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Maurice Utrillo, O Caminho Cottin, 1910 PARTE IV

PROVAS-MODELO PRÁTICA
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 1
GRUPO I
A
Leia o excerto do fragmento «Eu nunca fiz senão sonhar».
Eu nunca fiz senão sonhar. Tem sido esse, e esse apenas, o sentido da minha vida.
Nunca tive outra preocupação verdadeira senão a minha vida interior. As maiores dores
da minha vida esbatem-se-me quando, abrindo a janela para a rua do meu sonho,
esqueço a vista no seu movimento. (…)
5 A minha mania de criar um mundo falso acompanha-me ainda, e só na minha morte
me abandonará. Não alinho hoje nas minhas gavetas carros de linhas e peões de xadrez
– com um bispo ou um cavalo acaso sobressaindo – mas tenho pena de o não fazer…
e alinho na minha imaginação, confortavelmente, como quem no inverno se aquece
a uma lareira, figuras que habitam, e são constantes e vivas, na minha vida interior.
10 Tenho um mundo de amigos dentro de mim, com vidas próprias, reais, definidas e
imperfeitas.
Alguns passam dificuldades, outros têm uma vida boémia, pitoresca e humilde. Há
outros que são caixeiros-viajantes (poder sonhar-me caixeiro-viajante foi sempre uma
das minhas grandes ambições – irrealizável infelizmente!). Outros moram em aldeias e
15 vilas lá para as fronteiras de um Portugal dentro de mim; vêm à cidade, onde por acaso
os encontro e reconheço, abrindo-lhes os braços emotivamente… E quando sonho isto,
passeando no meu quarto, falando alto, gesticulando… quando sonho isto, e me visiono
encontrando-os, todo eu me alegro, me realizo, me pulo, brilham-me os olhos, abro os
braços e tenho uma felicidade enorme, real, incomparável. (…)
20 Há também as paisagens e as vidas que não foram inteiramente interiores. Certos
quadros, sem subido relevo artístico, certas oleogravuras que havia em paredes com que
convivi muitas horas – passaram a realidade dentro de mim. Aqui a sensação era outra,
mais pungente e triste. Ardia-me não poder estar ali, quer eles fossem reais ou não.
Não ser eu, ao menos, uma figura a mais desenhada ao pé daquele bosque, ao luar que
25 havia numa pequena gravura dum quarto onde dormi já não em pequeno! Não poder
eu pensar que estava ali oculto, no bosque à beira do rio, por aquele luar eterno (embora
mal desenhado), vendo o homem que passa num barco por baixo do debruçar-se de um
salgueiro! Aqui o não poder sonhar inteiramente doía-me. As feições da minha saudade
eram outras. Os gestos do meu desespero eram diferentes. A impossibilidade que me
30 torturava era de outra ordem de angústia. Ah, não ter tudo isto um sentido em Deus,
uma realização conforme o espírito de meus desejos, não sei onde, por um tempo ver-
tical, consubstanciado1 com a direção das minhas saudades e dos meus devaneios! Não
haver, pelo menos só para mim, um paraíso feito disto!
1
Consubstanciado: unido.
Bernardo Soares, Livro do Desassossego: composto por Bernardo Soares,
ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa, (ed. Richard Zenith),
7.ª ed., Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, pp. 110-112

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PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 1
Cotações
1. De acordo com o conteúdo das linhas 1 a 19, explique o papel do sonho na vida de 16 pontos
Bernardo Soares, bem como as sensações reais que dele advêm.

2. A partir da linha 20, Soares apresenta-nos outro tipo de sonho. Explicite-o e 16 pontos
comente os efeitos que esse outro tipo tem no seu interior.

3. Esclareça o sentido da última frase do excerto: «Não haver, pelo menos só para 16 pontos
mim, um paraíso feito disto!».

4. Explique por que razão existe transfiguração poética do real na sequência «Ardia- 8 pontos
-me não poder estar ali, quer eles fossem reais ou não. Não ser eu, ao menos, uma
figura a mais desenhada ao pé daquele bosque, ao luar que havia numa pequena
gravura dum quarto onde dormi já em pequeno!» (linhas 23-25)

B
Leia o poema de Antero de Quental.
No Turbilhão
No meu sonho desfilam as visões,
Espectros dos meus próprios pensamentos,
Como um bando levado pelos ventos,
Arrebatado em vastos turbilhões…

5 Numa espiral, de estranhas contorções1,


E donde saem gritos e lamentos,
Vejo-os passar, em grupos nevoentos,
Distingo-lhes, a espaços, as feições…

− Fantasmas de mim mesmo e da minha alma,


10 Que me fitais com formidável calma,
Levados na onda turva do escarcéu2,

Quem sois vós, meus irmãos e meus algozes3?


Quem sois, visões misérrimas e atrozes?
Ai de mim! ai de mim! e quem sou eu?!...

Antero de Quental, Sonetos Completos,


Lisboa, Ulisseia, 2002, p. 184

1
Contorções: atos ou efeitos de torcer
ou contorcer-se.
2
Escarcéu: ruído das ondas; vagalhão.
3
Algozes: carrascos; executores da
pena de morte.

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PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 1

5. Explique em que medida este poema retrata a angústia existencial de Antero de 16 pontos
Quental.

6. Estabeleça uma comparação entre a perspetivação do sonho no Texto A e neste 16 pontos


Texto B, justificando a sua resposta.

C
7. O tema da reflexão existencial é uma das características típicas da poesia de 16 pontos
Fernando Pessoa.

Escreva uma breve exposição na qual faça um contraste entre a visão do mundo de Alberto
Caeiro e a de Ricardo Reis a propósito deste tema.
A sua exposição deve incluir:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual explicite, para cada um dos heterónimos, uma característi-
ca que os permita distinguir, fundamentando as características apresentadas com, pelo
menos, um exemplo significativo;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema

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PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 1

GRUPO II
Leia o texto.
Índia: mais justiça para as vacas do que para as mulheres
O que faz uma mulher com uma máscara de vaca na cabeça, a posar para uma foto
junto ao simbólico Portão da Índia, em Deli? A obrigar a sua sociedade a refletir. Sobre
o quê? Sobre o facto de haver um interesse e ímpeto maiores quanto à proteção das
vacas no seu país do que para a defesa e celeridade de justiça nos casos das agressões
5 feitas às mulheres, cujos direitos mais básicos, incluindo a sua integridade física e emo-
cional, continuam a ser violados diariamente.
A ideia partiu do fotógrafo indiano Sujatro Ghosh, que perante a discussão acesa
quanto à criminalização das agressões feitas às vacas no seu país – animais considerados
sagrados por aqueles seguidores da religião hindu − começou a questionar-se sobre o
10 que levaria a que os direitos das mulheres gerassem tal entusiasmo. «Perturba-me que
no meu país as vacas sejam consideradas mais importantes do que as mulheres. Quando
uma mulher é violada demora muito mais tempo a obter justiça do que uma vaca.»
Para percebermos um bocadinho melhor o que leva o jovem fotógrafo a fazer esta
comparação, podemos olhar para alguns dados referentes à Índia. Hoje em dia, uma
15 agressão deliberada feita a uma vaca − sem que esse mesmo ato resulte do processo
normal da morte do animal para consumo − pode levar a uma pena de quase dez anos
de prisão. Uma lei amplamente aplaudida pelos extremistas hindus, que mesmo assim
estão atualmente a tentar fazer chegar ao parlamento a discussão da pena de morte para
estes crimes. Ou seja, há um movimento claro, ativo e com cariz de urgência para que
20 se dê condições de segurança e que seja feita justiça às vacas sagradas. Ao mesmo tempo,
há todo um cenário de violência perpetuado sobre o sexo feminino que – embora gere
hoje mais discussão pública e política – continua a ser socialmente aceite. Com a justiça
a falhar redondamente no que lhe compete.
Se olharmos para os dados oficiais de 2015, por exemplo, chegamos a quase 35 mil
25 casos de abuso sexual que foram reportados às autoridades indianas, sendo que a justiça
apenas atuou em menos de 20% destes casos. Casos esses que devem ter uma dimensão
tremendamente maior, uma vez que estes são apenas aqueles que chegam às autorida-
des. Há uns meses, um estudo sobre a realidade criminal de Deli mostrava que apenas
um em cada 13 casos de abuso sexual chegava às autoridades. Em comparação, 1 em
30 cada 3 roubos de telemóveis, por exemplo, era reportado à polícia. Por razões culturais,
sociais, familiares e religiosas, uma larga percentagem das mulheres e meninas vítimas
deste tipo de violência continua a não denunciar o crime. O estigma fala mais alto. E a
justiça – tal como a mentalidade discriminatória instituída naquele país − não acompa-
nha a necessidade urgente de mudança.
35 Tudo isto deu que pensar a Sujatro Ghosh, que decidiu então usar a sua arte e o
poder do humor para fazer um protesto, que tinha como ponto de partida fotografar
mulheres, de diferentes esferas sociais, com máscaras de vaca em vários pontos da sua

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PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 1

cidade, desde zonas turísticas, a edifícios governamentais, transportes públicos ou até


mesmo dentro das suas próprias casas. Porque não só na rua? «Porque as mulheres são
40 vulneráveis em todos os lugares», explica o fotógrafo.
As fotos foram publicadas na sua página de Instagram e rapidamente fizeram furor e
galgaram fronteiras. Aliás, Sujatro Ghosh já está na estrada para fazer imagens noutros
pontos do país de mulheres com cabeça de vaca. Esta comparação – acompanhada pelos
relatos pessoais das mulheres fotografadas - serve para provocar, para agitar consciên-
45 cias, para gerar reações imediatas. Reações que levam a uma reflexão, algo que ajudará,
certamente, a melhorar o ritmo do passado no que toca à igualdade entre géneros num
país perigosamente patriarcal.
Num país onde os números referentes a questões tão graves quanto o assédio e abuso
sexual, casamentos forçados, casamento infantil, violência doméstica ou tráfico huma-
50 no ganham proporções verdadeiramente abjetas, é realmente chocante que uma vaca –
por mais sagrada que possa ser considerada por determinada religião e por mais respeito
que mereça enquanto animal – tenha mais atenção do que as mulheres no que toca a
agentes de autoridade, líderes religiosos e decisores políticos.
É, contudo, importante perceber que o que está em causa nesta série de fotografias
55 não é uma redução de proteção aos animais no país, neste caso as vacas. Trata-se sim de
pedir mais coerência no que toca à justiça e às suas prioridades naquela sociedade, com
os seus desafios concretos (e que são tantos). No caso da Índia, uma sociedade que ainda
relega as mulheres para um segundo patamar enquanto cidadãs e, até mesmo, enquanto
seres humanos, privando-as dos seus direitos mais básicos. Entre eles, a justiça, a liber-
60 dade e a dignidade.
Paula Cosme Pinto, «Índia: mais justiça para as vacas do que para as mulheres»,
in Expresso, 12 de julho de 2017 (disponível em http://expresso.sapo.pt/; consultado a 12/07/2017)

1. O conteúdo das linhas 1 a 6 permite ao leitor perceber a denúncia 8 pontos


(A) da corrupção que envolve a Justiça no tratamento de crimes contra as vacas.
(B) da similitude entre o tratamento que a Justiça faz de crimes contra as vacas e contra
as mulheres.
(C) do contraste entre o tratamento que a Justiça faz de crimes contra as vacas e contra
as mulheres.
(D) da corrupção que envolve a Justiça no tratamento de crimes contra as crianças.

2. Entre as linhas 7 e 12, Paula Cosme Pinto 8 pontos


(A) explica o papel das mulheres indianas na sociedade, segundo o fotógrafo Sujatro
Ghosh.
(B) descreve a profissão do fotógrafo Sujatro Ghosh.
(C) explica o facto económico que esteve na origem da atitude do fotógrafo Sujatro Ghosh.
(D) explica o facto político que esteve na origem da atitude do fotógrafo Sujatro Ghosh.

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PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 1

3. A frase «Para percebermos um bocadinho melhor o que leva o jovem fotógrafo 8 pontos
a fazer esta comparação, podemos olhar para alguns dados referentes à Índia.»
(linhas 13-14) prepara o leitor para a
(A) caracterização da atualidade indiana no que diz respeito à criminalidade.
(B) listagem de informações sobre a história da Índia.
(C) caracterização da sociedade indiana em geral.
(D) caracterização da atualidade indiana no que se refere a vacas/mulheres.

4. A sequência «Tudo isto» (linha 35) refere-se 8 pontos


(A) ao conteúdo do parágrafo anterior.
(B) ao conteúdo da frase anterior.
(C) aos estigmas indianos.
(D) à discussão política sobre agressões a vacas.

5. O parágrafo iniciado na linha 41 8 pontos


(A) explica o impacto que as fotografias publicadas tiveram em todo o mundo.
(B) exemplifica os resultados da pesquisa feita pelo fotógrafo.
(C) explica o impacto que as fotografias tiveram na Índia.
(D) explica o poder do Instagram.

6. Indique a função sintática desempenhada pela expressão «para um segundo 8 pontos


patamar» (linha 58).

7. Identifique o referente do pronome «eles» (linha 59). 8 pontos

GRUPO III
«A cultura assusta muito. É uma coisa apavorante para os ditadores. Um povo que lê
nunca será um povo de escravos.»
António Lobo Antunes, entrevista ao Diário de Notícias, 18 de novembro de 2003

Partindo da perspetiva exposta na citação acima reproduzida, e num texto bem estrutu-
rado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas palavras, apresente uma refle-
xão sobre a relação entre cultura, leitura e liberdade.

Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos, e ilustre


cada um deles com, pelo menos, um exemplo significativo.

40 pontos

367
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 2
GRUPO I
A
Leia o poema da Mensagem, de Fernando Pessoa.
Nevoeiro
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor1 baço da terra
Que é Portugal a entristecer –
5 Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo2 encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.


Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
10 (Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

É a Hora!

Fernando Pessoa, Mensagem (ed. Fernando


Cabral Martins), Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, p. 91

1
Fulgor: brilho intenso; clarão.
2
Fátuo: passageiro; efémero.

Cotações
1. Explique de que forma se manifesta neste poema a natureza épico-lírica de Mensa- 16 pontos
gem, justificando a sua resposta com elementos textuais.

2. Esclareça a forma como a personificação de Portugal é confirmada pelas antíteses 16 pontos


e paradoxos.

3. Evidencie o sentido dos dois últimos versos do poema, considerando a metáfora e 16 pontos
o uso inesperado de maiúscula.

4. Explicite de que modo a repetição dos pronomes «Ninguém» (versos 7 e 8) está ao 8 pontos
serviço da caracterização global de Portugal.

368
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 2

B
Leia o poema de Antero de Quental.
A um poeta
Tu que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita1 à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,

5 Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,


Afugentou as larvas tumulares…
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno…

Escuta! é a grande voz das multidões!


10 São teus irmãos, que se erguem! são canções…
Mas de guerra… e são vozes de rebate2!

Ergue-te pois, soldado do Futuro,


E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!

1
Antero de Quental, Sonetos Completos,
Levita: sacerdote; clérigo.
2
Lisboa, Ulisseia, 2002, p. 163
Rebate: ataque; assalto.

5. Explique o conteúdo deste poema, considerando as apóstrofes e o uso de verbos 16 pontos


no imperativo.

6. Compare o tempo atual presente no poema B com o tempo atual do poema A, socor- 16 pontos
rendo-se de elementos textuais que o comprovem.C

C
7. O heterónimo pessoano Álvaro de Campos é considerado o poeta da Modernidade. 16 pontos
Escreva uma breve exposição na qual inclua duas características que estão ao ser-
viço dessa Modernidade.
A sua exposição deve incluir:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual explicite as referidas características, fundamentando-as
com, pelo menos, um exemplo significativo;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

369
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 2

GRUPO II
Leia o texto.
Os usos e costumes já não são o que eram...
Há um ano vivíamos o primeiro dia do resto das nossas vidas como campeões euro-
peus de futebol. O momento inesquecível e o feito memorável continuarão a fazer os
portugueses felizes por muitos mais anos.
Iniciou-se por essa altura uma nova era motivacional na sociedade portuguesa, muito
5 aproveitada pelas classes políticas dominantes que muito capitalizaram nessa onda de
aspiração que banhou Portugal de norte a sul.
É nesse clima de êxtase nacional que surge, pouco tempo depois, a notícia sobre as
viagens de políticos, pagas pelos patrocinadores da seleção nacional, para assistirem a
jogos de Portugal no campeonato europeu de futebol em França.
10 Num país com tantas leis que não são cumpridas, muitas vezes por falta de fiscalização
e consequente penalização, é fácil descurar leis que (quase) nunca são aplicadas. Especial-
mente as que são feitas já com uma cláusula de salvaguarda que propositadamente dá azo
a interpretações subjetivas, tal como os usos e costumes que sejam socialmente aceites...
E como é do conhecimento geral, em Portugal existem muitos usos e costumes que
15 são socialmente aceites, mas que não estão inteiramente de acordo com a lei. A famosa
«cunha» ilustra bem a real dimensão da cultura de «favor» e de «vantagem» de que agora
tanto se fala.
Desta forma, os usos e costumes socialmente aceites pelos políticos, da esquerda à
direita, que aceitaram os convites desinteressados de um grande patrocinador privado, são
20 partilhados por deputados, membros do governo, presidentes de câmara e pela maioria
dos eleitores em Portugal.
Na altura, a reduzida pressão social aliada ao facto de quase todos os partidos políticos
terem telhados de vidro ajudou o governo a brilhar com a estrondosa ideia de elaborar
um código de conduta para referência futura. Pois, se fosse aplicado retroativamente, os
25 membros do governo envolvidos teriam eticamente que ser demitidos logo nesse verão.
A partir dessa altura as boas notícias não pareciam parar de chegar a Portugal. E o sen-
timento de que nada de mal podia acontecer a Portugal, ao governo e aos portugueses
em geral alastrou a todos os campeões nacionais.
Mas afinal parece que os usos e costumes já não são o que eram.Vem agora o minis-
30 tério público, um ano após a polémica, com interpretação legal diferente do socialmente
aceite, para choque de muitos políticos. E logo no dia de aniversário dos campeões euro-
peus de futebol.
É quase socialmente inaceitável... mas pode ajudar a renovar o sentido de ética da
sociedade portuguesa.
Paulo Barradas, Expresso, 11 de julho de 2017,
(disponível em http://expresso.sapo.pt; consultado a 11/07/2017)

370
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 2

1. Os dois primeiros parágrafos têm um papel de 8 pontos


(A) exemplificação.
(B) contextualização.
(C) ilustração.
(D) indagação.

2. Entre as linhas 10-13, o autor refere-se às leis que 8 pontos


(A) são promulgadas com chamadas de atenção que protegem casos específicos.
(B) não são cumpridas por falta de fiscalização.
(C) são promulgadas com cláusulas de fiscalização específica.
(D) são cumpridas, mas sem aceitação social.

3. A frase presente nas linhas 14-16 tem por base 8 pontos


(A) uma constatação científica.
(B) uma evidência empírica.
(C) um resultado estatístico.
(D) uma verdade universal.

4. Nos dois últimos parágrafos do texto, Paulo Barradas considera a nova interpre- 8 pontos
tação da lei feita pelo ministério público com
(A) ironia relativamente à mudança do paradigma social.
(B) esperança relativamente à permanência do paradigma ético.
(C) desdém relativamente à mudança do paradigma político.
(D) esperança relativamente à mudança do paradigma ético.

5. Na expressão «A famosa “cunha” ilustra bem a real dimensão» (linhas 15-16), os 8 pontos
elementos destacados desempenham, respetivamente, as funções sintáticas de
(A) modificador restritivo do nome (nos dois primeiros casos) e complemento direto (no
terceiro).
(B) modificador restritivo do nome, modificador e complemento indireto.
(C) modificador restritivo do nome, modificador e complemento direto.
(D) complemento do nome, modificador e complemento indireto.

6. Identifique a função sintática da oração destacada na sequência «Mas afinal 8 pontos


parece que os usos e costumes já não são o que eram» (linha 29).
7. Classifique a oração iniciada por «que» (linha 10). 8 pontos

371
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 2

GRUPO III
Em várias das suas intervenções públicas, o Papa Francisco refere-se à «globalização
da indiferença».

Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas pala-
vras, defenda um ponto de vista pessoal sobre a problemática apresentada.

Fundamente o seu ponto d e vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos, e ilustre


cada um deles com, pelo menos, um exemplo significativo.

40 pontos

372
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 3
GRUPO I
A
Leia o excerto de O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago.
Agora, sai, urbanamente deu as boas-tardes, e agradecendo saiu pela porta da Rua
dos Correeiros, esta que dá para a grande babilónia1 de ferro e vidro que é a Praça da
Figueira, ainda agitada, porém nada que se possa comparar com as horas da manhã,
ruidosas de gritos e pregões até ao paroxismo2. Respira-se uma atmosfera composta de
5 mil cheiros intensos, a couve esmagada e murcha, a excrementos de coelho, a penas de
galinha escaldadas, a sangue, a pele esfolada. Andam a lavar as bancadas, as ruas interio-
res, com baldes e agulheta 3, e ásperos piaçabas4, ouve-se de vez em quando um arrastar
metálico, depois um estrondo, foi uma porta ondulada que se fechou. Ricardo Reis
rodeou a praça pelo sul, entrou na Rua dos Douradores, quase não chovia já, por isso
10 pôde fechar o guarda-chuva, olhar para cima, e ver as altas frontarias de cinza parda, as
fileiras de janelas à mesma altura, as de peitoril, as de sacada, com as monótonas can-
tarias prolongando-se pelo enfiamento da rua, até se confundirem em delgadas faixas
verticais, cada vez mais estreitas, mas não tanto que se escondessem num ponto de fuga,
porque lá ao fundo, aparentemente cortando o caminho, levanta-se um prédio da Rua
15 da Conceição, igual de cor, de janelas e de grades, feito segundo o mesmo risco, ou
de mínima diferença, todos porejando sombra e humidade, libertando nos saguões5 o
cheiro dos esgotos rachados, com esparsas6 baforadas de gás, como não haveriam de ter
as faces pálidas os caixeiros que vêm até à porta das lojas, com as suas batas ou guarda-
-pós7 de paninho cinzento, o lápis de tinta entalado na orelha, o ar enfadado de ser hoje
20 segunda-feira e não ter o domingo valido a pena. A rua está calçada de pedra grossa,
irregular, é um basalto quase preto onde saltam os rodados metálicos das carroças e
onde, em tempo seco, não este, ferem lume as ferraduras das muares 8 quando o arrasto
da carga passa as marcas e a forças.
José Saramago, O Ano da Morte de Ricardo Reis,
21.ª ed., Alfragide, Editorial Caminho, 2013, [cap. II], pp. 54-55

1 3 7
Babilónia: cidade Agulheta: agulha Guarda-pós: casaco
grande e de ruas grossa; tubo metálico. que se veste por cima
irregulares; confusão; 4
Piaçabas: vassouras. de um fato para o
desordem. 5
Saguões: pátios. proteger da sujidade.
2 8
Paroxismo: ponto de 6
Esparsas: dispersas; Muares: espécie de
maior intensidade; soltas. animal híbrido – burro,
agonia antes da morte. égua ou cavalo.

Cotações
1. Comprove que existe deambulação geográfica, justificando a sua resposta com 16 pontos
elementos textuais.

373
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 3

2. Caracterize, com as suas próprias palavras, o espaço da cidade como representa- 16 pontos
ção do século XX.

3. Evidencie a presença da intertextualidade José Saramago / Cesário Verde, comen- 16 pontos


tando o recurso à enumeração e pontuação saramaguianas.

4. Explique o recurso à metáfora identificada em «A rua está calçada de pedra grossa, 8 pontos
irregular, é um basalto quase preto».

