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CAMPINAS,
2014
I
ii
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM
CAMPINAS,
2014
iii
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Haroldo Batista da Silva - CRB 5470
Título em outro idioma: Social perspectivation in the Aphasics Social Center of IEL/UNICAMP
Palavras-chave em inglês:
Social groups
Perspective (Linguistics)
Discourse analysis
Categorization (Linguistics)
Área de concentração: Linguística
Titulação: Mestre em Linguística
Banca examinadora:
Anna Christina Bentes da Silva [Orientador]
Karina Falcone de Azevedo
Caio César Costa Ribeiro Mira
Data de defesa: 22-08-2014
Programa de Pós-Graduação: Linguística
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v
vi
RESUMO
vii
viii
ABSTRACT
ix
x
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................... 1
xi
4.3. As ações cognitivo-discursivas dos pesquisadores ................................................. 133
xii
A Nita e Raimundo.
xiii
xiv
AGRADECIMENTOS
Agradeço principalmente a minha família pelo apoio fraterno e existencial. Esse amor incondicional
é a base da minha formação humana. Amo meus pais Nita e Raimundo, meus irmãos Geovan, Ney, Raika,
Nerinho e Raquel, e meus sobrinhos Guilherme, Júlia, Heitor e o vindouro Cauã.
Agradeço a todos os meus amigos paraenses que me incentivaram, especialmente Carla e Emília, que
me ensinaram muito, dentro e fora da academia.
Agradeço às pessoas com quem morei, e também àquelas que conviveram conosco nesses dois anos e
meio, pela confiança, companhia, risadas e confidências. Dentre elas, Flávio, Gustavo, Ivan, Ruan, Vinícius,
Diego, Jaqueline.
Agradeço a você, Carlinhos, pelo amor, carinho, atenção, paciência, superações, ensinamentos e
aprendizados mútuos e contínuos que temos tido juntos.
Agradeço a Célia, Toninho, José, Bruna e Beatriz, por me receberem com muito aconchego, bom
humor e carinho.
Agradeço aos meus amigos que têm estudado comigo no IEL, principalmente Janaína, Nathalia e
Natália.
Agradeço às minhas orientadoras, Anna e Edwiges, por me ajudarem a encontrar o fio de Ariadne em
meio ao entusiasmo e às indagações da pesquisa e da vida acadêmica.
Agradeço imensamente às pessoas que aceitaram ser entrevistadas nesta pesquisa, tornando possível
a produção desta dissertação. Agradeço não apenas pelo consentimento, mas também pela experiência de
aprendizado mútuo no CCA.
Agradeço a todos – todos – que me incentivaram e que continuam a fazê-lo. Estou sempre me
esforçando para fazer jus a esses estímulos.
Agradeço aos membros da banca examinadora, Caio Mira e Karina Falcone, pela oportunidade de
fazer a proveitosa discussão que tivemos.
xv
xvi
Cada vez que a questão da linguagem aflora de uma maneira ou de outra, isso significa que se está
questionando uma série de outras coisas.
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xviii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Sala de encontros do CCA (vista a partir da cozinha e mostrando as mesas) ................... 14
Figura 2: Sala de encontros do CCA (vista da porta de entrada e mostrando a cozinha) ................. 14
Figura 3: Visualização da configuração espacial das entrevistas .................................................. 71
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xx
LISTA DE QUADROS
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xxii
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa é fruto de uma proposta inicial de investigação geral dos fatores
sociolinguísticos e sociocognitivos envolvidos em interações face a face. Para que esse
quadro inicial de pesquisa ganhasse contornos mais definidos, levantamos a possibilidade
de analisar os dados de interação que compõem o corpus AphasiAcervus organizado pelo
1
Grupo de Pesquisa COGITES (“Cognição, Interação e Significação”), liderado pela Dra.
Edwiges Morato, do Departamento de Linguística do IEL. No decorrer das discussões
iniciais empreendidas para o desenvolvimento da pesquisa, a proposta foi tomando o
2
formato de uma investigação sociolinguística da relação entre processos discursivos e
3
perspectivas sociais do Centro de Convivência de Afásicos (CCA/IEL/UNICAMP,
doravante CCA), tomado como grupo social.
1
“Cadastrado no CNPq, o Grupo de Pesquisa COGITES - Cognição, Interação e Significação - tem reunido
pesquisadores de IC a pós-doutorado, de diferentes formações (tais como Linguística, Filosofia, Medicina,
Fonoaudiologia, Artes Cênicas, Pedagogia) da Unicamp e de outras instituições e está consagrado ao estudo
das relações entre linguagem e cognição por meio da análise de práticas linguístico-interacionais, em especial
as que envolvem indivíduos com afasia e com Doença de Alzheimer.” (http://cogites.iel.unicamp.br/).
2
Pesquisa realizada com o apoio da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior).
3
A afasia, que se apresenta na forma de diversos tipos de dificuldades de (compreensão e/ou produção da)
linguagem, é uma sequela causada por um episódio neurológico, tal como acidentes vasculares cerebrais
(AVC), isquêmicos ou hemorrágicos, traumatismos crânio-encefálicos ou tumores cerebrais que acarretam,
embora não estritamente, dificuldades de ordem (meta)linguística (MORATO, 2000a). Consiste em alterações
na produção e na compreensão da linguagem oral e/ou escrita que podem vir acompanhadas de sinais
neuropsicológicos, como hemiparesias (paralisia de um dos lados do corpo), apraxias (distúrbio da
gestualidade), agnosias (distúrbio do reconhecimento), anosognosia (falta de consciência da patologia por
parte do sujeito cérebro-lesado), etc. (MORATO, 2012a: 182). Segundo Morato (2001), do ponto de vista
linguístico, as palavras podem “faltar” de maneira importante ao afásico, configurando diversas semiologias
(MORATO, 2010b), como, por exemplo, anomias, isto é, dificuldade de selecionar ou evocar palavras. A
afasia pode consistir, também, na ocorrência de “substituições ou trocas inesperadas e incompreensíveis de
palavras inteiras ou de partes delas (são as parafasias, que têm diversas naturezas: fonético-fonológicas,
semânticas, morfológicas), longas pausas ou hesitações, muitas vezes seguidas de desalento, abandono do
turno da fala ou do tópico conversacional, bem como a perda do ‘fio da meada’; pode também acontecer de
sua fala resultar muito laboriosa (alterações apráxicas, fono-articulatórias) ou ter um aspecto ‘telegráfico’, em
função de dificuldades de ordem sintática (como o agramatismo) ou semântico-lexical (como as dificuldades
de encontrar as palavras)” (MORATO, 2001: 155).
1
Como o AphasiAcervus constitui-se de registros escritos e audiovisuais dos
encontros realizados no CCA, revisitamos os diversos estudos que se efetivaram em torno
do Centro. Esses estudos se pautaram em diferentes metodologias, dentre elas a análise de
amostras do AphasiAcervus como fonte de problematização e investigação de fenômenos
sociocognitivos 4. A partir da leitura desses estudos, procuramos aprofundar a compreensão
do CCA como uma ação coletiva de suma importância do ponto de vista social. Além disso,
procuramos evidenciar que o CCA é composto de membros com trajetórias de vida
diversificadas que procuram formas criativas de enfrentar a condição social da afasia.
4
Para a visualização desses estudos, pode-se acessar o site do COGITES: http://cogites.iel.unicamp.br/.
2
1974; 1982; AEBISCHER & OBERLÉ, 1998), além de estudos discursivos e interacionais
(por exemplo, Cruz (2004), Oliveira (2010), Falcone (2011) e Alencar (2008)) para a
compreensão da categorização. A necessidade de construir um desenho teórico-
metodológico para a pesquisa nos levou convidar a professora Edwiges Morato ser
coorientadora da pesquisa. Em função do contato com a co-orientadora, fomos convidados
a integrar o CCA como membro pesquisador de sua equipe. Essa participação no grupo,
desde então, tem nos possibilitado a experiência grupal no CCA como membro
pesquisador.
3
dependente de outros processos, tais como os linguístico-cognitivos, enquanto categorias
empíricas da perspectivação.
4
IEL), procurando, assim, encontrar evidências do modo como os sujeitos mobilizam
discursivamente sua experiência social no/do CCA.
Considerando os estudos das relações entre sociedade e linguagem, nosso foco não é
a defesa de que determinados processos textuais necessariamente formatam processos
sociais de maior escala. No entanto, acreditamos que as ações discursivas são importantes
para compreender o que se tem chamado de quadros sociais mais amplos. Não só são
importantes como, de fato, podem ordenar e formatar relações sociais, por se incorporarem
em práticas rotinizadas que repousam e reativam essas relações e por poderem se converter
em verdadeiros artefatos sociais e gerarem vários papéis (posições e identidades) e relações
entre papéis (alinhamentos, assimetrias, poder, hierarquia) (AGHA, 2006: 3). Atividades
reflexivas de pequena escala (“microssociais”, como se costuma dizer) podem também ter
consequências semióticas que perduram para além de um encontro e se tornam conhecidas
por grupos maiores de pessoas: um simples encontro social pode ser um elemento de um
processo mais amplo que contribui para a formatação desse processo (AGHA, 2006: 11).
5
Embora concordemos com o pressuposto acima sobre as relações entre linguagem e
sociedade, a questão sociolinguística que perseguimos nesta pesquisa é outra: a de que a
ocorrência de determinados processos cognitivo-discursivos indicam as motivações e as
experiências sociais dos sujeitos que são membros do CCA.
A nosso ver, para que seja possível construir uma compreensão mais ampla de um
determinado grupo social, é necessário observar os membros do grupo em outros contextos.
Nesta pesquisa, com a motivação de aprofundar a compreensão sobre o CCA enquanto
grupo, utilizamos um instrumento de pesquisa que deu visibilidade às ações cognitivo-
discursivas dos sujeitos fora das situações de interação que fazem parte do cotidiano dos
encontros do grupo.
Embora Aebischer & Oberlé (1998: 153-154) destaquem, nesse processo, a forma
com que narrativas são construídas em torno de interpretações sobre acontecimentos
testemunhados pelos membros de um grupo, elas afirmam que, qualquer que seja a
narrativa adotada e desenvolvida, essas interpretações são efetuadas dentro de um
determinado espaço relacional que particulariza os acontecimentos observados, ancorando,
moldando e conferindo um sentido particular a esses acontecimentos e à posição do sujeito
6
frente a eles. Cada espaço relacional, que constrói relações entre as pessoas envolvidas nos
acontecimentos, dependerá das interpretações sobre estes. Segundo as autoras, a identidade
de cada uma dessas pessoas é estruturada por esse espaço, bem como a posição delas
assumida nele, que colabora, também, para moldar a forma de pensar, avaliar e agir a partir
do acontecido. Em outras palavras, a forma de assumir e pertencer a determinada
perspectiva social dentro do espaço grupal. As autoras dizem que o espaço relacional
precisa ser familiar, no sentido de ser reconhecido pelos ouvintes da narrativa como uma
história que já foi ouvida em algum lugar. Ou seja, o espaço relacional precisa ser
conhecido, a fim de ser reconhecido e de construir algum sentido.
Nossa investigação também nos fez refletir sobre as implicações desses resultados
para a compreensão do CCA como organização social. Consideramos um dos aspectos da
“heterogeneidade social” a que se refere Morato (2007) 5, uma vez que, apesar de o CCA se
5
“Consideramos que outro aspecto importante a caracterizar as propriedades interativas do CCA, para além
de sua dessimetria básica (falante eficaz versus falante não eficaz), é sua heterogeneidade básica – revelada
7
fundamentar em encontros sociais, estes não significam necessariamente “o encontro
absoluto entre seus interlocutores, mas justamente a diferença de pontos de vista, de olhares
sobre o mesmo objeto ou sobre a situação de comunicação” (T UBERO, 2006: 253).
Nossos problemas teóricos podem ser resumidos nas seguintes indagações gerais:
pela estratificação sociocultural, pelas diferentes faixas etárias de seus integrantes e mesmo pelos distintos
quadros afásicos apresentados pelos sujeitos” (MORATO, 2007: 52).
8
adotadas e as análises dos dados, uma vez que discutir as categorias implicou remeter-se às
análises. Assim, primeiramente, expomos e discutirmos as categorias analíticas adotadas:
(re)categorização e segmentos metadiscursivos, além das nuanças teóricas e ontológicas
existentes entre as noções de framing, frames semânticos e frames interacionais.
Consideramos, nas análises, dentre esses processos cognitivo-discursivos, não apenas
aqueles mobilizados para responder às perguntas sobre o CCA, mas também os paralelos,
que circulam em outras tematizações e também são discursivamente coordenados e
analiticamente relevantes, como segmentos metadiscursivos e comentários sobre o
cotidiano pessoal. No quinto capítulo, discutimos nossos resultados, pautados nas
perspectivas sociais dos sujeitos no CCA. Em seguida, discutimos a questão das
perspectivas sociais em grupo. Nesse capítulo, também indicamos nossas contribuições
para a compreensão da natureza social do CCA, através, por exemplo, da visualização da
incorporação (HANKS, 2008) de tensões ideológicas (no caso, o problema do normal e do
patológico 6) e das experiências pessoais e coletivas. Por fim, à guisa de conclusão,
realizamos breves considerações complementares que envolvem o estudo das relações entre
discurso e sociedade, considerando o escopo de nossa pesquisa.
6
Nesta pesquisa, observamos que é recorrente, nas respostas, a referência a categorias de normalidade ou de
doença, seja para assumi-las ao se referir à afasia ou ao afásico, seja para negá-las enquanto quadros de
referência válidos. A dicotomia entre o normal e o patológico e a questão social da afasia (MORATO, 2010b),
que as declarações de nossos sujeitos contemplam, indicam motivações e valores sociais que envolvem a
produção discursiva dos sujeitos.
9
10
Capítulo I
11
1.1. O CCA E SEU ESTATUTO SOCIAL
7
Esse histórico e os comentários em torno dele foram compostos, em grande parte, por meio do relato do
sujeito EM, coordenadora do CCA, realizado em sua entrevista.
12
Em 1990, esse empreendimento de intervenção terapêutica e social em torno da
interação entre afásicos e não afásicos recebeu o reconhecimento da então direção do
Instituto de Estudos da Linguagem na forma da cessão de um espaço físico para os
encontros dos sujeitos e dos pesquisadores, no que se tornou a UNNE – Unidade de
Neurologia e Neurolinguística. A partir desse momento, os pesquisadores começaram a se
mover mais claramente na compreensão de teorias e metodologias psicossociais e
sociológicas de planejamento das atividades do grupo que se formou na UNNE e para a
compreensão não apenas do que “se produzia como interação e linguagem” (para usar as
palavras de EM, em comunicação pessoal), mas também do que emergia como grupo.
13
aproximadamente 30 m² e, no seu centro, há duas mesas retangulares, usualmente unidas,
rodeadas de cadeiras. Em um dos fundos da sala, está instalada uma pequena cozinha com
fogão, pia, geladeira, armário e prateleiras. Na sala, também há outra mesa circular menor,
provida de canetas e papéis, além de dois armários com livros e brinquedos utilizados por
alguns grupos. A sala está equipada atualmente com lousa digital, um computador ligado a
um datashow e um aparelho de som.
14
entre si por seus métodos de atuação. Essa vinda de novos docentes para o Centro significa
também uma evidência da participação do CCA na vida acadêmica do Instituto. Essa
criação de novos grupos também implica que “Centro de Convivência de Afásicos” passa a
nomear, na prática, não apenas cada um dos grupos que dele fazem parte, mas também o
espaço físico e social que sedia esses grupos, unidos em torno de uma compreensão comum
das patologias de linguagem, existente desde os tempos da UNA, no que concerne ao
enfrentamento do potencial isolamento que pode sofrer o sujeito afásico e ao empenho
científico em torno do avanço na compreensão de fenômenos neurolinguísticos, englobando
processos sociocognitivos e discursivos.
8
Selecionamos aqui os estudos que mais detida e diretamente se voltaram para a observação do CCA como
organização social. Porém, o CCA também tem sido categorizado teoricamente, por exemplo, sob a chave do
conceito de “espaço discursivo” (cf. MORATO et al, 2005).
9
Os encontros do CCA são arquivados no AphasiAcervus por meio da filmagem dos encontros e da escrita do
Diário de Registro de Atividades (DRA). “Os dados que compõem o AphasiAcervus dizem respeito
especialmente ao acervo multimodal de dados já digitalizado e parcialmente transcritos de registros
audiovisuais de encontros semanais do Centro de Convivência de Afásicos (CCA)”
(http://cogites.iel.unicamp.br/).
15
O principal ponto comum entre esses estudos é a tomada do próprio CCA como
objeto de observação, isto é, das interações sociais que ocorrem nesse grupo. Outro ponto
comum dos estudos acima citados é o de enfatizar principalmente a estabilidade social do
grupo, embora reconheçam a heterogeneidade social do CCA. Nesse sentido, esses estudos
reconhecem o processo associativo e a organicidade grupal entre os seus integrantes como
sendo mais fortes do que fatores dissociativos que eventualmente ameacem sua existência
como grupo. Estamos de acordo com esse entendimento, mas, detalhando essa
compreensão do jogo entre estabilidade e instabilidade grupal, encontraremos e
aprofundaremos, em nossas análises, um dos aspectos da heterogeneidade constitutiva do
CCA, a divergência entre perspectivas sociais. Assim, não elaboramos propriamente uma
discordância em relação a esses estudos, pois procuramos aprofundar seus resultados ao
tomarmos uma ênfase diferente.
16
presença de perspectivas sociais significativamente não comungadas, isto é, divergentes,
mesmo sendo a comunhão entre elas uma característica evidente no grupo em questão.
Antes de tudo, enfim, é necessário compreender em que termos as conclusões dos estudos
supracitados são postas, uma vez que, embora compatíveis em seus resultados, elas não são
idênticas, não se pautando nos mesmos construtos teórico-metodológicos.
[um grupo social em que] cada membro tem um papel específico atribuído, porém
com um grau de plasticidade tal que lhe permite assumir outros papéis funcionais.
17
(...) Na assunção de papéis necessitados situacionalmente, configura-se um
processo de aprendizagem da realidade, tarefa fundamental do grupo. (PICHON-
RIVIÈRE, 1994 [1980]: 53)
Aplicando a proposta de grupo operativo à realidade social do CCA, Bassi leva em
consideração, assim, certas regularidades do grupo, que são os diferentes eventos que
descrevem os processos de interação grupal. Reproduzimos essas categorias abaixo
(PICHON-RIVIÈRE, 1994 [1980] apud BASSI, 2005):
18
Todos esses critérios são contemplados pelo grupo do CCA (BASSI, 2005).
Particularmente em relação à presente investigação, podemos encontrar a conduta da
cooperação, que diz respeito ao desempenho de papéis complementares entre si. Essa
característica é notada, como veremos, em termos cognitivo-discursivos, através da coesão
perspectival entre os papéis sociais.
Quanto a esses papéis, Bassi assinala que Pichon-Rivière faz uma diferenciação
entre papéis sociais informais e formais. Os informais emergiriam espontaneamente nas
atividades grupais, possuindo quatro modalidades:
O coordenador tem como função refletir com o grupo sobre a relação que seus
integrantes têm entre si e com a tarefa prescrita; é ele que possibilita as
interpretações e dá o sentido ao grupo. É esse sentido que mobiliza uma
aprendizagem, uma transformação grupal. O observador, normalmente, não
participa do grupo em si; sua função é “recolher” todo material verbal e não-
verbal expresso no grupo com o objetivo de ‘realimentar’ o coordenador
facilitando a utilização das técnicas de condução. (BASSI, 2005, s/p)
19
1.1.2. O CCA como prática e comunidade discursivas
aquelas atividades que prevêem reversibilidade entre o que se produz como texto
(linguagem, gesto, pantomima, desenho etc.) e aquilo que diz respeito às
referências do mundo social. O que determina essa reversibilidade entre
linguagem e sociedade é o conjunto de condições de sua produção (cf.
Maingueneau, 1978; 1989) e os movimentos enunciativos (intersubjetivos,
pragmáticos, contextuais) que articulam a construção do sentido verbal e não-
verbal. (MORATO, 2007: 52)
Desse modo, a relação do CCA com o mundo social se faz, através, por exemplo, da
tematização, nos encontros, de questões próprias do momento social, por meio, por
exemplo, da recuperação semanal dos principais acontecimentos do mundo (por meio da
retomada do noticiário, por exemplo) e das próprias experiências passadas ou recentes dos
sujeitos.
o processo por meio do qual esse livro, como construção discursiva, é capaz de
exibir o espetáculo da diversidade de pontos de vista em torno de conceitos
inicialmente fluidos, afasia, cura, prevenção etc., que vão sendo negociados e
construídos na interação pelo compartilhamento de posições enunciativas e de
ajustes mútuos da significação. (TUBERO, 2006: xv)
20
discurso, texto e sociedade, integrando formações e comunidades discursivas
(MAINGUENEAU, 1997):
Para que uma formação discursiva seja possível não é suficiente a existência de
um conflito social, de uma língua, de ritos e de lugares institucionais de
enunciação. É preciso pensar que o próprio espaço de enunciação, longe de ser
um simples suporte, um quadro exterior ao discurso, supõe a presença de um
grupo específico sociologicamente caracterizável, que não é apenas um
agrupamento ocasional de porta-vozes. A comunidade discursiva é o grupo em
cujo interior são produzidos e gerados os textos que dependem da formação
discursiva. (TUBERO, 2006: 213)
O CCA, nesses termos, seria uma comunidade discursiva “engendrada pelas práticas
de seus sujeitos, que produzem o tecido discursivo, que fazem circular o discurso, que se
reúnem em seu nome e nele se reconhecem” (TUBERO, 2006: 7). Assim, a comunidade
discursiva é o objeto social que a noção de prática discursiva estabelece como relacional,
pois relaciona discurso e sociedade.
21
Um agregado de sujeitos que se empenham em torno de um engajamento mútuo.
Modos de fazer coisas, modos de conversar, valores, relações de poder – em
suma, práticas – emergem no curso desse empenho mútuo. Como construto
social, a CP é diferente da comunidade tradicional, primeiramente porque é
definida simultaneamente pelos pertencimentos e pela prática na qual esses
pertencimentos se engajam (ECKERT & MCCONNEL-GINNET, 1992: 464,
tradução nossa). 10
O termo prática, nesse sentido, consiste no fazer, mas não apenas no fazer em si: é o
fazer contextualizado sócio-historicamente, que dá “estrutura e significado para o que se
faz”. Nesse sentido, “a prática é sempre uma prática social” (WENGER, 1998: 47).
10
“An aggregate of people who come together around mutual engagement in a endeavor. Ways of doing
things, ways of talking, values, power relations – in short, practices – emerges in the course of this mutual
endeavor. As a social construct, a CofP [community of practices] is different from the traditional community,
primarily because it is defined simultaneously by its membership and by the practice in which that
membership engages.”
22
A propriedade de empreendimento comum das comunidades de práticas, assim, por
sua vez, refere-se a (negociações de) objetivos que passam a ser compartilhados pelos
participantes “no curso de uma determinada prática interativa” (MIRA, 2007: 36). Assim, o
empreendimento comum é “o resultado de um processo coletivo de negociação entre os
membros” (MIRA, 2007: 36). Segundo Mira, no caso do CCA, o empreendimento comum
configura-se na reinserção dos afásicos em situações sociais e cotidianas que promovem o
exercício de práticas de linguagem.
É necessário dizer que não nos propomos aqui preferir ou preterir alguma dessas
categorizações teóricas do CCA. Elas nos ajudam a compreender, cada uma em seus
termos, o jogo entre estabilidade e instabilidade que, na verdade, habita em qualquer grupo
social; ajudam-nos a compreender a organização social do CCA: como ele pode ser
categorizado teoricamente, por que ele pode ser categorizado dessa forma e como ele se
organiza, considerando essa categorização, seja ela como grupo operativo, como prática e
comunidade discursivas ou como comunidade de práticas.
