidade de queijo, açúcar e cachaça, além de onze mil arrobas

443 Spix e Martius. Viagem, vol. 1, pp. 84-85, 279.


444 Saint-Hilaire. Viagem às Províncias, vol. 2, p. 286; Gardner. Viagem, pp. 361-62.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


251
de café por ano.445 A fazenda Soledade, perto de Paraibuna, cultivava café, milho,
arroz, cana de açúcar e algodão, tinha engenho de açúcar e fábrica de farinha, bem
como um alambique. Seus 200 escravos eram vestidos pelos teares domésticos, que
também produziam os sacos para a exportação do café.446
O caráter da fazenda mineira não se alterou ao longo do século, como pode-
mos ver na descrição do estabelecimento rural típico de Minas, feita por Richard
Burton, em 1867.
Essas fazendas são aldeias isoladas em pequena escala. Abastecem a vizi-
nhança de suas necessidades simples: carne seca, toucinho, carne de por-
co e banha, farinha de mandioca e de milho, açúcar e aguardente, fumo
e azeite de mamona, panos grosseiros e fio de algodão; café e diversos
tipos de chá de Caparrosa e folhas de laranja. Importam somente ferro
para fazer ferraduras; sal, vinho e cerveja, charutos, manteiga, porcelana,
remédios e outras “miudezas.” Geralmente tem oficinas de ferreiro, de
carpinteiro e de sapateiro, chiqueiros de porcos (...) e um grande gali-
nheiro.
A vida do fazendeiro é muito simples. Levanta-se de madrugada e seu
escravo de quarto lhe traz café, uma bacia e um jarro, ambos de prata
maciça, para lavar o rosto. Depois de uma olhada no engenho (...) e de
uma cavalgada pela fazenda, para ver se os trabalhadores não estão à toa,
volta... para o café da manhã. As horas quentes do dia são passadas, ou
fazendo a sesta, ajudada por um copo de cerveja inglesa – que de inglesa
nada tem além do nome – lendo os jornais ou recebendo visitas. O jantar
é entre as 3 e 4 horas da tarde (...) e é invariavelmente seguido de café e
fumo. Muitas vezes outra rodada de café é servida antes de se sentar para
o chá (...) e o dia termina com uma conversa em algum lugar fresco. A
monotonia dessa vida de frade é quebrada por uma visita ocasional a um
vizinho ou ao vilarejo mais próximo.447

445 Gardner. Viagem, pp. 447-78.


446 Castelnau. Expedição, vol. 2, pp. 122-23.
447 Burton. Explorations, vol. 2, pp. 39-40. Esse livro apresenta várias descrições de fazendas do final da
década de 1860. Burton usa o termo planter para designar o proprietário desse estabelecimento, não
porque sua propriedade fosse uma plantation, mas, claramente, pela falta de uma tradução adequada
para fazendeiro, na língua inglesa. Nem planter, nem farmer, são capazes de abarcar corretamente o
significado dessa palavra: planter, no sentido de dono de uma plantation é muito específico, e farmer
indica um proprietário rural de pequeno ou médio porte, que geralmente participa pessoalmente
do trabalho agrícola, coisa impensável para um planter. Da mesma forma, planter e farmer não tem
correspondentes exatos na língua portuguesa. As palavras plantador e fazendeiro carregam conotações
claramente diferentes dos seus false friends do inglês. A expressão vida de frade está em português no
original.

252 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
No meado dos anos setenta, James Wells descreveu a pequena fazenda onde se
hospedou enquanto trabalhava no projeto de uma estrada de ferro. O estabeleci-
mento tinha vários escravos e era moderadamente próspero. “No final das contas”,
pensava Wells, “existem muitos lugares e muitas vidas piores do que as da velha
fazenda Mesquita e dos seus moradores afáveis e simples.” Não obstante,
seus trabalhos não podem ser considerados ocupações lucrativas; eles
apenas permitem uma subsistência simples; não há aluguéis, impostos
ou salários a pagar, e o pequeno excedente da produção da fazenda, ou
a venda ocasional de um boi, proporcionam os meios suficientes para
a compra das poucas necessidades básicas que a fazenda não produz,
como uma peça de pano estampado ou de roupa branca, chapéus, alguns
utensílios de ferro para a cozinha, ou para o contrato de um carpinteiro
para consertar algum estrago na carruagem da família – o carro de boi.

Todas as excelentes descrições que Wells deixou sobre diversas fazendas enfati-
zam, sem exceção, que seus excedentes eram comercializados em mercados locais,
e são especialmente valiosas porque a literatura de viagens desse período é muito
escassa.448
Algumas outras propriedades parecem ter sido ainda mais diversificadas do
que essas já descritas. A fazenda da Jaguara, por exemplo, combinava uma ampla
variedade de culturas com a pecuária, engenhos de açúcar, curtumes, tecelagem de
algodão e mineração. A produção de seus quinhentos escravos não era exportada, e
sim consumida no próprio estabelecimento ou vendida a varejo na vizinha cidade
de Sabará.449

DISTRIBUIÇÃO OCUPACIONAL DA FORÇA DE TRABALHO ESCRAVA


O censo de 1872 oferece o único conjunto sistemático de dados sobre a dis-
tribuição ocupacional dos escravos nas paróquias, municípios e províncias brasi-
leiras na segunda metade do século.450 A comparação entre Minas e as províncias

448 Wells. Exploring and Travelling, vol. 1, pp. 163-65. Para outras descrições de unidades rurais, incluindo
pequenas fazendas e pequenas propriedades agrícolas familiares, veja vol. 1, pp. 105, 125-27, 134,
160-61, 202, 209, 224, 258, 275-76, 301-02, 315-16.
449 Carvalho. Estudos e Depoimentos, p. 67; Dornas Filho. Tropas e Tropeiros, pp. 94-95.
450 Tudo indica que os dados ocupacionais do censo têm muitas deficiências, mas são os melhores
disponíveis. A matrícula de 1873 também apresenta uma distribuição das populações escravas
provinciais por ocupação, mas os dados para Minas Gerais nunca foram publicados. Além disso, a
confiabilidade dos números dessa matrícula para todas as outras províncias é muito questionável.
Em São Paulo, por exemplo, todos os escravos foram registrados como trabalhadores agrícolas,
trabalhadores especializados ou diaristas. Não havia um único trabalhador doméstico e nenhum

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


253
plantacionistas exportadoras do Rio de Janeiro e São Paulo mostra diferenças notá-
veis. A distribuição mineira reflete claramente a estrutura econômica mais diversi-
ficada da província. Os escravos estavam muito menos concentrados na agricultura,
e outras ocupações, como ofícios e manufatura, detinham uma parcela substancial-
mente maior em Minas do que nas províncias cafeeiras. A alta concentração nos
serviços domésticos sugere que a vida econômica estava mais centrada em torno do
domicílio e menos orientada para a produção mercantil.
Robert Conrad, Robert Slenes e outros que analisaram as ocupações dos escra-
vos no censo de 1872 apresentam um quadro radicalmente diferente. De acordo
com eles, 75,2 % de todos os escravos mineiros, ou 85,5 % daqueles cujas ocupa-
ções foram registradas, eram trabalhadores agrícolas. Esses autores repetiram sem
críticas os dados da tabela provincial da distribuição ocupacional do censo (vol. 9,
p. 1.085), que contém grandes erros de soma.451

Tabela 5.23 - Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo:


Distribuição ocupacional da força de trabalho escrava, 1872
Ocupação Porcentagem dos escravos com ocupação conhecida (*)
Minas Gerais Rio de Janeiro São Paulo
Agricultura 45,4 69,9 68,9
Ofícios e manufatura 10,4 3,7 6,4
Criados e jornaleiros 11,0 12,7 7,2
Serviço doméstico 32,5 13,5 17,2
Outras ocupações 0,7 0,2 0,3

Total 100,0 100,0 100,0


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

escravo foi incluído na categoria “sem ocupação”. Ao mesmo tempo, a distribuição etária dos
matriculados mostra que 25.473 cativos estavam abaixo dos 6 anos de idade, e 51.518 abaixo dos
13 anos. Absurdos semelhantes estão presentes nos dados para outras províncias. A matrícula de
1887 tem uma distribuição ocupacional muito sumária, na qual há algumas óbvias inconsistências.
Há também considerável suspeita de que houve muita evasão nesse último registro, tornando seus
dados incompletos. A matrícula de 1873 está reproduzida em Slenes. The Demography, pp. 695-96, e
a matrícula de 1887 está no Relatório Agricultura, Ministro Rodrigo Silva, 1888.
451 Conrad. The Destruction, pp. 65, 300; Slenes. The Demography, p. 79. Embora esses autores não
sejam responsáveis pelos erros do censo, algumas inconsistências evidentes deveriam tê-los alertado
do problema. Os quase 280 mil escravos agrícolas dados pela tabela provincial significariam que
virtualmente todos os escravos entre 11 e 60 anos estavam empregados nesse setor. Os 326.142
escravos com ocupação declarada implicariam que quase todos os escravos com mais de 6 anos
tinham uma ocupação específica incluindo quase 35 mil pessoas com seus sessenta, setenta e oitenta
anos, ou mais.

254 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela 5.24.1 - Minas Gerais: Distribuição ocupacional da população escrava,
por regiões, 1873 (número de escravos por grupo ocupacional)

Regiões Agricultura Criados e Serviço Ofícios e Mineração Sem profissão


jornaleiros doméstico manufatura ou ocupação
desconhecida
Metal.-Mantiqueira 29.045 7.996 22.497 6.691 258 27.814
Mata 30.447 7.198 18.534 5.333 0 33.650
Sul 24.801 5.559 18.787 5.017 84 25.365
Oeste 8.720 2.718 9.017 3.534 0 9.653
Alto Paranaíba 5.959 2.016 3.199 1.495 12 5.804
Triângulo 2.472 87 1.859 516 0 3.032
S. Francisco-M. Claros 2.590 114 1.351 569 9 2.867
Paracatu 588 185 790 314 0 758
Jequit.-Mucuri-Doce 9.678 1.875 5.960 2.743 1.262 9.407

Minas Gerais 114.300 27.748 81.994 26.212 1.625 118.350


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

Tabela 5.24.2 - Minas Gerais: Distribuição ocupacional da população escrava,


por regiões, 1873 (porcentagens do total de escravos com ocupação conhecida)
Regiões Agricultura Criados e Serviço Ofícios e Mineração Total com
    jornaleiros doméstico manufatura   ocupação
      conhecida 
Metal.-Mantiqueira 43,7 12,0 33,8 10,1 0,4 66.489
Mata 49,5 11,7 30,1 8,7 0,0 61.519
Sul 45,7 10,2 34,6 9,2 0,2 54.256
Oeste 36,3 11,3 37,5 14,7 0,0 24.025
Alto Paranaíba 47,0 15,9 25,2 11,8 0,1 12.687
Triângulo 50,1 1,8 37,7 10,5 0,0 4.934
S. Francisco-M. Claros 55,8 2,5 29,1 12,3 0,2 4.640
Paracatu 31,3 9,9 42,1 16,7 0,0 1.877
Jequit.-Mucuri-Doce 45,0 8,7 27,7 12,7 5,9 21.518

Minas Gerais 45,4 11,0 32,5 10,4 0,6 251.945


Fontes, notas e metodologia: veja o Apêndice C.

A correta agregação dos dados das paróquias mineiras, apresentada nas tabelas
5.24.1 e 5.24.2, a seguir, revela uma estrutura ocupacional inteiramente diferente
daquela obtida na tabela provincial, mostrando que em Minas os escravos estavam
muito mais uniformemente distribuídos entre as ocupações. Essas tabelas tam-
bém mostram que eram muito pequenas as diferenças percentuais dos principais
grupos ocupacionais entre as regiões da província, especialmente entre as regiões

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


255
Metalúrgica-Mantiqueira, Mata e Sul, que continham mais de 70% dos escravos.
Em especial, deve-se notar que a concentração na categoria dos trabalhadores agrí-
colas na Mata, onde o setor de plantations estava localizado, era apenas ligeira-
mente mais alta do que no resto da província. Esse resultado é consistente com
nossa argumentação anterior, de que a lavoura cafeeira era somente uma parte da
estrutura econômica da Mata, convivendo lado a lado com atividades semelhantes
às que predominavam nas outras regiões.

UMA ILHA ECONÔMICA


A caracterização de Minas no século XIX como uma “ilha econômica” pode
envolver algum exagero, especialmente tendo em vista as pesadas e contínuas
importações de escravos, mas, sem dúvida, está muito mais próxima da realidade
do que a imagem de uma economia exportadora ou de uma “província cafeeira”.452
Estava esta ilha decadente ou estagnada? Somente aos olhos dos frustrados cole-
tores de impostos para os quais a visão de comunidades autossuficientes – “meros
arranhadores de terra” – sempre pareceu ofensiva, e de algumas correntes historio-
gráficas ainda escravas da mesma mentalidade. O monótono padrão de expansão –
continuidade estrutural sem reviravoltas na ordem econômica, sem grandes booms
ou depressões – levou alguns observadores contemporâneos a enxergar estagnação
ou decadência, onde havia apenas permanência.
Tendo visitado extensamente a região na década de 1870, James Wells escreveu
que “onde quer que eu cruzasse ou seguisse as rotas de Mr. Gardner (1841) ou do
capitão Burton (1867), não percebi nenhuma mudança digna de nota nas diversas
localidades, com relação às descrições desses autores”.453
De fato, se compararmos esses relatos com as de escritores ainda mais antigos,
como Saint-Hilaire, no final da década de 1810, encontraremos semelhanças extra-
ordinárias na maioria dos lugares. Isso não significa que não houve crescimento.
Novas terras foram continuamente incorporadas à economia, em todo o território,
durante todo o século, e a população se expandiu mais rapidamente do que na
maioria das províncias, crescendo entre 1819 e 1890 a uma taxa substancialmente
acima da média nacional.
Os três milhões de habitantes existentes no final do Império eram tão autos-
suficientes em sua alimentação, vestuário e moradia como os 600 mil mineiros do

452 A imagem de Minas do século XIX como uma ilha econômica foi sugerida por Carvalho. Formação
Histórica, p. 54.
453 Wells. Exploring and Travelling, vol. 1, p. LX.

256 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
final do período colonial.454 O padrão de vida da população era baixo, por critérios
atuais, mas não mais baixo do que em outras partes do Brasil, e provavelmente mais
alto do que na maioria. Não há qualquer evidência de que tenha se deteriorado ao
longo do século. O comentário de Richard Burton pode ser considerado represen-
tativo de muitas outras avaliações contemporâneas do padrão de vida dos minei-
ros: “não existe pobreza, muito menos miséria; não existe riqueza, muito menos
opulência”.455

454 Entre 1819 e 1890 a população total de Minas aumentou a uma taxa de 2,3% ao ano, enquanto a
população brasileira cresceu a apenas 1,6% por ano. Os números para 1890 são do recenseamento
daquele ano.
455 Burton. Explorations, vol. 2, p. 62.

PARTE I - CAPÍTULO 5 - UMA ECONOMIA VICINAL


257
Capítulo 6 - Conclusão: Terra,
camponeses e escravos

U.
B. Philllips escreveu, certa vez, que o plantation system “era menos depen-
dente da escravidão do que a escravidão dele; e se manteve em escala con-
siderável (...) apesar da destruição da escravidão.456 Ele estava se referindo
especificamente ao sul dos Estados Unidos, mas idênticos pontos de vista sempre
foram sustentados a respeito de todas as regiões escravistas do Novo Mundo. Os
historiadores se acostumaram tanto a associar o trabalho compulsório com a plan-
tation monocultora e exportadora, que a simples menção da escravidão no Novo
Mundo lhes traz à mente a ilha-fábrica de açúcar do Caribe, a plantation de algo-
dão do Old South, a fazenda de café e o engenho do Brasil.
Em Minas Gerais, um sistema escravista de grande porte – um dos maiores da
história da escravidão moderna – sobreviveu e se expandiu por longo tempo em
áreas onde a plantation exportadora nunca existiu. E sua extinção não se deu por
morte natural: a instituição foi politicamente derrotada por forças situadas além do
controle dos senhores de escravos mineiros.
Por que Minas se agarrou tão tenazmente à escravidão, por tanto tempo? Foi
um caso sui generis, que em seu exotismo desafia uma explicação? Acredito que
não. Na verdade, o caso mineiro desafia apenas a teoria de que a plantation expor-
tadora e o regime escravista precisavam caminhar o tempo todo de mãos dadas, e
que o último não poderia sobreviver sem a primeira.
Teremos, então, que procurar a resposta no love to domineer, de que nos falava
Adam Smith,457 numa postura mental enraizada, ou algum estilo de vida profun-
damente sedimentado? Fatores culturais sempre desempenham um papel na vida
das instituições, mas a questão claramente envolve algo mais fundamental do que
ideologia ou preconceito.

456 Ulrich Bonnell Phillips. The Slave Economy of the Old South. Selected Essays in Economic and Social
History, edited by Eugene D. Genovese. Baton Rouge: Louisiana State University Press, 1968, p. 245.
Como veremos adiante, Phillips estava equivocado: o fim da escravidão significou o aniquilamento da
plantation algodoeira no Sul dos Estados Unidos.
457 Adam Smith. The Wealth of Nations. New York: The Modern Library, 1937, p. 365.

259
Se assim não fosse, como poderíamos explicar que estrangeiros estranhos à
nossa cultura tenham se rendido tão facilmente a um sistema que diziam repudiar
éticamente, e tenham tantas vezes redescoberto a peculiar institution? Considere,
por exemplo, as companhias mineradoras inglesas: organizadas como empre-
sas capitalistas, não vieram a Minas com o intuito de empregar trabalho escravo.
Como chegaram a esta situação aparentemente bipolar, de capitalistas e escravistas,
“modernas” e “arcaicas”, uma ética na Europa e outra no trópico? O que fazia os
britânicos despirem sua plumagem abolicionista quando atravessavam o Equador?
Pensem em Spix e Martius: como é que esses cientistas esclarecidos e cultos viram-
-se, de repente, na “dolorosa” contingência de “ter que comprar um jovem negro?”458
Como veremos adiante, a questão não é moral, e “não tem relação com o vício
ou a virtude, mas com a produção”.459 A escravidão era necessária, do ponto de vista
da classe proprietária, porque não havia uma oferta voluntária de trabalho assala-
riado. Durante todo o século existia muita gente, mas, para desespero dos emprega-
dores potenciais, braços de aluguel eram cronicamente escassos. O camponês livre
aceitava trabalhos eventuais, como os de camarada de tropa, roçador de mato ou
campeiro. Mas nunca o de trabalhador do eito. Não podia ser persuadido a traba-
lhar para um patrão, de forma permanente, “com constância e em combinação”.460
No começo do século, o barão de Eschwege, homem estrangeiro, instruído, e
aspirante a empresário capitalista, justificou sua conversão ao sistema escravista:
No início não foram comprados escravos porque eu, ainda imbuído da
mentalidade européia, acreditava que somente homens livres deveriam
ser empregados na fábrica. A consequência de minha atitude foi que os
anos se passaram sem que fosse possível treinar um único fundidor ou
aprendiz (...) tão logo aprendiam o trabalho, os operários sumiam (...) Eu
não tinha meios de fazê-los ficar (...) Finalmente, cheguei à conclusão de
que era absolutamente necessário comprar escravos (...) Daí em diante
pude operar muito melhor (...) É virtualmente impossível, no Brasil,
fazer uma indústria prosperar quando se tem que depender de homens
livres.461

458 Spix e Martius. Viagem, vol. 1, p. 112.


459 Wakefield. A View, p. 323.
460 A citação é de Wakefield. A View, p. 324. Com a expressão in combination, Wakefiel quer dizer em
equipe, ou em combinação com outros trabalhadores.
461 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 421-22, 447.

260 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
No mesmo período, Saint-Hilaire observou que “ninguém queria ter um traba-
lho permanente, mesmo leve, por dinheiro”, e sua própria experiência ensinou-lhe
que o empregador tinha “que suportar o aborrecimento de ser servido por escravos
ou colocar-se à mercê dos homens livres”. O dono da fundição do Bonfim lhe disse
que,
[quando] começou as operações queria somente homens livres como
trabalhadores, mas não conseguiu levar esse projeto adiante. Os
homens livres e pobres têm, nessa região, meios muito fáceis de viver
sem trabalhar, e por isso não se submetem ao duro trabalho das forjas.
Somente adiantando dinheiro, dando-lhes roupas e tratando-os quase
como iguais, conseguia manter uns poucos na fábrica.

Na fábrica de ferro do Morro do Pilar, o francês observou que “nada é tão difícil
quanto reter trabalhadores livres”. Com uma força de trabalho livre de cerca de 100
jornaleiros, a empresa registrou mil ausências por mês, ou seja, uma taxa de absen-
teísmo de quase metade dos dias de trabalho.462
Pohl também relatou, de Oliveira, que os habitantes “preferiam o dolce far niente
ao trabalho, ao qual somente podiam ser persuadidos, em caso de necessidade, com
muitas súplicas e bom dinheiro”.463 Spix e Martius notaram que o principal pro-
blema enfrentado pela Fábrica do Prata era a “repugnância da classe pobre em se
dedicar a ocupações fixas”.464
Várias décadas mais tarde a situação não tinha se modificado. Fazendo o levan-
tamento para uma estrada de ferro, nos anos 1870, James Wells enfrentou o mesmo
problema todas as vezes que tentou recrutar trabalhadores. Uma vez engajados, os
camponeses eram, “em geral, sujeitos sérios, confiaveis e esforçados, que trabalha-
vam duro, do raiar do dia até o pôr do sol”. Mas,
a dificuldade é convencê-lo a aceitar, pois ele não trabalhará por um
salário, a não ser compelido pela falta de um dinheirinho para comprar
algo indispensável para si ou sua família; do contrário, ficará balançando
na rede, pitando seu cigarro, dedilhando seu violão, ou dormindo, e dirá
que está muito ocupado, e que talvez possa vir, quem sabe, se Deus quiser,
na próxima semana ou na outra...

462 Saint-Hilaire. Viagem às Nascentes, vol. 1, pp. 124, 163; Viagem às Províncias, vol. 2, pp. 237, vol.1, pp.
263.
463 Pohl. Viagem, vol. 1, p. 219.
464 Spix e Martius. Viagem, vol. 1, pp. 368-69.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


261
Os camponeses poderiam, ocasionalmente “dar uma mão em um trabalho extra
nas fazendas, algumas vezes em troca da permissão para ser posseiro na proprie-
dade, outras vezes por um pequeno pagamento de seis ou oito pence por dia”, mas o
engenheiro ficou surpreso ao verificar que os salários oferecidos não eram a prin-
cipal questão: “embora eu pagasse aos meus trabalhadores o dobro dos salários
locais, nunca fiquei, de modo algum, sufocado por pedidos de emprego” e, quando
era possível conseguir alguns homens aqui e ali, sempre “deixavam claro que seu
trabalho (...) deveria ser considerado um grande favor”.465
Em 1883, os diretores de uma fábrica de tecidos, em Minas, reclamavam que
“bem poucos [trabalhadores] têm qualquer interesse por suas obrigações (...) não
se submetem a nenhum controle sistemático, não se fixam no emprego, e não se
importam com os contratos”. Os frustrados empregadores descreviam os trabalha-
dores da fábrica como “intransigentes, queixosos, refratários à disciplina e indife-
rentes a estímulos”, e concluiam que “não se pode contar com eles, nem proporcio-
nam qualquer lucro.”466
Os camponeses, altamente ciosos de sua liberdade, eram uma gente simples e
altiva. Suas maneiras, sua independência e sua autossuficiência ofendiam o euro-
peu da classe dominante, já desacostumado à visão de um campesinato livre: “Todo
mundo se considera absolutamente livre e independente. Mesmo os criados não
toleram um tom imperativo de seus patrões”, escreveu o barão von Eschwege – “não
sou escravo – é a resposta imediata, e não há nada que possamos fazer, senão nos
tornarmos obedientes servos de nossos servos”.467
Em seus contatos com a classe alta, eram educados e respeitosos, mas não sub-
servientes. Os viajantes estrangeiros registraram, por todo o século, a calorosa hos-
pitalidade com que eram recebidos nas casas dos camponeses mineiros. Recebiam
deles comida e abrigo, mas em geral, só lhes era cobrado o milho consumido pelas
mulas.468
Wells descreveu a área em que trabalhou como um “vale de verdadeira igual-
dade,” onde, para seus hábitos ingleses, “havia apertos de mão demais, pois nesse

465 Wells. Exploring and Travelling, vol. 1, pp. 168, 103, 267. As expressões muito ocupado e se Deus
quiser estão em português no original.
466 Citado por Stein. The Brazilian Cotton Manufacture, pp. 55, 61.
467 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 422-23. Itálicos no original.
468 Os relatos não são unânimes sobre essa questão. Alguns viajantes registraram fortes reclamações
sobre preços que consideraram exorbitantes.

262 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
país livre (...) todo homem é tão bom quanto seu vizinho.”469 Burton descreveu um
encontro com um grupo de matutos: “Apareceram alguns caipiras e ficaram olhando
nossas coisas, mas não aceitaram comer conosco, nem qualquer outra coisa, a não
ser fogo paras seus cigarros, e nós nos comportamos com a mesma formalidade.
Tinham me recomendado tratá-los com agrado e gravidade. Ao anoitecer todos
desapareceram, com um toque no chapéu, no mais profundo e triste silêncio”.470
Os camponeses não possuíam “nem mesmo uma colher de ferro ou um garfo”
e eram “tão inúteis como se não existissem,” observou Wells. “Eles nada tem para
vender, nem meios para comprar coisa alguma; seu pouco trabalho é gasto no cul-
tivo de uns poucos vegetais, na pesca e na construção de uma choça (...) No entanto,
são o mais independente dos povos, orgulhosos de seu direito de não fazer nada, o
que fazem com a maior competência.”471
Assim como a tradição e o preconceito são invocados para justificar o apego
da classe proprietária ao regime servil, uma explicação “cultural” é geralmente
proposta para a aversão do campesinato pelo trabalho contínuo e supervisionado.
Diz-se com frequência que a escravidão degradava o trabalho, e que o camponês
livre, recusando-se ao trabalho assalariado, estaria tentando dissociar-se da ima-
gem do escravo.
A associação entre algumas formas de trabalho, especialmente o trabalho no
eito sob estrita supervisão, e o status servil era indubitavelmente forte na cultura
brasileira, como em qualquer outra cultura escravista. Mas não é possível aceitar
isso como a causa da rejeição do trabalho assalariado pelo camponês livre, a menos
que se esteja preparado para acreditar que ele e sua família pudessem viver de orgu-
lho apenas. Valores não crescem no vácuo: para surgir e sobreviver precisam ser
econômicamente viáveis, devem estar ancorados na realidade concreta. A auto-es-
tima não pode suplantar um estômago vazio.

A HIPÓTESE DE WAKEFIELD
Garantir um fluxo de trabalho barato para os capitalistas nas novas colônias da
Austrália colocava-se como um problema crucial para a política colonial britânica
na primeira metade do século XIX. As soluções adotadas nos primeiros séculos
da construção do império – a servidão de europeus e a escravidão de africanos

469 Wells. Exploring and Travelling, vol. 1, pp. 167, 276.


470 Burton. Explorations, vol. 2, p. 62. A expressão em itálicos está em português no original.
471 Wells. Exploring and Travelling, vol. 2, p. 71.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


263
– haviam se tornado politicamente inviáveis. Dentre os muitos pensadores, funcio-
nários e homens de negócios que se ocuparam desta questão, destaca-se Edward
Gibbon Wakefield.
Economista clássico, político e colonial promoter, ao se debruçar sobre o assunto,
Wakefield não só elaborou os famosos esquemas de “colonização sistemática”, mas
também estabeleceu os fundamentos de uma teoria econômica da escravidão, até
hoje acatada como explicação para o surgimento e o declínio desta instituição.472
Sua tese se baseia na relação entre a população e a disponibilidade (ou apro-
priação) dos recursos produtivos, especialmente da terra, e criou uma linhagem
teórica, da qual fazem parte Herman Merivale, Karl Marx, Achille Loria, Herman
Nieboer, Evsey Domar e outros.
É claro que, como sempre acontece na história das idéias, a teoria de Wakefield
não nasceu no vácuo. Pelo contrário, a percepção de que havia uma conexão entre
terras livres, escassez de trabalhadores e trabalho compulsório, é muito antiga, e
parece ter sido uma noção trivial, amplamente disseminada desde, pelo menos,
o século XVIII. Marx, por exemplo, questionou a originalidade das teses de
Wakefield dizendo que “suas poucas pinceladas sobre a questão da colonização
moderna foram totalmente antecipadas por Mirabeau Père, o fisiocrata, e mesmo
muito antes por economistas ingleses”.473
Os founding fathers dos Estados Unidos se referiram repetidamente à relação
entre terras livres e escassez de mão de obra. Benjamin Franklin escreveu, em 1760,
que “nenhum homem que tenha um pedaço de terra suficiente para subsistir com
fartura, é pobre bastante para ser um operário e trabalhar para um patrão”. Thomas
Jefferson e Alexander Hamilton escreveram coisas semelhantes.474

472 Os principais livros de Wakefield sobre este tema são A Letter from Sydney, the Principal Town of
Australasia. Edited by Robert Gouger. Together with an Outline of a System of Colonization. London:
Joseph Cross, Simpkin and Marshall e Effingham Wilson, 1829; England and America. A Comparison
of the Social and Political State of Both Nations. New York: Harper and Brothers, 1834, reprinted: New
York: Augustus M. Kelley, 1967; e A View of the Art of Colonization, with present reference to the British
Empire. London: John W. Parker, 1849, reprinted: New York: Augustus M. Kelley, 1969. O primeiro, A
Letter from Sydney, foi escrito e publicado enquanto cumpria pena de três anos na prisão de Newgate,
pelo rapto de uma jovem herdeira. Wakefield nunca tinha estado na Austrália.
473 Victor Riqueti de Mirabeau, marquis de Mirabeau. L’Ami des Hommes, ou Traité de la Population
(1756). O comentário está em Karl Marx. Capital, a Critique of Political Economy, vol. I, p. 766. Todas
as citações de Marx neste trabalho são da edição New York: International Publishers, 1967.
474 Citado por Gavin Wright. The Political Economy of the Cotton South. New York: W. W. Norton, 1978,
pp. 112-13. Veja também, Benjamin Franklin. Observations concerning the Peopling of Countries.
Philadelphia, 1751, citado por Joseph Schafer. Was the West a Safety Valve for Labor? The Mississipi
Valley Historical Review XXIV (Dec. 1937).

264 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Uma formulação completa e extraordinariamente clara da mesma tese foi publi-
cada, em 1798, pelo bispo e economista brasileiro José Joaquim da Cunha Azeredo
Coutinho:
O trabalho exposto às inclemências do tempo é sempre obrigado pela
força; ou seja de um estranho, ou seja da fome; daí vem que entre as nações
em que há muitas terras devolutas e poucos habitantes relativamente,
onde cada um pode ser proprietário de terras, se acha estabelecida, como
justa, a escravidão. Tais são as nações da África, da Ásia e da América: e
entre as nações em que há poucas ou nenhumas terras devolutas e sem
proprietários particulares, se acha estabelecida a liberdade, assim como
na maior parte das nações da Europa; mas esta chamada liberdade não é
devida às luzes ou a maior grau de civilização das nações: é, sim, devida
ao maior ou menor número de habitantes relativamente ao terreno que
ocupa esta nação; por isso vemos que a Dinamarca, a Hungria, a Polônia
e a Rússia (nações sem dúvida mais iluminadas que os reformadores da
França e que querem ser de todo o mundo), vão dando a liberdade aos
seus escravos à proporção que a sua população se aumenta relativamente
às suas terras, assim como praticou a França nos princípios do século
XIV (...) O homem que só tem o seu braço, se vê obrigado pela fome a
pedir ao proprietário que o deixe cultivar a terra de que ele é proprietário,
para do trabalho do seu braço viverem ambos; logo, um tal trabalhador
é livre só de nome, mas, na realidade, escravo da força da fome, pois que,
ainda que lhe seja livre o mudar de amo, por não dizer de senhor, a sua
condição, contudo, é sempre a mesma, e muito inferior à de seu amo:
um vive no meio da abundância, do luxo e da moleza, o outro rebentado
com trabalho, exposto a todas as inclemências do tempo para ter o
absolutamente necessário para sustentar a vida (...)475

Em 1833, o barão von Eschwege, geólogo, mineralogista e empresário alemão,


que trabalhou em Minas Gerais de 1811 a 1821, escreveu no Pluto Brasiliensis:
Porque se sujeitaria o indivíduo livre a trabalhar o ano inteiro para um
estranho, se vive num país como o Brasil, onde qualquer terra pode
ser lavrada e ninguém precisa trabalhar mais do que quatro semanas,
sem perder a liberdade? (...) Em tais circunstâncias, que poderá fazer o
proprietário de terras, ou de minas, que vive isolado, embora disponha
de recursos, se lhe falta mão-de-obra? Perder tempo a percorrer
inutilmente as vizinhanças (...) em busca de homens livres que queiram
trabalhar? (...) caso os encontre, vê-los abandonar o serviço logo depois

475 José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, Análise sobre a Justiça do Comércio do Resgate dos
Escravos da Costa da África. In: Obras Econômicas de J. J. da Cunha de Azeredo Coutinho (1794-1804).
São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1966, pp. 255-56. Esse trabalho foi publicado em Londres, em francês,
em 1798, e só foi publicado em português em 1808, em Lisboa.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


265
de engajados (...) Seu único recurso é alugar escravos, ou adquiri-los por
compra. Só neste caso é que poderá contar com um serviço permanente,
que lhe dá lucro.476

Comentando sobre os obstáculos ao desenvolvimento da manufatura no Brasil,


outro antigo economista brasileiro, o visconde de Cairu, escreveu, na mesma linha,
em 1811,
a mão de obra é aí [na América] comumente mui cara e é mui difícil
ajuntar jornaleiros em tais estabelecimentos porque cada um quer
trabalhar antes por sua conta do que pela alheia e o baixo preço das
terras excita a muitos artistas a abandonarem o seu ofício pra se darem
à agricultura (...) O estabelecimento de grandes manufaturas exige que
haja um grande número de artistas pobres que estejam em a necessidade
de trabalhar por um salário pequeno. Podem haver estes artistas pobres
na Europa, mas não se acharão na América, até que todas as terras sejam
ocupadas e cultivadas, e que haja uma redundância de população, em
modo que o país tenha muita gente que, não podendo ter terras, lhes
falte em que trabalhem com bom lucro, e por isso muitos indivíduos se
sujeitem a trabalhar por tênue paga nas fábricas.477

Já na segunda metade do século, em 1862, Tavares Bastos observou, nas Cartas


do Solitário:
O Brasil é um país vastíssimo e raramente povoado. Como não tem
população aglomerada, não pode ter cidades manufatureiras; pelos
mesmos motivos o trabalho é caríssimo, o salário é pesado. Por outra
parte, a terra é fertilíssima. Cada qual pode possuir não só muitas jeiras,
como léguas de terra. Os rios, o mar, as florestas, facilitam a caça e a
pesca. A vida para o miserável é barata, ainda que não seja cômoda.
O proletarismo é, portanto, por agora, quase impossível. Há, e haverá,
por muito tempo, falta de braços para a grande indústria do país, a
agricultura.478

Na verdade, é possível encontrar tantos comentários semelhantes em tantos


observadores, políticos, gente letrada e iletrada, autores de todos os tipos, anterio-
res e posteriores a Wakefield, no Brasil e no estrangeiro, que é impossível citá-los

476 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 446-49.


477 José da Silva Lisboa, visconde de Cairu. Observações sobre a Franqueza da Indústria e Estabelecimento
de Fábricas no Brazil, por José da Silva Lisboa. Bahia: Na Typog. de Manoel Antonio da Silva Serva,
1811, pp. 2-4
478 Aureliano Cândido Tavares Bastos. Cartas do Solitário [1862]. Reedição: São Paulo: Cia. Editora
Nacional / INL, 1975, pp. 279-80.

266 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
todos. A noção era tão difundida que fica claro que não era uma tese que tivesse
autor ou dono, mas apenas senso comum, um conhecimento empírico corriqueiro.
Mas foi Wakefield quem sistematizou essa ideia trivial, fazendo dela a base de uma
teoria geral da escravidão.
Na busca das raízes do problema que estudava, entendeu que era essencial
“determinar as causas da reinvenção da escravidão por todas as nações da Europa
moderna que se envolveram com a colonização”.479 Rejeitou as teorias raciais,
morais e religiosas, então em voga, e concluiu que a escravidão não deve ser atri-
buída “à maldade do coração humano”, pois suas causas “não são morais, e sim
econômicas – elas não se relacionam nem com o vício nem com a virtude, mas com
a produção”. “A escravidão não existe para agradar aos corações dos homens cruéis,
mas para encher os bolsos daqueles que sem ela seriam pobres e insignificantes”.480
As circunstâncias em que a escravidão aflora são aquelas
em que um homem acha difícil ou impossível conseguir que outros
homens trabalhem por salários, sob seu comando. São circunstâncias (...)
que impedem a combinação e a constância do trabalho, e as quais todas
as nações civilizadas, conseguiram neutralizar (...) por meio de algum
tipo de escravidão. Até hoje no mundo, o trabalho nunca foi empregado
em qualquer escala considerável, com constância e em combinação,
exceto por um dos dois meios: ou por um contrato ou por alguma forma
de escravidão.481

Wakefield considerava o trabalho escravo inferior ao assalariado, por ser em


geral mais caro e onerado por mazelas políticas e morais, uma opção à qual as
sociedades somente recorreriam se a alternativa do assalariamento não fosse dis-
ponível: “a escravidão é evidentemente um pobre substituto para o contrato, um
expediente do qual se lança mão apenas quando este é impossível ou difícil (...) o
sistema de contratação seria preferido se houvesse escolha: mas quando a escravi-
dão é adotada é porque tal escolha não existe; ela é adotada porque, naquela época
e naquele contexto, não há outra maneira de obter mão de obra para trabalhar com
constância e em combinação”.482
O recurso à escravidão “acontece sempre que a população é escassa em rela-
ção à terra (...) tem se restringido a países de população escassa, nunca existiu em

479 Wakefield. A View, p. 322.


480 Wakefield. A View, pp. 322-23; Wakefield. A Letter, p. 36.
481 Wakefield. A View, pp. 323- 324.
482 Wakefield. A View, p. 324.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


267
países muito populosos, e se extinguiu gradualmente nos países cuja população
cresceu até o ponto de se tornar densa.”483
Se a terra é gratuita, ou puder ser facilmente adquirida, não haverá uma oferta
voluntária de trabalho assalariado, porque em vez de se alugarem, os virtuais traba-
lhadores preferirão se apropriar de um pedaço de terra, e cultivá-la por sua própria
conta. Uma classe de proprietários não-trabalhadores só pode subsistir se conseguir
mão de obra “com constância e em combinação”; e nesta situação a única maneira é
se apropriar do próprio trabalhador, ou seja, escravizá-lo de algum modo.
Na presença de terras livres, portanto, a sociedade assumirá uma das duas for-
mas: ou será um sistema de trabalho compulsório, ou uma constelação de pequenas
propriedades familiares operadas pelos donos e suas famílias. Se o setor escravista
conseguir um suprimento externo adequado de escravos, os freeholders poderão
até ser empurrados para além da fronteira da agricultura escravista ou para seus
interstícios, mas não serão perturbados em sua liberdade. De qualquer modo, não
existirá oferta voluntária, nem empreendimentos trabalhados por assalariados.484
“Que outra causa teve a reinvenção da escravidão pelos cristãos, que não fosse a
descoberta de países desocupados, e a desproporção que existe nesses países entre
a demanda e a oferta de trabalho?”485
Nas regiões de “colonização recente”, com fronteiras agrícolas abertas, o fazen-
deiro-capitalista em vão tentará importar homens livres para seu serviço, pois em
pouco tempo descobrirá que seus trabalhadores também se tornaram proprietá-
rios, e também estarão ansiosos para obter trabalhadores para suas recém-adqui-
ridas fazendas.
Esse pesadelo burguês ficaria famoso ao ser repetido por Marx, no Capital.
Comentando o fracasso da colonização no rio Swan, na Austrália Ocidental,
Wakefield nos conta que “aqueles que vieram como trabalhadores, tão logo che-
garam à colônia foram tentados, pela superabundância de boas terras, a se tornar
proprietários. Um dos seus fundadores, Mr. Peel, o qual, segundo se diz, trouxe
um capital de 50.000 libras e trezentas pessoas da classe trabalhadora – homens,

483 Wakefield. A View, p. 324-25.


484 Em todas as sociedades escravistas ou escravistas/camponesas sempre existiu um grupo de
trabalhadores livres assalariados, jornaleiros ou diaristas. São trabalhadores eventuais, especializados
ou não, por conta própria ou em equipes supervisionadas, remunerados por jornada, por tarefa ou por
empreitada, mas sem vínculo contínuo ou relação contratual permanente.
485 Wakefield. A Letter, p. 36.

268 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
mulheres e crianças – teria ficado sem um único criado que lhe arrumasse a cama,
ou lhe buscasse água do rio”.486
Neste contexto, Wakefield não tinha dúvida de que “uma autorização para obter
escravos na África seria muito benéfica (...) para estas colônias, e que, se a Austrália
se tornasse independente amanhã, essa gente encontraria uma maneira de estabele-
cer a escravidão, apesar de todos os saints”.487 Wakefield, como outros economistas
clássicos, considerava o capital uma relação social: sem o trabalho, ele é inútil. “Em
tal estado de coisas, é impossível preservar o capital. Enquanto Mr. Peel estava sem
trabalhadores seu capital se dissipou”488
A dispersão dos trabalhadores e sua transformação em proprietários, era vista
por ele com grande preocupação. A colonização deveria ser um processo civiliza-
tório, o que exigia que as colônias fossem réplicas perfeitas da sociedade metropo-
litana. Permitir que proletários se transformassem em landlords, significava girar
para trás os ponteiros da história e da civilização. Para que uma colônia tivesse
qualquer chance de “prosperar”, para não se transformar em uma comunidade de
“meros arranhadores de terra”489, era imperativo impedir o surgimento de uma yeo-
manry, uma classe de pequenos proprietários rurais independentes. Teria que ser
criada, a qualquer custo, uma classe de proletários – gente pobre, sem terra, que
aceitasse trabalhar sob o comando da classe proprietária.
No passado, e em várias regiões ainda esparsamente povoadas no tempo de
Wakefield, o problema foi resolvido através da escravidão ou de alguma outra forma
de coerção direta sobre os trabalhadores. “O que fez do Lord (…) um gentleman
rico, bem educado e agradável? Foi o suor, o sangue e as lágrimas dos escravos, seus
e do seu pai, na Jamaica! Se a escravidão nunca tivesse existido, ele teria sido, no
andar normal da carruagem, um pequeno fazendeiro das Antilhas, semi-alfabeti-
zado talvez, mas certamente inadequado como membro da sociedade civilizada”.490
Mas na Inglaterra de 1834, ano da abolição da escravidão no império, era
impossível sugerir a restauração desse regime, ainda que fosse nos confins da
Terra. Caminhos mais sutis teriam de ser encontrados. A alternativa proposta por

486 Wakefield. England and América, p. 217. Marx. Capital, vol. I, p. 766. Marx cita Wakefield erradamente,
dizendo que Mr. Peel importara 3.000 trabalhadores.
487 Wakefield. A Letter, pp. 38-39. Como vimos no capítulo 2, saints era o apelido dos abolicionistas
ingleses nos séculos XVIII e XIX, especialmente dos militantes pela abolição do tráfico.
488 Wakefield. England and América, p. 218.
489 Wakefield. England and America, p. 226.
490 Wakefield. A Letter, p. 35.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


269
Wakefield é uma decorrência direta de seu diagnóstico. Se o acesso indiscriminado
à terra era a causa da escassez de trabalhadores, que bloqueava a empresa capi-
talista ou a empurrava para o escravismo, então a terra tinha de ser, ela própria,
controlada. Barrados do acesso aos meios de subsistência, os trabalhadores iriam,
“voluntariamente”, buscar emprego com os patrões.
A essência do programa de “colonização sistemática” de Wakefield era, por-
tanto, tornar a terra cara bastante para evitar a escassez de braços de aluguel. Ao
disponibilizar as terras do domínio público nas colônias, o governo deveria fazê-lo
a um preço alto bastante para colocá-la fora do alcance imediato da classe trabalha-
dora, assegurando assim um fluxo constante de trabalho assalariado “voluntário”.
O sufficient price do esquema de colonização de Wakefield, deveria ser suficien-
temente alto para retardar por alguns anos a aquisição de terras pelos imigran-
tes pobres, prolongando sua permanência como assalariados. Ao mesmo tempo, a
receita arrecadada com a venda de terras formaria um fundo para financiar a vinda
de novos migrantes, para substituir aqueles que fossem se emancipando da condi-
ção de proletários.
A teoria do nascimento da escravidão é também, é claro, uma teoria do seu
ocaso, pois enuncia igualmente as condições para seu declínio e desaparecimento:
quando toda a terra cultivável tiver sido privadamente apropriada, desaparecerá
a necessidade de coerção, e a instituição poderá ser descartada. A sociedade será
composta por apenas duas classes: os trabalhadores sem terra e os proprietários
capitalistas.
“Podemos, sem dúvida, presumir que a escravidão vai florescer na América e
na África do Sul até que não haja mais terras que possam ser adquiridas por quase
nada (...) Digam-me quando vai desaparecer a desproporção entre a demanda e a
oferta de trabalho na América e na África do Sul (...) e eu lhes direi quando a escra-
vidão vai desaparecer”.491
O projeto de “colonização sistemática” foi oferecido aos Estados Unidos, como a
única maneira de extinguir pacíficamente a escravidão naquele país: “Irão os ame-
ricanos libertar voluntariamente seus escravos, sem contar com algum substituto
para seu trabalho combinado e constante? A resposta é não (...) porque a superabun-
dância de boas terras, ao permitir que todo homem livre que o desejar se torne um
proprietário independente, continuará fazendo que os escravos sejam valiosos (...)
se o preço das novas terras fosse elevado, de modo a impedir que estes trabalhadores

491 Wakefield. A Letter, p. 38.

270 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
se tornem proprietários até que outros tenham chegado para tomar seus lugares (...)
então o trabalho livre poderia tomar o lugar do trabalho escravo, e os senhores de
escravos e de terras poderiam libertar seus escravos sem prejuízo (...)”.492
Em 1839, 1840 e 1841, Herman Merivale, professor de Economia Política em
Oxford, e depois Subsecretário Permanente para as Colônias, dedicou grande parte
de suas conferências na universidade à discussão dessas ideias.493 Além de concor-
dar, em linhas gerais, com as teses principais de Wakefield, Merivale acrescentou a
elas alguns refinamentos. Em primeiro lugar observou que, embora a ocupação dis-
persa ocorra em todas as colônias onde há terras livres, a consequente escassez de
trabalho assalariado não terá a mesma importância para todas. Como muitos auto-
res posteriores, Merivale não acreditava que a escravidão pudesse ser dissociada da
grande lavoura exportadora. Apenas “naquelas colônias onde a principal atividade
consiste em cultivar produtos básicos para mercados externos” é que seria crucial
conseguir um grande suprimento de “trabalho combinado” e, portanto, somente
nessas colônias surgiria a escravidão. Nas demais, “aquelas que não apresentavam
vantagens específicas para a produção (...) de artigos de valor para o mercado
externo,” a terra livre também bloquearia a oferta de trabalho assalariado, mas,
como esses lugares não tinham interesse para a empresa capitalista, não haveria
uma grande demanda por trabalho e, consequentemente, a sociedade de pequenos
fazendeiros independentes provavelmente seria deixada em paz.494
Merivale também sugeriu que podemos verificar a hipótese de Wakefield,
observando o que ocorre depois da abolição, e para ilustrar isso dividiu as colônias
inglesas, onde a escravidão tinha sido abolida recentemente, em três grupos. No
primeiro grupo a transição foi suave e a libertação dos escravos não trouxe muita
mudança. Eram colônias como Barbados, Antigua, St. Vincent e Dominica, onde
“a terra estava quase toda ocupada, a população extremamente adensada, o cultivo
era antigo e o capital acumulado”. Elas foram menos prejudicadas do que quaisquer
outras pelo impacto imediato da emancipação, pois os negros não tinham outro
recurso senão continuar trabalhando. Não havia nenhuma terra desocupada da
qual pudessem se apropriar, nenhum modo independente de obter sua subsistên-
cia. “Na pequena ilha de Antigua, densamente povoada (...), os senhores rejeitaram
voluntariamente o apprenticeship system, e permitiram que seus escravos passassem

492 Wakefield. England and América, pp. 220-24.


493 Herman Merivale. Lectures on Colonization and Colonies, delivered before the University of Oxford in
1839, 1840 & 1841 [1841], reprinted: New York: Augustus M. Kelley, 1967.
494 Merivale. Lectures, pp. 260-62.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


271
imediatamente da servidão para a total liberdade (...) os negros estão todos empre-
gados (...) com salários muito moderados, que não excedem de maneira alguma
o custo anterior de sua manutenção (...) Não só a terra cultivável está toda ocu-
pada, mas nos períodos de seca ninguém tem acesso à água doce, exceto aquela que
é mantida nos reservatórios das plantations. Os negros são, portanto, totalmente
dependentes dos donos da terra”.495
No segundo e no terceiro grupos de colônias, aquelas onde a apropriação
da terra ainda não estava completa, o panorama era inteiramente diferente. Ali,
Merivale e seus contemporâneos assistiam, horrorizados, a história acontecendo
às avessas. Sistemas de plantations que tinham sido outrora as mais belas jóias da
coroa britânica estavam se desintegrando, e os negros “regredindo” para uma eco-
nomia de subsistência, ou para “uma vida selvagem”.
O segundo grupo compreendia aquelas colônias nas quais os melhores solos
estavam ocupados, mas ainda restava muita terra não apropriada. Tal foi o caso de
algumas das Pequenas Antilhas e, particularmente, da Jamaica. Nessa última ilha os
melhores terrenos para cana já vinham sendo “cultivados por mais de um século”,
mas ainda havia uma “grande extensão de terra, desmatada ou em florestas, dis-
ponível para a cultura de mantimentos e outros produtos, suficiente para suprir as
necessidades do trabalhador negro.” Os colonos, nesses lugares, estavam sofrendo
“desde a emancipação, pela dificuldade em obrigar os negros a se engajar no traba-
lho assalariado, já que tinham suas próprias roças de mantimentos, e outros recur-
sos à sua disposição”.496
Pior ainda era a situação do terceiro grupo, que incluía colônias como Mauritius,
no Oceano Índico, Trinidad e, acima de todas, a Guiana. Nesses lugares havia tal
abundância de terras férteis não apropriadas que mesmo antes da emancipação a
escassez de trabalho já se fazia sentir. Depois da abolição, “os negros têm tido faci-
lidade para obter sua subsistência, em regiões transbordando de riqueza natural”.
Assim, “não estão dispostos ao trabalho, para o qual só podem ser atraídos por
meio das mais exorbitantes ofertas de salários”.497
Merivale alertava para os perigos da situação: o que estava em jogo era a sobre-
vivência do próprio regime capitalista nessa parte do império britânico. “Se não
for introduzido um suprimento de trabalho razoavelmente barato, todo o sistema

495 Merivale. Lectures, p. 314.


496 Merivale. Lectures, p. 315.
497 Merivale. Lectures, p. 317.

272 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
social entrará em colapso (...) Mas, argumentam alguns, é realmente necessário
para o bem-estar das Índias Ocidentais e para a felicidade dos negros, que o vasto
excedente que é atualmente exportado continue a ser produzido? Não emancipa-
mos nossos escravos com o objetivo de que estas ilhas-fábrica continuem a flores-
cer, mas sim para criar uma população livre, moralizada e satisfeita. Que as grandes
plantations se arruínem, se preciso for – a perda será amplamente compensada
pelo estabelecimento de um grande número de pequenos proprietários, cada um
se mantendo através de seu próprio trabalho, e as turmas de escravos, tangidas no
passado sob o chicote dos feitores, darão lugar a uma yeomanry independente (...)
Não pode haver, receio, ilusão maior que essa (...) Cada negro poderá ser capaz de
sustentar-se com razoável conforto mas, sem a ajuda do capital, não conseguirá
produzir excedentes” (surplus wealth).498
Em dezembro de 1849, dez meses depois da publicação do terceiro livro de
Wakefield, o filósofo, ensaísta e historiador escocês Thomas Carlyle, um dos maio-
res expoentes do pensamento conservador do século XIX, publicou um artigo que
teve profundo impacto nos dois lados do Atlântico.499
Carlyle atacou tão violentamente a abolição e os direitos dos negros, expressou
um racismo tão virulento e investiu com tanta fúria contra a própria idéia de liber-
dade, que provocou uma resposta indignada do grande filósofo liberal John Stuart
Mill, em um debate que se tornou histórico.500
Nos Estados Unidos, como previu Stuart Mill, o artigo tornou-se uma carti-
lha do mal, e consolidou o escocês como ídolo dos escravocratas, especialmente
de George Fitzhugh, o mais interessante pensador do campo escravista, que bus-
cou nele muito da inspiração para seu clássico Cannibals All!, or Slaves without
Masters.501

498 Merivale. Lectures, pp. 319-20.


499 Thomas Carlyle. Occasional Discourse on the Negro Question. Fraser’s Magazine for Town and Country.
vol. XL, n. CCXL (December 1849), pp. 670-79. A publicação foi anônima, e quatro anos depois, o artigo
foi reeditado como um panfleto, agora com o título Occasional Discourse on the Nigger Question.
London: Thomas Bosworth, 1853.
500 John Stuart Mill. The Negro Question. Fraser’s Magazine for Town and Country, vol. XLI (January 1850),
pp. 25–31. Alguns anos mais tarde, Olmsted, o famoso arquiteto paisagista, autor dos projetos do
Central Park de New York e dos campi de dezenas de universidades, como Yale, Berkeley, Stanford,
Chicago e Cornell, dedicou seu também famoso livro, The Cotton Kingdom, a Stuart Mill, pelos serviços
prestados à causa da liberdade. Veja, Frederick Law Olmsted. The Cotton Kingdom. A Traveller’s
Observations on Cotton and Slavery in the American Slave States. New York: Mason Brothers and
London: Sampson Low, Son & Co., 1861.
501 Até mesmo o título e o subtítulo de Cannibals All foram obtidos em escritos de Carlyle. Veja C. Vann
Woodward. “George Fitzhugh, Sui Generi”. In: George Fitzhugh. Cannibals All! or, Slaves without

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


273
O artigo de Carlyle tem o interesse adicional de ser o locus primus da expressão
dismal science, que se tornou o mais famoso dentre os muitos xingamentos com que
tem sido brindada a ciência econômica.502
Carlyle não escreveu uma peça teórica sobre a escravidão, mas sua visão sobre
a crise de trabalho no Caribe pós-abolição revela uma percepção perfeitamente
alinhada com as idéias de Wakefield e Merivale: os negros abandonavam as planta-
tions porque dispunham de terras livres, das quais podiam viver sem se sujeitar ao
trabalho assalariado.
Com uma imagem sarcástica – Black Quashee with their beautiful muzzles up to
the ears in pumpkins – “Os negros com seus lindos focinhos atolados até as orelhas
em abóboras” – repetida como um bordão ao longo do texto, expressa sua intole-
rância com a facilidade com que os libertos obtinham a subsistência e, com ela, a
independência.503

Masters. Cambridge: Belknap Press, 1973. Fitzhugh é também autor de Sociology for the South, or The
Failure of Free Society (1854), outro dos textos mais importantes escritos em defesa da escravidão
moderna. Veja Eric L. McKitrick (ed.) Slavery Defended: the views of the Old South. Englewood Cliffs:
Prentice-Hall, 1963.
502 Rueful, dreary, desolate, abject, distressing, dismal, são os adjetivos que Carlyle usa nesse artigo
para qualificar a ciência econômica. Alguns são sinônimos entre si, e todos têm sentidos muito
próximos. Significam doleful, ful of grief, lamentable, pitiable, abominable, detestable, gloomy, bleak,
dreadful, horrifying, e um monte de outras coisas ruins. Em português querem dizer lamentável,
deplorável, abominável, medonho, desprezível, abjeto, angustiante, aflitivo. Dismal, o xingamento
que se tornou um apelido para a ciência econômica, pode ser traduzido como sombrio, lúgubre,
soturno, desastroso ou desalentador. A expressão dismal science foi aplicada à ciência econômica por
oposição a gay science, ou “ciência alegre”, como era chamada a arte da poesia. Ao contrário do que
é frequentemente afirmado, a antipatia de Carlyle pela economia nada tem a ver com as sombrias
projeções de Malthus sobre a população e os prospectos da humanidade, mas sim com sua repulsa
pelo liberalismo e o igualitarismo analítico da economia clássica, “que enxerga na oferta e na demanda
o segredo do universo”. Carlyle abominava o laissez faire: não era a mão invisível que deveria reger
a história, mas a mão forte dos líderes, dos superiores e predestinados ao comando. São dele as
principais formulações da “Teoria do Grande Homem”, segundo a qual a história é conduzida pelos
heróis, como ilustra em seu On Heroes, Hero-Worship, and The Heroic in History. Também não aceita
a igualdade entre os atores econômicos e sociais, implícita na lei do mercado. Para ele, há que haver
outras leis regulando as relações sociais, hierarquizando as pessoas e as raças. A ciência econômica
rebaixa a missão dos líderes, ao atribuir ao mercado o papel regulador. “Declarar que negros e brancos
(...) são independentes um do outro, num pé de perfeita igualdade, e subordinados unicamente à lei
da oferta e da demanda, como quer a dismal science, contradiz os fatos mais palpáveis”. Não foi por
acaso que seu ataque mais hidrófobo contra a ciência de Smith, Ricardo e Mill ocorreu no “Occasional
Discourse”. Foi aí que Carlyle se deparou com uma situação concreta, na qual dois anátemas – o
abolicionismo de Exeter Hall, e a odiada lei da oferta e da demanda – entraram em conluio para gerar
uma abominação ainda maior: uma subversão da ordem “natural”, que permitiu ao negro impor sua
vontade ao branco. Isso só poderia gerar, como gerou, uma explosão de insultos.
503 Quashee é uma designação genérica dos negros das Índias Ocidentais Britânicas. Todas as citações
seguintes de Carlyle são do artigo mencionado acima.

274 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
“As Índias Ocidentais estão carentes de trabalho, como seria de esperar nes-
tas circunstâncias, em que um negro, trabalhando meia hora por dia, com a ajuda
do sol e da terra, pode ter quanta abóbora quiser. [Assim] é bem provável que
ele resista a pegar no trabalho pesado (...) O sol forte se oferece de graça, a terra
fértil quase de graça nessas regiões despovoadas ou semi-povoadas – isto é a sua
“oferta”, e meia hora diária aplicada a ela produzirá abóbora, que é sua “demanda”.
O homem branco não consegue trabalhar nesse clima tropical e “seu vizinho negro,
rico em abóboras, não tem pressa alguma em ajudá-lo. Mergulhado em abóbora até
as orelhas, sorvendo seus sucos sacarinos, e muito à vontade no meio da Criação,
ele pode escutar a demanda do menos afortunado homem branco e só atendê-la na
hora que quiser”.
Irritado com o poder de barganha dos negros, acusa-os de chantagear os anti-
gos donos. “Aumenta o salário, massa,504 aumenta mais, que sua colheita não pode
esperar; mais alto ainda – até que nem a safra mais opulenta possa cobrir tais
salários! No Demerara, (...) enquanto a maior parte da cana apodrece, os gentle-
men negros, entrincheirados com suas abóboras, estão todos em greve, até que a
‘demanda’ suba um pouco”.
“Se a demanda é tão alta, e a oferta é tão inadequada (na verdade, igual a zero,
em alguns lugares), então que se aumente a oferta, que se tragam mais negros
para o mercado de trabalho, e o salário cairá, diz a ciência”. Mas Carlyle, como
Wakefield e Merivale, sabia que enquanto a terra fosse livre e a subsistência tão
fácil, isso não resolveria nada. “Se pudermos fazer que os africanos que já estão
lá desistam de suas abóboras, e trabalhem para viver, teremos africanos bastantes.
Se os novos africanos, depois de trabalhar um pouco, se entregarem às abóboras,
como os outros, de que adiantaria?” Só criaria uma Irlanda negra na Jamaica.505
Segundo Carlyle, cavalos, negros e irlandeses não tinham desenvolvimento mental
para desejar nada além da mais reles subsistência. Um cavalo sempre prefere capim
e liberdade a aveia e trabalho no arado. Por isso esses tipos sub-humanos só traba-
lhariam forçados pelo chicote.
A visão de um campesinato feliz e independente, produzindo sua subsistên-
cia em suas próprias terras, era ofensiva aos olhos do articulista. Como comen-
tou Stuart Mill, “que os negros possam levar a vida com tão pouco trabalho, é um
escândalo aos seus olhos, pior do que sua escravidão anterior. Algo que tem de ser

504 Massa, corruptela de master, é como os escravos chamavam os senhores nos países de língua inglesa.
505 Carlyle. Occasional Discourse, p. 672

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


275
impedido a qualquer preço (...) O Quashee, ‘enterrado até as orelhas em abóboras’ e
‘trabalhando meia hora por dia’, é para ele a abominação das abominações.”506
Era preciso não apenas fazê-los trabalhar, mas fazê-los trabalhar para o capital,
para produzir surplus wealth, que possa ser apropriada pelos senhores. O negro,
mesmo sendo livre, teria que se integrar ao mercado, teria que trabalhar com
constância e disciplina, para produzir spices para o mercado internacional. O que
Carlyle defende, diz Mill, é que “os trabalhadores negros sejam obrigados a cultivar
especiarias que eles não querem” para “proprietários brancos que não trabalham
trocarem essas especiarias por casas em Belgrave Square”.507
“As Índias Ocidentais (...) produzem abundantes abóboras; mas abóboras não
são o único requisito para o bem-estar da humanidade. Não! Podem sê-lo para um
porco, mas para um homem são apenas a primeira entre muitas necessidades. As
ilhas são também propícias para pimenta, açúcar, sagu, araruta, talvez para canela
e especiarias preciosas, coisas muito mais nobres que abóboras, e promotoras de
comércios, artes e desenvolvimento político e social. (...) os deuses querem que
além de abóboras, também sejam cultivadas especiarias e outros produtos valiosos
nas suas Índias Ocidentais (...) infinitamente mais eles querem – que homens viris
e industriosos ocupem as suas Índias Ocidentais, não esse gado bípede indolente,
por mais feliz que seja com suas fartas abóboras”.508
Se Quashee não quiser se assalariar, deverá ser obrigado, pela negação da terra,
ou pela coerção direta. “Nenhum homem negro que não trabalhe (...) tem qualquer
direito de comer abóbora, ou de ter qualquer fração de terra que possa produzir
abóbora, por mais fecunda que essa terra possa ser, mas tem, sim, o direito perpé-
tuo e inquestionável de ser obrigado pelos verdadeiros donos da terra, a trabalhar
o necessário para viver. (...) Os brancos das Índias Ocidentais recusarão ao negro
qualquer regalia de abóboras até que ele concorde em trabalhar por elas. Nenhum
homem negro terá uma única polegada quadrada do solo destas ilhas ferazes, com-
pradas com sangue britânico, para plantar abóboras para si, exceto em termos que
sejam justos com a Inglaterra (...) justo com a Inglaterra será que Quashee pague
com trabalho pelo privilégio de plantar abóboras. Nem uma abóbora, Quashee,
nem uma jarda quadrada de terra, até que você concorde em dar ao Estado tantos
dias de serviço. Este solo lhe dará abóboras todo ano, mas todo ano, sem falta, você

506 Stuart Mill. The Negro Question, pp. 26-27.


507 Stuart Mill. The Negro Question, p. 28. Belgrave Square era a região mais elegante de Londres, onde
moravam os aristocratas e os ricos.
508 Carlyle. Occasional Discourse, p. 675

276 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
dará para seu dono os dias de trabalho prescritos. O Estado tem muita terra ociosa,
mas o Estado, religiosamente, não lhe dará nenhuma em outros termos. O Estado
quer açúcar dessas terras, e está decidido a tê-lo”.509
Se a supressão da terra não resolver, que seja obrigado então por meios mais
diretos. “Se Quashee não ajudar a produzir as especiarias, ele vai fazer de si nova-
mente um escravo (...) e, já que outros métodos não funcionam, será obrigado a
trabalhar, com um benéfico chicote (...) Vocês não são escravos agora, nem eu
quero, se puder ser evitado, vê-los novamente escravos, mas decididamente vocês
terão de ser servos para aqueles que nasceram mais inteligentes que vocês, servos
dos brancos – que nasceram para ser seus senhores. Isto, podem tem ter certeza
meus amigos negros, é e sempre foi a Lei do Mundo, para vocês e para todos os
homens: os mais estúpidos serem servos dos mais capazes.”
“Já se ouve falar do negro adscripti glebae, que parece um arranjo promissor
(...) parece que os negros holandeses em Java já são um tipo de adscritos, seguindo
o modelo dos antigos servos da Europa, obrigados, por autoridade real, a prestar
tantos dias de trabalho por ano (...) Em qualquer lugar dos domínios britânicos
onde existir um homem negro, e não puder ser extraída dele uma quantidade justa
de trabalho, uma lei como esta, à falta de outra melhor, deveria se aplicar a este
homem negro”.510
Apesar do menosprezo com que sempre se refere a Wakefield, Karl Marx acha-
va-o importante bastante para merecer uma discussão detalhada, e dedicou à sua
teoria um capítulo inteiro do Capital.511
O inglês estava certo, escreveu Marx, mas o que ele estava assistindo nas colô-
nias não era nada de novo, nem era algo peculiar às sociedades coloniais. Ele ape-
nas tinha diante de seus olhos uma reprise do processo histórico que antecede e
prepara a instalação do capitalismo: o processo de acumulação primitiva, ou ori-
ginal. “O sistema capitalista pressupõe a completa separação dos trabalhadores de
toda a propriedade dos meios de produção. Tão logo a produção capitalista esteja
instalada, ela não somente mantém essa separação, mas a reproduz em uma escala
continuamente crescente. O processo, portanto, que abre o caminho para o sistema
capitalista não pode ser outro senão o aquele que retira do trabalhador a posse
de seus meios de produção; um processo que transforma, por um lado, os meios

509 Carlyle. Occasional Discourse, p. 676


510 Carlyle. Occasional Discourse, p. 677
511 Marx. Capital, vol. I, capítulo 33 – The Modern Theory of Colonization.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


277
sociais de subsistência e de produção em capital, e por outro, os produtores diretos
em trabalhadores assalariados. A chamada acumulação primitiva, portanto, nada
mais é do que o processo histórico que separa o produtor dos meios de produção”.512
A expropriação das terras dos camponeses estava quase completa na maior
parte da Europa ocidental, particularmente na Inglaterra, no início do século XIX.
Três séculos de enclosures, juntamente com a “legislação sangrenta contra os expro-
priados”, tinham transformado a massa de camponeses independentes em um pro-
letariado rural, que não tinha outra escolha senão se oferecer como trabalhadores
assalariados, seja na própria agricultura, seja nas fábricas em rápido crescimento.513
A situação era diferente nas colônias: ali a acumulação primitiva não tinha
cumprido todo seu curso e “o regime capitalista em toda parte entra em conflito
com a resistência do produtor que, como dono de suas próprias condições de traba-
lho, emprega esse trabalho para enriquecer a si próprio, em vez do capitalista (...).
O grande mérito de E. G. Wakefield não é ter descoberto qualquer coisa de novo
sobre as colônias, mas ter descoberto, nas colônias, a verdade sobre as condições da
produção capitalista na metrópole”.514
Nos países onde a terra não tenha ainda sido apropriada, uma oferta voluntária
de trabalho para a empresa capitalista não surgirá pelo livre jogo das forças eco-
nômicas. Se não for criada, pelo controle da terra ou pela coerção direta sobre os
trabalhadores, essa oferta simplesmente não acontecerá. “A teoria da colonização
de Wakefield (...) tentava fabricar assalariados nas colônias... Sua colonização sis-
temática é um mero pis aller, já que ele, infelizmente, tem que lidar com homens
livres, e não com escravos.”515
Marx é injusto, e até desonesto, ao insinuar que Wakefield não compreendia o
escopo histórico do assunto que abordava, e que sua visão era restrita ao mundo
colonial. “Fabricar assalariados nas colônias” era precisamente o que Wakefield
pretendia, exatamente por compreender muito bem a história da formação da
classe proletária na Europa. Seu projeto não era outra coisa senão transplantar para
as colônias a estrutura social que vigorava na Inglaterra, depois do processo de
acumulação primitiva. Se na Europa a instalação do capitalismo exigiu que os cam-
poneses fossem expulsos das terras, a proposta de Wakefield era impedir que nas

512 Marx. Capital, vol. I, p. 714.


513 Marx. Capital, vol. I, p. 714.
514 Marx. Capital, vol. I, pp. 765-66.
515 Marx. Capital, vol. I, pp. 766-68.

278 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
colônias eles sequer se instalassem nelas. Sua colonização sistemática nada mais
era do que uma enclosure preventiva, que permitiria atalhar o processo histórico,
transferindo para as colônias uma estratificação capitalista já pronta, queimando
um estágio que na Europa demorou séculos para ser cumprido.
Marx escreveu pouco sobre os modos de produção pré-capitalistas, e não era
nenhum expert em escravidão. A teoria da acumulação primitiva, que é uma de suas
principais contribuições para a história do capitalismo, foi, sem dúvida, inspirada
por Wakefield, que a antecipou em várias décadas.516 Apesar da maneira desres-
peitosa com que o trata, Marx declarou que “a teoria de Wakefield é infinitamente
importante para o correto entendimento da moderna propriedade fundiária”517, e
o considerava “o mais notável economista inglês da década de 1830”, segundo o
filósofo e historiador do pensamento econômico, H. O. Pappe518
Na virada do século XX foram publicados mais dois importantes trabalhos na
linha da hipótese de Wakefield. Um deles foi Le Basi Economiche della Costituzione
Sociale, em 1893, pelo economista italiano Achille Loria.519 Neste livro, Loria des-
creveu os estágios pelos quais todas as sociedades deveriam passar, e sustentava que
a forma de apropriação da terra não só explica a evolução dos tipos de coerção, mas
também determina toda a organização econômica de todas as sociedades.
“Uma longa peregrinação intelectual através dos campos da sociologia me
convenceu que as formas assumidas pela estrutura econômica (...) são o produto
de fatores intimamente relacionados com o estágio histórico de produtividade e
de ocupação territorial”. Depois de descrever os estágios que todas as sociedades
devem, necessariamente, atravessar, ele conclui que “a estrutura econômica é, por-
tanto, o resultado natural e necessário da existência, ou da supressão do acesso à
terra, conjugado com métodos rigorosamente correspondentes ao grau histórico de
produtividade e de ocupação do território520

516 Marx escreveu uma série de artigos sobre a guerra civil americana para o New York Tribune e o Vienna
Presse, mas suas pautas quase nada tinham a ver com a escravidão. Veja: Karl Marx and Frederick
Engels. The Civil War in the United States. New York: International Publishers, 1974. Seus comentários
sobre escravidão, dispersos pelos Grundrisse, carecem de originalidade, sendo inteiramente baseados
nos escritos de Hinton Rowan Helper e Frederick Law Olmsted. Veja, por exemplo, Karl Marx.
Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy (1857). New York: Vintage Books, 1973,
pp. 275, 278, 295, 319, 325, 326, 471, 514, 525, 527, 563, 604, 610, 735, 778, 785, 833, 845.
517 Marx. Grundrisse, p. 278.
518 H. O. Pappe. Wakefield and Marx. Economic History Review, 2nd. series. IV (1951), p. 89.
519 Achille Loria. Le Basi Economiche della Costituzione Sociale (1893). As citações neste trabalho são da
4ª. edição, Torino: Fratelli Bocca, 1913.
520 Loria. Le Basi, pp. 1-4.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


279
O determinismo de Loria hoje seria, no mínimo, naïf, mas no tocante ao tra-
balho compulsório, ele introduziu uma qualificação interessante: a qualidade das
terras não é uniforme, portanto, seu cultivo demanda diferentes quantidades de
capital. Nas terras mais férteis, um homem pode produzir sua subsistência usando
apenas seu trabalho, mas à medida que nos movemos em direção às terras menos
férteis aumenta a quantidade de capital necessária para produzir o mesmo resul-
tado. Em algum ponto ao longo do caminho será atingida uma fertilidade limite,
abaixo da qual um homem não conseguirá produzir o bastante para subsistir, se
não combinar seu trabalho com algum capital.
Loria usou este raciocínio para argumentar que, para que seja gerada uma oferta
voluntária de trabalho assalariado, nem todas as terras precisam estar ocupadas.
Basta, para isso, que estejam apropriadas apenas aquelas que podem sustentar o
trabalhador sem a ajuda do capital.
“A supressão do acesso à terra (...) é efetuada e mantida por métodos substan-
cialmente diferentes nos sucessivos estágios de densidade populacional. Em um
período de população escassa, no qual a terra ocupada tem fertilidade alta e uni-
forme, e existe abundância de terra livre que pode ser cultivada apenas com traba-
lho, a supressão da liberdade de acesso à terra é obtida pela negação da liberdade
jurídica do trabalhador, ou seja, reduzindo-o à escravidão (...) Em um estágio sub-
sequente de densidade populacional, onde as primeiras diferenças de fertilidade
entre as terras cultivadas começam a aparecer (...) a exclusão dos trabalhadores da
propriedade de terras é efetuada através de sua redução à condição de servo (...) em
uma terceira fase, na qual as terras livres remanescentes não podem ser cultivadas
pelo trabalho somente, a negação do acesso a elas (...) é mantida, ou pela apro-
priação de grandes extensões pelos não-trabalhadores (deixando ao alcance dos
trabalhadores apenas as terras mais estéreis, que requerem para seu cultivo capitais
que estão além de suas possibilidades), ou pela redução dos salários ao nível da
subsistência.521
A suposta relação direta entre a fertilidade da terra e o grau ou modalidade de
coerção (que Loria justifica com o argumento de que a menor fertilidade tem que
ser compensada por uma maior produtividade do trabalho, que seria obtida por
meio de formas mais suaves de dominação), é discutível, mas a qualificação intro-
duzida na condição para a emergência da oferta voluntária de trabalho é relevante.

521 Loria. Le Basi, pp. 3-4.

280 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
No ano de 1900, o antropólogo holandês Herman Nieboer publicou um impor-
tante estudo, que renovou o interesse pela hipótese de Wakefield e Merivale. Nesse
livro, Nieboer procurou determinar as causas da escravidão como um industrial
system, isto é, um sistema no qual ela constitui a base da organização da economia,
diferentemente de outras situações, nas quais o trabalho compulsório tem uma
importância secundária, como, por exemplo, a escravidão doméstica, a escravidão
militar, etc.522
A vida social de todas as nações da antiguidade foi baseada na escravidão
e, em muitas colônias, ela sobreviveu até bem tarde no século XIX. Por
outro lado, nas nações civilizadas de hoje, todas as operações produtivas
são executadas pelo trabalho livre. Onde está a diferença? Porque a
escravidão e a servidão declinaram gradualmente ao longo da história
européia, de tal modo que no final da Idade Média já tinham, em grande
medida, deixado de ser significativas? Estes problemas só poderão
ser resolvidos se soubermos quais são as condições necessárias para
o sucesso da escravidão como um sistema industrial, e quais são as
condições inversas, sob as quais o trabalho escravo será substituído pelo
trabalho livre.523

A hipótese central do trabalho, tomada por empréstimo a Wakefield, Merivale,


Marx e Loria, e repetida ad nauseam ao longo de todo o livro, é que “a principal
causa interna que impede o surgimento da escravidão ou, ali onde existe a escravi-
dão tende a fazê-la desaparecer, é a dependência de recursos fechados para a subsis-
tência. O resultado mais importante de nossa investigação nos parece ser a divisão,
não só de todas as tribos selvagens, mas de todos os povos da terra, em sociedades
com recursos abertos e sociedades com recursos fechados. Entre as primeiras, o traba-
lho é o principal fator de produção, e um homem que não possui nada além de sua
força e sua habilidade, é capaz de suprir a si próprio, sem depender de qualquer capi-
talista ou senhor de terras. O capital pode aumentar a produtividade do trabalho,
e terrenos particularmente férteis ou favoravelmente localizados, podem trazer aos
seus donos grandes vantagens, mas um homem pode se manter sem essas vantagens.
Entre os povos com recursos fechados, a situação é outra. Aqui a subsistência depende
de recursos materiais que já foram todos apropriados. Esses recursos podem consis-
tir de capital, cuja oferta é sempre limitada e, portanto, aqueles que não o possuem

522 H. J. Nieboer. Slavery as an Industrial System. Ethnological Researches. The Hague: Martinus Nijhoff,
1900. As citações neste trabalho são da 2ª edição revista, de 1910, reimpressa em New York: Burt
Franklin, 1971.
523 Nieboer. Slavery, p. xvi.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


281
são dependentes dos capitalistas. Esses recursos podem também consistir de terra.
Tal é o caso quando toda a terra tenha sido apropriada, e então as pessoas sem terra
são dependentes dos proprietários da mesma. Quando a subsistência depende de
recursos fechados, alguns escravos podem ser ocasionalmente mantidos, mas não é
provável que a escravidão exista como um sistema industrial.”524
O trabalho empírico de Nieboer limitou-se ao que chamava de “sociedades sel-
vagens”. Pesquisou minuciosamente mais de cem sociedades tribais da Oceania e
obteve resultados geralmente consistentes com sua hipótese. Mas reivindicava uma
validade muito mais abrangente para sua teoria: “Esta diferença entre países com
recursos abertos e recursos fechados explica muito bem porque a escravidão (e a
servidão, que é também uma forma de trabalho compulsório) desapareceu gradu-
almente na Europa civilizada, enquanto nos países de população rarefeita perdurou
por muito mais tempo, e até hoje é introduzida, às vezes sob algum disfarce (tráfico
de trabalhadores, convict labor, e expedientes semelhantes, usados nos trópicos)”.525
Outros pontos merecem destaque no trabalho de Nieboer. Em primeiro lugar,
mesmo mantendo que os “recursos abertos” são a causa primordial da escravidão,
Nieboer sustenta que há fatores secundários que podem influir no aparecimento,
ou não, de um sistema coercitivo. Entre aqueles que estimulam o trabalho compul-
sório, coloca grande ênfase no surgimento de um setor exportador.
Em segundo lugar Nieboer (como Marx e Loria), insiste que, embora a supres-
são do acesso à terra seja a condição primária para a criação de uma oferta espon-
tânea de trabalho, é mais adequado referir-se à supressão do acesso aos meios de
subsistência. Com esse cuidado abre-se espaço para a inclusão de capital ou outros
recursos que podem ser cruciais em situações históricas específicas como, por
exemplo, o acesso à água, mencionado por Merivale.
Uma terceira observação, várias vezes reiterada por Nieboer, é que não se trata
apenas de uma questão de densidade populacional ou de pressão demográfica
sobre os recursos naturais. O conceito chave para a aplicação de sua teoria é o grau
em que os recursos foram apropriados, ou seja, tornaram-se propriedade de alguém.
Propriedade, neste caso, não significa apenas propriedade formal ou mesmo legal.
O conceito de propriedade relevante para esta teoria contempla essencialmente a
capacidade, pelo proprietário, de efetivamente excluir os outros do uso ou da frui-
ção da coisa possuída.

524 Nieboer. Slavery, p. 418.


525 Nieboer. Slavery, p. 420.

282 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Durante a primeira metade do século XX, a hipótese de Wakefield-Merivale-
Nieboer não teve maior destaque na literatura da escravidão, mas foi mantida viva
por estudiosos holandeses, especialmente antropólogos e etnólogos, como J. J.
Fahrenfort526 e H. Hoetink, para os quais o trabalho de Nieboer continuou sendo
uma referência, e um objeto de debate.
Também podem ser encontradas referências ocasionais a ela nos trabalhos de
alguns historiadores do primeiro escalão. U. B. Phillips leu o livro de Nieboer, e
escreveu que “relativamente à oferta de trabalho, as condições iniciais no novo
mundo da América eram diferentes daquelas da Europa moderna, mas similares às
da Ásia e da Europa em tempos primitivos. O antigo problema do trabalho renasceu
nas colônias de plantation, porque a terra era abundante e livre, e os homens não
trabalhariam voluntariamente como assalariados, empregados por outros homens,
quando poderiam facilmente trabalhar com independência, para si mesmos. Havia
uma grande demanda por trabalho nas propriedades coloniais e, quando se tornou
claro que os homens livres não viriam trabalhar como alugados, desenvolveu-se
uma demanda por trabalho servil”.527 Max Weber também leu Nieboer, e o cita em
sua General Economic History. Lewis Gray dedicou uma pequena seção de sua cele-
brada History of Agriculture, de 1932, à discussão da “relação entre a economia do
trabalho escravo e a oferta de terra”, e remete o leitor ao trabalho de Loria.528
Em seu famoso Capitalism and Slavery, de 1944, Eric Williams discutiu breve-
mente as teorias de Wakefield e Merivale. Em From Columbus to Castro, reproduz
um interessante memorando, escrito por Charles Grey, Lord Howick, que era um
abolicionista importante, e em cujo governo (primeiro ministro) ocorreu a aboli-
ção no Império Britânico.
O grande problema a ser resolvido na formulação de qualquer projeto para
a emancipação dos escravos nas nossas colônias, é encontrar um meio de
induzi-los, quando livres do medo do feitor com seu chicote, a exercer o
trabalho contínuo e regular que é indispensável para manter a produção
de açúcar (...) A incapacidade dos planters para pagar altos salários parece
fora de qualquer dúvida, mas mesmo se fosse diferente, a experiência de

526 J. J. Fahrenfort. Over vrije en onvrije arbeid (On volunary and Compulsory Labour). Mensch en
Maatschappij, 1943. Não li este artigo, por ser escrito em holandês.
527 Ulrich Bonnell Phillips. The Economic Cost of Slaveholding in the Cotton Belt. Political Science
Quarterly, XX (June 1905).
528 Gray. History of Agriculture, vol. I, p. 475-76. Gray relata que George Tucker, em seu Progress of the
United States, fez a curiosa previsão de que a escravidão nos Estados Unidos estaria moribunda
quando a densidade populacional atingisse 66 habitantes por milha quadrada!

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


283
outros países autoriza a pensar que, enquanto a terra for tão facilmente
adquirível, como é neste momento, mesmo salários liberais não serão
capazes de comprar o tipo de trabalho que é necessário para o cultivo e o
fabrico do açúcar (...) os exemplos dos estados ocidentais da América (sic),
do Canadá, do Cabo da Boa Esperança e das colônias australianas, podem
todos ser citados para demonstrar que mesmo entre populações com um
estado de civilização muito mais alto que aquele atingido pelos escravos
das Índias Ocidentais, a facilidade de obter terra efetivamente impede que
qualquer empreendimento que exija a cooperação de muitos braços, se
desenvolva por meio de trabalho voluntário.
É, portanto impossível imaginar que os escravos (os quais, embora eu não
acredite que sejam mais preguiçosos do que outros homens, certamente
não o são menos), se libertados do controle, seriam induzidos, mesmo
por altos salários, a continuarem a se submeter a uma labuta que
detestam, enquanto, sem precisar disto, poderiam obter terra suficiente
para seu sustento (...).
Penso que seria excelente para a real felicidade dos próprios negros, se
o direito de adquirir terra pudesse ser restringido ao ponto de evitar,
quando ocorrer a abolição, que abandonem seus hábitos de trabalho
regular (...) Consequentemente, o principal meio que vislumbro para
possibilitar o planter de continuar com seus negócios quando vier a
abolição, é a imposição de uma taxa considerável sobre a terra.

Williams relata que, “assim encorajados, os planters de Barbados, sugeriram


que todas as roças de mantimentos dos ex-escravos deveriam ser destruídas, para
forçá-los a trabalhar, enquanto seus colegas na Guiana Inglesa destruíram delibe-
radamente todas as árvores frutíferas, para privar os libertos de uma fonte de sub-
sistência que competia com o emprego na plantation”.529
Outro livro importante inspirado pelo trabalho de Nieboer – Involuntary Labour
since the Abolition of Slavery – foi publicado, em 1960, por Willemina Kloosterboer,
também holandesa.530
Kloosterboer explorou a idéia de que “à luz desta teoria, a abolição da escravi-
dão ao longo do século XIX, parece ter sido prematura. Pelas condições vigentes
nas colônias na época, não se poderia esperar, de modo geral, o surgimento de uma
oferta voluntária de trabalho”.531

529 Eric Williams. Capitalism and Slavery. Chapel Hill: North Carolina University Press, 1944; e Eric
Williams. From Columbus to Castro. The History of the Caribbean, 1492-1969. New York: Harper and
Row, 1973, pp. 328-29.
530 Willemina Kloosterboer. Involuntary Labour since the Abolition fof Slavery. A Survey of Compulsory
Labour Throughout the World. Leiden, Netherlands: E. J. Brill, 1960.
531 Kloosterboer. Involuntary, p. 1.

284 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Se a necessidade de coerção era fruto da existência de recursos abertos, então
deveríamos constatar que a abolição legal do regime escravista significaria o fim do
trabalho compulsório somente naquelas sociedades onde os recursos relevantes já
tivessem sido apropriados no momento da emancipação. Nos outros casos, ali onde
após a abolição persistia uma situação de recursos abertos, deveria ser encontrada
uma permanência do trabalho compulsório, em alguma modalidade alternativa.
Com esta hipótese, Kloosterboer examinou os períodos pós-abolição em diver-
sas sociedades escravistas, no Caribe, na África, na Ásia, na América Latina e nos
Estados Unidos (o Brasil não foi incluído). Os resultados de seu levantamento
confirmam, com algumas qualificações, a tese de Nieboer. A hipótese se sustenta,
mas não funciona automaticamente, e requer mediação política. “O impulso para a
abolição partiu de grupos não diretamente envolvidos com a escravidão. Os senho-
res de escravos eram violentamente contrários à abolição e, sendo derrotados, não
levou muito tempo até que criassem novas formas de trabalho compulsório”.532
A escravidão e as diversas formas de coerção não têm vinculação nenhuma com
o sistema colonial, com mercantilismo ou exportações, não se referem a qualquer
época determinada, e não são algo antigo ou superado. A coerção surge sempre que
determinados projetos de sociedade (onde há uma classe de não-trabalhadores)
chocam-se com determinadas condições objetivas (os trabalhadores têm ou podem
vir a ter o controle dos meios de produção). A coerção sempre tem a participação
do estado. Quando a expropriação não é completa, o estado interfere a favor da
classe proprietária. Um caminho alternativo à coerção é controlar dos meios de
produção ou, na linguagem da teoria de Nieboer, criar artificialmente a situação de
recursos fechados, expropriando, como ocorreu nas enclosures.
Kloosterboer elaborou um longo catálogo de metamorfoses da escravidão, e
demonstrou sua associação com os recursos abertos. Encontrou grande variedade
de modalidades de trabalho coercitivo, como prestação compulsória de serviços,
sistemas de barracão ou armazém, servidão por dívida (debt peonage, debt slavery),
contract labour, indentured labor, travail engagé, e vários outros instrumentos de
coerção, como a imposição de vagrancy laws (leis de vadiagem ou de vagabunda-
gem), cobrança de impostos em moeda (para obrigar os trabalhadores a abando-
nar a subsistência e se integrar na economia monetária), ou coerção simplesmente
baseada na violência e no terror. Em vários casos a violência não foi dirigida dire-
tamente contra os trabalhadores, mas contra seus meios de subsistência, como em

532 Kloosterboer. Involuntary, p. 1.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


285
colônias africanas onde os ingleses assaltavam e queimavam as roças de mantimen-
tos dos nativos, para forçá-los a trabalhar em suas plantations e minas.
Apesar de sua longa história e sua genealogia ilustre, as teorias da linhagem
Wakefield-Merivale-Nieboer eram pouco conhecidas nos círculos acadêmicos
de economia até recentemente. O trabalho que as popularizou nos arraiais da
dismal science foi um artigo do economista russo-americano Evsey Domar, do
Massachusets Institute of Technology, famoso como co-autor do modelo de cresci-
mento Harrod-Domar. O artigo foi publicado no Journal of Economic History, em
1970 e, pelo prestígio de seu autor e da revista, circulou entre os economistas mais
do que qualquer das versões anteriores da teoria.533
Domar afirma ter se inspirado em uma descrição, de V. O. Kliuchevsky, da
segunda servidão na Rússia, e que só anos depois de ter formulado sua hipótese
tomou conhecimento do trabalho de Nieboer e, através dele de Loria e de Wakefield.
Sua versão tem a seguinte formulação: “Assuma que o trabalho e a terra são os
únicos fatores de produção (não há nem capital nem gestão), e que as terras são
ubíquas, sem diferenças de qualidade ou de localização. Não ocorrem rendimentos
decrescentes na aplicação do trabalho à terra. As produtividades média e margi-
nal do trabalho são constantes e iguais. Se a competição entre os empregadores
elevar os salários até aquele nível (como seria esperado), não poderá ser extra-
ída nenhuma renda da terra, como Ricardo demonstrou há muito tempo atrás. Na
ausência de alguma ação governamental específica em contrário, o país consistirá
de fazendas familiares, porque o trabalho contratado, em qualquer modalidade,
ou não será disponível, ou não será lucrativo: o salário de um homem alugado,
ou a renda de um arrendatário, terá que ser pelo menos igual a aquilo que ele
pode obter cultivando sua própria fazenda. Se ele receber esse valor, não sobrará
nenhum excedente (rent) para seu empregador. Uma classe não-trabalhadora, de
servitors ou outros, poderia ser sustentada pelo governo através de taxas impostas
aos camponeses, mas ela não poderia se manter com rendas da terra.534
“Suponha agora, que o governo decida criar uma classe de proprietários rurais
não-trabalhadores. Como primeiro passo, ele dá aos membros desta classe o direito
exclusivo da propriedade da terra. Os camponeses agora terão de trabalhar para os
proprietários, mas, enquanto eles forem livres para se movimentar [entre empre-
gos], a competição entre os empregadores fará o salário subir até o valor do produto

533 Evsey Domar. The Causes of Slavery or Serfdom: A Hypothesis. The Journal of Economic History, vol.
30, n. 1 (March 1970).
534 Domar. The Causes, p.19.

286 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
marginal do trabalho. Como este é ainda bem próximo do valor do produto médio
(por causa da abundância de terra) sobrará apenas um pequeno excedente (...) O
próximo, e definitivo, passo é a abolição do direito dos camponeses à mobilidade.
Com o trabalho preso à terra ou ao proprietário, a competição entre os empregado-
res deixa de existir, Agora o empregador pode extrair uma renda (rent), não de sua
terra, mas dos seus camponeses, apropriando-se da totalidade, ou da maior parte,
de sua renda (income) acima do nível de subsistência”.535
“Recapitulando, a versão forte dessa hipótese (sem capital, gestão, etc.) conclui
que, dos três elementos da estrutura agrícola aqui postulada – terra livre, campo-
neses livres, e uma classe de proprietários não-trabalhadores – quaisquer dois, mas
nunca os três, poderão existir simultaneamente. A combinação a ser encontrada na
realidade dependerá do comportamento de fatores políticos, que aqui são tratados
como exógenos”.536
Domar é taxativo ao afirmar que a situação de recursos abertos, não é suficiente
para gerar a compulsão, e que o papel do governo é decisivo.
Em 1974, o antropólogo Sidney Mintz, especialista na cultura e na história das
sociedades do Caribe, publicou uma série de estudos, alguns dos quais tem como
base a teoria da escravidão que estamos examinando.537 Em suas palavras: “O pro-
blema era tornar produtivas grandes extensões de terras, gratuitas ou quase gratui-
tas, mas carecendo de um suprimento adequado de trabalho. (...) Homens livres
só proporcionam oportunidades de lucro empresarial quando não têm acesso aos
meios de produção, particularmente à terra, e precisam, portanto, vender seu tra-
balho no mercado. (...) Mas a situação (...) era de abundantes terras livres e trabalho
escasso, na qual o empresário não poderia se apropriar nem de lucros derivados

535 Doma., The Causes, p. 20.


536 Domar. The Causes, p. 21. O sociólogo Orlando Patterson, da Universidade de Harvard, criticou
ferozmente o trabalho de Domar, mas acredito que a crítica não se sustenta. Veja Orlando Patterson.
The Structural Origins of Slavery: A Criticism of the Nieboer-Domar Hypothesis from a Comparative
Perspective. In: Vera Rubin and Arthur Tuden (orgs.) Comparative Perspectives on Slavery in New
World Plantation Societies. Annals of the New York Academy of Sciences. vol. 292 (Janeiro 1977), pp.
12-34. Alguns dos mesmos equívocos de Patterson estão presentes na crítica de Suzanne Miers e
Igor Kopytoff, que questionam a hipótese de Wakefield, afirmando que ela não é capaz de explicar
as ocorrências da escravidão na África. Contestam a teoria com o argumento tosco e óbvio de que
na África a escravidão tinha outras motivações além da obtenção de trabalhadores. Entretanto, na
América e nas colônias européias da era moderna essa foi a exclusiva motivação do sistema escravista,
e todos os proponentes da tese de Wakefield são bastante explícitos em dizer que ela foi formulada
para explicar o renascimento da escravidão nessas neo-europas. Suzanne Miers e Igor Kopytoff.
Slavery in Africa. Historical and Anthropological Perspectives. Madison: University of Wisconsin Press,
1977, pp. 66-69.
537 Sidney Mintz. Caribbean Transformations. Chicago: Aldine, 1974.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


287
do emprego de trabalhadores nem de rendas extraídas de recursos escassos. Nos
lembra que, dizimadas as populações nativas, os principais fluxos de trabalho para
as colônias antilhanas foram europeus sob os regimes de indenture538 ou travail
engagé. Eram imigrantes voluntários pobres, e também condenados, prisioneiros
políticos ou por dívidas, e uma ampla gama de indivíduos social ou politicamente
indesejáveis. Só no final do século XVII os indentured servants e os engagés foram
suplantados pelos africanos, e a escravidão se tornou dominante. Mintz analisa o
trabalho compulsório no Caribe (especialmente em Porto Rico e na Jamaica), e
oferece um interessante estudo de caso da formação do campesinato jamaicano no
período pós-abolição.

A HIPÓTESE DE WAKEFIELD NA HISTÓRIA DO NOVO MUNDO


É claro que a história não segue roteiros padronizados e pré-estabelecidos. O
surgimento e as características de cada sistema de coerção, a origem das popula-
ções envolvidas, o tipo de atividade que gera a demanda, a forma de recrutamento
dos trabalhadores, etc., são próprios de cada época e de cada lugar. Da mesma
forma, a supressão, o desaparecimento gradual ou a substituição por outras formas
de compulsão, direta ou pela via do mercado, também são, necessariamente, mol-
dados pelas condições econômicas, sociais e políticas, peculiares a cada caso. Cada
história é uma história.
Mas um exame, mesmo sumário, da história das principais colônias e/ou nações
escravistas da era moderna confirma, em linhas gerais, as proposições da família de
teorias Wakefield-Merivale-Nieboer-Domar. Mesmo ressalvando a singularidade
de cada processo histórico, é possível perceber que o componente básico do modelo
– a relação entre a existência de terras livres, não apropriadas, e a inexistência de
oferta voluntária de trabalho assalariado (o tamanho absoluto da população livre
é irrelevante), está sempre presente no nascimento dos regimes de coerção, bem
como no seu renascimento, metamorfoseado, nos casos de abolição “prematura”.
No início da ocupação europeia, todas as terras (e quaisquer outros recursos
naturais) do continente americano eram livres (nenhum colonizador jamais cogi-
tou sobre qualquer direito das populações nativas). Assim (adotando-se os pressu-
postos da preferência absoluta do homem livre pelo trabalho independente, e da

538 Mantive o termo indenture em inglês, não apenas por ser consagrado na literatura internacional, mas
também pela falta de uma tradução satisfatória para o português. A maioria dos dicionários, incluindo
o Webster/Houaiss, apresenta a absurda tradução de “contrato de aprendizado”. Uma tradução mais
razoável, mas ainda inadequada, seria “contrato de venda de trabalho futuro”.

288 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
capacidade de todo homem livre de produzir a subsistência de sua família, ape-
nas com seu trabalho e o acesso à terra), para qualquer empreendimento, agrícola
ou de qualquer outra natureza, que demandasse qualquer quantidade de trabalho
além daquela fornecida pela família, seria necessário estabelecer algum mecanismo
de coerção.
Todos os povos europeus que participaram, em qualquer grau ou duração, da
colonização da América – ingleses, franceses, espanhóis, portugueses, holandeses,
dinamarqueses ou suecos – independentemente de sua cultura, etnia, religião, ou
estágio de desenvolvimento econômico, lançaram mão do trabalho compulsório.
As primeiras fontes de trabalhadores involuntários foram, em quase todos os
lugares, as populações nativas encontradas pelos europeus. A forma, sempre coer-
citiva, e a duração da utilização dessas populações, dependeram de sua densidade
ou rarefação, das atividades econômicas implantadas pelo colonizador, e de sua
capacidade de resistir às doenças e à violência dos conquistadores.
As ilhas do Caribe e o istmo centro-americano tinham populações relativamente
densas, que foram escravizadas, mas foram rapidamente dizimadas pela explora-
ção e, sobretudo, pelas doenças infecciosas que os europeus trouxeram. A região
andina e o México abrigavam, cada uma, cerca de vinte e cinco a trinta milhões
de habitantes, vivendo em sociedades notavelmente avançadas, no momento em
que Colombo desembarcou na ilha de Hispaniola. Esses povos foram, em termos
demográficos, as maiores vítimas do genocídio das populações americanas. Em
1568, em virtude das guerras da conquista e, novamente, sobretudo pela devasta-
ção causada pela varíola (sem ajuda da qual Cortez não teria dominado os astecas)
os nativos do México estavam reduzidos a três milhões, e seu número continuou
caindo até pelo menos 1650. No Peru, um processo muito semelhante foi protago-
nizado por Pizarro e pela mesma virose.539
Sin indios no hay Indias, reclamavam os colonos espanhóis. De nada adian-
tavam generosas doações de terras ou de ricas minas, sem os trabalhadores para
explorá-las. Logo nos primeiros anos da ocupação, a coroa espanhola proibiu a
escravização dos indígenas e os declarou súbditos libres de la corona. Mas não eram
tão livres assim, pois já em 1503, a própria coroa criou o sistema da encomienda,
que algum tempo depois foi substituído pelos regimes do repartimiento e da mita.
Estes sistemas prevaleceram tanto nos Andes como no México, e não eram escra-
vistas, mas usavam outros tipos de coerção. Envolviam essencialmente, a prestação

539 William H. McNeill. Plagues and Peoples. New York: Doubleday, 1977, pp. 180-87.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


289
compulsória de certo número de semanas ou meses de serviço por ano pelos nati-
vos, que eram distribuídos, ou “repartidos”, entre os colonos, para o trabalho nas
minas, fazendas e obras públicas. Ao mesmo tempo, desde o início da colonização,
os espanhóis começaram a importar escravos africanos. Os primeiros negros che-
garam à ilha de Hispaniola (depois Saint Domingue e Santo Domingo, hoje Haiti e
Republica Dominicana) em 1501, mas o número de escravos africanos nas colônias
espanholas foi pequeno até bem avançado o século XVIII.
No Brasil a população indígena era muito menor e muito mais dispersa. Nas
primeiras décadas, os índios prestaram serviços eventuais para os portugueses (e
para os franceses), cortando troncos de pau-brasil e os transportando até a praia,
em troca de machados, facas e quinquilharias. Pelas mesmas recompensas também
trabalhavam ocasionalmente, lado a lado com os primeiros colonos, derrubando o
mato e plantando roças.540
Mas logo depois, quando começaram os primeiros ensaios de agricultura
comercial, tornou-se necessária uma força de trabalho mais constante e mais dis-
ciplinada. As bugigangas não eram mais suficientes para atrair os indígenas, que
começaram a ser escravizados. “Inicialmente os portugueses compraram índios
escravizados nas guerras entre eles (...) mas à medida que se sentiram mais fortes,
eles próprios passaram a guerrear os índios e escravizá-los”.541
O principal objetivo das famosas bandeiras dos paulistas não era a busca de
ouro ou pedras preciosas, mas o apresamento e a escravização dos nativos. Por essa
mesma época, ainda no século XVI, começaram a chegar os primeiros africanos no
Brasil. Os índios começaram a ser dizimados e passaram a se internar mais e mais
nos sertões. Aqui também os micróbios do Velho Mundo cobraram uma conta
altíssima.
“A conquista colonial do Brasil foi muitas vezes brutal. Mas o verdadeiro obje-
tivo, tanto dos colonos quanto dos missionários, era subjugar e não exterminar os
índios. Os colonos queriam o trabalho indígena, os missionários queriam conver-
tê-los: o que os aniquilou foram as doenças. A bravura dos nativos e a sua capaci-
dade de luta foram anuladas pela falta de uma herança genética de defesas contra
doenças europeias e africanas. A devastação por doenças levou os índios brasileiros
à beira da extinção”.542

540 Alexander Marchant. From Barter to Slavery. The Economic Relations of Portuguese and Indians in the
Settlement of Brazil, 1500-1580 [1942]. Rep. Gloucester, Mass.: Peter Smith, 1966, pp. 21, 38-43.
541 Marchant. From Barter, p. 21.
542 John Hemming. Red Gold. The Conquest of the Brazilian Indians, 1500-1760. Cambridge, Massachu-

290 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
A partir do início do século XVII, quando começou a colonização agrícola,
com o cultivo de tabaco, café, cacau, anil e especiarias, nas colônias da América
Central, nas Antilhas e nas colônias da América do Norte, foi necessário recrutar
mão de obra em outros continentes. Durante mais de um século a fonte principal
dessa força de trabalho foi a própria Europa: foram brancos, de vários países, que
emigraram para a América sob os regimes de trabalho compulsório conhecidos nas
colônias inglesas como indenture system ou contract labor e, na América francesa,
système d’engagement ou travail engagé. Foi como indentured servants ou engagés
que veio para a América a grande maioria dos europeus que cruzaram o Atlântico
nos séculos XVII e XVIII. Eram principalmente ingleses, mas também vieram
muitos irlandeses, escoceses, alemães, holandeses, franceses e suíços, que eram na
maior parte migrantes voluntários: indivíduos pobres e camponeses em busca de
melhores oportunidades, mas sem recursos para pagar o custo da travessia, em
troca do qual vendiam seu trabalho futuro.
Eram também deportados: condenados (aos quais se dava a opção entre a depor-
tação e a forca), presos políticos, prisioneiros de guerra, revolucionários irlande-
ses, condenados por pequenos furtos ou pequenas dívidas, ciganos, estelionatários,
malandros e vagabundos variados, prostitutas, crianças e jovens arrebanhados nas
ruas de Londres, enfim – “uma escória de todas as castas, raspada dos esgotos e
chutada para fora do país”.543 Entre os engagés das colônias francesas também havia
muitos criminosos e vários tipos de indesejados sociais. Ou ainda, “protestantes
franceses, alemães e suíços fugindo de perseguições religiosas, pequenos fazen-
deiros escoceses, famintos e infelizes, explorados por arrendamentos escorchantes,
camponeses e artesãos alemães pauperizados, e aventureiros de todos os tipos”.544
Estabeleceu-se um trafico volumoso e muito rentável: a demanda era grande
e os indentured servants eram vendidos com bons lucros, ainda na Europa, ou em
leilão, nos portos de destino. Assim, não admira que traficantes profissionais, mer-
cadores e capitães de navios usassem de muitos subterfúgios ilícitos para “recrutar”
o maior número possível de pessoas. Imigrantes voluntários eram fisgados, estimu-
lados e seduzidos com falsas promessas e falsas imagens da vida nas colônias. Ou
pior, gente de todas as idades e qualidades era atraída para armadilhas, sequestrada
e transportada à força para as plantations. As zonas portuárias eram infestadas por

sets: Harvard University Press, 1978. p. xv.


543 Abbot Emerson Smith. Colonists in Bondage. White Servitude and Convict Labor in America, 1607-
1776 [1947]. New York: W. W. Norton and Company, 1971, p. 3.
544 Smith. Colonists, p. 3.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


291
um tipo de traficantes conhecidos como spirits, especializados em embebedar pes-
soas incautas – spirited laborers – que quando voltavam a ficar sóbrios já estavam
no mar, a caminho da América.545 O recrutamento criminoso chegou a tal volume
que as autoridades inglesas precisaram intervir, exigindo que os contratos fossem
assinados em terra, perante um magistrado, ou vistoriando os navios antes de zar-
parem, para garantir que todos a bordo estivessem viajando por sua livre vontade.
Os termos da indenture eram simples. A forma usual era um contrato legal,
assinado ainda na Europa, pelo qual o servo se obrigava a servir ao patrão, sem
remuneração, em qualquer trabalho que lhe fosse designado, por um período
determinado de tempo, usualmente em uma plantation determinada. Em contra-
partida, o empregador se obrigava a pagar o transporte do servo até a colônia e a
prover-lhe alimentos, roupas e abrigo adequados, pela duração do contrato. Este
formato básico poderia sofrer variações, em casos especiais: artesãos habilitados,
por exemplo, poderiam negociar algum pagamento, ou a dispensa de trabalho no
campo (field labor), etc.
A duração do termo de indenture era variável, em geral de três a cinco anos,
chegando algumas vezes a sete. No Caribe francês estabeleceu-se a tradição de três
anos de engagement, razão pela qual todos os engagés eram chamados, até o século
XIX, de 36-mois, ou “trinta e seis meses”.
Muito mais precária era a situação de outro tipo de indentured servants, cha-
mados de redemptioners, que foram os principais migrantes no século XVIII. Eram
camponeses alemães e suíços, que chegavam a um porto de embarque, como, por
exemplo, Rotterdam, muitas vezes com suas famílias, sem um contrato assinado
e sem dinheiro nenhum. Os capitães os transportavam e, na chegada à América,
tinham o prazo de duas semanas para levantar o dinheiro para ressarcir, ou redimir
(to redeem), a dívida. Como raramente o conseguiam, eram forçados a negociar,
em condições muito piores, termos de servidão mais longos, e com condições mais
duras de trabalho.546
A indenture e o travail engagé eram sistemas de trabalho coercitivo, e tinham,
é claro, vários traços em comum com a escravidão. O trabalhador era um servo,
era adstrito ao senhor e/ou à propriedade, não recebia remuneração por seu traba-
lho, não podia mudar de emprego ou de amo, não podia recusar as tarefas que lhe

545 Spirit, mais usado no plural, spirits, significa nesse contexto os “vapores” da bebida alcoólica destilada,
e por extensão, a própria bebida. Da prática criminosa descrita no texto ficou na língua inglesa, o verbo
to spirit, ou to spirit away, que significa raptar.
546 Smith. Colonists, p. 19.

292 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
fossem ordenadas, não era dono de seu tempo, podia ser punido – muitas vezes,
sobretudo nos primórdios do sistema, sofria açoites e outros castigos duríssimos.
Mas não era um escravo.
Sua adesão ao contrato era voluntária (apesar dos muitos casos de recrutamento
ilegal, forçado ou enganoso), sua servidão era temporária, e o trabalho prestado em
sua vigência já havia sido pago antecipadamente, na forma do custo da travessia (na
escravidão esse custo era pago a um terceiro, o traficante). Os servos podiam ser
transferidos a outros senhores e podiam ser deixados em herança, mas os termos
e prazos do contrato original tinham de ser respeitados. Em suma: tinham direitos
contratuais que eram geralmente respeitados e podiam ser levados aos tribunais.
E mais importante de tudo, ao final de seu termo de indenture, tinham direito
de receber um abono, conhecido como freedom dues. A composição das freedom
dues variou no tempo e nos lugares, mas em geral continha roupas, ferramentas
agrícolas, algum dinheiro e, sobretudo, um pedaço de terra, de 25 a 50 acres.
Essa prática (ou obrigação contratual) prevalecia tanto nas colônias inglesas
quanto nas francesas, e implicava que, no final da servidão, o servo era automa-
ticamente promovido à condição que estava na origem de seu desejo de imigrar
– tornava-se, na América, um proprietário independente de terras, um yeoman
na América inglesa, ou um maître de case na América francesa. Esse sistema está,
juntamente com o Homestead Act de 1862, na raiz da rica e importante classe média
rural dos Estados Unidos de hoje.
A maior parte da força de trabalho agrícola, e mesmo de outras atividades, nas
várias colônias francesas (Saint Domingue, Martinique, Guadaloupe e Guiana), nas
Índias Ocidentais Britânicas (Jamaica, Barbados e outras colônias menores), no
Surinam, e em parte dos atuais Estados Unidos, durante todo o século XVII, foi
obtida na própria Europa, canalizando para os sistemas de servidão temporária o
sonho de aquisição de terra, dos camponeses e de muitos outros europeus.
Isso não ocorreu no Brasil. A colônia portuguesa já estava muito mais avan-
çada em sua inserção no mercado mundial de commodities, utilizando escravos
africanos na grande lavoura exportadora de açúcar. Foi essa cultura que tornou
obsoletos os sistemas de indenture e engagement, e fez o Caribe mergulhar de vez
na escravidão negra.
No final do século XVII, a economia da região caribenha começou a se trans-
formar. Ao lado da produção de tabaco, cacau, café, anil, e outros artigos, que já
eram produzidos em pequenas plantations, começaram a surgir, em número cada
vez maior, as grandes plantations produtoras de açúcar. Isso foi uma consequência

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


293
da expulsão final dos holandeses do Nordeste brasileiro. Os neerlandeses ocu-
param diferentes partes dessa região durante três décadas, nas quais adquiriram
experiência sobre as técnicas de produção e o mercado internacional do açú-
car, bem como sobre o mercado africano de escravos. Quando foram finalmente
expelidos do Brasil, passaram a investir na produção de açúcar no Caribe, que
se expandiu rapidamente, fazendo dessa região o maior produtor mundial. Os
sistemas de servidão temporária de brancos europeus tornaram-se totalmente
incapazes de atender às novas demandas, e foram substituídos pela escravidão de
africanos.
Em todo o Caribe – inglês, francês, espanhol, holandês, dinamarquês e sueco,
assim como nos Estados Unidos, a escravidão negra tornou-se, de longe, a forma
principal de coerção. Como no Brasil já era adotada desde o primeiro século da
colonização, o trabalho escravo de africanos passou a ser, a partir do início do
século XVIII, a modalidade dominante, quase exclusiva, de trabalho compulsório
nas Américas. Esses sistemas escravistas foram viabilizados pelo tráfico atlântico,
que transportou para o Novo Mundo, nos 170 anos seguintes, quase oito milhões de
africanos (83% do total dos seus quatro séculos de vigência), tornando-se a maior
migração não-voluntária da história da humanidade.547
No início do século XIX os sistemas escravistas começaram a tornar-se invi-
áveis. O comércio transatlântico de africanos foi progressivamente abolido por
quase todas as nações traficantes, por diversas razões, mas principalmente por
uma agressiva pressão diplomática e militar da Inglaterra. No curto período entre
1803 e 1815, Dinamarca, Inglaterra, Estados Unidos, Suécia, Holanda e França,
nessa ordem, proibiram a importação de novos escravos para seu território ou suas
colônias, e a participação de seus cidadãos nessa atividade.548 O tráfico atlântico só

547 Entre 1701 e 1870, chegaram vivos à América 7.950 mil escravos africanos, sendo 24 mil para o Caribe
Dinamarquês (St. Thomas, St. Jan e St. Croix); 427 mil para os Estados Unidos; 460 mil para as colônias
holandesas (Surinam, Curaçao, Aruba, etc.); 1.185 mil para a América Espanhola (principalmente Cuba
e Porto Rico, e um pequeno número para o México, Peru, Venezuela e outras colônias sul-americanas);
1.401 mil para o Caribe Britânico (Jamaica, Barbados, Ilhas Leeward e colônias menores); 1.444 mil
para o Caribe Francês (Saint Domingue, Martinique, Guadeloupe e Guiana) e 3.037 mil para o Brasil.
Philip D. Curtin. The Atlantic Slave Trade. A Census. Madison: University of Wisconsin Press, 1969, p.
268.
548 Na Dinamarca, através de um ato de 1792, efetivo em 1803; em todo o Império Britânico, por um
ato do parlamento, em março de 1807; nos Estados Unidos por ato do congresso em 1807, efetivo
em 1/1/1808; na Suécia em 1813, depois de tratado com a Inglaterra; na Holanda em 1814, depois
de tratado com a Inglaterra; na França, por um decreto de Napoleão Bonaparte, em 1815, em
cumprimento ao Tratado de Paris.

