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Roselane F. Campos
RESUMO
O que podemos constatar é que a “distância” entre creche e pré-escola foi sendo
ampliada ao longo dos anos, denotando uma tendência na política educacional a uma
preferência de oferta educativa às idades mais próximas do ensino fundamental. A
iniqüidade desta situação traduz-se com mais força se confrontarmos o acesso com a
renda familiar: em 2008, apenas 10,2% das crianças pertencentes ao quinto mais pobre
da população freqüentavam alguma creche, elevando-se significativamente esse
percentual entre as crianças do quinto mais rico – 36,2%. Em 2009, essa situação pouco
se alterou: apenas 11% de crianças do quinto mais pobre da população freqüenta a
creche, elevando-se substancialmente este indicador quando se trata de crianças
pertencentes ao quinto mais rico da população: 34,9%. Estes dados são significados
especialmente se considerarmos que quase 70% das crianças de 0 – 6 anos, pertencem a
famílias com renda per capita de até um salário mínimo, portanto, aquelas mais
atingidas pela pobreza (IBGE, 2009).
A situação de profunda desigualdade que encontramos hoje no Brasil,
especialmente no que tange no acesso à educação das crianças de 0 – 3 anos, é também
resultante dos processos históricos que condicionaram o surgimento de uma dualidade
estrutural no atendimento educativo das crianças pequenas: as creches e pré-escolas,
surgiram e foram desenvolvendo-se vinculadas, organicamente, às classe sociais de
pertencimento dos sujeitos aos quais se destinavam (KUHLMANN, 1998). A pré-escola
“dos ricos”, embora oferecida em estabelecimentos públicos, ficou associada no
imaginário social a signos de prestígio, ao passo que a creche foi cunhada como um
“mal necessário”. Esta tensão entre a função assistencial e a educativa, imiscuída na
própria constituição da Educação Infantil, foi em termos da lei superada com a
Constituição Federal de 1988 e com a LDB 9394/96, pela afirmação do direito de todas
das crianças de 0 – 6 anos a educação, incluindo definitivamente a creche na esfera
educacional.
Uma breve análise dos últimos vinte anos força-nos a reconhecer os avanços já
feitos.No entanto, em que pese os avanços já estabelecidos é preciso também confrontar
a situação do atendimento educativo das crianças de 0 – 5 anos e as condições de sua
oferta, examinando assim se as políticas públicas dirigidas a esta faixa etária tem
logrado a democratização desta etapa educativa. Como bem lembra Bobbio (1992, p.
25)
Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas
jurídico e num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber
quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu
fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou
relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para
impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente
violados.
Considerações finais
Florestan Fernandes ao discutir a educação em fins da década de 1950, destacava
os limites das medidas governamentais adotadas à época, ressaltando que estas, embora
aparentemente reformassem o sistema, de fato, mantinham em seu interior práticas
patrimonialistas, que faziam com que a educação se tornasse um mecanismo de
prestigio social acessível a uns poucos privilegiados (FERNANDES, 1966). Para o
sociólogo, a plena democratização do ensino, garantida pela oferta pública e gratuita da
escola para todos, era condição necessária para a abolição das barreiras que faziam da
educação um mecanismo de privilégio social. Alertava ainda sobre a necessidade de que
as condições materiais oferecidas fossem adequadas aos imperativos da tarefa da
formação cultural das novas gerações, tarefa esta que se constituía em sua finalidade
máxima. Para o autor então, não bastava então, apenas o acesso ou a expansão
quantitativa do ensino; embora este fosse um fator importante, não era, no entanto,
suficiente.
Separam-nos pouco mais de meio século das argutas análises de sociólogo
brasileiro. Se progressos foram registrados na educação brasileira e estes não são aqui
negados, foram, no entanto, insuficientes. O retrato disso evidencia-se no descompasso
entre o “peso” do PIB (entre os maiores do mundo) e o IDH brasileiro – 75º posição.
Os indicadores educacionais da população brasileira também não são satisfatórios: em
2009, a população brasileira de 15 anos ou mais de idade tinha em média 7,5 anos de
escolarização. O país levou 17 anos para aumentar em 2,3 anos a média de estudo de
sua população. Esta taxa, no entanto, é diferenciada de acordo com as regiões: no
sudeste a média é de 8,2 anos de estudo, já no nordeste este numero cai para 6,3. Estas
clivagens também são acentuadas quando cruzamos com o indicador classe social: o
quinto mais pobre da população tem em média 5,5 anos de estudo, já o quinto mais rico
tem o dobro, ou seja, 10,7 anos (IBGE, 2010). Estes dados nos mostram que a
persistência do “atraso” educacional revela a incapacidade de o Estado garantir aos
brasileiros aquilo que lhes era garantido por lei: oito anos de escolarização obrigatória.