11
“O termo prompting é evocado para definir a situação na qual o interlocutor vem em auxílio ao falante, em
momentos de dificuldades de nomeação, promovendo pistas (gestuais, fonológicas, escritas etc) a fim de que
a evocação oral seja realizada e a comunicação desenvolvida com maior fluência” (MARINHO, 2012: 19).
23
negociações de sentido na construção conjunta de objetos-de-discurso. E Mira (2007)
analisa os engajamentos, empreendimentos, e recursos mútuos, comuns e compartilhados.
Esses pesquisadores, dessa forma, acabam por contemplar a consideração da maneira pela
qual se dá a organicidade social, ou seja, como estão formatados os aglomerados sociais
organizados.
A noção de perspectiva que adotamos neste trabalho é baseada em Van Dijk (1985;
2012 [2008]), Tomasello (2003 [1999]; 2014), ten Thije (2006), Sandig (1996), Graumann
& Kallmeyer (2002), Graumann (1993), Graumann & Sommer (1989) e Mead (1932;
1934). Essas abordagens compartilham o entendimento de que a perspectiva é um
fenômeno baseado em semelhanças e diferenças intersubjetivas instauradas pela interação,
pela forma de olhar o mundo e pelo lugar social de onde o sujeito textualiza ou onde o
sujeito se coloca no próprio texto que produz.
24
Podemos dizer que a perspectiva é uma noção sociocognitiva e interacional porque
se deixa entrever por práticas sociais e ações discursivas pautadas em sentidos e valores
sociais mais ou menos compartilhados que se relacionam com o lugar do sujeito na
sociedade. A perspectiva pode ser enfatizada em sua dimensão propriamente social porque
pode ter forte relação com os fatos da vida coletiva, nomeadamente os processos de
organização exemplificados na formação ou dissociação de grupos e comunidades, classes
e categorias sociais, pertencimentos ideológicos, redes sociais ou aglomerações em geral,
etc. (cf. FICHTER, 1973; LAKATOS, 1982; 1997). Assim, a perspectiva social do sujeito
está plantada em suas experiências sociais, ou melhor, em experiências que se fazem sociais
ou que têm, ou passam a ter, relevância social.
Nos relatos da mídia sobre uma ação policial contra uma manifestação, pode-se
sinalizar a posição do jornalista como a de quem está ‘do lado da’ polícia ou ‘do
lado dos’ manifestantes, o que dá origem a descrições da polícia em termos de
‘indo’ até os manifestantes ou ‘vindo até eles’ respectivamente (Van Dijk,
1988a). [...] O famoso par ‘terrorista’/ ‘combatente pela liberdade’ é um caso
clássico, e pode ser definido também em termos de variação de perspectiva.
Por meio dessa citação de Van Dijk, podemos ver que, no discurso, “terroristas” e
“combatentes da liberdade” são exemplos de expressões de natureza referencial
perspectivadas. Os estudos de Van Dijk (1988; 2012 [2008]) exploram principalmente as
perspectivas de categorias e instituições sociais em conflito, contempladas no discurso
midiático: governantes, jornalistas, ativistas, minorias, polícia, etc. Assim, para Van Dijk,
as perspectivas baseiam-se em variações de modelos mentais “ou em atitudes e ideologias
compartilhadas socialmente” e consistem, assim, em “uma das formas da cognição social
do participante” (VAN DIJK, 2012 [2008]: 249).
Para Van Dijk, a perspectiva é o tratamento discursivo pelo qual entidades são
descritas relativamente à localização social dos falantes ou receptores (VAN DIJK, 2012
[2008]), como, por exemplo, o pertencimento a determinado papel em um grupo. Van Dijk
25
(1996) defende que os papéis sociais são definidos na interação, pelo tipo de relações que
há entre os participantes: podemos “ajudar, advertir, proibir, (etc.) alguém” e podemos
fazê-lo “em diferentes funções, tais como médico, amigo, mãe, etc.” (VAN DIJK, 1996:
89).
26
e discursivas que nos ajudam a perceber a relação entre determinadas experiências sociais
localmente relevantes e a organização dos papéis sociais dos sujeitos como perspectivas
sociais.
As perspectivas sociais podem ser marcadas, por exemplo, por itens lexicais que,
segundo Tomasello (2003 [1999]), são convencionalizações de modos de categorizar
objetos. Além disso, elas influenciam na produção de segmentos categorizadores, cujos
sentidos são construídos por/evocam determinados frames que, segundo Tomasello (2003
[1999]), precisam ser compartilhados pelos interlocutores.
27
Como podemos ver por esse conjunto de citações, Tomasello vê a perspectiva como
um fenômeno sociocognitivo e interativo, uma vez que essa noção exige que os
interactantes se ponham na posição perspectival do outro para que se compreendam e
interajam em co-presença ou não (TOMASELLO, 2014). Essa concepção de perspectiva
também perpassa os trabalhos de Tubero (2006) e Mira (2007) – que tomam o CCA em sua
natureza social e se baseiam em uma abordagem discursiva e interacionista – quando esses
trabalhos, por exemplo, mencionam as perspectivas comuns ou diferentes dos sujeitos do
grupo.
28
situados no âmbito de determinado contexto social e motivados pelas experiências sociais
dos sujeitos. Embora os membros de um grupo façam parte do mesmo grupo e, portanto,
compartilhem e trabalhem pela convergência de uma perspectiva social geral (MEAD,
1932; 1934; TOMASELLO, 2014; TUBERO, 2006), poderão ser observadas no CCA
divergências cognitivo-discursivas, além da relação entre a convergência e a divergência,
marcadas no fluxo discursivo.
Do exposto, é possível notar que a noção de perspectiva social, tomada aqui, não
corresponde necessariamente a noções sociológicas tais como categoria social, grupo,
papel, etc. A perspectiva social pode abranger diversos centramentos, pois falar a partir de
determinada perspectiva pode significar tanto falar de dentro de determinada categoria
social quanto de determinado grupo ou função, ocupação, posicionamento político ou
ideológico, instituição ou mesmo aglomerado social menos ou mais estável, uma multidão,
uma passeata, um grupo que se junta para ovacionar ou agredir ou alguém, etc. (cf.
MARTINS, 1996): enfim, de algum tipo de experiência relevante em determinada
organização social. Em nossos dados, assumimos que o que está em jogo é a centração em
algum papel social no grupo, o que implica, no caso do CCA, experiências sociais
específicas, como a de pesquisador e a de afásico.
Há, por exemplo, a questão do impacto da chuva ácida na “morte das florestas”.
Se eu sou um economista, um advogado ou um adversário da energia fóssil ou
29
nuclear, um político incumbente ou oposicionista, um mineiro ou um lenhador,
não vou apenas ver e atentar para diferentes aspectos da questão, aceitar ou
rejeitar a relação causal entre poluição do ar e as árvores que padecem, vou
também ver a questão como encaixada em diferentes quadros de referência
[frames of reference] como, por exemplo, um contexto econômico vs. ecológico
com pressuposição diferente e vocabulários diferentes. (GRAUMANN &
SOMMER, 1989: 37) 13
13
“There is, for example, the problem of the impact of acid rain on the ‘dying forests’. Whether I am an
economist or an ecology, an advocate or adversary of fossil or of nuclear energy, an incumbent or
oppositional politician, a miner or a lumberjack, I will not only see and attend to different aspects of the
problem, accept or reject the causal relation between air pollution and perishing woods, I will also see the
problem embedded in different frames of reference as, for example, in an exclusively economic vs. ecological
context, with different presupposition and different vocabularies”.
14
“On the one hand, they [Graumman and Kallmeyer] observe the tradition of Leibniz, Nietzsche and Husserl
that resulted in an epistemological concept of perspectivity as a general characteristic of human consciousness
and knowledge, and on the other hand they observe the tradition of Herbert Mead and Alfred Schultz that
resulted in a social-interactional concept”.
15
“The social-interactional conception of perspective goes back to sociology and is determined via Goffmann
and Garfinkel by Herbert Mead’s philosophy of sociality. It was Herbert Mead who transposed the notion of
perspective as a means for spacial orientation to the domain of social orientation. Each individual has the
opportunity to develop a relationship with others by shifting to their perspectives”.
30
ilustram que os dois conceitos de perspectividade não são tão distintos quanto dizem
Graumann e Kallmeyer” (TEN THIJE, 2006: 102) 16.
Trazemos essa discussão de ten Thije e de Graumann & Kallmeyer como forma de
mostrar a importância dessa noção para os estudos do discurso e, também, a relação, que
nela se observa, entre discurso, conhecimento e interação social. A existência de
perspectivas está altamente relacionada à natureza social da linguagem, que implica
necessariamente intersubjetividade e existência de perspectivas sociocognitivo-
interacionais relativamente diferentes (TOMASELLO, 2003 [1999]).
De uma forma geral, essa postulação está dentro da problemática de como podemos
conviver socialmente apesar de nossas diferentes perspectivas sociais como pesquisadores,
afásicos, homens, mulheres, negros, trabalhadores, etc., e como somos capazes, para além
de simplesmente viver nos mesmos espaços sociais, de construir produtos sociais coletivos,
sejam eles mercadorias, cultura ou algum tipo de conhecimento compartilhado. Cultura e
conhecimento não existem apesar da diferença de perspectivas entre os seres sociais (tese
“da divergência”, nos termos de Graumann & Sommer (1989)): elas surgem exatamente
por causa da intersubjetividade das relações sociais, ao longo da história de uma
organização social específica ou propriamente da humanidade de uma forma geral
(TOMASELLO, 2014; 2003 [1999]; DAVIDSON, 2001). Em outras palavras, as
perspectivas são manipuladas por meio da nossa capacidade intersubjetiva de se colocar no
lugar do outro através, por exemplo, de perspectivações convencionalizadas e aprendidas
por meio, por exemplo, da linguagem (TOMASELLO, 2003 [1999]) ou, ainda, da
possibilidade do estabelecimento de perspectivas coletivas que se revestem de objetividade
(TOMASELLO, 2014).
16
“The discussion of subsequent analyses of perspective in intercultural discourse will illustrate that the two
concepts of perspectivity are not as distinctive as Graumann and Kallmeyer (2002) claim. In actual fact,
studies on intercultural discourse integrate the epistemological and the social-interactional concepts of
perspectivity in order to comprehend the interculturality of intercultural discourse”.
31
as pessoas monitoram e avaliam o próprio pensamento em relação à perspectiva
generalizada dos outros ou do grupo como um todo. A linguagem, assim, é capaz de
veicular objetivação por meio de construções linguísticas tomadas, pelo grupo, como
“neutras”, que viriam, assim, de “lugar nenhum”: em outras palavras, que não se
apresentariam como vindas de alguém. A objetivação constrói, segundo o autor, uma
perspectiva grupalmente generalizada por uma coletividade.
A perspectivação pode, além disso, ser tematizada, como quando alguém diz “eu
17
sou professora e falaria disso em outros termos” . Temos, nesse caso, uma
autocategorização do sujeito, que também marca a sua perspectiva (no caso, nomeada: a de
uma professora). Além disso, trata-se de um movimento metadiscursivo (“falaria disso em
outros termos”) que explicita a perspectivação como construção discursiva, e o
reconhecimento pelo sujeito da perspectivação como alinhamento entre lugar social e
processos discursivos. Como exemplo dessa explicitação da perspectiva no caso de nossos
17
Exemplo fictício adaptado de Sandig (1996).
32
dados, também por meio de autocategorização, podemos citar o seguinte trecho retirado da
entrevista do sujeito HM, membro pesquisadora do CCA:
- Uso de voz ativa ou passiva (exemplo: O carro atropelou o gato ou O gato foi
atropelado pelo carro);
- Uso de discurso reportado com inserção de discurso direto ou indireto (Ele alegou
que o carro atropelou o gato ou Ele assegurou: “o carro atropelou o gato”);
18
HM, em comunicação pessoal a Mira (2007), explicita suas diferentes perspectivas possíveis: HM “define
seu papel neste espaço de convivência como ‘alguém que distribui funções, outras, que media conversas,
outras vezes sou uma interlocutora como todos ali. E, quase sempre, procuro observar os fenômenos de
linguagem no meu papel de pesquisadora’” (MIRA, 2007: 45).
33
Foge ao escopo deste trabalho elencar, esgotar e descrever os diversos processos
linguísticos de perspectivação. Existem muitos estudos sobre esses processos, cuja revisão
exigiria uma incursão teórica que procuraria arrolar esses processos e descrevê-los.
34
KLEIN, 2002). É a perspectiva adotada, como fenômeno de linguagem, que organiza esses
processos linguísticos.
A análise desse “sabor” perspectival ilustra a ênfase clássica dada à perspectiva pela
Linguística, que, muitas vezes, enfatiza pouco, em seus fundamentos teórico-
metodológicos, a face social dessa noção, pois descreve a perspectiva como um fenômeno
geral ou a restringe a um plano linguístico. São exemplos de estudos que enfatizam o plano
linguístico os de cunho funcionalista (KUNO, 1972; CHAFE, 1976; CAMACHO, 1996;
STUTTERHEIM & KLEIN, 2002) e os da Linguística Cognitiva (LANGACKER, 1987;
FAUCONNIER, 1997). A fim de nos situarmos nesse debate, passamos, a seguir, a mostrar
como os principais estudos do funcionalismo linguístico e da Linguística Cognitiva
descrevem a perspectivação a partir de um prisma enfaticamente linguístico ou
enfaticamente cognitivo.
35
algum aspecto ou agente, etc., de ações, eventos ou outras entidades referidas
linguisticamente. Os autores fazem uma importante discussão teórica das nuanças entre as
semelhanças e as diferenças da “perspectivação-V” em relação à “perspectivação-L”:
Alguém pode ver uma árvore de várias perspectivas, pode desenhar uma árvore
de várias perspectivas e pode descrever a árvore de várias perspectivas. Nos dois
primeiros casos, a diferença na perspectiva é essencialmente determinada pela
natureza de nossa percepção. No último caso, é determinada por princípios
cognitivos altamente abstratos que determinam a escolha de palavras e
construções no background de assunções compartilhadas entre os interlocutores.
Mesmo assim, esse exemplo é relativamente simples porque o elemento comum,
a árvore, é um objeto físico. A tomada de perspectiva na língua vai além desse
caso. Em exemplos que apresentamos, o elemento comum que é apresentado de
várias perspectivas é um evento histórico; é uma entidade muito mais abstrata do
que, por exemplo, uma árvore que pode ser vista, desenhada e descrita de
diferentes ângulos. Há casos ainda mais abstratos em que a noção intuitiva de
tomada de perspectiva na linguagem faz sentido, como no caso de argumentos ou
instruções. Em todos esses casos, no entanto, os princípios de tomada de
perspectiva são quase os mesmos; são restrições de escolhas. (STUTTERHEIM
& KLEIN, 2002: 4-5, grifo nosso) 19
Para Langacker (1990), por sua vez, dentro da Linguística Cognitiva, a perspectiva é
o grau de introdução linguística da presença de um sujeito consciente em relação à
informação apresentada no discurso. Assim, o autor localiza a perspectiva ou ponto de vista
19
“Someone may see a tree from various perspectives, he may draw a tree from various perspectives, and he
may describe a tree from various perspectives. In the two former cases, the difference in perspective is
essentially determined by the nature of our perception. In the latter case, it is determined by highly abstract
cognitive principles which determine the choice of words and constructions against the background of shared
assumptions among the interlocutors. Now, this example is relatively simple because the common element,
the tree, is a physical object. But perspective-taking in language goes far beyond this case. In examples 1-4
above, the common element which is presented from various perspectives, is a historical event; hence, it is a
much more abstract entity than, for example, a tree which can indeed be seen, drawn, and described from
different angles. And there are still more abstract cases in which the intuitive notion of perspective-taking in
language makes sense, for example arguments or instructions. In all of these cases, however, the principles of
perspective-taking are much the same; they are constraints on choices”.
36
no continuum existente entre subjetividade (vista como o desenvolvimento de uma “visão
pessoal” dos fatos representada no discurso) e objetividade (a descrição de situações tal
como supostamente “se apresentam na ‘realidade’” (FERRARI, 2012: 48)). Ao fazer isso, o
autor destaca uma noção de perspectiva que se apoia em um processo de marcação do grau
de comprometimento e envolvimento de uma consciência subjetiva em relação ao que é
dito, gerando menor ou maior subjetivação e, consequentemente, menor ou maior
objetivação. Assim, Langacker (1987; 1990) vê a objetivação pela linguagem como um
processo perspectivador.
20
Cf. Sanders & Redeker (1993) para um estudo discursivo e Ferrari (2012) para um estudo gramatical da
perspectiva como Espaço Mental.
37
Em relação à Linguística Cognitiva de uma forma geral, considerando que estamos
preocupados com a face social da perspectiva, podemos dizer que, inegavelmente, dentro
dessa corrente, existe, sim, a preocupação em contribuir, com a descrição de determinados
fenômenos, para a compreensão de uma “questão social”. Para Marcuschi (2007), apesar de
seu “foco mental”, a Linguística Cognitiva pode também ser descrita como social (cf.
LANGACKER, 1997). Isso também está posto na seguinte declaração de George Lakoff,
em entrevista realizada a Pires de Oliveira (2001: 37), quando o referido linguista cognitivo
fala, por exemplo, de ideologia:
Para além do fato dessa contribuição possível e para além do fato de que essa área
traz diversas e importantes contribuições para a compreensão da forma com que
interagimos sociocognitivamente, é certo que seus objetos e fundamentações teórico-
metodológicas na maioria das vezes não têm explorado processos propriamente sociais. A
admissão de se estar lidando com dois fenômenos sociais, quais sejam a língua(gem) e a
cognição, e a declaração de que há implicações sociais na descrição sociocognitiva dos
fenômenos linguísticos não são justificativas suficientes para considerá-los como estudos
propriamente sociais. Existem objetos tais como a reprodução ideológica, a organização
social e a mudança social, que os estudos linguístico-cognitivos supracitados não objetivam
explicar diretamente. Claramente, no entanto, esses estudos permitem uma compreensão
maior do papel da linguagem e da cognição nesses processos sociais.
21
“Ideologies have both conscious and unconscious aspects. If you ask someone with a political ideology
what she believes, she will give a list of beliefs and perhaps some generalizations. A cognitive linguist,
looking at what she says, will most likely pick out unconscious frames and metaphors lying behind her
conscious beliefs. To me, that is the interesting part of ideologies – the hidden unconscious part. It is there
that cognitive linguists have a contribution to make”.
38
Bakhtin, retomada por Morato (2010a)): linguagem, língua, cognição ou sociedade. No
entanto, é necessário considerar a exploração de como a sociedade, enquanto entidade
organizada, age sobre esses fenômenos e sobre si mesma.
39
Segundo esta autora, as expressões metadiscursivas de formas (re)categorizadoras
podem se constituir de nomes “ilocucionários” (ordem, promessa, conselho, etc.), nomes de
atividades “linguageiras” (descrição, explicação, relato, etc.), nomes de processos mentais
(análise, suposição, atitude, etc.) e nomes propriamente metalinguísticos (frase, pergunta,
questão, etc.) (KOCH, 2002: 96-97).
Como diz Morato (2010a), a ideia de metadiscursividade diz respeito não apenas ao
enunciado, a enunciação, ou sobre os recursos linguísticos, mas também sobre entidades e
processos interacionais e sociocognitivas, que não têm natureza propriamente verbal
(MORATO, 2010a: 105): lembrar, entender, prestar atenção, etc. A metadiscursividade,
nesse sentido, não consiste apenas na qualidade de determinadas expressões nominais.
Seguindo a definição de Morato (2012b: 48), a metadiscursividade é um movimento
discursivo reflexivo que pode se manifestar por meio de diferentes construções linguísticas.
Para ser definido como metadiscursivo, a função discursiva do segmento linguístico
importa mais do que a sua estrutura.
40
refletindo sobre a situação interlocutiva, o que documenta o caráter reflexivo da situação de
entrevista:
1.3.2. (Re)categorizações
41
ordem lexical, como reiteração de itens, sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos,
expressões nominais, etc. (KOCH, 2009: 67), mas é principalmente o uso de expressões
nominais anafóricas que opera, em geral, a recategorização, construindo os objetos-de-
discurso “de acordo com o projeto de dizer do enunciador” (KOCH, 2009: 70-71).
Para Mondada & Dubois (2003 [1995]) e Tomasello (2003 [1999]), diferentes
formas de categorização indicam diferentes perspectivas adotadas. Para Marcuschi (2002
apud MORATO, 2012c), a categorização é, assim, uma atividade sociocognitiva que pode
indicar preferências pragmáticas por frames semânticos perspectivados que representam,
por exemplo, as atividades cotidianas e sociais dos sujeitos.
1.3.3. Frames
Dentre os vários gumes da noção teórica de frame, podemos começar pela sua face
propriamente interativa. Nesse sentido, os enquadramentos interativos (frames interativos
ou framings) são ações sociocognitivas de categorização de situações interacionais ou
enunciativas: “brincadeira”, “conversa séria”, “conversa fiada”, “ironia”, etc. Em outras
palavras, são interpretações do que está acontecendo “aqui e agora” na situação
enunciativa. Essa noção é a que aparece, por exemplo, no estudo de Tannen & Wallat (2002
[1987]) e é um processo sobre o qual se debruça a Sociolinguística Interacional, através,
por exemplo, da noção de pistas de contextualização (GUMPERZ, 2002 [1982]). Uma das
42
principais questões da Sociolinguística Interacional é justamente responder ao problema de
como os sujeitos inferem o que está acontecendo “aqui e agora” nas situações interacionais
(RIBEIRO & GARCEZ, 2002). As pistas de contextualização, por exemplo, são definidas
como sinais verbais ou não-verbais que ajudam na inferência de interpretações ou na
construção de expectativas entre os interlocutores sobre a situação (GUMPERZ, 2002
[1982]).
22
A noção de enquadre , nesse ínterim, surgida na Inteligência Artificial, inserida
por Bateson (2002 [1972]) nas Ciências Sociais, e, posteriormente, desenvolvida por
Goffman (1974; 2002 [1979]), torna-se um conceito-chave para a compreensão de como as
mensagens e as interações devem ser interpretadas ou evocadas (cf. RIBEIRO & HOYLE,
2002; OLIVEIRA, 2009).
Para Morato (2010a), tanto os enquadramentos interativos quanto o que Tannen &
Wallat chamam de esquemas de conhecimento podem ser considerados como sendo faces
dos frames, tal como ela os concebe, em seus aspectos sociais, interacionais, cognitivos,
linguísticos.
22
Em português, “enquadre” é o termo costumeiramente usado para traduzir a noção goffmaniana de “frame”.
Optamos por manter a palavra “enquadre” ao se referir à teorização de Erving Goffman, por conta do
reconhecido uso desse termo nos estudos psicológicos e sociológicos brasileiros (ver nota da tradução do
texto de Goffman (2002 [1979])).
43
Essa definição de frame, segundo a linguista, é mais ou menos adotada por diversas
abordagens, embora nem sempre essas abordagens concordem entre si quanto à questão de
“pontuar o elemento chave da noção de frame” (MORATO, 2010a: 98), isto é, destacar
quais os critérios relevantes de sua definição e, por conseguinte, da identificação de sua
evocação no discurso.
Morato (2010a) advoga que o frame seja tomado em seu “continuum dialético” que
integraria distintas “esferas da realidade”, a saber: interação, conceptualização,
manifestações linguísticas e estruturas de conhecimento. Essa concepção relacional do
frame (essa espécie de faca de vários gumes), segundo a autora, foge às concepções duais
que, em suma, se preocupam com a supremacia explicativa da ação de algum processo
humano sobre outro(s) e que ignoram a visão vygotskiana de que “não há possibilidade de
conteúdos cognitivos integrais ou domínios do pensamento fora da linguagem, nem
possibilidades integrais de linguagem fora de processos interativos humanos” (MORATO,
1996: 18).