B
Leia o excerto do poema «O sentimento dum ocidental», de Cesário Verde.
I – Ave-Marias
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade1, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício2, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

5 O céu parece baixo e de neblina,


O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba 3
Toldam-se d’uma cor monótona e londrina.
(…)

10 Semelham-se a gaiolas, com viveiros,


As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates4, aos magotes5,


15 De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões6, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

Cesário Verde, Cânticos do Realismo – O Livro de Cesário Verde,


(introd. Helena Carvalhão Buescu).
Lisboa, INCM, 2015, pp. 122-123
1
Soturnidade: qualidade de ser triste
ou sombrio.
2
Bulício: rumor; murmúrio; agitação.
3
Turba: multidão.
4
Calafates: operários.
5
Magotes: multidões.
6
Boqueirões: ruas ou travessas que
vão dar ao cais, ao rio.

374
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 3

5. Mostre como este excerto dá vida à representação da cidade e dos tipos sociais, 16 pontos
apresentando transcrições que confirmem a sua resposta.

6. Explique em que medida o recurso a adjetivos e a verbos contribui para caracterizar 16 pontos
o sujeito poético e o recurso à comparação serve o propósito de caracterizar as
personagens que ele vê.

C
7. Os contos do século XX comungam de um mesmo traço: o da brevidade narrativa. 16 pontos

Escreva uma breve exposição sobre um dos contos que estudou, referindo duas caracterís-
ticas que confirmem tal brevidade.
A sua exposição deve incluir:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual explicite as referidas características, fundamentando-as
com, pelo menos, um exemplo significativo;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

375
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 3

GRUPO II
Leia o texto.
A Bíblia de Frederico Lourenço
Para mim, que sempre tive com Deus uma relação complicada, que tanto me zango
com Ele, que às vezes sou tão injusto (ou talvez não, pode ser que em algumas ocasiões
a razão esteja do meu lado) que me apetece, quando me interrogam acerca da nossa
relação, responder como Voltaire (– Cumprimentamo-nos mas não nos falamos) mas
5 este trabalho de Frederico Lourenço fez-me aproximar mais d’Ele e de Cristo.
Este livro, a tradução da Bíblia por Frederico Lourenço, é um dos mais importantes
publicados em Portugal nos últimos muitos anos. Repito: um dos mais importantes
publicados em Portugal nos últimos muitos anos. Como leitor tenho de agradecer a
Francisco José Viegas que para além de escritor de mérito é uma das figuras fulcrais da
10 nossa Terra no que à literatura diz respeito, quer como difusor dela quer como diretor
de revistas literárias, quer como crítico, quer como editor. Podemos discordar dele: não
pode ser-nos indiferente e, coisa muito rara, é intelectualmente honesto. Com a publi-
cação desta Bíblia assina indelevelmente o seu nome no panorama literário português.
E agora, se me permitem, vou falar um pouco da obra em apreço.
15 Eu sou um colecionador e leitor de Bíblias. Devo ter duas dezenas nas línguas em
que consigo ler, julgo ter estudado um número razoável de versões do texto sagrado e
de comentários a ele, e enche-me de orgulho dizer que não conheço outro trabalho da
grandeza deste e da sua altíssima qualidade. Devemos a Frederico Lourenço um texto
excecional, de seriedade e talento imensos. Estou muito à vontade para falar disto por-
20 que não conheço o autor, nunca o encontrei, nunca falei com ele, vi, por junto, uma
fotografia sua no jornal. Não li os seus romances, não sabia sequer que os tinha escrito,
li dois volumes seus de estudos sobre autores gregos que me pareceram sérios e muito
bons, apreciei principalmente o que escreveu sobre Eurípedes, um dos meus diletos
(convém ter imensos diletos para não ter nenhum) e a minha amiga Sara Belo Luís ofe-
25 receu-me o primeiro e depois o segundo tomo da sua tradução da Bíblia.
A qualidade deste feito é excecional.
Frederico Lourenço consegue dar-nos a beleza única deste monumento único com
uma surpreendente fidelidade e uma capacidade criativa em tudo invulgar. Não encon-
trei nenhum livro comparável a este, em primeiro lugar no que à escrita diz respeito,
30 transmitindo-nos tanto quanto posso avaliar a sua beleza e qualidade ímpares e acom-
panhando-as de uma coleção de notas de espantosa elegância, erudição e humildade
que honram ainda mais o seu Autor. A orgulhosa modéstia de Frederico Lourenço,
o respeito absoluto e a compreensão orgânica do material fazem desta Obra qualquer
coisa de único no panorama intelectual português e do homem que a conseguiu uma
35 figura de cumeeira1. Nunca tinha, que me lembre, falado assim de um Livro e de um
Escritor. (…)

376
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 3

Eu acho que Frederico Lourenço foi tocado pela Graça e invejo-o por isso, e tenho
ciúmes por isso só de imaginar que Deus o prefere a mim, mesmo achando que tem
boas razões para tal. Esta Bíblia possui todas as características para perdurar e creio que
40 o autor deste livro português poderá dizer, como Bocage
Isto é meu, isto não morre que, aqui para nós, é o que costumo pensar do que escrevo.
Percebi também que Frederico Lourenço é filho de M.S. Lourenço, que tão pouco
conheci mas de quem li alguma coisa. Estava a lembrar-me de uma obra chamada
O guardador de automóveis, encontrada na adolescência, de que ainda sei alguns versos
45 de cor, por exemplo «aceito Deus uno e trino mas não aceito Deus cabeleireiro de
senhoras» ou de um outro que me impressionou muito e continua a impressionar-me:
«Porque estais tristes: não me reconheceis?» Peço perdão se cito mal mas é assim que
os recordo. Sobretudo este último, que me tem acompanhado ao longo dos anos por
razões que não sei ou, antes, creio que sei mas não vou mencioná-las. O importante
50 é esta Bíblia, um grande livro que decerto perdurará muitos, muitos anos na reduzida
prateleira da Grande Arte da nossa Literatura, pelo seu rigor, pela sua beleza, pela sua
absoluta e luminosa fidelidade. Como português agradeço-lhe do coração.
Como escritor agradeço-lhe do fundo da alma. A Arte não é um desporto de com-
petição, a Casa do Pai tem muitas moradas. E sempre achei que a grandeza dos outros
55 aumentava o meu tamanho: muito obrigado por me ter dado alguns centímetros a mais.
Agora vejo mais longe. E, além disso, ajudou-me a sentir orgulho no meu trabalho. Isto
é meu, isto não morre. Bocage, tradutor do meu querido Ovídio, deve estar cheio de
peneiras do Frederico Lourenço.
António Lobo Antunes, «A Bíblia de Frederico Lourenço», in Visão,
22 de junho de 2017 (disponível em http://visao.sapo.pt;
1
Cumeeira: cume, topo. consultado a 22/06/2017; texto adaptado)

1. No primeiro parágrafo, António Lobo Antunes refere que a sua relação com Deus sempre foi
(A) complexa, mas a tradução de Frederico Lourenço veio torná-la simples. 8 pontos
(B) complexa, mas Frederico Lourenço deu-lhe a conhecer um outro olhar sobre a figura
de Cristo.
(C) de puro cumprimento, sem diálogo, mas a tradução de Frederico Lourenço levou-o a
estar mais perto de Deus-Pai e Deus-Filho.
(D) de puro cumprimento, mas a tradução de Frederico Lourenço levou-o a uma relação
mais simples com Deus-Pai e Deus-Filho.

2. No terceiro parágrafo, o escritor 8 pontos


(A) salvaguarda a sua opinião sobre o tradutor com o facto de nunca ter privado com ele.
(B) explica que tem autonomia para criticar porque nunca é parcial nos seus juízos.
(C) salvaguarda a sua opinião sobre a tradução porque não conhece outras.
(D) salvaguarda a sua opinião sobre o tradutor com o facto de ela se basear na qualidade
do editor.

377
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 3

3. No quinto parágrafo, Lobo Antunes exalta as seguintes qualidades do tradutor: 8 pontos


(A) compreensão do texto grego, capacidade tecnológica, modéstia e graciosidade.
(B) fé, habilidade estética, modéstia e graciosidade.
(C) fé, criatividade, imodéstia e inspiração divina.
(D) compreensão linguística e espiritual do texto, habilidade estética, humildade e inspi-
ração divina.

4. Entre as linhas 42 e 52, Lobo Antunes rememora 8 pontos


(A) obras do pai do tradutor para explicar o talento do filho.
(B) obras de M.S. Lourenço para o exaltar relativamente ao filho.
(C) obras de M.S. Lourenço, mas depressa abandona essa divagação e volta ao assunto
central.
(D) obras do pai do tradutor para exaltar a superioridade do filho.

5. A referência a Bocage serve para 8 pontos


(A) mostrar a inveja de Lobo Antunes para com Frederico Lourenço.
(B) simbolizar o orgulho dos escritores portugueses para com esta obra de Frederico Lou-
renço.
(C) contrariar a opinião de Lobo Antunes sobre esta obra de Frederico Lourenço.
(D) simbolizar a qualidade de todas as traduções feitas por intelectuais portugueses.

6. Classifique a oração «que me parecerem muito sérios e bons» (linhas 22-23). 8 pontos

7. Identifique a função sintática do pronome presente em «Frederico Lourenço consegue


dar-nos a beleza única deste monumento único» (linha 27). 8 pontos

GRUPO III
É comummente proferida a ideia de que a Música se reveste de uma linguagem uni-
versal.

Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas pala-
vras, defenda um ponto de vista pessoal sobre a ideia apresentada.

Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos, e ilustre


cada um deles com, pelo menos, um exemplo significativo.

40 pontos

378
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 4
GRUPO I
A
Leia o excerto de «George», de Maria Judite de Carvalho.
Já não sabe, não quer saber, quando saiu da vila e partiu à descoberta da cidade gran-
de, onde, dizia-se lá em casa, as mulheres se perdem. Mais tarde partiu por além terra,
por além mar. Fez loiros os cabelos, de todos os loiros, um dia ruivos por cansaço de si,
mais tarde castanhos, loiros de novo, esverdeados, nunca escuros, quase pretos, como
5 dantes eram. Teve muitos amores, grandes e não tanto, definitivos e passageiros, sim-
ples amores, casou-se, divorciou-se, partiu, chegou, voltou a partir e a chegar, quantas
vezes? Agora está – estava –, até quando?, em Amsterdão.
Depois de ter deixado a vila, viveu sempre em quartos alugados mais ou menos
modestos, depois em casas mobiladas mais ou menos agradáveis. As últimas foram
10 mesmo francamente confortáveis. Vives numa casa mobilada sem nada teu? Mas deve ser um
horror, como podes? teria dito a mãe, se soubesse. Não o soube, porém. As cartas que lhe
escrevia nunca tinham sido minuciosas, de resto detestava escrever cartas e só muito
raramente o fazia. Depois o pai morreu e a mãe logo a seguir.
Uma casa mobilada, sempre pensou, é a certeza de uma porta aberta de par em par,
15 de mãos livres, de rua nova à espera dos seus pés. As pessoas ficam tão estupidamente
presas a um móvel, a um tapete já gasto de tantos passos, aos bibelots1 acumulados ao
longo das vidas e cheios de recordações, de vozes, de olhares, de mãos, de gente, enfim.
Pega-se numa jarra e ali está algo de quem um dia apareceu com rosas. Tem alguns
livros, mas poucos, como os amigos que julga sinceros, sê-lo-ão? Aos outros livros,
20 dá-os, vende-os a peso, que leve se sente depois!
– Parece-me que às vezes fazes isso, enfim, toda essa desertificação, com esforço,
com sofrimento – disse-lhe um dia o seu amor de então.
– Talvez – respondeu –, talvez. Mas prefiro não pensar no caso.
Queria estar sempre pronta para partir sem que os objetos a envolvessem, a seguras-
25 sem, a obrigassem a demorar-se mais um dia que fosse. Disponível, pensava. Senhora
de si. Para partir, para chegar. Mesmo para estar onde estava.
Maria Judite de Carvalho, «George»,
in Maria Isabel Rocheta & Serafina Martins (coord.),
Conto Português [séculos XIX-XXI]: Antologia Crítica,
vol. 3, Porto, Edições Caixotim, 2011, pp. 116-117

1
Bibelots: pequenos objetos que servem
para adornar mobília ou partes da casa.

379
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 4
Cotações
1. Mostre que, entre as linhas 8 e 13, percebemos a relação de oposição entre George e 16 pontos
a família.

2. Esclareça o papel do discurso direto da Mãe e do diálogo de George com o seu 16 pontos
«amor de então» na tricotomia realidade / memória / imaginação.

3. Explique em que medida o conteúdo das linhas 14 a 26 revela a complexidade da 16 pontos


natureza de George.

4. Explicite o valor expressivo do pleonasmo presente na última frase do excerto. 8 pontos

B
Leia o excerto de A Ilustre Casa de Ramires, de Eça de Queirós.
Sem temor, erguido sobre o travesseiro, Gonçalo não duvidava da realidade maravi-
lhosa! Sim! Eram os seus avós Ramires, os seus formidáveis avós históricos, que, das suas
tumbas1 dispersas corriam, se juntavam na velha casa de Santa Ireneia nove vezes secular
5 – e formavam em torno do seu leito, do leito em que ele nascera, como a assembleia
majestosa da sua raça ressurgida. (…)
Então, por aquela ternura atenta do mais poético dos Ramires, Gonçalo sentiu que
a sua ascendência2 toda o amava – e da escuridão das tumbas dispersas acudira para o
velar e socorrer na sua fraqueza. Com um longo gemido, arrojando a roupa, desafogou,
10 dolorosamente contou aos seus avós ressurgidos a arrenegada3 Sorte que o combatia
e que sobre a sua vida, sem descanso, amontoava tristeza, vergonha e perda! E eis que
subitamente um ferro faiscou na treva, com um abafado brado: «−Neto, doce neto, toma
a minha lança nunca partida!...» E logo o punho duma clara espada lhe roçou o peito,
com outra grave voz que o animava: «−Neto, doce neto, toma a espada pura que lidou
15 em Ourique!...» (…)
Como sombras levadas num vento transcendente, todos os avós formidáveis perpassa-
vam – e arrebatadamente lhe estendiam as suas armas, rijas e provadas armas, todas, através
de toda a história… (…) «− Oh neto, toma as nossas armas e vence a Sorte inimiga!...»

Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires,


Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2014,
[cap. X], pp. 296-297
1
Tumbas: túmulos; caixões.
2
Ascendência: linha de geração anterior.
3
Arrenegada: azarenta; contrária.

380
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 4

5. Caracterize psicologicamente Gonçalo Mendes Ramires e os seus «avós históri- 16 pontos


cos», evidenciando a complexidade do protagonista.

6. Compare, servindo-se das suas próprias palavras, o binómio passado/presente nos 16 pontos
textos A e B.

C
7. Na obra O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago cria um verdadeiro triân- 16 pontos
gulo amoroso, que culmina num final infeliz.
Escreva uma breve exposição sobre esta triangulação amorosa infeliz, referindo dois
aspetos que a confirmem.
A sua exposição deve incluir:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual explicite os citados aspetos, fundamentando-os com, pelo
menos, um exemplo significativo;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

381
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 4

GRUPO II
Leia o texto.
Histórias e desabafos sobre o iPhone
Com todas as suas fraquezas tornou-se o telefone mais famoso no dia em que Steve
Jobs o apresentou ao mundo.
Um gesto, chamaram-lhe pinch. Afastamos os dedos e as coisas ficam maiores, apro-
ximamos e lá vão elas para o seu sítio. Um movimento, o discreto balanço dos gráficos
5 no ecrã do iPhone que faz com que pareça que estamos mesmo a interagir com objetos
físicos. O teclado virtual era odiado e gozado por quase todos. É impossível escrever
naquilo, imitavam-se os esforços dos fãs, risada certa. A máquina fotográfica de 2 Mg
não gravava vídeo. Não tinha 3G, o que já era claramente uma desvantagem técnica em
2007. Um preço tão absurdo que poucas semanas depois a Apple cortava 100 dólares, e
10 via-se na obrigação de indemnizar todos os que tinham pago sem esse desconto, ofen-
didos com o corte abrupto em tão pouco tempo.
Todos falavam dele e o sucesso foi relativo. Era uma máquina com inovações, sem
dúvida, mas tecnicamente fraca em muitos aspetos, em relação ao que já se usava. Com
todas as suas fraquezas tornou-se o telefone mais famoso no dia em que Steve Jobs o
15 apresentou ao mundo.
O descarado escolheu um dia de janeiro em que decorria a CES, a maior feira de ele-
trónica de consumo do mundo. Todos os jornalistas que interessavam nesta área estavam
em Las Vegas a ver as novidades. Todos não, Jobs escolheu bem uns poucos e convenceu-
-os, um a um, a irem ver uma coisa nova, supostamente sem lhes dizer sequer o que era.
20 Ainda hoje os que não aceitaram se arrependem e são de certa forma gozados pelos que
correram o risco. Só alguns anos depois teriam a certeza de ter de facto assistido a um
momento histórico. Vale a pena ver essa apresentação, Jobs no seu melhor. Quando estava
a editar a reportagem dos 10 anos para a SIC e chegou o momento em que é revelado o
nome, a Vanda Paixão, que estava a trabalhar comigo, disse − até arrepia. E 10 anos depois
25 até arrepia.
Steve Jobs vai num crescendo, criando expectativa, falando do tempo que levou, da
importância que vai ter, começa por dar a entender que vai mostrar três coisas novas,
um telefone, um iPod (leitor de música) e um navegador revolucionário para a internet.
Ao longo do discurso leva facilmente a pequena multidão a concluir por si própria que
30 está a falar de um único aparelho. Quando revela o nome estão prontos para o delírio,
além das palmas os olhos dos convidados brilham, os sorrisos parecem paralisados em
grande parte daquelas caras. O novo aparelho fez correr tanta tinta pelo que trazia de
novo que houve gente a acampar dias à porta das lojas para estar entre os primeiros que
foram comprar no dia 29 de junho nos Estados Unidos. Hoje, estas filas, apesar do que
35 se vê na TV, não têm nada que ver com as originais.
O que Jobs e a sua equipa fizeram foi repensar o interface, a forma como nos rela-
cionamos com a máquina. Criaram uma relação táctil com objetos virtuais que têm

382
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 4

vindo a aperfeiçoar, os iPhones e até os computadores de hoje reagem à intensidade do


nosso toque e respondem com toques e vibrações na nossa pele. Na tal apresentação é
40 notória a forma como fala das funções de leitor, diz que é como se tocássemos na música
que vamos ouvir. Perceberam a importância que a navegação na internet iria ter. Só há
muito pouco tempo os browsers de outros telefones começaram a aproximar-se do que
o iPhone trazia. Navegar lado a lado com um iPhone e outro qualquer aparelho fazia a
outra marca parecer uma anedota. Claro que hoje já não é assim.
45 O golpe de génio seguinte seria a abertura da loja aos programadores. E de que
maneira. Qualquer tipo capaz de programar umas coisas, que fizesse um programa
interessante, poderia, quando muito, ganhar 30% do preço de venda. Um pouco como
acontece com os livros, mas com os livros é pior ainda. A Apple inverteu a coisa e
passou a dar 70% aos criadores. Além disso, facilitou o processo e criou ferramentas
50 que ajudavam. Foi só ao fim de um ano que os programadores puderam então vender
os seus pequenos programas aos utilizadores de iPhone. Isto provocou uma explosão
de funcionalidades e de escolhas. Começaram nas 500 aplicações, depois lembro-me
do dia em que só de meteorologia já existiam 400 aplicações diferentes. A certa altura
houve uma guerra com a Apple e o Android a competir no número de apps disponível
55 no seu sistema. Hoje já terão ultrapassado os 2 milhões e 200 mil. E o Windows Mobile
não descola em boa parte porque os programadores não investem no sistema.
Os designers da Apple acertaram em tanta coisa que obrigaram todo o mercado a
seguir. É verdade, a Apple copia muito do que o Android vai fazendo de inovador e
o inverso também. Passam a vida nisso para grande satisfação dos fãs de um ou outro
60 sistema que assim se podem insultar à vez. A verdade é que todos, todos os telefones
que hoje usamos são um ecrã tátil num corpo o mais fino possível. Se olharem para as
fotografias dos telefones daquele tempo verão uma maravilhosa profusão de cores e de
design, redondos, em meia-lua, quadrados, com teclas grandes ou teclas pequenas, com
teclados partidos ao meio, em concha, em tablet, metade de cada lado. Hoje caímos
65 numa triste monotonia, porque os designers de Jobs tinham razão e ninguém inventou
coisa melhor. Se está a pensar no último Blackberry que para aí apareceu, é apenas a
exceção necessária para confirmar a regra que acabei de enunciar. A riqueza dos apare-
lhos de hoje está nos programas que correm, cada um usa o que precisa e o que gosta,
dos milhões disponíveis, a preços ridículos, quando não gratuitos.
70 Só um ano depois chegaria a Portugal, com a versão 3G. Dez jornalistas portugueses
tiveram que assinar um contrato que quase parecia um pacto para terem a possibilidade
de conhecer a máquina como deve ser durante 10 dias, antes do lançamento. As notícias
aqui em Portugal sobre as novas versões são feitas como se estivéssemos a lutar contra
a marca, a tentar mesmo assim fazer um trabalho decente sem os instrumentos que
75 têm até os bloggers em Espanha. É um direito deles, claro, mas vamos fazendo porque
a mesma marca que tomou esta decisão soube tornar-se quase obrigatória nas notícias.
Uma escolha que confesso que me custa a entender.
Lourenço Medeiros, «Histórias e desabafos sobre o iPhone», in Visão,
5 de julho de 2017 (disponível em http://visao.sapo.pt/; consultado a 05/07/2017; texto adaptado)

383
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 4

1. As frases 3 e 4 do texto 8 pontos


(A) explicam as funcionalidades do «pinch».
(B) criticam as funcionalidades do «pinch».
(C) elogiam as funcionalidades do «pinch».
(D) explicam as vantagens e desvantagens do «pinch».

2. Entre as linhas 16 e 25, Lourenço Medeiros 8 pontos


(A) descreve Steve Jobs.
(B) caracteriza o novo iPhone de Steve Jobs.
(C) descreve a estratégia de apresentação do iPhone por Steve Jobs.
(D) caracteriza a relação entre Steve Jobs e os jornalistas.

3. Entre as linhas 36 e 44, o autor exalta 8 pontos


(A) as funcionalidades técnicas do iPhone de Steve Jobs.
(B) as funcionalidades químicas do iPhone de Steve Jobs.
(C) a relação elétrica que o utilizador tem com o iPhone de Steve Jobs.
(D) a relação física que o utilizador tem com o iPhone de Steve Jobs.

4. O conteúdo das linhas 45 a 56 integra a relação entre o novo software do iPhone e 8 pontos
(A) os programadores e seus efeitos.
(B) a Apple e seus efeitos.
(C) o Android e seus efeitos.
(D) o Windows Mobile e seus efeitos.

5. O último parágrafo do texto refere-se 8 pontos


(A) às facilidades de apresentação deste iPhone em Portugal.
(B) às desvantagens da apresentação deste iPhone em Portugal.
(C) às contingências da apresentação deste iPhone em Portugal.
(D) às contingências da comercialização deste iPhone em Portugal.

6. Classifique a oração destacada em «Uma escolha que confesso que me custa a 8 pontos
entender.» (linha 77).
7. Identifique as funções sintáticas dos elementos destacados em «Dez jornalis- 8 pontos
tas portugueses tiveram que assinar um contrato que quase parecia um pacto»
(linhas 70-71).