294 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
continuou sendo praticado pelo Brasil, até 1850, e por Cuba, até o meado dos anos
1860.549
A supressão do tráfico internacional seria capaz de destruir, por si só, os siste-
mas escravistas da América, porque em todos eles, exceto nos Estados Unidos, as
taxas de crescimento natural da população escrava eram negativas. Sem a constante
reposição por novas importações, não seriam capazes de se manter demografica-
mente, e estavam irremediavelmente condenados ao desaparecimento. Isso não
aconteceria de uma só vez, já que os diferentes tráficos tinham sido interrompidos
em diferentes momentos, as taxas de declínio tinham magnitudes diferentes, e as
economias tinham diferentes dinâmicas e diferentes demandas por trabalho. Mas o
desfecho seria inevitável: a única economia escravista da América que tinha condi-
ções demográficas para manter-se indefinidamente era a dos Estados Unidos.
Entretanto, muito antes que esse processo tivesse início, os regimes escravistas
começaram, por diversos motivos, a ruir. Antes mesmo do fim do tráfico, em 1791,
na colônia francesa de Saint Domingue, o maior produtor mundial de açúcar e a
terceira maior população escrava da América, os escravos se rebelaram e, vitoriosos
ao fim de vários anos de conflito, criaram, em 1804, a República do Haiti. Esse foi
o único caso em que uma população escrava da América se auto-libertou pelo uso
das armas.550
Cerca de trinta anos depois a escravidão foi abolida no Império Britânico. O
Slavery Abolition Act foi aprovado pelo parlamento em 1833, e entrou em vigor em
1º. de agosto de 1834. O ato concedeu liberdade imediata apenas para os escravos
menores de seis anos. Todos os demais passaram a ser considerados apprentices.
O termo “aprendiz” e o mecanismo de transição que foi criado, o apprenticeship
system, pretendia transmitir a idéia de que os escravos estavam sendo preparados
para assumir o status e as responsabilidades de homens livres, mas a intenção real
era simplesmente prolongar um pouco mais sua servidão, que só seria abolida mais

549 Depois de algumas limitações negociadas entre a Inglaterra e Portugal, o Brasil independente celebrou,
em 23 de novembro de 1826, a “Convenção entre o Império do Brasil e a Grã-Bretanha para a abolição
do tráfico de escravos”. Por esse acordo, a partir de março de 1830, o tráfico ficava proibido e passaria
a ser tratado como um ato de pirataria. Pouco depois, em 7 de novembro de 1831, o parlamento
brasileiro aprovou uma lei que “declara livres todos os escravos vindos de fora do Império, e impõe
penas aos importadores dos mesmos escravos”. Tanto a convenção com a Inglaterra quanto a lei
brasileira, foram completamente ignoradas e desrespeitadas até 1850, quando, debaixo de violenta
pressão diplomática e militar dos ingleses, foi adotada nova legislação (Lei 581, de 4 de setembro
de 1850, “Lei Eusébio de Queiroz”), cuja implementação acabou efetivamente com a importação de
africanos.
550 Veja C. L. R. James. The Black Jacobins. Toussaint L’Ouverture and the San Domingo Revolution. New
York: Vintage Books, 1963.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


295
tarde, em dois estágios: os escravos domésticos receberiam a liberdade definitiva
em agosto de 1838, e os escravos do eito (field slaves) em agosto de 1840. O sistema
teve muitos problemas, desagradando tanto aos libertos quanto aos senhores, e
acabou sendo extinto em 1º de agosto de 1838, com a libertação definitiva de todos
os apprentices. Os 47 mil proprietários receberam vinte milhões de libras esterlinas
como indenização pela perda de sua propriedade.551
A próxima potência colonial importante a abolir a escravidão foi a França.
Como um desdobramento da revolução de 1789, a Convenção Nacional abolira
a escravidão em todo o sistema colonial francês, em 1794, mas a emancipação foi
anulada por Napoleão Bonaparte, em 1802. Quase meio século se passaria até que
o regime fosse finalmente banido em caráter definitivo, em 1848.552
Em 1863, A Holanda aboliu a escravidão no Suriname e nas Antilhas Holan-
desas, mas impôs aos libertos a prestação de dez anos adicionais de serviços. No
mesmo ano, em 1º de janeiro, teve lugar a Emancipation Proclamation, lançada
por Abraham Lincoln, que libertou parte dos escravos dos estados confederados.
Depois da vitória da União na guerra civil, o congresso aprovou a Décima Terceira
Emenda à Constituição (Senado em 8 de abril de 1864, e Câmara de Representantes
em 31 de janeiro de 1865) abolindo a escravidão e a servidão involuntária nos
Estados Unidos, a qual, depois de ratificada pelos estados, foi proclamada em 18 de
dezembro de 1865.
Em 1870, a escravidão foi abolida no Paraguai pelas forças brasileiras de ocu-
pação, a Espanha a aboliu nas suas colônias de Porto Rico, em 1873, e de Cuba,
em1886. Finalmente, o Brasil, único país do mundo ocidental que ainda mantinha
o regime escravista, decretou sua extinção, em 13 de maio de 1888.
Nenhuma dessas abolições, do tráfico ou da escravidão, foi feita com o aplauso,
o apoio, ou a concordância dos senhores de escravos. Nas colônias inglesas foi
preciso criar um mecanismo de transição e oferecer indenizações muito altas. Na

551 O ato do parlamento do Reino Unido, em 1833, aboliu a escravidão em todo o Império Britânico, com
exceção dos “territórios em poder da East India Company, a Ilha do Ceilão e a Ilha de Santa Helena”.
Essas exceções foram revogadas em 1843. A escravidão na Ilha de Mauritius, no Oceano Índico, foi
abolida em fevereiro de 1835, e os senhores receberam dois milhões de libras como indenização.
Antes da abolição na Inglaterra, alguns sistemas escravistas muito pequenos já tinham sido abolidos:
Chile (1823), Províncias Unidas da América Central (1824) e México (1829), todos eles já nações
independentes.
552 Em 1847 a Suécia aboliu escravidão em sua única colônia do Caribe, a Ilha de Saint Barthelemy, e
em 1848, a Dinamarca fez o mesmo nas suas três pequenas colônias, St. Thomas, St. Jan e St. Croix.
Entre 1851 e 1855, Colômbia, Bolívia, Equador, Argentina, Venezuela e Peru, terminaram a escravidão
africana em seus territórios, e o Uruguai já o havia feito em 1842.

296 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
França o processo foi arrastado e durou quase cinquenta anos. No caso da Holanda
também foi preciso estender a servidão por dez anos. Nos Estados Unidos, a abo-
lição custou uma sangrenta guerra civil. Em Cuba a resistência foi enorme e a abo-
lição só veio em 1886. No Brasil, onde a historiografia tradicional apresenta a abo-
lição como um processo suave, de final feliz, a reação dos senhores de escravos foi
também muito forte. Ela se manifestou, entre outras coisas, através de um forte
movimento indenizista, e acabou gerando a derrubada da monarquia, apenas um
ano depois da lei emancipadora.553
Nos casos em que não houve indenização, os senhores reclamavam a perda da
propriedade, mas o problema principal ocorreu nos lugares onde, no momento
da emancipação, continuavam existindo terras livres. Porque aí os proprietários
não teriam como substituir os escravos por trabalhadores voluntários, assíduos,
disciplinados, e baratos. Foi isso que gerou o renascimento de variadas formas de
trabalho compulsório.
Nas Índias Ocidentais Britânicas, algumas ilhas, como Barbados, St. Kitts, Nevis
e Antigua, tinham sido colonizadas na primeira metade do século XVII, tinham
setores açucareiros decadentes e territórios muito pequenos. Em 1834, suas popu-
lações escravas eram extremamente densas: a média nas colônias “antigas” era de
315 escravos por milha quadrada; Barbados, por exemplo, tinha 501 cativos por
milha quadrada.554 Mesmo em possessões como Dominica, St. Vincent, Grenada e
Tobago, de colonização mais recente (segunda metade do século XVIII), a situação
não era diferente. As populações escravas eram muito densas, e seus territórios
muito pequenos, apenas um pouco maiores que os do grupo anterior.
Na Jamaica, o quadro já começava a mudar. Embora fosse uma colônia antiga
(1655), seu território era dezenas de vezes maior que os de suas contemporâneas.
Seu estoque de cativos no ano da abolição, apesar de ser, de longe, o maior da
região, tinha uma densidade bastante baixa, de apenas 71 escravos por milha qua-
drada. Ainda pior era a situação de Trinidad, que só fora incorporada ao Império
Britânico em 1797, e cuja população escrava era muito rarefeita, com 11 cativos
por milha quadrada. E, finalmente, havia as colônias de Demerara-Essequibo e

553 O movimento de cobrança de indenizações pelos escravos libertados foi sufocado por Rui Barbosa,
então ministro da fazenda da jovem república, que mandou queimar os registros da matrícula de
escravos de 1887, destruindo assim as provas legais de sua propriedade. Esse ato valeu a Rui a fama
injusta de ter mandado queimar os registros para “apagar a mancha da escravidão” da história do
Brasil.
554 Para se ter uma idéia dessa densidade, basta comparar com Minas Gerais, onde havia, em 1873, 1,68
escravos por milha quadrada.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


297
Berbice, que formavam a Guiana Inglesa. Seu território compreendia quase oitenta
porcento de todo o Caribe Britânico (era quase oitenta vezes maior que a média das
outras colônias) e só fora integrada ao império em 1803. Quando a escravidão foi
abolida, a Guiana tinha somente um escravo por milha quadrada.
A Jamaica ainda era nessa época um grande produtor de açúcar, e as novas
colônias, Trinidad e Guiana, eram as que ofereciam as melhores perspectivas para
o desenvolvimento futuro desta indústria. Mas quando terminou o apprenticeship
system, em 1838, todas elas se viram diante de sérios problemas de força de trabalho.
Em todas havia muitas terras livres, e o êxodo dos ex-escravos para a economia de
subsistência foi geral. Tornou-se necessário buscar novas fontes de trabalhadores.
A Índia já vivia graves problemas de superpopulação e passava por recorrentes
crises de fome. Muitos trabalhadores de seu amplo setor têxtil tinham sido desem-
pregados pela concorrência da produção fabril da Inglaterra, e tinha ainda a vanta-
gem de ser parte do Império Britânico. Foi de lá que foram transportados centenas
de milhares de trabalhadores para as colônias inglesas do Caribe. Ficaram conhe-
cidos como coolies, e trabalhavam como indentured servants, com salários muito
baixos, geralmente com contratos de cinco anos, renováveis por mais cinco.
A adesão ao contrato era voluntária, mas como já tinha ocorrido no século XVII
com o comércio de trabalhadores europeus, o enorme e lucrativo tráfico de coolies,
que logo se desenvolveu, também apresentou, apesar de mais regulado e mais fisca-
lizado, muitos dos vícios de recrutamento do seu predecessor, como mentiras, falsas
promessas, violências e sequestros. Muitos trabalhadores, como antes, foram rapta-
dos e vendidos por traficantes profissionais. Apesar de ser, em tese, uma migração
temporária, a imensa maioria jamais retornou ao seu país de origem.
Embora a produção de açúcar da Jamaica estivesse em franco declínio, a colônia
recebeu mais de 50 mil coolies indianos.555 Ao mesmo tempo, ocorria a formação
de um importante campesinato independente. A grande população de ex-escravos
da ilha abandonou massivamente as plantations, e se estabeleceu em villages, como
pequenos fazendeiros autônomos, produzindo alimentos para sua subsistência e
para venda nos mercados locais.556

555 Diferentes fontes apresentam, para os mesmos lugares, números muito diferentes de coolies indianos,
chineses, etc. Esse problema ocorre com todos os países e colônias. Assim, os números apresentados
no texto não têm nenhuma pretensão à exatidão.
556 Provavelmente o melhor estudo sobre o surgimento e o desenvolvimento do campesinato
independente depois da emancipação, bem como seu importante papel na economia e na sociedade
jamaicanas, está na parte II – Caribbean Peasantries, de Caribbean Tranformations, de Sidney Mintz.

298 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Trinidad também recebeu mais de 150 mil indianos, mas, como seria de se
esperar, o fluxo mais importante se dirigiu à Guiana. Antes mesmo do término
oficial do apprenticeship system, em 1º de agosto de 1838, os ex-escravos da Guiana
começaram a desertar em massa das plantations, para formar suas próprias povoa-
ções (negro villages), e se dedicar à agricultura de subsistência, nas grandes exten-
sões de terras férteis e livres existentes na colônia. Os poucos que permaneceram
na agricultura exportadora passaram a trabalhar muito menos e de forma muito
irregular.
Constatando que haviam perdido o controle sobre sua força de trabalho, os pro-
prietários começaram imediatamente a importar mão de obra. Já em maio de 1838
chegaram à Guiana os primeiros coolies indianos. Inicialmente, assim como negros
de Barbados e portugueses da Ilha da Madeira, vieram como imigrantes livres, mas
logo ficou claro que isto não funcionaria. Em pouco tempo, tanto os indianos como
os barbadianos começaram a abandonar as plantations, mudando-se para as negro
villages e a economia de subsistência.
Os proprietários passaram então a importar principalmente coolies indianos,
sob o regime de indenture. Esses trabalhadores eram obrigados a cumprir ter-
mos de cinco a dez anos, sob duríssimas condições de trabalho e brutalidade dos
empregadores.
Tanto na Guiana, como na Jamaica e em todas as colônias inglesas, as condições
das indentures eram leoninas em favor dos empregadores. Quebras de contrato,
deserções, ausências e vários tipos de negligência podiam ser punidos com prisão,
corte de salários e das rações de comida, ou extensão compulsória do tempo de
indenture. A penalidade conhecida como double cut, na qual o trabalhador perdia
dois dias de pagamento por cada dia de ausência, era particularmente cruel, sobre-
tudo porque podia ser imposta pelo próprio patrão, a quem competia exclusiva-
mente decidir sobre a justificativa da ausência.557
“De 1854 em diante, o trabalho subordinado às plantations por longos ter-
mos de indenture tornou-se uma característica essencial da economia guianense.
Essa foi a resposta dos senhores à emancipação dos negros e à formação de um
campesinato livre”.558 Entre 1835 e 1918, a Guiana recebeu 341.491 imigrantes, dos
quais 236.205 eram indianos, para substituir os cerca de 80 mil escravos negros

557 Kloosterboer. Involuntary, p. 11.


558 Alan H. Adamson. Sugar without Slaves. The Political Economy of British Guiana, 1838-1904. New
Haven and London: Yale University Press, 1972, p. 56.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


299
libertados em 1838. Também chegaram cerca de 16 mil chineses, a maior parte dos
quais entre 1853 e 1874.559
“A imigração de trabalhadores forçados abasteceu os planters com uma nova
força de trabalho, mas não destruiu as negro villages surgidas depois da emancipa-
ção”.560 Assim, também na Guiana, passaram a coexistir dois setores econômicos e
dois sistemas de trabalho diametralmente opostos: um setor de subsistência, com
terras comunais e/ou pequenas propriedades, trabalhadas por ex-escravos negros;
e um setor de plantations exportadoras de açúcar, empregando trabalho compul-
sório, constituído por coolies das Índias Orientais. Os dois grupamentos étnicos
compõem ainda hoje a maior parte da população (45% são de etnia indiana e 36%
são de origem africana), e são grupos de importância crucial, às vezes conflitantes,
na economia, na cultura e na política da atual República da Guiana.
No outro lado do mundo, na colônia de Mauritius, a escravidão foi abolida em
1º de fevereiro de 1835, seis meses depois do resto do Império. Rapidamente sur-
giram vagrancy laws para obrigar os ex-escravos a entrar no mercado de trabalho,
com proibição de mudança de empregador, e penalidades que podiam incluir três
anos de trabalhos forçados em plantations ou fábricas. Mauritius também recebeu,
segundo Kloosterboer, 450 mil coolies indianos até 1911, quando a ilha ficou tão
abarrotada de trabalhadores que pôde dispensar novos imigrantes.561
Os mesmos problemas e a mesma solução ocorreram nas Antilhas Francesas.
Depois da abolição, em 1848, os ex-escravos abandonaram maciçamente as sucre-
ries, ocupando as terras ainda livres, ou vivendo de trabalhos ocasionais nas
cidades. Os senhores (maîtres d’habitation) começaram, quase imediatamente, a
importar trabalhadores falsamente livres da África Ocidental, promovendo o que
foi considerado pelos ingleses como uma verdadeira reabertura do tráfico atlântico
de escravos. Em troca da interrupção desse tráfico, negociaram com a Inglaterra
permissão para importar coolies da Índia Britânica. Os procedimentos foram orga-
nizados em 1852-53, e já em 1854 havia engagés indianos chegando a Martinique.
Entre 1854 e 1888, cerca de 79 mil trabalhadores indianos foram levados para
Martinique, Guadeloupe e a Guiana Francesa, além de um número bem menor de
coolies chineses.

559 Adamson. Sugar, p. 46, Kloosterboer. Involuntary, p. 8.


560 Adamson. Sugar, p. 57.
561 Kloosterboer. Involuntary, pp. 3-16.

300 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
As condições contratuais eram, formalmente, bastante razoáveis. O contrato de
engagement fixava termos de no máximo cinco anos, ao fim dos quais o trabalha-
dor receberia passagem de volta para sua terra. Estipulava um salário razoável, as
datas de pagamento, as horas de trabalho e as condições de moradia, vestuário e
alimentação e assistência médica, que eram obrigações do empregador.
Entretanto, a prática era bem diferente. Os engagés eram lançados em antigos
alojamentos de escravos, muitas cláusulas contratuais não eram cumpridas, havia
muitas detenções arbitrárias, espancamentos e até assassinatos. Mais grave ainda
era a prática, que se tornou universal, de um esquema para empurrar os trabalha-
dores, já presos pelos contratos, para a situação de escravidão por dívida. Ao invés
de fazerem o pagamento em moeda corrente, os patrões pagavam com caidons –
peças quadradas de cobre, com suas iniciais gravadas. Essa moeda particular só era
aceita no armazém da propriedade. Os engagés só podiam comprar nesse armazém,
e suas contas eram capciosamente mantidas como devedoras, criando um obstá-
culo adicional para o encerramento dos contratos.
No Caribe Holandês havia, em 1830, 48.784 escravos, que, devido ao cresci-
mento natural negativo, haviam se reduzido a 31.380, no momento da abolição, em
1863. A grande maioria se concentrava no Suriname, e menos de 7 mil viviam na
ilha de Curaçao.562 O Suriname tinha um importante setor de plantation açucareira
e muitas terras desocupadas, mas em Curaçao e nas ilhas menores (Bonaire, Aruba,
Saba, St. Eustatius e St. Maarten) a agricultura era secundária, a principal atividade
era o comércio, e os escravos trabalhavam principalmente “ao ganho”.
Quando foi abolida a escravidão, todos os escravos do Suriname, entre 15 e 60
anos, foram obrigados a assinar contratos de trabalho com dez anos de duração,
teoricamente supervisionados pelo governo, sob penas de multas, prisão e traba-
lhos forçados. Esta imposição não foi considerada necessária para os escravos de
Curaçao e das ilhas, uma vez que lá os recursos naturais eram mínimos e já estavam
apropriados.563
Desde 1853, quando ficou claro que a abolição era iminente, chineses e portu-
gueses da ilha da Madeira já vinham sendo transportados para o Suriname. Mas
quando terminou a obrigação dos contratos dos libertos, em 1873, e um grande
número deles abandonou as plantations, migrando para as cidades ou para a

562 H. Hoetink. Surinam and Curaçao. In: David W. Cohen and Jack P. Greene (eds.). Neither Slave nor Free.
The Freedmen of African descent in the slave societies of the New World. Baltimore: The Johns Hopkins
University Press, 1972. pp. 60, 62 e 66.
563 Hoetink. Surinam and Curaçao, p. 66.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


301
economia de subsistência, a China tinha proibido a emigração de coolies. Os pro-
prietários voltaram-se então para a Índia, através de um tratado com a Inglaterra.
Entre 1873 e 1916, entraram na colônia 34.848 coolies indianos, trabalhando sob
indentures de cinco anos, cujo cumprimento era garantido por diversas sanções
penais. Aos indianos se somaram 30.905 javaneses, entre 1890 e 1929.564 As con-
dições de trabalho eram tão duras quanto nas outras colônias e, especialmente em
Java, os horrores do recrutamento foram indescritíveis.565
Cuba entrou tardiamente no negócio da cana e do trabalho compulsório, mas
quando entrou, o fez em grande estilo. Até o início do século XIX, era uma colônia
sem nenhuma importância, espremida entre os gigantes do açúcar e da escravidão
nas Índias Ocidentais. Apesar de ser a maior ilha da região, produzia apenas gêne-
ros como tabaco, café, e gado. Sua produção de açúcar era ínfima, e suas popula-
ções, total e escrava, eram muito pequenas.
A revolta dos escravos de Saint Domingue mudou radicalmente esse panorama.
A colônia francesa era o maior produtor mundial de açúcar, e quando o colapso
de sua produção abriu uma enorme brecha nesse mercado, Cuba foi quem melhor
aproveitou a oportunidade. De quase nada em 1800, sua produção cresceu para 105
mil toneladas em 1830; 161 mil em 1840; 295 mil em 1850; 429 mil em 1860; e 703
mil em 1870. Em 1914, a ilha produziu três milhões de toneladas de açúcar. Para
conseguir isto, recebeu grandes aportes de capital estrangeiro, e tornou-se um dos
principais destinos do tráfico atlântico de escravos. Foi a última região da América
a interromper esse comércio, por volta de 1866.
Sua população escrava quintuplicou entre 1792 e 1830. Alcançou, em 1841, a
cifra de 436.495 escravos, caiu para 323. 759 em 1846, e a partir daí cresceu muito
lentamente, até atingir seu segundo e último pico, de 379.523 cativos em 1872.566
O período de maior crescimento do açúcar, 1840-1850, no qual a produção
quase dobrou, foi um período de aguda crise na importação de escravos, que fica
patente pela forte redução da população cativa, em termos absolutos, entre 1841 e
1846, e sua estagnação até 1849. A causa desse retrocesso foi a promulgação, pela
Espanha, sob intensa pressão da Inglaterra, da lei de 2 de março de 1845, para
cumprir o tratado anglo-espanhol anti-tráfico de 1835. A lei determinava penas de
prisão e outras punições para os traficantes, e foi adotada pela Espanha para evitar

564 Kloosterboer. Involuntary, pp. 33-34.


565 Kloosterboer. Involuntary, p. 34.
566 Gwendolyn Midlo Hall. Social Control in Slave Plantation Societies. A Comparison of St. Domingue and
Cuba. Baltimore: The Johns Hopkins Press, 1971, p. 135; e Knight. Slave Society in Cuba, p. 86.

302 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
que a Inglaterra aplicasse contra ela as medidas que aplicou contra o Brasil, através
do Bill Aberdeen. A ação de alguns Capitães-Generais, como Valdez, O’Donnell,
Cañedo e Pezuela, antes e depois da lei de 1845, também contribuiu para restringir
as importações. Embora o seu efeito fosse temporário, e o tráfico tenha recuperado
patamares muito altos na década de 1850, nos quatro anos entre 1845 e 1848, ele foi
virtualmente interrompido, com pouco mais de mil indivíduos por ano. A escassez
de mão de obra foi agravada por uma epidemia de cólera, que matou 16 mil escra-
vos, em 1853.567
Um decreto real de 22 de março de 1854 ordenou a realização de uma matrí-
cula dos escravos da ilha (que possibilitaria um maior controle do tráfico ilegal), e
determinou ao Capitão General que intensificasse a importação de trabalhadores
chineses e indígenas da Península de Yucatan, que já acontecia desde 1847, logo no
início da crise.568
Portanto, a força de trabalho que fez de Cuba o maior produtor mundial de
açúcar não foi composta apenas por escravos africanos. A expansão das exporta-
ções demandava cada vez mais mão de obra, e assustados com a queda na oferta
de negros, os senhores de engenho cubanos voltaram-se para a importação de chi-
neses. Assim, tivemos um caso de trabalho compulsório não-escravo que não foi
gerado por uma abolição prematura da escravidão e nem mesmo do tráfico, mas
por uma crise de mão de obra, causada por um estrangulamento temporário na
importação de africanos.
Na década de 1850, o tráfico de escravos foi retomado, mas estava em seus
estertores. O tráfico de chineses prosseguiu por mais duas décadas. Quando a
escravidão foi abolida, em 1886, Cuba havia passado pela experiência, incomum,
da coexistência, durante quatro décadas, de dois diferentes sistemas de trabalho
compulsório – a escravidão negra e a servidão sob contrato dos chineses. Muitos
contemporâneos e muitos historiadores consideram a diferença meramente formal,
pois o regime a que estavam submetidos os chineses era igual, ou talvez pior, do
que a escravidão.
Entre 1847 e 1873, desembarcaram em Cuba 121.810 coolies chineses. Nesse
último ano o fluxo foi proibido pelas autoridades chinesas, em virtude do relatório
de uma comissão oficial enviada a Cuba, no qual foram expostas as tenebrosas
condições de recrutamento, de transporte, de trabalho e de vida dos imigrantes. A

567 Hubert H. S. Aimes. A History of Slavery in Cuba, 1511-1868. New York and London: G. P. Putnam’s
Sons, 1907, pp. 166-67, 170.
568 Aimes. Cuba, p. 170.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


303
adesão ao contrato era, como em outros sistemas de indenture, formalmente volun-
tária, mas o recrutamento apresentou as mesmas mazelas – sedução, mentiras,
violência, sequestro, embarques forçados, etc. – aparentemente com mais intensi-
dade do que em outros casos. Relatos contemporâneos falam de muitos indivíduos
que se jogavam no mar, em desespero, ao perceberem a armadilha em que tinham
caído. Os maiores traficantes de coolies em Cuba, a poderosa e influente família de
Julian Zulueta, eram também os principais traficantes de africanos.569 De acordo
com o relatório mencionado acima, as condições de transporte eram piores que no
tráfico atlântico, e a taxa de mortalidade no percurso, de 11,8%, era maior do que a
verificada na middle passage.
Em Cuba os chineses foram empregados nos engenhos e usinas de açúcar, nas
minas de cobre e na construção de ferrovias. Os contratos de indenture eram de
oito anos, mas seus termos eram sistematicamente ignorados, e os coolies eram
comprados, vendidos e tratados como escravos. Ou pior: metade dos chineses mor-
ria antes de completar seus termos de oito anos.
Já vimos que a América Espanhola e o Brasil não usaram a servidão por con-
trato na era anterior à escravidão africana. O mesmo ocorreu depois dos processos
de abolição da escravatura, com uma única exceção.
Durante o período colonial o Peru não foi apenas um produtor de prata e outras
riquezas minerais. Desenvolveu, nos vales costeiros, uma indústria açucareira de
porte considerável. A força de trabalho desse setor era composta por escravos afri-
canos, complementados por assalariados mestiços, que na verdade eram servos por
dívida (debt peonage). No final do século XVIII, a indústria estava estagnada, e ao
longo da primeira metade do XIX, as guerras da independência aprofundaram seu
declínio. Além disso, a supressão do tráfico africano causou a queda da população
escrava, de 41 mil para cerca de 25 mil, quando a escravidão foi abolida em 1854.
Entrementes, uma nova riqueza havia surgido. Avanços na ciência dos solos
tinham demonstrado que as imensas montanhas de excrementos depositadas, ao
longo dos séculos, por aves marinhas nas Ilhas Chinchas, eram ricas em nitrogênio
e fósforo, constituindo um poderoso fertilizante agrícola. A partir dos anos 1840,
o guano começou a ser exportado para os Estados Unidos, para o Caribe, para a
Europa e para a Austrália, gerando enormes receitas para o governo peruano, que
nacionalizou as jazidas. O surto exportador só arrefeceu nos anos 70, quando o

569 Assim como o tráfico atlântico, o tráfico de coolies chineses e indianos contou com uma poderosa
rede internacional de agentes recrutadores, transportadores e financiadores dos principais países do
mundo. Esse tráfico é muito pouco estudado, em comparação com o tráfico atlântico de africanos.

304 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
guano foi suplantado como fertilizante pelos nitratos e, mais tarde, pelos adubos
sintéticos.
A riqueza do guano permitiu ao governo indenizar os ex-senhores pela liberta-
ção dos escravos, e ajudou a revitalizar a indústria açucareira. Atendendo ao lobby
dos fazendeiros, antes mesmo da abolição o governo começou a promover a imi-
gração de coolies chineses sob o regime de indenture, para trabalhar nos engenhos
e na própria mineração do guano, onde as condições de vida e de trabalho eram
tenebrosas. Entre 1849 e 1874, quando o fluxo foi interrompido por pressão da
China, da Inglaterra e dos Estados Unidos (além do colapso das exportações do
adubo), cerca de 100 mil chineses foram importados.
Mais tarde, entre 1898 e 1923, chegaram ao Peru perto de 18 mil japoneses,
também no regime de contract labor, para trabalhar na indústria açucareira. Os
japoneses também reclamavam de descumprimento dos contratos, do pagamento
de salários abaixo do contratado, de repressão policial contra seus protestos, do
poder absoluto dos senhores e da obrigação de comprar exclusivamente no arma-
zém das fazendas.
Apesar de terem importado relativamente poucos africanos, os Estados Unidos
reuniram a maior população cativa de todas as sociedades escravistas da América.
Em 1860, no último recenseamento realizado antes da Guerra Civil, os escravos
somavam 3.953.760.570 Quando ocorreu a emancipação, os ex-senhores sulistas,
que tinham acabado de perder a guerra, não tinham condições políticas de criar
qualquer novo sistema formal de trabalho compulsório, mas encontraram várias
maneiras de submeter os ex-escravos.
Logo após a abolição, um grande número deles migrou para as cidades, onde
tinham esperança de encontrar trabalho e uma vida livre, longe do cenário do seu
cativeiro. Em pouco tempo, a grande maioria teve de voltar à zona rural, pois nas
áreas urbanas se depararam com a hostilidade da população branca, e poucos meios
de sobrevivência. Esse retorno foi também estimulado pelo Freedmen’s Bureau, a
repartição federal encarregada de lhes dar suporte e orientação. Em 1866, o movi-
mento rural-urbano já tinha perdido força, e muitos negros já estavam de volta ao
campo, trabalhando como assalariados. Nas plantations, os libertos voltaram a se
deparar com tudo aquilo que odiavam no antigo regime: trabalho no eito em work
gangs, feitores, e até castigos corporais. As legislaturas de vários estados aprovaram
leis especiais que restringiam sua mobilidade, proibiam-lhes o arrendamento de

570 U. S. Bureau of the Census. Historical Statistics of the United States: Colonial Times to 1957.
Washington: Government Printing Office, 1960, pp. 10-11.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


305
terras, limitavam os tipos de trabalho que poderiam exercer, criavam extravagantes
definições de vagrancy, e a puniam com multas e prisão.571 A combinação dos Black
Codes, vagrancy laws, Jim Crow laws, convict leasing, e outros instrumentos, foi
capaz de restabelecer uma grande dose de coerção sobre os ex-escravos.
Apesar de tudo, com o direito dos libertos de decidir entre lazer e trabalho, e a
esperança de obter a propriedade de terras (que gerava resistência à assinatura de
contratos de trabalho mais longos) foi criada uma grave crise de mão de obra no
setor algodoeiro.572
Os ex-senhores perderam o comando absoluto da força de trabalho, mas não
perderam o controle da terra, e em pouco tempo encontraram meios de usar esse
controle para subordinar novamente os trabalhadores, agora legalmente livres.
Segundo Ransom e Sutch, “a única maneira de acabar com o domínio da plan-
ter class teria sido através de uma ampla redistribuição das terras aos libertos no
momento da emancipação (...) mas esta redistribuição não ocorreu”.573
A lendária promessa de “forty acres and a mule” nunca se tornou realidade.
Aparentemente o governo federal nunca teve a intenção de promover uma reforma
agrária. O desejo de reconciliação com a classe senhorial do Sul falou mais alto,
e todas as terras que haviam sido confiscadas aos rebeldes confederados foram
devolvidas aos seus donos, por meio de uma anistia decretada pelo Presidente
Andrew Johnson, em maio de 1865. A estrutura fundiária do período antebellum
foi rigorosamente restabelecida. Todos os projetos de distribuição de terras foram
derrotados no congresso.574 O próprio Freedmen’s Bureau desencorajava os libertos,
afirmando que a redistribuição era impossível, e que eles deveriam se assalariar
para sobreviver.575

571 Roger L. Ransom and Richard Sutch. One Kind of Freedom. The economic consequences of
emancipation. Cambridge: Cambridge University Press, 1977, pp. 61-67.
572 Como em toda parte, uma das reações imediatas dos escravos à abolição foi a retração de sua oferta de
trabalho, exercendo seu novo direito de escolha entre renda e lazer. Segundo a estimativa de Ransom
e Sutch, considerando a redução de dias de trabalho por ano, e a redução de horas trabalhadas por
dia, a oferta de homens/hora per capita da população rural negra se reduziu entre 28% e 37% em
comparação com a quantidade de trabalho que lhes era extraída no regime da escravidão. Ransom e
Sutch. One Kind, pp. 45-46.
573 Ransom e Sutch. One Kind, p. 80.
574 Ransom e Sutch. One Kind, p. 82.
575 A própria Emancipation Proclamation, de 1º. de janeiro de 1863, já apontava nesta direção
ao recomendar às pessoas por ela libertadas, que não cometessem violências e trabalhassem
honestamente por salários razoáveis: “And I hereby enjoin upon the people so declared to be free to
abstain from all violence, unless in necessary self-defence; and I recommend to them that, in all cases
when allowed, they labor faithfully for reasonable wages”.

306 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Embora o Homestead Act de 1862, e o Southern Homestead Act de 1866 não exclu-
íssem os negros nem os libertos, poucos afro-americanos conseguiram, por diver-
sas razões, se aproveitar desses instrumentos. Em pouco tempo, ficou claro que os
ex-escravos só poderiam adquirir terras através da compra no mercado. Mas eles
não tinham recursos previamente acumulados, e não conseguiam acesso ao crédito
hipotecário. A exclusão era muito agravada pela adição de sérios obstáculos não eco-
nômicos. Os brancos sulistas não toleravam a idéia dos negros participarem da classe
proprietária, e reagiam com violência a essa possibilidade. Qualquer branco que ven-
desse terra a um negro, ou qualquer negro que adquirisse terra, corria o risco de ser
agredido ou até assassinado. Entre outras consequências, isso teve o efeito de encare-
cer a terra para os libertos e tornar necessário o pagamento à vista e em dinheiro.576
Estava criado um impasse na economia sulina. Os ex-escravos não aceitavam
o trabalho assalariado nas plantations, mas não conseguiam acesso à terra para
se estabelecerem como fazendeiros independentes. Os ex-senhores bloqueavam o
acesso dos libertos à terra, mas precisavam de seu trabalho e não tinham como
criar novas modalidades de coerção aberta, especialmente depois da 14ª. Emenda à
Constituição, aprovada em 1866 e ratificada em 1868.577
A solução do dilema veio através de uma profunda transformação na estru-
tura agrária e na organização do trabalho na região. Sua instituição mais típica – a
plantation, deixou de existir, e o trabalho assalariado foi drasticamente reduzido.
As plantations foram retalhadas e os negros tornaram-se tenant farmers (arrenda-
tários), que pagavam o arrendamento com parte do que produziam, como share-
croppers (parceiros).578
Segundo Ransom e Sutch, o desaparecimento da plantation foi fulminante.
Iniciado por volta de 1867, já estava virtualmente completo em 1870. Em 1880,
menos de 1% das propriedades nas áreas algodoeiras do Sul poderiam ser conside-
radas plantations. Oitenta porcento das fazendas tinha 50 acres ou menos, e eram
operadas por trabalho familiar: apenas 8% delas contrataram mais de seis homens/
mês por ano.579

576 Ransom e Sutch. One Kind, p. 81 e segs.


577 A 14ª. emenda definiu a cidadania nos Estados Unidos e os direitos dos cidadãos. Sua motivação
foi exatamente enfrentar a retomada do poder nos estados confederados pelas elites antebellum, e
assegurar alguns direitos dos libertos, derrocando os Black Codes.
578 Os sistemas de arrendamento e parceria (share tenancy) não existiam antes da guerra civil. Depois
de 1868 os contratos de parceria se estabilizaram, fixando-se quase sempre como 50/50 ou meação.
Ransom e Sutch. One Kind, p. 88.
579 Ransom e Sutch. One Kind, p. 68.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


307
Toda essa transformação resultou da insistência dos libertos em abandonar os
velhos arranjos do tempo da escravidão. Com o sistema de arrendamento e parce-
ria eles se sentiam livres, fazendeiros independentes, trabalhando sem supervisão,
donos do seu tempo e (ilusoriamente) da terra.580
Com a passagem do tempo, os meeiros começaram a ser vítimas da excessiva
concentração no algodão. Produziam cada vez menos alimentos e tornavam-se cada
vez mais dependentes de crédito para a compra de comida e outros itens que não
produziam. Os comerciantes forneciam o crédito, mas exigiam parte da colheita
como garantia, e estipulavam, como condição, o plantio de quantidades crescen-
tes de algodão, aprofundando cada vez mais a monocultura, e a dependência do
meeiro. Qualquer queda no preço do algodão, ou quebra na colheita, era suficiente
para aprisioná-lo na armadilha da escravidão por dívida.581

A HIPÓTESE DE WAKEFIELD E O FIM DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL


O Brasil era grande e variado bastante para abrigar economias e sociedades
escravistas regionais muito diferenciadas. As diferentes regiões estavam sujeitas a
um mesmo governo central e à mesma legislação básica, mas tinham situações eco-
nômicas e de apropriação de recursos muito diversas. Quando surgiram desafios à
instituição servil, os sistemas regionais reagiram de maneiras diferentes.
Apesar da carência de estudos sobre a pós-abolição no Brasil, e mesmo levando
em conta as complexidades inerentes à interpretação de processos históricos reais
(por oposição a modelos), é possível reconhecer nessa diversidade uma clara influ-
ência do fator Wakefield.582
As ameaças ao tráfico começaram logo depois da chegada da corte portuguesa,
com o Tratado de Aliança e Amizade, em 1810, e prosseguiram, sempre por ini-
ciativa da Inglaterra, através de vários outros acordos. Depois de 1822, os ingleses
condicionaram o reconhecimento da independência à adoção de medidas para a

580 Ransom e Sutch. One Kind, p. 81.


581 Ransom e Sutch. One Kind, pp. 150-65.
582 Eustáquio Reis foi o primeiro autor a sugerir, em 1974, que as diferenças regionais na transição para o
trabalho livre no Brasil poderiam ser explicadas com base na hipótese de Domar-Nieboer. Reis aceita
a crítica de Engerman às teorias puramente econômicas da escravidão, e inclui fatores políticos como
variáveis endógenas. Eustáquio J. Reis. The Political Economy of Slavery Abolition in Brazil. Term paper
não publicado, apresentado em cursos de Albert Hirschman e Robert Fogel, no Massachusets Institute
of Technology e na Universidade de Harvard em 1974. Veja também: Stanley L. Engerman. Some
Considerations Relating to Property Rights in Men. The Journal of Economic History 33 (1) (1973), pp.
43-65.

308 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
extinção do comércio negreiro, e assim obtiveram a Convenção Anglo-Brasileira
de 1826 e a Lei de 7 de novembro de 1831.583
A suspensão do fluxo de africanos significava uma sentença de morte para o
regime escravista, pois nenhum dos sistemas regionais era demograficamente sus-
tentável. Mas essas ameaças não geraram qualquer consequência no curto prazo,
porque só se materializaram algumas décadas mais tarde. Não foi preciso procurar
outra fonte de mão de obra, fazer nenhuma realocação interna, nem criar qualquer
outra modalidade de coerção. Nenhuma mudança se fez necessária porque nunca
houve a intenção real de interromper as importações. Nunca desembarcaram tan-
tos africanos no Brasil como na primeira metade do século XIX.
As abolições de todos os outros tráficos nacionais, no início desse século, dei-
xaram Cuba e o Brasil sozinhos no mercado atlântico, podendo importar grandes
quantidades sem pressionar significativamente os preços. Mas Cuba, também sob
pressão inglesa, com um estoque apertado, e em pleno boom açucareiro, preferiu
se precaver, e no primeiro soluço do tráfico africano começou a importar coolies
chineses.584
No Brasil também surgiram projetos para contratar a imigração de chins mas,
como a própria lei anti-tráfico de 1831, isso parece ter sido apenas “pra inglês ver”.585
As principais regiões escravistas (o Nordeste, a economia diversificada de Minas
Gerais e a região açucareira do Rio de Janeiro) continuaram importando grandes
contingentes de africanos, e foi implantado um novo e voraz núcleo exportador: o
setor cafeeiro, nas seções fluminense e paulista do vale do Paraíba (em Minas esse
setor foi insignificante até a metade do século).
O segundo e decisivo golpe na instituição da escravidão foi a abolição efetiva
do tráfico atlântico. Após anos de pressões diplomáticas infrutíferas, o parlamento
inglês aprovou, em 9 de agosto de 1845, um ato especificamente desenhado para
obrigar o Brasil a cumprir a convenção de 1826. Esta lei, que ficou conhecida pelo
nome de seu proponente, Lord Aberdeen, atribuía unilateralmente à Royal Navy
poderes de abordagem, sequestro e julgamento de navios negreiros flagrados no

583 Veja-se sobre isso, Leslie Bethell. The Abolition of the Brazilian Slave Trade. Cambridge: At the
University Press, 1970; e Alan K. Manchester. British Preeminence in Brazil. Its Rise and Decline.
New York: Octagon Books, 1972, especialmente os capítulos VII – England’s attempt to abolish the
portuguese slave trade, 1808-1822 e VIII – The price of recognition, 1822-1827.
584 Veja acima os comentários sobre a importação de coolies chineses em Cuba.
585 Foram importadas algumas centenas de chins, especialmente para implantar o cultivo de chá no Brasil.
O projeto fracassou e foi logo abandonado. A St. John d’El Rey Mining Company também chegou a
utilizar imigrantes chineses.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


309
oceano Atlântico, e até em águas territoriais brasileiras.586 O Bill Aberdeen e seus
desdobramentos criaram enormes tensões nas relações anglo-brasileiras, mas cum-
priram seu objetivo: em 4 de setembro de 1850, o parlamento brasileiro aprovou
a lei 581, ou Lei Eusébio de Queirós, cujo cumprimento encerrou três séculos de
importação de africanos escravizados.587
A extinção definitiva do tráfico mudou de forma irreversível a equação do tra-
balho no Brasil, pois significava, nunca é demais insistir, que o escravismo estava
condenado a desaparecer em pouco tempo, por falta de escravos ou, como disse
John Elliot Cairnes, em 1862, no Slave Power, “pela destruição de suas vítimas”,588
já que em todas as províncias do país sua reprodução natural era negativa. Não
surpreende, portanto, que essa perspectiva tenha deflagrado várias iniciativas e
processos de ajuste.
A primeira delas, a tentativa de impedir o acesso dos trabalhadores às terras
públicas, fossem brasileiros livres, fossem imigrantes estrangeiros, vinha sendo dis-
cutida desde 1842, antes mesmo do Bill Aberdeen (pois ninguém tinha nenhuma
dúvida sobre o desfecho do cabo-de-guerra sobre o tráfico atlântico) e muito antes
de qualquer cogitação sobre a abolição do regime escravista.
No segundo semestre de 1842, o Conselho de Estado realizou várias reuniões,
no Paço da Boa Vista, com a presença de conselheiros, ministros, e “sob a Augusta
Presidência de S. M. I. o Senhor Dom Pedro Segundo”, para elaborar um projeto
de lei sobre terras públicas e colonização. O projeto teve como principais redatores
dois mineiros, Bernardo Pereira de Vasconcelos e José Cesário de Miranda Ribeiro
(ambos de Ouro Preto), e era explicitamente baseado no “Outline of a system of
colonization”, sugerido por Wakefield em seu primeiro livro, A Letter from Sydney.
A proposta foi enviada à câmara dos deputados em 1843, e teve uma longa tra-
mitação, mas com o retorno dos saquaremas ao poder, foi finalmente aprovada nas
duas casas legislativas em 1850. Sancionado pelo imperador em 18 de setembro de
1850, exatamente duas semanas depois da Lei Eusébio de Queirós, tornou-se a lei
601, ou Lei de Terras.

586 O título oficial do Bill Aberdeen – An Act to amend an Act, intituled An Act to carry into execution a
Convention between His Majesty and the Emperor of Brazil, for the Regulation and final Abolition of
the African Slave Trade – deixa claro que seu objetivo era forçar o Brasil a cumprir o compromisso
anteriormente assumido, invocando em sua primeira linha, a Convenção de 23 de novembro de 1826.
587 Sobre o Bill Aberdeen, seus desdobramentos e a abolição final do tráfico para o Brasil, veja Bethell. The
Abolition, especialmente os capítulos 9 a 13.
588 Cairnes. The Slave Power, pp. 72-73.

310 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Inspirado no cânon wakefieldiano, seu artigo primeiro determinava que “ficam
proibidas as aquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o de com-
pra”; e seu artigo segundo visava controlar e reprimir novas posses e invasões de
terras devolutas ou que já tivessem sido apropriadas privadamente, com penali-
dades de despejo, perda de benfeitorias, multa e prisão. Na melhor tradição do
pensamento de Wakefield, a lei visava dificultar o acesso dos livres pobres e dos
futuros imigrantes à subsistência independente e, como disse Marx, “fabricar” um
proletariado rural, que se oferecesse como “braços para a lavoura”, especialmente
para o setor cafeeiro, então em expansão.589
Outra tentativa de enfrentar as consequências do fim do tráfico foram os expe-
rimentos que ficaram conhecidos como “colônias de parceria”. Esses ensaios foram
as únicas tentativas concretas de implantar no Brasil um sistema de indenture.
Antevendo o término do comércio negreiro, nos anos 1840, alguns cafeicultores
do Oeste Paulista, liderados pelo Senador Nicolau Vergueiro, importante proprie-
tário na região de Campinas, começaram a recrutar imigrantes europeus para suas
fazendas. No esquema adotado – um mal disfarçado contrato de indenture590 – o
fazendeiro pagava o transporte do imigrante e sua família, da Europa até a fazenda,
e adiantava recursos para mantê-los até sua primeira colheita de mantimentos. O
colono recebia um lote de cafeeiros para cuidar, um pedaço de terra para plan-
tar alimentos e uma casa de morada. O café colhido era entregue ao fazendeiro,
que o comercializava e devolvia metade do lucro líquido ao “parceiro”. Com esta
receita o colono deveria ressarcir ao fazendeiro o custo do transporte e do adianta-
mento, acrescido de juros sobre o saldo devedor, e só poderia mudar de emprega-
dor quando a dívida estivesse integralmente quitada. Toda a família do colono era
solidariamente responsável pelo débito, ficando todos vinculados à colônia até que
este fosse inteiramente liquidado.
A renda do colono raramente se situava acima do nível de subsistência. Como
dependia da produtividade dos cafeeiros sob seus cuidados, e dos preços vigentes no
momento da venda, qualquer geada mais forte ou qualquer oscilação desfavorável

589 Sobre a Lei de Terras de 1850, veja Warren K. Dean. Latifundia and Land Policy in Nineteenth-Century
Brazil. Hispanic American Historical Review 51 (november 1971), e o apêndice Outline of a system of
colonization, em Wakefield. A Letter from Sydney, p. 222 e segs.
590 A análise mais lúcida das “colônias de parceria” é a de Warren Dean, em Rio Claro, especialmente
o capítulo 4 – An Experiment in Free Labor. Dean trata o projeto de Vergueiro como um sistema de
indenture, sem nenhum eufemismo. Para uma visão das condições de vida e de trabalho, pela ótica
dos colonos, veja o importante relato de Thomas Davatz, o mestre escola suíço que liderou a revolta
na colônia de Ibicaba, em 1857. Thomas Davatz. Memórias de um colono no Brasil. Introdução de
Sérgio Buarque de Holanda. 2ª. edição: São Paulo: Livraria Martins Editora, 1972.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


311
do mercado, poderia transformar em desastre sua situação já precária. Os colonos
não tinham nenhum controle sobre a venda do produto, eram totalmente indefesos
contra fraudes dos fazendeiros, sendo também presa fácil do sistema do “barra-
cão”, no qual suas contas eram mantidas permanentemente devedoras. Os débitos
iniciais eram muito altos, e ele se via sempre enredado em uma autêntica servidão
por dívida, além de ser vítima de maus-tratos e até castigos físicos. Em certa altura
os contratos foram modificados, permitindo que o colono fosse unilateralmente
transferido para outro fazendeiro, e outros abusos.591 “Em condições ideais seriam
necessários vários anos para saldar a dívida com o proprietário, o que transformava
o parceiro, efetivamente em um identured servant”.592
A historiografia paulista gosta de celebrar as colônias de parceria e seu cria-
dor como os pioneiros da superação do escravismo e da inauguração do trabalho
livre no Brasil. Em um trecho carregado de ufanismo, Sérgio Buarque de Holanda
afirma que “o sistema Vergueiro em pouco tempo chegará a ser adotado por quase
todos os fazendeiros do Oeste paulista (...) tornando-se, por assim dizer, a forma
peculiar do emprego do braço livre na grande lavoura da província”.593
Na verdade, o sistema não teve nem de longe essa disseminação, além de ter
sido muito efêmero. Logo após a revolta dos colonos, em 1857, a própria fazenda de
Ibicaba, que era o locus emblemático do projeto, e a maioria das outras que tinham
aderido ao experimento, retornaram integralmente ao uso de trabalho escravo. O
próprio Buarque de Holanda, em diapasão mais contido, reconhece que “três anos
depois, em 1860, ainda vegetavam na província vinte e nove colônias baseadas no
sistema. Já em 1870 seu número estava reduzido a treze, e algumas tinham perdido
muito de sua antiga importância”.594.
C. F. van Delden Laerne estimou que em 1880, havia apenas cerca de mil famílias
livres trabalhando na cafeicultura paulista, que representavam pouco mais de 3% da
força de trabalho empregada no setor.595 A escravidão continuou a ser a forma domi-
nante de trabalho até o momento da abolição. Longe de ser o arauto do trabalho livre

591 Dean. Rio Claro, p. 94.


592 Thomas H. Holloway. The coffee colono of São Paulo, Brazil: migration and mobility, 1880-1930. In:
Kenneth Duncan and Ian Rutledge (eds.). Land and Labour in Latin America. Essays on the Development
of Agrarian Capitalism in the Nineteenth and Twentieth Centuries. Cambridge: Cambridge University
Press, 1977, p. 306.
593 Sérgio Buarque de Holanda. As colônias de parceria. In: Sérgio Buarque de Holanda (org.) História
Geral da Civilização Brasileira, tomo II, vol. 3. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1967, p. 247.
594 Buarque de Holanda. As colônias de parceria, p. 257. Os itálicos são meus.
595 Laerne. Brazil and Java, p. 139.

312 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
no Brasil, Nicolau Vergueiro, era o maior traficante de escravos africanos da provín-
cia de São Paulo. A transição que planejou foi simplesmente, diante da abolição do
tráfico africano, transformar-se em um traficante de coolies europeus.596
Ao iniciar-se o terceiro quartel do século, a região mais dinâmica do país, o
Sudeste, estava em plena expansão. Demandava grandes quantidades de mão de
obra, mas como não havia uma oferta voluntária de trabalho livre, continuava
dependente da instituição servil. Tanto as novas áreas exportadoras de café (a Mata
mineira e o Oeste Paulista) que estavam em fase de implantação e rápido cresci-
mento, quanto a economia diversificada de Minas Gerais, tinham importado mui-
tos africanos no período anterior, e continuavam demandando cativos. Mesmo nas
duas áreas cafeeiras antigas, as seções fluminense e paulista do vale do Paraíba, que
se mantinham estagnadas, apenas para manter o nível da produção eram necessá-
rios muitos novos escravos.597
Privados das fontes africanas, os proprietários do Sudeste passaram a impor-
tar cativos do Nordeste. Pela primeira vez, desde a corrida do ouro na virada do
século XVIII, ocorreram realocações significativas da população escrava entre as
regiões do Brasil. Até então a fonte africana tinha sido suficiente para suprir todas
as demandas. Escravos também foram drenados das áreas urbanas, principalmente
da Corte, e de outras atividades, para os setores exportadores. As remoções de cati-
vos das roças de mantimentos geraram inflação nos preços dos alimentos.
As transferências se intensificaram partir dos anos 70. O Nordeste e a Corte
continuaram suprindo a grande lavoura, e o Sul também passou a enviar escravos
para o café. Lá também havia uma situação de recursos abertos, mas a crise no
principal segmento escravista da economia (as charqueadas) liberou os cativos para
exportação. O setor de pequena propriedade familiar, com presença significativa
nas três províncias da região, e a pecuária extensiva do Rio Grande, não dependiam
do trabalho escravo.598
O Nordeste não enfrentou nenhuma escassez de mão de obra com a suspensão
do tráfico, porque já vivia uma situação de recursos virtualmente fechados. Como
mencionado anteriormente, já havia nessa região uma massa de camponeses sem

596 Dean. Rio Claro, p. 48. Os negócios negreiros de Vergueiro foram reportados pelo presidente da
província ao Ministro da Justiça, em 23 de março de 1850. Sua intenção de traficar com europeus fica
explicitada no fato de ter criado uma empresa, a Vergueiro & Cia, para recrutar e vender trabalhadores
imigrantes aos cafeicultores.
597 Para lembrar a evolução dos setores cafeeiros das províncias, veja a tabela 3.2.
598 A pecuária gaúcha empregava escravos regularmente, mas não era dependente do trabalho cativo.
Veja Leitman. Slave Cowboys.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


313
terra, que já representava uma fonte de mão de obra voluntária, elástica e barata,
com remuneração no nível de subsistência ou muito próxima a ele. A transição foi
acelerada pela grande seca que assolou a região no final da década, e pelo esgota-
mento do surto algodoeiro que havia sido propiciado pela guerra civil americana.
A normalização do mercado mundial de algodão deslocou a produção nordestina,
desempregando trabalhadores livres e liberando escravos que haviam sido tempo-
rariamente alocados para essa cultura, e ampliou ainda mais a oferta de trabalho
miserável nas regiões açucareiras. Em vez de um problema, a abolição das impor-
tações da África representou para os senhores nordestinos, uma oportunidade: a
chance de se livrarem de um estoque de cativos que já não eram necessários, sem
nenhum custo, nem mesmo qualquer perda de capital. Foi como se tivessem rece-
bido indenizações pelo valor de mercado de seus escravos, já que, até 1881, pude-
ram vendê-los para o Sudeste, a preços crescentes.599
Na segunda metade dos anos 1880, quando o regime entrou na sua crise final,
continuava prevalecendo no Sudeste a situação de recursos abertos, mantendo a
questão da “falta de braços” na ordem do dia. Quando veio a abolição, os cafeicul-
tores do vale do Paraíba, com suas terras cansadas, seus cafezais velhos e pouco
produtivos, não puderam fazer nada, a não ser assistir impotentes a dispersão de
sua força de trabalho e o retalhamento de suas propriedades. A cafeicultura flumi-
nense não desapareceu, mas a maioria das fazendas foi loteada, mudou de donos
e de atividade econômica, passando a se dedicar à pecuária de leite e à agricultura
de abastecimento, muito menos exigentes em termos de mão de obra. Os ex-es-
cravos migraram para as áreas urbanas, para ocupações eventuais e o subemprego,
principalmente na Corte, que logo em seguida transformou-se na capital da repú-
blica. Parte deles permaneceu na área rural, onde adquiriu pequenas propriedades,
por posse ou compra das fazendas loteadas, nas quais praticavam uma agricul-
tura de subsistência, complementada por eventuais trabalhos assalariados. Muitos
dos escravos que continuaram na cafeicultura passaram a trabalhar como meeiros,
em sítios menores, como aconteceu nas plantations sulistas de algodão depois da
guerra civil.
A região do Oeste Paulista era a zona exportadora mais dinâmica do país, e a
que mais demandava mão de obra para trabalhar “com constância e combinação”,
no mar de cafeeiros que crescia sem cessar. Os recursos permaneciam “abertos” –
era uma autêntica fronteira, com terras mais abundantes e posses mais fáceis que

599 Veja a bibliografia sobre a transição no Nordeste na nota 258, acima.

314 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
em outras partes do Sudeste. A solução encontrada pelos cafeicultores do Oeste
Paulista foi importar sucessivas levas de imigrantes, inundando a região de traba-
lhadores. A partir de 1887, entraram em São Paulo, todos os anos, muitas dezenas
de milhares de imigrantes, especificamente destinados às plantações de café do
Oeste.600
Os contratos não eram mais baseados em “parceria”: agora o colono recebia
quantias fixas, pré-acordadas, proporcionais à participação da família no trato do
cafezal e na colheita, além de outros serviços eventuais. Esse sistema de remune-
ração, totalmente independente da produção e da venda do café, eliminava vários
dos problemas que haviam azedado a relação colono-fazendeiro no sistema de
parceria.601 O maior problema do antigo arranjo, a amortização do custo da via-
gem da família, que gerava a servidão por dívida, foi resolvido pela socialização
desse custo. Agora a imigração era “subsidiada”, ou melhor, custeada com recursos
públicos e, portanto, não gerava nenhum devedor ou credor privado. Os recursos
continuavam abertos, e os imigrantes tinham acesso às terras, que continuavam
abundantes e baratas. As estatísticas mostram que poucos anos depois de iniciado
o fluxo, um número considerável de imigrantes tinha adquirido propriedade, não
só de fazendas familiares, mas também de pequenas e médias fazendas de café. A
fronteira urbana também permanecia aberta, e oferecia grandes oportunidades no
comércio, na indústria e nas profissões, com o espetacular crescimento da cidade
de São Paulo.602
Os vazamentos e a rotatividade eram grandes, mas não faltaram “braços” para
o café, mesmo considerando que o setor se multiplicou por quase dez, entre 1886
e 1932. Entre 1893 e 1929, a quantidade de estrangeiros adultos que deixou a
Hospedaria dos Imigrantes em direção aos cafezais do Oeste foi, em todos os perí-
odos, muitas vezes superior às necessidades do setor. Entre 1901 e 1910, o número
de imigrantes foi 9,5 vezes maior que o número de novos trabalhadores necessá-
rios. Mesmo no período de vertiginoso crescimento, de 1921 a 1929, os imigrantes
disponíveis foram mais que o dobro dos trabalhadores requeridos. Os paulistas
derrotaram Wakefield pela força dos números.603

600 Thomas H. Holloway. Immigrants on the Land. Coffee and Society in São Paulo, 1886-1934. Chapel Hill:
The University of North Carolina Press, 1980, apêndices 4 e 5, pp. 179-81.
601 Uma descrição detalhada e uma boa discussão dos contratos dos colonos que prevaleceram a partir
dos anos 1880 encontra-se em Holloway. Immigrants, pp. 74-82.
602 Holloway. Immigrants. Capítulo 6 – Immigrants as Landowners, pp. 68 e 138-66.
603 Holloway. Immigrants, pp. 67-69.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


315
Como vimos nos capítulos anteriores, não se deve confundir Minas Gerais com
a região cafeeira do Sudeste. Apesar de incluir um setor cafeeiro importante em seu
território, na maior parte da província, onde vivia a imensa maioria de seus escra-
vos até o momento da abolição, a economia se baseava principalmente na agricul-
tura diversificada, na pecuária, na mineração, e na transformação dos produtos
desses três segmentos. A plantation monocultora era muito incomum no cenário
mineiro, e a província era um caso raro de uma economia escravista de grande
porte predominantemente não-exportadora.
Embora abrigasse a maior população livre do império, tanto o setor exportador
quanto o restante da economia mineira permaneceram dependentes da escravidão,
por causa da existência de uma vasta fronteira agrícola aberta, à qual se somava,
em algumas regiões, uma fronteira mineral, com possibilidade de subsistência na
faiscagem.
O impacto da abolição sobre Minas Gerais foi diferente daquele verificado no
Rio de Janeiro e em São Paulo, porque em Minas menos de 20% dos escravos esta-
vam empregados no café. Assim, quando os libertos abandonaram a zona rural,
foi em grande parte sobre a agricultura de abastecimento que se abateu o estrago.
Colheitas foram perdidas, e nesse período, pela primeira vez em quase duzentos
anos, a província/estado precisou importar alguns alimentos básicos.
O setor cafeeiro de Minas, como o de São Paulo, tinha uma zona “antiga”, a Mata
(embora muito mais recente que as seções fluminense e paulista do ‘vale’) e uma
zona “nova”, com cafezais jovens e terras virgens. Na área mais antiga o ajuste foi
semelhante ao do vale fluminense: cafezais viraram pastagens, houve parcelamento
de fazendas, conversão para a pecuária de leite e para a agricultura não-plantation.
Nas zonas cafeeiras novas, no leste e no sul do estado, depois de uma breve retra-
ção, a produção voltou a crescer aceleradamente por volta de 1895. Dez anos depois
da abolição, as exportações de café mineiro eram 60% maiores que no final da
escravidão, crescendo também, é claro, a demanda por trabalho. Embora com uma
escala muito mais modesta que a paulista, o governo de Minas também implantou
um programa de imigração subsidiada, que atendeu principalmente o setor cafe-
eiro. Mas em Minas, diferentemente do que ocorreu em São Paulo, a imigração não
excluiu os ex-escravos do trabalho no café.
A maioria dos libertos abandonou, num primeiro momento, as propriedades
onde viviam, dirigindo-se para as vilas e cidades da província, mas essa migração
não foi total nem muito duradoura. Muitos retornaram para o mundo rural, onde
tinham parentes, redes de relacionamento, e ocupação. Vários adquiriram lotes

316 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
de terra, por posse, compra ou doação, e se instalaram na produção para auto-
consumo, ou em um mix de subsistência e trabalho remunerado eventual. Outros
voltaram ao trabalho agrícola como jornaleiros, diaristas, tarefeiros, empreitei-
ros, meeiros, e outros arranjos que permitissem maior controle sobre a decisão
renda/lazer (pessoal e da família), e se distanciassem o mais possível do trabalho
em gangs no eito.

TERRA LIVRE, CAMPONESES LIVRES E ESCRAVOS


Já bem entrado o século XX, o presidente Arthur Bernardes descreveu Minas
Gerais como um estado “onde faltam braços e sobram terras.”604 No passado, no
tempo da capitania e da província, isso era ainda mais verdadeiro – faltavam mais
braços e sobravam mais terras. Durante todo o século XIX havia uma enorme
quantidade de terras livres. Uma vasta parte do território provincial ainda era um
grande vazio. Minas tinha de longe a maior população livre do Império, mas mesmo
nas áreas povoadas, no final do oitocentos podia-se viajar por muitas léguas sem
encontrar vivalma ou uma única casa.605 Grandes extensões de terra não tinham
proprietários privados; e mesmo nas áreas já apropriadas, a apropriação era muitas
vezes mais nominal do que efetiva, porque os direitos de propriedade frequente-
mente não podiam ser garantidos.
Devido à sua abundância, a terra era extremamente barata mesmo nas regiões
povoadas. No início do século, Saint-Hilaire calculou que boas terras no vale do
rio São Francisco custavam cerca de 1/300 do preço da mesma área das piores ter-
ras na região de Sologne, na França, que era “famosa por sua infertilidade.”606 Na
década de 1870, James Wells informou que no norte da província, “a terra pode ser
obtida aqui, em praticamente qualquer quantidade e qualidade – mata, campo ou
cerrado – por uma verdadeira bagatela.”607 Além da fronteira era ainda mais barata:
era gratuita.
Outro observador anotou, ainda a respeito do norte de Minas, em 1879: “De
fato a terra tem um valor muito pequeno aqui. Os proprietários a dão de graça
aos camponeses pobres, para fazer suas roças, e eles ainda podem obter quanta

604 Mensagem dirigida pelo Presidente do Estado, Dr. Arthur Bernardes da Silva, ao Congresso Mineiro, na
segunda sessão ordinária da oitava legislatura, no ano de 1920, p. 14.
605 Ricketts. Report, p. 2.
606 Saint-Hilaire. Viagens às Províncias, vol. 2, pp. 331-32.
607 Wells. Exploring and Travelling, vol. 2, p. 5.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


317
quizerem, desmatando as florestas.”608 Tudo que um camponês tinha que fazer era
mover-se para uma área vazia, construir seu casebre e plantar sua roça.609
Era praticamente impossível evitar invasões, mesmo em terras nominalmente
apropriadas. Os posseiros poderiam ser expulsos de suas roças, mas “quem vai
impedir esses habitantes da floresta de seguir umas poucas léguas adiante, desa-
parecer na mata, fazer suas queimadas debaixo da neblina, quando a polícia não
pode ver a fumaça, e lá ficar plantando por dois anos, satisfeitos com sua ração de
mandioca?”610
Em 1845 estimava-se que 45% do território provincial era ocupado por pos-
ses. A fronteira aberta incluía não somente vastas áreas dentro de Minas Gerais,
611

mas também nas províncias vizinhas. Em 1870, o presidente reclamava que um


dos maiores problemas da agricultura mineira era a “emigração da nossa popula-
ção laboriosa, para os sertões da própria província, e para os da de Goiás e Mato
Grosso”, e sugeria que “para encher o vazio que todos os dias vai deixando o desa-
parecimento dos braços escravos,” a solução seria que, “sem desdenhar a imigração
estrangeira, procuremos pôr um paradeiro à emigração de nossa população para os
sertões”.612 Ao longo de todo o século migrações semelhantes aconteceram também
em direção a São Paulo e ao Espírito Santo.
Foi a essa abundância de terras livres que o camponês mineiro deveu sua inde-
pendência e a escravidão sua permanência. Na ausência de alguma forma de coer-
ção, toda a economia teria se reduzido (como seu setor livre de fato se reduziu)
a uma constelação de unidades familiares independentes. Ninguém, fazendeiro,
plantador, industrial ou minerador, teria um criado “para lhe fazer a cama ou lhe
trazer água do rio,” e muito menos para labutar no campo, de sol a sol, todos os
dias.
“Por que se sujeitaria um indivíduo livre a trabalhar o ano inteiro, para um
estranho se vive em um país (...) onde qualquer terra pode ser lavrada e ninguém

608 Sampaio. O Rio São Francisco, p. 132.


609 Um bom resumo das políticas e dos sistemas fundiários no Brasil está em Warren Dean. Latifundia
and land policy. O trabalho focaliza principalmente o século XIX, mas também oferece um resumo das
políticas de terras durante o período colonial. O autor enfatiza a dificuldade de se garantir direitos
de propriedade sobre a terra. Veja também: Ruy Cirne Lima. Pequena História Territorial do Brasil:
sesmarias e terras devolutas. Porto Alegre, Livraria Sulista, 1954; e Alberto Passos Guimarães. Quatro
Séculos de Latifúndio. São Paulo, Paz e Terra,1963.
610 Deputado Manuel Antonio Galvão, em 1843, citado por Dean. Latifundia and land policy, p. 612.
611 Presidente Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos, citado por Iglésias. Política Econômica, pp. 66-77.
612 Relatório...Vice-pres. Ferreira Bretas, 1870, p. 10.

318 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
precisa trabalhar mais do que quatro semanas para obter o que comer, sem neces-
sidade de perder a liberdade? ”613
A indagação feita por Eschwege nos anos 1820 continuou valendo até o final do
século. Nos anos 1870 e 1880, cada camponês livre ainda possuía, o que impressio-
nou um observador como sendo “verdadeiros três acres e uma vaca”: “todo mundo,
não importa quão pobre seja, tem uma pequena roça de milho em algum lugar.”
Isso era verdade mesmo para os moradores das vilas, onde “praticamente todas as
famílias tem sua roça na vizinhança, um porco e galinhas no quintal.”614
Em 1879, outro comentarista observou, no vale do São Francisco, que se um
fazendeiro endividado tivesse que vender seus escravos, não conseguiria substi-
tuí-los por trabalhadores livres. “Nesses sertões o pobre nunca é tão pobre que
precise trabalhar por salários. A terra aqui é vasta demais para fazer alguém sentir
a pressão da necessidade. A natureza pródiga impede a verdadeira pobreza, aquela
que compele ao trabalho e mantém a disciplina pela necessidade de sobreviver.”615
Seria absurdo fantasiar visões de um paraíso agrário, com belos chalés e crian-
ças coradas. Tal imagem seria inteiramente falsa: o camponês livre era muito pobre.
Vivia atormentado por doenças, e não tinha acesso à educação, à justiça, à cidada-
nia e a outros direitos elementares. É importante, entretanto, que não se deixe isso
obscurecer, como frequentemente acontece, o fato de que em Minas o camponês
livre não era um proletário durante o século XIX. Por mais pobre que fosse, tinha
acesso a meios de subsistência independente e detinha, assim, o controle de uma
decisão econômica fundamental: a de vender ou não vender seu tempo, ou seu
trabalho. A escolha entre trabalho e lazer, ou a decisão de quando, como e onde
trabalhar.
Nessa realidade – terra livre e um campesinato independente – repousa a
explicação para a sobrevivência e a expansão da escravidão em Minas, porque ela
implica que o escravo continuava a ser a única alternativa para todos aqueles que
não se dispunham a ganhar a vida com o suor de seu próprio rosto.

613 Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, p. 449.


614 Wells. Exploring and Travelling, vol. 1, pp. 104, 168, 390. Three acres and a cow era o slogan dos
land reformers – defensores da reforma agrária e distribuição de pequenas propriedades agrícolas –
na Inglaterra no final do século XIX. Descrições semelhantes da economia camponesa, enfatizando a
autossuficiência e a independência das famílias, podem ser encontradas em vários outros lugares do
livro de Wells, e em virtualmente cada um dos relatos de viagem citados.
615 Sampaio. O Rio São Francisco, p. 105.

PARTE I - CAPÍTULO 6 - CONCLUSÃO: TERRA, CAMPONESES E ESCRAVOS


319
Apêndice A

A POPULAÇÃO DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX

Tabela A.1 - População de Minas Gerais no século XIX


Ano Livres Escravos Total

1805 218.223 188.781 407.004


1808 284.277 148.772 433.049
1814 150.489
1819 463.342 168.543 631.885
1820 456.675 165.210 621.885
1821 (1) 343.333 171.204 514.537
1821 (2) 332.226 181.821 514.047
1823 376.375 187.296 563.671
1873 1.720.796 381.893 2.102.689
1880 324.538
1884 298.931
1886 286.491
1887 191.952
Fontes e notas: veja abaixo.

Fontes e notas da Tabela A.1: População de Minas Gerais no século XIX


1805: População da Província de Minas Gerais. Revista do Arquivo Público Mineiro.
Ano IV (1899), pp. 294-296. Esta fonte oferece a população total da capitania, desa-
gregada por condição, sexo e cor (brancos, pardos e pretos).

1808: População da Província de Minas Gerais. Revista do Arquivo Público Mineiro.


Ano IV (1899), pp. 294-296. Esta fonte oferece a população total da capitania, desa-
gregada por condição, sexo e cor (brancos, pardos e pretos). O mesmo número é
dado por Eschwege. Journal von Brasilien, vol. 1, p. 209, citado por Spix e Martius.
Viagem, vol. 1, p. 322.

1814: Herbert Klein. Nineteenth-Century Brazil. In: Cohen and Greene. Neither
Slave nor Free, pp. 314-316. Não tive acesso à fonte usada por Klein.

321
1819: Joaquim Norberto de Souza e Silva. Investigações sobre os recenseamentos da
população geral do Império e de cada província de per si tentados desde os tempos
coloniais até hoje. Memória anexa ao Relatório do Ministério do Império de 1870,
Paulino José Soares de Souza, pp. 162-163. Esses números resultam da memória
intitulada A Igreja no Brasil, de autoria do Conselheiro Antonio Rodrigues Velloso
de Oliveira, apresentada em 28 de junho de 1819. Revista Trimensal do Instituto
Histórico, tomo XXIX, vol. 32. O trabalho original de Velloso de Oliveira, que apre-
sentava os habitantes distribuídos segundo as divisões eclesiásticas, foi reorgani-
zado por Joaquim Norberto para corresponder à divisão em províncias.

1820: Estimativa de Felisberto Caldeira Brant Pontes, citado por Spix e Martius.
Viagem, vol. 1, p. 322.

1821 (1): População da Província de Minas Gerais. Revista do Arquivo Público


Mineiro. Ano IV (1899), pp. 294-296. Esta fonte oferece a população total da pro-
víncia, desagregada por condição, sexo e cor (brancos, pardos e pretos).

1821 (2): Notícias e Reflexões Estadísticas da Província de Minas Geraes, por


Guilherme, Barão d’ Eschwege. Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano IV (1899),
p. 744.

1823: População da Província de Minas Gerais. Revista do Arquivo Público Mineiro.


Ano IV (1899), pp. 294-296. A fonte dá 140.365 escravos mais 144.686 habitantes
para as comarcas de Sabará e Serro, cuja condição não é especificada. Assumindo
que a porcentagem de escravos nessas duas comarcas era a mesma que em 1821
(32,43%, dada por Eschwege. Notícias e Reflexões, p. 744) estimamos o número
total de livres e de escravos.

1872: Números corrigidos do Recenseamento do Império de 1872. Em Minas


Gerais o censo de 1872 somente foi realizado em 1º de agosto de 1873, de acordo
com o Relatório...vice-pres. Costa Belém, 1874, p. 67. Foram recenseadas apenas
356 das 370 paróquias da província, e chegou-se ao total de 370.459 escravos.
Esse número foi mais tarde corrigido oficialmente, pela própria Diretoria Geral
de Estatística, para incluir as 14 paróquias que haviam sido omitidas, elevando
o número de livres a 1.720.796 e o de escravos a 381. 893. Os dados corrigidos
estão em Oliveira Viana. Resumo Histórico dos Inquéritos Censitários realizados
no Brasil. In: Recenseamento de 1920, vol. I, pp. 414, 452; e Maria Luiza Marcilio.
Evolução da População Brasileira através dos Censos até 1872. Anais de História de
Assis 6 (1974), p. 127. É possível demonstrar que a correção da população escrava é

322 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
insuficiente (veja as fontes e notas do apêndice B). Apesar de suas flagrantes defici-
ências, Giorgio Mortara considera o censo de 1872 muito confiável. Para a opinião
de Mortara, ver seu Demographic Studies in Brazil. In: Philip M. Hauser and Otis
D. Duncan (eds.). The Study of Population. Chicago: The University of Chicago
Press, 1959, pp. 235-36.

Em 1873 houve também uma matrícula geral da população escrava determinada


pela Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871. Os resultados foram publica-
dos em Directoria Geral de Estatística. Relatório e Trabalhos Estatísticos apresenta-
dos ao Ilmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Dr. João Alfredo Correa de Oliveira, Ministro
e Secretário de Estado dos Negócios do Império pelo Diretor Geral Interino Dr. José
Maria do Couto, em 30 de abril de 1875. Rio de Janeiro: Typ. de Pinto, Brandão
e Comp. 1875. Essa fonte é totalmente imprestável para Minas Gerais por várias
razões. Inclui somente 51 municípios mineiros e, diferentemente das outras provín-
cias, não fornece as desagregações por idade, ocupação, etc., da população escrava.
Mesmo para aqueles municípios incluídos, os dados são incompletos em vários
casos (notadamente Santa Rita do Turvo, Lavras, Araxá, Sacramento, Januária e
Patrocínio). Os números de matrícula em Minas foram atualizados em relatórios
posteriores, mas os dados completos nunca foram publicados. Veja o capítulo 4 e a
nota 304 do mesmo capítulo.

1880: Falla...pres. Sant’Anna, 1880, pp. 25-26.

1884: Falla...pres. Gonçalves Chaves, 1884, pp. 63-64.

1886: Relatório...vice-pres. Souza Magalhães, 1887, pp. 32-34.

1887: Esse é o total da Matrícula dos escravos do Império, determinada pela Lei de
28 de setembro de 1885. O prazo para essa matrícula foi prorrogado até 30 de março
de 1887, e os resultados foram publicados no Relatório apresentado à Assembléia
Geral da Terceira Sessão da Vigésima Legislatura, pelo Ministro e Secretário de Estado
dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Rodrigo Augusto da Silva.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1888. p. 24.

PARTE I - APÊNDICE A
323
Apêndice B

ESTIMATIVAS DO TRÁFICO DE ESCRAVOS: METODOLOGIA E


RESULTADOS POR MUNICÍPIO

Se uma população cresce à taxa natural (por ano) por um período de anos,
a população inicial e a população final são relacionadas pela equação
, se o aumento natural (a diferença entre nascimentos e mortes)
for o único componente do crescimento. O crescimento de uma população é tam-
bém afetado por outros eventos além da reprodução natural, que denominaremos
choques externos. Um deles seria a migração. O impacto de um choque externo é
incorporado à estimativa através da modificação da fórmula básica exponencial de
crescimento da maneira descrita abaixo.

Suponhamos que, ao final do ano a população receba imigrantes, e que esse seja
o único choque no período. A população no final do ano será dada por:

e no final do ano será

Substituindo o valor de na última expressão teremos:

(Assume-se que os migrantes têm a mesma taxa de crescimento natural que o resto
da população, e que a migração não afeta as taxas de nenhum dos grupos).

Generalizando, se ocorrerem vários choques, as populações inicial e final serão


relacionadas pela fórmula:

325
(a)

onde (que pode ser positivo ou negativo) designa o número de indivíduos envol-
vidos no choque , e indica a época na qual ocorreu o choque.

A equação (a) é a fórmula básica usada nas estimativas do tráfico de escravos. Em


cada estimativa específica, como mostrado abaixo, ela foi adaptada de acordo com
os dados disponíveis ou com alguma hipótese específica, etc.

No caso de populações escravas os choques externos relevantes são a manumis-


são (que é um vazamento da população) e a migração (que pode ter um impacto
líquido positivo ou negativo). As migrações de escravos foram sempre involutá-
rias e podiam resultar tanto de migrações dos seus donos, como de transferências
através do tráfico. Não tentaremos distinguir entre as duas formas nas estimativas.
Uma vez que as últimas foram, sem dúvida, o mais importante dos dois componen-
tes das migrações de escravos, usaremos o termo tráfico de escravos para designar
todas as migrações de cativos.

A fuga também era uma maneira de um indivíduo se subtrair da população escrava.


Há, entretanto, boas razões para excluir as fugas de nossos cálculos. Durante todo
o período no qual o tráfico foi analisado, as fugas eram um vazamento pouco
importante. Além do mais, há evidências que os escravos fugidos eram comprados,
vendidos, e incluídos nos registros e estatísticas da população escrava.

No único diário de uma fazenda de café publicado no Brasil (do meu conhecimento)
verificamos que o escravo Eleutério foi registrado na Matrícula de 1873, apesar de
estar fugido desde 1865. Carlota Pereira de Queiroz. Um fazendeiro paulista do
século XIX (Manoel Elpídio Pereira de Queiroz). São Paulo: Conselho Estadual de
Cultura, 1965, p. 138. Marina Silva reproduz um contrato de venda de um escravo
fugido, em Minas, em 1875. Sena. Compra e Venda, contrato de venda no 7.

1) Estimativas das importações líquidas de escravos pela província nos períodos 1808-
1819 e 1819-1873 (Tabela 4.3.1 e 4.3.2)

Como não há dados disponíveis sobre as manumissões, definimos r como sendo


a taxa de crescimento interno, isto é, a taxa que reflete os efeitos do crescimento
natural e da manumissão. Considerando o total de importações líquidas durante

326 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
cada um dos períodos em questão, assumindo que todo o tráfico aconteceu no
ponto médio de cada período e usando a fórmula (a), obtemos:

com dado exogenamente, a equação acima pode ser resolvida para , resultando
em:

onde e são as importações líquidas estimadas do período.

Uma estimativa alternativa (veja a nota 245, do capítulo 4) foi computada com
a hipótese de que as importações de cada ano foram iguais à média do período
inteiro, isto é, para todos os valores de . Usando a
equação (a) teremos:

O somatório acima é a soma dos termos de uma progressão geométrica com o


primeiro termo igual a , o último igual a , e a razão igual a .
Portanto a equação se reduz a:

Fazendo de novo e resolvendo para , teremos:

2) Estimativas da taxa de crescimento interno para todo o Brasil, 1819-1873.

Sejam: a população escrava no final do período, a população escrava no início


do período, a duração do período em anos, e a taxa de crescimento interno. Se
supusermos que todo o tráfico ocorreu no ano , a taxa de crescimento interno é
dada pela solução para de:

PARTE I - APÊNDICE B
327
onde é o saldo líquido total do tráfico. Se o saldo líquido no ano é , então r é
dado pela solução de:

Se para e para , a equação se torna:

3) Estimativas das importações líquidas de escravos por 27 municípios mineiros,


1854-1873 (tabela 4.5):

O procedimento descrito em (1) acima foi aplicado a cada município, usando uma
taxa de crescimento interno de –10 por mil por ano.

4) Estimativas das importações líquidas de escravos pelos municípios, 1873-1880


(tabela 4.11) e tabela B.1

Para cada município usamos a fórmula:

, que resulta da equação (a).

M denota o número de manumissões nos municípios durante o período, e os


outros símbolos têm o mesmo significado que têm acima, mas aqui eles se referem
ao município, e é a taxa de mortalidade. A hipótese é que todo o tráfico e todas
as manumissões aconteceram no ponto médio do período. Com dado exogena-
mente, as equações foram resolvidas para , resultando na estimativa das importa-
ções líquidas de escravos por cada município:

, onde

Os resultados para as regiões e para a província como um todo (tabela 4.11) foram
obtidos agregando-se as estimativas dos municípios. O censo de 1873 não foi rea-
lizado em 14 das 370 paróquias de Minas. Em consequência disso os dados são

328 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
incompletos para os 11 municípios que continham essas paróquias. Para cinco deles
(Juiz de Fora, Caldas, Passos, Santo Antonio do Arassuaí e São João Batista) usa-
mos os dados da matrícula de 1873. Esses dados não são disponíveis para os outros
seis municípios (Conceição, São Paulo do Muriaé, São Sebastião do Paraíso, São
José del Rei e Diamantina). Nesses casos assumimos que as paróquias não cobertas
pelo censo tinham populações escravas iguais à média das incluídas.

Em dez municípios, os dados para 1880 ou não são disponíveis ou são clara-
mente errados. Nesses casos usamos interpolações lineares entre os números do
censo de 1873 e os dados para 1882 (São José do Paraíso, Bonsucesso, Bagagem,
Prata), entre 1873 e 1883 (Santa Rita do Turvo) e entre 1873 e 1884 (Itajubá, Ouro
Fino, Cabo Verde, Serro). As fontes dos dados para 1882, 1883 e 1884 são: Falla...
pres. Theophilo Otoni, 1882; Falla...pres. Gonçalves Chaves, 1883; e Falla... pres.
Gonçalves Chaves, 1884.

5) Estimativas das importações líquidas de escravos pelos municípios, 1880-84 e


1884-86 (tabelas 4.16 e 4.19) e tabelas B.2 e B.3.

O procedimento descrito em (1) acima foi aplicado a cada município. A taxa de


crescimento interno usada foi a taxa computada para a província inteira, em cada
um dos períodos. (Veja nota 316, capítulo 4). As estimativas para as regiões minei-
ras e para a província como um todo foram obtidas agregando-se as estimativas do
município.

6) Cômputo dos valores críticos das taxas de crescimento interno dos municípios:

Para 1854-73, 1880-84 e 1884-86, veja nota 274, capítulo 4. Para 1873-80 os valores
de foram obtidos fazendo-se na equação

e resolvendo para .

PARTE I - APÊNDICE B
329
Tabela B.1 - Minas Gerais: População escrava e importações líquidas estimadas,
por municípios, 1873-1880
Escravos Escravos Importação 2 r*
Regiões e Municípios 1
1873 1880 1873 - 1880 valor critico de r
Metalúrgica-Mantiqueira 95.401 63.160 -17.499

Barbacena 10.348 8.987 419 -16,9


Bonfim 5.824 4.181 -715 -43,0
Caeté 2.798 2.250 -82 -27,6
Conceição* 4.670 4.101 238 -15,4
Itabira 7.464 5.567 -691 -37,8
Mariana 8.422 5.426 -1.708 -57,6
Ouro Preto 5.632 2.756 -2.088 -93,3
Queluz 13.992 7.466 -4.516 -82,2
Sabará 8.882 3.835 -3.848 -109,2
Santa Bárbara 7.610 3.761 -2.782 -92,1
Santa Luzia 5.953 2.249 -2.927 -125,7
São João del Rei 8.092 6.697 -31 -23,6
São José del Rei 1 3.419 3.584 806 9,6
Sete Lagoas 2.295 2.300 426 3,2

Mata 100.776 100.248 17.888

Juiz de Fora 1 19.351 20.713 5.022 12,6


Leopoldina 15.253 16.863 4.541 17,2
Ubá 7.149 5.838 -112 -25,4
São Paulo do Muriaé 1 7.632 7.762 1.539 5,3
Mar de Espanha 12.658 14.383 4.190 21,2
Ponte Nova 7.604 7.251 1.010 -3,8
Piranga 4.195 4.785 1.408 21,7
Pomba 7.028 6.628 853 -5,4
Rio Novo 6.957 6.708 1.005 -2,3
Rio Preto 6.313 5.207 -44 -24,1
Santa Rita do Turvo 6.636 4.110 -1.524 -62,7

Sul 81.511 71.682 4.266

Aiuruoca 3.564 3.658 755 6,6


Alfenas 4.170 5.150 1.827 33,3
Baependi 9.130 6.306 -1.391 -48,2
Cristina 4.546 5.599 1.974 32,9
Cabo Verde 1.510 2.289 1.121 63,7
Caldas 1 2.799 2.912 635 8,5
Campanha 6.750 5.333 -301 -29,9
Pouso Alegre 4.075 5.633 2.436 49,9
Dores de Boa Esperança 4.763 2.564 -1.513 -81,1
Continua

330 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela B.1 - Minas Gerais: População escrava e importações líquidas estimadas,
por municípios, 1873-1880 (continuação)
Escravos Escravos Importação 2 r*
Regiões e Municípios 1
1873 1880 1873 - 1880 valor critico de r
Itajubá 4.496 4.206 508 -6,5
Jaguari 1.070 1.309 456 32,0
Lavras 8.379 6.695 -292 -28,4
Ouro Fino 3.574 2.101 -943 -69,6
Passos 1 4.064 5.801 2.629 54,7
São José do Paraíso 4.164 2.621 -911 -60,6
São Sebastião do Paraíso 1 4.809 3.814 -198 -29,4
Três Pontas 5.997 3.264 -1.866 -79,6
Turvo 3.651 2.427 -660 -53,4
Oeste 33.711 29.806 1.939
Bonsucesso 2.324 2.613 739 19,7
Formiga 3.625 3.705 751 6,0
Marmelada 2.666 1.766 -488 -53,8
Oliveira 7.889 6.402 -168 -26,3
Pitangui 6.590 7.724 2.437 25,7
Pium-i 4.011 2.345 -1.072 -70,3
Santo Antonio do Monte 1.842 1.358 -188 -39,4
Tamanduá 4.764 3.893 -72 -25,3
Alto Paranaíba 18.493 11.616 -4.073

Araxá 4.376 3.372 -288 -67,3


Bagagem 2.963 2.960 540 2,8
Patrocínio 7.177 2.457 -3.806 -137,8
SS. Sacramento 2.582 1.651 -537 -58,5
Santo Antonio dos Patos 1.395 1.176 18 -21,0

São Francisco-Montes Claros 7.983 8.325 1.833

Curvelo 1 1.905 3.713 2.310 102,3


Januaria 1.115 1.147 239 6,8
Montes Claros + Guaicuí 4.530 3.057 -768 -51,3
São Romão 433 408 52 -5,4

Jequitinhonha-Mucuri-Doce 34.160 28.551 171

Diamantina* 4.072 7.510 4.476 93,7


Grão Mogol 3.701 2.064 -1.099 -76,5
Minas Novas 4.312 3.368 -234 -31,5
Rio Pardo 6.722 3.667 -2.083 -79,4
Santo Antonio do Araçuaí 1 3.148 2.990 405 -4,4
São João Batista 1 2.782 2.680 398 -2,4
Serro 9.423 6.272 -1.692 -53,2
Continua

PARTE I - APÊNDICE B
331
Tabela B.1 - Minas Gerais: População escrava e importações líquidas estimadas,
por municípios, 1873-1880 (final)
Escravos Escravos Importação 2 r*
Regiões e Municípios 1
1873 1880 1873 - 1880 valor critico de r

Paracatu 2.639 1.714 -520

Paracatu 2.639 1.714 -520 -56,4

Triângulo 7.966 9.436 3.054

Monte Alegre 2.673 1.755 -506 -55,0


Prata 1.991 4.070 2.620 109,8
Uberaba 3.302 3.611 940 15,6

Minas Gerais 382.640 324.538 7.059


(1) Municípios incompletamente recenseados em 1873. As correções estão nas fontes e notas.do
Apêndice B.
(2) Saldos líquidos estimados com a taxa de crescimento interno r = -23 por mil por ano. Veja o
texto.
Fontes e notas: veja abaixo.

Tabela B.2 - Minas Gerais: População escrava e importações líquidas estimadas,


por municípios, 1880-1884
Escravos Escravos Importação 1 r*
Regiões e Municípios
1880 1884 1880 - 1884 valor critico de r
Metalúrgica-Mantiqueira 63.160 51.820 -6.622

Barbacena 8.987 8.372 98 -17,6


Bonfim 4.181 2.466 -1.443 -123,6
Caeté 2.250 1.260 -846 -134,9
Conceição 4.101 3.491 -297 -39,5
Itabira 5.567 5.111 -17 -21,1
Mariana 5.426 4.733 -276 -33,6
Ouro Preto 2.756 2.455 -87 -28,5
Queluz 7.466 6.519 -373 -33,3
Sabará 3.835 2.813 -750 -74,6
Santa Bárbara 3.761 3.069 -412 -49,6
Santa Luzia 2.249 2.399 341 16,3
São João del Rei 6.697 3.795 -2.473 -132,4
São José del Rei 3.584 2.861 -459 -54,8
Sete Lagoas 2.300 2.476 372 18,6
Continua

332 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela B.2 - Minas Gerais: População escrava e importações líquidas estimadas,
por municípios, 1880-1884 (continuação)
Escravos Escravos Importação 1 r*
Regiões e Municípios
1880 1884 1880 - 1884 valor critico de r

Mata 100.248 106.939 15.214

Juiz de Fora 20.713 21.582 2.609 10,3


Leopoldina + Ubá + Muriaé 30.463 32.396 4.518 15,5
Mar de Espanha 14.383 18.288 5.252 61,9
Ponte Nova 7.251 7.642 1.004 13,2
Piranga 4.785 4.787 395 0,1
Pomba 6.628 6.294 197 -12,8
Rio Novo 6.708 7.415 1.288 25,4
Rio Preto 5.207 5.530 765 15,2
Santa Rita do Turvo 4.110 3.005 -814 -75,3

Sul 71.682 63.982 -2.129

Aiuruoca 3.658 2.952 -435 -52,2


Alfenas 5.150 4.701 -44 -22,5
Baependi + Cristina 11.905 11.035 72 -18,8
Cabo Verde 2.289 2.734 652 45,4
Caldas 2.912 2.515 -174 -36,0
Campanha + Pouso Alegre 10.966 7.774 -2.424 -82,4
Dores de Boa Esperança 2.564 2.458 101 -10,5
Itajubá 4.206 4.040 173 -10,0
Jaguari 1.309 1.231 25 -15,2
Lavras 6.695 6.034 -138 -25,7
Ouro Fino 2.101 1.260 -703 -120,0
Passos 5.801 6.725 1.440 37,6
São José do Paraíso 2.621 1.804 -636 -89,2
São Sebastião do Paraíso 3.814 2.830 -712 -71,9
Três Pontas 3.264 2.727 -291 -43,9
Turvo 2.427 3.162 965 68,4

Oeste 29.806 24.440 -3.142

Bonsucesso 2.613 1.928 -498 -73,2


Formiga 3.705 2.830 -608 -65,1
Marmelada 1.766 1.728 106 -5,4
Oliveira 6.402 5.570 -342 -34,2
Pitangui 7.724 5.637 -1.539 -75,7
Pium-i 2.345 2.018 -148 -36,8
Santo Antonio do Monte 1.358 1.332 84 -4,8
Tamanduá 3.893 3.397 -197 -33,5
Continua

PARTE I - APÊNDICE B
333
Tabela B.2 - Minas Gerais: População escrava e importações líquidas estimadas,
por municípios, 1880-1884 (final)
Escravos Escravos Importação 1 r*
Regiões e Municípios
1880 1884 1880 - 1884 valor critico de r
Alto Paranaíba 11.616 10.443 -268

Araxá 3.372 3.001 -109 -28,7


Bagagem 2.960 2.475 -262 -43,8
Patrocínio 2.457 2.354 95 -10,6
SS. Sacramento 1.651 1.580 61 -10,9
Santo Antonio dos Patos 1.176 1.033 -53 -31,9

São Francisco-Montes Claros 8.325 7.574 -99

Curvelo 3.713 3.124 -308 -42,3


Januaria 1.147 868 -197 -67,3
Montes Claros + Guaicuí 3.057 3.193 393 10,9
São Romão 408 389 13 -11,8

Jequitinhonha-Mucuri-Doce 28.551 26.225 -76

Diamantina 7.510 6.849 -71 -22,8


Grão Mogol 2.064 2.387 506 37,0
Minas Novas 3.368 3.704 627 24,1
Rio Pardo 3.667 3.362 -16 -21,5
Santo Antonio do Araçuaí 2.990 2.843 93 -12,5
São João Batista 2.680 2.607 144 -6,9
Serro 6.272 4.473 -1.359 -81,0

Paracatu 1.714 1.587 9

Paracatu 1.714 1.587 9 -19,1

Triângulo 9.436 5.921 -2.887

Monte Alegre 1.755 1.262 -369 -79,1


Prata 4.070 1.548 -2.293 -214,7
Uberaba 3.611 3.111 -225 -36,6

Minas Gerais 324.538 298.931 0

(1) Saldos líquidos estimados com a taxa de crescimento interno r = -20,34 por mil por ano. Veja
o texto.
Fontes e notas: veja abaixo.

334 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela B.3 - Minas Gerais: População escrava e importações líquidas estimadas,
por municípios, 1884-1886
Escravos Escravos Importação 1 r*
Regiões e Municípios
1884 1886 1884 - 1886 valor critico de r

Metalúrgica-Mantiqueira 51.820 49.436 -232

Barbacena 8.372 8.195 175 -10,6


Bonfim 2.466 2.792 438 64,4
Caeté 1.260 1.094 -115 -68,2
Conceição 3.491 3.370 24 -17,5
Itabira 5.111 4.901 3 -20,7
Mariana 4.733 4.565 29 -17,9
Ouro Preto 2.455 1.986 -375 -100,6
Queluz 6.519 6.276 29 -18,8
Sabará 2.813 2.871 179 10,2
Santa Bárbara 3.069 2.986 46 -13,6
Santa Luzia 2.399 2.305 6 -19,8
São João del Rei 3.795 3.715 79 -10,6
São José del Rei 2.861 2.035 -722 -156,6
Sete Lagoas 2.476 2.345 -28 -26,8

Mata 106.939 104.360 1.912

Juiz de Fora 21.582 20.905 226 -15,8


Leopoldina + Ubá + Muriaé 32.396 28.877 -2.217 -55,9
Mar de Espanha 18.288 19.806 2.328 40,7
Ponte Nova 7.642 7.849 536 13,4
Piranga 4.787 4.655 69 -13,9
Pomba 6.294 6.029 -3 -21,3
Rio Novo 7.415 7.787 695 24,8
Rio Preto 5.530 5.410 113 -10,9
Santa Rita do Turvo 3.005 3.042 165 6,1

Sul 63.982 61.270 -50

Aiuruoca 2.952 2.763 -68 -32,5


Alfenas 4.701 4.272 -239 -46,7
Baependi + Cristina 11.035 10.587 12 -20,5
Cabo Verde 2.734 3.249 642 90,1
Caldas 2.515 2.477 69 -7,6
Campanha + Pouso Alegre 7.774 8.214 780 27,9
Dores de Boa Esperança 2.458 2.478 125 4,1
Itajubá 4.040 4.038 169 -0,2
Jaguari 1.231 1.054 -128 -74,7
Lavras 6.034 5.304 -489 -62,4
Ouro Fino 1.260 1.262 56 0,8
Continua

PARTE I - APÊNDICE B
335
Tabela B.3 - Minas Gerais: População escrava e importações líquidas estimadas,
por municípios, 1884-1886 (continuação)
Escravos Escravos Importação 1 r*
Regiões e Municípios
1884 1886 1884 - 1886 valor critico de r
Passos 6.725 5.861 -597 -66,4
São José do Paraíso 1.804 1.641 -90 -46,2
São Sebastião do Paraíso 2.830 2.251 -471 -108,1
Três Pontas 2.727 3.631 1.040 153,9
Turvo 3.162 2.188 -861 -168,1

Oeste 24.440 23.152 -277

Bonsucesso 1.928 1.863 16 -17,0


Formiga 2.830 2.936 228 18,5
Marmelada 1.728 1.971 322 68,0
Oliveira 5.570 5.468 132 -9,2
Pitangui 5.637 4.285 -1.141 -128,1
Pium-i 2.018 2.097 166 19,4
Santo Antonio do Monte 1.332 1.316 40 -6,0
Tamanduá 3.397 3.216 -40 -27,0

Alto Paranaíba 10.443 9.998 -10

Araxá 3.001 2.934 59 -11,2


Bagagem 2.475 2.192 -184 -58,9
Patrocínio 2.354 2.374 120 4,2
SS. Sacramento 1.580 1.533 20 -15,0
Santo Antonio dos Patos 1.033 965 -25 -33,5

São Francisco-Montes Claros 7.574 7.411 155

Curvelo 3.124 3.060 68 -10,3


Januaria 868 816 -17 -30,4
Montes Claros + Guaicuí 3.193 3.210 153 22,6
São Romão 389 325 -49 -85,9

Jequitinhonha-Mucuri-Doce 26.225 23.794 -1.368

Diamantina 6.849 5.969 -608 -66,4


Grão Mogol 2.387 1.720 -580 -151,1
Minas Novas 3.704 3.263 -293 -61,4
Rio Pardo 3.362 3.472 256 16,2
Santo Antonio do Araçuaí 2.843 2.800 77 -7,6
São João Batista 2.607 2.497 -2 -21,3
Serro 4.473 4.073 -218 -45,7

Paracatu 1.587 1.548 27

Paracatu 1.587 1.548 27 -12,4


Continua

336 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela B.3 - Minas Gerais: População escrava e importações líquidas estimadas,
por municípios, 1884-1886 (final)
Escravos Escravos Importação 1 r*
Regiões e Municípios
1884 1886 1884 - 1886 valor critico de r

Triângulo 5.921 5.522 -157

Monte Alegre 1.262 1.191 -19 -28,5


Prata 1.548 1.326 -161 -74,5
Uberaba 3.111 3.005 23 -17,2

Minas Gerais 298.931 286.491 0

(1) Saldos líquidos estimados com a taxa de crescimento interno r = -21,03 por mil por ano. Veja o
texto.
Fontes e notas: Veja abaixo.

Tabela B.4 - Estabilidade dos saldos municipais do tráfico, 1873-1880


r* Importação
Municípios 1
(valor crítico de r) 1873 - 1880
Patrocínio -137,8 -3.806
Santa Luzia -125,7 -2.927
Sabará -109,2 -3.848
Ouro Preto -93,3 -2.088
Santa Bárbara -92,1 -2.782
Queluz -82,2 -4.516
Dores de Boa Esperança -81,1 -1.513
Três Pontas -79,6 -1.866
Rio Pardo -79,4 -2.083
Grão Mogol -76,5 -1.099
Pium-i -70,3 -1.072
Ouro Fino -69,6 -943
Araxá -67,3 -288
Santa Rita do Turvo -62,7 -1.524
São José do Paraíso -60,6 -911
SS. Sacramento -58,5 -537
Mariana -57,6 -1.708
Paracatu -56,4 -520
Monte Alegre -55,0 -506
Marmelada -53,8 -488
Turvo -53,4 -660
Serro -53,2 -1.692
Montes Claros + Guaicuí -51,3 -768
Baependi -48,2 -1.391
Continua

PARTE I - APÊNDICE B
337
Tabela B.4 - Estabilidade dos saldos municipais do tráfico,
1873-1880 (continuação)
r* Importação
Municípios 1
(valor crítico de r) 1873 - 1880
Bonfim -43,0 -715
Santo Antonio do Monte -39,4 -188
Itabira -37,8 -691

Taxa de crescimento natural usada menos 50% -34,5

Minas Novas -31,5 -234


Campanha -29,9 -301
São Sebastião do Paraíso 1 -29,4 -198

Taxa de crescimento natural usada menos 25% -28,8

Lavras -28,4 -292


Caeté -27,6 -82
Oliveira -26,3 -168
Ubá -25,4 -112
Tamanduá -25,3 -72
Rio Preto -24,1 -44
São João del Rei -23,6 -31

Taxa de crescimento natural usada na estimativa -23,0 0

Santo Antonio dos Patos -21,0 18

Taxa de crescimento natural usada mais 25% -17,3

Barbacena -16,9 419


Conceição 1 -15,4 238

Taxa de crescimento natural usada mais 50% -11,5

Itajubá -6,5 508


Pomba -5,4 853
São Romão -5,4 52
Santo Antonio do Araçuaí 1 -4,4 405
Ponte Nova -3,8 1.010
São João Batista 1 -2,4 398
Rio Novo -2,3 1.005
Bagagem 2,8 540
Sete Lagoas 3,2 426
São Paulo do Muriaé 1 5,3 1.539
Formiga 6,0 751
Aiuruoca 6,6 755
Januaria 6,8 239
Continua

338 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela B.4 - Estabilidade dos saldos municipais do tráfico,
1873-1880 (final)
r* Importação
Municípios 1
(valor crítico de r) 1873 - 1880
Caldas 1 8,5 635
São José del Rei 1 9,6 806
Juiz de Fora 1 12,6 5.022
Uberaba 15,6 940
Leopoldina 17,2 4.541
Bonsucesso 19,7 739
Mar de Espanha 21,2 4.190
Piranga 21,7 1.408
Pitangui 25,7 2.437
Jaguari 32,0 456
Cristina 32,9 1.974
Alfenas 33,3 1.827
Pouso Alegre 49,9 2.436
Passos 54,7 2.629
Cabo Verde 63,7 1.121
Diamantina 1 93,7 4.476
Curvelo 1 102,3 2.310
Prata 109,8 2.620
(1) Municípios incompletamente recenseados em 1873.
Fontes e metodologia: Veja o Apêndice B.

Tabela B.5 - Estabilidade dos saldos municipais do tráfico, 1880-1884


r* Importação
Municípios
(valor crítico de r) 1880 - 1884
Prata -214,7 -2.293
Caeté -134,9 -846
São João del Rei -132,4 -2.473
Bonfim -123,6 -1.443
Ouro Fino -120,0 -703
São José do Paraíso -89,2 -636
Campanha + Pouso Alegre -82,4 -2.424
Serro -81,0 -1.359
Monte Alegre -79,1 -369
Pitangui -75,7 -1.539
Santa Rita do Turvo -75,3 -814
Sabará -74,6 -750
Bonsucesso -73,2 -498
São Sebastião do Paraíso -71,9 -712
Continua

PARTE I - APÊNDICE B
339
Tabela B.5 - Estabilidade dos saldos municipais do tráfico,
1880-1884 (continuação)
r* Importação
Municípios
(valor crítico de r) 1880 - 1884
Januaria -67,3 -197
Formiga -65,1 -608
São José del Rei -54,8 -459
Aiuruoca -52,2 -435
Santa Bárbara -49,6 -412
Três Pontas -43,9 -291
Bagagem -43,8 -262
Curvelo -42,3 -308
Conceição -39,5 -297
Pium-i -36,8 -148
Uberaba -36,6 -225
Caldas -36,0 -174
Oliveira -34,2 -342
Mariana -33,6 -276
Tamanduá -33,5 -197
Queluz -33,3 -373
Santo Antonio dos Patos -31,9 -53

Taxa de crescimento natural usada menos 50% -30,5

Araxá -28,7 -109


Ouro Preto -28,5 -87
Lavras -25,7 -138

Taxa de crescimento natural usada menos 25% -25,4

Diamantina -22,8 -71


Alfenas -22,5 -44
Rio Pardo -21,5 -16
Itabira -21,1 -17

Taxa de crescimento natural usada na estimativa -20,3 0

Paracatu -19,1 9
Baependi + Cristina -18,8 72
Barbacena -17,6 98

Taxa de crescimento natural usada mais 25% -15,3

Jaguari -15,2 25
Pomba -12,8 197
Santo Antonio do Araçuaí -12,5 93
São Romão -11,8 13
Continua

340 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela B.5 - Estabilidade dos saldos municipais do tráfico,
1880-1884 (final)
r* Importação
Municípios
(valor crítico de r) 1880 - 1884
SS. Sacramento -10,9 61
Patrocínio -10,6 95
Dores de Boa Esperança -10,5 101

Taxa de crescimento natural usada mais 50% -10,2

Itajubá -10,0 173


São João Batista -6,9 144
Marmelada -5,4 106
Santo Antonio do Monte -4,8 84
Piranga 0,1 395
Juiz de Fora 10,3 2.609
Montes Claros + Guaicuí 10,9 393
Ponte Nova 13,2 1.004
Rio Preto 15,2 765
Leopoldina + Ubá + Muriaé 15,5 4.518
Santa Luzia 16,3 341
Sete Lagoas 18,6 372
Minas Novas 24,1 627
Rio Novo 25,4 1.288
Grão Mogol 37,0 506
Passos 37,6 1.440
Cabo Verde 45,4 652
Mar de Espanha 61,9 5.252
Turvo 68,4 965
Fontes e metodologia: Veja o Apêndice B.

PARTE I - APÊNDICE B
341
Tabela B.6 - Estabilidade dos saldos municipais do tráfico, 1884-1886
r* Importação
Municípios
(valor crítico de r) 1884 - 1886
Turvo -168,1 -861
São José del Rei -156,6 -722
Grão Mogol -151,1 -580
Pitangui -128,1 -1.141
São Sebastião do Paraíso -108,1 -471
Ouro Preto -100,6 -375
São Romão -85,9 -49
Jaguari -74,7 -128
Prata -74,5 -161
Caeté -68,2 -115
Passos -66,4 -597
Diamantina -66,4 -608
Lavras -62,4 -489
Minas Novas -61,4 -293
Bagagem -58,9 -184
Leopoldina + Ubá + Muriaé -55,9 -2.217
Alfenas -46,7 -239
São José do Paraíso -46,2 -90
Serro -45,7 -218
Santo Antonio dos Patos -33,5 -25
Aiuruoca -32,5 -68

Taxa de crescimento natural usada menos 50% -31,6

Januaria -30,4 -17


Monte Alegre -28,5 -19
Tamanduá -27,0 -40
Sete Lagoas -26,8 -28

Taxa de crescimento natural usada menos 25% -26,3

Pomba -21,3 -3
São João Batista -21,3 -2

Taxa de crescimento natural usada na estimativa -21,0 0

Itabira -20,7 3
Baependi + Cristina -20,5 12
Santa Luzia -19,8 6
Queluz -18,8 29
Mariana -17,9 29
Conceição -17,5 24
Uberaba -17,2 23
Continua

342 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela B.6 - Estabilidade dos saldos municipais do tráfico,
1884-1886 (final)
r* Importação
Municípios
(valor crítico de r) 1884 - 1886
Bonsucesso -17,0 16
Juiz de Fora -15,8 226

Taxa de crescimento natural usada mais 25% -15,8

SS. Sacramento -15,0 20


Piranga -13,9 69
Santa Bárbara -13,6 46
Paracatu -12,4 27
Araxá -11,2 59
Rio Preto -10,9 113
Barbacena -10,6 175
São João del Rei -10,6 79

Taxa de crescimento natural usada mais 50% -10,5

Curvelo -10,3 68
Oliveira -9,2 132
Caldas -7,6 69
Santo Antonio do Araçuaí -7,6 77
Santo Antonio do Monte -6,0 40
Itajubá -0,2 169
Ouro Fino 0,8 56
Dores de Boa Esperança 4,1 125
Patrocínio 4,2 120
Santa Rita do Turvo 6,1 165
Sabará 10,2 179
Ponte Nova 13,4 536
Rio Pardo 16,2 256
Formiga 18,5 228
Pium-i 19,4 166
Montes Claros + Guaicuí 22,6 153
Rio Novo 24,8 695
Campanha + Pouso Alegre 27,9 780
Mar de Espanha 40,7 2.328
Bonfim 64,4 438
Marmelada 68,0 322
Cabo Verde 90,1 642
Três Pontas 153,9 1.040
Fontes e metodologia: Veja o Apêndice B.

PARTE I - APÊNDICE B
343
Fontes e notas das Tabelas do Apêndice B (B.1 a B.6): Populações escravas
municipais em 1873, 1880, 1884 e 1886, importações de escravos pelos
municípios em 1873-1880, 1880-1884 e 1884-1886, e estabilidade dos
saldos líquidos municipais.

A fonte das populações de 1873 é: Brazil. Directoria Geral de Estatística.


Recenseamento da População do Império do Brasil a que se procedeu no dia 1º de
Agosto de 1872. 23 vols. Rio de Janeiro: Leuzinger e Filhos, 1873–1876.

A data de referência do censo do Império é 1º de agosto de 1872, mas no Mato


Grosso só foi realizado em 1º de outubro de 1872, em Goiás em 25 de maio de
1873, e em São Paulo em 30 de janeiro de 1874. Em Minas Gerais foi realizado
em 1º de agosto de 1873, e a cobertura foi incompleta. Não foram recenseadas 14
paróquias, pertencentes a 11 municípios, assim distribuídas: Conceição (1/8), Juiz
de Fora (1/5), São Paulo do Muriaé (1/11), Caldas (1/5), Passos (1/6), São Sebastião
do Paraíso (1/4), São José del Rei (1/5), Curvelo (1/4), Diamantina (3/6), Santo
Antônio do Araçuaí (2/5) e São João Batista (1/4). Posteriormente a Diretoria Geral
de Estatística divulgou dados revistos, mas este ajustamento não foi suficiente para
corrigir as omissões.

Nossa correção tem os seguintes critérios: Para os municípios de Juiz de Fora,


Caldas, Passos e São João Batista, foram adotados os números da matrícula dos
escravos realizada no mesmo ano. Nos demais, para os quais não são disponíveis
esses registros, fizemos uma projeção linear, assumindo que a população escrava
das paróquias não-recenseadas fosse igual à média das paróquias cobertas pelo
censo. Esse procedimento gerou uma população escrava total da província de
382.640 indivíduos, que é 0,2% maior que o total corrigido pela DGE.

Nos casos de Diamantina e São José del Rei é provável que as populações estejam
subestimadas, porque atribuímos às paróquias das sedes municipais, que normal-
mente são mais populosas, uma população igual à média das demais.

A fonte das populações de 1880 é: Falla que à Assemblea Legislativa Provincial de


Minas Gerais dirigiu em 25 de setembro de 1880 o exm. sr. Conego Joaquim José de
Sant’ Anna, 2º vice–presidente da mesma província, por ocasião da sessão ordinária
da 23ª legislatura. Ouro Preto: Typ. da Actualidade, 1880.

Não constam dessa fonte as populações dos seguintes municípios: Santa Rita do
Turvo, Itajubá, Ouro Fino, Monte Alegre, São José do Paraíso, Bonsucesso, Bagagem,

344 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Prata, Cabo Verde e Serro. Em todos esses casos foram adotadas interpolações line-
ares entre as populações de 1873 e o dado disponível mais próximo de 1880.

A fonte das populações de 1884 é: Falla que o Exm. Sr. Dr. Antonio Gonçalves Chaves
dirigio à Assemblea Provincial de Minas Geraes na 1ª sessão da 25ª legislatura em o
1º de agosto de 1884. Ouro Preto: Typ. do Liberal Mineiro, 1884.

A fonte das populações de 1886 é: Relatório que ao Exm. Sr. Dr. Carlos Augusto de
Oliveira Figueiredo, Presidente da Província de Minas Gerais, apresentou o Exm. Sr.
Dr. Antonio Teixeira de Souza Magalhães, 1º vice–presidente da província, ao pas-
sar-lhe a administração em 4 de fevereiro de 1887. Ouro Preto: Typ. de J. F. de Paula
Castro, 1887.

Na data do Censo existiam 72 municípios, entre os quais o município de Guaicuí,


com a única paróquia de N. S. do Bonsucesso da Barra do Rio das Velhas. Em 14
de novembro de 1873 esse município foi suprimido, e seu território foi incorpo-
rado a Montes Claros, onde permaneceu até 1911. Por esta razão criamos o cluster
(Montes Claros + Guaicuí), para garantir a comparabilidade territorial das unida-
des de análise entre 1873 e 1880. Isso reduziu as unidades de análise de 72 para 71.

Depois de 1880 foram criados vários municípios, com territórios desmembrados


de diferentes municípios e foram feitos remanejamentos de partes dos municípios
existentes, alocando-as para outros municípios. Portanto, para garantir a compa-
rabilidade dos territórios analisados, foram criados os clusters: (Leopoldina + Ubá
+ Muriaé), (Baependi + Cristina) e (Campanha + Pouso Alegre). Com isso, as 71
unidades territoriais analisadas em 1873 foram reduzidas a 67.

Além disso, os municípios foram transformados em unidades territoriais constan-


tes, para permitir sua comparação ao longo do período de análise. Isso foi feito
agregando de volta aos seus municípios de origem todos aqueles criados depois de
1872, congelando a divisão municipal existente nesse ano.

Foram feitas as seguintes retro-agregações:


1) Queluz contém Entre Rios depois de 1884.
2) O grupo (Leopoldina + Ubá + São Paulo de Muriaé) contém Carangola,
Cataguazes e Visconde do Rio Branco, depois de 1886, 1884 e 1886,
respectivamente.
3) Mar de Espanha contém São José de Além Paraíba depois de 1884.

PARTE I - APÊNDICE B
345
4) Ponte Nova contém Manhuaçu depois de 1884.
5) Rio Novo contém São João Nepomuceno depois de 1886.
6) O grupo (Baependi + Cristina) contém Pouso Alto depois de 1884.
7) Cabo Verde contém Muzambinho depois de 1884.
8) O grupo (Campanha + Pouso Alegre) contém São Gonçalo do Sapucaí depois
de 1884.
9) Passos contém Carmo do Rio Claro depois de 1884.
10) Três Pontas contém Varginha depois de 1886.
11) Tamanduá contém Campo Belo depois de 1884.
12) Araxá contém Carmo do Paranaíba depois de 1884.
13) Marmelada contém Dores do Indaiá depois de 1886.
14) Pitangui contém Pará depois de 1880.
15) São Romão contém São Francisco depois de 1872.
16) Minas Novas contém Filadélfia depois de 1884.
17) Montes Claros contém Guaicuí depois de 1872.

As fontes para essas agregações são: Enciclopédia dos Municípios Brasileiros,


Recenseamento de 1872, e Waldemar de Almeida Barbosa. Dicionário Histórico-
Geográfico de Minas Gerais.

346 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Apêndice C

FONTES, NOTAS E METODOLOGIA DAS TABELAS DO TEXTO

Tabela 2.1 - Brasil: Médias anuais de importação de escravos, 1651-1760.


Fonte: Fonte: Estimativas de Maurício Goulart. A Escravidão Africana no Brasil,
reproduzidas por Philip Curtin. The Atlantic Slave Trade. A Census, pp. 119 e 216.

Tabela 2.2 - Minas Gerais: Arrecadação do quinto real e produção de ouro,


1700-1820, em quilos.
Fonte: Fonte: Eschwege. Pluto Brasiliensis., vol. 1, pp. 364-70. A tabela resumo da
página 370 dessa fonte contém erros de soma e de impressão, por isso usamos os
dados anuais das pp. 364-370. Notas: (1) As arrobas foram convertidas em quilos
à uma razão de 1 arroba = 14.689 kg. Foram desprezadas as frações de arrobas
(marcos, onças, oitavas e grãos). O tradutor de Eschwege usou arrobas de 15 qui-
los, obtendo a produção total de 535.305 quilos ao invés dos 524.206 quilos da
tabela acima. Uma estimativa alternativa da produção do ouro no mesmo período
é apresentada por João Pandiá Calógeras, que avalia a produção total em 756.482
quilos, com a média anual mais alta atingindo 11.751quilos nos anos 1736-1751,
caindo para 2.706 nos anos 1801-1820. João Pandiá Calógeras. As Minas do Brasil
e sua Legislação, p. 473. (2) Entre 1835 e 1849 a cobrança foi feita pelo sistema da
capitação. (3) O quinto real de 1752-1777 inclui cobranças especiais nos anos 1756,
1762, 1763, 1769 e 1771.

Tabela 2.3 - Minas Gerais: População escrava no século XVIII.


