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Exercício docente na escola: relações sociais,

hierarquias e espaço escolar

Marieta Gouvêa de Oliveira Penna


Universidade de São Paulo

Resumo

Este artigo apresenta análises formuladas sobre as condições ob-


jetivas de trabalho dos professores, relacionadas ao espaço esco-
lar, às dificuldades por eles enfrentadas no trato com os alunos,
à existência ou não de autonomia na condução das tarefas em
seu cotidiano e ao estabelecimento de hierarquias nas relações
estabelecidas na escola. Trata-se de parcela de resultados obtidos
quando da realização de pesquisa para elaboração de tese de
doutorado. Os dados foram coletados em 2005, por meio de en-
trevistas semi-estruturadas com dez professoras do ciclo I do
Ensino Fundamental em duas escolas públicas estaduais paulistas,
além de direção, coordenação, pais e alunos. A análise das con-
dições de trabalho dos professores evidenciou que socialmente
essa função não possui prestígio. No entanto, mesmo sendo fun-
ção desvalorizada socialmente e em face às difíceis condições
objetivas a que estão submetidos como, por exemplo, a falta de
autonomia para a condução de seu trabalho, para os professores
exercer docência significa valor, não só em razão de ganhos eco-
nômicos advindos com o salário recebido, mas especialmente em
decorrência do capital simbólico que capitalizam nas relações de
distinção estabelecidas na escola. Além disso, exercer a docência
significou elevação concreta do capital cultural dos professores,
ao se levar em consideração suas famílias de origem.

Palavras-chave

Cultura escolar — Habitus do professor — Função docente — Espaço


escolar.

Correspondência:
Marieta G. de Oliveira Penna
Av. da Universidade, 308
05508-040 – São Paulo – SP
e-mail: marieta.penna@usp.br

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.3, p. 557-569, set./dez. 2008 557
The exercise of teaching in the school: social relations,
hierarchies, and school space

Marieta Gouvêa de Oliveira Penna


Universidade de São Paulo

Abstract

This article describes analyses made concerning the objective


working conditions of teachers, as related to the school space, to
the difficulties they face in dealing with the students, to the
existence or otherwise of autonomy in the conduction of their
daily tasks, and to the establishment of hierarchies in the
relationships within the school. It represents part of the results
obtained during the development of a doctoral research. The data
were collected in 2005 through semi-structured interviews with
ten teachers from the first cycle of Fundamental Education at two
public schools of the State of São Paulo, and also with principals,
coordinators, parents and pupils. The analysis of teachers’ working
conditions made it clear that this function has little social prestige.
Nevertheless, in spite of being socially undervalued and of the
difficult objective conditions to which they are subjected, such as
lack of autonomy to carry out their work, teachers believe that
teaching has value, not only because of the economic gains from
their salaries, but mainly as a function of the symbolic asset
represented by the distinctive role they play in the relations
established inside the school. Besides, being a teacher represented
the concrete elevation of their cultural assets, considering their
families of origin.

Keywords

School culture — Teacher’s habitus — Teaching function — School


space.

Contact:
Marieta G. de Oliveira Penna
Av. da Universidade, 308
05508-040 – São Paulo – SP
e-mail: marieta.penna@usp.br