GRUPO III
A Idade Média é também conhecida como a «Idade das Trevas».
Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas pala-
vras, defenda um ponto de vista pessoal sobre a ideia apresentada.
Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos, e ilustre
cada um deles com, pelo menos, um exemplo significativo. 40 pontos

384
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 5
GRUPO I
A
Leia o poema de Ana Luísa Amaral.
Epopeias de luz
I
Queria um poema de epopeia
e luz,
escrito às duas da tarde
5 e num café,
um espelho à minha esquerda,
o café amarelo (que é cor de que não gosto,
mas que brilha
na tarde adolescente)
(…)
II
10 Mas o Adamastor era uma rocha
e as sereias não há (que as provas: mais)
Minha pobre palavra que traí:
Antes tê-la deixado
contida nessa linha a seduzir,
15 antes tê-la guardado no centro
do olhar,
não lhe permitir ver espelhos de sol,
não lhe falar de adolescência
e luz, navegações e sonhos
20 quinhentistas
Que depois: a conquista,
o coração pesado de ambições,
tortura de poderes
Minha pobre palavra
25 que se julgou, por minha culpa,
grande,
e que às duas da tarde e num café,
se confundiu no espelho,
tomou por ouro o amarelo em cor,
30 e se perdeu de amores Ana Luísa Amaral, Inversos, poesia 1990-2010,
por réplicas de olhar Lisboa, D. Quixote, 2010, pp. 185-189

385
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 5
Cotações
1. Explique o conteúdo do excerto do poema de Ana Luísa Amaral, a partir do contras- 16 pontos
te existente entre «um poema de epopeia / e luz» e «a conquista, / o coração pesado
de ambições, / tortura de poderes».
2. Explicite a arte poética, tendo em conta a relação que, neste poema, existe entre 16 pontos
«poeta» e «palavra».
3. Esclareça o sentido dos dois últimos versos. 16 pontos

4. Evidencie de que forma este poema é um exemplo claro da representação do contem- 8 pontos
porâneo.

B
Leia a estância seguinte do canto IX d'Os Lusíadas.
93
E ponde na cobiça um freio1 duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe2 e escuro
Vício da tirania infame3 e urgente;
5 Porque essas honras vãs; esse ouro puro,
Verdadeiro valor não dão à gente.
Milhor é merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer.

Luís de Camões, Os Lusíadas (leitura, prefácio e notas de Álvaro Júlio da Costa Pimpão),
4.ª ed., Lisboa, Ministério dos Negócios Estrangeiros/Instituto Camões, 2000, p. 410

1 2
Freio: peça metálica presa às Torpe: desonesto.
rédeas de um cavalo para o 3
Infame: vil; imoral.
controlar/conduzir.

5. Sintetize as críticas que Camões tece aos portugueses neste momento de reflexão. 16 pontos
6. Estabeleça uma comparação entre a mensagem desta estância e a do Texto A. 16 pontos

C
7. Em O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago, existe uma relação de 16 pontos
intertextualidade com a poesia de Cesário Verde.
Escreva uma breve exposição sobre a referida intertextualidade Saramago / Cesário,
referindo duas características que a confirmem.
A sua exposição deve incluir:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual explicite as referidas características, fundamentando-as
com, pelo menos, um exemplo significativo;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

386
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 5

GRUPO II
Leia o texto.
Há uma nova história da chegada dos humanos à Austrália
Uma equipa de arqueólogos escavou as camadas mais profundas de um abrigo situado
no norte da Austrália, onde já tinham sido encontrados vestígios importantes da mais
antiga ocupação humana no continente, e encontrou novas provas que reescrevem a
história dos aborígenes. Segundo o artigo publicado na revista Nature, a chegada dos
5 humanos à Austrália aconteceu há 65 mil anos. As anteriores estimativas sugeriam que
este evento tinha acontecido mais tarde: algo entre há 47 e 60 mil anos.
Os trabalhos de escavações na camada mais funda do abrigo de rocha decorreram em
2015 e resultaram na recolha de mais de 11 mil artefactos de pedra que se encontravam
no sítio de Madjedbebe. Desta vez, foram encontradas ferramentas de pedra que desven-
10 dam alguns detalhes do modo de vida destes primeiros humanos a chegar à Austrália.
A equipa descobriu machados de pedra, ferramentas usadas para moagem de sementes
antigas e setas de pedra delicadamente esculpidas, entre outros achados.
«O sítio contém a tecnologia de machados de pedra mais antiga do mundo, as fer-
ramentas de moagem de sementes mais antigas conhecidas na Austrália e evidências de
15 setas de pedra finamente esculpidas, que podem ter servido de pontas de lança», refere
Chris Clarkson, arqueólogo da Universidade de Queensland que liderou as escavações
e principal autor do artigo, num comunicado da Corporação Aborígene Gundjeihmi
sobre o estudo.
Para a rigorosa datação, os arqueólogos avaliaram cuidadosamente a posição dos arte-
20 factos, garantindo que correspondem às idades dos sedimentos que os envolviam. De
acordo com um comunicado da Nature sobre o artigo, o trabalho de datação confirmou
a integridade estratigráfica (relacionada com as camadas de rochas e sedimentos) do local,
«comprovando um padrão de aumento da idade com profundidade e fornecendo idades
que são mais precisas do que antes». A parte mais profunda da escavação terá cerca de 65
25 mil anos, concluiu a equipa de especialistas, antecipando o tempo da primeira ocupação
na região que estava estabelecido até agora.
«Os resultados estabelecem uma nova idade mínima para a dispersão de humanos
modernos fora de África e em todo o sul da Ásia. Além disso, as descobertas indicam que
os humanos modernos chegaram ao continente antes da extinção da megafauna austra-
30 liana, um evento em que a participação dos humanos tem sido questionada», refere ainda
o comunicado.
Andrea Cunha Freitas, «Há uma nova história da chegada dos humanos à Austrália»,
in Público, 20 de julho de 2017 (disponível em https://www.publico.pt/;
consultado a 20/07/2017)

387
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 5

1. A primeira frase do texto 8 pontos


(A) revela estudos da História da Arte que motivam a atualização da informação sobre a
fisionomia dos autóctones australianos.
(B) critica a recente descoberta que motiva uma atualização da história dos autóctones
australianos.
(C) explica o recente estudo sobre os autóctones australianos.
(D) revela a recente descoberta que motiva uma atualização da história dos autóctones
australianos.

2. A relação existente entre a terceira e a quarta frases do texto é de 8 pontos


(A) realce.
(B) contraste.
(C) semelhança.
(D) igualdade.

3. De acordo com o segundo parágrafo, as ferramentas encontradas são de natureza 8 pontos


(A) bélica, agrícola e requintada.
(B) piscatória, agrícola e requintada.
(C) estética, agrícola e requintada.
(D) estética, piscatória e bélica.

4. Em relação ao segundo parágrafo, o terceiro apresenta-se como 8 pontos


(A) empírico.
(B) crítico.
(C) subjetivo.
(D) confirmador.

5. Entre as linhas 19 e 26, percebemos que a datação dos artefactos 8 pontos


(A) corresponde às informações geológicas já conhecidas.
(B) corresponde às informações arqueológicas já conhecidas.
(C) contraria as informações geológicas já conhecidas.
(D) corresponde às informações biológicas já conhecidas.

6. Identifique o(s) tipo(s) de deixis presente na sequência «onde já tinham sido 8 pontos
encontrados vestígios importantes da mais antiga ocupação humana no conti-
nente» (linhas 2-3).

7. Indique o valor da oração subordinada adjetiva relativa «que podem ter servido de 8 pontos
pontas de lança» (linha 15).

388
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 5

GRUPO III
Apesar de as federações desportivas o negarem, o investimento financeiro no Futebol
é claramente superior ao que é dado aos outros desportos/modalidades.

Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas pala-
vras, defenda um ponto de vista pessoal sobre a ideia apresentada.

Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos, e ilustre


cada um deles com, pelo menos, um exemplo significativo.

40 pontos

389
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 6
GRUPO I
A
Leia o poema de Ruy Belo.
Relatório e contas
Setembro é o teu mês, homem da tarde
anunciada em folhas como uma ameaça
Ninguém morreu ainda e tudo treme já
Ventos e chuvas rondam pelos côncavos dos céus
5 e brilhas como quem no próprio brilho se consome
Tens retiradas hábeis, sabes como
a maçã se arredonda e se rebola à volta do que a rói
Há uvas há o trigo e o búzio da azeitona asperge1 em leque o som
inabalável
nos leves ondulados e restritos renques2 das mais longínquas oliveiras
conhecidas
10 Poisas sólidos pés sobre tantas traições e no entanto foste jovem
e tinhas quem sinceramente acreditasse em ti
A consciência mói-te mais que uma doença
reúnes em redor da casa equilibrada restos de rebanhos
e voltas entre estevas3 pelos múltiplos caminhos
15 Há fumos névoas noites coisas que se elevam e dispersam
regressas como quem dependurado cai da sua podridão de pomo4
Reconheces o teu terrível nome as rugas do teu riso
começam já então a retalhar-te a cara
Despedias poentes por diversos pontos realmente
20 És aquele que no maior número possível de palavras nada disse
Comprazes-te5 contigo quando o próprio sol
desce sobre o teu pátio e passa tantas mãos na pele dos rostos que
tiveste
Ruy Belo, Boca Bilingue, Porto,
Assírio & Alvim, 2016, p. 65

1 4
Asperge: borrifa; espalha. Pomo: fruto carnudo.
2 5
Renques: filas. Comprazes-te: congratulas-te;
3
Estevas: arbustos. regozijas-te; orgulhas-te.

Cotações
1. Explicite a relação entre a Natureza e a Vida do Ser Humano, socorrendo-se de cita- 16 pontos
ções textuais.

390
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 6

2. Evidencie a presença de preocupações metafísicas a partir da vivência física, trans- 16 pontos


crevendo as sequências textuais que confirmem a sua resposta.

3. Selecione vocábulos ao serviço da ideia de velhice e aproximação da morte. 16 pontos

4. Explique o título do poema. 8 pontos

B
Leia o seguinte excerto de Auto da Feira, de Gil Vicente.
Entra Roma cantando:
Roma (…)
Vejamos se nesta feira,
que Mercúrio aqui faz
acharei a vender paz
5 que me livre da canseira
em que a fortuna me traz.
(…)

[Roma falando com o Diabo] Porque a troco do amor


de Deos te comprei mentira
10 e a troco do temor
que tinha da sua ira
me deste o seu desamor1.
E a troco da fama minha
e santas prosperidades
15 me deste mil torpidades2
e quantas virtudes tinha
te troquei polas maldades.

Serafim Ca3 se vós a paz quereis


senhora sereis servida
20 e logo a levareis
a troco de santa vida
(…)

Gil Vicente, As Obras de Gil Vicente (direção científica


de José Camões), Lisboa, INCM, 2001, pp. 167-168

1
Desamor: aborrecimento; indiferença.
2
Torpidades: cruezas, crueldades.
3
Ca: porque.

391
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 6

5. Tendo em conta o conteúdo dos versos 1 a 17, explique de que forma esta per- 16 pontos
sonagem se assume representação alegórica, socorrendo-se de transcrições que
confirmem a sua resposta.

6. Considerando a intervenção do Serafim, esclareça a perspetivação metafísica/ 16 pontos


religiosa típica de Gil Vicente.

C
7. Na poesia de Fernando Pessoa ortónimo, encontramos a temática da nostalgia da 16 pontos
infância.
Escreva uma breve exposição sobre esta temática, referindo duas características que a
consigam espelhar.
A sua exposição deve incluir:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual explicite as referidas características, fundamentando-as
com, pelo menos, um exemplo significativo;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

392
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 6

GRUPO II
Leia o texto.
Estudos dizem que viajar pode ser o segredo para uma vida mais longa
Será que o facto de viajar faz com que tenha uma vida mais longa? Há quem diga
que sim. Quem tenta prová-lo é June Scott, uma apaixonada por viagens com 86 anos.
Quando lhe perguntam onde vive, a resposta, em tom de brincadeira, é simples – «esta
manhã ou em viagem?».
5 June já visitou os sete continentes e 87 países e promete não parar. A sua casa fica em
Illinois, nos Estados Unidos, e é para lá que vai quando regressa de viagem. As suas últi-
mas paragens foram a Palestina e Israel, depois de uma passagem por Cuba. Em dezem-
bro, teve uma experiência a que chamou única: dormiu numa tenda no maior deserto
de areia do mundo – o Rub‘ alKhali, que abrange áreas da Arábia Saudita, de Omã, dos
10 Emirados Árabes Unidos e do Iémen −, muitas vezes considerado um dos lugares menos
explorados do planeta. E, no verão passado, sobrevoou a Costa dos Esqueletos, na Namí-
bia, num pequeníssimo avião.
Mas June não é só uma avó com um passaporte recheado – é uma das participantes
de um estudo sobre «Super Aging», da Universidade Northwestern, em Illinois. «Super
15 Aging» é um termo que se aplica ao «bom envelhecimento», isto é, à maneira de envelhe-
cer sem perder capacidades mentais ou de memória. Os «SuperAgers» (termo aplicado
pelo neurologista Marsel Mesulam) são idosos cuja memória e atenção não estão sim-
plesmente acima da média para a idade, mas equivalem a pessoas quatro ou cinco décadas
mais novas.
20 À medida que a maioria dos seres humanos envelhece, os seus cérebros vão encolhen-
do, o que leva a uma perda das capacidades intelectuais e cognitivas. «Pensa-se que a atro-
fia contribui, em parte, para os momentos de esquecimento que os idosos experienciam
durante o envelhecimento», afirma Emily Rogalski, doutorada em Filosofia e diretora
do estudo.
25 Pelo contrário, os SuperAgers como June perdem menos volume de cérebro – um
estudo descobriu que, num período de 18 meses, as pessoas mais velhas normais perdem
duas vezes mais volume no córtex (a área do cérebro ligada ao pensamento crítico) do
que os SuperAgers. Por outras palavras, o cérebro de June é considerado mais jovem do
que ela, com certas partes semelhantes aos cérebros de pessoas de cinquenta anos. Lem-
30 bre-se que June tem 86.
Mas afinal o que têm as viagens a ver com o caso?
June Scott dir-lhe-á que as viagens a mantêm viva e efetivamente mais nova: «Sou
uma pessoa curiosa. Quero aprender ao longo da minha vida, e as viagens tornam a
minha vida muito mais interessante», afirmou em entrevista à Condé Nast Traveler.
35 Durante o verão, June e a família não alugavam, como muitos outros, uma casa na
praia para as crianças poderem brincar. Ela, o marido e os filhos percorriam os Parques
Nacionais norte-americanos. Quando eram novos, June ficou em casa a tomar conta

393
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 6

deles. Só aos 40 se tornou professora. Mas nunca deixou de viajar. Durante a sua já longa
vida, June Scott conviveu com gorilas em Ruanda, e seguiu a sua árvore genealógica até
40 à antiga Checoslováquia.
Claro que nem todos os SuperAgers são apaixonados por viagens. No entanto, o estu-
do sugere que «os SuperAgers tendem a ser socialmente ativos, mesmo quando fazem
voluntariado com os sem-abrigo, participam em grupos da igreja, jogam cartas, leem
histórias às crianças pequenas. E alguns, como June Scott, são viajantes ávidos», conclui
45 Emily Rogalski. Aliás, as conversas fazem com que os cérebros funcionem. E quando as
pessoas viajam, normalmente dialogam com o companheiro de viagem, marido e grupo
de amigos, mas também com desconhecidos.
Segundo esta apaixonada por viagens, as suas aventuras «abrem-lhe a visão e a forma
de pensar». Os pesquisadores acabam por concordar, já que os cérebros se enriquecem
50 com novidades e desafios. «Anteriormente pensava-se que nascíamos com uma certa
quantidade de neurónios e que esse número ia diminuindo», diz Rogalski. «Agora, esta-
mos a chegar à conclusão de que talvez não seja bem assim».
June assume ser uma felizarda por ter os meios e a energia suficientes para alimentar
a sua vontade de viajar e a constante procura de novas aventuras. «Quando não tenho
55 bilhetes de viagem na gaveta, sinto que estou a caminhar para a morte». Apesar de todas
as adversidades e dificuldades que vai encontrando pelo caminho, quando chega a um
lugar sente que os esforços compensam. «Eu acredito nas viagens. E acho que mais e mais
pessoas deveriam fazê-las, para que possamos todos ser embaixadores do mundo em que
vivemos», afirma.
60 E quais são os próximos planos desta octogenária? Uma viagem à Etiópia no próximo
outono, onde planeia explorar as igrejas escavadas na rocha e aprender sobre as diferentes
tribos do sul. «Será uma experiência muito ativa e por isso pensei: bem, quanto mais cedo,
melhor», conclui June Scott.
In Volta ao Mundo, 6 de julho de 2017
(disponível em www.voltaomundo.pt; consultado a 06/07/179)

1. Os dois primeiros parágrafos 8 pontos


(A) apresentam a britânica Jane Scott, realçando a sua característica mais peculiar: ser
uma viajante compulsiva.
(B) apresentam a americana Jane Scott, realçando a sua característica mais peculiar: ser
uma viajante compulsiva.
(C) apresentam e caracterizam todos os países visitados por Jane Scott.
(D) realçam as características turísticas de todos os países que Jane Scott já visitou.

394
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 6

2. O uso de parênteses na linhas 16-17 serve o propósito de 8 pontos


(A) definição.
(B) confirmação.
(C) contraste.
(D) enumeração.

3. A frase interrogativa presente na linha 31 8 pontos


(A) questiona o conceito de «Super Aging».
(B) introduz a conclusão sobre a relação viagem-envelhecimento.
(C) introduz a explicação da relação viagem-envelhecimento.
(D) introduz a crítica subjetiva sobre a relação viagem-envelhecimento.

4. O oitavo parágrafo fornece-nos duas informações sobre Jane Scott, 8 pontos


(A) o seu passado turístico e o seu interesse pelos antepassados.
(B) o seu passado biológico e o seu interesse pelos antepassados.
(C) o seu presente turístico e o seu interesse pelos antepassados.
8 pontos
(D) o seu presente turístico e o seu interesse pelos seus descendentes.

5. Entre as linhas 54 e 59, a reprodução do discurso direto


(A) mostra-nos as dificuldades vividas pelo locutor.
(B) permite-nos perceber o sarcasmo do locutor.
(C) permite-nos perceber os sentimentos e opiniões do locutor.
(D) mostra-nos os projetos futuros do locutor.

6. Identifique a função sintática do elemento destacado na frase «E alguns, como 8 pontos


June Scott, são viajantes ávidos», conclui Emily Rogalski.» (linhas 44-45).

7. Classifique a oração «já que os cérebros se enriquecem com novidades e desa- 8 pontos
fios.» (linhas 49-50).

GRUPO III
Na sociedade contemporânea, o tempo livre das crianças é quase exclusivamente
dedicado às novas tecnologias, afastando-as do hábito milenar de brincar ao ar livre.

Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas pala-
vras, defenda um ponto de vista pessoal sobre a ideia apresentada.

Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos, e ilustre


cada um deles com, pelo menos, um exemplo significativo. 40 pontos

395
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 7
GRUPO I
A
Leia o poema de Vasco Graça Moura.
blues1 da morte de amor
já ninguém morre de amor, eu uma vez
andei lá perto, estive mesmo quase,
era um tempo de humores bem sacudidos,
depressões sincopadas, bem graves, minha querida.
5 mas afinal não morri, como se vê, ah, não,
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz2,
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes3,
ah, sim, pela noite dentro, minha querida.

a gente sopra e não atina, há um aperto


10 no coração, uma tensão no clarinete e
tão desgraçado o que senti, mas realmente,
mas realmente eu nunca tive jeito, ah, não,
eu nunca tive queda para kamikaze4,
é tudo uma questão de swing 5, de swing minha querida,
15 saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim.

há ritmos na rua que vêm de casa em casa,


ao acender das luzes, uma aqui, outra ali.
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha
20 no lusco-fusco da canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente,
minha querida, toda a gente do bairro,
e então murmurei, a ver fugir a escala
do clarinete: — morrer ou não morrer, darling6, ah, sim.

Vasco Graça Moura, Poesia Reunida,


vol. 1, Lisboa, Quetzal, 2012, p. 437

1 3
Blues: género musical norte-americano, do início do século Oh yes: «ó sim».
XX, que retrata em música sentimentos de dor. 4
Kamikaze: piloto japonês suicida.
2
Jazz: género de música vocal e instrumental que, tal como 5
Swing: género de música semelhante ao jazz e ao blues;
o blues, foi criado por negros norte-americanos do início baloiço de parque.
do século XX e cuja maior característica é a improvisação. 6
Darling: «querida».

396
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 7
Cotações
1. Esclareça, socorrendo-se das suas próprias palavras, a conceção de Amor para o 16 pontos
poeta, bem como a lição de vida que a acompanha. Transcreva sequências textuais
que o comprovem.
2. Explique a importância deste tipo de música como panaceia (remédio e cura) para 16 pontos
o amante sofredor.
3. Evidencie a expressividade da seleção de vocábulos, das interjeições e das apóstrofes. 16 pontos
4. Explique a expressividade do título do poema. 8 pontos

B
Leia o excerto da «Conclusão», de Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco.
Oh! Simão, de que céu tão lindo caímos? À hora que te escrevo, estás tu para entrar na
nau dos degredados, e eu na sepultura.
Que importa morrer, se não podemos jamais ter nesta vida a nossa esperança de há três
anos?! Poderias tu com desesperança e com a vida, Simão? Eu não podia. Os instantes
5 do dormir eram os escassos benefícios que Deus me concedia; a morte é mais que uma
necessidade; é uma misericórdia divina, uma bem-aventurança para mim.
E que farias tu da vida sem a tua companheira de martírio? Onde irás tu aviventar o
coração que a desgraça te esmagou, sem o esquecimento da imagem desta dócil mulher,
que seguiu cegamente a estrela da tua malfadada sorte?!
10 Tu nunca hás de amar, não, meu esposo? Terias pejo1 de ti mesmo, se uma vez visses
passar rapidamente a minha sombra por diante dos teus olhos enxutos? Sofre, sofre ao
coração da tua amiga estas derradeiras2 perguntas, a que tu responderás, no alto-mar,
quando esta carta leres.
Rompe a manhã.Vou ver a minha última aurora… A última dos meus dezoito anos!

Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição,


1 2
Lisboa, D. Quixote, 2006, p. 217
Pejo: vergonha; pudor. Derradeiras: últimas.