44
interação, dinâmica e constantemente atualizados, para o qual colaboram diversos aspectos,
como o conhecimento compartilhado dos participantes, alguns em forma de scripts e outros
em forma de modelos individuais de experiência.
O contexto, nesse sentido, tende a ter como objeto de ação a própria interação
social, baseando-se nos conhecimentos compartilhados dos seus participantes e na sua
relação semiológica e intersubjetiva. Ele possibilita, dentre outras ações, os
enquadramentos interativos que podem guiar as ações discursivas dos interlocutores. O
frame, no entanto, não necessariamente toma a interação como objeto de focalização, de
acordo com o que observamos em nossos dados. A evocação de um frame pode focalizar,
por exemplo, algum objeto-de-discurso ou estar relacionada com os significados sociais da
situação.
Isso significa que o frame pode, ao olhar analista, indicar também, principalmente,
uma ação cognitivo-discursiva, mais do que apenas uma construção semântica do objeto ou
construção interativa da situação. Isso não significa, no entanto, que as nuanças semânticas,
por exemplo, não sejam importantes de serem consideradas para aqueles que estão
interessados em suas implicações sociais. Vejamos o que diz Van Dijk (2008: 61):
45
esqueleto que relaciona terminais a serem preenchidos. O frame aula, por exemplo, em
nossos dados, esquematiza uma relação entre os participantes alunos e professores que
encenam algum tipo de relação, como ensino ou autoridade. Para Cienki (2007), essa
compreensão geral de que esquemas cognitivos guiam e estruturam os usos linguísticos é,
inclusive, mais relevante do que o cotejamento das distinções entre os vários usos do termo
nas diferentes disciplinas e campos de pesquisa.
46
23
o projeto lexicográfico da FrameNet , nesse caso, teria a nos dizer é que esses usos se
relacionam ao frame semântico Assistance, descrito da seguinte forma: um Ajudante
beneficia uma Parte_beneficiada possibilitando a culminância de uma Meta que a
Parte_beneficiada busca 24. Podemos dizer que o frame Assistance se alinha (é coerente
com) o frame aula 25. Da mesma forma, podemos dizer que aquele se alinha com o frame
terapia, que também pode implicar a participação de um agente A sobre uma pessoa B,
quando não metaforiza, por sua vez, as transformações operadas em B, com a ajuda do
frame Taking que, segundo a FrameNet, pode ser assim descrito: um Agente remove um
26
Tema de uma Fonte de modo que o Tema se torne uma posse do Agente , como em “O
afásico leva o que desenvolve aqui para fora [daqui]”.
23
https://framenet.icsi.berkeley.edu/fndrupal/.
24
“A Helper benefits a Benefited_party by enabling the culmination of a Goal that the Benefited_party has.”
25
Conservamos fontes diferentes para a indicação de frames semânticos, tal como é utilizado na FrameNet.
26
“An Agent removes a Theme from a Source so that the it is in the Agent's possession.”
47
gente” proferidas pelo afásico LM, que constroem esquemas de colaboração ou de estímulo
provenientes de “vocês”, os pesquisadores, e direcionados para “a gente”, os afásicos.
A noção de frame semântico é utilizada, por exemplo, por Miranda & Bernardo
(2013), a partir da Semântica de Frames (FILLMORE, 1982; 1985), para procurar avaliar a
realidade social da instituição escolar através de entrevistas com alunos. Miranda e
Bernardo chegam à conclusão da chamada “crise escolar”, por meio da identificação da
evocação majoritária do frame semântico Indisciplina_escolar na perspectiva social dos
alunos.
48
Nesse sentido, é totalmente pertinente o entendimento de Van Dijk (1996: 162-163)
acerca da noção de frame: segundo esse estudioso do discurso, os frames são tipos de
conhecimentos organizados, estandartizados, gerais, estereotípicos, compartilhados pelos
membros de uma comunidade, são generalizações provenientes da memória de eventos
particulares vivenciados direta ou indiretamente, conhecimentos sobre situações como
tomar café da manhã, ir trabalhar, dar aula, comer no restaurante, fazer compras, dar ou
participar de uma festa, etc. No entanto, os frames também estão sujeitos a transformação e
atualização, mesmo os mais estandartizados.
27
Ver convenções de transcrição nos Anexos.
49
NE ah eu acho que é pr- é pra é pra própria autoestima delas\ (...) no CCA
ela tem vez ela tem ela é: ela é uma pessoa normal\ então isso é nisso
que é legal no CCA\ não é nem... nem ela: nem a a melho:ra da afasia\
(...) elas não são agora sabe eh: pessoas que não sabem fazer nada\
não\ elas sabem\...
(II)
RP eh e: você acha importante a experiência do CCA para uma pessoa... com
afasia/
(...)
NE (...)pra ela não ficar não não ficar só: ah na fonoaudiologi:a tentando
fala:r tentando aprender a falar assim não é só “falar”\ é aprender
a... a interagir mesmo\ é é voltar a intera- “aprender” não\ voltar a
interagir perceber que pode assim eu acho que... que é essa a
importância\
É necessário discutir se essas estratégias metaformulativas envolvem frame-shifting.
Tomando o frame-shifting como um tipo de atualização transformacional das evocações,
podemos problematizar a dimensão e o aspecto que são atualizados nessas transformações
locais. O frame-shifting é definido como a evocação de outro frame (ENSINK, 2003) mais
ou menos relacionado com o anterior, ao se realizarem ações discursivas situadas (como um
conjunto de recategorizações). Ocorre quando um frame substitui outro no fluxo textual:
“um frame está em operação. Deixa-se esse frame e passa-se a adotar um frame diferente” 28
(ENSINK, 2003: 71). Podemos lembrar a definição de Coulson (2006: 34), que descreve o
frame-shifting como “a operação de um processo de reanálise semântica que reorganiza em
um novo frame a informação operante” 29. O frame-shifting seria, assim, um recurso
estratégico.
28
“One frame is in operation. One chooses to release that frame and to agree instead on a different one”.
29
“[The frame-shifting] reflects the operation of a semantic reanalysis process that reorganizes existing
information into a new frame”.
30
Em certos casos, esse poder argumentativo da evocação dos frames pode ter consequências pragmáticas e,
talvez, sociopolíticas. Por exemplo, “diferentes soluções podem ser mais lógicas quando alguém chama [isto
é, categoriza] uma vizinhança de baixa renda como área insalubre vs alguém que a considera uma comunidade
50
dada a determinados elementos esquematizados de um frame pauta-se em um processo
metaformulativo.
O fato de haver uma possível transformação local do/no frame não significa, no
entanto, que o frame evocado vá sendo imediatamente deixado para trás, ou que ele, de
fato, não possua nenhuma relação com o frame evocado em seguida. Considerando essa
transformação do/no frame como um processo estratégico, a sua substituição é muito mais
um efeito ou uma meta discursiva do que uma ruptura . Assumimos que é necessário haver
algum tipo de relação entre os conhecimentos evocados, o que permite que eles sejam
sequencial e organicamente instaurados em função de uma meta discursiva particular.
O mundo que o sujeito constrói em seu relato depende em grande medida de suas
escolhas lexicais, de suas intenções discursivas, do reconhecimento de implícitos
culturais, do reconhecimento de elementos temáticos, das posturas
metaenunciativas dos interlocutores, do tipo de relação que estabelece com os
outros, de coordenadas dêiticas de que lança mão para transformar referentes em
objetos de discurso. (MORATO, 2001: 59, grifo nosso)
Assim, não é apenas a forma com que os sujeitos categorizam que pode nos dizer
dos conhecimentos organizados das experiências sociais dos sujeitos, mas também a forma
natural; no primeiro caso, a vizinhança deveria ser removida, enquanto, no segundo, ela deve ser estimulada e
desenvolvida” (CIENKI, 2007: 174, grifo e tradução nossos).
31
Usaremos, nesta dissertação, o sinal “>” para indicar recategorização.
51
como recategorizam, (re)predicam e ancoram textualmente os objetos, vistos, assim, como
objetos-de-discurso (MONDADA & DUBOIS, 2003 [1995]; MARCUSCHI, 2005). É
assim que podemos dizer que cadeias referenciais evocam frames e, assim, também
indicam transformações locais em/de frames (BENTES & FERRARI, 2011; MORATO &
BENTES, 2013).
52
sociais. A apresentação de exemplos no decorrer de nossas análises também ajuda o leitor a
compreender os movimentos analíticos que realizamos. Aproveitamos as palavras de
Miranda & Bernardo (2013) para falar não dos frames semânticos, mas de frames vistos em
uma perspectiva mais integrada (MORATO, 2010a): as evocações deles pelo discurso
fazem emergir as vivências “mais marcantes para os sujeitos na comunidade em foco e
finca uma sólida ferramenta como base para a leitura hermenêutica multidisciplinar destas
vivências perspectivadas” (MIRANDA & BERNARDO, 2013: 83).
É necessário dizer que, mesmo em uma entrevista com integrantes do CCA sobre o
CCA, não podemos esperar que eles falem apenas sobre o Centro. Em entrevistas como
essas, diversos aspectos, em diferentes graus, podem fugir daquilo a que a entrevista propõe
tematizar: os entrevistados passam momentaneamente a fazer as perguntas, ou recusam-se a
respondê-las, questionam os termos do entrevistador, ou, se já o conhecem, passam a falar,
mesmo que rapidamente, sobre temas de sua relação interpessoal, etc. Esses aparentes
“problemas metodológicos” podem ser, também, ricos processos) não necessariamente
descontextualizados (WORTHAM, MORTIMER, LEE, ALLARD & WHITE, 2011).
Considerá-los descontextualizados corre, inclusive, o risco de configurar uma contestação a
priori da competência interacional (cf. MORATO, 2006b) desses sujeitos.
53
sujeitos agem, em diferentes graus, de maneira sociocognitivamente criativa
(MARCUSCHI, 2007), nossas investigações estão no bojo das que procuram compreender
o modo como essa criatividade se dá e as contingências sociais que nela estão envolvidas.
54
Capítulo II
QUADRO METODOLÓGICO
O modo com que o afásico é categorizado socialmente pode refletir a visão bastante
ultrapassada da linguagem como expressão de consciência e de racionalidade (linguagem
como logos) e como sinal de saúde psicológica (nos termos de Foucault (1975 [1954])). Os
32
indivíduos, nesse ínterim, passam a ser estigmatizados (MORATO et al, 2002;
OLIVEIRA, 2008).
32
“É no seio da sociedade de uma forma geral que encontramos desinformação e preconceito em relação às
afasias” (MORATO et al, 2002: 10).
55
33
humana . No entanto, embora, de fato, a linguagem seja uma das propriedades que
envolvem a condição humana, as investigações do grupo de pesquisa COGITES, de uma
forma geral, a partir de uma abordagem sociocognitiva, que ultrapassa a visão reducionista
da linguagem como logos (MORATO, 2010b) e como sistema autônomo, têm colaborado
para a demonstração de que as dificuldades afásicas, em diferentes graus, não alteram
diversos tipos de processos linguísticos ou outros processos humanos interacionais e
sociocognitivos afeitos à linguagem (cf. MORATO, 2008a; 2008b; 2012b; CAZELATO,
2003; 2006; MACEDO, 2003; 2008).
Dentro da discussão que De Fina & Perrino (2011) chamam de “falso dilema”, que
ora questiona a validade de pesquisas baseadas em entrevistas “controladas”, ora ataca
investigações de ocorrências interacionais consideradas “naturais” ou “espontâneas”, é
necessário refletir também sobre as considerações de Eckert & McConnell-Ginet (2010
[1992]), segundo as quais os resultados de investigações, na sociolinguística, baseadas em
entrevistas não estão automaticamente sob suspeita. Tanto estudos pautados em entrevistas
podem supostamente correr o risco de priorizar as diferenças sociais entre os sujeitos como
objetivo central, como também investigações de encontros legítimos de membros de dada
34
comunidade podem incorrer no abandono de algum tipo de generalização relevante .
Segundo Eckert e McConnell-Ginet, nos estudos de uma comunidade heterogênea, o
33
A linguagem é, de fato, um elemento caracteristicamente humano (TOMASELLO (2003 [1999]; 2014).
Mesmo assim, há humanos, como os autistas, por exemplo, que não chegam a desenvolver plenamente certos
processos cognitivos necessários para a interação social (e verbal), tendo, em diferentes graus, dificuldades de
conceber outras pessoas como agentes intencionais e mentais como eles mesmos e também de engajar-se em
atividades de aprendizagem cultural (como a linguagem) típicas da espécie; ao mesmo tempo, outros
indivíduos, embora não tenham essas dificuldades, não chegam, por algum tipo de isolamento social extremo,
a aprender social e culturalmente as especificidades das práticas linguísticas (TOMASELLO; 2003 [1999]).
34
Esse debate tem paralelo, nas pesquisas sociais como um todo, no dualismo entre estrutura e ação sociais,
segundo o qual determinadas metodologias de pesquisa social serviriam ao estudo das estruturas fundantes
dos objetos sociais, enquanto outras serviriam para o estudo interpretativo de ações sociais localizadas e
subjetivadas (GIDDENS, 2003 [1984]).
56
importante é, na verdade, não dicotomizar as diferenças sociais da comunidade, pois isso
desviaria a atenção de resultados consistentes.
57
atividades que nele se realizam e a heterogeneidade dos perfis biográficos dos sujeitos que
dele participam 35 (MORATO et al, 2005).
Entre os afásicos, observamos que alguns integrantes têm uma postura interativa
mais ativa, outros mantêm uma relação amistosa com os demais integrantes
devido ao tempo de convívio no grupo e outros, em função do comprometimento
de linguagem, se valem mais dos recursos extralinguísticos como os gestos,
escrita e desenhos para participarem das atividades do Programa de Linguagem.
Entre as pesquisadoras, o tipo de participação também é distinto. Todas estão,
claro, empenhadas no mesmo objetivo: enfrentar o isolamento social e
proporcionar aos afásicos situações de uso da linguagem e rotinas significativas
da vida social. Entretanto, há pesquisadoras cuja participação fica mais voltada à
organização e condução das atividades e outras que não têm esse mesmo tipo de
função. (MIRA, 2007: 45)
A seguir, o grupo faz a “pausa para o café”, que é um momento em que os sujeitos
colaboram para compartilhar não apenas comes e bebes, mas também informações pessoais
ou do mundo, comentários corriqueiros ou que chamam mais atenção do grupo como um
35
A constituição do CCA é extremamente heterogênea. Os sujeitos afásicos têm diferentes idades, origens
sociais, níveis de escolaridade, graus de comprometimento neurológico e lingüístico. Os pesquisadores,
apesar de partilharem os mesmos interesses de pesquisas, têm formações profissionais distintas (MORATO et
al, 2005).
58
todo, empreendimentos de tematização ligeira ou mais prolongada, recuperações de
novidades, notícias, etc. A pausa para o café é realizada na própria sala onde se realizam os
encontros e onde está instalada uma pequena cozinha. No momento do café, costuma-se
emergir mais fortemente uma conversação mais livre, com o fortalecimento maior de
quadros interativos entre os integrantes e a consolidação de um conhecimento partilhado
(MORATO, 2010b). Em seguida ao café, desenvolve-se, por cerca de uma hora, o
Programa de Musicalização e/ou de Expressão Teatral, “que tem explorado técnicas e
recursos cênicos com vistas à reorganização expressiva dos sujeitos afásicos, e também à
exploração de ações reflexivas sobre as significações verbais e não verbais” (MORATO,
2010b: 17).
Essa orientação das ações dos sujeitos no CCA colabora para o processo de
estruturação grupal. Mesmo com as variações (como a prevalência, em determinada época,
de um ou outro sujeito na preparação do café, a existência de voluntários para o trabalho
nos Programas previstos, a necessidade eventual da mudança na sequência das atividades,
etc.), as orientações gerais, sobre as quais o grupo está fundado e organizado, prevalecem.
36
O protocolo de entrevista aplicado consta em nosso Apêndice.
59
e pesquisa logo trazem confiança, principalmente por conta do clima interativo que
caracteriza o grupo. Logo foi possível compreender que a aplicação de entrevistas não seria
recebida nem com muita estranheza nem com desconforto pelos afásicos, não só porque
seria filmada por uma pessoa que estaria com eles ao longo de, no mínimo, 5 (cinco) meses
de encontros 37, como também porque os afásicos eram costumeiramente filmados no CCA,
alguns há anos. Assim, foi possível construir o corpus necessário para este
empreendimento.
37
Realizamos a entrevista com o primeiro pesquisador no dia 14/06/2013 e com o primeiro afásico no dia
04/07/2013.
38
No começo de 2014, JC precisou se afastar temporariamente das atividades do grupo. Já no fim do primeiro
semestre de 2014, a senhora MG retomou a sua participação no grupo e um novo integrante passa a participar
das atividades, a senhora SN.
39
NE e NF possuem o mesmo pronome (“N...”), o que permite que, às vezes, o grupo se lhes refira como “As
N.”. Optamos por manter a abreviação N. nos casos em que não fica claro se a pesquisadora referida é NE ou
NF.
60
Por meio do que expomos sobre o grupo, é notável que o CCA constitui um grupo
social em que os seus membros vivenciam um grande número de experiências sociais ricas
em termos de variedade e rotinização, com experiências novas e reiteração de experiências
anteriores. Assim, existe uma riqueza experencial que todos os sujeitos vivenciam ao entrar
no CCA e que, nas palavras do sujeito HM, “levam para fora” do grupo.
61
Para a presente pesquisa, elegemos 4 (quatro) membros do grupo: 2 (dois) afásicos e
2 (dois) pesquisadores, que compõem o corpus desta pesquisa:
Quadro 3: Corpus da pesquisa
Sujeitos Data de aplicação da Duração
entrevista
Sujeitos pesquisadores
1. NE 14/06/2013 00:46:03
2. HM 17/09/2013 00:45:39
Sujeitos afásicos
3. MN 27/06/2013 00:48:18
4. LM 04/07 e 26/09/13 00:59:16
Essa divisão dos sujeitos entre afásicos e pesquisadores foi realizada com o fim de
elaborar protocolos de entrevistas mais adequados, considerando a possível tematização da
experiência pessoal da afasia e as eventuais dificuldades de produção ou compreensão de
material oral dos sujeitos afásicos. A princípio, essa divisão não teve natureza propriamente
analítica. Como veremos, no entanto, ela se mostra importante para interpretarmos nossas
análises. Por essa razão, apresentamos nossos resultados obedecendo a essa classificação.
Dos afásicos, escolhemos LM e MN, por serem representantes dos que frequentam o CCA
desde o seu começo. Dentre os pesquisadores, por esse “subgrupo” ter, de certa forma, mais
“rotatividade” do que o do subgrupo dos afásicos e, portanto, seu tempo de participação no
CCA não ser da mesma proporção, elegemos uma pesquisadora atual, NE, cuja participação
no CCA já dura 5 (cinco) anos (2009-2014), um tempo de participação não maior do que o
da ex-integrante do CCA, HM, que também tem sua entrevista analisada aqui e que
participou durante 9 (anos) do grupo (2001-2010). Como a seleção de uma ex-integrante do
grupo para a composição do corpus, procuramos uma representatividade mais abrangente
da história do grupo e um ponto de vista temporal e experencial diferente do dos
pesquisadores que integram o CCA atualmente. Ao final deste capítulo, apresentamos notas
biográficas sobre esses sujeitos.
62
2.2. O PROTOCOLO DE ENTREVISTA
Para conseguir analisar as entrevistas de modo a notar a forma com que os sujeitos
do CCA o elaboram discursivamente, a construção e a aplicação de um protocolo de
entrevista tiveram como objetivo a tematização do CCA pelos sujeitos, motivada pelas
perguntas. Elaboramos, assim, um protocolo de entrevista de base temática (ALBERTI,
2004) composto por perguntas elaboradas nos seguintes blocos temáticos:
II- Definição do CCA: relacionado à maneira com que o sujeito define o CCA.
Exemplo de pergunta/resposta:
RP e: mas o que que é o CCA pra senhora/
MN é um passatempo\ ((risos))
40
Os exemplos apresentados dizem respeito às entrevistas já transcritas (MN, LM, NE e HM) ou parcialmente
transcrita (NF). Apresentamos, nos Anexos, o Sistema de Transcrição adotado.
63
IV- Atividades do CCA: relacionado à descrição e à reflexão sobre as atividades do
grupo. Exemplo de pergunta/resposta:
RP e: você pode descrever as atividades do CCA/ éh no caso ma:is as que vo-
naquela é- na época em que você
&
HM que eu... que eu [participei/]
RP & [participou]
HM então\ ah: quando eu comece:i tinha sempre a atividade de tea:tro (...)
que era uma atividade de teatro diferente da: depois das que das outras
que vie:ram cada uma teve sua característica né/ então a primeira era
essa atividade que tinha ah: que era uma que tinha toda a participação
de expressão e de corpo e de gesto mas com caráte:r ma:is talvez... do
desenvolvi- de desenvolvimento de linguagem éh:... como que eu posso
dizer/... éh:... e- e- e- eu não sei exatamente mas o o o tinha mais
jo:gos tinha mais uso de revi:stas ah coisas tal- em alguns momentos
até ma:is ah um coletivo mas mais individualizado não sei se eu posso
dizer isso não sei como que: éh: e aí sempre o programa de linguagem\
né/
VI- Impactos do CCA: relacionado à forma com que os familiares dos afásicos veem
a participação desses sujeitos no grupo e aos eventuais e principais ganhos
obtidos, pelo sujeito entrevistado e pelos outros integrantes, que possam ser
atribuídos à sua participação no CCA. Exemplo de pergunta/resposta:
RP e a experiência do CCA tem algum impacto na sua vi:da ou na sua e-ou na
sua formação acadêmica [quais] são esses
&
64
NE [ah]
RP & quais seriam/
NE eu acho que me ajudou muito na minha formação acadêmica porque es- es-
pelo fato de eu eu ficar mais ate:nta à... à interação... ficar mais a-
perce- ter uma percepção melhor assim... principalmente pra minha á:rea
que eu sou da Ne:uro então... ficou bem mais fácil pra fazer
transcrição por exemplo... porque: eu f- comecei a fazer transcrição
antes de entrar pro grupo do CCA... e muitas das co- e eu não tava com
o ouvido muito tr- treinado assim então eu tive muita dificuldade
depois que eu entrei no CCA ouvi:ndo percebendo mais prestando mais
atenção a transcrição ficou bem mais fácil\
A partir desses blocos temáticos, foram elaboradas 25 (vinte e cinco) perguntas para
os sujeitos afásicos e 23 (vinte e três) para os pesquisadores. Essa diferença de 2 (duas)
perguntas a mais no protocolo dos afásicos diz respeito a suas experiências peculiares como
pessoas com afasia e não poderiam ter sido feitas, assim, também para os pesquisadores.
Abaixo, relatamos como foram realizadas as entrevistas e as estratégias adotadas para a sua
realização.
41
http://lafape.iel.unicamp.br/
65
(LAFAPE/IEL/UNICAMP), mais especificamente na Sala de Tratamento de Dados
Audiovisuais (entrevistas de NE e NF) ou na Sala da professora Edwiges Maria
Morato/COGITES (entrevistas de JC, HM e EM). As entrevistas com os afásicos foram
realizadas em uma das salas do Centro de Convivência de Afásicos, antes ou após as
reuniões do grupo, como forma de aproveitar a presença deles no IEL. Não houve uma
razão especial para a realização das entrevistas nesses lugares a não ser a sua
disponibilidade para tal, a necessidade de privacidade e a facilidade de acesso dos
entrevistados.
Em todas as entrevistas, foi explicado aos sujeitos que estávamos realizando uma
pesquisa que procurava discutir como as formas de falar sobre o CCA se relacionam com a
maneira com que os participantes se veem e com a maneira com que o grupo é organizado.