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Este artigo apresenta análises formuladas dora, dois pais e oito alunos, distribuídos entre
sobre as condições objetivas de trabalho do as duas escolas investigadas.
professor no que diz respeito ao espaço escolar,
às dificuldades enfrentadas com os alunos, à Condições objetivas, posição
existência ou não de autonomia na condução social e habitus docente
das tarefas e ao estabelecimento de hierarquias
nas relações estabelecidas no interior da escola. De acordo com Bourdieu (1988), ao anali-
Trata-se de análise relacional que pretende evi- sarmos a posição que um grupo ou classe ocupa
denciar as conexões estabelecidas entre alguns no espaço social, faz-se necessário captar a cor-
aspectos das condições de trabalho dos profes- respondência entre a estrutura do espaço social —
sores e a posição social por eles ocupada. cujas dimensões fundamentais correspondem ao
A análise das condições em que o exer- volume e à estrutura dos diferentes capitais, espe-
cício docente se desenvolve nas escolas se tor- cialmente o econômico e o cultural, — e as pro-
na fundamental para compreensão de aspectos priedades simbólicas vinculadas a esse grupo. As
da cultura escolar e da posição social ocupada condições objetivas de vida às quais os agentes
pelos professores. Importa não a análise das encontram-se submetidos geram condicionamen-
condições “em si”, mas “em relação à”, ou seja, tos que, por sua vez, traduzem-se em práticas e
importa considerar o estabelecimento da diferen- estilos de vida, que os posicionam no espaço das
ça. As práticas sociais estabelecidas expressam as relações sociais. Os estilos de vida são distintivos
condições objetivas de vida às quais os agentes e se estabelecem por oposição a outros grupos ou
encontram-se submetidos, bem como as dispo- categorias de agentes, e dizem respeito à capaci-
sições geradas pelo habitus e relacionadas aos dade de utilizar e se apropriar material ou simbo-
aprendizados decorrentes de tais práticas. licamente de bens econômicos e culturais.
Nesse sentido, importa analisar a função O agente é dessa forma duplamente in-
de professor por dentro, ou seja, como ela se formado sobre as condutas a realizar, ou seja,
estrutura, quais as práticas estabelecidas e quais pela estrutura objetiva das condições a que está
as relações nas quais os docentes encontram-se submetido e pelos esquemas empregados para
envolvidos, buscando a compreensão da forma compreender essa estrutura.
como se vêem e são vistos, bem como daquilo Ser professor implica ocupar determina-
que lhes confere ou não distinção e prestígio. da posição no espaço social e essa posição se
Dessa forma, é objetivo evidenciar as- expressa e, ao mesmo tempo, constitui determi-
pectos das condições objetivas de trabalho dos nado habitus relacionado a esse exercício,
professores, que constituem e são constituídas constituindo disposições para a ação expressas
pela posição por eles ocupada no espaço das em tomadas de posição e julgamentos, além de
relações sociais, numa relação de múltiplas favorecer o estabelecimento de práticas que, ao
determinações. A posição ocupada pelo profes- serem analisados, permitem capturar o habitus
sor no espaço das relações sociais e as condi- em alguns de seus aspectos.
ções objetivas em que o desempenho dessa Ou seja, as condições objetivas nas quais
função se desenvolve se expressam no habitus o exercício docente se desenvolve e que, por
relacionado ao exercício dessa função. sua vez, são fruto da institucionalização da
Os dados aqui analisados foram coletados função contribuem para a constituição de de-
em 2005 por meio de entrevistas semi-estru- terminadas disposições integradoras de habitus
turadas com dez professoras do ciclo I do En- relacionado a esse exercício que, entre outras
sino Fundamental em duas escolas públicas da formas, se expressam na prática docente.
rede estadual de São Paulo. Foram entrevistados O professor, ao socializar-se para e no
também uma diretora, uma professora-coordena- exercício da função docente, encontra-se

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imerso na cultura escolar, suas regras e proce- pautas de funcionamento. Diz respeito também
dimentos, que dizem respeito à função da es- às condições objetivas em que esse exercício
cola em determinado contexto histórico e so- se desenvolve, ou seja, a uma dada sociedade
cial, expressa em em um dado momento.
Ao desempenharem determinada função, do
[...] um conjunto de normas que definem que deriva ocupar determinada posição no espaço
conhecimentos a ensinar e condutas a in- das relações sociais, os agentes são moldados pela
culcar, e um conjunto de práticas que per- socialização que diz respeito a esse desempenho, o
mitem a transmissão desses conhecimentos que ocorre em determinadas condições de trabalho
e a incorporação desses comportamentos. que necessitam ser compreendidas.
(Julia, 2001, p. 10) Mills (1969) oferece algumas pistas para
a compreensão dos fatores que expressam as
A prática docente e a percepção que o condições de trabalho às quais os sujeitos es-
professor possui da atividade por ele desempe- tão submetidos, e que lhes conferem ou não
nhada revelam modos de ser e agir desses pro- distinção, especialmente no que diz respeito
fissionais na escola. Ao me referir à prática àqueles que se dedicam a ocupações não ma-
docente, estou compreendendo-a tal qual for- nuais, como é o caso dos professores, e que,
mulada por Gimeno Sacristán (1999), para para o autor, pertencem às classes médias, que
quem prática docente é cultura objetivada na têm sempre a ambição da ascensão e o medo
forma de um legado imposto aos sujeitos, ex- de tudo perder. Para o autor, entre outras
pressando-se como sabedoria compartilhada, questões, importa considerar a formação
ações a serem executadas ou mesmo estilos exigida, o local em que a função em questão se
docentes. As práticas expressam aspectos da desenvolve e as dificuldades enfrentadas, as
cultura escolar, uma vez que os professores relações estabelecidas, o grau de autonomia que
compartilham condutas, crenças, formas de os sujeitos dispõem, o poder que exercem so-
compreensão, emoções, valores. Os padrões de bre outras pessoas. Alguns desses aspectos rela-
comportamento dos professores são apreendidos cionados às condições de trabalho do professor
e reproduzidos em decorrência de finalidades serão analisados adiante, no que diz respeito aos
implícitas e explícitas designadas à instituição efeitos de lugar; à indisciplina dos alunos; à au-
escolar. A racionalidade que explica o funciona- tonomia dos professores; às hierarquias estabe-
mento da escola não reside apenas na cabeça lecidas no espaço escolar. Para tanto, num pri-
dos professores, mas em algo que é próprio à meiro momento, são apresentados alguns dados
organização do sistema escolar e suas pautas de com objetivo de caracterizar os professores entre-
comportamento. vistados, além de considerações sobre a origem
A racionalidade individual é expressão social dos docentes.
de determinantes mais amplos. Segundo o
autor, a cultura escolar se estabiliza por meio Os sujeitos da pesquisa
do habitus e da institucionalização. O habitus
refere-se a pautas internas, ou seja, a disposi- Num primeiro momento, cabe especificar
ções para a ação, que foram incorporadas os sujeitos entrevistados na realização desta
pelos agentes, e a institucionalização refere-se pesquisa. Todos os dez professores entrevista-
a tipificação de ações habituais por meio de dos eram mulheres, uma vez que nas escolas
regras e da coerção (Gimeno Sacristán, 1999). em que foram realizadas as entrevistas não
O habitus do professor diz respeito à cultura existiam professores do sexo masculino lecio-
escolar sedi-mentada historicamente, relacio- nando. Análises relacionadas a docência e ques-
nada ao modo escolar de socialização e suas tões de gênero são importantes para se com-