Fontes: 1717-1723: Maurício Goulart. A Escravidão Africana no Brasil, pp. 139-
40; 1735-1749: Colasan das Notícias dos Descobrimentos das Minas na América
(Codice Caetano da Costa Matoso), reproduzido por Boxer. The Golden Age of
Brasil; 1786: Revista do Arquivo Público Mineiro, Ano IV (1899), p. 2 94. Notas:
Notas: (1) A fonte usada por Goulart registra 27.240 escravos. Ele acrescenta 20%
sobre esse número para compensar a evasão fiscal. (2) A fonte dá 41.512 escra-
vos como o total de Minas Gerais, exceto Sabará. Goulart, aceitando que a por-
centagem desse distrito no total da população escrava de Minas era a mesma que

347
em 1718, corrige o total para 50.000. (3) Escravos abaixo de 14 anos, nascidos em
Minas Gerais e aqueles empregados como criados dos padres, dos oficiais militares,
do governador e dos magistrados não estavam sujeitos à capitação e, portanto, não
estão incluídos nos números acima, segundo José João Teixeira Coelho, Instrução
para o governo da Capitania de Minas Gerais. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, vol. XV, 3ª. série, nº. 7 (1º. trimestre de 1852), p. 340. (4)
Diversas fontes dão 186.868 e 185.759 como a população escrava de Minas Gerais
em 1742 e 1743, respectivamente. Goulart, A Escravidão Africana, p. 148, mostra
que esse erro se deve a Eschwege que somou as duas matrículas semestrais daqueles
anos. (5) A fonte citada acima dá 174.135 escravos em uma população de 362.847
pessoas com condição conhecida. A condição de 30.851 pessoas não é especificada.
Assumindo que a distribuição desse grupo, entre escravos e livres era a mesma que
a do resto da população, chegamos à população apresentada na tabela.

Tabela 2.4 - Minas Gerais: O setor minerador de ouro em 1810 (*).


Fonte: Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, p. 244. Notas: (*) Em 2018: com a publi-
cação da tradução do livro de Eschwege, Journal von Brasilien (Weimar, 1818),
ficou esclarecido que esta tabela se refere à média dos anos de 1812 e 1813. Veja W.
L. von Eschwege. Jornal do Brasil, 1811-1817 ou Relatos diversos do Brasil, coleta-
dos durante expedições científicas. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2002,
p. 269. (**) Há um equívoco na tabela, pois Vila do Príncipe e Serro do Frio são
a mesma unidade administrativa. A tabela omite completamente os termos de
Queluz e Tamanduá.

Tabela 2.5 - Minas Gerais: O setor minerador de ouro em 1814.


Fonte: W. L. von Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 34-63. Notas: (*) Significa
zero, dados incompletos ou não disponíveis. O autor não especifica o significado.
Há vários erros de soma e/ou de impressão na fonte, que foram corrigidos na tabela
2.5. Por esse motivo os totais dados na fonte podem diferir ligeiramente dos totais
da tabela. O número total de estabelecimentos arrolados por Eschwege é de 563.
Além das 517 lavras em operação apresentadas na tabela 2.5, ele listou outras 35
que não registraram trabalhadores escravos nem livres, e 5 outras lavras que foram
explicitamente declaradas fora de operação (“paradas”). A tabela acima também
não inclui 6 explorações classificadas como faisqueiras. O próprio autor adverte
sobre a imprecisão e omissão de dados desse levantamento. Além da evidente defi-
ciência dos dados para São José del Rei, são inteiramente omitidos os termos de
Queluz e Tamanduá.

348 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela 2.6 - Minas Gerais: Escravos nas lavras de ouro, 1814.
Fonte: W. L. von Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 34-63. Notas: (*) Seis lavras
tinham só trabalhadores livres, perfazendo um total de 56 trabalhadores.

Tabela 2.7 - Minas Gerais: Produtividade do trabalho em 446 lavras de


ouro, 1814 (número de lavras segundo a localização e a produção por
trabalhador).
Fonte: W. L. von Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 34-63. Notas: (1) Não há
informação sobre a produção de 71 das 517 lavras em operação. Não há informação
sobre nenhuma das lavras localizadas em São João e São José del Rei. (*) Significa
dado não disponível. A produção por trabalhador foi calculada como a produção
total dividida pelo número total de trabalhadores (escravos e livres). Oitavas foram
convertidas em gramas à razão de 1 oitava = 3,5888 gramas.

Tabela 2.8 - Minas Gerais: Produção de diamantes sob o sistema de


Contratação, em quilates*
Fonte: Boxer. The Golden Age of Brazil, p. 220. Notas: (*) Um quilate é equivalente
a 0,2050 gramas e 17,5 quilates perfazem uma oitava.

Tabela 2.9 - Minas Gerais: Produção de diamantes no período da Real


Extração, em quilates.
Fontes: (A) Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, pp. 177-78, 180 e 184-86; (B) Fonte
não identificada, reproduzida por Eschwege. Pluto Brasiliensis, vol. 2, p. 181; (C)
Antonio Olyntho dos Santos Pires, apud nota do tradutor de Eschwege. Pluto
Brasiliensis, vol. 2, pp. 190-91; (D) Spix e Martius. Viagem pelo Brasil, vol. 2, pp.
110-111. Notas: (*) Significa dado não disponível nessa fonte. (1) Os dados em
outras unidades nas diversas fontes foram todos convertidos em quilates segundo
as razões: 1 oitava = 17,5 quilates; 1 grama = 4,876 quilates. (2) Médias anuais com
base na fonte (D) exceto 1819 - 1827, que é baseada na fonte (C). (3) O ano de 1813
não está incluído nesta fonte. (4) A meta de produção da Real Extração era de 2.200
oitavas, ou 38.500 quilates por ano.

Tabela 2.10 - Morro Velho: Produção de ouro, 1835-1885 (em


quilogramas*).
Fonte: Saint John del Rey Mining Company. Annual Reports, reproduzidos por
D. C. Libby. O Trabalho Escravo na Mina de Morro Velho, pp. 167-68. Notas: (*)
Oitavas convertidas em quilos à razão de 1 oitava = 3,5888 gramas.

PARTE I - APÊNDICE C
349
Tabela 2.11 - St. John del Rey Mining Company: Força de trabalho escrava,
1835-1885.
Fonte: D. C. Libby. O Trabalho Escravo na Mina de Morro Velho, pp. 167-68.
Tabela 2.12 - Diamantes exportados pelo Rio de Janeiro, 1854-1876.
Fonte: Dados compilados de diversos relatórios da Fazenda por Luiz Corrêa do
Lago. Notas: (1) As exportações através do Rio de Janeiro provavelmente fornecem
uma boa aproximação das exportações de diamantes originadas em Minas Gerais.
(2) Um quilate é equivalente a 0,2050 gramas e 17,5 quilates perfazem uma oitava.
(3) O ano fiscal de 1872/73 não está incluído.

Tabela 2.13 - Minas Gerais: Número máximo de escravos empregados na


mineração em 1873.
Fonte: Brasil. Diretoria Geral de Estatística. Recenseamento ... 1872. Tabelas paro-
quiais de Minas Gerais: Parte 9, vol. 1, pp. 1-558; vol. 2, pp. 559-1.068. Notas: (1) A
divisão entre municípios mineradores de ouro e de diamantes é de minha autoria.
Em alguns lugares minerava-se tanto ouro quanto diamantes. (2) Conforme expli-
cado no texto, a categoria ocupacional do recenseamento incluía, além de mineiros,
os canteiros, calceteiros e cavouqueiros. Esses dados são, portanto, o limite superior
do número de escravos empregados na mineração. A tabela ocupacional do Censo
referente ao conjunto da província registra apenas 12 escravos nessa categoria. (3)
Nos municípios de Conceição, Diamantina e São João Batista o censo foi incompleto.

Tabela 2.14 - Minas Gerais: Escravos empregados na mineração de ouro,


1872-1883.
Fonte: Receita do imposto sobre escravos empregados na mineração de ouro, criado
pela Lei Provincial 1811, de 10 de outubro de 1871. Falla...pres. Antônio Gonçalves
Chaves, 1/8/1884. O número de escravos empregados é igual à arrecadação divi-
dida por dois. Nota: Esses números podem diferir do número real porque a lei
estipulava que só seriam tributados os escravos empregados em serviços com mais
de cinco escravos.

Tabela 3.1 - Minas Gerais: Exportações de café, 1819-1899 (médias anuais


em arrobas e toneladas).
Fonte: Aristóteles Alvim. Confrontos e Deduções, pp. 80-83. Notas: (1) Dados ante-
riores a 1888 convertidos de anos comerciais para anos calendário pela média dos
anos adjacentes. (2) Arrobas convertidas em quilos à razão de 1 arroba = 14,689
quilos.

350 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela 3.2 - Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo: Exportações de café,
1852-1888 (médias anuais, em toneladas).
Fontes: Minas Gerais, 1852-1888: Aristóteles Alvim. Confrontos e Deduções, pp.
80-83. Rio de Janeiro e São Paulo (Vale do Paraíba), 1852-1870: “Relatório do Diretor
da Fazenda Provincia do Rio de Janeiro ...ao Presidente da Província, Visconde de
Prados”, reproduzido por Taunay. História do Café no Brasil, vol. 6, pp. 316-319.
São Paulo (Oeste), 1852-1870: Laerne. Brazil and Java, p. 400. Rio de Janeiro e São
Paulo (Vale do Paraíba), 1871-1888: Estado do Rio de Janeiro. Relatório apresen-
tado ao Sr. Vice-Presidente do Estado ...pelo Secretário das Finanças ...em 31 de
julho de 1893. São Paulo (Oeste), 1871-1888: J. P. Wileman. Brazilian Yearbook,
1908, p. 609. As duas últimas fontes estão reproduzidas em Pedro Carvalho de
Mello, The Economics of Labor in Brazilian Coffee Plantations. Notas: (1) Arrobas
convertidas em quilos à razão de de 1 arroba = 14,689 quilos. Os dados foram
convertidos de anos comerciais para anos calendário. (2) As exportações do Oeste
Paulista aqui registradas são as exportações de café pelo porto de Santos. Como a
partir dos anos 1880 um crescente volume de café do Sul de Minas foi exportado
através desse porto, os dados do Oeste Paulista estão ligeiramente superestimados
nos anos finais da tabela. (3) Nesse período a média para o Oeste Paulista se refere
aos anos 1853 a 1855.

Tabela 3.3 - Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo: 543 fazendas de café
em 1883.
Fonte: Laerne. Brazil and Java, pp. 218-223 e 238-239. Notas: (*) Fazendas penho-
radas ao Banco do Brasil. Inclui apenas os municípios considerados “cafeeiros”. (**)
O número médio de pés de café por escravo não inclui o município de Lorena.

Tabela 3.4.1 - Minas Gerais: Características de 153 fazendas de café em


1883.
Fonte: Laerne. Brazil and Java, pp. 220-221.

Tabela 3.4.2 - Minas Gerais: Características de 153 fazendas de café em


1883 (continuação).
Fonte: Laerne. Brazil and Java, pp. 220-221 e tabela 3.4.1.Notas: Todos os valores
em milréis. O valor médio das fazendas inclui o valor das terras, edificações, ben-
feitorias e pés de café. O valor total médio das propriedades inclui o valor médio
das fazendas mais o valor médio dos plantéis de escravos.

PARTE I - APÊNDICE C
351
Tabela 3.5 - Minas Gerais: Fazendas de café visitadas por Laerne em 1883.
Fonte: Laerne. Brazil and Java, pp. 238-239. Notas: O número de pés de café inclui
cafeeiros jovens e cafeeiros em produção. Em cada fazenda, a coluna colheita é uma
média de várias safras, conforme mostrado na Tabela 3.13. (1) Inclui as fazendas
Cedofeita, Belmonte e Joazal, pertencentes ao mesmo proprietário e sob adminis-
tração unificada. (2) Na coluna pés por escravo, é a média das razões pés de café
por escravo.

Tabela 3.6 - Minas Gerais: Exportações de café, 1818-1819, por registros e


regiões, em toneladas.
Fonte: Eschwege. Notícias e Reflexões Estadísticas da Província de Minas Gerais,
pp.748-49. Arrobas convertidas em quilogramas à razão de 1 arroba = 14,689
quilogramas.

Tabela 3.7 - Minas Gerais: Exportações de café, 1842-43 e 1844-45, por


registros e regiões, em toneladas.
Fontes: 1842-43: Falla...Pres. Soares d’Andrea, 1844. Tabela n. 22; 1844-45: Falla...
Pres. Quintiliano José da Silva, 1846. Tabela n. 29. Notas: (+) Significa um valor posi-
tivo mas inferior a 0,01 porcento. Arrobas convertidas em quilogramas à razão de 1
arroba = 14,689 quilogramas. A tabela lista apenas os registros nos quais foi regis-
trada alguma exportação de café. Portanto não estão incluidos os seguintes regis-
tros: na Zona Sul: Picu, Soledade de Itajubá, Sapucaí Mirim, Jaguari, Campanha de
Toledo, Caldas, Ponte do Carrijo, Ponte do Monte Belo e Mantiqueira. Em Outras
Regiões: Pontal do Escuro, Morrinhos e Ponte Alta.

Tabela 3.8 - Minas Gerais: Exportações de café, 1847-48 e 1850-51, por


registros e regiões, em toneladas.
Fonte: Sócrates Alvim. Projeção Econômica e Social da Lavoura Cafeeira em Minas,
p. 46. Notas: (+) Significa um valor positivo mas inferior a 0,01 porcento. A fonte
registra os dados em quilogramas. A tabela lista apenas os registros nos quais foi
registrada alguma exportação de café.

Tabela 3.9 - Minas Gerais: Exportações de café, 1867-68, por registros e


regiões, em toneladas.
Fonte: Relatório ...Pres. Sá e Benevides, 1869. Anexo 9, mapa 1. Notas: (+) Significa
um valor positivo mas inferior a 0,01 porcento. Arrobas convertidas em quilogra-
mas à razão de 1 arroba = 14,689 quilogramas. A tabela lista apenas os registros

352 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
nos quais foi registrada alguma exportação de café. Portanto não estão incluidos os
seguintes registros: na Zona Sul: Mantiqueira, Cabo Verde, Campanha de Toledo,
Itajubá, Jaguari, Sapucaí Mirim e Picu. Em Outras Regiões: Santa Bárbara e Porto
da Rifana.

Tabela 3. 10 - Minas Gerais: Exportações de café, 1881-82, 1882-83 e 1883-


84, por registros e regiões, em toneladas.
Fontes: 1881-82: Relatório da Diretoria da Fazenda Provincial, anexo ao Relatório...
Pres. Gonçalves Chaves, 2/8/1883; 1882-83: Relatório da Diretoria da Fazenda
Provincial, anexo ao Relatório...Pres. Gonçalves Chaves, 1/8/1884;1883-84:
Relatório da Diretoria da Fazenda Provincial, anexo ao Relatório...Pres. Alves de
Brito, 1/8/1885. Notas: (+) Significa um valor positivo mas inferior a 0,01 por-
cento. A fonte registra os dados em quilogramas. A tabela lista apenas os registros
nos quais foi registrada alguma exportação de café. Portanto não estão listados os
registros de Ponte Alta e Porto da Espinha, ambos em “outras regiões”. O registro de
Rio Pardo situa-se em um distrito do município de Leopoldina, e não no município
de Rio Pardo.

Tabela 3.11 - Minas Gerais: exportações de café, 1818-1884: participação


das regiões, em porcentagens.
Fonte: Tabelas 3.6 a 3.10, acima. Notas: (*) Significa um valor positivo mas inferior
a 0,1 porcento. As porcentagens podem não somar 100 devido ao arredondamento
para uma casa decimal.

Tabela 3.12 - Valor de um pé de café, segundo sua idade (em réis, circa
1876).
Fonte: Laerne. Brazil and Java, p. 297.

Tabela 3.13 - Produtividade de 31 fazendas de café visitadas por Laerne na


Zona do Rio, 1874-1883, em arrobas por mil pés.
Fonte: Laerne. Brazil and Java, pp. 325-29. Nota: (1) Inclui as fazendas Cedofeita,
Belmonte e Joazal, pertencentes ao mesmo proprietário e sob administração
unificada.

Tabela 3.14 - Minas Gerais: Estimativa dos requisitos de mão-de-obra


escrava na lavoura cafeeira, 1820-1887, segundo duas séries de dados de
exportações.

PARTE I - APÊNDICE C
353
Fontes: Série A: Utilizando os dados de exportação de café de Aristóteles Alvim.
Série B: Utilizando os dados fiscais da província do Rio de Janeiro. Outras fontes e
metodologia: veja o texto acima da tabela 3.14.

Tabela 3.15 - Escravos necessários para o transporte da safra de café, 1820-


1860.
Fonte: Exportação média anual de café de Minas Gerais dividida por 672 arrobas.

Tabela 3.16.1 - Escravos empregados no café comparados com a população


e com a força de trabalho escravas, 1873-1887.
Nota: (-) Significa dado não disponível. Fontes e Metodologia: (1) O número de
escravos empregados no café é apresentado na Tabela 3.14. Utilizamos a mais alta
das estimativas A e B. Consideramos que todos os escravos empregados no café resi-
diam na região cafeeira. (2) A força de trabalho escrava foi definida como incluindo
todos os cativos com idades entre 11 e 60 anos. Usando esta definição obtivemos
os seguintes números: 1873: 291.206, segundo o Censo do Império. 1884: 274.341.
Nessa data, em virtude da Lei do Ventre Livre, todos os escravos tinham 13 anos
ou mais. O Relatório do Ministério da Agricultura de 1885, pp. 370-72, mostra que
8,226% da população cativa de 1884 tinha mais de 60 anos. 1886: 262.924. Todos
os escravos tinham 15 anos ou mais. Apesar da Lei dos Sexagenários ser datada de
28 de setembro de 1885, a população escrava registrada na fonte inclui os escravos
maiores de 60 anos, razão pela qual deduzimos como sexagenários a mesma por-
centagem observada em 1884. 1887: Em virtude das duas leis mencionadas, todos
os escravos registrados em 1887 tinham idades entre 16 e 60 anos. Os dados acima
subestimam a força de trabalho escrava nos anos 80. As duas leis emancipacionis-
tas, de 1871 e de 1885, ofereciam aos senhores a opção de manter e usar por um
período determinado os serviços dos ingênuos (os filhos livres de mães escravas) e
dos libertos sexagenários (entre as idades de 60 e 65 anos). Essas opções foram ado-
tadas pela grande maioria dos senhores. Além disso, a porcentagem da força de tra-
balho escrava empregada no café é superestimada também pelo fato de que no cál-
culo da produtividade (do qual resultaram as estimativas do emprego de escravos
no café) foram incluídos escravos de todas as idades, e não só aqueles na faixa etária
correspondente à força de trabalho, cuja produtividade era, com certeza, mais alta
que a do conjunto da população. (3) A região cafeeira foi definida como a Zona da
Mata, exclusive os municípios de Santa Rita doTurvo, Ponte Nova e Piranga. (4) As
fontes dos dados da população escrava são apresentadas no apêndice A. Para 1873

354 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
usamos o dado do Censo do Império, corrigido pela Diretoria Geral de Estatística,
o qual, como demonstramos adiante, ainda é incompleto.

Tabela 3.16.2 - Escravos empregados no café comparados com a população


e com a força de trabalho escravas, 1873-1887 (continuação).
Nota: (-) Significa dado não disponível. Fonte: Tabela 3.16.1

Tabela 3.17 - Rio de Janeiro: Escravos empregados no café, anos


selecionados.
Nota: (-) Significa dado não disponível. Fontes e Metodologia: (1) Os dados sobre
as exportações de café são de Mello. The Economics of Labor, pp. 32-33. Usamos
médias de 3 anos centradas nos anos indicados. Para 1887 usamos a média de 1885,
1886 e 1888. O dado de 1887 foi excluído por ser anormalmente baixo (apenas 56%
do ano mais baixo em todo o período 1878-1888). (2) A amostra de 21 fazendas
fluminenses de Laerne mostra uma produtividade média de 23,37 arrobas por mil
pés, e uma média de 3.378,8 pés por escravo. A amostra maior, de 191 fazendas
penhoradas ao Banco do Brasil tem uma média de 3.514 pés por escravo. Uma reta
de mínimos quadrados ajustada às 21 observações de produtividade (x) e pés por
escravo (y) tem um intercepto igual a 5.175,2 e um coeficiente angular negativo igual
a 76,86. O coeficiente de correlação é negativo e igual a 0,671. Logo, se o número
médio de pés por escravo nas fazendas fluminenses era de 3.514, a linha de regres-
são nos dá uma produtividade média de 21,61 arrobas por mil pés. Os dois últimos
números resultam em uma produtividade média de 75,94 arrobas por escravo por
ano. Os números da segunda coluna são os dados das exportações divididos por
esse coeficiente. Os dados originais usados para estimar a produtividade dos escra-
vos estão em Laerne. Brazil and Java, pp. 218-19 e 328-29. (3) A força de trabalho
escrava é definida como sendo todos os escravos com idades entre 11 e 60 anos. Os
dados sobre a população escrava são das seguintes fontes: 1872: Brasil. Directoria
Geral de Estatística. Recenseamento ...1872, vol. 15, p. 358; 1882: Laerne. Brazil
and Java, pp. 120-21; 1885: Mello. The Economics of Labor, p. 77; 1887: Relatório...
Agricultura, 1888, p. 24. O Censo de 1872 fornece a distribuição etária da população
escrava e, em 1887 todos os cativos tinham idades entre 16 e 60 anos. Para 1882 e
1885 assumimos que que a porcentagem de escravos acima de 60 anos (11,32%) era
igual à registrada no Relatório...Agricultura, 1885, p. 370. (4) O número de escravos
empregado na agricultura é dado por: 1872: Recenseamento...1872, vol. 15, p. 359;
1882: Laerne. Brazil and Java, pp. 120-21; 1887: Relatório...Agricultura, 1888, p. 24.
(5) A definição da zona cafeeira fluminense e os números de sua população escrava

PARTE I - APÊNDICE C
355
são de Mello. The Economics of Labor, p. 77, e inclui os municípios de Cantagalo,
Nova friburgo, Santa Maria Madalena, São Fidélis, Sapucaia, Barra Mansa, Paraíba
do Sul, Piraí, Resende, Valença e Vassouras. Depois de 1884, Cantagalo inclui o
novo município de Santo Antônio de Pádua. Assumí que a população escrava da
zona cafeeira tinha a mesma estrutura etária do conjunto da província. O ligeiro
excesso de escravos necessários sobre escravos disponíveis no Vale do Paraíba em
1887 é, em parte, uma conseqüência da natureza aproximativa de uma estimativa
como essa, mas também deve ser lembrado que embora legalmente livres e não
contados como escravos, havia vários milhares de ingênuos e libertos sexagenários
trabalhando nas fazendas de café de São Paulo, Minas e Rio.

Tabela 3.18 - São Paulo: Escravos empregados no café, anos selecionados.


Nota: (-) Significa dados não disponíveis. Fontes e metodologia: Para estimar as
necessidades de mão-de-obra da cultura cafeeira de São Paulo devemos distin-
guir entre a área paulista do Vale do Paraíba e o Oeste Paulista, ou Zona de Santos,
por causa do grande diferencial de produtividade que havia entre as duas regiões.
Seguimos aqui a regionalização de São Paulo feita por Thomas Holloway: o Vale do
Paraíba é a região 2 de Holloway (Vale do Paraíba e Litoral norte), o Oeste é com-
posto pelas regiões 4 a 9 (Central, Mogiana, Paulista, Araraquarense, Noroeste e Alta
Sorocabana), exceto para 1854. Nesse período as regiões 7, 8 e 9 não tinham sido
colonizadas e não eram, portanto, distritos cafeeiros. Assim, em 1854, Oeste significa
as regiões Central, Mogiana e Paulista. Ver o Anexo de Holloway, Migration and
Mobility. As exportações do Vale do Paraíba são as exportações do café paulista atra-
vés do porto do Rio de Janeiro; as do Oeste são as exportações através do porto de
Santos, para os anos 1854, 1872 e 1883. Usamos médias de cinco anos, centradas
nos anos focalizados. Os dados anuais são de Taunay, História do Café, vol. 6, pp.
316, 318, 329, 334, 335 e 352-60. Para 1887 usamos os dados municipais para 1886
apresentados por F. W. Dafert, Quadro Estatístico da Produção de Café no Estado
de São Paulo no anno de 1886. In: Dafert. Coleção dos Trabalhos Agrícolas Extraídos
dos Relatórios Annuais de 1888-1893. Instituto Agronômico do Estado de São Paulo,
(Brasil) em Campinas. (São Paulo, 1895), pp. 171-77. A amostra de fazendas na zona
do Rio, colhida por Laerne, não inclui nenhuma propriedade situada no setor pau-
lista do Vale, mas a amostra das 53 fazendas do Vale do Paraíba paulista hipotecadas
ao Banco do Brasil indica que o número médio de pés de café por escravo era 3.623.
O município de Lorena foi excluído do cálculo dessa média porque um flagrante erro
de impressão resulta em 26.367 pés por escravo. Usando a reta de regressão ajus-
tada para o vale do Paraíba fluminense, cujas condições eram muitos semelhantes

356 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
às do setor paulista, estimamos uma produção de 73,2 arrobas por escravo por ano
no Vale do Paraíba paulista. Os dados originais estão em Laerne. Brazil and Java, pp.
220-21. Para o Oeste, Laerne tem uma amostra de 13 propriedades. A produtividade
média foi de 54,92 arrobas por 1.000 pés, excluindo as propriedades de Carlsberg
e Boa Esperança, que eram sítios e não fazendas. Em algumas dessas propriedades
está explicitamente indicado que o trabalho imigrante foi empregado conjuntamente
com os escravos, mas o número de trabalhadores livres não é fornecido. Por esta
razão não podemos computar a média relevante de pés por trabalhador e, portanto,
não podemos fazer a regressão entre produção e pés por escravo como fizemos para
Minas e Rio de Janeiro. A amostra das fazendas do Oeste paulista hipotecadas ao
Banco do Brasil inclui 146 propriedades e tem uma média de 2.450 pés por escravo.
A produtividade no Oeste paulista é, portanto, de 134,55 arrobas por escravo por
ano. Os dados originais estão em Laerne. Brazil and Java, pp. 222-23 e 334-35. A
força de trabalho escrava é definida como todos os escravos entre 11 e 60 anos de
idade. Os dados de população escrava a partir dos quais foram calculadas são: 1854:
José Francisco de Camargo. Crescimento da População no Estado de São Paulo e seus
Aspectos Econômicos. 3 vols. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1952, vol. 2: tabe-
las 2 a 10. 1872: Recenseamento...1872, vol. 19, p. 433. Em São Paulo o recenseamento
do Império só foi realizado em 30 de janeiro de 1874. 1883: Laerne. Brazil and Java,
pp. 115-16. 1887: Relatório...Agricultura, 1888, p. 24. O censo de 1872 fornece a dis-
tribuição etária da população escrava. Para 1854 assumimos a mesma distribuição
etária de 1872. Para 1883 assumimos que a porcentagem de escravos com 60 anos
ou mais era a mesma (6,376%) de 1884, como indicado pelo Relatório...Agricultura,
1885, pp. 370, 372. Em 1887 todos os escravos tinham entre 16 e 60 anos. O número
de escravos agrícolas foi definido como a soma do Vale do Paraíba e da zona de
Santos. Assumindo que a distribuição etária era uniforme através da província usei
dados da população escrava por município nas fontes indicadas acima para 1854,
1872 e 1883. Para 1887 os dados são de: São Paulo. Relatório da Comissão Central de
Estatística, 1888, pp. 53-56. A partir da década de 1850 em diante houve um contin-
gente indeterminado de imigrantes livres trabalhando nas fazendas de café do Oeste
paulista. As evidências disponíveis indicam que seu impacto sobre a força de trabalho
foi desprezível até a abolição da escravatura. Estimativas semelhantes foram elabo-
radas por Holloway e por Laerne, para a Zona de Santos. Usando um procedimento
ligeiramente diferente, Holloway estimou em 44.000 e 54.400 escravos a força de tra-
balho necessária em 1883 e 1887, respectivamente. Laerne usou uma estimativa de
produção de 109 arrobas por escravo por ano, e dados diferentes de produção para

PARTE I - APÊNDICE C
357
chegar ao requisito de 50.674 escravos em 1883. Veja Thomas Holloway. Immigration
and Abolition: The Transition from Slave to Free Labor in the São Paulo Coffee Zone.
In: Dauril Alden e Warren Dean (eds.) Essays Concerning the Socioeconomic History
of Brazil and Portuguese India. Gainesville: The University Presses of Florida, 1977,
pp. 150-77, pp. 153-55 e Laerne. Brazil and Java, p. 354.

Tabela 3.19 - Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo: Emprego de


escravos no setor cafeeiro (anos selecionados).
Fonte: Tabelas 3.16.1, 3.16.2, 3.17 e 3.18. Notas: (-) Significa dado não disponível.
(*) Significa porcentagem ligeiramente superior a 100%. Veja explicação nas notas
da tabela 3.17.

Tabela 4.1 - Brasil: Importações de escravos africanos, 1801-1851, por


períodos.
Nota: (1) Importações através do Rio de Janeiro somente. Fontes: 1801-1810:
Herbert S. Klein, The Trade in African Slaves to Rio de Janeiro. In: Klein. The
Middle Passage: Comparative Studies in the Atlantic Slave Trade. Princeton:
Princeton University Press, 1978, p. 55; 1811-1820: Philip D. Curtin. The Atlantic
Slave Trade: A Census. Madison: University of Wisconsin Press, 1969, p. 234; 1821-
1843: David Eltis,. The Direction and Fluctuation of the Transatlantic Slave Trade,
1821-1843: A Revision of the 1845 Parliamentary Paper. In: H. A. Gemery e J. S.
Hogendorn (eds.). The Uncommon Market: Essays in the Economic History of the
Atlantic Slave Trade. New York: Academic Press, 1979, p. 289;1844-1851: Mary
Catherine Karasch. Slave Life in Rio de Janeiro, 1808-1850. Tese de doutorado,
University of Wisconsin, 1972, pp. 140-41.

Tabela 4.2 - Brasil: Crescimento da população escrava, por províncias,


1819-1872.
Fontes: 1819: Joaquim Norberto de Souza e Silva. Investigações sobre os recen-
seamentos da população geral do Império e de cada província de per si tentados
desde os tempos coloniais até hoje. Memória anexa ao Relatório do Ministério do
Império de 1870 (Paulino José Soares de Souza). pp. 162-163. Esses números resul-
tam da memória intitulada “A Igreja no Brasil”, de autoria do Conselheiro Antonio
Rodrigues Velloso de Oliveira, apresentada em 28 de junho de 1819. Revista
Trimensal do Instituto Histórico e Geográfico, tomo XXIX, 1866. O trabalho origi-
nal de Velloso de Oliveira, que apresentava os habitantes distribuídos segundo as
divisões eclesiásticas, foi reorganizado por Joaquim Norberto para corresponder à

358 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
divisão em províncias. 1872: Diretoria Geral de Estatística. Recenseamento...1872.
Usamos os dados corrigidos pela própria DGE para incluir as paróquias não cobert-
tas pelo censo. A correção pode ser encontrada em Maria Luiza Marcílio. Evolução
da População Brasileira através dos Censos até 1872. Anais de História de Assis 6
(1974), p.127. Em Minas Gerais o recenseamento do Império foi realizado em 1º.
de agosto de 1873.

Tabela 4.3.1 - Minas Gerais: Importações líquidas de escravos, 1808-1819


(com taxas hipotéticas de crescimento interno).
Fontes: Os dados de população usados nessas estimativas são: 1808: População da
Província de Minas Gerais. Revista do Arquivo Público Mineiro 4 (1899), p. 295.
1819: Tabela 4.2, acima. Metodologia: A definição das variáveis e a metodologia
utilizada são descritas no texto e no apêndice B.

Tabela 4.3.2 - Minas Gerais: Importações líquidas de escravos, 1819-1873


(com taxas hipotéticas de crescimento interno).
Fontes: Os dados de população usados nessas estimativas são: 1819 e 1873: Tabela
4.2, acima. Metodologia: A definição das variáveis e a metodologia utilizada são
descritas no texto e no apêndice B.

Tabela 4.4 - Taxas implícitas de crescimento interno da população escrava


com diferentes hipóteses de exportações líquidas anuais.
Fontes: As mesmas das tabelas 4.3.1 e 4.3.2. Metodologia: veja a nota 246 e o
Apêndice B.

Tabela 4.5 - Estimativas das importações de escravos por 27 municípios


mineiros, 1854-1873.
Fontes: Dados de população: 1854: Relatório...Pres. Pereira de Vasconcellos, 1855;
1873: Recenseamento...1872, exceto para São João del Rei. A estimativa para esse
município cobre o período 1859-1873 e a população inicial é dada por Burton.
Explorations, vol. 1, pp. 114-15. Os dados de 1854 são estimativas contemporâneas
cuja qualidade não pode ser assegurada. Metodologia: Veja o Apêndice B. Notas:
As importações líquidas foram estimadas usando uma taxa de crescimento interno
da população escrava de - 10 por mil por ano. Para manter a comparabilidade das
unidades territoriais, a população dos municípios criados depois de 1854 foi agre-
gada de volta aos seus municípios de origem.

PARTE I - APÊNDICE C
359
Tabela 4.6 - Província de residência dos escravos nascidos em Minas e
província de nascimento dos escravos residentes em Minas, em 1872.
Fontes: Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Goiás e Mato
Grosso: tabelas paroquiais do Recenseamento...1872. Todas as demais províncias:
tabelas provinciais do mesmo censo. Notas: (*) Significa um valor positivo, mas
menor que 0,01 por cento. (**) Os escravos nascidos no Município Neutro foram
listados pelo censo junto com aqueles nascidos na província do Rio de Janeiro. Notas:
1) Há discrepâncias entre as diferentes tabulações (por sexo, por raça, por local de
nascimento, etc.) do Censo. Na maioria das tabelas o total dos escravos de Minas
Gerais é dado como 370.459. Esse número foi posteriormente revisto para 381.893,
para incluir as 14 paróquias mineiras não recenseadas, mas essa revisão não classificou
os escravos segundo o local de nascimento. 2) Observação importante: Os números
da tabela acima, principalmente aqueles sobre o local de nascimento de escravos
vivendo em Minas Gerais, são substancialmente diferentes daqueles apresentados nas
tabelas provinciais do censo, que têm sido largamente usados na literatura. As tabelas
provinciais contêm enormes erros de soma. Os números corretos para Minas Gerais,
São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Espírito Santo e Mato Grosso são aqueles mostrados
acima, obtidos pela soma corrigida dos dados das paróquias individuais. A tabela
“Província de Minas Gerais. População em relação à Nacionalidade Brasileira,” na
parte 9, vol. 2, p. 1.084, dá somente 793 como o número total de escravos nascidos
em outras províncias e vivendo em Minas Gerais. O total correto, 8.578, foi obtido
somando-se os dados das tabelas paroquiais com o mesmo título, na parte 9, vol.
1, pp. 1-558 e parte 9, vol. 2, pp. 559-1069. A tabela “Província de Minas Gerais.
População Considerada em Relação à Nacionalidade Estrangeira,” na parte 9, vol. 2,
p. 1.085, dá 28.148 como o total de escravos nascidos na África residentes em Minas.
Este total também está errado: a soma correta das tabelas paroquiais mostra somente
27.946 africanos. Os números de escravos nascidos em Minas Gerais, vivendo no Rio
de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Goiás e Mato Grosso, apresentados na tabela
4.6, também foram obtidos adicionando-se as tabelas paroquiais apropriadas daque-
las províncias. Em todos os casos, com exceção do Mato Grosso, havia erros nas tabe-
las provinciais. Os dados para as províncias restantes não puderam ser verificados,
por falta absoluta de tempo. É provável que suas tabelas provinciais contenham erros,
mas é muito improvável que esses erros possam mudar as conclusões aqui apresen-
tadas. As outras tabelas provinciais do censo (tabulações por idade, ocupação, etc.)
também contêm enormes erros, como mostramos em outras partes deste trabalho.
Como foram publicadas há mais de um século, muitas análises e conclusões têm sido

360 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
baseadas nelas, e carregam, portanto, todos os seus erros. O único autor que chamou a
atenção para os erros do censo, até o presente, foi Amílcar Martins Filho, que corrigiu
os dados ocupacionais da população escrava de Minas em um recente trabalho não-
-publicado. Para exemplos de trabalhos recentes nos quais conclusões importantes
são baseadas nas tabelas provinciais defeituosas, veja Klein. The Internal Slave Trade,
p. 112-12; Slenes. The Demography, p. 135; e Merrick and Graham. Population, p. 73.

Tabela 4.7 - Local de nascimento dos escravos residentes em Minas Gerais


em 1873, por região de residência.
Fontes: As mesmas da Tabela 4.6, acima. Notas: “Outras províncias” inclui todas
as demais províncias do Império, exceto Amazonas e Rio Grande do Norte. No
momento do censo não havia nenhum escravo nascido nessas duas províncias e
residente em Minas Gerais.

Tabela 4.8 - Brasil: Características de sexo e idade da população escrava,


por províncias ou regiões, 1872.
Fonte: Recenseamento...1872. Todos os dados para Minas Gerais são das tabelas
paroquiais. Os dados para São Paulo referentes ao local de nascimento são das
tabelas paroquiais, os referentes às idades são da tabela provincial. Todas as demais
províncias: todos os dados são das tabelas provinciais. Os dados sobre as idades
se referem aos escravos presentes em suas paróquias de residência no momento
do censo. Notas: A razão de masculinidade é definida nesta tabela como como o
número de escravos homens dividido pelo número de escravas. As colunas 1 a 3
não incluem o Maranhão. As colunas 4 e 5 não incluem o Município Neutro.

Tabela 4.9 - Minas Gerais: Características da população escrava, por


regiões, 1873.
Fonte: Recenseamento...1872. Tabelas paroquiais de Minas Gerais. Notas: O censo
não registra nenhum escravo nascido em outras províncias e residente na região
do Triângulo. Algumas razões discrepantes se devem ao fato de serem referentes a
populações muito pequenas, como se pode ver na tabela 4.7.

Tabela 4.10 - Minas Gerais: População escrava, por regiões, 1873-1886.


Fontes: 1873: Recenseamento...1872; 1880: Falla...Pres. Sant’Ana, 1880, pp. 25-26;
1884: Falla...Pres. Gonçalves Chaves, 1884, pp. 63-64; 1886: Relatório...vice-pres.
Souza Magalhães, 1887, pp.32-34. Notas: 1) Em Minas Gerais o censo do Império
só foi realizado em 1º. de agosto de 1873. 2) O total da população escrava de

PARTE I - APÊNDICE C
361
Minas dado pelo Censo do Império é 370.459. Esse número foi posteriormente
revisto para 381.893, pela Diretoria Geral de Estatística, para incluir 14 paróquias
que não foram recenseadas. Como essa revisão não foi desagregada por muni-
cípios, tivemos de estimar, usando outras fontes, as populações dos municípios
que continham essas paróquias. Nossa estimativa resultou no total provincial de
382.640, que é 0,2% maior que o total revisto pela DGE. 3) As populações de 1880
de 10 municípios não incluídos na fonte acima foram estimados por interpolação
entre o dado de 1873 e o dado mais próximo disponível após 1880. 3) As popu-
lações escravas dos municípios em 1873, 1880, 1884 e 1886, são apresentadas no
Apêndice B.

Tabela 4.11 - Minas Gerais: Transferências interregionais de escravos,


1873-1880.
Fontes: As mesmas da Tabela 4.10, acima. Notas: 1) Para manter a comparabilidade
territorial das regiões, a população dos municípios criados durante o período foi
agregada de volta aos municípios aos quais o território pertencia em 1873. 2) A
fusão entre Montes Claros e Guaicuí eliminou um dos 72 municípios existentes
no ano do Censo. 3) Os saldos líquidos para cada município são apresentados no
Apêndice B. Metodologia: veja o texto acima da tabela e o Apêndice B.

Tabela 4.12 - Preço médio dos escravos comprados pelo Fundo Imperial de
Emancipação, por regiões do Brasil, províncias selecionadas e regiões de
Minas, 1875-1880.
Fontes: Relatório Agricultura, Ministro Buarque de Macedo, 14 de maio de 1880,
p. 22, exceto Minas Gerais. Minas Gerais: idem, pp. 34-35, com exceção dos muni-
cípios de Turvo e Paracatu, que são do Relatório...pres. Rebelo Horta, 1879, p. 61.
Notas: Além de conter erros de soma, a fonte lista alguns municípios mineiros duas
vezes, sob diferentes nomes. Há um evidente erro de impressão nos dados para
o município de Turvo. Os dados corretos foram obtidos no relatório provincial
citado. O relatório do Ministro da Agricultura em 1879 não informa o custo total
dos escravos comprados, mas apenas a parte paga pelo Fundo de Emancipação,
não incluindo os pecúlios com os quais os escravos contribuíam para a compra de
sua liberdade. Como a participação dos pecúlios no custo total variava bastante
de província a província, os dados tiveram que ser ajustados para refletir corre-
tamente os preços relativos. Felizmente, a contribuição dos pecúlios no período
1875-1883, para a maioria das províncias, está publicada no Relatório Agricultura,
Ministro Henrique d’Avila, 1883, p. 14. Os gastos do Fundo de Emancipação no

362 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
período 1875-1880 foram então inflados na proporção representada pelos pecúlios
no mesmo período, em cada província. Para quatro províncias (Amazonas, Ceará,
Goiás e a Corte) os únicos dados de pecúlios disponíveis se referem ao período de
1875-1885, e foram usados no ajuste.

Tabela 4.13 - Minas Gerais: Associação entre café e tráfico, 1873-1880.


Fontes: Saldos líquidos municipais do tráfico: Apêndice B; municípios produtores
de café: Laerne. Brazil and Java, p. 118. Nota: (*) A fusão entre Montes Claros e
Guaicuí reduziu para 71 os 72 municípios do censo. Metodologia: Sobre o conceito
e a computação do coeficiente de contingência C, veja, por exemplo, Sidney Siegel.
Nonparametric Statistics for the Behavioral Sciences. New York: McGraw-Hill, 1956,
p. 196-202. Em uma matriz de contingência 2x2, o valor máximo de C (associação
perfeita entre os atributos) é igual a 0,707.

Tabela 4.14 - Minas Gerais: Associação entre mineração e tráfico, 1873-


1880
Fontes: Saldos líquidos municipais do tráfico: Apêndice B; caracterização dos
municípios mineradores: capítulo 2, acima. Nota: (*) A fusão entre Montes Claros e
Guaicuí reduziu para 71 os 72 municípios do censo. Metodologia: Sobre o conceito
e a computação do coeficiente de contingência C, veja, por exemplo, Sidney Siegel.
Nonparametric Statistics for the Behavioral Sciences. New York: McGraw-Hill, 1956,
p. 196-202. Em uma matriz de contingência 2x2, o valor máximo de C (associação
perfeita entre os atributos) é igual a 0,707.

Tabela 4.15 - Preço médio dos escravos comprados pelo Fundo Imperial de
Emancipação, por regiões e províncias selecionadas, 1875-1888.
Fontes: Tabela 4.12 e Relatório Agricultura, Ministro Henrique d’Avila, 1882, p.
14; Relatório Agricultura, Ministro Antonio da Silva Prado, 1885, p. 32; e Relatório
Agricultura, Ministro Rodrigo A. Silva, 1888, p. 29. Metodologia: Estas fontes dão
o número cumulativo de escravos comprados e o custo total de 1875 a 1880, 1883,
1885 e 1888 respectivamente. Os números para cada período foram obtidos por
subtração. Notas: 1) Os dados do Ceará em 1883 não incluem o valor dos pecúlios
de escravos. Eles foram ajustados usando os números de 1885 e o procedimento
descrito nas notas da tabela 4.12, acima. 2) O Nordeste não inclui Alagoas. 3) Em
1885-1888, o Ceará e o Rio Grande do Sul não estão incluídos porque nenhum
escravo foi comprado pelo Fundo de Emancipação nessas províncias.

PARTE I - APÊNDICE C
363
Tabela 4.16 - Minas Gerais: Transferências interregionais de escravos,
1880-1884.
Fontes: As mesmas da Tabela 4.10, acima. Notas: 1) Para manter a comparabili-
dade territorial das regiões, a população dos municípios criados durante o perí-
odo foi agregada de volta aos municípios aos quais o território pertencia em 1873.
Alguns desses novos municípios foram constituídos por partes desmembradas de
diferentes municípios existentes em 1873. Nesses casos tivemos de utilizar clusters
de municípios, o que reduziu o número de unidades de análise para 67. Os clusters
são explicitados na tabela desagregada por municípios, no Apêndice B. 2) Os saldos
líquidos para cada município são apresentados no Apêndice B. Metodologia: veja o
texto acima da tabela e o Apêndice B.

Tabela 4.17 - Minas Gerais: Associação entre café e tráfico, 1880-1884.


Fontes: Saldos líquidos municipais do tráfico: Apêndice B; municípios produto-
res de café: municípios listados em Laerne, Brazil and Java, p. 118, mais Alfenas,
Cabo Verde, Caldas, Jaguari, Ouro Fino, São José do Paraíso, São Sebastião do
Paraíso, Muzambinho, Jacui e Guaxupé. Notas: (*) Veja as notas da Tabela 4.16.
Metodologia: Sobre o conceito e a computação do coeficiente de contingência
C, veja, por exemplo, Sidney Siegel. Nonparametric Statistics for the Behavioral
Sciences. New York: McGraw-Hill, 1956, p. 196-202. Em uma matriz de contingên-
cia 2x2, o valor máximo de C (associação perfeita entre os atributos) é igual a 0,707.

Tabela 4.18 - Minas Gerais: Associação entre mineração e tráfico, 1880-


1884.
Fontes: Saldos líquidos do tráfico: Apêndice B; caracterização dos municípios mine-
radores: capítulo 2, acima. Notas: (*) Veja as notas da Tabela 4.16. Metodologia:
Sobre o conceito e a computação do coeficiente de contingência C, veja, por exem-
plo, Sidney Siegel. Nonparametric Statistics for the Behavioral Sciences. New York:
McGraw-Hill, 1956, p. 196-202. Em uma matriz de contingência 2x2, o valor
máximo de C (associação perfeita entre os atributos) é igual a 0,707.

Tabela 4.19 - Minas Gerais: Transferências interregionais de escravos,


1884-1886.
Fontes: As mesmas da Tabela 4.10, acima. Notas: 1) Veja as notas da tabela 4.16.
2) Os saldos líquidos para cada município são apresentados no Apêndice B.
Metodologia: veja o texto acima e o Apêndice B.

364 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela 4.20 - Minas Gerais: Associação entre café e tráfico, 1884-1886.
Fontes: Saldos líquidos municipais do tráfico: Apêndice B; municípios produto-
res de café: municípios listados em Laerne, Brazil and Java, p. 118, mais Alfenas,
Cabo Verde, Caldas, Jaguari, Ouro Fino, São José do Paraíso, São Sebastião do
Paraíso, Muzambinho, Jacui e Guaxupé. Notas: (*) Veja as notas da Tabela 4.16.
Metodologia: Sobre o conceito e a computação do coeficiente de contingência
C, veja, por exemplo, Sidney Siegel. Nonparametric Statistics for the Behavioral
Sciences. New York: McGraw-Hill, 1956, p. 196-202. Em uma matriz de contingên-
cia 2x2, o valor máximo de C (associação perfeita entre os atributos) é igual a 0,707.

Tabela 4.21 - Minas Gerais: Associação entre mineração e tráfico, 1884-


1886.
Fontes: Saldos líquidos do tráfico: Apêndice B; caracterização dos municípios mine-
radores: capítulo 2, acima. Notas: (*) Veja as notas da Tabela 4.16. Metodologia:
Sobre o conceito e a computação do coeficiente de contingência C, veja, por exem-
plo, Sidney Siegel. Nonparametric Statistics for the Behavioral Sciences. New York:
McGraw-Hill, 1956, p. 196-202. Em uma matriz de contingência 2x2, o valor
máximo de C (associação perfeita entre os atributos) é igual a 0,707.

Tabela 4.22 - Brasil: Alforrias de escravos, por províncias, 1877-1881.


Fontes: Relatório da Secção de Estatística, 10 de maio de 1883 e Relatório Agricultura,
Ministro Antônio da Silva Prado, 1885 (publicado em 1886), p. 34. Notas: (*)
Significa dado não disponível. 1) A taxa de alforria é definida como o número de
alforrias por mil escravos registrados no ano. 2) Porcentagem da população escrava
existente em 1873 alforriada entre este ano e 1885.

Tabela 4.23 - Taxas de alforria na região não-plantation de Minas Gerais,


1877-1881.
Fonte: Tabela 4.22. Metodologia: nota 322.

Tabela 5.1 - Minas Gerais: Arrecadação dos direitos de entradas, 1717-


1800, por períodos, em milréis.
Fonte: Maxwell. Conflicts and Conspiracies, pp. 247-48.

Tabela 5.2 - Minas Gerais: Exportações per capita de café e produtos não-
café, 1819-1888, anos selecionados.
Fontes: Exportações de café: Eschwege, Notícias, pp. 748-49 e Alvim, Confrontos e
Deduções, pp. 80-83. Usamos médias trienais das exportações, centradas nos anos

PARTE I - APÊNDICE C
365
em foco, exceto para 1819. Exportações de produtos não-café: preços e quantidades:
1819: Eschwege. Notícias e Reflexões, pp. 748-49; 1845: Falla... pres. Quintiliano
José da Silva, 1846; 1868: Relatório... pres. Sá e Benevides, 1869; 1882: Falla... pres.
Antonio Gonçalves Chaves, 1883. Metodologia: Índices de preços: os valores das
exportações de café foram deflacionados por um índice de preços do café exportado
computado a partir de dados em Alvim, Confrontos e Deduções, pp. 80-83. Para
deflacionar os valores das exportações não-café construimos um índice de preços
(índice ideal de Fisher) com os seguintes produtos: fumo, gado vacum, porcos,
carne de porco, banha, toucinho, queijo, pano de algodão e algodão em rama. Essas
mercadorias foram responsáveis por 84,6% do valor das exportações não-café em
1819, e mais de 90% nos outros anos. O índice resultante é 1819 = 100,0; 1845 =
142,0; 1868 = 354,9; 1882 = 490,6 e 1888 = 558,4.

Tabela 5.3 - A malha ferroviária mineira, 1884-1889.


Fontes: Compilado de dados em: Wells. Exploring and Travelling, vol. 2, pp. 330-
31; Dent. A Year in Brazil, pp. 267-72; Iglesias. Política Econômica, p. 167, Ricketts.
Report on the Province of Minas Geraes, p. 13; Falla... pres. Gonçalves Chaves, 1884,
pp. 98-99. Notas: (1) Extensão em 1885. (2) A União Mineira fundiu-se com a
Leopoldina em 1884. (3) Em 1887 o ramal de Poços de Caldas já estava em opera-
ção, mas não sei sua extensão.

Tabela 5.4 - Brasil: Receita total e per capita dos governos geral e
provinciais, por províncias, 1886-87.
Fonte: Breve Notícia do Estado Financeiro das Províncias organizada por ordem de
S. Ex. o Sr. Barão de Cotegipe, Presidente do Conselho de Ministros. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1887. Tabela n°. 3, sem número de página. Nota: (*) As receitas
do Governo Geral se referem ao exercício de 1885-86.

Tabela 5.5 - Brasil: Valor das exportações per capita, por regiões, 1869-1873
e 1879-1882 (médias anuais, em milréis).
Fontes e metodologia: 1869-73: Adaptado de Slenes. The Demography, p. 219, com
as seguintes correções: Na região Norte corrigimos sua hipótese de que as expor-
tações registradas no Pará incluíam o Amazonas. Os números dessa região nesse
período incluem somente o Pará. Subtraímos as exportações mineiras (dadas por
Alvim, Confrontos e Deduções, pp. 80-83) das exportações totais para do Centro-
Sul. O restante foi dividido somente pela soma das populações de São Paulo e Rio
de Janeiro. O Município Neutro (cidade do Rio de Janeiro) foi excluído porque é

366 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
pouco provável que tenha contribuído com um volume significativo de exporta-
ções. Como explicado por Slenes, o Espírito Santo não foi incluído nesse período
porque não há dados disponíveis para essa província. A subtração das exportações
mineiras introduz um viés para baixo nos valores per capita das outras províncias
do Centro-sul, uma vez que a maior parte das exportações mineiras não-café era
consumida no Rio de Janeiro, e não reexportadas. Usamos os dados não corrigi-
dos do Recenseamento de 1872. A diferença nas exportações per capita que seriam
obtidas usando os dados ajustados é desprezível. As províncias de Mato Grosso e
Goiás não foram incluidas porque não há dados disponíveis. As regiões compre-
endem as seguintes províncias: Norte: Pará; Nordeste: Maranhão, Piauí, Ceará, Rio
Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Alagoas e Bahia; Sul: Rio Grande
do Sul, Paraná e Santa Catarina; Centro-Sul: Rio de Janeiro e São Paulo.
1879-82: Dados de exportação de Laerne Brazil and Java, p. 196; (comércio exte-
rior) e p. 201 (comércio de cabotagem). Como antes, subtraímos as exportações
mineiras do total do Centro-Sul (São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo). A
fonte dos dados para Minas é a mesma do período anterior e os mesmos comen-
tários se aplicam aqui. Usamos, para todas as regiões, a média do valor anual das
exportações nos anos fiscais de 1879-80, 1880-81 e 1881-82. Os dados popula-
cionais foram estimados aplicando-se sobre população de 1872, de cada provín-
cia, a taxa de crescimento observada no intervalo intercensitário, 1872-1890, por
um período de oito anos, exceto nos casos de Minas Gerais e São Paulo, onde o
primeiro censo se realizou em 1873 e 1874, respectivamente. O mesmo procedi-
mento foi usado para calcular as populações das regiões cafeeira e não-cafeeira
de Minas: sobre a população da zona cafeeira em 1873 aplicamos, por sete anos,
a taxa de crescimento observada na Mata em 1873-1890. Subtraindo o resultado
da população projetada para toda a província em 1880, de obtivemos a popula-
ção da região não-cafeeira. Nesse período as regiões compreendem as mesmas
províncias que no período anterior, exceto pela inclusão do Amazonas no Norte
e do Espírito Santo no Centro-Sul. Nos dois períodos, as províncias tiveram de
ser agrupadas em regiões porque os dados de exportação, que são disponíveis
apenas segundo os portos de embarque, não permitem discriminar suas origens
provinciais. Assim, por exemplo, parte das exportações mineiras era despachada
através do Rio de Janeiro, parte através de Santos; uma parte considerável das
exportações paulistas saiam pelo Rio, e assim por diante. O mesmo problema
ocorre com os dados para as outras regiões.

PARTE I - APÊNDICE C
367
Tabela 5.6 - Minas Gerais: Principais produtos exportados, 1818-1884 (em
milhares de unidades).
Fontes: 1818-19: Eschwege. Notícias e Reflexões, pp. 737-62; 1839-40: Falla...pres.
Pereira Pinto, 1841, mapa n. 5; 1842-43: Falla...pres. Soares d’Andrea, 1844, mapa
n. 22; 1844-45: Falla... pres. Quintiliano Jsé da Silva, 1846, mapa n. 29; 1867-68:
Relatório...pres. Sá e Benevides, 1869, anexo 9, mapa n. 1; 1882-83: Falla...pres.
Gonçalves Chaves, 1884, anexo B, quadro n. 17; 1883-84: Falla...pres. Alves de
Brito, 1885. Notas: (*) Significa dado não disponível. A partir do ano fiscal de
1879-80 o açúcar foi isentado do imposto de exportação. No ano fiscal de 1883-
84 foram isentados vários artigos de pequena importância na receita das exporta-
ções. Por isto não é disponível o dado do algodão em rama. As fontes apresentam
os dados em arrobas, quilos, varas e metros. Usamos as seguintes conversões:
1 arroba = 14,689 quilos; 1 vara = 1,1 metros. (1) As exportações de toucinho
incluiam ocasionalmente pequenas quantidades de banha e carne de porco. (2)
Em 1883-84 as exportações de queijos são registradas por peso. Consideramos 1
queijo = 0,75 quilos.

Tabela 5.7 - Minas Gerais: Valor das exportações, 1818-1884, por produtos,
em contos de réis correntes.
Fontes: As mesmas da Tabela 5.6. Notas: (*) Significa dado não disponível. Veja as
notas da Tabela 5.6 para detalhes. (1) Somente outros alimentos e bebidas sujeitos
ao imposto de exportação. Veja sua listagem na Tabela 5.9. (2) Somente outros pro-
dutos sujeitos ao imposto de exportação. Veja sua listagem na Tabela 5.10.

Tabela 5.8 - Minas Gerais: Participação dos produtos no valor total das
exportações, 1818-1884, em porcentagens.
Fontes: As mesmas da Tabela 5.6. Notas: (*) Significa dado não disponível. Veja as
notas da Tabela 5.6 para detalhes. (+) Significa valor positivo mas menor que 0,1.
(1) Somente outros alimentos e bebidas sujeitos ao imposto de exportação. Veja
sua listagem na Tabela 5.9. (2) Somente outros produtos sujeitos ao imposto de
exportação. Veja sua listagem na Tabela 5.10.

Tabela 5.9 - Minas Gerais: Outros alimentos e bebidas exportados, 1818-1884.


Fontes: As mesmas da Tabela 5.6. Notas: 1) Além dos alimentos já listados na Tabela
5.6. 2) Inclui apenas os artigos cuja exportação era taxada. Havia vários artigos que
eram exportados mas não eram objeto de imposto.

368 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela 5.10 - Minas Gerais: Outros produtos exportados, 1818-1884.
Fontes: As mesmas da Tabela 5.6. Notas: 1) Além dos proddutos listados nas Tabelas
5.6. e 5.9. 2) Inclui apenas os artigos cuja exportação era taxada. Havia vários arti-
gos que eram exportados mas não eram objeto de imposto.

Tabela 5.11 - Minas Gerais: Valor das exportações de animais e derivados


não manufaturados da pecuária, 1818-1884, em contos de réis correntes.
Fonte: As mesmas da tabela 5.6. Nota: Não inclui manufaturas de origem pecuária
como calçados, chicotes, selas, etc.

Tabela 5.12 - Minas Gerais: Exportações de fumo, 1818-1886.


Fontes: 1820: Spix e Martius. Viagem, vol. 1, p. 118; 1881-82: Falla...pres. Gonçalves
Chaves, 1883, anexo A; 1886: Ricketts. Report, p. 6. Todos os demais anos: as mes-
mas da Tabela 5.6. Nota: (*) Significa dado não disponível.

Tabela 5.13 - Minas Gerais: Consumo interno como porcentagem do


produto total de alguns bens, 1818-1883.
Notas: (*) Significa dado não disponível. (1) Produto total definido como quanti-
dade consumida mais quantidade exportada, não considera variações de estoques.
(2) Inclui algodão em rama e pano de algodão. Fontes e metodologia: O consumo
interno foi estimado através da multiplicação de coeficientes de consumo per capita
de cada produto pela população estimada para cada ano. Os coeficientes de consumo
foram calculados para a província de São Paulo, em 1836, para os seguintes artigos:
arroz, feijão, milho, farinha de mandioca, porcos e gado. Da produção total de cada
um subtraímos as exportações totais (incluindo exportações marítimas e terrestres)
e dividimos o restante pela população total (livres e escravos). Os coeficientes resul-
tantes devem ser considerados como níveis mínimos de consumo per capita de cada
produto pelas seguintes razões: a) Não foram incluídas eventuais importações desses
bens, por falta de informação, e b) a fonte informa que as exportações de alguns por-
tos foram dirigidas a outros portos da mesma província, mas não dá mais detalhes.
Assim, quantidades ignoradas de alguns produtos foram indevidamente deduzidas
do consumo total. Foram desconsideradas quaisquer variações nos estoques. A fonte
desses dados é Daniel Pedro Muller. Ensaio d’um quadro estatístico da Província de
São Paulo. 3ª. edição fac-similada. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 1978,
pp. 226-37. Os coeficientes de consumo anual per capita obtidos foram os seguintes:
arroz = 0,83 alqueires; feijão = 0,709 alqueires; milho = 11,836 alqueires; farinha de
mandioca = 0,218 alqueires; porcos = 0,211 cabeças e gado bovino = 0,109 cabeças.

PARTE I - APÊNDICE C
369
Só no caso do milho foi possível comparar com outro coeficiente estabelecido de
modo independente: Warren Dean estimou o consumo per capita de milho em Rio
Claro, São Paulo, em 12,26 alqueires e 12,99 alqueires em 1822 e 1833, respectiva-
mente. Dean. Rio Claro, p. 19. A aplicação dos coeficientes paulistas à população
mineira é razoável. As duas economias provinciais eram, nesse período, bastante
semelhantes e as dietas de suas populações eram, provavelmente, bem parecidas.
Os coeficientes obtidos estão bastante alinhados com o que sabemos dos hábitos de
consumo mineiros: altos níveis de consumo de arroz, feijão e especialmente milho
(que lá também, como em Minas, era básico na alimentação de livres, de escravos e
como ração de vários animais), e a preferência do milho sobre a mandioca. O padrão
de vida em São Paulo certamente não era superior ao de Minas Gerais, pois antes
da “revolução” do café aquela província era considerada pobre. É também razoável
supor que os coeficientes de consumo permaneceram estáveis em Minas ao longo do
século XIX. As fontes mencionadas na nota 365 não indicam nenhuma mudança na
dieta básica, nem nenhuma alteração perceptível no padrão de vida ao longo do perí-
odo. Os coeficientes de consumo de açúcar, rapadura e azeite de mamona, que não
puderam ser calculados para São Paulo, foram computados a partir de dados para
1860, obtidos em Thomaz Pompeo de Souza Brasil. Ensaio Estatístico da Província do
Ceará. [sem local]: Typographia de B. de Mattos, 1863, vol. 1, pp. 297 e 376. O padrão
de vida do Ceará era seguramente mais baixo que o de Minas Gerais. Os coeficientes
obtidos foram: açúcar = 1,17 quilos; rapaduras = 0,615 unidades; azeite de mamona
= 0,035 canadas. O coeficiente para aguardente de cana (cachaça) foi obtido com o
seguinte procedimento: Miguel Costa Filho. A Cana de Açúcar, pp. 229-30, informa
que, em 1789, foram consumidos em Minas 1.680.000 litros de cachaça. A divisão
desta quantidade pela população total de 1786 (393.698 habitantes) resulta em 4,26
litros per capita. O processo foi um pouco mais complicado no caso do algodão, por-
que Minas exportava tanto algodão em rama, quanto tecidos de algodão. Dados apre-
sentados por Sturz. A Review, p. 111, nos permitiram estimar o consumo doméstico
de pano produzido localmente em 8,07 yards, ou 7,37 metros per capita. A mesma
fonte informa que o pano mineiro pesava 0,34 pounds por yard, ou 169 gramas por
metro. Então, com as hipóteses extremas de que não havia perda de peso no processo
de produção (isto é, que um quilo de algodão produzia um quilo de tecido), e que o
algodão só era consumido na forma de tecido, obtivemos um consumo de 1,24 quilos
de algodão em rama per capita. As exportações totais de algodão foram estimadas
multiplicando as exportações de pano por 169 gramas por metro, e somando com
as exportações registradas de algodão em rama. No final do período em estudo, esse

370 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
procedimento teve de ser descartado por ser baseado no consumo e nos coeficientes
técnicos do pano artesanal, que nessa época já tinha sido em grande parte substituído
pelo tecido fabril. O coeficiente usado na tabela para 1882-83 é simplesmente a por-
centagem do tecido fabril produzido em Minas e consumido domesticamente nesse
ano. As hipóteses subjacentes são as de que nessa data a indústria têxtil doméstica
tinha desaparecido completamente e que só se consumia algodão sob a forma de
tecido fabril. Os dados são de Ricketts. Report, p. 8 e Falla...pres. Alves de Brito, 1885.
Finalmente, é importante observar que a definição de produto total adotada (igual a
consumo estimado mais exportação) não faz nenhuma provisão para variações nos
estoques. Para a maioria dos produtos isso não é importante, mas para o gado e os
porcos não é assim, porque nesses dois casos havia certamente uma forte tendência
ascensional nos estoques. Não são disponíveis dados para o século XIX, mas quando
foi realizado o primeiro censo econômico do Brasil, em 1920, Minas tinha os maiores
rebanhos de bovinos e de suínos, por larga margem. Nesses casos, a porcentagem
exportada do produto está certamente superestimada na tabela 5.13.

Tabela 5.14 - Minas Gerais: Exportações de algodão em rama, 1819-1888.


Fontes: Minas Gerais: 1820: Spix e Martius. Viagem, vol. 1, p. 118; 1828: Sturz.
A Review, p. 111; 1840: Falla...pres. Pereira Pinto, 1841, mapa 5. Todos os outros
anos: Carvalho. Notícia Histórica, pp. 19-20. Brasil: Stein. The Brazilian Cotton
Manufacture, p. 198. Notas: O total do Brasil não é disponível para 1819 e 1820.
Usamos a média de 1821, 1822 e 1823 para calcular as duas porcentagens. O dado
de 1828 só inclui a exportação para o Rio de Janeiro. (*) Significa valor positivo mas
menor que 0,01.

Tabela 5.15 - Minas Gerais: Exportações de pano de algodão, 1818-1884.


Fontes: 1818-19: Eschwege. Notícias e Reflexões, pp. 737-62; 1828: Sturz. A
Review, pp. 110-111; 1839-46: Burmeister. Viagem, p. 334; 1839-40: Falla...Pres.
Pereira Pinto, 1841, Mappa no. 5; 1842-43: Falla...Pres. Soares d’Andrea, 1844,
mapa 22; 1844-45: Falla...Pres. Quintiliano José da Silva, 1946, Mapa n. 29; 1867-
68: Relatório...Pres. Sá e Benevides, 1869; 1881-82: Falla...Pres. Gonçalves Chaves,
1883, Anexo A; 1883-83: Falla...Pres. Gonçalves Chaves, 1884, Anexo B, quadro 17;
1883-84: Falla...Pres. Alves de Brito, 1885. Notas: (*) Significa dado não disponí-
vel. 1) Inclui somente pano de algodão. Não inclui pano riscado e pano trançado,
cobertores, colchas, toalhas, redes e linha de algodão. 2) O dado de 1828 inclui
somente exportações para o Rio de Janeiro. 3) 1839-46 = média anual do período.

PARTE I - APÊNDICE C
371
4) 1 vara = 1,20 yards = 1,1 metros. Peso estimado do pano de Minas: 1 metro de
pano = 169 gramas.

Tabela 5.16 - Brasil: Operários em tecidos, por províncias, 1872.


Fonte: Recenseamento de 1872. Quadros Gerais do Império do Brasil, Tabela 7
- Profissões.

Tabela 5.17 - Brasil e Minas Gerais: sexo e condição dos operários em


tecidos, 1872.
Fonte: Recenseamento de 1872. Quadros Gerais do Império do Brasil, Tabela 7
- Profissões.

Tabela 5.18 - Brasil e Minas Gerais, por regiões: Operários em tecidos, 1872.
Fonte: Recenseamento de 1872. Minas Gerais: Tabelas paroquiais; outras provín-
cias: Quadros Gerais do Império do Brasil Notas: (*) Significa dado não disponível.
1) Cinco municípios tinham somente trabalhadores livres nesta categoria. 2) O
total de Minas Gerais na tabela (67.620) é o número obtido pela soma das tabelas
paroquiais. Conforme já mencionamos, as diferentes tabelas do Censo nunca são
congruentes. As tabelas agregadas dão 64.003 trabalhadores têxteis livres e 6.454
escravos, ou o total de 70.457, que aparece na tabela 5.17. 3) A coluna Municípios
com operários indica o número de municípios de cada região de Minas onde o
Censo arrolou operários em tecidos.

Tabela 5.19 - Minas Gerais: Fábricas de tecidos em operação,1852-1888.


Fonte: Estimativa a partir da consolidação de listas e informações fragmentárias
sobre as datas de estabelecimento das fábricas em: Iglesias. Política Econômica, pp.
106-09; Dornas Filho. O Ouro das Gerais, pp. 141-43; Ricketts. Report, p. 17; Falla...
pres. Gonçalves Chaves, 1883, p. 72; Falla...pres. Gonçalves Chaves, 1884, p. 72; The
Empire of Brazil at the Universal Exhibition of 1876 in Philadelphia. Rio de Janeiro:
Typographia e Lithographia do Imperial Instituto Artístico, 1876; e Branner. Cotton
in the Empire of Brazil, p. 42. Notas: Os números obtidos geralmente excedem os
dados em cada fonte individual. Assumimos que as fábricas listadas nas diferentes
datas permaneciam em operação em 1888, exceto no caso da Cana do Reino, que
deixou de operar em 1874.

Tabela 5.20 - Minas Gerais: Engenhos de cana no século XIX.


Fonte: Miguel Costa Filho. A Cana de açúcar em Minas Gerais, pp. 193-96. Notas:
(1) Inclui apenas 38 dos 50 municípios existentes. (2) Inclui apenas 33 municípios.

372 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela 5.21 - Minas Gerais: Localização de 3.702 engenhos de cana em
1853, por regiões.
Fonte: Miguel Costa Filho. A Cana de açúcar em Minas Gerais, pp. 193-94. Nota: (*)
O levantamento inclui apenas 38 dos 50 municípios existentes

Tabela 5.22 - Minas Gerais: exportações de açúcar, 1818-1880 (anos


selecionados).
Fontes: Minas Gerais: 1819-1845: as mesmas da tabela 5.6. 1851-1880: Costa filho.
A Cana de Açúcar, p. 214. Brasil: Eisenberg. The Sugar Industry, p. 8. Notas: (*)
Significa dado não disponível. (1) Média anual. 1856 foi excluido por falta de
dados. (2) Média anual. 1862-64 excluidos por falta de dados. (3) Média anual. (4)
Para calcular a porcentagem em 1839-40 usamos a média do Brasil em 1836-40, e
para 1842-43 e 1844-45, usamos a média do Brasil em 1841-45.

Tabela 5.23 - Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo: Distribuição


ocupacional da força de trabalho escrava, 1872.
Fontes: Minas Gerais: Tabela 5.24, abaixo; Rio de Janeiro e São Paulo:
Recenseamento...1872, parte 15, pp. 358-59 e parte 19, pp. 433-34. Notas: (*) Em
Minas, Rio de Janeiro e São Paulo, respectivamente, 32,0; 30,8 e 21,6 porcento dos
escravos foram registrados pelo Censo como “sem profissão”. Veja as notas das
tabelas 5.24.1 e 5.24.2, abaixo, sobre o significado desta categoria.

Tabela 5.24.1 - Minas Gerais: Distribuição ocupacional da população


escrava, por regiões, 1873 (número de escravos por grupo ocupacional).
Fonte: Recenseamento...1872, parte 9, vol. 1, pp. 1-558; vol. 2, pp. 559-1.068
(Tabelas paroquiais de Minas Gerais). Nota: É dificil determinar exatamente o
que está incluido na categoria “sem profissão” usada pelo censo. Claramente seu
maior componente é o contingente de escravos muito jovens ou muito idosos, ou
seja, aqueles que estão fora da força de trabalho. Uma regressão linear ajustada
aos dados municipais do número de escravos abaixo de 15 ou acima de 60 anos e
o número de escravos “sem profissão” tem o coeficiente angular igual a 1,05, e o
coeficiente de correlação é igual a 0,73. A variação entre os municípios, entretanto,
sugere que esta categoria inclui outras situações, como escravos sem ocupação fixa
e aqueles cuja ocupação não foi declarada. As diferentes tabelas do censo nunca são
congruentes.

PARTE I - APÊNDICE C
373
Tabela 5.24.2 - Minas Gerais: Distribuição ocupacional da população
escrava, por regiões, 1873 (porcentagens do total de escravos com ocupação
conhecida).
Fonte: Tabela 5.24.1.
Bibliografia e referências da parte I

1. Livros, artigos e outras publicações. 2. Teses e dissertações. 3. Livros e relatos de viajantes


estrangeiros. 4. Documentos governamentais – Minas Gerais. 5. Documentos governamentais
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388 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
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Azeredo Pena. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1941.

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4. Documentos governamentais – Minas Gerais


Falla dirigida á Assembléa Legislativa Provincial de Minas-Geraes na sessão ordinaria do anno
de 1839 pelo presidente da provincia, Bernardo Jacintho da Veiga. Ouro-Preto, Typ. do Correio
de Minas, 1839.

Falla dirigida á Assembléa Legislativa Provincial de Minas-Geraes na sessão ordinaria do anno


de 1840 pelo presidente da provincia, Bernardo Jacintho da Veiga. Ouro-Preto, Typ. do Correio
de Minas, 1840.

Falla dirigida á Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes na abertura da sessão ordinária
no anno de 1841 pelo presidente da mesma província, o marechal Sebastião Barreto Pereira Pinto.
Ouro Preto, Typ. do Universal, 1841.

Falla dirigida á Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes, na abertura da sessão ordina-
ria do anno de 1844, pelo presidente da provincia, Francisco José de Souza Soares d’ Andrea. Rio
de Janeiro, Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve e Comp., 1844.

Falla dirigida á Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes na sessão ordinaria do anno de
1846, pelo presidente da provincia, Quintiliano José da Silva. Ouro Preto, Typ. Imparcial de B. X.
Pinto de Sousa, 1846.

Relatorio que ao illustrissimo e excellentissimo sr. desembargador José Lopes da Silva Vianna,
muito digno 1º. vice-presidente da provincia de Minas Geraes, apresentou ao passar-lhe a admin-
istração o presidente Francisco Diogo Pereira de Vasconcellos. Ouro Preto, Typ. do Bom Senso,
1854

Relatório que à Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes apresentou na 2ª. sessão ordina-
ria da 10ª. legislatura de 1855 o presidente da provincia, Francisco Diogo Pereira de Vasconcellos.
Ouro Preto, Typ. do Bom Senso, 1856.

PARTE I - BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIAS DA PARTE I


391
Relatório que ao illm. e exm. sr. dr. José Maria Corrêa de Sá e Benevides, presidente da província
de Minas Geraes, apresentou, no acto de passar a administrção, em 14 de maio de 1869, o dr.
Domingos de Andrade Figueira. Ouro Preto, Typ. de J. F. de Paula Castro, 1869.
Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial de Minas-Geraes na sessão ordinaria de
1869 pelo presidente da mesma provincia, dr. José Maria Corrêa de Sá e Benavides. Rio de Janeiro,
Typ. Universal de Laemmert, 1870.
Relatorio que á Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes apresentou no acto da abertura
da sessão ordinaria de 1870 o vice-presidente, dr. Agostinho José Ferreira Bretas. Ouro Preto,
Typographia Provincial, 1870.
Relatorio que á Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes apresentou no acto da abertura
da sessão ordinaria de 1874 o vice-presidente, Francisco Leite da Costa Belem. Ouro Preto, Typ.
de J. F. de Paula Castro, 1874.
Relatorio á Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes, na abertura da 2ª. sessão da 22ª.
legislatura a 15 de outubro de 1879 pelo illm. e exm. sr. dr. Manoel José Gomes Rebello Horta,
presidente da mesma provincia. Ouro Preto, Typ. da Actualidade, 1879.
Falla que á Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes dirigio em 25 de setembro de 1880
o exm. sr. conego Joaquim José de Sant’Anna, 2º. vice-presidente da mesma provincia, por occasião
da abertura da 1ª. sessão ordinaria da 23ª. legislatura. Ouro Preto, Typ. da Actualidade, 1880.
Relatório que ao illm. e exm. sr. senador João Florentino Meira de Vasconcellos apresentou o illm.
e exm. sr. dr. José Francisco Netto no acto de passar-lhe a administração da Província de Minas
Geraes em 4 de maio de 1881. Ouro Preto, Typ. da Actualidade, 1881.
Relatorio que á Assembléa Legislativa Provincial de Minas Geraes apresentou o exm. sr. senador
João Florentino Meira de Vasconcellos, por occasião de ser installada a mesma Assembléa para a
2.a sessão ordinaria de 23.a legislatura em 7 de agosto de 1881. Ouro Preto, Typ. da Actualidade,
1881.
Falla que o exm. sr. dr. Theophilo Ottoni dirigio á Assembléa Provincial de Minas Geraes, ao
installar-se a 1ª. sessão da 24ª. legislatura em o 1º. de agosto de 1882. Ouro Preto, Typ. de Carlos
Andrade, 1882.
Falla que o exm. sr. dr. Antonio Gonçalves Chaves dirigio á Assembléa Legislativa Provincial de
Minas Geraes na 2ª. sessão da 24ª. legislatura em 2 de agosto de 1883. Ouro Preto, Tipographia
do Liberal Mineiro, 1883.
Falla que o exm. sr. dr. Antonio Gonçalves Chaves dirigio á Assemblea Legislativa Provincial de
Minas Geraes na 1ª. sessão da 25ª. legislatura em 1º. de agosto de 1884. Ouro Preto, Typ. do
Liberal Mineiro, 1884.
Falla que o exm. sr. desembargador José Antonio Alves de Brito dirigio á Assembléa Legislativa
Provincial de Minas Geraes na 2ª. sessão da 25ª. legislatura em o 1º. de agosto de 1885. Ouro
Preto, Typ. do Liberal Mineiro, 1885.

392 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Relatório com que o dr. Manoel do Nascimento Machado Portela, ex-presidente da província,
passou a administração ao dr. Antônio Teixeira de Souza Magalhães, no dia 13 de abril de 1886.
Ouro Preto, Typ. do Vinte de Agosto, 1886.

Relatório que ao exm. sr. dr. Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo, presidente da província de
Minas Geraes, apresentou o exm. sr. dr. Antônio Teixeira de Souza Magalhães, 1º. vice-presidente
da província, ao passar-lhe a administração, em 4 de fevereiro de 1887. Ouro Preto, Typ. de J. F.
de Paula Castro, 1887.

Mensagem dirigida pelo Presidente do Estado, Dr. Arthur Bernardes da Silva, ao Congresso
Mineiro, na segunda sessão ordinária da oitava legislatura, no ano de 1920.

Livro da Lei Mineira. Publicação anual, criada pela Lei provincial nº. 1, de 9 de março de 1835.
Esta lei está publicada no próprio Livro da Lei Mineira, tomo I, parte I, folha I, Ouro Preto:
Tipografia (sic) do Universal, 1835.

Prates, Carlos. A Lavoura e a Indústria da Zona da Mata. Relatório apresentado ao Exmo.


Sr. Secretário das Finanças pelo Engenheiro Carlos Prates, Inspector de Indústria, Minas e
Colonização. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais, 1906.

5. Documentos governamentais - Brasil


Brasil. Directoria Geral de Estatística. Recenseamento da população do Império do Brasil a que
se procedeu no dia 1º. de agosto de 1872. 23 vols. Rio de Janeiro: Leuzinger e Filhos, 1873-1876.

Brasil. Directoria Geral de Estatística. Relatório e Trabalhos Estatísticos apresentados ao Illm.


e Exm. Sr. Conselheiro Dr. João Alfredo Corrêa de Oliveira, Ministro e Secretário de Estado dos
Negócios do Império, pelo Diretor Geral Interino Dr. José Maria do Couto, em 30 de abril de 1875.
Rio de Janeiro: Typ. de Pinto Brandão e Comp., 1875. (Resultados da matrícula dos escravos
em 1873).

Brasil. Elemento Servil. Parecer e Projecto de Lei apresentado à Câmara dos Srs. Deputados na
secção de 16 de agosto de 1870 pela Commissão especial nomeada pela mesma Câmara em 24 de
maio de 1870. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1870.

Breve Notícia do Estado Financeiro das Províncias, organizada por ordem de S. Ex. o Sr. Barão de
Cotegipe, Presidente do Conselho de Ministros. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887.

Collecção das Leis do Império do Brazil [1808-1889]. Rio de Janeiro: Typographia Nacional.

Convenção entre o Senhor D. Pedro I, Imperador do Brasil, e Jorge IV, Rei da Grã-Bretanha,
com o fim de pôr termo ao comércio de escravatura da Costa d’África, assinada no Rio de
Janeiro em 23 de novembro de 1826, e ratificada por parte do Brasil no mesmo dia, e ano; e pela
da Grã-Bretanha a 28 de fevereiro de 1827. Collecção das Leis do Império do Brasil. 1826. Atos
do Poder Executivo, p. 71.

PARTE I - BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIAS DA PARTE I


393
Lei de 7 de novembro de 1831. Declara livres todos os escravos vindos de fora do Imperio, e
impõe penas aos importadores dos mesmos escravos. Collecção de Leis do Império do Brasil.
1831, vol. 1, parte I, p. 182
Matrícula dos escravos do Império, determinada pela Lei de 28 de setembro de 1885, encer-
rada em 30 de março de 1887, anexa ao Relatório apresentado à Assembléia Geral da Terceira
Sessão da Vigésima Legislatura, pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas, Rodrigo Augusto da Silva. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1888.
Moraes, João Pedro Carvalho de. Relatório apresentado ao Ministério da Agricultura, Commercio
e Obras Públicas. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1870.
Relatório da Seção de Estatística Anexa à 3ª. Directoria da Secretaria de Estado dos Negócios do
Império. Rio de Janeiro, 10 de maio de 1883.
Relatório apresentado à Assembléa Geral na terceira sessão da décima setima legislatura pelo
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Públicas, Manoel
Buarque de Macedo (1879), publicado em 1880.
Relatório apresentado à Assembléa Geral na primeira sessão da décima oitava legislatura pelo
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Públicas, José
Antonio Saraiva (1881), publicado em 1882.
Relatório apresentado à Assembléa Geral na terceira sessão da décima oitava legislatura pelo
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Públicas,
Henrique Francisco d’Avila (1882), publicado em1883.
Relatório apresentado à Assembléa Geral na primeira sessão da décima nona legislatura pelo
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Públicas, João
Ferreira de Moura (1884), publicado em 1885.
Relatório apresentado à Assembléa Geral na primeira sessão da vigésima legislatura pelo Ministro
e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Públicas, Antônio da Silva
Prado (1885), publicado em 1886.
Relatório apresentado à Assembléa Geral na terceira sessão da vigésima legislatura pelo Ministro e
Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obras Públicas, Rodrigo Augusto
da Silva (1887), publicado em 1888.

394 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Lista das tabelas da parte I

Tabela 2.1 - Brasil: Médias anuais de importação de escravos, 1651-1760 . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

Tabela 2.2 - Minas Gerais: Arrecadação do quinto real e produção total de ouro,
1700-1820, em quilos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

Tabela 2.3 - Minas Gerais: População escrava no século XVIII . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

Tabela 2.4 - Minas Gerais: O setor minerador de ouro em 1810 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

Tabela 2.5 - Minas Gerais: O setor minerador de ouro em 1814 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

Tabela 2.6 - Minas Gerais: Escravos nas lavras de ouro, 1814 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

Tabela 2.7 - Minas Gerais: Produtividade do trabalho em 446 lavras de ouro, 1814
(número de lavras segundo a localização e a produção por trabalhador) . . . . . . . 52

Tabela 2.8 - Minas Gerais: Produção de diamantes sob o sistema de Contratação,


em quilates . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

Tabela 2.9 - Minas Gerais: Produção de diamantes no período da Real Extração,


em quilates . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

Tabela 2.10 - Mina de Morro Velho: Produção de ouro, 1835 - 1885 (em quilogramas) . . . . . 66

Tabela 2.11 - St. John del Rey Mining Company: Força de trabalho escrava,
1835 – 1885 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

Tabela 2.12 - Diamantes exportados pelo Rio de Janeiro, 1854-1876 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83

Tabela 2.13 - Minas Gerais: Número máximo de escravos empregados na mineração


em 1873 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85

Tabela 2.14 - Minas Gerais: Escravos empregados na mineração de ouro, 1872-1883 . . . . . . . 86

Tabela 3.1 - Minas Gerais: Exportações de café, 1819-1888 (médias anuais em arrobas
e toneladas) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

Tabela 3.2 - Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo: Evolução das exportações
de café, 1852-1888. Médias anuais, em toneladas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

Tabela 3.3 - Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo: 543 fazendas de café
em 1883 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94

Tabela 3.4.1 - Minas Gerais: Características de 153 fazendas de café em 1883 . . . . . . . . . . . . . 95

Tabela 3.4.2 - Minas Gerais: Características de 153 fazendas de café em 1883 (continuação) . . . 95

395
Tabela 3.5 - Minas Gerais: Fazendas de café visitadas por Laerne em 1883 . . . . . . . . . . . . . . . . 96

Tabela 3.6 - Minas Gerais: Exportações de café, 1818-1819, por registros e regiões,
em toneladas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

Tabela 3.7 - Minas Gerais: Exportações de café, 1842-43 e 1844-45, por registros
e regiões, em toneladas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

Tabela 3.8 - Minas Gerais: Exportações de café, 1847-48 e 1850-51, por registros
e regiões, em toneladas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

Tabela 3.9 - Minas Gerais: Exportações de café, 1867-68, por registros e regiões,
em toneladas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100

Tabela 3.10 - Minas Gerais: Exportações de café, 1881-82, 1882-83 e 1883-84, por
registros e regiões, em toneladas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

Tabela 3.11 - Minas Gerais: Exportações de café, 1818-1884: participação das regiões,
em porcentagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102

Tabela 3.12 - Valor de um pé de café, segundo sua idade (em réis, circa 1876) . . . . . . . . . . . . 112

Tabela 3.13 - Produtividade de 31 fazendas de café visitadas por Laerne na Zona


do Rio, 1874-1883, em arrobas por mil pés . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116

Tabela 3.14 - Minas Gerais: Estimativa dos requisitos de mão de obra escrava na lavoura
cafeeira, 1820-1887, segundo duas fontes de dados de exportações . . . . . . . . . . 123

Tabela 3.15 - Escravos necessários para o transporte da safra de café, 1820-1860 . . . . . . . . . 127

Tabela 3.16.1 - Minas Gerais: Escravos empregados no café comparados com a


população e e com a força de trabalho escravas, 1873-1887 . . . . . . . . . . . . . . . 130

Tabela 3.16.2 - Minas Gerais: Escravos empregados no café comparados com a


população e com a força de trabalho escravas, 1873-1887 (continuação) . . . 130

Tabela 3.17 - Rio de Janeiro: Escravos empregados no café, anos selecionados . . . . . . . . . . . 131

Tabela 3.18 - São Paulo: Escravos empregados no café, anos selecionados . . . . . . . . . . . . . . . 131

Tabela 3.19 - Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo: Emprego de escravos no
setor cafeeiro (anos selecionados) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132

Tabela 4.1 - Brasil: Importações de escravos africanos, 1801-1851, por períodos . . . . . . . . . . 143

Tabela 4.2 - Brasil: Crescimento da população escrava, por províncias, 1819-1872 . . . . . . . . 146

Tabela 4.3.1 - Minas Gerais: Importações líquidas de escravos, 1808-1819


(com taxas hipotéticas de crescimento interno) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147

Tabela 4.3.2 - Minas Gerais: Importações líquidas de escravos, 1819-1873


(com taxas hipotéticas de crescimento interno) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147

396 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A PARTE


INCRÍVEL
I - LISTA
ECONOMIA
DAS TABELAS
ESCRAVISTA
DA PARTE
DE MINAS
I GERAIS NO SÉCULO XIX
Tabela 4.4 - Taxas implícitas de crescimento interno da população escrava,
com diferentes hipóteses de exportações líquidas anuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150

Tabela 4.5 - Estimativas das importações de escravos por 27 municípios mineiros,


1854-1873 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160

Tabela 4.6 - Local de residência dos escravos nascidos em Minas e local de nascimento
dos escravos residentes em Minas, 1872 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163

Tabela 4.7 - Local de nascimento dos escravos residentes em Minas Gerais em 1873,
por região de residência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167

Tabela 4.8 - Brasil: Características de sexo e idade da população escrava, por províncias
ou regiões, 1872 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168

Tabela 4.9 - Minas Gerais: Características da população escrava, por regiões, 1873 . . . . . . . 170

Tabela 4.10 - Minas Gerais: População escrava, por regiões, 1873-1886 . . . . . . . . . . . . . . . . . 176

Tabela 4.11 - Minas Gerais: Transferências interregionais de escravos, 1873-1880 . . . . . . . . 178

Tabela 4.12 - Preço médio dos escravos comprados pelo Fundo Imperial de
Emancipação, por regiões do Brasil, províncias selecionadas e regiões
de Minas, 1875-1880 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183

Tabela 4.13 - Minas Gerais: Associação entre café e tráfico, 1873-1880 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 185

Tabela 4.14 - Minas Gerais: Associação entre mineração e tráfico, 1873-1880 . . . . . . . . . . . . 186

Tabela 4.15 - Preço médio dos escravos comprados pelo Fundo Imperial de Emancipação,
por regiões e províncias selecionadas, 1875-1888 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188

Tabela 4.16 - Minas Gerais: Transferências interregionais de escravos, 1880-1884 . . . . . . . . 190

Tabela 4.17 - Minas Gerais: Associação entre café e tráfico, 1880-1884 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192

Tabela 4.18 - Minas Gerais: Associação entre mineração e tráfico, 1880-1884 . . . . . . . . . . . . 192

Tabela 4.19 - Minas Gerais: Transferências interregionais de escravos, 1884-1886 . . . . . . . . 193

Tabela 4.20 - Minas Gerais: Associação entre café e tráfico, 1884-1886 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194

Tabela 4.21 - Minas Gerais: Associação entre mineração e tráfico, 1884-1886 . . . . . . . . . . . . 194

Tabela 4.22 - Brasil: Alforrias de escravos, por províncias, 1877-1881 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197

Tabela 4.23 - Taxas de alforria na região não-plantation de Minas Gerais, 1877-1881 . . . . . . 197

Tabela 5.1 - Minas Gerais: Arrecadação dos direitos de entradas, 1717-1800,


por períodos, em milréis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202

Tabela 5.2 - Minas Gerais: Exportações per capita de café e produtos não-café,
1819-1888, anos selecionados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 208

Tabela 5.3 - A malha ferroviária mineira, 1884-1889 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212

PARTE I - LISTA DAS TABELAS DA PARTE I


397
Tabela 5.4 - Brasil: Receita total e per capita dos governos geral e provinciais,
por províncias, 1886-87 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215

Tabela 5.5 - Brasil: Valor das exportações per capita, por regiões, 1869-1873 e
1879-1882 (médias anuais, em milréis) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215

Tabela 5.6 - Minas Gerais: Principais produtos exportados, 1818-1884


(em milhares de unidades) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 216

Tabela 5.7 - Minas Gerais: Valor das exportações, 1818-1884, por produtos,
em contos de réis correntes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217

Tabela 5.8 - Minas Gerais: Participação dos produtos no valor total das exportações,
1818-1884, em porcentagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217

Tabela 5.9 - Minas Gerais: Outros alimentos e bebidas exportados, 1818-1884 . . . . . . . . . . . 218

Tabela 5.10 - Minas Gerais: Outros produtos exportados, 1818-1884 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 218

Tabela 5.11 - Minas Gerais: Valor das exportações de animais e derivados não
manufaturados da pecuária, 1818-1884, em contos de réis correntes . . . . . . . . 221

Tabela 5.12 - Minas Gerais: Exportações de fumo, 1818-1886 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222

Tabela 5.13 - Minas Gerais: Consumo interno como porcentagem do produto total
de alguns bens, 1818-1883 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 225

Tabela 5.14 - Minas Gerais: Exportações de algodão em rama, 1819-1888 . . . . . . . . . . . . . . . 228

Tabela 5.15 - Minas Gerais: Exportações de pano de algodão, 1818-1884 . . . . . . . . . . . . . . . . 232

Tabela 5.16 - Brasil: Operários em tecidos, por províncias, 1872 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 235

Tabela 5.17 - Brasil e Minas Gerais: sexo e condição dos operários em tecidos, 1872 . . . . . . 236

Tabela 5.18 - Brasil e Minas Gerais, por regiões: Operários em tecidos, 1872 . . . . . . . . . . . . . 237

Tabela 5.19 - Minas Gerais: Fábricas de tecidos em operação, 1852-1888 . . . . . . . . . . . . . . . . 239

Tabela 5.20 - Minas Gerais: Engenhos de cana no século XIX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 240

Tabela 5.21 - Minas Gerais: Localização de 3.702 engenhos de cana em 1853,


por regiões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 240

Tabela 5.22 - Minas Gerais: exportações de açúcar, 1818-1880 (anos selecionados) . . . . . . . 242

Tabela 5.23 - Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo: Distribuição ocupacional da
força de trabalho escrava, 1872 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 254

Tabela 5.24.1 - Minas Gerais: Distribuição ocupacional da população escrava,


por regiões, 1873 (número de escravos por grupo ocupacional) . . . . . . . . . . . 255

Tabela 5.24.2 - Minas Gerais: Distribuição ocupacional da população escrava, por regiões,
1873 (porcentagens do total de escravos com ocupação conhecida) . . . . . . . . 255

398 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Lista dos gráficos da parte I

Gráfico 2.1 - Minas Gerais: Arrecadação dos quintos do ouro, 1715 - 1805, em arrobas
(médias móveis de 3 anos) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

Gráfico 3.1 - Minas Gerais: Exportações de café, 1820-1900 (mil arrobas) . . . . . . . . . . . . . . . . 91

Gráfico 3.2 - Minas Gerais: Estimativa do número de escravos empregados na


lavoura cafeeira, 1820-1887 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124

Gráfico 3.3 - Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo: Porcentagem da força de
trabalho escrava empregada no café, anos selecionados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132

Gráfico 4.1 - Minas Gerais 1808-1819: Trade-off entre crescimento interno e tráfico . . . . . . 149

Gráfico 4.2 - Minas Gerais 1819-1873: Trade-off entre crescimento interno e tráfico . . . . . . 149

Gráfico 5.1 - Índice de introversão da economia mineira, 1750 – 1800 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206

Gráfico 5.2 - Minas Gerais: Valor das exportações de café como porcentagem das
exportações totais, 1839-1888 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 208

399
Parte II

Quarenta Anos Depois


Growing in Silence e a historiografia
econômica do século XX

E
screvendo em 1953, ao justificar a escolha da província como o período enfo-
cado em sua tese de livre-docência, Francisco Iglésias lamentava a pobreza
da historiografia sobre o século XIX mineiro – “até agora só se atentou para
os primeiros tempos. A capitania foi estudada, a província, no entanto, não cons-
tituiu motivo de cogitação (...) é verdadeiramente chocante a ausência de biblio-
grafia para essa fase: nada de estudos gerais, pouco de aspectos. A vida provincial
mineira ainda não existe como tema para o historiador”. Atribuía esse desinteresse
ao fascínio que o ciclo do ouro exercia sobre os historiadores antigos e concla-
mava à ação: “Já é tempo de incorporar a Província à história”.1 Comentando a
tese de Iglésias, Daniel de Carvalho concordou com a observação sobre a carência
de estudos, mas ofereceu um diagnóstico bem mais convincente: o que gerava o
descaso não era um simples deslumbramento com a idade do ouro, mas uma causa
estrutural, muito mais profunda – a obsessão da historiografia brasileira pela ideia
de ciclos de exportação de produtos primários – “esta fase da história mineira (o
século XIX) tem sofrido a nefasta influência da escola dominante, que só se ocupa
dos ciclos do açúcar, do ouro e do café. Como no período da província a mineração
do ouro entrara em decadência e ainda não se alargara o plantio do café, não tem
ele despertado o interesse dos cabouqueiros dos arquivos. É lamentável a penúria
da bibliografia referente a essa época”.2
De fato, toda a historiografia econômica brasileira do século XX ignorava quase
completamente o oitocentos mineiro. Em Growing in Silence concordei plenamente
com Daniel de Carvalho, na visão de que isso resultava da distorção criada pelo
modelo dos “ciclos de exportação”, adotado por Roberto Simonsen, Celso Furtado
e outros, que sufocava nossa história econômica.

1 Francisco Iglésias. Política Econômica do Governo Provincial Mineiro (1835-1889). Rio de Janeiro:
MEC/INL, 1958, pp. 10-15.
2 Daniel de Carvalho. A Formação Histórica das Minas Gerais. Rio de Janeiro: Ministério da Educação
e Cultura, 1956, pp. 45-49; e Daniel de Carvalho. Ensaios de Crítica e História. Edição do autor. Rio de
Janeiro, 1964, pp. 47-85.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


403
O modelo dos “ciclos” – ou a descrição da evolução econômica do Brasil como
uma sequência de eras ou períodos de exportação de produtos primários – foi
inventado por Roberto C. Simonsen, em seu curso na Escola Livre de Sociologia
e Política de São Paulo, em 1936. As notas de aula desse curso, considerado o fun-
dador da disciplina de história econômica entre nós, foram publicadas em um
livro – História Econômica do Brasil (1500-1820) – cuja primeira edição é de 1937.
Como cobre apenas o período colonial, o volume só abrange os “ciclos” do açú-
car e da mineração (ou do ouro) mas, no programa do curso, Simonsen incluiu
outros “ciclos” – do pau-brasil, do café e da borracha3. Esse roteiro estabeleceu
um paradigma – um padrão narrativo e interpretativo – que tem sido contestado,
mas não foi abandonado até hoje. O esquema é tosco, parcial, excludente, e míope.
Mas, como todo esquema simplista, ele é simples. É fácil de ser entendido, de ser
ensinado, de ser aprendido e de ser espalhado. É robusto e pegajoso, fácil de ser
colocado no livro-texto, na sala de aula, na cabeça do leigo e na imprensa.
Mais tarde, Celso Furtado e os economistas da CEPAL, a Comissão Econômica
para a América Latina da ONU, criada em 1948, formularam e aplicaram ao Brasil
e a outros países da região, o modelo de “crescimento primário-exportador”, ou
desarollo hacia afuera. Esquematicamente, este modelo postula, como o dos ciclos,
que essas economias se baseavam na exportação de um ou dois produtos primários,
produzidos em plantations monocultoras, para mercados internacionais. As recei-
tas obtidas no setor exportador – “centro dinâmico” da economia – eram usadas
para importar a maior parte dos bens de consumo, intermediários e de capital,
especialmente os manufaturados, dos quais apenas os mais simples eram produzi-
dos internamente. A “perda do dinamismo”, ou seja, uma crise na exportação do
produto líder, gerava um período de estagnação e de declínio do ciclo, que somente
seria superado pelo surgimento de um novo produto, que daria início a um novo
ciclo. Segundo essa escola, no caso brasileiro a sucessão dos ciclos foi quebrada por
um “choque adverso”, causado pelo colapso da demanda externa por café, que se
seguiu à crise mundial de 1929. Ao impor severas restrições à capacidade de impor-
tar, o choque teria tido o efeito de estimular um processo de industrialização por
“substituição de importações”, gerando o desarollo hacia adentro, isto é, baseado em
seu próprio mercado interno.4

3 Roberto C. Simonsen. História Econômica do Brasil (1500-1820). São Paulo: Cia. Editora Nacional, 6ª.
edição, 1969. O “Programa da cadeira de História Econômica do Brasil, da Escola Livre de Sociologia e
Política de São Paulo”, está nas páginas 7 e 8.
4 Uma descrição do modelo hacia afuera pode ser encontrada em Maria da Conceição Tavares. Auge

404 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Essa visão tem deformado, por quase um século, o ensino e a pesquisa da his-
tória econômica brasileira, mas não é fácil de matar. Francisco Carlos Teixeira da
Silva criticou com muita propriedade o modelo, mas subestimou sua resiliência ao
afirmar, em 1990, que a periodização da história do Brasil em “ciclos” já caíra “em
desuso”.5
A mentalidade “colonizada” desse paradigma se revela ao assumir, integral-
mente, a postura do colonizador. A produção de gêneros “plebeus”, não destinados
ao comércio internacional, não interessava à metrópole simplesmente porque des-
sas atividades não era possível extrair, por meio do exclusivo comercial, o “exce-
dente colonial”.
Por compartilhar com a metrópole a visão plantacionista-exportadora, a histo-
riografia dos “ciclos” desprezou, sistematicamente, as atividades não diretamente
ligadas à exportação, especialmente aquelas desenvolvidas à margem da plantation
exportadora e/ou voltadas para o atendimento do mercado interno – que eram, na
melhor das hipóteses, tratadas sumariamente como acessórias ou secundárias.
Da mesma forma, as regiões que não desenvolveram setores exportadores –
“mere earth scratchers” ou “meros arranhadores de terra”, como as chamou E. G.
Wakefield, referindo-se ao sistema colonial inglês, ou mesmo as áreas exportadoras
em períodos de retração, eram desconsideradas e rotuladas como “marginais” ou
“decadentes”.6

y Declinación del Proceso de Sustitución de Importaciones en el Brasil. CEPAL. Boletin Economico


de America Latina. Santiago, Chile: vol. IX, nº. 1, marzo de 1964, ou em Roberto Borges Martins.
A interpretação do crescimento com liderança das exportações: Modelos teóricos e a experiência
brasileira. In: Carlos M. Pelaez e Mircea Buescu (orgs.) A Moderna História Econômica. Rio de Janeiro:
APEC Editora, 1976; e também em Roberto Borges Martins. Crescimento exportador, desigualdade
e diversificação econômica: uma comparação entre o Brasil e a República Argentina, 1860-1930.
Cadernos DCP 3 – Departamento de Ciência Política da UFMG (março de 1976), pp. 55-107. A
formulação e aplicação desse modelo à história do Brasil por Celso Furtado apareceu inicialmente em
Celso Furtado. A Economia Brasileira (Contribuição à Análise do seu Desenvolvimento). Rio de Janeiro:
Editora A Noite, 1954, e posteriormente em Celso Furtado. Formação Econômica do Brasil, publicado
em 1959.
5 Francisco Carlos Teixeira da Silva. Conquista e colonização da América Portuguesa. O Brasil Colônia
– 1500/1750. In: Maria Yedda L. Linhares (org.) História Geral do Brasil: da colonização portuguesa
à modernização autoritária. Rio de Janeiro: Campus, 1990, p. 46. Se formos hoje à Wikipedia,
encontraremos imediatamente, no verbete “História Econômica do Brasil”, a afirmação de que “A
economia brasileira viveu vários ciclos ao longo da História do Brasil” (sic), seguida da listagem: “ciclo
da cana de açúcar”, “ciclo da mineração”, “ciclo do café”, “ciclo da erva-mate, “ciclo da borracha” e
“ciclo da soja”.
6 A expressão está em Edward Gibbon Wakefield. England and America. A comparison of the social and
political state of both nations [1834]. New York: Augustus M. Kelley Publishers, 1967, p. 226. “Meros
arranhadores de terra” ilustra bem o desprezo pelas colônias que não produziam staples exportáveis.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


405
Daí a visão dessa escola, de que, sem trocadilho, “quem não exporta, não
importa”, ou seja, não tem importância. Pode, no máximo, ser um coadjuvante menor,
uma “economia de subsistência” ou uma “área auxiliar” dos setores exportadores.
Não é digna da atenção do historiador, porque não tem, e não merece ter, história.
Em Growing in Silence propus uma clara ruptura com os paradigmas dos “ciclos
de exportação” e da economia monocultora-primário-exportadora, desafiando-os
numa época em que pouquíssima gente o fazia. Entre os economistas, ninguém, com
certeza. Todos seguiam Simonsen e Celso Furtado como uma manada. Sem questio-
namentos e sem debates – na paz dos cemitérios. Formação Econômica do Brasil – que
nada mais é que o patético modelo dos ciclos de Simonsen, requentado com o patois
cepalino de Furtado – era a única bibliografia dos cursos de História Econômica que,
aliás, se chamavam (e ainda se chamam) Formação Econômica do Brasil.
As invenções da Cepal, os modelos primário-exportador e do desarollo hacia
afuera, reinavam absolutos. Atividades não voltadas para o mercado externo eram
totalmente desprezadas: “El sector de exportación era (…) un sector bien definido,
generalmente de alta productividad y especializado en unos pocos productos, de
los cuales apenas una parte reducida se consume internamente. En cambio, el sec-
tor interno, con su baja productividad, era basicamente de subsistencia”. “Auge y
Declinación del Proceso de Sustitucion de Importaciones en el Brasil”, de Maria
da Conceição Tavares, de onde extraí esse trecho, era o breviário de história dos
economistas, considerado a quintessência da sofisticação teórica.7
Naquele tempo ainda estava em plena moda uma “entidade” conhecida como
“trinômio clássico da economia brasileira” – monocultura, latifúndio e escravidão
– no qual se pretendia sintetizar toda a evolução econômica e social do Brasil. Era
esse o grande nexo organizador da interpretação histórica, do qual decorria, como
corolário, todo o resto. O conceito foi criado por Caio Prado Júnior, e também tem
sua origem na “obsessão agrário-plantacionista-exportadora”.

Essa atitude era comum a todos os sistemas coloniais. Veja, por exemplo, em Crescendo em Silêncio,
os comentários de Wakefield, Merivale, Carlyle e Stuart Mill sobre esta questão, no âmbito do sistema
colonial britânico. Veja também, sobre as colônias consideradas “marginais” (isto é, não produtoras
de açúcar), Barry Higman. Slave Populations of the British Caribbean 1807-1834. Kingston: The Press
University of the West Indies, 1995, pp. 64-71; e Roy James Murray. “The man that says slaves be quite
happy in slavery... is either ignorant or a lying person”. An Account of Slavery in the Marginal Colonies
of the British West Indies. Ph. D. Dissertation. University of Glasgow, 2001.
7 Tavares. Auge y Declinación, pp. 2-3. Não tenho nenhuma intenção, como não tive na tese, de discutir
aqui o pensamento econômico ou político, as propostas de política econômica, ou a visão histórica da
Cepal ou de seus membros, brasileiros ou estrangeiros. Não tenho nenhum interesse neles ou em suas
opiniões. Minha crítica é dirigida à lambança que vários deles (e seus seguidores) fizeram e continuam
fazendo na história econômica do Brasil e de Minas Gerais.

406 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Completam-se assim os três elementos constitutivos da organização agrária
do Brasil colonial: a grande propriedade, a monocultura e o trabalho
escravo. Esses três elementos se conjugam num sistema típico, a “grande
exploração rural”, isto é, a reunião, numa mesma unidade produtora, de
grande número de indivíduos, e isto constitui a célula fundamental da
economia agrária brasileira. Como constituirá também a base principal
em que se assenta toda a estrutura do país, econômica e social.8

Apesar de ser um historiador muito superior a Simonsen, Caio Prado pouco


difere dele em um aspecto fundamental. Também para Prado, a história do Brasil
colônia nada mais foi do que um capítulo da expansão comercial da Europa, a par-
tir dos grandes descobrimentos. Não usa inicialmente a expressão “ciclos”, mas seu
esquema geral é rigorosamente o mesmo: a trajetória da economia brasileira foi uma
sucessão de produtos primários destinados à exportação para mercados internacio-
nais, na qual, em cada época, um deles tem um papel dominante. Em “O sentido da
colonização”, o clássico texto introdutório de Formação do Brasil Contemporâneo, de
1942, Caio Prado afirma que “se vamos à essência da nossa formação, veremos que
na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros,
mais tarde ouro e diamantes, depois algodão, e em seguida café, para o consumo
europeu. Nada mais que isto”. Na História Econômica, de 1945, ao falar do declínio
do café no vale do Paraíba, Caio Prado adere definitivamente ao discurso dos “ciclos”
– “Repetia-se mais uma vez o ciclo normal das atividades produtivas do Brasil: a uma
fase de intensa e rápida prosperidade, segue-se outra de estagnação e de declínio. Já
se vira isto (sem contar o longínquo caso do pau-brasil) na lavoura da cana-de-açúcar
e do algodão no Norte, nas minas de ouro e diamantes no Centro-Sul”.
Prado era um historiador, não um mero inventador de “modelos”, e tinha um
olhar muito mais atento para outras atividades além do core do ciclo primário-
-exportador. Mas só conseguiu ver tais atividades como acessórias, ancilares ou
coadjuvantes do setor exportador. Ao descrevê-las e discutí-las parece pisar em
ovos, usando sempre expressões contidas, como “relativa prosperidade”, desenvol-
vimento “de certa forma apreciável”, “certa importância”, para não se afastar do
modelo primário-exportador.9 No frigir dos ovos, sua concepção geral da evolu-
ção econômica do Brasil é tão escarradamente primário-exportadora quanto a de
Simonsen.

8 Caio Prado Júnior. Formação do Brasil Contemporâneo. Colônia. São Paulo: Editora Brasiliense, 8ª.
edição, 1965, p. 117
9 Prado Júnior. Formação do Brasil Contemporâneo, pp. 25-26; e Caio Prado Júnior. História Econômica
do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 6ª. edição, 1961, especialmente p. 166.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


407
Além destas atividades fundamentais [voltadas para a exportação] –
fundamentais porque representam a base em que se assenta a vida da
colônia, e constituem mesmo sua razão de existência – poderíamos
acrescentar outras, como a pecuária, certas produções agrícolas, em
suma, aquelas atividades que não têm por objeto o comércio externo
(...) Mas não podemos colocá-las no mesmo plano, pois pertencem a
outra categoria, e categoria de segunda ordem. Trata-se de atividades
subsidiárias, destinadas a amparar e tornar possível a realização das
primeiras. Não têm vida própria, autônoma, mas acompanham aquelas,
a que se agregam como simples dependências. Numa palavra, não
caracterizam a economia colonial brasileira, e lhe servem apenas de
acessórios.10

Mesmo depois que Warren Dean deu um tiro na testa da teoria dos choques
adversos, em 1969, com The Industrialization of São Paulo – a bala de prata foi o
capítulo “The coffee trade begets industry” – nos arraiais da dismal science o único
debate sobre história, que ocupava as melhores (e as piores) cabeças, era se o gati-
lho do processo de industrialização foi a crise da capacidade de importar ou o pró-
prio impulso da fase ascensional do ciclo exportador.11 Nós (a récua de estudantes)
assistíamos, embasbacados.
Só entre alguns historiadores não-economistas começavam a surgir alguns
sinais de vida inteligente. Maria Yedda Linhares vinha liderando, nos anos setenta,
projetos sobre a economia agrária brasileira, e foi o primeiro historiador impor-
tante a se insurgir de forma explícita contra a tara exportadora e a teoria dos ciclos,
insistindo na importância do mercado doméstico como fonte geradora de atividade
econômica, de demanda, de investimento, de acumulação de capitais e de poder
econômico. Foi somente a partir do seu trabalho que as atividades voltadas para o
mercado interno começaram a ser seriamente estudadas entre nós.12
Maria Yedda entendeu, como ninguém antes, que a dinâmica e os rumos das
economias periféricas não são determinados exclusivamente pelas economias cen-
trais, que a história da colônia não é ditada exclusivamente pela metrópole. Que
mesmo no quadro da subordinação política há uma grande margem de arbítrio,
de decisões autônomas de investimento e de produção, de atividades econômicas

10 Prado Júnior. Formação do Brasil Contemporâneo, p. 118. O esclarecimento entre colchetes é meu.
11 Warren Dean. The Industrialization of São Paulo, 1880-1945. Austin and London: University of Texas
Press, 1969.
12 Como veremos adiante, o historiador, ensaísta e político mineiro, Daniel de Carvalho, trabalhando fora
do circuito acadêmico, também contestou veementemente o paradigma dos ciclos, com referência a
Minas Gerais, desde os anos 1950.

408 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
e de fontes de acumulação endógenas, sobre as quais a metrópole tem pouca ou
nenhuma ingerência.
Ou, tomando uma frase emprestada de Ciro Flamarion Cardoso, “que o Brasil
da colônia e do século XIX deveria ser analisado como algo em si, e não unica-
mente como um quintal da Europa”. Ao trabalho pessoal de Maria Yedda e aos do
grupo por ela liderado, que floresceu a partir dos anos 80, devemos reinterpreta-
ções importantes, que marcaram profundamente a historiografia brasileira.
Na mesma época, sob orientação de Maria Odila Leite da Silva Dias, surgia na
USP um projeto de pesquisa sobre “a sociedade e o comércio na primeira metade
do século XIX”, no sudeste brasileiro, que geraria teses importantes, uma das quais,
desenvolvida por Alcir Lenharo, trazia uma visão inovadora sobre a história de
Minas Gerais.13
É também dos anos 1970 a lúcida contribuição de Maria Luiza Marcílio. Como
bem disse Manolo Florentino, seu Crescimento Demográfico e Evolução Agrária
Paulista “enterra definitivamente [no que concerne à história de São Paulo] a tra-
dicional visão segundo a qual a economia colonial se resumiria, no essencial, às
unidades voltadas para a exportação, com a atrofia absoluta dos setores mercantili-
zados ligados ao abastecimento”.14
Mas no final da década de 70, tudo isso estava apenas começando. Esta nova
historiografia apenas dava seus primeiros passos e passava completamente ao largo
de Minas Gerais.15 Eu não conhecia nem seus proponentes, nem seus trabalhos.
Na minha universidade, e acredito que em todas as outras, os departamentos de
Economia e de História eram como água e óleo. Não se misturavam e se esnoba-
vam mutuamente. Não sabem nada de economia, dizíamos nós; não sabem nada
de história, eles diziam. Os dois lados tinham razão, e suspeito que, naqueles anta-
nhos, sem pesquisa nem pós-graduação, o vice-versa também fosse verdade – tanto

13 Alcir Lenharo. Política e Negócios: o comércio de abastecimento do Rio de Janeiro (1808-1831).


Dissertação de mestrado em História, USP, 1978, depois publicada com o título As Tropas da
Moderação: o abastecimento da Corte na formação política do Brasil (1808-1842). São Paulo: Símbolo,
1979.
14 Maria Luiza Marcílio. Crescimento demográfico e evolução agrária paulista. 1700-1836. São Paulo:
Hucitec/Edusp, 2000. Manolo Florentino, resenha de Crescimento demográfico e evolução agrária
paulista. Revista de História 148 (2003), pp. 229-232. A observação entre colchetes é minha. Esse livro
já estava totalmente desenvolvido desde 1974, na tese de livre docência apresentada por Maria Luiza
Marcílio à Universidade de São Paulo.
15 Maria Yedda Linhares não escreveu sobre Minas, mas em um evento acadêmico em Belo Horizonte,
em 1978, questionou a “visão indiferenciada de uma decadência inexorável e monolítica” da capitania
após o ciclo do ouro. A provocação lançada aos historiadores mineiros, instigando-os a duvidar do lero-
lero de Simonsen e Furtado, causou um frisson passageiro, mas não teve maiores consequências. Veja:

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


409
uns como outros sabiam muito pouca coisa de economia e de história. Francisco
Iglésias, formado em história na FAFI, era professor na FACE (por mero acaso,
garantia), mas circulava nas duas tribos, e me contava que “eles” reivindicavam a
cadeira de história econômica, inconformados que ela fosse alocada na faculdade
de economia, “pelo adjetivo” em vez do substantivo.
Como anotado acima, da aplicação desse paradigma à história de Minas Gerais
resultou a exclusão quase completa do século XIX mineiro, que no final dos anos
1970, ainda era quase um deserto historiográfico. À exceção de um único trabalho
do próprio Iglésias, uns poucos ensaios de Daniel de Carvalho, e de alguns raros
estudos monográficos sobre cana, siderurgia ou café, não existia nenhuma histó-
ria econômica da província com a qual se pudesse concordar ou discordar.16 Em
termos de interpretação histórica, tudo que havia eram retalhos, trechos soltos,
ou referências sumárias, principalmente na historiografia do café, onde se tentava
reenquadrar a província no paradigma geral dos ciclos econômicos e no modelo
pré-estabelecido da economia primário-exportadora.
O único script que se podia extrudar desses fragmentos como sendo “história de
Minas”, era a descrição do ocaso de um ciclo (pelo esgotamento do recurso natural
– o ouro de aluvião), a instalação de uma crise generalizada, profunda e duradoura,
a superação parcial desta crise (pelo surgimento de um novo ciclo exportador – o
café), e a transferência de recursos produtivos (escravos) para o novo setor. Ou seja:

Maria Yedda Leite Linhares. O Brasil no século XVIII e a idade do ouro: a propósito da problemática
da decadência. In: Seminário sobre a Cultura Mineira no Período Colonial. Belo Horizonte: Conselho
Estadual de Cultura de Minas Gerais, 1979, pp. 147-171. Sobre isso veja também: Douglas Cole Libby.
O Apelo de Maria Yedda e a História Econômica das Minas Setecentistas. In: Francisco Carlos Teixeira
da Silva et al. (orgs.) Escritos sobre História e Educação. Homenagem a Maria Yedda Leite Linhares. Rio
de Janeiro: Mauad e Faperj, 2001, pp. 445-459.
16 O livro de Lenharo é uma exceção nesse cenário. Tem uma crítica lúcida do tratamento dado a Minas
Gerais pela históriografia econômica tradicional. Defende a existência de um setor de “subsistência
mercantil escravista” no início do século XIX, relativizando a visão dominante, da completa decadência
da economia mineira. Aprofunda um tema importante, apenas sugerido por autores anteriores,
que é a participação de famílias da elite mineira no tráfico interno de escravos no Sudeste. Mas,
a despeito de sua originalidade, é também monográfico, como indicado por seu próprio título.
Focaliza exclusivamente a região sul de Minas e a função de abastecimento da Corte, ignorando o
protagonismo do vasto mercado interno da própria província, a precocidade da diversificação das
atividades econômicas mercantis, sua disseminação pelas regiões, o vigoroso crescimento de sua
imensa população escrava, e a perenidade da prosperidade oitocentista. Afirma que o panorama que
descreve teria resultado de uma conjuntura transitória favorável à diversificação da economia sul-
mineira, iniciada no fim do século XVIII, e encerrada pela “onda cafeeira”, que veio sufocá-la no final
do primeiro reinado, como observa, no prefácio, Maria Odila da Silva Dias. A diversificação econômica
de Minas – que na verdade vinha desde o início da colonização, como veremos adiante – teria sido
apenas um surto, tardio e logo estrangulado pelo domínio do café. Essa visão, referida ao Sul ou a
qualquer parte de Minas, é um grande equívoco.