Assim, era informado, aos sujeitos, da forma mais clara possível, que a entrevista realizada
sob a anuência deles consistia em perguntas sobre o CCA e a participação do sujeito no
grupo, para que o indivíduo não imaginasse, por exemplo, que se tratava de um teste
avaliativo de conhecimentos, de correção da fala ou de algum tipo de competência
linguístico-cognitiva. Em seguida, agendávamos a entrevista 42.
As perguntas previstas no protocolo foram parafraseadas por RP, para, por exemplo,
garantir a compreensão delas, de acordo com a progressão da entrevista, mas sempre
mantendo seus objetivos. No exemplo abaixo apresentado, uma pergunta é realizada com
essa característica:
42
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido consta no Apêndice deste trabalho.
66
Pergunta protocolar:
1. Como você conheceu o CCA?
Formulação realizada:
RP e:... e como foi que a senhora conheceu... o CCA/... algué:m falou pra
senho:ra/
Uma vez realizada a pergunta, o papel do entrevistador era fazer com que ela fosse
respondida. Em Stutterheim & Klein (1989), existe uma tipificação das estruturas
linguísticas que participam de respostas. Essa tipificação tem, segundo os autores, apenas
objetivos analíticos. As declarações que, segundo eles, podem ser consideradas nitidamente
como respostas são construídas por meio de “estruturas principais” (main structures) e de
“estruturas laterais” (side structures). Aquelas participam diretamente da resposta,
veiculando a informação requisitada, enquanto estas participam indiretamente,
constituindo-se de informações adicionais, tais como argumentos, esclarecimentos,
comentários, etc. Essa tipificação dá visualidade à mobilização de diferentes construções
linguísticas subjacentes à construção de uma resposta. Alguns dos critérios adotados na
aplicação de nosso protocolo para a consideração de que determinada pergunta tenha sido
respondida foram os seguintes:
2) Quando o sujeito não pode dar a informação, como quando diz que a esqueceu:
RP eu queria sabe:r assim como foi que a senhora ficou sabendo do CCA...
aqui do grupo a E- com a EM\
MN ah isso foi... não sei n- éh éh eu fui e- eu vim pra aqui... e- eu... eu
fazia tratamento com uma professora lá... na na na... no prédio onde
está o CCA né/
RP o o o hospital/
MN sim... e- e- eu fiz tanto tratamento que depois eu não sei a: quando é
que eu vim pra aqui\
RP hm
MN quando é que me mandaram pra aqui\
RP ah você não lembra\
67
LM ... éh: sempre: a mais\... melhor... pra nós\ né/
RP o quê que mudou por exemplo/
LM ah então éh... ah: antes... professora... teatro né/... era... legal...
agora... entrou... JC... mais legal ainda [((risos))]
RP [((risos))] e:... e teve outras mudanças/ por exemplo/
LM hm (3s) ah: viu/... ah:... éh:... antes das N... e você... a gente
tinha:... uma hora... de aula... parti- éh... de aula:... sozinho eu e
você... tinha: éh: cada um ia: numa sala sabe/
68
MN sim... e- e- eu fiz tanto tratamento que depois eu não sei a: quando é
que eu vim pra aqui\
69
participantes as pesso- os pesquisadores que vinham... o quê que mudou
no grupo/... que a senhora viu mudar/
MN ((dá de ombros)) num sei num sei se se muda... se um vem um num vem hoje
vem ah vem semana que vem... vem outra semana... num... num me- parado
nunc- c- contece nada\
RP não teve assim grandes mudanças no grupo/
MN acho que não\... não sei
RP o quê que mudou por exemplo o que é hoje do que era no começo/
MN no começo não tinha o jornal\ no começo foi qua- quase quando quando eu
a- aqui\ éh éh começaram a: a foi o o: o seu SP e outros assim... e...
qu- qu- que estavam aí\ o o: seu SP é um dos dos primeiros que eu
quando ah ah eu vim eu pensava que ele era que ele era ajudante... ah
d- d- d- d- do professor do professora hm que ele era ajudante depois
eu percebi que que não era que também era... que (também) trabalhava
ele:: fazia tudo fazia tudo pra gente... a- agora... o:... depois veio
o jorna:l... acho que ainda tenho o primeiro jornal que veio... e: hm
não tem tido quase a mesma co:isa
(II)
RP e a o que a senhora tem aprendido aqui: no CCA:/ (2s)
MN (2s) a m- a me controlar
RP a se controlar/
MN a ((suspiro))
RP por exemplo/
MN (2s) ah não sei\
RP você tem aprendido a se controlar/ como assim/
MN a... a esperar
RP hum-hum
MN a esperar a esperar que eu fique melhor e cada vez eu fico pior...
porque a a idade também é sempre (limite) né/... já tenho oitenta e
qua- oitenta e cinco anos\
RP mas tem aprendido a espera:r (2s) esperar o quê/
MN que eu não sei que eu vá embora... eu não me importo eu não me importo
de morrer não
As entrevistas realizadas foram feitas com uma filmadora digital SONY DCR-
SR58E: a mesma com que os encontros do CCA são filmados atualmente. A filmadora, tal
como nos encontros do Centro, ficou fixada em um tripé Velbon CX686. Filmadora e tripé
fazem parte do material pertencente à equipe de organização dos encontros do grupo.
70
havia uma mesa, pertencente à sala, entre os participantes da entrevista. Podemos visualizar
abaixo a configuração espacial de uma das entrevistas:
Figura 3: Visualização da configuração espacial das entrevistas
2.4. A TRANSCRIÇÃO
43
As orientações do sistema de transcrição utilizado constam nos Anexos.
71
MN ... ela via mexer pelo menos os dois\
2.5.1. LM
44
Para a consulta de outros materiais e trabalhos sobre o CCA, acessar http://cogites.iel.unicamp.br/ .
45
As características dessas semiologias costumam se alterar com o tempo nos afásicos, devido à prática de
fisioterapia e fonoaudiologia e/ou ainda devido à plasticidade física e neurológica e às práticas sociais que
estimulam a atividade corporal/mental.
72
empresa, mas foi aposentado por invalidez por falta de políticas de reintegração
profissional.
46
Atualmente, ocupa-se de atividades principalmente domésticas . LM começou a
frequentar o CCA em 1989. Nos encontros de discussão e produção do livro Sobre as
afasias e os afásicos (MORATO et al, 2002), sua história profissional e sua aposentadoria
por invalidez mobilizaram os sujeitos em torno dos direitos trabalhistas dos afásicos. O
fragmento abaixo ilustra uma das posições de LM (TUBERO, 2006: 67):
LM: Ah... bom. Eu... ... ... bom ... é ... sempre ... ... a gente nunca pensava ... que a
gente ia ficar assim né? ... ... ... Vontade minha de... de voltar... //4’// ao serviço.
2.5.2. MN
Em 26/06/1999, aos 72 anos, ela sofreu um AVC. Apresentou uma forte dor de
cabeça e hemiparesia à direita, sendo em seguida encaminhada para o Hospital de Clínicas
da UNICAMP. De acordo com o exame neurológico apresentado nesse hospital, MN
apresentou um quadro de afasia transitória decorrente de infarto cerebral na região da
cápsula interna à esquerda, cujos traços proeminentes são, além da hemiparesia à direita,
dificuldade de evocar palavras (word-finding difficulty) e produção de parafasias.
46
No começo do ano de 2014, LM começou a frequentar aulas de informática. Esse interesse é demonstrado
na entrevista e também vinha aparecendo durante a elaboração da 7ª edição do Jornal do CCA, em que o
computador lhe chamava muito a atenção.
73
As dificuldades que MN reitera em sua entrevista, principalmente através de
marcadores metadiscursivos, podem se referir à sua dificuldade de evocação de palavras e à
sua parafasia, que consiste, grosso modo, na “substituição de uma palavra (palavra-alvo)
47
por outra palavra semântica ou fonologicamente relacionada” (TUBERO, 2010: 62).
2.5.3. NE
2.5.4. HM
74
encontros como observadora responsável pelo registro das atividades do grupo. A partir de
2005, ela passou a integrar o grupo, participando das atividades do Programa de
Linguagem. Assim como NE, a pesquisadora também auxiliava a organização dos
encontros, principalmente nas atividades do Programa de Linguagem, além da preparação
da pauta e dos tópicos e da distribuição de turnos de fala para gerir a interação com os
afásicos. Na ausência da professora coordenadora EM, assumia as atividades. No período
de 2006-2010, desenvolveu um trabalho de pesquisa com uma bolsa de estudos de pós-
doutoramento concedida pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo).
49
//cogites.iel.unicamp.br/
50
www.fe.unicamp.br/gppl
75
76
Capítulo III
77
social (MORATO, 2000a), os seus acontecimentos biográficos, como a aposentadoria por
invalidez (em uma situação que poderia ser simplesmente de remanejo de função), também
contribui para o sujeito valorizar certos tipos de atividades no grupo. Sua ocupação havia
deixado de ser a de operário e passado a ser a de se ocupar de afazeres domésticos e a de
cuidar de suas filhas (e eventualmente, hoje, de seu neto). Para LM, essa mudança, apesar
de poder ter significado a exploração de um novo cotidiano, também significou deixar de
fazer certas atividades socialmente consideradas mais produtivas. A ênfase no aprendizado
nos parece, assim, a busca de uma retomada da produtividade cotidiana socialmente
propalada.
Para exemplificar a análise da entrevista de LM, da mesma forma como faremos nas
análises dos outros sujeitos, observaremos um conjunto de trechos selecionados e
comentados. Nesses trechos, emergem elaborações discursivas em torno das atividades do
CCA. Essas elaborações colaboram para a evocação do frame escola, formado pela
referência a um conjunto de ações relacionadas. Assim, ter aula, estudar e aprender são
processos referidos pela entrevista de LM. Podemos observar, também, alguns trechos que
fazem parte da evocação do frame aula, que colaboram para a caracterização desse frame.
Assim, nos exemplos 1 e 2 abaixo, notamos a ocorrência (em negrito) de uma categorização
metafórica do CCA como escola:
Exemplo 1
RP (...) o que é o CCA pra você/
LM ah pra mim é: é uma grande... escola\
RP hm
LM éh: (7s) a gente vem encontra... com vocês tudo né/... e: cada um... a
gente... aprende +um pouquinho a mais né+\
lm +((levanta a mão esquerda aproximando o indicador do polegar))+
Exemplo 2
RP e você acha que: participar do CCA: é algo importante pra quem tem
afasia/
LM ô: \
RP por que você acha/
78
LM éh... porque:... a gente... tem... a gente:... a gente... tenta:
falar\... e:... vocês e ajuda\ né/ a gente... falar\... e:... é aqui
é... uma escola\ né/... éh... bom demais\
Nos exemplos acima, LM se refere a ações gerais realizadas dentro do CCA a partir
de uma face “pedagógica” das atividades: “a gente vem, se encontra com vocês tudo e com
cada um a gente aprende um pouquinho a mais”. A categorização metafórica do CCA
como escola indica a relação que o sujeito constrói entre os cenários CCA e escola, ao
elencar uma semelhança entre as atividades do grupo e o processo escolar: a existência de
aprendizagem. Como se pode ver no trecho abaixo, LM utiliza também expressões
referenciais tais como “aulinha de computador”:
Exemplo 3
RP ah tá e: tem alguma outra ativida:de porque isso que eh conversa:r
escreve:r fazer o tea:tro... eh le:r são atividades
LM hum-hum
RP que outras atividades você: gostaria de fazer aqui/
LM (3s) ó... teve:... teve:... há muito tempo... que:... que:... éh...
vocês e... a Duda... e teve: um tempo que dava: aulinha de: computador\
O foco na possível retomada das “aulas de computador” indica a importância que
uma face pedagógica do CCA tem para LM. A expressão referencial negritada e a
categorização do CCA como escola indicam, na fala de LM, a evocação do frame escola.
Outro trecho importante para percebemos a evocação de frames corresponde ao exemplo 4
abaixo:
Exemplo 4
RP o que que o que que você acha a gente se reúne toda quinta né/
LM +(sério/certo)\+
lm +((balança a cabeça afirmativamente))+
RP você acha que é que é muito: é muita: é muito por mês/... os encontros/
ou você acha que deveria ter mais dias na semana pra gente se
encontrar/
(...)
LM éh (3s) dá pra gente... ir pra ca:sa... estuda:r... volta:r na outra
qui:nta\ éh... a gente... pega as... explicação daqui\... dá pra
gente... dá pra gente... estudar um pouco\
Nesse trecho, LM diz estar satisfeito com a frequência dos encontros do CCA, no
sentido de que são suficientes para ele “ir pra casa estudar” e “pegar as explicações”: usos
verbais que referenciam ações que se realizam no aprendizado escolar e em situações de
79
aula. Essa é uma indicação de que a referência a esses processos está embasada no frame
aula e no frame mais geral de escola. Assim, no exemplo 5, LM também declara que sua
família “sabe que eu venho aqui pra aprender”:
Exemplo 5
RP e: como a sua família vê a sua participação... aqui no CCA/
(...)
LM ah éh.. eles... acha bom\... sabe/... éh... sabe que eu... venho
aqui:... venho aqui pra... aprende:r\ né/... éh... é bom demais\
Além disso, no exemplo 6, LM, remetendo-se a sessões individuais de
fonoaudiologia, outrora ocorrentes no CCA, responde ainda que sente falta das “aulas
particulares” que cada um dos afásicos tinha anteriormente no CCA:
Exemplo 6
RP ah tá... tá bom e: e desde quando você entrou aqui no grupo já mudou ou
mudaram muitas coisas/
(...)
LM hm (4s) ah: viu/... ah:... éh:... antes das N... e você... a gente
tinha:... uma hora... de aula... parti- éh... de aula:... sozinho eu e
você... tinha: éh: cada um ia: numa sala sabe/
RP hum-hum\
LM tinha uma hora... de aula: part- par- particular\
RP hum-hum\
LM éh... aquilo lá também me: ajudou\
RP hm
LM sabe/
RP hum-hum\
LM agora: não sei é: porque que: entrou... não tem mais... aula particular\
Embora essa ocorrência talvez ilustre uma parafasia, é interessante observar a
direção não ocasional de sentido que ela aponta. No conjunto formado por construções
textuais representadas pelos trechos que apresentamos acima, relacionados à remissão às
atividades do CCA, temos a reiteração do frame aula, cuja ocorrência, por sua vez, em
conjunto principalmente com as categorizações metafóricas de LM, evocam o frame escola,
no qual está implicado.
80
3.1.2. LM no CCA
Para observarmos melhor como os frames aula e escola são evocados, comentamos
abaixo um conjunto de declarações obtidas por meio da entrevista. No exemplo 7, por
exemplo, notamos a forma com que ele, o entrevistado, se coloca dentro do CCA enquanto
participante do grupo:
Exemplo 7
RP e: por e o quê que tem motivado você a participar aqui do CCA/
LM ah éh: vim aqui éh eu aprendi... bastante coisa\... sabe/... éh (4s)
aprendi (6s) éh: retornar... o meu... convívio sabe/
RP hm
LM éh então... assim... aqui tem... me... ajudado... bastante\
Além de os usos verbais “eu aprendi bastante coisa, aprendi retornar o meu
convívio” definirem a já citada representação do processo de circulação de conhecimentos
no CCA como situado em um eixo de aprendizagem, esses usos, conjuntamente com o
segmento “aqui tem me ajudado bastante” definem também a relação entre os integrantes
do CCA como sendo de “ajuda”, colaboração. Observemos, nesse sentido, o seguinte
trecho, que corrobora a interpretação dessa relação de “ajuda”:
Exemplo 8
RP e quais são as atividades que a j- que: que são realizadas aqui no CCA/
(...)
LM (3s) ah é (2s) éh: (2s) vocês... dá: toda força pra gente... éh:... pra
gente: conversar mais\
(...)
RP mas conversar su- sobre alguma coisa/ ou sobre qualquer coisa/
LM (2s) qualquer coisa\ né/
RP qualquer coisa/
LM é:... só pra... pra ver se vai (4s) saindo\
RP hm
LM a voz\ né/
81
ele, já que também é plausível, nesse frame, uma relação de colaboração de um professor
para com um aprendiz em situação de aula. O frame Assistance é evocado várias vezes
por processos linguísticos semelhantes (“ajuda”, “dar força”) e o frame aula é evocado com
a ajuda de processos variados, quais sejam categorizações e usos verbais que reiteram,
também, por sua vez, diferentes frames semânticos (“aula de computador”, “aula
particular”, “explicações”, “aprender”), tal como o próprio frame Assistance.
82
O objetivo de LM de “aprender a falar” é contextualizado, assim, na sua experiência
de afásico, pois credita ao seu “forte derrame” a necessidade desse “aprendizado”. Essa
presença do contexto patológico, bem como de outros tipos de dificuldades, é patente
também, de formas mais ou menos diretas, nos seguintes exemplos:
Exemplo 12
RP qual é pra você a:... o objetivo do CCA/
(...)
LM (7s) éh (3s) a gente sempre: (2s) tem... esperança de... melhorar mais
ainda\ sabe/ (2s) éh (5s) o meu: objetivo é:... seguir firme\ sabe/
Exemplo 13
RP escr- éh le:r a gente escreve também\ n-/
LM (2s) escreve\
RP nas at- nas atividades/
LM isso\... cada u:m... escreve q- aquilo que sabe\ né/ ((risos)) éh...
pesar que... pouquinha coisa que... que nós sabe\
Exemplo 14
RP e tem OUtra atividade que a gente TÁ fazendo agora e que: você gostaria
que a gente fizesse mais... mais vezes/
LM (2s) não\ ah... viu/... vocês são tudo legal\... éh: qualquer coisa... a
mais... é bom\ né/
RP (2s) e qual atividade que você mais gosta... de fazer/
LM (2s) ah é... mexer com a cabeça é e: escreve:r\ né/
Exemplo 15
RP tá e: o quê que você acha que os... os integrantes do CCA têm em comum/
(...)
LM ah:... cê diz assi:m/
RP todo mundo\
LM éh os paciente/
RP ... é\ todo mundo\ não é o:u... ou: eu com a NE\ o LM com a dona MN\ o
MS com o: RL\ o LM você
(...)
LM ce:rto... vocês... faz isso... com prazer né/... éh:... vocês éh: dão
atenção pra ge:nte\ tá/... éh: isso que: (2s) que é bom\
RP hm
LM de vocês\
RP mas vocês quem/
LM ... você\ você... comigo\... sabe/ você com... éh com o MS\ né/...dão
atenção\ né/
83
RP e: você acha que é a mesma coisa por exemplo entre o MS e a por exemplo
né/ entre o MS e o RL entre o RL e o... e o: seu SP entre o seu SP e a
SI/
LM ah [sim]\
RP [você] acha que também é também que também é assim/ dá... um dá atenção
ao outro/
LM isso eu:... principalmente nós que somos paciente\... nós dá... atenção
um ao outro\ porque nós sabe a dificuldade que é\... né/ eh: (2s) a
gente:... pelo menos eu... penso assim né/
(...)
LM (2s) hm (7s) qual é a diferença/... ah... cada um... tem mais...
dificuldade... do que o outro\ né/ ((risos))... mas é (2s) se for
ver... um pro outro muita coisa igual\ né/
RP mas dificuldade de quê/
LM de fala:r\... sabe/... fala:r\... eh... é\
84
Quadro 4: Segmentos metadiscursivos encontrados na entrevista de LM
1. lembro... lembro: des- quando a: a Duda... eh desde: de
lá... de cima do... hospital\
2. ai (3s) como é que fala/... eu esqueço até\
3. eu eu... eu como é que fala/... (como é/) (2s) eu esqueço
o quê que é que: (2s) vocês... faz\
4. agora me: fugiu... da cabeça\
5. a gente faz bastante coisa juntos né/... mas e: o nome
certo... não sei\
6. eh... pra você: (2s) o quê que: é essa palavra “incomum”/
7. pelo menos eu... penso assim né/
85
RP hum-hum\
LM éh... tem... aula... com ela... também... [lá\ é\]
RP [mas você]
LM lá lá... é a a a: mesma coisa... da: da da (3s) CCA\
(...)
RP você acha então que tem mais coisas boas do que coisas não\ tem mais
coisas parecidas do que coisas diferentes dos outros grupos/ o CCA/
(...)
LM bom... de toda:s... de de tudo assim... aqui:... é o melhor\...né/ éh...
porque a gente vem... éh... vem estuda duas ho:ra né/... os outros (a
maior hora) é... quarenta minutos\... no máximo uma hora\
O conjunto de exemplos que mostramos nos faz pensar também na elaboração de
LM de um discurso sobre o cotidiano (CAMERIN, 2005) (de forma menos sistemática, no
entanto, do que a da afásica MN, como veremos). Vejamos, por exemplo, no seguinte
trecho, a forma com que LM chega, de forma mais destacada, a retomar o seu turno de fala
(“inclusive...”) com uma informação sobre sua agenda naquela semana, sem que antes disso
tenha falado algo relacionado ao assunto (falava, na pergunta anterior a essa, das
dificuldades da afasia, (exemplo 15)):
Exemplo 17
RP (2s) tá... o CCA se parece com algum outro grupo que você participou...
na sua vida/
LM (13s) eh... inclusive: nesse dia... sete... eu vô: numa festa... dos
aposentados sabe/
RP ((balança a cabeça afirmativamente))
(...)
RP ma:s você mas pra você esse é outro grupo que s- que s- que se assemelha
com o CCA/...
LM ah [éh]
RP [o gru]po dos aposentados/
LM isso hum-hum\
RP você acha que se assemelha/... ao CCA/
(...)
LM nã- então éh... éh:... éh:... agora po depois do: dia sete... daí: a
gente... fala\
RP ah: tá entendi mas você já participo:u de algum grupo que se pa[rece]
com o CCA/
LM [não] não não não foi o: primeiro aqui\
86
Assim é que LM elabora discursivamente o CCA, referindo-se, neste último
exemplo, a uma novidade da semana e, nos outros exemplos que já apresentamos, às
práticas costumeiras do grupo e à representação dos encontros do CCA com a evocação do
frame aula.
Assim, o CCA e suas atividades são representados, em geral, por LM, como sendo
loci de aprendizagem e de convívio social. Nessa representação, os pesquisadores
corresponderiam a professores e LM a um aprendiz da fala. Além disso, o contexto
patológico contribui para compreender as razões da evocação dos frames escola/aula: a
necessidade do progresso no campo da fluência oral e do trabalho com atividades
“intelectuais” em geral, tendo em vista as dificuldades vivenciadas cotidianamente pelo
sujeito.
87
3.2. A ENTREVISTA COM A SENHORA MN
51
Os afásicos, nos encontros do CCA, costumam expressar “a situação com a qual os sujeitos se deparam
após o evento neurológico: a dificuldade de interagir, de se comunicar com os familiares e pessoas próximas.
Diante desta situação, o CCA constitui um espaço onde é possível conversar, interagir e, principalmente,
compartilhar experiências pela convivência.” (MIRA, 2007: 45)
88
MN ela me manda vir e... ela é que ((risos))... é que é a (man- ietora)52
disto\
Exemplo 19
RP tá... e:... a senhora: acha a gente vem pra cá: toda semana né/ um dia
por semana... a senhora acha que: a gente poderia vir mais vezes ou a
senhora acha que a j- que a gente deveria vir menos vezes [no mês/]
MN [ag- ma] ma isso a professora também tem éh pa- pa- pa- fessora (é que
p-) que falava isso\ é que poderia dizer isso\ porque se a gente tem
uma aula por semana e é de graça e (nunca vem nada) e- e- ... e- e-
e:u: não sei eu não se:i hm se ela se e- e- ela não podia ter tanto
trabalho fora como te:m com a gente aqui\
Exemplo 20
RP aconteceu alguma coisa aqui no CCA que foi muito legal pra senhora/...
assim que foi muito:... marcante/
MN (4s) eu nu:m sei acho que não... acho que... ah ah (2s) ah a as
professoras professora... porque é só uma professora\ né/ as outras são
ajudantas del- ajudantes dela\ tem você que está ah ah ah marcando
tu:do tudo tudo tudo tudo\ eu não se:i\ ah
As categorizações/predicações de EM como “professora”, “aquela da língua” e
“mantenedora/diretora” (ver nota de rodapé 52) que “manda vir”, nesses exemplos, indicam
o reconhecimento do papel social de EM como professora (o seu “trabalho fora”) e,
portanto, como autoridade. Nesse caso, como na entrevista de LM, diferentes frames
semânticos instaurados por categorizações e predicações verbais colaboram para a
evocação do frame aula. No caso do exemplo 20, notamos que as categorizações realizadas
sobre os pesquisadores (“ajudantes” de “só uma professora”) instauram um frame
semântico que constrói uma esquematização segundo a qual EM é uma figura
hierarquicamente superior.