As crianças pequenas e nos referimos aqui especificamente aquelas entre 0 -5
anos, são as mais afetadas pela desigualdade social. Em 2009, de cada 1.000 crianças
nascidas, 23,59% morrem já no primeiro ano de vida; essa taxa chega a 48,2% em
Alagoas e a 37,9% no Maranhão, taxas próximas aquelas encontradas nos países mais
pobres da América Latina como Bolívia e Haiti 4. Como vimos nos dados apresentados
anteriormente, as crianças que menos acesso tem a creches e pré-escolas são aquelas
pertencentes aos extratos mais pobres da classe trabalhadora. De cada 1000 crianças
entre 0 – 3 anos, em média, pertencentes aos 20% mais pobres da população brasileira,
apenas 110 frequentam creche; já no 20% mais ricos esse percentual sobe a 350, ou
seja, três vezes mais.
Considerando a situação até aqui delineada, apresentamos alguns desafios que a
implementação da obrigatoriedade da pré-escola coloca para governantes e gestores
educacionais. Destacamos dois que consideramos principais: o primeiro, garantir que a
unidade pedagógica da Educação Infantil seja mantida; isso supõe a adoção de uma
efetiva política pública que amplie o acesso e a permanência com qualidade de todas das
crianças de 0 – 5 anos, redobrando ações para recuperar a segmentação histórica que
exclui as crianças de 0 - 3 anos da educação. Tal empreendimento exige que os recursos
destinados a Educação Infantil sejam ampliados, de modo que as metas a serem
estabelecidas no novo Plano Nacional de Educação não se convertam apenas em boas
intenções. Não há dúvidas de que o FUNDEB representou um avanço para toda a
educação básica, particularmente à educação infantil, no entanto, está imiscuído de uma
lógica que tende a induzir o aprofundamento da segmentação já existente entre creche e
pré-escola, fomentando a oferta pública desta última e induzindo a expansão das
primeiras via convênios com instituições privadas sem fins lucrativos. Esta “divisão de
tarefas” entre o poder público e assistência, atinge, sobretudo as crianças mais pobres da
população, (CAMPOS, 2010), estimulando em plena “era dos direitos”, a adoção de
formas barateadas de atendimento educativo a esta população. É preciso não se repetir,
sob nova roupagem, a fórmula tão denunciada na década de 1980: “tratar pobremente a
pobreza”. (FRANCO, 1989)
Um segundo aspecto a ser destacado refere-se a compreensão da própria
obrigatoriedade como meio para democratização da educação brasileira e de modo
particular da educação infantil, evitando-se reducionismos que a tomem apenas como
ampliação de acesso à pré-escola. Isso implica a necessidade de legislação específica
que normatize os termos dessa obrigatoriedade na educação infantil, posto que esta por
sua própria especificidade furta-se a normatização pelos mesmos mecanismos presentes
nas demais etapas da educação básica. Conforme bem destaca Rosemberg (20, p. 173),
a educação infantil,
para o sistema educacional brasileiro público é uma experiência
completamente nova essa de acolher crianças tão pequenas,
especialmente os bebês [...]. Foi a EI que trouxe, para a educação
brasileira, a proposta de educar e cuidar. Seria o cuidar uma função
tão digna como o educar? E como educar crianças tão pequenas? [...]
Tais perguntas e muitas outras que estão vindo a tona desde os anos de
1970 evidenciam a novidade e as perplexidades, as tensões desta
revolução cultural e social na sociedade e no sistema educacional
brasileiro.
NOTAS
1
O Brasil aproxima-se de certo modo, das tendências observadas em outros países latino-americanos que
adotaram também iniciativas de estender a escolarização obrigatória, incluindo algum nível de idade
compreendida pela pré-escola. Do conjunto de países da América Latina, quatorze tem estipulado algum
nível de obrigatoriedade na Educação Infantil. Apenas Brasil, Uruguai e México adotaram-na para
crianças de 4 – 5 anos e 3-5 anos, respectivamente. Países com índices altos de atendimento como Chile
e Cuba, não há obrigatoriedade. Para uma análise da relação e obrigatoriedade e democratização da
educação infantil, cf. CAMPOS, 2010.
2
Todos os dados estatísticos apresentados neste artigo referem-se a taxas de escolarização bruta.
3
Dados apresentados pelo IPEA (2010), baseados também em informações colhidas na PNAD (2009),
porém tomando como referencia o segmento etário de 4 – 6 anos de idade, confirmam também a
persistência desta situação. Considerando todos os extratos de renda per capita familiar, ou seja, do 1º ao
5º quinto, nos período de 1992 – 2010, observamos que esta distância foi diminuindo – passou de 29,8%
em 1992 para 18,4% em 2010..
4
Em Alagoas 68,8% das crianças de 0- 6 anos pertence a famílias cuja renda per capita é de até ½ salário
mínimo; no Maranhão o percentual é semelhante: 65,4%.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
CAMPOS, R. F. Políticas públicas para a Educação Infantil: notas para uma análise das
iniciativas governamentais em países do MERCOSUL. In: XXIV Simpósio e III
Congresso Interamericano de Política Administração da Educação (ANPAE),
2009, Espírito Santo.
UNESCO. Regional overview Latin America and the caribbean. The EFA Global
Monitoring Report 2009. Paris, Unesco, 2009. Disponível em www.unesco.org.
Acesso em 14/06/2009.