410 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
a capitania tivera uma história econômica – um ciclo exportador mineral, o “ciclo
do ouro”; a província só voltaria a tê-la, parcialmente, quando uma de suas regiões
se realinhou nos trilhos do modelo dos ciclos, ao participar do “ciclo do café”.
Growing in Silence contesta frontalmente a noção de que Minas tenha pas-
sado por uma crise no início do século XIX, ou que fosse decadente no Império.
Demonstra que no começo do oitocentos e ao longo desse século sua economia era
próspera e diversificada, desvinculada da “grande lavoura” e da plantation exporta-
dora, e voltada principalmente para seu mercado interno. Essa estrutura produtiva
era acompanhada por um componente que a singulariza no âmbito da escravidão
americana: um grande e crescente contingente escravo – o maior do Império e um
dos maiores da América – não vinculado à atividade exportadora. A maior parte
desse plantel não residia na região exportadora, e apenas uma pequena fração dele
era ocupada na agricultura de exportação, mesmo nas décadas finais do regime
escravista. A manutenção e o crescimento desta população cativa se processavam
por meio de contínuas importações (inicialmente de africanos e depois de outras
regiões do Brasil).
Com isso, a tese colocou o período provincial mineiro na agenda da pesquisa
mineira e brasileira, resgatando-o do limbo historiográfico em que se encontrava.
Não só diretamente, pela nova visão proposta, mas também, e principalmente,
pelos debates por ela deflagrados. O simples fato de “demonstrar” que Minas teve a
maior população cativa do país durante todo o século XIX foi importante para lan-
çar luz sobre a província. A indigente historiografia do século XX, zarolhada pela
obsessão plantacionista-exportadora, só conseguia enxergar escravos no “ciclo do
ouro”, no Nordeste açucareiro e nas plantations de café, apesar de toda a evidência
sobre o tamanho, absoluto e relativo, do contingente servil oitocentista mineiro já
ser “estatisticamente” conhecida desde pelo menos 1819.17
As características dessa economia – diversificação baseada em seu mercado
doméstico e escassa presença da plantation monocultora exportadora – configu-
ram Minas provincial como um caso raríssimo – o único relatado até o presente
na historiografia da escravidão moderna – de uma economia escravista de grande
porte, predominantemente não-exportadora. Na tese sustento que o caso mineiro

17 A primazia da população escrava mineira sobre todas as demais províncias vinha desde as primeiras
décadas do século XVIII, e se manteve até a abolição final. O percentual de Minas na população
escrava do Império cresceu continuamente, passando de 15,2 em 1819, para 24,7 no recenseamento
em 1872, e para 26,5 na última matrícula, em 1887. Essa posição já era conhecida pelo menos desde
o trabalho do Conselheiro Velloso de Oliveira, concluído em 1819. Veja: Antônio Rodrigues Velloso
de Oliveira. A Igreja do Brasil, ou informação para servir de base à divisão dos bispados, projectada

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


411
desafia o dogma da inerência, ou indissociabilidade, entre escravidão e agricultura
de plantation exportadora, defendido não só por comentaristas coetâneos da ins-
tituição, como Herman Merivale, e historiadores antigos como U. B. Phillips, mas
também por historiadores e cientistas sociais brasileiros contemporâneos. Celso
Furtado, ao falar da introdução da escravidão no Caribe, escreveu que “a transição
para o escravo africano só se realizou ali onde foi possível especializar a agricultura
num artigo exportável em grande escala”.18 Jacob Gorender afirmou, no ano 2000,
que o trabalho escravo “só teve viabilidade em economias agroexportadoras”,19 e
o celebrado crítico literário e ensaísta Antônio Cândido asseverava, em 1964, que
“nós sabemos que escravo e grande lavoura eram inseparáveis”.20
Pela diversidade das ocupações dos cativos, o caso mineiro também ajuda a
desconstruir a tese clássica, de Olmsted (1856) e Cairnes (1862), repetida por Marx
e muitos outros, da incompatibilidade do escravo com qualquer trabalho que não
fosse a rotina repetitiva da enxada, em gangues, no eito, sob estreita supervisão e
permanente coerção física.21
Surgindo em meio a uma historiografia que só tratava da grande lavoura expor-
tadora, grão-senhores de engenho, barões do café, e grandes escravarias, com casas-
-grandes imponentes, senzalas enormes, feitores, sinhazinhas e mucamas, Growing
in Silence contribuiu decisivamente para lançar a tendência de estudar a escravi-
dão de plantéis médios e pequenos, na qual se produziam alimentos, manufaturas

no anno de 1819, com a estatística da população do Brasil, considerada em todas as suas differentes
classes, na conformidade dos mappas das respectivas províncias, e número de seus habitantes. Rio de
Janeiro, 28 de junho de 1819. Esse trabalho foi publicado em 1866 na Revista Trimensal do Instituto
Historico, Geographico e Ethnografico do Brasil, tomo XXIX, parte primeira, 1º. trimestre de 1866.
Rio de Janeiro, 1866, pp. 159-99, mais 8 mapas de população. Seus dados foram reorganizados por
Joaquim Norberto de Souza e Silva para se adequarem à divisão administrativa civil, e republicados
como Investigações sobre os recenseamentos da população geral do Império e de cada província de
per si tentados desde os tempos coloniais até hoje [1870]. Memória anexa ao Relatório do Ministério
do Império, apresentado em 1870 pelo titular da mesma pasta, Conselheiro Paulino José Soares de
Souza [Reedição: São Paulo: IPE/USP, 1986]. A partir dessa década foram também conhecidos os
resultados do Recenseamento do Império e das diversas matrículas determinadas pela Lei do Ventre
Livre e outras, que registravam a mesma liderança, mas a historiografia brasileira do século XX parecia
não se dar conta disso.
18 Furtado. Formação Econômica, p. 34.
19 Jacob Gorender. Brasil em Preto e Branco. São Paulo: Editora Senac, 2000, p. 41.
20 Antônio Cândido de Mello e Souza. Os Parceiros do Rio Bonito. São Paulo: Livraria Duas Cidades. 5ª.
edição, 1979, p. 96.
21 Veja: Frederick Law Olmsted. A Journey in the seaboard slave states. New York: Dix and Edwards e
London: Sampson, Low, Son and Co. 1856. Reimpresso: New York: Capricorn Books, 1959; John Elliott
Cairnes. The Slave Power. Its character, career and probable designs. London: Parker, Son and Bourn,

412 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
e serviços para os mercados domésticos. Esse padrão se revelou predominante em
Minas Gerais – onde a grande maioria dos plantéis eram pequenos e a grande maio-
ria dos escravos vivia nesses pequenos plantéis – e em vários outros lugares. Essa
linha de trabalho desenvolveu-se principalmente na UFMG, com a formação do
grupo de história do Cedeplar, na Faculdade de Ciências Econômicas, onde eu tra-
balhava na época, e no Departamento de História da FAFICH, em torno de Douglas
Libby, mas teve repercussões em outras universidades mineiras e brasileiras.

A CORRIDA AOS ARQUIVOS


Growing in Silence, e as controvérsias geradas por ela tiveram também um
efeito colateral importante para a pesquisa da história econômica e demográfica de
Minas, ao provocarem o levantamento e a organização de grandes bases de dados.
Eu, Maria do Carmo, e outros pesquisadores ligados ao Cedeplar, passsamos a fre-
quentar, cotidianamente, pela primeira vez, o Arquivo Público Mineiro, e execu-
tamos projetos de grande envergadura na busca, coleta, digitação e divulgação de
valiosos acervos de dados históricos.

1862. Reimpresso: New York: Negro Universities Press, 1969, pp. 33-103; Karl Marx. Capital. A Critique
of Political Economy. New York: International Publishers, 1967, vol. I, p. 196. Entre os autores brasileiros
que defendem essa posição, veja, por exemplo, Prado Júnior. História Econômica, p. 180, e também
Jacob Gorender, que em pleno ano 2000 continuava afirmando que o escravo só se prestava a tarefas
agrícolas repetitivas, que dependessem apenas da força bruta. Gorender. Brasil, p. 41. Essa visão míope
do trabalho escravo já vinha sendo questionada pelo menos desde os anos 50, por Kenneth Stampp
(1956), Robert Starobin (1970), Richard Wade (1972), Fogel e Engerman (1974) e R. Keith Aufhauser
(1973, 1974). Veja: Kenneth Stampp. The peculiar institution: slavery in the Antebellum South. New
York: Vintage Books, 1956; Robert S. Starobin. Industrial Slavery in the Old South. New York: Oxford
University Press, 1970; Richard C. Wade. Slavery in the cities: The South, 1820-1860. New York: Oxford
University Press, 1972; Robert W. Fogel and Stanley L. Engerman. Time on the Cross. The Economics
of American Negro Slavery. Boston: Little, Brown and Company, 1974; R. Keith Aufhauser. Slavery and
Technological Change. Journal of Economic History 34 (1974), pp. 36-50; e R. Keith Aufhauser. Slavery
and Scientific Management. Journal of Economic History 33 (1973), pp. 811-824. Jacob Gorender
parece desconhecer toda esta literatura e também, no caso brasileiro, os livros de Stanley J. Stein.
The Brazilian Cotton Manufacture. Textile Enterprise in an Underdeveloped Area. Cambridge, Mass.:
Harvard University Press, 1957; Douglas Cole Libby. Trabalho Escravo e Capital Estrangeiro no Brasil.
O caso de Morro Velho. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1984; e Douglas Cole Libby. Transformação
e Trabalho em uma economia escravista. Minas Gerais no século XIX. São Paulo: Editora Brasiliense,
1988, além de Luís Carlos Soares. A indústria na sociedade escravista: as origens do crescimento
manufatureiro na região fluminense em meados do século XIX (1840-1860). In: Tamás Szmrecsányi e
José Roberto do Amaral Lapa (orgs.). História Econômica da Independência e do Império. São Paulo:
Ed. Hucitec/Fapesp/ABPHE, 1996, e toda a antiga história do emprego de escravos por Eschwege e
Monlevade na indústria siderúrgica em Minas Gerais. Na introdução de Trabalho Escravo e Capital
Estrangeiro, Douglas Libby tem uma boa revisão bibliográfica sobre essa questão, incluindo Cairnes,
Olmstead, Marx, Phillips, Fogel e Engerman, e também alguns autores brasileiros.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


413
Quando voltei a Belo Horizonte, no final de 1980, eu trazia na cabeça um
misterioso “censo realizado em 1831”, mencionado diversas vezes no Dicionário
Histórico-Geográfico de Waldemar de Almeida Barbosa, do qual não conseguira
encontrar nenhum vestígio nas bibliotecas americanas. No início de 1981, eu e
Maria do Carmo começamos a perseguir essa miragem no APM. Em nossa ino-
cência – nem eu nem ela jamais havíamos entrado em um arquivo histórico – espe-
rávamos encontrar um volume encadernado com o título na lombada. Não acha-
mos nada disso, mas um dia, começaram a aparecer aqui e ali uns manuscritos
dispersos, em papel almaço, organizados por “distritos de paz” e por “fogos”, com
listagens de nomes e dados sobre condição, idade, sexo, raça, ocupação etc. Eram
datados de 1831 e 1832, e logo ficou claro que eram parte de um conjunto. Não era
o volume esperado, mas era coisa muito melhor – havíamos encontrado os regis-
tros originais, os manuscript census schedules, com os microdados do tal censo.22
Clotilde Paiva, como Duca e eu, também do Cedeplar, juntou-se a nós, e em
pouco tempo formamos uma pequena equipe para a garimpagem de mais listas e
a transcrição dos dados. Desse time faziam parte dois jovens estagiários, Marcelo
Godoy e Luiz Arnaut, hoje doutores e professores da UFMG.
Quase vinte anos depois, em 1999, haviam sido localizadas, coletadas e digita-
das 228 listas contendo a população de 231 distritos de paz. Isso foi resultado de
um esforço coletivo, que teve a participação de várias pessoas, e a colaboração ines-
timável de várias direções e do corpo técnico do APM, mas foi executado e coor-
denado principalmente por Marcelo Magalhães Godoy e Maria do Carmo Salazar
Martins. Em 1999-2000, Maria do Carmo, então vinculada ao Centro de Estudos
Mineiros, da FAFICH- UFMG, localizou e coletou mais 32 listas, que foram digita-
das no IPEA, com recursos do Programa Nacional de Pesquisa Econômica (PNPE),
e mais tarde cedidas ao Cedeplar-UFMG, para serem incorporadas ao banco de
dados do NPHED – Núcleo de Pesquisas em História Econômica e Demográfica.
O que chamamos hoje de banco de dados das listas nominativas de 1831-32,
contém 260 listas que cobrem 263 distritos de paz, espalhados por todos os dezes-
sete termos então existentes, e compreendem os registros de 424.436 habitantes,
sendo 281.811 livres e 143.025 escravos. Em 257 dessas listas, os habitantes são
distribuidos por seus domicílios (fogos) de residência. Esses fogos eram 62.562,
em 21.355 dos quais havia 141.854 escravos e 264.285 indivíduos livres. Além dos

22 Veja mais detalhes sobre as listas nominativas, sua gênese, e a história de sua coleta e organização, em
Roberto Borges Martins. Tesouro Revelado. Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano 51, nº. 1 (janeiro-
junho de 2015).

414 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
dados populacionais, muitas das listas trazem anexas “relações de fábricas”, rela-
tando a existência de engenhos, fábricas de ferro, fábricas de minerar, teares, fábri-
cas de fumo etc. O emprego de mão de obra escrava nessas atividades, tantas vezes
negado pela historiografia, é relatado nesses anexos.23
Os 263 distritos recuperados não cobrem toda Minas Gerais, onde havia,
segundo a melhor estimativa, cerca de 416 distritos.24 Mas isso pode ser consi-
derado, por estranho que pareça, uma benção para a pesquisa histórica. Se todos
os juizes de paz tivessem enviado suas listas, a tempo e a hora, para o governo da
província, é bem provável que os dados tivessem sido tabulados e as listas originais
destruidas, como aconteceu com outros recenseamentos no Brasil. Teríamos então
o tal volume procurado, mas teríamos perdido para sempre a insubstituível riqueza
dos microdados. De qualquer modo, as 260 listas sobreviventes compõem uma
“amostra” grande bastante para garantir a validade estatística de qualquer resultado
nela baseado.25
Ao longo do mesmo trabalho foi também localizado e coletado no APM outro
conjunto de listas nominativas de 145 distritos, pertencentes a 26 termos da pro-
víncia, referentes aos anos 1838-1840.26 Essas listas têm conteúdo e organização
muito semelhantes às de 1831-32, mas não podem ser misturadas com elas, ou
fundidas em um único bando de dados, pois são resultados de levantamentos inde-
pendentes, separados por quase uma década. As listas de 1838-40 foram coletadas
por Maria do Carmo Salazar Martins, digitadas no IPEA, e também cedidas ao
Cedeplar para serem incorporadas ao acervo do NPHED. Nelas estão arrolados

23 Os números acima e todas as citações das listas nominativas de 1831-32 feitas neste trabalho referem-
se, salvo anotação em contrário, ao banco de dados particular de Roberto e Maria do Carmo Martins,
que não é idêntico ao banco de dados semelhante do NPHED do Cedeplar-UFMG, organizado e
mantido por Clotilde Andrade Paiva, Marcelo Magalhães Godoy, Mário Marcos Sampaio Rodarte e
Douglas Santos.
24 Maria do Carmo Salazar Martins. Revisitando a Província: Comarcas, Termos, Distritos e População
de Minas Gerais em 1833-35. In: Cedeplar-UFMG. V Seminário sobre Economia Mineira (Diamantina
1990). Publicado em: UFMG/Face/Cedeplar. 20 anos do Seminário sobre a Economia Mineira – 1982-
2002. Coletânea de Trabalhos. Belo Horizonte: UFMG/Face/Cedeplar, 2002, vol. 2, pp. 51-90.
25 Não é uma amostra aleatória, selecionada com critérios estatísticos de amostragem – é simplesmente
uma amostra gigantesca, quase do tamanho do universo. Para garantir resultados estatisticamente
significativos para o universo do estado, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do
IBGE usou, em 2009, por exemplo, uma fração de amostragem de 1 por 550, ou seja, pesquisou um
em cada 550 domicílios de Minas. Como nossa “amostra” contém 64.562 domicílios em um universo
estimado em 83.658, então nossa fração de amostragem é igual a 1 por 1,29.
26 Entre 1831-32 e 1838-40 foram criados vários novos termos na província.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


415
283.662 habitantes, dos quais 193.582 eram livres e 86.356 eram escravos. Havia
escravos em 13.402 dos 32.570 fogos incluidos.27
As listas nominativas constituem o principal acervo hoje disponível para o
estudo da demografia, e de vários outros aspectos sociais e econômicos da popu-
lação mineira – livre e escrava – na primeira metade do século XIX. São espe-
cialmente valiosas porque oferecem ao pesquisador a informação no nível mais
desagregado possível – os microdados – com informações individualizadas sobre
indivíduos identificados, que podem ser agregadas, tabuladas, recortadas, ou ana-
lisadas da maneira que quisermos.
Outra vantagem importante dos microdados é que eles permitem quantificar
as variáveis com facilidade e precisão. A quantificação é absolutamente necessá-
ria, em se tratando de história econômica e demográfica. Variáveis como popu-
lação, migração, produção, consumo, importação, etc., exigem mensuração. Na
verdade, não existe opção entre quantificar e não quantificar, entre fazer História
com números ou fazê-la com prosa. Consciente ou inconscientemente, quantifica-
mos o tempo todo. Ou o fazemos explicitamente, de maneira precisa, ou deixamos
que as quantidades entrem sorrateiramente na História, de forma vaga, subjetiva,
e frequentemente confusa, através de adjetivos e advérbios, como “mais”, “menos”,
“muito”, “pouco”, “maior”, “menor”, “grande”, “pequeno” etc. “Ou bem a história [...]
inclui a medida, ou bem ela se perde na anedota”, já nos alertou Pierre Chaunu.28
Além disso, por serem nominativos, esses registros oferecem muito mais do
que simples dados numéricos, e podem ser cruzados com outros registros também
nominativos, como alguns que mencionamos abaixo, o que amplia exponencial-
mente o seu potencial. Essas listas estão quase todas disponíveis para a comuni-
dade acadêmica, e são hoje a principal fonte de dados empíricos para um imenso
número de teses, dissertações, monografias, artigos e todo tipo de trabalhos sobre
a história de Minas.
Nos anos 80 e 90 foram também localizados no APM, coletados e digitados,
por Maria do Carmo e por mim, várias dezenas de mapas avulsos de população

27 Todas as citações das listas nominativas de 1838-40 neste trabalho também se referem, salvo anotação
em contrário, ao banco de dados particular de Roberto e Maria do Carmo Martins. Posteriormente,
Maria do Carmo localizou e coletou também, no APM, listas nominativas de 41 distritos dos termos
de Mariana e Vila Rica em 1800-1804, e no Arquivo da Câmara Municipal de Mariana, as listas
nominativas de 38 distritos pertencentes aos termos de Mariana, Pitangui, Ouro Preto, Paracatu e
Sabará, no período 1819-1822. Estas listas também foram digitadas no IPEA.
28 Pierre Chaunu. Histoire quantitative, histoire sérielle. Paris: Éditions de l’École des Hautes Études en
Sciences Sociales, 1978.

416 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
da capitania, da província, e de suas comarcas, termos, freguesias, e distritos, em
diferentes anos do final dos setecentos e da primeira metade do século XIX.29 São
ainda da década de oitenta os detalhados levantamentos e publicações que fizemos
das séries estatísticas das exportações provinciais no período 1818-1892.30
Vários inquéritos e questionários do governo provincial sobre população e eco-
nomia dos municípios, paróquias e distritos no meado do século XIX, também
foram levantados e sistematizados por nós.31 Usei as informações demográficas
para gerar uma estimativa da população livre e escrava da província em 1855.32
Maria do Carmo e Helenice Carvalho Cruz da Silva usaram os dados econômicos
de 241 freguesias, distribuídas por todos os sessenta municípios então existentes,
para produzir uma estatística corográfica da produção agropecuária e manufatu-
reira dos municípios mineiros.33
Na História do Café no Brasil, Affonso de Taunay mencionou a existência de
um livro de assentamentos de um traficante de “serra acima”, ou seja um trafi-
cante que não participava do tráfico atlântico, mas comprava escravos no Rio para

29 Douglas Libby e Tarcísio Botelho também coletaram independentmente vários desses materiais e
mantiveram profícuo intercâmbio conosco.
30 As principais fontes sistemáticas das exportações mineiras no século XIX são: APM. Relatórios do
Governo Mineiro, vários anos; APM. Livro da Lei Mineira, vários anos; APM. Tabelas da Mesa das
Rendas Provinciais, vários anos; e APM. Balanços e Tabelas, vários anos; além de vários documentos
manuscritos avulsos, jornais, e algumas outras fontes impressas. Parte desses dados pode ser
encontrada em Roberto Borges Martins e Maria do Carmo Salazar Martins. As Exportações de Minas
Gerais no Século XIX. In: Cedeplar-UFMG. I Seminário sobre a Economia Mineira (Diamantina 1982)
e Revista Brasileira de Estudos Políticos 58 (1984). Outra parte, aqueles localizados depois dessas
publicações, foram coletados, organizados e encontram-se nos nossos arquivos pessoais. Cerca de
duas décadas mais tarde, agraciado com uma bolsa de pesquisa ICAM-Usiminas, do Instituto Cultural
Amilcar Martins, Cristiano Corte Restitutti partiu dessa base para realizar um levantamento bem
mais completo e minucioso desses dados, incluindo vários outros arquivos. Os dados levantados
por Restitutti foram apresentados na dissertação As fronteiras da província: rotas do comércio
interprovincial, Minas Gerais, 1839-1884. Dissertação de mestrado em História. UNESP-Araraquara,
2006. Aproveito o ensejo para agradecer mais uma vez ao Cristiano pelo proveitoso e agradável
intercâmbio de dados e de idéias.
31 O material original está depositado no Arquivo Público Mineiro. Veja APM. SP códices 570, 575, 609,
610, 612, 654, 955, 956, 1005 e 1006.
32 Roberto Borges Martins e Maria do Carmo Salazar Martins. Estimativa da população de Minas Gerais,
por municípios, em 1855. Relatório de pesquisa não publicado, 1992.
33 Maria do Carmo Salazar Martins e Helenice Carvalho Cruz da Silva. Produção Econômica de Minas
Gerais em meados do século XIX. In: V Congresso Brasileiro de História Econômica e 6ª. Conferência
Internacional de História de Empresas. ABPHE (Caxambu, setembro de 2003). Posteriormente, Lidiany
Barbosa levantou novamente essas fontes e as utilizou em sua interessante tese de doutorado Tropas
e ferrovias em uma província não-exportadora: Estado, elites regionais e as contradições da política
dos transportes no início da modernização – Minas Gerais, 1835-1889. Tese de Doutorado UFRJ 2011.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


417
revendê-los no interior, e deu alguns exemplos, mas não forneceu mais indícios
sobre essa fonte.34 Stanley Stein constatou, a partir de fontes locais, o envolvimento
de gente da elite mineira no comércio de escravos em Vassouras.35 Alcir Lenharo
também relatou a participação de mineiros nesse tráfico, listando alguns nomes
e remessas de cativos a partir do Rio, e indicou o caminho das pedras – o códice
421 do ANRJ.36 Instigado por essas pistas, encomendei ao Arquivo Nacional, por
volta de 1997 ou 1998, uma cópia desse códice. Não deu para ler quase nada no
microfilme que recebi: o material estava corrompido e reduzido a um emaranhado
de arabescos e garranchos, mas deu para entender que ele continha muitas infor-
mações sobre envio de escravos do Rio para o interior.
Estando na presidência do IPEA, em 1999, convidei o professor João Fragoso, da
UFRJ, para desenvolver um projeto, financiado com recursos do Programa Nacional
de Pesquisa Econômica, com o objetivo de investigar essa questão e construir um
banco de dados baseado no material localizado. O trabalho se denominou “Tráfico
de escravos e relações comerciais no Sudeste do Brasil: primeira metade do século
XIX”, foi executado por uma equipe de pesquisadores do LIPHIS – Laboratório
Interdisciplinar de Pesquisa em História Social, da UFRJ, sob a coordenação de João
Luís Fragoso e Roberto Guedes Ferreira, e ficou pronto em 2001. Acredito que pou-
cas vezes um recurso de pesquisa foi tão bem utilizado e obteve resultados tão impor-
tantes. O banco de dados dele resultante contém os registros dos ‘despachos de escra-
vos e de passaportes’ emitidos pela Intendência Geral da Polícia da Corte entre 1809
e 1833, que estão sob a guarda do Arquivo Nacional, distribuidos em quatro códices,
formando um total de 43 volumes de documentos manuscritos. Esses documentos
contêm informações sobre 57.974 viagens do Rio de Janeiro para as províncias, em
26.671 das quais foram feitas remessas de quase 170 mil escravos, entre novos e ladi-
nos, para Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás, Mato
Grosso, Santa Catarina e Espírito Santo. O minucioso levantamento inclui centenas
de informações sobre cada viagem ou remessa, mas para esta breve notícia basta
anotar que ele registra a data da viagem, o nome do indivíduo que remete ou con-
duz os escravos, vários atributos desse indivíduo (como sexo, moradia, ocupação,

34 Affonso de E. Taunay. História do Café no Brasil. Rio de Janeiro: Edição do Departamento Nacional do
Café, 1939-1941, vol. 4, tomo 2, pp. 245 e segs.
35 Stanley J. Stein. Vassouras. A Brazilian Coffee County, 1850-1890 [1957]. New York: Atheneum, 1970,
pp. 73-74.
36 Lenharo. As Tropas, pp. 102, 111-112. João Fragoso e Manolo Florentino também utilizaram essa fonte
em O Arcaísmo como projeto. Mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil no Rio de Janeiro,
c. 1790 – c. 1840. Rio de Janeiro: Livraria Sette Letras, 1996, p. 81.

418 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
naturalidade, idade, etc.) de forma irregular, e várias informações individualizadas
(novo ou ladino, sexo, idade, procedência, etc.) sobre cada um dos escravos remeti-
dos, também de forma irregular.37 A documentação encontrada e coletada não é per-
feita: é parcial (estima-se que entre 1809 e 1833 desembarcaram em portos do Sudeste
cerca de 616 mil africanos)38 e tem outros problemas, mas é a mais completa e espeta-
cular base de dados jamais construida sobre a “terceira perna” do tráfico atlântico no
Brasil, ou seja, a distribuição dos africanos chegados ao porto do Rio de Janeiro, para
as regiões sudeste, sul e centro-oeste. Ela permite recompor, ano a ano, mês a mês,
semana a semana, ou até dia a dia, os fluxos para as províncias, caracterizar perfeita-
mente os traficantes internos e a estrutura desse tráfico, e muitas outras análises. Por
serem nominativos, os registros podem ser cruzados com outras fontes nominativas,
como listas de habitantes, almanaques comerciais, listas de concessão de títulos de
nobreza e de sesmarias, de traficantes internacionais, e o que mais houver.39
As bases de dados produzidas por esses projetos, especialmente as listas nomi-
nativas, juntamente com os acervos (de natureza arquivística, cartorária, eclesi-
ástica, empresarial e outras) coletados por outros pesquisadores e estudantes no
curso de suas monografias, seus trabalhos de tese e seus projetos pessoais, dão hoje
à história econômica e demográfica de Minas uma base empírica infinitamente
mais sólida do que naquele longínquo 1980, e estão entre as melhores e mais com-
pletas disponíveis no Brasil sobre o tema da escravidão (e muitos outros aspectos
da história econômica, social e demográfica).

37 Os dados acima, e todos apresentados neste trabalho, salvo anotação em contrário, não se referem
ao banco de dados original de Fragoso e Ferreira, mas a uma versão simplificada e com algumas
correções, construida por mim, a partir dos dados brutos do relatório final apresentado ao IPEA.
38 O banco de dados inclui registros para 4.631 dias dos 9.131 dias compreendidos entre o início de 1809
e o final de 1833. Supondo que houve 7.006 dias úteis (365 dias menos 85 feriados e fins de semana
nos anos normais, ou 366 menos 85 nos anos bissextos de 1812, 1816, 1820, 1824, 1828 e 1832)
a cobertura corresponde a 66,1% dos dias úteis. Em parte por esta razão, o BD só registra 148.278
escravos novos, ou 24% dos 616.009 africanos desembarcados no Sudeste do Brasil entre 1809 e 1833,
segundo a Trans-Atlantic Slave Trade Database, do projeto Slavevoyages.
39 Veja João Luís Ribeiro Fragoso e Roberto Guedes Ferreira. Tráfico de Escravos, Mercadores e Fianças.
Dois bancos de dados (despachos de escravos, passaportes e licenças) - Relatório final apresentado ao
IPEA, 2001. Veja também João Luís Fragoso e Roberto Guedes Ferreira. Alegrias e artimanhas de uma
fonte seriada. Os códices 390, 421, 424 e 425: despachos de escravos e passaportes da Intendência
de Polícia da Corte, 1819-1833. In: Tarcísio R. Botelho et al. (orgs.). História Quantitativa e Serial no
Brasil: um balanço. Goiânia: ANPUH-MG, 2001. Essa descrição sumária não faz justiça ao monumental
trabalho realizado, não só na pesquisa, coleta e organização do banco de dados, mas também na
preparação de várias peças de metadados, como guias, coletâneas de legislação, glossários, e um
longo e importante relatório de análise crítica de todo o material.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


419
REPERCUSSÃO DE GROWING IN SILENCE
Growing in Silence foi muito bem recebida pela comunidade acadêmica brasi-
leira e internacional. Tanto a tese quanto alguns artigos nela baseados, que publi-
quei nos anos 80 e 90, têm recebido, desde então, grande número de citações e
de comentários, em teses, dissertações, monografias, artigos e livros, e têm estado
presentes nas listas de leitura de cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior.40
O Journal of Economic History publicou seu resumo em 1982.41 Um artigo nela
baseado, escrito em co-autoria com Amilcar Vianna Martins Filho, foi objeto de
um debate especial na Hispanic American Historical Review, no qual recebeu nada
menos de 63 páginas em dois números consecutivos, em 1983 e 1984, e estimulan-
tes comentários de alguns dos melhores historiadores da escravidão, como Eugene
Genovese, Stanley Engerman, Warren Dean e Robert Slenes.42
Tornou-se, sem falsa modéstia, um marco referencial para as pesquisas e traba-
lhos posteriores de autores mineiros, brasileiros e brasilianistas. Algumas de suas
conclusões foram criticadas e geraram polêmicas renhidas, mas no geral, formou-
-se um forte consenso entre historiadores, mineiros e de outras nacionalidades,

40 São os seguintes os artigos diretamente relacionados à tese que publiquei desde os anos 1980:
Roberto B. Martins. A Economia Escravista de Minas Gerais no século XIX. Cedeplar-UFMG. Texto
para discussão nº. 10. Belo Horizonte, novembro de 1980. 2ª. impressão: agosto de 1982; Roberto
B. Martins. Minas Gerais, século XIX: Tráfico e Apego à Escravidão numa Economia Não-Exportadora.
Estudos Econômicos (USP) 13, nº. 1 (1983); Roberto B. Martins e Maria do Carmo Salazar Martins. As
Exportações de Minas Gerais no século XIX. In: Cedeplar-UFMG. I Seminário sobre a Economia Mineira
(Diamantina 1982) e Revista Brasileira de Estudos Políticos 58 (1984); Roberto B. Martins. A Indústria
Têxtil Doméstica de Minas Gerais no século XIX. In: Cedeplar-UFMG. II Seminário sobre a Economia
Mineira (Diamantina 1983); Roberto B. Martins. Minas e o Tráfico de Escravos no século XIX, outra vez.
In: Tamás Szmrecsányi e José Roberto do Amaral Lapa (orgs.). História Econômica da Independência e
do Império. São Paulo: Hucitec/Fapesp/ABPHE, 1996, e História e Perspectivas 11 (Uberlândia 1994);
e os artigos na HAHR mencionados abaixo. Nos anos 2000, escrevi, sobre esse tema: Roberto B.
Martins. A Historiografia sobre o século XIX em Minas Gerais: Notas para um debate. ICAM. Seminário
Internacional sobre a Historiografia de Minas Gerais (Belo Horizonte 2004); Roberto B. Martins. Vila
Rica, vila pobre: dilema de uma historiografia de aluvião. In: Cedeplar-UFMG. XVI Seminário sobre
a Economia Mineira (Diamantina 2014); e História e Economia - revista interdisciplinar. (São Paulo).
v. 17, nº. 2 (2016); Roberto B. Martins. “Se Deus quiser, semana que vem... ou na outra...” – Terra,
trabalho e liberdade. ABPHE. XI Congresso Brasileiro de História Econômica (Vitória 2015); Roberto
B. Martins. Notas sobre a demografia das populações escravas da América. In: Cedeplar-UFMG. XVII
Seminário sobre a Economia Mineira (Diamantina 2016).
41 Roberto Borges Martins. “Growing in Silence: The Slave Economy of Nineteenth-Century Minas Gerais,
Brazil”. Summaries of Dissertations.The Journal of Economic History 42 (1) (March 1982).
42 Veja: Amilcar Martins Filho and Roberto B. Martins. Slavery in a Nonexport Economy: Nineteenth-
Century Minas Gerais Revisited. Hispanic American Historical Review 63 (1) (1983), pp. 537-68; Robert
W. Slenes, Warren Dean, Stanley L. Engerman and Eugene D. Genovese. Comments on ‘Slavery in
a Nonexport Economy’. Hispanic American Historical Review 63 (1) (1983), pp. 569-90; Roberto B.
Martins and Amilcar Martins Filho. ‘Slavery in a Nonexport Economy’: A Reply. Hispanic American
Historical Review 64 (1) (1984), pp. 135-46.

420 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
de que ela foi o ponto de partida de uma profunda revisão sobre o século XIX
em Minas, modificou nossa visão sobre a economia do império, e representou um
desafio para antigos dogmas da historiografia brasileira e internacional sobre a
escravidão moderna. Mesmo autores que discordaram de algumas de suas proposi-
ções, não deixaram de ressaltar sua importância e a relevância dos debates que tem
provocado.
Maria Lígia Coelho Prado, professora emérita da USP, disse que “esta tese mudou
completamente a maneira de entender a economia do Império”.43 Comentando o
artigo mencionado acima, Warren Dean anotou que “the authors have demonstra-
ted conclusively a very significant historical reality: in the center of the Brazilian
empire an immense African slave population persisted for a century following the
collapse of an export system based on mining. Up to now, historians have tended
to regard Brazilian slavery as an intrinsic part of the export sector and insepara-
ble from it; therefore, we have been avoiding a confrontation with this phenome-
non. Martins Filho and Martins have rubbed our noses in it”.44 Stanley Engerman e
Eugene Genovese escreveram, sobre o mesmo artigo, que “we trust that, in making
these criticisms and in suggesting some questions for further study, we have made
clear our conviction that the paper substantíally advances our understanding of the
complexity of modern slavery and provides a strong basis for the further work that
seems necessary”.45
Robert Slenes, embora discordando de algumas das minhas posições, acredita
que “seja a província uma economia autárquica ou profundamente ligada às ati-
vidades de exportação, certamente é um caso à parte, e um desafio aos modelos
existentes da escravidão moderna”.46 Também crítico de vários de seus aspectos,
Douglas Cole Libby, referiu-se a ela como uma “tese seminal”,47 e anotou alhures
que, “segundo a visão da historiografia tradicional, foram a decadência irreversí-
vel da mineração aurífera e a conseqüente estagnação econômica que mais mar-
caram Minas Gerais no século XIX (...) apenas muito recentemente se começa a

43 Maria Lígia Coelho Prado, Revista Veja, ano 30, n. 40 (8/10/1997)


44 Warren Dean. Comments on ‘Slavery in a Nonexport Economy’. Hispanic American Historical Review
63 (1) (1983).
45 Stanley L. Engerman and Eugene D. Genovese. Comments on ‘Slavery in a Nonexport Economy’.
Hispanic American Historical Review 63 (1) (1983).
46 Robert W. Slenes. Os Múltiplos de Porcos e de Diamantes: A Economia Escravista de Minas Gerais no
século XIX. Cadernos IFICH UNICAMP, no. 17 (junho de 1985), p. 63.
47 Libby. O Apelo, p. 445.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


421
questionar essa visão tão negra da história mineira do Oitocentos. Desde 1980,
os vários trabalhos de Roberto Borges Martins têm contribuído em muito para
derrubar verdadeiros mitos acerca da economia e demografia de Minas do século
passado”.48 Outro crítico severo, Laird Bergad, usou o mesmo adjetivo para quali-
ficar o trabalho: “In 1983, Amilcar Martins Filho and Roberto Martins published a
seminal article that challenged nearly every previous conclusion about the econo-
mic and social history of Minas Gerais after 1750”.49
Segundo José Roberto Amaral Lapa, professor emérito da UNICAMP, “Roberto
Martins chega por outras vias a demonstrar, por exclusão, o que parecia indemons-
trável: a capacidade de setores como a siderurgia, a pecuária, a pequena produção e as
manufaturas da província de Minas Gerais, poderem absorver uma das maiores con-
centrações de escravos das Américas no último quartel do século XVIII e primeira
metade do século XIX, diretamente importados da África, desfazendo portanto, de
maneira veemente, uma série de hipóteses já cristalizadas como verdade em alguns
dos melhores trabalhos de história econômica, como por exemplo a incompatibili-
dade do trabalho escravo com atividades outras que não a plantation”.50
Vários outros autores, mesmo registrando as críticas que recebeu e as controvér-
sias que suscitou, não deixaram de anotar seu papel transformador na historiografia.
Clotilde Paiva e Marcelo Godoy criticaram algumas das conclusões, mas escreve-
ram que “as pesquisas e formulações teóricas de Roberto Martins foram o ponto de
partida desta profunda revisão. As repercussões deste processo revisionista ainda se
fazem sentir na historiografia de Minas Gerais”.51 Na opinião de Mário Rodarte e
Marcelo Godoy, “Roberto Borges Martins (...) é responsável pelo mais importante
movimento da mencionada revisão historiográfica que não apenas refutou a “visão
tradicional” de Minas Gerais no século XIX, como também elaborou interpretação
inteiramente nova da natureza da economia de Minas Gerais do século XIX”.52
Isaías Pascoal resenhou as críticas e anotou que “no início dos anos 1980,
Roberto Borges Martins iniciou a publicação de uma série estudos sobre a economia

48 Douglas Cole Libby. Historiografia e a formação social escravista mineira. Acervo. Revista do Arquivo
Nacional. Rio de Janeiro, v. 3, nº. 1 (jan-jun 1988), pp. 7-20.
49 Laird W. Bergad. After the Mining Boom: Demographic and Economic Aspects of Slavery in Mariana,
Minas Gerais, 1750-1808. Latin American Research Review, v. 31, nº. 1 (1996).
50 José Roberto do Amaral Lapa. O Antigo Sistema Colonial. São Paulo: Brasiliense, 1982, pp. 59-60.
51 Clotilde Andrade Paiva e Marcelo Magalhães Godoy. Território de Contrastes: Economia e Sociedade
das Minas Gerais do século XIX. In: Silva et al. (orgs.). Escritos sobre História e Educação, p. 480.
52 Mário Marcos Sampaio Rodarte e Marcelo Magalhães Godoy. Pródromos da formação do mercado
interno brasileiro: Um estudo de caso das relações entre capital mercantil, rede de cidades e

422 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
e sociedade mineiras do século XIX que, pela riqueza e densidade da argumenta-
ção, sepultou de vez as teses principais da antiga historiografia sobre Minas oito-
centista, e deu início a um prolífico debate que não pode ser desconhecido pelos
interessados no assunto”.53
Segundo Leandro Braga de Andrade, “Roberto Martins, em tese que marcou
os estudos sobre trabalho escravo e economia no Brasil, demonstrou que Minas
Gerais, uma província não-exportadora (...), era a principal importadora de mão-
-de-obra cativa e com maior contingente populacional mancípio. Dessa forma, o
trabalho escravo não estaria necessariamente atrelado às atividades exportado-
ras”.54 Ricardo Arreguy Maia comentou que “a situação de esquecimento começou
a ser relativamente superada em inícios da década de 80, com o trabalho renovador
de Roberto B. Martins, sobre a economia escravista mineira do século em ques-
tão. Este, além de ter estimulado um debate dos mais positivos, desnudou um dos
grandes preconceitos a propósito da realidade mineira daquele período: aquele que
afirma ter havido aqui uma estagnação, uma involução econômica”.55
E finalmentre, mas não por último, Andréa Lisly Gonçalves escreveu que a tese
desencadeou uma nova tendência historiográfica: “assuntos que, até bem recente-
mente, pouco haviam ocupado a atenção dos estudiosos – como o sistema escravista
mineiro no século XIX, as unidades produtivas rurais voltadas para a produção
de gêneros para o mercado interno, a camada dos pequenos proprietários livres,
etc – foram privilegiados em abordagens que trouxeram de volta o interesse por
temas e/ou pelos métodos da História econômica. Marco decisivo dessa tendência
é o trabalho de Roberto Borges Martins, Growing in silence: the slave economy of
nineteenth-century Minas Gerais, Brazil (...) Concordes no todo ou em parte com
as conclusões de Roberto Martins, os trabalhos que se seguiram tinham Growing in
silence como referência obrigatória”.56

desenvolvimento regional, Minas Gerais na década de 1830. In: Anpec. XXXIII Encontro Nacional de
Economia (Natal 2005)
53 Isaías Pascoal. Economia e trabalho no sul de Minas no século XIX. Economia e Sociedade, Campinas,
v. 16, nº. 2 (30) (ago. 2007) p. 263.
54 Leandro Braga de Andrade. Dissertando Mariana para entender o Brasil: historiografia regional e
História econômica de Minas Gerais após o auge da mineração. Revista de História Regional 15(2):
211-234 (Inverno 2010).
55 Ricardo Arreguy Maia. Liberais e Conservadores na província de Minas Gerais: identidade política e
representação de interesses. LPH – Revista de História, v. 2, nº. 1, 1991.
56 Andréa Lisly Gonçalves. Algumas perspectivas da historiografia sobre Minas Gerais nos séculos XVIII
e XIX. In: Ronald Polito de Oliveira (org.). Termo de Mariana: História e documentação. Ouro Preto:
Editora da UFOP, 1998, v. 1, p. 13-26.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


423
As proposições lançadas por Growing in Silence receberam muitos elogios e ade-
sões, mas também receberam críticas importantes. As polêmicas iniciadas na década
de 1980 sobre o século XIX mineiro (e suas consequências para a historiografia do
Brasil e da escravidão moderna) estão, felizmente, longe de chegar ao fim. Continuam
vivas, constantemente enriquecidas com a entrada de novos atores, novas temáticas,
novas interpretações, novos argumentos e novas evidências empíricas.
Persistem ainda, e persistirão sempre – se Deus quiser – várias divergências, no
atacado e no varejo. Sobre a caracterização da economia provincial, existe consenso
de que ela não se enquadra no modelo primário-exportador típico da escravidão
moderna, mas permanece o debate em torno da importância relativa do seu pró-
prio mercado interno vis-à-vis os mercados das demais províncias e da Corte. Há
também controvérsia sobre a natureza do vigoroso crescimento de sua população
escrava. Ninguém mais se atreve a negar que Minas foi um grande importador de
africanos também no século XIX, mas ainda há quem discorde que o incremento
tenha ocorrido exclusivamente por essa via, e defenda a tese de um crescimento
pelo menos parcialmente endógeno.
É assim que deve ser. É assim que o conhecimento avança. Acabaram-se os
consensos e as unanimidades burras. Acabou-se o respeito reverencial e paralisante
pelos paradigmas e modelos de fancaria, e pelos cardeais e semideuses de araque da
historiografia econômica “clássica” do século XX.
No início do século XXI, Maria Yedda Linhares não mais precisava apontar
caminhos e desafios para o historiador de Minas, e já podia afirmar que “em face
do novo conhecimento que já se construiu, a história do oitocentos mineiro não é
uma história de decadência, nem de uma sociedade rural de caráter aristocrático e
escravista voltada para o mundo atlântico (...) É, sim, parte de um país que se cons-
trói no cotidiano da atividade agrícola, do mercado interno, de múltiplas atividades
de natureza econômica”.57
Iglésias ficaria feliz por ver que seu apelo foi atendido e o século XIX mineiro
foi incorporado à história. Daniel de Carvalho se sentiria desforrado das agressões
que sofreu por cobrar o reconhecimento da identidade histórica de Minas.58

57 Maria Yedda Linhares. Prefácio. In: Afonso de Alencastro Graça Filho. A Princesa do Oeste e o mito da
decadência de Minas Gerais: São João del Rei (1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002.
58 Daniel de Carvalho investiu vigorosamente contra Gilberto Freyre, por sua total ignorância da história
mineira e por sua insistência em incluir Minas no modelo patriarcal-plantacionista nordestino, que
preconizava como um padrão interpretativo geral. Esta crítica custou-lhe a recusa, instigada pelo
próprio Freyre, por parte de José Olympio, seu editor por mais de dez anos, da publicação dos seus
Ensaios de Crítica e História.

424 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
MUITA ÁGUA PASSOU DEBAIXO DA PONTE
Desde 1980 os estudos históricos tiveram um desenvolvimento espetacular
entre nós – uma verdadeira revolução. A pós-graduação consolidou-se, passando
a formar, nas principais universidades, pela primeira vez no Brasil, historiadores
profissionais. Desses programas saem, todos os anos, levas de pesquisadores, com
formação teórica e capacitação para o métier d’historien. São produzidas anual-
mente muitas dezenas de dissertações e teses, baseadas em pesquisa original e
submetidas ao crivo de bancas experientes e competentes. Hoje, uma simples
monografia de graduação frequentemente contém mais pesquisa do que muitos
tratados do passado. Até algum tempo atrás, o trabalho de qualquer brazilianist,
fosse americano, inglês ou francês, tinha sucesso garantido. Isso era muito mere-
cido, pois mesmo aqueles menos talentosos eram lastreados em boa dose de pes-
quisa. Hoje muitos historiadores “nativos” fazem rotineiramente investigações
muito mais aprofundadas e minuciosas do que fizeram, por exemplo, Stanley
Stein ou Warren Dean, para mencionar apenas dois dos melhores, no campo da
história econômica.
Não se escreve história tão impunemente como no século XX. Nos arraiais aca-
dêmicos sérios não há mais espaço para amadores e diletantes, ou para ensaís-
tas presunçosos e desinformados. Não há também mais lugar para ídolos de pés
de barro e oráculos inatacáveis. A cultura da disciplina mudou – o magister dixit
das escolas medievais foi substituído pela crítica aberta, em revistas acadêmicas,
resenhas, congressos e simpósios. Hoje cobramos evidência, comprovação, e dize-
mos sem rodeios que qualquer rei ou cardeal, presente ou passado, está nu, ou
esmolambado.
Fazer história no Brasil, ou sobre o Brasil, é hoje completamente diferente do
que era em 1980. Eu também sou completamente diferente. A fila andou muito, e
eu, felizmente, andei também. Diante dessas mudanças, do conhecimento acumu-
lado, dos grandes acervos de estudos, publicações, dados e evidências empíricas
hoje disponíveis, o que dizer deste texto quase quarentão?
Publiquei muito pouco, quase nada, desde que a tese foi defendida. Não tenho a
fissura da publicação, e gosto muito mais do caminho do que do destino. Tive uma
vida universitária truncada, estive algum tempo ausente do cenário estritamente
acadêmico, e estou aposentado da UFMG há quase vinte anos. Mas não deixei,
em nenhum momento, de seguir de perto o que se escrevia, no Brasil e no exte-
rior, sobre os temas de meu interesse. Acompanhei com muita assiduidade as teses,
livros e artigos sobre escravidão no Brasil e na América, sobre o tráfico atlântico e

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


425
sobre a história de Minas. Sobretudo nunca parei de fazer minha própria pesquisa,
minha própria coleta e reflexão sobre os dados e as evidências.
Hoje estou muito melhor equipado do que o doutorando de 1980 para discu-
tir o meu próprio trabalho. Minha opinião sobre ele é diferente da que tinha ao
concluí-lo. Não é emocionalmente isenta (quem tem uma opinião isenta sobre si
mesmo?) mas a passagem do tempo – quando defendi a tese eu tinha uma filha de
seis anos; hoje tenho um neto de vinte e três – e mais trinta e oito anos de estudo
me permitiram um razoável distanciamento crítico.
Resolvi publicá-la exatamente como foi escrita. Entretanto, nada muda tão rapi-
damente como o passado, e o parto foi tão demorado que a criança corre o risco
de já nascer velha. Assim, ao publicar este texto vetusto, não posso deixar de fazer
alguns comentários – não fiquei petrificado em 1980. Meu longo silêncio não sig-
nifica que estou satisfeito com tudo que escrevi, e nem que concordo com todas as
críticas que recebi. Não vou entrar aqui em todas as controvérsias e debates criados
pela tese, mesmo em alguns que ainda estão muito vivos. Em especial, não vou discu-
tir a demografia da população escrava, e sua reprodução natural negativa. Mantenho
minha posição nesse ponto – a reprodução natural era negativa e o crescimento se
dava por meio de importações – mas aqui não é o lugar para defendê-la: isso merece
um espaço próprio e muito mais amplo.59 Também não vou entrar muito fundo nas
questões relativas ao tráfico e às importações de escravos por Minas no século XIX.
Os novos materiais disponíveis sobre isso são muito ricos e também merecem espaço
próprio. Aqui tratarei sobretudo das críticas que faço a mim mesmo e pouca coisa
mais. Depois cuidarei das críticas dos outros, em outros lugares.

VOO QUASE SOLO


Logo que voltei para o Brasil, ainda em 1980, passada a alegria da defesa, come-
cei a anotar vários defeitos que desejava corrigir. Hoje percebo que alguns dos pro-
blemas que me incomodavam eram coisas pouco importantes, perfeitamente com-
preensíveis, e até mesmo inerentes à época, ao estado da arte e às circunstâncias em
que a tese foi produzida.
Comparando com a maneira e o ambiente em que são normalmente feitas as
teses, posso dizer, sem exagero, que a minha foi uma empreitada muito solitária,
em uma situação de grande isolamento acadêmico e intelectual. Eu estava fora do

59 Alguns autores criticaram a polarização que vigorava no debate sobre o crescimento da população
escrava de Minas no século XIX, e propuseram um acordo, sugerindo “caminhos alternativos”
– um middle path – no qual haveria espaço para versões atenuadas das duas posições. O enorme

426 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Brasil, em um departamento de economia onde não havia nenhum interesse por
história. Era o único estudante do departamento e o único candidato ao doutorado
que tinha uma área de concentração nessa disciplina.60 Para completar os crédi-
tos desse field tive de fazer cursos especiais de leituras, sobre história do Caribe,
da América Latina, sobre escravidão e sistemas de trabalho compulsório, pois no
departamento só havia cursos regulares de história econômica da Europa e dos
Estados Unidos. Quando decidi fazer uma tese sobre a escravidão em Minas Gerais
foi um deus-nos-acuda para conseguir um orientador no próprio departamento
de economia. O único professor de história econômica, Rudolph Blitz, recusou-
-se, alegando não conhecer nada sobre o tópico. Na universidade havia Alexander
Marchant, um brasilianista pioneiro, que tinha publicado um importante livro –
From Barter to Slavery – sobre os primórdios da escravidão no Brasil. Mas, além
de ser do departamento de história, o professor Marchant já era muito doente e
morreu pouco tempo depois da minha defesa. Não pôde nem participar da banca.61
Havia também Eul Soo Pang, que embora fosse professor de história ibérica, do
Brasil e da América Latina, também passava longe de Minas Gerais. Com muito
custo consegui convencer Samuel Morley a assumir a encrenca. Morley era um
ótimo professor de macroeconomia e algum tempo depois publicou importantes
estudos sobre mercado de trabalho, distribuição de renda, pobreza e desigual-
dade na América Latina, no Caribe e no Brasil. Conhecia a economia brasileira
moderna, tinha lido Celso Furtado, e tornou-se meu orientador como um favor
pessoal a mim, e ao departamento.

crescimento dessa população – que não podia mais ser negado – seria a resultante de dois vetores –
parte do incremento seria devido às importações através do tráfico atlântico, e outra parte deveria
ser creditada à reprodução natural. A sugestão é sedutora, pois eliminaria conflitos e deixaria todos
satisfeitos. Com ela passaríamos a discutir apenas qual parcela deve ser atribuída a uma ou à outra
causa. Meu longo silêncio (em publicações) aparentemente deu a algumas pessoas a impressão de
que eu havia aceito essa proposta. Em um trabalho recente, por exemplo, a autora afirmou que “nos
últimos anos chegou-se a um consenso sobre a contribuição destas duas vias para a formação do alto
contingente escravo de Minas, não como excludentes, e antes como complementares. Mônica Ribeiro
de Oliveira. A terra e seus homens. Roceiros livres de cor e senhores no longo século XVIII. Rio de
Janeiro: 7 Letras, 2016, p. 35. Desconheço esse consenso. Eu, com certeza não participo dele, mesmo
reconhecendo que seria uma solução educada, que deixaria todo mundo feliz. Mas seria errada.
Não creio que Clotilde Paiva, Douglas Libby, Márcia Grimaldi, Tarcísio Botelho, e outros colegas que
defendem essa posição, tenham conseguido demonstrar o crescimento endógeno, nem mesmo nos
contextos específicos, ou pontuais, que focalizaram, apesar do bom nível de suas análises. Voltarei ao
assunto, brevemente.
60 Meus colegas tinham fields em econometria, economia internacional, finanças públicas, e coisas
assim. Eu era uma avis rara, com meus fields em história e matemática.
61 Alexander Marchant. From barter to slavery: the economic relations of Portuguese and Indians in the
settlement of Brazil, 1500-1580. Baltimore: The Johns Hopkins U. Press, 1942, publicado no Brasil

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


427
Em resumo, quase não tive interlocutores. As únicas pessoas com quem conver-
sava sobre a tese eram minha mulher, Maria do Carmo, que também estudava em
Vanderbilt e, por telefone, nas madrugadas de tarifa reduzida, meu irmão Amilcar,
que fazia o doutorado em história, com Joseph Love, na Universidade de Illinois.
Era bom e divertido trocar idéias com eles mas, naquela época, os dois eram tão
analfabetos no assunto quanto eu. Sempre morro de inveja quando leio, nas seções
de agradecimentos, a lista de gratidões pessoais e intelectuais aos orientadores,
membros das bancas, professores e colegas.
Toda a pesquisa e redação foram feitas em pouco mais de um ano. Em 1979,
eu trabalhava em outro projeto, que já tinha sido aprovado com todas as formali-
dades – as diferentes transições regionais para o trabalho livre no Brasil, usando a
hipótese de Wakefield – quando, numa daquelas madrugadas, Amilcar me disse,
meio assustado, que descobrira, no censo de 1872, que a maior parte dos escra-
vos de Minas não morava nas paróquias cafeeiras da Zona da Mata. Contestei na
hora – isso contrariava tudo o que eu conhecia e, sabendo de seu desleixo com a
aritmética, “mandei”, com a autoridade de irmão mais velho, que refizesse todas as
contas. Quando ele confirmou o achado, pouco depois, percebemos que era ouro
puro: procurei meu orientador e o convenci a concordar com a mudança do meu
tópico. Eu sabia que era algo muito importante, que mexeria com a história de
Minas. Devo, portanto, ao Amilcar – já o disse nos agradecimentos, mas nunca
é demais repetir – o ponto de partida da minha tese e de muito do meu trabalho
subsequente.
Durante toda a feitura da tese não vim uma única vez ao Brasil, e não fiz
nenhuma pesquisa em arquivos. Nem eu, nem meu orientador, nem ninguém no
departamento, sequer cogitava que isso pudesse ser necessário. Excetuando o recen-
seamento do Império, cujo microfilme comprei na Library of Congress, só trabalhei
com fontes impressas e publicadas. A biblioteca brasiliana de Vanderbilt, herança do
defunto Institute for Brazilian Studies, era excelente, difícil de ser encontrada mesmo
nas melhores universidades brasileiras. A historiografia tradicional estava toda lá,
ainda que um pouco defasada. Havia uma grande quantidade de obras raras, livros

como Do escambo à escravidão. Trad. Carlos Lacerda. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1943. Marchant
nasceu no Rio de Janeiro, filho de confederados emigrados depois da Guerra da Secesssão, e foi um
dos organizadores do Institute for Brazilian Studies, um projeto de vida curta, criado em Vanderbilt no
final dos anos 40. Na minha época ainda havia alguns remanescentes de seu staff. No departamento
de economia havia o professor Reynolds Carlson, economista agrícola, na Sociologia havia Emílio
Willems, e ainda Earl Thomas, professor de português, mas nenhum deles tinha qualquer interesse ou
conhecimento sobre a história de Minas.

428 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
de brasilianistas e publicações governamentais. Os viajantes estrangeiros também
estavam todos presentes, em edições originais, completamente virgens de consultas,
nos andares subterrâneos da biblioteca. Havia também coleções completas de revis-
tas acadêmicas de História e de Economia, de vários países. É claro que não havia
internet, mas a então Miss Paula Covington, abençoada bibliotecária especializada
em América Latina, funcionava como uma espécie de google medieval, conseguindo,
através de interlibrary loans, os livros e os xerox das coisas que eu não encontrava em
Vanderbilt. Eu pensava que tinha tudo o que um pesquisador podia precisar.

PECADOS VENIAIS E PECADOS MORTAIS


Hoje sei que não era bem assim, e que nada substitui a pesquisa em arquivo.
Muitos dos dados que obtive vinham de fontes ruins, como viajantes e historiado-
res antigos e imprecisos, muitas vezes de terceira ou quarta mão. Outros materiais
fundamentais simplesmente não existiam – ainda estavam enterrados nos arquivos
à espera de quem os fosse resgatar. Não existiam a slavevoyages database, nem o
banco de dados Fragoso-Ferreira, nem as tabelas de exportações, de arrecadação
de impostos, e um monte de outras coisas importantes. Não tinha as listas nomina-
tivas, nem as dezenas de mapas de população para comarcas, freguesias, distritos e
municípios que tenho hoje. Mesmo os dados da população escrava total da provín-
cia eram poucos e precários. Em resumo, as fontes a que tive acesso e que utilizei
eram, para dizer o mínimo, toscas, e isso é claramente visível em muitos pontos
da tese. Eu não tinha quase nada das fontes realmente indispensáveis, pois nunca
tinha entrado no Arquivo Público Mineiro ou em qualquer outro. Isso me levou a
cometer vários pecados, alguns bastante veniais, outros nem tanto.
Por pura ignorância afirmei, por exemplo, que uma economia como a mineira
gerava menos baronatos que a grande lavoura exportadora. Estava errado: na ver-
dade, de 1.298 títulos de nobreza concedidos no Brasil entre 1810 e 1889, pela
coroa portuguesa ou pelo império brasileiro, 188 foram concedidos a mineiros,
contra 159 a baianos, 155 a fluminenses, 147 a cariocas, 147 a paulistas e 107 a
pernambucanos.62
Isso não tem nenhuma importância, mas cometi outros enganos bem mais
sérios. Para mencionar mais um, a análise que fiz sobre o setor minerador, tanto
no século XVIII como no XIX, é desinformada e cheia de equívocos. As afirmações

62 Carlos G. Rheingantz. Titulares do Império. Rio de Janeiro: Publicações do Arquivo Nacional, volume
44, 1960.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


429
que fiz sobre o tamanho dos plantéis de escravos, também contêm grandes erros.
Guiado por fontes enviesadas, escrevi que em Minas “havia uma grande variedade
de tipos de estabelecimentos rurais, que iam desde propriedades camponesas rús-
ticas (…) até grandes fazendas, que podiam abranger até centenas de milhares de
acres e centenas de escravos”, e que “os relatos dos viajantes mostram que proprie-
dades com 50, 100 ou mais cativos não eram incomuns. Em algumas grandes fazen-
das a população escrava atingia até 400 ou 500 indivíduos”.
Esse erro é grave e, incidentalmente, serve para alertar sobre a precariedade da
chamada “xenobibliografia” como fonte histórica. Muitos desses relatos distorcem
dados e análises simplesmente porque são tolos, feitos por pessoas sem qualifi-
cações. Outros são falsificações propositais,63 mas mesmo aqueles feitos por bons
cientistas e intelectuais de gabarito costumam ser seletivos, e tendem a focalizar o
inusitado, o incomum, e o invulgar, nunca o normal, comum, mediano, ou regular.
Mirar o exótico e o extravagante faz parte da natureza do livro de viagem. Essa lite-
ratura, que usei, em profusão, e de modo muito liberal, deve ser tratada com olhos
ainda mais críticos que os demais documentos.
Desde o início da colonização, os pequenos plantéis eram a norma, e as grandes
escravarias muito raras em Minas. Um levantamento referente a 1718, incluindo
2.120 proprietários de 14.665 escravos, em dezoito localidades distribuidas pelas
três comarcas então existentes, revela que 60% desses proprietários tinham até 5
escravos, enquanto 81,5% deles tinham 10 ou menos. No outro extremo, apenas
1,2% possuiam 41 cativos ou mais, e apenas 9,2% dos escravos viviam em plantéis

63 Alcide d’Orbigny é um bom exemplo disso. Todo mundo cita seu livro e seus comentários sobre Minas
e sobre outros lugares do Brasil – eu mesmo fiz isso em Growing in Silence. É um engano: esse francês
foi um naturalista sério, mas nunca botou os pés em Minas Gerais, ou em outras partes do interior
do país. Seus únicos contatos com o Brasil, durante sua excursão de sete anos pela América do Sul,
foram doze dias no Rio de Janeiro em 1826, e quatro dias no forte Príncipe da Beira, no rio Guaporé,
na fronteira com a Bolívia, em 1832. Veja, Alcide d’Orbigny. Voyage dans l’Amérique Méridionale (Le
Brésil, la Republique Orientale de l’Uruguay, la Republique Argentine, la Patagonie, la Republique du
Chili, la Republique de Bolivia, la Republique du Pérou), tomos I-III, publicados em Paris e Strasbourg,
em 1835-1844, por vários editores. Sobre a passagem pelo Rio de Janeiro veja: o tomo I, pp. 21-29,
e sobre a visita ao forte Príncipe da Beira, veja: tomo III, pp. 109-113. A Voyage pittoresque dans les
deux Amériques, publicada em Paris em 1836, reeditada várias vezes, e que teve uma parte publicada
em português, como Viagem Pitoresca ao Brasil, é que contém as supostas descrições e comentários
sobre Minas (e outras partes do Brasil) que todos nós usamos. Esse livro é o relato de uma viagem
fictícia, feita por um voyageur fictif – um formato muito popular no século XIX – editado com fins
comerciais, e composto por um pot-pourri de colagens de textos de mais de quarenta viajantes e
exploradores das Américas, ao longo de mais de trezentos anos. Isso é claramente explicitado na
página de rosto do livro, e na introdução escrita por d’Orbigny, que não se apresenta como seu autor,
mas tão somente como directeur da publicação. Nós, e os editores da tradução brasileira, é que não
prestamos atenção.

430 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
com essa dimensão.64 Outro estudo independente, relativo a circa 1720 e abran-
gendo cinco das oito vilas existentes, mostrou que as posses até 4 cativos com-
preendiam 56% do total, enquanto aquelas com 50 ou mais eram somente 0,4% e
abrigavam 4,5% da população mancípia.65 Esse padrão persistiu ao longo de todo
o período colonial. As listas nominativas de 41 distritos dos termos de Vila Rica e
Mariana, em 1804, demonstram que as posses de até 5 escravos somavam 70,4% do
total, e as de 10 ou menos atingiam 85,5%. As escravarias de 50 e mais indivíduos
representavam só 1,15%, e nelas viviam somente 14,3% dos escravos.66
Ainda em 1804, dentre 2.488 doadores do Donativo Voluntário desse ano, dis-
tribuidos pelos termos de Vila Rica, Vila do Príncipe, Tamanduá, São José, São João
del Rei, Sabará, Queluz, Pitanguí, Mariana e Caeté, que possuiam escravos, 62,5%
tinham 5 escravos ou menos, e 80,3% tinham 10 ou menos. Os possuidores de 50
ou mais cativos eram 2,2%, e nesses domicílios moravam 24,7% do total dos 21.056
escravos incluidos nessa listagem.67
Em toda a história da escravidão em Minas houve pouquíssimos plantéis com
500 ou mais cativos.68 Dentre as dezenas de milhares de propriedades escravistas
que existiram na província no século XIX, só tenho notícia de três estabelecimen-
tos que alcançaram essa marca. A fazenda da Jaguara, em Matosinhos, no termo de

64 Francisco Vidal Luna e Iraci del Nero da Costa. Sinopse de alguns trabalhos de demografia histórica
referentes a Minas Gerais. Academia.edu.
65 Tarcísio Rodrigues Botelho. A escravidão nas Minas Gerais, c. 1720. In: Botelho et al. (orgs.) História
quantitativa, pp. 45-63.
66 APM. CC. Listas Nominativas de 1804.
67 No que se refere à contribuição pela propriedade de escravos a “doação” nada teve de voluntária:
todos os proprietários de escravos fizeram doações rigorosamente proporcionais às suas escravarias,
já que a “solicitação” constituiu uma autêntica capitação de 600 réis por cabeça. Veja: APM. SC-
294. Carta Régia de 6 de abril de 1804; APM. CMOP. Cx. 78 doc. 05 - Lucas Antônio Monteiro de
Barros. Ouvidor Geral e Corregedor. Solicitação do cumprimento da Carta Régia de 06/04/1804, que
estabelece o imposto de 600 réis pela posse de escravos e pelo donativo voluntário; APM. CC 1610.
Livro de Registro de Receita dos donativos gratuitos, de acordo com a ordem régia de 6 de abril de
1804, na Comarca do Rio das Mortes; APM. CC 2202. Livro de registro de receita e despesas dos
donativos e ofertas instituídas pela Carta Régia de 6 de abril de 1804; APM. CC 2203. Livro das contas-
correntes dos donativos e ofertas instituídas pela Carta Régia de 6 de abril de 1804.
68 No período da Contratação dos diamantes (1740-1771), os arrematantes tinham uma limitação
contratual de 600 escravos, mas críticos posteriores do sistema afirmaram que eles violavam esse
limite e empregavam até quatro ou cinco mil cativos. Boxer, mesmo concordando que os contratadores
freqüentemente burlavam o limite contratado, não acredita que números tão grandes de escravos
clandestinos pudessem ter passado despercebidos pelos Intendentes. Charles Ralph Boxer. The Golden
Age of Brazil. 1695-1750. Growing Pains of a Colonial Society. Berkeley: University of California Press,
1969, p. 221.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


431
Sabará, tinha 715 escravos em 1804,69 a empresa estatal Real Extração Diamantina,
que trabalhava com escravos alugados, chegou a operar com mais de dois mil cati-
vos no início do século, e a St. John del Rey Mining Company, em Congonhas de
Sabará, que foi o maior empreendimento escravista privado de Minas, chegou a ter,
no seu ponto máximo, em 1863, 1.691 trabalhadores escravos, muitos dos quais
também alugados.70
Mesmo os plantéis que ultrapassavam 100 indivíduos foram muito raros. Nas
21.355 propriedades escravistas arroladas nas listas nominativas de 1831-32, ape-
nas 31 (0,15%) possuiam 100 ou mais escravos, enquanto 5.110 (23,9%) possuiam
apenas um cativo, e 14.080 (65,9%) possuiam cinco ou menos. Metade do total dos
escravos vivia em domicílios com 12 escravos ou menos, e apenas 12% viviam em
fogos com 50 ou mais. Dos plantéis de mais de 100 cativos, três pertenciam a com-
panhias inglesas de mineração – a National Brazilian Mining Company Mocaúbas
and Cocaes (400); a Imperial Brazilian Mining Association (392); e a General
Mining Association (179); vários pertenciam a fazendas mistas de agricultura e
mineração, e cerca de metade pertenciam a unidades agropecuárias diversificadas,
algumas das quais tinham engenhos de cana.71 O padrão se repete quase identi-
camente, nas listas nominativas de 1838-40. Nos 13.402 domicílios que possuiam
escravos apenas 21 (0,16%) tinham mais de 100 cativos, enquanto 3.270 (24,4%)
tinham só um e 8.903 (66,4%) tinham cinco ou menos).
Na segunda metade do século, com a consolidação e expansão do cultivo de
café para exportação na Zona da Mata, certamente surgiram grandes fazendas
escravistas. Mas aparentemente o padrão mineiro de posse não se alterou substan-
cialmente. Das dez grandes propriedades cafeeiras visitadas por C. F. van Delden
Laerne em 1883, apenas as fazendas Cruz Alta, em Leopoldina (150), Fortaleza, em
Juiz de Fora (140), e Boa Vista, também em Juiz de Fora (132) tinham mais de 100
escravos. O plantel médio dessas dez fazendas era de 91 cativos. O número médio

69 Esses escravos não pertenciam a um único plantel, mas ao Vínculo da Jaguara, que era um
conglomerado de vários estabelecimentos rurais, sob administração unificada, cuja sede principal era
a fazenda da Jaguara.
70 Encontram-se também na literatura notícias esparsas sobre alguns garimpos diamantinos com mais de
200 escravos.
71 Há indicações de que a Brazilian Company, que operou a mina de Cata Branca a partir de 1834,
também chegou a contar com 300 a 400 cativos. Cata Branca aparece na lista nominativa de Itabira
do Campo, com 69 escravos, em 1831, mas nessa época ainda não pertencia à companhia inglesa.
Em 1804, o Coronel José Veloso Carmo também tinha uma grande empresa mineradora, com 200
escravos trabalhando em sua lavra nas Cabeças, em Vila Rica.

432 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
de escravos em 153 fazendas de café, situadas em distritos cafeeiros e hipotecadas
ao Banco do Brasil, era 36, no mesmo ano.72
O erro é grave porque a predominância de plantéis pequenos e muito pequenos,
a grande raridade de grandes posses, e a pulverização da propriedade escravista
são características centrais do sistema escravista mineiro, tanto no século XVIII
como no XIX. Este padrão afeta a estrutura demográfica e as condições de vida
da população cativa, tem implicações para a formação de famílias, a dinâmica do
crescimento e o controle dessa população. Influencia o suporte político e social da
instituição e do tráfico, e reflete a estrutura econômica peculiar da capitania e da
província.
A escassez de dados empíricos de boa qualidade também prejudicou outros
aspectos da tese. Como mencionei acima, até mesmo os números da população
escrava total da província eram poucos e precários. Fez muita falta, em particular,
o dado referente ao meado do século, pois 1850, ano da lei Eusébio de Queirós, foi
um ponto de inflexão na história da escravidão no Brasil e em Minas. Não existe,
na literatura ou em documentos governamentais contemporâneos nenhuma infor-
mação ou qualquer estimativa decente da população escrava mineira nessa época.
Mesmo os documentos do governo provincial são inteiramente silentes ou lacuno-
sos a esse respeito.73

72 C. F. van Delden Laerne. Brazil and Java. Report on Coffee-Culture in América, Asia and Africa. London:
W. H. Allen and Co. and The Hague: Martinus Nijhoff, 1885, pp. 218-223 e 238-239. Não conheço
nenhum levantamento abrangente das fazendas mineiras de café e de seus plantéis durante o período
escravista. O acúmulo de trabalhos baseados em testamentos e inventários post-mortem da região
cafeeira certamente vai lançar mais luz sobre essa questão. Sobre as escravarias, as dimensões, e
outras características das fazendas mineiras de café no século XIX, veja Rômulo Andrade. Notas prévias
sobre a escravidão na Zona da Mata de Minas Gerais (um estudo sobre as fazendas de café de Juiz de
Fora, 1850-1888). In: UFMG/Face/Cedeplar. 20 anos do Seminário sobre a Economia Mineira – 1982-
2002. Coletânea de Trabalhos. Belo Horizonte: UFMG/Face/Cedeplar, 2002, vol. 2, pp. 91-124. Uma
listagem de treze fazendas com mais de 100 escravos em Juiz de Fora, em 1870-1887, pode ser vista
em Luiz Fernando Saraiva. Um Correr de Casas, Antigas Senzalas: A Transição do Trabalho Escravo
para o Livre em Juiz de Fora – 1870/1900. Dissertação de Mestrado em História. Universidade Federal
Fluminense, 2001.
73 O governo provincial fez várias tentativas, sempre coordenadas pelo Major Luiz Maria da Silva
Pinto, para calcular a população nesse período, mas os esforços foram frustrados pelo descaso ou
pela incapacidade de muitas autoridades municipais e/ou paroquiais de fornecer os mapas de suas
jurisdições, gerando invariavelmente grandes lacunas nos relatórios publicados. Veja por exemplo, o
“Mappa Comparativo da População da Província de Minas Geraes em Differentes Epocas” e o “Mappa
Gradativo da População das Comarcas, Municípios e Parochias da Província de Minas Geraes”, ambos
datados de 21/12/1855, assinados por Luiz Maria da Silva Pinto e anexos ao Relatório do presidente
Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos, de 1855. Esses problemas se repetem, naturalmente, no
trabalho de Gerber, que se baseou nos dados oficiais para elaborar suas tabelas de população. Henrique
Gerber. Noções Geographicas e Administrativas da Província de Minas Geraes. Rio de Janeiro: Georges

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


433
A falta dessa informação me levou a fazer suposições erradas sobre a popu-
lação no meado do século, e uma análise vacilante e confusa das importações de
escravos, principalmente nos anos 1850-1872. Em 1980 escrevi que “é possível que
a população escrava de Minas Gerais tenha atingido seu máximo no começo dos
anos 1850, sendo nessa época maior do que em 1873, quando foi realizado o Censo
do Império”, que “é dificil determinar com precisão o papel de Minas Gerais no
período entre o fim do tráfico atlântico e o censo”, e ainda que “embora difícil de
ser fixado com precisão, o impacto líquido das transferências sobre o conjunto da
província parece ter sido pequeno”.
Somente depois da construção de uma estimativa sólida para a população servil
de Minas circa 1855 foi possível superar essas ambiguidades e estabelecer que a pro-
víncia continuou sendo um pesado importador líquido de escravos mesmo depois
de encerrado o tráfico internacional. O cálculo de 317.760 escravos, construido a
partir de centenas de documentos manuscritos inéditos – distritais, paroquiais e
municipais – custodiados pelo APM, gerou a estimativa de um saldo importador
líquido de cerca de 85 mil escravos entre 1855 e 1872. Tanto o número líquido
importado, quanto o incremento bruto verificado na população cativa provincial
entre esses dois anos (64 mil escravos, ou 20,2% da população de 1855) são maio-
res do que os valores correspondentes em qualquer outra província do império.
Esses resultados estão perfeitamente alinhados com os fatos históricos de que esse
foi exatamente o período da consolidação e expansão da cultura cafeeira na zona
da Mata, e que nas duas décadas entre o fim do tráfico e o censo, foi em Minas
que o café cresceu mais rapidamente dentre todas as áreas produtoras do Brasil,
incluindo o Oeste Paulista.74

Leuzinger, 1863. Outras estimativas disponíveis na época em que escrevi a tese, como as de Tomaz
Pompeo de Souza Brazil, para 1864, e de Sebastião Ferreira Soares, para 1865, eram inteiramente
imprestáveis, por serem grosseiramente erradas, longe da marca, como ficou claro com o censo de
1872. Ambas são reproduzidas em Perdigão Malheiro. A Escravidão. Ensaio Histórico, Jurídico, Social.
3ª. Edição. Petrópolis: Editora Vozes/INL, 1976, vol. 2, pp. 150-51. O Auxiliador da Indústria Nacional,
nº. 5 (Maio de 1867), pp. 215-16, apresenta como “dado oficial” o número de 160 mil escravos em
1864, que é apenas uma das estimativas grosseiras de Souza Brazil. Em 1873 foram recenseados 370.
459 escravos, depois corrigidos, pela própria Diretoria Geral de Estatística, para 381.893. A grande
carência de dados sobre a população escrava total de Minas, particularmente no periodo entre 1819
e o censo de Império, pode ser vista na seção sobre Minas Gerais (esp. na p. 145) de Souza e Silva,
Investigações.
74 Veja: Roberto Borges Martins e Maria do Carmo Salazar Martins. Estimativa da população de Minas
Gerais, por municípios, em 1855. Relatório de pesquisa não publicado, 1992. A publicação dos dados
do tráfico atlântico por David Eltis. Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade.
New York: Oxford University Press, 1987, e posteriormente pela Slavevoyages Database, permitiu
calibrar melhor as taxas de crescimento interno, que são parâmetros cruciais nas estimativas de

434 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
UMA ILHA ECONÔMICA?
Em 1980, no afã de ressaltar a singularidade do caso que estudava, usei expres-
sões como economic island e vicinal economy para descrever a economia mineira
do século XIX. Afirmei também que algumas áreas da província eram pouco mer-
cantilizadas e até mesmo pouco monetizadas. Minha intenção era enfatizar seu
isolamento dos mercados internacionais, as diferenças entre sua economia e as eco-
nomias de plantation primário-exportadoras, e a importância de seus mercados
internos. Hoje eu seria mais cuidadoso e mais específico, e talvez não usasse esses
termos – afinal não existe ilha econômica fora da história de Robinson Crusoe –
mas não os repudio, mesmo reconhecendo neles um entusiasmo bem típico das
teses e dos doutorandos. Arrependo-me um pouco de tê-los empregado, não por-
que sejam totalmente inadequados, mas pelo escândalo que causaram, acabando
por sequestrar o proscênio, e por deslocar o debate do achado mais importante
e inovador da pesquisa – que a economia mineira do século XIX era um sistema
escravista de grande porte, apesar de não ser uma economia de plantation expor-
tadora. Essa era a proposição mais provocante da tese, porque toda a historiografia
internacional considerava a existência da plantation monocultora exportadora de
staples primários para o mercado internacional uma condição sine qua non para a
prevalência da escravidão como regime dominante de trabalho.
Mas, no final das contas, o deslocamento imprevisto do debate, da questão
principal por mim proposta – isolamento dos mercados internacionais – para uma
questão secundária – ligação ou isolamento dos mercados das províncias vizinhas
– acabou tendo consequências interessantes. Em primeiro lugar deixou claro que
não havia questionamento sobre a tese central: Minas Gerais era mesmo um caso
singular na história da escravidão americana. Além disso, deflagrou um suculento
debate que permitiu aprofundar o conhecimento sobre a estrutura e as característi-
cas da economia da província.75

importações de escravos pelas províncias. Para essas estimativas veja: Roberto Martins. Minas e o
Tráfico, outra vez. Depois da publicação deste texto, as estimativas já foram ligeiramente refinadas
por ajustamentos feitos nas taxas de declínio das populações escravas. Para a descrição dos modelos
e definições usados para estimar as importações de escravos, veja o apêndice B de Crescendo em
Silêncio.
75 Na verdade, o que escrevi na tese, e sustento sem pestanejar, foi apenas que “a caracterização
de Minas no século XIX como uma ‘ilha econômica’ pode envolver algum exagero, especialmente
tendo em vista as pesadas e contínuas importações de escravos, mas, sem dúvida, está muito mais
próxima da realidade do que a imagem de uma economia exportadora ou de uma ‘província cafeeira’.
A imagem de ‘ilha econômica’ como descrição da economia mineira foi sugerida por Carvalho.
Formação Histórica, p. 54. O que mais me surpreendeu foi a celeuma causada pela expressão vicinal

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


435
É óbvio que não se pode falar em autarquia ou isolamento completo, pois havia
uma conexão básica – o tráfico atlântico de escravos – que ligava todas as regiões
de Minas com o resto do mundo, através das cidades do Rio de Janeiro e da Bahia.
Hoje, conhecendo melhor a história da capitania e da província, tenho ainda mais
clareza de que, além desse fluxo importador unidirecional comum a todas, algumas
partes de Minas desenvolveram relações comerciais de mão dupla com a capital da
colônia e do império, da qual se tornaram importantes abastecedores de alimentos
desde o século XVIII. É importante ressaltar, contudo, que o sistema escravista que
descrevi e analisei na tese não se refere apenas a esses lugares, mas abrange toda
a província. Em particular, as importaçóes de escravos que preconizei não eram
apanágio exclusivo dessas partes mais conectadas – todas as regiões mineiras impor-
taram africanos no século XIX.76
Independentemente do que penso sobre a natureza da economia provincial, o
que aconteceu em 1980 foi que caí ingênuamente na arapuca de querer sintetizar
a economia mineira em uma única palavra ou expressão, quando “variedade” é a
única descrição cabível. Me dei mal por não respeitar a lição do mestre – “ela ajunta
de tudo, os extremos, delimita, aproxima, propõe transição, une ou mistura (...) Seu
orbe é uma pequena síntese, uma encruzilhada; pois Minas Gerais é muitas. São,
pelo menos, várias Minas”.77 Em particular, na economia da Minas Gerais oitocen-
tista não se encontram a padronização e a mesmice das regiões monocultoras. Nela
não se admitem simplificações, muito menos rótulos.
Dentro do mosaico mineiro havia lugares isolados, com estabelecimentos autár-
quicos ou semi-autárquicos, pouco mercantilizados e pouco monetizados, fecha-
dos sobre si mesmos, e ao largo dos circuitos comerciais. Essas unidades produtivas

economy. A escolha do adjetivo não foi fruto de nenhuma reflexão profunda sobre as características
do sistema econômico. Longe disso, aconteceu apenas que, pressionado pelo tempo, redigindo com
pressa para terminar no prazo estipulado, lembrei-me da expressão brasileira “estradas vicinais”, que
ligam localidades próximas, e adotei o qualificativo no título de uma seção. Só isso, não faço nenhuma
questão dele.
76 As listas nominativas da década de 1830 mostram que todas as regiões importaram africanos. Em
1831-32, 136.589 (95,5%) dos 143.025 escravos arrolados tinham procedência conhecida, dos quais
60.301 (44,1%) eram africanos, que estavam distribuidos por todos os dezessete municípios existentes.
O município com a menor porcentagem de africanos na população escrava total era o de Minas Novas,
com 30,4%. Essa porcentagem subia até atingir 53% em Barbacena. Havia escravos africanos em todos
os 263 distritos incluidos, sendo que em 251 (95%) os africanos eram 20% ou mais do total. Em 24%
dos distritos os africanos eram 50% ou mais. Em 1838-40, 84.359 dos 86.356 escravos arrolados nas
listas de 145 distritos pertencentes a 26 municípios tinham origem conhecida. Desses, 36.786 (43,6%)
eram africanos, e estavam distribuidos por todos os municípios, desde Rio Pardo, onde 18,3% do total
eram africanos, até Jacuí, onde 57,2% eram africanos.
77 João Guimarães Rosa. Minas Gerais. Ave, Palavra. Rio de Janeiro: José Olympio, 1970.

436 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
podiam ser desde fazendas escravistas de porte considerável, até pequenas roças
de subsistência para autoconsumo, trabalhadas por camponeses livres pobres e
suas famílias.78 Outras áreas podiam perfeitamente ser chamadas de economias
vicinais. Tinham produção mercantil, muitas vezes mercantil-escravista, mas os
excedentes de seus produtores eram comercializados apenas entre vizinhos, ou em
mercados locais, para abastecer as vilas e os núcleos urbanos e semi-urbanos próxi-
mos, dentro de suas próprias regiões. Em outras localidades a atividade econômica
teve ligações, desde o século XVIII, com mercados em outras províncias, muito
especialmente com o da capital. Na segunda metade do século XIX, a diversidade
mineira passou a incluir, pela primeira vez, uma região que, mesmo mantendo uma
economia diversificada, continha um setor de plantations primário-exportadoras.
Embora não fossem tão monocultoras quanto as plantations de outras regiões, as
fazendas de café da zona da Mata eram especializadas no cultivo da rubiácea e
dedicadas à sua exportação para o mercado internacional.79
Com exceção do setor cafeeiro, que era geograficamente circunscrito em uma
área bem delimitada, os demais tipos de economia não ocupavam espaços segre-
gados no território. Eram, pelo contrário, misturados uns com os outros, e disse-
minados pelas várias regiões da província. Como mencionado acima, todas essas
regiões tinham, entretanto, uma característica básica comum: apesar de encrava-
das no interior do continente, todas eram parte integrante do mundo atlântico,
já que eram todas umbilicalmente alimentadas pelo tráfico oceânico de escravos
africanos.
Quando li As Tropas da Moderação fui tomado por uma dúvida: teria eu supe-
restimado o isolamento econômico de Minas Gerais e a autossuficiência do mer-
cado doméstico mineiro? Teria subestimado as ligações com o Rio de Janeiro, os
fluxos de comércio e a importância do mercado da Corte? Os números e a estru-
tura do comércio interprovincial já tinham sido abordados na tese, mas o livro de
Lenharo me levou a revisitar essa dimensão da economia oitocentista. Um novo
mergulho no Arquivo Público Mineiro gerou nova massa de dados, volumosa, sis-
temática e riquíssima, sobre as exportações de Minas, com uma cobertura e um
nível de detalhamento inéditos, muito mais completa do que a que usei na tese.
A cidade do Rio de Janeiro era grande consumidora de gado bovino, por-
cos, galinhas, toucinho e queijos importados de Minas Gerais desde pelo menos

78 The Minas Mosaic é o título do primeiro capítulo do livro de John D. Wirth. Minas Gerais in the Brazilian
Federation, 1889-1937. Stanford: Stanford University Press, 1977.
79 Sobre a diversificação interna das fazendas cafeeiras da Mata mineira veja Andrade. Notas prévias, p. 93.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


437
o meado do século XVIII. O trânsito dessas mercadorias pelo Caminho Novo é
muito bem documentado, especialmente a partir do início do século XIX. As boia-
das se auto-transportavam, e os porcos vivos “desciam” para o Rio em porcadas
conduzidas por tocadores a pé, ou então no lombo de muares, em jacás, assim
como as galinhas, o toucinho e os queijos. Entre 1818 e 1889, foram exportadas
anualmente, em média, 74.700 cabeças de gado “em pé”, 109 mil galinhas80, 34.500
porcos, e 3,27 milhões de quilos de toucinho. A exportação de queijos teve, no
mesmo período, uma média anual de 614 mil unidades, com uma tendência for-
temente ascendente, crescendo de 400 mil nas primeiras décadas, até mais de um
milhão de unidades por ano no final do Império. Para o Rio também seguia grande
quantidade de fumo em rolo (cerca de 3.100 toneladas por ano, em média), e ainda
um enorme volume de “pano de Minas”, o famoso tecido de algodão produzido nos
teares domésticos da província. A exportação desse artigo atingiu a média anual
de cerca de 1,4 milhões de metros ao longo de todo o período imperial, e demons-
trou grande capacidade de resistência diante dos avanços do produto fabril e do
importado. Da média de 2,01 milhões de metros entre 1818 e 1857, as exportações
se mantiveram em 1,58 milhões entre 1858 e 1875, só caindo para 257 mil metros
por ano no período 1876-89.
Esses gêneros, e vários outros artigos importados de Minas, eram vitais para o
abastecimento da capital da colônia. E mais vitais ainda se tornaram quando che-
gou a corte portuguesa, transformando o Rio no centro do império lusitano e mul-
tiplicando sua população várias vezes pelo século XIX adentro. Embora recebesse
suprimentos também de outras fontes, segundo um artigo publicado em 1830, o
Rio “morreria de fome, se Minas Gerais fechasse seus portos secos à gente parasita
e servil que domina a Corte”.81
Além de consumir muito fumo mineiro, o Rio de Janeiro era também um entre-
posto comercial desse artigo, que importava desde as primeiras décadas do século
XVIII, e reexportava para outras capitanias, e até para o Rio da Prata. Mesmo na
vigência do estanco do fumo, o produto de Baependi começou a penetrar como

80 As galinhas eram indispensáveis na mesa real e depois na imperial. D. João VI passou à história como
um proverbial devorador de frangos assados, que carregava nos bolsos do casaco. Menos conhecida,
mas igualmente obsessiva, era a mania de D. Maria I, que tomava canja e comia galinha cozida todos os
dias, bem como, várias décadas depois, de D. Pedro II, que também tinha na canja seu prato predileto.
“Era tão grande a predileção do soberano por esse caldo quente e substancioso que até mesmo nos
intervalos das óperas ele o degustava: entre um ato e outro sorvia sua canja reconfortante”. Rosa
Beluzzo. Machado de Assis: Relíquias Culinárias. São Paulo: Editora UNESP, 2010, pp. 23-24.
81 Ezequiel Corrêa dos Santos. Nova Luz Brasileira, nº. 100, 7 de dezembro de 1830. Citado por Marcelo
Basile. Unitários e Federalistas: a “questão federal” na imprensa da Corte (1830-1834). In: Mônica

438 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
contrabando naquele mercado, de onde era exportado para as capitanias do sul e
para Buenos Aires. Quando foi suprimido o Contrato do Tabaco, em 1757, e prin-
cipalmente depois do imposto que encerrou as importações desse artigo da Bahia,
em 1760, o fumo mineiro dominou completamente os mercados do Rio e do sul
do Brasil.82 Essa hegemonia continuou, em escala muito maior, ao longo de todo o
século XIX. O Almanaque Laemmert, que começou a ser publicado em 1844, regis-
tra em todas as suas edições entre 1850 e 1880, anúncios de cerca de duas dezenas
de “Armazéns de fumo de Minas em rolos, por atacado e varejo”.
É bem possível que o fumo mineiro tenha sido usado também no tráfico de
escravos. Isso é fortemente sugerido pelo fato de vários importantes produtores
de fumo e tropeiros, que operavam no eixo Sul de Minas-Rio de Janeiro, como
os Carneiro Santiago, de Baependí, e outros, serem simultâneamente contumazes
traficantes internos de escravos, levando fumo em rolo e voltando repetidas vezes
com africanos novos. Em 1855, pouco mais de quatro anos depois da Lei Eusébio
de Queiroz e dois anos após a cessação completa do tráfico, a Câmara de Cristina
comunicou ao presidente da província que o comércio do município, recém-eman-
cipado de Baependi, encontrava-se em estado “pouco lisongeiro” em virtude da
falta de braços e também pela “baixa do preço que há três anos sucessivos sofreu o
fumo, principal gênero de exportação desse país”.83
O pano de Minas também foi objeto de importação e de reexportação pelos
comerciantes cariocas desde o século XVIII. Em 1848 surgiu no Almanaque
Laemmert uma seção específica intitulada “Armazéns de pano de algodão e man-
tas de Minas”, que estampava anúncios de atacadistas desses artigos. O auge des-
sas publicações ocorreu em 1854, com vinte anúncios, mas em 1877 ainda havia
doze empresas especializadas nesse ramo. Os três principais manuais agrícolas do
século XIX – o Manual do Agricultor Brasileiro, de Carlos Augusto Taunay (1839),

Leite Lessa e Sílvia Carla Pereira de Brito Fonseca. (orgs.). Entre a Monarquia e a República: imprensa,
pensamento político e historiografia (1822-1889). Rio de Janeiro: EDUERJ, 2008.
82 Jean Baptiste Nardi. O fumo brasileiro no período colonial. Lavoura, comércio e administração. São
Paulo: Brasiliense, 1996, pp. 308, 318, 331-33.
83 A coleção completa do Almanak Laemmert (1844-1889), publicado inicialmente com o título de
Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, pode ser encontrada em www.apps.
crl.edu/brazil. Sobre Manoel Carneiro Santiago e seus filhos veja APM. Lista nominativa do Distrito
da Capela de Nossa Senhora do Carmo de Pouso Alto, termo da Vila de Santa Maria de Baependí,
1/4/1832; e APM. Lista nominativa do Distrito da Freguesia de N. S. do Carmo, termo da Vila de
Santa Maria de Baependi, 12/2/1839. Para suas atividades como traficantes internos (remetentes de
escravos do Rio de Janeiro para o interior), veja o Banco de dados Fragoso-Ferreira. A notícia sobre
Cristina está em APM. SP 570. Câmara Municipal de Cristina ao Presidente da Província, Francisco
Diogo Pereira de Vasconcelos, 23/01/1855, em resposta ao ofício circular de 11/11/1854.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


439
a Memória sobre a fundação de uma fazenda na província do Rio de Janeiro, de
Francisco Peixoto de Lacerda Werneck (1847), e o Manual do Agricultor dos Gêneros
Alimentícios, do padre Antônio Caetano da Fonseca (1863) – recomendavam o
tecido doméstico mineiro para vestuário dos escravos,84 e há registros seguros de
sua exportação para o Espírito Santo, para a Bahia e, em grande quantidade, para o
Rio Grande do Sul e para as fazendas de café do vale do Paraíba. O pano de Minas
era tão comum em Vassouras que o simples achado de seus fiapos em arbustos
era considerado indício seguro da presença de escravos no local. Encontrei tam-
bém, no Arquivo Público Mineiro, um intrigante documento que vincula o pano de
Minas ao tráfico africano. A Câmara Municipal de Curvelo informava, em 1855, ao
presidente de província, que “a indústria neste município acha-se no maior atraso
e nenhum desenvolvimento tem tido, sendo de notar que o pano de algodão fabri-
cado no país tem, depois da cessação do tráfico, decaído a ponto de ameaçar a ruína
dos fabricantes e comerciantes, por ser esta indústria a fonte mais abundante e geral
da riqueza municipal”.85
Não há dúvida de que Minas Gerais tinha laços comerciais com o Rio de Janeiro
que iam muito além dos seculares e volumosos fluxos de escravos que nos chega-
vam da África através daquele porto. Porém, é preciso entender que a existência
de conexões comerciais – de importância asssimétrica para as partes – ou do seu
papel no suprimento da capital, não transforma Minas Gerais em uma província
exportadora. Acredito que Lenharo, por trabalhar com o foco fechado sobre o abas-
tecimento do mercado da Corte, não se preocupou com o restante da economia
mineira, e superestimou a importância desse mercado, e da região do sul de Minas,
que o abastecia.86

84 Carlos Augusto Taunay. Manual do Agricultor Brasileiro. [1839] São Paulo: Companhia das Letras, 2001,
p. 63; Francisco Peixoto de Lacerda Werneck (Barão do Patí do Alferes). Memória sobre a Fundação
de uma Fazenda na Província do Rio de Janeiro [1847] Brasília e Rio de Janeiro: Senado Federal e
Fundação Casa de Rui Barbosa, 1985, p. 177; Antônio Caetano da Fonseca. Manual do Agricultor
de Gêneros Alimentícios [1863]. Terceira edição mais correcta. Rio de Janeiro: Editores Eduardo e
Henrique Laemmert. 1864, p. 103
85 Vilma Paraíso Ferreira de Almada. Escravismo e Transição. O Espírito Santo (1850-1888). Rio de
Janeiro: Graal, 1984, p. 124; Bert J. Barickman. Um Contraponto Baiano. Açúcar, fumo, mandioca
e escravidão no Recôncavo, 1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 351; Larissa
Virginia Brown. Internal Commerce in a Colonial Economy: Rio de Janeiro and its Hinterland, 1790-
1822. Ph. D. Dissertation, University of Virginia, 1986, p. 478; Augusto de Saint Hilaire. Viagem ao Rio
Grande do Sul. Belo Horizonte e São Paulo: Editora Itatiaia/ EDUSP, 1974, p. 75; Stein. Vassouras, pp.
85, 180-81. APM. SP 570. Ofício da Câmara Municipal de Curvelo ao Presidente da Província, Francisco
Diogo Pereira de Vasconcelos, 16/01/1855, em resposta ao ofício circular de 11/11/1854.
86 Para chegar ao mercado da Corte, qualquer mercadoria tinha de passar necessariamente pelo
Caminho Novo ou por alguma outra rota situada no sul da província (uma vez que a Corte se localizava

440 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
O MILAGRE DOS PORCOS
Em 1983, a questão “interprovincial” foi recolocada por Robert Slenes que,
mesmo concordando que Minas Gerais foi um vigoroso importador de africanos
no século XIX, lançou a hipótese de que, ao contrário do que eu defendia, o esteio e
motor da economia provincial eram as exportações para as províncias vizinhas. Eu
não vira isso porque não conseguia enxergar, nas entrelinhas dos dados, os “efeitos
multiplicadores” e as ligações primárias, secundárias e terciárias das exportações
de gado, queijos e panos. Estava falando, evidentemente, das relações interindus-
triais, ou dos “efeitos de encadeamento”. Segundo ele, “as atividades de exportação
não só permitiam um grande tráfico de escravos, mas também constituiam o centro
dinâmico da economia mineira. É a importância desse centro dinâmico – e de seus
efeitos multiplicadores sobre o resto da economia – que explica o apego dos minei-
ros à escravidão durante boa parte do século XIX”.87
Dotado de grande talento literário, Slenes sabia que um título esperto é meio
caminho andado para um best seller. Mancheteiro emérito – “Malungu, ngoma
vem!” – “Na senzala, uma flor” – publicou em 1985, “Os múltiplos de porcos e de
diamantes: a economia escravista de Minas Gerais no século XIX”, no qual volta ao
argumento dos efeitos “multiplicadores” das exportações sobre a economia interna
da província. O título provoca, e convida uma resposta do tipo “diamantes para
porcos”, ou algo no gênero. Mas não o farei, porque qualquer ironia envolvendo
“porco”, “espírito-de-porco”, “porcaria”, e coisas afins, resulta mais grosseira do que
engraçada, e definitivamente não quero ser grosseiro com Slenes.88

geograficamente ao sul de Minas Gerais), independentemente do seu local de origem. Cristiano


Restitutti demonstrou com muita clareza que importantes fluxos de produtos mineiros que chegavam
à Corte, como, por exemplo, gado bovino, algodão e têxteis de algodão, tinham sua origem em
outras regiões, que não o sul de Minas. Por não levar isso em conta, Lenharo superestimou o papel
econômico dessa região.
87 Slenes. Comments. O argumento foi traduzido pelo próprio autor e republicado em Slenes. Os
múltiplos, p. 9. Os itálicos são meus.
88 “Não deis aos cães as coisas santas, nem deiteis aos porcos as vossas pérolas, para que não suceda que
eles as pisem com os pés e que, voltando-se contra vós, vos dilacerem.” Mateus, capítulo 7, versículo
6. Boa parte das pessoas que dizem concordar com a posição de Slenes nessa questão, desconhece,
não é capaz de reproduzir, ou não se recorda de seus argumentos, mas todos se lembram do título
engraçado. Robert Slenes tem sido ao longo dos anos um dos mais elegantes e mais competentes
críticos do meu trabalho, ao qual dedicou uma atenção que me deixa muito honrado. O round dos
porcos e diamantes, em 1985, foi a tréplica do debate iniciado na Hispanic American Historical Review
dois anos antes. Ter ficado sem respondê-lo durante trinta e três anos foi uma grande falta de educação
da minha parte, e pode ter dado a impressão de que tinha concordado com ele.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


441
Nesse texto, para dar mais concretude ao raciocínio, que segundo ele próprio
estava “um tanto abstrato”, Slenes apresenta dois exemplos de produtos – porcos e
diamantes – para demonstrar os “efeitos multiplicadores” dessas exportações. Usa
o caso dos porcos e o fato de ser o milho sua principal ração, para argumentar que,
se a exportação direta de milho era pequena, “a exportação indireta desse produto”,
tendo o porco como “embalagem” era considerável. Afirma ainda que “o que vale
ser enfatizado é que a criação de porcos gerava uma atividade agrícola “paralela”
(...) cuja importância em Minas como empregadora de mão-de-obra e como parte
da economia monetarizada não é perceptível nos dados sobre exportação”.89 Aqui,
Slenes está dizendo que o verdadeiro valor da exportação de porcos fica escamote-
ado nas estatísticas do comércio interprovincial, porque não leva em conta o valor
do milho usado na sua alimentação. Está também enfatizando o impacto derivado
(e não “paralelo”) dessas exportações sobre a economia por induzir a produção do
milho como insumo da criação de porcos. Nenhuma das duas coisas leva muito
longe.
A ideia de que as atividades econômicas são interdependentes, de que existem
elos ou encadeamentos entre elas, é uma coisa óbvia e intuitiva. Não foi descoberta
por Slenes e certamente não é algo que eu desconhecia em 1980, quando escrevi a
tese. Essas noções estão formalmente presentes no pensamento econômico desde
pelo menos o Tableau Economique, de 1758, do fisiocrata francês François Quesnay.
No século XX, o estudo das relações interindustriais foi aperfeiçoado pelo econo-
mista russo-americano Wassily Leontief, que refinou seus conceitos e as estimou
empiricamente no trabalho The Structure of the American Economy, 1919-1929,
publicado em 1941. O novo ramo da economia criado por Leontief, o modelo de
input-output, ou matriz de insumo-produto, tornou-se um importante instru-
mento de análise e de planejamento econômico, que há décadas está incorporado
ao currículo de graduação em economia, e valeu ao seu criador o prêmio Nobel
dessa ciência em 1973. Os conceitos de encadeamentos-para-trás (backward linka-
ges) e encadeamentos-para-frente (forward linkages) foram incorporados à teoria
e às políticas do desenvolvimento econômico pelo notável economista germano-a-
mericano Albert Hirschman. Em The Strategy of Economic Development, de 1958,
Hirschman defendeu a implantação de indústrias com fortes backward linkages,
como estratégia para promover o desenvolvimento.90

89 Slenes. Os múltiplos, p. 53.


90 Veja: Wassily Leontief. The Structure of the American Economy, 1919-1929. Cambridge: Harvard
University Press, 1941; Wassily Leontief. Input-output Economics. New York: Oxford University Press,

442 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Para estudar o impacto das exportações sobre a economia interna muitas vezes
se usa também o ferramental analítico da chamada “staple theory”, ou “teoria do
produto básico”, desenvolvida por Harold Innis e outros historiadores econômicos
canadenses para a análise da história de seu país. No final dos anos 1950, ela come-
çou a atrair a atenção de historiadores e economistas não-canadenses, e a receber
suas contribuições. De acordo com Melville Watkins, um dos expoentes da escola,
“o conceito central da teoria do produto básico é o dos efeitos disseminadores do
setor exportador, isto é, o impacto da atividade exportadora sobre a economia e a
sociedade domésticas”. O aparato analítico dessa família de teorias foi criado para
estudar as economias exportadoras de produtos primários em massa (staples), mas
é igualmente útil para a análise de exportações diversificadas, como no caso em
foco. Examinei as staple theories e os trabalhos dos seus principais autores em dois
longos artigos publicados há mais de quarenta anos, quando ainda usava calças
curtas. Nesses artigos, além dos aspectos teóricos, focalizei a economia brasileira,
mas não a mineira. Naquela época, 1976, eu ainda não trabalhava com a história
de Minas Gerais.91
Linkages nada têm de esotérico, de sobrenatural, ou de mágico. Não são capazes
de realizar o milagre da multiplicação dos pães, dos peixes, ou dos porcos, nem de
desencadear reações de fissão nuclear em cadeia.92 Quando dizemos que um deter-
minado produto gera efeitos de encadeamento-para-trás, ou que tem backward
linkages, estamos simplesmente observando que o processo produtivo desse artigo

1966; Albert O. Hirschman. The Strategy of Economic Development. New Haven: Yale University Press,
1958.
91 Veja: Roberto B. Martins. A interpretação do crescimento com liderança das exportações: Modelos
teóricos e a experiência brasileira. In: Carlos M. Pelaez e Mircea Buescu (orgs.) A Moderna História
Econômica. Rio de Janeiro: APEC Editora, 1976; e também Roberto Borges Martins. Crescimento
exportador, desigualdade e diversificação econômica: uma comparação entre o Brasil e a República
Argentina, 1860-1930. Cadernos DCP 3 – Departamento de Ciência Política da UFMG (março de 1976),
pp. 55-107. Para um bom survey dos principais autores dessa escola, veja: Melville H. Watkins. A
Staple Theory of Economic Growth. The Canadian Journal of Economics and Political Science XXIX
(2) (May 1963), pp. 141-158. Watkins apresenta uma excelente bibliografia da literatura sobre o
assunto, desde os trabalhos de Innis até os anos 60. Veja também: Robert E. Baldwin. Patterns of
Development in Newly Settled Regions. The Manchester School of Economics and Social Studies,
vol. 24 (May 1956); Jonathan Levin. The Export Economies, their pattern of development in historical
perspective. Cambridge: Harvard U. Press, 1960; R. E. Baldwin. Export Technology and Development
from a Subsistence Level. The Economic Journal (March 1963); Douglass North. Location Theory and
Economic Growth. Journal of Political Economy, vol. 63 (June 1955); e Douglass North. Agriculture in
Regional Economic Growth. Journal of Farm Economics (December 1959).
92 Sobre a multiplicação dos pães e dos peixes, veja o Evangelho de João, capítulo 6, versículo 11: “E Jesus
tomou os pães e, havendo dado graças, repartiu-os pelos discípulos, e os discípulos pelos que estavam
assentados; e igualmente também os peixes, quanto eles queriam”.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


443
utiliza insumos (matérias primas, partes componentes, ferramentas, máquinas,
etc.) que são produzidos em outras unidades ou outros setores econômicos. Para
aumentar a produção desse item, o setor que o produz tem de comprar uma quan-
tidade maior desses insumos, e isso estimula os setores em que são produzidos.
Assim, por exemplo (esquematicamente, e pensando na economia mineira do
oitocentos), para fazer uma calça, um alfaiate usava pano, que era tecido por uma
tecedeira, com fio fiado por uma fiadeira, que usava algodão plantado por um agri-
cultor. Havendo um aumento na demanda por calças, os alfaiates teriam de com-
prar mais pano das tecedeiras, que teriam de comprar mais fios das fiadeiras, que
teriam de comprar mais algodão dos agricultores, gerando mais emprego e mais
renda, para trás, ao longo de toda a cadeia produtiva a montante. Dependendo
da intensidade do estímulo da demanda do produto final (calças), para atendê-la
poderia ser ncessário não só aumentar a produção dos bens intermediários usados
em cada etapa (algodão, fio, pano) mas também a dos próprios bens de capital (fer-
ramentas e equipamentos) como teares, fusos e enxadas usados nas diversas fases
do processo produtivo.
O efeito de encadeamento-para-frente é a mesma coisa, em sentido contrário.
Um produto que tem forward linkages importantes é algo que é um insumo usado
no processo produtivo de muitas outras coisas (como por exemplo, o ferro ou a
madeira), ou que é um ingrediente essencial no processo produtivo de alguma
coisa importante. A instalação ou a expansão da produção de um artigo com
forward linkages expressivos – uma fábrica de ferro, por exemplo – propicia,
enseja ou estimula, pelo menos potencialmente, a produção de artigos, como foi-
ces e ferraduras, que estão à sua frente ou a jusante, na cadeia produtiva. Ou,
inversamente, a inexistência desse insumo, impossibilita a produção daquilo que
o tem como requisito.
No exemplo simplificado está embutida a hipótese de que cada um desses insu-
mos é produzido independentemente e comprado pelo produtor da etapa seguinte.
Em termos da teoria do desenvolvimento econômico, a idéia, reduzida à sua
expressão mais simples, é que, instalando-se numa região uma atividade que tenha
encadeamentos-para-trás, isso pode estimular o surgimento de produção local dos
insumos requeridos, se a economia local detiver a tecnologia e os recursos naturais
que o permitam. A instalação de uma atividade que tenha de importar sua tecnolo-
gia, seus equipamentos, grande parte de seus insumos, e seu pessoal técnico, como
por exemplo, uma indústria petrolífera em uma região muito subdesenvolvida, vai
configurar um enclave econômico, e não trará estímulos ao restante da economia.

444 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
O potencial de qualquer atividade para estimular a economia de uma região
através de efeitos de encadeamento depende das características de seu processo
produtivo, ou seja, da quantidade e da variedade dos insumos requeridos e, como
anotado acima, da possibilidade desses insumos serem produzidos localmente ou
se terão de ser importados. O destino do produto final – se será exportado ou con-
sumido domesticamente – não tem, coeteris paribus, nenhuma interferência nesse
processo: o estímulo sobre a economia local será o mesmo nos dois casos.

“O porco é um saco de milho andando pro mercado”.93

“O mineiro planta o milho, o porco come o milho, o mineiro come o porco”.94

As duas frases – a do matuto mineiro e a do observador externo – são sábias, e


nos ajudam a evitar dois equívocos no argumento apresentado. Primeiro, elas nos
lembram que o milho comido pelo porco está irremediavelmente embutido nele, e
não pode ser computado à parte, ou somado a ele. É o que se aprende no primeiro
curso de contabilidade social ou macroeconômica – só vale somar os produtos
finais, não se podem somar os insumos. O valor do milho comido está incorporado
no valor do porco. Não pode ser acrescentado a ele, nem contado como exportação
de milho, sob pena de se cometer o erro elementar de dupla, ou de múltiplas con-
tagens. Isso vale, é claro, para todos os produtos.
As frases sugerem também que os backward linkages da criação de porcos se
resumiam à produção de milho. Isso é, grosso modo, verdadeiro. A tecnologia da
suinocultura mineira do século XIX não envolvia praticamente nada além disso.
Nos códices APM SP 570, 609, 610, 654, e outros, encontram-se dezenas de notícias

93 Frase atribuída a um criador matuto mineiro. Eduardo Frieiro. Feijão, angu e couve. Ensaio sobre a
comida dos mineiros. Belo Horizonte: Centro de Estudos Mineiros. Imprensa da UFMG, 1966, p. 199.
94 É um ditado antigo, de origem desconhecida. A referência mais antiga que conheço a seu respeito está
no artigo “A coragem de Minas”, de Olavo Bilac, escrito em 1903, quando o poeta esteve na capital
mineira para cobrir o Congresso Agrícola, Industrial e Comercial, e publicado na Gazeta de Notícias.
Foi republicado no Minas Gerais, de 26 de setembro de 1937, p. 22; é citado por Eduardo Frieiro,
em Feijão, angu e couve, p. 199; e também transcrito em Laís Corrêa de Araújo (org.) A Sedução do
Horizonte. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1996, p. 29. Maria Lúcia Pallares-Burke relata que
teria sido contado como anedota a Rudiger Bilden, durante sua visita a Minas em 1926, por Daniel de
Carvalho, então secretário da agricultura do governador Fernando Mello Vianna, e relatado por Bilden
em carta a Oliveira Lima, em 22 de agosto de 1926. Veja: Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke. O Triunfo
do Fracasso: Rudiger Bilden, o amigo esquecido de Gilberto Freyre. São Paulo: Editora UNESP, 2012,
p. 161. Bilden, o personagem resgatado neste livro, foi um brilhante brasilianista ultraprecoce, hoje
quase desconhecido, que foi plagiado por Gilberto Freyre, seu colega no mestrado na Universidade de
Columbia, nos anos 1920.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


445
de autoridades municipais lamentando as dificuldades da criação de porcos nos
anos 1850 por causa da falta de braços para cultivar o milho, causada, por sua vez,
pela abolição do tráfico africano.95
Não só os porcos, mas todos os gêneros agropecuários exportados por Minas
tinham efeitos de encadeamento muito mais limitados do que sugerem as afirma-
ções genéricas de Slenes. Eram, em geral, produtos primários (gado em pé, por-
cos vivos, galinhas), alimentos com processamento sumário (toucinho e queijos
artesanais) ou manufaturados também simples (pano doméstico e fumo de rolo),
que usavam poucos insumos e moviam poucas engrenagens para trás. Envolviam,
no máximo, uma ou duas etapas até se chegar ao produto final exportado: milho-
-porco; milho-porco-toucinho; leite-queijo; algodão-fio-pano; folha de fumo-
-fumo torcido. A exportação de “gado solto”, principal item da pauta não-cafeeira,
ao invés de estimular a economia das regiões produtoras, transferia para o Rio de
Janeiro muitos dos forward linkages potenciais, como a produção de couros, solas,
sebo, artigos de couro, de chifre, etc. Por mais simpático que seja o título, os linka-
ges dos porcos eram magros, muito elementares para gerar qualquer milagre de
multiplicação.
E os dos diamantes, como seriam? De acordo com Slenes, “um segundo exem-
plo das ligações entre setor exportador e setor interno, que diz respeito à economia
da região diamantina, é especialmente relevante”. Para demonstrar essa relevância,
invoca as Memórias do Distrito Diamantino, de Joaquim Felício dos Santos:
além da numerosa população que tira sua subsistência diretamente da
mineração, um número muito mais considerável o obtém indiretamente.
Sem falar na classe do comércio, que põe em giro neste país avultada
soma de capitais, a agricultura não tem outro fiador que não seja
a mineração; e o município de Diamantina consome, além de seus
próprios produtos agrícolas, o excesso de produção que superabunda
no município da cidade do Serro, habitado por mais de cem mil almas,
e consideráveis exportações de outros municípios limítrofes, como os
de Formigas, Curvelo e Minas Novas (...) uma população de mais de
cento e cinquenta mil habitantes, que direta ou indiretamente tira sua
subsistência da mineração dos diamantes.96

95 Em O porco e seu espírito, Guimarães Rosa, também aponta o milho como o insumo na criação de
porcos. Veja: João Guimarães Rosa. O porco e seu espírito. Ave, Palavra. Rio de Janeiro: José Olympio,
1970.
96 Joaquim Felício dos Santos. Memórias do Distrito Diamantino [1868]. Petrópolis: Vozes/INL, 1978, pp.
394-96, citando relatório apresentado ao presidente da província pela Junta Diamantina em 1840,
sobre o estado das terras da Demarcação e seus habitantes.