52
“Mantenedora” ou “Diretora” (?).
89
certeza vai dar aula a outras\ não sei\ éh o quê que é (nenhuma) delas
num fica junto\
Exemplo 22
RP tem alguma atividade que a senhora: gostaria de fazer mais vezes/
(...)
MN ah: eu sei lá\ eu se e- eu não se:i\ eu faço o que me mandam só\
((risos))
Exemplo 23
MN (...) o o::s liv- os livros que eu o os cadernos assim coisas que eu
pas- que eu fiz tudo na na na no come:ço estão lá ainda\ mas não não
mandam eu fazer mais nada\... já já eu acho que já... bom não sei não
sei\
Exemplo 24
RP mas assim e por quê que a senhora: participa do CCA/
MN participo/
RP é\ por que que a senhora vem pro CCA/ por que que a senhora:
MN ah cada cada
RP vem pro CCA/
MN cada dia eles falam uma co:isa\ falam pra eu vir\
Observamos, nos exemplos acima, a categorização de uma estagiária do curso de
Fonoaudiologia como “professora” e formulações verbais que predicam essa “professora” e
os pesquisadores: (“[a estagiária de Fonoaudiologia] vai dar aulas”, “eu faço o que [os
pesquisadores] me mandam”, “[os pesquisadores] não mandam eu fazer mais nada”, “[os
pesquisadores] falam pra eu vir” e, no gerúndio contínuo, “tem você [pesquisador RP] que
tá marcando tudo [nos encontros do CCA]” (exemplo 20). Tais formulações,
conjuntamente com a categorização da pesquisadora EM como “professora” e como
“aquela da língua” (exemplo 18, em que MN aponta qual seria o objeto de trabalho de EM),
nos fazem notar que:
90
53
frames semânticos, tais como Request ou Pedir_Asking (“mandar”, “falar
para”).
MN traz também alguns elementos que nos indicam como ela constrói uma
representação discursiva das atividades do grupo. Para mostrar essas indicações, podemos
observar os seguintes exemplos selecionados:
Exemplo 26
RP aconteceu alguma coisa aqui no CCA que foi muito legal pra senhora/...
assim que foi muito:... marcante/
(...)
MN (2s) não sei\ acho que não\... acho que éh éh a gente vem... pra... pra
receber a:ula\
Exemplo 27
RP tá... e:... a senhora: acha a gente vem pra cá: toda semana né/ um dia
por semana... a senhora acha que: a gente poderia vir mais vezes ou a
senhora acha que a g- que a gente deveria vir menos vezes no mês/
53
A Speaker asks an Addressee for something, or to carry out some action.
(https://framenet2.icsi.berkeley.edu/fnReports/data/frameIndex.xml?frame=Request>); um Falante pede
alguma coisas a um Destinatário ou que ele realize alguma ação.
(http://200.131.61.179/maestro/index.php/fnbr/report/frames?db=fnbrasil)
91
(...)
MN ah eu acho que se fosse por exemplo a a uma: a uma segunda-feira... e a
quarta o:u segunda e: é\ segunda e quarta... dois dias por semana... ah
t- fazia ma- por dia ta- mas não é éh a gente não precisa de aprender
mais\... pra quê/... o quê que falta a gente aprender/... só se for
aquilo que a gente esqueceu\... ma- mas a gente ah se se... ai eu não
sei\ não sei\ não sei\
Nesses exemplos e nos exemplos 18 a 21, percebemos o uso de certas expressões
referenciais tais como “aula”, “professora” e segmentos verbais relacionados ao evento
“receber aula” e ao processo “aprender”. O uso dessas expressões indica novamente a
evocação do frame aula. No entanto, notamos também que na passagem reflexiva do
exemplo 27, ela recusa um dos elementos desse frame (“a gente não precisa aprender
mais”). De qualquer forma, MN evoca esse frame, mesmo ao questionar o elemento da
aprendizagem, uma vez que, mesmo para negar um frame, é necessário evocá-lo
(LAKOFF, 2004: 3). Ela enfatiza, nele, a relação hierárquica presente nesse frame e
construída discursivamente em relação aos integrantes do CCA.
3.2.3. MN segundo MN
Como vimos quando comentamos a entrevista de LM, o frame aula implica ver o
CCA à maneira de um espaço de relação entre professores e aprendizes: entre aprendizes da
fala e, portanto, de estímulo à oralidade. A construção da representação de MN também se
dá através da construção da representação do CCA como lugar de prática da oralidade.
Observemos o seguinte exemplo:
Exemplo 28
RP e qual é o::... é mas qual é o: o: o a finalidade do CCA/
MN ah eu acho que eu fico olha eu em casa não falo\... e- eu só dou bom
dia: e dou “até amanhã” assim... ah pra emprega:da ah ela falou que
que:r eu n- n- num tenho nada ah a a:... o meu filho também ah ah só
vai pra casa pra comer e põe pra dormir... tem um outro moço que mora
lá que também vai... ah ah vai cedo vai cedo pro trabalho... ah
trabalha... lá perto do... do: onde é que é onde os aviões param/
RP do aeroporto/
MN isso\ do aeroporto para lá\ perto... trabalha lá:... agora... vem de
no:ite
Ao responder qual o objetivo do CCA, MN declara que, em casa, não fala. Assim,
ela pressupõe a proposição de que vem para o CCA porque este permite que ela fale. A
92
partir daí ela narra parte de sua dinâmica doméstica e os atores envolvidos nela: a
empregada, o filho, o trabalho do filho, etc.:
Exemplo 29
RP o quê que mudou na sua vida: depois que a senhora entrou no CCA/
MN ah é: uma coisa a mais que eu tenho que faze:r\ a: a quinta-feira é o
que eu tenho pra vir aqui\ o meu filho já já nu mu ru ca va lho °num
num nã- num num num°... ele a- a- o:... ele vem trazer... e buscar...
vem trazer vai fazer a vai me trazer cedo... vai... vai... lá no CCA:
na na na: escola e deixa as coisa en- n- en- entregues... ah eu não sei
dizer ((pigarreia e cobre a boca com a mão esquerda)) ah meu deus... éh
el- vem fala que me vem trazer cedo... depois vai pra escola e faz o dá
a:ula... e faz o serviço que tem que fazer de manhã... e vai almoçar
e... buscar e almoçar... depois vai pra escola de novo\
Ir ao CCA é destacado como um evento que faz parte de sua programação semanal.
Inclusive, ao ser perguntada sobre a definição do CCA, no exemplo 30 abaixo, ela o
categoriza como um “passatempo” (podemos interpretar os risos presentes logo após essa
categorização abaixo, como uma estratégia de polidez cujo intuito é evitar a possível
interpretação dessa categorização, “passatempo”, como uma qualificação pejorativa):
Exemplo 30
RP e: mas o que que é o CCA pra senhora/
MN é um passatempo\ ((risos))
Podemos dizer, a partir dos exemplos apresentados acima (principalmente 28 e 29),
que a entrevista de MN é tomada por ela como uma situação em que as perguntas podem
ser tomadas como gatilhos para a narrativa de suas experiências e para o relato do seu
cotidiano. Assim, durante a entrevista, MN se encontra fortemente no enquadre (framing)
“relatos/comentários sobre o cotidiano”, que é um dos frames interativos que compõem os
encontros do CCA (MIRA, 2007), configurando sua entrevista, assim, em um discurso
sobre o cotidiano (CAMERIN, 2005). Podemos dizer que MN enquadra a situação de
entrevista como um prolongamento das atividades do CCA, o que explica o seu
comportamento discursivo de falar sobre seu cotidiano “como se estivesse” em um dos
encontros do grupo. As possíveis razões contextuais para que isso tenha acontecido é, por
exemplo, a entrevista ter sido realizada por um integrante do CCA (RP), logo em seguida a
um dos encontros, no próprio CCA. Esses possíveis fatores contextuais devem ser
considerados influentes na medida em que o contexto é um modelo sociocognitivo da
situação social, feito (inter)subjetivamente pelo participante da interação a partir de seus
93
conhecimentos dos elementos situacionais que se lhe apresentam (VAN DIJK, 2012
[2008]).
94
MN eu fiz tratamento com uma f- faladeira c- com uma portugue:sa\ com\
falava portuguê:s\... éh fiz primeiro fiz não sei quantos me- quantos
anos ou quantos meses éh eu fiz tratamento +lá em cima+\ pra cima do
hospital\...
mn +((levanta o braço esquerdo procurando indicar a direção do Hospital de
Clínicas da UNICAMP))+
Exemplo 33
RP e:... e como foi que a senhora conheceu... o CCA/... algué:m falou pra
senho:ra/
(...)
MN éh e- eu tava... a: cai:ndo até cair a::: aí ainda me lembro chegaram no
hospital mas depois e-...
RP hm
MN fiquei... acho com onze ou doze dias de n- éh:... fora de mi:m...
assi:m... sei lá co- co- co:
A emergência de vários marcadores espácio-temporais, como predicadores verbais
no pretérito imperfeito e perfeito (“eu tava caindo”, “chegaram no hospital”), itens
adverbiais (“sempre”, “depois”, “aqui”), expressões verbais relacionadas a ações e a
acontecimentos (“eu tive o derrame”, “eu fui, eu vim pra aqui”, “eu tava caindo até cair”)
54
permitem que identifiquemos a presença de segmentos narrativos . Esse mundo narrado
aparece textualmente contíguo a um mundo comentado (WEINRICH, 1964, 1973; KOCH,
1987, 1992), que podemos identificar, por exemplo, através da presença de segmentos
metadiscursivos (“como é que eu vou dizer?” e “sei lá”). As narrativas construídas por MN,
no entanto, não são construídas como uma atitude de distanciamento em relação ao que
narra, como poderíamos esperar a partir da teorização de Weinrich (1964, 1973). O
distanciamento de MN é, de uma forma geral, apenas temporal.
54
Definimos segmentos narrativos, para os fins das análises, como a atitude comunicativa de apresentar
ações, eventos ou processos marcados em um ponto temporal passado, em relação ao ponto temporal marcado
enunciativamente como presente (WEINRICH, 1964; 1973). Utilizamos como indícios sintáticos construções
verbais no pretérito imperfeito, perfeito simples, pretérito mais-que-perfeito, futuro do presente e/ou locuções
verbais em que esses tempos participam (WEINRICH, 1964; 1973).
95
índices tais como o dêitico espacial “aqui”, o dêitico “eu” e predicadores verbais em
primeira pessoa que acompanham este dêitico.
96
Exemplo 35
RP hum-hum\ hm... tá bom\... eu entendi\... era isso dona MN muito obrigado
MN ma- ma- ma- eu não expliquei nada... porque eu não sei ah ah não sei
falar\ eu não sei falar\ e as coisas estão aqui mas não sei falar\
A fim de interpretarmos essas marcações metadiscursivas, destacamos, no exemplo
34 acima, o segmento narrativo em que há uma organização textual que utiliza marcadores
temporais conjugados: “primeiro era todo tratamento daqui... depois eles foram passando
papéis pra eu arrumar outros... outro médico”. Destacamos também a elaboração
argumentativa de MN evidenciada por marcadores argumentativos (“eu num falo direito
porque...”, “eu falava muito bem, mas...”, “fiquei assim atrapalhada por causa do...”
(exemplo 34), “eu acho que sim, até também, olha, hoje vieram quatro, quer dizer que
precisava estar a sala cheia” (exemplo 36 abaixo):
Exemplo 36
RP éh: então a senhora ach- acha que eles estão in- estão indo be:m/
MN eu acho que sim até també:m também como olha hoje vieram quatro\... ah
quer dizer que: precisava tá a sala cheia po- tem tanta gente que aqui
que tem o o derrame... e fica lá: ah na casa deles ah ta- té mo-
morrerem sem sair e sem nada e e: precisava um vir ver que todo mundo
trabalha todo mundo m- m- faz m- o q- po:de que é que é menos do que do
que do que trabalhava... faz menos do que se estivesse... com com com
a... com a:... ah...
RP a saúde/
MN sim com a saú:de ah ah ah eles trabalha- ah ah ta- tem menos mas mas
mui- vão indo vão indo vão indo\
Assim, MN realiza construções discursivas nada simples, como as citadas,
paralelamente às marcações metadiscursivas de dificuldades de processamento textual,
como mostramos anteriormente. Notamos, assim, que a recorrência dessas marcações
metadiscursivas é também realizada por MN à serviço da reiteração de sua condição
patológica: seja pelas suas narrativas (como a do evento do “derrame”), seja também pelos
próprios segmentos metadiscursivos mostrados, além da orientação argumentativa
assumida.
97
MN (3s) ah não sei... não sei o que que a a a a- a a a: (2s) aque[la]
(...)
MN a SI\... coitadinha ela:... mas que ela faz aqui/ ela: num num nu:m num
aprende nada num num ah +tem este bracinho+
mn +((indica o braço direito, puxando-o de cima da mesa para trás))+
MN quas- quase... hoje eu estive a levantar levantar +este m- estava assim
um pouquinho quando este estava assim+
mn +((mantém um dos braços levantados))+
MN ... ela via mexer pelo menos os dois\
(...)
RP e nos outros integrantes/... depois que veio pra cá/
MN ... eles estão mais... cada vez tão... mais... caídos\
Exemplo 38
RP e você acha que: aqui os participantes do grupo ele:s se dão bem entre
si/
MN ai eu acho que sim\
RP é/... por quê/... como por exemplo/
MN ah num num nunca se queixam\ éh e- não aqui ninguém se queixam uns dos
outros\ todos sabem aquela situação... se estão pio:res... que eu já
podiam estar me- ah poderiam estar pior que eles... né ah ah ah que-
quela... ah ((tapa a boca com a mão esquerda e olha para RP, rindo de
sua dificuldade pontual de fala))
Assim, nos trechos acima, está em jogo também a construção discursiva dos outros
integrantes afásicos, através de predicações (“coitadinha ela [...], não aprende nada”,
“estão cada vez mais caídos”, “se estão piores, poderiam estar [mais] piores que eles [já
estão]”). Essas dificuldades, a que MN faz remissão, mais ou menos decorrentes da afasia,
se somam àquelas que MN atribui ao envelhecimento, o qual se assemelharia, assim,
também a uma condição patológica:
Exemplo 39
RP você tem aprendido a se controlar/ como assim/
MN a... a esperar\
RP hum-hum\
MN a esperar\ a esperar que eu fique melhor\ e cada vez eu fico pior\...
porque a a idade também é sempre (limite) né/... já tenho oitenta e
qua- oitenta e cinco anos\
RP mas tem aprendido a espera:r (2s) esperar o quê/
MN que eu não sei\ que eu vá embora... eu não me importo eu não me importo
de morrer não\
98
Exemplo 40
RP mas a senhora s- tem mas a senhora acha que tem alguma coisa em
comum/... entre as pessoas/
MN não... em comum não é: que: h- h- uns precisam mais d- de: de mais... de
mais atenção outros precisam de mmmm mais éh ensiname:nto outros
precisam hm hm qualquer coisa assi:m e::u num sei dizer num num sei q-
q- q- quer dizer que todos vão indo vão indo vão indo vão indo mas...
e- isto não passa
RP então mas isso seria então isso poderia ser uma coisa em comum/ o fato
como a senhora falou o fato de eles “irem indo”/... o que significa
eles “irem indo”/
MN ... olha já já já morreu um um um senhor... que morava ali na... na na
Vila Nova... quando a gente vai indo... (onde el- t- ma vez lá) té
levou de ca:rro... e ele m- morreu já vinha sempre e morreu e... e não
sei quem é que mais... eu já a caduquei há tantos anos que hm hm num
sei\...
MN remete ao envelhecimento e à proximidade da morte ao construir referentes
(por exemplo: “a idade também é sempre (limite))”, ao falar sobre si mesma (“já tenho
oitenta e cinco anos”, “eu não me importo de morrer”), ao argumentar (como no topos
concretizado pelo operador argumentativo destacado em “já caduquei há tantos anos que
não sei”), ao narrar (“já morreu um senhor que morava na Vila Nova [...], (onde ele uma
vez lá) até levou de carro, e ele morreu, já vinha sempre e morreu”) e ao usar segmentos
metadiscursivos (“não sei quem mais, eu já caduquei há tantos anos que não sei”) com um
item verbal (“caduquei”) relacionado a um acontecimento que, embora seja temporalmente
marcado como distante (“há tantos anos...”), está muito presente (“não sei quem mais (...)
não sei”).
99
referencial de MN enquanto senhora afásica e idosa com um cotidiano de dificuldades, e
dos outros sujeitos não pesquisadores enquanto sujeitos patológicos 55.
55
A construção da condição patológica conjugada com o caráter narrativo de alguns segmentos de MN a leva
a um tipo de “anamnese” (do grego anámnesis, “trazer de volta à mente”, “relembrar”) da patologia,
permitida pela representação do CCA como espaço de partilha de experiências.
100
Considerando também as marcações das dificuldades de MN, apresentadas quando
da análise de sua entrevista, vemos que LM, apesar de marcar menos suas dificuldades,
mostra reflexividade sobre sua condição, assim como MN, através dos segmentos
metadiscursivos e dos comentários nos quais falam sobre essas dificuldades. A ocorrência
de menos segmentos metadiscursivos na entrevista de LM pode ser decorrente, em parte, da
sua menor textualização, uma vez que ele fala menos que MN nas entrevistas, produzindo
turnos ininterruptos mais curtos.
56
Apresentamos os segmentos narrativos de LM e MN integralmente no item II do Apêndice.
101
Quadro 8: Principais ações evocadoras do frame aula
Ações Exemplificação
57
SP, senhor afásico integrante do CCA.
102
Na entrevista de LM, a evocação dos frames escola e aula indica que ele destaca as
situações de aprendizagem que compõem o CCA. A partir do frame aula, é possível afirmar
que sua representação do CCA é a de um lugar de aprendizado para os afásicos e também
como um espaço privilegiado de colaboração dos pesquisadores com os afásicos. Por fim,
LM se remete, quando fala de outros afásicos e de si mesmo, a uma condição patológica
que parece ser o contexto desencadeador de interesse declarado em (re)aprender a conviver
socialmente.
Como dissemos no começo das análises da entrevista de LM, não é apenas a sua
condição afásica que está em questão quando ele se interessa por atividades em que tenha
que, como ele diz, “mexer com a cabeça”: no caso de LM, a afasia lhe trouxe também,
biograficamente falando, a aposentadoria por invalidez, quando poderia, em vez disso, ter
sido remanejado de função. Ora, se aprender coisas novas é uma grande motivação para
LM, é totalmente plausível que sua entrevista seja permeada pelo frame escola e os
encontros do CCA sejam construídos com a ajuda do frame aula.
Quanto a MN, em suma, ela interpreta a situação de entrevista como uma extensão
do trabalho realizado no CCA pelos pesquisadores, o que a permite se comportar
discursivamente da forma como se comportaria nos encontros do grupo. Ela, assim,
constrói vários segmentos narrativos que exploram seu cotidiano pessoal, incluindo o seu
cotidiano no CCA, já que ela também representa o CCA através do frame aula, ou seja,
como um espaço, em seu caso, onde é possível a prática da interação verbal. Nesse
cotidiano, ela destaca suas dificuldades costumeiras, principalmente no que diz respeito
àquelas decorrentes de sua condição patológica reiterada. Lembremos Mira (2007), quando
este fala sobre MN:
103
algo também notado em nossas análises, como vimos. Esses “lamentos e reclamações”, a
nosso ver, não são contraditórios ao seu engajamento interativo nos encontros. O que
nossas análises indicam é que eles são licenciados justamente pela possibilidade dada pela
representação do CCA como um espaço privilegiado de convívio social, de
compartilhamento de experiências afeitas ao cotidiano pessoal dos afásicos. Percebemos
que é por essa razão também que MN se vê à vontade para configurar, nos encontros do
CCA, sobreposições de vozes e para ajudar a desenvolver os tópicos discursivos postos em
questão no grupo, como relata Mira (2007) na citação acima.
Por fim, MN demonstra encarar o CCA como um lugar em que pessoas exercem
costumeiramente determinadas tarefas por meio da orientação de outras. Isso define o CCA
como um grupo hierarquizado, onde há uma professora (a coordenadora EM), sujeitos
ajudantes dessa professora (os pesquisadores) e sujeitos para os quais o CCA foi destinado
(os afásicos). Esse esquema grupal parece ser uma versão mais forte e explorada do
esquema de papéis sociais do grupo, presente de forma mais discreta na entrevista de LM
pela evocação de frames mais semânticos: enfim, um aspecto do frame aula que MN
enfatiza em sua elaboração do CCA.
58
Segmento 1 do item II do Apêndice.
104
LM quase não explora uma característica de liderança em EM, chegando a chamá-la
por um cognome de proximidade, Duda. No exemplo 43, a Duda “é muito boa”, “legal em
tudo” e “nunca chamou a atenção da gente”. Neste último enunciado, percebemos a
pressuposição de que EM poderia chamar-lhes a atenção de alguma forma. É apenas nesse
momento, considerando toda a entrevista de LM, que este sujeito vê EM como uma figura
de autoridade, uma “professora” que chama a atenção, e que isso seja negado. Na entrevista
de MN, por sua vez, essa autoridade é direta: “ela é que ((risos))... é que é a (man- ietora) 59
disto” (exemplo 18).
Segundo Coulson (2006: 62), como “construímos o que é relevante para nossos
objetivos e não poderíamos formular qualquer interpretação se ativássemos todo o
60
conhecimento que temos” sobre o referente em jogo, podemos colocar em foreground
diferentes elementos do frame. Comprovando esse entendimento, podemos notar que foram
diferentes os elementos enfatizados pelos dois sujeitos afásicos no frame aula, presente
tanto na entrevista de LM quanto na de MN.
Quadro 9: Relações enfatizadas entre os elementos do frame aula nas entrevistas de LM e de MN
Sujeito Relação em foco Exemplificação
LM Aprendizagem “Aprender”, “professora”, “aula”,
“escola”, “ajudar”, “dar força”
MN Hierarquias sociais no grupo “Mandar”, “professora”,
“ajudante de uma só professora”,
“mantenedora/diretora”, “falar
para”
59
Ver nota de rodapé 52.
60
“We construct what's relevant to our goals and couldn't formulate any interpretation at all if we activated
everything we knew.”
105
(quadro 7), ele faz isso com menos ênfase. No entanto, a questão da qualidade de sujeitos
patológicos relativa aos afásicos é igualmente presente em ambos, mesmo que na entrevista
de LM as dificuldades desses sujeitos só emerjam algumas vezes.
Uma razão para essas diferenças está na questão da disparidade dos traços do frame
aula enfatizados pelos dois sujeitos e observados no quadro anterior. LM destaca a questão
da aprendizagem e MN enfatiza a esquematização/hierarquização dos papéis sociais no
interior do grupo. Essa disparidade leva a diferentes “macroações” discursivas: no caso de
LM, o foco na sua necessidade da “aprendizagem” da fala e da escrita e da (re)inserção ao
convívio social; no caso de MN, o reconhecimento da hierarquia do grupo no interior do
qual ela participa de forma ativa, mesmo sem “mandar”, falando de si (narrando, por
exemplo). Essa diferença entre a perspectivação do frame aula pode explicar o menor foco
dado por LM à elaboração das dificuldades mais ou menos decorrentes da afasia, em
comparação com o foco dado por MN à mesma questão, ainda que, da mesma forma, a
questão da aprendizagem e do convívio social na entrevista de LM também esteja
relacionada à sua história pessoal.