5. Justifique que este excerto da «Conclusão» é prova exemplar da conceção do 16 pontos


amor-paixão do Romantismo.
6. Compare a visão do Amor expressa no Texto A com a do Texto B. 16 pontos

C
7. O «Livro do Desassossego» é considerado uma obra fragmentária. 16 pontos
Escreva uma breve exposição sobre a fragmentaridade do livro pessoano, referindo duas
características que a confirmem.
A sua exposição deve incluir:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual explicite as referidas características, fundamentando-as
com, pelo menos, um exemplo significativo;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

397
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 7

GRUPO II
Leia o texto.
São um dos mais rápidos e eficientes predadores dos mares, os tubarões. São 23
medalhas olímpicas e 39 recordes mundiais que fazem dele o campeão da água, Michael
Phelps. O norte-americano, que já bateu todos os recordes frente a outros humanos, viu
nos tubarões adversários à altura e nadou 100 metros contra um tubarão branco para o
5 Discovery Channel, que esta semana recebe a Shark Week.
Entre 23 e 30 de julho em Portugal, o tema tubarões volta a ocupar a grelha do canal
como faz desde o final dos anos 1980 nos EUA. Na edição deste ano são 18 programas
inéditos que todas as noites, depois das 21h, vão encher o ecrã de tubarões.
Para já, recuemos a 1975. Foi há mais de 40 anos que o blockbuster de Steven Spielberg
10 deixou o mundo com medo d'O Tubarão − influenciando a opinião pública quanto ao
seu perigo. «Os tubarões são a espécie com menos ataques mortíferos em termos esta-
tísticos. Os insetos, as aranhas e outros animais provocam mais fatalidades anualmente
do que os tubarões», esclareceu o biólogo João Correia na sexta-feira, na apresentação
da Shark Week num veleiro no rio Tejo. Para tentar acabar com mitos e alertar para a
15 necessidade de conservação da espécie, dizimada pela pesca descontrolada e pela degra-
dação dos seus habitats, o Discovery Channel criou uma semana de programação espe-
cial com os tubarões como protagonistas.
Foi no Verão de 1988 que aconteceu a primeira Shark Week, uma semana com pro-
gramação especial que inicialmente tinha um caráter mais informativo e que com os
20 anos se foi aproximando do tom do entretenimento. Este ano, e pela primeira vez, a
Shark Week passa em simultâneo em 72 países no Discovery Channel. Dos 18 conteú-
dos inéditos da programação, dois contam com a participação do atleta olímpico, Escola
de Tubarões e Phelps vs Tubarão.
O arranque faz-se este domingo com Escola de Tubarões − quando Michael Phelps,
25 antes de enfrentar um tubarão, faz um curso intensivo com os especialistas Doc Gruber
e Tristan Guttridge. Phelps vai aprender a nadar em segurança entre estas criaturas,
inclusive quando um tubarão-martelo passa a escassos centímetros da sua cara. No pró-
ximo domingo, a maior atração: o duelo entre as duas máquinas da natureza, o tubarão
branco e o rapaz de Baltimore, Michael Phelps.
30 Para além destes documentários, o canal acompanhará por exemplo uma viagem até
uma praia na costa da Califórnia onde um tubarão branco tem atacado a cada dois anos
desde 2008 (O Ataque do Tubarão Branco, dia 24), tentando identificar o animal através
de tecnologia satélite.
Marisa Ferreira, «Esta semana, Michael Phelps compete
com um tubarão», in Público, 23 julho de 2017
(disponível em https://www.publico.pt/; consultado a 25/07/2017)

398
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 7

1. As duas primeiras frases do texto estabelecem uma relação de 8 pontos


(A) contraste
(B) ênfase.
(C) paralelismo.
(D) antonímia.

2. De acordo com o primeiro parágrafo, a decisão de Michael Phelps foi motivada por 8 pontos
(A) puro prazer desportivo.
(B) superação de um desafio para além do humano.
(C) superação de um record pessoal contra um animal.
(D) intenção de igualar um record de um surfista.

3. A opinião do biólogo João Correia 8 pontos


(A) desmistifica a ideia trazida pelo filme de Spielberg.
(B) desmistifica a caça ao tubarão.
(C) acompanha a ideia do filme de Spielberg.
(D) exemplifica a ideia do filme de Spielberg.

4. Os dados estatísticos provam que os ataques mortíferos 8 pontos


(A) dos tubarões são menos frequentes do que os dos insetos.
(B) dos insetos são menos frequentes do que os dos tubarões.
(C) dos outros animais são tão frequentes como os dos tubarões.
(D) das aranhas são mais frequentes do que os dos outros animais.

5. A expressão «as duas máquinas da natureza» (linha 28) estabelece com a expres- 8 pontos
são «o tubarão branco e o rapaz de Baltimore» (linhas 28-29) uma relação de
(A) holonímia / meronímia.
(B) sinonímia / antonímia.
(C) anáfora.
(D) catáfora.

6. Indique o valor da oração subordinada adjetiva relativa presente em «que esta 8 pontos
semana recebe a Shark Week» (linha 5).

7. Classifique a oração subordinada presente em «o tema tubarões volta a ocupar a 8 pontos


grelha do canal como faz desde o final dos anos 1980 nos EUA.» (linhas 6-7).

399
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 7

GRUPO III
O ditado popular «De poeta e de louco todos temos um pouco» ainda se adapta ple-
namente ao ser humano do século XXI.

Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas pala-
vras, defenda um ponto de vista pessoal sobre a ideia apresentada.

Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos, e ilustre


cada um deles com, pelo menos, um exemplo significativo.

40 pontos

400
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 8
GRUPO I
A
Leia o poema de Jorge de Sena.
Quem a tem...
Não hei de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.

Eu não posso senão ser


desta terra em que nasci.
5 Embora ao mundo pertença
e sempre a verdade vença,
qual será ser livre aqui,
não hei de morrer sem saber.

Trocaram tudo em maldade,


10 é quase um crime viver.
Mas, embora escondam tudo
e me queiram cego e mudo,
não hei de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.
Jorge de Sena, Antologia Poética,
Porto, Asa, 2001, p. 85

Cotações
1. Explicite a tomada de posição do sujeito poético em relação ao contexto sociopolí- 16 pontos
tico seu contemporâneo.

2. Explicite a expressividade do recurso presente em «cor da liberdade» e ainda o 16 pontos


valor da aliteração que perpassa toda a segunda estrofe.

3. Esclareça o sentido do título do poema. 16 pontos

4. Esclareça o valor expressivo das conjunções «Mas» e «embora» (linha 11). 8 pontos

401
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 8

B
Leia o excerto do capítulo V do Sermão de Santo António aos Peixes, de Padre António Vieira.
Mas já que estamos nas covas do mar, antes que saiamos delas, temos lá o irmão Polvo,
contra o qual têm suas queixas, e grandes, não menos que São Basílio, e Santo Ambrósio.
O Polvo com aquele seu capelo1 na cabeça parece um Monge, com aqueles seus raios
estendidos, parece uma Estrela; com aquele não ter osso, nem espinha, parece a mesma
5 brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocri-
sia tão santa, testemunham constantemente os dois grandes Doutores da Igreja Latina,
e Grega, que o dito Polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição do Polvo pri-
meiramente em se vestir, ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores, a que está
pegado. As cores, que no Camaleão são gala, no Polvo são malícia; (…) Vê, Peixe aleivoso2,
10 e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua comparação já é menos traidor. (…) Vejo,
Peixes, que pelo conhecimento, que tendes das terras, em que batem os vossos mares, me
estais respondendo, e convindo, que também nelas há falsidades, enganos, fingimentos,
embustes, ciladas, e muito maiores, e mais perniciosas3 traições.

Padre António Vieira, Sermão de Santo António,


in Obra Completa (dir. José Eduardo Franco e Pedro Calafate),
tomo II, volume X. Lisboa, Círculo de Leitores, 2014,
pp. 162-163

1
Capelo: capuz do hábito de frades.
2
Aleivoso: traidor.
3
Perniciosas: perigosas.

5. Mostre de que forma o Polvo é alegoria da sociedade do tempo de Padre António 16 pontos
Vieira, socorrendo-se de transcrições que comprovem a sua resposta.

6. Explique o valor do recurso expressivo presente em «hipocrisia tão santa». 16 pontos

C
7. Em Memorial do Convento, José Saramago adota uma visão crítica do Portugal 16 pontos
setecentista.
Escreva uma breve exposição sobre esta visão, referindo duas características que melhor
a revelem.
A sua exposição deve incluir:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual explicite as referidas características, fundamentando-as
com, pelo menos, um exemplo significativo;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

402
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA8

GRUPO II
Leia o texto.
Saber como funcionam os bastidores do cérebro, que papel desempenham as emoções,
os preconceitos, a seleção de dados e outros mecanismos inconscientes poderá ajudar-nos
a lidar melhor com os dilemas do quotidiano.
Será que agimos escolhendo sempre a melhor opção para os nossos interesses? Esse
5 esquema reducionista, que se tornou conhecido por «conduta racional», foi o principal
paradigma utilizado pelos estudiosos durante anos. Para muitos, tratava-se de uma sim-
plificação, como indicava o filósofo e matemático britânico Bertrand Russell (1872-
-1970): «Diz-se que o homem é um animal racional. Passei toda a minha vida a procurar
evidências que apoiem tal afirmação.» Seria como afirmar que a Amazon não passa de
10 uma marca, sem tomar em consideração o conglomerado de armazéns, empresas distri-
buidoras e de transporte e os milhares de trabalhadores que operam nos bastidores. As
suas páginas na internet são apenas a face visível para os clientes, do mesmo modo que a
consciência humana é como a espuma que flutua sobre águas profundas.
Hoje, sabemos que o nosso comportamento é, efetivamente, muito mais complexo
15 do que se supunha. Estamos convencidos de que sabemos o que se passa connosco, o
que queremos e o que tencionamos fazer, mas o pensamento consciente só tem acesso
a alguns dos processos que ocorrem incessantemente no cérebro. A sua credibilidade é
igual à de um indivíduo embriagado convencido de poder caminhar em linha reta sem
cambalear.
20 Como quem abre o capot de um carro para entender os mecanismos que lhe permi-
tem mover-se, psicólogos, neurocientistas e economistas aperceberam-se do papel deci-
sivo desempenhado pelas emoções, os desejos e os infinitos processos que se ativam de
forma inconsciente. A marca deixada por esses fatores irracionais é percetível de cada
vez que sentimos, desejamos, pensamos ou tentamos compreender o que nos rodeia, ou
25 seja: sempre. Por vezes, conduzem-nos a uma solução rápida e eficaz, mas, outras vezes,
fazem-nos cair em erro por não termos avaliado calmamente todos os prós e contras.
A revelação desses bastidores mentais irá permitir-nos perceber por que motivo faze-
mos, por vezes, escolhas perniciosas, não concretizamos os nossos planos ou deixamos
de fazer algo que nos teria beneficiado. Porém, talvez se trate de um conhecimento que
30 nos fará sentir muito mais inseguros: como poderemos ter a certeza de não estar a ser
arrastados por fatores irresistíveis que poderão acabar por nos levar por mau caminho?
O problema é, sobretudo, o inverso: o falso sentido de segurança que acompanha os
nossos atos, em muitas ocasiões, é, como indicam os especialistas, um dos sintomas de que
nos estamos a deixar conduzir pela corrente de automatismos incontroláveis.A dúvida, pelo
35 contrário, provoca uma grande insatisfação, mas é sinal de que a razão tomou as rédeas.
Quando menos se espera
O psicólogo britânico Richard Wiseman convidou um astrólogo especializado em finan-
ças, um analista de mercados e uma menina de quatro anos a participar numa experiência:

403
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 8

ofereceu-lhes dinheiro para investirem na Bolsa como quisessem. Após um período de


40 tempo acordado, comprovar-se-ia quem conseguira ter mais lucros, ou, se não os hou-
vesse, menos perdas.
Enquanto o astrólogo baseou a sua escolha nas datas em que as empresas tinham sido
fundadas, o investidor recorreu à sua vasta experiência. Como é óbvio, a menina, desco-
nhecendo por completo o mundo dos negócios, escolhia as suas ações ao acaso. Depois
45 de ganhar, a criança transformou-se numa celebridade, com pedidos de entrevistas por
parte de jornais de economia e propostas para aparecer em programas de televisão.
O mundo das finanças está sujeito a constantes abalos e turbilhões. Na opinião do
ensaísta libanês Nassim Nicholas Taleb, a sabedoria exibida pelos especialistas do setor faz
«o seu valor previsível não ser maior do que o da astrologia». A menina ganha porque as
50 suas escolhas são aleatórias e sem preconceitos.
Visão estratégica
Primeiro, devemos tomar em consideração que há diferentes tipos de jogos. Nos que
são conhecidos como de soma zero, como o xadrez ou o póquer, apenas um vence e os
outros perdem, sem meio-termo, mas a verdade é que se produzem pouco na vida real.
55 O mais comum é o que se tornou conhecido por «dilema do prisioneiro». A polícia prende
dois suspeitos de um crime e, depois de os fechar em celas separadas, oferece a cada um a
possibilidade de confessar. Se um falar (trair o outro) e o outro ficar calado, o que confessou
é libertado, enquanto o cúmplice silencioso cumpre dez anos. Se ambos ficarem em silên-
cio (colaborarem um com ou outro), a polícia só pode condená-los a um ano cada um. Se
60 ambos confessarem (traírem o comparsa), cada um leva cinco anos de cadeia.
Este tipo de análise pode ser aplicado a uma infinidade de situações, como as alterna-
tivas à disposição dos governos para lutar contra as alterações climáticas. Neste caso, os
interesses económicos de cada país colidem com a necessidade de resolver um problema
comum.
In Superinteressante, dezembro de 2016

1. O conceito de «conduta racional» (linha 5) 8 pontos


(A) foi trazido por um filósofo inglês setecentista.
(B) vigora ainda na contemporaneidade.
(C) explica de forma concisa o funcionamento do cérebro humano.
(D) não é abrangente nem atual.

404
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROVA-MODELO – PROVA 8

2. De acordo com o quarto parágrafo, a comunidade científica 8 pontos


(A) confirmou empiricamente a supremacia do pensamento em relação às emoções.
(B) descobriu que o comportamento humano é influenciado por questões tecnológicas.
(C) concluiu que o comportamento humano está dependente do pensamento, mas tam-
bém de mecanismos inconscientes e sensoriais.
(D) concluiu que a marca Amazon é nociva ao cérebro.

3. O recente conhecimento dos «bastidores cerebrais» 8 pontos


(A) trouxe mais segurança à compreensão do comportamento humano.
(B) mostra que o comportamento humano pode ser movido por «automatismos incontro-
láveis».
(C) mostra que a razão é sempre indutora dos melhores comportamentos.
(D) trouxe mais segurança ao controlo das emoções.

4. A experiência do investimento das três pessoas na Bolsa permitiu concluir que 8 pontos
(A) o acaso e a idade são os grandes responsáveis pelo sucesso final.
(B) o acaso e a ciência são os grandes responsáveis pelo sucesso final.
(C) o acaso e o incontrolável são os grandes responsáveis pelo sucesso final.
(D) a idade e a espiritualidade sobrepõem-se ao cálculo matemático na antecipação do
sucesso final.

5. O «dilema do prisioneiro» 8 pontos


(A) aplica-se ao contexto político-económico atual.
(B) contrasta com o contexto sociopolítico atual.
(C) afasta-se do contexto político atual.
(D) explica o contexto cultural atual.

6. Identifique a função sintática desempenhada pela oração subordinada presente 8 pontos


em «"Diz-se que o homem é um animal racional."» (linha 8).

7. Classifique a oração subordinada na sequência «ofereceu-lhes dinheiro para 8 pontos


investirem na Bolsa» (linha 39).

405
PREPARAR O EXAME NACIONAL

PROVA-MODELO – PROVA 8

GRUPO III
Nos dias que correm, muitas pessoas optam por ebook1, em detrimento dos livros
impressos.

Num texto bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas pala-
vras, defenda um ponto de vista pessoal sobre a ideia apresentada.

Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois argumentos, e ilustre


cada um deles com, pelo menos, um exemplo significativo.

40 pontos

1
Ebook: livro eletrónico.

406
PORTUGUÊS 12.o ANO

PROPOSTAS DE RESOLUÇÃO
Educação literária • 10.o Ano FICHA 3 (p. 16)
1. A primeira parte corresponde às duas primeiras estrofes e
FICHA 1 (p. 13) inclui as perguntas feitas pela Mãe; a segunda parte integra
as estrofes 3 e 4, pois nelas estão inseridas as respostas da
1. Trata-se de um diálogo, uma vez que existe discurso direto,
filha; a terceira parte diz respeito às duas últimas estrofes,
quando a donzela diz «Ai flores, ai flores do verde pino, / Se
em que sobressai a resposta da Mãe, experiente e arguta,
sabedes novas do meu amigo?» (versos 1-2), desejando obter
que diz à jovem que nunca «cervo» foi causa de tal demora
uma resposta. Por outro lado, testemunhamos tal resposta no
discurso direto das «flores»: «– Vós preguntades polo voss’ na fonte.
amigo / E eu bem vos digo que é san’e vivo.» (versos 13-14) 2. Uma filha jovem foi à fonte com o objetivo de se encontrar
2. Estamos perante uma personificação das «flores», visto que com o seu amigo e demorou-se mais do que o costume. Che-
a elas são atribuídas propriedades humanas, tais como a fala/ gando a casa, a Mãe pergunta o motivo da demora e a jovem
interlocução, como se verifica em «– Vós preguntades polo afirma que um animal selvagem («cervo») agitou as águas e
voss’amigo / E eu bem vos digo (…)» (versos 13-14). ela teve de esperar que ele se fosse embora. A Mãe, por sua
vez, reconhece a mentira e verbaliza-o claramente.
3. O tema desta composição poética prende-se com a angús-
tia de uma jovem enamorada que quer saber onde está o 3. O 1.o e o 2.o dísticos têm o mesmo sentido, apenas mudan-
seu amado. Quanto ao assunto, trata-se de uma jovem com do as palavras que rimam; no 3.o dístico, o 1.o verso retoma
saudades e dúvidas acerca dos sentimentos e do regresso o 2.o verso do 1.o dístico (com acréscimo de apóstrofe feita
do seu amado. Dirige-se a elementos da Natureza, no caso a «mia madre»; o 4.o dístico retoma (em sentido) o 2.o verso
«flores do verde pino», tentando saber do seu paradeiro. do 1.o dístico; o pensamento lógico da cantiga progride sem-
Neste sentido, as flores prontamente a informam de que ele pre no 2.o verso de cada estrofe ímpar: «por que tardastes
se ausentou, mas está prestes a regressar e irá fazê-lo antes na fontana fria?» (verso 2); «cervos do monte a áugua volv[i]
do prazo combinado. am» (verso 8); «nunca vi cervo que volvesse o rio» (verso 14);
o texto tem um número par de estrofes.
4. A jovem/amiga está muito insegura, saudosa e cética relativa-
mente ao regresso do seu amado. A sua expectância revela-se na 4. As apóstrofes confirmam o diálogo, e o binómio pergunta/
constante repetição do refrão. As «flores do verde pino», na sua resposta não deixa margem para dúvidas: «filha, mia filha
qualidade de confidentes, revelam-se calmas, apaziguadoras, velida»; «filha, mia filha louçana»; «mia madre»; «mia filha».
fornecendo informação que tornará a menina mais confiante. 5. O recurso expressivo é a aliteração do som consonântico
5. Neste poema encontram-se temáticas que confirmam a sua «f» em «fria fontana» / «fontana fria», cujo valor expressivo
pertença ao género Cantigas de Amigo: a presença da Nature- pode prender-se com a frescura do lugar onde os amantes se
za amiga e confidente da jovem enamorada, que se sente sau- encontravam, propício à aproximação dos corpos, ou ainda
dosa e enganada pelo seu amado; o amor com seus encontros com movimentações da água da fonte.
e desencontros; o sujeito poético é típico também: uma jovem; 6. Em «Cervos do monte a áugua volv[i]am» vemos uma anás-
a ruralidade/o cenário campestre; a saudade, que pressupõe trofe ao serviço da desorganização do mover das águas, re-
ausência; a presença de um refrão que dá forma a um tom mu- fletida na intensidade dos amores vividos.
sical inequívoco. 7. Nas estrofes 5 e 6 percebemos claramente a sabedoria em-
6. Vejamos as razões que dão vida às várias formas de parale- pírica da Mãe, sendo que a utilização do advérbio «nunca»
lismo, que inclui o leixa-pren: Primeira, os 1.o e 2.o dísticos na sequência «nunca vi cervo que volvesse o rio» (verso 14)
reproduzem o mesmo sentido, com palavras rimantes apresenta um arg umento impossível de ser contrariado pela
diferentes («amigo/comigo», «amado/jurado». Segunda, no 3.o jovem: a Mãe experiente provavelmente já passou pelo mes-
dístico, o 1.o verso retoma o 2.o verso do 1.o dístico («Se sabe- mo na juventude e agora conhece bem «os amores» da filha.
des novas do meu amigo») – leixa-pren, portanto. Terceira, o 8. a) Movimento – aliterações do som «v» («cervos do monte
4.o dístico retoma o 2.o verso do 2.o dístico («se sabedes novas a áugua volv[i]am» – verso 8) e «s» («nunca vi cervo que vol-
do meu amado»). Quarta, cada 2.o verso das estrofes ímpares vesse o rio» – verso 14). b) Lamento – aliteração do som «m»
faz progredir a linha de pensamento subjacente a esta cantiga, («Mentir, mia filha, mentir por amado» – verso 16), que revela
como se vê reproduzido a seguir: (1) «se sabedes novas do meu uma certa tristeza da Mãe por perceber que a filha lhe está a
amigo»; (3) «Aquele que mentiu do que pôs conmigo»; (5) «E mentir. c) Alegria, entusiasmo e nervosismo – assonância do
eu bem vos digo que é san’e vivo»; (7) «será vosco ant’o prazo som vocálico «i», como em «(…) filha, mia filha velida» (verso
saído». Quinta, a composição poética tem um número par de 1) / «Tardei, mia madre, na fontana fria,» (verso 7) / «cervos
estrofes/coblas (no caso, 8). do monte a áugua volv[i]am » (verso 8) – alegria, entusiasmo
7. a) F – redondilha menor; b) V. e algum nervosismo da menina ou «nunca vi cervo que vol-
8.1 metátese («pre» – «per»); síncope («tades – taes > tais). vesse o rio» (verso 14) – nervosismo da Mãe por estar a con-
frontar a filha com a mentira.
FICHA 2 (p. 15) 9. Os vocábulos são: «fontana»; «cervos»; «monte»; «áugua»;
1. O assunto é o sofrimento de amor por uma jovem apaixonada «rio»; «alto».
devido à ausência do seu amado.
2. Os dois sentimentos são «cuidado» (preocupação, ânsia cons- FICHA 4 (p. 18)
tantes) e «desejo» (desejo carnal, revelando erotismo). 1. Pelo título, percebemos que o autor vai imitar «a maneira
3. A palavra que melhor exemplifica a «coita de amor» é «coita- proençal», isto é, como os seus contemporâneos de Proven-
da», ou até «cuidado» (versos 1 e 5). ça (sul de França) vai louvar uma mulher, servindo-se dos
4. O sentido é o da visão, pois o sofrimento de amor agudiza-se mesmos modelos de conteúdos e estilo (vocabulário e sinta-
porque não o vê («e nom vejo» – verso 6). xe eruditos, como, por exemplo, «a que prez nem fremosura
5. Aliteração do som «m», que instaura sentimentos de lamento e nom fal» (verso 4), «comprida de bem» (verso 6) e «comunal»
queixume, associados ao sofrimento provocado pela ausência (verso 11).
do amado. 2. O cenário é o da corte ou, pelo menos, palaciano.