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preender a forma como o exercício dessa fun- Origem social dos professores
ção se constitui socialmente. A função de en-
sinar, especialmente para as primeiras séries da Por se tratar de estudo que analisa as
escolarização básica, constituiu-se historica- condições de trabalho e a posição social dos
mente como função feminina. Na atualidade, agentes, importa tecer considerações sobre a
dentre os professores brasileiros, 81,3% são origem social dos professores.
mulheres (Brasil, 2004), com predominância Diferentes pesquisas feitas em épocas dis-
nos segmentos iniciais da escolarização. A aná- tintas apontam para o fato de que os professo-
lise do exercício docente em perspectiva soci- res das primeiras séries do Ensino Fundamental,
ológica comporta necessariamente a questão em sua maioria, têm origem nas camadas popu-
de gênero, especialmente no que se refere às lares, fato que se acentua na atualidade. Dentre
primeiras séries da escolarização fundamental esses estudos, pode-se destacar os de Pereira
que, em função de determinações sociais, con- (1969) e Gouveia (1970), realizados na década de
figurou-se como função feminina 1. 1960; de Novaes (1984), no final dos anos de
Em relação à idade das professoras, tem- 1970; os de Mello (2003) e Pessanha (1992), na
se que a maioria delas, ou seja, seis delas possu- década de 1980; ou os de Gatti; Esposito; Silva
íam idades variando de 41 a 50 anos; três delas, (1998) e Silva; Davis; Esposito (1998), na déca-
entre 51 a 60 anos; e uma, entre 31 a 40 anos. da de 1990, entre outros. Apontam também
No que se refere à formação, todas concluíram o para a possibilidade de mobilidade social rela-
magistério, sendo que três o fizeram em escolas cionada ao exercício docente (Brasil, 2004;
particulares e sete em escolas públicas. Mello, 2003; Gatti; Esposito; Silva, 1998; Silva;
No que diz respeito à formação em ní- Davis; Esposito, 1998), mesmo no que diz res-
vel superior, apenas metade delas chegou a esse peito a professores do ciclo II do Ensino Fun-
nível de ensino: duas fizeram pedagogia, uma damental, como atesta estudo realizado por
fez matemática e duas estavam cursando peda- Martins (2004).
gogia quando da realização das entrevistas, Os dados coletados para esta pesquisa
todas em instituições privadas. vão ao encontro desses resultados. As entrevis-
Ao se considerar a situação funcional das tas realizadas com as professoras permitem
professoras, tem-se que metade delas era efetiva posicioná-las, no que diz respeito à sua origem,
e metade era Ocupante de Função Atividade em sua maioria, nas camadas populares, em
(OFA), o que acarreta em contratação temporária função da escolarização atingida e da profissão
(ou seja, com duração até o final do ano letivo)2. exercida por seus pais e avós. Com relação à
Com relação ao número de turmas e esco- formação dos pais, verificou-se que a grande
las em que lecionavam, tem-se que a maior par- maioria deles, tanto dos pais quanto das mães,
te das professoras (seis delas) lecionavam em possuíam por formação o antigo primário com-
apenas uma turma, contrariando a idéia de que os pleto. Já com relação à profissão, a maioria das
professores trabalham em jornada dupla. Na pes- mães trabalhava em casa. Quanto aos pais, es-
quisa realizada pela Unesco (Brasil, 2004), a tavam distribuídos em sua maioria entre profis-
maioria dos professores brasileiros trabalha de 21 sões manuais. Com relação aos avós maternos e
a 40 horas/aula por semana (54,2%), a maior
parte deles em uma mesma escola (58,5%). Como 1. Sobre a questão da docência e relações de gênero, ver, entre outros,
o estudo da Unesco não faz distinção entre as Apple, 1995; Catani et al., 1997; Louro, 1997; Carvalho, 1999; Chamon,
2005.
diferentes etapas da escolarização básica, caberia 2. Cabe ressaltar que, em dezembro de 2005, o número de Professores
aprofundamento para verificar se esse dado se de Educação Básica I que faziam parte do contingente ativo da Secretaria
Estadual de Educação do Estado de São Paulo era de 52.012 efetivos e 59.174
repete em amostra mais representativa dos pro- não efetivos, conforme dados disponíveis em: http: //drhu.edunet-sp.gov.br/
fessores do ciclo I do Ensino Fundamental. Equipe_an_tec1/4-eplprof_1205.doc; em 16 de janeiro de 2006.