106
Evocação de frame aula com base na “ajuda muito a gente”, “dão muita força pra gente”,
esquematização semântica da ação dos “A gente que é paciente” (LM)
pesquisadores em relação aos afásicos “ajudantes”, “não mandam eu fazer mais nada”,
(pesquisadores => afásicos) “falam pra eu vir” (MN)
Evocação do frame aula com base em “aula”, “professora”, “aprender” (LM e MN)
categorizações
107
108
Capítulo IV
109
4.1.1. O CCA para NE
Há vários trechos que podemos destacar na entrevista de NE nos quais ela lança
mão de expressões referenciais que categorizam o CCA. Assim, por exemplo, destacamos
nos comentários abaixo, além de importantes segmentos de outras naturezas, algumas
dessas expressões:
Exemplo 44
RP que que tem incentivado você: a participar do CCA/
NE ah porque primeiro que eu acho muito legal assim o CCA\ porque:... ajuda
muito essas pessoas assim eh: (2s) eh:... a gente fa- cria como se
fosse uma: uma comunidade mesmo de prát- de práticas e também como se
fosse uma família mesmo\ ajudar e isso eh tendo a gente caba tendo
amizade com todo mundo\ e acho que isso ajuda muito eles também\ e a e
as práticas também\ participa:r ajudar eles a ler jorna:l\ e é é bom
ver por exemplo o RL foi muito legal ver a recuperação dele\ ver a a
animação dele ao a ficar m-... perceber que ele consegue ler um
jorna:l\ perceber que ele consegue escreve:r um po:uco\ isso foi legal
ver ao ao decorrer do tempo assim\ então eu acho interessante\ e pra
minha pesquisa também porque... eu acho muito importante também eu ter
contato assim com com esse tipo de interação\ vê vê a: o meu sujeito o
sujeito que eu analiso também conversando sempre... que f- ela fala
alguma coisa eu já fico mais aten:ta\ acho que tá mais contato mesmo
pra minha pesquisa assim\
No trecho acima, temos as expressões referenciais que indicam a forma como NE vê
os resultados das atividades desenvolvidas no CCA (“a recuperação dele”) e o próprio CCA
(“uma comunidade de práticas”, “uma família”), categorizações que começam a indiciar o
frame-shifting presente nas respostas de NE.
Do exemplo acima, destacamos, ainda, o segmento “[...] cria como se fosse uma
comunidade de práticas, e também como se fosse uma família mesmo”. Nesse segmento,
observamos uma recategorização correferencial (KOCH & MARCUSCHI, 1998):
comunidade de práticas > família. Para a análise dessa recategorização, podemos consultar
a definição científica de “comunidade de práticas”, tal como consta em Eckert &
McConnel-Ginnet (1992), baseadas em Lave & Wenger (1991):
110
pertencimentos se engajam. (ECKERT & MCCONNEL-GINNET, 1992: 464,
grifos nossos).61
61
“An aggregate of peoples who come together around mutual engagement in a endeavor. Ways of doing
things, ways of talking, values, power relations – in short, practices – emerges in the course of this mutual
endeavor. As a social construct, a CofP is different from the traditional community, primarily because it is
defined simultaneously by its membership and by the practice in which that membership engages.”
111
Coulson (2006: 1-2) descreve como a recusa de determinadas implicações ou backgrounds
(frames) mobilizados por determinadas categorizações.
Nesse caso, o fato de haver uma transformação local dos/nos frames não significa
que eles não possuam nenhuma relação entre si. Há aspectos comuns entre a categorização
“comunidade de práticas” e “família”, assim como em “recuperação” e “animação”. No
primeiro caso, conserva-se o aspecto da cooperação social no grupo: engajamento, união.
Nesse caso, o sujeito, inclusive, realiza um movimento mais explícito de estabelecimento
de sobreposição de categorizações/frames, pois utiliza a expressão “e também”, procurando
construir o CCA, ao mesmo tempo, como uma comunidade de práticas “e também” como
uma família. Na segunda recategorização recuperação > animação, essa relação, no
entanto, também se conserva no processo de transformação ocorrido em RL: de um estado
de “desânimo” para um estado de “ânimo”. Assim, é possível que esses frames evocados
sejam subframes de um frame mais amplo. É necessário indagar-se sobre a possível
motivação para a ocorrência desses frame-shiftings, que ocorrem mesmo com certa
conservação da qualidade semântica das categorizações 62.
62
Também é necessário verificar até que ponto, portanto, essas transformações se tratam de um frame-
shifting, no sentido de troca de um frame por outro. Isso, no entanto, foge ao escopo deste trabalho e exigiria
uma análise mais aprofundada dos dados. É importante, de qualquer forma, salientar que há algum grau de
transformação nos elementos do frame colocados em relevância no decorrer do fluxo textual.
112
É necessário lembrar que esse realinhamento perspectival é de natureza textual
local: primeiro, “quem” fala é a NE pesquisadora, dotada de jargão científico, e,
posteriormente, “quem” fala é a NE colega dos membros do CCA, envolvida com os
membros do grupo, com quem estreitou os laços sociais. De qualquer forma, percebemos
que, embora NE, ao operar o frame-shifting (que não destrói o sentido de cooperação social
que quer expressar), opera alternância ou realinhamento de perspectivação, marcada na
linguagem: ela é uma pesquisadora, alguém que precisa objetivar, estranhar e se distanciar
do objeto (o CCA como “comunidade de práticas”), mas também ela é alguém que vivencia
o seu objeto, se aproxima e está envolvida com ele (o CCA como “uma família”). Podemos
dizer que o que fundamenta essa alternância perspectival é a realidade grupal do CCA, que
aglomera tanto as experiências sociais do sujeito como pesquisador quanto seu papel social
no grupo.
113
troca total de uma perspectivação por outra. Esse ajustamento parece ser o caso mais
acertado, considerando que o papel de NE no CCA e os objetivos do grupo estão
organizados de forma coerente e, por isso, podem reverberar, discursivamente, também de
forma coerente.
114
Também no Exemplo 44 (acima), encontramos marcadores (“porque primeiro...”,
“eu acho...”, “então eu acho...”) e predicações que colaboram com a argumentação (“muito
legal assim o CCA”, “é bom ver, por exemplo, o RL”, “foi muito legal ver a recuperação
dele”, “isso foi legal, ver ao decorrer do tempo, então eu acho interessante”, “eu acho muito
importante também eu ter contato...”) e sequências que carregam argumentos e
recategorizações: “[O CCA] ajuda muito essas pessoas assim, a gente cria como se fosse
uma comunidade mesmo de práticas e também como se fosse uma família mesmo”, “foi
muito legal ver a recuperação dele, ver a animação dele”. Essas características textuais nos
permitem perceber o empenho argumentativo de NE em sua entrevista. Acreditamos que
essa característica se deve principalmente ao seu papel social como pesquisadora, de quem
se esperam explicações, posicionamentos e expertise.
63
Segundo Marcushi (2002: 129), nem a mente nem o mundo são museus mobiliados a priori, pois todos os
objetos do conhecimento são objetos de discurso.
115
se senti:r sabe igual por exemplo s- s- não se sentir rebaixa:do e
na:da\ e perceber que: que elas conseguem ler conseguem es- dá de
escrever um pouco conseguem ler um pouquinho\ mesmo que foi às vezes é
uma coisa uma palavrinha que a pessoa já consegue ler já uma emoção\
coisas que na casa de:la ela não vai cantar por exemplo\ porque não
tem... impu:lso a família também não tem paciência pra conversar e...
deixa de lado\ no CCA ela tem vez ela tem ela é: ela é uma pessoa
normal\ então isso é nisso que é legal no CCA\ não é nem... nem ela:
nem a a melho:ra da afasia\ tentar falar melhor como voltar a falar por
exemplo\ mas é ela essa essa percepção delas de que: “vamo lá tem
estraté:gias”\ que elas têm lugar no mundo e que elas não são agora
sabe eh: pessoas que não sabem fazer nada não\ elas sabem\... só tem
que se adaptar\ eu acho que isso é... por isso que as pessoas ficam
emocionadas assim porque a autoestima do dos afásicos fazendo amizade
também aumenta muito\ °eu acho que é isso°\
A predicação dos afásicos é circunstanciada ou ao CCA (“no CCA, ela tem vez, ela
é uma pessoa normal”) ou a outra espacialidade: “às vezes não têm muita oportunidade fora
do CCA”, “coisas que, na casa dela, ela não vai cantar, por exemplo”. Esses espaços
referenciais são contrapostos por NE. A percepção dessa contraposição é corroborada
também pelos 8 (oito) usos, no exemplo 45, da partícula de negação “não”, direcionada a
alguma entidade e circunstanciada em alguma das duas espacialidades (por exemplo, “isso
que é legal no CCA, não é nem a melhora da afasia”).
Os afásicos são predicados do seguinte modo: “elas [essas pessoas] conseguem ler,
conseguem... dá de escrever um pouco, conseguem ler um pouquinho, mesmo que foi... às
vezes é uma coisa, uma palavrinha que a pessoa já consegue ler, já uma emoção”. Os
afásicos, bem como outros objetos de discurso, são predicados de formas diferentes de
acordo com a espacialidade discursiva em que são alocados (dentro ou fora do CCA).
Entidades pertencentes à espacialidade “fora do CCA” (como “a família”) têm suas
predicações circunstanciadas nesse espaço discursivo (“na casa dela, ela não vai cantar, por
exemplo, porque não tem... impulso, a família também não tem paciência pra conversar e...
deixa de lado; no CCA, ela tem vez, ela tem... ela é... ela é uma pessoa normal”). A
contraposição é estruturada, nesse caso, pela construção do cenário referencial do mundo de
fora do CCA, caracterizando a maneira pela qual a sociedade veria e trataria o afásico, e
tomado como ponto de referência a partir do qual NE opõe discursivamente a experiência
social do CCA. Essa oposição estrutura uma orientação argumentativa segundo a qual o
116
espaço do CCA é diferenciado, no que concerne à forma de encarar o afásico e a afasia, ao
ser comparado com o mundo social externo.
117
personalidades, suas visões de mundo e suas competências estratégicas de comunicação em
função de sua condição. Vejamos o exemplo a seguir:
Exemplo 47
RP por que que você acha que eles [os afásicos] não têm esse espaço na
família... pra falar/
NE pelo preconce:ito pelo pe- eh: pelo as pessoas não terem paciê:ncia
ficarem às vezes com pe:na que “ah tá doente tadinho tá ai” como o
doe:nte não é mais um... um ser pensan:te o cérebro não funciona ma:is”
sabe/ então as pessoas acabam tratando deixando de lado... e: no CCA
não\ aí eles... eles mostram que não\ eles são pessoas norma:is com
dificulda:des e reconstruindo a linguagem deles e se adaptando
Exemplo 48
RP eh e: você acha importante a experiência do CCA para uma pessoa... com
afasia/
(...)
NE (...) você es- perceber que você tá no meio você tá no meio de pessoas
pode você perceber que você pode participar de uma conversa normal
claro tendo suas dificuldades mas que você é capaz assim eu acho que:
essa é a importância assim pruma pessoa afásica pra ela não se isolar
no mundo assim... pra ela não ficar não não ficar só: ah na
fonoaudiologi:a tentando fala:r tentando aprender a falar assim não é
só falar\ é aprender a... a interagir mesmo\ é é voltar a intera-
“aprender” não\ voltar a interagir perceber que pode assim eu acho
que... que é essa a importância\
NE diz que os afásicos não estariam “doentes”, mas teriam “um problema”
(exemplo 46). NE opera uma modalização ao preferir categorizar a afasia como “um
problema” e não como uma “doença”, por conta do peso social implicado por essa última
categorização. Essa interpretação pode ser corroborada pelo discurso reportado de NE “‘ai,
está doente, tadinho, o doente, não é mais um ser pensante, o cérebro não funciona mais’”
que parafraseia a predicação “está doente” por meio de “não é mais um ser pensante, o
cérebro não funciona mais”. Uma modalização de mesma natureza está em jogo também
quando NE faz a reformulação no exemplo 48 acima, no qual diz que o objetivo do CCA
não é “só falar” nem “aprender a interagir”, e sim “voltar a interagir”. A nosso ver, ela
recusa, assim, a centração na fala do afásico e o uso de um verbo que indica o frame
semântico de aprendizagem. Nesse trecho, NE atribui a ideia de “centração na fala” e de
“aprendizagem” ao frame sessão de fonoaudiologia, mas, em seguida, assume um outro
frame (frame-accepting) de recuperação: a recuperação não de capacidades linguísticas ou
118
cognitivas (voltar a falar, aprender a interagir), mas da reinserção do afásico em atividades
sociais (voltar a interagir).
O trecho do exemplo acima “você perceber que você pode participar de uma
conversa normal; claro, tendo suas dificuldades, mas que você é capaz”, é também um
trecho que evidencia que NE procura reforçar a ideia de que lidar com os afásicos
necessariamente coloca em questão a dicotomia normal/patológico que poderia ser gerada
pelo uso do item qualificador “normal”. A categorização dos afásicos como “pessoas
normais, com dificuldades” também encerra, a nosso ver, uma reformulação modalizadora
(pessoas normais > com dificuldades) que se baseia na tentativa de retirar o afásico e a
afasia do estereótipo social do patológico, previsto no cenário do mundo de fora do CCA64.
64
Lembremos que Nomos (em grego, Νομος) é, na mitologia grega, o daemon (gênio) das leis, estatutos e
normas. O movimento discursivo de NE de recusa do qualificador “normal” nos remete à discussão em torno
da norma como nomos, a lei moral (RAJER, 2011): nessa lógica, o normal seria o normativo (SACKS, 1995),
ao mesmo tempo em que a patologia poderia ser uma espécie de transgressão dessa norma, de imoralidade
(daí, por exemplo, a punição ao afásico com o isolamento (MORATO et al, 2002: 11)). NE enfrenta esse
dilema de escolher ou o normal ou o patológico como axiologias de qualificação porque ambos implicam um
conjunto de conhecimentos (um frame) que dicotomiza o normal como norma e o patológico como
transgressão.
119
sujeito” e “o sujeito que eu analiso”. As atividades de NE no CCA fazem parte do cotidiano
acadêmico de NE, o que pode explicar tais usos na entrevista.
120
4.2. A ENTREVISTA COM A PESQUISADORA HM
121
pesquisador com o afásico mas ficam mais separados como em qualquer
café como em qualquer encontro... social\ e aí a atividade de linguagem
que: a gente já passou por vários períodos també:m\ períodos que a
gente faz mais jo:gos períodos que f- trabalha com a questão do cine:ma
com éh revistas e jorna:is co:m e depois de um tempo que eu acho que já
fa:- não lembro exatamente quando foi\ que começou a fazer o o jornal
do CCA então tinha o jornal do CCA: aí teve um período que também teve
a: a a as atividade com as com a:s estagiárias de fonoaudiologi:a e que
também éh elas a- elas atendiam no comecinho antes de: de entrar o
grupo elas faziam atendimentos individua:is acompanhamentos individuais
(...) muita coisa nossa minhas lembranças aqui... teve: ah: um período
que foi uma at- um mês da atividade de teatro a gente teve atividade de
mú:sica... então que era o trabalho daí de vo:z mesmo\... se trabalhava
a o a coisa coletiva mas pra pra impostação da vo:z pra canta:r...
enfim a mú:sica\... éh: eu tou esquecendo que teve mais coisa\... de
teatro (...) que era uma coisa mais assi:m tranqui:la também que era
quase como um... uma atividade de teatro mas quase como um uma coisa
mais de: éh éh: eu num lembro mas era mais mais le:nto
(...)
HM é:\ é que essas lembranças vão se misturando\
122
“acompanhamento”. A nosso ver, a recategorização ocorre para que o frame terapia seja
menos evocável. Assim, na entrevista de HM, essa recategorização indica a busca pela
elaboração de um segmento não patologizante da afasia. Ao mesmo tempo, podemos dizer
que a emergência mesma do referente “atendimento” condiz com as ações/atribuições de
uma fonoaudióloga. Isso poderia nos levar a pensar que nesse momento ocorre uma
alternância de perspectivas discursivas permitida pelas diferentes experiências sociais de
HM: além de ter sido pesquisadora integrante do grupo de pesquisa, também é/era
fonoaudióloga 65.
65
A seguir, constam, em sequência, dois trechos da entrevista em que se visualiza a instauração, por meio de
expressões referenciais, das diferentes experiências sociais de HM, destacadas por ela:
“RP e: e qual era a sua: as suas motivações... éh e- eram ess- as suas motivações p- pra: participar do CCA éh
de início era:m essas motivações acadêmicas/
HM éh: então dos dois lados\ acadêmicos e profissionais\”;
“eh participar do CCA me fez... mudar esse olhar... essa percepção ah: além de conhecer muito mais os
afásicos\ né/ a própria afasi:a\ então como terapeuta também então fez muita diferença\ e como
pesquisadora... também\ °né/°”.
123
experiência no CCA, o que pode ser compreendido como um dos efeitos da não
contemporaneidade de sua participação no grupo. Ela recorre, assim, a algo pregresso, uma
vez que sua experiência no CCA enquanto integrante principal se situa em um tempo
marcadamente passado.
No exemplo a seguir, HM narra uma situação que lhe ocorreu durante uma atividade
do Programa de Linguagem no CCA. O modo como realiza a evocação de uma situação, a
seguir, nos faz notar a existência de certos conhecimentos (ou “pressupostos”) que, segundo
HM, devem ser evitados:
Exemplo 50
RP e aconteceu alguma: alguma coisa assim algum fato assim que: você achou
interessante algum fato marcante assim pra... algum evento dentro da da
dinâmica do CCA que assim te deixou [que te chamou muito a atenção/ é\
HM [alguma coisa assim/ (3s) nossa senhora (3s) às vezes me surpreendi eu
acho que assi:m por isso que eu acho que eu falei dos jogos porque eu
vejo: eh:... eh me surpreendi ao tipo de: de respo:sta com o tipo de
participação por exemplo... eh: da SI\... né/ e que de repente nos
jogos você tinha: uma SI.. às vezes... de um jeito diferente\ de falar
assim “ah ela não vai fazer isso\ °não vai\°” você sempre supõe eh...
você pressupõe que não consiga... que não consiga dizer por exemplo o
jogo da forca um u:m um elemento que eu pesquisei\ né/... um dos (meus)
objetos de pesquisa... no pós-doc\... e eh: e a participação dela...
(que se você pensa pensa) ah uma senhora que tem pouca: pouca:
participação de tomar pala:vra de... e aí num j- no jogo ela tava
ate:nta ela tomava pala:vra ela falava a le:tra ela consegui:a ela
tinha uma participação... que quebrava vamo dizer os esses pressupostos
que a gente teria em relação... a a ao que esperar dela\ então isso me
chamava atenção\... ah:... ah não sei\ porque sempre: sempre como...
124
sempre ali naquele grupo tem coisas que:... sei lá\ ficam marcando a
gente\ ((risos)) um fato único/... mais marcante/ + hm +
hm +((balança a cabeça negativamente))+
HM & não\ eh: eu gosto muito de lá\ da... da maneira como eles acolhem a
gente como: ah: °acho que° não sei\ não tenho nã- não consigo dizer uma
coisa assim... única\
No trecho em negrito que se inicia por “me surpreendi...”, temos um exemplo da
referência a situações passadas, exemplificadas na evocação da situação da senhora SI ao
jogar forca. Essa situação que HM constrói, como argumento ao que diz, é introduzida
inicialmente por um marcador temporal típico de narrativas e uma construção verbal
existencial (que é equivalente, por exemplo a “havia”): “de repente, nos jogos, você tinha
uma SI...”. Essa expressão indefinida (“uma SI”) despersonifica, em termos semânticos, a
senhora SI, uma vez que geralmente não se usam indefinidos à frente de nomes pessoais, a
não ser como expediente semântico estratégico, como nesse caso. Interpretamos essa
“despersonificação” como o modo de HM realizar o estranhamento das atitudes de SI,
narradas, em seguida, em “[...] e aí num j- no jogo ela estava atenta, ela tomava palavra, ela
falava a letra, ela conseguia”. Esse estranhamento, a nosso ver, se trata de uma atitude
proveniente da perspectivação de HM enquanto analista dessa situação, isto é, enquanto
pesquisadora. Também enquanto pesquisadora, ela denuncia a formação de um
conhecimento prévio sobre SI, anterior à situação evocada. HM, ao evocar a situação da
forca, relata a percepção desse conhecimento: traça um comentário (“você pressupõe que [o
afásico] não consiga”) e categoriza esse conhecimento como um “pressuposto”,
reproduzido, por sua vez, nas falas inseridas por ela (“ah, ela não vai fazer isso, não vai”).
125
lugar de “quebra”, de recusa, de ruptura em relação a certas concepções sobre os afásicos:
enfim, um lugar diferenciado.
126
possibilidade de tá ali\ né/ sem precisar que tenha u:m alguém
intermediando o tempo todo\
A pergunta que RP faz nesse exemplo se refere às “coisas em comum” que existem
entre os “integrantes do CCA”. Os “integrantes do CCA” são tomados por HM como sendo
os afásicos e a “coisa em comum” como sendo algo relativo à condição afásica desses
sujeitos. Vejamos o que acontece no exemplo 52:
Exemplo 52
RP e: que coisas... ou co- alguma coisa exatamente eh: você: vê: que de
diferente\ né/... a- a você falou de muitas coisas em comum... e as
coisas [... que eles têm que eles têm de diferente assim os
integrantes/
HM [que são diferente/... ah bom aí as caracterí-... aí tem várias
características... eu acho que as características... sociais culturais
né/ junto daí a questão sociocultural deles de de: de origem de
formaçã:o então... que eu sinto que faz diferença... na própria
qualidade do: da da da compreensã:o do que de da maneira de se
expressa:r\ eh tem características pes- individua:is que ah a gente vê
então os mais mais tímidos os mais extrovertidos os que se... eh que se
expõem ma:is... tomam mais a palavra e as características das a- das
afasias que fazem com que: eh: eles possam... tomar mais a palavra ou
me:nos\ né/ (2s) e se expressar mais ou menos\... eh: eu tou falando só
dos afásicos\ né/ e tou esquecendo não sei se é esse eu esqueço dos
integrantes pesquisadores mas é que: eh eh: eh que também têm papéis
diferentes mas que são: e- e jeitos diferentes de interagir\ né/ e que
muitas vezes dependendo do: isso a gente també:m isso eu também fui
percebendo ao longo do: do tempo... dependendo do grupo... eh: de
pesquisadores que participa também tem uma diferença na dinâmica da do
funcionamento\ obviamente né/ e: né/... tirando a Duda né/ que tá
sempre que é sempre a mesma... ma:s eh va-... mudou bastante nesses
anos todos... e faz diferença na dinâmica\ então você tem... ah tudo
mais dirigi:do mais organiza:do ou você tem a coisa mais eh eh: com
sobreposições de vo:zes com todo mundo fala:ndo eh: depende do da
proposta de atividade depende do: da pessoa que tá eh dirigi:ndo
coordena:ndo sei lá\... e: é interessante também fazer essa análise...
ma:s °eu que-° eh e as diferenças elas também se mostram... eh a
depender dos interlocutores\... é isso que por isso que eu lembrei dos
interlocutores\
No exemplo 52 acima, RP lhe pergunta sobre as “coisas que os integrantes têm de
diferente”. Novamente, ela responde tomando os integrantes como sendo os afásicos, mas
também estende, depois de um segmento metadiscursivo (em negrito), a categorização de
“integrantes” para os pesquisadores. Esse segmento metadiscursivo representa, a nosso ver,
uma estratégia de reformular, por correção, a categorização que HM estava fazendo dos
integrantes do CCA, já que, a partir daquele ponto textual, os “integrantes” passam a ser
não mais apenas os afásicos, mas também os pesquisadores. Nesse sentido, percebemos
127
uma tentativa de dar a mesma categorização (ou seja, o mesmo tratamento discursivo,
realizando a mesma forma de perspectivar uma entidade) tanto para os afásicos quanto para
os pesquisadores. Essa ação é estratégica, já que envolve metadiscursividade e, portanto,
reflexividade sobre o discurso. Trata-se de uma estratégia de atribuir a categorização de
“integrantes” do CCA não mais a apenas uma parte dos sujeitos, mas a todos os sujeitos do
grupo. Nesse exemplo, no caso dos integrantes afásicos, HM elenca inicialmente como
“coisas que são diferentes” a “questão sociocultural”, as “características individuais” e as
“características das afasias”. No caso dos pesquisadores, ela fala dos “papéis diferentes” e
do “jeito de interagir”. A fala de HM desenvolve principalmente o “jeito de interagir” da
“pessoa que está dirigindo”/ “interlocutor” (pesquisador), relacionando-o à “dinâmica do
funcionamento” que “mudou bastante”.