407
PREPARAR O EXAME NACIONAL

3. O sujeito está subentendido na forma verbal em «e querrei fere desejos que são, ao que tudo indica pela atitude da se-
muit’i loar mia senhor», citação que identifica o objeto: a mu- nhora, inconcretizáveis: «Se eu podesse desamar / a quem me
lher amada/a sua dama. sempre desamou» (versos 1-2) – o tempo não volta atrás, daí a
4. «fremosura», «bondade», «comprida de bem», «sabedor de impossibilidade de tornar este desejo real; «podess’ algum mal
todo o bem», «gram valor», «falar mui bem», «rir melhor», buscar / a quem me sempre mal buscou» (versos 3-4) – como o
«leal», por outras palavras, só louvores e exaltação de suas pode fazer ele, se ainda a ama e deseja?
qualidades de beleza física, nobres e altruístas. 5. Primeiro, «Assi me vingaria eu» – resultado do seu sofrimento;
4.1 Os exemplos de comparação são os seguintes: «(…) mais segundo, «E por esto non dórmio eu» – conclusão retirada da
que todas las do mundo val» (verso 7), que o faz acreditar «coita», isto é, a insónia constante; terceiro, «E logo dormiria
que todas as mulheres do mundo valem muito menos do que eu» – ideia à qual será dada continuidade posteriormente, res-
a sua «senhor» e ainda «(…) e riir melhor / que outra molher» tabelecendo nele um sono reparador; quarto, «e por este lazei-
(versos 17-18), sequência em que as qualidades naturais da ro eu» – explicação final do seu queixume e do seu desespero
amada sobressaem, fazendo-a superior a todas as outras. sofrido.
5. c). 6. Do ponto de vista psicológico, esta amada revela-se indiferen-
6. As três partes lógicas em que se pode dividir esta cantiga de te e inconscientemente cruel (ao saber do seu apaixonado e ao
amor correspondem a cada uma das três sétimas. Assim, na não lhe corresponder em nada), portanto causadora de distúr-
primeira estrofe, o autor diz o que quer fazer – «um cantar bios e confusão no sujeito poético desta cantiga.
d’amor, / e querrei muit’i loar mia senhor» (versos 2-3), «le- 7. Este poema tem 28 versos, distribuídos em quatro sétimas,
vantando o véu» sobre algumas das suas qualidades que jus- por sua vez divididas em quintilhas a que se acrescenta o dísti-
tificam o seu objetivo poético; na segunda estrofe «Ca» (por- co com o papel de refrão.
que – verso 8), o sujeito poético começa a listar os motivos 8. O esquema rimático desenha-se em ababcab, correspondendo
que exaltam a superioridade da amada; na terceira estrofe a a rima cruzada e interpolada.
nova seleção de «Ca» (verso 15) dá continuidade aos novos
ou renovados motivos que o levam a cantar sua «senhor», por FICHA 6 (p. 22)
tantas e tantas qualidades que a colocam quase num pedes- 1. Considerando apenas o título, percebemos de imediato pela
tal em relação às demais. apóstrofe à senhora («dona fea») que o trovador vai exaltar
7. a) e d) correspondem às respostas corretas, visto que o amor não as suas qualidades, mas eventualmente os seus defeitos
cortês (da corte e com toda a «mesura») confirma o cenário e ou características deveras criticáveis.
o estilo escolhidos pelo trovador (homem/amador) – a corte, 2. «dona fea» sempre se queixou de não ter sido louvada/cantada
característica típica da «maneira proençal». nas composições deste trovador.
8. c) contém os fenómenos que descrevem corretamente os 3. Os dois recursos expressivos usados em «dona fea, velha e
processos fonológicos nas três palavras citadas: «riir» – cra- sandia!» são: apóstrofe e dupla adjetivação, sendo que todos
se, pois duas vogais contíguas dão lugar a apenas uma: «rir»; eles presentificam e realçam as características negativas
«mia» – palatalização, pois o ditongo vai dar lugar (por moti- desta mulher.
vos articulatórios) à criação de «nh»: «minha»; «mui» – para-
goge, porque se trata de acréscimo de fonema/grafema no 4. No seu raciocínio lógico de responder agora mesmo às críticas
final da palavra: «muito». de falta de louvor feitas pela senhora, o sujeito diz que a vai
finalmente louvar – o sarcasmo advém do facto de lhe atri-
FICHA 5 (p. 20) buir não as qualidades que ela esperava, mas, pelo contrário,
a verdade dos seus traços físicos e psicológicos comicamente
1. Esta cantiga retrata a «coita de amor», uma vez que se trata negativos.
do sofrimento amoroso de alguém que quis, amou e desejou 5. A confirmação encontra-se na sequência «em meu trobar, pero
uma mulher, mas esta sempre o desprezou, renegou e lhe fez muito trobei;» (verso 14).
muito mal.
6. O vocábulo «loar» (e outros da sua família) é utilizado nove ve-
2. A primeira estrofe surte efeitos de introdução e explicação zes: «louv’en[o]» (verso 2); «loarei» (verso 4); «loar» (verso 5);
prévia, dado que nela o sujeito formula o seu desejo inicial «loe» (verso 9); «loar» (verso 10); «loaçom» (verso 11); «loei»
(conseguir deixar de a amar), a partir do qual apresenta os
(verso 13); «loarei» (verso 16); «loarei» (verso 17).
motivos, sobretudo o de devolver à amada todo o mal que ela
lhe tem feito e continua a fazer. Estas ideias confirmam-se 7. Nas cantigas de amor, o trovador louva a dama, que se mostra
no refrão. Neste sentido, as restantes estrofes da cantiga altiva e se encontra numa espécie de patamar superior. Por
são espaço no qual o sujeito elenca detalhadamente o que isso mesmo ele lhe revela os seus sentimentos amorosos com
queria fazer para mudar o seu atual estado de espírito de toda a «mesura». Pelo contrário, nesta cantiga depreende-se
«coita de amor» pura e quase inacabável. Percebe-se, no fi- que a senhora se queixou de falta de louvor por parte do tro-
nal, que a vingança ajudá-lo-ia a libertar-se desta «senhor». vador. Ora, para satisfazer os desejos da senhora queixosa, o
mesmo trovador louva-a à sua maneira: enfatiza todos os de-
3. Na segunda estrofe, o sujeito poético afirma que sozinho não
feitos que nela encontra.
pode (des)enganar o seu coração, que o ludibriou ao apaixo-
nar-se pela amada, o que lhe retirou sono e lhe deu desnorte 8. Trata-se de uma cantiga de refrão, constituída por 3 estrofes
total. Mais: perentoriamente diz que sozinho não pode deixar ou glosas com 5 versos (quintilhas). Os versos são predomi-
de desejar a amada, que, veja-se a ironia, nunca o desejou. Na nantemente decassilábicos – «Ai/ do/na/ fe/a/, fos/tes/vos/
terceira estrofe, o sujeito pede a Deus que a «desampar», ou quei/xar/»; e o refrão é um monóstico octossilábico – «do/na/
seja, não lhe dê apoio, assim como ela não o apoiou, pedindo fe/a/ ve/lha e/ san/di/a». O esquema rimático é aaabab, cor-
também que a perturbe, tal como ela mesma o perturbou e in- respondendo a rima emparelhada e rima cruzada.
comodou. Conclui, depois disto, que assim dormiria bem. Na
FICHA 7 (p. 24)
quarta estrofe, existe um lamento inequívoco e uma desespe-
rada intenção de lhe perguntar, olhos nos olhos, por que razão 1.1 «Quem quiser dormir a sesta, vou chamá-lo à razão, depois
esta mulher lhe roubou o coração e o fez amá-la, se nunca hou- do almoço decida-se por ir à cozinha do «jovem nobre».
ve correspondência da parte dela. 1.2 A ação é a de dormir a sesta; a hora é a seguir ao almoço; o
4. Seguem dois exemplos que provam que o sujeito poético pro- local exato é a cozinha do jovem nobre.

408
PORTUGUÊS 12.o ANO

1.3 Crítica: se o local escolhido é a cozinha, as pessoas deviam 2.1 «A gente começou de se juntar a ele e era tanta que era estra-
usá-la para comer e lavar a loiça, mas o sujeito poético acon- nha cousa de ver» (linha 11).
selha a ir «tanto que jante», para não ter fome. Neste caso, 3. Conseguimos verificar a presença desses vários membros dos
o que se critica é a falta (ou mesmo ausência) de comida e atores coletivos. Assim, surge «deles», que se refere aos que
cozinhados na casa deste fidalgo supostamente rico, a julgar pediam lume para queimar o Paço; «outros», que inclui aqueles
pela classe social a que pertence. que pediam escadas para trepar à janela do Paço; «homees e
2.1 As restantes críticas deste trovador são: primeira, a cozi- molheres», que se colocavam ao redor do Paço, tentando en-
nha é fria, portanto a lareira não foi acesa, nem para aquecer trar; «uus» traziam lenha e «outras tragiam carqueija», ou seja,
o espaço, nem para cozinhar; segunda, confirmando a sua arbustos secos para queimar o Paço.
própria experiência nessa casa, o trovador afirma que não só 4.1 O conteúdo prende-se com a apresentação do Mestre na ja-
não se acendeu o fogão, mas também só haveria vinho se al- nela do palácio, para confirmar que era ele mesmo e estava
guém o oferecesse a este aristocrata, o que dá vida à crítica vivo, seguido do seu diálogo com a multidão, que lhe perguntou
explícita da miséria escondida em que vivem os dessa classe que mais podia fazer pelo seu senhor, ao que D. João responde
social; terceira, ainda que houvesse vinho e eles o pudessem que, por então, nada mais havia a fazer, pedindo-lhes que re-
beber, este estaria sempre frio, como seria de esperar. gressassem a suas casas.
2.2 A principal característica é o frio, como se pode constatar 4.2 Os populares estavam agitados pelo acorrer tumultuoso
pelas seguintes sequências textuais: «(…) fria casa (…)» pelas ruas da cidade e pelo cerco ao Paço; revoltados com
(verso 6), «ena mais fria rem que vi» (verso 14), «(…) fria o que planeavam fazer ao seu Mestre; atónitos ao reconhe-
cozinha (…)» (verso 16), «ali lh’o esfriarám bem, / se o frio cerem D. João à janela; determinados a defendê-lo até onde
quiser bever» (versos 20-21). ele quisesse e, por fim, tranquilos, regressando a seus lares.
3. O jovem fidalgo não se envergonha, nem parece importar-se 4.3 A ordem final do Mestre é a de que a multidão regresse a sua
– «E vedes que bem se guisou / de fria cozinha teer / o infan- casa, fazendo-o porque o seu plano estava cumprido e o povo
çom (…)» (versos 15-17). não era agora «necessário» para o defender ou intimidar a rai-
4. A característica criticada é o costume deste fidalgo em não nha e castelhanos, até que deles D. João precisasse.
convidar ninguém para visitar a sua casa ou nela conviver, em 4.4 A rainha D. Leonor Teles fugiu com os seus aliados portugue-
festas, por exemplo. ses e castelhanos.
5. A comparação «que tam fria casa nom há / na hoste, de quan- 5. Duas aliterações na mesma sequência: «Soaram as vozes do
tas i som» (versos 6-7) assume um grau superlativo, o que arroido pela cidade ouvindo todos bradar que matavom o
aumenta a diferença entre esta casa frigidíssima e todas as Meestre»: primeiro a do som «s», cuja expressividade é a su-
outras que lhe são vizinhas ou da mesma classe social. gestão de uma movimentação contínua de pessoas; segundo, a
6. Recursos expressivos: ironia – «bõa sesta», quando foi o con- aliteração do som «m», representando o momento de lamento
trário; hipérbole – «des aquel dia ‘m que naci», exagero para grave por ver o seu líder perseguido de morte.
enfatizar o frio e o desconforto de tal cozinha; sátira – com
todo o verso, o trovador dá a conhecer ao público a miséria es- FICHA 9 (p. 32)
condida dos fidalgos portugueses.
1. Este capítulo retrata outro momento importante da crise de
7. Esta cantiga tem 3 estrofes com sete versos cada. Cada ver- 1383-85, revelando os preparativos da cidade face ao iminen-
so tem 13 sílabas métricas (longos versos para alongar a crí- te cerco castelhano.
tica/sátira); a rima é cruzada e emparelhada.
2. Liderado pelo Mestre, todo o povo fazia o que lhe fora incumbi-
8. a) «i» – prótese, pelo acréscimo de «a» – «aí», que decorrerá do e trabalhava para o mesmo objetivo e bem comum, ou seja,
até aos nossos dias. b) «tan» – nasalização, pela transforma- a defesa de Lisboa e, consequentemente, do Reino. Acrescen-
ção do «n» em til – «nã»; paragoge, pelo acréscimo de «o» no ta-se que até «clérigos e frades» deixavam a vida contemplati-
final da palavra – «não», que decorrerá até ao português con- va e os sacramentos para pelejar. Por isto, podemos dizer que
temporâneo. c) «naci» – epêntese, por acréscimo de fonema/ todos são «um só» em defesa/combate ante o inimigo caste-
grafema «s» no interior da palavra, que resulta em «nasci», lhano.
no português contemporâneo. d) «teer» – crase, pela trans-
formação de duas vogais repetidas numa só – «ter», no por-
3. O parágrafo revela todas as qualidades do Mestre de Avis como
líder do seu povo: organizado, determinado, dando sempre o
tuguês dos nossos dias. e) «gaar» – palatalização, com «nh»,
exemplo, pois, com tochas e aliados, fazia ele mesmo rondas
incluindo o palato na articulação da forma verbal, transfor-
noturnas e era o primeiro a preocupar-se com todos os seus
mando o verbo em «ganhar» no português contemporâneo.
homens, o seu «bom regimento». Por outras palavras, sacrifi-
ca-se, dormindo pouco, sempre vigilante e ao lado dos seus,
FICHA 8 (p. 29) conservando sempre a sua assertividade, comando e lideran-
1. Nas linhas 1 a 10, percebe-se que o Povo se vai juntando tu- ça, prontamente obedecidas pelos seus «trigosos executores».
multuosamente, prontificando-se a defender o seu Mestre de 4. Fernão Lopes faz referência aos restantes detalhes da prepa-
Avis, o qual todos julgavam que ia ser assassinado pelo Conde ração e disposição do cerco: ao todo, menciona 38 portas, das
Andeiro no Paço da Rainha. É a partir deste dado informativo quais 12 estão abertas todo o dia; refere os batéis carregados
que se desenvolve todo o capítulo. de mantimentos trazidos do Ribatejo; a porta de «Santa Ca-
1.1 A afirmação pertence a Álvaro Pais, adjuvante do Mestre. Álvaro terina» dava acesso a uma casa pronta para acolher doentes,
Pais chama todo o Povo, com o objetivo de reunir o máximo de de- onde se encontrava roupa de cama lavada, um cirurgião e me-
fensores do Mestre, intimidando a Regente e os seus aliados cas- dicamentos da época.
telhanos, pela movimentação tumultuosa e em multidão. 5. Os vocábulos são: os «muros» construídos com suas «quadri-
2. Ao ouvir a notícia da suposta morte do seu Mestre, começa-se a lhas» (partes da muralha); as «setenta e sete torres que ela tem
desenhar uma figura coletiva – o Povo/os populares, que dialo- a redor de si»; «caramanchões de madeira» (proteções supe-
gam entre si e se interrogam. Imediatamente, todos vão numa riores, assemelhando-se a telhados); disposição de material
espécie de uníssono ao Paço – «todos feitos duu coraçom com de combate «lanças darmas e bacinetes», «armaduras», «trõos
talente de o vingar» (linha 16). Podemos dizer que estão, por- acompanhados de pedras», «fornecidos descudos e lanças e
tanto, conscientes do que se passa e tomam a mesma atitude. dardos e bestas de torno», «grande avondança de viratões».

409
PREPARAR O EXAME NACIONAL

6. A opinião de Fernão Lopes é inequívoca e clara: maravilhamen- 2. Os dois casamenteiros funcionam como um só, sendo a per-
to pela beleza de toda a organização e disposição do cerco, sonalidade de um espelhada na do outro. São rapidíssimos
consoante as necessidades individuais e coletivas. Tais factos na procura de bons negócios, mentirosos e sem escrúpulos.
permitem-lhe louvar os portugueses, exaltando as suas quali- Por vezes, representam episódios de cómico de linguagem e
dades de antecipação/antevisão do futuro cerco castelhano e personagem. Por outro lado, são estes dois casamenteiros
de gestão de pessoas e tarefas, sempre plasmadas de altruís- que vão trazer o primeiro marido de Inês, o Escudeiro enga-
mo e patriotismo firmes. nador, e que afirmam conhecer Inês de romarias (que ela fre-
quentava, supostamente, às escondidas da Mãe). Mais: por
FICHA 10 (p. 35) causa do Escudeiro que eles trazem é que Inês vai aprender
a lição de vida, percebendo que lhe convém muito mais Pero
1. No capítulo 115, explica-se a preparação e disposição do Marques.
cerco com a guarnição de mantimentos e armamento, as-
sim como os confrontos propriamente ditos. Neste capítulo
3. As quatro personagens tipo são: primeiro, Inês – moça jovem,
quer casar para ascender socialmente e folgar; menina arro-
148, encontramos as consequências do tempo e da dureza
gante e apressada em conseguir o seu intento; segundo, Lianor
de tal cerco, ou seja, a escassez de alimentos para manter
– mulher do povo, alcoviteira e casamenteira; terceiro, Brás da
os defensores, seguida das providências que o Mestre teve
Mata – fidalgo falido e sem escrúpulos, que quer casar por di-
de tomar para sobrevivência dos seus e vitória sobre os cas-
nheiro; quarto, Pero Marques – lavrador rico, mas sem cultura,
telhanos.
possuidor de um coração meigo e virtudes de quem é honesto
2. O ator coletivo é, naturalmente, o Povo sitiado, que, no seu e honrado.
todo, surge caracterizado como alguém que vive em condi-
ções extremas de sobrevivência, sobretudo no respeitante FICHA 13 (p. 43)
à fome. Para isso, Fernão Lopes seleciona atores individuais
no sentido de exemplificar as misérias e os comportamentos 1. A sequência 1 inclui Inês e Pero Marques no seu primeiro en-
indiscutivelmente desesperados do todo. Eis alguns elemen- contro. A sátira diz respeito à falta de etiqueta e mesmo igno-
tos textuais que o provam: «pobres gentes nom podiam che- rância dos membros do povo na pessoa de Pero Marques. Por
gar a ele» (pão); alguns comiam «pam de bagaço d’azeitona» outro lado, tal sátira atinge também Inês, arrogante e irónica,
e «queijos das malvas», «raízes d’ervas», ou seja, «desacostu- que maltrata/goza Pero, sem ele sequer dar conta disso. A se-
madas cousas» (como animais); «homees ~ e moços esgravatan- quência 2 inclui os dois judeus casamenteiros, Latão e Vidal.
do a terra»; «outros se fartavom d’ervas»; «mortos homees ~ e O excerto representa com clareza a sua personalidade de-
cachopos» iam-se espalhando pela cidade; «moços de tres e sorganizada e comicamente conflituosa, pois nenhum deles
quatro anos pedindo pam pela cidade por amor de Deos»; as sobrevive sem o outro. Neste caso, a sátira estende-se àquilo
mães lactantes, não tendo leite para os bebés, choravam a sua que eles vêm fazer: trocar um marido por dinheiro. A sequên-
morte antecipada. cia 3 representa o quadro criticável de um fidalgo falido (sem
dinheiro sequer para vestir e calçar o seu criado) que prepara
3. As «duas grandes guerras» referidas nas linhas 70-71 podem uma espécie de teatro mentiroso, para o qual precisa da ajuda
explicar-se da seguinte forma: a primeira corresponde ao
do seu pajem, cujos apartes servem o propósito de criticar o
conflito bélico contra o inimigo castelhano; a segunda corres- amo sem dinheiro, presunçoso e mentiroso.
ponde à luta individual física e emocional contra um fator evi-
dentemente destruidor – a escassez de comida e água bebível, 2. a) Interrogação retórica e comparação («como panela sem
geradoras de fome e sede extremas. asa»), cuja expressividade é a de intensificar a ideia que
Inês tem sobre a sua clausura em casa, que se repercute na
4. Eis uma sequência textual que serve de resposta a esta ques- ausência de divertimento. b) Ironia, pois Inês não tem razão
tão: «nom era por seer o cerco perlongado (…); mas era per para se queixar, visto que não tem filhos e ainda é muito
aazo das muitas gentes que se a ela acolherom de todo o ter- jovem. Por outro lado, o seu grande «pesar» (sofrimento) é
mo (…), e os mantiimentos seerem poucos.». ironizado pela Mãe, pois tão melhor será o futuro casamen-
5. Interrogação retórica: «Pera que é dizer mais de taes faleci- to, quanto mais Inês for talentosa nas tarefas femininas que
mentos?», reforçando a incapacidade/impotência humana de deve praticar nesta fase da sua vida.
evitar estas desgraças. 3. Este texto dramático representa o quotidiano da época vi-
centina, pelas razões a seguir apresentadas. Primeira, as
FICHA 11 (p. 41) Mães boas conselheiras, educadoras e protetoras das filhas
1. a) V; b) F – «da missa»; c) V; d) F – «antes da Páscoa, vêm os em idade de casar. Segunda, as filhas em idade de casar que
Ramos»; e) F – um religioso; f) V; g) F – para conversar com procuram marido de classe social superior, para daí reti-
Inês e a Mãe; h) V; i) F – casamenteiros sem escrúpulos, sem rar proveitos vários, deixando-se ficar cegas pela ambição
fé, desonestos e interesseiros, pensando apenas em fazer um desmesurada. Terceira, a revelação do quotidiano dessas
bom negócio ao trocar um marido por dinheiro; j) V; k) F – Inês raparigas solteiras, que inclui tarefas domésticas e pouca li-
esteve três meses fechada em casa e, ao fim desse tempo, re- berdade ao serviço da educação para boas esposas e compa-
cebeu um sobrescrito, anunciando a morte do marido às mãos nheiras dos futuros maridos. Quarta, a denúncia dos falsos
de um pastor de Arzila; l) V; m) F – o que Pero carrega é Inês e clérigos e consagrados, cujo hábito esconde frustrações ou
«lousas para por as talhas nelas». intenções nada conformes à Fé e Igreja que apregoam. Quin-
ta, o quotidiano dos casamenteiros negociantes, mentirosos
e em sempiterna demanda de bons negócios e ainda melho-
FICHA 12 (p. 42)
res lucros. Sexta, uma época de casamentos arranjados/
1. Na sequência 1, Brás da Mata mostra-se autoritário e ditador combinados, não por amor, mas por questões económicas ou
para com Inês (só a sua vontade prevalece e Inês obedecer- sociais. Sétima, as mulheres do povo sem escrúpulos e cujo
-lhe-á), não lhe permitindo qualquer liberdade, nem lhe dando objetivo de vida é casar outras. Oitava, romarias e festas de
carinho e amor, como prometera. Na sequência 2, Pero Mar- casamento por onde circulam e se divertem jovens mance-
ques é escrupuloso, preocupado com a vontade de Inês e es- bos e moças solteiras, todos à procura de bom casamento.
tima a sua honra, mal percebe que estão os dois sozinhos na Nona e última razão, a pureza e a natureza bondosa de cora-
sala; depois de casados, continua liberal e sempre pronto a ção por parte de membros do povo, honestos, escrupulosos
conceder a Inês todos os seus pedidos. e fiéis (como Pero Marques).