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paternos, a maioria possuía até o primário com- com material didático — que não era adequa-
pleto, com número elevado de analfabetos, exer- do, que não era suficiente ou que não era en-
cendo em sua maioria ocupações manuais. As- viado pelo governo.
sim, se por um lado verifica-se leve melhoria no De fato alguns aspectos relacionados ao
perfil socioeconômico entre a geração dos avós espaço físico eram percebidos como problema,
e dos pais dessas professoras, constata-se que mas nada que afetasse a ação por elas desen-
elas se originam de camadas desprivilegiadas da volvida na escola. Verificou-se que para as
população, com pais e avós com pouca forma- professoras entrevistadas trabalhar na escola era
ção, exercendo profissões manuais e, portanto, considerada atividade valorizada e que o espa-
carentes de capital econômico e de capital cul- ço escolar, de maneira geral, não era visto
tural valorizado socialmente. Esses dados são como inadequado. Pode-se inferir que, em
importantes uma vez que se pode relacionar decorrência do lugar de origem dessas profes-
determinadas aprendizagens de disposições para soras, de fato o espaço escolar não provocas-
a ação com socializações familiares marcadas se estranhamento, até mesmo por ser local
pela classe social de origem das professoras. sancionado por suas famílias. São professoras
Os dados aqui apresentados possibilitaram que advêm em sua maior parte de famílias sim-
elaboração exemplificadora de perfil dos profes- ples, com poucos recursos financeiros, e que
sores que atuam no ciclo I da rede pública esta- realizaram a escolarização em escolas públicas.
dual de São Paulo. Esses professores são mulhe- Para Bourdieu (2001a), ocupar determina-
res que, em sua maioria, atingiram por formação do espaço físico possui relação de correspondên-
o nível superior, operando certa distinção em cia com a posição social, exprimindo hierarquias
relação a suas famílias de origem. Essa formação e distâncias. As professoras exerciam a docência
das professoras realizou-se em escolas públicas em escolas que apresentavam condições físicas
até o Ensino Médio e em faculdades particulares precárias (sem ventilação, barulho, cheiros ruins,
no Ensino Superior, o que muitas vezes compro- armários quebrados), reveladoras da posição so-
mete sua qualidade. De qualquer forma, verificou- cial por elas ocupada, ou seja, posição desvalo-
se elevação das condições materiais e culturais rizada socialmente. Ao mesmo tempo, para as
das professoras em relação a seus pais e avós, professoras, trabalhar na escola significava proxi-
expressa na formação que atingiram e na função midade a equipamentos educacionais, serviço
que desempenham, que se constitui em trabalho público cobiçado se considerarmos o lugar de
intelectual em oposição ao trabalho manual. onde vieram, expressando ganho de posição em
relação à experiência prolongada que tiveram em
Os efeitos de lugar suas famílias de origem, de distância social em
relação a espaços de alguma forma valorizados.
Nas entrevistas realizadas, as professoras As professoras se apropriavam do espaço escolar
foram incentivadas a falar das dificuldades e procuravam valorizá-lo, uma vez que conside-
enfrentadas em seu dia-a-dia, sob diferentes ravam possuir as propriedades adequadas para
aspectos. Além de serem interrogadas direta- habitá-lo, em oposição a seus alunos, que não
mente sobre essas dificuldades, algumas vezes respeitavam e não sabiam ocupar esse espaço.
elas eram mencionadas ao relatarem diferentes
momentos por elas vivenciados em suas carrei- A indisciplina dos alunos
ras. As dificuldades apontadas foram variadas,
e iam desde problemas com o espaço físico – Ao serem questionadas sobre o mais
como, por exemplo, sala de professores inade- difícil para elas no exercício docente, todas as
quada, falta de biblioteca, ausência de limpe- professoras responderam que era a indisciplina
za, pouca ventilação, goteiras — a problemas das crianças e a falta de apoio dos pais. Assim,