446 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Diferentemente do setor aurífero, que perdeu importância absoluta e relativa ao
longo do século XVIII, o setor de diamantes foi capaz de reter o protagonismo em
sua região. Longe de se esgotarem, os depósitos de pedras preciosas se mantiveram
vivos, tendo inclusive ocorrido descobertas relevantes no século XIX, dentro e fora
da Demarcação Diamantina. Nas décadas centrais do século, a produção teve um
crescimento notável, causado sobretudo pelas mudanças legais e institucionais que
sacudiram o setor, mas mesmo nos períodos considerados de “crise”, a mineração
de diamantes seguiu sendo a principal atividade do nordeste de Minas.97
A economia do diamante e sua região, viveram conjunturas pendulares ao longo
do século XIX. Segundo a periodização elaborada por Marcos Lobato Martins, a
“primeira crise do diamante”, entre 1808 e 1832, foi uma crise da Real Extração,
a empresa estatal que detinha o monopólio da exploração, e não propriamente
da mineração na região de Diamantina. Nesse período verificou-se “considerável
queda nos volumes das partidas oficiais de diamante”, mas houve aumento das con-
cessões de terrenos minerais para particulares, crescimento da extração ilegal de
pedras e “novas descobertas de ricas jazidas”.
“Entre 1832 e 1870, ocorreu enorme frenesi na mineração realizada no Alto
Jequitinhonha. Os grandes descobertos de São João da Chapada e do Caeté-Mirim
puderam ser lavrados por milhares de garimpeiros, graças ao desimpedimento
das lavras em decorrência da volta ao regime de livre extração (...) Nessa época,
segundo Joaquim Felício dos Santos, os garimpeiros tiraram em poucos anos mais
diamantes do que a Real Extração havia conseguido no espaço de setenta anos”.98
Em Growing in Silence registrei esse quadrante escrevendo que “a partir de
1832, o desmantelamento progressivo do monopólio estatal dos diamantes defla-
grou um grande surto de atividade em toda a região diamantina. A produção regis-
trada de pedras deu um salto impressionante, passando da média anual de 14.800

97 Sobre a evolução do setor diamantino mineiro no século XIX, veja, principalmente, Marcos Lobato
Martins. Os negócios do diamante e os homens de fortuna na praça de Diamantina, MG: 1870-1930.
Tese de Doutorado em História, USP 2004; Marcos Lobato Martins. A mineração de diamantes e a
Administração Geral dos Terrenos Diamantinos: Minas Gerais, décadas de 1830-1870. In: Cedeplar-
UFMG. XV Seminário sobre a Economia Mineira (Diamantina 2012); Marcos Lobato Martins. Estruturas
e conjunturas da mineração de diamantes no século XIX em Minas Gerais. FEA/USP. Hermes e Clio.
Programa de Seminários em História Econômica, 20 de março de 2013; Marcos Lobato Martins. A crise
da mineração e os negócios do diamante no Nordeste de Minas, 1870-1910. In: Cedeplar-UFMG. XI
Seminário sobre a Economia Mineira (Diamantina 2004); Marcos Lobato Martins. Da bateia à enxada:
Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX. Diamantina: Fafidia, 2000; Marcos Lobato Martins. Breviário de
Diamantina: uma história do garimpo de diamantes nas Minas Gerais (século XIX). Belo Horizonte:
Fino Traço, 2014.
98 Lobato Martins. A crise da mineração.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


447
quilates em 1796-1827 para 208.000 quilates em 1828-1849. O boom não se limi-
tou ao antigo Distrito diamantino, atingindo outras áreas, como Abaeté, Indaiá,
Itacambira, Rio Pardo e Grão Mogol (e mais tarde a região da Bagagem), e durou
mais de três décadas”.
Nesse tempo de bonança merece destaque o surto diamantino da Bagagem, que
causou muita agitação desde as primeiras descobertas, em 1851, e sobretudo depois
dos achados do “Estrela do Sul”, em 1853, e do “English Dresden”, em 1854. O
garimpo da Bagagem, inicialmente no município de Patrocínio, no Alto Paranaíba,
foi elevado a distrito de paz em 1852, a freguesia em 54, a vila em 56, e à categoria
de cidade em 1861, percorrendo em nove anos uma trajetória que muitas localida-
des levaram até dois ou três séculos para completar. Em 1855 as autoridades locais
informavam que a exportação de diamantes era “incalculável”, e que a povoação
em breve rivalizaria com as principais vilas da província, e mesmo “com as maio-
res cidades do litoral”. Não é preciso dizer que essa previsão não se realizou, mas,
enquanto durou o surto, a região atraiu levas de migrantes livres e escravos, e gal-
vanizou a produção e o comércio do território à sua volta.99
Não há bem que sempre dure. A exploração das jazidas da África do Sul, des-
cobertas em 1867, gerou um glut no mercado mundial de gemas e fez seu valor cair
vertiginosamente. “Entre 1870 e 1876, o preço da oitava do diamante de primeira
despencou: caiu de 1200$000, em 1870, para 200$000, em 1874; e, dois anos depois,
reduziu-se a 170$000”. A economia do diamante entrou numa profunda depressão,
que durou até o final do Império. A região amargou desemprego e emigração, e o
fluxo de escravos, até então importador, mudou de sentido, passando a exportar
cativos para as áreas cafeeiras: “Ao contrário do que ocorria na década de 1860,
passaram a predominar os registros de vendas de cativos para fora da região, em

99 Em janeiro de 1856, quando Patrocínio ainda incluia o distrito da Bagagem (que só foi elevado a vila
em em 30 de maio desse ano), a razão de masculinidade da população livre adulta era de 163 homens
por 100 mulheres, indicando um forte movimento de imigração para o município; e a da população
escrava era de 280 homens por 100 mulheres, indicando não só imigração de cativos em companhia
de seus senhores, mas também um considerável fluxo de importação de escravos, para o rush de
mineração de diamantes que estava em pleno desenvolvimento. Ofício do delegado de Patrocínio
ao presidente Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos, 20/1/1856. APM. SP 609. Em contrapartida,
na freguesia de Santana dos Alegres (atual João Pinheiro), então no termo de Paracatu, próxima ao
garimpo da Bagagem, ocorria o inverso: a razão de masculinidade dos escravos era apenas 94 e a dos
livres não passava de 81, mostrando que a região estava perdendo população livre e escrava, muito
provavelmente atraída pelos diamantes da área vizinha. Ofício do pároco da freguesia de Santana dos
Alegres ao presidente da província. 8/2/1857. APM. SP 654. Nos códices APM 570, 609, 610 e 654
podem ser encontradas muitas outras correspondências entre as autoridades locais de Patrocínio,
Bagagem e Paracatu, e a presidência da província.

448 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
direção ao sul de Minas e ao Rio de Janeiro, para localidades como o Rio de Janeiro,
Leopoldina, São Paulo de Muriaé, Ubá, Oliveira, etc.”100
A atividade mineradora era mais complexa que a agricultura ou a pecuária, e
demandava insumos mais elaborados, como ferro, aço, equipamentos e obras civis,
como construção de canais e desvio de rios. Algumas vezes a especialização de seus
trabalhadores na atividade nuclear implicava em maiores compras de alimentos.101
Não há dúvida de que os diamantes geravam mais efeitos de linkage do que
os porcos, e de que sua mineração esteve no centro da economia da comarca do
Serro Frio durante a maior parte do século XIX. Mesmo na época do monopólio
estatal e da crise da Real Extração essa foi, de longe, a principal atividade da região.
Assim disseram, por exemplo, vários viajantes que por lá passaram em diferentes
momentos do século, como Mawe, Pohl, Freyreiss, Saint-Hilaire, Spix e Martius,
Langsdorff, Gardner, Suzannet, Tschudi e Burton.102 Vários deles encontraram
Diamantina em pleno viço, e se impressionaram com sua prosperidade e com a
polarização que exercia no “país” à sua volta. Essa é também a visão dos melho-
res especialistas no tema e na região, como José Newton Meneses, Marcos Lobato
Martins, Júnia Furtado103 e, mais recentemente, Régis Quintão.104

100 Lobato Martins. A crise da mineração. Sobre a exportação dos escravos, veja também Roberto Martins.
Crescendo em Silêncio, capítulo 2, e Roberto Martins. Minas e o Tráfico, outra vez.
101 Isso ocorreu sobretudo no tempo da Real Extração. Nas lavras privadas, assim como no ouro, existiam
muitas unidades mistas de mineração e agricultura. “Na verdade, era fato comum na região os donos
de grandes lavras exercerem simultaneamente outros afazeres, na agricultura e no comércio”. Várias
das lavras descritas por Lobato eram empresas verticalmente integradas, com produção agropecuária
e moinhos, que produziam mantimentos para seus trabalhadores, reduzindo assim os efeitos de
linkage. Lobato Martins. Estruturas e conjunturas, p. 4.
102 Alcide d’Orbigny costuma ser incluido com destaque nessa lista, mas isso é um equívoco: esse francês
nunca botou os pés no distrito diamantino, ou em Minas Gerais, ou no interior do território brasileiro.
O livro que contém esses relatos descreve uma viagem fictícia, como observei em nota acima.
103 José Newton e Júnia focalizam o período colonial, mas a riqueza de sua descrição e análise da economia
e da sociedade transborda para o século XIX.
104 Régis Quintão, o mais jovem dessa lista, também não estuda o século XIX. Sua dissertação de mestrado
focaliza a Real Extração, de sua criação, em 1772, até 1805, analisando especialmente sua política de
compras de insumos para a produção de diamantes. Com base em documentos do Arquivo Histórico
do Tribunal de Contas de Portugal, Quintão mostra que embora os insumos mais complexos fossem
importados de Lisboa e do Rio de Janeiro, a Real Extração não deixou de ter impactos importantes
sobre a economia local. “O abastecimento na Demarcação Diamantina era complexo e dinâmico. Para
garantir a produção diamantífera por conta da Real Fazenda, a Real Extração ocupou-se da compra,
da organização e da distribuição de enorme quantidade de produtos importados [e] incentivou a
produção interna de víveres na medida em que adquiria dos roceiros os gêneros necessários”. Uma
tabela datada de 1775, por exemplo, mostra que foram adquiridos, de produtores locais, milho, fubá,
feijão, carne, sal, azeite de mamona, fumo, toucinho, galinhas, farinha, e açúcar. Régis Clemente
Quintão. Sob o “Régio Braço”: A Real Extração e o abastecimento no Distrito Diamantino (1772-1805).

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


449
Porém, é preciso ir devagar com o andor. Não vamos repetir com os diamantes
as quimeras que mal acabamos de exorcizar sobre o “ciclo do ouro”. Certamente
é pedir demais aos viajantes que se deslumbravam com a Golconda brasileira, ou
mesmo a historiadores antigos e ufanistas, que focassem sua atenção na produção
de milho ou de fubá. Mas não só de diamante viveu o vale do Jequitinhonha, ou o
nordeste de Minas, ou a comarca do Serro. Os mesmos autores que hoje apontam a
importância da economia diamantina, indicam com muita clareza a diversificação
das atividades não-tributárias da extração das gemas. O diamante teve um fôlego
maior (até hoje é garimpado) mas lá também, como nas áreas auríferas, desenvol-
veu-se desde o início do povoamento, uma economia diversificada, que atendia a
mercados e demandas nem sempre derivadas de sua mineração.
José Newton Meneses descreveu a diversidade do Continente Rústico na virada
para o século XIX, com uma variedade de atividades e de produtos, que incluia não
só o abastecimento alimentar, mas também manufaturas e bens de capital, como
ferramentas e equipamentos.105 Segundo Júnia Furtado, havia na região muitas
maneiras de ganhar a vida não relacionadas à mineração de diamantes: “a vida
da Demarcação, apesar de firmemente ligada à Real Extração, não se esgotava aí.
Havia inúmeras outras atividades econômicas a que podia se dedicar o restante
da população, o que movimentava uma considerável soma de dinheiro, fornecia
empregos e permitia que um número significativo de pessoas pudesse encontrar
formas de sobrevivência (...) a extração de ouro nos rios onde o diamante nunca
fora encontrado ou já se achava esgotado foi uma prática constante e nunca foi
interrompida (...) a agricultura foi outra atividade a que se dedicaram muitos indi-
víduos dentro da Demarcação”. Concediam-se regularmente sesmarias utilizadas
para diversas culturas e criação de gado.106
No século XIX, o nordeste de Minas incluia atividades importantes que não
eram derivadas da extração de diamantes e não tinham nenhum vínculo com ela.
O termo de Minas Novas, ao longo dos vales do Jequitinhonha e do Araçuaí, era o
principal produtor de algodão do sul do Brasil, e nas primeiras décadas do século
exportava quantidades consideráveis para a Europa. Mesmo depois de ser excluída
do mercado internacional, a região continuou produzindo algodão de alta qua-
lidade, com o qual supria a indústria têxtil doméstica de seu próprio termo e de

Dissertação de Mestrado em História, UFMG 2017, pp. 108, 130.


105 Veja: José Newton Coelho Meneses. O Continente Rústico. Abastecimento alimentar nas Minas Gerais
setecentistas. Diamantina: Maria Fumaça, 2000, especialmente os capítulos III e IV.
106 Júnia Ferreira Furtado. O Livro da Capa Verde. São Paulo: Annablume, 1996, pp. 134-35.

450 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
outras partes da província. Outros municípios apontados por Felício dos Santos
como tributários do diamante, também tinham atividades próprias, não depen-
dentes da mineração. Curvelo era um importante centro de pecuária bovina, com
exportações para vários mercados da província, além de forte produtor e exporta-
dor de algodão e tecidos de algodão. Formigas, atual Montes Claros, também era
uma área de gado e de engenhos. No meado do século, a região do Jequitinhonha
exportava, para o resto da província, toucinho, aguardente, fumo e queijos. A pró-
pria Diamantina, que era o centro da extração de diamantes, exportava azeite de
mamona e farinha de mandioca.107
Ao convocar as Memórias do Distrito Diamantino para depor em favor de sua
tese, Slenes deveria ter lançado um olhar mais crítico, sobre seu autor e sobre o
contexto que produziu o trecho que cita. Joaquim Felício dos Santos nasceu no
Serro, em 1828, e foi um ardoroso patriota regional, crítico acerbo da monarquia,
da centralização do poder, da carga tributária, e das políticas opressivas da coroa
portuguesa. É o autor da famosa tese, que se incorporou à historiografia do século
XX, de que a legislação especial do Distrito Diamantino, com suas restrições eco-
nômicas e seu aparato repressor, criara um “Estado dentro do Estado”, uma “colônia
dentro da colônia”. Tudo que se referisse à região ou ao seu povo virava superlativo
em sua pena, para o bem ou para o mal. O relatório da Junta Diamantina, que
cita aprovativamente, ocorreu pouco depois da extinção efetiva da Real Extração,
numa conjuntura de grande incerteza sobre como seria a política de acesso às ter-
ras diamantinas. O exagero sobre a massa de população cuja felicidade dependia
exclusivamente da liberdade de garimpar diamantes, e até mesmo a ameaça, nada
sutil, de quebra da “tranquilidade pública”, são apenas parte do intenso lobby pelo
franqueamento dos terrenos diamantinos.
Joaquim Felício afirmou também (por meio da citação), como vimos, que em
1840, dentre as populações que gravitavam em torno do diamante, o Serro era habi-
tado por “mais de 100 mil almas”, e que uma população de mais de 150 mil pessoas
tirava sua subsistência, direta ou indiretamente dessa mineração. Isso também é um
enorme exagero. Em 1821, segundo as estimativas de Luiz Maria da Silva Pinto, toda
a comarca do Serro Frio, não tinha mais do que 83.579 habitantes, sendo 56.886 no
termo da Vila do Príncipe (que incluia o Tejuco), e 26.693 na Vila de Minas Novas.
Em 1855, a população do termo da então Cidade do Serro compreendia cerca de

107 Maria do Carmo Martins e Helenice Silva. Produção Econômica.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


451
50 mil habitantes, e a de Diamantina cerca de 35 mil pessoas.108 Por volta de 1860,
a região Jequitinhonha/Doce, definida como composta pelos municípios do Serro,
Diamantina, Conceição e Minas Novas, teve sua população total estimada em
96.843 habitantes, ou 8,1% da população total da província.109 Todas essas estimati-
vas, baseadas em documentos produzidos pelas autoridades locais, são imprecisas
mas, qualquer que seja seu grau de imprecisão, não existe nenhuma possibilidade
de que a população direta ou indiretamente sustentada pela mineração diamantina
chegue sequer perto da dimensão reivindicada por Felício dos Santos.
Vale a pena observar ainda que, segundo Cristiano Restitutti, “não existem
informações concretas sobre as exportações de ouro e diamantes na Minas pro-
vincial. Robert Slenes utilizou-se dos dados existentes para a produção destes itens,
presumindo, na falta de dados sobre a exportação, que “produção era sinônimo de
exportação”.110 De acordo com suas estimativas, as exportações de diamantes, no
período 1818-1884, significaram apenas 0,06 das exportações mineiras,111 as quais,
por sua vez, eram apenas uma pequena parcela do produto interno bruto da pro-
víncia, ou seja, o comércio de diamantes era um componente ínfimo desse produto.
Curiosamente, ao falar do impacto das exportações sobre a economia interna,
Slenes não deu atenção à mineração de ouro, a qual, segundo ele, “foi cada vez mais
dominada por companhias inglesas, adquirindo características de uma economia
de enclave”. Com a introdução de novas tecnologias, reduziu-se sua demanda por
mão de obra, e os insumos, especialmente os equipamentos, eram cada vez mais
comprados no exterior, para onde eram remetidos os lucros. Ou seja, geravam pou-
cos efeitos de encadeamento, e pequeno impacto.112

108 Roberto Martins e Maria do Carmo Martins. Estimativa da população 1855. Todas as comparações
intertemporais das populações dos municípios mineiros devem ser feitas com cautela, por causa dos
desmembramentos e incorporações de território.
109 Maria do Carmo Martins e Helenice Silva. Produção Econômica.
110 Restitutti. As fronteiras da província, p. 63. Os itálicos são meus.
111 Restitutti. As fronteiras da província, p. 79. Além disso, nem tudo que se refere à produção de
diamantes pode ser considerado como exportação. De acordo com Marcos Lobato, “havia partidas
de diamantes que não eram exportadas. Uma parte expressiva das pedras extraídas na região de
Diamantina era consumida no próprio país”. Lobato Martins. Estruturas e conjunturas.
112 Na visão de Slenes, “a mineração de ouro foi cada vez mais dominada por companhias inglesas,
adquirindo características de uma economia de enclave. Isto é, a quantidade de mão de obra que
ela utilizava provavelmente diminuiu, devido à introdução de novas técnicas de organização e de
uma tecnologia melhor e, mais e mais, certos gastos (por exemplo, em equipamentos) se faziam no
exterior, e os lucros eram remetidos para a Inglaterra”. Slenes. Os Múltiplos, p. 49.

452 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Isso é um equívoco. Já comentamos acima que a atividade minerária era muito
mais complexa e demandava muito mais insumos do que a agricultura ou a pecu-
ária. Essa complexidade tornou-se ainda maior no tipo de mineração que foi pra-
ticado pelas companhias inglesas no século XIX, qual seja, a mineração de rocha
em minas subterrâneas profundas, e não mais a lavagem de areias de aluvião ou
de terras moles em catas ou lavras de talho aberto. Agora era preciso perfurar a
terra, arrancar o minério da rocha, carregá-lo para a superfície, triturá-lo e apurar
o ouro. Mantendo, é claro, as galerias subterrâneas escoradas, ventiladas e livres de
inundação.
Longe de serem economias de enclave, as companhias inglesas se relacionaram
intensamente com as regiões onde se instalaram, seja através do pagamento de salá-
rios, do aluguel de escravos e da contratação de serviços, seja através de volumosas
compras de insumos, tanto para a manutenção de sua força de trabalho, como de
grande quantidade e variedade de itens usados diretamente no processo produtivo.
A primeira delas, a Imperial Brazilian Mining Association (IBMA), foi criada
em 1824, e comprou, entre outras, a mina do Gongo Soco, no distrito de Nossa
Senhora do Socorro, na freguesia de São João do Morro Grande, em Caeté.113 A
empresa começou a causar excitação econômica antes mesmo de chegar a Minas.
Em 31 de dezembro de 1825, Eduardo Oxenford, que viera na frente com um grupo
de mineiros para fazer sondagens e negociações, escreveu, de Ouro Preto, ao chair-
man da companhia, em Londres, que “our establishments are viewed by all classes
with a most favorable eye, our miners have been received throughout the country
with the greatest kindness and hospitability, and numbers of people are preparing
to move to our estates to establish themselves in their several trades, expecting
to reap the benefit of the capital [that] our presence will circulate.114 Poucos dias
depois, em 23 de janeiro de 1826, Oxenford relatou novamente ao chairman que
“tradesmen of all descriptions are flocking from far and near to establish themsel-
ves in our vicinity”.115 Em 12 de março de 1827, menos de um ano depois de sua
entrada em operação (que teve lugar em 17 de março de 1826), uma notícia de
Caeté já dava conta do impacto causado pela empresa na economia local: “Não
tendo esta Sociedade bons terrenos para a cultura ordinária do milho e feijão, que
fazem a principal parte dos alimentos dos nossos obreiros, e faltando-lhe a criação

113 A IBMA explorou essa mina com grande sucesso durante vários anos, mas acabou falindo em 1856.
114 IBMA. Third Report to the Share Holders, 1826, p. 87.
115 IBMA Third Report to the Share Holders, 1826, p. 93.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


453
do gado grosso e miúdo, é de admirar o impulso que estes novos consumidores tem
comunicado à indústria dos lavradores, dos hortelões e dos criadores, assim como
quanto eles tem concorrido para a extirpação da vadiagem e mendicidade, pelo
avultado salário que pagam aos brasileiros que se dedicam ao serviço da Sociedade,
ou de seus empregados”.116
Isso foi só o começo. À medida em que cresceu sua comunidade livre e escrava,
que chegou a atingir 802 pessoas,117 a lista de compras de alimentos tornou-se cada
vez maior, incluindo: arroz, feijão, milho, fubá, farinha, açúcar, café, cachaça, rapa-
duras, carne de boi, toucinho, porcos, galinhas, e hortaliças.118
A IBMA também comprava pano para vestir e agasalhar seu pessoal e seus
escravos. As peças de linho e de lã eram importadas da Inglaterra, mas “todo o
resto” era produzido na região.119 Era também no mercado local que a empresa
adquiria outros suprimentos vitais, como bestas, cavalos, animais de tração, ferra-
duras, cravos, ferramentas de mineração, ferramentas em geral, tabuado, pólvora,
carvão, couros, velas de sebo e azeite de mamona para iluminação, e quantidades
colossais de madeira para combustível, construção e sobretudo para escoramento
das galerias subterrâneas.
O ferro era, óbviamente, essencial para a construção e manutenção de equipa-
mentos, para o fabrico e reparo de ferramentas em geral, e muito especialmente para
as brocas e as cabeças dos pilões (stamp heads) de triturar minério. Inicialmente, a
companhia tentou fundir seu próprio ferro, esnobando o produto da região, cuja
qualidade menosprezava. Em 1829, depois de vários ensaios frustrados, William
Baird, o engenheiro-chefe da empresa, que tinha a missão de estabelecer a fundi-
ção, jogou a toalha, declarando que “nothing can equal it [o ferrro dos produtores

116 Polinno da Costa Pacheco. Notícias dos fatos mais notáveis acontecidos no ano de 1826 na Vila de
Caeté e seu termo. Revista do Arquivo Público Mineiro, ano III, fascículos 3 e 4 (julho-dezembro de
1898), pp. 777-779.
117 Esse máximo foi atingido em 31 de dezembro de 1837, com 150 europeus, 247 trabalhadores nativos e
174 escravos, 116 escravas e 115 crianças escravas. IBMA. Twenty-fourth Report to the Share Holders,
1838, p. 15.
118 Henwood fornece informações bastante detalhadas sobre as rações e a alimentação dos escravos. A
empresa adotava também a política de incentivá-los a plantar hortas, bem como pequenas roças de
milho, feijão e abóboras. Podiam vender os produtos entre si, aos mineiros europeus, suplementar
sua dieta ou usá-los para criar porcos e galinhas. Durante certo período foram distribuídos prêmios
para a horta mais bem cuidada, o porco mais gordo, etc. Veja: Willliam Jory Henwood. Observations
on Metalliferous Deposits and on Subterranean Temperature. Transactions of the Royal Geological
Society of Cornwall, eighth volume. Penzance: William Cornish, 1871, pp. 291-92.
119 Essa informação, e as quotas periódicas de vestuário distribuido, estão em Henwood. Observations,
p. 291.

454 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
locais] for making stamp heads, as it excels so much in the tough and hard qua-
lity which is so desirable”, [and] is not inferior to the manufacture of Low Moor,
in Yorkshire”. O chief commissioner, Capitão George Lyon, informou aos diretores
em Londres que não valia a pena insistir no projeto de fabricar um artigo que, em
sua opinião, “would cost thrice as much as that procured from the natives, and be
in no way superior to it in quality”.120 Apesar disso, a empresa, preocupada com a
regularidade e a pontualidade das entregas, e com medo de ficar refém dos native
suppliers, fez várias outras tentativas, mas nunca conseguiu a autonomia almeja-
da,121 e teve de comprar regularmente o ferro produzido por vários fabricantes
locais. Em 1831-32 havia sete fabricantes de ferro no próprio distrito de Socorro,
onde se localizava a IBMA, e pelo menos outros cinquenta em seis distritos vizi-
nhos no termo de Caeté.122 A demanda por ferro constituiu-se, portanto, durante
todo o tempo de sua operação, em um dos principais vínculos da empresa com a
economia da região.
A observação de que as mineradoras inglesas constituiam enclaves porque
compravam seus insumos no exterior, não procede nem mesmo com relação ao
item que Slenes singularizou como exemplo – os equipamentos. Boa parte dos
principais equipamentos de grande porte, como os engenhos de pilões de redução
(stamp mills), e as grandes rodas d’água que os acionavam, as bombas de drena-
gem das minas, os equipamentos de ventilação, as serrarias, os moinhos, os foles e
malhos das oficinas, e vários outros maquinismos hidráulicos, nessa era anterior
à máquina a vapor, tinham de ser construidos in loco. O mesmo acontecia com as
canalizações e aquedutos, às vezes extensos e complexos, que traziam água para

120 IBMA. Seventh Report to the Share Holders, 13 de novembro de 1829, pp. 47, 81-84.
121 Os relatórios semestrais da IBMA descrevem muitas dessas experiências, feitas ao longo de vários anos,
envolvendo fundidores ingleses, e até o famoso físico-químico Michael Faraday, da Royal Institution.
Aparentemente não conseguiram dominar problemas com a composição química do minério e do
carvão da região.
122 Veja: APM. Lista nominativa do Distrito da Capela de Nossa Senhora do Socorro, Freguesia de São João
Batista do Morro Grande, Termo da Vila Nova da Rainha do Caeté, 25/10/1831; APM. Lista nominativa
do Distrito da Aplicação de São Gonçalo do Rio Abaixo, filial da Freguesia de Santa Bárbara, Termo
de Caeté, Comarca de Sabará, 08/11/1831; APM. Lista nominativa do Distrito da Senhora da Penha
de França, da Freguesia da Senhora do Bom Sucesso, da Vila Nova da Rainha de Caeté, 00/00/1832;
APM. Lista nominativa do Distrito de São Gonçalo do Rio Acima, Termo da Vila do Caeté, 08/11/1831;
APM. Lista nominativa do Distrito da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário da Itabira do Mato
Dentro, Termo da Vila de Caeté, Comarca de Sabará, 12/01/1832; APM. Lista nominativa do Distrito
da Aplicação de Nossa Senhora de Nazaré do Morro Vermelho, Termo da Vila de Caeté, 18/03/1832;
APM. Lista nominativa do Distrito da Capela da Conceição do Rio Acima, Termo de Caeté, 12/04/1831.
A observação de que eram “pelo menos” cinquenta fabricantes deve-se ao fato de haver pequenas
discrepâncias entre as listas nominativas e as relações de fábricas que as acompanham.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


455
movimentar as rodas d’água, bem como com todas as edificações, e demais obras
de engenharia civil.123
Na IBMA não eram só esses equipamentos fixos que eram produzidos local-
mente. Segundo Henwood, o engenheiro de minas da Cornualha que foi superin-
tendente da companhia no Brasil, partes das bombas de drenagem (as colunas,
feitas de tubos de madeira revestidos de ferro), as cabeças de pilão, e outros equipa-
mentos, como gudgeons, cranks e strapping-plates, que eram feitos de ferro forjado,
eram fabricados “na vizinhança” [por diversos fabricantes]. Menciona ainda que
componentes como esses e “other heavy pieces of mining machinery” eram produ-
zidos na fundição de Monlevade, em São Miguel do Piracicaba, então distrito no
termo de Santa Bárbara. Outras peças, como working-barrels, clack seats, plunger
cases, e glans, feitas de ferro fundido e de latão, materiais que não eram produzi-
dos em Minas, eram importados da Inglaterra via Rio de Janeiro, e levados até a
mina no lombo de mulas.124 A construção e a montagem desses equipamentos eram
dirigidas por engenheiros, técnicos e mineiros ingleses e europeus, mas oficiais e
artesãos brasileiros eram contratados para esses serviços.
Uma ideia geral das demandas de insumos e de serviços, e portanto da relação
da IBMA com a economia da região, pode ser formada pelo edital de compras
publicado no Universal, de Ouro Preto, em 1830:
Anúncio – Gongo Soco: Pelo presente se faz saber ao público que é da
intenção do Chefe Comissionado (sic) deste estabelecimento mandar
fazer um rancho com as comodidades e brevidade possível, para nele
se arrancharem quaisquer indivíduos que visitarem esta lavra com
o fim honesto de venderem quaisquer produções de suas roças ou
outros gêneros tais como geralmente são necessários para o uso diário
e consumo de tão extenso estabelecimento como este é, na certeza de
que os vendedores serão sempre bem acolhidos quando quiserem
entrar com gêneros neste mercado (...) Quaisquer dos gêneros abaixo
mencionados, e em qualquer porção que seja, encontrarão sempre
pronto mercado, a saber: farinha, arroz, açúcar, feijão, restilo, azeite,
velas de sebo, café, sal, galinhas, ovos, caça, porcos, carneiros, cabritos,
hortaliça de toda a qualidade e para plantar, batatas, cenouras, etc. Ferro

123 Na Europa o motor a vapor já estava em pleno uso, e já comandava a revolução indústrial há várias
décadas, mas não no Brasil ou em Minas Gerais. No Fourteenth Report da IBMA, em 1833, pp. 95-96,
o engenheiro Baird, alega que, no dia 29 de dezembro de 1832, instalou e fez funcionar no Gongo, o
primeiro e único motor a vapor existente na província de Minas Gerais.
124 Henwood. Observations, pp. 219, 288-89. Henwood foi chief commissioner da IBMA no Brasil por
alguns anos, a partir de 1843. O Google não foi capaz de me dar uma idéia clara do que sejam
gudgeons, strapping-plates, working-barrels, clack seats, plunger cases, ou glans.

456 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
em barra, ferraduras tanto para cavalos como para burros, cravos e algum
tabuado, assim como quaisquer fazendas próprias para vestuário dos
escravos, e panelas, tachos de barro e potes, etc. (...) Quaisquer oficiais
mecânicos, como carpinteiros, pedreiros, e trabalhadores, encontrarão
sempre bastante que fazer, e bem assim qualquer pessoa ou pessoas
que desejarem contratar o fazer algumas rodas para engenhos de socar
pedra, ou edificarem casas pequenas, fazer plantações, etc. Casa Grande,
Gongo Soco, 22 de julho de 1830.125

A intensidade do relacionamento transparece também em uma lista de com-


pras de produtos e serviços, e outras despesas realizadas pela companhia entre
julho de 1836 e julho de 1838, mencionada em um relatório de 1839, por George
Vincent Duval, que também foi chief commissioner no Gongo: “pranchas ou tábuas
de madeira, madeira aparelhada, bois, pano de algodão, pavio para velas, feijão,
farinha, couros, ferro, milho, cavalos, mulas, azeite de mamona, restilo ou cachaça,
sal, toucinho, sabão, trabalho de nativos, consertos de edificações, tropeiros, cam-
peiros, (...) carros de boi alugados ou contratados, capim, sebo, transporte do Rio,
salários dos negros libertos, cabeças de pilões, pequenas despesas, ferramentas ou
instrumentos de mineração, tropa, viagens e postagens”.126
O caso da Saint John del Rey Mining Company, a outra grande mineradora
inglesa que se estabeleceu em Minas durante o Império, não foi diferente. A com-
panhia foi criada em 1830, e no mesmo ano começou a explorar minas no muni-
cípio de São João del Rei. Não tendo sucesso, transferiu, em 1834, suas principais
operações para Congonhas do Sabará, onde adquiriu a mina de Morro Velho, que
se transformou no mais rentável investimento britânico na América Latina no
século XIX.
O impacto da St. John sobre a economia regional foi ainda maior que o da
IBMA, não só por sua longa história de sucesso, mas também por sua maior escala
de operação. A St. John foi o maior empreendimento escravista privado de história
de Minas. Em seu ponto máximo no período da escravidão, em 1863, o contingente
cativo chegou a 1.691 escravos, os quais, somados aos 810 trabalhadores livres, for-
mavam uma força de trabalho total de 2.501 indivíduos.127

125 O Universal (Ouro Preto), 6 de agosto de 1830, edição nº. 476, p. 7.


126 IBMA. Twenty-sixth Report to the Share Holders, 1839, p. 35.
127 Libby. Trabalho Escravo, p. 147. Grande parte desses escravos eram, pelo menos oficialmente, alugados.
Aparentemente esse número não inclui os trabalhadores europeus, que diferentemente da IBMA,
na St. John eram poucos. Também não inclui as crianças escravas. Durante o regime da Contratação

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


457
No primeiro dos dois grandes estudos já realizados sobre a St. John del Rey,
Douglas Libby descreve de maneira enfática a influência da empresa sobre vários
setores da economia da região e da província.128 Em sua opinião, “as elevadas neces-
sidades de suprimento da mina, em combinação com uma política de compras que
visava manter os custos no mais baixo nível possível, fizeram com que a influência
da St. John se estendesse muito além da circunvizinhança imediata. No caso das
comarcas de Sabará, Ouro Preto e Rio das Velhas, a mina aparentemente sustentava
sozinha a economia regional, inclusive estimulando maior integração dos agricul-
tores de subsistência ao mercado monetário (...) Em termos de provisões alimen-
tícias, Morro Velho abastecia-se quase totalmente nos mercados locais, e como já
vimos, chegou sozinha a praticamente sustentar a economia regional”.129
Além de alimentos, empresa comprava muitos outros insumos nos mercados
da região: “A mina necessitava de grandes quantidades de madeira, principalmente
para a extensão do sistema de escoramento e também para a fabricação do carvão
utilizado em vários setores (...) a grande maioria do suprimento de madeira pro-
vinha de lenhadores e carreiros da região. Já em 1846, temos notícia de contratos
para o suprimento fixo de madeira e de carvão vegetal (...).130 No fornecimento de
outros materiais, como ferro de broca e cabeças de trituradores [pilões] a compa-
nhia teve poucos problemas já que, a partir da década de 1850, ela era um dos pou-
cos consumidores de peso da província. Um dos grandes fabricantes das cabeças
dos trituradores foi a fundição de João Monlevade, embora a St. John não hesitasse

(1740-1771), os contratadores de diamantes trabalhavam com milhares de cativos, apesar do limite


contratual de 600 escravos. Esses números são contestados por historiadores, mas mesmo se forem
corretos, devemos lembrar que a mineração de diamantes nesse período era uma concessão estatal,
e não um empreendimento privado. A Real Extração Diamantina (1772-1832), chegou a operar com
milhares de cativos, mas era uma empresa puramente estatal e também trabalhava com escravos
alugados. No século XX, a St. John empregou um número muito maior de pessoas.
128 Douglas Cole Libby. Trabalho Escravo e Capital Estrangeiro no Brasil. O caso de Morro Velho, de 1984.
Agradeço ao Douglas pela gentileza de me ter enviado, nos Estados Unidos, a tempo de ser utilizada
na tese, a primeira versão desse pequeno grande livro – O Trabalho Escravo na Mina de Morro Velho.
Dissertação de Mestrado. Departamento de Ciência Política, UFMG 1979. Tive a honra de participar
do début desse excelente historiador, como primeiro orientador de sua dissertação. Sugeri o tema,
a investigação nos arquivos da St. John, na Universidade do Texas em Austin, e trabalhei com ele na
elaboração do projeto de pesquisa, quando era meu aluno em um curso sobre escravidão e formas
de trabalho compulsório, no DCP/UFMG em 1976. Depois precisei retornar para os Estados Unidos, e
fui substituido, com muita competência, pelo Professor Antônio Mitre. Acredito que esta dissertação
inaugurou um novo patamar na pesquisa de história econômica em Minas.
129 Libby. Trabalho Escravo, pp. 64-65, 78.
130 Encontrei no Universal de Ouro Preto, notícia de uma fazenda que fornecia madeira para Morro Velho
desde 1838. Veja O Universal, 5/9/1838.

458 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
em estimular a concorrência, contratando com produtores menores quando houve
ocasião (...) Para o ferro de broca e as cabeças de trituração, a St. John dependia,
em grande parte, do distrito de Itabira e da vila onde estava estabelecida a fundição
de João Monlevade, na comarca de Rio Piracicaba. (...) todo o ferro de broca e o
ferro utilizado na fabricação de pequenas ferramentas era comprado de produtores
regionais, e nesse caso não há dúvida que a St. John e as demais companhias de
mineração constituiram por muitos anos os únicos consumidores expressivos do
produto”.131 Segundo Richard Burton, que visitou Morro Velho em 1867, as stamp
heads de aço importadas da Inglaterra eram quatro vezes mais caras e duravam
menos do que aquelas fabricadas com “chapas de ferro comum de Minas”.132 Outra
fonte de demanda por serviços e materiais locais foi a política da empresa, “típica
das company towns da própria Inglaterra e do norte dos Estados Unidos”, de forne-
cer habitação para os trabalhadores livres empregados na mina.133
Com relação a compras de máquinas, equipamentos e outros bens de capital, a
história oitocentista da St. John é semelhante à da IBMA, guardadas as diferenças
relativas à época e à duração dos períodos de sucesso de cada uma. A St. John flo-
resceu na segunda metade do século, e seu sucesso foi muito mais perene. Assim,
ela pôde incorporar mais tecnologia, como, por exemplo, dinamite em lugar da
pólvora, cabos de aço no lugar de correntes e máquinas a vapor no lugar de máqui-
nas hidráulicas. As baterias de pilões, as várias rodas d’água que as moviam, os
regos, as represas, as calhas alimentadoras dos pilões, os vagonetes de minério, as
edificações, etc., tinham necessáriamente de ser construidos e/ou montados on the
spot, não podiam ser importados.134
Além do ferro para fabricar as brocas, as cabeças dos pilões e as ferramentas em
geral, o setor metalúrgico da região tinha capacidade para produzir equipamentos
de maior porte. Em seu conhecido relatório de 1853 sobre a indústria siderúrgica
da província, falando de sua própria empresa, João Monlevade relata que “está hoje
entre mãos para a Companhia de Morro Velho um aguilhão que não pesará, depois
de concluído, menos de sessenta arrobas. Já têm ido para a Companhia do Gongo,

131 Libby. Trabalho Escravo, pp. 79-81.


132 Richard Francis Burton. Explorations of the Highlands of the Brazil; with a full account of the gold and
diamond mines. London: Tinsley Brothers, 1869, vol. I, p. 255.
133 Libby. Trabalho Escravo, p. 82.
134 A St. John del Rey beneficiou-se com as falências de várias mineradoras inglesas herdando não só seus
escravos, por compra ou aluguel, mas também técnicos e mecânicos experientes.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


459
no morro da Água Quente, peças maiores, tudo feito de ferro maleável e, por con-
seguinte, muito mais custoso”.135
Equipamentos mais complexos, como hauling machinery (o kibble ou caçamba
de ferro usada para içar minério e gente, também movido por uma roda d’água),
e bombas hidráulicas de drenagem, provavelmente eram, total ou parcialmente,
importados, mas certamente montados no local. Partes componentes, como cabos
de arame e, mais tarde, cabos de aço, eram importados da Inglaterra. Em Barbacena,
a caminho de Morro Velho, Burton topou com parte de uma geringonça chamada
“Blake’s stone crushing machine”, uma máquina de moer pedra, que estava sendo
conduzida para a mina.136
Não me parece que tenha havido qualquer ambiguidade, como afirmou Libby,
no estímulo dado por Morro Velho ao crescimento industrial de Minas. Como ele
próprio observou, ali onde foi tecnicamente e econômicamente vantajoso, como
nas compras de ferro, a St. John não hesitou, como fez a IBMA, em adquirir o pro-
duto mineiro. A empresa teve o mesmo comportamento que tinha nos mercados
de alimentos e de escravos – comprava onde encontrava o melhor preço.137 Porém,
mesmo sendo, como provavelmente era, o maior comprador individual, não foi sua
demanda que determinou os rumos da indústria mineira de ferro, ou de qualquer
outra coisa.138
A St. John não era “um dos poucos consumidores de peso da província”, nem for-
mava, junto com as demais mineradoras inglesas, os “únicos consumidores expressi-
vos do produto” do setor siderúrgico mineiro, como afirmou. Na primeira metade do
século XIX, Minas Gerais já tinha uma indústria de ferro muito expressiva, baseada

135 Monlevade, 12 de dezembro de 1853. João Antônio de Monlevade. Resposta aos pedidos abaixo,
do Presidente, o Exmº. Sr. Dr. Francisco Diogo Pereira de Vasconcellos. Anexo S3. Relatório que ao
Illustríssimo e Ecellentíssimo Sr. Dezembargador José Lopes da Silva Vianna, Muito Digno 1º. Vice-
Presidente da Povíncia de Minas Geraes apresentou, ao passar-lhe a administração, o Presidente
Francisco Diogo Pereira de Vasconcellos. Ouro Preto: Typographia do Bom Senso, 1854.
136 Burton. Explorations, vol. I, p. 254.
137 Sobre as compras de escravos, agradeço a Marshall Eakin pela gentileza do acesso às suas notas
pessoais manuscritas dos Slave Purchase Files da St. John del Rey, cobrindo o período de 1830 até
1843, quando foram interrompidas em virtude do Brougham Act. Sou igualmente grato a Douglas
Libby, que também me cedeu material não publicado dos arquivos da St. John del Rey, sobre compras
de escravos, em carta de 31/10/1979.
138 “A importância de Morro Veho como estímulo ao crescimento do setor agrícola da região é indiscutível
(...) No entanto, seu papel no desenvolvimento do setor industrial é muito mais ambíguo”. Libby.
Trabalho Escravo, pp. 80-81. Libby rejeitou, a meu ver corretamente, uma tese de Paul Singer, de
que havia um pacto entre entre os investidores britânicos em Minas e a indústria da Inglaterra, para
importar todas as máquinas e equipamentos.

460 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
em unidades pequenas e médias dispersas pelo território, e voltadas principalmente
para a produção de bens finais para mercados próximos. Sua história é bem conhe-
cida e não precisa ser repetida aqui. A disseminação da sua produção é também
conhecida. Em 1831, um jornal da Corte afirmava que “as fabricas de ferro ainda que
pequenas, são em grande numero, e fornecem ferro para toda a Provincia, e pode-
riam fornecer para muitas outras, se os fretes fossem menores, ou se houvessem boas
estradas, ou canais.”139 No relatório mencionado acima, João Monlevade informa que
o produto das oitenta e quatro fundições existentes apenas no pequeno espaço, “entre
o município de Ouro Preto e a cidade de Itabira (...) é em parte nelas já reduzido em
(sic) obras, o resto é vendido e disseminado por toda a província”.140 A dispersão das
pequenas fundições e de sua produção pelo território mineiro é, na verdade, anterior
a essa época, e foi a principal característica do setor. Muito além da demanda das
empresas mineradoras inglesas (ou brasileiras), as fundições, os ferreiros, e os serra-
lheiros produziam um grande leque de artigos, como ferramentas para agricultura,
para mineração, para construção civil, e para os ofícios (enxadas, foices, facões, enxós,
talhadeiras, torqueses, cunhas, machados, pás, picaretas, alavancas, almocafres, mar-
retas, martelos, bigornas), moendas, tachos e equipamentos para engenhos de cana,
peças para moinhos e engenhos de serra, implementos para transportes (aros para
rodas, estribos, freios, esporas, ferraduras, cravos e outros acessórios para tropas de
mulas), ferragens para construção (gonzos, dobradiças, fechaduras, pregos, grades),
grilhões, correntes, algemas, arcas, sinos, espingardas, e uma infinidade de objetos
e utensílios domésticos, como facas, panelas, tachos, trempes, ferros de engomar,
balanças e candeeiros. A demanda da população provincial, que no Recenseamento
do Império atingia mais de dois milhões de indivíduos, por esse conjunto de arti-
gos era certamente muito maior do que a demanda das mineradoras. É provável que
o mercado de alguns dos artefatos de ferro produzidos em Minas ultrapassasse as
fronteiras da província. Em seu famoso manual de agricultura, dirigido principal-
mente para os fazendeiros fluminenses, o cafeicultor Francisco Peixoto de Lacerda
Werneck, aconselhava o uso das “enxadas de Minas”.141
Na visão de Libby, Morro Velho “não pode ser classificada como uma espécie
de ‘latifúndio de mineração’, uma descrição que cabe muito bem a várias minas

139 Quadro de exportação da Província de Minas Geraes, no anno de 1829. Diario Mercantil ou Novo
Jornal do Commercio, nº. 119, 8/1/1831, pp.1-2.
140 Monlevade. Resposta aos pedidos.
141 Werneck (Barão do Patí do Alferes). Memória sobre a Fundação, p. 66. Ao morrer, em novembro de
1861, Werneck deixou sete fazendas montadas, com cerca de mil escravos.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


461
de capital estrangeiro implantadas no resto da América Latina. Nestas, os gêneros
alimentícios são produzidos internamente. Tratam-se de enclaves cujo intercâmbio
com os mercados locais era mínimo”. A St. John del Rey, ao contrário, comprava
seus alimentos nesses mercados – gêneros da terra, carne bovina, suína, toucinho,
milho, arroz – além de ser um grande consumidor de ferro mineiro, algodão cru e
pano de Minas, óleo de mamona, madeira e carvão”.142
Em outro importante trabalho sobre a St. John del Rey, escrito alguns anos
depois, com uma perspectiva diferente, Marshall Eakin partilha das reservas de
Libby a respeito do estímulo da empresa sobre o desenvolvimento industrial da
região e vai mais além. Para ele, apesar das compras e do impacto sobre a agricul-
tura, o comércio e os serviços, a companhia gerou poucos linkages e foi essencial-
mente um enclave. Em sua opinião, “despite the huge wage payments, consumption
of goods, and the enormous technological complex, the St. John did not stimulate
the growth of local industry”. Numa visão mais próxima à de Slenes que à de Libby,
afirma que “the British imported, built or repaired most of their machinery, and
did not nurture local workshops for the production or repair of industrial goods.
The company operated essentially as an enclave economy in the Brazilian interior.
Few linkages developed, and the influence of the firm was seen largely in agricul-
ture, services and commerce”.143
Me alinho com Libby na visão de que as demandas de Morro Velho eram
importantes na região e além dela, que a companhia tinha fortes vínculos com
os mercados locais e que era o antípoda de um enclave. Mas evidentemente não
posso concordar com seus arroubos (então) juvenis – não concordei em 1980, e
concordo menos ainda agora. Suas afirmações de que “no caso das comarcas de
Sabará, Ouro Preto e Rio das Velhas, a mina aparentemente sustentava sozinha
a economia regional” e que, “em termos de provisões alimentícias, Morro Velho
(...) chegou sozinha a praticamente sustentar a economia regional”,144 são óbvios
exageros e revelam um caso agudo da síndrome de paixão pela própria tese, que
afeta todo mestrando e doutorando, como mencionei acima, referindo-me ao meu
próprio trabalho. Até mesmo Richard Burton, admirador declarado da empresa,
que chamou de “Queen of Minas Geraes mines”, manifestou um juízo muito mais

142 Libby. Trabalho Escravo, p. 78; Libby. Transformação e Trabalho, p. 341.


143 Marshall C. Eakin. British Enterprise in Brazil. The Saint John d’El Rey Mining Company and the Morro
Velho Mine, 1830-1960. Durham and London: Duke University Press, 1989, p. 167.
144 Libby. Trabalho Escravo, pp. 64-65, 78.

462 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
comedido sobre seu impacto econômico: “Ela emprega diretamente 2.521 almas;
indiretamente o dobro desse número”.145
Já refutamos acima a afirmação de que Morro Velho dominava a demanda pro-
vincial por ferro e artefatos de ferro. Para evidenciar o exagero sobre seu papel
nos mercados de alimentos basta mostrar que a população da área que, segundo
Libby, era sustentada sozinha pela demanda da mina, atingia no Recenseamento
do Império, mais de 250 mil pessoas.146 É dificil acreditar que toda a produção
agrícola e pecuária dessa grande população fosse destinada exclusivamente para
alimentar a comunidade de 2.500 pessoas da St. John del Rey. O exagero fica ainda
mais patente quando lembramos que o autor afirma ainda que a empresa comprava
mantimentos também nos municípios de Santa Bárbara, Mariana, São João del Rei,
Barbacena e Juiz de Fora (ocasionalmente).147
Não há dúvida de que, como atividade econômica, a mineração subterrânea de
ouro gerava mais linkages do que os porcos e mesmo do que o garimpo de diaman-
tes a céu aberto. Mas as mineradoras inglesas, apesar da importância individual
da IBMA e da St. John del Rey, não tiveram grande impacto na economia mineira.
Como já havia ressaltado em Growing in Silence, elas foram poucas, a maioria era
muito menor que as duas principais, e foram com uma única exceção, além do
Gongo e de Morro Velho, grandes fracassos, que duraram muito pouco tempo.
Das seis empresas criadas nos anos 1820 e 1830, só três sobreviveram até a
metade do século: a St. John del Rey, a IBMA, que faliu em 1856, e a National
Brazilian Mining Association, ou Companhia de Macaúbas e Cocais,148 que se

145 Burton. Explorations, vol. I, pp. 220, 278.


146 Essa é a população, em 1873, dos municípios de Ouro Preto, Queluz, Bonfim, Sabará, Caeté, Santa
Luzia e Curvelo, que compunham as comarcas de Ouro Preto, Sabará e Rio das Velhas, as quais Libby
afirma terem sido inteiramente “sustentadas” pela demanda de Morro Velho. Na população de
Curvelo não está incluida a paróquia de Santana das Traíras, que não foi recenseada. Essa divisão de
comarcas nunca existiu oficialmente em Minas Gerais. Libby a obteve no Atlas do Império do Brazil, de
1868, de Cândido Mendes de Almeida.
147 Acredito que o próprio Douglas não repetiria mais isso. Em sua também excelente tese de doutorado,
defendida oito anos depois da dissertação de mestrado, ainda jovem, mas muito mais maduro, não
repetiu o arrebatamento. O bombástico comentário sobre a influência de Morro Velho na economia
regional foi reduzido a uma nota de rodapé bastante equilibrada. Libby. Transformação e Trabalho, p.
341.
148 O melhor estudo sobre essa empresa é o de Fábio Carlos da Silva. Segundo esse autor, os linkages
gerados por essa empresa foram reduzidos, pelo menos no tocante à manutenção da força de
trabalho, pois “pelas informações coletadas, a companhia adquiriu auto-suficiência desde os
primórdios de seus trabalhos, no que tange às necessidades de gêneros alimentícios e vestuário
para abastecer o expressivo contingente de trabalhadores (...) caracterizando-se como um complexo
minero-agropecuário, relevante no contexto da economia local”. Fábio Carlos da Silva. Barões do Ouro

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


463
arrastou, moribunda desde 1846., mas só foi oficialmente extinta em 1912, apesar
de nunca ter pago dividendos aos seus acionistas. Essas seis companhias só estive-
ram operando simultâneamente durante o curto período de quatro anos, de 1834
a 1837. Durante a maior parte do tempo, entre 1830 e 1860, nunca houve mais do
que duas ou três funcionando ao mesmo tempo.
Dentre as dez companhias da segunda geração, criadas depois de 1860,
embaladas pelo sucesso de Morro Velho, a única realmente lucrativa foi a Santa
Barbara Gold Mining Company, que foi um empreendimento surpreendentemente
pequeno: em 1886, ano de sua maior produção, a companhia empregava somente
308 pessoas.149
Todas as outras eram também pequenas, comparadas com Gongo Soco e Morro
Velho, e foram terríveis fracassos: duas delas não duraram mais do que dois ou três
anos, e pelo menos duas outras foram comprovados estelionatos.150 Em resumo,
cada uma delas individualmente demandava insumos e gerava encadeamentos,
mas pelo seu pequeno número, pela pequena dimensão de suas comunidades, pela
limitada escala de suas operações, e pela curta duração da vida da maioria, e não
pelas razões apresentadas por Slenes, as companhias inglesas de mineração tive-
ram pouco impacto sobre a economia mineira do século XIX. Elas eram simples-
mente poucas e pequenas, em relação ao tamanho da população e da economia
provincial.151

e Aventureiros Britânicos no Brasil: A Companhia Inglesa de Macaúbas e Cocais 1828-1912. Tese de


Doutorado em História, USP 1997, pp. 38-39.
149 Paul Ferrand. L’Or a Minas Geraes, Brèsil. Ouro Preto: Imprensa Official do Estado de Minas Geraes,
1894, vol. 1, p. 133. A mina da Passagem, em Mariana, durante o período em que foi administrada
por uma companhia inglesa, 1863 a 1927, também foi objeto de uma excelente tese de doutorado. A
ótica do estudo é bem diversa dos temas que estamos tratando, mas o autor registra que “a presença
da mina inglesa em Passagem, com seu grande contingente de trabalhadores remunerados em
tempo integral e em contínua ascensão numérica, além do alto escalão administrativo, injetou novo
ânimo no comércio local a partir de 1863”. Ao falar do legado ambiental da empresa, menciona as
enormes quantidades de madeira consumidas em combustível (fornos), escoramento e edificações, e
nas conclusões, afirma que Passagem tornou-se “um enclave sócio-técnico” completamente distinto
das localidades vizinhas. Não sei o que exatamente quer dizer com “enclave sócio-técnico”, mas
certamente, a empresa não foi, assim como as demais companhias inglesas não foram, um enclave
econômico. Rafael de Freitas e Souza. Trabalho e cotidiano na mineração aurífera inglesa em Minas
Gerais: A mina da Passagem de Mariana (1863-1927). Tese de doutorado em História, USP 2009, pp.
286, 394-95 e 399.
150 Veja-se, sobre isso, o depoimento de Richard Burton, onde o famoso globetrotter lamenta “the
dishonour which such charlatanism has brought upon the English name in the Brazil”. Burton.
Explorations, vol. I, pp. 215-218.
151 Outro trabalho muito interessante sobre a relação das companhias inglesas com a economia
da província é o de Leandro Braga de Andrade. Fortunas subterrâneas: Negociantes da capital da

464 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
O PORCO E O RABO DO PORCO
É importante entender que o que está em debate não é se, o que, ou quanto Minas
exportava. Que a província exportava várias coisas para seus vizinhos, está escrito
com todas as letras (e números) desde a tese de 1980. Também não se está discutindo
se as exportações, qualquer que fosse seu volume ou qualidade, geravam estímulos
sobre a economia interna, criando emprego e renda. Isso é óbvio e trivial demais para
merecer discussão. O que realmente importa discutir é o peso relativo da demanda
externa em comparação com o da demanda interna. É isso que determina o que era o
“centro dinâmico” da economia – quem abanava quem – ou, na linguagem de Slenes,
quem era o porco, e quem era o rabo do porco na Minas oitocentista.
O que está em questão é, portanto, a proposição feita por Slenes, de que o motor
da economia, que gerava produção, renda, emprego e crescimento, era a demanda
externa (das outras províncias), e não os mercados domésticos da própria Minas.
Ou, mais precisamente, que a demanda externa movia a economia mais fortemente
do que a demanda doméstica. E que era também, portanto, o principal responsável
pelas importações do insumo “escravos”.
Slenes afirma que o “centro dinâmico” da economia mineira oitocentista eram as
exportações interprovinciais, mas não diz com o que compara essas exportações para
chegar a tal conclusão. Cristiano Restitutti, que fez o mais completo levantamento
já realizado sobre as exportações da província, não tem a mesma ousadia. Mesmo
reconhecendo a importância das ligações com os mercados das províncias vizinhas,
Restitutti tem plena consciência de que todos os dados com que trabalha referem-se
exclusivamente às exportações, e que não dispõe de dados sobre o mercado interno.
Não podendo, por falta de informação, encher o outro prato da balança, não se arrisca
a sopesar a importância relativa das demandas interna e externa no desenvolvimento
da economia provincial. Tudo o que se anima a afirmar é que “o mercado interno
mineiro era robusto, conforme pregado pelos Martins. Mas os dados permitem infe-
rir tão-somente sobre os elos externos, e desconhecemos fontes quantificáveis para
o mercado interno mineiro e assim compará-lo ao mercado interprovincial”.152 Ou,
em linguagem bem clara e direta, Slenes não dispõe de uma base empírica que lhe
permita afirmar o que afirma.

província de Minas Gerais e as companhias inglesas de mineração. In: Cedeplar-UFMG. XV Seminário


sobre a economia mineira. (Diamantina 2012).
152 Restitutti. As fronteiras da província, p. 89.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


465
De fato, no passado só havia (quando havia) registro sistemático dos dados das
exportações e importações. Pela maior facilidade de cobrança, esses fluxos eram
a base dos sistemas tributários, e deixavam rastros bem visíveis, de quantidades e
preços, ao passarem pelas alfândegas e pelas aduanas internas. A produção interna
também era taxada, mas de modo muito mais precário, e praticamente não existem
dados que permitam calcular seus volumes ou seus valores. Não só em Minas, mas
em todos os lugares, as séries de importações e exportações são muito mais antigas e
muito mais completas do que quaisquer registros referentes aos mercados internos.153
Entretanto, mesmo sendo impossível medí-la com precisão, não é difícil estabe-
lecer comparações entre as ordens de grandeza da demanda interna e da demanda
externa. Um primeiro e óbvio indicador da disparidade entre as duas é simplesmente
a diferença entre o tamanho absoluto das populações que originam essas demandas.
No início do século, em 1808, o mercado mineiro era constituido por 433 mil pes-
soas154, sendo 7,2 vezes maior do que o da então capital da colônia, que tinha 60 mil
habitantes, e era o destino da maior parte das exportações mineiras.155 Apesar da
vinda da família real portuguesa, da independência do Brasil, e da transformação da
cidade em capital do império português e do brasileiro, a população de Minas cres-
ceu a uma taxa superior à do Rio de Janeiro e, no censo de 1872, era 7,6 vezes maior,
com 2.103 mil indivíduos contra 275 mil pessoas na Corte, ou Município Neutro.156
Um ano depois de encerrada a monarquia, em 1890, o Rio tinha 523 mil habitantes e
Minas Gerais tinha 3.184 mil.157. Lembre-se também de que o Rio de Janeiro impor-
tava alimentos e outros bens de consumo de vários outros lugares.

153 A produção voltada para os mercados domésticos é muito mais esquiva. Mesmo no presente essas
grandezas não são auto-registradas, como as exportações. Para se calcular o produto interno são
necessários indicadores indiretos e metodologias elaboradas. Às vezes são feitas algumas tentativas
heróicas para estimar o PIB do setor agropecuário a partir de dados dos dízimos, mas o resultado
é sempre pífio, principalmente onde se praticava a arrematação dos contratos de impostos (tax
farming). Segundo um dos principais especialistas nesse tributo, “o que se obtém é um valor de dízimo
em moeda, resultado de um contrato de arrendamento no qual é muito difícil decifrar em que medida
a evolução dos contratos segue a evolução da produção e dos preços”. Angelo Alves Carrara e Ernest
Sánchez Santiró. Historiografia Econômica do Dízimo Agrário na Ibero-América: Os Casos do Brasil e
Nova Espanha, Século XVIII. Estudos Econômicos, São Paulo, vol. 43, n. 1 (jan-mar. 2013), p. 172.
154 Vários autores citam esse número, que aparentemente tem sua origem em W. L. von Eschwege.
Journal von Brasilien. Weimar, 1818, vol. 1, prancha 5, p. 209.
155 Nireu Cavalcanti. O Rio de Janeiro setecentista. A vida e a construção da cidade, da invasão francesa
até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004, pp. 253-58
156 Recenseamento do Império do Brasil. Dados corrigidos pela Diretoria Geral de Estatística.
157 Republica dos Estados Unidos do Brazil. Directoria Geral de Estatística. Synopse do Recenseamento de
31 de dezembro de 1900. Rio de Janeiro: Typographia da Estatística, 1905, pp. XI-XIII.

466 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Outra maneira de demonstrar o enorme abismo que separava a demanda externa
da demanda interna da província, é através da comparação entre as quantidades
consumidas internamente e as quantidades exportadas de diversos produtos, como
fizemos em Growing in Silence, e refazemos agora, com maior precisão. Foram
incluidos nessa comparação os mantimentos básicos (arroz, feijão, milho, farinha
de mandioca, açúcar, rapadura e cachaça), o combustível universal de iluminação
(azeite de mamona), e os grandes itens da pauta de exportações não-cafeeiras (gado
bovino, algodão em rama e em pano, e porcos). Esses itens foram responsáveis por
mais de dois terços do valor da pauta não-cafeeira ao longo do século. Dos princi-
pais produtos não-café exportados por Minas Gerais só não estão incluidos o fumo
e os queijos. Em homenagem a Slenes os porcos foram tratados com especial cari-
nho: nas quantidades exportadas e consumidas internamente estão incluidos tanto
os suínos “em pé”, quanto aqueles processados sob a forma de toucinho.158

Tabela II.1 - Minas Gerais: Consumo interno e exportação de alguns bens,


anos selecionados
Produtos* 1819 1855 1873
Consumo Exportação Consumo Exportação Consumo Exportação
Açúcar 739.305 335.556 1.523.518 185.059 2.460.146 64.495
Rapaduras 388.609 0 800.823 163.973 1.293.154 78.830
Cachaça 2.691.830 25.368 5.547.168 0 8.957.455 0
Arroz 524.465 70 1.080.786 119 1.745.232 793
Feijão 448.006 396 923.226 4.092 1.490.807 3.014
Milho 7.478.991 433 15.412.271 16.099 24.887.427 24.148
Farinha 137.751 4.207 283.869 78 458.386 433
Bovinos 68.875 62.106 141.935 75.020 229.193 84.892
Porcos** 449.270 88.662 925.830 102.002 1.495.012 133.352
Algodão*** 783.537 1.582.289 1.614.668 303.006 2.607.334 454.213
Azeite 22.116 779 45.575 360 73.594 629
(*) Açúcar e algodão em quilos. Arroz, feijão, milho e farinha de mandioca em alqueires, cachaça em
litros, rapaduras em unidades, bovinos e porcos em cabeças, azeite de mamona em canadas.
(**) Inclui os porcos consumidos e exportados sob a forma de toucinho
(***) Inclui algodão em rama e pano de algodão

158 As fontes, a metodologia e os comentários sobre a metodologia dessas estimativas estão em Crescendo
em Silêncio, Apêndice C, Tabela 5.13. Os coeficientes do consumo per capita de toucinho e as taxas de
conversão de toucinho em cabeças de porco foram obtidos em Restitutti. As fronteiras da província,
p. 158. As estimativas aqui apresentadas são mais precisas do que as de 1980 porque os dados de
população são mais precisos.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


467
E, é claro que não estão incluidos nessa comparação milhares de artigos manu-
faturados, artefatos de metal, madeira, couro, cerâmica, tecidos, etc., que eram
largamente consumidos internamente e não eram exportados, bem como uma
gigantesca massa de serviços e outros produtos non tradable que eram parte impor-
tante da demanda interna, geravam encadeamentos, emprego, renda, demanda por
escravos e outros insumos, e não tinham nenhum correspondente ou contrapartida
na demanda externa.
A tabela II.1 deixa claro que, mesmo se o PIB de Minas Gerais fosse constituído
apenas por esses produtos que eram consumidos internamente e exportados, não
há nenhuma possibilidade de que as exportações fossem o “centro dinâmico” da
economia mineira. Afirmar isso equivaleria a dizer, por exemplo, que os 24 mil
alqueires de milho exportados em 1873 movimentaram mais a economia do que os
24 milhões de alqueires consumidos internamente no mesmo ano. Ou, para ficar
em um tema predileto, que os 133 mil porcos exportados (vivos ou travestidos em
mantas de toucinho) geraram mais encadeamentos do que os quase um milhão e
meio (igualmente “em pé” ou disfarçados) que foram comidos em casa pelos minei-
ros. E assim por diante. Isso só seria possível se Slenes acreditasse (o que não creio
que seja o caso) que existiam porcos turbinados, super-galinhas, ou feijões mágicos
que, ao serem exportados gerariam muito mais empregos e renda do que se fossem
consumidos na província.
Toucinho é toucinho, servido na mesa do imperador ou no angu do mais ínfimo
escravo do interior de Minas. A canja de Pedro II gerava o mesmo encadeamento
que qualquer frango comido em Sabará. Não importa, portanto, quais fossem os
linkages, multiplicadores, ou que nome se queira dar-lhes, de cada produto, nem
a intensidade dos impactos gerados por cada um deles. Todos eram intensamente
consumidos dentro da província, e em todos os casos o consumo interno era
maior do que a exportação.159 Assim, qualquer que fosse seu poder multiplicador,

159 Na tabela II.1, o único produto cuja quantidade exportada é maior do que aquela consumida
internamente é o algodão, nas primeiras décadas do século. Isso se deveu a uma conjuntura peculiar
na economia mundial, e seu reflexo nas economias brasileira e mineira. No final do século XVIII ocorreu
uma verdadeira explosão da demanda européia, principalmente inglesa, por algodão, diante da oferta
inelástica da Índia, da Ásia Menor e de pequenos produtores dispersos. Isso gerou aumentos também
explosivos de preços, e uma autêntica corrida – segundo Sven Beckert, como um rush minerador –
para produzir algodão, no Caribe inglês, no Caribe francês, e no Brasil. Logo em seguida esse impulso
foi amplificado pelo colapso da oferta de Saint Domingue, que ocasionou a primeira cotton famine.
Na época da revolução (1790), Saint Domingue era responsável por 24% do algodão importado pela
Inglaterra, porém em 1795 essa parcela mal chegou a 4,5%. As exportações brasileiras cresceram
rapidamente e chegamos a ser o segundo maior exportador mundial, com cerca de 9 mil toneladas
(21% das importações inglesas) por volta de 1816. Foi o único momento em que Minas Gerais teve

468 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
o impacto da demanda interna seria sempre maior do que o da demanda externa.
Em quase todos os casos era muitas vezes maior.
Não adianta alegar que as exportações movimentavam mais linkages porque as
mercadorias tinham de ser transportadas até o destino. Muitos bens de consumo
doméstico também tinham que ser transportados das áreas produtoras até o mer-
cado e, no vasto território da província, um sem-número de rotas do comércio
interno eram mais longas do que os trajetos do Rio das Mortes até a capital. A cir-
culação interna de mercadorias também movimentava tropas, tropeiros, ferreiros,
ferraduras, cravos, ranchos, e montanhas de milho para sustentar as mulas. O ani-
mado comércio interno de Minas foi descrito em diversos momentos, por diferen-
tes observadores.160 Nas décadas finais do século XVIII, o geógrafo José Joaquim
da Rocha observou que a região da capital “é de pouca extensão e por isso falta de
víveres, ainda que os seus habitantes não a experimentam (sic), por concorrerem
das mais comarcas, todos os dias, imensidade de tropas carregadas de mantimen-
tos, como toucinhos, queijos, farinha, arroz, milho e feijão, de que se utilizam os
moradores de Vila Rica e mais povoações da sua Comarca”.161
Alguns anos depois, em 1818, Spix e Martius anotaram que o comércio com o
interior se expande “até além do rio São Francisco, por quase toda a capitania, e
abastece-a não só com as mercadorias européias adquiridas no Rio de Janeiro, mas
também com os produtos das imediações, como, por exemplo, os aqui fabricados:

uma participação expressiva nas exportações brasileiras de algodão, atingindo 11% do total. A
exportação que aparece na tabela II.1, compõe-se de 91 mil arrobas de algodão em rama que seria
reexportado para o mercado exterior, mais o algodão usado para produzir os 1,2 milhões de varas de
pano de Minas exportado para os vizinhos. A partir de 1825, o Brasil perdeu posições rapidamente
para os Estados Unidos, Índia e Egito, e em 1856-60, éramos o quarto colocado, com apenas 1,4% do
mercado europeu. Minas Gerais nunca mais teve nenhuma expressão nesse mercado, nem mesmo
na segunda Lancashire cotton famine, causada pelo bloqueio dos portos confederados na guerra civil
americana. Nesse período o Brasil teve um novo surto de exportação, mas Minas nunca chegou a 2%
do total brasileiro. Sven Beckert. Empire of Cotton. A Global History. New York: Alfred A. Knopf, 2014,
pp. 85-97; Lewis C. Gray. History of Agriculture in the Southern United States to 1860. vol. 2, p. 693;
Roberto Martins, Crescendo em Silêncio, Tabela 5.14.
160 Para uma visão panorâmica da extensão do comércio intermunicipal e interregional interno à
província de Minas Gerais circa 1860, baseada em centenas de documentos manuscritos inéditos de
241 freguesias distribuídas por todos os sessenta municípios então existentes, veja Maria do Carmo
Martins e Helenice Silva. Produção Econômica.
161 José Joaquim da Rocha. Geografia Histórica da Capitania de Minas Gerais; Descrição Geográfica,
Topográfica, Histórica e Política da Capitania de Minas Gerais e Memória Histórica da Capitania de
Minas Gerais. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1995, p. 105. Os três textos são diferentes
versões de um mesmo trabalho. A Geografia Histórica foi concluída em 1780, a Descrição Geográfica
foi escrita em 1781-83 e a Memória Histórica foi concluída em 1788.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


469
artigos de ferro, chapéus de feltro, louça de barro, queijo, milho, feijão, marmelada,
carne de porco e toucinho”.162
Restitutti afirma que “o suprimento de toucinho era a mais importante atividade
do setor mercantil de gêneros do abastecimento interno (...) Enquanto a criação
de porcos estava presente em mais de 90% dos municípios mineiros, apenas 30%
industrializavam-no em toucinho, todos também envolvidos em sua comercializa-
ção (...) Comerciantes tão-somente da região de São João del Rei exportavam para
outras regiões de Minas quantidades de toucinho, banha e carne de porco, maiores
do que as recebedorias na fronteira registravam para o comércio interprovincial
(...) Do toucinho comercializado pelo mercado de São João del Rei em 1854, 38%
foi produzido em outros municípios”.163
Em suma, as mesmas forças que multiplicavam os porcos cosmopolitas de
Slenes, que viajavam para a Corte e outros lugares, também multiplicavam os mui-
tos porcos caipiras que viravam toucinho, banha, torresmo ou pururuca na mesa
dos mineiros. Os estímulos gerados pela demanda interna eram muito maiores
do que aqueles oriundos dos mercados externos. A afirmação de que o “centro
dinâmico” da economia mineira eram as exportações de porcos, de diamantes, de
toucinho, de qualquer outra coisa, ou dessas coisas todas juntas, não resiste a um
exame teórico ou empírico. Na ausência dos grandes staples aristocráticos – açúcar,
algodão e café – produzidos em plantations monocultoras, exportados para os mer-
cados internacionais, e classicamente associados com a escravidão moderna, Slenes
tentou usar os produtos plebeus – mantimentos, toucinho, porcos – que a província
exportava para seus vizinhos, para recolocar Minas Gerais nos trilhos do modelo
tradicional da economia escravista exportadora, e tentou, sem sucesso, alavancar
seu argumento com uma manchete engraçada.

O AVESSO DA PLANTATION
Mesmo se Slenes tivesse razão, isso em nada afetaria a singularidade da Minas
oitocentista no cenário da escravidão moderna. O caso mineiro é único, repeti-
mos, por não se tratar de uma export plantation economy, e nem mesmo de uma
economia primário-exportadora. É o único caso descrito na literatura onde há um
vasto sistema escravista baseado em uma economia diversificada, ancorada em

162 J. B. von Spix e C. F. P. von Martius. Viagem pelo Brasil (1817-1820). Belo Horizonte: Itatiaia e São
Paulo: Edusp, 1981, vol. 1, pp. 205-06.
163 Restitutti. As Fronteiras da Província, pp. 128-29. Os itálicos são meus.

470 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
seu próprio mercado doméstico.164 Já vimos que, desde pelo menos o tempo de
Wakefield e Merivale, a historiografia internacional afirmava que somente as eco-
nomias baseadas em plantations exportadoras de staples para mercados internacio-
nais eram compatíveis com o trabalho escravo.165
Tanto nos anais do desenvolvimento econômico como na historiografia da
escravidão, a economia de plantation exportadora é caracterizada não só pelo pre-
domínio absoluto do setor exportador, mas também pelo raquitismo, ou irrele-
vância, do setor baseado no mercado interno (que é, em geral, apresentado como
sendo composto apenas por atividades de subsistência). Ou seja, ela é marcada
tanto pela hipertrofia do setor exportador, quanto pela atrofia do setor produtivo
interno.
No modelo cepalino da economia primário-exportadora, como vimos acima,
“el sector de exportación representaba el centro dinámico de toda la economía (…)
era un sector bien definido, generalmente de alta productividad y especializado en
unos pocos productos, de los cuales apenas una parte reducida se consume interna-
mente. En cambio, el sector interno, con su baja productividad, era basicamente de
subsistencia”.166 Na mesma linha, segundo Jay Mandle, “uma economia de planta-
tion é uma economia com uma estrutura de produção uniforme, não-diversificada,
na qual a plantation é a unidade produtiva onipresente”. Ela tem uma vigorosa par-
ticipação nos mercados internacionais, mas seus mercados domésticos são “virtu-
almente moribundos”.167
Apenas estes enunciados já seriam suficientes para afastar completamente a eco-
nomia mineira do oitocentos, e também, como mostraremos adiante, a do setecen-
tos, do modelo plantacionista exportador, dito compatível com o regime escravista.
A província nunca teve o setor exportador dominante, nem o setor interno esquá-
lido, típicos do cânon primário-exportador. Pelo contrário: o setor de plantations,
que se desenvolveu na segunda metade do século, era limitado e geograficamente

164 Veremos abaixo que a situação no século XVIII era muito semelhante, no que diz respeito à
diversificação da economia, com a diferença de que havia então um setor exportador mineral que foi
importante durante parte do tempo.
165 Veja sobre isso, além do capítulo 6 de Growing in Silence, o artigo de Philip D. Curtin. Slavery and
Empire. In: Vera Rubin and Arthur Tuden (eds.) Comparative Perspectives on Slavery in New World
Plantation Societies. Annals of the New York Academy of Sciences, vol. 292 (June 1977, reprinted
1993), pp. 7-9.
166 Tavares. Auge y Declinación, p. 2.
167 Jay R. Mandle. The Plantation Economy. Population and Economic Change in Guyana, 1838-1960.
Philadelphia: Temple University Press, 1973, pp. 8-14.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


471
restrito à zona da Mata. O setor interno, longe de ser “básicamente de subsistên-
cia”, era diversificado desde o século XVIII, produzindo um grande leque de bens
de consumo, agrícolas, pecuários, alimentos processados, várias manufaturas, bens
intermediários e matérias primas, destinados ao mercado doméstico e, em muito
menor grau, a exportações interprovinciais. Todos os produtos que Minas enviava
para seus vizinhos eram intensamente consumidos em casa. O produto domi-
nante, por excelência, da história da plantation monocultora escravista – o açúcar
– era produzido em grande quantidade, mas apenas para consumo doméstico, e o
segundo principal staple clássico da escravidão moderna, o algodão, praticamente
só era exportado depois de transformado em tecido.
Em Minas Gerais não havia regiões monocultoras e nem mesmo especializa-
ção econômica regional ou municipal. A produção de alguns itens, como fumo
ou algodão, era mais “forte”, ou mais concentrada em alguns lugares, mas mesmo
esses artigos eram amplamente disseminados pelo território. Dentre os trinta e seis
municípios, distribuidos por todas as regiões da província, que reportaram seus
produtos nas enquetes governamentais do meado do século XIX, todos relataram
produzir milho, feijão e arroz, 86% cana, 75% mandioca, 67% café, 67% algodão,
56% fumo, e 44% indicaram a produção de mamona. Todos registraram a criação
de gado bovino, 94% afirmaram criar porcos, 72% reportaram o fabrico de açú-
car, 56% informaram fabricar toucinho, a mesma porcentagem relatou o fabrico de
pano, e 36% informaram que faziam queijos.168 Não havia, portanto, em Minas, nem
um setor nem uma região exclusivamente exportadora ou monocultora. A própria
região produtora comercial de café para exportação, que na época se encontrava
em pleno boom de crescimento, produzia os mantimentos básicos, cana, açúcar,
bovinos, suínos, toucinho e outros artigos.
A unidade produtiva clássica da história da monocultura colonial exportadora
– a plantation – foi, por sua vez, definida por Mandle como uma empresa comer-
cial, rigorosamente orientada para o lucro, que participava do mercado interna-
cional de commodities, e era capaz de responder prontamente às sinalizações desse
mercado, em termos do volume de produto a ser oferecido. Ela operava em larga
escala, com uma organização e uma hierarquia rígidas, usando uma grande força
de trabalho de baixa qualificação, disciplinada e supervisionada de perto.169

168 Maria do Carmo Martins e Helenice Silva. Produção Econômica.


169 Mandle. The Plantation Economy, pp. 8-14.

472 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Descrevendo os estabelecimentos rurais da província, afirmei, em 1980, que “as
principais características da fazenda mineira eram sua diversificação interna e sua
autossuficiência. A produção mercantil era limitada e praticamente não tinham
nenhuma ligação com mercados distantes. Seus produtos eram consumidos local-
mente, ou vendidos para vilas e cidades em sua vizinhança. A fazenda mineira não
era uma empresa: apesar de produzir alguns artigos para venda (cash crops), ela
nunca se especializava na produção mercantil, e suas decisões econômicas eram
apenas parcialmente determinadas pelas forças do mercado”. Disse ainda que eram
“unidades agrícolas internamente diversificadas, produzindo para seu próprio con-
sumo ou para a venda em mercados locais, e, em muitas áreas da província, apenas
parcialmente integradas em uma economia monetária”.
Embora contenha elementos de verdade, essa descrição envolve, óbviamente,
alguns exageros e generalizações incorretas. Não obstante, examinando as uni-
dades produtivas mineiras, à luz das características definidoras da plantation – a
dimensão, a orientação de mercado, a composição da produção, e a organização do
trabalho – veremos que, apesar de serem variadas e diferentes entre si, todas diver-
giam radicalmente do paradigma plantacionista monocultor exportador.
A primeira diferença está na dimensão dos estabelecimentos, medida pelo
tamanho de suas escravarias. Já comentamos que em Minas os plantéis pequenos e
muito pequenos predominaram desde o século XVIII, enquanto os grandes plantéis
eram muito raros. A permanência dessas características no século seguinte confi-
gurou um padrão totalmente incompatível com a grande lavoura monocultora tal
como descrita no cânon historiográfico.
Nos 260 distritos de paz constantes das 257 listas nominativas de 1831-32 que
são organizadas por fogos, exatos 66% dos 21.355 fogos com escravos tinham 5
cativos ou menos, enquanto 89% tinham 10 ou menos. Nesses pequenos plantéis
viviam respectivamente 24% e 44% do total da população escrava.170 Na outra ponta
da distribuição, os fogos com mais de 50 escravos eram apenas 0,9% e os fogos com
mais de 100 escravos eram só 0,15% do total dos domicílios escravistas.171 A média
de escravos nos fogos escravistas mineiros era 6,6 em 1831-32, e 6,4 em 1838-40.
Em números absolutos, em 1831-32 somente 186 fogos possuiam mais de 50
escravos e apenas 31 fogos contavam com mais de 100, nas 257 listas recuperadas.

170 Nas listas nominativas de 145 distritos referentes a 1838-40, os domicílios com 5 cativos ou menos
eram novamente 66% e aqueles com até 10 escravos eram 84% dos 13.402 fogos que possuiam
escravos.
171 Em 1838-40, esses fogos eram 0,8% e 0,16% respectivamente.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


473
Nem um único deles era uma plantation monocultora. Alguns dos maiores eram
companhias inglesas de mineração, como a National Brazilian Mining Association,
com 400 escravos, a Imperial Brazilian Mining Association, com 392, e a General
Mining Association, com 179. Outros eram lavradores e mineradores, lavradores
com engenhos, lavradores e fabricantes de ferro, ou outras atividades e culturas
diversificadas, como veremos abaixo.172
No quesito tamanho, ou escala de operação, o que diferenciava Minas Gerais
das economias plantacionistas exportadoras não era a grande ocorrência de peque-
nos plantéis – em várias dessas economias também havia uma alta porcentagem
de pequenas posses – mas sim a raridade de grandes propriedades que pudessem
desempenhar o papel das grandes fazendas escravistas monocultoras descritas na
literatura da plantation primário-exportadora.
Stuart Schwartz está, sem dúvida, correto em sua conclusão de que em todo o
Brasil os plantéis médios eram pequenos e que a propriedade de escravos era lar-
gamente disseminada entre os brasileiros.173 Devemos, entretanto, acrescentar duas
qualificações a essa afirmação. Em primeiro lugar, a de que a observação deve ser
estendida a todas as sociedades escravistas da América, e em seguida, a de que, nas
regiões primário-exportadoras, essa pulverização convivia com uma considerável
presença de grandes unidades, que eram as plantations.
Na Bahia, por exemplo, na freguesia açucareira de Santiago do Iguape, em 1835,
os fogos com quatro escravos ou menos, eram 48% dos fogos escravistas, mas neles
viviam apenas 3,9% dos cativos. Na outra ponta, as propriedades de mais de 100
escravos eram 5,2% do total e nelas moravam 49,5% dos cativos. Segundo Bert
Barickman, “nos distritos canavieiros tradicionais, o número médio de escravos por
engenho variava entre 53, em São Pedro do Rio Fundo, em 1854, e quase 123, em
Santiago do Iguape, em 1835. Assim, no coração da zona canavieira do Recôncavo,

172 Fazendo uma projeção linear para abranger todos os 416 distritos existentes, chegamos à estimativa
de 34.600 domicílios possuidores de escravos, dos quais 301 teriam mais de 50 cativos e 50 teriam
mais de 100 cativos. Na segunda metade do século, com a consolidação e expansão do setor cafeeiro,
surgiram várias fazendas com plantéis superiores a 100 escravos nos municípios cafeeiros da Zona da
Mata, mas não existe nenhuma evidência de mudanças significativas no padrão de predomínio dos
pequenos plantéis. Em Crescendo em Silêncio mostramos que, nos anos 1880, apenas os municípios
de Juiz de Fora, Leopoldina, Mar de Espanha, São Paulo do Muriaé, Rio Novo, Cataguazes, Rio Preto,
Pomba e Ubá eram produtores comerciais de café. Já indicamos acima que uma listagem de treze
fazendas com mais de 100 escravos em Juiz de Fora, em 1870-1887, pode ser encontrada em Saraiva.
Um Correr de Casas.
173 Stuart B. Schwartz, Patterns of Slaveholding in the Americas: New Evidence from Brazil. American
Historical Review 87 (Feb. 1982).

474 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
o engenho típico tinha de 50 a 100 escravos”.174 De acordo com Schwartz, os senho-
res de engenho da Bahia possuiam em 1816-17, 65 escravos em média. Mais de 80%
dos engenhos baianos tinha entre 20 e 100 cativos. Os pequenos tinham 20 a 59; os
médios tinham 60 a 99; e os grandes tinham mais de 100.175
Na Jamaica, uma das mais emblemáticas sugar plantation colonies de todos os
tempos, e uma das maiores sociedades escravistas da era moderna, em 1832 tam-
bém havia uma forte presença de pequenas posses – 53% dos slaveholdings não
passavam de 5 escravos, e 69% não passavam de 10 – mas essas propriedades con-
tinham apenas 4,3% e 8,7% da população cativa da ilha. Por outro lado, 12,1% dos
estabelecimentos, contendo 76% dos escravos, tinham mais de 50 cativos, e 7,5%
deles, que continham 62% da população servil, tinham mais de 100 escravos. Mais
de um terço dos escravos viviam em propriedades com 200 ou mais cativos. Do
total de 12.453 propriedades escravistas, 993 tinham mais de uma centena: 538
tinham entre 101 e 200 escravos; 274 possuiam entre 201 e 300; 109 entre 301 e
500, e 10 plantations tinham entre 501 e 750 cativos.176 Nas plantations açucareiras,
nesse mesmo ano, o plantel médio era de 223 cativos, e nas cafeeiras a média era
128. As posses também eram grandes em outras colônias inglesas: em Demerara-
Essequibo (1832) as médias eram 233, 149 e 87, no açúcar, algodão e café, respec-
tivamente. No açúcar atingiam 121 em St. Lucia (1815); 112 em Dominica (1827);
e mesmo em Trinidad, que havia sido incorporada muito mais tarde ao império
britânico, era igual a 56, em 1813.177 Não tenho dados completos sobre a distri-
buição das posses de escravos em Cuba, mas é certo que em torno de 1857 havia
haciendas açucareiras gigantescas na ilha. Em uma amostra de onze grandes enge-
nhos havia uma dotación média de 428 escravos por engenho. Nesse período os
engenhos cubanos já usavam também chineses e yucatecos sob o regime de inden-
ture como suplemento da mão de obra escrava. Isso eleva a força de trabalho média
dessas unidades para 487 trabalhadores. Os maiores, como o Santa Susana, tinham

174 Barickman. Um Contraponto Baiano, pp. 240-42.


175 Stuart B. Schwartz. Sugar Plantations in the Formation of Brazilian Society. Bahia, 1550-1835.
Cambridge: Cambridge University Press, 1985, pp. 446 e 451. Segundo Schwartz esses números são
enganosamente baixos, porque a produção do engenho mobilizava também outros trabalhadores,
como, por exemplo, os escravos dos plantadores de cana. O capítulo The structure of Bahian
slaveholding, pp. 439-467, que trata desse assunto, é muito confuso e de difícil compreensão.
176 Computado a partir de B. W. Higman. Slave Population and Economy in Jamaica 1807-1834. Cambridge:
Cambridge University Press, 1976, pp. 274-75.
177 B. W. Higman. Population and Labor in the British Caribbean in the Early Nineteenth Century. In:
Stanley L. Engerman and Robert E. Gallman (eds.) Long-Term Factors in American Economic Growth.
National Bureau of Economic Research and University of Chicago Press, 1986, p. 610.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


475
632 negros, 200 chinos e 34 yucatecos, ou “mil negros y picos”, como o engenho
Trinidad.178
Também nos Estados Unidos, em 1850, 50,2% dos domicílios escravistas tinham
no máximo 4 escravos, enquanto 73,4% tinham 9 ou menos. No outro extremo,
7.929, ou 2,3% dos fogos tinham 50 ou mais, e 1.733 propriedades, 0,5% do total,
possuiam 100 indivíduos ou mais. Segundo o Seventh Census, em 1850, havia mais
de 250 slaveholdings de 200 até mais de mil escravos.179 Em 1860, os fogos com
mais de 50 cativos eram 0,6% do total dos fogos escravistas. Nas áreas de plantation
algodoeira, nos dois censos anteriores à guerra civil, 34% dos escravos viviam em
plantéis de 50 ou mais escravos.180
Já revi, há muito tempo, algumas posições que expressei em 1980, sobre a falta
de orientação mercantil das unidades produtivas oitocentistas. É verdade que havia
muitas unidades de subsistência que produziam para autoconsumo, havia grandes
fazendas quase autárquicas, e havia unidades que produziam basicamente para si, e
só comercializavam excedentes, em mercados locais. Em Crescendo em Silêncio apre-
sentei vários exemplos e vários depoimentos contemporâneos sobre essas situações.
Mas essas afirmações generalizadas são exageradas e incorretas, como são
quase todas as generalizações sobre Minas oitocentista. Quando se estuda melhor a
história da capitania e da província, logo se aprende que sua economia foi notavel-
mente mercantilizada desde muito cedo. Como veremos adiante, desde o início da
colonização, e pelos séculos XVIII e XIX adentro, desenvolveu-se uma animada ati-
vidade mercantil de abastecimento, com fluxos de produção e de comércio de açú-
car, aguardente, gado, toucinho, panos, ferro e artefatos de ferro, e outros artigos. Já
vimos que vários desses fluxos atingiram mercados fora do território mineiro ainda
no meado do setecentos. Essas atividades e esses circuitos envolviam estabeleci-
mentos agropecuários e unidades produtivas mistas de todos os tipos, escravistas e
não-escravistas, e de todos os tamanhos.
O que não se encontra em Minas, até a segunda metade do XIX, são aquelas
unidades agrícolas orientadas para o mercado internacional (de qualquer com-
modity) que constituem o marcador essencial para a configuração da economia

178 Veja: Justo Germán Cantero. Los Ingenios. Colección de vistas de los principales ingenios de azúcar
de la isla de Cuba. El texto redactado por J. German Cantero; las láminas dibujadas del natural y
litografiadas por Eduardo Laplante. La Habana, impreso en la litografía de Luis Marquier, 1857.
179 Hinton Rowan Helper. The Impending Crisis of the South. How to Meet It. [1857] Cambridge,
Massachusets: Harvard University Press, 1968, p. 146.
180 Gavin Wright. The Political Economy of the Cotton South. Households, Markets and Wealth in the
Nineteenth Century. New York: W. W. Norton, 1978, p. 31.

476 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
primário-exportadora. Essa conexão só surgiu com o desenvolvimento do setor
cafeeiro comercial, o que só ocorreu de fato a partir da quarta década do século.
Mesmo com relação a períodos muito posteriores, a tese é farta em depoimentos
que ressaltam o caráter não-exportador da economia.
Em apenas 28 dos 64.562 fogos arrolados nas listas nominativas de 1831-32,
a palavra “café” apareceu na descrição da ocupação do chefe ou de qualquer dos
membros do fogo. Em 14 deles, situados no distrito do Crasto, na freguesia de
Barra Longa, termo de Mariana, foi explicitado que se praticava “cultura do café e
mantimentos”. Em todos eles, exceto dois, havia muito poucos ou nenhum escravo.
Nas duas exceções havia 27 e 11 cativos, e nelas foi indicada a existência de “café,
engenho e mantimentos”, e “café, cana, mantimentos e tropa”, respectivamente. Em
três, situados no distrito da Saúde, também em Mariana, foi declarado o cultivo de
“fumo e café”, ou “cana e café”: em dois deles não havia escravos e no terceiro ape-
nas dois cativos. Em outros três, no distrito de Betim, termo de Sabará, a ocupação
registrada foi apenas “agricultor de café”, mas o número de escravos era mínimo:
cinco, dois e zero. Em Córregos, na Vila do Príncipe, havia outro, descrito como
“lavoura de café”, mas o fogo só tinha dois cativos. Em mais dois, um em Contagem
(Sabará) e outro em Gouveia (Diamantina), foi explicitado que o café era cultivado
em uma chácara e em um quintal. Finalmente, no termo de Barbacena, em distritos
que mais tarde seriam parte da região cafeeira, havia cinco plantadores de café, mas
só quatro deles poderiam ser considerados produtores de alguma consequência.
Manoel Antônio Rodrigues, de São José da Paraíba (Barbacena), tinha “lavoura e
café”, mas só possuia 3 escravos. Teodoro Faria Salgado, do mesmo distrito, tinha
19 escravos e cultivava “cana e café”. Antônio Cardoso Brochado, também de São
José, tinha “engenho, roça e café”, e 40 escravos. Francisco do Vale Amado, do dis-
trito de Juiz de Fora, tinha 21 escravos e “fábrica de café”; e Antônio João do Vale,
também de Juiz de Fora, tinha 62 escravos, “fábrica de café e lavoura”.181
O setor de plantations, como demonstramos exaustivamente em Crescendo em
Silêncio, foi geograficamente circunscrito a uma região relativamente pequena e
não trouxe modificações significativas para o restante da economia. As regiões
não-cafeeiras não se tornaram fornecedoras de alimentos ou outros insumos para a
região cafeeira e, em particular – esse é um dos pontos cardeais da tese – a grande

181 APM. Listas nominativas de 1831-32. Essa listagem pode ser criticada, porque inclui apenas 260 dos
prováveis 416 distritos existentes, e além disso porque nessas listas há muitos indivíduos cuja ocupação
é omitida, e ainda muitos classificados como agricultores, sem a especificação de seus cultivos. Mas
não deixa de ser uma forte evidência da grande raridade do cultivo comercial de café em Minas Gerais,
no início da quarta década do século XIX.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


477
lavoura exportadora não absorveu senão uma parcela pequena da força de trabalho
escravo da província.
Além do tamanho e da orientação para o mercado internacional, uma das
características mais marcantes da plantation exportadora foi seu modo peculiar de
organizar a produção e a força de trabalho. Em vários aspectos ela assumiu uma
feição “industrial” muito antes da própria indústria fabril dos países que lideraram
a revolução industrial. Seus gestores adotaram práticas que anteciparam a gestão
“científica” de recursos humanos.
Robert Fogel, co-autor de Time on the Cross e prêmio Nobel da Economia
em 1993, oferece uma excelente descrição e análise desse fenômeno. Em Without
Consent or Contract, além de ressaltar a conexão da plantation escravista com o
comércio, “especialmente o comércio de longa distância”, sua grande escala de ope-
ração, e seu notável avanço tecnológico em várias áreas, Fogel descreve como os
sugar planters foram pioneiros no desenvolvimento de “uma nova disciplina indus-
trial do trabalho”. A inovação implantada – o gang labor system – foi “a um só tempo,
sua maior conquista tecnológica, o fundamento de seu sucesso, e seu aspecto mais
sombrio”. Essa disciplina industrial, a capacidade de transformar cada trabalhador
em uma peça sincronizada de uma máquina eficiente, foi estabelecida nas sugar
plantations do Caribe Britânico mais de um século antes das fábricas da metrópole,
“em parte porque a produção do açúcar se prestava a uma detalhada divisão das
tarefas, em parte pela invenção do gang system, que fornecia um poderoso instru-
mento de supervisão e controle do trabalho, e em parte devido ao extraordinário
grau de violência que os senhores podiam utilizar sobre seus escravos”. O gang sys-
tem foi desenvolvido nas grandes plantations açucareiras, e depois foi adotado nas
plantações de arroz, café, algodão e, em menor escala, de fumo, em vários lugares
da América e fora dela. O sistema adquiriu matizes próprios nos diferentes lugares
e culturas, mas em todos tinha o componente básico que era o fracionamento das
atividades complexas de cada fase da produção – plantio, cultivo e colheita – em
uma sequência de tarefas simples, repetitivas e facilmente monitoráveis. A divi-
são do trabalho permitia atribuir a cada membro da gangue uma tarefa precisa;
seu caráter sequencial vinculava o desempenho de cada um ao desempenho dos
demais, criando um tensionamento e uma pressão do tipo “linha de montagem”.
Essa pressão inerente ao processo era suplementada, sempre que necessário, pelo
chicote do slave driver, ou feitor. O sistema também permitia o amplo uso de task
methods, ou fixação de metas ou quotas a serem cumpridas, individualmente e pela
gangue, no plantio, no cultivo e na colheita. A atribuição das metas individuais era

478 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
feita “literalmente” com base em “estudos de tempos e movimentos”. A distribuição
dos “braços” pelas diversas gangues era feita segundo a idade, sexo e capacidade
física de cada um.182
Sobre esse tema vale a pena ver também o artigo “Slavery and Scientific
Management”, onde R. Keith Aufhauser compara as idéias do importante pensa-
dor escravista virginiano George Fitzhugh, autor de Sociology for the South, or, the
Failure of Free Society (1854), e de Cannibals All, or Slaves Without Masters (1857)
com os escritos de Frederick Winslow Taylor, “pai” da teoria da administração
científica e autor dos Principles of Scientific Management (1911), para investigar
em que medida a teoria e a prática dos senhores de escravos se aproxima da escola
taylorista. Examinando questões como divisão do trabalho, rotina, repetitividade,
task management, e outros aspectos da gestão das grandes plantations, Aufhauser
conclui que “ao contrário do que comumente se pensa, a administração do trabalho
era cuidadosamente estudada pelos senhores de escravos, cujas formulações nessa
área anteciparam as do próprio Taylor”.183
O sistema de trabalho com os escravos organizados em gangues ou em turmas,
foi utilizado em todas as áreas de plantation da América, no açúcar, no arroz, no
algodão,184 e no café.185 Entretanto, o arranjo só era viável na lavoura monocultora,

182 Robert William Fogel. Without Consent or Contract. The Rise and Fall of American Slavery. New York
and London: W. W. Norton, 1989, pp. 22-39. A apresentação de Fogel é mais detalhada e inclui outros
aspectos do sistema.
183 Aufhauser. Slavery and Scientific Management. Veja também Aufhauser. Slavery and Technological
Change. A elaborada defesa filosófica da escravidão, como forma de organização social e como way of
life, de George Fitzhugh, está em Sociology for the South, or The Failure of Free Society. Richmond: A.
Morris Publisher, 1854; e em Cannibals All! or, Slaves without Masters. Richmond: A. Morris Publisher,
1857. Veja também o ensaio de C. Vann Woodward. George Fitzhugh, Sui Generi, na edição de
Cannibals All! da Belknap Press, 1973.
184 O algodão nem sempre foi produzido em plantations e nem sempre com trabalho escravo. Em várias
regiões e em vários períodos ele foi uma cultura camponesa. No Brasil era considerado uma “lavoura
de pobre”, cultivada por camponeses livres e suas famílias como um cash crop, e só em alguns
momentos de boom exportador foi produzido em fazendas escravistas. Veja o capítulo 5 de Crescendo
em Silèncio, e as referências das notas 370 a 374 desse capítulo. O mesmo aconteceu no Caribe e
nos Estados Unidos, em diferentes épocas. Segundo Phillips, “cotton was adapted to cultivation on
any scale great or small, with no peculiar disadvantage in any case. The harvested crop, imperishable
and not of great weight, could be stored indefinitely or hauled for many miles if no gin were at
hand (...) One-horse farmers and and hundred-slave planters competed on fairly even terms, acre
for acre”. Ulrich B. Phillips. Life and labor in the Old South [1929]. Boston and Toronto: Little, Brown
and Company, 1963, pp. 127-28. Foi essa divisibilidade de escala que permitiu a continuidade de sua
produção em massa, por meio dos sistemas de sharecropping e tenancy farming quando a escravidão
foi abolida e o plantation system entrou em colapso.
185 A temática do gang labor system está presente em toda a literatura sobre a agricultura de plantation
escravista do açúcar e do algodão no Caribe e nos Estados Unidos, não havendo necessidade de

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


479
onde o processo produtivo podia ser decomposto em operações simples, e de fácil
fiscalização. Não era, óbviamente, aplicável em estabelecimentos diversificados,
onde os trabalhadores exerciam múltiplas tarefas. É exatamente isso que Richard
Dunn aponta para explicar o contraste entre o sistema de trabalho adotado em
Mesopotamia, uma sugar plantation na Jamaica, e o que prevalecia em Mount Airy,
uma fazenda diversificada na Virgínia: “At Mesopotamia the field hands spent most
of their time yearlong on the sugar crop; at Mount Airy the field hands cultivated
half a dozen crops and were switched to new tasks every few days (...) The Mount
Airy field hands grew corn and wheat and raised cattle and pigs for the market - a
system of mixed agriculture (...) Cultivating grain and raising livestock required
plenty of long, hard work, but the Mount Airy slaves escaped the grueling and debi-
litating gang labor at Mesopotamia”.186 Além disso, gang é um coletivo. Significa
grupo, turma, bando, malta, súcia. Portanto, era também crucial que a fazenda
tivesse uma força de trabalho suficientemente grande para permitir a formação de
turmas – não se podia organizar um gang system em propriedades com quatro ou
cinco escravos.187
Nenhuma das duas condições necessárias para a implantação da organização
industrial típica da plantation – a escala e a especialização monocultora – esta-
vam presentes na maior parte dos milhares de fogos escravistas de Minas Gerais. Já
vimos que a pulverização da propriedade cativa e a rarefação de grandes e mesmo
de médios plantéis não permitiam organizar a produção em turmas especializadas
por tarefas. Em outra seção destas notas mostraremos que a diversificação das ati-
vidades foi uma característica central da economia de Minas Gerais desde muito

referências bibliográficas. Apresento apenas algumas referências onde se menciona seu uso no açúcar
e no café no Brasil. No açúcar em Pernambuco, veja Henry Koster. Travels in Brazil. London: Longman,
Hurst, Rees, Orme and Brown, 1816, p. 342; e na Bahia, veja Schwartz. Sugar Plantations, pp. 139-40.
Descrições sumárias de gang labor no plantio, manutenção e colheita do café podem ser vistas em
Stein. Vassouras, pp. 33-36; e em Laerne. Brazil and Java, p. 293. Sobre gang labor em um campo de
cana ou café em uma grande fazenda muito próxima ao Rio de Janeiro, veja Rev. R. Walsh. Notices
of Brazil in 1828 and 1829. London: Frederick Westley and A. H. Davis, 1830, vol. II, pp. 15-16. É
interessante notar que a expressão no eito, que é usada no Brasil para designar o trabalho escravo
nas plantações de cana e de café, significa continuamente, seguidamente, sem interrupção, segundo
Bluteau, e em série, segundo Moraes Silva.
186 Richard S. Dunn. A Tale of Two Plantations. Slave Life and Labor in Jamaica and Virginia. Cambridge,
Massachusetts and London, England: Harvard University Press, 2014, pp. 183 e 323. Uma descrição do
sistema de gang labor na Jamaica pode ser encontrada nas pp. 80-83 e 140-45.
187 Phillips afirmou que “the gang method was adaptable to operations on any scale”, mas estava se
referindo a pequenas plantations, não a plantéis de poucos escravos. Ulrich Bonnell Phillips. American
Negro Slavery. A survey of the supply, employment and control of Negro labor as determined by the
plantation regime [1918]. Baton Rouge: Louisiana State University Press, 1966, p. 228.

480 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
cedo em sua história. E que nunca existiu a concentração ou especialização na
mineração aurífera, que no passado se chamava (e que os os leigos, e os românti-
cos ainda chamam) de “ciclo do ouro”. Por ora basta demonstrar e exemplificar a
intensa diversificação interna das unidades produtivas da capitania e da província.
Quando falamos de “diversificação econômica” em Minas, seja no século XVIII,
seja no XIX, estamos falando de várias coisas, que são correlatas, mas não são iguais.
Uma delas é a diversificação setorial da economia, ou seja, a existência, no âmbito
da capitania e da província, de diferentes setores produtivos – agricultura, pecuária,
mineração, manufatura, comércio e serviços. Outra coisa é a diversificação interna
que existia nas fazendas e outras unidades produtivas. Essa diversificação interna
podia se apresentar em duas dimensões. A mais simples, que podemos chamar
de horizontal, ou policultora, ocorria no caso das fazendas e unidades rurais que
exerciam apenas atividades agropecuárias, mas não eram monocultoras, ou seja,
produziam um mix variado de itens, como milho, feijão, arroz, mandioca, cana,
café, algodão, fumo, mamona, etc., e/ou criavam gado bovino, porcos, galinhas,
carneiros, equinos e muares. Essa diversificação era aprofundada quando a uni-
dade incluia o processamento desses produtos, com engenhos de açúcar, rapadura
e cachaça, engenhos de farinhas, queijarias, engenhos de azeite, fiação e tecelagem
de algodão e de lã, produção de toucinho, etc. Muitas dessas fazendas tinham ainda
hortas e pomares, e mantinham atividades de apoio como tendas de ferreiro, ofici-
nas de carpintaria e outras.
A outra dimensão da diversificação interna, que podemos chamar de vertical,
era mais complexa e ocorria quando uma mesma unidade produtiva exercia ativi-
dades de diferentes setores econômicos, misturando duas ou mais atividades, como
agricultura, pecuária, mineração, produção de ferro, extração florestal, manufa-
tura, ou comércio. Os dois tipos eram muito frequentes, e evidentemente não eram
excludentes: era comum, por exemplo, a fazenda que produzia vários mantimen-
tos, criava gado e porcos, e explorava lavras de ouro. A diversificação interna dos
estabelecimentos mineiros tem vários aspectos e implicações importantes, mas no
momeno interessa ressaltar apenas que em qualquer dos dois tipos ela é diametral-
mente oposta à – é o avesso da – plantation monocultora – e afasta Minas ainda
mais do paradigma primário-exportador.188

188 A prevalência desse tipo de unidade produtiva tem outras óbvias implicações para a história econômica
de Minas, de que trataremos adiante. Por exemplo, ela contribui decisivamente para afastar a
possibilidade de ter havido qualquer colapso econômico na fase de declínio da produção aurífera.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


481
Em seu pioneiro estudo sobre a cana de açúcar em Minas Gerais, Miguel
Costa Filho relata a precoce diversificação interna das unidades produtivas da
capitania. A “fazenda mista” descrita por ele – uma conjugação de mineração e
agricultura – é um estabelecimento que surge logo no início do povoamento, e
se mantém como um tipo paradigmático na economia da capitania e da provín-
cia. Esse tipo de estabelecimento desafia a visão, recorrente entre historiadores
mais antigos, de que havia oposição, e disputa por capitais e por escravos, entre
a agricultura e a mineração. Sua frequente ocorrência nos mostra que mui-
tas vezes não havia conflito, mas sim solidariedade e complementaridade entre
as duas atividades. A unidade mista permitia otimizar a alocação da força de
trabalho, inclusive por imperativos técnicos de sazonalidade. Contribui tam-
bém para desmontar a imagem do minerador compulsivo que lança todos seus
recursos obsessivamente na lavra. O consorciamento das atividades de lavra
e lavoura se destinava muitas vezes a garantir a autossuficiência da unidade
mineradora, outras vezes resultava simplesmente do desejo de diversificar a
empresa para minimizar riscos, e muitas outras vezes, a grande escala e a varie-
dade do mix de produtos deixam claro que se tratava de um empreendimento
deliberadamente voltado para o mercado.
Citando um documento de 1733, Costa Filho afirma que “a maioria das
fazendas estabelecidas em Minas Gerais possuía conjuntamente roças e lavras;
eram essas fazendas simultaneamente de agricultura e mineração. Os mes-
mos escravos que mineravam também roçavam e plantavam no devido tempo.
Podemos acrescentar, baseado em outros documentos, que fazendas havia em
grande número mais complexas, com plantações de feijão, milho e outros “man-
timentos”, canaviais, engenho de cana, moinhos de farinha, fubá, etc., gados e
mineração. A essas fazendas que possuíam minas e lavouras ou criações, cha-
mamos fazendas mistas”.
O exemplo mais antigo citado pelo autor ficava no atual município de Rio
Acima, era anterior a 1714, e tinha engenho, roça e lavras. Outro exemplo é a
fazenda Mendanha, de Inácio Corrêa Pamplona, que se compunha, em 1777, de
terras de cultura e mineração, casas de vivenda, moinho, engenhos de farinha de
milho e de mandioca, senzalas, tenda de ferreiro currais, bovinos, porcos, ove-
lhas, burros, bestas e potros. Ou a a propriedade de Bonifácio Pereira Veloso, em
Minas Novas, que tinha “toda espécie de engenhos que havia na terra”: de cana,
de milho, de mandioca e de azeite de mamona. Tinha um curtume, tenda de fer-
reiro, de carpinteiro, alambiques de cobre, tropa de bestas, carros e bois, pomares,

482 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
roças, canaviais, casas de residência e senzalas dos escravos.189 Costa Filho estudou,
em particular, a fazenda mista do inconfidente Alvarenga Peixoto e escreveu um
conhecido opúsculo sobre ela.190
Flávia Maria da Mata Reis, aborda a questão da perspectiva inversa, a partir
das unidades de mineração. Em sua excelente dissertação, estuda a estruturação
interna de uma amostra de estabelecimentos mineradores típicos das seis primei-
ras décadas do século XVIII (1702-1762), e também conclui que a característica
mais notável das unidades analisadas era a diversificação de suas atividades pro-
dutivas. Somente “17,6% dos mineradores tinham uma unidade produtiva simples,
isto é, dedicavam-se apenas à extração de ouro”, enquanto 82,4% das unidades da
amostra apresentaram uma estrutura produtiva diversificada, praticando também
a agricultura e, na maioria dos casos, mineração, agricultura e pecuária. “Em todas
essas unidades, os principais produtos cultivados eram o milho, o feijão, seguido do
arroz e da mandioca, além das hortas. Nas propriedades onde se praticava agricul-
tura eram comuns os engenhos de fubá, e em 23,2% das minerações diversificadas
encontravam-se engenhos de cana. As criações mais comuns eram os suínos, pre-
sentes em 70,6% das propriedades onde havia pecuária, os bovinos, em 64,7%, e os
equinos, em 26,5%, mas criavam-se também muares e ovinos”.
A diversificação era mais frequente nas unidades que tinham mais de 30 escra-
vos, especialmente naquelas com mais de 100 escravos, nas quais 100% dos mine-
radores consorciavam a extração de ouro com a agricultura e a pecuária. “Essas
unidades diversificaram ainda mais sua produção, com a instalação de engenhos
de cana (57,1%) e vendas ou lojas (42,8%)”. Entretanto, quase dois terços (64%) das
unidades pequenas, com menos de 30 escravos, também eram diversificadas, sendo
mais comum, nesses casos, apenas a associação entre mineração e agricultura. “No
conjunto, os dados encontrados permitem afirmar que a produção diversificada,
com a associação da mineração e da agropecuária, em maior ou menor escala, foi a
estrutura econômica mais comum das unidades mineradoras setecentistas”.191

189 Costa Filho. A Cana de Açúcar em Minas Gerais. Rio de Janeiro. Instituto do Açúcar e do Álcool, 1963,
pp. 159-62.
190 Miguel Costa filho. O Engenho de Alvarenga Peixoto. Rio de Janeiro: Instituto do Açúcar e do Álcool,
1959.
191 Segundo Flávia Reis, “outro dado a ser destacado diz respeito à presença de “atividades de suporte”
nas unidades mineradoras. As tendas de ferreiro e os diversos instrumentos de carpintaria encontrados
indicam que vários mineradores procuravam dispor, nas suas próprias unidades produtivas, dos
serviços necessários ao reparo e à reprodução dos seus meios de produção, como as ferramentas
minerais e agrícolas, rodas e máquinas hidráulicas, bicames, carros de boi, etc.” Flávia Maria da Mata
Reis. Entre faisqueiras, catas e galerias: Explorações do ouro, leis e cotidiano das Minas do século

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


483
Em sua tese de doutorado, Raphael Freitas Santos descreve, com grande riqueza
de detalhes, e grande variedade de casos, a profunda diversificação da economia da
comarca do Rio das Velhas, desde as primeiras décadas do século XVIII. Baseado
em escrituras de compra e venda de propriedades rurais depositadas na Casa Borba
Gato, de Sabará, demonstra a frequente ocorrência de unidades econômicas mistas,
internamente muito diversificadas, produzindo e processando, além da atividade
mineradora, os mais diversos alimentos, e utilizando trabalho escravo, com caráter
nítidamente mercantil.
Na região do rio das Velhas a mineração aurífera era, na maioria das
vezes, executada de forma conjugada com a criação de animais e com
a agricultura (...) não raramente, as atividades desenvolvidas nas roças,
sítios e fazendas presentes na região do rio das Velhas eram voltadas tanto
para o abastecimento das próprias unidades produtivas, quanto para o
provimento de vilas e arraiais próximos. Essas propriedades forneciam
ao mercado local farinha de mandioca, milho, feijão, arroz e até azeite de
mamona (...) Além de alimentos, produzia-se na região bastante cachaça
e fumo (…) Além de unidades produtivas voltadas para o mercado local
e regional, havia também nos sertões da Comarca grandes fazendas
destinadas à criação de gado bovino e cavalar.192

E cita, entre outras, as seguintes propriedades:


Um sítio com cinco alqueires [de milho] plantado, seus mandiocais, um
bananal e um fumal com cinco mil pés de fumo”, além de “um córrego
com sua lavra” (1718).

Uma roça no Fidalgo”, vendida “com suas casas de vivenda, engenho


de pilões, moinho, roda de mandioca, engenho de fazer azeite, paiol,
senzalas, tudo coberto de telha, com todas as plantas que se acharem,
milho empaiolado e todos os mais legumes e mamona” (1749).

Um sítio situado no “Rio das Velhas Abaixo”, com “mais de cento e um


escravos”, mais seu “engenho mor de cana, moente e corrente, com dois
lambiques de cobre e quatro pipas, vendidos por 30:000$000” (1732).

XVIII (1702-1762). Dissertação de mestrado em História, UFMG, 2007, pp. 221-232. A autora utiliza
fontes documentais de natureza cartorária, “como os livros de notas e especialmente os testamentos
e inventários post-mortem”. O recorte temático limitado que utilizo não faz justiça à dissertação,
que inclui descrições e análises de um amplo espectro de problemas relacionadas ao tópico, como
questões institucionais, legislativas, técnicas, econômicas, etc.
192 Raphael Freitas Santos. Minas com Bahia: Mercados e negócios em um circuito mercantil setecentista.
Tese de doutorado em História, UFF, 2013, pp. 163-65.

484 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Um sítio no Curral del Rei, plantado com “doze alqueires de milho,
quarenta mil pés de fumo”, e mais de “ilegível cabeças de porco e 300
mãos de milho empaiolado” (1721).

A fazenda do Rio do Peixe, com “um engenho corrente e moente de cana


e pilão de água com todos os seus preparos e aviamentos”, “com dois
alambiques, um de mais de cinco arrobas, outro de três; dois tachos de
42 libras cada um, mais um tacho menor; cinco pipas, [sendo] três de 70
barris cada uma, uma de 47 [barris] e outra de 20 [barris]”, “50 alqueires
de milho e 50 alqueires de feijão”, “currais, chiqueiro, senzalas, bananal,
horta, pomares e mais onze negros” (…) “O que era produzido nessa
propriedade era negociado através de “nove cavalos com cangalhas e
bruacas” e “uma casa de venda ao pé da ponte do Taquaraçu, ao qual eles
ditos vendedores moravam” (1735).