410
PORTUGUÊS 12.o ANO

4. Este texto pertence à categoria «farsa» por tratar de assun- 7.1 Roma é alegoria do centro institucional e espiritual da Fé Cris-
tos não centralmente religiosos, mas de representação da tã – é a «cabeça» do «corpo místico» (linguagem bíblica) de Je-
vida quotidiana da sociedade do tempo vicentino, recheada sus, que são os fiéis. Ela chega, cantando versos sobre guerras
de peripécias cujo desenlace assume formas de lição ou al- com países avessos à sua fé e que a querem dominar. Porém,
teração de acontecimentos iniciais. vem à feira à procura de paz. Conhece bem as artimanhas do
Demo e reconhece as suas más ações passadas por causa dele,
FICHA 14 (p. 48) assim como a necessidade de se redimir. Vemos nela o Papa-
do, entidades cardinalícias e demais chefes da Igreja Católica
1. a) F – Mercúrio (mensageiro dos deuses); b) V; c) V; d) F – Apostólica Romana. O problema é que todas essas entidades
Júpiter é adjuvante; e) F – «feira aqui / pera todos em geral»; se têm deixado embrenhar em vidas mundanas, pecaminosas,
f) F – «a feira chamada das Graças, / à honra da virgem parida interesseiras e levianas, quando, pelo contrário, deviam ser
em Belém»; g) F – um serafim; h) V; i) F – o Diabo gaba-se de exemplo a seguir. Com esta personagem, primeira compra-
que vende muito e não obriga ninguém, mas os seus clientes dora, Gil Vicente consegue imediatamente impor a dimensão
são sempre fiéis às suas mercadorias; j) F – Tempo e Roma religiosa que vai submeter a crítica, colocando-a a nu e come-
são alegorias; k) V; l) V; m) V. çando pelos superiores. A partir dela, seguem-se personagens
do povo, os fiéis.
FICHA 15 (p. 49)
7.2 Em relação ao Diabo, os dois já se conhecem do passado e já
1. Quer as personagens mencionadas (Tempo, Anjo, Diabo), quer «fizeram negócios», os quais levaram a atitudes pecaminosas
as mercadorias que estes vendem são literalmente entidades e corruptas da compradora. Todavia, desta vez Roma aparece
abstratas/não palpáveis, que aqui se encontram concretiza- determinada a mudar de vida, quando afirma «Eu venho à fei-
das fisicamente em pessoas e bens. Exemplos: o Tempo repre- ra direita / comprar paz, verdade e fé», explicando ao infernal
senta o eterno, como Deus, o Criador, seguro do seu objetivo servo que só lhe comprou no passado mercadorias que a pre-
(salvar as almas); o Anjo e o Diabo correspondem, respetiva- judicaram. Deste modo, decide ir à feira das Graças, encon-
mente, ao adjuvante e ao oponente do Tempo; o Anjo auxilia-o trando o Serafim. Este vende-lhe a paz que ela procura e de
na difícil tarefa de restabelecer um espírito são e puro nas al- que precisa, mas «a troco de santa vida». Ela acolhe e acata os
mas corruptas; O Diabo é o seu direto rival, o tentador, o en- conselhos do servo de Deus e ouve ainda Mercúrio. Quanto ao
ganador que ludibria os seus clientes (essas almas corruptas). mensageiro, este pede ao Tempo que dê a Roma «um cofre com
Quanto às mercadorias, temos «conselhos maduros», «rezão», bons conselhos», um espelho que pertenceu à «Virgem Maria»
«justiça e verdade», «paz», ou seja, valores pessoais e espiri- para que ela se emende. Em conclusão, Roma rejeita o Diabo
tuais que parecem faltar aos representantes e fiéis de Cristo. e é submissa ao Tempo, a Serafim e a Mercúrio, acatando os
Existe ainda o «temor de Deus», as «chaves do Céu» para a seus conselhos e recebendo as graças para sua redenção.
salvação. Sem exceção, Gil Vicente serve-se de alegorias que 8.1 Com estas duas primas, Gil Vicente pretende mostrar a pe-
tornam visíveis a sociedade do seu tempo viciada e contrária à quenez de pensamento e a ignorância do povo, uma vez que
Fé cristã e à Virtude. as duas procuram objetos vendáveis e logo percebem, estu-
2. As «cousas» a que se refere o Tempo são os maus comporta- pefactas, que nada disso encontrarão. Contudo, é delas que o
mentos, a corrupção, enfim, o pecado, que os compradores de- Diabo foge porque, sendo pobres, são honestas (na sua rudeza)
vem deixar para receber outras «cousas» do Bem. Fala-se de e tementes a Deus. Sendo néscias e simples, desconhecem as
uma espécie de arrependimento ou reconciliação com o Divino grandes doutrinas e pensamentos eruditos da Igreja, mas sa-
para renovado começo de vida. bem empiricamente que o mundo perdeu a fé e a virtude. Atra-
3. A «Cristandade» refere-se não só aos fiéis de Cristo, mas aos vés de Branca, Gil Vicente afirma «todos somos negligentes /
seus mais diretos representantes em particular (membros do foi ar que deu polas gentes / foi ar que deu polo mundo / de que
Clero e da Igreja), que perderam a virtude e se embrenham em as almas são doentes.»
vícios e futilidades (discussões mesquinhas que a nenhum lu- 9.1 Metáfora: «sois samica anjo de Deus», exalta a qualidade mis-
gar levam, a não ser ao inferno). sionária de Serafim; Metonímia: «Ficava vendo o seu gado» e
4. Esta estratégia assenta em vários significados do verbo «con- ainda «A virgem olha as cordeiras / e as cordeiras a ela», sendo
tar» e do nome «contas» (com valor de dinheiro). O que o es- «gado» e «cordeiras» animais tomados em vez de homens e
critor faz é usar ambos (naturais num contexto de feiras) para mulheres – membros humanos do «rebanho» de Deus, os quais,
se referir a todas as maldades e pecados não revelados pelos mesmo deixando de Lhe ser fiéis, não deixam de ser humanos.
compradores. Poderíamos, desta feita, verter a sequência para 9.2 Mateus e Vicente vêm à procura de prazeres carnais com as
«Contareis / direis os pecados sem fim que estão por dizer.». nove moças, mas elas rejeitam-nos e afastam-nos. Tal rejeição
5. A doutrina cristã está presente em todo o auto. Nestas linhas, é conseguida, por vezes, por meio de cómico de linguagem,
é evidente o pedido de ajuda a Deus para reconciliar com Ele mas surte o propósito de os afastar.
os «que se foram perdendo». A seleção de vocábulos ajuda a 9.3 Estas moças cantam louvores à Virgem Maria. A atitude aqui
confirmá-lo, como se vê em «senhor Deus», «messias», «anjo», presente demonstra a fé pura e simples que o povo tem na Vir-
«demo» e «diabos». gem Maria, sem conhecimento profundo dos dogmas e concei-
6. Alegoria – «Aqui achareis o temor de Deos» (verso 20) – como tos doutrinários da Igreja.
mercadoria vendável e para suprimir a cegueira espiritual dos 9.3.1 Gil Vicente mostra que, ao contrário dos chefes romanos da
compradores. Metáfora – «(…) as chaves dos céus / muito Igreja e clérigos sabedores (alegorizados em Roma), que se
bem guarnecidas em cordões dourados» (versos 22-23), que tornaram corruptos e levianos, a fé virginal e virtuosa desta
enforma a associação literalmente inesperada entre chaves personagem coletiva (jovens rapazes e raparigas) devia ser
físicas e as «espirituais», necessárias à entrada no Céu. Estas imitada.
chaves dizem-se «guarnecidas em cordões dourados», facto 9.4 Como «auto», este texto procura expor a sociedade vicentina
literalmente inconcretizável. Gil Vicente usa até «guarneci- no que diz respeito aos seus valores humanos e morais, que
das» para exaltar a qualidade e o poder destes meios salvífi- deviam estar refletidos nos seus comportamentos e escolhas
cos para entrada no Reino de Deus. Apóstrofe – «Quem quiser de vida. Segundo os princípios da fé cristã, o autor vai tecen-
feirar / venha trocar» (versos 6-7), consubstanciação do apelo do críticas aos levianos e fazendo louvores aos sensatos fiéis.
/chamamento do Tempo aos clientes tão necessitados das Com recurso a alegorias, presentifica figuras da religião, bem
mercadorias que ele possui. como as suas respetivas condutas, para as tornar visuais e es-

411
PREPARAR O EXAME NACIONAL

clarecedoras aos olhos do público/leitor. O desfecho, em coro, 7. Tendo em conta a primeira e a segunda estrofes, testemu-
assume-se («Deo gratias») e reitera a importância/a necessi- nhamos locus amoenus porque toda a Natureza é agradável
dade de plasmar a vida de todos e de cada um da fé em Deus, – «alegres campos» e «águas de cristal»; no caso da segunda
Uno e Trino. estrofe, vemos o contrário «ásperos penedos», «concerto
desigual». Posto isto, podemos afirmar que a Natureza é
FICHA 16 (p. 54) companheira, testemunha dos amores e desamores senti-
1. O assunto é a descrição da mulher amada, exaltando as suas qua- dos/vividos pelo sujeito poético. É nela que este amador
lidades e referindo o poder que ela tem sobre o sujeito poético. deposita as suas alegrias e também as suas frustrações e
desencantos.
2. Este soneto pode dividir-se em duas partes lógicas: a primei-
ra inclui as três primeiras estrofes, pois o sujeito descreve a 8. Trata-se de um soneto, pois é constituído por duas quadras
amada, tanto física como psicologicamente; a segunda parte e dois tercetos, apresentando versos decassilábicos «a/le/
inicia-se quando o demonstrativo «esta» especifica o poder gres/ cam/pos/ ver/des/ ar/vo/re/dos». O esquema rimáti-
imenso que a mulher exerce sobre ele, que a canta. co é abba / abba /cde / cde, correspondendo nas quadras a
3. Referentes possíveis: «um mover»; «um riso»; «um gesto»; «um rima interpolada (1.o e 4.o versos) e rima emparelhada (2.o e
despejo»; «um repouso»; « a bondade»; «um ousar»; « a brandu- 3.o versos); nos tercetos, a rima é sempre interpolada.
ra»; «um medo»; «um ar sereno»; «um sofrimento».
3.1 Esta mulher possui um olhar caridoso e suave, um sorriso FICHA 18 (p. 58)
franco e comedido, uma postura humilde. Revela a sua pureza 1. A apóstrofe inicial «Amor» torna esta figura mais presente
e espiritualidade plena de graça, um comedimento elegante e diante do sujeito poético, que com ele enceta uma espécie
de elevado requinte. de diálogo. O sujeito dirige-se a este «Amor», queixando-se
3.2 O patamar da aristocracia ou talvez realeza: «repouso gravís- dos infortúnios vividos por sua causa.
simo», «celeste formosura», como num pedestal. 2. Com essa apóstrofe está instaurado um cenário de confis-
4. Circe foi uma deusa que se enamorou de Ulisses e usou de ma- são do sujeito poético. Assim, todo o poema é uma parte só:
gia para o cativar, depois de este naufragar na sua ilha quando aquela que elenca queixumes, sofrimentos e interrogações
tentava regressar a Ítaca. Assim, também esta senhora cati- plenas de dor.
vou, como que magicamente, o sujeito poético. 3. O «Amor» está como que num pedestal, na sua realeza, no seu
5. Refere-se ao enamoramento e encantamento, ao Amor que se templo («teu soberano templo visitei»), ao passo que o su-
sobrepôs à razão e levou o coração a tornar-se seu submisso, jeito poético se mostra seu submisso desafortunado («Que
como se lê em: «(…) mágico veneno / que pôde transformar quereis mais de mim, que destruída / me tens a glória toda
meu pensamento.» (versos 13-14). que alcancei?» – versos 5-6).
6. Trata-se de um soneto, pois tem 2 quadras e 2 tercetos. Todos 4. Nos versos 3 e 4 da primeira quadra, o sujeito afirma, por
os versos são decassilábicos. Nas quadras, a rima é interpola- meio de metáforas, a forma impulsiva com que se deixou
da e emparelhada; nos tercetos é cruzada. O esquema rimático submeter ao amor por uma mulher. Por outras palavras,
confirma-o: abba abba cde cde. «naufragou», desnorteou-se e afundou-se em sofrimento. O
7. a) Aliteração do «s», que remete para o movimento contínuo do problema agudiza-se porque ele não foi cauteloso e, ao invés
olhar e dos gestos da amada. b) Anáfora de «um», ao serviço de entregar a esse amor apenas uma parte de si («vestidos»),
da repetição para intensificação dos gestos e qualidades da entregou-se todo («pus a vida»). Logo, se todo ele é «naufrá-
mulher cantada. c) Dupla adjetivação, como meio de exaltação gio», mais difícil se torna voltar à superfície da Razão, à Vida.
constante e incontroversa da mulher. 5. A metáfora do «naufrágio», como uma antecâmara da morte;
a metonímia em «vestidos» (roupa), parte apenas do seu ser
FICHA 17 (p. 56) e não o seu ser total; a anástrofe em «teu soberano templo
1. O sujeito poético dirige-se aos elementos da Natureza, agora visitei», que enfatiza o poder real do Amor e confirma a con-
impotentes para o retirar do sofrimento amoroso. dição de servo deste amador.
2. O poema pode dividir-se em três partes lógicas. A primeira 6. O verso é uma prova de que o sujeito poético, no presente,
inclui as duas quadras, pois o sujeito poético invoca a Natu- ainda ama a sua mulher cantada («adoro»). Tal facto contras-
reza e lhe confidencia que já nada o alegra. A segunda parte ta com o pretérito perfeito do indicativo «quis», que remete
inicia-se com a referida conjunção coordenativa copulativa para essa vontade, esse Amor que existiu (porventura, da
«e», que surte efeitos de acréscimo de informação e consubs- parte da mulher amada), mas já desapareceu. Depreende-se,
tancia um pedido feito pelo sujeito: ele já não é o mesmo, por logicamente, que ele ainda a ama, mas não é correspondido.
conseguinte pede para não mais ser alegrado. A terceira parte 7. O sujeito poético dá-nos a ver um «Amor» vingativo e mani-
lógica inclui o último terceto com uma espécie de promessa: pulador, sempre senhor e soberano deste homem, como se
no futuro, o sujeito poético semeará as suas memórias tristes, comprova em «(…) tomar de mim vingança; / e se inda não
regá-las-á e o seu fruto será a saudade infinda. estás de mim vingado».
3. Seguem as apóstrofes: «alegres campos, verdes arvoredos» 8. O sujeito encontra-se consciente de que foi por ter amado
«águas de cristal, silvestres montes / ásperos penedos». To- que sofre («em lugar dos vestidos, pus a vida.»). A partir
das elas presentificam os respetivos referentes, ou seja, os deste ponto assente, vemo-lo desesperado («Que queres
elementos da Natureza, confidentes deste sujeito amador. mais de mim (…) ?»), com vontade de não se voltar a apaixo-
4. A Música é referida com a expressão «compostos em con- nar («não sei / tornar a entrar onde não há saída»), vencido
certo desigual», sendo a desigualdade já um augúrio e comu- (só com «despojos») e sofredor, constantemente chorando,
nhão com o atual estado de alma do sujeito amador. («com as lágrimas que choro»).
5. A aliteração do som «v» encontra-se ao serviço da movimen- 9. Trata-se de um soneto, pois é constituído por duas quadras
tação, do curso natural da flora que rodeia este sujeito. e dois tercetos, apresentando versos decassilábicos «a/
6. A metáfora em «águas de cristal» exalta a bela cor natural e o mor/ co a/ es/pe/ran/ça/ já/ per/di/da». O esquema rimático
brilho da água pura. No último terceto, o sujeito poético ser- é abba / abba /cde /cde, correspondendo nas quadras a rima
ve-se de vocábulos provenientes da agricultura para os as- interpolada (1.o e 4.o versos) e rima emparelhada (2.o e 3.o ver-
sociar à «sementeira» emocional que promete levar a cabo. sos); nos tercetos, a rima é sempre interpolada.

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PORTUGUÊS 12.o ANO

FICHA 19 (p. 60) sempre infortúnios, o sujeito poético decidiu ser também ele
mau. Porém, não foi exemplo da sua inicial constatação, uma
1. O assunto do poema é a consciência do sujeito poético sobre vez que pagou caro pela sua maldade e obteve apenas um re-
o passado feliz («passada glória») e o presente só feito de torno mau. Conclui ele, portanto, que a (in)justiça do mundo só
memórias («Doces lembranças»). Desta forma, se pudesse funciona com e para ele.
voltar atrás no tempo, o sujeito afirma que viveria a felicida-
2. A primeira aliteração é a do som «t», que cria um ambiente
de com muito mais intensidade.
poético de violência e bruteza com que o sujeito poético
2. Podemos dividir este poema em 5 partes lógicas: A primeira aprendeu a sua lição de vida. A segunda aliteração, a do som
corresponde ao 1.o dístico, que nos dá a conhecer o «cenário» «m», acompanha o tom de lamento desta narração e sua res-
do passado «roubado» pela «Fortuna». A segunda parte cor- petiva conclusão.
responde ao 2.o dístico dessa mesma quadra, pois se reves-
te de um pedido desesperado por «repousar em paz u’hora»,~ 3. Testemunhamos uma metáfora, a qual assenta no contexto
de água/mar como elemento agradável e prazeroso oferecido
como que para descansar dos infortúnios. A terceira parte
diz respeito à segunda quadra, porque esta descreve o senti- aos «maus» que nele nadam felizes.
mento de que o passado é isso mesmo – ido, desaparecido –, 4. A palavra é «mundo», pois assim inclui todo o ser humano sem
e dele só resta «memória». A quarta parte inclui o 1.o terceto, exceção.
espaço onde o sujeito poético não só descreve o seu atual vi- 4.1 As palavras são «bons» e «maus».
ver «esquecido» pelos outros (ou pela amada), mas também 5.1 A conjunção «mas» cria um contraste entre o que acontece
critica esse «outro» (ou «outra») que o devia ter sempre na aos «maus» e o que aconteceu ao poeta: os outros foram feli-
memória, dando-lhe valor, por ele ter sido motivo de «estado zes, fazendo o mal, porém o poeta foi «castigado»
tão contente». A quinta parte corresponde ao 2.o terceto, no
5.2 Os dois pontos preparam a explicação/conclusão do poema:
qual, após a exclamação (retórica), o sujeito poético deseja
apenas para o poeta é que o mundo é justo no castigo de mal-
nascer de novo, consciente do mal, por isso sabendo evitá-lo
dades feitas.
e apenas «lograr de bem» (viver somente a parte boa da vida).
3. Nestas duas estrofes percebemos que a história pessoal do 6. Campo lexical de «Mal»: inveja, traição, roubo, maledicência,
corrupção. Campo lexical de «Bem»: caridade, altruísmo, en-
sujeito está muito presente no seu interior («Impressa tenho
treajuda, simpatia, honestidade.
n’alma larga história» – verso 5). Ora, tal história foi rechea-
da de acontecimentos positivos, os quais agora nada mais 7. Trata-se de uma décima com versos de 7 sílabas métricas (re-
são do que memórias que transformam o sujeito em alguém dondilha maior), sendo o esquema rimático abaabcddcd, dan-
frustrado/desolado. do forma a rima interpolada e emparelhada, apesar de cruzada
nos versos 8 e 10.
4. O recurso é uma apóstrofe das «doces lembranças», no sen-
tido de as invocar e de as tornar suas diretas interlocutoras FICHA 21 (p. 64)
ou ouvintes.
5. O verso «que me tirou Fortuna roubadora» (verso 2) serve a 1. Este poema pode dividir-se em três partes lógicas. A primei-
intenção de identificar o responsável pela perda da felicida- ra corresponde à 1.ª estrofe, a responsável por introduzir e
clarificar o assunto do poema: a mudança. A segunda parte
de passada: a «Fortuna».
integra as 2.ª e 3.ª estrofes, nas quais o sujeito poético espe-
6. Estamos perante uma antítese: «nunca fora» / «fora» (com cifica/exemplifica os contextos vários dessa mudança na sua
o sentido de «existir»), cujo valor expressivo é o de mostrar história pessoal: «novidades», «esperança», «mal», «mágoa»,
que o sujeito está a refletir sobre «o bem passado», mas de «lembrança», «bem», «saudades», «choro», «canto», «tempo»,
modo desnorteado, sem saber exatamente por que razão a «verde manto», «neve fria». A terceira corresponde ao último
sua história de vida tem sido esta. Este desnorte está visível terceto, o qual acrescenta a consciência de um novo conceito
na proximidade frásica de ideias opostas. de «mudança»: «não se muda já como soía».
7. Trata-se de um paradoxo, por não ser apenas colocação con- 2. A anáfora tem a sua base nas formas verbais «mudam-se» e
tígua de ideias opostas (antítese), mas ser literal e fisica- «muda-se», o que, indubitavelmente, adensa a mudança contí-
mente uma contradição: se vive, então não pode estar morto. nua de tudo na vida.
A sua expressividade é a de mostrar que parte de si é Vida
– recordações – e a outra parte é Morte – uma não-vida por
3. «e do bem (se algum houve), as saudades». O discurso
parentético funciona como um aparte e prova que o sujeito
não ser lembrado por outrem (a amada?), não sendo feliz.
considera a possibilidade de no mundo ou na história pessoal
8. As formas verbais «pudera», «soubera-me», «soubera» con- de cada ser humano existir, de facto, «bem» (felicidade pura).
substanciam um desejo de renascimento físico para poder
viver apenas a felicidade. No entanto, tal é impossível e não
4. O tempo é especial prova de mudança pelo simples facto de
passa de um desejo sob o escopo da irrealidade. Daí que esse nele se desenrolarem indelevelmente as diferentes estações
pretérito mais-que-perfeito simples do indicativo tenha um do ano, aqui representadas em «(…) o chão de verde manto»
valor de pretérito imperfeito do conjuntivo («pudesse» / (verso 9 – primavera/verão) / «que já coberto foi de neve fria»
«soubesse») e condicional («saber-me-ia»). (verso 10 – inverno).
9. Aliteração do som consonântico «s», servindo a ideia de um 4.1 O tempo transforma o estado de espírito do sujeito poético,
novo nascer para a vida humana, que aconteceria paulatina- pois «converte em choro o doce canto.». Este mesmo tempo
mente em andamento contínuo rumo à felicidade. parece privar o sujeito de um bem eterno.
10. Trata-se de um soneto, pois é constituído por duas quadras 5. A antítese «e, em mim, converte em choro o doce canto»
e dois tercetos, apresentando versos decassilábicos: «do/ permite depreender esse passar transformador do tempo no
ces/ lem/bran/ças/ da/ pa/ssa/da/ gló/ria». O esquema ri- sujeito do soneto.
mático é abba / abba /cde / cde, correspondendo nas qua- 6. O advérbio «continuamente» verbaliza o conceito de mudança
dras a rima interpolada (1.o e 4.o versos) e a rima emparelhada contínua, não só pela sua formação deverbal (do verbo «con-
(2.o e 3.o versos); nos tercetos, a rima é sempre interpolada. tinuar»), mas também pela presença audível do som «m», que
acompanha e torna esse tempo alongado e elástico.
FICHA 20 (p. 62) 7. A conjunção «e» serve o propósito de acrescentar um novo tipo
1. Tendo visto constantemente pessoas más a terem sucesso na de mudança com «mor espanto»: a própria mudança já não
vida e bons frutos, ao contrário de pessoas boas que sofriam acontece como costumava («que não se muda já como soía»).