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não foram mencionados aspectos como a situ- ras, ausência de equipe coesa de trabalho, só
ação funcional instável para metade delas, au- para citar alguns exemplos.
sência de recursos pedagógicos, baixos salári- Os alunos e suas famílias são respon-
os. Para as professoras entrevistadas, o salário, sabilizados pela maior parte dos problemas que
apesar de baixo, possibilitava-lhes compor a afligem as escolas, constituindo-se a indisciplina
renda familiar de forma satisfatória. dos alunos a principal fonte de angústias e dis-
Os principais problemas enfrentados sabores dos professores. No entanto, como num
pelas professoras em seu dia-a-dia referiam-se, paradoxo, a existência da indisciplina era ao
portanto, ao contato que necessitavam estabe- mesmo tempo a fonte de grandes satisfações
lecer com seus alunos para a condução do proporcionadas aos professores, uma vez que
cerne de sua função, ou seja, o ensino e a disciplinar essas crianças era o objetivo central de
educação das crianças, e também à falta de suas práticas que, se realizadas com sucesso, re-
apoio dos pais para que pudessem realizar essa sultavam em valorização e reconhecimento.
tarefa com sucesso. Assim, como se verá adiante, o fato de os
As professoras percebiam as dificuldades alunos serem indisciplinados e incivilizados
existentes nesse contato com os alunos sob dife- permitia às professoras o estabelecimento de
rentes aspectos, porém, a questão da disciplina distinções em relação aos alunos e suas famí-
estava muito marcada em seus depoimentos. Para lias, além da captura de capital simbólico.
elas, as crianças eram indisciplinadas, não respei-
tadoras do espaço escolar nem tampouco de seus Autonomia dos professores
professores, atrapalhando o bom andamento das
aulas. As professoras relataram que muitas vezes Além das dificuldades enfrentadas e das
os alunos eram agressivos, os professores eram questões relacionadas ao espaço, outro aspecto
xingados, levavam chutes ou mesmo eram trata- importante para a compreensão das condições de
dos aos gritos por seus alunos. Outras vezes, os trabalho dos professores é a análise do grau de
alunos eram agressivos entre eles, levando inclu- autonomia existente nas tarefas que executam em
sive armas para a escola. As professoras sentiam- seu cotidiano. Ao serem interrogadas sobre se
se impotentes e acusavam os pais das crianças tinham ou não autonomia no exercício de sua
como os responsáveis por essa situação existen- função, todas as professoras responderam que
te nas escolas. Com relação aos pais, destacou-se para o preparo das aulas sim. Percebiam, no
referência à omissão da família. Para as professo- entanto, que essa autonomia era bastante relati-
ras, os pais eram omissos por completo, não va, uma vez que destacaram uma certa intromis-
apoiavam suas ações, não manifestavam interes- são em seu trabalho em decorrência de instruções
se pelo aprendizado de seus filhos e delegaram semanais vindas da Diretoria de Ensino (DE) e
aos professores a responsabilidade por educá-los, repassadas para elas nos momentos da Hora de
o que fazia com que as professoras em alguns Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), relaciona-
momentos se sentissem como babás ou simples das a tarefas a fazer, projetos a implementar,
tomadoras de conta de crianças. enfim, a atividades que elas necessariamente
Assim, se por um lado as dificuldades deveriam desenvolver com seus alunos. Isso ge-
que possuíam com os alunos e seus pais eram rava sobrecarga nas professoras, conforme se
bastante concretas, por outro lado, as demais verifica do depoimento de Laura:
dificuldades vivenciadas em seu cotidiano e
que, se enfrentadas, poderiam minimizar as A Diretoria, elas gostam de impor, a gente
dificuldades que encontravam no trato com os fica assim até meio atordoada com tanto
alunos não foram sequer mencionadas como projeto, tanta coisa que tem que se fazer
salas cheias, formação deficitária das professo- fora as aulas. Vem muita coisa mandada pela

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Secretaria, é, é sempre para ontem, sabe es- esse exercício se realiza na escola, a fim de
sas coisas? Mas hoje eu já não esquento compreender como e com quem o professor
muito a cabeça, mas eu já fiquei muito afli- estabelece comparações, ou seja, opera distin-
ta, ansiosa, porque eu queria dar conta de ções e se posiciona no espaço das relações
tudo e sabe aquela coisa assim, atropelada. É sociais. De acordo com Bourdieu (1991), a
muito ruim, você fica angustiada. análise da posição social ocupada pelos agen-
tes, para o que importa investigar relações de
Além das questões imediatas vividas distinção, contribui para o entendimento do
pelas professoras na relação estabelecida entre ponto de vista a partir do qual a realidade social
a escola e a DE no dia-a-dia, as reformas edu- é construída. Além disso, o autor destaca que
cacionais implementadas pela Secretaria Estadu- essa distinção necessita ser percebida pelo
al da Educação (SEE) também foram apontadas outro, com quem as relações de distinção são
como um grande problema por elas enfrenta- estabelecidas, uma vez que se constitui em
do, o que se agravava pelo fato de que essas diferença hierarquizada, que traz benefício e
reformas eram sempre impostas e, na maioria lucro simbólico (Bourdieu, 1988).
das vezes, as professoras não concordavam com Nas escolas pesquisadas, os professores
elas, gerando muita angústia e incompreensão. estabeleciam relações com o diretor e com o pro-
Ainda com relação à existência ou não fessor coordenador pedagógico; com os demais
de autonomia no exercício de sua função, as professores e funcionários administrativos; além das
professoras relataram não possuir a autonomia crianças e suas famílias. Nas relações estabelecidas
desejada para a punição de seus alunos, o que com a direção e coordenação, as professoras en-
se observa no depoimento abaixo: trevistadas percebiam hierarquia a ser respeitada,
mas encaravam as tarefas desenvolvidas tanto pela
Acontece que hoje a gente não pode fazer diretora como pela coordenadora como muito mais
nada. Não pode suspender aluno, então fica de auxílio do que de cobranças. Verificou-se ex-
aquela situação, vai que a criança, digamos, pectativa em relação à função, tanto da direção
desrespeita ou fala um palavrão, qualquer quanto da coordenação, no sentido de imprimir
coisa assim, a só gente pode chamar a mãe, certo ritmo à escola, auxiliar na obtenção da dis-
conversar com a mãe. Agora uma suspensão ciplina ou mesmo para manter o grupo coeso, o
mesmo, não pode dar. (Clara) que nem sempre ocorria.
Além disso, algumas professoras aponta-
Hierarquias estabelecidas no ram as relações estabelecidas com a direção da
espaço escolar escola como uma das maiores dificuldades por
elas enfrentadas em alguns momentos de suas
Outro aspecto importante para a com- carreiras, momentos em que se sentiram perse-
preensão das condições objetivas, em relação guidas por diretoras, o que, segundo elas, era
às quais os agentes encontram-se submetidos, muito ruim e atrapalhava bastante o trabalho, o
diz respeito às hierarquias existentes no desem- que demonstra que de certa forma estavam “nas
penho das diferentes funções, a partir das quais mãos” dos diretores, o que também se eviden-
é possível estabelecer distinções e posicionar- ciava quando da necessidade de resolver ques-
se no interior do campo ao qual essa função se tões como qual sala pegariam ou mesmo qual a
refere. A fim de evidenciar as condições con- melhor data para desfrutarem de uma licença
cretas às quais os professores encontram-se prêmio, por exemplo. Todas elas consideraram
submetidos no exercício de sua função, ao se que, no entanto, na atualidade, de uma manei-
investigar a docência em uma perspectiva ra geral, as relações estabelecidas com a direção
relacional, há que se considerar a forma como e coordenação são mais democráticas.