O sítio do Papagaio, localizado “no caminho do sertão da Bahia” (…)


uma extensa propriedade “de roças e de largar gado”, que contava “com
suas casas de vivenda roças de milho e mandioca, um forno de cobre”
(1722).

O “sítio chamado Arotollo” (…) uma fazenda ordinária de criar gados,


que possuía “uma casa de vivenda e outra de venda, com seus paióis,
chiqueiros de porcos feitos de pau a pique e rancho de passageiros”
(1732).193

Ainda no período colonial, José Newton Meneses também oferece exemplos de


propriedades rurais, na comarca do Serro, com intensa diversificação interna. Uma
delas, de Rita Quitéria de São José, em 1808, criava grandes quantidades de bestas,
cavalos, éguas, vacas, bois, jumentos, ovelhas, porcos e cabras. Dedicava-se, além
disso, à lavoura e ao processamento dos produtos agrícolas e pecuários, fabricando
farinhas, fubá, e produtos da cana. Tinha monjolos para limpeza de cereais, três
teares, fábrica de cardar algodão, produzia instrumentos de ferro e latão, em uma
tenda de ferreiro com forno, e provavelmente azeite de mamona.194
A tendência à diversificação permaneceu e se aprofundou no século XIX. Em
Crescendo em Silêncio apresentei alguns exemplos de fazendas muito diversifi-
cadas, em diferentes lugares e em diferentes momentos do período provincial, e
indiquei onde encontrar dezenas de outras descrições nos relatos de viagem de
Pohl, Spix e Martius, Gardner, Saint-Hilaire, Castelnau, Burton, James Wells e

193 Todos os casos acima são apresentados em Santos. Minas com Bahia, pp. 163-65.
194 Meneses. O Continente Rústico, pp. 181-82. Segundo José Newton, esse caso não pode ser considerado
típico da propriedade serrana do setecentos, nem pode ser visto como uma exceção.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


485
Hastings Dent. Nesses relatos, e em várias outras fontes hoje disponíveis, encon-
tramos fazendas onde havia cultivo de alimentos, de fumo, de algodão, criação
de gado, porcos, carneiros, engenhos de cana, de farinhas, de fubá, de azeite,
fabrico de toucinho, de queijos, alambiques, engenhos de serrar, fábricas de ferro,
tendas de ferreiro, fiação e tecelagem de pano, e lavras de ouro, nas mais diver-
sas combinações.195 Muitas vezes se acumulavam, juntas e misturadas no mesmo
estabelecimento, várias dessas atividades, como se pode ver nos exemplos abaixo,
de anúncios de venda de propriedades rurais publicados em O Universal de Ouro
Preto, entre 1827 e 1839.
Vende-se: uma fazenda de cultura, com boas casas de vivenda, engenho
de cana e de socar, moinhos, fábrica de ferro e duas lavras.196

Vende-se: [fazenda com] terras de cultura com largos campos de criar


da melhor qualidade (...) matos virgens e de terrenos de mineração; um
engenho de serra, está trabalhando e deitando taboado para a Companhia
do Morro Velho; casas de vivenda assobradadas, paiol, senzalas, moinho,
engenho de cana, canaviais, e mandiocais, trinta bois de carro e outras
criações. Dista meia légua do Arraial de Santo Antônio do Rio Acima.197

Vende-se fazenda de cultura (...) próxima ao Arraial de São José da


Paraopeba, com todas as plantações, engenho de cana e de pilões, moinho,
paiol e fábrica de fazer ferro (...) boa casa de vivenda, senzalas, carros,
bois, porcos de criar, boa aguada e de sobra para trabalhar o engenho,
fábrica e moinho a um tempo (...) acima de quatrocentos alqueires de
planta, e vende-se com uma porção de escravos, ou sem eles.198

Vende-se a fazenda de São João do Castro (sic) na freguesia de São José


da Barra Longa (...) com mais de uma sesmaria de terras em capoeira,
matos e bons pastos, um grande cafezal, muitas terras e algumas minerais,
boas aguadas, engenho de água pronto (...) engenho de serra, engenho
de pilões e de descaroçar café, duas moradas de casas de sobrado, (...)
muitas casas de despejos, senzala, paiol, moinho, canaviais para moer
este ano e no seguinte. 199

195 Já mencionamos acima a ocorrência de lavras diamantinas conjugadas com atividades agropecuárias
no século XIX, relatadas por Marcos Lobato Martins.
196 O Universal – 6/8/1827.
197 O Universal –5/9/1838.
198 O Universal –20/3/1839.
199 O Universal –29/4/1836. Essa era a fazenda do Crasto, que pertenceu a D. Rodrigo de Sousa Coutinho,
conde de Linhares e a seus herdeiros. Ela figura na lista nominativa deste distrito em 20/09/1831.
Tinha então 67 escravos e era administrada por José Antônio de Freitas.

486 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Usando a hipótese simplificadora de que a atividade econômica do fogo é des-
crita pela ocupação de seu chefe, encontramos essa mesma variedade interna em
quase todos os 31 fogos com 100 escravos ou mais arrolados nas listas nominativas
de 1831-32. Quatro deles praticavam agricultura, criação, mineração e engenho;
um praticava agricultura, criação, mineração e comércio; cinco tinham agricul-
tura, criação e engenho; dois eram agricultores, mineradores e fabricantes de ferro;
dois eram plantadores de fumo e tropeiros; cinco eram agricultores e mineradores;
e apenas três eram grandes companhias mineradoras inglesas. Em muitos outros
“grandes fogos”, os chefes foram recenseados simplesmente como fazendeiros ou
agricultores, mas com toda probabilidade em suas propriedades havia variedade de
plantações e de criações – a diversificação horizontal mencionada – e eram exerci-
das várias outras atividades. Um caso típico é o do fogo de José Joaquim Monteiro
de Barros, em Congonhas do Campo, Ouro Preto. O chefe se declarou agricultor,
um dos seus filhos tinha tropa, e dos 96 escravos, 55 eram roceiros e 28 eram fia-
deiras. Havia ainda dois ferreiros, dois carpinteiros, dois carapinas, um pedreiro e
um sapateiro. É interessante observar ainda que a diversificação ocorria em todos
os quadrantes da província.
Já comentei que o olhar dos viajantes era mais atraído pelos grandes estabele-
cimentos onde, ademais, costumavam se hospedar.200 Mesmo para o historiador
a diversificação dos grandes fogos salta mais aos olhos, é mais visível, e princi-
palmente por ser multissetorial é mais frequentemente registrada nas fontes.
Entretanto, é fundamental que isso não obscureça o fato, muito mportante, de que
a unidade mista de pequeno e médio porte, com diferentes combinações de mine-
ração, agricultura, pecuária, engenhos, manufatura e comércio, era também abso-
lutamente corriqueira na paisagem econômica mineira.201
Apenas para ressaltar esse fato, apresento alguns exemplos, tirados das listas
nominativas de 1831-32, de unidades com escravarias pequenas, onde havia duas
atividades econômicas diferentes. Na tabela apresento apenas uma seleção de fogos
com plantéis muito pequenos, com 10 cativos ou menos. É claro que nos fogos com
plantéis maiores a ocorrência de atividades mistas, pertencentes a dois ou mais
setores econômicos, era várias vezes maior.

200 Alguns viajantes descreveram fazendas de vários tamanhos. Veja especialmente James Wells e
Hastings Dent para algumas descrições de fazendas pequenas.
201 Em seu estudo sobre a comarca do Serro no século XVIII, José Newton Meneses observa que “a
diversidade ocupacional e de produção é notada não apenas no caso do grande proprietário, mas
também naqueles pequenos sítios de pessoas livres ou libertas, reinóis ou coloniais, que a despeito
de terem outras ocupações principais dedicavam-se à produção agrícola”; e lista vários exemplos.
Meneses. O Continente Rústico, pp. 163-65.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


487
Tabela II.2 - Minas Gerais: Fogos com 10 escravos ou
menos e com atividade econômica mista, 1831-32

Atividades econômicas Número de fogos


Agricultura e tropa 16
Agricultura e comércio 44
Agricultura e ofícios mecânicos 62
Agricultura e mineração 11
Agricultura e pecuária 211
Comércio e ofícios mecânicos 9
Mineração e comércio 7
Agricultura e fábrica de ferro 2
Agricultura e fábrica de fumo 2
Mineração e fábrica de ferro 2
Mineração e pecuária 4
Fonte: APM. Listas nominativas de 1831-32.

Além desses fogos, que tinham atividades em dois setores, havia 36 outros, que
possuiam 20 escravos ou menos, e atuavam simultâneamente em três ou mais dos
seguintes setores: agricultura, pecuária, mineração, comércio, oficios mecânicos,
fabrico de queijos, profissões liberais, serviço público, tropa ou fábrica de ferro.
Nessa situação, que podemos chamar de atividade econômica complexa, também
existia um número maior de fogos com plantéis entre 21 e 100 cativos.
A diversificação interna das fazendas mineiras, juntamente com a pequena
dimensão de suas escravarias, afastava a possibilidade de que elas tivessem a orga-
nização “industrial” própria das plantations exportadoras. A raridade do sistema
de gang labor em Minas Gerais é confirmada pela raridade da ocupação de feitor
que, sob esse nome, em outras partes do Brasil, ou com os de overseer, mayoral,
slave driver, ou foreman, no resto da América, é a figura mais emblemática desse
sistema de trabalho e, talvez, da própria escravidão.202

202 O feitor, com sua chibata, é uma figura central na historiografia, na literatura e no imaginário sobre
a escravidão em todos os sistemas de plantation, seja no Caribe, onde era grande a ocorrência de
absenteísmo dos proprietários, seja nos Estados Unidos ou no Brasil, onde essa incidência era muito
menor. Phillips dedica a ele um capítulo inteiro de Life and Labor in the Old South, e na historiografia
há livros inteiros tratando desse assunto. Dunn se refere obsessivamente aos feitores na Tale of
Two Plantations, e em quase todos os manuais de agricultura, no Brasil e no estrangeiro, há tópicos
sobre essa função. Veja: Phillips. Life and labor, cap. XV; Dunn. A Tale, esp. a seção Jamaican Slave
Management as Illustrated by Thomas Thistlewood, p. 146; Taunay. Manual, cap. 2; e Fonseca.
Manual, cap. 9. Nos Estados Unidos e principalmente no Caribe inglês, muitas vezes o overseer era o
administrador de uma plantation absenteísta.

488 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Na primeira metade do século XIX essa era uma ocupação muito incomum em
Minas. Entre 165.426 indivíduos, livres, escravos, forros e quartados, que tiveram
suas ocupações registradas nas 257 listas nominativas de 1831-32, apenas 617 (ou
0,37%) declararam a ocupação de feitor. Esse número engloba indivíduos livres,
escravos e forros, em todas as variantes da categoria, inclusive as ocupações duplas,
como, por exemplo, negociante e feitor, carpinteiro e feitor, etc.203
Lembrando que os fogos que possuiam escravos eram 21.355, e adotando a
hipótese extrema de que só havia um feitor por fogo nos fogos onde havia essa fun-
ção, teremos 20.378 fogos com escravos e sem feitores, ou seja, não havia esse per-
sonagem em 97,1% dos fogos onde havia escravos. Na realidade essa porcentagem
era mais alta, porque em em vários grandes fogos escravistas, como as companhias
mineradoras, havia vários feitores.
Nas listas dos 145 distritos de 1838-40, entre 96.103 indivíduos livres, escravos
e forros com ocupação registrada, encontram-se apenas 215, ou 0,22%, com algum
tipo de ocupação de feitor.204 Essas listagens incluem 13.402 fogos com escravos,
logo, fazendo a mesma hipótese que fizemos acima, teremos feitores em apenas
1,6% dos fogos escravistas, em 98,4% deles não haveria feitores, e aplica-se a mesma
observação feita anteriormente.205
Uma excursão exploratória superficial sugere que a ocupação de feitor em Minas
estava concentrada no setor minerador de ouro. A distribuição dos 617 feitores
pelos dezessete termos da província revela que 22,2% deles se localizavam no termo
de Caeté, onde estavam as duas grandes mineradoras inglesas da época, a IBMA
e a National Brazilian, além de dezenas de minerações nacionais, de grande porte,
várias delas com dezenas, e algumas com mais de cem escravos. Outros 13,3% e
13,0% estavam em Mariana e Sabará, respectivamente, que também eram dois ter-
mos com razoável concentração da atividade mineradora. No termo de Caeté havia

203 Foram incluidos nesta categoria os códigos de ocupação [do meu banco de dados]: 77 (feitor). 78
(feitor de engenho), 79 (feitor de mineração), 80 (feitor de roça), 81 (feitor do campo ou de terreiro),
284 (lavrador e feitor), 291 (feitor ou jornaleiro), 326 (feitor de chácara), 514 (cultura, engenho e
feitor), 639 (carpinteiro e feitor), 657 (negociante e feitor), e 658 (feitor de roça e estudante). Não
estão incluidos 18 indivíduos com os códigos 275 e 352, ambos referentes a feitor de tropa, porque
entendi ser esta uma ocupação essencialmente diferente, envolvendo basicamente a supervisão de
homens livres.
204 Foram incluidos os códigos de ocupação [do meu banco de dados]: 105 (feitor), 106 (feitor de
engenho), 107 (feitor de mineração), e 108 (feitor de roça). Não foram incluidos dois indivíduos com a
ocupação 109 (feitor de tropa).
205 Como em todas as partes da América, os feitores eram majoritariamente livres, mas havia também
forros e escravos nessa função. Em 1831-32, eram 91,7% livres, 4,1% escravos e 4,2% forros. Em 1838-
40 eram 90,2% livres, 4,7% escravos e 5,2% forros.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


489
um feitor para cada 87 escravos, em Mariana um para cada 170 e em Sabará um
para cada 155, enquanto a média desse indicador nos dezessete termos era um fei-
tor para cada 598 escravos.206
Essa conjetura faz muito sentido, porque mesmo sem utilizar o gang system – que
era associado à estreita supervisão e à incitação física – a mineração dependia cru-
cialmente de disciplina e controle. Na apuração do ouro e no garimpo de diamantes
a vigilância e a fiscalização eram essenciais para que os trabalhadores não furtassem
boa parte do produto. Na mineração subterrânea, onde se lidava o tempo todo com
operações arriscadas, como explosões e escoramento de galerias, a divisão precisa
de tarefas, a estrita observância da linha de comando e a rígida supervisão não eram
apenas requisitos para a produtividade, mas questões de vida ou morte.

O XIS DO PROBLEMA
Com o passar do tempo, à medida em que ia aprendendo mais sobre a história
de Minas, eu ia ficando cada vez mais incomodado com o aberto confronto que
existia entre minha interpretação da história do século XIX e a historiografia tradi-
cional sobre a século XVIII e o final do período colonial. O choque com a tradição
da história províncial era intencional, da minha própria lavra, mas o conflito com
a história da capitania tinha de ser resolvido.
Havia um claro non sequitur, uma desconexão entre a decadência do final do
“ciclo do ouro” preconizada pela historiografia, e a prosperidade que encontrei no
início do XIX. Havia incongruência, no sentido literal. A história tradicional dizia
que Minas estava na mais negra depressão e miséria no fim da era colonial. Eu dizia
que estava próspera e saudável no início do Império. Uma trajetória não combinava
com a outra. Alguma coisa estava errada, porque, afinal de contas, o começo do
século XIX veio, como diria o Conselheiro Acácio, logo depois do fim do século
XVIII, e a economia, com certeza, non facit saltus.
Levei algum tempo para me dar conta de que o que faltava não era simples-
mente um elemento de ligação, um fato despercebido, um missing link, que compa-
tiblizaria os dois percursos. Era toda a trajetória da economia colonial que estava
muito mal contada. O modelo dos ciclos não distorceu apenas a história da provín-
cia, como apontei em Crescendo em Silêncio. Simonsen, Furtado, e seus seguidores

206 Embora seja atraente, essa é uma hipótese realmente exploratória, cuja comprovação depende de
análise muito mais minuciosa. É bem provável que, junto com plantation cafeeira na segunda metade
do século, tanto o sistema de gang labor quanto a função de feitor tenham se tornado um pouco mais
frequentes na agricultura mineira.

490 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
corromperam também a história da capitania, com sua fixação no “ciclo do ouro”,
a concentração na mineração, a negação e o menosprezo de toda a rica vida econô-
mica da Minas setecentista, como veremos adiante.
Mesmo tendo contestado com veemência muitos pontos da historiografia tra-
dicional, não escapei de estar impregnado por muitos de seus equívocos. Apesar
da minha postura crítica e revisionista, não havia me livrado de várias das asneiras
do paradigma primário-exportador, que pensava ter repudiado. Tais como noções
do tipo – “durante o século XVIII as minerações de ouro e de diamantes foram, de
fato, as atividades dominantes da região e empregavam a grande maioria dos traba-
lhadores escravos e livres”, ou então – “desde suas origens, no final do século XVII,
até as décadas finais do século XVIII, a história da escravidão em Minas Gerais
[foi] intimamente ligada à história da mineração”, e outras de teor semelhante, que
ainda mantinha em 1980. Quando escrevi a tese, eu ainda não conseguira perceber
o significado dessa visão em toda a sua extensão, e não havia me dado conta do real
estrago que essa gente tinha feito na historiografia brasileira e mineira.
A ideia de “ciclo do ouro”, ou seja, de uma economia monoprodutora, centrada
na mineração e dependente dela, é o elemento que corrompe e confunde toda a
interpretação da história mineira, tanto no século XVIII quanto no século XIX. É
essa crença que abre caminho para toda sorte de absurdos sobre a fantasiosa crise
da capitania no final do setecentos, que não têm nenhum suporte na evidência
empírica. É nela que se fundamenta a tese da decadência e vários dos corolários
nela enganchados. Ou, inversamente, é a diversificação da economia que, vindo
desde os primórdios da colonização, dá sentido e nexo à minha revisão da história
da província, fornecendo suporte lógico às evidências empíricas que encontrei. Em
Crescendo em Silêncio mencionei essa diversificação mais de uma vez, mas não lhe
dei a devida atenção. Não estudei, como deveria ter estudado, a história do século
XVIII. Mas isso não teria feito muita diferença, porque a historiografia econômica
da colônia também estava, naquela época, completamente comprometida pelo
modelo dos ciclos, e só conseguia enxergar a mineração do ouro e dos diamantes.
A noção de uma diversificação econômica precoce, embora recebesse algum flerte
ocasional, meio canhestro, pelos meados do século XX, só começou a tomar corpo
no final do século, e só se consolidou, de verdade, no século XXI.
Critiquei, desde a introdução da tese, a obsessão plantacionista-exportadora e o
modelo dos “ciclos econômicos”, mas não o fiz com a ênfase necessária e nem com a
perspectiva correta. Isso me levou a várias interpretações ambíguas, contraditórias
ou francamente erradas, que tento corrigir agora.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


491
OS QUATRO CAVALEIROS DO FALSO APOCALIPSE
Como mencionei em Crescendo em Silêncio, durante a maior parte do século
XX, os principais historiadores da economia brasileira afirmaram que, quando o
setor aurífero entrou em declínio, na segunda metade do século XVIII, a economia
mineira mergulhou numa depressão profunda, com uma “regressão à subsistência”,
que duraria várias décadas, até que surgisse o café para resgatá-la parcialmente, já
bem avançado o século XIX. Esse enredo se baseava, evidentemente, na visão de
uma economia fundada em um único pilar – uma “monocultura” mineral expor-
tadora de ouro – que importava tudo que consumia, com exceção de uma rudi-
mentar produção de subsistência, bem à feição do paradigma primário-exportador.
Quando esse pilar ruiu, levou consigo todo o resto, lançando Minas Gerais numa
crise sem precedentes na história da América.
Segundo esses autores a crise teria se manifestado através de uma profunda
recessão, da involução da economia para uma agricultura de subsistência “de bai-
xíssima produtividade”, e do dramático empobrecimento da população. Sem con-
dições para manter seus plantéis, os mineradores os dizimavam na esperança vã de
encontrar novos filões, ou vendiam os escravos, agora ociosos, para o novo setor
exportador que despontava no vale do Paraíba. De maior importador de cativos da
colônia, Minas teria se transformado em um grande exportador, em tal volume que
teria viabilizado a decolagem da lavoura cafeeira.
Um corolário muito repetido desta tese era o de que a regressão da economia
foi acompanhada pelo definhamento da importante rede urbana estabelecida na
fase ascendente da mineração. Seu declínio teria forçado a população a abandonar
as áreas urbanas, dispersando-se pelo meio rural. Semidesertas e sem alternativas
produtivas, as vilas e os arraiais teriam entrado em um processo de atrofia, e de
deterioração econômica, social e física.207
Acredito que quem inaugurou esta visão sombria foi o historiador português
Joaquim Pedro de Oliveira Martins, quando escreveu, em 1880, que ao se esgotarem

207 Esse foi um dos erros grosseiros que cometi em 1980. Naquela época afirmei, seguindo a pior
historiografia tradicional, que “as vilas do ouro estavam semi-desertas; suas casas, igrejas e edifícios
públicos, em ruínas. A terra ao seu redor era estéril, o cascalho aurífero tinha sido lavado vezes
sem conta, e na maioria dos lugares era trabalhado somente por uns poucos faiscadores, que mal
conseguiam retirar dele um miserável sustento. A maior parte da população tinha migrado para a
agricultura e para a criação de gado. Os únicos lugares que mostravam algum sinal de prosperidade
eram aqueles que, em virtude de uma localização privilegiada, tinham-se tornado entrepostos
comerciais ou que tinham conseguido efetuar com sucesso a transição da mineração para outras
atividades”.

492 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
os depósitos de ouro e de diamantes, uma hecatombe de grandes proporções aba-
teu-se sobre a região.
Foi isso o que efetivamente sucedeu no último quartel do XVIII século.
Ainda nos primeiros anos da nossa era a província de Minas apresentava o
aspecto de uma ruína: os habitantes estavam indecisos entre a exploração
de jazigos cada vez menos produtivos, e a da agricultura prometedora; as
vilas, isoladas por léguas e léguas de distância, escondidas em desvios de
serras bravias, definhavam. Era uma decadência triste e uma desolação
geral. Os vizinhos da outrora opulenta Vila Rica miravam-se nas ruínas
da antiga prosperidade. Mendigos habitavam em palácios carunchosos.
(...) Viam-se os campos abandonados, miseráveis casas destelhadas
caindo a pedaços; os jardins e cercados estavam infestados de plantas
parasitas; as pastagens perdidas, os gados, ao abandono, diminuíam.

(...) Oscilando entre a esperança vã de um retorno das maravilhas


mineiras e a fatalidade de um regresso à vida agrícola, o proprietário,
indeciso, mole, arrastava uma existência quase miserável (...) A casa era
uma barraca miserável, com muros de taipa de barro, sem vidraças, roída
pelo tempo e mal defendida contra as chuvas. O chão era a terra úmida
e negra, sem ladrilhos nem sobrado, saturada de imundície e endurecida
pelo perpassar dos moradores que viviam numa promiscuidade
repugnante, homens e cevados. (...) A ninhada das crianças folgava
seminua, esfarrapada e descalça, as mulheres enfezadas e pobremente
vestidas; e o chefe da casa, indolentemente embrulhado na capa, com os
socos nos pés, vigiava o trabalho dos negros, lavando o cascalho com a
sempre mantida esperança da descoberta de um depósito abundante de
ouro. (...) O Brasil começava a entrar no período de uma crise que durou
um quarto de século. Mais de vinte anos foram necessários para o decidir
abandonar a exploração das minas estéreis e entregar-se à lavoura.208

Oliveira Martins foi um destacado membro do “decadentismo português” do


século XIX e da “geração dos 70”, um grupo de intelectuais que se autodenominava
“vencidos na vida”, e que viveu assombrado entre o fantasma do longínquo passado
glorioso e a angustiante realidade do presente medíocre de seu país. Atribuo a ele
a autoria original da tese do colapso catastrófico da economia de Minas, porque
não encontrei esta versão radical em escritos anteriores. As memórias e relatórios
produzidos por administradores coloniais, bem como as dos letrados brasileiros
comissionados pelo governo português no fim da era colonial, enfocam invaria-
velmente o declínio da produção de ouro, os meios de remediá-la e de recuperar

208 Joaquim Pedro de Oliveira Martins. O Brasil e as Colónias Portuguesas [1880]. Lisboa: Guimarães e Cia.
Editores, 1978, pp. 83-85.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


493
as receitas da Real Fazenda. Seu tom é (melo) dramático e alarmado – “cadavéricas
minas” – mas não apontam nenhuma crise geral da economia, nem miséria gene-
ralizada da população, nem ruína das cidades.209
Como se pode depreender facilmente desse excerto (e com muito mais clareza
do texto completo), o português era um demente, cuja narrativa histórica era um
exercício de ficção, vazada em linguagem delirante, e comprometida apenas com seus
próprios ódios e paixões, onde a adjetivação substitui a evidência e o argumento.
Demonstra em várias passagens de seu texto uma grosseira ignorância sobre fatos
básicos da história do Brasil e sua única fonte de informação sobre Minas Gerais é
o relato de John Mawe, cujo nome menciona uma única vez, en passant, e distorce
completamente, atribuindo-lhe uma dramaticidade que não tem. A ferocidade vazia
de sua visão sobre Minas revela um rancor atávico contra uma colônia que, tendo
sustentado o luxo e a ostentação, de repente passara a negar oxigênio a um Portugal

209 Na introdução de Minas e Currais, Angelo Carrrara analisa com muita propriedade o significado dos
queixumes e choradeiras sobre a “decadência” e “miséria” de Minas Gerais, que ocorriam desde
a primeira metade do setecentos, salientando o problema de “conferir fidedignidade a discursos
ideológicos”. Angelo Alves Carrara. Minas e Currais: Produção rural e mercado interno em Minas
Gerais, 1674-1807. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2007, especialmente pp. 21-31. Óbviamente, os
mineradores, as câmaras municipais, e mesmo alguns funcionários da Coroa tinham interesse em
afirmar que a teta havia secado, e fizeram-no desde as primeiras décadas. Já em 1741, “a Câmara
Municipal de Vila Rica referiu-se à grande pobreza provocada pela falta de descobertas e a exaustão
das jazidas de ouro, e apenas oito anos depois pediu a paciência real na coleta dos quintos em vista
da “extrema miséria e decadência em que se acha este país em razão de não haver mais descobertas”.
A. J. R. Russell-Wood. Escravos e Libertos no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2005, p. 158. Na Instrução para o visconde de Barbacena, Mello e Castro dizia que quem falava em
crise eram os contratadores de impostos e os funcionários corruptos que os protegiam, os quais,
devendo “enormíssimas” somas à real fazenda, “tem querido confundir com o estado decadente em
que representam a capitania de Minas”. Martinho de Mello e Castro. Instrução para o Visconde de
Barbacena, Luiz Antônio Furtado de Mendonça, Governador e Capitão General da Capitania de Minas
Geraes. [1788]. Revista Trimensal de História e Geographia ou Jornal do Instituto Histórico e Geographico
Brasileiro, nº. 21, abril de 1844, pp. 57-59. O historiador tem de ser cuidadoso para distinguir os
problemas reais da decadência fajuta. Vejam-se sobre isso, entre outros, José Vieira Couto. “Memória
sobre a Capitania das Minas Gerais; seu Território, Clima e Produções Metálicas” [1799]. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 1874, 2ª. edição. Reedição: Belo Horizonte: Fundação João
Pinheiro, 1994; José Manuel de Sequeira. “Memória sobre a decadência das três Capitanias e os meios
de as reparar.” [1802)]. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, volume 203 (abril-junho
1949); Rodrigo José de Menezes. “Exposição do Governador D. Rodrigo José de Menezes sobre o
estado de decadência da Capitania de Minas Gerais e meios de remediá-lo”. [1780]. Revista do Arquivo
Público Mineiro. Ano II (1897); Basílio Teixeira de Sá Vedra. “Informação da Capitania de Minas Geraes
dada em 1805 por Basilio Teixeira de Sá Vedra”. [1805]. Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano II,
fascículo 4 (1897); José Elói Ottoni. “Memória sobre o estado atual da Capitania de Minas Gerais, por
José Elói Ottoni, estando em Lisboa, no ano de 1798”. [1798]. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro, vol. XXX (1908); José João Teixeira Coelho. Instrução para o Governo da Capitania de Minas
Geraes. [1780]. Revista do Instituto Histórico e Geographico do Brazil. 3ª. série, nº. 7, 4º. trimestre de
1852. Reedição: Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1994.

494 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
sufocado. O rancor de quem sabia que não haveria novos conventos de Mafra, e
que se Lisboa tivesse sido novamente chacoalhada, chacoalhada teria ficado.210 Não
apresenta nada em suporte à macabra descrição que faz da “tragédia” mineira, e
não deveria ter sido levado a sério, mas acabou influenciando toda a historiografia
econômica brasileira do século XX.
O responsável por isto foi Roberto Simonsen, que endossou sem qualquer ques-
tionamento a descrição do português sobre o aniquilamento da economia mineira,
transcrevendo na íntegra em sua História Econômica do Brasil o trecho resumido
acima.211 Antolhado por sua própria criatura – o modelo dos ciclos – Simonsen não
conseguiu enxergar nada além da mineração de ouro na economia de Minas Gerais
do século XVIII e, consequentemente, não foi capaz de imaginar nada mais do que
uma tragédia econômica e social em toda a região Sudeste, quando o setor entrou
em declínio. Bom “paulista”212 que era, atribuiu ao café a glória de ter resgatado
e devolvido a prosperidade não só à região, mas a todo o país. Segundo ele, nos
distritos mineradores, “era quase nulo o trabalho agrícola e (...) os meios de subsis-
tência eram quase todos importados (...) das regiões vizinhas, pagos em ouro em
pó, única produção local”. As jazidas minerais e as cidades formadas em torno delas
“tiveram uma prosperidade efêmera, de poucos decênios (...) Cessada a mineração,
mergulhou o Centro-Sul na sua primeira grande crise por falta de uma produção
rica e exportável”. A transição “da produção mineradora para a agrícola, arrastou-
-se durante mais de cinquenta anos (...) O Rio representava (em 1800-1805) como
que um oásis nas grandes zonas sulinas, amarguradas por extrema pobreza. (...) A

210 Um pequeno exemplo da ignorância de Oliveira Martins sobre a história do Brasil pode ser visto
na afirmação de que “Xavier, o Tira-Dentes, Maciel do Rio, Freire de Andrade, eram os chefes da
conspiração que foi abortada. Pagaram no patíbulo a sua audácia”. Oliveira Martins. O Brasil e as
colónias portuguesas, p. 95. Tinha ódio aos Braganças, que considerava responsáveis pelo ocaso de
Portugal, e só se referia a eles com os maiores insultos. Se o trecho sobre a ruína de Minas não for
suficiente para demonstrar seu destempero verbal, veja-se como se referiu a D. Pedro I, em uma
única frase: “Títere coroado nas mãos de Andrade (sic), D. Pedro, arrogante, apaixonado, temerário,
caprichoso, solto de costumes, violento, colérico, despótico por temperamento, por sangue e por
educação, não tinha a força que faz os imperadores, nem a inteligência que dirige os estadistas”.
Pouco adiante, “herói de si para si, julgava-se verdadeiramente soberano, imperador, déspota – um
Napoleão americano, com jus à obediência passiva, e à gratidão ilimitada dos seus subditos. Deu
largas a suas paixões políticas e privadas, tinha na Corte um serralho, e em Cochrane um condottiere”.
Oliveira Martins. O Brasil e as colónias portuguesas, pp. 106-07. É esse o historiador que criou o
paradigma e estabeleceu o tom sobre a “decadência” de Minas Gerais no final do século XVIII.
211 Simonsen. Historia Econômica, p. 292.
212 Simonsen nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo, onde construiu carreiras de sucesso,
como empresário e como intelectual, e fez fortuna, nos anos 1920, depois de ganhar de João Pandiá
Calógeras, ministro da guerra de Epitácio Pessoa, contratos para construir quartéis do exército em 26
cidades de nove estados.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


495
vinda de D. João VI veio trazer novos e decisivos elementos de estímulo ao pro-
gresso à capital brasileira; mas teria que ser o café o elemento principal que, no
século XIX, iria não só deslocar novamente o eixo econômico para as regiões do
Sul, como lhes dar estabilidade e volume de riquezas ainda não conhecidos (...) Foi
quando surgiu, salvadoramente, o café, a manter um afluxo de riquezas do exterior,
deslocando novamente o eixo econômico para o Centro-Sul e permitindo ainda
o grau de prosperidade que alcançamos (...) o Sul foi econômicamente salvo pelo
café, e com ele o Brasil”. 213
Pouco depois, em 1940, claramente contaminado, o historiador da agricultura
Luís Amaral, também usou uma linguagem soturna, fortemente reminiscente da
arenga de Oliveira Martins, para relatar a “decadência de Minas”: “ao chegar, o café
já encontrara multidões de sombras e lembranças – lembranças e sombras do ouro,
senhores decaídos, dentro de casarões a desmoronar-se no meio de terreiros cheios
de mato, circundados de terras ferazes, porém abandonadas, porque o descobri-
mento de novo filão, que sempre se esperava, poderia dar em um ano cem vezes
mais que um ano de exaustivo labor agrícola”.214
Décadas mais tarde, Francisco Vidal Luna e Iraci del Nero da Costa, também se
deixaram empolgar pela retórica idiota do português:
O quadro desta área mineira, no alvorecer do século XIX revelava-
se desolador. Superada a “febre” do ouro a economia estagnou-se e
apresentava-se, nos núcleos urbanos, franca recessão populacional.
Nos seus arredores descortinavam-se campos desertos, sem lavouras ou
rebanhos. Dos morros, esgaravatados até a rocha, havia-se eliminado
a vida vegetal; neles restavam montes de cascalho e casas, na maioria,
em ruínas. A pobreza dos habitantes remanescentes, as existências de
ruas inteiras quase abandonadas provocavam imediata admiração nos
visitantes que passavam por Vila Rica. Das duas mil casas – na sua maioria
construídas de barro e malconservadas, a atestar os parcos recursos de
seus donos – quantidade considerável não estava ocupada, o aluguel
mostrava-se cadente; nas transações imobiliárias a queda dos preços
alcançou 50%. A população que somara, como atesta Saint-Hilaire,
vinte mil pessoas, reduzira-se a oito milhares; tal quebra no número
de habitantes teria sido ainda maior, não fosse Vila Rica a capital da
capitania, centro político-administrativo e residência de um regimento.
(...) A paisagem das velhas cidades, construídas enquanto cresciam os
mananciais de riqueza, com suas belas igrejas barrocas, os sobradões

213 Simonsen. História Econômica, pp. 292-94, 380, 404, 407, 436.
214 Luis Amaral. História Geral da Agricultura Brasileira. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1940, vol. 3, p.
87.

496 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
debruçados diretamente sobre as ruas estreitas, as praças apertadas, os
chafarizes outrora borbulhantes, lá estão hoje, preservados no tempo
como mensagem histórica a documentar a realidade social vivida no
passado. A decadência muito rápida, a excelência dos materiais, não
deram margem à deterioração, às marcas da miséria a se arrastar ao
longo dos anos, frutos de paulatino apoucar de recursos.215

A literatice piegas e o mito do colapso de Vila Rica contaminaram até mesmo


um conceituado ensaísta e poeta mineiro. Affonso Ávila escreveu, em 1967, que
“Vila Rica, que chegara a contar perto de cem mil habitantes, inicia a contra-mar-
cha melancólica da decadência e, esvaziada da antiga e febricitante atividade, a
velha capital adquire aspecto desolador, encoberta pela neblina de “ensueño” bar-
roco, tal como a divisamos ainda hoje”.216
Ainda em 1940, Simonsen lançou a lenda da transferência dos escravos da
mineração para o café, de sua própria lavra, que se tornaria um mantra repetido por
gerações de historiadores: – “Se já não existissem outras culturas e a mão de obra
oriunda da mineração, não seria possível promover o seu [do café] incremento (...)
As populações, a escravaria e o gado que se haviam acumulado na região centro-sul
brasileira facilitaram a rápida expansão dessa cultura, de aspecto excepcionalmente
rendoso (...) Operou-se, pois, na década 1820-1830, uma transformação profunda
na província do Rio de Janeiro. Foram abertas grandes fazendas, que passaram a
importar braços de Minas Gerais e mesmo da África”.217
Também em 1940, ao descrever a ruína de Minas, Luís Amaral afirmou que lá
havia “milhares de escravos a aproveitar”, e apoiou a tese das tranferências, escre-
vendo, com o lirismo cretino dos apologistas da jolly institution, que: “O ouro verde

215 Iraci del Nero da Costa. As populações das Minas Gerais no século XVIII: um estudo de demografia
histórica. Revista Crítica Histórica. Ano II, nº 4, dezembro de 2011, pp. 183-84; Francisco Vidal Luna e
Iraci del Nero da Costa. Profissões, atividades produtivas e posse de escravos em Vila Rica no alvorecer
do século XIX. In: Francisco Vidal Luna, Iraci del Nero da Costa e Herbert Klein. Escravismo em São
Paulo e Minas Gerais. São Paulo: Edusp e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009, pp. 41-42.
216 Affonso Ávila. Resíduos seiscentistas em Minas: textos do século do ouro e as projeções do mundo
barroco. Belo Horizonte: Centro de Estudos Mineiros, 1967, vol. 1, p. 122. Há consenso de que Vila
Rica tinha cerca de duas mil casas no início do século XIX. Os 100 mil habitantes que alguns autores
atribuem a seu período “áureo” implicariam na média de 50 pessoas por domicílio urbano, o que é
obviamente absurdo. Para uma contestação radical da penúria de Vila Rica no final do período colonial
veja Roberto Martins. Vila Rica, vila pobre.
217 Esta é a primeira referência explícita que encontrei sobre as transferências. Mesmo se a lenda
tiver algum autor anterior, não há dúvida de que foi Simonsen que a introduziu no mainstream da
historiografia econômica brasileira. Veja: Roberto C. Simonsen. Aspectos da História Econômica do
Café. In: Edgard Carone (comp.). Evolução Industrial do Brasil e outros estudos. São Paulo: Cia. Editora
Nacional e Editora da USP, 1973, pp. 172-73, 180. Originalmente publicado na Revista do Arquivo, nº.
LXV. São Paulo, 1940. Também publicado com o mesmo título como Separata dos Anais do Terceiro
Congresso de História Nacional (IV volume). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


497
dos cafezais iria substituir o ouro fulvo das minerações. Em vez de estiolar-se den-
tro de escuras e úmidas e podres galerias subterrâneas, os escravos iriam cantar por
entre aleias de cafezais ensolarados e álacres e salubres”.218
Ao escrever sobre Minas Gerais, Celso Furtado estava apenas repetindo Roberto
Simonsen e, através dele, Oliveira Martins. Na Formação Econômica do Brasil – que
declarou ter escrito em três meses, nas “sobras de tempo que ia furtando” de outros
trabalhos,219 o economista paraibano teve o autor “paulista” como única fonte sobre
Minas, e produziu, em quarenta e oito linhas, a versão mais radical da suposta via
crucis da capitania, mesmo adotando uma linguagem pretensamente “mais técnica”
– com uns dois tostões de teoria econômica chinfrim – e menos colorida que a de
seus antecessores.
Os três capítulos da terceira parte do livro – Economia escravista mineira
(século XVIII) – têm apenas quatro notas de rodapé. Nenhuma delas tem qualquer
relação com a economia de Minas. O capítulo “Regressão econômica e expansão da
área de subsistência”, tem apenas duas páginas, e 62 linhas – 14 sobre a Áustrália e
48 sobre Minas Gerais. Furtado não apresenta, nem no texto nem nas notas, qual-
quer evidência empírica, documental, ou mesmo qualquer citação bibliográfica,
em suporte às afirmações, presunçosas e grosseiramente erradas, que faz. Não leu
nada nada além da História Econômica de Simonsen, nem mesmo a obra básica de
Caio Prado Júnior, que já era disponível mais de uma década antes de seu livro.220

218 Amaral. História Geral da Agricultura, vol. 3, p. 87. The jolly institution foi a expressão usada por C.
Vann Woodward em artigo na New York Review of Books, de 2/5/1974, para ironizar a imagem da
escravidão apresentada por Fogel e Engerman em Time on the Cross. Observe-se ainda que a maioria
das lavras em Minas no século XVIII ocorreu em depósitos de aluvião, nos córregos, em grupiaras e em
catas, sempre a céu aberto, sendo raras as explorações subterrâneas que mineravam na rocha matriz.
219 Rosa Freire d’Aguiar (ed.) Obra Autobiográfica de Celso Furtado. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1997,
tomo I, pp. 331-32
220 O próprio Furtado confessa isso em sua Obra Autobiográfica. Em um artigo de 2008, Maurício C.
Coutinho, do Instituto de Economia da Unicamp, também apontou a ignorância de Furtado sobre história
e, em particular, sobre a história de Minas: “Pode-se dizer que o volume de pesquisas históricas sobre o
escravismo no Brasil, dos últimos 20 anos, produziu nas hipóteses de Celso Furtado sobre a economia
escravista um abalo comparável ao que havia sido provocado no modelo clássico de industrialização,
anos antes, pelas abundantes evidências empíricas referentes à indústria brasileira no pré-1930 (...)
Admite-se hoje que as bases empíricas dos modelos de economia escravista de Formação Econômica
do Brasil são incompletas, inconsistentes mesmo. A constatação aplica-se com vigor ainda maior à
abordagem da economia da mineração do século XVIII e, particularmente, às especulações de Furtado
a respeito do destino do escravismo em Minas Gerais nos momentos subseqüentes à decadência das
minas. De fato, a opinião de que a economia mineira do século XIX entrou em marasmo é desmentida
pelo vigor das atividades agrícolas e, mais ainda, pelas evidências de que o contingente de escravos
não decresceu ao longo do século. Ao contrário, Minas Gerais manteve-se como pólo de atração de
escravos até a abolição (...) Das minas, Furtado conhecia muito pouco; e menos ainda do que sucedeu
à região mineira no século XIX”. Mauricio C. Coutinho. Economia de Minas e economia da mineração
em Celso Furtado. Nova Economia (Belo Horizonte) 18 (3), (setembro-dezembro de 2008)

498 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Bebendo sem cerimônia nas águas já turvas de Simonsen, afirmou que a econo-
mia de Minas Gerais setecentista era totalmente concentrada no setor minerador,
que dependia de importações para seu abastecimento e que não desenvolvera ati-
vidades alternativas à extração de ouro. Assim, quando esta entrou em declínio, a
crise que se instalou foi fulminante, abrangente e duradoura.
A natureza mesma da empresa mineira não permitia uma ligação à
terra do tipo que prevalecia nas regiões açucareiras. O capital fixo era
reduzido, pois a vida de uma lavra era sempre algo incerto. A empresa
estava organizada de forma a poder deslocar-se em tempo relativamente
curto. Por outro lado, a elevada lucratividade do negócio induzia a
concentrar na própria mineração todos os recursos disponíveis. A
combinação desses dois fatores – incerteza e correspondente mobilidade
da empresa, alta lucratividade e correspondente especialização – marcam
a organização de toda a economia mineira. Sendo a lucratividade maior
na etapa inicial da mineração, em cada região, a excessiva concentração
de recursos nos trabalhos mineratórios conduzia sempre a grandes
dificuldades de abastecimento. A fome acompanhava sempre a riqueza
nas regiões do ouro. A elevação dos preços dos alimentos e dos animais
de transporte nas regiões vizinhas constituiu o mecanismo de irradiação
dos benefícios econômicos da mineração.221

Nesse trecho fica claro que Furtado imaginava que a economia mineradora
era composta exclusivamente pela faiscagem, ou lavagens de ouro de aluvião nos
córregos, que afirma serem instáveis e incompatíveis com qualquer possibilidade
de enraizamento. Obviamente o autor paraibano não fazia a menor idéia de que,
independentemente das vicissitudes da atividade minerária, boa parte das lavras,
depois dos primeiros anos do rush, mas ainda muito cedo no século XVIII, conti-
nha pesados investimentos de capital, nos vários tipos de mineração. Eram comuns
custosos equipamentos fixos e maquinários, como engenhos de roda, rodas d’água,
engenhos de socar pedra, rosários, e também obras civis de grande porte, como
complexas canalizações de águas, “aquedutos de várias léguas”, desvios de rios, bar-
ragens, desmontes de encostas, grupiaras, catas profundas, e outras, sem mobili-
dade alguma. Esses equipamentos e essas obras não só tinham altos custos, como
também demandavam muito tempo para sua execução. Como registrou um aba-
lizado observador contemporâneo, “alguns mineiros fazem serviços muito impor-
tantes nas suas lavras, conduzindo águas para elas pelos regos que abrem na distân-
cia de quatro, cinco, seis e mais léguas, lhes é preciso às vezes desmontar os morros

221 Furtado. Formação Econômica, p. 82.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


499
altos para chegarem ao cascalho onde está o ouro. Estes serviços custosos duram
anos, no decurso dos quais, sem extrairem ouro, trabalham os mineiros levados
da esperança da utilidade futura. Outros mineiros encostam os rios ou mudam
a corrente deles”.222 O autor paraibano também não fazia idéia de que, além de
incorporar grandes investimentos, muitas lavras atravessavam gerações, passando
como herança de pais para filhos e netos. Contra a suposta mobilidade milita tam-
bém a grande ocorrência, em mais de 80% das minerações da primeira metade
do século XVIII, de atividades mistas, com agricultura e pecuária, frequentemente
com casas de moradia, senzalas, engenhos de cana, e outros equipamentos fixos,
como já observamos. O argumento do nomadismo do empreendimento minerador
como impeditivo da diversificação das atividades não tem qualquer fundamento
empírico. Sobre a concentração de recursos produtivos na mineração, já vimos que,
independentemente de qualquer discussão teórica, a história registrou que, em vez
de disputa ou competição por capitais e escravos, o que ocorria muitas vezes era
complementaridade entre a mineração e a agropecuária, favorecendo, ao invés de
inibir, a diversificação.223
Segundo esse economista, um conjunto de circunstâncias, como a urbanização
e uma melhor distribuição de renda, “tornava a região mineira muito mais propícia
ao desenvolvimento de atividades ligadas ao mercado interno do que havia sido
até então a região açucareira. Contudo, o desenvolvimento endógeno – isto é, com
base no seu próprio mercado – da região mineira, foi praticamente nulo”. 224
Tamanha desinformação só poderia desaguar, como desaguou, em uma das
páginas mais grotescas da historiografia brasileira:
Não se havendo criado nas regiões mineiras formas permanentes de
atividade econômica – à exceção de alguma agricultura de subsistência –
era natural que, com o declínio da produção de ouro, viesse uma rápida

222 Teixeira Coelho. Instrução, p. 341. A extensão da ignorância de Furtado sobre esse tema pode ser
medida pela excelente descrição e análise dos tipos de mineração que foram praticados desde os
primórdios, seus equipamentos e suas obras civis, apresentada por Flávia da Mata Reis. Entre
faisqueiras, especialmente pp. 96-167. Veja também, Sequeira. Memória sobre a decadência,
especialmente pp. 103-104. Sobre o uso frequente de engenhos de pilões, rodas d’água, canalizações,
e outros equipamentos fixos, veja ainda, Vicissitudes da Indústria Mineira (1810). Revista do Arquivo
Público Mineiro. Ano III (1898), pp. 77-84.
223 A própria escassez e alto preço dos alimentos nas áreas mineradoras indica que o investimento local
em abastecimento teria alto retorno econômico. Além de mau historiador, Furtado se revela mau
economista, não percebendo que o surgimento de uma agricultura mercantil de abastecimento
era inevitável, dada a dinâmica implacável dos preços relativos. Voltaremos adiante ao tema da
“articulação econômica” das regiões da colônia pela demanda da região mineradora.
224 Furtado. Formação Econômica, p. 86.

500 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
e geral decadência. Na medida em que se reduzia a produção, as maiores
empresas se iam descapitalizando e desagregando. A reposição da mão
de obra escrava já não se podia fazer, e muitos empresários de lavras, com
o tempo, se foram reduzindo a simples faiscadores (...) Todo o sistema se
ia assim atrofiando, perdendo vitalidade, para finalmente desagregar-se
numa economia de subsistência (...) na mineração a rentabilidade tendia
a zero e a desagregação das empresas produtivas era total. Muitos dos
antigos empresários transformavam-se em simples faiscadores e com
o tempo revertiam à simples economia de subsistência. Uns poucos
decênios foram necessários para que se desarticulasse toda a economia
da mineração, decaindo os núcleos urbanos e dispersando-se grande
parte de seus elementos numa economia de subsistência, espalhados
por uma vasta região em que eram difíceis as comunicações e isolando-
se os pequenos grupos uns dos outros (...) Dessa forma, uma região
cujo povoamento se fizera dentro de um sistema de alta produtividade
(...) involuiu numa massa de população totalmente desarticulada,
trabalhando com baixíssima produtividade numa agricultura de
subsistência. Em nenhuma parte do continente americano houve um
caso de involução tão rápida e tão completa de um sistema econômico
constituído por população principalmente de origem européia (...) Na
região do ouro a depressão é particularmente profunda e se estenderá
pela primeira metade do século seguinte.225

Além de outras asneiras que discutiremos ao longo deste texto, a lenda da ruína
econômica geral dos mineradores é mais uma criação da imaginação de Furtado.
Como em qualquer outra atividade econômica, em qualquer parte do Brasil, havia
mineradores bem-sucedidos e mineradores fracassados, mineradores que enrique-
ceram e mineradores que faliram. Muitos dos antigos mineradores permaneceram
na elite econômica do Sudeste brasileiro. Alguns se tornaram pioneiros do café
no vale fluminense, outros foram financiadores da implantação desse setor e da
importação de seus escravos. Stanley Stein afirma que “among the earliest Vassouras
settlers were Mineiros who came south to the “forest of Rio”, from São João d’el Rey
and Barbacena with enough capital to furnish credits to the first coffe planters for
the purchase of slaves”.226 Outros simplesmente mudaram de vida e de ocupação, e
continuaram ricos ou nos setores agrícola e comercial. Alguns seguiram ricos na

225 Furtado. Formação Econômica, pp. 91-93, 99.


226 Segundo Stein, os arquivos de Vassouras contêm registros de tais transações feitas por Francisco José
Teixeira Leite, Custódio Ferrreira Leite, Joaquim José Teixeira Leite, Floriano Leite Ribeiro, e outros.
Stein. Vassouras, pp. 73-74.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


501
própria mineração, ou riquíssimos, na região diamantina. Houve ainda os que ven-
deram suas minas por altas somas aos ingleses.227
Mais adiante, ainda colado nos passos de Simonsen, Furtado afirma que, com
o declínio da mineração, os escravos tornaram-se “redundantes” ou “ociosos”, e
foram transferidos para a cultura do café que surgia no vale do Paraíba, possibili-
tando a arrancada deste setor:
Ao transformar-se o café em produto de exportação, o desenvolvimento
de sua produção se concentrou na região montanhosa próxima da capital
do país. Nas proximidades dessa região, existia relativa abundância de
mão de obra, em consequência da desagregação da economia mineira”.
Os empresários “encontravam no café uma oportunidade para utilizar
recursos produtivos semi-ociosos desde a decadência da mineração (...)

Como em sua primeira etapa a economia cafeeira dispôs do estoque


de mão de obra escrava sub-utilizada na região da antiga mineração,
explica-se que seu desenvolvimento haja (sic) sido tão intenso, não
obstante a tendência pouco favorável dos preços.228

Na Obra Autobiográfica, publicada em 1997, retorna ao tema, afirmando que “A


primeira fase de expansão [do café], localizada nas terras montanhosas das cerca-
nias da cidade do Rio de Janeiro, prolongando-se na Zona da Mata mineira, benefi-
ciou-se do estoque de mão-de-obra (principalmente escrava) existente nas antigas
regiões mineiras e da fase final do tráfico. No início, destarte, o café alimenta-se da
decadência da mineração”.229

227 É claro que o economista paraibano não sabia nada disso. Além disso, já mostramos, em Vila Rica, vila
pobre, que o perfil dos faiscadores do início do século XIX era totalmente incompatível com os atributos
dos mineradores do meado do século XVIII, conforme a amostra estudada por Flávia Maria da Mata
Reis. Ou seja, os faiscadores do começo dos 1800, não eram empresários mineradores decaídos do
final dos 1700. A ignorância e a desfaçatez de Furtado sobre a história de Minas se declara em cada
frase de seu texto. Assim, por exemplo, a “população principalmente de origem européia” a que se
refere, era constituída por 78% de afrodescentes (livres e escravos) em 1776; 82% em 1786; e 81% em
1805, segundo os melhores dados disponíveis.
228 Furtado. Formação Econômica, pp. 122-23.
229 Veja, Aguiar. Obra Autobiográfica, tomo I, p. 338. É interessante observar que o adendo de que o setor
cafeeiro se aproveitou também “da fase final do tráfico”, não se encontra em nenhuma das edições
de Formação Econômica do Brasil. Até a publicação de 1997, Furtado afirmava que na implantação
do café foram utilizados apenas escravos liberados pela mineração decadente. Parecia ignorar que
o setor cafeeiro em formação no vale do Paraíba foi um dos principais destinos do tráfico atlântico
após a independência, quando o Brasil importou mais escravos do que em qualquer outro período
equivalente, cerca de três quartos dos quais desembarcaram no Sudeste.

502 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Diferentemente de Furtado, Antônio de Barros Castro, outro economista de
extração cepalina, leu alguma coisa sobre Minas Gerais. Mas, ao fim e ao cabo, é
tão sentencioso, gongórico – e equivocado – quanto o autor paraibano. Seu ensaio
de 1967, A Herança Regional no Desenvolvimento Brasileiro, já antecipa no título
da seção – A Região das Minas: retrocesso e dispersão após a crise – sua visão do
processo.
Barros Castro minimiza as atividades mercantis de abastecimento surgidas na
comarca do Rio das Mortes, assume a tese da decadência dos núcleos urbanos,
afirma que o café resgatou parte da província, e embarca na lenda da transferência
de escravos da mineração para o café.
“Foi sem dúvida o café que, expandindo-se impetuosamente pelo Vale do
Paraíba, criou uma alternativa comercialmente válida para o reaproveitamento da
mão-de-obra (...) Seu ingresso triunfante nas terras do Sul de Minas e da Zona da
Mata, no terceiro decênio do século XIX (...) daria lugar a uma atividade exporta-
dora, que proveria a região mineira de um novo centro de gravidade.” Entretanto, “a
invasão cafeeira (...) não lograria rearticular o todo mineiro (...) não se assentando
sobre as bases histórico-geográficas da mineração e não logrando, efetivamente,
reabsorver as correntes centrífugas que nasceram do seu declínio, permitiria que
estes “restos” históricos atravessassem o século XIX num processo vegetativo de
crescimento e chegassem ao século XX como peças soltas de uma vasta região acé-
fala e inarticulada”.
Seu esforço para explicar o fracasso da industrialização que, na sua mente cepa-
lina, deveria ter se seguido ao estrangulamento da capacidade de importar, atinge
a raia do delírio, ao atribuir ao alvará de 1785 – “veto metropolitano à busca de
compensação industrial para o declínio das minas” – o papel protagonista, de causa
profunda da Inconfidência Mineira, relegando a uma posição secundária, de mero
estopim da conjuração, as dívidas dos contratadores, a asfixia fiscal e as ameaças
de derramas.230

230 Antônio de Barros Castro. A Herança Regional no Desenvolvimento Brasileiro. In: Antônio de Barros
Castro. 7 Ensaios sobre a Economia Brasileira. 3ª. edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1980,
vol. II, pp. 30-31 e 33. As aspas são do autor. O fomento da manufatura era sim parte do programa
dos inconfidentes, mas o alvará de 1785 não foi, nem de longe, a motivação principal do movimento.
Essa posição de Castro só se explica pelo fetiche industrializante da Cepal, que igualava indústria a
desenvolvimento, em oposição a agricultura e subdesenvolvimento, ou atraso. Vale lembrar ainda
que, como demonstramos ad nauseam na tese, na região sul de Minas o café só adquiriu qualquer
expressão a partir do final do século XIX e na república. Registre-se também que Castro se vale, às
vezes, de fontes nada confiáveis, como, por exemplo, o português demente Oliveira Martins.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


503
O enorme sucesso de Formação Econômica do Brasil, alçado a uma espécie de
bíblia da história econômica da pátria, entronizou na historiografia brasileira a tese
da crise e involução de Minas Gerais, e todos os seus corolários – transferências de
escravos para o café, surto de alforrias, decadência urbana, diáspora rural, empo-
brecimento da população, e outros – que passaram a ser repetidos, no todo ou em
parte, sem contestação, por quase todos os historiadores subsequentes – minei-
ros, brasileiros, brasilianistas, economistas e não-economistas, muito importantes,
importantes, obscuros e medíocres – durante várias décadas.

UMA NOVA HISTÓRIA DE MINAS


Nas duas últimas décadas do século passado e no início do atual, essa visão foi
completamente superada, e hoje nem a ideia do domínio ou centralidade do setor
minerador – o “ciclo do ouro” – nem o cenário de uma depressão econômica na
esteira do seu declínio, são aceitos pela historiografia de boa qualidade.
No tocante ao século XIX, Growing in Silence inaugurou, em 1980, um ciclo
revisionista que foi confirmado, consolidado e aprofundado por outros historiado-
res, vinculados ou não ao movimento gerado por ela, e afastou definitivamente a
possibilidade de ter ocorrido uma depressão na economia mineira seja nas primei-
ras décadas, seja ao longo de todo o Império.
Entre os principais autores desta revisão, repito – ligados ou não aos debates
provocados por Growing in Silence – e sempre com o risco de omissões, podemos
mencionar, Douglas Cole Libby, Maria do Carmo Salazar Martins, Amilcar Vianna
Martins Filho, Clotilde Andrade Paiva, Afonso de Alencastro Graça Filho, Marcelo
Magalhães Godoy, Marcos Lobato Martins, Mário Marcos Sampaio Rodarte, Fábio
W. A. Pinheiro, Marcos Ferreira de Andrade, Tarcísio Rodrigues Botelho, Cristiano
Corte Restitutti, Marshall Eakin, Fábio Carlos da Silva, Anderson Pires, Paula
Chaves Teixeira, Lidiany Silva Barbosa, Francisco Eduardo de Andrade, Alexandre
Mendes Cunha, Leandro Braga de Andrade, Daniel do Val Cosentino, Carlos de
Oliveira Malaquias e Martha Rebelatto.

DIVERSIFICAÇÃO PRECOCE
O período colonial também foi inteiramente passado a limpo. Existe hoje um
forte consenso de que a economia da capitania viveu um processo de diversificação
desde os primeiros anos da ocupação do território, com o desenvolvimento, ao lado

504 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
do setor minerador, de atividades de agricultura, pecuária, comércio, serviços e
manufatura, em todas as regiões.
Mencionei essa diversificação em vários lugares da tese: “Era natural, por-
tanto, que núcleos de agricultura de subsistência e fazendas de gado começassem
a se desenvolver ao redor das áreas mineradoras e ao longo das principais rotas
comerciais. Vários colonos acharam mais lucrativo cultivar feijão, milho, mandioca
e batata doce, ou criar porcos, gado e aves para vender aos mineradores do que
revirar a terra em busca de ouro”. Citei sobre isso Zemella, Costa Filho, Singer e
Maxwell, e afirmei que “a diversificação da economia regional foi, portanto, conco-
mitante com a expansão da mineração e representou, inicialmente, uma resposta à
demanda gerada pelos setores urbanos e mineradores”. Mas não lhe dei a atenção
que merecia, porque não percebera o alcance de suas implicações. A própria his-
toriografia da época, incluindo os autores que a mencionavam, também não tinha
uma percepção correta de seu significado.
Hoje não tenho dúvida de que a consolidação da tese da diversificação precoce,
no século XVIII, é o avanço mais importante da historiografia econômica sobre
Minas Gerais nas últimas décadas. É a chave para o descarte da idéia de crise e
decadência no final do período colonial e para o entendimento da estrutura econô-
mica e da prosperidade da província no século XIX.
Em economias monocultoras, exportadoras de produtos primários e dependen-
tes de mercados externos, podem acontecer grandes desastres em muitas situações.
Nesses sistemas pode ocorrer um colapso da demanda externa, como foi o caso
do café em 1929. Sua oferta pode ser deslocada por competidores mais eficientes,
como aconteceu, em diferentes épocas, com as economias açucareira e algodoeira
do Brasil. Pode ser destruída por pragas incontroláveis, ou talvez suplantada por
substituição tecnológica, como foi o caso do guano no Peru, que não resistiu aos
fertilizantes químicos e sintéticos.
Porém, uma economia diversificada, com milhares de produtores espalhados
por uma enorme área geográfica, em ambientes naturais variados, produzindo
alimentos e outros artigos básicos para milhares de consumidores em seu pró-
prio mercado ou em mercados vizinhos dentro do mesmo país, não é suscetível
a crises gerais ou colapsos. Nessa economia não pode haver colapso da demanda,
nem malogro generalizado da oferta, por secas, desastres naturais ou outros
cataclismas. Nem uma exaustão geral das terras ou depleção geral simultânea de
jazidas minerais. Nem interrupção de linhas de comércio por guerras, bloqueios
comerciais, ou outras questões políticas. Ela pode passar por crises localizadas,

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


505
por quebras locais de colheitas, por escassez ou excesso de chuvas, pelo esgota-
mento de algum recurso natural específico, ou por conflitos locais. Mas isso não
afeta senão a localidade, ou a atividade em crise, e jamais o conjunto do sistema
econômico.
Foi exatamente isso que aconteceu em Minas quando rareou o ouro de alu-
vião. Não poderia haver, e não houve, nenhum colapso, nenhuma ruína completa,
nenhuma desgraça global e generalizada como pregavam os historiadores catastro-
fistas. Porque o edifício não era sustentado por um único pilar. A economia já era
diversificada, havia várias décadas. Já se haviam enraizado em Minas milhares de
núcleos de atividade primária, secundária e terciária. Atividades rurais e urbanas,
agrícolas, pecuárias, artesanais, manufatureiras, comerciais e de serviços.
O ouro minguou e a vida seguiu em frente. Certamente nem tudo era brilhante
– no final da era colonial haveria, com certeza, no vasto mosaico mineiro, locali-
dades prósperas e localidades pobres, lugares em crescimento e lugares estagnados,
lugares integrados aos mercados e ao mundo atlântico, e lugares isolados, fechados
sobre si. Havia, como em toda parte, avanço e atraso, modernidade e arcaismo.
Minas tinha uma vida econômica normal, tão próspera quanto qualquer outra
parte da colônia, mais próspera que a maioria. A tragédia da prostração e da misé-
ria só existiu nas cabeças do português, do “paulista”, e do paraibano (e de seus
seguidores).
Os historiadores mineiros do século XX são, frequentemente, muito imprecisos
com relação à linha do tempo. Muitas vezes é impossível saber se estão falando dos
primeiros anos, das primeiras décadas, da primeira metade, ou de todo o século
XVIII. Mas de maneira geral, aderem à visão de uma economia concentrada na
mineração de ouro e dependente de importações para seu abastecimento. Em
um texto de 1957, João Dornas Filho menciona frouxamente a existência de uma
oferta local de mantimentos, ao mesmo tempo em que afirma o desdém dos habi-
tantes pelos “moderados mas seguros lucros da agricultura”.231 No ano seguinte,
o mesmo autor escreveu que a capitania importava 90% de tudo que consumia,
porque os mineiros “não achavam razoável deslocar um escravo para a agricultura,
quando esse mesmo escravo, empunhando a bateia, dava lucro cem vezes maior
ao seu senhor”.232 Ainda em 1958, Francisco Iglésias afirmava que o século XVIII

231 João Dornas Filho. O Ouro das Gerais e a Civilização da Capitania. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1957, pp. 12-13.
232 João Dornas Filho. Aspectos da Economia Colonial. 2ª. edição: Belo Horizonte: Itatiaia, 1959, pp. 22-23
[1ª. edição: Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1958].

506 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
foi essencialmente minerador, que na capitania desenvolveu-se apenas uma “agri-
cultura de subsistência”, e só no século seguinte, “quando, com a decadência das
minas se desfez o engano (...) dos primeiros tempos, a agricultura se impôs”, como
alternativa para o esgotamento daquele setor.233 Na posição de que a agricultura
surgiu apenas como um recurso de sobrevivência diante da crise da mineração,
coloca-se também Miran de Barros Latif, ao escrever que, ao se tornarem “raras as
jazidas altamente rendosas, começa a haver sobra de braço escravo. Os senhores de
lavras e engenhos de soca resignam-se a cuidar da agricultura”.234 Outros autores
mineiros, como Washington Albino, João Camillo de Oliveira Torres, e Waldemar
de Almeida Barbosa, também abraçam, com maior ou menor firmeza, as teses
do desatino pelo ouro, da concentração na mineração, da agricultura tardia e da
dependência de suprimentos externos.235
Entretanto, a propalada crise do final dos setecentos foi apenas a crise de uma
única atividade, entre as muitas que havia. E também, é claro, uma crise da arre-
cadação dos quintos, terrível para Portugal, não para Minas Gerais. O declínio da
mineração expôs a fragilidade e a dependência da economia portuguêsa, levando
pânico e desolação ao governo e aos círculos intelectuais daquele país. Nada mais
que isso – problema deles, não nosso. A tragédia relatada pelos quatro cavaleiros do
falso apocalípse – Oliveira Martins, Simonsen, Furtado e Barros Castro – e por seus
acólitos menores, só poderia ter acontecido se, como queria Furtado, não se hou-
vessem “criado nas regiões mineiras formas permanentes de atividade econômica”
e o setor minerador em colapso fosse a única ocupação da capitania. Mas não foi
isso o que sucedeu, como veremos abaixo.
A reviravolta historiográfica tem antecedentes nos meados do século XX, mas
se deve principalmente ao trabalho de historiadores mineiros não-economistas nas
duas últimas décadas daquele século e no início do atual.236 Não é obra de nenhum
autor em particular, e muito menos minha: o que apresento abaixo é apenas uma
leitura pessoal do trabalho de muita gente. Não é possível detalhar aqui toda a

233 Iglésias. Política Econômica, pp. 61-62, 80


234 Miran de Barros Latif. As Minas Gerais. Rio de Janeiro: Agir, 1978, p. 81.
235 Vejam-se, por exemplo, Washington Albino Peluso de Souza. A estrutura sócio-econômica do ciclo do
ouro. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte: UFMG, 1965; João Camillo de Oliveira
Torres. História de Minas Gerais. Belo Horizonte: Difusão Pan-Americana do Livro, 1961; Waldemar de
Almeida Barbosa. A Decadência das Minas e a Fuga da Mineração. Belo Horizonte: UFMG/Centro de
Estudos Mineiros, 1971.
236 Um bom survey dessa questão e da literatura até a data da publicação do artigo pode ser encontrado
em Douglas Cole Libby. O apelo de Maria Yedda e a História Econômica das Minas setecentistas. In:
Silva et al. (orgs.) Escritos sobre História e Educação.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


507
trajetória dessa mudança, nem as nuances da contribuição de cada um, mas pode-
mos ressaltar alguns momentos mais marcantes, mesmo sabendo que haverá omis-
sões. Registre-se ainda que essa listagem se limita ao campo da história econômica
e que, na obra de cada um desses autores, anoto aqui apenas aquilo que, na minha
opinião, pareceu ser mais importante sobre o tema da precoce diversificação eco-
nômica de Minas.
Entre os precursores, destaco, em ordem cronológica, Caio Prado Júnior.
Formação do Brasil Contemporâneo. Colônia (1942); Caio Prado Júnior. História
Econômica do Brasil (1945); Mafalda Zemella. O Abastecimento da Capitania de
Minas Gerais no século XVIII. Tese de doutorado USP 1951, publicada em 1990;
Daniel de Carvalho.237 A Formação Histórica das Minas Gerais (1956); Daniel
de Carvalho. Ensaios de Crítica e História (1964); Miguel Costa Filho. A Cana
de Açúcar em Minas Gerais (1963); Paul Singer. Desenvolvimento Econômico e
Evolução Urbana (1968); C. R. Boxer. The Golden Age of Brazil. 1695-1750 (1969);
Kenneth R. Maxwell. Conflicts and Conspiracies: Brazil and Portugal, 1750-1808
(1973); Maria Yedda Leite Linhares. O Brasil no século XVIII e a Idade do Ouro: a
propósito da problemática da decadência. In: Seminário sobre a cultura mineira no
período colonial (1979).238
Entre os trabalhos mais recentes e, na minha opinião, mais decisivos na cons-
trução da nova interpretação do século XVIII, podemos listar, em primeiro lugar,

237 Dentre os precursores da tese da diversificação precoce da economia mineira, tenho admiração
especial por Daniel Serapião de Carvalho. Funcionário público, político (deputado estadual, federal,
constituinte de 1946), secretário de estado, ministro da agricultura, e acadêmico bissexto, esse autor
foi capaz de produzir trabalhos importantes e visões pioneiras sobre a história de Minas. Hoje quase
inteiramente desconhecido nos círculos universitários, contestou veementemente o modelo dos
“ciclos” e insistiu na especificidade e na diversificação da economia mineira tanto no século XVIII como
no XIX. Apontou de forma incisiva a precocidade da agricultura, a importância do seu comércio interno,
da rede de cidades e da economia urbana. Segundo Carvalho, Minas era uma “colméia de trabalho
variado cujos produtos se destinavam mais ao consumo interno que à exportação (…) No estudo da
economia brasileira, de que a de Minas Gerais é um capítulo interessante pelas suas peculiaridades
só se tem levado em conta a produção exportável. Não se toma conhecimento do comércio interno
e muito menos da produção para consumo das fazendas e das famílias patriarcais das cidades”. Veja:
Carvalho. Formação Histórica, pp. 45-49; e Carvalho. Ensaios, pp. 47-85.
238 Já citei anteriormente as referências completas dos trabalhos de Caio Prado Júnior, Daniel de Carvalho,
Miguel Costa Filho, Charles Boxer e Maria Yedda Linhares. As referências de Zemella, Singer e Maxwell
são as seguintes: Mafalda Zemella. O Abastecimento da Capitania de Minas Gerais no século XVIII. São
Paulo: Hucitec/Edusp, 1990; Paul Singer. Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana: análise da
evolução econômica de São Paulo, Blumenau, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife. São Paulo: Cia,
Editora Nacional e Edusp, 1968; Kenneth R. Maxwell. Conflicts and Conspiracies: Brazil and Portugal,
1750-1808. Cambridge: At the University Press, 1973. Os textos de Caio Prado, Zemella, Singer e
Maxwell contêm muitas ambiguidades e vacilações sobre a natureza, a extensão e o timing desse
processo. Às vezes parecem ter medo de se afastar do dogma do “ciclo do ouro”, mas não quero
discutir essas questões aqui, apenas registrar que existem. Não obstante, não há dúvida de que esses
autores descrevem aspectos da diversificação da economia mineira colonial.

508 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
os artigos pioneiros de Carlos Magno Guimarães e Liana Maria Reis, Agricultura
e Escravidão em Minas Gerais (1700-1750)239 e Agricultura e Caminhos de Minas
(1700/1750) (1987).240 Em seguida, João Antônio de Paula. O Prometeu no ser-
tão: economia e sociedade na capitania das Minas dos Matos Gerais. Tese de
Doutorado, USP 1988; Caio C. Boschi. Nem tudo o que reluz vem do ouro (1996)241;
Angelo Alves Carrara. Agricultura e pecuária na capitania de Minas Gerais (1674-
1807). Tese de Doutorado, UFRJ 1997, publicada em 2007242; José Newton Coelho
Meneses. O Continente Rústico: Abastecimento Alimentar na Comarca do Serro
Frio (1750-1808). Dissertação de Mestrado, UFMG 1997, publicada em 2000243;
José Newton Coelho Meneses. Artes fabris e serviços banais. Oficiais mecânicos e
as Câmaras no final do Antigo Regime. 1750-1808. Tese de Doutorado, UFF 2003,
publicada em 2013244; Júnia Ferreira Furtado. Homens de Negócio: a interiorização
da metrópole e do comércio nas Minas Setecentistas (1999)245; Flávia Maria da Mata
Reis. Entre faisqueiras, catas e galerias: Explorações do ouro, leis e cotidiano das
Minas do século XVIII (1702-1762). Dissertação de Mestrado, UFMG 2007; Carla
Maria Carvalho de Almeida. Homens ricos, homens bons: produção e hierarquiza-
ção social em Minas colonial: 1750-1822. Tese de Doutorado, UFF 2001, publicada
em 2010246; Raphael Freitas Santos. Minas com Bahia: Mercados e negócios em um
circuito mercantil setecentista. Tese de doutorado em História, UFF 2013; Raphael
Freitas Santos. Um estudo sobre os padrões de posses de escravos em Minas Gerais
(1713-1773) (2004)247; e Raphael Freitas Santos. Para Além do Ouro: dinâmica

239 Carlos Magno Guimarães e Liana Maria Reis. Agricultura e Escravidão em Minas Gerais (1700-1750).
Revista do Departamento de História da UFMG, nº. 2 (junho de 1986).
240 Carlos Magno Guimarães e Liana Maria Reis. Agricultura e Caminhos de Minas (1700/1750). Revista do
Departamento de História, nº. 4 (junho de 1987).
241 Caio César Boschi. Nem tudo que reluz vem do ouro. In: Tamás Szmrecsányi (org.). História econômica
do período colonial. São Paulo: Hucitec, 1996.
242 Angelo Alves Carrara. Minas e currais: produção rural e mercado interno de Minas Gerais, 1674-1807.
Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2007.
243 José Newton Coelho Meneses. O Continente Rústico. Abastecimento alimentar nas Minas Gerais
setecentistas. Diamantina: Maria Fumaça, 2000.
244 José Newton Coelho Meneses. Artes fabris e ofícios banais: o controle dos ofícios mecânicos pelas
Câmaras de Lisboa e das vilas de Minas Gerais (1750-1808). Belo Horizonte: Fino Traço, 2013.
245 Júnia Ferreira Furtado. Homens de negócios: a interiorização da metrópole e do comércio nas Minas
setecentistas. São Paulo: Hucitec, 1999.
246 Carla Maria Carvalho de Almeida. Ricos e Pobres em Minas Gerais: produção e hierarquização social
no mundo colonial, 1750-1822. Belo Horizonte: Argvmentvm Editora, 2010.
247 Raphael Freitas Santos. Um estudo sobre os padrões de posses de escravos em Minas Gerais (1713-
1773). In: ABPHE. II Encontro de Pós-Graduação em História Econômica (Niterói 2004).

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


509
econômica e produção rural em uma região central da capitania de Minas Gerais
(2010)248. Veja também Gilberto Guerzoni Filho. Política e crise do sistema colonial
em Minas Gerais (1768- 1808). Dissertação de Mestrado, DCP-UFMG 1983, publi-
cada em 1986249; Fernando Lamas. Para além do ouro das Gerais: outros aspectos
da economia mineira no setecentos250; Cláudia Maria das Graças Chaves. Perfeitos
negociantes: Mercadores das Minas setecentistas. Dissertação de Mestrado, UFMG
1995, publicada em 1999251; Andrea Lisly Gonçalves e Iris Kantor. O trabalho em
Minas Colonial (1996)252; Andréa Lisly Gonçalves. Escravidão, Herança Ibérica e
Africana e as técnicas de mineração em Minas Gerais no século XVIII (2004)253;
Marco Antônio Silveira. O Universo do Indistinto. Estado e Sociedade nas Minas
setecentistas (1735-1808) (1997)254; Douglas Cole Libby. Reconsidering textile
production in late colonial Brazil: New evidence from Minas Gerais (1997)255;
Eduardo França Paiva. Escravidão e universo cultural na Colônia. Minas Gerais,
1716-1789 (2001)256; Flávio Marcus da Silva. Subsistência e poder: a política do
abastecimento alimentar nas Minas setecentistas. Tese de Doutorado UFMG 2002,
publicada em 2008257; Adriana Romeiro. Os sertões da fome: a história trágica das
minas de ouro em fins do século XVII (2008)258; Mônica Ribeiro de Oliveira. Avô
imigrante, pai lavrador, neto cafeicultor: análise de trajetórias intergeracionais na

248 Raphael Freitas Santos. Para Além do Ouro: dinâmica econômica e produção rural em uma região
central da capitania de Minas Gerais. História: Debates e Tendências (Passo Fundo), v. 9, 2010.
249 Gilberto Guerzoni Filho. Política e Crise do Sistema Colonial em Minas Gerais (1768-1808). Mariana:
Universidade Federal de Ouro Preto, 1986.
250 Fernando Gaudereto Lamas. Para além do ouro das Gerais: outros aspectos da economia mineira no
setecentos. Revista de História Econômica e Economia Regional Aplicada, vol. 3, n. 4 (janeiro-junho de
2008).
251 Cláudia Maria das Graças Chaves. Perfeitos negociantes: mercadores das Minas setecentistas. São
Paulo: Annablume, 1999.
252 Andrea Lisly Gonçalves e Iris Kantor. O trabalho em Minas Colonial. 2ª. ed. São Paulo: Atual, 1996.
253 Andréa Lisly Gonçalves. Escravidão, herança ibérica e africana e as técnicas de mineração em Minas
Gerais no século XVIII. In: Cedeplar-UFMG. XI Seminário sobre a economia Mineira (Diamantina 2004).
254 Marco Antônio Silveira. O Universo do indistinto: estado e sociedade nas minas setecentistas (1735-
1808). São Paulo: Hucitec, 1997.
255 Douglas C. Libby. Reconsidering Textile Production in Late-Colonial Brazil: New Evidence from Minas
Gerais. Latin American Research Review, vol. 32, Number 1 (1997).
256 Eduardo França Paiva. Escravidão e Universo Cultural na Colônia. Minas Gerais, 1716-1789. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2001.
257 Flávio Marcus da Silva. Subsistência e poder: a política do abastecimento alimentar nas Minas
setecentistas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008
258 Adriana Romeiro. Os sertões da fome: a história trágica das minas de ouro em fins do século XVII.
Saeculum – Revista de História [19] João Pessoa, jul-dez. 2008.

510 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
América Portuguesa (séculos XVIII e XIX) (2011)259; Mônica Ribeiro de Oliveira.
Famílias dos Sertões da Mantiqueira (2012)260; Crislayne Gloss Marão Alfagali. Em
casa de ferreiro pior apeiro: os artesãos do ferro em Vila Rica e Mariana no século
XVIII. Dissertação de Mestrado, Unicamp 2012; Régis Clemente Quintão. Sob o
“Régio Braço: a Real Extração e o abastecimento no Distrito Diamantino (1772-
1805). Dissertação de Mestrado, UFMG 2017; Fabiano Gomes da Silva. Pedra e
Cal: Os Construtores de Vila Rica no século XVIII (1730-1800). Dissertação de
Mestrado, UFMG 2007; Marco Aurélio Drumond. Indumentária e Cultura Material:
Produção, comércio e usos na Comarca do Rio das Velhas (1711-1750). Dissertação
de Mestrado, UFMG 2008; Renato Pinto Venâncio e Cláudia Damasceno Fonseca.
Vila Rica e a noção de “grande cidade” na transição do Antigo Regime para a época
contemporânea (2014).261
A nova história da economia colonial de Minas que é contada por essa nova
historiografia pode ser resumida mais ou menos assim: Desde o início da coloniza-
ção começaram a surgir, ao lado da mineração, atividades agrícolas e pecuárias, de
comércio, de manufatura e de serviços. Bem cedo no século XVIII, Minas Gerais
atingiu a autossuficiência alimentar e já em meados desse século começou a expor-
tar produtos agropecuários para outras capitanias, especialmente para o Rio de
Janeiro. No final da centúria, a capitania tinha, ao contrário da tolice de Furtado, a
economia mais diversificada da colônia.
Ao longo do período colonial, Minas ostentou, além da mineração de ouro e de
diamantes, uma agricultura madura e diversificada, com milhares de produtores
em todas as regiões. Boa parte do setor era mercantil e escravista, voltada para o
abastecimento de seu próprio mercado interno e de mercados vizinhos. Produzia
grandes quantidades de milho, feijão, mandioca, arroz, e outros vegetais, que
eram processados em farinhas, fubá, polvilho, tapioca e outros derivados.262 Havia

259 Mônica Ribeiro de Oliveira. Avô imigrante, pai lavrador, neto cafeicultor: análise de trajetórias
intergeracionais na América Portuguesa (séculos XVIII e XIX). Varia Historia, Belo Horizonte, vol. 27,
nº. 46 (jul-dez 2011).
260 Mônica Ribeiro de Oliveira. Famílias dos sertões da Mantiqueira. Revista do Arquivo Público Mineiro.
Ano XLVIII (jan-dez. 2012).
261 Renato Pinto Venâncio e Cláudia Damasceno Fonseca. Vila Rica e a noção de “grande cidade” na
transição do Antigo Regime para a época contemporânea. Locus: revista de história, Juiz de Fora, v. 20,
n. 1 (2014).
262 O milho era um combustível vital para toda a economia. Sem grandes quantidades desse grão não
existiria a tropa de mulas, único sistema de transporte terrestre de longa distância no sudeste
brasileiro. Não existiria o angu, componente básico da dieta dos escravos e sua principal fonte de
calorias. Sem o milho também não haveria o porco nem o toucinho, e nem a palha do pito.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


511
centenas de engenhos de açúcar, cachaça e rapadura. Entre as culturas não-alimen-
tares, plantava-se mamona, cujo azeite era universalmente usado para iluminação,
e fumo, processado e consumido localmente e exportado, desde o início do XVIII.
Um grande cultivo de algodão alimentava uma vasta e disseminada indústria têxtil
doméstica, na qual milhares de fiadeiras e tecedeiras produziam panos, mantas,
cobertores e outros artigos, que eram consumidos em casa, vendidos ou expor-
tados. Uma pecuária de bom nível criava gado bovino, porcos, carneiros, aves, e
bestas de carga. Seus produtos eram consumidos internamente e exportados, in
natura ou transformados em queijos, banha, toucinho, sebo, lã, couros e solas. Na
área manufatureira, além da produção têxtil, havia fundições e forjas nas quais o
ferro nativo ou importado era transformado em ferramentas, ferragens diversas
e utensílios domésticos. Nas cidades e nos estabelecimentos rurais, milhares de
mestres e oficiais, artesãos e artífices, livres e escravos, exerciam dezenas de oficios,
prestando serviços e fabricando uma imensa variedade de artigos de tecido, couro,
madeira, cerâmica, ferro, latão e outros metais.
O setor extrativista produzia medicamentos, madeiras, cal, pedras de cantaria
e outros materiais de construção. Um animado comércio intra-urbano, urbano-
-rural, entre as regiões, e com as outras capitanias, ocupava tropeiros, negocian-
tes de fazenda seca, de molhados, de gado e de escravos, de diversos portes, além
de taverneiros, vendeiros, donos de ranchos e estalajadeiros. Na área dos serviços
havia boticários, cirurgiões, médicos, parteiras, advogados, rábulas, professores,
artistas, arquitetos, músicos, compositores, financistas, eclesiásticos, meretrizes,
funcionários públicos e outras ocupações de colarinho branco. Longe de estarem
em colapso, no final do século os núcleos urbanos funcionavam normalmente –
alguns eram maiores e tinham funções mais complexas do que no auge da pro-
dução mineral. Vários desses núcleos tinham uma vida artística e cultural sofis-
ticada e movimentada. Uma intensa e elaborada atividade de construção civil e
religiosa, sobretudo na segunda metade do século, mobilizava várias espécies de
oficiais, artesãos especializados, e artistas. Os setores de atividade e as ocupações
eram intrincadamente entrelaçados, havendo unidades produtivas que desenvol-
viam simultâneamente duas, três e até mais atividades, e muitas pessoas que exer-
ciam múltiplas ocupações. Minas era inteiramente autossuficiente na produção de
alimentos, e exportava excedentes para seus vizinhos.
Os contemporâneos viviam essa realidade, e se referiram a ela frequentemente
em seus escritos. O matemático e naturalista Antônio Pires da Silva Pontes Leme,
por exemplo, observou, em carta ao ministro D. Rodrigo de Souza Coutinho, ante-
rior a 1800, que em Minas não eram produzidos apenas gêneros “em bruto”, como

512 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
nas outras capitanias, mas também alimentos processados e manufaturas: “as Minas
Gerais são hoje no continente da nossa América, o país das comodidades da vida;
não se encontram em outras capitanias mais que a riqueza dos gêneros em bruto,
algodão, arroz, açúcar, cacau, café, mas não há mãos intermédias (...) enquanto nas
Minas Gerais uns vivem de cultivar as maçãs da Europa, os pêssegos, os marmelos,
outros de os beneficiar em doces, outros de fazer sabão, outros mesmo de fazer
calçado de couro e de pau, muitos de preparar as carnes de porco, outros de vaca,
outros de queijos.263
Um texto sobre Goiás, em 1806, registrava, com uma indisfarçável ponta de
inveja, que a capitania de Minas Gerais tinha grande produção de “muares, algo-
dão, couro, sola, queijo, marmelada, carne de porco, boiada, etc., além da fabrica-
ção de todos os tecidos em lã, algodão, chapéus, e louça”, e que “conseguia exportar
sua produção, mesmo sendo proibidas as manufaturas”.264
O padre José Manuel de Sequeira, em sua memória de 1802, também anotou
que a capitania de Minas “tem mandado carregações de queijos, toucinhos, carnes
salgadas de porco, e tabaco em rolo” para o Rio de Janeiro.265
A capitania não produzia apenas bens finais de consumo. Além da maior parte
das matérias primas e dos insumos que utilizava, eram produzidos localmente
bens intermediários e de capital, como ferramentas para agricultura, mineração e
construção, equipamentos para o beneficiamento da produção agrícola (moinhos,
pilões, monjolos, engenhos de farinha, engenhos de azeite), engenhos de serra,
estruturas e equipamentos para os engenhos e engenhocas de cana, equipamentos
de transporte, teares, e equipamentos usados na mineração, como complexas rodas
hidráulicas, rosários, sarilhos e engenhos de pilões para socar minério.266 Além de
alimentos, outros produtos e serviços essenciais, produziam-se muitos artigos e
serviços supérfluos, e até de luxo.267

263 Antônio Pires da Silva Pontes Leme. Memoria sobre a utilidade publica em se extrair o ouro das minas
e os motivos dos poucos interesses que fazem os particulares, que minerão egualmente no Brazil.
Revista do Arquivo Público Mineiro, ano I, fascículo 3 (julho-setembro de 1896), p. 419.
264 AHU, Códice 2109. Reflexões econômicas sobre as tabelas da Capitania de Goiás em 1804 e feitas em
1806”. (todo o códice). Lisboa. Citado por Cláudia Maria das Graças Chaves. A construção do Brasil.
Projetos de integração da América portuguesa. Revista de História 147 (2002), p. 151.
265 Sequeira. Memória sobre a decadência, p. 99
266 Sobre isso veja especialmente, Meneses. O Continente Rústico, pp. 228-38; Flávia Reis. Entre
faisqueiras; e Alfagali. Em casa de ferreiro.
267 Para alguns exemplos de bens e serviços de luxo produzidos em Vila Rica no final do período colonial,
veja Roberto Martins. Vila Rica, vila pobre.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


513
Essa diversificação conferiu autonomia ao sistema econômico, tornando-o
independente do destino do setor minerador de ouro, e afastando qualquer possi-
bilidade de uma crise generalizada quando aquele entrou em declínio. A não-deca-
dência da capitania no final da colônia e a saúde econômica da província no início
do século XIX, descrita em meu trabalho de 1980, não nasceram do vácuo – elas
tiveram sua origem na diversificação ocorrida ao longo do dezoito.
A visão de uma economia colonial diversificada, em contraposição à exclusi-
vidade ou centralidade do setor minerador, é atualmente pacífica na esfera acadê-
mica. Nas palavras de uma destacada historiadora, “a imagem clássica da economia
mineira como assentada exclusivamente na mineração não faz mais sentido. Hoje
sabemos que se tratava de economia extremamente diversificada, voltada para a
agricultura, a pecuária e o comércio. A mineração nem mesmo foi a principal ativi-
dade econômica da nossa região”.268 Podemos dizer hoje, sem medo de errar, que o
conceito de um “ciclo do ouro” – uma era econômica centrada, dependente e revol-
vendo em torno da extração mineral, não passa de um grande equívoco. Talvez,
aos olhos de Portugal, tenha havido um tempo que merecesse esse nome, mas da
perspectiva da história econômica de Minas nunca existiu tal coisa.
Persistem, entretanto, divergências nas visões sobre o timing e a trajetória do
processo de diversificação. Alguns historiadores, mesmo sem abraçar a tese de crise
ou decadência geral, postulam a ocorrência de grandes transformações nas décadas
finais do setecentos, e acreditam que isso foi uma resposta adaptativa, ou uma “fuga
da mineração” (como diziam os mais antigos), que teria sido deflagrada pela pró-
pria derrocada do setor aurífero. Ou seja, afirmam, propositalmente ou não, que a
diversificação teria sido um processo de substituição de importações desencadeado
pela restrição da capacidade de importar, nos moldes do modelo cepalino dos “cho-
ques adversos” sobre o início da industrialização brasileira.269 Essa visão encerra
um claro mimetismo, consciente ou inconsciente, desse modelo, que foi dominante
durante muito tempo.
Curiosamente, nenhum dos dois economistas mais ligados à Cepal, defende a
ocorrência de uma diversificação substitutiva de importações em Minas Gerais na
fase da decadência do ouro. Para Antônio de Barros Castro, esse processo deveria

268 Adriana Romeiro. Entrevista ao jornal Estado de Minas, Caderno Pensar, em 16 de fevereiro de 2013.
269 Sobre o modelo da Cepal e as políticas de substituição de importações no Brasil veja: Tavares. Auge
y declinación del proceso de sustitución de importaciones en el Brasil. Boletin Economico de America
Latina. vol. IX, nº. 1 (marzo de 1964). Nueva York: Naciones Unidas, 1964, e Carlos Lessa. Quince Años
de Politica Economica en el Brasil. Boletin Economico de America Latina. vol. IX, nº. 2 (noviembre de
1964). Nueva York: Naciones Unidas, 1964.

514 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
ter acontecido, mas foi frustrado pelo alvará de 1785, de D. Maria I, que “iria proi-
bir o estabelecimento e funcionamento de fábricas com o intuito de impedir a subs-
tituição de importações, resposta natural à queda da capacidade de importar acar-
retada pelo declínio das minas”.270
Como outros autores, Antônio de Castro demonstra desconhecer completa-
mente tanto o teor dessa peça quanto sua total inocuidade sobre a economia da
capitania, atribuindo-lhe uma importância que ela não teve. Qualquer estudante
mediano sabe que o alvará se referia exclusivamente à indústria têxtil, e conhece
perfeitamente a ressalva – “excetuando-se tão somente aqueles ditos teares ou
manufaturas em que se tecem, ou manufaturam, fazendas grossas de algodão, que
servem para o uso e vestuário de negros, para enfardar, para empacotar, e para
outros ministérios semelhantes” – que era exatamente o que se produzia na capi-
tania. Além disso, o alvará não se dirigia apenas a Minas Gerais, mas a todas as
capitanias da colônia.271
E qualquer historiador atento sabe que essa proibição não causou nenhum
constrangimento para a produção do pano artesanal, que cresceu sem nenhuma
contrariedade, tornando-se inclusive um importante artigo de comércio interpro-
vincial, com milhões de metros exportados para várias partes do Brasil.272
Não acredito que o alvará tenha causado nem mesmo o abortamento de algum
potencial industrial futuro, pois dificilmente teria se desenvolvido um sistema
têxtil fabril em Minas no final do XVIII ou começo do XIX. A competitividade
do tecido doméstico artesanal repousava, assim como a do setor metalúrgico e a
do setor açucareiro, na disseminação e pulverização da produção para atender a
uma demanda também pulverizada. Tudo indica que no século XIX, pelo menos
parte do setor adquiriu características de um sistema de putting-out, no qual alguns
comerciantes reuniam a produção dispersa para exportá-la em grande quantidade
para outras províncias. As exportações, seus destinos, e sua evolução no tempo são

270 Castro. A Herança Regional, pp. 27-28.


271 Veja, Alvará, por que Vossa Majestade é servida proibir no Estado do Brasil todas as fábricas e
manufaturas de ouro, prata, sedas, algodão, linho, e lã, ou os tecidos sejam fabricados de um só dos
referidos gêneros, ou da mistura de uns com os outros, excetuando-se tão somente as de fazenda
grossa do dito algodão. 5 de janeiro de 1785. Na Oficina de Antônio Rodrigues Gualhardo. Sobre a
abrangência do alvará para todas as capitanias, veja Mello e Castro. Instrução para o Visconde de
Barbacena, parágrafo 40, p. 19.
272 Sobre a falta de impacto do alvará e outros aspectos da industria têxtil doméstica de Minas, veja o
excelente artigo de Libby. Reconsidering Textile Production; e também Roberto Martins. A Indústria
Têxtil Doméstica.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


515
bem conhecidas, assim como a disseminação e as caracterísicas dos produtores,
mas o elo entre essas duas etapas nunca foi adequadamente estudado.273
A posição de Celso Furtado é diametralmente oposta. Se Castro fantasia que
os mineiros reagiram ao alvará até o ponto de se rebelarem contra a metrópole,
Furtado não percebe neles nenhum incômodo.
“Entretanto, o decreto de 1785 proibindo qualquer atividade manufatureira não
parece haver suscitado grande reação, sendo mais ou menos evidente que o desen-
volvimento manufatureiro havia sido praticamente nulo em todo o período ante-
rior de prosperidade e decadência da economia mineira”. 274
É mais uma vez evidente que Furtado, além de desconhecer, como Castro, o
conteúdo do alvará, também não tinha nenhuma idéia sobre o importante setor

273 Sobre a disseminação da produção têxtil doméstica no final do século XVIII veja o Inventário dos Teares
Existentes na Capitania de Minas Gerais em 1786. Revista de Arquivo Público Mineiro, ano XL (1995).
Sobre sua disseminação no século XIX veja as listas nominativas de 1831-32 e de 1838-40, e o capítulo
5 de Crescendo em Silêncio.
Com base em uma correspondência de Antônio de Noronha a Martinho de Mello e Castro, em 7 de
janeiro de 1777, na qual o governador se retrata da informação passada em 1775, sobre a existência
de fábricas de tecido em Minas, Virgínia Valadares minimiza, apressadamente, a importância do setor
têxtil da capitania: “fica esclarecido o equívoco da existência de manufaturas de tecidos finos nas
Minas, assim como a crença no desenvolvimento de um grande comércio de tecido entre essa e as
outras capitanias do Brasil. As Minas Gerais não produziam tecidos além dos de uso doméstico nem
tampouco desviavam mão-de-obra escrava da lavoura ou da mineração para fábricas de algodão. A
força produtiva que nelas atuava constituia apenas um reaproveitamento de escravos velhos ou inúteis
ou era constituida de mulheres nos seus afazeres domésticos”. Virgínia Maria Trindade Valadares. A
sombra do poder: Martinho Mello e Castro e a administração da Capitania de Minas Gerais (1770-
1795). São Paulo: Hucitec, 2006, pp. 125-26. Centrando seu olhar apenas na inexistência de fábricas,
e nos “tecidos finos”, a autora não percebe a dimensão, a disseminação e o volume da manufatura
têxtil doméstica, artesanal, não-fabril, e a existência do comércio do pano de Minas, já enraízados,
que se tornariam francamente visíveis e seriam evidenciados, sucessivamente, pelo inventário dos
teares de 1786, pelas estatísticas do comércio interprovincial, e pelos dados demográficos do início
do século XIX. A fiação e a tecelagem domésticas não eram uma ocupação de escravos valetudinários
ou simplesmente uma tarefa doméstica das mulheres. A mão de obra empregada nestes trabalhos
consistia sobretudo de pessoas livres e resultava, como mostrou Libby, de uma elaborada alocação
de tempo segundo critérios de sazonalidade da agricultura, sexo, posição no domicílio e idade dos
indivíduos. É possivel que a autora não tenha tido em mãos o inventário de 1786, nem o trabalho de
Libby, nem os dados empíricos relevantes.
274 Furtado. Formação Econômica, p. 86. Os itálicos são meus. A indiferença dos mineiros à repressão das
fábricas têxteis é colocada em dúvida pelo governador Luís da Cunha Menezes. Em ofício dirigido a
Martinho de Mello e Castro, em 22 de março de 1788, o governador diz não estar muito persuadido
da inexistência do fabrico de tecidos proibidos, “pela geral desconsolação e desgosto que tem causado
a todos esses povos a sobredita proibição” e “pelo abalo, e alvoroço que já me referi ter feito a estes
povos, tanto esta como aquela proibição de semelhantes teares”. Ofício de Luís da Cunha Menezes,
governador da capitania de Minas (1783-1788) a Martinho de Mello e Castro, ministro dos Negócios da
Marinha e Domínios Ultramarinos. Vila Rica, 22 de março de 1788. Virgínia Maria Trindade Valadares
e Liana Maria Reis. Capitania de Minas Gerais em documentos: economia, política e sociedade. 2ª.
edição rev. e ampliada. Belo Horizonte: C/Arte, 2012, pp. 45-48.

516 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
têxtil artesanal da capitania sobre a qual discorre com tanto aplomb. Revelando
completo desconhecimento também dessa indústria, não só no século XVIII, mas
também no XIX, pontifica, com sua usual presunção: “Ocorre, porém, que a forte
baixa nos preços dos tecidos ingleses, a que nos referimos, tornou difícil a própria
subsistência do pouco artesanato têxtil que já existia no país. A baixa de preços foi
de tal ordem que se tornava praticamente impossível defender qualquer indústria
local por meio de tarifas. Houvera (sic) sido necessário estabelecer cotas de impor-
tação”. O economista paraibano se refere aqui à primeira metade do século XIX,
quando a indústria do pano de Minas floresceu intensamente, não só suprindo a
imensa demanda da província, mas também exportando uma “colossal” quanti-
dade do artigo, e mostrando grande capacidade de resistir ao tecido importado,
sem qualquer proteção tarifária ou por quotas.275
Portanto, Celso Furtado não menciona nenhuma substituição de importações,
e nega peremptoriamente toda e qualquer diversificação na economia mineira
colonial, seja no setor agropecuário seja no setor manufatureiro, no final do século
XVIII ou em qualquer outro período. Para ele, lembramos, quando o ouro entrou
em declínio, a economia simplesmente entrou em parafuso, e “involuiu numa massa
de população totalmente desarticulada, trabalhando com baixíssima produtividade
numa agricultura de subsistência”.276
Vimos acima que vários mineiros antigos defendiam a idéia de uma “conversão
forçada” para a agricultura, como um recurso de sobrevivência, diante do esgota-
mento da mineração.
Nessa posição não se encontram apenas os autores da província, mas tam-
bém alguns grão-senhores da história do Brasil, como o pernambucano Manoel
de Oliveira Lima, e o cearense João Capistrano de Abreu. Em um capítulo ridí-
culamente intitulado “As minas – fonte de pobreza”, nas conferências que fez na
Sorbonne em 1911, o pernambucano afirmou que “Minas Gerais, de seu lado, assis-
tiu à eclosão no seu seio de um luxo sem bem-estar. Sua sociedade chegou a cobrir-
-se de uma camada superficial de cultura que, refletindo a luz crua dos trópicos,
não deixou de deslumbrar. A despeito de tudo isso, seu progresso não se manifes-
tou, de maneira acentuada, senão após o ouro se ter esgotado e a agricultura ser
forçada a tomar o lugar das escavações de minas para nutrir o mundo de gente

275 Furtado. Formação Econômica, p. 114. Quem usou a expressão “colossal” para qualificar o volume do
pano exportado por Minas foram Spix e Martius.
276 Furtado. Formação Econômica, p. 93.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


517
que estas haviam atraído”.277 O cearense Capistrano escreveu que “desenganada do
ouro, a população procurou outros meios de subsistência: a criação de gado, a agri-
cultura de cereais, a plantação de cana, do fumo, do algodão”.278
Esses autores são todos anteriores à Cepal e não usam as categorias analíticas
daquela escola. Quem propôs explicitamente a tese da diversificação via substitui-
ção de importações, adotando inclusive o jargão cepalino, foi Paul Singer.279 Caio
Boschi tem a mesma posição e também usa essa linguagem.280 Mesmo sem empre-
gar o termo “substituição de importações”, Mafalda Zemella, Kenneth Maxwell,
Clotilde Paiva, Douglas Libby e Carla Almeida, por exemplo, também defendem
essa visão do processo.281
Em Growing in silence, apesar de ter mencionado que a agricultura surgiu
muito cedo, e de ter proposto uma revisão radical da história da província,
defendi, por influência de Kenneth Maxwell e do pensamento da Cepal, que
ainda povoava nossas cabeças latinoamericanas, a ideia de que a diversificação
só acontecera no final do século XVIII, e que fora um processo de substituição
de importações. Cheguei até mesmo a criar um indicador da evolução desse pro-
cesso, que denominei de “índice de introversão da economia”. Afirmei, em 1980,
que, “o declínio da mineração (...) intensificou o processo de diversificação e
conduziu a economia regional em direção a um crescente isolamento dos mer-
cados externos, à medida em que a queda da produção de ouro reduzia progres-
sivamente sua capacidade de importar (...) A crescente restrição da capacidade
de importar deflagrou um vigoroso processo de substituição de importações, de
profundas e duradouras conseqüências”.

277 Oliveira Lima. Formação Histórica da Nacionalidade Brasileira. 3ª. edição. Rio de Janeiro: Topbooks e
São Paulo: Publifollha, 2000, p. 107.
278 J. Capistrano de Abreu. Capítulos de História Colonial (1500-1800) [1907]. Brasília: Senado Federal,
1988, p. 154.
279 Singer. Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana, pp. 203-05.
280 Caio C. Boschi. “Nem tudo o que reluz vem do ouro...”. pp. 64-65.
281 Libby e Paiva usam a expressão “transformação acomodativa”. Vale lembrar, outra vez, que a própria
tese cepalina dos choques adversos foi demolida desde 1969, quando Warren Dean demonstrou
que o gatilho do processo de industrialização de São Paulo foi o próprio impulso da fase ascensional
do ciclo exportador de café, e não a crise da capacidade de importar iniciada em 1929. Dean. The
Industrialization, especialmente o capítulo “The coffee trade begets industry”.

518 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
É A OPORTUNIDADE QUE FAZ O SAPO PULAR
Há muito tempo não concordo mais com esta visão. Renego as afirmações
acima, bem como o índice de introversão, que considero sem sentido, entre outras
razões, pela má qualidade dos dados das entradas e dos dízimos nos quais se baseia.
Hoje penso que a diversificação da economia colonial mineira foi um processo
muito precoce, gradual, natural e inevitável. Começou bem cedo no século, e não
foi o resultado de nenhum choque adverso, mas de sucessivas respostas a demandas
e oportunidades surgidas no mercado.
Não creio que se possa falar sequer em uma transição estrutural da economia,
como fiz em vários momentos da tese, seja no final dos setecentos, seja em qual-
quer outra época. A transição de uma economia mineral-exportadora para uma
agricultura diversificada de mercado interno nunca aconteceu. Transição significa
percurso, viagem, mudança de lugar, passagem de um ponto a outro, de uma situ-
ação a outra, no espaço, ou no tempo. A economia colonial mineira nunca fez esse
trajeto: a lavra, a roça e o curral nasceram e cresceram juntos, logo não faz nenhum
sentido dizer que um deles transitou em direção ao outro.
A região das minas reuniu, desde as primeiras descobertas, em pouco tempo,
um contingente populacional de muitas dezenas de milhares de pessoas, entre imi-
grantes de Portugal, de outras capitanias, e uma grande quantidade de escravos
africanos, numa área remota do interior do continente, dezenas de léguas distante
dos núcleos de povoamento do litoral. Essa multidão tinha de ser alimentada. As
crônicas contemporâneas nos contam que, no primeiro momento, os suprimentos
vieram da Bahia, pelo Caminho do Sertão, e de São Paulo, através do Caminho
Velho, mas que esses fluxos eram irregulares e insuficientes. Relatam graves crises
de fome, em 1697-98, 1700-01 e 1713, que chegaram a ameaçar a própria continui-
dade das explorações.
Dadas as distâncias, a topografia, o sistema viário e a tecnologia de transportes
existente, é absolutamente impensável que, mesmo depois da regularização dos flu-
xos de abastecimento e da abertura do Caminho Novo, a região pudesse continuar
sendo suprida apenas por importações. Era inevitável que surgisse uma oferta local
de alimentos, na própria área mineradora ou próxima a ela.
Não havia limitações de recursos naturais ou de outros fatores produtivos que
impusessem uma divisão regional de trabalho. Ao contrário da lenda da esterili-
dade da zona mineradora, havia terras férteis na própria região dos descobertos ou
nas suas adjacências. Era simplesmente natural que os produtores de alimentos se

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


519
instalassem mais perto dos centros consumidores, ao invés de produzir em locais
distantes e enviar os víveres através de rotas difíceis e demoradas.282
Quem tentou produzir comida em São Paulo, no Rio de Janeiro ou na Bahia
para abastecer a região das minas foi, em pouco tempo, deslocado por produtores
com vantagens locacionais. Os elevados custos de transporte se encarregaram de
eliminar esses atores do mercado. Além desses custos, havia ainda os impostos – os
direitos de entradas – cobrados por peso, onerando ainda mais os mantimentos
básicos.
Por outro lado, não havia barreiras à entrada no setor de abastecimento. As
terras podiam ser livremente apropriadas em regime de posse. Desde o início da
ocupação do território a coroa portuguesa praticou uma política liberal de conces-
são de sesmarias, cuja obtenção, ocupação e exploração era incentivada. Não havia
tampouco problemas de escala. Qualquer pessoa, rica ou pobre, dona de escra-
vos ou não, podia se estabelecer como produtor comercial de alimentos. Havia
demanda e havia renda para sustentar essa demanda. O retorno a qualquer inves-
timento em abastecimento era necessariamente alto e seguro.283 Foi assim, através
de um processo natural e gradual, em um mercado impulsionado pelas crescentes
demandas de uma população em expansão, que a capitania atingiu a autossuficiên-
cia alimentar, em plena fase ascendente da produção aurífera.
O autor do Triunfo Eucarístico, festejado por muitos como a mais importante
crônica do “ciclo do ouro”, relata com precisão cirúrgica o precoce nascimento da
agricultura e da bastança:
(...) em breve tempo das cidades e lugares marítimos sobreveio inume-
rável multidão, uns com cobiça de fácil fortuna, outros anelando remé-
dio à necessidade. Concorreu em tanto concurso a natural necessidade
de alimentos; e porque na altura da região a penúria deles subia o preço,
uns fizeram da agricultura sustento, e interesse, outros agenciaram no

282 Um excelente relato sucinto das crises iniciais de fome e da extrema precocidade do surgimento das
roças de mantimentos – que muitas vezes antecediam a própria mineração – pode ser encontrado
em Adriana Romeiro, que afirma: “assim que chegavam às Minas, todos tratavam primeiro de plantar
suas roças nas imediações das datas minerais, instalando-se depois nos arraiais e povoados, para
esperar até que os mantimentos pudessem ser colhidos. Só então é que tinham início os trabalhos
de mineração”. Adriana Romeiro. Os sertões da fome: a história trágica das minas de ouro em fins do
século XVII. Saeculum – Revista de História [19] João Pessoa, jul-dez. 2008, p. 170. Os trabalhos de
Carlos Magno Guimarães e Liana Reis, acima mencionados, demonstraram pioneiramente que essas
precoces roças de mantimentos tiveram um caráter mercantil (e, às vezes, escravista) desde muito
cedo.
283 Não é preciso nenhuma teoria econômica para provar isso, diante dos relatos sobre mineradores
morrendo de fome com um sabugo de milho na mão, e surrões cheios de pepitas de ouro.

520 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
ouro dos seios da terra juntamente o sustento e as riquezas: assim com
suavidade, e facilidade, estas terras agrestes e nem ainda de feras habita-
das, ficaram dignas de habitação; abundantes de alimentos para a huma-
na necessidade, copiosas de ouro para os desejos da cobiça.284

Aqui o cronista, que escrevia em 1733, se refere, evidentemente, ao passado, aos


primórdios da descoberta e da corrida do ouro. Diz claramente que a escassez e a
demanda por alimentos fizeram da agricultura uma atividade lucrativa, desde cedo.
Não deixa nenhuma dúvida de que este setor se desenvolveu concomitantemente
com a mineração, de forma natural, “com suavidade e facilidade”, e com precoci-
dade, nas terras “agrestes e nem ainda de feras habitadas”. Explicita o surgimento
de uma agricultura comercial, pois os que a ela se dedicaram fizeram-no para seu
“sustento e interesse”, e que a região logo se tornou bem suprida de alimentos, em
plena ascensão da produção de ouro.
Prossegue, afirmando mais adiante que,
em um distrito onde sempre foi e é geral o ouro em toda a terra, causa
que lhe deu o nome de Minas Gerais, se agregou e continua o maior
concurso, e da gente mais nobre em qualidade e riqueza em todo o âmbito
das Minas: parte assiste nos recôncavos em lavras de ouro, e fazendas de
agricultura; parte em duas vilas, uma intitulada o Ribeirão do Carmo,
outra que tem o nome de Vila Rica (...) nesta vila habitão os homens de
maior comércio, cujo tráfego e importância excede, sem comparação, o
maior dos maiores homens de Portugal (...) nela residem os homens de
maiores letras, seculares e eclesiásticos, nela tem assento toda a nobreza,
e força da milícia: é por situação da natureza cabeça de toda a América,
pela opulência das riquezas a pérola preciosa do Brasil. 285

Nesse trecho, Simão Machado fala do presente, 1733. É um periodo de grande


vigor da produção aurífera, que vai atingir seu apogeu no final desta mesma década.
Afirma que a “gente mais nobre em qualidade e riqueza” de Minas é constituída por
mineradores e agricultores, e menciona outro importante componente da diversi-
ficação econômica da capitania, que foi o setor do comércio, cujos principais ope-
radores ultrapassavam, segundo ele, os maiores comerciantes da metrópole. Pode

284 Triunfo Eucharistico, exemplar da christandade lusitana, em publica exaltação da Fé na solemne


trasladação do Divinissimo Sacramento da Igreja da Senhora do Rosário para hum novo templo da
Senhora do Pilar em Vila Rica, Corte da Capitania das Minas. Aos 24 de mayo de 1733 (...) por Siman
Ferreira Machado, natural de Lisboa e morador nas Minas. Lisboa Occidental. Na Oficina da Música,
1734, pp. 188-89. Guimarães e Reis, e antes deles, Caio Boschi, já tinham ressaltado esse ângulo do
Triunfo Eucharistico.
285 Triunfo Eucharistico, pp. 195-96.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


521
haver aqui, como há em quase todo o relato dessa grande festa barroca, uma dose
de ufanismo chapa branca, mas não há dúvida de que, mesmo nessa década de
grande abundância de ouro, o cronista emparelha agricultores e mineiros como a
gente mais rica e respeitável da terra e descreve a capitania, ainda na pré-puber-
dade, como mineradora, agricultora e comerciante.286
Esse processo não gerou apenas as roças elementares de milho e de mandioca. A
diversificação agropecuária, o processamento de seus produtos, os cultivos não-a-
limentares, as manufaturas simples e os empreendimentos mais complexos, segui-
ram a mesma lógica, e tampouco surgiram em resposta a algum estrangulamento.
Havia demanda, havia recursos naturais e havia tecnologia para produzir um largo
espectro de bens e serviços. Ninguém esperou o ouro escassear para começar a
levantar engenhos, produzir açúcar, cachaça, fubá, toucinho, queijos, azeite de
mamona, fumo de rolo, panos, ferramentas, ferraduras, candeeiros e ferragens,
couros, sapatos, panelas e outras manufaturas. Muito mais do que a necessidade, foi
a oportunidade que fez o sapo pular.
Raphael Freitas Santos afirma a mesma coisa, ao escrever que “ao contrário do
que se supunha anteriormente, a produção de alimentos, mais do que uma alter-
nativa para a crise, podia ser uma atividade bastante lucrativa desde a primeira
metade do século XVIII”.287
Mônica Ribeiro de Oliveira relata o precoce estabelecimento de várias famílias
imigrantes de Portugal em áreas períféricas ao core da região mineradora, dedican-
do-se exclusivamente à agropecuária de abastecimento mercantil e escravista desde
1715. Gente que acumulou riqueza e status no ramo do abastecimento. Sem ori-
gem mineradora e sem nenhuma passagem pela mineração, mostrando que ‘fazer a
América’ podia ter significados bem diversos da busca desatinada pelo ouro, como
rezava a historiografia antiga.288
A história dos engenhos de cana é muito ilustrativa da força do mercado. Seus
produtos eram alvo de grande procura, considerados “de primeira necessidade”
para livres e escravos. Embalados por essa demanda, engenhos começaram a ser
levantados desde 1705. O setor cresceu e se espalhou sem tomar conhecimento das

286 Não é demais lembrar que Flávia da Mata Reis demonstrou que, desde os primeiros anos, e ao longo
da primeira metade do século XVIII, mais de 80% das minerações tinham também atividades agrícolas.
287 Raphael Freitas Santos. Para Além do Ouro, p. 191.
288 Veja: Mônica Ribeiro de Oliveira. Avô imigrante, pai lavrador, neto cafeicultor: análise de trajetórias
intergeracionais na América Portuguesa (séculos XVIII e XIX). Varia Historia, Belo Horizonte, vol. 27,
nº. 46 (jul/dez 2011) e Mônica Ribeiro de Oliveira. Famílias dos sertões da Mantiqueira. Revista do
Arquivo Público Mineiro. Ano XLVIII (Janeiro-dezembro de 2012).