413
PREPARAR O EXAME NACIONAL

8. Trata-se de um soneto, pois é constituído por duas quadras 9. a) Aliteração do «z» e do «s» em «que se pode por arte e por
e dois tercetos, apresentando versos decassilábicos «mu/ aviso, / como por natureza, ser fermosa», que comungam da
dam/-se os/ tem/pos/ mu/dam/-se as/ von/ta/des». O esque- serenidade e paz da mulher amada. b) Paradoxo em «mas não
ma rimático é abba / abba /cde /cde, correspondendo nas qua- que possa / despojar-me da glória de rendido», pois que o su-
dras a rima interpolada (1.o e 4.o versos) e a rima emparelhada jeito poético se acha glorioso, feliz e vencedor, sendo simulta-
(2.o e 3.o versos); nos tercetos, a rima é sempre interpolada. neamente vencido («rendido»). c) Metáfora em «entre rubis e
perlas doce riso», sendo que, não havendo literalmente «rubis»
FICHA 22 (p. 66) e «perlas» nas bochechas ou boca da Senhora, o seu riso a elas
é associado por ter o mesmo brilho, graciosidade e elegância/
1. Os dois poemas tratam da mulher amada, que o sujeito poético requinte. d) Anástrofe – «estas as armas são com que me rende
descreve e exalta.
/ e me cativa Amor», cuja troca da ordem natural das palavras
2. Podemos dividi-lo em 3 partes lógicas: a primeira parte inclui nos versos transmite a desorganização sentimental e o des-
os 4 primeiros versos, que introduzem a mulher amada como norte de quem está completamente enamorado.
centro do poema. A segunda parte inicia-se no verso 5 e termi-
na no verso 36, correspondendo à caracterização física e psi- FICHA 23 (p. 72)
cológica de Bárbora. A terceira parte corresponde aos quatro
últimos versos, os quais surgem em jeito de conclusão, inicia- 1. Camões propõe-se louvar o que ele próprio afirma nos se-
da pelo demonstrativo «Esta», recuperando, assim, o conteú- guintes versos: «As armas e os barões assinalados» (verso
do epicêntrico do poema – Bárbora. 1, estância 1), «E também as memórias gloriosas / Daqueles
Reis que foram dilatando» (versos 1-2, estância 2) e «E aque-
3. Podemos dividi-lo em 2 partes lógicas: a primeira inclui as 2
les que por obras valerosas / Se vão da lei da morte libertan-
primeiras quadras e o 1.o terceto, nos quais o sujeito amador
do» (versos 5-6, estância 2). Dito de outra forma, o poeta vai
apresenta e descreve detalhadamente a mulher amada. A se-
louvar com palavras os nobres que lutaram pela descoberta
gunda parte é constituída pelo último terceto, cujo demons-
e conquista de novas terras e novos povos; os reis portugue-
trativo «estas» resume os efeitos da mulher descrita pelo
ses sob cujo comando o fizeram e todos aqueles que se foram
sujeito poético.
imortalizando pelos seus feitos históricos que para sempre
4. Bárbora é uma mulher escrava, linda aos olhos do sujeito ama- serão lembrados.
dor. O seu rosto é único, os olhos são pretos, tal como a pele e
os cabelos; é inteligente, calma e motivo de paz e felicidade
1.1 Aquilo que Camões se propõe louvar constitui matéria épica
porque os Descobrimentos e conquistas ultramarinas são de
para o sujeito poético. Vocábulos que o confirmam: «fermosa»,
interesse universal, dizendo respeito não só aos portugueses
«rosto singular», «olhos sossegados, / pretos e cansados»,
e à sua História, mas também à História Universal.
«Pretos os cabelos», «Pretidão de Amor», «tão doce a figura»,
«leda mansidão», «siso» e «serena». 2. No último verso da estância 2, o poeta põe a condição de que
só cantará as glórias históricas dos portugueses se possuir
5. Esta mulher emana felicidade, suavidade, tem um sorriso pre-
talento e sabedoria artística e poética para o fazer. Com esta
cioso, pele branca, cabelo louro, as bochechas rosadas; é tam-
condição assume-se igualmente dúvida e incerteza, que fun-
bém inteligente, belíssima, motivo de felicidade e paz para o
cionam como uma espécie de humildade em relação ao assun-
sujeito poético. Confirmação: «Leda serenidade», «entre rubis
to tão elevado da sua epopeia.
e perlas doce riso», «d’ouro e neve», «graciosa», «sis», «fermo-
sa», «repouso (…) alegre e comedido». 3. Considerando a afirmação «Que eu canto o peito ilustre Lu-
sitano» (verso 5, estância 3), Camões mostra-se seguríssimo
6. Do ponto de vista psicológico, as duas mulheres são serenas, de que os feitos de grande glória e mérito universal dos por-
inteligentes e fonte de amor e paz para o sujeito poético. Bár-
tugueses são maiores do que todos os feitos cantados em
bora é contrária aos preceitos renascentistas de Petrarca,
epopeias até ao Renascimento, tais como os de Ulisses, de
pois é de cor preta, pele, olhos e cabelos pretos também. Por
Eneias, do rei Alexandre Magno ou do imperador Trajano.
outro lado, Bárbora é «cativa», isto é, escrava. De outra sorte,
a amada do segundo texto enquadra-se totalmente na mulher 4. O verso 6 da estância 3 indica que os deuses Neptuno e Marte
cantada pelo Renascimento/Petrarquismo, pois é bela, de pele «obedeceram» aos portugueses, o que significa que os nossos
branca e cabelos louros. Pertencerá ainda a uma classe social navegadores foram mais poderosos do que aquilo que estes
superior, por exemplo, à aristocracia ou até mesmo à Coroa, deuses pagãos simbolizam: o mar (Neptuno) e a guerra (Marte).
dado que o sujeito a trata por «Senhora» e não «cativa». 5. Estas três estâncias são um bom exemplo de epopeia porque
7. O poema 1 (classificado como trova ou endecha) tem 5 estrofes obedecem à forma típica deste tipo de texto: versando sobre
de 8 versos, portanto 5 oitavas; a rima é sempre interpolada e a matéria épica, estas estâncias possuem oito versos decas-
emparelhada; os versos de 5 sílabas métricas estão, por isso, silábicos cada e estão escritas em linguagem erudita e estilo
em redondilha menor, típicos da lírica tradicional ou «Medida eloquente. A rima é cruzada nos seis primeiros versos e em-
Velha». O poema 2 (denominado soneto) obedece às caracterís- parelhada nos dois últimos.
ticas formais do Petrarquismo («Medida Nova»): possui 2 qua- 6. O recurso é a metonímia, porque Camões toma no verso «as
dras e 2 tercetos com rima interpolada e emparelha nas quadras armas e os barões» em vez da classe social que representam
e interpolada nos tercetos. O esquema rimático é abba / abba – os guerreiros nobres. Fá-lo para exaltar não a referida clas-
/ cde / cde. Cada verso é decassilábico (10 sílabas métricas). se, mas sim o trabalho glorioso que fizeram ao longo desta
8. a) Aliteração do som «s», ao serviço de um movimento suavís- viagem marítima até à Índia.
simo («rosto singular, / olhos sossegados»). b) Paradoxo em
«porque nela vivo / já não quer que viva», que nos dá a ideia
FICHA 24 (p. 74)
do desnorte e contradições típicas de quem está verdadeira- 1. Camões mostra ter uma boa relação com as Tágides porque
mente apaixonado. A vida com Bárbora é causa de «morte», sempre louvou, na sua poesia, o rio em que elas habitam (Tejo),
pois o sujeito poético não pensa nem sente outra coisa qual- como se verifica em «Se sempre em verso humilde celebrado
quer. c) A comparação «me parecem belas / como os meus / Foi de mi vosso rio alegremente» (versos 3-4). Em seguida, o
amores», fazendo sobressair a formosura de Bárbora. d) Me- poeta pede-lhes que o presenteiem com inspiração e poesia
táfora: «Pretidão de Amor», que ressalta a cor da sua pele, erudita e elevada, dotada de grande eloquência, como pode-
olhos e cabelos como metáfora da própria cor do Amor, que mos ler em «Dai-me agora um som alto e sublimado, / Um esti-
intensifica o sentimento do sujeito poético. lo grandíloquo e corrente» (versos 5-6).

414
PORTUGUÊS 12.o ANO

2. A estância 5 concentra-se, essencialmente, na especificidade de várias origens. c) Anáfora: «onde» / «onde», a qual repete,
dos pedidos de Camões às Tágides, uma vez que ele lhes pede intensificando, a demanda por um lugar (físico ou não) onde o
um furor poético e um poder elevado, maior do que o de um ser humano pode estar a salvo de perigos diversos. d) Metáfo-
instrumento de guerra, capaz de tornar o seu texto verdadei- ra: «bicho da terra tão pequeno», referindo-se ao ser humano,
ramente épico, como podemos observar em «ua ~ fúria grande e cuja pequenez é proporcionalmente inversa à maldade. e) Esta
sonorosa / (…) de tuba canora e belicosa» (versos 1 e 3). Por interrogação retórica engloba toda a segunda estância e está
outro lado, ao repetir a forma verbal «Dai-me», implora às nin- ao serviço da indagação pessoal de Camões, mas também de
fas que o seu «canto» (louvor) seja tão grande e elevado como nós, seus leitores, sobre a procura do Bem, do que é Benfazejo
a natureza dos próprios feitos gloriosos cantados («igual e seus contextos espaciais (físicos ou psicológicos), onde pos-
canto aos feitos da famosa / Gente vossa»). samos estar em segurança e em paz.
3. Apesar do seu pedido às ninfas e da intenção de «espalhar» 3. O alvo é o ser humano, no que se refere aos seus defeitos e
esta glória pelo «Universo», o poeta revela a humildade típica vícios.
de um autor épico, ao duvidar: «Se tão sublime preço cabe em
verso.», isto é, se assunto tão poderoso e meritório se pode FICHA 26 (p. 78)
colocar na escrita poética. 1.1 Os defeitos são a procura ambiciosa de boa fama e glória fei-
4. A adjetivação nas sequências da estância 5 segue a seguinte ta/reconhecida pelos outros e a sempiterna inveja de quem foi
ordem: «fúria grande e sonorosa», «tuba canora e belicosa» e e é ilustre.
«sublime preço». Os adjetivos selecionados estão ao serviço 1.2 «Qualquer nobre» luta para deixar memória dos seus feitos,
da caracterização do fulgor e poder poético e da exaltação dos os quais pretende tornar iguais ou superiores aos dos seus
feitos dos portugueses. antepassados.
5. Estas duas estâncias provam a sublimidade do canto não só 1.3 Nos versos 5 e 6, o Poeta afirma com veemência que muitos
porque Camões a pede às Tágides, mas também porque for- dos «feitos sublimados», ou seja, honras e vitórias conquista-
mula esse pedido com palavras, frases e estilo tipicamente das não são fruto de patriotismo, mas antes são motivados
eruditos e eloquentes. pela inveja das glórias conseguidas pelos outros.
6. As duas estâncias correspondem a oitavas, apresentando ver- 2.1 Camões critica a ignorância artística e cultural dos
sos decassilábicos «E/ vós/ Tá/gi/des/ mi/nhas/ pois/ cri/a/ portugueses, como se constata em «Senão da Portuguesa
do». O esquema rimático é abababcc, correspondendo os seis tão somente (…) Porque quem não sabe arte, não na estima.»
primeiros versos a rima cruzada (ababab) e os dois últimos (versos 4-8).
versos a rima emparelhada (cc).
2.2 As outras nações, designadamente a «Lácia, Grega ou Bárba-
ra», servem o intento de exemplificar outros povos antepas-
FICHA 25 (p. 76)
sados que davam valor à cultura e à arte, contrastando com
1.1 A estância 105 trata de falsos amigos («amigos (…) veneno Portugal e os portugueses, inscientes e ignorantes.
vem coberto» – versos 1-2) e consequente ausência de con- 3.1 O motivo tem a ver com o facto de Vasco da Gama dever agra-
fiança nos contextos de perigos em que a vida nos coloca decer a inspiração que as Musas deram ao Poeta para que este
(«gravíssimos perigos (…) pouca segurança» – versos 5-8). imortalizasse, com o seu poema épico, os feitos dos Portugue-
1.2 Em «Ó» e «Ó», o poeta inicia o momento exato da sua reflexão e ses, cujo interesse é de natureza universal.
crítica, preparando o conteúdo do que vem escrito a seguir. 3.2 As Musas são Calíope e as Tágides.
1.2.1 O recurso é a anáfora, que reitera o tom de emoção prévio 3.3 Os dois últimos versos mostram que as Musas inspiradoras
à crítica. da escrita épica de Camões ignoraram os feitos materiais dos
1.3 Nos últimos quatro versos, Camões torna-se consciente de portugueses e imortalizaram-nos com esta obra da Literatura
que a vida é incerta e fonte de perigos inesperados, mas ine- Universal, que exalta muito mais do que o físico, mas o todo
vitáveis. Por outro lado, traz à superfície dos seus leitores a exemplar de uma nação de navegadores (Os Lusíadas).
insensatez de o ser humano colocar todas as suas expectati- 4.1 O único propósito é o de louvar com amor e orgulho os feitos
vas nos outros, para depois se aperceber que foi defraudado. heroicos dos portugueses.
1.4 a) Anástrofe – «Mas debaxo o veneno vem coberto» (verso 2), 4.2 A melhor maneira é a de estar sempre pronto a executar gran-
como se a troca da ordem das palavras acompanhasse a troca des e nobres obras, isto é, conquistas ou feitos meritórios.
do que é mostrado (a mentira em vez da verdade) e suscitas- 4.3 Refere-se à literatura imortalizadora de Povos.
se nos portugueses admiração/revolta. b) Dupla adjetivação
– «Grandes e gravíssimos perigos» (verso 5), com o intuito de FICHA 27 (p. 80)
realçar o nível de perigo. Pelo uso do grau superlativo absolu-
to sintético, podemos considerar também a evidência de uma 1.1 A pessoa é Vasco da Gama, capitão da frota portuguesa até
gradação. à Índia.
2.1 Esta estância concentra-se nos perigos e sofrimentos huma- 1.2 O alvo da crítica camoniana é o «dinheiro», pois ele «a tudo
nos tanto no mar como na terra, preconizada na interrogação nos obriga». Por outras palavras, o dinheiro submete a nossa
retórica sobre qual dos elementos/lugares será o mais seguro. vida a maus comportamentos.
2.2 O «mar» traz tempestades, desventuras, estragos e a imi- 1.3 Comparação: «Quanto no rico, assi como no pobre» (verso 6),
nência da morte. A «terra» compõe-se de guerras, privações, cuja expressividade é a de incluir toda a gente como potencial
doenças, falsidade e hipocrisia. submissa ao dinheiro, que corrompe.
2.3 Os últimos quatro versos incluem a indagação do Poeta sobre 1.4 Hipérbole: «a tudo nos obriga», pois a seleção deste pronome
em qual dos dois elementos estará o Homem mais seguro e a indefinido, integrando todos os seres humanos, exagera o po-
salvo da merecida indignação divina. der ditatorial do dinheiro.
2.4. a) Aliteração do som «t» ao longo da primeira quadra, a qual 2.1 O recurso é a enumeração dos efeitos do dinheiro, que surge
reitera a violência da «tormenta» e dos desenganos da vida. referido por meio do pronome demonstrativo «Este».
b) A enumeração encontra-se na mesma quadra, pois nela são 2.2 Os efeitos do dinheiro, segundo o Poeta, são os seguintes:
listados os cenários encontrados no «mar» e na «terra». Quan- motiva rendições forçadas de povos poderosos; dá origem a
do enumerados, reduzem a vida humana a sofrimento vindo traições e a comportamentos desviantes; torna os espíritos

415
PREPARAR O EXAME NACIONAL

mais puros em maquiavélicos; corrompe as verdades científi- vista com mais detalhe – a baía é «curva e quieta», a «areia» é
cas e cega os que nele sustentam as suas vidas. É o dinheiro «branca» e está pintalgada por Vénus omnipotente com «rui-
que move a Política e a Literatura, transformando bons reis em vas conchas». É esta a prova de características imaginadas
«tiranos» e até profanam os religiosos e consagrados. pelo poeta para enriquecer a sua epopeia. A mitificação do
2.3 Os seus estratagemas resumem-se à ilusão, mostrando-se herói está implicada na apresentação de tão deleitosa/pra-
encantador e apresentando-se sempre dotado de «virtude». zenteira e divina ilha, especialmente preparada pela deusa do
3. As estâncias, quanto ao número de versos que apresentam, Amor com ninfas amorosas no sentido de as unir aos humanos
correspondem a oitavas, com versos decassilábicos «Nas/ portugueses que fizeram descobertas e conquistas sobre-hu-
naus/ es/tar/ se/ dei/xa/ va/ga/ro/so». O esquema rimático é manas. A união dos reais portugueses com as divinas entida-
abababcc, correspondendo os seis primeiros versos a rima cru- des torna os nossos navegadores divinizados e míticos.
zada (ababab) e os dois últimos a rima emparelhada (cc).
FICHA 29 (p. 84)
FICHA 28 (p. 82) 1.1 Toda a estância é construída a partir do imaginário épico ca-
1.1 Sempre adjuvante dos portugueses, Vénus faz mover a Ilha moniano, pois os detalhes da ilha e das suas ninfas são ricos
dos Amores, aproximando-a da frota portuguesa, ao ponto de e variados: «verdes ramos, várias cores» (verso 2 – descrição
a referida Ilha ser avistada pelos nautas. Assim, continua dili- da morfologia da ilha), «(…) lã fina e seda diferente / (…) De
gente no sentido de se certificar que os navegadores passam e que se vestem as humanas rosas (…) / fermosas» (versos 5-8
tomarão porto neste local de futuras delícias amorosas. – caracterização detalhada das roupas, da beleza e da frescu-
ra típicas das flores que as ninfas vão mostrando aos navega-
1.2 A primeira perspetiva ou visão que os portugueses tiveram da
dores).
Ilha dos Amores foi de natureza global, uma vez que a avista-
ram «De longe». Daqui decorre que o que primeiramente viram 1.2 O verso «Que mais incita a força dos amores» remete para o
foi a sua frescura (talvez pelas cores e a brisa que sentiam vir facto de as roupas, as cores e a beleza das ninfas serem fa-
dela) e beleza («fresca e bela»). voráveis (afrodisíacas) e estimulantes às relações íntimas que
1.3 Por um lado, ao adjetivar a frota como «forte», Camões está estas terão com os navegadores portugueses.
claramente a exaltar o poder dos portugueses, cuja inteligên- 1.3 Metáfora (associação de duas ideias não diretamente asso-
cia, poder bélico e poder náutico já se haviam manifestado ciáveis – «humanas» / «rosas») e o paradoxo (juízo sem aparen-
quer no mar quer em terras africanas e indianas. Tal exaltação te lógica – «humanas» / «rosas»), que atribuem humanidade às
eleva os navegadores a um patamar de heroicidade incontes- rosas ou essência floral às ninfas; a anástrofe em «humanas
tável. Por outro lado, com a sequência «(…) por que não pas- rosas», a qual evidencia o desenho do corpo («humanas») per-
sassem, sem que nela / Tomassem porto (…)», o poeta mostra fumado, bem como as suas vestes belas de perfume floral; a
que, por tais feitos gloriosos, a armada seria recompensada personificação das «rosas» através do ato de se vestirem.
com bens e encontros amorosos com as deusas na Ilha que 2.1 Por meio do discurso de Veloso, percebemos, primeiramente,
Vénus lhes preparara. Ora, sendo estas de natureza divina (mi- a incredulidade e o espanto dos portugueses perante a visão
tologia pagã), então está conseguida uma divinização/mitifi- das «Deusas» inesperadas na «floresta» que têm agora diante
cação dos portugueses – heróis reais, de carne e osso, presen- de si. Em seguida, testemunhamos a ordem do mesmo Velo-
teados com entidades sobrenaturais. so para que «sigamos estas Deusas», isto é, para que corram
1.4 A sequência é «A Acidália, que tudo, enfim, podia.» (verso 8). atrás delas e as tomem como suas mulheres.
1.5 O recurso fónico presente é a aliteração do som consonânti- 2.2 Através destes versos, Camões consegue elevar os navega-
co «v», que está ao serviço da movimentação quer da Ilha dos dores lusitanos a categorias superiores e até sobrenaturais,
Amores (que se aproximava da frota), quer da frota portugue- uma vez que a eles são mostradas «(…) grandes as cousas e ex-
sa (que se aproximava da Ilha). celentes» (verso 7), porque, contrariamente aos «homens im-
2.1 Contrariamente à ideia de movimento presente na estân- prudentes», se depreende que os lusitanos são prudentes, ou
cia anterior, estes dois versos, com a presença da conjunção seja, justos e merecedores de recompensa por feitos ilustres
coordenativa adversativa «Mas», criam um contexto de imo- alcançados. Tal recompensa assume a forma desta Ilha dos
bilidade, isto é, Vénus fez parar a Ilha em frente dos olhos dos Amores e tudo o que nela está contido (amores com as ninfas e
portugueses. Assim, certificou-se de que eles ali atracariam a visão de Gama da «máquina do mundo», por exemplo).
as suas naus. 2.3 Tanto os portugueses como as ninfas estão enamorados.
2.2 A comparação presente em «Qual ficou Delos, tanto que pa- Assim, sendo o sentimento recíproco, vemos os navegadores
riu / Latona Febo e a Deusa à caça usada.» confirma a ideia de «veloces (…) / a correr pelas ribeiras» (versos 3-4) e as ninfas
imobilidade (paragem/ausência de movimento) da Ilha dos a fazer o mesmo «(…) por entre os ramos» (verso 5), enquanto
Amores, do mesmo modo que a ilha de Delos, quando Latona se deixam («industriosas») apanhar pelos lusitanos, com quem
deu à luz Febo e Diana (deusa da caça). vão consumar relações amorosas.
2.3 O verso «Pera lá logo a proa o mar abriu» está ao serviço da 2.4 O recurso à comparação em «veloces mais que gamos» (vea-
ideia de movimento, por um lado, porque a sequência «Pera dos) mostra a velocidade dos portugueses como maior do que
lá» está associada a uma orientação das naus em direção à a dos veados, animais naturalmente rápidos; o gerúndio, em
Ilha; em «Pera lá logo», testemunhamos o valor expressivo de verbos como «Fugindo», «sorrindo», «dando», «alcançando»
liquidez/movimento conseguido pelo recurso à aliteração do cria uma sequência temporal elástica, ou seja, prolongada a
som «l». Note-se ainda que, por meio de anástrofe, este modi- partir das atitudes e gestos de navegadores e ninfas; a seleção
ficador («Pera lá logo») está imediatamente no início do verso, dos nomes «gamos» e «galgos» confirma toda a ideia de movi-
ganhando centralidade. Por outro lado, ao lermos «a proa o mento e velocidade, pois também os «gamos» (cães de pernas
mar abriu» conseguimos visualizar, metaforicamente, a parte longas e típicos da caça à lebre ou à raposa) são velocíssimos.
dianteira das referidas naus a «abrir» o mar (rasgar as ondas/ 2.5 A estância 70 está ao serviço da mitificação do herói na
deslizar por elas), que as separava do seu porto amoroso. medida em que é nela que os portugueses são divinizados
2.4 Nos últimos três versos, percebemos claramente a presença pela consubstanciação das relações amorosas com as «Deu-
do imaginário épico de Camões pela descrição e caracteriza- sas». Ora, estes heróis humanos que têm como recompensa
ção da Ilha do geral para o particular. Vemos, portanto, a «cos- a união e procriação com divindades mitológicas, como que
ta», que desenhava uma «enseada» (baía pequena), adiante passam também eles a ser metade humanos, metade divinos.