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Para as professoras, no entanto, existem acima dos demais funcionários da escola e
muitos coordenadores ou mesmo diretores que: deveriam marcar essa diferença.
“deixam a desejar”; “que se intrometem em Em relação aos demais professores, na
tudo”; “que não sabem ser líderes”; “que escola, como em qualquer ambiente de trabalho,
engavetam tudo”; “que não conseguem co- existem disputas e desavenças. Alguns problemas
mandar o grupo”; o que aparenta ser aspectos foram apontados pelas professoras como: “ciú-
negativos ressaltados pelas professoras e rela- me”; “inveja”; “fofocas”; “falta de colaboração”;
cionados à atuação desses profissionais, e que “esconder o jogo”; “resistência das mais antigas”;
por certo as auxiliava a diminuir as distâncias “falta de preparo das mais novas”. Relataram tam-
hierárquicas existentes. Existe hierarquia, mas bém que algumas vezes ocorrem solidariedades.
do ponto de vista das professoras ela é mais Afirmaram não haver hierarquia entre elas, mas foi
funcional que de poder e prestígio. De seu possível perceber que as professoras concursadas
ponto de vista, estavam muito próximas da ocupavam posição funcional mais vantajosa, o
direção e coordenação e as diferenças existen- que lhes garantia maior estabilidade na escola,
tes eram mais técnicas que de prestígio. Do que poderia reverter em maior proximidade com
ponto de vista da coordenadora entrevistada, a direção e coordenação. Além disso, as profes-
no entanto, existem diferenças no respeito soras concursadas gozavam certo prestígio, uma
conferido à direção e à coordenação da esco- vez que, segundo elas, sempre lecionavam nas
la por parte dos alunos e seus familiares, que melhores salas, o que revela a existência de hie-
é maior que o conferido às professoras. Além rarquias e lugares marcados na escola.
disso, não é qualquer um que pode ser coor- A relação estabelecida com os alunos
denador, e infelizmente hoje em dia os profes- era bastante contraditória. Por um lado, confor-
sores são muito malformados. me explorado acima, os alunos foram aponta-
Tanto a diretora quanto a professora- dos como a principal fonte de problemas e
coordenadora que foram entrevistadas até pou- dificuldades enfrentada pelas professoras. Por
co tempo estavam na sala de aula e preferiam outro lado, era em relação aos alunos e seus
ressaltar mais as proximidades com o corpo de pais que as professoras operavam a mais forte
professores que os afastamentos. Entretanto, no distinção, e também sobre quem exerciam al-
decorrer das entrevistas, a distinção por elas gum poder, especialmente em relação aos alu-
operada em relação aos professores ficou evi- nos e no interior da sala de aula, ainda mais no
dente, até mesmo porque consideraram que caso de crianças de primeira à quarta série que,
lhes era exigido muito mais responsabilidades do ponto de vista das professoras, por serem
para que pudessem dar conta da função que mais novas, são mais obedientes.
exerciam. Além disso, segundo elas, “existem Nesse sentido, importa ressaltar a distinção
professores e professores”, uns que se compro- estabelecida pelos professores em relação às cri-
metem, outros que “não estão nem aí”, e isso anças e aos pais destas, e que para elas se tradu-
não ocorre ao se ocupar um cargo como o zia em capital simbólico relacionado ao exercício
delas, que exige compromisso e dedicação. da função docente e ao exercício de relações de
Possuíam mais poder e eram melhores que os poder. Esse capital simbólico, ou seja, esse reco-
professores em vários aspectos. nhecimento, dizia respeito ao fato de serem per-
Já em relação aos demais funcionários cebidas por seus alunos e familiares como auto-
da escola, as professoras consideraram que ridade em termos morais e culturais, uma vez que
deve haver uma distância respeitosa, ou seja, portavam qualidades superiores a eles, além de
atribuíam ao professor um determinado lugar, possuírem melhor formação em termos de conhe-
evitando meter-se em desavenças e fofocas. De cimento. Tanto os depoimentos das mães quan-
seu ponto de vista, eram diferentes, estavam to o depoimento dos alunos confirmaram esse