128
afásicos levantadas por HM se mostram na forma e na possibilidade dos afásicos se
engajarem em turnos de fala (questão relacionada ao “jeito de interagir”, posta tanto
quando HM fala dos afásicos como quando fala dos pesquisadores) e de se expressarem
(questão da “possibilidade de expressão”, não posta quando HM fala dos pesquisadores).
Diferentemente do que ocorre no exemplo anterior, é latente, nessa elaboração das
características diferenciadoras, a diferença entre o tratamento discursivo que é dado aos
afásicos e o tratamento dado aos pesquisadores: nestes, a possibilidade de expressão não é
uma questão; naqueles, sim, por conta da condição afásica, que é, como estamos vendo,
importante na elaboração discursiva de HM sobre os sujeitos afásicos.
129
HM eu: bom\ eu x eu digo que o CCA é u:m centro: assim como o próprio nome
dele\ né/ é um centro de convivência de pessoas afásicas e não afásicas
eu sei bem disso\ o discurso está mais do que introjetado eu acho\
((risos)) ma:s ahn ent- eu acho que então ele te:m éh essa: essa:
possibilidade das pessoas que tenham éh e- esse tipo... de: ah
patologia de linguagem né/ que incide so- s- justamente sobre a
linguagem dificuldade sobre a linguagem tem a possibilidade... de:
participar... de um grupo onde a- onde tem outros que ah possam
compreende:r possam... ajuda:r possam ouvi:r né/ então e ao mesmo tempo
com um lugar de uma prática social de encontro mesmo então ah: o que às
vezes é muito difícil pra essas pessoas que ficam justamente éh
excluídas de certa maneira de um convívio social elas têm a
possibilidade no CCA de ter essa convivência social... né/ éh:
principalmente pela pela diversidade de atividades que acontecem eu
acho no CCA\ então você tem a atividade do tea:tro já teve de mú:sica
já teve... éh ah: atividades por exemplo p- sea- os passe:ios as
possibilidade de lidar com artesana:to\ são talvez atividades de: que
eles que essas pessoas ahn... nem sempre tem ah: elas na verdade a
partir do momento que ficaram afásicas pra elas é mais difícil ter ter
oportunidade de participar desse tipo de:... éh:... de convívio mesmo
né/ situação socia:l e etc. e por outro lado justamente por te:r essa
por abrir essa atividade ele acaba tendo fins terapêuticos... então por
isso que eu eu vou poderia dizer que o CCA é esse centro de convivência
e: que tem sim também uma: um caráter clínico no sentido terapêutico...
né/ da da clínica... pra patologia da linguagem e: de convivência das
pessoas\
A evocação do mundo externo ao CCA é indicada, no exemplo acima, com a ajuda
da construção de uma pressuposição em vários enunciados em negrito, como o seguinte:
“[os afásicos do CCA] têm a possibilidade... de participar... de um grupo onde a-, onde tem
outros que, ah, possam compreender”. A pressuposição, neste caso, é a de que os afásicos
normalmente não teriam a oportunidade de participar de um grupo, como o CCA, fora dali.
Exemplo 54
RP e: e nesse contexto de definição que você deu qual é o objetivo... do:
CCA/
HM pra mim a principal é: é:... a possibilidade de comunicação\... deles
das pessoas poderem ahn se comunicar\ e s- se comunicando... como uma
característica... s- ah eminentemente social de ter uma uma melhor
participação social na vida em sociedade né/ não aqui restrita ao CCA\
acho que essa é a grande: a grande:... éh o grande objetivo do CCA que
as pessoas possam levar o que elas desenvolvem aqui pro seu convívio
externo... né/ social em geral mais amplo\
Neste exemplo, “se comunicar” é categorizado/predicado como “uma característica
eminentemente social de ter uma melhor participação social na vida em sociedade, né, não
aqui restrita ao CCA, acho que essa é a grande, o grande objetivo do CCA, que as pessoas
possam levar o que elas desenvolvem aqui pro seu convívio externo... né, social em geral,
130
mais amplo”. Aqui, HM se utiliza da negação de uma predicação (“ter uma melhor
participação [social]..., não aqui, restrita ao CCA”) a favor de uma categorização da saída
do convívio no CCA para a entrada no convívio fora do CCA como um “grande objetivo”.
Ora, é necessário lembrar que essa saída do CCA para uma entrada no mundo fora dele
66
traduz um esquema reconhecidamente terapêutico. Essa face terapêutica , marcada no
esquema semântico de movimento (“sair do CCA/entrar na sociedade”) e de porte (“levar o
que desenvolve aqui para fora do CCA”), é declarada pela própria HM: “poderia dizer que
o CCA é esse centro de convivência e que tem sim também uma, um caráter clínico no
sentido terapêutico, né? da da clínica... pra patologia da linguagem e de convivência das
pessoas” (exemplo 53).
Como acontece também na fala de NE, esses dois cenários discursivos (dentro e fora
do CCA) são respectivamente marcados: pelo “aqui” e pelos qualificadores “externo, social
em geral, mais amplo” que acompanham o objeto discursivo “convívio”. Temos, aí,
também, como dissemos, uma esquematização instaurada por um frame semântico de
movimento e de porte (Taking), presente no uso verbal “levar” (levar um objeto – “o que
elas desenvolvem aqui” – para outro lugar – “seu convívio externo”) e no uso verbal do
seguinte exemplo:
Exemplo 55
HM melhora o convívio social\ né/ não fica ali restrito ao CCA\ isso sai\
Essa melhora do convívio social “sai”, “desenvolve-se” dentro do CCA para ser
levado para fora dele. Podemos dizer, assim, que o cenário do mundo de fora do CCA é
marcado discursivamente, neste caso, pela espacialidade discursiva que HM constrói como
“externa”: neste caso, esse mesmo cenário externo que é recusado, por causa de sua
característica de patologização, é também almejado pela pesquisadora, por causa do
convívio social. Em ambos os casos, HM perspectiva-se mais como
66
Esse esquema é plausível no contexto do CCA porque, como lembra Morato (1999), “se a evocação de
diferentes práticas discursivas interessa à análise de processos linguístico-cognitivos, de outro, ela atua
‘terapeuticamente’ na restituição de papéis sociais, na partilha de um espaço simbólico, no fortalecimento de
quadros interativos, na recomposição da subjetividade, na caracterização do CCA como uma espécie de
microcosmo social. O CCA não deixa, assim, de ser terapêutico, no sentido em que as relações humanas
podem ter um efeito terapêutico; ou no sentido em que o reconhecimento dos rituais sociais – a empatia, a
amizade, a ação conjunta, a reflexão – podem ser terapêuticos”.
131
pesquisadora/fonoaudióloga do que como “interlocutora” dos afásicos. Nesse momento, a
evocação do frame terapia é assumida.
Podemos concluir dizendo que, de uma forma geral, na entrevista de HM, existe a
“reformulação” do discurso sobre o afásico, como apontamos mais acima, no sentido de
“normalizá-lo” positivamente (vimos isso, por exemplo, no exemplo 49). A característica
marcante do cenário do mundo externo ao CCA são as dificuldades que o afásico teria em
seu convívio social. A sociedade em geral, nesse sentido, é vista criticamente, como em
oposição ao CCA, considerando que este último é elaborado por HM como um lugar que
procura a cooperação social. Ao mesmo tempo, nas respostas de HM, o convívio social fora
do CCA é almejado como locus de aplicação dos efeitos terapêuticos da participação
efetiva dos afásicos no grupo. Assim, a recusa da evocação constante do frame terapia e a
evocação mesma desse frame em determinados momentos revela o aspecto heterogêneo da
entrevista de HM, considerando suas reformulações, recategorizações, reframings e
alternâncias entre segmentos narrativos/argumentativos.
67
Usaremos, a partir deste trecho, o sinal “>>” para indicar alternância de perspectiva.
132
4.3. AS AÇÕES COGNITIVO-DISCURSIVAS DOS PESQUISADORES
133
Por meio dos comentários analíticos que traçamos em relação à entrevista de HM,
destacamos a presença de vários trechos de natureza narrativa. Muitas vezes, as narrativas
construídas por HM estão imbricadas em sua argumentação. O efeito desses elementos é o
de a entrevista de HM ter um caráter de relato e de elaboração de sua experiência no CCA.
Sua fala acaba sendo reflexiva, o que pode ser percebido por meio de suas formulações
metadiscursivas, que deixam entrever um constante trabalho de construção de experiências,
do CCA, dos afásicos, da afasia e de si mesma. Percebemos que, em sua entrevista, a
construção discursiva do CCA está em tensão com a evocação do cenário do mundo
externo ao grupo. Essa tensão tem a questão da patologização como pano de fundo e
também reflete uma perspectivação social. Por causa dessa questão, HM refaz suas
formulações, procurando evitar refletidamente a categorização patológica, mas também
realiza formulações que não negam a condição patológica dos sujeitos. A construção do
CCA está, nesse ínterim, no contexto da discussão social sobre a afasia e é realizada a favor
de uma interpretação do referido Centro como um espaço diferenciado de convívio social.
Podemos resumir os resultados das análises das entrevistas das duas pesquisadoras
no seguinte quadro:
Quadro 11: Ações cognitivo-discursivas nas entrevistas de NE e HM
Ações Exemplificação
Recategorizações um sujeito diferenciado > um sujeito “igual”;
“como qualquer café” > “como qualquer encontro social”.
“comunidade de práticas” > “família”;
“atendimento” > “acompanhamento”.
Frame-shiftings/reframings Adoção do frame família e do frame comunidade de práticas
Assunção parcial do frame terapia para as atividades do CCA; reframing
de afásico
134
Observando o quadro acima, podemos dizer:
Notemos, com este quadro, que, dentro de um mesmo lugar social, isto é, de uma
mesma perspectiva social, seja a de afásicos, seja a de pesquisadores, podem ocorrer
alternâncias discursivas de perspectivas. A perspectiva social de pesquisador é atestada,
assim, pelas seguintes ações convergentes, como vemos resumidamente no quadro abaixo:
135
Quadro 12: Convergência de ações cognitivo-discursivas entre as pesquisadoras
Ações Exemplificação
Categorizações “afasia”, “afásicos”, “comunidade de práticas”,
“pressupostos”, “quadros mais individuais”
Esquematização de ação unilateral (por meio de “ajudar eles”; “um grupo onde tem muitos que
frames semânticos) possam ajudar”
Evocação do frame terapia (por meio de diferentes “voltar a interagir”; “isso sai”; “levar o que
frames semânticos) desenvolveu aqui”
136
Capítulo V
Nos dois últimos capítulos desta dissertação, reservados às análises dos dados,
pudemos visualizar a convergência de ações cognitivo-discursivas tanto entre os afásicos
LM/MN quanto entre os pesquisadores NE/HM. A nosso ver, essas ações cognitivo-
discursivas convergentes indicam o compartilhamento de experiências sociais comuns
anteriores e em progresso na participação no grupo, isto é, a alocação em perspectivas
sociais semelhantes, nomeadamente como afásicos ou como pesquisadores.
137
perspectival entre os subgrupos, mas, com nossos resultados, ainda não conseguimos
visualizar muitas ações cognitivo-discursivas convergentes.
138
As ocorrências nas entrevistas dos sujeitos pesquisadores de determinados processos
não aparecem com a mesma força nas entrevistas dos afásicos. As “re-ações”
(recategorizações, reformulações, frame-shiftings e reframings) têm a característica de
estarem motivadas, no caso das entrevistas com os pesquisadores, por uma macroação
discursiva de formulação e reformulação de conhecimentos sobre a afasia e o afásico em
contraponto aos que os categorizam e os perspectivizam a partir de um frame
estigmatizante.
139
interativos divergentes são ações cognitivo-discursivas que indicam que os processos
observados tomam como ponto de referência perspectivações sociais relativamente
diferentes, grupalmente relevantes, que, por sua vez, amalgamam experiências e papéis no
grupo.
140
Assim, se, tanto para Mead (1932; 1934) quanto para Tomasello (2014), os grupos
sociais compartilham a mesma perspectiva, e considerando que nossos resultados indicam
que as perspectivas sociais influenciam, de alguma forma, a emergência de determinadas
ações cognitivo-discursivas, é esperado que essa perspectiva grupal comungada, mesmo
com a heterogeneidade de experiências pregressas, esteja marcada cognitivo-
discursivamente pelos sujeitos das entrevistas na forma de ações convergentes, tal como
ocorre nas duas perspectivas intragrupais encontradas. No entanto, a única ação cognitivo-
discursiva convergente entre os sujeitos afásicos e pesquisadores que conseguimos destacar
é a instauração de frames semânticos, tal como mostra o quadro abaixo:
Quadro 14: Ação cognitivo-discursiva convergente entre os sujeitos do CCA
Ação Frame semântico Exemplificação
Esquematização grupal de ação Assistance “Ajudar eles a ler jornal”
pesquisador => afásico “Ajudar”
“Isso ajuda muito eles”
“Ajuda muito essas pessoas”
“O CCA ajuda muito assim [os
afásicos]”
“Aqui tem me ajudado bastante”
“Vocês ajudam, né?”
“Vocês dão toda força pra gente”
Request (ou “Eu faço o que me mandam”
Pedir_Asking) “Não mandam eu fazer mais
nada”
“Falam pra eu vir”
Embora essas ocorrências sejam numerosas, elas fazem parte de apenas um tipo de
ação: a esquematização de ação unidirecional. Além disso, essas ocorrências instauram uma
esquematização grupal em que não há a tomada da perspectiva de um subgrupo por outro.
Nos casos mostrados, embora afásicos e pesquisadores instaurem essa mesma
esquematização, eles o fazem a partir de perspectivas discursivas diferentes. De qualquer
forma, essas perspectivas possuem reciprocidade ou coesão perspectival, tal como
mostramos abaixo, nesse quadro (gerado pela observação dos quadros 10, 12 e 14):
Quadro 15: Coesão entre perspectivações
Divergências Expressões referenciais, evocação de frames, tipos de discurso e
macroações sociocognitivas
Coesão Ação unidirecional pesquisadores => afásicos;
141
A coesão entre as perspectivas dos afásicos e dos pesquisadores em suas entrevistas
ocorre por meio do esquema de ação unidirecional pesquisadores => afásicos. A diferença
na elaboração desses esquemas está justamente na perspectiva tomada. Considerando a
fórmula A => B e usando as expressões verbais dos sujeitos, podemos ver que, apesar de
afásicos e pesquisadores estarem situados no mesmo esquema elaborado de ação
unidirecional, os pesquisadores falam a partir do lugar social dos “ajudantes” (A) enquanto
os afásicos falam do lugar social de quem é “ajudado” (B). Assim, essas perspectivas
divergentes se encaixam uma na outra em uma relação de coesão.
A observação da interação de pessoas não afásicas com sujeitos afásicos nos leva
a admitir que, entre as possibilidades de troca e influência mútuas, encontramos o
silêncio pesaroso, a dessimetria interlocutiva, a ineficácia comunicativa. Nossa
observação da dinâmica de funcionamento do CCA não qualificaria o tipo de
interação entre pessoas afásicas e não afásicas como implacavelmente
assimétrico, desigual, finalisticamente orientado.
A rigor, mesmo que os não-afásicos disponham de uma atitude de empatia básica
com os sujeitos afásicos, o CCA não é diferente de outros grupos sociais que se
constituem para enfrentar questões de interesse comum e que em torno disso
costumam definir sua identidade. O que pode fazer a diferença aqui é a
consideração crítica das condições de produção dessa interação, a postura ético-
discursiva que marca as ações dos não-afásicos em relação aos afásicos e a
atitude dos afásicos e seus familiares com relação a diferentes situações que
enfrentam cotidianamente.
142
Observamos, por meio da análise da evocação de frames por meio de e em conjunto
com outras estratégias textual-discursivas, uma ocorrência de convergência entre as ações
de LM e MN e de NE e HM, além de divergência e coesão entre as ações dos afásicos e dos
pesquisadores nas entrevistas. Assim, apesar de os sujeitos partirem de diferentes
perspectivas, a coesão entre elas permite/reflete o não conflito total e a coesão social do
grupo ou comunidade.
143
posição e continuar incapaz de ver quaisquer aspectos diferentes do habitual, mas posso
também ser capaz de tomar outra posição e experenciar, assim, uma alternância de
68
perspectiva” (GRAUMANN & SOMMER, 1989: 37). Para Sandig (1996), há a
perspectiva do sujeito, a perspectiva derivada do outro e a perspectiva geral e comum dos
outros. Para ela, podemos alternar de uma perspectiva para outra, também, de acordo com
gênero, status social, profissão, etc., bem como essa alternância pode se dar no fluxo do
texto. O que destacamos em nossos dados é a alternância, sequencialmente no mesmo texto,
não exatamente para a perspectiva do(s) outro(s), mas para outra perspectiva de si mesmo,
tal como a tomada da perspectiva de um dos papéis sociais do próprio sujeito (SANDIG,
1996). Essa questão da alternância perspectival considera as experiências sociais
vivenciadas.
Além disso, experiências sociais são recuperadas na relação com a interação social
em questão, em função da qual ocorre a emergência de segmentos metadiscursivos,
recategorizações, metaformulações, frame-shiftings que envolvem a centração em uma
situação de entrevista controlada, a existência de frames, enquadramentos e representações
sobre o CCA.
68
“I may adhere to one position and remain unable to see any aspects other than the habitual one, but I may
also be able to take another position and then experience a shift of perspective”.
144
são possíveis se houver significados sociais relacionados aos sentidos evocados. Na fala,
certas expressões referenciais, por exemplo, evocam certos frames relacionados a
determinados papéis. É assim que, de acordo com Aebischer & Oberlé (1998), os papéis
podem ser objetos de interpretação. No entanto, mesmo que determinado sujeito alterne no
discurso entre diferentes adoções de perspectivas, a sua perspectiva social permanece quase
indelével, convergindo ou divergindo das perspectivas sociais dos outros sujeitos.
145
146
CONCLUSÕES
É claro que a experiência de ser afásico e a experiência de ser pesquisador não são,
em seus aspectos sociais, de mesmo nível. Não podem ser socialmente analisadas da
mesma forma, pois são de naturezas diferentes e estão fundadas em histórias de vida de
diferentes dimensões. A atividade de pesquisa científica fundamenta-se na instituição
universitária e é uma etapa da formação profissional dos indivíduos que a desempenham. Já
a afasia não consiste em uma atividade social, tal como a atividade de pesquisa, pois se
define como uma patologia que atinge indivíduos de diferentes ocupações e está submetida
aos conhecimentos sociais concernentes a essa patologia. O que observamos, no entanto, é
que o CCA, enquanto grupo social, promove o encontro dessas experiências diversas.
A afasia, como questão social, e a atividade de pesquisa podem ser consideradas, no
CCA, experiências sociais relevantes.
As evocações de frames, de uma forma geral, podem ser vistas como organizações
sociocognitivo-discursivos das experiências sociais gerais e das estruturações sociais nas
quais o sujeito participa socialmente. Podemos ver que, a depender da distribuição de
papéis sociais dentro do grupo, diferentes frames podem ser evocados e diferentes atitudes
perante esses frames são observadas. Assim, os frames podem nos contar muito sobre a
organização dos papéis sociais da comunidade e sobre os conhecimentos evocados pelos
sujeitos ao falarem dela.
147
Esses movimentos nos levaram a identificar uma dinâmica de perspectivas operada
pelos sujeitos. Essa dinâmica é uma amostra dessa “arena de disputas de sentido”
(BAKHTIN, 1929; 1986), em que os integrantes “compartilham ou não os mesmos
pressupostos culturais, avaliam os limites e alcances de opiniões próprias e alheias, e fazem
a troca de diferentes experiências e perspectivas se tornar capaz de alterar pontos de vista”
(MORATO, 2007: 52).
148
com os objetivos declarados do CCA (se os sujeitos, por exemplo, têm ou não que evocar
esses frames) o que indicam a estabilidade do grupo, ou seja, a qualidade de suas
interações, mas, sim, por exemplo, a coesão entre as diferentes perspectivações sociais dos
sujeitos no grupo. Assim, se imaginarmos a ocorrência de evocações de frames como
guerra ou corrupção, é a coesão entre as perspectivas dos sujeitos que podem falar de uma
suposta organização ou desorganização social, em grupos sociais políticos, por exemplo.
Esse é um dos “ganhos heurísticos” (no dizer de Bassi (2005)) de nosso estudo: a
estabilidade existente na própria relação entre as perspectivas dos afásicos e dos
pesquisadores, uma relação de coesão na divergência: a perspectiva dos afásicos exige a
reciprocidade dos pesquisadores, para que esteja marcada a coesão social. Pautados em
Tubero (2006), podemos dizer que a divergência de perspectivas sociais não é uma
razão para crer em algum tipo de processo dissociativo existente no grupo do CCA. O
grupo, mesmo com a ocorrência de ações diferentes, é capaz de fabricar produtos sociais:
149
uma determinada comunidade de práticas, de uma determinada comunidade
discursiva. (TUBERO, 2006: 266-267)
Assim, as diferentes perspectivas sociais dos afásicos e dos pesquisadores, que são a
contraparte social da divergência intragrupal entre as ações cognitivo-discursivas
identificadas, “não impede[m] que os integrantes do grupo reconheçam o papel que cada
um exerce no grupo, e também o papel do CCA no cotidiano individual” (MIRA, 2007:
45), nem impossibilitam a construção conjunta de produtos sociais de diversas naturezas
tais como o livro “Sobre as afasias e os afásicos” (MORATO et al, 2002) e as edições do
69
“Jornal do CCA” , objetos sociocognitivos, discursivos e interacionais, como common
ground (CLARK, 1996), patrimônios epistêmicos (compartilhados na interação, por
exemplo), recursos interacionais e discursivos comungados (TUBERO, 2006; MIRA,
2007), e empreendimentos comuns (WENGER, 1998), como os efeitos terapêuticos da
retomada do convívio social e da “melhora da afasia”. Uma questão que precisa ser
investigada é se a possibilidade da produção desses objetos sociais está, também,
reverberando na existência, observada por nós, de coesão de perspectivas.
69
O Jornal do CCA, já em sua sétima edição, é elaborado conjuntamente por pesquisadores, afásicos e
familiares e traz textos de diversas naturezas: jogos, sugestões culturais, pequenos relatos de experiência, etc.
150
coesão de perspectivas. Procuramos relacionar esses processos cognitivos e ações textual-
discursivas com as experiências sociais por meio da noção de perspectiva social. Nossa
expectativa era obter, por meio das entrevistas realizadas, estruturas discursivas que
permitissem a evocação de frames, e movimentos discursivos de construção do CCA, que
os sujeitos indicariam nas entrevistas e que trariam construções referenciais de entidades e
relações entre os elementos dos frames inesperadas, o que corroboraria a tese da
criatividade sociocognitiva (MARCUSCHI, 2002), segundo a qual os sujeitos imprimem
subjetividade à sua produção discursiva. A ideia era a de que, ao mesmo tempo em que o
CCA possui ações estruturantes de planejamento das práticas sociointeracionais e
discursivas (em suma, organizacionais), os membros do grupo procuram formas criativas
de construção discursiva.