522 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
proibições impostas pela política colonial. Já em 1714, a quantidade de estabeleci-
mentos era tal que o governador de São Paulo e Minas, lançou um bando proibindo
a construção de novas unidades na comarca de Vila Rica, sob pena de demolição,
castigos e pesadas multas. Pretextava que muitos escravos estavam sendo desviados
da mineração, acarretando graves prejuízos à real fazenda. Esse foi o começo de
uma guerra sem quartel, que abrangeu toda a capitania, envolveu vários adminis-
tradores coloniais e até o governo da metrópole, que determinou a mesma proibi-
ção através de carta régia em 1715.
O principal motivo da interdição era o desvio de braços das lavras. Em 1718, D.
Pedro de Almeida, conde de Assumar, denunciava que “havia mais gente aplicada
à fabricação de cachaça do que na extração do ouro”. Alegava-se também a concor-
rência que a cachaça fazia às aguardentes do Reino, e outras localidades da colônia
reclamavam a perda de mercado causada por sua produção nas minas. Outra razão
eram os males causados à ordem pública e à própria saúde dos negros, por suas
“bebedices”.
Apesar dessa guerrilha ter se prolongado por todo o século XVIII e durado até
depois da independência – a liberação total do setor só ocorreu em 1827 289 – os
engenhos e engenhocas proliferaram enormemente em todas as regiões de Minas,
produzindo açúcar, rapadura e cachaça para o mercado interno da capitania e da
província. As várias centenas de estabelecimentos do período colonial se transfor-
maram em cerca de mil no início do século XIX, chegaram a mais de quatro mil,
nos anos 1830, e a pelo menos cinco mil em 1845.290
O desideratum metropolitano de uma divisão regional de tarefas produtivas
com cobrança de direitos sobre a circulação de bens entre as regiões, sucumbiu
inteiramente diante do mercado. O caso demonstra ainda, contra a posição de
vários historiadores, a plena capacidade de uma atividade agro-manufatureira para
competir com sucesso, por capitais e por escravos, com a mineração, e também a
total primazia da produção local sobre fornecedores externos. Nenhum produtor
das zonas canavieiras da Bahia, de São Paulo, ou do Rio de Janeiro, teve qualquer
chance de disputar o mercado mineiro de açúcar, rapadura e cachaça, com os pro-
dutores locais, apesar de serem provavelmente mais eficientes, tanto em termos de

289 Lei de 13 de novembro de 1827: Art. 1º. É livre a qualquer pessoa levantar engenhos de açúcar nas
suas terras em qualquer distância de outros engenhos, sem dependência de licença alguma
290 Costa Filho. A Cana de Açúcar, pp. 103-04, 107, 115-17; e Marcelo Godoy. No país das minas de ouro
a paisagem vertia engenhos de cana e casas de negócio. Tanto essa tese de doutorado, quanto os
outros estudos desse autor são baseados em extensa pesquisa arquivística e grande massa de dados
empíricos.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


523
tecnologia quanto pela escala de suas operações. A vantagem locacional superou
quaisquer outras vantagens competitivas dos produtores de fora.
O poder do mercado se revelou também no caso do fumo, que era objeto de um
estanco, o Contrato de Tabaco do Rio de Janeiro, desde 1695. O contratador tinha
o monopólio – garantido pela coroa portuguesa – da compra do fumo baiano e de
sua venda, em corda e em pó, em uma vasta região da colônia. A cultura do fumo
era proibida em toda a área do contrato, o qual, a partir da arrematação de 1701,
abarcava todas as capitanias do sul, de Porto Seguro a São Vicente, e incluía as de
São Paulo e de Minas Gerais desde suas criações. O rápido crescimento da popula-
ção e a dificuldade de distribuição em um território que abrangia metade do Brasil
de então, causou uma crônica escassez do produto na região das minas, fazendo
com que alcançasse preços exorbitantes. Consequentemente, ainda nos primeiros
anos do povoamento, embora seu cultivo fosse rigorosamente proibido, o fumo
começou a ser plantado em Baependi, provavelmente por volta de 1709. A lavoura
ampliou-se, e ao ser criada a capitania de Minas Gerais, em 1720, já estava formada
a região fumageira do sul de Minas. Em pouco tempo o fumo Baependi começou
a ser vendido ilegalmente no mercado do Rio de Janeiro, apesar das frequentes
denúncias e reclamações dos contratadores.
Seu cultivo espalhou-se muito cedo também em outras áreas da capitania.
Raphael Freitas Santos menciona a transação de uma propriedade com 5 mil pés
de fumo na comarca do Rio das Velhas em 1718, e outra com 40 mil pés no Curral
del Rei, em 1721.291
Décadas depois, quando o estanco foi abolido, em 1757, e um imposto excluiu
o tabaco baiano do mercado carioca, em 1760, o fumo de Minas Gerais já estava
estabelecido e conquistou rapidamente os mercados do Rio e de todo o sul do
Brasil. “Baependi” tornou-se uma referência importante desse produto que, a partir
dos anos 1770, começou a ser reexportado pelos cariocas para toda a região do Rio
da Prata. Minas Gerais constituiu a segunda grande zona fumageira do Brasil, e ao
longo do século XIX, produziu-se fumo em várias partes da província não só para
atender seu próprio mercado interno, mas também para exportar grandes volumes
para todas as províncias do sul.292
No declínio da produção de ouro, não houve nenhuma substituição de im­por­­
ta­­ções de alimentos, por ser absolutamente desnecessária, mesmo se concor­darmos

291 Raphael Freitas Santos. Minas com Bahia, pp. 163-64.


292 O desenvolvimento do fumo em Minas é tratado em detalhe por Nardi. O fumo brasileiro no período
colonial, especialmente pp. 45-46 e 286-333

524 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
com a hipótese de uma redução drástica da capacidade de importar no final do
século. Excetuando algumas comidas e bebidas finas (como, por exemplo, vinhos,
azeite doce, azeitonas, nozes, vinagre, figos secos, queijos flamengos, paios e presun-
tos), ou bacalhau, que eram importados do Reino, e evidentemente não poderiam ser
substituídos por produção local, Minas já produzia todos os alimentos que consumia.
Sua produção de abastecimento ia além da autossuficiência, produzindo excedentes
consideráveis, com os quais supria outras capitanias.
Sabemos, com certeza que, se existiu, a propalada “redução da capacidade de
importar”, em nada alterou o cenário de abundância alimentar. Não houve fome,
nem desabastecimento, e nem mesmo alterações perceptíveis nos preços dos man-
timentos em nenhuma das regiões mineiras.
José Newton Meneses afirmou que “a sociedade complexa formada no conti-
nente do Serro não teve problemas de abastecimento alimentar, na segunda metade
da centúria setecentista”.293 Régis Quintão também observou que “em nosso recorte
espacial de estudo, o Distrito Diamantino, também não houve crises, apenas men-
ções às carestias”, acrescentando que “o problema da carestia não era grave. As auto-
ridades recomendavam apenas cautela para evitar desdobramentos negativos”.294
Da mesma forma, na região de Vila Rica e Mariana, as evidências apontam
para um quadro de abundância e de preços estáveis: “Na segunda metade do século
XVIII, graças ao fluxo de alimentos provenientes de outras regiões [da própria capi-
tania de Minas] e à própria estruturação dos setores produtivos locais, os preços da
maior parte dos gêneros de primeira necessidade no mercado de Vila Rica estabili-
zaram-se, a ponto de não haver quase nenhuma variação importante durante todo
o período. Em 1751, parecia haver já uma relativa abundância de víveres naquele
mercado, pois nele iam se abastecer os moradores do termo de Mariana”.295
Em geral, segundo José Newton, em Minas Gerais havia “uma agricultura de
abastecimento alimentar interno que produziu, abasteceu e sustentou uma con-
siderável população, sem crises de fome e carestia que chamassem a atenção dos
memorialistas contemporâneos. Não há, após os primeiros anos da efetiva coloni-
zação das Minas Gerais nenhum relato ou evidências de carestia de alimentos ou
crises profundas de abastecimento”.296

293 Meneses. O continente rústico, p. 100.


294 Quintão. Sob o “Régio Braço”, p. 125.
295 Silva. Subsistência e poder, p. 239. O esclarecimento entre colchetes é meu.
296 Meneses. O Continente Rústico, p. 58.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


525
Na Geografia Histórica da Capitania, escrita em 1780, José Joaquim da Rocha
descreveu a abundância dos víveres e dos gados, vila por vila, bem como o animado
comércio interno de milho, arroz, feijão, farinhas, animais, carnes, toucinho, aguar-
dente, queijos e outros mantimentos, que garantia o abastecimento de todas.297
É igualmente muito pouco provável que houvesse substituição significativa de
bens manufaturados de consumo. Também neste setor, Minas já produzia, muito
antes da crise do ouro, uma infinidade de artigos simples de consumo geral, como
panos grossos de algodão, sapatos, chapéus, utensílios domésticos, móveis, ferra-
mentas e muitos outros. Esses itens não dependiam de insumos importados e sua
tecnologia era disponível aos habitantes. Os manufaturados importados – tecidos
finos, pianos, porcelanas e cristais, relógios, armas e cutelaria sofisticadas, alguns
remédios de botica, outros artigos de luxo, e “mil bugiarias de França”, estavam
além da capacidade tecnológica ou da dotação de recursos naturais da capitania (e
da colônia) e não eram passíveis de substituição.
A produção doméstica de pano, principal atividade manufatureira da capitania
e da província, é muito anterior ao declínio do ouro. O algodão já era cultivado
desde os primórdios da colonização – ninguém cultiva algodão para comer – e a
roca, o fuso e o tear manual eram conhecimentos milenares, perfeitamente domi-
nados pela população.
Aparentemente o sentido da causalidade foi o contrário do que defendem
alguns historiadores. A atividade têxtil doméstica não foi estimulada pela suposta
queda da capacidade de importar. Ela já existia há muito tempo, o que foi espica-
çado pelo escasseamento do ouro foi a percepção da metrópole sobre sua existência
e extensão. Além disso, os mercados do tecido importado e do tecido doméstico
eram bem separados e estanques, e assim continuaram. Os pobres e os escravos
vestiam-se com o pano grosso da terra, e continuaram a fazê-lo. Os ricos usavam
o tecido importado e seguiram fazendo-o. Não houve nenhuma substituição, em
nenhum segmento do mercado.
No setor da metalurgia, é certo que havia importação de ferro bruto para trans-
formação pelos artífices da capitania, mas é igualmente seguro que, apesar da proi-
bição imposta pela metrópole, esse insumo era também produzido localmente. Em
seu minucioso estudo sobre a mineração na primeira metade do setecentos, Flávia

297 Rocha. Geografia Histórica, especialmente pp. 96, 105, 115, 117-18, 127, 130, 133, 135. A única
ressalva do autor sobre a geral abundância de víveres é sobre a Vila de Minas Novas, sobre a qual
observa que “em anos faltos de chuvas, padecem aqueles habitantes algumas misérias, pela pouca
produção de frutos e falta de ouro, que somente extraem quando chove”. Idem, p. 140.

526 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
da Mata Reis observa que “as técnicas para se produzir o ferro eram conhecidas e
estavam disponíveis aos habitantes das Minas. Essa hipótese é ainda mais crível
quando se considera, por um lado, que os negros da África ocidental detinham
uma longa tradição na metalurgia e, por outro, que o minério de ferro era abun-
dante e de rico aproveitamento nas próprias regiões onde a mineração aurífera era
praticada. Com a demanda de um lado, a oferta de outro e a conhecida existência
de tendas, oficiais ferreiros e escravos especializados nas Minas, ingenuamente se
poderia dizer que todo o ferro consumido viesse de fora”.298
Crislayne Alfagali estudou os “oficiais do ferro e fogo” em Vila Rica e Mariana no
século XVIII, e nos conta que esses profissionais, diante dos preços altíssimos que
tinham de pagar pelo produto importado, da larga disponibilidade do minério, e da
grande demanda pelos artefatos e utensílios de ferro que produziam, encontraram
“outros meios” de conseguir o metal que, nas minas era “mais precioso que o ouro”.
Um desses meios foi sua produção clandestina em pequenos fornos de fundição pelo
método dos cadinhos, ou de redução direta, que foi utilizado em grande escala em
Minas. Segundo essa autora, os bens arrolados nos inventários dos artesãos do ferro,
são evidências dessa produção. Alfagali relata, como vários outros autores, que “os
cativos de determinadas procedências dominavam as técnicas metalúrgicas”, mas
também enfatiza que “dentre os oficiais do ferro e fogo, que praticavam seus ofícios
em Vila Rica e Mariana, muitos eram portugueses. Ao cruzar o oceano, esses traba-
lhadores trouxeram seus conhecimentos técnicos e a tradição dos homens de ferro e
fogo, uma das mais antigas agremiações de ofício de Portugal”.299
Uma prova cabal de que o conhecimento e a prática da fundição de ferro exis-
tiam na capitania, apesar da proibição, vem de uma fonte oficial – o governa-
dor Rodrigo José de Meneses que administrou Minas Gerais entre 1780 e 1783.
Tentando convencer Martinho de Mello e Castro de sua proposta do estabeleci-
mento de uma fábrica de ferro, D. Rodrigo argumenta que a atividade já era pra-
ticada em Minas: “ (...) Essas considerações tão importantes e dignas da maior
atenção me obrigaram a ouvir um homem que aqui me veio falar e me segurou ter
achado um segredo para o fabricar. Eu lhe dei licença para fazer uma amostra (...)
Pouco depois me trouxe a que remeto em barra, depois de ter feito nela todas as
experiências que me persuadiram ser verdadeiro e bom ferro (...) Não me conten-
tando com esta primeira experiência, para mais me capacitar das suas verdadeiras

298 Flávia da Mata Reis. Entre faisqueiras, p. 163. O conhecimento da metalurgia do ferro pelos negros
importados é um fato bem estabelecido, e foi minuciosamente demonstrado pela autora, mais uma vez.
299 Alfagali. Em casa de ferreiro, pp. 77-97.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


527
propriedades mandei fazer a fechadura que também remeto, a qual tira toda dúvida
de sua bondade e préstimo”.300
A consequência mais provável de uma restrição à capacidade de importar
seria a redução no consumo de alguns bens importados, e não sua substituição
por produção local. A grande maioria, ou quase todos os artigos importados, não
era passível de substituição, seja pela base de recursos naturais, seja por incapaci-
dade tecnológica. Seja como for, não conheço nenhuma evidência sobre qualquer
setor produtivo ou qualquer produto que tenha sido incorporado à pauta de pro-
dução da capitania em virtude da crise do ouro. Não conheço nenhuma evidência
de aceleração ou aprofundamento da diversificação da economia nesse período. Os
proponentes dessa tese apenas afirmam genericamente que houve substituição de
importações, sem apresentar qualquer dado ou demonstração concreta.
A própria ocorrência do “choque” da capacidade de importar, que é invocada
pelos defensores da substituição de importações, é muito questionável. Em pri-
meiro lugar, o declínio da produção de ouro, e consequentemente da parcela que
permanecia nas mãos dos mineiros foi muito lento. Como se pode ver no gráfico
2.1 de Crescendo em Silêncio, na segunda metade do século, essa queda, medida
pela arrecadação do quinto, foi constante, mas gradual e bastante suave. Entre 1750
(quando terminou a cobrança pelo sistema da capitação, e a quantia arrecadada
passou a ter relação direta com a produção) e 1806, a receita do quinto e a produção
total de ouro cairam em média, 1,56 e 7,79 arrobas, por ano, respectivamente. Essas
perdas representam uma fração muito pequena, de apenas 1,24% dos valores alcan-
çados por estas variáveis no início do período em foco. Isso significa que a cada ano
ficavam na capitania, em mãos dos mineradores, menos 6,23 arrobas do metal, ou

300 Exposição do Governador D. Rodrigo José de Meneses, p. 316. Apesar de ter sugerido que se cobrassem
do ferro produzido na fábrica proposta os mesmos direitos que se cobravam do ferro entrado de
fora na capitania, para compensar a real fazenda, D. Rodrigo não logrou convencer o ministro. Pelo
contrário, essa e as outras propostas heterodoxas que apresentou – a liberação dos engenhos de cana,
a duplicação dos dízimos pagos pelos agricultores (para igualar sua carga tributária à dos mineiros,
que pagavam o quinto), a criação de um correio regular, a abolição das casas de fundição, a proibição
da circulação de ouro em pó, e a criação de um fundo por conta da Real Fazenda para emprestar ouro
a juros baixos aos mineradores (uma espécie de “empréstimo consignado”, cujas prestações seriam
cobradas quando o tomador fosse quintar seu ouro) – devem tê-lo escandalizado. Os projetos de D.
Rodrigo soavam como anátema na doutrina colonial dominante na metrópole. Eram, em parte, um
retorno a seu ídolo, Pombal (que também era anátema em Portugal naqueles dias), em parte uma
antecipação de seu xará Souza Coutinho. Para terem alguma chance demandariam uma autêntica
“viradeira” na “viradeira” que revirou o poder em Portugal depois da morte de D. José. Não teriam a
menor chance enquanto Mello e Castro estivesse no comando. E não tiveram. Nunca foram aceitas ou
implementadas. D. Rodrigo durou muito pouco tempo no cargo, sendo substituído em 1783 por Luís
da Cunha Meneses. O Ministro do Ultramar preferiu dar ouvidos ao alarme do marquês de Lavradio,
editar o Alvará de 1785, nomear para Minas o Fanfarrão Minésio, e depois o visconde de Barbacena,
com ordens de botar ordem na casa. Os dois eram, cada um a seu modo, perfeitas antíteses do
simpático D. Rodrigo, que tantas saudades deixou na elite da capitania.

528 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
cerca de 25.500 oitavas, que valiam em torno de 38 contos de réis. Embora a perda
acumulada nos 57 anos seja significativa, alcançando mais de 2 mil contos, sua
distribuição no tempo é realmente suave. Os 91 quilos de ouro perdidos a cada ano
comprariam apenas cerca de 6.800 cabeças de gado, ou 91 escravos. O valor de 38
contos não representa senão oito vezes o salário anual do governador da capitania
em 1806, ou 15% do valor enviado à coroa pelos mineiros, como donativo volun-
tário, em resposta ao pedido feito em 1804 pelo Príncipe Regente. Em nenhuma
hipótese se poderia dizer que esse processo, desenrolado gradualmente ao longo de
várias décadas, tenha configurado um “choque”.301
Como mencionamos acima, não existe nenhuma evidência de desabasteci-
mento, ou de redução da disponibilidade de qualquer artigo, de produção local
ou importado. A alegação da redução da capacidade de importar é inteiramente
baseada na trajetória aparentemente declinante das séries estatísticas disponíveis
sobre a arrecadação dos quintos e das entradas. É importante lembrar que esses são
dados de natureza tributária, que são, em qualquer época, sujeitos a muito mais
vicissitudes do que o mero comportamento do setor taxado – a extração de ouro,
nesse caso – ou da economia em geral.
O movimento de queda da série de arrecadação dos quintos pode refletir, ao lado
de um declínio real da produção das lavras, uma intensificação dos descaminhos,
sonegações e outras formas de evasão. Os direitos de entradas são uma receita ainda
mais vulnerável a distorções por corrupção e propinas, nas diversas etapas da arre-
cadação, desde a arrematação dos contratos até seu recolhimento final ao erário. O
sistema de contratação usado na cobrança desse tributo, ao introduzir mais inter-
mediários entre o Estado e os contribuintes, criava novas oportunidades de fraude
e peculato. Quando submetidas a uma crítica cuidadosa, indispensável sobretudo
nesses indicadores de natureza tributária, as duas séries se revelam problemáticas,
talvez até mesmo imprestáveis, mormente na segunda metade do século.
Martinho de Mello e Castro, em sua Instrução para o visconde de Barbacena,
de 1788, examina em detalhe todos os contratos dos dízimos e das entradas desde

301 Essas estimativas se baseiam em séries temporais aplainadas por médias móveis de três anos, às
quais foram ajustadas retas de regressão. Os valores das quedas anuais médias são as inclinações
(coeficientes angulares) dessas retas. Para as comparações usei as seguintes conversões: 1 arroba =
14,689 quilos, 1 oitava = 3,586 gramas, 1 oitava de ouro quintado = 1.500 réis. O salário do governador
de Minas em 1806 era de 4,8 contos de réis por ano. O governador Pedro Maria Xavier de Ataíde
e Melo enviou para Portugal 252 contos de réis, arrecadados em 1804 em resposta ao pedido de
donativo feito pelo Príncipe Regente D. João. Segundo Angelo Carrara, um quilo de ouro comprava
75 cabeças de gado, ou um escravo. A fonte da série dos quintos é o “Mappa do Rendimento que
produzio o Real Quinto do Oiro na Capitania de Minas Gerais de 1707 a 1787...” Revista do Arquivo
Público Mineiro VIII (1908) rep. por Maxwell. Conflicts and conpiracies, p. 253; complementada por
dados de Eschwege. Pluto Brasiliensis, pp. 166-68.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


529
1751, condena a forma como foram arrematados, e contesta veementemente as
quedas de seus rendimentos, especialmente na série das entradas. Critica a falta de
zelo da Junta da Real Fazenda nas arrematações, e atribui o declínio das receitas a
fraudes, prevaricações e conluios dos contratadores com funcionários da coroa, que
permitiam atrasos nos pagamentos, sonegações e acúmulo de dívidas. Em nome da
rainha, manda encerrar os contratos vigentes, e punir com severidade os ministros
prevaricadores, fazendo-os “indenizar a Sua Real Fazenda”.302

POBREZA DE MINAS OU POBREZA DA HISTÓRIA?


De qualquer forma, com ou sem choque da capacidade de importar, e além da
demonstração cabal da precoce diversificação da economia – que por si só já solapa
toda a base lógica da tese da decadência – existem muitas evidências empíricas e
factuais contrárias à ocorrência de uma crise econômica em Minas no final dos
setecentos e início dos oitocentos.
Entre as instruções passadas, em 24 de janeiro de 1775, ao recém-nomeado
governador de Minas, D. Antônio de Noronha, o Secretário de Estado da Marinha
e Ultramar, Martinho de Mello e Castro determinou que fosse reduzida a remune-
ração da tropa paga da capitania. Segundo ele,
quando se mandaram dar os exorbitantíssimos soldos (...) era em um
tempo em que as Minas Gerais e o seu extenso distrito se compunha
quase todo de um país inabitado, sem cultura, sem gados, e sem
produção alguma que servisse para o sustento dos homens, exceto a caça
e os frutos agrestes do mato; e quando a maior parte dos gêneros ainda
os mais necessários para a vida vinham do Rio de Janeiro e da Bahia,
por caminhos difíceis e pouco praticados, chegando por esta razão tão
caros que foi preciso proporcionar os soldos das tropas à exorbitância
dos preços deles, sendo igualmente necessário animar a mesma tropa
com os referidos soldos, para a determinar a ir viver em um sertão tal
como era naquele tempo a Capitania de Minas Gerais.303

Agora, prossegue o Secretário, a realidade era outra.


Presentemente têm cessado todos aqueles motivos, achando-se as
comarcas do Ouro Preto, do Rio das Velhas, do Serro Frio e do Rio das
Mortes, de que se compõe a dita Capitania, povoadas de muitos milhares
de habitantes, abundantes de tudo o necessário para a vida a preços

302 Mello e Castro. Instrução para o Visconde de Barbacena, especialmente os itens 100 a 123, pp. 48-59.
303 Instruções do Sr. Martinho de Mello e Castro para se regular a Tropa paga de Minas, e Auxiliares, e
sobre outros objetos, 24 de janeiro de 1775. APM. SC-211. Seção Colonial. Secretaria de Governo da
Capitania. Registro de cartas, ordens e provisões régias, avisos e cartas do Governador.

530 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
muito cômodos, e com um extensíssimo comércio para todas as outras
capitanias do Brasil; devendo em tais circunstâncias cessar também as
exorbitantíssimas despesas das referidas três companhias”304

Vimos acima que os historiadores apocalípticos afirmavam que nessa época –


início do último quartel do século XVIII – a capitania estava em decadência, suas
vilas em ruínas, e seu povo na mais negra miséria. Mas o secretário do Ultramar,
que muito brevemente se tornaria o principal dirigente do governo português,
tinha uma visão radicalmente oposta. Segundo ele, a prosperidade reinava por toda
parte, em todas as comarcas havia fartura. Tudo de que se precisava para viver era
abundante, custava barato, e ainda sobrava, pois Minas Gerais fazia um “extensís-
simo” – o superlativo é dele – comércio para as outras capitanias. Mello e Castro
não menciona migrações internas nem esvaziamento de nenhuma comarca. Diz,
muito pelo contrário, que todas eram populosas e abastadas, devendo os soldos ser
reduzidos, para que a tropa não adquirisse maus hábitos, “porque tudo o que lhe
resta de mais do sustento o despende em desordem e se arruína”.305
Alguns anos mais tarde, em 1788, Mello e Castro, já então o principal ministro
de Maria I, voltou a entregar diretrizes a outro governador prestes a partir para
Minas Gerais. Na Instrução para o jovem e culto visconde de Barbacena,306 o minis-
tro revela um alto nível de informação sobre a história e a situação presente da
capitania, e em nenhuma passagem do longo texto menciona ou endossa qualquer
sugestão sobre sua decadência. Longe disso, afirma enfaticamente a higidez da
economia mineira, dizendo que, se nos primeiros tempos os habitantes importa-
vam apenas as ferramentas e os mantimentos básicos, na sequência “aumentou-se
a população, multiplicaram-se os trabalhos, assim da cultura como da mineração,
cresceram os habitantes de Minas em riqueza e opulência, e nesta mesma proporção
se multiplicou o consumo, não só do que era necessário para os trabalhos rústicos
e sustento da vida, mas estendeu-se a tudo que podia servir para o cômodo, fausto
e luxo. De sorte que as entradas para Minas Gerais de toda sorte de gêneros, efeitos

304 Instruções do Sr. Martinho de Mello e Castro para se regular a Tropa paga, 1775.
305 Instruções do Sr. Martinho de Mello e Castro para se regular a Tropa paga, 1775. Os itálicos são meus.
Há uma notável concordância entre a visão de Martinho de Mello e Castro e o quadro de tranquila
prosperidade e abundância alimentar descrito em 1780 pelo geógrafo José Joaquim da Rocha, que já
mencionamos acima.
306 Luiz Antônio Furtado de Mendonça era doutor em filosofia e bacharel em direito pela Universidade de
Coimbra reformada, naturalista, e co-fundador, juntamente com o abade Correia da Serra, Domingos
Vandelli, e o duque de Lafões, da Academia Real das Ciências de Lisboa, da qual foi secretário até sua
partida para Minas.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


531
e fazendas, fazem hoje o importante comércio que se vê estabelecido entre aquela
capitania e as outras do Estado do Brasil, particularmente a do Rio de Janeiro”.307
Não havia, portanto, nenhuma crise, nem miséria. As importações continua-
vam a fluir normalmente, incluindo “toda sorte de gêneros, efeitos e fazendas”, o
que indica que não havia estrangulamento ou choque na capacidade de importar.
Quem afirmava o contrário eram os contratadores de impostos e os funcionários
corruptos que os protegiam, os quais, devendo “enormíssimas” somas à real fazenda,
“têm querido confundir com o estado decadente em que representam a capitania
de Minas, e tomando por pretextos a dita decadência, insinuam ao mesmo tempo
não só a impossibilidade de se poder conseguir o referido embolso, mas adiantam
as suas dissimuladas ideias até o ponto de pedirem à Sua Majestade uma enorme
quita”. A economia estava bem, o que estava em pandarecos era a real fazenda, “a
qual, pelas omissões, negligências, empenho, proteções, e talvez por um sórdido,
vil e abominável interesse dos que a deviam zelar e não zelaram, se acha reduzida à
deplorável situação em que presentemente a vemos na capitania de Minas”.308
A Instrução continha também diretrizes para uma reforma dos direitos de
entrada. Como linha geral mandava buscar “dois principais fins – se facilitarem aos
mineiros e lavradores, por preços cômodos, os instrumentos e mais efeitos necessá-
rios para suas lavras e trabalhos rústicos, indenizando-se a real fazenda nos que são
próprios para o cômodo e luxo”. Isto é, os artigos de consumo popular e os insumos
produtivos deveriam ser desonerados, os bens supérfluos e de luxo deveriam ser
taxados com mais vigor, “tendo sempre a atenção a que todos os instrumentos e
mais gêneros e efeitos que servem para a exploração das minas, cultura das terras e
outros trabalhos rústicos, e igualmente para vestuário dos negros e da gente pobre,
devem ser sempre os mais favorecidos nos direitos de entrada, e os que forem des-
tinados para outros usos os devem gradualmente pagar maiores, principalmente os
de luxo e os que mais se aproximam a ele”.309
Porém, “o vinho, o vinagre, o azeite, as águas-ardentes, e outros diferentes
gêneros que entram na sobredita classe de comestíveis e molhados, [são] todos
ou a maior parte da produção de Portugal, e por esta razão se deviam aliviar o
quanto fosse possível de direitos para promover o seu maior consumo”. Do ônus
que pesava sobre esses artigos, “resulta que os habitantes de Minas, valendo-se do

307 Mello e Castro. Instrução para o Visconde de Barbacena, pp. 41-42. Os itálicos são meus.
308 Mello e Castro. Instrução para o Visconde de Barbacena, pp. 57-59. Os itálicos são meus. Segundo
Bluteau (1728) quita significava mais que seu sentido atual de quitação. Tinha o sentido de “remissão
total ou de parte da dívida”. Moraes Silva (1789) define a palavra como “remissão ou perdão de
alguma dívida ou obrigação”.
309 Mello e Castro. Instrução para o Visconde de Barbacena, pp. 44-46.

532 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
azeite, ainda que inferior, fabricado na terra, e de bebidas destiladas ou extraídas da
cana de açúcar e de outras frutas e sementes, suprem com elas as que lhes vão deste
reino, e que, por caras, só os ricos e poderosos as podem comprar, e ainda estes,
em porções insignificantes”.310 Esta ressalva indica que alguns molhados de luxo
estavam sendo efetivamente substituidos por produção local. A causa disso, entre-
tanto, não era a falta de “capacidade para importar”, mas sim o fato desses produtos,
gravados por impostos, não serem capazes de concorrer, em termos de preço, com
o o produto local, ficando seu consumo restrito a uma pequena faixa do mercado.
A recomendação de Mello e Castro era o inverso de uma política de proteção
tarifária para o produto doméstico. Nessa política se aumenta o imposto de impor-
tação para encarecer o importado, fortalecendo a posição competitiva do artigo
local. O que se propõe aqui é uma política de desproteção do produto local em
favor do importado (exportado por Portugal) – reduzir o imposto de importação
em Minas para baratear o produto português, dando-lhe melhores condições de
concorrer, no mercado mineiro, com o sucedâneo produzido localmente.
Uma medida heterodoxa, mas compreensível, já que cuidava de proteger os
interesses dos comerciantes, produtores, e talvez, dependendo das elasticidades, da
própria real fazenda portuguesa. Muito mais inusitada, e reveladora sobre a política
colonial e sobre a situação da economia mineira foi a determinação seguinte, que
mandava o governador examinar “com particular reflexão os gêneros e efeitos da
produção e manufatura da capitania de Minas que são idênticos ou análogos aos
que entram de fora, da produção ou manufatura das outras capitanias, tais como
quadrúpedes de toda a qualidade, águas ardentes fabricadas na terra, açúcar, sal,
azeite e outros semelhantes, porque, achando-se os de fora sujeitos a pagar direitos,
não há razão alguma para que os de dentro fiquem totalmente isentos deles (...)
Não os pode isentar a razão de haverem pago dízimo, porque os de fora também os
pagam nos seus respectivos lugares”.311
A ordem era, pois, taxar os produtos “de dentro” para favorecer os “que entram
de fora” – o avesso da substituição de importações – e uma proposta muito mais
radical do que a anterior, que se limitava a desonerar o produto português. Ainda
mais porque agora, os produtos “de fora” não eram sequer as exportações da metró-
pole, mas a produção das outras capitanias. Isso revela um aspecto da arquitetura

310 Mello e Castro. Instrução para o Visconde de Barbacena, p. 42.


311 Mello e Castro. Instrução para o Visconde de Barbacena, pp. 47-48. O ministro mandou organizar três
pautas: uma com os gêneros que vêm do Rio de Janeiro, outra com aqueles que entram das outras
capitanias, e a terceira com “os da produção e manufatura de Minas, análogos e da mesma qualidade
dos de fora, e os respectivos direitos que devem pagar”. Isso feito, o governador poderia, em acordo
com o vice-rei do Brasil, determinar sua cobrança por um ano, ou aguardar as reais ordens a respeito
da matéria, p. 48.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


533
econômica colonial mercantilista, que nem sempre é lembrado pela historiografia.
Fala-se muito na reserva, até por meios violentos, do mercado da colônia para os
comerciantes e/ou produtores metropolitanos – o famoso “exclusivo” – mas rara-
mente se menciona o projeto de criar amarras econômicas entre as colônias ou, no
caso do Brasil, entre as regiões.
Na mente do colonizador, o desenho da colônia ideal incluía não só a depen-
dência da metrópole, mas também uma rede de dependências cruzadas entre
suas partes. Não se tratava apenas de proteger as exportações ou o comércio da
metrópole, como no caso da proibição do fabrico de ferro, pólvora ou tecidos,
mas de criar especializações produtivas ou monopólios regionais de oferta para
gerar interdependência entre as capitanias. Elas não deveriam ser autossuficien-
tes, mas sim complementares, e trocar produtos entre si. A parte do rei viria dos
direitos de entradas gerados por esse comércio. Em particular, Minas não deveria
produzir aguardente, nem açucar, nem tabaco, nem bestas (nem “sal, azeite e
outros semelhantes”, conforme a Instrução). Esses artigos eram reservados a São
Paulo, ao Rio de Janeiro, à Bahia e ao Rio Grande, que os forneceriam a Minas
Gerais. Isso é dito, com todas as letras, por exemplo, por Teixeira Coelho, em sua
memória de 1780:
Na capitania de Minas somente se deve trabalhar nas lavras e na cultura
das terras que produzem os gêneros necessários para o sustento dos
povos; e as aguardentes de cana deviam ir para Minas das capitanias de
São Paulo e do Rio de Janeiro, onde não há ouro, o que faria crescer os
direitos das entradas. O mesmo digo quanto à folha do tabaco, a que
chamam fumo, a qual devia cultivar-se somente nas capitanias do Rio
e de São Paulo, e não em Minas, porque o grande número de escravos
que se emprega neste exercício podia empregar-se na extração do ouro,
em utilidade do real quinto e dos direitos de entradas que se pagam nos
registros.312

A taxação sobre os “similares internos” tinha a finalidade de desestimular a


produção desses bens, tornando-a menos competitiva, da mesma forma que a
proibição dos engenhos e o estanco do tabaco tiveram a intenção de impedi-la.
Nas palavras do próprio Mello e Castro, “é indispensavelmente necessário que a
capitania de Minas se conserve em alguma dependência das outras capitanias pelo
que respeita ao seu consumo e giro do seu comércio; porque de outra forma se
acabaria a comunicação entre elas e se extinguiriam as mútuas vantagens que reci-
procamente se podem prestar umas às outras”. Exemplifica com o caso das “bestas

312 Teixeira Coelho. Instrução, p. 454. Sobre isso veja-se também Guerzoni Filho. Política e Crise, p. 14 e
seguintes.

534 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
muares” do Rio Grande, das quais Minas fizera no passado grande importação. Por
serem de fora, além das despesas de condução e passagens, esses animais pagavam
o direito de entrada, mas de uns tempos para cá, Minas passara a criar suas próprias
bestas – o que “de nenhuma sorte se devia ter consentido” – as quais, por serem
“do país” não pagavam direitos. Assim, as bestas gaúchas não tinham condições de
concorrer com as bestas mineiras. O resultado seria que “dentro em breve tempo
se acabará este ramo de comércio entre as duas capitanias, com grave prejuízo da
do Rio Grande, e igualmente da real fazenda. E o mesmo acontecerá com os mais
gêneros e efeitos acima indicados, se entre os do país e os de fora não se estabelecer
quanto (sic) for praticável uma igualdade de concorrência, por meio de uma pro-
porcionada contribuição de direitos”.313
Essas considerações deixam patente que o experiente ministro do Ultramar,
há quase duas décadas no cargo encarregado de cuidar de todos os negócios colo-
niais,314 não estava falando de uma colônia decadente ou mesmo estagnada, mas de
uma economia diversificada e robusta, que escapava cada vez mais ao controle da
metrópole. Não era uma região arruinada na qual se havia criado apenas “alguma
agricultura de subsistência”, como afirmava o economista paraibano.
Outros documentos da época também indicam que, ao procurar conter ou
reverter a diversificação da economia mineira, Portugal estava tentando botar
tranca em uma porta arrombada. A diversificação já havia se consumado há tem-
pos e a independência econômica de Minas já era uma realidade irreversível.
Também na década de 1770, o capitão general e governador de São Paulo, Luís
Antônio de Souza, o morgado de Mateus, oficiou repetidamente à coroa e ao capi-
tão general de Minas reclamando sobre o desenvolvimento da pecuária mineira,
com o argumento de que quanto mais os mineiros consumissem gado criado em
sua própria capitania, menos comprariam os animais vindos dos campos do sul,
fazendo diminuir os direitos de passagens, pagos em sua capitania, assim como as
rendas reais, pois se pagariam menos direitos de entradas.315

313 Mello e Castro. Instrução para o Visconde de Barbacena, pp. 47-48.


314 Martinho de Mello e Castro foi nomeado para o cargo de secretário de Estado dos Negócios da
Marinha e Domínios Ultramarinos em 4 de janeiro de 1770. Sucedeu a Francisco Xavier Furtado
de Mendonça, irmão do marquês de Pombal, e permaneceu nesse cargo até sua morte em 1795.
Conhecia pessoalmente o Brasil, onde estivera de 1754 a 1756, e era provavelmente a autoridade
metropolitana mais bem informada sobre a situação das colônias.
315 Dauril Alden. Royal Government in Colonial Brazil. With special reference to the Administration of the
Marquis of Lavradio, Viceroy, 1769-1779. Berkeley and Los Angeles: University of California Press,
1968, p. 386.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


535
Vale a pena ver ainda o que diz sobre esse assunto o autor do Roteiro do
Maranhão a Goiaz:
Aplicando-se, como vão fazendo os habitantes de Minas a todos os
objetos da Agricultura, em um país que não só produz os gêneros
da América, mas também os da Europa, passando do mesmo modo
a aperfeiçoarem as manufaturas, a que se vão inclinando; chegando,
por último, a ter todo o necessário físico, que caminhos restariam
à Metrópole para haver deles o ouro? Teria ela porventura por
equivalente a introdução de um luxo em mercadorias acomodadas
ao gênio dos mineiros, para assim haver deles, por condescendência
o ouro que eles de necessidade lhe deviam dar? De qualquer outro
meio que para esse fim servisse a Metrópole, ela e as capitanias da
Marinha não poderiam tirar as vantagens que perderiam do comércio
estabelecido em gêneros de primeira necessidade. Os dízimos, os
impostos, seriam só os canais por onde correria o ouro das minas
à Metrópole; mas seriam sempre copiosos e perenes, descendo dum
país já dela independente para a sua subsistência? Se for possível
que todos os habitantes de Minas se ocupassem só na extração do
ouro, e que todo o necessário físico se lhes introduzisse da metrópole
e capitanias da marinha; deste estado de total dependência que
utilidade não tiraria a Metrópole! Esta nada teria que receiar do
orgulho dos mineiros. Ela veria notavelmente crescer a povoação e
cultura das capitanias da marinha, aumentar-se o seu comércio, e
pagarem as Minas por este modo o equivalente dos gêneros que pela
sua situação do interior do país, não pode de outra sorte a Metrópole
delas esperar.316

No final do século XVIII, a força do mercado já tinha detonado o blueprint colo-


nial, e invertido o sentido da dependência – agora o Rio de Janeiro é que depen-
dia de Minas Gerais, e não vice-versa. As únicas linhas vitais de suprimentos para
Minas eram o porto daquela cidade e, em menor escala, o da Bahia, porque era por
aí que a capitania mediterrânea se conectava com a África e com o tráfico atlântico
de escravos, crucial para sua economia.
A resposta dos mineiros ao pedido de ajuda da metrópole para enfrentar a crise
financeira causada pelas guerras napoleônicas também revela muito sobre a saúde
de sua economia e seu descolamento do setor aurífero em colapso. Nos primeiros
anos do século XIX, a produção de ouro, medida pela arrecadação dos quintos,

316 Roteiro do Maranhão a Goiaz pela capitania do Piauhi. Revista Trimensal do Instituto Historico e
Geographico Brazileiro. Tomo LXII, parte I. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1900, pp. 121-22. Não
se conhece o autor desta memória. O texto não é datado, mas foi escrito, com certeza, entre 1770 e
1802.

536 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
estava no fundo do poço. A média dos anos 1801-1807 era menos de um quarto do
que fora em seu zênite (1736-1751), e continuava caindo, lenta e inexoravelmen-
te,317 mas isso em nada comprometeu a prosperidade da capitania.
Em 1804, premido por “despesas exorbitantíssimas” causadas pela “geral e pro-
longada perturbação de toda a Europa”, o príncipe regente resolveu solicitar dona-
tivos de seus súditos coloniais. Para isso, enviou ao governador de Minas a carta
régia de 6 de abril de 1804, a qual, além de criar uma nova capitação de 600 réis por
escravo, convocava novamente os mineiros, que já tinham socorrido a coroa, com
subsídios “voluntários”, na reconstrução de Lisboa após o “terramoto” de 1755, na
construção do palácio da Ajuda, depois do incêndio da Real Barraca em 1794, e
em vários outros apertos, a fazer novos donativos, acenando com recompensas em
mercês e títulos honoríficos.318
O governador pôs mãos à obra e, apesar do “suposto estado decadente do país”,
arrecadou contribuições no montante de 252 contos de réis, que foram enviados
a Lisboa em barras de ouro, ouro em pó e moedas de ouro.319 Esse valor, coletado
em pouco mais de um ano, é equivalente a mais de um quarto da soma total dos
donativos enviados ao longo de vinte e dois anos, de 1757 a 1778 pelas câmaras
municipais de Minas para a reconstrução da capital portuguesa.320
Todas as regiões da capitania participaram do mutirão para socorrer o príncipe
regente, e a contribuição de cada uma foi consistente com seu potencial econômico
na época. A comarca do Rio das Mortes, além de ser a mais populosa era certa-
mente a mais próspera. A do Serro Frio participou exatamente na proporção de sua
população, e a de Vila Rica tinha a menor população, mas sediava o governo e uma
concentração de pessoas com rendas altas. A do Rio das Velhas tinha a segunda
maior população, mas incluia áreas do norte e do noroeste, que eram mais remotas

317 Quintos 1714-1787: Maxwell. Conflicts and Conspiracies, pp. 252-53; quintos 1788-1807: Eschwege.
Pluto Brasiliensis, p. 202.
318 APM. SC-294. Secretaria de Governo da Capitania. Registro de cartas régias e avisos. Carta Régia
de 6 de abril de 1804, ao Governador Pedro Maria Xavier de Ataíde e Mello, solicitando donativos
voluntários dos mineiros. Veja-se também APM. CMOP cx. 78. doc. 05. Carta de Lucas Antônio
Monteiro de Barros, Ouvidor Geral e Corregedor da Comarca de Vila Rica, em 15/09/1804. Solicitação
do Cumprimento da Carta Régia de 06/04/1804, que estabelece o imposto de 600 réis pela posse de
escravos e pelo donativo voluntário.
319 Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcelos. Breve descrição geográfica, física e política da capitania de
Minas Gerais [1807]. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1994, pp. 114-15. Os itálicos são meus.
320 “Cálculo das remessas que se fizeram para a Corte do subsídio voluntário oferecido pelas Câmaras da
Capitania de Minas Gerais para a reedificação da cidade de Lisboa, em cada um dos anos em que se
pagou o mesmo subsídio”. Teixeira Coelho. Instrução, pp. 436-37.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


537
e mais atrasadas. Os valores dos donativos individuais foram variados, mas dei-
xam claro que em nenhuma delas a população estava na miséria, como queriam os
catastrofistas.321
Localizei no Arquivo Público Mineiro listas de doadores referentes a vários dis-
tritos pertencentes a nove dos 14 termos então existentes – Vila Rica, Mariana,
Sabará, São João del Rei, Caeté, Vila do Príncipe, Pitangui, Queluz e Paracatu.322
Essas relações são incompletas, mas contêm alguns milhares de lançamentos, que
permitem caracterizar com segurança o perfil dos doadores e os tipos de donativo.
As listas que compilei pessoalmente 323 revelam uma grande adesão de todos os
segmentos da população livre. O bispo, o governador, grandes mineradores, gran-
des comerciantes e altos funcionários, doaram pequenas fortunas. Mas não foram
os únicos – muito mais gente, de todas as classes, ocupações e cores, também fez
donativos. Eclesiásticos, pequenos funcionários, médios e pequenos comerciantes,
vendeiros, soldados, profissionais liberais, mestres de ofícios, artesãos, faiscadores,
quitandeiras, costureiras, sapateiros, artistas, forros e forras, viúvas, e até pobres,
também doaram, cada um dentro de “suas privativas faculdades”. Um grande
número fez donativos “gratuitos” ou “por si”, como eram chamados os donativos
verdadeiramente voluntários, que ultrapassavam o valor obrigatório de 600 réis por
escravo. Também fez donativos “por si” muita gente que não tinha nenhum escravo
e, portanto, nenhuma obrigação de contribuir. No termo de Vila Rica, 87% do valor
total doado o foi na modalidade “por si”, e 89% dos doadores fizeram doações desse
tipo. No termo de São João del Rei, 67,5% do total foi doado nessa modalidade, que
foi usada por 99% dos doadores.324
Registre-se, para comparação, que o mesmo apelo foi dirigido à capitania de
São Paulo. Porém, o governador Antônio José de Franca e Horta, explicou que não

321 As porcentagens do donativo arrecadado foram: Rio das Mortes 35,9; Rio das Velhas 25,4; Serro
17,3; Vila Rica 21,4. As porcentagens da população total em 1808 eram: Rio das Mortes 33,3; Rio das
Velhas 32,2; Serro 17,9; Vila Rica 16,6. Mapa do Donativo Voluntário que ao Augusto Príncipe R. N. S.
ofereceram os povos da Capitania de Minas Gerais no ano de 1806. In: Uma raridade bibliográfica: O
Canto Encomiástico de Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcellos impresso pelo Padre José Joaquim Viegas
de Menezes, em Vila Rica, 1806. Edição fac-similar. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional e São Paulo:
Gráfica Brasileira, 1986, p. 65.
322 Não encontrei (ainda) listas referentes aos termos de São José, Minas Novas, Tamanduá, Barbacena e
Campanha.
323 APM. CC 1610, APM. CC 2202, APM. CC 2203, APM. SG. Cx. 64 - Doc. 03 e APM. Ofício de José Gregório
de Morais Navarro.
324 Uma exposição mais detalhada sobre o donativo de 1804, com especial referência à capital mineira,
pode ser vista em Roberto Martins. Vila Rica, vila pobre.

538 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
iria cobrar a taxa sobre os escravos porque a escravatura em São Paulo era muito
diminuta (...) Não havia na capitania “minas permanentes”, nem a posse de escravos
estava “na razão direta dos haveres de cada um”. Franca e Horta organizou algumas
coletas, mas esquivou-se de assumir qualquer compromisso, alegando “as poucas
forças dos seus habitantes pela estreiteza do seu comércio e atraso da agricultura”.325

FARTURA PRA DAR E VENDER


Ainda no tema da situação econômica da capitania, é interessante lembrar tam-
bém o episódio da chegada da corte portuguesa ao Brasil, pouco tempo depois.
Sabemos que desde o século XVIII, o Rio de Janeiro já era abastecido de manti-
mentos por Minas Gerais. Quando o vice-rei, conde dos Arcos recebeu, em 14 de
janeiro de 1808, a inesperada notícia da partida da família real de Portugal, e de
sua iminente chegada ao Rio de Janeiro,326 era natural, portanto, que Minas Gerais
fosse um dos principais alvos do seu esforço para suprir a cidade dos mantimentos
necessários para receber o príncipe regente, sua família, e a grande comitiva que os
acompanhava.327
Ordens e pedidos de socorro foram expedidos para as capitanias vizinhas e para
localidades próximas ao Rio, e as autoridades mineiras se movimentaram rapida-
mente para atendê-las. Poucos dias depois da notícia, em 24 de janeiro, já era divul-
gado pelo Ouvidor Geral da comarca do Rio das Mortes o seguinte edital:
Faço saber a todos os fiéis e generosos vassalos americanos desta
comarca, que acabo de receber a mais alegre notícia que pode dar-se (sic)
aos mesmos vassalos de Sua Alteza Real, nosso augusto e amabilíssimo
príncipe, de que este mesmo senhor está próximo a chegar à cidade do
Rio de Janeiro com toda a sua augusta família (...) devemos todos com a
maior prontidão mostrar o quanto a estimamos, por todos os modos que
nos forem possíveis, acertando-lhe tudo quanto possa caber nas nossas

325 Maria Beatriz Nizza da Silva. Ser nobre na colônia. São Paulo: Editora UNESP, 2005, pp. 258-59.
326 Patrick Wilcken. Império à deriva. A corte portuguesa no Rio de Janeiro. 1808-1821. Rio de Janeiro:
Editora Objetiva, 2005, p. 103
327 Segundo Manchester, “variam muito as estimativas, mas aproximadamente umas dez mil pessoas
tomaram os navios entre a manhã de 25 e a noite de 27 de novembro”. No mesmo artigo apresenta um
leque de estimativas que variam entre oito e quinze mil pessoas. Alan K. Manchester. A Transferência
da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro. In: H. H. Keith e S. F. Edwards (orgs.). Conflito e Continuidade
na Sociedade Brasileira. Ensaios. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971, p. 183. Pode-se afirmar
que a população carioca teve um acréscimo, de um dia para o outro, de pelo menos 17 a 20 por
cento. Veja, Roberto Borges Martins. A Transferência da Corte Portuguesa para o Brasil: Impactos
sobre Minas Gerais. In: Cedeplar-UFMG. XIII Seminário sobre a Economia Mineira (Diamantina 2008).

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


539
possibilidades, aprontando-lhe naquela cidade, onde se espera o seu feliz
desembarque, tudo quanto possa haver nesta comarca, e principalmente
os gêneros, e víveres declarados em uma relação que hoje recebo do
Excelentíssimo General desta mais afortunada capitania, a saber: gados,
toucinhos, carnes de porco, arroz, queijos, farinha de trigo, açúcar,
farinha de mandioca, feijão, e tudo mais que parecer necessário.

O ouvidor determinou que se aprontassem todas as bestas muares e cavalos


disponíveis, e ordenou a todos os tropeiros da comarca que não fizessem nenhuma
viagem com suas tropas sem sua liçença, permanecendo em rigorosa prontidão
para conduzirem os gêneros ao Rio de Janeiro, “devendo para os ditos fins ter as
suas tropas invernadas e prontas para saírem com elas para a pré-dita cidade ao
primeiro aviso que eu lhes fizer. Bem entendido que será sem demora”.
Comunicou ainda que todos os vassalos que desejassem distinguir-se nessas
ofertas poderiam fazê-lo perante a ele próprio, que mandaria abrir um livro de
registro “para assim melhor poder chegar a notícia ao nosso soberano monarca”, e
que esperava que os habitantes da comarca fossem generosos à mesma “proporção
e maneira que sempre o têm costumado fazer em outras ocasiões”.328
A família real desembarcou no Rio em 7 de março, e já no dia 8 do mesmo
mês o governador Pedro Maria Xavier oficiava ao ministro visconde de Anadia,
informando já terem sido arrecadadas “setecentas e tantas cabeças de gado vacum,
250 porcos e outros gêneros mais, que espontâneamente têm sido oferecidos pelos
povos”.329 Uma doadora conhecida foi Dona Joaquina de Pompeu, rica fazendeira
em Pitangui que, ainda em 1808, doou 200 cabeças de gado, através de seu repre-
sentante em Vila Rica, Diogo Pereira de Vasconcelos.330 Os mineiros seguiram
fazendo avultadas doações, e na sequência continuaram sendo importantes abas-
tecedores comerciais da cidade – transformada em sede da corte, com uma popu-
lação multiplicada – como vinham fazendo desde o século anterior, mas agora em
escala ampliada.
A generosidade da capitania não surpreende, em vista das ocasiões anteriores
em que foi convocada, mas isso não é o principal. O que importa ressaltar nesse

328 Desembargador Antônio José Alvares Marques da Costa e Silva. Ouvidor Geral e Corregedor da
Comarca do Rio das Mortes. Vila de São João de El Rei, 24 de janeiro de 1808. Revista do Arquivo
Público Mineiro X, fascículos III e IV (julho-dezembro de 1905), pp. 720-721.
329 Segundo Marcos Ferreira de Andrade essa foi uma doação feita pela Câmara de Campanha. Veja,
Marcos Ferreira de Andrade. Elites regionais e a formação do Estado imperial brasileiro. Minas Gerais
– Campanha da Princesa (1799-1850). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2008, p. 32.
330 Alcir Lenharo. Política e Negócios, pp. 16-17.

540 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
evento, é a prontidão da resposta, seu volume, e o fato desse esforço não ter causado
qualquer stress na economia local – o que demonstra a existência de consideráveis
excedentes agrícolas e pecuários. Assim, da mesma forma que o episódio do dona-
tivo de 1804-1806 demonstrou que havia riqueza suficiente para bancar as doações
de várias faixas da população, a pronta disponibilidade de alimentos para doação
em 1808 revela, uma vez mais, que havia abundância e prosperidade em uma época
na qual, segundo a historiografia tradicional tudo era miséria e ranger de dentes na
capitania de Minas.

A IMPORTAÇÃO DE ESCRAVOS NUNCA PAROU


Do ponto de vista econômico um escravo é um insumo produtivo – um bem
de capital. É exatamente equivalente a uma máquina ou a qualquer outro equipa-
mento empregado na produção. Comprar um escravo era fazer um investimento
com o objetivo de produzir alguma coisa. Em outros sistemas escravistas, ou em
outras eras, os escravos foram usados para outras finalidades além da produção,
mas na escravidão americana da era moderna isso foi absolutamente irrelevante.331
“Embora os escravos tenham sido usados para muitas finalidades neste hemisfério
– como, por exemplo, artesãos, músicos, concubinas, criados domésticos, subal-
ternos, e escribas – sua função primordial foi servir como trabalhadores manuais
empregados (…) na produção de artigos para o mercado (...) não eram primor-
dialmente uma fonte de prestígio, de gratificação sexual, de satisfação de impulsos
sádicos, ou qualquer outra coisa que não fosse o lucro”.332 Ou seja, é claro que exis-
tiram escravos domésticos, valetes, pajens, mucamas, amas de leite, concubinas, e
em outras funções não ligadas à produção, e sim ao consumo, às vezes suntuário ou
conspícuo, mas isso é totalmente irrelevante do ponto de vista sistêmico.333

331 Na antiguidade ou na escravidão interna da África, por exemplo, além do recrutamento de força de
trabalho, o regime servil atendia a outras motivações sociais e políticas. Suzanne Miers e Igor Kopytoff.
Slavery in Africa. Historical and Anthropological Perspectives. Madison: University of Wisconsin Press,
1977, p. 72. Na expansão europeia que se seguiu aos grandes descobrimentos, a instituição – já
praticamente extinta na Europa ocidental – foi ressuscitada com um caráter radicalmente distinto.
Nessa escravidão reinventada os cativos serviram essencialmente como trabalhadores para a
exploração dos imensos recursos naturais que os europeus encontraram no Novo Mundo.
332 Sidney Mintz. Caribbean Transformations. Chicago: Aldine Publishing Company, 1974, p. 47.
333 Para uma discussão um pouco mais extensa sobre essa questão, veja Roberto Borges Martins. Notas
sobre a demografia das populações escravas da América. In: Cedeplar-UFMG. XVII Seminário sobre a
Economia Mineira (Diamantina 2016).

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


541
Não se importavam escravos por diversão, por esporte, por lascívia ou por luxo,
mas para a produção. Portanto, assim como a importação de máquinas e equipa-
mentos é um bom indicador do nível de atividade de uma economia moderna, a
participação no tráfico atlântico era, naquele tempo, uma excelente indicação do
nível de investimento e da conjuntura de uma economia escravista.
Uma economia estagnada ou em recessão reduz ou suspende a demanda por
trabalho. Uma economia saudável e em crescimento mantém ou amplia, coeteris
paribus, a demanda por mão de obra. Numa economia escravista, a continuidade
da importação de escravos é um sinal seguro de que a mesma não está deprimida.
A suposta interrupção ou queda drástica nas importações de africanos e a suposta
decadência econômica de Minas Gerais são teses xifópagas – são rigorosamente
duas faces de uma mesma moeda. Afastada uma delas não há como sustentar a
outra.
Não é possível, com os dados atualmente disponíveis, afirmar se o ritmo de
importação de escravos estava em queda, em ascensão, ou estável, no final do
século XVIII. Mas podemos descartar, por caduca, a surrada lorota de que a impor-
tação de escravos parou (ou se reverteu em exportação) porque a mineração entrou
em decadência. Na economia diversificada do final do século, a mineração aurí-
fera não mais determinava, havia muito tempo, o nível da demanda por trabalho
escravo. Essa procura era função de um amplo conjunto de atividades, dentre as
quais o setor ouro era um componente menor. Mesmo sem poder fixar números
precisos, existe farta evidência empírica e documental comprovando que o fluxo
de africanos não se interrompeu – Minas nunca parou de importar novos escravos –
um atestado seguro do dinamismo econômico da capitania no final dos setecentos.
No relatório de transmissão do cargo a seu sucessor, datado de 19 de junho
de 1779, o vice-rei do Brasil e governador do Rio de Janeiro, D. Luís de Almeida
Portugal, 2º. marquês do Lavradio, refere-se às entradas de escravos para a capi-
tania mineira como algo corriqueiro e frequente, e informa que entre as funções
do Provedor da Fazenda se incluia a de emitir “as guias para os escravos que
vão para Minas, afim de que estes paguem primeiro os direitos que devem a Sua
Majestade”.
Mais adiante, relata que para acabar com a desordem, a insalubridade e as inde-
cências decorrentes dos desembarques de africanos na cidade, resolveu ordenar
que “todos os escravos que viessem nestas embarcações” fossem depositados no
“sítio chamado Valongo”, e que os compradores, “enquanto os não conduziam para
as Minas, ou para as suas fazendas depois de comprados, os tivessem no campo de

542 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
S. Domingos, aonde tinham todas as comodidades, e livravam a cidade dos incô-
modos e prejuízos”.334
Em sua memória de 1780, o desembargador José João Teixeira Coelho, que fora
intendente do ouro em Vila Rica durante toda a década anterior, menciona várias
vezes as entradas de escravos novos para Minas, e a arrecadação dos direitos pagos
por essas importações. No ano de 1778, a receita desse tributo atingiu a quantia
de mais de 13,6 contos de réis, o que implica na entrada de mais de 4.500 negros
novos, somente nesse ano.335 Em outro trecho o desembargador informa que “tem-
-se calculado que em cada ano entram para Minas quatro mil escravos, pouco mais
ou menos”. O ex-intendente afirma que a maior parte dessas importações não se
destinava à mineração, e sim a outras atividades – esses escravos eram usados no
“serviço dos particulares” e pelos roceiros, restando uma parcela insuficiente para
guarnecer as “fábricas minerais”. Para aquilatar a dimensão desse número, basta
observar que ele representa metade (exatamente 49,3%) da média anual de africa-
nos desembarcados no sudeste brasileiro no quinquênio 1776-1780, ou 24% dos
desembarques anuais no sudeste e na Bahia somados, ou ainda 20% da média anual
de todos os africanos desembarcados no Brasil no mesmo período.336
Também em 1780, o governador D. Rodrigo José de Meneses, em seu relatório
para Martinho de Mello e Castro, fez diversas referências à importação de escravos
por Minas Gerais, e propôs a criação de um fundo, com recursos da real fazenda,
com a finalidade de emprestar dinheiro aos mineradores, para que pudessem com-
prar seus escravos com juros mais baixos.337 Na mesma época, José Joaquim da
Rocha também menciona, em sua memória escrita em 1780-1788, a importação de
escravos pelo registro de Matias Barbosa, e informa que cada negro novo pagava
3.000 réis de direitos de entrada, ali e em todos os outros registros onde se cobra-
vam esses direitos.338

334 Relatorio do Marquez de Lavradio, Vice-Rei do Rio de Janeiro, entregando o governo a Luiz de
Vasconcellos e Souza, que o succedeu no vice-reinado. Revista Trimensal de História e Geographia ou
Jornal do Instituto Historico Geograhico Brasileiro, nº. 16, janeiro de 1843, pp. 446, 450-51. Note-se
que o vice-rei menciona especificamente as saídas de escravos novos para Minas e para nenhum outro
destino.
335 Teixeira Coelho. Instrução, p. 392. José Joaquim da Rocha informa que cada negro novo pagava 3.000
réis de direitos de entrada em todos os registros da capitania. Rocha. Geografia Histórica, pp. 123-24.
336 Teixeira Coelho. Instrução, p. 378. Os dados do tráfico são da Trans-Atlantic Slave Trade Database.
337 D. Rodrigo de Menezes. Exposição, pp. 317-18.
338 Rocha. Geografia Histórica, pp. 123-24.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


543
Outra evidência interessante da continuidade das importações de africanos
é revelada por uma disputa pelo controle do mercado mineiro de cativos. A vila
de Santos já havia tentado, em 1713, em pleno rush minerador, ser credenciada
como porto oficial de entrada de escravos.339 A pretensão foi derrotada pelo Rio de
Janeiro que, com a abertura do Caminho Novo passou a ser o grande entreposto
do tráfico atlântico e, com base sobretudo nesse ramo de comércio, cresceu e tor-
nou-se a capital da colônia. Quase oito décadas depois, em 1791, já no ocaso da
produção aurífera, os paulistas renovaram o pleito, causando uma confrontação
entre seu governador e o vice-rei do Brasil.
A licença dada pela rainha a um comerciante de Lisboa, a “instâncias do gover-
nador e capitão general da capitania de São Paulo, Bernardo José de Lorena (...)
para ir a Benguela carregar de escravos, e conduzi-los em direitura ao porto de
Santos”, para vendê-los para Minas Gerais, gerou um imediato e vigoroso protesto
do conde de Rezende, D. José Luís de Castro, em defesa dos interesses do Rio de
Janeiro. “Se o projeto do capitão general de São Paulo não for de alguma forma
interrompido”, dizia o vice-rei ao ministro Mello e Castro, seguir-se-iam “prejuízos
gravíssimos à fazenda real, à agricultura e comércio do Rio de Janeiro (...) porque
não serão unicamente os escravos, que por aquela praça se introduzam em Minas,
como também quaisquer efeitos, de onde resultará maior abatimento aos rendi-
mentos da alfândega desta cidade”, a qual, por ser a capital tinha mais responsabili-
dades e necessitava de mais recursos que as “capitanias subalternas”.340
O projeto paulista foi novamente derrotado, e a cidade maravilhosa prosseguiu
com seus negócios negreiros até tornar-se, no século XIX, o maior porto escravista
do mundo. O episódio revela que nessa época, como no início do século, dispu-
tava-se um mercado altamente comprador. Se sua economia estivesse em ruínas,
se os mineiros tivessem suspendido suas compras de africanos, ou se estivessem
liquidando suas escravarias (como diziam Simonsen e Furtado) ninguém se preo-
cuparia em brigar por esse mercado moribundo.
Outros relatos contemporâneos também atestam a continuação das impor-
tações de escravos por Minas Gerais. Em um texto publicado em 1801, Antonio
José Vieira de Carvalho, cirurgião-mor do regimento de cavalaria de Vila Rica,

339 Maurício Goulart. A escravidão africana no Brasil: das origens à extinção do tráfico. 3ª. edição. São
Paulo: Alfa-Ômega, 1975, pp. 137-38.
340 Carta do conde de Rezende representando contra a licença de Sua Majestade a Jacinto Fernandes
Bandeira, negociante da praça de Lisboa (1791). Archivo do Districto Federal. Revista de Documentos
para a História da Cidade do Rio de Janeiro, vol. I (1894). Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger, 1894, pp. 480-
81. Veja também Alden. Royal Government in Colonial Brazil, p. 386.

544 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
afirmou que, no exercício da medicina na capital mineira, pôde ver, com seus “mes-
mos olhos”, o grande sofrimento da “inumerável multidão dos negros que [para]
ali transporta a escravidão e o comércio”.341 Em 1802, o já citado José Manuel de
Sequeira, escreveu que a capitania de Minas Gerais importava ferro, aço e escravos,
fazendo nessas importações uma “grandíssima despesa”.342
Angelo Carrara localizou, em documentos fiscais da capitania, dados que per-
mitem estimar a entrada de mais de 40 mil africanos, apenas pelos registros do
Caminho Novo, Mantiqueira, Rio Pardo e Jacuí, entre os anos de 1785 e 1807, ou
seja, antes da região rceber quaisquer estímulos da transferência da corte portu-
guesa para o Rio.343
Analisando inventários de habitantes da comarca do Serro, no outro extremo da
capitania, referentes às décadas de 1780-1789, 1790-1799 e 1800-1810, José Newton
Coelho Meneses observou uma presença africana muito alta e crescente nas escra-
varias. Partindo do nível de 60% na primeira década, a parcela de africanos, entre
os cativos com origem conhecida, salta para 72% na década seguinte, e se mantém
nesse patamar na primeira década do oitocentos. Tal incremento já constitui, por
si só, um sinal seguro da continuidade das importações, indicador que fica muito
reforçado quando lembramos que a taxa de mortalidade dos africanos, especial-
mente dos africanos novos, era muito maior que a dos crioulos. Ao pesquisar as
razões de sexo desses cativos, o autor encontrou, consistentemente com o achado
anterior, uma altíssima e também crescente preponderância do sexo masculino. A
razão de masculinidade (homens por 100 mulheres) cresce de 233 nas duas primei-
ras décadas, para 900 no último decênio enfocado, evidenciando mais uma vez a
continuada entrada de africanos nessa população. Em conclusão, Meneses observa

341 Observações sobre as enfermidades dos negros, suas causas, seus tratamentos, e os meios de as
prevenir, por Mr. Dazille (...) traduzidas na língua portugueza (...) por Antonio José Vieira de Carvalho,
Cirurgião Mor do Regimento de Cavalleria Regular de Minas Geraes, e Lente de Anatomia, Cirurgia e
Operações no Hospital Real Militar de Villa Rica. Lisboa, na Typographia Chalcographica, Typoplastica
e Litteraria do Arco do Cego, 1801, pp. 3-4.
342 Sequeira. Memória sobre a decadência, p. 99.
343 O levantamento de Carrara registra diretamente cerca de 21 mil entradas. Minha estimativa resulta de
ajustes feitos para preencher lacunas temporais nos registros. Não foi feito nenhum ajuste para corrigir
as sonegações e contrabandos sempre presentes em dados de origem fiscal, nem para incluir outros
postos aduaneiros. Carrara. Minas e Currais, pp. 337-46. Note-se que, apesar de muito expressivo (o
contingente importado estimado é maior que a população escrava total de São Paulo em 1798 ou em
1808, ou que a do Maranhão em 1798), esse número é ainda muito baixo quando confrontado com os
mais de 278 mil africanos desembarcados no sudeste brasileiro entre 1785 e 1807, grande parte dos
quais tinha Minas Gerais como destino final, e com os 205 mil desembarcados no mesmo período na
Bahia, que também era fornecedora de escravos para Minas.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


545
que “essas cifras indicam um crescimento da importação de cativos no período,
evidência de uma atividade econômica ativa que permite esse investimento por
parte da elite proprietária”.344
Outra evidência muito eloquente de que as importações de africanos continu-
aram mesmo no período de declínio da extração de ouro é a manutenção de altos
níveis de africanidade na população escrava dessa época. Baseado no Projeto Banco
de Dados de Inventários e Testamentos da Comarca do Rio das Velhas – século
XVIII, coordenado pela Professora Beatriz Ricardina, Raphael Freitas Santos mos-
tra que no distrito de Ouro Preto a africanidade dos escravos era de 83% em 1717-
1733, passou para 71% em 1734-1753, e caiu apenas para 60% em 1754-1773, já na
fase de franca decadência do ouro. No distrito de São João del Rei, a trajetória foi
de 69% para 71% para 61% nos mesmos períodos, e na comarca do Rio das Velhas
a queda foi quase imperceptível: o grau de africanidade era 76% em 1717-33, caiu
para 74% em 1734-53, e manteve-se em 72% no terceiro quartel do século.
O autor conclui que “isso significa que, durante o período colonial, uma eco-
nomia voltada para o mercado interno, como a comarca do Rio das Velhas [objeto
de seu estudo] após a segunda metade do XVIII, por exemplo, pode ser capaz de
gerar recursos para novas importações de escravos. Ou seja, a comarca estava vin-
culada ao mercado internacional, mesmo contando com uma economia que, cada
vez mais, caminhava em direção à produção de gêneros destinados ao mercado
local e/ou regional”.
Santos observa ainda que “os próprios dados apresentados por Luna e Costa
mostram que, de acordo com um censo feito em 1771 – período em que a produção
do ouro já havia declinado – na freguesia de Congonhas do Sabará, comarca do Rio
das Velhas, a proporção de escravos de origem africana era muito maior (69,4%) do
que a percentagem de escravos coloniais, ou seja, nascidos na América portuguesa
(30,6%)”.345
Algumas pessoas parecem não se dar conta de que 60% significa um altíssimo
nível de africanidade, que só pode ser sustentado mediante contínuas injeções
de indivíduos africanos na população. Como, por definição, não podem nascer

344 O autor alerta para o reduzido tamanho da amostra, que contém apenas 509 indivíduos, mas
os resultados são muito expressivos, não só pela magnitude dos indicadores de africanidade e de
masculinidade, mas também pelas distorções na estrutura etária dos cativos. Meneses. O Continente
Rústico, pp. 202-206.
345 Raphael Freitas Santos. Um estudo sobre os padrões de posses de escravos; Francisco Vidal Luna e
Iraci del Nero da Costa. Estrutura da posse de escravos. In: Minas Colonial: Economia e Sociedade. São
Paulo: FIPE/Pioneira, 1982, p. 50.

546 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
africanos na América, qualquer interrupção nas importações causaria uma queda
no grau de africanidade. Como a taxa de mortalidade dos africanos era muito alta346
essa queda seria grande e rápida. Mais que isso, dadas as altas taxas de mortalidade,
mesmo uma simples desaceleração das importações já provocaria um grande declí-
nio da taxa de africanidade.
O caso da Jamaica, para o qual existem bons dados estatísticos, ilustra bem esse
processo. Em 1750, 78% dos escravos daquela colônia eram africanos. Entre essa
data e a abolição do tráfico no Império Britânico, em 1807, foram importados 673
mil africanos, ou cerca de 11,8 mil por ano, em média. Apesar disso, sua proporção
caiu para 45%. Depois de encerrado o tráfico, obviamente a porcentagem conti-
nuou caindo, e atingiu 37% em 1817, e 23,5% em 1832, dois anos antes da aboli-
ção da escravidão. Quedas semelhantes aconteceram em todas as Índias Ocidentais
Britânicas, apesar das políticas de amelioration em operação. Em Barbados, a taxa
de africanidade caiu de 7,1% em 1817 para 2,9% em 1832; no Demerara-Essequibo
de 54,7% para 34,5% nas mesmas datas, e nas Bahamas de 21,1% para 9,4% entre
1822 e 1834.347
O mesmo processo pode ser observado nos Estados Unidos, onde em 1731-
1740, 41% dos escravos eram africanos. Entre esse período e a abolição do tráfico,
efetivada em 1808, a colônia e o jovem país importaram cerca de 305 mil africanos
(78% de suas importações totais), e apesar disso, no censo de 1810, o grau de afri-
canidade havia caido para 20%. No censo seguinte, em 1820, era apenas 12%, em
1840, somente 5%, e no último recenseamento do período escravista, em 1860, às
vésperas da guerra civil, menos de 1% dos escravos norte-americanos eram nativos
da África.348
A maior parte das evidências apresentadas até aqui se refere ao fluxo de africa-
nos que chegava através do porto do Rio de Janeiro. A outra fonte importante no
suprimento de escravos novos para a capitania mediterrânea era o tráfico da Bahia, o
qual, até por volta de 1750 superava o carioca, e enviava para Minas “algo como 60%

346 Para comentários e evidências sobre a altíssima mortalidade dos africanos “novos” e a sobremorta-
lidade dos africanos em geral, no Caribe Britânico, em Saint Domingue, em Cuba e no Brasil, relatadas
por contemporâneos e por historiadores, veja Roberto Borges Martins. Notas sobre a demografia das
populações escravas da América.
347 Michael Craton. Jamaican Slavery. In: Stanley L. Engerman and Eugene D. Genovese (eds.). Race and
Slavery in the Western Hemisphere: Quantitative Studies. Princeton, New Jersey: Princeton University
Press, 1975, p. 284; Higman. Slave Population and Economy in Jamaica 1807-1834, pp. 75-78; Higman.
Slave Populations of the British Caribbean, p. 116; The Trans-Atlantic Slave Trade Database.
348 Fogel and Engerman. Time on the Cross, pp. 23-24.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


547
dos escravos chegados ao porto de Salvador”.349 Embora tenha perdido a primazia
para o Rio de Janeiro, o fluxo de escravos via Bahia continuou em uma escala consi-
derável mesmo na segunda metade do século XVIII, durante o período de declínio
da mineração. Maurício Goulart afirma que entre 1760 e 1765 saíam da Bahia para
Minas Gerais cerca de 1.110 escravos por ano.350 Segundo Alexandre Vieira Ribeiro,
“após o auge da atividade mineral, as minas continuaram a absorver os escravos que
desembarcavam em Salvador, mesmo que de forma reduzida se comparado com a
primeira parte do século”. Analisando o códice 249, do Arquivo Público do Estado
da Bahia, constatou que “entre 1760 e 1770 foram enviados 10.081 escravos da Bahia
para Minas, correspondendo a 58,7% de todos os escravos saídos de Salvador para
outros destinos, incluindo aqueles situados na própria Bahia”.351
Trabalhando com a mesma fonte, Maria do Carmo Salazar Martins e Helenice
Carvalho Cruz da Silva, chegaram a resultados semelhantes: entre 1759 e 1772,
“foram emitidos 3.039 passaportes para condução de escravos, dos quais 1.732
para destinos em Minas Gerais. Foram conduzidos 19.917 escravos, sendo 17.632
africanos (88,5%). Do total de cativos despachados de Salvador, pelo menos
11.702 (58,8%), dos quais 10.674 (91,2%) eram africanos, foram para destinos
em Minas”.352
Raphael Freitas Santos mostra que esse tráfico estava operante e muito vivo em
pleno terceiro quartel do século. Relata em sua tese o registro, no final da década de
1770, de uma sociedade “destinada a comprar escravizados no porto de Salvador e
revendê-los nas Minas Gerais”, e notícias de traficantes de escravos da Bahia para
os sertões de Minas, em 1768, 1775 e 1776. Segundo esse autor, “devido à alta ren-
tabilidade das empresas, mesmo depois do declínio da oferta aurífera continuaram
circulando escravizados africanos através das rotas mercantis que ligavam o porto
de Salvador à capitania de Minas Gerais”.353

349 Herbert S. Klein. African Slavery in Latin America and the Caribbean. Oxford and New York: Oxford
University Press, 1986, p. 68.
350 Goulart. A escravidão africana no Brasil, p. 170.
351 Alexandre Vieira Ribeiro. E lá se vão para as minas: perfil do comércio de escravos despachados da
Bahia para as Gerais na segunda metade do século XVIII. In: Cedeplar-UFMG. XII Seminário sobre a
Economia Mineira (Diamantina 2006), p. 7.
352 Maria do Carmo Salazar Martins e Helenice Carvalho Cruz da Silva. Via Bahia: A Importação de Escravos
para Minas Gerais pelo Caminho do Sertão, 1759-1772. In: Cedeplar-UFMG. XII Seminário sobre a
Economia Mineira (Diamantina 2006), p. 5. Esses estudos mostram que havia dois diferentes fluxos da
Bahia para Minas: o principal era terrestre, pelo Caminho do Sertão, e o outro enviava os africanos por
cabotagem, via porto do Rio de Janeiro.
353 Santos. Minas com Bahia, pp. 277-79, 288.

548 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Um depoimento categórico sobre a continuação do tráfico baiano para Minas até
o princípio do século XIX, vem da famosa Recopilação de Notícias Soteropolitanas
e Brasílicas, publicada em 1802. Seu autor, Luís dos Santos Vilhena, informa que
“o comércio hoje desta praça para Minas Gerais, é muito diminuto, depois que o
comum dos mineiros começaram a frequentar o Rio de Janeiro (...) Consiste este
na exportação de bastantes escravos que o Rio não pode subministrar-lhes com a
precisa abundância; fazendas brancas, e algumas de cor; armas e ferragens, pól-
vora, chumbo; alguns molhados, chapéus, e algumas outras bagatelas e quinqui-
lharias”. Assim, segundo o respeitado professor régio da língua grega, no alvorecer
do século dezenove, o Rio de Janeiro, já nessa época o maior porto escravista do
mundo, não conseguia fornecer todos os escravos demandados pelos mineiros, que
tinham de complementar suas compras naquela praça com bastantes escravos do
mercado da Bahia.354
Um estudo recente, ainda em desenvolvimento, é ainda mais enfático sobre a
importância da Bahia na formação do plantel mineiro. Os autores informam que
“our recent research shows that about 95% of the Africans who arrived in Salvador
were sent out of the captaincy, notably to the gold mines of Minas Gerais. We are
currently in the process of finalizing a final research project report entitled Da
Bahia ao Valongo: tráfico de escravos de Salvador para as Minas Gerais. 1700–1799
(...) where these data will be accounted for”.355
O fluxo de africanos através da Bahia continuou nas primeiras décadas do
século XIX, e se manteve até a extinção do tráfico atlântico. Em 1817, Auguste de
Saint-Hilaire escreveu que “é principalmente da Bahia que vem os escravos que se
vendem no Tijuco e seus arredores. Pode-se comprá-los por menor preço no Rio de
Janeiro, e a distância não é tão grande, mas observou-se que há menor número de
mortes no caminho da Bahia, que atravessa planícies muito quentes, que no do Rio
de Janeiro, que sendo montanhoso, fresco e úmido, deve ser mais nocivo à saúde dos
negros recém-chegados da costa da África.356 Spix e Martius observaram, em 1818,
que além dos muitos escravos despachados do Rio de Janeiro para Minas, vinha

354 Luís dos Santos Vilhena. A Bahia no Século XVIII. Bahia: Editora Itapuã, 1969, vol. 1, p. 57. Publicado
originalmente em 1802, com o título Recopilação de Notícias Soteropolitanas e Brasílicas, etc. Os
itálicos são meus.
355 Carlos Eugênio Líbano Soares and Raíza Cristina Canuta da Hora. African mothers in the city of Bahia,
1734–99. Women’s History Review 2017, p. 15, nota 22.
356 Auguste de Saint-Hilaire. Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil. Belo Horizonte:
Itatiaia/EDUSP, 1974, pp. 33-34.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


549
também uma quantidade menor da Bahia, pela rota do São Francisco.357 Louis de
Chavagnes, conde de Suzannet, visitou o distrito dos diamantes no início de 1843,
e também indicou que os africanos da região diamantina vinham da Bahia.358
Atualmente são disponíveis muitos dados de população da capitania, seus ter-
mos, suas freguesias e seus distritos, referentes aos anos finais do século XVIII e ao
início do XIX. Esses dados permitem demonstrar com segurança, através de análi-
ses demográficas (de sexos, raças e estrutura etária), a ocorrência de fluxos migra-
tórios (que em se tratando de escravos significam tráfico), e detectar a presença de
africanos. A discussão desse tipo de material é longa e chata, requerendo conside-
rações metodológicas demoradas, bem como um exame crítico da qualidade dos
próprios dados, e por isso não será apresentada aqui.
Para encerrar o tópico, a mais óbvia de todas as evidências: o vigoroso cresci-
mento bruto do contingente escravo mineiro na segunda metade dos setecentos. Em
1749, de acordo com a última matrícula da capitação, a população escrava de Minas
era de 88.286 indivíduos. Em 1786 essa população havia quase dobrado, chegando a
174.135 cativos, com uma taxa média de crescimento de 1,8% ao ano, nesses 37 anos.
Se ajustarmos esse número, como deve ser feito, para incorporar o rateio das 30.851
pessoas que não tiveram sua condição especificada no levantamento, a população
escrava passa para 188.941, e a taxa de crescimento salta para 2,1% ao ano.
Lembrando que a reprodução natural dessa população era negativa, tal cresci-
mento só poderia ser obtido através de importações volumosas e constantes. Não
creio que mesmo o mais radical dos “endogenistas” que defendem o crescimento
natural positivo no século XIX, teria coragem de afirmar que a duplicação dessa
população, em pleno século XVIII, poderia ter acontecido sem uma enorme con-
tribuição do tráfico de africanos.
A relação entre o tráfico, o declínio do ouro e a situação econômica de Minas foi
sintetizada, de modo simples e objetivo, por Manolo Florentino, Alexandre Vieira
Ribeiro e Daniel Domingues da Silva:
Ao longo do século XVIII, o perfil do desempenho da economia mineira
a transformava em um dos grandes polos de demanda por africanos,
contrariando clássicos como Roberto Simonsen e outros, que insistiam
em encontrar uma forte crise na economia colonial a partir de meados do
Setecentos (...) a performance do tráfico indica que à crise da mineração

357 Spix e Martius. Viagem pelo Brasil, vol. 1, pp. 208-09, 312; vol. 2, pp. 241-42.
358 Louis de Chavagnes. Le Brésil en 1844. Revue des Deux Mondes. Tome 7ème, 14ème année. Nouvelle série
(juillet et septembre). Paris, 1844, p. 873.

550 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
não se seguiu a decadência generalizada da região sudeste, e menos
ainda a da economia de Minas Gerais.359

Uma vez afastados os grandes dogmas fajutos da historiografia tradicional sobre


o século XVIII – a concentração na mineração de ouro, a decadência econômica da
capitania e a interrupção das importações de africanos – podemos dedicar algum
espaço à discussão de alguns mitos menores, que são corolários desses grandes
despautérios, os quais acredito devam ser também questionados, ou pelo menos
relativizados. Encerrarei estas notas com alguns comentários sobre as lendas da
transferência de escravos da mineração para o café, do surto de alforrias no final
do período colonial e da articulação da das economias regionais da colônia pelas
demandas do setor minerador.

A LENDA DA TRANSFERÊNCIA DE ESCRAVOS PARA O CAFÉ


A lenda de que o declínio da mineração gerou um estoque de escravos redun-
dantes, ociosos ou sub-utilizados em Minas Gerais, e que esses escravos foram
transferidos para o nascente setor exportador de café no vale do Paraíba, é uma das
mais pegajosas, dentre as muitas bobagens inventadas pelos historiadores apoca-
lípticos. Como anotamos acima, tudo indica que esse mito foi criado por Roberto
Simonsen, reproduzido por Luís Amaral, Celso Furtado, Antônio de Castro, e
outros, e tem sido repetido como uma ladainha, até hoje, por dezenas de autores.360

359 Manolo Florentino, Alexandre Vieira Ribeiro e Daniel Domingues da Silva. Aspectos Comparativos do
Tráfico de Africanos para o Brasil (séculos XVIII e XIX). Afro-Ásia, 31 (2004), p. 90.
360 Na tese de 1980 listamos, como exemplos de autores conhecidos que repetiam essa história, Emília
Viotti da Costa, Robert Toplin, Leslie Bethell, Nelson Werneck Sodré, Richard Morse, Francisco Iglésias,
Norma de Goes Monteiro, João Heraldo Lima, Peter Blasenheim, e Evantina Pereira Vieira. Veja, Emília
Viotti da Costa. Da Senzala à Colônia. 2ª. ed. São Paulo: Livraria Editora de Ciências Humanas, 1982,
pp. XV e XVI; Robert Brent Toplin. The Abolition of Slavery in Brazil. New York: Atheneum, 1972, p. 148;
Leslie Bethell. The Abolition of the Brazilian Slave Trade. Britain, Brazil and the Slave Trade Question,
1807-1869. Cambridge: At the University Press, 1970, p. 74; Nelson Werneck Sodré. O que se deve ler
para conhecer o Brasil. 6ª. edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988, p. 220; Richard M. Morse.
From Community to Metropolis: A Biography of Sao Paulo, Brazil. Gainesville: University of Florida
Press, 1958; Francisco Iglesias. Política Econômica do Governo Provincial Mineiro (1835-1889). Rio de
Janeiro: MEC/INL, 1958, pp. 130-31; Norma de Goes Monteiro. Imigração e Colonização em Minas,
1889-1930. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1973, p. 16; João Heraldo Lima. Café e Indústria em
Minas Gerais, 1870-1920. Dissertação de Mestrado, Universidade de Campinas, 1977, pp. 2, 12; Peter
Blasenheim. Uma História Regional da Zona da Mata Mineira. Artigo não publicado, junho de 1977,
p. 3; e Evantina Pereira Vieira. Economia Cafeeira e Processo Político: Transformações na População
Eleitoral da Zona da Mata Mineira (1850-1889). Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do
Paraná, 1978, p. 56.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


551
Sua falta de suporte empírico é tamanha que é difícil até mesmo imaginar de que
cartola Simonsen pode tê-lo tirado. Já Celso Furtado não só repete o autor “paulista”,
como o enfeita com um arabesco “teórico”, usando um modelito que inventou sobre
a dinâmica dos ciclos nas economias primário-exportadoras. Segundo esse modelo,
na fase de declínio de cada ciclo, o contingente de mão de obra nele empregado
torna-se “redundante”, “semi-ocioso” ou “sub-utilizado”, gerando um excedente de
força de trabalho que estará disponível para ser usado por seu sucessor. Dito de outra
forma, cada ciclo cria, na sua decadência, um reservatório de mão de obra para o
ciclo seguinte. Em A Economia Brasileira, de 1954, Furtado dedica ao assunto uma
seção inteira – A formação de um reservatório de mão-de-obra – na qual afirma que:
“sempre que em uma sub-região qualquer, a economia de exportação entra em deca-
dência, é parcialmente absorvida pela economia de subsistência. Em conseqüência
desse processo, cria-se no país uma economia estacionária de proporções relativas
cada vez maiores. Forma-se, destarte, um reservatório de mão-de-obra semelhante
àquele que os espanhóis encontraram no México, o qual desempenhará um papel
fundamental no desenvolvimento futuro da economia brasileira.”361 Bem mais tarde,
em 1997, retomou o assunto em seus escritos autobiográficos, sustentando que “no
Brasil, (...) cada ciclo de cultura de exportação, com exceção do primeiro (sic), subs-
tituíra outro ou outros em decadência, os quais passavam a operar como reserva-
tório de mão de obra”.362 Seja qual for a utilidade do modelo do “reservatório” para
analisar a evolução econômica de outras partes do Brasil – acho que é nenhuma,
mas não quero discutir isso aqui – sua aplicação à história de Minas na passagem do
século XVIII para o XIX não passa de uma gaiatice.
Antes de mais nada, convém observar que escravos redundantes, excessivos,
excedentes ou supérfluos – e portanto disponíveis para serem descartados ou ven-
didos – só poderiam existir se a economia da capitania estivesse em colapso, como
preconizava a historiografia decadentista do século XX. Se esse cenário não acon-
teceu, como demonstramos, a tese das transferências do ouro para o café perde
inteiramente sua base e sua razão de ser.
O absurdo da tese fica também patente quando nos lembramos de que a crise
do setor minerador – e portanto o alegado sucateamento ou sub-utilização de sua
escravaria começou, no mais tardar por volta de 1760 ou 1770, e os primeiros vagi-
dos da lavoura cafeeira no vale do Paraíba fluminense só aconteceram, segundo o

361 Furtado. A Economia Brasileira, pp. 83-86.


362 Aguiar. Obra Autobiográfica, tomo I, p. 164. A ressalva “com exceção do primeiro” é, óbviamente, um
acacianismo que faria corar o Conselheiro.

552 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
próprio Simonsen, na década de 1820-1830. Furtado situa esse processo ainda mais
tarde no século XIX. De acordo com ele, “o segundo [1825-1850], e principalmente
o terceiro [1850-1875] quartel (sic) do século passado são basicamente a fase de
gestação da economia cafeeira”, ou seja, não antes de 1825, ou principalmente, não
antes de 1850.363
Se escolhermos os marcos temporais citados mais próximos entre os dois pro-
cessos – 1770 e 1820 – o hiato entre eles seria de 50 anos. Essa distância pode
chegar até 90 anos, se adotarmos a datação de Furtado. Isso significa que um ado-
lescente, de 15 anos, “liberado” no início da crise da mineração teria entre 65 e 105
anos, se fosse recrutado na primeira leva dos felizardos que “em vez de estiolar-se
dentro de escuras e úmidas e podres galerias subterrâneas (...) iriam cantar por
entre aleias de cafezais ensolarados e álacres e salubres”. Mesmo supondo que esse
adolescente estivesse trabalhando no ouro até os estertores do setor, digamos, até
1790, ele seria um adulto maduro, de 45 anos, ou um ancião de 75, dependendo
das datas que adotarmos, se fosse transferido no primeiro ano da implantação da
lavoura cafeeira. Simonsen, e todos os proponentes e seguidores da tese parecem
não ter se dado conta das muitas décadas que separam os dois processos históricos.
Isso basta para demonstrar o quão absurda (e ridícula) é a lenda das transfe-
rências, a não ser que estejamos preparados para acreditar que a grande lavoura
exportadora de café foi implantada no Brasil por um exército de anciãos, ou mais
provavelmente de zumbis, dada a expectativa de vida dos escravos.
Os argumentos acima são mais do que suficientes para demolir o mito, mas,
na verdade, são totalmente desnecessários, em vista da quantidade de evidências
diretas em contrário. Em Crescendo em Silêncio já havia demonstrado que no iní-
cio do século XIX havia escassez de escravos em Minas Gerais, e que a província
tinha sido um forte importador de africanos. Para isso, naquele tempo, foi preciso
recorrer a métodos indiretos e a evidências fragmentárias. Coletei depoimentos de
viajantes, dados tributários esparsos e fragmentos de preços.364 Os parcos dados

363 Simonsen. Aspectos da História Econômica do Café, pp. 172-73, 180; Furtado. Formação Econômica,
p. 122..
364 No capítulo 4 de Crescendo em Silêncio apontamos as seguintes fontes: G. W. Freireyss. Viagem ao
Interior do Brazil nos anos de 1814-1815. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo
11 (1906), p. 216; J. B. von Spix e C. F. P. von Martius. Viagem pelo Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1938, vol. 1, pp. 208-09, 312, vol. 2, pp. 241-42; W. L. von Eschwege. Notícias e Reflexões
Estadísticas da Província de Minas Gerais. Revista do Arquivo Público Mineiro, ano IV (1899), p. 747; W.
L. von Eschwege. Diário de uma Viagem do Rio de Janeiro a Villa Rica, na Capitania de Minas Geraes,
no anno de 1811. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1936, p. 16; W. L. von Eschwege.
Pluto Brasiliensis. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1944, vol. 2, p. 450; Auguste de Saint-Hilaire.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


553
populacionais que tinha foram usados em um modelo demográfico de estima-
ção de migrações que criei, fazendo uma adaptação do método dos sobreviventes
intercensitários.365
Hoje não precisamos mais desse esforço. Tudo nele continua válido, mas temos
uma grande massa de evidências diretas, de diversos tipos, demonstrando além de
qualquer dúvida, que durante o período formativo do setor cafeeiro do Brasil, longe
de ser um exportador, Minas Gerais foi o maior importador de africanos do país, e
um dos maiores da América.
O levantamento dos códices da Intendência de Polícia da Corte, feito por
Fragoso e Ferreira, no projeto descrito acima,366 confirmou isso, com dados muito
concretos e precisos. Em suas próprias palavras:
Em relação ao total de escravos novos presentes nos códices, a
porcentagem de Minas atinge 42,7% no período de 1824 a 1832 (quadro
4.1). Por sua vez, no qadro 5, observa-se que Minas, entre 1824 e 1833,
recebeu 59.040 (40,7%) dos 145.158 escravos saídos da Corte. O que estes
índices apontam é que a capitania/província mineira dominava na época
os despachos gerais de escravos da Corte, quer de novos ou ladinos, etc.

Em resumo, era a província mineira, com suas atividades econômicas


majoritariamente voltadas para o mercado interno, e com seus pequenos
e médios senhores de cativos, a mais importante demanda por cativos do
país. Situação que permaneceria inalterada até 1833 (quadros 3, 4 e 5).367

Nos anos 1821-1830 – apontados por Simonsen como o período de implanta-


ção da grande lavoura cafeeira – Minas Gerais foi o destino de 41,1% de todos os
africanos novos remetidos do Rio de Janeiro para o interior do país. A província
fluminense recebeu 33,7%, São Paulo 15,2%, o Rio Grande do Sul 6,5%, e os restan-
tes 3,4% foram distribuidos entre todos os outros destinos.368

Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1938, vol.
1, p. 171; Auguste de Saint-Hilaire. Viagens pelo Distrito dos Diamantes e Litoral do Brasil. São Paulo:
Cia. Editora Nacional, 1941, pp. 48-49; Johann Emmanuel Pohl. Viagem no Interior do Brasil. Rio de
Janeiro: Ministério da Educação e Saúde/INL, 1951, vol. 1, pp. 197, 204-05, vol. 2, p. 441.
365 Veja o capítulo 4 de Crescendo em Silêncio.
366 Veja a seção A corrida aos arquivos.
367 Fragoso e Ferreira. Alegrias e artimanhas, p. 247. Os quadros citados são desse artigo, e não do
presente texto.
368 A fonte dessses dados é o quadro 4.1 do Relatório Final do projeto “Tráfico de escravos e relações
comerciais no Sudeste do Brasil: primeira metade do século XIX”. Esse quadro está reproduzido em
Fragoso e Ferreira. Alegrias e artimanhas, p. 248. No cálculo das porcentagens foi expurgado o ano
de 1823, por omitir o dado para Minas Gerais e apresentar um número claramente deficiente para o

554 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Usando essas porcentagens e os volumes quantitativos do tráfico atlântico
estimados pela Trans-Atlantic Slave Trade Database podemos construir uma
boa estimativa do número absoluto de escravos africanos importados por cada
uma das províncias clientes do porto do Rio de Janeiro. Essa fonte – de longe
a melhor disponível sobre o tráfico oceânico – indica que no decênio em foco,
1821-1830, desembarcaram no porto do Rio 335.240 africanos. Fazendo o rateio
desse total segundo as porcentagens acima, concluimos que nessa década Minas
Gerais recebeu 137.897 negros novos, o Rio de Janeiro ficou com 112.944, São
Paulo com 51.036, o Rio Grande com 21.869, e 11.494 foram distribuidos pelos
outros destinos.
No mesmo período desembarcaram em portos baianos não especificados
96.854 africanos. Sabemos que também no século XIX parte desses escravos se
destinou a Minas Gerais, assim como ocorrera em todo o século XVIII. No levan-
tamento de Fragoso e Ferreira aparece ainda um contingente de escravos ladinos
que foi enviado do Rio de Janeiro para Minas. Esse número é mais dificil de ser esti-
mado, mas mesmo os registros lacunosos da Polícia da Corte indicam que foram
vários milhares de indivíduos.
Os dados de Fragoso e Ferreira, novamente conjugados com a Trans-Atlantic
Slave Trade Database, demonstram que também na década anterior Minas foi o
destino de uma grande parcela dos africanos desembarcados no Rio. No decênio
1811-1820, Minas Gerais recebeu 39,3% dos escravos novos remetidos da Corte
para o interior, a província do Rio de Janeiro ficou com 51,0%, São Paulo com
6,6%, o Rio Grande do Sul com 0,7%, restando 2,3% para os demais destinos. Nesse
período a participação fluminense superou a mineira, mas a parcela de Minas

Rio de Janeiro. Se o resultado desse ano para Minas fosse disponível provavelmente a fatia mineira
seria maior. A equipe do projeto encontrou uma informação manuscrita no códice ANRJ 425, segundo
a qual haveria um “livro próprio” para Minas Gerais nesse ano. Isso sugere um grande volume de
lançamentos, mas esse livro não foi localizado no Arquivo Nacional. Fragoso e Ferreira. Alegrias e
artimanhas, p. 276, nota 8. É possível que a partcipação de Minas esteja subestimada também
porque existe a suspeita de que, por fraude, ou por conluio com as autoridades aduaneiras, remessas
destinadas a Minas tenham sido lançadas como dirigidas a Resende, no Rio de Janeiro, em virtude
de uma diferença, a favor da localidade fluminense, na taxa cobrada pela emissão do passaporte
pela Intendência de Polícia. Fragoso e Ferreira observam que “a própria legislação da Intendência de
Polícia” registra que em 1820, o imposto pago por passaporte para Resende era de $040, e para as
“terras minerais” de $160. Mas alertam que a documentação não esclarece o que é definido como
“terras minerais”. Fragoso e Ferreira. Alegrias e artimanhas, p. 254. Uma fonte contemporânea, o
deputado Bernardo Pereira de Vasconcelos, confirma, em artigo de 1828, o tratamento tributário
diferenciado, que sobretaxava os escravos destinados à província mediterrânea: “os impostos que se
pagam dos escravos que são conduzidos para Minas, os das Guias dos viandantes têm entre outros o
defeito de não recairem sobre todos os brasileiros”. O Universal (Ouro Preto), 2 de maio de 1828, pp.
2-3.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


555
foi muito expressiva, tanto em termos percentuais como em números absolutos.
Desembarcaram no porto do Rio nessa década 219.034 africanos, dos quais 86.110
foram enviados para Minas, 111.800 para a província do Rio, 14.446 para São Paulo,
1.567 para o Rio Grande, e 5.111 para os outros destinos.
Em números absolutos, nas duas décadas cobertas pelos registros da
Intendência de Polícia, 1811-1830, Minas foi o destino de 224.007 escravos, a pro-
víncia fluminense recebeu 224.744, São Paulo ficou com 65.482 e o Rio Grande
do Sul com 23.435, contando apenas os africanos novos desembarcados no Rio de
Janeiro. Estas estimativas estão resumidas nas tabelas II.3 e II.4. Qualquer que seja
sua imprecisão, não resta dúvida de que, no período formativo da lavoura cafeeira,
Minas importou algumas centenas de milhares de africanos.

Tabela II.3 - Distribuição percentual dos escravos novos enviados


do Rio de Janeiro para as províncias, 1811-1830, por períodos
Período Minas Rio de São Outras Total
  Gerais Janeiro Paulo províncias  
1811-1820 39,3 51,0 6,6 3,0 100,0
1821-1830 41,1 33,7 15,2 10,0 100,0
1811-1830 40,4 40,5 11,8 7,2 100,0
Outras províncias inclui Rio Grande do Sul, Sta. Catarina, Goiás, Mato Grosso e
Espírito Santo. O Paraná era uma comarca de São Paulo.
Fonte: Quadro 4.1 do Relatório Final do Projeto IPEA-LIPHIS.

Tabela II.4 - Destino dos escravos novos chegados da África ao


porto do Rio de Janeiro, por províncias, 1811-1830, por períodos
Período Minas Rio de São Outras Total 
Gerais Janeiro Paulo províncias
1811-1820 86.110 111.800 14.446 6.678 219.034
1821-1830 137.897 112.944 51.036 33.363 335.240
1811-1830 224.007 224.744 65.482 40.041 554.274
Outras províncias inclui Rio Grande do Sul, Sta. Catarina, Goiás, Mato Grosso e
Espírito Santo. O Paraná era uma comarca de São Paulo.
Fontes: Tabela II.3 e Slavevoyages database (desembarcados por portos, Rio de
Janeiro).

556 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
No início dos anos 1830 o tráfico atlântico para o Brasil tornou-se ilegal e,
embora tenha prosseguido até 1850, cessaram os registros oficiais que nos permi-
tiram fazer seu rateio pelas províncias no período anterior. Mas não há, em prin-
cípio, nenhuma razão para supor que a fatia de Minas Gerais tenha diminuido
nessas décadas finais. Os mineiros foram grandes clientes do tráfico na fase legal e
continuaram a sê-lo na ilegalidade. Estiveram entre os principais oponentes à con-
venção antitráfico anglo-brasileira de 1826369 e à lei de 7 de novembro de 1831,370
que descumpriram sistematicamente e tentaram reiteradamente derrogar. Além
disso, os anos finais do comércio negreiro internacional coincidem com o período
de implantação do setor cafeeiro de Minas, o qual, diferentemente dos seus congê-
neres do vale do Paraíba fluminense e paulista, só se avultou a partir da metade do
século.
Em sua Corografia Histórica, concluída em 1837, o brigadeiro Cunha Matos
anotou que entravam “anualmente para as Minas muitos milhares de africanos a
suprir o lugar daqueles que sucumbem ao peso dos trabalhos”.371 Entre muitas evi-
dências de que a província continuou importando grandes quantidades de negros,
podemos citar, por exemplo, a notícia publicada no Universal, em 1835, onde se
afirmava que “o pernicioso tráfico da escravatura infelizmente ainda continua,
ainda vemos entrar com freqüência grandes comboios desta gente desgraçada” e se
pediam providências “a fim de pôr termo a tão escandaloso, quão pernicioso negó-
cio de escravos, que somente prova a imoralidade dos nossos costumes, e o pouco
respeito às leis”.372
O mesmo jornal publicou a discussão de um projeto de representação à
Assembleia Geral, que teve lugar na Assembleia Legislativa Provincial, na sessão de
8 de março de 1839, na qual os deputados se perfilavam com os “justos clamores”
de toda a província contra a lei de 1831, e contra a proibição do tráfico, cujos braços

369 Convenção entre o Senhor D. Pedro I, Imperador do Brasil, e Jorge IV, Rei da Grã-Bretanha, com o
fim de pôr termo ao comércio de escravatura da Costa d’África, assinada no Rio de Janeiro em 23 de
novembro de 1826, e ratificada por parte do Brasil no mesmo dia, e ano; e pela da Grã-Bretanha a 28
de fevereiro de 1827. Coleção das Leis do Império do Brasil. 1826, Atos do Poder Executivo, p. 71.
370 Lei de 7 de novembro de 1831. Declara livres todos os escravos vindos de fora do Imperio, e impõe
penas aos importadores dos mesmos escravos. Coleção de Leis do Império do Brasil. 1831, vol. 1,
parte I, p. 182.
371 Raimundo José da Cunha Matos. Corografia Histórica da Província de Minas Gerais [1837]. Belo
Horizonte: Arquivo Público Mineiro, 1979-1981, vol. II, pp. 81-82. Em diversos outros lugares do texto,
Cunha Matos afirma que Minas importava grande quantidade de escravos e que a mortalidade dos
cativos superava os nascimentos.
372 O Universal (Ouro Preto), 10 de abril de 1835. Os itálicos são meus.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


557
“ainda são indispensáveis à mantença e progresso de sua agricultura e mineração”.
Deixam claro que, “pelo triste espetáculo das reiteradas infrações com que diaria-
mente tem-se ferido”, a lei era cotidianamente descumprida. Procuram meios para
bloquear sua aplicação, preocupados com “a crítica situação em que se acham colo-
cados inúmeros dos nossos proprietários que, pressurosos em conservar e aumen-
tar as suas riquezas, compraram escravos a despeito da proibição da referida lei”.
Os debates reiteram a volumosa e geral transgressão – “porque muitos proprietários,
forçados pela necessidade, compraram grande número de escravos” – e seu apoio
pelos parlamentares.373
Vale a pena lembrar ainda que foi também um mineiro, Felisberto Caldeira
Brant Pontes, o marquês de Barbacena, que apresentou no senado, em 30 de junho
de 1837, o projeto que revogava a lei de 7 de novembro de 1831. Não é o caso
de discutir aqui seus detalhes e sua tramitação, bastando por ora observar que o
mesmo isentava completamente os compradores do crime de importação de escra-
vos (artigo 5º.). Não satisfeito com isso, determinava literalmente, no seu artigo 14,
uma anistia geral e uma ampla indulgência futura – “Nenhuma ação poderá ser
tentada contra os que tiverem comprado escravos depois de desembarcados, e fica
revogada a lei de 7 de novembro de 1831, e todas as outras em contrário”.374
Na Efeméride de 5 de agosto de 1838, com o título “Brado para restabelecer-se o
tráfico de escravos!”, Xavier da Veiga afirma que nesta data O Universal reproduziu
uma representação publicada em O Paraibuna, de Barbacena, dirigida pela Câmara
Municipal daquela vila à Assembleia Geral, pedindo-lhe que repudie a lei de 7 de
novembro, para que continue o tráfico da escravatura.375
Outra indicação óbvia de que os mineiros continuaram importando um volume
significativo de africanos na fase do contrabando é a manutenção quase integral
do grau de africanidade da população escrava entre o levantamento de 1831-32 e
o de 1838-40. No agregado das listas nominativas do início da década os africanos
representavam 44,1% do total dos escravos, e esse percentual se manteve quase

373 O Universal (Ouro Preto), 25 de abril de 1839, pp. 2-3. Os itálicos são meus.
374 Projeto de lei que revoga a Lei de 7 de novembro de 1831, apresentado por Felisberto Caldeira Brant
Pontes, marquês de Barbacena. Annaes do Senado do Império do Brazil. Última Sessão da Terceira
Legislatura da Câmara dos Snrs. Senadores de 1837. Tomo único. Sessão de 30 de junho de 1837,
pp. 175-81. O projeto teve uma tramitação rápida e em 9 de agosto sua redação final foi aprovada e
enviada à Câmara dos Deputados.
375 José Pedro Xavier da Veiga. Efemérides Mineiras 1664-1897 [1897]. Belo Horizonte: Fundação João
Pinheiro, 1998 volumes 3 e 4, p. 744. Não encontrei essa matéria em O Universal. A referência de
Xavier da Veiga está errada: o jornal não teve edição em 5 de agosto de 1838.

558 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
inalterado, caindo apenas para 43,6% no final do decênio. A queda foi insignifi-
cante apesar do fato sólidamente estabelecido, em todas as populações escravas da
América, do grande diferencial de mortalidade dos africanos, especialmente dos
africanos novos, recém-chegados, o que em um quadro de interrupção ou de redu-
ção das importações exerceria vigorosa pressão para baixo no grau de africanida-
de.376 A manutenção ostensiva da africanidade ocorreu também a despeito da forte
indução, que surgiu após 1831, para ocultar a origem africana dos importados,
quando a lei passou a prever pesadas multas, sequestro e libertação dos cativos, e
penas de prisão para o crime de tráfico. Mesmo que a legislação fosse frouxamente
cumprida e fiscalizada, como foi, ela permanecia como uma espada de Dâmocles
sobre as cabeças dos transgressores. Evidência disso é a aflição da Assembleia
Provincial, relatada acima, ou a súbita “ladinização” das remessas de africanos da
Corte a partir de 1831.377
Pouco mais tarde, a ameaça latente corporificou-se em um projeto apresentado
à General Anti-Slavery Convention, reunida em Londres em junho de 1840. Diante
da total ineficácia da repressão ao tráfico em alto mar ou no ato do desembarque,
como vinha sendo praticada, David Turnbull sugeriu que as diligências focalizas-
sem os barracões dos traficantes em terra e as fazendas. Ou seja, que em vez de
tentar flagrar o contrabandista no ato do contrabando, se identificassem os recep-
tadores e os compradores do produto contrabandeado. Propôs que as Comissões
Mistas dos tratados anti-tráfico fossem investidas de autoridade para investigar
diretamente os plantéis e decidir, caso a caso, se qualquer determinado escravo
era um crioulo nativo, ou se tinha sido importado ao arrepio da lei e dos tratados.
Argumentava que essa definição seria muito fácil, pois “é fato notório, entre as
pessoas entendidas no assunto, que um negro boçal recém-importado poderá, por
muitos anos depois de sua chegada à América, ser distinguido dos crioulos nativos
com uma simples olhada. A diferença é, de fato, tão clara que a mera apresentação

376 O exemplo mais bem documentado desse processo é o caso da Jamaica mencionado acima.
377 Todo escravo ladino é, por definição, africano, mas é um africano que já sabe falar a língua portuguesa,
e portanto que já chegou ao Brasil há algum tempo. É interessante verificar nos registros da Intendência
de Polícia, que entre o primeiro lançamento em 30 de agosto de 1809 e o dia 30 de junho de 1831,
foram enviados 148. 238 africanos novos e apenas 13.195 ladinos, ou 8,2% do total. Entre 1º. de julho
de 1831 e a última remessa registrada, em 28 de agosto de 1833, foram somente 40 novos contra
5.310 ladinos, que num passe de mágica tornaram-se 99,3% de todos os enviados para o interior. As
minuciosas anotações de Fragoso e Ferreira registram que nesse período final muitos lançamentos
vinham acompanhados da observação de que os escravos remetidos eram “ladinos de sua antiga
propriedade”.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


559
do indivíduo num tribunal, sem qualquer outra evidência sobre seu lugar de nasci-
mento, seria na maioria dos casos suficiente para determinar sua condição”.378
David Turnbull foi um importante abolicionista escocês e cônsul britânico em
Cuba de 1840 até ser expulso de lá em 1842. Seu projeto visava a repressão ao trá-
fico cubano, mas repercutiu fortemente no Brasil, cuja situação era idêntica à da
ilha caribenha, assustando políticos e proprietários, e unificando o parlamento
brasileiro em seu repúdio.379 O fantasma de Turnbull pairou sobre a escravidão
brasileira até seus últimos dias. Embora só nos anos finais do regime os aboli-
cionistas tenham adotado a tática de levar aos tribunais algumas denúncias de
contrabando com base na lei de 1831, a ocultação da origem africana dos escra-
vos tornou-se uma obsessão nacional. Isso é visível em todos os levantamentos e
contagens de população, e é evidente no próprio recenseamento do Império em
1872. É curioso verificar também que, por vários anos a partir de 1852, quando se
tornou claro que a lei Eusébio de Queirós era para valer, os mesmos comercian-
tes do Rio de Janeiro que anunciavam suas atividades no Almanaque Laemmert
como “negociantes de escravos”, passaram a fazê-lo intitulando-se “negociantes
de escravos ladinos”.380
As companhias inglesas de mineração que se instalaram em Minas no meado
dos anos 1820 e início dos 1830, estavam montando suas operações, e precisavam
da mão de obra escrava.381 Quando sua importação se tornou súbitamente ilegal,
elas também começaram a transgredir a lei e a convenção celebrada entre seu pró-
prio governo e o governo brasileiro. O exame do slave purchase log da Saint John del
Rey Mining Company revela não apenas que a empresa continuou comprando mui-
tos escravos no Rio de Janeiro após 1831, mas também que seguiu sendo cliente de
traficantes do período do tráfico legal, entre os quais alguns conhecidos negreiros

378 Proceedings of the General Anti-Slavery Convention, called by the Committee of the British and Foreign
Anti-Slavery Society, and held in London, from Friday, June 12th, to Tuesday, June 23rd, 1840. London:
British and Foreign Anti-Slavery Society, 1841, pp. 251, 253-56, 463. Veja também o relato sobre a
escravidão em Cuba, em David Turnbull. Travels in the West: Cuba, with notices of Porto Rico and the
slave trade. London: Longman, Orme, Brown, Green and Longmans, 1840.
379 Veja Tâmis Peixoto Parron. A Política da escravidão na era da liberdade: Estados Unidos, Brasil e Cuba,
1787-1846. Tese de doutorado USP 2015, esp. pp. 417-18.
380 Veja várias edições do Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Côrte e Província do Rio de
Janeiro, a partir de 1852.
381 Sobre a inexistência de mão de obra livre que pudesse ser contratada por salários ou em outras
modalidades, veja o capítulo 6 de Crescendo em Silêncio, e Roberto Borges Martins. “Se Deus quiser,
semana que vem... ou na outra...” – Terra, trabalho e liberdade. ABPHE. XI Congresso Brasileiro de
História Econômica (Vitória 2015).

560 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
internacionais. Segundo Marshall Eakin, mesmo as compras realizadas localmente
eram provavelmente “prearranged sales with slave brokers, who brought the slaves
to the company for the completion of the transaction”.382
A insistência dos baianos, dos mineiros, dos brasileiros em geral e, sobretudo, de
súditos de Sua Majestade Britânica – empresas com capital, dirigentes e acionistas
ingleses – em continuar com o tráfico de contrabando, enfurecia Lord Brougham.
Em memorável discurso na House of Lords, em 2 de agosto de 1842, o paladino
da luta contra o tráfico internacional, investiu pesadamente, num só fôlego, contra
brasileiros, baianos, mineiros, e seus próprios compatriotas.383
Seu objetivo era demonstrar que “o tráfico internacional de escravos era per-
petrado e protegido, em grande medida com o estímulo dos negócios britânicos,
através do emprego de capital britânico, e com a anuência de agentes britânicos.
Ninguém poderia ignorar de onde vinham os negros comprados nos mercados
locais, pois até um importante senador brasileiro dizia abertamente que “a lei que
abolira o tráfico era sabidamente letra morta, e que caíra inteiramente em desuso”.
A Assembleia Provincial da Bahia enviara ao Senado uma petição por sua revoga-
ção, argumentando “que o Brasil se acostumara por quase três séculos a ser suprido
com uma provisão anual de escravos da África, e havia se descuidado de promover
seu crescimento pela reprodução”. A Assembleia Provincial de Minas Gerais reivin-
dicava o mesmo, pelos mesmos motivos.
Brougham se dizia estarrecido: “Acredito verdadeiramente que em toda a his-
tória do descaramento humano não se encontra um episódio comparável – não há
exemplo de audácia como esta. O que temos aqui é um corpo legislativo provincial
assumindo a defesa de piratas – pois desde março de 1831, traficar com escravos é
pirataria pela lei do Brasil”.
Acreditava que muitos dos ingleses envolvidos com essas empresas eram pes-
soas de bom caráter e sentimentos humanitários, que haviam entrado nos negócios
sem saber de seus detalhes e que, sendo informados, despertariam para seus deve-
res morais. Mas nem todos eram assim. “Vejamos o caso das companhias de mine-
ração – cujo controle está nas mãos de acionistas britânicos, e cujas sedes estão, por
vezes, na própria cidade de Londres. Muitos dos seus acionistas são, sem dúvida,
pessoas honradas e decentes [que] ao saberem da verdade sentirão a necessidade de
abandonar esses negócios, e investir em outras coisas a riqueza com a Providência

382 Eakin. British Enterprise in Brazil, p. 195. Agradeço mais uma vez ao Marshall pela gentileza de me
permitir acesso às suas anotações manuscritas.
383 Veja: Lords Sitting of 2 August 1842 Hansard (Slave Trade).