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reconhecimento, com afirmações como: “gosta- estão chegando para nós com problemas
ria muito que minha filha fosse professora”; “elas familiares muito grandes, a afetividade fa-
estudaram e aprenderam a lidar com crianças” miliar é mínima. (Fátima)
(mães); “as professoras estudaram e por isso sa-
bem mais”; “a professora está lá para ensinar A criança de hoje, ela não tem uma visão real
muitas coisas pra gente” (alunos). As professoras de família. Ela não tem referencial, não tem
sentiam-se melhores que seus alunos, não apenas limite, e é isso que me incomoda. (Helena)
em termos de possuírem mais conhecimentos re-
lacionados às disciplinas escolares como Português, Professores e alunos ocupam posições
História, Ciências, mas especialmente em termos distintas na escola, e cada qual deve ocupar
morais, como mostra o excerto abaixo: seu lugar, bastante delimitado na hierarquia
escolar. De acordo com Bourdieu (2001b), os
Eu já tenho minha opinião formada sobre a esquemas práticos de classificação acionados
sociedade, sobre o que pode ser feito, o que pelo professor ao elaborar juízos sobre seus
não pode. Então você estando na sala de alunos, e que organizam sua percepção, apre-
aula, eu acredito que as chances de você ciação e prática, revelam princípios que orga-
contribuir para um mundo melhor estão ali, nizam o sistema de ensino que, por sua vez,
na sua mão. Você pode ajudar, você pode tendem a reproduzir a ordem social e a estru-
incentivar, você pode conduzir, eu acho que tura das relações entre os grupos nela inscrita,
a gente tem esse trunfo na mão, de poder que implicam relações de força e sentido.
melhorar as pessoas que passam pela sua Disso decorre que, para os professores,
mão. Eu me orgulho muito disso. (Mariana) não é qualquer pessoa que pode estar na po-
sição de ensinar. Além de saber mais que seus
Eram melhores do que eles, e teciam jul- alunos, o professor deve ser melhor do que eles
gamentos morais sobre as crianças e suas famí- em alguns aspectos, o que acaba por configu-
lias, sobre as quais deveriam interferir de forma rar alunos e professores em posições diferentes,
a reverter o diagnóstico negativo que percebiam: muitas vezes antagônicas, conferindo aos do-
centes condições de estabelecer julgamentos
Esses alunos não recebem educação na morais sobre seus alunos. As classificações
casa deles. Eles não têm respeito, eles não emitidas sobre os alunos exprimem consensos
têm vontade, eles não têm nada. Então a estabelecidos entre os professores e são base-
gente tenta fazer o que a gente acha que adas muito mais em qualidades da pessoa do
deveria ser feito em casa. (Isaura) que, por exemplo, em graus de aprendizagem
dos conteúdos escolares das diferentes discipli-
Essas crianças são muito carentes de tudo. nas ou em dificuldades pedagógicas. São qua-
Elas não têm mãe. A mãe fica o dia todo lificações que encerram definição de excelência
fora e não tem tempo para o filho. [...] Se eu e que dizem respeito não só ao que os profes-
percebo que um aluno de repente perdeu o sores esperam de um aluno em termos morais,
interesse, então eu quero saber o que está mas à diferença que estabelecem em relação a
acontecendo com ele. E você pode ver: ou ele. O professor, no entanto, tece juízos de
o pai está saindo de casa, ou arrumou uma valor relacionados a seus alunos e familiares em
amante, ou bate muito na mãe... É assim, é nome da neutralidade escolar e da autoridade
sempre alguma coisa em casa. (Maria Cecília) que lhe foi concedida pelo sistema de ensino,
em que os julgamentos escolares tendem a
Quando a criança é indisciplinada, geral- reproduzir a estrutura das relações objetivas do
mente é a estrutura familiar. [...] Os alunos universo social (Bourdieu; Passeron, 1982).