151
Nossa observação identificou diversas formas de representação do CCA, quais
sejam como um espaço de aprendizagem, um espaço de papéis sociais hierarquizados ou de
cooperação social, identificadas com a ajuda, por exemplo, dos frames evocados, como
escola, aula, terapia e família. Esses frames evocados, bem como os frame-shiftings e as
alternâncias de perspectivações discursivas operadas por recategorizações e
metaformulações, embora demonstrem a dinamicidade discursiva, não são aleatórios.
Podemos dizer que, ainda seguindo a tese da criatividade sociocognitiva, essas evocações
criativas não podem ser consideradas como meras irregularidades sociais, ou como
fabricações estritamente imaginativas da realidade social. Essa criatividade está pautada na
experiência concreta de interações sociais que possuem poder de reverberação discursiva.
152
Em termos sociais, a heterogeneidade pode ser vista como um possível fator de
instabilidade das relações sociais, pois incide sobre o empenho de conviver na diferença.
Nesse sentido, um problema geral, não restrito à realidade do CCA, para cuja exploração
esta pesquisa colabora é: como um grupo estável lida com essa heterogeneidade que lhe é
constitutiva. Este trabalho ainda não responde a esse problema de forma completa, mas a
observação de diferentes perspectivas sociais nos quais os sujeitos do CCA se organizam é
um importante achado para que esse problema possa ser tratado de forma mais
esclarecedora.
Koven (2011) postula que investigar como pessoas repetem os mesmos fenômenos
“em diferentes contextos pode revelar como elas criam ligações” entre esses contextos de
modo que “a história perdure para além de interações particulares” (KOVEN, 2011: 87) 70,
e adiciona que pesquisadores devem “indagar se seus registros também capturam em outros
momentos as interações que eles encontram – ou seja, se estas ‘repetem’ os fenômenos de
interesse” 71.
70
“Investigating how people repeat the same story across contexts may reveal how they create interdiscursive
links across encounters (Agha 2006), so that the story appears to perdure beyond particular interactions”.
71
“Even researchers who intervene minimally in the interactions that they document must ask whether their
recordings capture such interactions at other moments – that is, whether they ‘repeat’ phenomena of interest
(‘content’ and/or discourse strategy)”.
153
de vista comum” do grupo: tal construção talvez possa ser mais bem observada, também,
nos próprios encontros do CCA em si, tomados como objetos de análise, a fim de averiguar
a ocorrência das perspectivas que encontramos em situação de entrevista, observando,
nesse caso, as particularidades das duas situações (entrevista e conversação face a face) no
que diz respeito à identificação de diferentes perspectivas discursivas e sociais dentro do
grupo, observando, para o caso de interações inter-sujeitos dos encontros do CCA, as
considerações teóricas e metodológicas que realizamos neste trabalho. Nos dizeres de Mira
(2007: 35):
Poderíamos aventar outros fatores possíveis para o “contrato” grupal do CCA, que
devem ser considerados na descrição de grupos sociais, tal como a relação institucional,
que constitui uma oferta social, e tal como a demanda existente para a manutenção do
grupo, como as motivações sociais e individuais de participação existentes dos
pesquisadores e dos afásicos no grupo. Nossos resultados enfatizam os aspectos
heterogêneos que habitam em sua organicidade, isto é, aspectos da heterogeneidade social
de que fala Morato (2007). Propomos, assim, que a questão dos potenciais fatores de
instabilização constitutiva da estabilidade grupal pode receber nova luz se resgatarmos
algumas compreensões dos estudos da noção clássica de grupo social (LANE, 2004).
Considerar o grupo significa considerar elementos que colaboram para a formação e a
manutenção de sua organicidade.
Lane (2004), por exemplo, além de colocar o grupo como um processo social, ou
seja, como algo que deve ser concebido em sua história como grupo, também mantém o
destaque na função das forças sociais na formação de sua organicidade (SCHOSSLER &
CARLOS, 2006: 159). Lane (2004: 81) se posiciona contra uma postura segundo a qual a
função do grupo seria apenas a de “definir papéis e, consequentemente, a identidade social
dos indivíduos” ou “de garantir a sua produtividade, pela harmonia e manutenção das
relações apreendidas na convivência”. A autora levanta a importância de enfatizar o caráter
154
mediato do grupo na relação dos indivíduos com a sociedade, assim como defende também
Pichon-Rivière (1994 [1980]), “enfatizando o processo pelo qual o grupo se produz” e
considerando as “determinantes sociais mais amplas, necessariamente presentes nas
relações grupais” (LANE, 2004: 81). Uma das premissas de Lane (2004: 81) é a de que o
significado da ação grupal só pode ser encontrado dentro de uma perspectiva histórica que
considere a sua inserção na sociedade, com suas influências institucionais, ideológicas e
(inclusive) econômicas.
155
Nosso estudo torna visível, também, o campo das noções resgatadas por Hanks
(2008) de relevância topical, interpretativa e motivacional:
156
Também a noção de incorporação (HANKS, 2008), por sua vez, subjaz aos achados
deste estudo (e também se mostra importante para os estudos de grupo social) no sentido de
colaborar para a compreensão da dialética ação/sociedade. Uma forma de considerar
processos de diferentes escalas nas análises das interações sociais é proposta de forma
integrada por Hanks (2008), através das noções de incorporação e emergência, que nosso
trabalho dá visibilidade da seguinte forma.
157
A presente pesquisa, que toma o CCA como objeto de observação, observando o
que dizem seus sujeitos e a maneira com que o dizem, pôe em discussão as relações entre
estabilidade e instabilidade que coexistem em um grupo social, e a forma com que
processos sociais de larga escala contribuem para a estabilidade grupal e para a produção de
processos cognitivo-discursivos, apesar da heterogeneidade supostamente
desestabilizadora. Pudemos perceber, em nosso estudo, contemplando a observação da
relação dialética discurso/sujeito/sociedade, principalmente as histórias (pessoais e grupais)
e os processos ideológicos, os conhecimentos, papéis e perspectivas sociais mobilizados
pelos sujeitos e o contexto social da afasia nas palavras dos afásicos e dos pesquisadores no
estabelecimento de um forte quadro social estabilizador do CCA.
158
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168
APÊNDICE
I. Protocolo de entrevista
169
V- Experiências pessoais no 9.O que você tem aprendido na sua 9.O que você tem
CCA experiência como participante do aprendido na sua
CCA? experiência como
participante do CCA?
10.Pode contar para mim um fato 10.Pode contar um fato
marcante que você tenha vivido no marcante que você tenha
CCA? vivido no CCA?
11.O que os integrantes do CCA têm 11. O que os integrantes
em comum? E o que têm de diferente? do CCA têm em
[a resposta a essa questão deve indicar comum? E o que têm de
as semelhanças e diferenças entre as diferente? [a resposta a
formas com que os integrantes essa questão deve
interagem entre si e/ou o elemento indicar as semelhanças e
comum que lhes dá sentido de diferenças entre as
pertencimento ao grupo] formas com que os
integrantes interagem
entre si e/ou o elemento
comum que lhes dá
sentido de
pertencimento ao grupo]
12.O CCA se parece com algum outro 12.O CCA se parece
grupo que você já participou na vida? com alguma outra
experiência social de
grupo que já teve ou tem
na vida?
13.Você acha que participar do CCA 13.Você acha
é algo importante para quem tem importante a experiência
afasia? Por quê? do CCA para uma
pessoa afásica?
VI- Impactos do CCA 14.Como sua família ou amigos
vê(em) a sua participação no CCA?
15.A experiência do CCA tem algum 14.A experiência do
impacto ou influência na sua vida? CCA tem algum
Quais? De que forma isso pode ser impacto na sua vida ou
notado? na sua formação
16.A participação no CCA tem algum acadêmico-científica?
impacto sobre a vida dos demais Quais?
integrantes do grupo?
15.O CCA tem algum
impacto sobre os demais
integrantes do grupo?
Quais? De que forma
isso pode ser notado?
VII- Avaliação da dinâmica 17.Você acha que os integrantes do 16.Você acha que os
interacional do CCA CCA se dão bem entre si? Por que integrantes do CCA se
você acha isso? dão bem entre si? Por
que você acha isso?
18.O que você acha da frequência 17.O que você acha da
com que o grupo se reúne? Deveria se frequência com que o
170
reunir com mais frequência ou grupo se reúne? Deveria
menos? se reunir com mais
frequência ou menos?
19.O que você acha do tempo de 18.O que você acha do
duração dos encontros do CCA? tempo de duração dos
Apropriado, muito curto ou longo? encontros do CCA?
171
II. Segmentos narrativos das entrevistas de LM e de MN (com alguns dos
segmentos narrativos de MN em itálico, quando imiscuídos no texto, e com
alguns dos seus comentários em negrito)
LM MN
1. RP hum e: você: como foi 1. RP ah tá... e: a senhora
que você conheceu o lembra: quanto tempo a
CCA/... você lembra/ senhora: tá aqui no CCA/
LM lembro... lembro: des- MN desde que eu tive o:...
quando a: a Duda... eh o derrame mas n- n- n- num
desde: de lá... de cima fiquei\ sempre eu fiz
do... hospital tratamento aqui... mas
RP hum você conheceu ela nunca foi:... como é que eu
lá/ vou dizer/... n- num foi no
LM isso... hum-hum ainda: mesmo lugar... eu [eu]
não tinha... aqui [não RP [hm sei]
tinha] MN eu fiz tratamento com
& uma f- faladeira c- com uma
RP [ah] portugue:sa\ com falava
LM & construído portuguê:s... éh fiz
RP ah... e: você:... eh: primeiro fiz não sei
quem foi que falou pra quantos me- quantos anos ou
você sobre o CCA foi ela/ quantos meses éh eu fiz
(...) tratamento +lá em cima+
LM [hum-hum]... viu/ mn +((levanta o braço
RP e ela falou o quê/... esquerdo procurando indicar
exatamente a direção do Hospital de
LM (2s) falou que: ia: Clínicas da UNICAMP))+
construir... aqui... e que &
ia ser muit- muito bom... MN pra cima do hospital...
pra nós tudo RP a senhora não lembra o
ano/
MN hã/
RP o ano... a senhora não
lembra/
MN o an- não\ foi se-
172
seguindo eu eu eu lembro o
ano que eu fiquei doente
mas do resto eu não lembro
mais\
RP qual fo- quan- quando
foi/
MN e- e- eu fique:i fui
parar no hospita:l... ah
no: (4s) ah n- dia vin- éh
no dia: mil novecentos... e
no- ah noventa e oito/...
mil oitn- e: oitenta e
nove/ (2s) ai agora já...
mas a e- e- eu tenho lá
marca:do te- te tem lá
marcado lá num papel o o tá
lá o papel os papéis tudos
do do do... do que eu fiz
ma- eu fiz tra- tenh- feito
sempre tratamento e n- cada
vez tô pior cada vez tô
pior... do que:
2. ó... teve:... teve:... há 2. RP ah ele estudou aqui/
muito tempo... que:... MN é: estudou aqui\
que:... éh... vocês e... a RP e aí ele ficou sabendo/
Duda... e teve: um tempo MN éh e- eu tava... a:
que dava: aulinha de: cai:ndo até cair a::: aí
computador\ ainda me lembro chegaram no
hospital mas depois e-...
RP hm
MN fiquei... acho com onze
ou doze dias de n- éh:...
fora de mi:m... assi:m...
sei lá co- co- co:
RP não mas eu quero: eu
queria sabe:r assim como
173
foi que a senhora ficou
sabendo do CCA... aqui do
grupo a E- com a EM
MN ah isso foi... não sei
n- éh éh eu fui e- eu vim
pra aqui... e- eu... eu
fazia tratamento com uma
professora lá... na na
na... no prédio onde está o
CCA né/
RP o o o hospital/
MN sim... e- e- eu fiz
tanto tratamento que depois
eu não sei a: quando é que
eu vim pra aqui\
RP hm
MN quando é que me
mandaram pra aqui\
3. ih isso aí... já faz... 3. primeiro era era todo
vinte e sete ano... tratamento daqui dos médicos
quando: comecei aqui... daqui... depois eles foram...
éh:... falava na:da... da:ndo... p- passando papéis pra
éh:... l- m- r-... éh... eu arrumar outros... outro médico
em vista de hoje... eu:... arrumei um médico de...
tô bom... éh... não lida coraçã:o... arrumei um médico...
na:da\... assim de de de de tudo de de de
de doencinhas... pior ba ah num
sei falar\
4. ah eu:... sempre sempre... 4. RP o que que a gente faz no
eh... você você:s... já... jornal/... como é esse jornal/
passou u:m... uma par- MN ah bom e:: n- num s- hm eu
muitas um umas par de sei lá éh e- e:u: a última coisa
pessoas... que: que f- foi... fiz um um um canteirinho
que: que faz o que vocês lá no quintal e plantei couves...
faz... bastante gente... e e e e: lá está\
importante viu... que RP no jornal/
174
foi:... legal\ MN ah éh no jornal mas éh fiz um
canteirinho no no quintal e lá
está eu cavando cavando ((risos))
no jorna:l... eu não sei se isso:
se vale a pena\
5. eh:... antes... de v- de 5. RP hum-hum... tem alguma
vocês... você e a: duas... atividade que a senhora gostaria
N... pare- eh:... te- de fazer e que a senhora já
teve... uma: uma moça... pensou em fazer mas que a gente
que foi minha: ainda não fez/
professora... chamava:... MN ah ((pigarro)) tem\ éh eu não
E. se:i não sei agora o... quê
que... o que é que:... não sei
dizer o nome\ primeiro ficava
assim numa sala como essa depois
vinha a a professora aqui falar
comigo depois foi... passei pra
lá ela: não veio mais (2s) ela já
o encontrei aqui várias vezes
umas duas ou três vezes... ela me
cumprimenta eu cumprimento ela
tudo... mas num num sei quê que
ela vem fazer porque vem com
certeza vai dar aula a outras não
sei éh o quê que é (nenhuma)
delas num fica junto\
6. LM ah então éh... ah: 6. olha já já já morreu um um um
antes... professora... senhor... que morava ali na... na
teatro né/... era... na Vila Nova... quando a gente
legal... agora... vai indo... (onde el- t- ma vez
entrou... JC... mais legal lá) té levou de ca:rro... e ele
ainda ((risos)) m- morreu já vinha sempre e
RP ((risos)) e:... e teve morreu e... e não sei quem é que
outras mudanças/ por mais... eu já a caduquei há
exemplo/ tantos anos que hm hm num sei...
LM hm (3s) ah: viu/...
175
ah:... éh:... antes das
N... e você... a gente
tinha:... uma hora... de
aula... parti- éh... de
aula:... sozinho eu e
você... tinha: éh: cada um
ia: numa sala sabe/
RP hum-hum\
LM tinha uma hora... de
aula: part- par-
particular
RP hum-hum\
LM éh... aquilo lá também
me: ajudou
RP hm
LM sabe/
RP hum-hum\
LM agora: não sei é:
porque que: entrou... não
tem mais... aula
particular\
7. RP e antes de você ter o 7. MN p- ticipei... de um
derrame você frequentava grupo... da da minha igreja
outros grupos/ h- h- greja (dava... eteze)
LM °nossa ó ixe maria°... é sim he he igreja... num
eu... frequentava... todos tem igreja... rupo... do
[((risos))] do... da (2s) ha ai num sei
RP [((risos))] por dizer... ah ma- ma- mas vai
exemplo sair... péra... é o grupo
LM hã/ da i-... da da doutrina
RP por exemplo espíri[ta]
LM ah nossa... gostava... RP [ah sim]... e: tem esse
muito de ir... em grupo né que a senhora
ba:ile... éh... praia participou/
também\ MN participei mu:itos anos
RP hum-hum... mas tinha agora eles já me só isseram
176
algum grupo que você pra eu ir só pra tomar
reunia sempre as mesmas passe... num num num num me
pesso:as/... tinha/ aceitam mais pra trabalhar\
LM ah... nã:o... viu/ RP e tem outro grupo que a
tinha alguns cole:gas senhora participou/
sabe/... mas mais era... MN acho que não\ foi esse
com... mulher\ e e: e aqui um num num num
RP hum-hum lembro mais nada não\
LM éh... bom demais
((risos))
- 8. MN a SI\... coitadinha
ela:... mas quê ela faz
aqui/ ela: num num nu:m num
aprende nada num num ah
+tem este bracinho+
mn +((indica o braço
direito, puxando-o de cima
da mesa para trás))+
MN quas- quase... hoje eu
estive a levantar levantar
+este m- estava assim um
pouquinho quando este
estava assim+
mn +((mantém um dos braços
levantados))+
MN ... ela via mexer pelo
menos os dois\
hm +((levanta e abaixa
várias vezes os dois braços
com as mãos semicerradas))+
RP mas o que que mudou na
vida:... da SI por exemplo/
MN ah na- na- nada já com
quando eu vim pra aqui ela
já estava aqui\ daí xxxx
agora
177
RP e nos outros
integrantes/... depois que
veio pra cá/
MN ... eles estão mais...
cada vez tão... mais...
caídos\
RP mais o quê/
MN mais caídos\ ((risos))
RP caídos/
MN assim como eu q-
RP mas mas por causa da
participação no grupo/
MN nã:o eu vim éh eu já
fui umas poucas vezes pro
hospita:l... e não foi nada
daqui... fico lá no
hospital fico lá: lá me
tratam então pois mandam
pra casa e eu já voltou ah
pra vim pra aqui... mas...
ai meu deus do céu eu não
sei explicar nada\
- 9. MN no começo não tinha
o jornal\ no começo foi
qua- quase quando quando eu
a- aqui\ éh éh começaram a:
a foi o o: o seu SP e
outros assim... e... qu-
qu- que estavam aí\ o o:
seu SP é um dos dos
primeiros que eu quando ah
ah eu vim eu pensava que
ele era que ele era
ajudante... ah d- d- d- d-
do professor do professora
hm que ele era ajudante
178
depois eu percebi que que
não era que também era...
que (também) trabalhava
ele:: fazia tudo fazia tudo
pra gente... a- agora...
o:... depois veio o
jorna:l... acho que ainda
tenho o primeiro jornal que
veio... e: hm não tem tido
+quase a mesma co:isa+
mn +((dá de ombros))
RP hum-hum\
MN hm agora tem mais m-
mais... mais carro na rua
isso tem muito mais carro
na rua do que que tinha\
- 10. eu ti- trabalhava pra
fora trabalha ah... ajuda-
era: ah costure:ira... e
aprendia a fazer assim...
era: costureira... e não
sei quê lá... que eu
fazia... éh éh:
costureira...
especializada... éh não sei
como é que chama...
179
III. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Objetivo: Esta pesquisa procura contribuir para o entendimento da forma com que os
integrantes do Centro de Convivência de Afásicos se referem direta e indiretamente ao
próprio CCA, a si mesmos e aos outros integrantes em suas falas, ou seja, como as suas
falas permitem que saibamos a forma como pensam sobre o CCA, observando o fato de que
o CCA se trata de um grupo social. Esta pesquisa procura também discutir como essas
formas de falar sobre o CCA se relacionam com a maneira com que o grupo foi e vem
sendo constantemente organizado, e com a maneira com que os participantes se veem.
180
deles no CCA, totalizando cerca de 1 (uma) hora de entrevista para cada voluntário,
presenciada apenas pelo pesquisador entrevistador. O que será analisado nas
Garantia de sigilo: Os sujeitos terão garantia de sigilo. Sua identidade será preservada
utilizando somente duas iniciais do nome completo.
181
pesquisa que será desenvolvida, e autorizo o estudo das respostas que darei às perguntas da
entrevista prevista na pesquisa, além da filmagem da entrevista, do arquivamento da mesma
e da divulgação dos resultados da pesquisa em uma dissertação de mestrado, incluída a sua
defesa pública, e em eventuais trabalhos científicos, sem que minha identidade seja
divulgada. Após ser esclarecido sobre as informações da pesquisa que estão neste
documento, assino abaixo, em duas vias, uma para mim, outra para o pesquisador que me
apresentou este termo.
182
ANEXO
I. Sistema de Transcrição
1. Fenômenos Sequenciais
[ inicio do overlap Exemplo 1:
] fim do overlap MA é
EM [hum
Overlap/encavalamento/superposiçã JM [na:o num ve- n
o de turnos veio\
Exemplo 2:
MA [é u que/]
AN [é intru]so...
2. Pausas
Qualquer pausa ... AN é intruso...
já saiu
Pausas prolongadas medidas em (4s) MG a: nã:o (4s) a
a a era-
segundos
3. Fenômenos segmentais
Alongamento Silábico : MG a: p-
prefessora num
veio\
Truncamento de palavras - MG a: p-
prefessora num
veio\
4. Prosódia
Entonação crescente/ascendente / EM ela falou pra
mim/ ... ela
tem um paciente
fazendo uma
cirurgia\
Entonação decrescente \ EM ela falou pra
mim/ ... ela
183
tem um paciente
fazendo uma
cirurgia\
Ênfase particular Segmento AD no::ssa/ issu
sublinhado ai oh/ que: que
é isso hein/
Volume forte de voz Segmento em EM a dona ROSAUra/
MG é::
MAIÚSCULA
Volume baixo, murmúrio de voz ° ° Ma °num° conhece o
limo°xxx xxx°
5. Descrição de ações e eventos não
verbais
Em itálico e entre parênteses duplos ((descrição)) MH pra carregar
trouxa\
encontram-se as descrições de
MA ((risos)) aí tá
fenômenos e atividades não certo
transcritos, como risos, leitura,
mudança de lugar, saída da sala,
conversas de fundo não transcritas,
etc.
6. Incertezas do trancritor e
imprecisões
Entre parênteses, transcrição de (hipótese do que se MA depois chegou
uma mãe com uma
hipótese de segmento ouvido pelo ouviu)
(criança)/
transcritor. A marcação indica MH a gente fazia
incerteza do transcritor quanto à (hipótese 1/hipótese (trouxa/colcha)
oitiva do segmento produzido. 2)
Segmentos inaudíveis Indicar com x, AD mas ela num
correspondente xxx/
MA não xx ali hum/
sempre que possível,
ao número de silabas
produzido
7. Descrição de ações concomitantes
à fala (gestos de apontar,
direcionamento do olhar, postura,
expressão corporal, mímica facial,
etc.)
+delimitação da ação MG +é+
mg +balança
descrita na linha
afirmativamente
seguinte relacionada a cabeça+
à fala
----- continuação da MA +a: p-
prefessora n:um
ação
vê::io\+
ma +volta-se para
JM ------------
---+
---- > indica que a DA tá\ (8s) seu
184
ação descrita Valmir/ +eu
continua até quero que o
senhor desenhe
determinada linha para mim aqui
um relógio/
da +entregando uma
folha de papel
+--------------
---
DA ... *marcando
oito e vinte\*
da *faz anotações
no prontuário
vm * -------
desenha--------
--->
8. Marcações gráficas
Comentários que quebram a __ JM Maria Éster...
__dá pra... tá
sequência temática da exposição
longe aí né/ __
Oliveira da
Silva... e ela
também é
coordenadora
Citações literais ou leituras de texto ““ EG aqui... “vimos
por meio
desta... desta
agradecer o
envio dos
livros...”
Continuação do turno de fala pelo & MA sai da[i:: não]
&
mesmo locutor após uma quebra de
IS [eu
linha da transcrição para introduzir não\ to vendo/]
um overlap de outro interlocutor MA &mexe aí
9. Ideofones e Interjeições (extraído
do NURC/SP Nº 338 EF e 331 D2
Para manifestar concordância Hum, hmm, hm-hm, EM num é/
NS °hum-hum°
hum-hum
Fáticos Ah/eh/éh/ahn/ehn/uh JM °eu vi°
EM AHN
n/tá
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185