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


561
as abençoou. Dos seus agentes no Brasil não posso falar em termos tão brandos. Os
que comandam as minas sabem, com certeza, que é do mercado africano que vem
seu suprimento de trabalhadores. Alguns desses gerentes, que são, lamento dizê-lo,
oficiais licenciados [on half pay] do exército e da marinha de Sua Majestade384 já
foram ouvidos dizendo abertamente que preferiam comprar escravos recém-im-
portados porque custavam mais barato. Esses homens não podem ser considerados
diferentes, em nenhum aspecto, dos próprios traficantes”.385
O orador lembrou as leis e as campanhas da Inglaterra contra o comércio
negreiro, ajuntando que “não só sua política, mas também sua indústria tem de ser
mantida pura, acima de parcerias com a violência e com a escravidão”. E encerrou
o discurso exortando o parlamento a tomar, com toda a urgência possível, medi-
das para impedir o emprego de capital britânico na promoção ou manutenção do
tráfico negreiro.386 Houve resistência na casa. Brougham era visto por muitos como
uma espécie de quixote e, principalmente, a proposta ameaçava grandes negócios,
investimentos, lucros e reputações de pessoas ricas, respeitáveis e respeitadas na
Inglaterra. Finalmente, em 1843, a aprovação de outro projeto apresentado por ele
fez com que a participação de súditos britânicos no tráfico, mesmo em países fora
do Império, passasse a ser considerada crime grave (felony).387

384 Aqui Brougham está se referindo diretamente a pessoas como o Capitão RN George Francis Lyon, o
Tenente-coronel Joseph Marcus Skerrett, o Tenente RN John Tom, o Comandante Cotesworth e outros,
que eram ou tinham sido dirigentes da IBMA, da Saint John del Rey, da Brazilian Company, e de outras
mineradoras inglesas no Brasil.
385 As companhias mineradoras inglesas em Minas foram alvo de denúncias pelo uso e pela compra de
escravos contrabandeados também na General Anti-Slavery Convention de 1840. Na sessão de 22
de junho foram nominadas seis empresas, o número de cativos empregados por elas, e indicações
dos valores que teriam sido utilizados recentemente para comprar escravos. Foi também repetida a
denúncia, presente em vários momentos da convenção, de que os acionistas dessas empresas eram
súditos britânicos. Veja os Proceedings of the General Anti-Slavery Convention, de 1840, pp. 265, 516-
18.
386 Lords Sitting of 2 August 1842 Hansard (Slave Trade). O texto foi traduzido, reduzido e editado por
mim.
387 Veja: legislation.gov.uk: An act for the more Effectual Suppression of the Slave Trade, 24th August
1843. Statute 6&7 Vict. chapt. 98. making slave trading by British subjects in foreign countries felony.
Esta lei ficou conhecida como Brougham Act. Vale a pena ler o longo discurso de 2 de agosto de 1842,
e vale a pena conhecer melhor esse escocês que foi um dos um dos mais extraordinários combatentes
pelos direitos humanos em todos os tempos. Já em sua época considerado um “cavaleiro andante”,
Henry Brougham teve participação importante em todos os sete atos do parlamento inglês contra
a escravidão. Além da luta contra o tráfico e pela abolição da escravidão no Império, suas causas
incluiram a liberdade de imprensa, a educação pública universal, a reforma das poor laws, os direitos
das mulheres, a emancipação de católicos e judeus (seus direitos de ocupar cargos públicos e de
entrar nas universidades), os direitos dos irlandeses, a reforma dos tribunais e da legislação civil e
criminal, a reforma eleitoral, e o banimento da chibata no exército e na marinha. Um interessante

562 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
A volumosa importação de escravos por Minas Gerais nas primeiras décadas do
século XIX e nas últimas do século XVIII, pode ser demonstrada por vários outros
ângulos. Um dos mais sólidos é o que se pode deduzir a partir do numeroso con-
tingente de africanos existente na província em 1831.
Nos 263 distritos cobertos pelas listas nominativas em 1831,388 havia 40.187
indivíduos classificados como pretos, dos quais 37.482 eram escravos, 1.531 eram
livres, e 1.174 eram forros. Outros 24.006 foram classificados como africanos,
sendo 22.819 escravos, 818 livres, e 369 forros. Havia também 15.856 pessoas cuja
raça ou procedência era ignorada, das quais 6.036 eram escravas, 9.614 livres, e 206
forras.389
Existem evidências seguras de que os indivíduos classificados como “pretos”
eram africanos. Vários dos melhores historiadores da escravidão brasileira corro-
boram esta visão. Ao analisar uma tabela de população de Minas Gerais em 1823,390
Maurício Goulart afirmou que os 61.345 habitantes classificados como pretos eram
africanos.391 Hebe Mattos de Castro afirmou que “a designação ‘crioulo’ era exclu-
siva dos escravos e forros nascidos no Brasil, e o significante preto, até a primeira
metade do século, era referido preferencialmente aos africanos”.392 Segundo João
José Reis, entre os habitantes de Salvador, em 1835, “havia negro crioulo e negro
africano, este, durante o período aqui estudado, quase sempre referido como pre-
to.393 João Fragoso e Roberto Ferreira verificaram a mesma tendência na docu-
mentação da Polícia da Corte, e nos registros de batismos de escravos na freguesia
de São José do Rio de Janeiro, entre os anos de 1802 a 1821. “Em resumo, nos
registros de batismo, as expressões, preto, preto de nação e preto de nação tal, alu-
diam a africanos, tanto inocentes quanto adultos, ao passo que os termos cabra,
pardo e mulato, tal como os despachos e passaportes, referiam-se exclusivamente a

relato curto sobre sua atuação nessa área pode ser visto em Monroe H. Freedman. “Henry Lord
Brougham - Advocating at the Edge for Human Rights”. Hofstra Law Review, vol. 36: Iss. 2, Article 6
(2007).
388 Todos os distritos, incluindo os 260 divididos em fogos e os três não divididos.
389 Nas raças ignoradas estão incluidos 600 indivíduos de “outras raças” não especificadas.
390 Revista do Arquivo Público Mineiro IV, 1899, pp. 294-96
391 Goulart. A escravidão africana no Brasil, p. 171, nota 83.
392 Hebe Maria Mattos de Castro. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista
– Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995, p. 34.
393 João José Reis. Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês em 1835. Edição revista e
ampliada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 23.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


563
escravos nascidos no Brasil, crioulos”.394 Finalmente, Libby, Paiva e Grimaldi, ana-
lisando uma amostra das listas nominativas mineiras, também concluiram que a
designação “preto” é indicativa da procedência africana do indivíduo: “considera-
mos como africanos também aqueles declarados pretos, tratando-os em conjunto.
Parece-nos apropriada esta medida, uma vez que, possivelmente, o que diferenciava
o “crioulo” do “preto” era a origem africana deste último. Reforça este nosso argu-
mento a observação da semelhança entre as razões de sexo de pretos e africanos”.395
No próprio banco de dados das listas de 1831-32 encontramos 542 indivíduos
(534 escravos e 8 livres) classificados como “pretos” (código de raça 2) e arrola-
dos com “nacionalidades” africanas – angola, benguela, cabinda, cassange, congo,
costa, mina, moçambique, nação, rebolo, monjolo, mofumbé e são tomé. Há ainda
oito indivíduos classificados como “pretos” cuja nacionalidade foi registrada como
“estrangeiro”. As razões de masculinidade de africanos e de pretos não são apenas
muito próximas entre si, mas são também radicalmente diferentes das dos demais
grupos raciais, de todas as condições, como se pode ver na tabela II.5.

Tabela II.5 - Minas Gerais: Razões de masculinidade


por raça ou origem e por condição, 1831-32
Escravos pretos 285 Forros pretos 159
Escravos africanos 300 Forros africanos 144
Escravos mestiços 104 Forros mestiços 92

Livres pretos 128 Todos pretos 270


Livres africanos 142 Todos africanos 288
Livres mestiços 92 Todos mestiços 96
Livres brancos 97
Os mestiços incluem crioulos, pardos, cabras e mulatos
Fonte: APM. Listas nominativas de 1831-32

394 Fragoso e Ferreira. Alegrias e artimanhas, p. 266.


395 Clotilde Paiva, Douglas Libby e Márcia Grimaldi. Crescimento da população escrava: uma questão em
aberto. In: Cedeplar-UFMG. IV Seminário sobre a Economia Mineira (Diamantina 1988), p. 18. Muitos
anos depois, Douglas Libby teve second thoughts sobre a questão, mas continuou afirmando que “the
black skin of these slaves does not ensure, by itself, that they were Africans. However, this skin color
coupled with the astoundingly high male ratios observed, authorize a strong presumption that many,
probably the vast majority of them, were indeed coming from Africa. Douglas Cole Libby. Texto não
publicado.

564 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
A evidência definitiva da coincidência entre as categorias “preto” e “africano” é
a virtual identidade das distribuições etárias das duas. Não estamos falando apenas
de semelhança ou proximidade: estamos afirmando que é praticamente impossível
distinguir uma da outra, e que são ambas extremamente diferentes da distribuição
das idades dos escravos mestiços.

Tabela II.6 - Minas Gerais: Distribuição etária dos escravos


por raça ou origem, 1831-32
Idades Escravo Escravo Escravo
Preto Africano Mestiço
00-10 2,2 1,5 34,4
11-20 31,9 31,6 25,2
21-30 34,4 32,9 19,2
31-40 16,4 16,9 11,3
41-50 8,0 8,6 6,0
51-60 4,6 5,3 2,7
61 + 2,5 3,2 1,2
Total 100,0 100,0 100,0
Inclui todos os escravos com idade e raça ou origem conhecida.
Os mestiços incluem crioulos, pardos, cabras e mulatos.
Fonte: APM. Listas nominativas de 1831-32.

Se fizermos a distribuições percentuais, ano por ano, das idades dos escravos
pretos e dos escravos africanos, e ajustarmos a elas uma reta de mínimos quadra-
dos, ela terá a equação
y = 0,9895 x + 0,0106, com R2 = 0,9953, indicando que as duas distribuições
são virtualmente idênticas. Fazendo a mesma distribuição das idades de todos os
indivíduos pretos e todos os indivíduos africanos incluidos nas listas nominativas,
obteremos a reta y = 0,9992 + 0,0008, com R2 = 0,9959.
Podemos, portanto, ter absoluta segurança de que o número total de nascidos
na África arrolados nos 263 distritos incluidos nas 260 listas nominativas é dado
pela soma de pretos e africanos, ou sejam, 64.193 pessoas.
Os 15.856 indivíduos com raça ignorada foram distribuidos entre as diver-
sas raças na mesma proporção daqueles com raças conhecidas, resultando desse
rateio um acréscimo de 4.530 africanos, e levando seu total para 68.723.396 Esse

396 Esse acréscimo representa apenas 7% do total de africanos, e é irrelevante para a estimativa final, mas
dá maior precisão a ela.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


565
contingente, que corresponde aos 263 distritos incluidos nas listas, foi em seguida
ajustado para corresponder aos 416 distritos existentes na província. Com isso che-
gou-se ao número de 108.703 como a estimativa final do número de africanos exis-
tentes em Minas Gerais em 1831-32.397
Como virtualmente todos os africanos que chegaram a Minas (e ao Brasil) nessa
época fizeram-no na condição de escravos, esses indivíduos são o estoque de sobre-
viventes, em 1831, do fluxo de escravos africanos que foram importados por Minas
Gerais até essa data. Como conhecemos as idades dos indivíduos desse estoque,398
podemos avançar um pouco mais, e estimar a época de sua chegada, ou as datas de
sua importação. Assumindo que a idade média dos africanos ao chegar era de 20
anos e que todos os indivíduos com essa idade ou menos chegaram no último ano,
podemos estabelecer a seguinte escala de chegadas:

Tabela II.7 - Minas Gerais: Estimativa do período de chegada dos


108.703 africanos sobreviventes em 1831
Sobreviventes em 1831 Idade em 1831 Chegada presumida
35.215 20 ou menos 1831
35.035 21 - 30 1821 - 1830
17.761 31 - 40 1811 - 1820
9.541 41 - 50 1801 - 1810
6.432 51 - 60 1791 - 1800
3.073 61 - 70 1781 - 1790
1.647 71 ou mais 1780 ou antes
(1) Não foi feito nenhum ajuste para corrigir a concentração nas idades redondas.
(2) O ano de chegada de cada inivíduo é igual a: 1831 menos sua idade mais 20.

O exercício não tem nenhuma pretensão à exatidão, mas pode lançar alguma luz
sobre a matéria. Imigrantes têm taxas de mortalidade maiores que as da população
residente – a sobremortalidade da migração, de que falam os demógrafos – escravos

397 O ajuste foi feito por meio da multiplicação dos 68.723 africanos pelo fator 1,58175 (ou 416/263). A
única hipótese implícita neste procedimento é a de que os 153 distritos ausentes das listas tivessem
a mesma média de africanos que os 263 distritos presentes. Essa hipótese é perfeitamente sólida.
Os africanos dos distritos presentes estavam bem distribuidos pelos termos e pelas comarcas. e a
distribuição dos distritos ausentes pelas regiões da província é semelhante à distribuição dos distritos
presentes.
398 Com a hipótese, perfeitamente razoável, de que nos distritos faltantes os africanos tivessem a mesma
distribuição etária dos demais.

566 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
tinham taxas de mortalidade maiores do que as da população livre, e escravos afri-
canos tinham taxas de mortalidade maiores do que as da população escrava crioula.
Assim, podemos ter certeza de que o fluxo que gerou este estoque foi muitas vezes
maior do que seu número presente. Já estimamos acima, por exemplo, que entre 1821
e 1830 foram importados 137.897 africanos, dos quais restavam apenas 35.035 sobre-
viventes em 1831. Ou seja, para gerar cada um dos sobreviventes da coorte chegada
nessa década foram importados 3,9 africanos. Da mesma forma, dos 86.110 impor-
tados em 1811-1820, havia somente 17.761 remanescentes, significando 4,8 impor-
tados por cada sobrevivente em 1831. O exercício é especulativo e impreciso, mas
deixa evidente que para gerar o contingente de africanos sobreviventes em 1831 foi
necessário importar algumas centenas de milhares de africanos. Com base nas fontes
disponíveis e nos procedimentos aqui esboçados, qualquer pessoa que tenha mais
luzes nas técnicas demográficas do que eu – que não tenho nenhuma – poderá esta-
belecer estimativas bastante refinadas e precisas.399
Finalmente, a própria evolução das populações escravas das províncias não
deixa dúvida de que Minas foi um grande importador no século XIX, tanto durante
a vigência do tráfico atlântico, quanto depois do seu encerramento. Aplicando a
todas as províncias o modelo de sobreviventes intercensitários que desenvolvi em
Growing in Silence, obtemos os resultados – perfeitamente razoáveis, verossímeis e
consistentes com a evolução conhecida das economias provinciais e regionais – que
são apresentados na tabela II.8. Esses resultados são também perfeitamente compa-
tíveis com as diversas estimativas parciais apresentadas acima.400

399 Veja, como exemplo de um trabalho no qual se faz um exercício análogo, em outro contexto, Heitor P.
de Moura Filho. Tirando leite de pedra: o tráfico africano estimado a partir de dados etários. In: Anais
do XVI Encontro Regional de História da Anpuh-Rio: Saberes e práticas científicas, 2014.
400 O modelo, suas variáveis e seus pressupostos estão descritos em Crescendo em Silêncio, apêndice
B, e também em Roberto Martins. Minas e o Tráfico, outra vez. O pressuposto crucial desse modelo
é que a taxa de crescimento interno da população escrava, que reflete os efeitos combinados dos
nascimentos, mortes e alforrias dos cativos, seja igual em todas as províncias. Na presente estimativa,
para o período 1819-1854, foi usada a taxa de crescimento interno r = -15,41017 por mil por ano, que
é consistente com a importação de 1.312.374 escravos pelo Brasil no período 1820-1854, conforme
a Trans-Atlantic Slave Trade Database. Para o período 1854-1872 foi usada a taxa r = -3,38265, que
é consistente com importações pelo Brasil iguais a zero após 1854. Fontes das populações: 1819:
Souza e Silva. Investigações, pp. 162-163. Essa fonte dá o número 146.060 como a população escrava
da província do Rio de Janeiro e do município da Corte, conjuntamente. Para obter a população
da província, subtraí 55.090, número dado por Oliveira Vianna. Resumo Histórico dos Inquéritos
Censitários realizados no Brasil. Recenseamento de 1920, vol. I, p. 425, como a população escrava da
Corte em 1821. 1854: Estimativas diversas, censos ou contagens provinciais, a maioria das quais está
em Souza e Silva. Investigações. Os dados se referem ao período 1854-57, exceto para Paraíba (1852),
Rio de Janeiro (1850), Côrte (1849) e Mato Grosso (1849). Para Minas Gerais foi usada a estimativa

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


567
Tabela II.8 - Brasil: População escrava e importações por províncias
(anos e períodos selecionados)
Províncias Escravos Escravos Escravos Importação Importação Importação
em 1819 em 1854 em 1872 líquida líquida líquida
1819-54 1854-72 1819- 72
Minas Gerais 168.543 317.760 381.893 288.561 85.502 374.063
Rio de Janeiro 90.970 293.554 306.425 315.908 31.176 347.085
São Paulo 77.667 117.731 156.612 95.314 47.267 142.580
Bahia 147.263 230.000 167.824 189.610 -50.071 139.539
Rio G. do Sul 28.253 70.880 69.685 71.486 3.092 74.578
Pernambuco 97.633 145.000 89.028 115.884 -48.860 67.024
Côrte 55.090 110.602 48.939 103.163 -56.826 46.337
Sergipe 26.213 32.741 30.119 22.991 -706 22.285
Piauí 12.405 16.858 23.924 12.670 8.313 20.983
Paraíba 16.723 28.473 21.526 24.622 -5.425 19.196
Santa Catarina 9.172 17.987 14.984 16.615 -1.999 14.616
Pará 33.000 31.930 27.458 16.755 -2.663 14.092
Rio G. do Norte 9.109 20.244 13.020 19.625 -6.213 13.412
Espírito Santo 20.272 12.100 22.659 431 11.624 12.055
Paraná 10.191 10.189 10.560 5.605 1.004 6.609
Maranhão 133.332 81.263 75.272 5.039 -1.219 3.819
Ceará 55.439 33.812 31.913 2.125 105 2.230
Alagoas 69.094 48.123 35.741 10.500 -9.830 670
Mato Grosso 14.180 10.886 6.667 3.480 -3.686 -205
Amazonas 6.040 912 979 -3.406 125 -3.281
Goiás 26.800 12.054 10.652 -4.604 -710 -5.314
Brasil 1.107.389 1.643.099 1.545.880 1.312.374 0 1.312.374
(1) As importações 1819-54 foram calculadas com a taxa de crescimento interno r = -15,41017 por
mil, que é taxa compatível com 1.312.374 importados pelo Brasil entre 1820 e 1852, conforme a
Slave Trade Database.
(2) As importações 1854-72 foram calculadas com a taxa de crescimento interno r = -3,38265, que
é a taxa implícita que faz as importações do Brasil = 0 no período.
Metodologia: veja o apêndice B de Crescendo em Silêncio.

As várias abordagens apresentadas resultam, como seria de esperar, em núme-


ros diferentes, mas todas elas concordam que Minas, acompanhada pelo Rio de
Janeiro, liderou as importações de escravos pelas províncias brasileiras no século

de Roberto Martins e Maria do Carmo Martins para 1855. 1872: Resultados do Recenseamento do
Império corrigidos pela Directoria Geral de Estatística para incluir as freguesias não-recenseadas,
reproduzidos em Oliveira Vianna. Resumo Histórico e em Maria Luiza Marcilio, Evolução da População
Brasileira através dos Censos até 1872. Anais de História de Assis 6 (1974), p. 127.

568 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
XIX. A Trans-Atlantic Slave Trade Database mostrou que entre 1820 e 1850 o
Sudeste recebeu mais de 1 milhão e 100 mil africanos novos. Ou seja, os pioneiros
do setor cafeeiro não precisaram de nenhum escravo descartado pela mineração de
ouro. Os mineiros, por seu turno não estavam vendendo escravos – estavam com-
prando mais e mais africanos, em grandes quantidades. O setor cafeeiro nascente
não foi tripulado por escravos ociosos, descartados por mineiros empobrecidos.
Desde a corrida do ouro, na virada do século XVII para o XVIII, até o final do
comércio negreiro internacional não houve nenhuma transferência significativa de
cativos entre as províncias ou regiões brasileiras. Enquanto permaneceu aberto, o
tráfico atlântico supriu todas as demandas, e só depois do seu encerramento é que
as diferentes situações e dinâmicas econômicas regionais determinaram realoca-
ções consideráveis da população escrava entre as províncias e as regiões.
Assim, para encerrar esse tópico que já se alonga muito, quero reiterar que as
evidências apresentadas demonstram, acima de qualquer dúvida, que a história da
transferência de escravos ociosos da mineração moribunda para a nascente lavoura
do café é uma lorota sem nenhum fundamento. O trabalho de Fragoso e Ferreira
demonstrou que os mineiros não foram apenas os principais clientes do tráfico
que chegava ao porto do Rio nas primeiras décadas do século XIX, mas também
os principais agentes da distribuição dos africanos no Sudeste brasileiro, especial-
mente para a província do Rio de Janeiro.401 Essa documentação – concreta, direta,
especificando o dia, mês, ano, dia da semana, o destino das remessas, as quanti-
dades remetidas e o nome dos remetentes ou transportadores – demonstra que os
mineiros vendiam, sim, escravos para os pioneiros do café no vale do Paraíba – mas
esses negros vinham da África, e não da mineração falida.
Conjugada a outros trabalhos e a outras fontes, essa documentação demonstra
também que a província que a pobre historiografia econômica do século XX dizia
estar arruinada e liquidando sua inútil e onerosa escravaria, foi exatamente a que
mais escravos importou ao longo do oitocentos.
Em 1980 afirmei que que Minas só ficava abaixo de Cuba como destino final
dos africanos que cruzaram o oceano no século XIX. Isso é facilmente confirmado
pelas evidências hoje disponíveis. Aqui não é o lugar de fazê-lo, mas se agregarmos
a esses dados as estimativas para o século XVIII, veremos que, no total do tráfico
atlântico, Minas Gerais ultrapassará Cuba e todas as demais províncias brasileiras,
e possivelmente até mesmo a Jamaica.

401 Veja Fragoso e Ferreira. Alegrias e artimanhas, pp. 251-53.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


569
Apesar da tese ter sido muito bem recebida, muita gente teve dificuldade em
aceitar – talvez por não conseguir se libertar do dogma da associação entre escra-
vidão e plantation exportadora – que a Minas oitocentista, e não as economias açu-
careiras do Nordeste ou as províncias cafeeiras do Sudeste, pudesse ter sido o maior
sistema escravista regional de todos os tempos na história do Brasil.
Mais dificuldade ainda tiveram para aceitar que uma economia tão apartada
dos circuitos internacionais de staples coloniais, e do paradigma plantacionista-
-primário-exportador, como a Minas do século XIX, pudesse ter sido um dos maio-
res importadores de africanos do Brasil e do mundo. Hoje, com as novas evidên-
cias, tanto diretas quanto indiretas, essa questão está superada.
Tempos atrás, quando eu dizia que a província tinha sido um grande impor-
tador de escravos, algumas pessoas me olhavam como se eu fosse algum tipo de
doido. Houve até mesmo uma dupla muito mal-educada, de duas grandes univer-
sidades paulistas – que posava de entendida da história de Minas – que escreveu
um artigo, lá nos anos 1980, no qual insinuava que eu manipulava dados para obter
resultados. Hoje, quarenta anos depois, os acho engraçados, e os perdoo, pela pre-
sunção e pela grosseria.

A LENDA DAS ALFORRIAS NA CRISE DO OURO


Também faz parte do script dos autores apocalípticos, como Simonsen, Furtado,
Barros de Castro, e outros seguidores menores da tese da decadência, a lenda de
que, no final do “ciclo do ouro”, teria havido um surto de alforrias em Minas Gerais.
Os mineradores empobrecidos estariam se “livrando” de seus escravos “inúteis” ou
“redundantes”, não só através de sua venda para os cafeicultores do vale do Paraíba,
mas também por meio de alforrias em massa – eles produziam tão pouco, que era
melhor libertá-los do que arcar com o seu sustento. Evidentemente essa história é
mais um corolário das teses da concentração na mineração, da não-diversificação,
do colapso econômico da capitania, e uma irmã quase gêmea da lenda da transfe-
rência dos escravos para o setor cafeeiro. Sua base empírica é tão falsa quanto as de
todas essas proposições.
Os mitos do “ciclo do ouro” e da derrocada econômica de Minas foram tão impu-
nemente repetidos que até mesmo historiadores mais sérios se deixaram enredar
nessa esparrela. Sérgio Buarque de Holanda, por exemplo, afirmou, na História Geral
da Civilização Brasileira, que “à proporção em que a indústria mineradora dobrava
a finados, cresce o número de libertos na capitania. Eles passavam de 1,2% sobre a
escravaria em 1739; eram 35 e 41%, respectivamente, em 1786 e 1808. Já então valeria

570 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
mais a pena alforriar os cativos que sustentá-los”.402 Outros autores apresentam a cifra
de 123.000 como sendo o número de libertos moradores em Minas em 1786, afir-
mam que essa categoria já era nesse ano equivalente a 70% da população escrava, e
ainda que o número de forros ultrapassou o dos escravos no início do século XIX.
Os mapas de população da capitania não especificam, e nem mesmo sugerem,
a dimensão do contingente de forros. Todos os números apresentados como tal
resultam do mesmo erro, elementar e grosseiro, de confundir pessoas livres de cor
(pretos e pardos ou mulatos) com indivíduos forros ou libertos. Esses números não
se referem à população forra, mas sim ao total da população livre de cor parda ou
preta, da qual os forros eram apenas uma fração.

Tabela II.9 - Minas Gerais: População livre de cor (pretos mais pardos) comparada
com a população escrava e a população total, 1786 e 1808
Ano Livres Livres População População População Livres Livres
pretos pardos  livre escrava total de cor % de cor %
de cor total escravos população

1786 42.739 80.309 123.048 174.135 362.847 71 34


1808 47.937 129.656 177.593 148.772 433.049 119 41
Fonte: veja o texto. 

Como se pode ver na tabela II.9, a cifra 123.000 não é o número de forros
existentes em Minas em 1786, mas tão somente o total dos habitantes livres de cor
da capitania. Segundo o único mapa de população referente a esse ano, havia em
Minas 123.048 indivíduos livres de cor (80.309 livres pardos e 42.739 livres pretos),
que representavam 34% do total de 362.847 habitantes (não incluindo os 30.851
habitantes “sem detalhes” e os 913 índios). Os livres de cor equivaliam então a
71% dos 174.135 escravos.403 Em 1808, o contingente livre de cor era de 177.593
pessoas (129.656 pardos e 47.937 pretos), que constituiam 41% da população total

402 Sérgio Buarque de Holanda. História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difusão Européia do
Livro, 1973, tomo I, vol. II, p. 188. Entre os autores menores que repetiram esses números houve até
quem chegasse a afirmar que “a libertação do escravo era concedida (e não conseguida) (...) alforriava-
se o escravo exatamente porque passava a constituir encargo por demais oneroso, passado o auge
minerador”.
403 Documento manuscrito avulso. APM. Casa dos Contos. Rolo 512, gaveta E-5, planilha 30099/2.
Publicado como “População da Província de Minas Gerais”. Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano IV
(1899), pp. 294-296.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


571
de 433.049 habitantes, e equivaliam a 119% dos 148.772 escravos arrolados.404
Portanto, os números apresentados por Buarque de Holanda, e pelos autores que
o seguem, não se referem à população de forros, mas aos totais de pessoas livres de
cor e suas porcentagens em relação à população total de Minas em 1786 e 1808,
respectivamente.
Da mesma forma, nenhum dos outros mapas de população conhecidos, da
capitania ou da jovem província, registra o número de forros. O mapa de 1776
não especifica sequer a condição dos habitantes, e os mapas gerais da população
da capitania ou da província em 1805, 1821 e 1823, bem como os muitos mapas
parciais referentes a termos, freguesias e distritos específicos, apenas registram o
total de indivíduos livres de cor parda ou preta, e não dão nenhuma informação
sobre o número de forros ou libertos.405
Supostamente, a única informação explícita sobre o número de forros na capi-
tania, ao longo do século XVIII, seria a que consta das matrículas da capitação, que
vigorou entre 1735 e 1749. Nesse período os escravos e os libertos foram arrolados
duas vezes a cada ano, e os registros mostram que esses últimos nunca ultrapassaram

404 Documento manuscrito avulso. APM Casa dos Contos. Rolo 512. Gaveta E-5. Planilha 30099/2.
Publicado como “População da Província de Minas Gerais”. Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano
IV (1899), pp. 294-296, repetido por W. L. von Eschwege. Journal von Brasilien. Weimar, 1818, vol. 1,
prancha 5, p. 209, por Spix e Martius, Saint-Hilaire, e Xavier da Veiga.
405 Mappa dos habitantes actuaes da Capitania de Minas Geraes e dos nascidos e falecidos no anno de
1776. APM. AHU 8564 cx. 110 doc. 59 (CD-Rom 59). Veja também a Carta do Sr. Martinho de Mello
e Castro com a relação que Sua Majestade manda formar dos habitantes desta Capitania. APM. SC-
211. Registro de cartas, ordens e provisões régias, avisos e cartas do Governador, 1775-1779. Nessa
carta se vê que o ministro não determinou a discriminação das condições dos habitantes. Esse
mapa foi reproduzido por José Joaquim da Rocha (1780), por José João Teixeira Coelho (1780), por
Eschwege (1833), e vários outros autores dos séculos XIX e XX. Os mapas de 1805, 1821 e 1823, são
também muito conhecidos, e foram publicados em vários lugares, entre os quais na Revista do Arquivo
Público Mineiro. Ano IV (1899), pp. 294-296. O mapa de 1767 deve ser rejeitado como deficiente
e inconsistente com outros dados. Apenas como curiosidade anotamos que ele registra 2.689
forros, que representam somente 2,1% do número de escravos constantes do mesmo mapa. Sobre
a inexistência das categorias “forros” e “libertos” nos mapas de população, veja Carlos de Oliveira
Malaquias. Remediados Senhores: Pequenos escravistas na Freguesia de São José do Rio das Mortes,
c. 1790 – c. 1844. Tese de doutorado em História, UFMG 2014, p. 44: “Nos mapas de população as
condições mencionadas são apenas “livre” ou “escravo”, sendo a condição de liberto/forro omitida
(…) a organização dessas tabelas segue uma tradição estatística desenvolvida na segunda metade do
século XVIII e que se perpetuou até as primeiras décadas da Independência. Maria Luiza Marcílio
localiza na Ordem Régia de 21 de outubro de 1797 os princípios que orientaram a produção de listas
de população e a padronização dos mapas resultantes. A supressão da condição de forro nas tabelas
de população da primeira metade do XIX, portanto, era uma prática anterior. Talvez fosse parte
do processo de elisão da ideia de liberto sustentado pelo prof. Libby, mas seguramente era, como
destacou Tarcísio Botelho, mais uma das permanências portuguesas na organização inicial do Estado
brasileiro”.

572 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
1.543, ou seja, nunca passaram de 1,6% do número de cativos.406 Assim, qualquer
afirmação sobre o número de forros só pode ter origem no equívoco mencionado,
ou em alguma especulação desinformada e sem base empírica séria, ou mesmo de
má fé, com a intenção de dar suporte à tese da decadência e ruína da capitania.407
A existência de um grande número de pessoas livres de cor quase nada revela
sobre alforrias, e não demonstra (nem mesmo sugere) que houve alguma intensi-
ficação das mesmas no final do século. O contingente dos livres de cor é composto
não só pelos libertos (alforriados) mas também por todos os indivíduos livres pre-
tos ou pardos, residentes na capitania no momento do levantamento populacio-
nal. Isso inclui todas as várias gerações de pessoas nascidas livres, descendentes do
primeiro até o último escravo ou escrava alforriados, bem como todos os indiví-
duos livres de ascendência africana que migraram para Minas em qualquer época
anterior ao levantamento, e todos os seus descendentes. Pode-se afirmar com segu-
rança que os forros ou libertos, isto é, pessoas nascidas no cativeiro, ou pessoas
escravizadas na África e trazidas como cativos para o Brasil, que receberam ou
conquistaram posteriormente sua alforria, constituiam apenas uma pequena fração
das pessoas livres de cor que aparecem nos mapas de população. A grande maioria
desses indivíduos são pessoas nascidas livres. O grande contingente de afrodescen-
dentes livres atesta tão somente o fato, observado em todos os sistemas escravistas da
América, de que, uma vez livres das condições da escravidão, esse grupo alcançava
altas taxas de crescimento natural.
O roteiro dos autores apocalípticos sobre mineradores empobrecidos, forçados
a libertar seus inúteis escravos por não ter como alimentá-los, não tem suporte nos
fatos. Os proprietários mineiros do final dos setecentos, ou do início dos oitocen-
tos, em sua grande maioria, não eram mineradores, não estavam empobrecidos

406 Veja: Códice Costa Matoso. Coleção das Notícias dos Primeiros Descobrimentos das Minas na América
que fez o Doutor Caetano da Costa Matoso sendo Ouvidor Geral das do Ouro Preto, de que tomou
posse em fevereiro de 1749, & vários papéis. Belo Horizionte: Fundação João Pinheiro, 1999, vol. 1,
pp. 406-413. Mesmo essa fonte não é segura sobre o número de forros, e também parece envolver
alguma confusão. O códice Costa Matoso relaciona o número de “escravos” e “forros” sobre os quais
incidiu a capitação nos vários anos, mas segundo Boxer esse imposto não tributava apenas os forros,
mas todos os “negros livres, mulatos e mestiços que não possuissem escravos”. Veja Boxer. The Golden
Age, pp. 198-99. Essa ambiguidade de designar como “forros” tanto os escravos libertos quanto os
negros e mulatos livres (aqueles nascidos em liberdade) foi uma constante durante todo o período
escravista, e ocorre até em documentos oficiais.
407 Eduardo França Paiva, que estudou esse tema em profundidade, não afirma que havia 123.000 libertos
em 1786. Menciona apenas, corretamente, uma “população negra liberta e livre de 123.000”. Veja:
Eduardo França Paiva. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII: estratégias de resistência
através dos testamentos. São Paulo: Annablume, 1995, p. 91. Os itálicos são meus.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


573
e, em vez de estarem alforriando seus escravos, estavam importando quantidades
consideráveis de novos cativos africanos, como vimos.408 Ou será que os mineiros
importavam africanos apenas para alforriá-los em seguida? Como anotado acima,
a lenda das alforrias em massa, assim como aquelas da interrupção das importa-
ções, e das transferências de escravos mineiros para o setor cafeeiro, nada mais é
do que mais um corolário da tese, caduca e superada, da derrocada econômica da
capitania.
Como bem observou França Paiva, várias características da organização econô-
mica e social de Minas Gerais desde seus primórdios, especialmente a diversifica-
ção da economia e a prevalência de pequenos plantéis, “imprimiram singularidades
muito propícias às manumissões (...) Tudo favorecia a flexibilização das relações
escravistas; os acordos cotidianos entre proprietários e propriedades; a atuação
mais autônoma dos escravos nas economias locais; a formação de pecúlio por parte
dos cativos e a virtualidade da libertação”. É provável que as coartações tenham
constituído boa parte das manumissões ocorridas em Minas. Coartações não são
alforrias concedidas, mas sim conquistadas ou compradas pelos cativos. Elas não
refletem situações de crise da economia ou de empobrecimento dos senhores, mas,
pelo contrário, denotam um ambiente de prosperidade, que enseja atividades eco-
nômicas bem-sucedidas e formação de pecúlios pelos escravos. É de se notar que
essas atividades permitiram a muitos escravos não só conquistar sua liberdade mas
também se tornarem, vários deles, proprietários de escravos.409
Manumissões existiram em todos os momentos da história da escravidão, em
todos os lugares. Mas nunca foi apresentada nenhuma evidência convincente sobre
a alegada intensificação das alforrias em Minas Gerais no declínio da mineração
– apenas alguns números grosseiramente errados, que não se referem à presença
de libertos, e sim à população livre de pretos e pardos. Tudo indica, que o suposto
surto de alforrias do final do período colonial é apenas mais um dos mitos inven-
tados pela historiografia do século XX. Mais um corolário falso, da decadência que
não houve, do ciclo do ouro que não existiu.

408 Vale a pena recordar que no capítulo 4 de Crescendo em Silêncio, demonstramos que no final do
regime escravista, no século XIX, Minas Gerais teve as menores taxas de alforria do Império, tanto na
área cafeeira quanto na região não-cafeeira da província.
409 Eduardo França Paiva. Coartações e Alforrias nas Minas Gerais do século XVIII: As possibilidades de
libertação escrava no principal centro colonial. Revista de História 133, 1995, pp. 49-50.

574 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
O MITO DA ARTICULAÇÃO DAS ECONOMIAS DA COLÔNIA
Outra história que deve ser examinada com um olhar crítico, é a da “articula-
ção” das economias regionais da colônia pelas demandas geradas a partir do setor
minerador. Esse mito, cuja lógica também depende inteiramente da crença na
exclusividade da atividade minerária, na dependência dos suprimentos externos
e na negação da diversificação econômica, também foi insistentemente repetido
pela historiografia tradicional, e grudou na história de Minas como chicletes no
cabelo. É fora de dúvida que nos primórdios, durante um curto espaço de tempo,
a região mineradora em desbravamento recebeu suprimentos das áreas vizinhas.
Mas alguns autores repetem essa lenda de maneira tão descuidada e genérica – sem
discutir sua extensão, seu timing e sua duração – que parecem estar afirmando que
isso se prolongou por todo o século XVIII.
Como já observamos, Roberto Simonsen nega o surgimento de uma oferta local
de alimentos, afirmando que nos distritos mineradores “era quase nulo o trabalho
agrícola, e (...) os meios de subsistência eram quase todos importados das grandes
propriedades das regiões vizinhas, pagos em ouro em pó, única produção local”.410
A pouca atenção que dedicou ao abastecimento da região mineradora foi apenas
para exaltar a figura do “Creso paulista”, o padre Guilherme Pompeu de Almeida,
que aponta como o grande provedor de Minas Gerais, e o epítome do estímulo
lançado sobre São Paulo pela descoberta do ouro. Essa idéia lhe foi passada por
Affonso de E. Taunay, em nota que reproduz na p. 301, da História Econômica do
Brasil – “À organização da retaguarda (...) pertencia, figurando na primeira linha,
o famoso Creso colonial paulista, padre Guilherme Pompeu de Almeida, que enri-
queceu extraordinariamente sem jamais ter visitado o território da mineração, e
limitando-se a ser o fornecedor dos mineradores, a quem expedia tropas sobre
tropas, conduzindo víveres, ferragens, panos, armas, pólvora, produtos químicos,
etc., boiadas sobre boiadas, varas sobre varas de porcos, etc.” 411
Pompeu de Almeida é uma figura bem conhecida, tendo sido objeto de extensa
biografia escrita pelo jornalista Jorge Caldeira.412 Assim como o bandeirismo, o
padre Pompeu é uma personagem seiscentista, que financiava incursões paulistas

410 Simonsen. História Econômica, p. 407.


411 Affonso de Taunay era, assim como Simonsen, mais paulista do que muitos quatrocentões. Catarinense
de família carioca, escreveu, entre muitas outras obras de paulística, uma História Geral das Bandeiras
Paulistas, em 11 volumes, e uma História do Café no Brasil, em 15 volumes, a qual, quando ainda
estava no décimo primeiro volume, foi classificada por Caio Prado Júnior como o livro mais chato do
Brasil. Taunay foi também professor e editor do desfrutável Curso de Bandeirologia, de 1946. Veja
Afonso de Taunay. Curso de Bandeirologia. São Paulo: Departamento Estadual de Informações, 1946.
412 Jorge Caldeira. O Banqueiro do Sertão. São Paulo: Mameluco, 2006.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


575
pelo interior do território no século XVII. Seu papel com relação a Minas Gerais
foi certamente bem limitado, e restrito aos primeiros anos do rush minerador,
pois faleceu sem herdeiros em 1713, deixando todos os seus bens para a igreja.
Historiadores paulistas antigos, nativos ou adotivos, como Simonsen, Taunay e
Mário Leite, são deslumbrados por essa figura, que cultuam como uma espécie de
guru do bandeirismo.
Celso Furtado é o principal formulador da tese da “articulação”, com base na
negação da produção local de abastecimento. Segundo ele, por estar
localizada a grande distância do litoral, dispersa e em região montanhosa,
a população mineira dependia para tudo de um complexo sistema de
transporte. A tropa de mulas constitui autêntica infraestrutura de todo
o sistema. A quase inexistência de abastecimento local de alimentos, a
grande distância por terra que deviam percorrer todas as mercadorias
importadas [criou] um grande mercado para animais de carga. (...)
A região rio-grandense, onde a criação de mulas se desenvolveu em
grande escala, foi dessa forma integrada no conjunto da economia
brasileira. Cada ano subiam do Rio Grande do Sul, dezenas de milhares
de mulas, as quais constituiam a principal fonte de renda da região. Esses
animais se concentravam na região de São Paulo onde, em grandes feiras,
eram distribuidas aos compradores que vinham de diferentes regiões.
Deste modo, a economia mineira, através de seus efeitos indiretos,
permitiu que se articulassem as diferentes regiões do sul do país (...)
Essas distintas regiões viviam independentemente e tenderiam prova­
velmente a desenvolver-se num regime de subsistência, sem vínculos
de solidariedade econômica que as articulassem. A economia mineira
abriu um novo ciclo de desenvolvimento para todas elas. Por um lado
elevou substancialmente a rentabilidade da atividade pecuária, induzindo
a uma utilização mais ampla das terras e do rebanho. Por outro fez
interdependentes as diferentes regiões especializadas, umas na criação,
outras na engorda e distribuição e outras constituindo os principais
mercados consumidores.413

Caio Prado Júnior também afirmou que “a necessidade de abastecer a popu-


lação concentrada nas minas e na nova capital [o Rio de Janeiro] estimulará as
atividades econômicas num largo raio geográfico que atingirá não somente as capi-
tanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro propriamente, mas também São Paulo. A
agricultura, e mais em particular a pecuária, se desenvolverão grandemente nestas
regiões. É de notar que o território das minas propriamente (sobretudo das mais
importantes, localizadas no centro de Minas Gerais) é impróprio para as atividades
rurais. O solo é pobre e o relevo excessivamente acidentado. Nestas condições os

413 Furtado. Formação Econômica, pp. 83-84.

576 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
mineradores terão de se abastecer de gêneros de consumo vindos de fora. Servir-
lhes-á sobretudo o sul de Minas Gerais, onde se desenvolve uma economia agrícola
que (...) alcançará um nível de relativa prosperidade”. Ou seja, embora também
sustente a idéia da irradiação da demanda da área mineradora, Prado é o único dos
historiadores econômicos “clássicos” a apontar o óbvio – que o estímulo da procura
vai fomentar mais fortemente o surgimento de uma oferta próxima às áreas mine-
radoras, dentro da própria Minas Gerais.414
Já anotamos que esse tipo de integração, com a criação de elos de dependência
entre as regiões, fosse natural ou planejada, era uma espécie de sonho dourado da
metrópole. A articulação não só promoveria o povoamento e a ocupação efetiva da
colônia, mas também tornaria essa ocupação sustentável, gerando atividade econô-
mica em todas as partes do corpo colonial, além de maximizar, pela circulação de
mercadorias entre elas, as receitas da real fazenda. Mas não foi exatamente assim
que as coisas se passaram, pelo menos com relação a Minas Gerais.
Mesmo que tenha se esboçado em algum momento, tal articulação foi que-
brada, em pouco tempo, pela extrema precocidade do desenvolvimento agrícola e
pecuário da capitania, como descrevemos acima. A rapidez do surgimento dessas
atividades foi também registrada por Caio Prado Júnior, que afirmou ter havido
“um conjunto de circunstâncias muito favoráveis à criação de gado; e logo que a
região começa a ser devassada pelos exploradores de ouro, inicia-se paralelamente
uma atividade rural em que se destacará a pecuária. Esta chamará a si, aos poucos,
o mercado próximo que os centros mineradores em formação lhe vão proporcio-
nando. Abastecendo-se a princípio nos sertões ao Norte e nos Campos Gerais ao
Sul, os mineiros passarão logo para ela, mais accessível que é, e sobretudo melhor
aparelhada que seus concorrentes”. Minas torna-se rapidamente autossuficiente na
pecuária, e muito cedo passa a exportar gado para seus vizinhos, invertendo o sen-
tido da “articulação” – passando para o lado da oferta, quando deveria ser apenas
demanda. “O Sul de Minas suprirá em seguida, e substituirá afinal, os fornecedores
do Rio de Janeiro: os Campos de Goitacazes e os mesmos Campos Gerais citados,
estes ficam mais longe, aqueles transformam seus pastos em canaviais. É em 1765
que descem para o Rio de Janeiro os primeiros gados da nova proveniência. Até São
Paulo, vizinho embora dos campos meridionais, se abastecerá em Minas (...) já em
1756 descia gado daí para São Paulo, concorrendo com o fornecimento dos campos
do Sul - Curitiba e Rio Grande”.415
Outras negações da tese da “articulação”, podem ser encontradas nas censuras
das autoridades da metrópole e nas reclamações das outras capitanias, ao longo de

414 Prado Júnior. História Econômica, pp. 65-66.


415 Prado Júnior. Formação, pp. 192-93, 51-52.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


577
todo o século XVIII, contra a produção mineira de vários itens. Essas reclamações
não são outra coisa senão manifestações de frustração pelo rompimento da alme-
jada articulação. Já mencionamos nessas notas, e não há necessidade de repetir
aqui, as varias tentativas de proibições e reprimendas da coroa sobre a produção de
fumo, açúcar e aguardente, gado e bestas, bem como as lamúrias dos vizinhos pela
“usurpação” do mercado de Minas Gerais – pelos mineiros.
O surgimento precoce da oferta de abastecimento dentro da própria Minas, e
a resultante autonomia em relação às outras capitanias já estragaria, por si só, toda
a novela da articulação. Mas há outro argumento, ainda mais decisivo para atrapa-
lhar o script desse filme: mesmo se acreditarmos que a economia mineradora irra-
diava uma demanda “articulante”, os fornecedores supostamente “articulados” por
essa demanda simplesmente não tinham o que fornecer – não tinham excedentes
para enviar a Minas Gerais. Na época da corrida do ouro em Minas, São Paulo mal
dava conta de si mesma.
Essa produção [de alimentos] paulista antes da descoberta do ouro era
pequena. São Paulo só produzia para suas necessidades (...) pesquisas
feitas nos inventários e testamentos paulistas provaram a pequena
extensão das lavouras existentes no planalto. As regiões vicentinas, em
verdade, durante o século XVII, só possuíam uma mercadoria para
exportar: o escravo ameríndio; as outras produções se intensificaram
um pouco mais quando a indústria do apresamento declinou a partir
de meados do século XVII, mas não a ponto de alimentar exportação
perceptível. Quando foi descoberto o ouro, não estavam as vilas
paulistânicas em condições de suprir as necessidades dos mineradores
das Gerais; entretanto, a febre da especulação fez com que tudo que
houvesse para suprir as próprias vilas paulistânicas fosse levado para as
minas. As vilas paulistas sacrificaram seu próprio abastecimento para
mandar às minas boiadas, toucinho, aguardente, açúcar, panos, artigos
importados como sal, armas, azeite, vinagre, vinho, aguardente do Reino,
etc. A conseqüência foi a alta dos preços, a escassez de mantimentos e até
fome em todo o Planalto.416

416 Zemella. O Abastecimento, pp. 5, 56-59. Este livro foi originalmente apresentado como tese de
doutoramento à Cadeira de História da Civilização Brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras de Universidade de São Paulo em 1951, e constitui uma notável exceção à historiografia
econômica de sua época, e mesmo de décadas posteriores, por se basear em considerável massa
de pesquisa arquivística, no Arquivo Nacional, no Arquivo do Estado de São Paulo, na Biblioteca
Nacional, e inclusive em fontes mineiras, no Arquivo Público Mineiro. Embora suas conclusões
nem sempre estejam corretas à luz das evidências e da historiografia hoje disponíveis, é minucioso
e bem pesquisado, o que o singulariza na literatura de história econômica brasileira do século XX,
principalmente sobre Minas Gerais.

578 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Zemella apresenta várias evidências bem documentadas, com atas da Câmara
Municipal de São Paulo, e outras, sobre a penúria causada à população nos anos
de 1701, 1704 e 1705, pelo envio desses suprimentos. A situação tornou-se insus-
tentável, e em 19 de janeiro de 1705, a câmara teve de proibir que qualquer pessoa
vendesse qualquer mantimento – farinha de guerra, trigo, feijão, milho, toucinho
e gado – para fora da terra. Essa situação não ocorreu apenas na vila de São Paulo,
mas também em outros núcleos, como, por exemplo, os de Atibaia e Juqueri.417
De acordo com essa autora, os paulistas, estimulados pela demanda, amplia-
ram suas lavouras e manufaturas, e incrementaram as importações via Santos, tudo
com o objetivo de abastecer Minas Gerais. Afirma que foram buscar “grossas boia-
das” nos campos de Paranaguá e Curitiba, muares no extremo sul, e que o porto
de Santos se tornou fornecedor de mercadorias, manufaturas européias e escravos
para as minas.418 Já vimos que isso não é correto: o porto de Santos foi rapida-
mente derrotado pelo do Rio de Janeiro em sua tentativa de ser a conexão marítima
das minas. O fornecimento de escravos por esta via foi brevíssimo, esporádico e
pequeno. Já a partir de 1720 todos esses fluxos foram progressivamente transferi-
dos para o Rio de Janeiro.
A própria Zemella reconhece que com a abertura do Caminho Novo, Santos
foi inteiramente suplantado pelo Rio, e que “a região planaltina só não entrou em
decadência por causa dos descobrimentos de ouro em Goiás e Mato Grosso, e por
permanecer como rota de passagem das tropas de muares que vinham do Sul”,
concluindo que o papel dos paulistas no abastecimento de Minas Gerais foi muito
modesto, exatamente por não terem o que oferecer: “São Paulo, que no início da
mineração não possuía fontes organizadas de produção em larga escala, nem efeti-
vos humanos para abastecer as Gerais, improvisou produção e população de forma
tão vigorosa, que serviu de retaguarda econômica das regiões mineradoras do cen-
tro e do oeste brasileiro”. Ou seja, dos curtos ciclos mineradores de Goiás e do Mato
Grosso.419
Caio Prado Júnior é ainda mais rigoroso, e só concede à capitania bandeirante o
papel de entreposto das manadas vindas do sul. Segundo ele, a agricultura paulista
era, até o final do século XVIII, “insignificante” e “puramente local”:

417 Zemella. O Abastecimento, p. 58.


418 Zemella. O Abastecimento, pp. 59,61.
419 Zemella. O Abastecimento, pp. 63-65. Os itálicos são meus.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


579
Zona de passagem, São Paulo não chegou a formar, no período colonial,
vida própria; a pequena mineração de lavagem que aí se praticou nos
dois primeiros séculos, a insignificante agricultura ensaiada, de caráter
puramente local, não tiveram expressão alguma. As grandes fontes da
vida paulista serão o comércio de escravos indígenas preados no alto
sertão e vendidos nos centros agrícolas do litoral, o comércio do gado
que vem dos campos do Sul, e por aí passa com destino à marinha,
inclusive e sobretudo o Rio de Janeiro; finalmente, quando se descobre
o ouro em Minas Gerais, São Paulo será por algum tempo a única ou
principal via de acesso para ele.

Todas essas formas de atividade se extinguem nos primeiros anos


do século XVIII. O comércio de índios escravos (...) já praticamente
desaparecera; o fornecimento de gado para o Rio passará para os
Campos dos Goitacazes e mais tarde para o Sul de Minas; o caminho que
Garcia Rodrigues Pais, um paulista, abre entre os centros mineradores
das Gerais e o Rio desvia de São Paulo o trânsito que para eles se fazia
(...) É só em fins do século XVIII que São Paulo começa a recuperar as
forças exauridas em dois séculos de aventuras e inaugura, na base mais
estável da agricultura, um período de expansão e prosperidade que dura
até hoje.420

Uma descrição crua e objetiva da penúria da capitania de São Paulo pode ser
encontrada em Alice Canabrava, que a classifica como uma “economia de deca-
dência”, até o início do governo do morgado de Mateus, em 1765.421 Concorda com
ambos um autor mineiro do século XVIII, segundo o qual embora tivessem desco-
berto as minas de ouro, a economia dos paulistas era pobre porque, “nutridos da
mais estúpida indolência viviam de corso, preferindo os incômodos de uma vida
precária à honra do trabalho e às vantagens da indústria”.422
A situação não era diferente na capitania fluminense. Ainda de acordo com
Zemella,
A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, quando o ouro foi
descoberto, era um pequeno núcleo urbano, sem importância
econômica ou demográfica. Em seus arredores as terras eram ocupadas
por plantações, engenhos e currais, tudo em pequena escala” (...)
Nos primeiros anos do século XVIII, os reflexos da descoberta do
ouro na cidade do Rio de Janeiro foram maléficos. Verificou-se na

420 Prado Júnior. Formação, pp. 61-62. Os itálicos são meus.


421 Alice P. Canabrava. Uma economia de decadência: Os níveis de riqueza na Capitania de São Paulo,
1765/67. Revista Brasileira de Economia 26 (4) (outubro/dezembro de 1972).
422 Ottoni. Memória, p. 311.

580 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
região o despovoamento, a alta dos preços dos gêneros, a carência de
mantimentos e mesmo a fome (...) Os documentos que atestam a crise
de fome sofrida pela cidade do Rio de Janeiro nos fins do século XVII
e começo do seguinte, são numerosos e insistentes.423

Um trabalho mais recente, específico sobre a economia fluminense do século


XVIII, confirma que assim como São Paulo, o Rio de Janeiro também não dispunha
de excedentes exportáveis. Segundo Pesavento, a onda migratória para a região das
minas gerou uma perda de força de trabalho escrava, com reflexos negativos tanto
na produção de alimentos quanto na de açúcar. “A produção da capitania do Rio
de Janeiro se reduziu (diante da falta de braços) e o que se ofertava ia para Minas,
gerando dificuldades no fornecimento de alimentos para os cariocas, em especial
na década de 1720”.424
O historiador inglês Charles Boxer, é da mesma opinião: nem paulistas nem
fluminenses tinham capacidade para alimentar a zona mineradora. De acordo com
ele, nos primórdios do rush, era melhor “importar escravos, sal, farinha, ferramen-
tas de ferro, e as necessidades da vida, da Bahia do que de São Paulo e do Rio de
Janeiro, não só pela maior facilidade da rota fluvial, mas também porque as capita-
nias do sul mal produziam para seu próprio consumo”.425
Zemella afirma que, como acontecera em São Paulo, “com o decorrer dos anos
corrigiu-se esta situação crítica. A facilidade de comunicação com as minas fez
com que houvesse a expansão das lavouras, currais e engenhos nos campos dos
Goitacazes, de Santa Cruz, Bacaxá, e Campos Novos de São João. Intensificou-se
em toda a baixada fluminense a produção de cereais, a produção de açúcar e
aguardente. Tal produção servia ao abastecimento das Gerais, da cidade do Rio de
Janeiro e demais núcleos fluminenses. Além dos produtos usuais da terra (açúcar,
aguardente, gado, feijão, arroz, farinha, etc.) o Rio enviava a Minas Gerais, arti-
gos importados de além-mar: vidros, espelhos, sedas, damascos, pelúcias, baixelas,
vinhos, azeites, armas, pólvora, sal, ferro, etc. Mas o que mais ressaltava no comér-
cio do Rio de Janeiro com as minas era o tráfico de negros.426
Entretanto, dada a extrema precocidade e a rápida disseminação dos engenhos
em Minas, é muito pouco provável que a capitania recebesse suprimentos de açúcar

423 Zemella. O Abastecimento, pp. 65-66.


424 Fábio Pesavento. Um pouco antes da Corte: a economia do Rio de Janeiro na segunda metade do
Setecentos. Tese de doutorado em Economia. Universidade Federal Fluminense 2009, p. 34.
425 Boxer. The Golden Age, p. 44.
426 Zemella. O Abastecimento, p. 67.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


581
e aguardente da área fluminense. São igualmente inverossímieis as remessas de
outros mantimentos, porque, além da precoce implantação da agricultura mineira,
sabemos, por meio dos estudos de Fábio Pesavento e de Nireu Cavalcanti, que “até
meados do terceiro quartel do século XVIII a produção agrícola fluminense estava
concentrada na cultura da mandioca e da cana de açúcar (açúcar e aguardente)”.427
Vimos também que, segundo Caio Prado Júnior, Minas Gerais não recebeu gado
dos Campos de Goitacazes, mas, inversamente, ocupou o lugar daqueles fornece-
dores no mercado do Rio de Janeiro, quando eles transformaram suas pastagens
em canaviais.
“Artigos importados de além-mar”, foram de fato enviados a Minas através do
Rio de Janeiro, ao longo de todo o século XVIII e do XIX. Depois da abertura e efe-
tivo funcionamento do Caminho Novo, o Rio assumiu o papel de “boca das minas”
e estabeleceu-se um fluxo contínuo de comércio entre as duas regiões, mas esse
fluxo nunca incluiu o fornecimento de alimentos básicos do Rio para a capitania
mediterrânea – pelo contrário, a partir do meado dos setecentos, Minas passou a
abastecer o Rio de Janeiro.
Diferentemente, porém, da lenda da transferência dos escravos para o café, que
é pura invenção, a tese da articulação, ou da integração da economia colonial pelas
demandas do setor minerador, contém elementos de verdade. Mas para se manter
de pé ela deve ser reescrita, relativizada e tornada mais precisa, com respeito à linha
do tempo, à geografia e aos produtos envolvidos.
Uma versão mais aceitável seria mais ou menos assim: Certamente, no começo
da ocupação de Minas Gerais, os primeiros mineradores receberam mantimen-
tos, outras mercadorias e escravos da Bahia, de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Isso deve ter durado bem pouco: nem na Bahia nem nas capitanias do sudeste
havia excedentes alimentares para enviar à região mineira. No nordeste “as pro-
priedades rurais produziam apenas o indispensável para alimentar os que nelas
viviam (...) na região vicentina também a produção de artigos alimentares era
insignificante. As propriedades planaltinas eram de pequena extensão, verda-
deiras “lavourinhas”, onde cada um plantava quase que só para o gasto. Muito
pouco era destinado às trocas ou vendas (...) na região fluminense, verificava-se
o mesmo fenômeno. Não havia sobras alimentares para enviar às minas”.428 Para
suprir os mineradores, essas regiões cortaram na própria carne e sacrificaram

427 Pesavento. Um pouco antes da Corte, p. 63.; Cavalcanti. O Rio de Janeiro setecentista, p. 86.
428 Zemella. O Abastecimento, pp. 192-95.

582 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
seu próprio abastecimento. Diferentemente do que iria ocorrer em Minas um
século mais tarde, em 1808, isso gerou tensões nos mercados, alta de preços,
desabastecimento e tumultos, e logo revelou-se insustentável. Por outro lado, em
pouco tempo tornou-se também desnecessário e não-competitivo. Muito rapida-
mente estabeleceu-se e estabilizou-se localmente uma oferta mercantil de gêne-
ros básicos, como gado, milho e mandioca, como demonstraram Carlos Magno
Guimarães, Liana Maria Reis, Angelo Carrara, Adriana Romeiro, Mônica Ribeiro
de Oliveira, Raphael Freitas Santos, e outros autores. Podemos afirmar que no
tocante a esses gêneros, não houve nenhuma “articulação’ – a demanda emanada
dos mineradores e das primeiras vilas e arraiais foi respondida por uma oferta
surgida dentro da própria Minas, e não nas outras capitanias. Isso foi rapida-
mente seguido pelo estabelecimento de engenhos de açúcar e cachaça, pela cria-
ção de suínos, e pelas culturas de fumo e algodão.
Uma articulação que parece ter existido efetivamente e durado muito mais
tempo foi a demanda e o fornecimento de bestas muares. Mesmo sem depender de
suprimentos alimentares básicos, Minas era uma capitania interior, e precisava das
linhas de comércio com o litoral para receber as importações de bens e de escravos,
e para enviar o ouro e outros produtos para o Rio. A tropa de mulas era também
indispensável para – algo que a historiografia tradicional não foi capaz de perceber
– a intensa circulação de mercadorias e de pessoas dentro do vasto território da
capitania.
A importação de mulas também foi limitada, algumas décadas mais tarde,
pela produção local desses animais. A proibição da criação de muares em Minas
Gerais é análoga à da construção de engenhos – também se destinava a reservar
o mercado para outras capitanias, e incrementar as receitas das entradas. Com o
detalhe importante de que nesse caso tratava-se ainda de garantir o povoamento
e a atividade econômica em áreas de fronteira, constantemente ameaçadas pelos
castelhanos. Mas aqui também o mercado se impôs à política colonial. E como no
caso da cana, a produção local surgiu muito antes de qualquer crise ou restrição da
capacidade de importar.
Mafalda Zemella apresenta várias mensagens aflitas do governador de São
Paulo, Luís Antônio de Sousa, denunciando e pedindo providências contra a cria-
ção de mulas que já se havia estabelecido na capitania de Minas. Em 1768, o mor-
gado de Mateus escreveu ao conde de Oeiras (futuro marquês de Pombal) recla-
mando que sua capitania (e a coroa) estavam perdendo as receitas do trânsito dos
muares do sul. Esse negócio estava arruinado por causa do “grande número de

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


583
estabelecimento de fazendas de criação que se tem fundado (...) especialmente em
Minas”.429 Em 1770, o governador escreveu ao marquês do Lavradio, dizendo que
o principal negócio desta capitania é a compra de bestas que se vão
buscar à fronteira de Viamão, as passagens delas e os direitos que pagam
nos registros são a principal renda que tem a provedoria de Viamão e a
desta capitania de São Paulo, e a assistência deste comércio é o que dá
exercício ao maneio dos dinheiros particulares, modo de vida aos que
vem do Reino e que faz conservar a povoação nas fronteiras e o tráfico
maior destes habitantes. Todas essas grandes utilidades estão perdidas
pela introdução que de um tempo a esta parte se tem procurado fazer
na capitania de Minas de burros e burras para fundação de fazendas de
criação. Eu, antevendo esses notáveis prejuízos não só dos vassalos, mas
também dos reais interesses de Sua Majestade, fiz proibir as passagens
destes animais nos registros desta capitania, mas não consegui nada,
porque prevalecendo ao interesse público a conveniência particular, tem
dado os criadores de Minas em mandar passar os ditos burros por mar e
até mandá-los vir das Ilhas.430

Outro ofício do mesmo morgado de Mateus, em 1773, denunciava a chegada


de um navio do Reino trazendo um lote de burros para as Minas, apontando os
prejuízos que já se notavam no comércio das mulas do sul por haver fazendas de
criação em Minas, e a queda das rendas do registro. Isso trazia decadência para
Viamão e Curitiba, empobrecia a região de Sorocaba, e desviava os mineiros para
a criação, com prejuízo dos quintos.431 De nada adiantaram as proibições e recla-
mações. Como bem disse o governador paulista, a “conveniência particular” pre-
valeceu sobre o que ele considerava ser o “interesse público’ – o mercado venceu
novamente o Estado. Quando Martinho de Mello e Castro escreveu sua Instrução
para o visconde de Barbabena, em 1788, inês já era morta, e a criação de bestas de
carga – que “de nenhuma sorte se devia ter consentido” – já estava estabelecida em
Minas, não lhe restando outro caminho a não ser a proposta de taxá-las como se
fossem importadas.
Porém, a despeito da choradeira dos vizinhos, e diferentemente de outros itens,
Minas não se tornou autossuficiente na produção de bestas. Segundo Cristiano
Restitutti, “apesar de perder importância relativa, a demanda mineira por animais
de carga sobreviveu ao fim do período colonial e subsistiu durante todo o período

429 Zemella. O Abastecimento, pp. 225-26.


430 Zemella. O Abastecimento, pp. 95-97. Os itálicos são meus.
431 Zemella. O Abastecimento, pp. 95-97.

584 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
imperial. Estes animais eram então utilizados na circulação interna de mercadorias
dentro da província de Minas Gerais – cujo contingente demográfico consolidado
durante o ciclo aurífero constituía dilatado mercado interno – e também no inter-
câmbio de mercadorias entre esta província e as vizinhas. Nestas bases prossegui-
ria a demanda por animais de carga até quase o fim do período imperial, quando
a penetração da malha ferroviária em território mineiro lhe imporia novo deslo-
camento, restringindo a prática do transporte no lombo de animais a trajetos de
pequena e média extensão em locais afastados”.432
Outros efeitos de “articulação” bastante plausíveis e bastante duradouros foram
os estímulos indiretos à produção de fumo na Bahia, e de cachaça na Bahia e no
Rio de Janeiro, gerados pela mudança de patamar do tráfico atlântico de escravos,
a partir das descobertas e da exploração do ouro.
Na década de 1681 a 1690, o Brasil importou 7.600 africanos por ano, em média.
Quando o ouro foi descoberto, na década seguinte, os escravos começaram a ser
transferidos em grande quantidade para a região das minas, seja através de vendas,
seja através de migrações dos proprietários com suas escravarias. O tráfico atlân-
tico respondeu rapidamente ao aumento da demanda, e na década de 1691 a 1700
as importações brasileiras praticamente dobraram, passando a 14.200 africanos por
ano, com o incremento sendo distribuido entre os portos da Bahia, de Pernambuco
e do Rio de Janeiro, que eram todos fornecedores de cativos para Minas Gerais.433 O
crescimento continuou firme até o início da década de 1721-1730, quando se esta-
bilizou na média de 19 mil por ano – ou seja, duas vezes e meia o volume anterior
à corrida do ouro – até os anos 1771-1780. Nos dois decênios finais do setecentos,
as importações brasileiras voltaram a crescer vigorosamente, atingindo 24 mil por
ano em 1781-1790, e 28 mil por ano em 1791-1800. Nessa última década, o Brasil
importou, a cada ano, 3,7 vezes mais africanos do que importava antes da desco-
berta do ouro.434 Nessas décadas finais do século XVIII, e mesmo bem antes, o setor
aurífero já não comandava a demanda por escravos, nem no conjunto do Brasil,
nem no sudeste, e nem mesmo na antiga capitania mineradora. A sustentação e o
crescimento da demanda por africanos no sudeste brasileiro deveram-se sobretudo

432 Cristiano Corte Restitutti. As fronteiras da província, p. 91. Veja também, Carlos Eduardo Suprinyak e
Cristiano Corte Restitutti. Os muares e as minas: relações entre a demanda mineira e o mercado de
animais de carga nos séculos XVIII e XIX. Cedeplar-UFMG. XII Seminário sobre a Economia Mineira
(Diamantina 2006).
433 Desde essa época até o final do tráfico legal, em 1831, cerca de 99% dos desembarques no sudeste
ocorreram no porto do Rio de Janeiro. Doravante utilizaremos “sudeste” e “porto do Rio de Janeiro”
como sinônimos, nesse período.
434 Todos os dados sobre as importações de escravos são da Trans-Atlantic Slave Trade Database.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


585
à continuada robustez da economia diversificada de Minas e, em parte, ao desen-
volvimento da agricultura fluminense.
Nas primeiras décadas dessa arrancada, a Bahia – que era e continuou sendo ao
longo do século XVIII um grande fornecedor de africanos novos para Minas – lide-
rava com folga os portos escravistas brasileiros. A partir de 1731, com a progressiva
consolidação do Caminho Novo, a participação do Rio de Janeiro foi crescendo até
assumir, em 1751-60, a posição de liderança, que manteve e ampliou até a abolição
final do tráfico atlântico para o Brasil.435
Não resta dúvida, portanto, de que a descoberta do ouro e o desenvolvimento
da capitania de Minas Gerais tiveram forte impacto na participação brasileira
no comércio negreiro. Como o fumo e a aguardente eram itens importantes no
escambo por escravos na costa africana, é mais que provável que Zemella tenha
razão ao apontar os estímulos indiretos que a demanda mineira por escravos exer-
ceu sobre esses setores da agroindústria baiana e fluminense.436 Registre-se, entre-
tanto, que esse tipo de articulação é bem diferente do modelo descrito na historio-
grafia, por ser um efeito derivado, e não o resultado do suprimento direto de algum
bem em resposta a uma demanda mineira.

O RIO É UMA DÁDIVA DO CAMINHO NOVO


Resta mencionar o caso da cidade do Rio de Janeiro. Aqui sim, temos uma
economia desenvolvida quase exclusivamente a partir das demandas de Minas
Gerais.437

435 Essa transição não foi imediata. Em um trabalho publicado em 2001, Antônio Carlos Jucá de Sampaio
observa que a “construção do Caminho Novo foi mais lenta do que se supõe”, que “a nova rota parece
ter demorado a se firmar como alternativa viável” e “que a capitania fluminense possuia não um, mas
dois caminhos para as minas, e que a suplantação de um pelo outro é paulatina, e não destrói o mais
antigo”. Antonio Carlos Jucá de Sampaio. Características gerais da economia fluminense na primeira
metade do século XVIII. In: Botelho et al. (orgs.). História Quantitativa, pp. 309-310.
436 Mafalda Zemella. O Abastecimento, pp. 67, 99.
437 Esse caso não deve ser confundido com o da capitania do Rio de Janeiro, a qual, como observei
anteriormente, participou muito pouco do abastecimento, ou do atendimento de qualquer demanda
de Minas. Jucá de Sampaio, no artigo que mencionei acima, afirma que embora seja “bem estabelecida
a importância da praça carioca no abastecimento das Gerais”, sobre o papel da capitania fluminense há
na literatura um “silêncio quase total” e “uma evidente carência de pesquisas que nos apontem mais
claramente de que forma a ampliação do mercado consumidor, gerado pelo povoamento das Minas
Gerais, afetou a economia da capitania”, e se propõe começar a preencher esta lacuna. Entretanto,
apesar de muito interessante, o artigo não cumpre essa promessa. Em primeiro lugar, porque trabalha
quase exclusivamente com fontes referentes à cidade do Rio. Analisa escrituras de compra e venda, e
a série das arrematações dos contratos da dízima da alfândega, oferece conclusões relevantes sobre a
evolução da composição dos investimentos, do comércio internacional carioca e de outros pontos, mas
praticamente não toca no objetivo anunciado. Em particular, não demonstra nenhuma participação

586 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Nunca houve entre Minas e a cidade do Rio uma “articulação” nos termos
propostos pela historiografia. O Rio nunca forneceu nenhum produto agrícola
ou mantimento para Minas. A demanda mineira nunca impulsionou o pequeno
setor agropecuário carioca, mas gerou outros estímulos e condicionamentos que
foram determinantes de toda a história subsequente daquela cidade. Ela foi o porto
marítimo de Minas, e a ligação da capitania mineira com os mercados do resto do
mundo, principalmente com o mercado africano de escravos – foi isso que deter-
minou todo o seu futuro.
Até o final do século XVII, o Rio era uma pequena comunidade sem expressão
demográfica ou política, e com uma economia rudimentar. Fundada em 1565, com
a expulsão dos franceses, nos primeiros anos suas atividades econômicas limita-
vam-se à agricultura de subsistência, extração vegetal, caça, artesanato e pesca da
baleia.438 Com a passagem do tempo (e também com o estímulo da invasão holan-
desa no Nordeste) surgiram vários engenhos de açúcar na capitania fluminense,
alguns dos quais se localizavam na cidade.439 Assim, na última década dos seiscen-
tos, o Rio de Janeiro já participava do comércio internacional e do tráfico atlântico
de escravos, mas seu desenvolvimento era ainda sonolento. A cidade só “entrou no
mapa” a partir do descobrimento do ouro. Ela deve às minas até mesmo o primeiro
“reconhecimento internacional” de sua existência – os corsários franceses Duclerc
e Duguay-Trouin só a assaltaram, em 1710 e 1711, porque foram atraídos por sua
recente fama como entreposto do ouro que começava a fluir das Gerais.440
Pesavento discorda, em parte, dessa afirmativa. Mesmo concordando com
a aceleração causada pela exploração do ouro, observa que “cabe a ressalva que
desde o século XVII o porto carioca, através de sua movimentação de importação e
exportação, já desempenhava um papel significativo, o qual foi potencializado pela
extração aurífera”. Mais adiante anota que “se o destino do Rio de Janeiro estava
traçado pela sua posição geográfica ou por sua vocação marítima, a descoberta de
metais preciosos vai intensificar esses argumentos de maneira nunca antes vista”.441

relevante da capitania do Rio de Janeiro no abastecimento de Minas, seja no setor agropecuário ou de


qualquer outra natureza. Sampaio. Características gerais da economia fluminense, p. 306. Os itálicos
são meus.
438 Pesavento. Um pouco antes da Corte, p. 23.
439 Pesavento. Um pouco antes da Corte, pp. 26-27.
440 A alusão aos ataques como um “reconhecimento internacional” foi ideia de Sampaio. Características
gerais da economia fluminense, p. 313.
441 Pesavento. Um pouco antes da Corte, pp. 13, 33.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


587
Isso convida a uma discussão “counterfactual”, de “if history” – o que teria acon-
tecido com o Rio de Janeiro, qual teria sido a trajetória da economia carioca “se”
não tivesse sido descoberto ouro em Minas Gerais – na qual não tenho nenhuma
intenção de entrar. Mas não precisamos pisar no pantanoso terreno da “figmentary
history”, para dizer que o lugar era muito inexpressivo antes do ouro, que se tornou
muito importante depois dele, e que sua transformação econômica, demográfica e
política foi muito rápida a partir das descobertas, sobretudo depois da abertura e
da consolidação do Caminho Novo como principal via de ligação entre o litoral e
a região das minas.
A trajetória demográfica da cidade sugere uma descrição bem concreta dessa
evolução. Passado mais de um século de sua fundação, o Rio tinha apenas 7.000
habitantes na área urbana, constituída pelas freguesias da Sé e da Candelária.442 Era
nessa época mais populosa do que New York, que só tinha 4.937 moradores em
1698, mas era muito mais jovem e teve uma história conturbada, com uma popula-
ção instável até o último quartel do século, alternando várias vezes entre o domínio
holandês e o inglês.443 Mas era muitas vezes menor do que Lima. A capital peruana
é contemporânea do Rio – foi fundada em 1535 – e apesar de ter sido em grande
parte destruída por um terremoto em 1687, ainda abrigava 37.259 moradores em
1700.444
O descobrimento do ouro, na última década do século XVII, gerou grande ace-
leração no crescimento da cidade. Muita gente a deixou pela região das minas,
mas isso foi mais que compensado pelos imigrantes que chegaram de Portugal e
de outras partes, e permaneceram na Guanabara – óbviamente aí também havia
muito ouro para se ganhar. Quando foi atacada por Duguay-Trouin, em 1711, sua
população já era estimada em 15.000 habitantes.445 Tanto o número anterior (7.000)

442 Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Notícias do Bispado do Rio de Janeiro no ano de
1687. Série Visita Pastoral VP 38, apud Atlas digital da América Lusa. Cidade de São Sebastião do
Rio de Janeiro. Mesmo se acrescentarmos as freguesias do entorno rural e do recôncavo da baía da
Guanabara, a população total, segundo a mesma fonte, chegaria apenas a 12.119.
443 Department of Commerce and Labor. Bureau of the Census. A Century of Population Growth. From the
First Census of the United States to the Twelfh, 1790-1900. Washington: Government Printing Office,
1909, p. 170. New York foi fundada pelos holandeses como um fur trading post em 1624 e tornou-se
a cidade de New Amsterdam em 1653. Foi conquistada pelos ingleses em 1664, quando ganhou seu
nome atual, foi novamente tomada pelos holandeses em 1673, e finalmente cedida aos ingleses em
1674, incluída na troca da colônia New Netherland, pelo território que hoje constitui o Suriname.
444 Henry F. Dobyns and Paul L. Doughty. Peru. A cultural history. New York: Oxford U. Press, 1976, pp.
298-99.
445 Estimativa do alemão Jonas Finck que estava no Rio de Janeiro na época. In: Jean Marcel Carvalho
França (org.). Visões do Rio de Janeiro Colonial: antologia de textos (1531-1800). Rio de Janeiro: José

588 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
quanto este não passam de estimativas, mas não deixam dúvida sobre o grande
salto populacional no período. Aceitando as duas estimativas, podemos calcular
que no quarto de século entre os últimos anos da era pré-ouro, e a criação de Vila
Rica, ou seja, de 1687 a 1711, a população do Rio de Janeiro cresceu à impressio-
nante taxa de 3,2% ao ano.
Essa tendência consolidou-se e prosseguiu ao longo do século XVIII, prin-
cipalmente depois que o Caminho Novo instalou definitivamente o Rio como o
principal entreposto entre a Europa, a África e Minas Gerais. Em 1779, a popu-
lação urbana da cidade atingia 43.376 habitantes446 e superava com folga todas as
cidades dos Estados Unidos, as cinco maiores das quais eram, em 1790, New York
com 32.305 moradores, Filadélfia com 28.522, Boston com 18.038, Charleston com
16.359, e Baltimore com 13.513 habitantes.447
Nos 92 anos transcorridos entre 1687 e 1779, a população do Rio cresceu à taxa
anual de 2%, igual à de New York em igual período, entre 1698 e 1790, e quase cinco
vezes mais rapidamente que a de Lima no intervalo de 1700 a 1796. No ano da che-
gada da corte portuguesa, a capital do Brasil tinha 60.163 habitantes nas áreas urba-
nas, e superava Lima, que tivera 52.627 em 1796 448 mas crescia muito lentamente.
Nesse ano, a população carioca era, segundo Nireu Cavalcanti, maior que a de
Salvador, e se colocava entre as trinta maiores cidades da Europa.449 Havia sido lar-
gamente ultrapassada por New York – que crescera no ritmo alucinante de 5,5% ao
ano entre 1790 e 1810, e tinha nessa última data 96.373 moradores – mas era maior
que Filadélfia, Baltimore, Boston, e todas as demais cidades norte-americanas.450

Olympio, 2008, p. 90, apud Atlas digital da América Lusa.


446 Resumo total da população que existia no anno de 1779, comprehendidas as quatro Freguezias
desta Cidade do Rio de Janeiro até o último de Dezembro do dito anno. Também dos que nascerão
e fallecerão no mesmo anno de 1779”. Nas Investigações sobre os recenseamentos, p. 97, Joaquim
Norberto afirma que este mapa é parte do Almanac Historico da Cidade de S. Sebastião do Rio de
Janeiro. Composto por Antonio Duarte Nunes, Tenente de Bombeiros do Regimento de Artilheria desta
Praça. Anno de 1799, e que é referente ao ano de 1799. Aparentemente está equivocado nas duas
afirmações. O Almanac está reproduzido na Revista do Instituto Historico e Geographico Brasileiro.
Tomo XXI. 1º. e 2º. Trimestres de 1858, e termina na p. 161, onde está impressa com toda clareza a
informação: “Fim do Almanac”. O mapa da população do Rio de Janeiro, é um mapa avulso, publicado
no mesmo Tomo XXI da Revista do Instituto Historico e Geographico Brasileiro, no número do 2º.
Trimestre de 1858 nas pp. 216-217, com o ano de 1779 claramente especificado duas vezes no título.
447 U. S. Bureau of the Census. A Century of Population Growth, p. 78.
448 Dobyns and Doughty. Peru. pp. 298-99.
449 Cavalcanti. O Rio de Janeiro Setecentista, p. 258
450 As populações das cidades norte-americanas são de U. S. Bureau of the Census - First, Second and
Third Censuses of the United States, 1790, 1800 e 1810.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


589
Ou seja, ao se tornar a capital do império português, em 1808, o Rio de Janeiro já
era a segunda maior cidade das Américas,451 a maior cidade do Atlântico sul e do
hemisfério sul e, em dimensão populacional, uma metrópole de padrão mundial.
Entre 1808 e 1821, já sob o impacto favorável da abertura dos portos e crescente
cosmopolitização, mas antes do nascimento do setor cafeeiro, a população das fre-
guesias urbanas do Rio cresceu à altíssima taxa de 2,1% ao ano, e atingiu 79.321
habitantes.452 Nessa data continuava sendo superada pela de New York, que atingira
123.706 moradores em 1820, mas continuava maior do que a de todos os outros
núcleos urbanos dos Estados Unidos e das Américas.453
Evidentemente não foram a pesca da baleia ou o engenho dos jesuítas que colo-
caram a cidade nesta trajetória, e operaram tal transformação em pouco mais de
um século. Foi ao tornar-se o porto marítimo de Minas Gerais que o Rio de Janeiro
se credenciou como um centro comercial de grande porte. Não exportava para
Minas, como já observamos, nenhuma mercadoria de sua própria produção, mas
era a porta de entrada e o entreposto das fazendas secas, manufaturas européias,
vários tipos de bens intermediários, armas, alimentos e bebidas de luxo, e outros
artigos que eram importados pela capitania interior e, é claro, a porta de saída do
ouro. O movimento começou devagar mas cresceu rapidamente, sobretudo a partir
da instalação da rota mais curta e mais rápida do Caminho Novo, que chamou a
si progressivamente a maior parte dos fluxos de comércio do exterior para Minas.
Com isso o Rio tornou-se a base de operação de grandes comerciantes, importa-
dores e exportadores, de redes mercantis que abrangiam Minas Gerais, toda a colônia,
o Rio da Prata, Portugal, a Europa, a África e os domínios portugueses na Ásia. Em
torno dessa base desenvolveram-se atividades conexas ao comércio, como instalações
portuárias, de armazenagem e distribuição de mercadorias para toda a banda sudeste
do Brasil, instituições comerciais, financeiras e seguradoras, de crescente complexi-
dade e sofisticação, bem como estaleiros para pequena construção e reparos navais.
À medida em que a população cresceu, desenvolveram-se as atividades, instituições e
serviços típicos das grandes sedes urbanas, como construção civil, urbanização, artes
e ofícios, comércio varejista, entretenimento, religião, eduçação e saúde. Em 1799,
o Rio contava com dois hospitais, 8 médicos, 24 cirurgiões aprovados, várias aulas

451 Não obtive dados confiáveis sobre a cidade do México.


452 Censo executado em virtude do Aviso de 16 de abril de 1821, pelo Ouvidor da Comarca, Joaquim José
de Queiroz. Apud Souza e Silva. Investigações, p. 99.
453 U. S. Bureau of the Census. Fourth Census of the United States, 1820.

590 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
régias, e uma academia militar de fortificações. Era sede de um bispado e tinha vários
conventos, mosteiros, recolhimentos, seminarios, freguesias e capelas.454
O Almanac para 1799 lista 97 negociantes de maior porte, 228 lojas de varejo
(incluindo varejo não especificado, vidros, louça fina, ouro lavrado, prata e ferra-
gens), 40 casas de café, 17 casas de pasto, 28 boticas, 334 tavernas, e 35 estancos de
tabaco. A cidade tinha ainda 10 relojoeiros, 85 alfaiates, 135 sapateiros, 20 cabelerei-
ros e 37 barbeiros, além de várias dezenas de oficinas, que incluiam marceneiros, fer-
reiros, serralheiros, funileiros, latoeiros, caldeireiros, seleiros, segeiros, serigueiros,
correeiros, livreiros, tanoeiros, ferradores, lapidários, batefolhas, violeiros, tinturei-
ros, pintores, cravadores, torneiros, e outros ofícios Em 1798, entraram no porto do
Rio, 344 navios mercantes de bandeira portuguesa, além de 37 de outras nacionali-
dades europeias.455
Para gerir, fiscalizar e taxar os fluxos do comércio internacional, de cabotagem
e terrestre (e de ouro) que passavam pela cidade, para garantir o controle social da
grande população livre e escrava, e para defender essa urbe estratégica em expan-
são acelerada, foi necessário implantar um grande e crescente aparato governamen-
tal, fiscal, alfandegário, judicial e militar. Sua importância política, administrativa,
logística e estratégica cresceu tanto que a transferência da capital da colônia para
lá tornou-se algo natural e imperativo. Em 27 de janeiro de 1762 foi promulgada a
Carta Régia que ordenava aos vice-reis que passassem a residir no Rio de Janeiro, e a
mudança foi efetivada em 1763.456
Mais importante do que o comércio de mercadorias na transfomação do Rio de
Janeiro em uma metrópole de expressão mundial, foi o tráfico internacional de escra-
vos. Importar bacalhau era um bom negócio, importar africanos era muito melhor.
O tráfico atlântico de escravos foi o principal ramo de comércio no mundo ocidental
nos primeiros séculos da era moderna, e o Rio de Janeiro foi um dos grandes baluar-
tes deste comércio. A ascensão carioca à proeminência no grande negócio internacio-
nal de africanos457 deveu-se fundamentalmente à demanda mineira por cativos, que

454 Almanac Historico da Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro. Anno de 1799.


455 Almanac Historico da Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro. Anno de 1799, pp. 153-59. O Almanac
não especifica a condição dos profissionais arrolados, mas aparentemente só inclui os oficiais livres.
456 No Almanac mencionado pode-se encontrar uma descrição detalhada dos muitos órgãos de governo,
seus ocupantes, e das instituições militares, seus estados maiores, e suas guarnições, no ano de 1799.
457 A tese da supremacia absoluta do Rio de Janeiro (e dos traficantes residentes no Brasil, em geral) no
tráfico atlântico desde o século XVIII, tem sido questionada nos últimos anos. Veja Maximiliano M.
Menz. As ‘geometrias’ do tráfico: o comércio metropolitano e o tráfico de escravos em Angola (1796-
1807). Revista de História. São Paulo, 166 (2012).

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


591
o impulsionou durante todo o século XVIII e também, em grande medida, no século
seguinte.458
O Rio foi o porto oficial e exclusivo de entrada de africanos para todo o sudeste
e sul do Brasil durante todo o período de legalidade do tráfico,459 o qual, mais que
qualquer outro ramo mercantil, fez dele um polo comercial cosmopolita, inserin-
do-o nos circuitos internacionais de armadores, financiadores, seguradores e for-
necedores de escravos. Participar do comércio negreiro internacional significava
ter agentes, contatos e crédito na América do Norte, na Europa continental, na
Inglaterra, na África, e no Brasil. Era um big business, com uma escala muito dife-
rente dos negócios com azeite, ou com panos ingleses – envolvia grandes riscos,
movimentava grandes capitais e gerava grandes lucros.
“O empreendimento escravista estava então na vanguarda da modernidade,
recorrendo aos mais sofisticados meios de comunicação e de financiamento, ope-
rando (ou podendo operar) de uma forma complexa – nomeadamente através de
sociedades com accionistas espalhados por vários países – e apoiando-se numa rede
de participantes que se estendia da Europa à África e às Américas. Cada uma das
malhas dessa rede envolvia gente com funções e objectivos diferentes que, desde
o rei negro vendedor de escravos até ao plantador americano que os utilizava, se
constituía numa infinidade de intermediários e coniventes – mercadores na costa
africana, autoridades coloniais subornadas que permitiam a exportação ou impor-
tação de escravos, marinheiros que os transportavam através do Atlântico, e por aí
fora – que actuavam no circuito escravista”.460
“Para que se tenha uma idéia mais precisa do significado do investimento ini-
cial para a montagem de expedições negreiras, sabe-se que na década de 1810 o
valor médio dos cascos e apetrechos das naus que partiam do Rio de Janeiro para
Cabinda, Ambriz, Luanda e Moçambique girava ao redor de 7:000$000. Com ape-
nas dois contos a mais podia-se adquirir em Iguaçu (RJ), em 1800, uma fazenda
de uma légua de terras em quadra, com uma engenhoca completa, casa de farinha,
um alambique, 44 cativos, dezessete bois, dezoito bestas, cavalos, casas de vivenda

458 Já vimos que nas primeiras décadas do século XIX, no periodo 1810-1830, quando dividia os africanos
novos com o voraz setor cafeeiro em implantação, Minas foi o destino de 40% dos importados. É fãcil
perceber que em épocas anteriores essa porcentagem certamente era muito maior.
459 Já relatamos acima as tentativas fracassadas do porto de Santos para abocanhar uma fatia desse
mercado, e a irada reação do vice-rei, conde de Resende.
460 João Pedro Marques. Arsénio Pompílio Pompeu de Carpo: um percurso negreiro no século XIX. Análise
Social. Lisboa, v. 36, n. 160, (2001), p. 610. Aqui o autor fala evidentemente, já do período do tráfico
ilegal.

592 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
cobertas de telhas, senzalas, arvoredos e plantações. Na Bahia, com os 10:059$496
réis empregados no custeio da viagem do bergantim Ceres para a Costa da Mina,
em junho de 1803, podia-se adquirir o Engenho do Macaco, na Freguesia de São
Gonçalo da Vila de São Francisco da Barra, com todas as suas casas, ferramentas,
gado, cavalos, carros de boi, plantações de cana e moenda, e ainda assim sobra-
riam quase três contos de réis. Em suma, com a quantia necessária à montagem de
apenas parte de uma expedição negreira os comerciantes de africanos facilmente
poderiam converter-se em senhores de terras e de homens. Se assim não o faziam
– ou se em muitos casos o fizeram, mas continuaram a investir no tráfico – é por-
que o retorno do aplicado no comércio negreiro era bem superior a investimentos
produtivos como fazendas e engenhos”.461
Manolo Florentino levantou uma listagem de 227 traficantes atlânticos basea-
dos no Rio de Janeiro, atuantes no período 1811-1830, e dos 97 negociantes citados
no Almanac de 1799, pelo menos 15 são listados como negreiros internacionais.
Vários nomes, das duas listagens, atuavam também no tráfico interno.462
Esses traficantes estavam entre os negociantes mais ricos e de maior proje-
ção social do Rio de Janeiro. Muitos deles, como Amaro Velho da Silva, Antônio
Clemente Pinto, Joaquim José Pereira de Faro, Joaquim Antônio Ferreira, João
Rodrigues Pereira de Almeida, Fernando Carneiro Leão, Francisco José da Rocha,
Tomé Ribeiro de Faria, e muitos outros, foram nobilitados ou agraciados com títu-
los honoríficos por D. João VI, D. Pedro I ou D. Pedro II. Além do tráfico interna-
cional ganhava-se também muito dinheiro com o tráfico interno de distribuição
pelas províncias do sudeste e do sul dos africanos novos desembarcados no Rio.
Embora esse negócio fosse muito mais pulverizado – Fragoso e Ferreira listam cerca
de 11 mil remetentes ou condutores de escravos para o interior – havia poderosos
traficantes internos, muitos dos quais eram grandes comerciantes baseados no Rio,
e também agraciados com títulos de nobreza, como José Francisco de Mesquita,
marquês do Bonfim; Antônio Tertuliano dos Santos, barão de Silveiras; Militão
Máximo de Sousa, visconde de Andaraí; Camilo de Lélis Cordeiro; Domingos
Carvalho de Sá, e muitos outros.463

461 Florentino et al. Aspectos Comparativos do Tráfico, pp. 98-100.


462 Manolo Florentino. Em Costas Negras. Uma História do Tráfico de Escravos entre a África e o Rio
de Janeiro (séculos XVIII e XIX). São Paulo: Companhia das Letras, 1997. Apêndice 26, Listagem dos
traficantes de escravos entre a África e o porto do Rio de Janeiro, atuantes entre 1811 e 1830, pp. 254-
256. São 217 nomes listados nesse apêndice mais 10 nomes mencionados apenas no texto.
463 Em seu obsessivo (e desfrutável) endeusamento da aristocracia açucareira do Nordeste, Gilberto
Freyre defendia a tese de que a verdadeira elite não participava do tráfico, que os traficantes não eram

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


593
Na década de 1681 a 1690, imediatamente anterior à descoberta das jazidas,
o Rio de Janeiro importou 2.098 africanos por ano, em média, e se colocava em
quinto lugar entre os sete principais destinos do tráfico atlântico,464 mas a partir
das primeiras manifestações do ouro, encetou uma trajetória quase monotônica de

respeitados, e não tinham, nem podiam almejar o status dos senhores de engenho e de terras. Freyre
afirmava que os traficantes eram “antes tolerados que admirados pela gente mais moralmente íntegra
e mais socialmente sólida do país (...) Na verdade, repugnava-lhe, dentro da mística patriarcal ou feudal
que lhe dominava a consciência, enriquecer em qualquer comércio que não fosse o dos produtos de sua
agricultura, de sua fábrica, das suas senzalas ou dos seus currais. De modo que dificilmente se concebe
no Brasil - país feudalmente agrário ou agrária e pastorilmente patriarcal - que negociantes de qualquer
espécie - a não ser os de açúcar - constituíssem classe ‘tão honrada’ quanto a dos donos de terras e
de negros. Os traficantes de negros eram dos grandes negociantes os que menos podiam aspirar tal
equiparação de status com os senhores de terras. (...) O historiador inglês Koebel tem razão em distinguir
dos brasileiros possuidores de escravos - conhecidos por sua benevolência para com os negros - aqueles
“whose livelihhod depended directly on the traffic in the bodies of the Africans”. Salienta ele, baseado
nas informações de Walsh, que os comerciantes de escravos, no Rio de Janeiro, eram, em grande
número, ciganos. E não compreende que, depois do século XVIII, permanecessem nesse nefando gênero
de comércio senão homens com disposições semelhantes às “da hiena e do abutre”. (...) Nos primeiros
decênios do século XIX parece que continuaram a negociar com escravos vários brasileiros respeitáveis
como negociantes de segunda ordem. Mas no meado do século, já era outra a situação moral e social
de um negociante dessa espécie no Brasil. Nenhum deles podia sequer aspirar a um título de barão:
Dom Pedro II insistiu sempre em recusar títulos de nobreza a negociantes cujas mãos se mostrassem
sujas do degradante comércio. Gilberto Freyre. Ingleses no Brasil. Aspectos da Influência Britânica sobre
a Vida, a Paisagem e a Cultura do Brasil. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora/INL, 1977,
pp. 92-94; W. H. Koebel. British Exploits in South America. A History of British Activities in Exploration,
Military Adventure, Diplomacy, Science and Trade in Latin America. New York, 1917, p. 366. Na verdade,
Pedro II agraciava tantos traficantes que, ao receber a comenda da Imperial Ordem da Rosa, o poeta
Gonçalves Dias sentiu-se constrangido, “não querendo que o confundissem com tendeiro ou negreiro”.
Lúcia Miguel Pereira. A vida de Gonçalves Dias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1943, p. 102, apud Wilton
José Marques. Gonçalves Dias: o poeta na contramão (literatura e escravismo no romantismo brasileiro).
São Carlos: Ed. UFSCAR, 2010, p. 49.
Esse aulicismo cretino da escravidão e da classe senhorial, e o mito da rejeição ao traficante, existiram em
todas as sociedades escravistas. Frederic Bancroft, discute essa questão nos Estados Unidos e mostra que
lá também, apesar da lenda da impopularidade do nigger trader, os traficantes, especialmente os ricos
e bem-educados, eram perfeitamente aceitos na melhor sociedade. Veja: The status of the slave traders,
último capítulo de Frederic Bancroft. Slave Trading in the Old South [1931]. New York: Frederick Ungar
Publishing Co., 1969. Veja também a introdução do livro por Allan Nevins. Como se pode ver nos excertos
acima, Freyre revela grotescos preconceitos a respeito dos comerciantes em geral, não só com relação
aos negreiros. Sobre seus preconceitos contra os comerciantes e até mesmo contra os “capitalistas”
(cafeicultores do Sul) veja Gilberto Freyre. Social Life in Brazil in the Middle of the Nineteenth Century.
Tese de mestrado apresentada à Columbia University, e publicada na Hispanic American Historical
Review, vol. 5, nº. 4 (nov. 1922). Nesta tese, de 1922, Gilberto Freyre já manifestava sua simpatia pelo
regime escravista, afirmando que no Brasil o escravo era feliz e bem tratado. Afastava-se completamente
da tradição brasileira que, do meado do século XIX em diante, passa a defender o regime como um “mal
necessário”; e se alinhava com a postura dos pensadores escravistas norte-americanos, como George
Fitzhugh – com cuja obra teve contato nos Estados Unidos – que defendiam o way of life patriarcal
da plantation e da escravidão como um positive good, comparado com o regime capitalista industrial
que se desenvolvia no Norte e na Europa, que desprezavam e descreviam como wage slavery e slaves
without masters. Imbuido do argumento dos escravocratas contemporâneos da instituição, escreveu
que “o escravo brasileiro levava, nos meados do século XIX, vida quase de anjo [em inglês, lived the life
of a cherub] se compararmos sua sorte com a dos operários ingleses, ou mesmo com a dos operários do
continente europeu, dos mesmos meados do século passado”. Gilberto Freyre. Social Life, p. 607
464 Bahia, Pernambuco, Jamaica, Barbados, Saint Domingue, Cuba, e o próprio Rio

594 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
crescimento, que o levou à posição de maior porto escravista do mundo. Já no pri-
meiro decênio após as descobertas, o número quase dobrou, passando para 3.943
escravos por ano, ultrapassando definitivamente as importações de Barbados.
Na década de 1711 a 1720, estava importando 5.536 escravos por ano, e superou
Pernambuco, para sempre. Na metade do século, em 1751-60, com a consolida-
ção do Caminho Novo, recebeu 8.139 africanos, por ano, em média, e ultrapassou,
também para sempre, a Bahia.465 Ná última década da centúria que a historiografia
antiga chamava erradamente de “século do ouro”, desembarcou no Rio de Janeiro,
a cada ano, uma média de 11.997 africanos, que representou quase seis vezes o
número que era importado antes da existência de Minas Gerais. Nesse período,
com Saint Domingue excluída de vez do mercado pela revolta dos escravos, o porto
carioca só perdeu para a Jamaica, que importava frenéticamente, açodada pelo
avanço do abolicionismo inglês. Na década seguinte, 1801-1810, com as colônias
britânicas crescentemente fora do páreo, e com sua economia, a de Minas Gerais e
a de todo o sudeste já começando a receber os estímulos da transferência da corte
portuguesa e da abertura dos portos, a Cidade Maravilhosa recebeu 14.086 afri-
canos por ano, e assumiu definitivamente a posição de maior porto escravista da
história da humanidade. A manutenção da demanda de Minas Gerais, a da própria
província do Rio de Janeiro, e a implantação do setor cafeeiro, fizeram a entrada
de negros novos na cidade mais que dobrar nos vinte anos seguintes, passando de
140.860 em 1801-1810, para 337.888 em 1821-1830. Com a ilegalidade do tráfico
a partir de 1831, a média das importações, agora contrabando, no sudeste, caiu
apenas 21%, para 2.591 por ano no decênio seguinte. Mas esse total foi pulveri-
zado, ocorrendo desembarques em várias localidades, pequenos portos, enseadas, e
praias desertas, com apenas 27% entrando através do porto do Rio. Na década final
do tráfico atlântico para o Brasil, 1841-1850, a média anual voltou a subir, para
30.811, mas o padrão de disseminação dos desembarques foi mantido, e o porto da
capital recebeu apenas 28% do total.466
Resumindo, desde que o ouro foi descoberto, e o Rio de Janeiro tornou-se o
porto marítimo de Minas Gerais, ele foi sempre o segundo ou o terceiro princi-
pal destino dos africanos que cruzaram o Atlântico como cativos. Mesmo no perí-
odo de forte declínio da produção aurífera, a demanda mineira por escravos foi

465 A afirmação é válida para os totais por década. Nos números anuais ainda houve uns poucos anos de
liderança baiana.
466 Após 1850, segundo a Trans-Atlantic Slave Trade Database, o sudeste brasileiro ainda recebeu cerca de
5.500 africanos, dos quais apenas 18% desembarcaram no porto do Rio.

PARTE II - QUARENTA ANOS DEPOIS


595
mantida, e nas cinco primeiras décadas do século XIX, o Rio ocupou o primeiro
lugar nesse ranking.
Sabemos que a cidade mantinha um animado comércio de importação e distri-
buição de mercadorias para Minas Gerais e outros lugares. Já na segunda metade
do século XVIII, e sobretudo a partir do café, no século XIX, teve também um
movimento exportador considerável. Em função de sua grande população desen-
volveu funções urbanas, comércio atacadista e varejista, serviços de várias natu-
rezas, pequenas manufaturas, bem como uma modesta atividade de construção e
reparos navais. Porém, mais do que qualquer outro ramo de comércio, ou qual-
quer outra atividade, o tráfico internacional de escravos foi o principal sustentá-
culo da riqueza, da prosperidade e da cosmopolitização do Rio de Janeiro, do final
do século XVII até o meado do século XIX. Em 1711 era uma pequena comuni-
dade que podia ser rendida por um punhado de piratas. Em 1763 era a próspera
capital do Brasil, e em 1808 era a capital do império português, a segunda cidade
das Américas, a maior do hemisfério sul – e o maior porto escravista do mundo.
Essa trajetória fulgurante deveu-se claramente à sua ligação com Minas Gerais.
Sua transformação em capital do império luso pode ser atribuída às estrepolias do
Corso. Todo o resto é mesmo uma dádiva do Caminho Novo.
Existem, é claro, muitos outros mitos criados ou repetidos pela historiografia
do século XX que precisam ser examinados com um olhar muito crítico. A tão
propalada lenda da decadência urbana da capitania é um deles. A fábula do mine-
rador obsessivo, que destroi seus ativos, e marcha para o abismo como um drogado
marcha para a morte, é outra bobagem que precisa ser revista com seriedade. Mas
estas notas já estão muito longas. Preciso parar, se quiser ver o livro publicado. Não
disponho de outros quarenta anos.

Belo Horizonte, julho de 2018

596 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Bibliografia e referências da parte II

1. Livros, artigos e outras publicações. 2. Dissertações e teses. 3. Jornais e periódicos. 4.


Documentos manuscritos do APM e outros arquivos.

1. Livros, artigos e outras publicações


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Hucitec/Edusp, 1990.

618 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
2. Dissertações e teses
Alfagali, Crislayne Gloss Marão. Em casa de ferreiro pior apeiro: Os Artesãos do Ferro em Vila
Rica e Mariana no século XVIIIl. Dissertação de Mestrado Unicamp 2012.

Andrade, Francisco Eduardo de. A enxada complexa: roceiros e fazendeiros em Minas Gerais
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na Imperial Cidade de Ouro Preto, c. 1822 - c. 1864. Tese de doutorado em História UFRJ 2013.

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Gerais no século XIX. Mariana: 1820-1850. Dissertação de mestrado em História UFMG 2007.

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Minas Gerais. Dissertação de mestrado em Desenvolvimento Econômico Unicamp 2006.

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tração da fazenda em um espaço em transformação. Tese de doutorado em História UFF 2007.

Drumond, Marco Aurélio. Indumentária e Cultura Material: Produção, comércio e usos na


Comarca do Rio das Velhas (1711-1750). Dissertação de mestrado UFMG 2008.

Godoy, Marcelo Magalhães. No país das minas de ouro a paisagem vertia engenhos de cana e
casas de negócio: um estudo das atividades agroaçucareiras mineiras, entre o Setecentos e o
Novecentos, e do complexo mercantil da província de Minas Gerais. Tese de doutorado USP
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PARTE II - BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIA


619
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Quintão, Régis Clemente. Sob o “Régio Braço”: a Real Extração e o abastecimento no Distrito
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Reis, Flávia Maria da Mata. Entre faisqueiras, catas e galerias: Explorações do ouro, leis e coti-
diano das Minas do século XVIII (1702-1762). Dissertação de mestrado em História UFMG
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Restitutti, Cristiano Corte. As fronteiras da província: rotas do comércio interprovincial, Minas


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Rodarte, Mário Marcos Sampaio. O trabalho do fogo: Perfis de domicílios enquanto unidades
de produção e reprodução na Minas Gerais Oitocentista. Tese de doutorado em Demografia
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Santos, Raphael Freitas. Minas com Bahia: Mercados e negócios em um circuito mercantil sete-
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Saraiva, Luiz Fernando. Um Correr de Casas, Antigas Senzalas: A Transição do Trabalho Escravo
Para o Livre em Juiz de Fora – 1870/1900. Dissertação de mestrado em História UFF 2001.

Silva, Fabiano Gomes da. Pedra e Cal: Os Construtores de Vila Rica no século XVIII (1730-
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Silva, Fábio Carlos da. Barões do Ouro e Aventureiros Britânicos no Brasil: A Companhia
Inglesa de Macaúbas e Cocais 1828-1912. Tese de doutorado em História USP 1997.

620 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Souza, Rafael de Freitas e. Trabalho e cotidiano na mineração aurífera inglesa em Minas Gerais:
a mina da Passagem de Mariana (1863-1927). Tese de doutorado em História USP 2009.

Vieira, Evantina Pereira. Economia Cafeeira e Processo Político: Transformações na População


Eleitoral da Zona da Mata Mineira (1850-1889). Dissertação de mestrado em História
Universidade Federal do Paraná 1978.

3. Jornais e periódicos
Almanak Laemmert (1844-1889), publicado inicialmente com o título de Almanak
Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro. www.apps.crl.edu/brazil.

Diario Mercantil ou Novo Jornal do Commercio, nº. 119, 8/1/1831.

O Auxiliador da Indústria Nacional, nº. 5 (Maio de 1867).

O Universal (Ouro Preto), 6 de agosto de 1827.

O Universal (Ouro Preto), 2 de maio de 1828.

O Universal (Ouro Preto), 6 de agosto de 1830.

O Universal (Ouro Preto), 10 de abril de 1835.

O Universal (Ouro Preto), 29 de abril de 1836.

O Universal (Ouro Preto), 5 de setembro de 1838.

O Universal (Ouro Preto), 20 de março de 1839.

O Universal (Ouro Preto), 25 de abril de 1839.

4. Documentos manuscritos do APM e outros arquivos


APM. AHU 8564 cx. 110 doc. 59 (CD-Rom 59). Mappa dos habitantes actuaes da Capitania de
Minas Geraes e dos nascidos e falecidos no anno de 1776.

APM. Balanços e Tabelas, vários anos.

APM. Casa dos Contos. Rolo 512, gaveta E-5, planilha 30099/2. Publicado como “População da
Província de Minas Gerais”. Revista do Arquivo Público Mineiro. Ano IV (1899), pp. 294-296.

APM. CC 1610. Livro de Registro de Receita dos donativos gratuitos, de acordo com a ordem
régia de 6 de abril de 1804, na Comarca do Rio das Mortes.

APM. CC 2202. Livro de registro de receita e despesas dos donativos e ofertas instituídas pela
Carta Régia de 6 de abril de 1804.

APM. CC 2203. Livro das contas-correntes dos donativos e ofertas instituídas pela Carta Régia
de 6 de abril de 1804.

PARTE II - BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIA


621
APM. CC. Listas nominativas de 1804.

APM. CMOP cx. 78. doc. 05. Carta de Lucas Antônio Monteiro de Barros, Ouvidor Geral e
Corregedor da Comarca de Vila Rica, em 15/09/1804. Solicitação do Cumprimento da Carta
Régia de 06/04/1804, que estabelece o imposto de 600 réis pela posse de escravos e pelo dona-
tivo voluntário.

APM. MP e APM. SP. Listas nominativas de 1831-32 e de 1838-40.

APM. SC-211. Registro de cartas, ordens e provisões régias, avisos e cartas do Governador.
Instruções do Sr. Martinho de Mello e Castro para se regular a Tropa paga de Minas, e Auxiliares,
e sobre outros objetos, 24 de janeiro de 1775.

APM. SC-211. Registro de cartas, ordens e provisões régias, avisos e cartas do Governador,
1775-1779. Carta do Sr. Martinho de Mello e Castro com a relação que Sua Majestade manda
formar dos habitantes desta Capitania, 21 de maio de 1776.

APM. SC-294. Secretaria de Governo da Capitania. Registro de cartas régias e avisos. Carta
Régia de 6 de abril de 1804, ao Governador Pedro Maria Xavier de Ataíde e Mello, solicitando
donativos voluntários dos mineiros.

APM. SG cx. 64. doc. 03. Ofício de José Gregório de Morais Navarro, Ouvidor da Comarca de
Paracatu do Príncipe, ao Governador, enviando a lista das pessoas que ofereceram donativos
voluntários, 7 de janeiro de 1805.

APM. SP 570. Câmara Municipal de Cristina ao Presidente da Província, Francisco Diogo


Pereira de Vasconcelos, 23/01/1855, em resposta ao ofício circular de 11/11/1854.

APM. SP 570. Ofício da Câmara Municipal de Curvelo ao Presidente da Província, Francisco


Diogo Pereira de Vasconcelos, 16/01/1855, em resposta ao ofício circular de 11/11/1854.

APM. SP 609. Ofício do delegado de Patrocínio ao presidente Francisco Diogo Pereira de


Vasconcelos, 20/1/1856.

APM. SP 654. Ofício do pároco da freguesia de Santana dos Alegres ao presidente da província.
8/2/1857.

APM. SP Códices 570, 575, 609, 610, 612, 654, 955, 956, 1005 e 1006 (Respostas dos municípios,
freguesias e distritos aos inquéritos do governo provincial).

APM. Tabelas da Mesa das Rendas Provinciais, vários anos

Arquivo da Câmara Municipal de Mariana (ACMM). Vários códices. Listas nominativas de


1819-22.

Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Mapa dos Fogos, Pessoas Livres e Escravos compreendidos
nas Freguesias da Cidade e Província do Rio de Janeiro [1821], Códice 808, v. 4.

622 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Lista das tabelas da parte II

Tabela II.1 - Minas Gerais: Consumo interno e exportação de alguns bens,


anos selecionados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 467

Tabela II.2 - Minas Gerais: Fogos com 10 escravos ou menos e com atividade
econômica mista, 1831-32 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 488

Tabela II.3 - Distribuição percentual dos escravos novos enviados do Rio de Janeiro
para as províncias, 1811-1830, por períodos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 556

Tabela II.4 - Destino dos escravos novos chegados da África ao porto do Rio de
Janeiro, por províncias, 1811-1830, por períodos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 556

Tabela II.5 - Minas Gerais: Razões de masculinidade por raça ou origem e por
condição, 1831-32 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 564

Tabela II.6 - Minas Gerais: Distribuição etária dos escravos por raça ou origem,
1831-32 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 565

Tabela II.7 - Minas Gerais: Estimativa do período de chegada dos 108.703 africanos
sobreviventes em 1831 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 566

Tabela II.8 - Brasil: População escrava e importações por províncias (anos e periodos
selecionados) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 568

Tabela II.9 - Minas Gerais: População livre de cor (pretos mais pardos) comparada
com a população escrava e a população total, 1786 e 1808 . . . . . . . . . . . . . . . . 571

623
Sobre o ICAM – Instituto Cultural
Amilcar Martins

O Instituto Cultural Amilcar Martins é uma sociedade civil sem fins lucrativos,
fundada em 2001, e tem como objetivos o estudo, a preservação, e a divulgação da
história e da cultura de Minas Gerais. Para cumprir suas finalidades, o Instituto man-
tém programas de fomento à pesquisa, publicações, seminários sobre temas e autores
mineiros e educação patrimonial; além de um centro de referência bibliográfica e
integração de acervos sobre Minas. São também promovidos cursos de conservação
e restauração de obras e documentos, exposições de iconografia mineira e de obras
sobre Minas, e outros projetos envolvendo a história e a cultura do Estado.
Mantém uma biblioteca com mais de 13.000 títulos sobre história e outros
temas mineiros, aberta ao publico de estudantes e pesquisadores, com duas salas
de consulta e uma sala de pesquisa com terminais de computadores conectados à
internet. Conta ainda com uma oficina de restauro e encadernação de livros, e um
auditório para a realização de palestras e seminários.
Sua biblioteca contém o maior e mais valioso acervo bibliográfico específico
já reunido sobre a história e a cultura de Minas e constitui um centro de guarda e
preservação deste acervo.
Em outubro de 2016, a coleção de obras raras do ICAM foi agraciada pela
UNESCO com o título de Memory of the World, sendo reconhecida como parte do
seleto grupo de livros e documentos considerados fundamentais para representar a
“Memória do Mundo”. Foi o primeiro acervo bibliográfico brasileiro a receber esta
distinção.
Ao longo dos seus 17 anos, o ICAM tem apoiado, através de seu programa de
bolsas, a realização de importantes teses de doutorado sobre a história e a socie-
dade mineiras, que têm sido defendidas na UFMG, UFRJ, UFF, UFJF, UFOP, USP,
UNESP, CEFET-MG, e outras universidades brasileiras.
Além dos eventos e publicações, o ICAM também tem promovido cursos e
seminários sobre história local e patrimônio cultural em várias cidades mineiras,
que estimulam a autoestima, a identificação, apropriação e valorização dos bens
culturais das comunidades.

625
Sobre a ABPHE - Associação Brasileira
de Pesquisadores em História Econômica

A ABPHE – Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica,


fundada em 10 de setembro de 1993, é uma sociedade civil sem fins lucrativos, que
congrega economistas, historiadores, cientistas sociais e outros estudiosos da história
econômica e disciplinas afins (história de empresas, história do pensamento etc.).
A ABPHE é a principal organização científica nacional em sua área de atuação,
promovendo estudos de história econômica através de revista especializada, publi-
cação de livros e realização de encontros regulares, nos quais a comunidade aca-
dêmica debate artigos e paradigmas de interpretação, conhece pesquisas em anda-
mento e dialoga com seus pares de outros países. Além de estimular a discussão,
o estudo e a pesquisa documental das transformações das estruturas econômicas,
sociais e culturais ao longo da história, a ABPHE abre espaço para mesas e confe-
rências sobre processos econômicos contemporâneos.
A ABPHE também atua para garantir a localização e preservação de fontes
documentais para a história econômica do Brasil e servir como órgão de informa-
ção e ligação entre pesquisadores, assim como entre os diversos centros e institui-
ções que se dedicam aos mesmos objetivos.
Os principais eventos acadêmicos realizados pela ABPHE, em anos interca-
lados, são o Congresso de História Econômica e a Conferência Internacional de
História de Empresas (nosso evento bienal central), e a Conferência Internacional
de História Econômica e o Encontro de Pós-Graduação em História Econômica.
Atualmente a ABPHE é integrante da Associação Latino-Americana de História
Econômica (CLADHE) e da Associação Internacional de História Econômica
(WEHC), à qual filiou-se em 1996 e tem desenvolvido atividades em conjunto com
as associações latino-americanas.
Além dos encontros acadêmicos, a ABPHE mantém a revista História Econô­
mica & História de Empresas, desde 1998, e publicações que tratam de temas rela-
tivas à sua área de atuação. Formada por pesquisadores, professores e estudantes
em diversos níveis de todo o país, a ABPHE tem uma diretoria nacional e um
conselho de representantes eleitos bianualmente em seus congressos nacionais.

627
A associação, seus membros, suas publicações e seus eventos se caracterizam
pela diversidade e pela pluralidade de visões, interpretações, métodos, posições
teóricas e posições políticas.

628 CRESCENDO EM SILÊNCIO: A INCRÍVEL ECONOMIA ESCRAVISTA DE MINAS GERAIS NO SÉCULO XIX
Sobre o autor

Roberto Borges Martins nasceu em Belo Horizonte em outubro de 1947, e estu-


dou no Colégio Estadual de Minas Gerais. É graduado em Economia pela UFMG,
mestre e doutor em Economia pela Universidade de Vanderbilt (EUA). Entre 1971
e 2001 foi professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, onde deu
cursos de Teoria Econômica e de História Econômica.
Foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), do Governo
Federal, presidente da Fundação João Pinheiro, em Belo Horizonte, e membro titu-
lar do CNCD – Conselho Nacional de Combate à Discriminação. Entre 2002 e 2005,
representou a América Latina e o Caribe no Working Group of Five Independent
Experts on People of African Descent (WGPAD), do Alto Comissariado de Direitos
Humanos da ONU, em Genebra.
Foi também consultor de outros organismos das Nações Unidas, como a CEPAL
(Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), a OIT (Organização
Internacional do Trabalho) e o PNUD (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento), em questões relacionadas com desigualdades raciais e políticas
para promoção da igualdade.
Publicou diversos trabalhos sobre a história econômica e demográfica de Minas
Gerais, história da escravidão e do tráfico de escravos, e também sobre desigualda-
des raciais e políticas sociais no Brasil.

629

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