566 Marieta G. O. PENNA. Exercício docente na escola: relaçõe sociais, hierarquias e...
Considerações finais levá-las a marcar distâncias em relação aos
demais funcionários da escola e especialmente
A análise das dificuldades presentes nas em relação a seus alunos e familiares destes,
condições objetivas, às quais as professoras trazendo conseqüências para as relações
encontravam-se submetidas em decorrência do estabelecidas, implicando em julgamentos e
exercício docente, evidenciou que socialmente representações negativos. Sentiam-se superiores
essa função não possui prestígio. As professo- a seus alunos e familiares em termos da educa-
ras apontaram, por exemplo, dificuldades rela- ção e da cultura que possuíam, além de senti-
cionadas ao espaço físico, que consideraram rem-se superiores em relação aos demais fun-
como inadequado (pouco ventilado, ausência cionários da escola, de quem deveriam se
de bibliotecas, distância, sujo, quebrado), à diferençar. Ao mesmo tempo, sentiam-se iguais
falta de material didático, à ausência de funci- em prestígio aos diretores e coordenadores, em
onários, além da ausência de autonomia para a relação a quem desejavam se igualar.
condução de seu trabalho, fato que se acirra Assim, em decorrência do que a função
em decorrência das reformas educacionais que proporciona e exige, relacionados à relação
ocorrem na atualidade. No entanto, trabalha- formativa desempenhada pela escola, e que no
vam na escola, espaço físico de alguma forma caso delas dizia respeito especialmente a as-
valorizado, ainda mais se considerarmos a ori- pectos morais e disciplinadores, estabeleciam
gem familiar das professoras ou mesmo as relação de distinção em relação a seus alunos
possibilidades que se afiguravam em seus ho- e familiares destes, além de estabelecerem re-
rizontes (trabalhar como doméstica, balconista, lações de poder. Sabiam mais que seus alunos,
ser dona de casa). tinham mais cultura que eles, além de serem
De qualquer forma, percebiam-se exer- melhores do que eles em termos morais.
cendo função desvalorizada socialmente e, ao Evidenciou-se com a realização da pesqui-
apontarem o que em seu cotidiano fazia com sa que, mesmo sendo função desvalorizada po-
que se sentissem desvalorizadas, destacaram lítica e socialmente e mesmo em face às difíceis
principalmente a não colaboração das famílias e condições objetivas a que estavam submetidas,
a indisciplina dos alunos, deixando de conside- para as professoras, exercer a função docente
rar fatores como, por exemplo, as difíceis con- significava valor, seja em razão de ganhos concre-
dições de trabalho a que estavam submetidas tos em termos materiais advindos com o salário
como era o caso da falta de vínculo empregatício recebido, mas especialmente em decorrência do
estável para metade das professoras investigadas, capital simbólico que conseguiam capitalizar nas
o que expressa sua desvalorização política. relações de distinção estabelecidas na escola. Além
Assim, o pior de tudo para elas era a disso, exercer a docência significou elevação
questão da indisciplina dos alunos, que fazia concreta do capital cultural das professoras, ao se
com que sentissem que, para os pais de seus levar em consideração suas famílias de origem.
alunos e mesmo socialmente, a função que Dessa forma, se por um lado as condições
exerciam não era valorizada. Os aspectos nega- de exercício docente são adversas, são essas
tivos associados à docência eram suficientes mesmas condições objetivas que, ao disporem em
para as professoras perceberem a posição por posições opostas professores e alunos, atribuin-
elas ocupada como frágil e constantemente do àqueles a tarefa de educar estes, propicia aos
ameaçada. Ao mesmo tempo, o lugar que ocu- primeiros a possibilidade de operarem distinções
pavam na escola as levava a estabelecerem e se posicionarem de maneira favorável no espaço
esforços para se aproximarem daqueles com das relações em que se encontram envolvidos,
quem queriam reforçar semelhanças como, por apesar de ocuparem posição dominada no inte-
exemplo, os coordenadores e diretores, além de rior do campo educacional.

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Conforme discutido anteriormente, para valorizada, para isso, importava enfatizar as
Bourdieu (2001c), ocupar determinada posição distinções, configurando alunos e professores
diz respeito às condições objetivas a ela rela- em posições diferentes, muitas vezes antagôni-
cionadas, uma vez que a posição relaciona-se cas, e conferindo aos docentes condições de
à tradução simbólica de diferenças existentes de estabelecer julgamentos morais sobre seus alu-
fato e que estão inscritas nas condições obje- nos, para além de avaliações de seu desempe-
tivas vivenciadas pelos agentes. Assim, em de- nho pedagógico. Essas questões acabam por
corrência das condições adversas a que estavam compor aspectos da cultura escolar e das
submetidas e da fragilidade da relação de po- aprendizagens realizadas pelos professores no
der estabelecida com seus alunos, as professo- exercício da função docente, com ênfase a
ras necessitavam constantemente realçar as processos moralizadores e disciplinarizadores,
diferenças existentes, a fim de assegurarem compondo facetas do habitus relacionado ao
retorno simbólico em função socialmente des- exercício docente.

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Recebido em 12.05.08
Aprovado em 28.08.08

Marieta Gouvêa de Oliveira Penna, doutora em Educação e Ciências Sociais pelo Programa de Estudos Pós-Graduados
em Educação: História, Política, Sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, possui experiência como
professora do Ensino Fundamental, Médio e Superior, em instituições públicas e privadas, e trabalhou com educação em
presídios, supervisionando escolas e formando monitores.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.3, p. 557-569, set./dez. 2008 569

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