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PORTUGUÊS 12.o ANO

FICHA 30 (p. 86) navegadores descobriram e conquistaram terras desse mun-


do, mas porque ao seu capitão é dada uma visão superior e
1.1 O poeta refere-se à Ilha dos Amores. sobrenatural do planeta terra e dos seus povos.
1.2 Nos últimos três versos, o poeta informa sobre o que re- 2.2 Segundo Tétis, Deus é o obreiro/o autor desta «máquina»,
presenta esta Ilha, isto é, as recompensas celestiais que são divindade «Que é sem princípio e meta limitada», mas os hu-
oferecidas aos valentes navegadores portugueses. Para isso, manos não o conseguem compreender porque Deus está para
Camões faz uso de uma enumeração que integra «triunfos», além do seu entendimento/da sua explicação racional.
«palma e louro», «glória e maravilha» e resume todas estas re-
compensas, servindo-se do nome «deleites».
3.1 Nos quatro primeiros versos, Tétis informa Gama de que no
mundo vivem os humanos corajosos e que se aventuram por
1.3 Nas estâncias das fichas imediatamente anteriores, o Poeta «terra firme» e «mar instábil». Ora, esta é uma referência aos
critica negativamente os portugueses, expondo os seus defei- próprios navegadores portugueses do tempo das Descobertas,
tos e o que os motiva. Pelo contrário, nesta reflexão, o escritor designadamente da viagem marítima até à Índia.
refere-se aos «deleites» ou recompensas prazerosas ofereci-
das aos portugueses pelos feitos heroicos e sobre-humanos
3.2 Apresentados esses humanos, Tétis continua a falar sobre o
mundo, desta vez referindo-se a «várias nações», «vários Reis»,
de toda a viagem.
«vários costumes», «várias leis». Assim sendo, está descrita
1.4 O recurso é a enumeração e serve para elencar as recompen- toda a matéria épica que originou a epopeia Os Lusíadas, ou
sas que os portugueses merecem. seja, um povo – o português – aventurou-se por terra e mar e foi,
2.1 Nos quatro primeiros versos, o poeta aconselha os portugue- de forma pioneira, descobrir outros povos e modos de vida, con-
ses a controlar a sua «cobiça» e «ambição» («E ponde na cobi- tribuindo para o conhecimento do planeta terra. Aos portugue-
ça um freio duro, / E na ambição também»). ses seguiram-se outras nações, dando continuidade ao período
2.2 A hipérbole «(…) que indignamente / Tomais mil vezes (…)» da História Universal conhecido como Descobrimentos.
(versos 2-3) exalta e torna incontornavelmente visível a fre-
quência com que os portugueses são movidos pela «ambição». FICHA 32 (p. 93)
2.3 As «honras vã» e o «ouro puro» não acrescentam nenhuma 1. «Um mar mais violento desmanchou o leme»; «o estrondo era
mais-valia psicológica, intelectual e humana ao Homem. tanto, – do mar e do vento – que uns aos outros não se ou-
2.4 A metonímia em «ouro puro» explica-se porque se está a to- viam»; «levanta-se de lá uma vaga altíssima»; «A nau, até o
mar o dinheiro não por si como todo, mas por uma das maté- mastro grande, fica rasa e submersa, e mais de meia hora de-
rias-primas de que é feito (podendo, todavia, ser cunhado com baixo de água».
prata ou bronze, por exemplo). 2. Jorge de Albuquerque Coelho é um excelente e zeloso capi-
2.5 Após usufruírem dos «deleites» com as Ninfas na Ilha dos tão, sempre pronto a acalmar os seus navegadores e a dar
Amores, estas reflexões pretendem «chamar os navegado- o exemplo. «Para que não fosse isto pesado a alguém foi a
res lusitanos à Razão», uma vez que a viagem tem de con- de Jorge de Albuquerque Coelho a primeira de todas que se
tinuar e, desta feita, de regresso a Lisboa. Camões está, largaram ao mar» ou ainda «Jorge de Albuquerque, vendo-os
portanto, a relembrar os portugueses dos vícios a evitar e assim, começou a falar-lhes para lhes dar ânimo».
dos escrúpulos a manter a partir desse momento de pausa 3. Na adversidade absoluta, vemos os navegadores recorrerem
na referida viagem. ao padre que com eles ia ou invocando Deus diretamente
3. Nestas e em outras estâncias vemos a matéria épica, ou com pedidos de misericórdia.
seja, os feitos históricos e a viagem de um Povo, cuja nave- 4. Morrendo desesperadamente de fome, os navegadores pe-
gação surtiu efeitos de interesse e alcance universais – des- dem ao capitão que os deixasse comer os cadáveres dos
coberta do caminho marítimo para a Índia. Nelas percebe- companheiros.
mos a sublimidade do canto em verso, quer pela sua seleção
5. O episódio é o surgimento da «barca pequenina», que os pre-
de vocábulos, quer por todos os recursos expressivos aos
senteia com alimentos e os reboca até à baía de Cascais e
níveis morfossintático, fonológico e semântico. Testemu-
depois até Belém.
nhamos ainda as características métricas e rimáticas de um
texto épico. Por outro lado, percebemos a existência de um
herói coletivo, o Povo Português, a quem se dirigem todas
as Reflexões do Poeta. Em conclusão, elencados estes ele-
Educação literária • 11.o Ano
mentos, vemos consubstanciar-se uma grandiosa epopeia, FICHA 33 (p. 101)
ao nível dos autores em quem Camões se inspirou, Homero
e Virgílio. 1. a) F – «Vos estis sal terrae.»; b) F – O conceito predicável é re-
tirado do Evangelho de S. Mateus.; c) F – O conceito predicável
FICHA 31 (p. 88) integra uma metáfora; d) V; e) F – É uma sequência que contém
uma interrogação retórica.; f) V; g) F – As primeiras duas figu-
1.1 Esta estância surge no Canto X, ainda na Ilha dos Amores, de- ras de autoridade e exemplaridade que surgem neste sermão
pois das relações amorosas entre as ninfas e os navegadores são a de Cristo e a de Santo António de Lisboa/Pádua.; h) F – A
portugueses e antes do regresso a Lisboa. cidade onde pregava Santo António era Arimino.; i) F – Vieira
1.2 Nos versos «Pera que com mais alta glória dobre / As festas considera que se deve «pregar como eles do que pregar de-
deste alegre e claro dia», percebe-se que Tétis decide acres- les.»; j) V; k) V; l) F – O padre jesuíta utiliza o final do Capítulo I
centar mais uma recompensa aos portugueses, na pessoa do para invocar a Virgem Maria.
seu capitão Vasco da Gama, depois de já se terem deleitado
com a satisfação das necessidades do corpo. Essa recompen- FICHA 34 (p. 102)
sa é a visão privilegiada do Mundo e seu funcionamento. 1. A primeira frase do excerto esclarece o conceito predicável,
1.3 Os dois pontos no final do verso 8 servem para introduzir o ou seja, a citação bíblica/o conceito a partir do qual se vai de-
discurso direto de Tétis a propósito da «grande máquina do senrolar todo o Sermão. Os seus diretos interlocutores são os
Mundo». «pregadores», ou seja, os clérigos responsáveis pela missão
2.1 A presença desta «grande máquina do Mundo», que é afinal o de evangelizar. A «terra» é o público que ouve os sermões/as
«Globo» terrestre e o seu funcionamento físico e sobrenatu- pregações – os fiéis que têm comportamentos contrários à fé
ral, prova a universalidade de Os Lusíadas, não só porque os cristã, bem como os que a não professam.

417
PREPARAR O EXAME NACIONAL

2. A conjunção «mas» tem valor de contraste/adversidade. Por FICHA 35 (p. 104)


outras palavras, Vieira sabe que Cristo deixou o «sal» (prega-
1. a) V; b) F – «Descendo ao particular», Vieira considera qua-
dores) para atuar na «terra» (homens), no entanto, não estão
tro peixes.; c) F – Alguns dos seus nomes são Roncadores,
a ser conseguidos resultados de evangelização. Por isso mes-
Pegadores, Voadores e Polvo.; d) F – São Pedro é figura
mo, ele retoma o conceito predicável e tenta analisar, de segui-
bíblica que exemplifica o que fazem os Roncadores.; e) V;
da, o estado atual de insucesso.
f) F – Outros dos animais repreendidos são os Pegadores,
3. As supressões de texto dizem respeito a uma enumeração de ou seja, aqueles que se pegam aos costados dos Tubarões.;
várias possibilidades de resposta que Vieira apresenta, no g) F – Um grupo criticado é ainda o dos Voadores, que têm
sentido de levar os ouvintes a pensarem sobre o motivo da
barbatanas largas e podem voar, como se lê em «não vos fez
inexistência de sucesso na aplicação do conceito predicável.
Deus para peixes? Pois porque vos meteis a ser aves?».; h)
Assim, pode ler-se no excerto omisso: «Ou é porque o sal não
F – Vieira afirma, por último: «Mas já que estamos nas covas
salga, e os Pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou
do mar, antes que saiamos delas, temos lá o irmão Polvo.»;
porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, sendo ver-
i) F – O Polvo simboliza os defeitos de traição e maquiave-
dadeira a doutrina, que lhes dão, a não querem receber; ou é
porque o sal não salga, e os Pregadores dizem uma coisa, e lismo, quando se trata de assegurar o seu próprio bem.; j) V;
fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ou- k) F – O capítulo V apresenta as repreensões em particular
vintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que aos peixes.
dizem; ou é porque o sal não salga, e os Pregadores se pre- FICHA 36 (p. 105)
gam a si, e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar,
e os ouvintes em vez de servir a Cristo servem a seus ape- Excerto 1:
tites.» Ao longo desta enumeração de hipóteses, iniciadas 1. A virtude é a de terem os peixes sido escolhidos por Deus
por repetição anafórica, podemos concluir que Vieira tenta para serem criados em primeiro lugar, mesmo antes das aves
perceber se os culpados são os pregadores ou os ouvintes. e do próprio homem.
4. Esta sequência confirma o contexto em que o Sermão é prega- 2. A enumeração é a que dá vida às outras criaturas que foram
do – 13 de junho de 1654, dia em que se celebra a solenidade criadas após os peixes (aves e homem); a anáfora serve de
de Santo António de Lisboa, Doutor da Igreja. instrumento a essa enumeração, pois repete-se a sequência
5. Santo António pregava em Itália a cristãos, a hereges e a «a vós primeiro», «a vós primeiro».
todo o tipo de pessoas de vários credos. Por se tratar do 3. Terminando com o provérbio popular «como peixe na água»
período medievo, sendo a liberdade de expressão e a aber- tomado literalmente, Vieira seleciona uma frase que mostra
tura a outras religiões pouco (ou mesmo nada) permitida e como é virtuosa a escolha de os peixes viverem longe dos
aceitável, o santo viu-se obrigado a fugir de perseguidores. homens para assim não se deixarem corromper por ou como
Todavia, não desistindo dos seus objetivos evangelizadores, eles.
decidiu utilizar essa alegoria peixes/homens e construir o
4. O dilúvio, cuja figura central é Noé, coordenador de todos
seu sermão a partir dela.
os seres vivos, é um episódio citado para provar como Deus
6. Trata-se de duas apóstrofes que presentificam Deus e a Sua estima tanto os peixes. Por outras palavras: aos outros ani-
omnipotência e dão vida à estratégia de crítica social e per- mais, inclusivamente os humanos, fez escolher um macho
suasão dos pregadores, por meio do discurso figurativo. e uma fêmea apenas, retirou-os do seu elemento e trouxe-
7. Estamos perante uma enumeração do que acontece depois -os para a Arca, castigando os restantes. Aos peixes, seres
de Santo António começar a chamar em altas vozes o seu da água, não só não os privou do seu elemento, como ainda
público. Tal enumeração transforma-se em gradação (com lhes deu mais água para circularem, crescerem e se multi-
recurso a anáfora – «Começam»), uma vez que tudo começa plicarem.
com a agitação do mar, que antecede a afluência dos ouvin-
tes gradualmente e por categorias, até que «todos» estão FICHA 37 (p. 106)
organizadamente a ouvir Santo António.
1. A Rémora é um peixe que se pega ao leme ou a outra parte de
8. Estas duas frases evidenciam o propósito que Padre António uma nau que sabe que a protege. Ela é fiel seguidora dessa
Vieira deixa muito claro sobre a estrutura externa e interna
nau e inclusivamente pode servi-la se necessário, em caso de
e o caráter expositivo-argumentativo e grandiloquente (com
tempestade. Por analogia, Vieira diz que a língua de Santo
vista à persuasão) do seu sermão. Obviamente, estas frases
António (note-se que as cordas vocais deste Santo Doutor
são expectáveis num texto desta natureza, situando-se na
da Igreja, associadas ao aparelho fonador, estão expostas
Introdução/Exórdio para organização retórica e preparação
e intactas na Igreja de Santo António, na cidade italiana de
dos ouvintes.
Pádua) sempre foi «rémora» de Cristo e da Palavra de Deus.
9. Na última frase do excerto, Vieira decide dar um conselho Note-se que a língua é o veículo usado por Santo António
àqueles que não precisam de ser evangelizados – o de igno-
para os seus sermões e as suas pregações.
rarem este sermão por não ser «para eles». A ironia vem da
utilização desta frase, visando o seu contrário, pois qualquer 2. Um par dos seus olhos está voltado para cima, vigiando os pre-
ser humano (designadamente o cristão) precisa de renovar dadores, aves à superfície da água. Em cima se encontra Deus,
a fé e os comportamentos, por meio da reflexão acerca dos que esse par de olhos contempla e de quem aprende. Outro par
ensinamentos bíblicos e da oração contínua. de olhos está voltado para baixo, vigiando os perigos do seu
elemento, a água. Se o primeiro par remete para as coisas do
10. Por definição, a alegoria é a concretização de uma abstra-
ção. Nestes sermões, processa-se do seguinte modo: toman- Alto, a Espiritualidade Cristã, o segundo remete para o «ter-
do os pecados/vícios e as virtudes do ser humano (portanto, reno», a vida do mundo, que se pretende espaço de vida real,
referentes não palpáveis, abstratos), os pregadores dão-lhe mas não mundana.
uma forma concreta e visível. Essa forma é a de peixes (re- 3. A comparação encontra-se em «e cada par deles unidos como
ferentes palpáveis e reais), usados não só pela categoria a dois vidros de um relógio de areia», e a figura de autoridade é
que pertencem (Torpedo, Rémora, Polvo, para citar apenas o Apóstolo São Tiago (grafado «Santiago»), filho de Zebedeu
alguns), mas, principalmente, pelas suas características que acompanhou sempre de muito perto Jesus Cristo e que,
comportamentais, enquanto peixes, as quais espelham na pela sua determinação, perseverança e força, era apelidado
perfeição as abstrações humanas. «filho do Trovão».

418
PORTUGUÊS 12.o ANO

FICHA 38 (p. 107) social do tempo do Padre António Vieira, tais como membros
Excerto 1 da coroa, aristocratas, religiosos ou populares em geral.
1. Apóstrofes: «amigos Roncadores» (linha 6), «peixezinhos igno- FICHA 39 (p. 109)
rantes e miseráveis» (Pegadores) (linhas 18-19), «peixe alei-
voso e vil» (Polvo) (linhas 37-38). Cada uma destas apóstro- 1. A anáfora «Louvai a Deus» surte efeitos persuasivos porque
fes torna mais presentes os peixes, fazendo as suas críticas repete incessante e veementemente a necessidade de dar
inequívocas. A relativa aos «Roncadores» pode surtir efeitos graças a Deus por tantos bens concedidos gratuitamente a
irónicos, pois nada têm que ver com o Padre António Vieira, peixes/homens. Claro que, pela repetição do conselho, se faz
que pretende intentar o seu contrário. entranhar no espírito dos ouvintes a necessidade de corri-
2. «O riso e a ira» do Padre Vieira provieram do facto de, ouvindo gir atitudes/comportamentos, movidos pela razão lógica do
e vendo o quanto gritavam, perceber que se tratava de pei- discurso de Vieira e pelas emoções despertadas (movere).
xes pequenos, facilmente pescáveis por um «aleijado», o que 2. A primeira graça prende-se com a sequência «louvai a Deus,
prova a sua fragilidade. Portanto, a arrogância dos seus gritos que vos habilitou de todos os instrumentos necessários à
contrastava comicamente com a sua fisionomia minúscula. vida», isto é, a graça de ter à disposição de cada um todos os
3. A crítica social atinge «os arrogantes e soberbos»: todos os meios, ferramentas, espaços e contextos para sobreviver e
membros da sociedade que, sendo pouco poderosos ou frá- viver. A segunda graça tem que ver com a ideia expressa em
geis, se revoltam contra Deus constantemente. E Vieira acres- «louvai a Deus, que vos sustenta», por outras palavras, Deus
centa que tal atitude leva esses seres humanos a prejudica- que vos ampara e protege na adversidade (comungando natu-
rem-se, pois o poder da Providência é sempre maior. ralmente também da felicidade).
4. Quanto à exemplaridade do Tubarão, eis o cenário: sendo este 3. A estrutura externa e interna de um sermão deve terminar com
um predador temível, os Pegadores colam-se às suas costas, referência a Deus (ao Deus bíblico), não só por meio de ideias (no
parecendo «remendos ou manchas naturais» e alimentam-se caso, variantes de «Deo gratias», como «Louvai a Deus»), mas
das sobras de peixes pequenos que este peixe grande come. A também com recurso a vocabulário bíblico, como em «Ámen».
consequência primeira é a alimentação sem esforço, mas o re-
sultado final pode ser mau, se morrer o Tubarão, os Pegadores FICHA 40 (p. 116)
morrerão com ele. 1. A ordem sequencial correta é: k); c); j); i); n); h); m); g); f); e); d);
5. Com os Pegadores, Padre António Vieira pretende atingir todos b); l); a).
os seres humanos que se tornam parasitas, seguidores, apenas
por interesse, de outros seres humanos com poder, dinheiro, FICHA 41 (p. 117)
influência, para citar apenas alguns casos. Correndo bem a vida 1. a) F – D. Madalena de Vilhena casou em segundas núpcias
aos «grandes», os parasitas saem beneficiados; pelo contrário, com Manuel de Sousa Coutinho. b) F – D. Madalena e o ma-
correndo mal a uns, os outros sofrerão do mesmo mal. rido pertenciam à nobreza portuguesa, vivendo na casa de
6. De acordo com as linhas 24 a 29, vemos que o Polvo parece Manuel de Sousa Coutinho.; c) V; d) V; e) F – Maria e Telmo
um peixe bondoso e angélico: a sua cabeça dá-lhe um ar de Pais acreditam, piamente e com alegria, que el-rei D. Sebas-
monge com seu capuz, os seus tentáculos abertos asseme- tião vai regressar vivo.; f) V; g) V; h) V; i) V; j) F – Manuel ateia
lham-no a uma estrela, com uma fisionomia invertebrada e fogo a sua casa para não a deixar aos governadores portu-
exclusivamente feita de partes moles, aparentando ser pa- gueses aliados dos espanhóis.; k) V; l) V; m) F – A ordem na
cífico e frágil. Porém, e como dizem os santos latino e grego, qual vão ingressar Manuel e Madalena é a dos Dominicanos
tudo no Polvo é aparência, ilusão e hipocrisia porque é falso. (S. Domingos).
7. A estratégia de ataque do Polvo é tomar a cor do elemento
do fundo do mar de que se aproximou, confundindo-se com FICHA 42 (p. 118)
ele; em seguida, predador paciente, deixa aproximar-se um 1. Trata-se de uma sala da casa onde vivem Manuel de Sousa
peixe incauto e prende-o com os seus tentáculos, cegando- Coutinho, Madalena de Vilhena, Maria, Telmo e os criados, em
-o com o líquido escuro que liberta. A vitória do Polvo sobre Almada, na tarde de 28 de julho de 1599.
a sua presa é calma, pensada estrategicamente e rápida na
2. As duas janelas trazem luz natural à casa, pois são «grandes» e
captura. Assim se pode ler em «Consiste esta traição do Pol-
dão vista para um eirado «que olha sobre o Tejo e donde se vê
vo primeiramente em se vestir, ou pintar das mesmas cores
Lisboa toda». Por outras palavras, são os elementos através
de todas aquelas cores, a que está pegado. (…) E daqui que
dos quais o exterior comunica com o interior e vice-versa.
sucede? Sucede que o outro peixe inocente da traição vai
passando desacautelado, e o salteador, que está de embos- 3. Por exemplo: «luxo», «caprichosa elegância», «porcelanas»,
cada dentro do seu próprio engano, lança-lhe os braços de «xarões», «sedas», «rico pano de veludo verde franjado de pra-
repente, e fá-lo prisioneiro. (…) O Polvo, escurecendo-se a ta», «livros», «obras de tapeçaria», «vaso da China», «tambore-
si, tira a vista aos outros.» tes rasos», «contadores».
8. A comparação advém da colocação em paralelo do que fez 4. A frase «É no fim da tarde.» revela um ambiente calmo, melan-
Judas e do que faz o Polvo, como sendo da mesma natureza: cólico, características que aumentam em Madalena o seu sen-
traição. A gradação surge do facto de Judas só ter abraçado timentalismo exagerado. Os seus «ais», os seus medos, a re-
Jesus como sinal de identificação para os guardas do Templo flexão sobre o passado infindo (não terminado por não saber
o prenderem, ao contrário do Polvo, que não só se disfarça, se o primeiro marido morreu realmente), o presente sempre
como vai mais além e prende a sua vítima em dois passos que em alvoroço e o futuro que ela vê envolto em sinais negativos,
se processam gradualmente e antecedem o proveito de co- presságios e agouros são sinais que anteveem desgraça (ver
mer a presa. características do Romantismo, p. 108).
9. Através do Polvo, Vieira traz à memória visual e mental dos 5. Por exemplo: «duas grandes janelas rasgadas», por onde entra
seus ouvintes todos aqueles que aparentam ser boas pes- a luz do dia, o calor do sol, a frescura do Tejo; «um vaso da Chi-
soas, altruístas, humanitárias, cândidas e pacíficas, mas são na, de colo alto, com flores», pressupondo-se que as flores são
precisamente o seu contrário, contrário esse maquiavélico, naturais, portanto, perfumando a casa e alegrando-a; as por-
que está escondido debaixo de «uma hipocrisia santa». Os tas de acesso fácil a outros ambientes (interior e exterior) por
diretamente invetivados podem pertencer a qualquer classe onde se prolonga a calma e o conforto do espaço.

419
PREPARAR O EXAME NACIONAL

FICHA 43 (p. 119) é feita de madeira negra. O tempo cronológico confirma tudo
isto, pois é «alta noite», sendo a noite já quase madrugada e me-
1. O patriotismo de Manuel torna-se evidente quando ele mani- taforizada como um prenúncio de morte («mortalhas» é o vocá-
festa estar consciente de que os governadores portugueses bulo usado para o hábito e insígnias que os novos consagrados
não defendem a liberdade do país. Por conseguinte, tal patrio- vão usar, como se fossem, efetivamente, morrer).
tismo é confirmado na sua atitude determinada: atear fogo
à própria casa para não alojar tais traidores. Manuel prefere 2. Todos estes vocábulos instauram uma proximidade entre a
destruir os seus bens a deixá-los nas mãos destes maus de- tomada de hábito de Manuel e Madalena e a Paixão de Cris-
fensores de um Portugal livre. A sua filha, Maria, reitera os to. Dito de outra forma, havendo cruzes e velas, já o espaço é
escrúpulos patrióticos do pai e apoia-o, com carinho de filha e mórbido, mas a menção da crucifixão de Jesus, com o letreiro,
consciência plena de serem eles portugueses genuínos. que perpassa toda a Semana Santa do calendário litúrgico,
reafirma essa proximidade: assim como Jesus sofreu açoites,
2. Do ponto de vista psicológico, Manuel é um honrado fidalgo tortura e morte injustamente, sem nada de mal ter feito, assim
português, destemido e corajoso; Madalena é o exemplo máxi- também os membros desta família nada de mal fizeram e es-
mo de uma mulher em constante agonia e medo por se ter ca- tão a ser «açoitados», «torturados», «mortos» pela vida. Não
sado pela segunda vez, sem nunca ter a certeza efetiva de que houve duelos, não houve traições, não houve crimes, tudo se
o primeiro marido morrera; Maria é uma verdadeira patriota, passou devotamente e consoante os preceitos do Catolicismo
escrupulosa e ávida defensora do seu muito amado progenitor e dos valores honrosos da nobreza. No entanto, o desenlace é
e do seu muito amado país. trágico e romântico.
FICHA 44 (p. 120) 3. Há, sem dúvida, uma gradação desde o cenário do Ato I até ao
do Ato III, no sentido de um aumento de escuridão física e es-
1. A razão que esteve na origem da mudança da casa de Manuel pacial (com presença de objetos e contextos que pressagiam
de Sousa Coutinho para esta tem a ver com o facto de o fidal- maus eventos futuros) e revelação que leva ao desenlace. Se
go Manuel ter incendiado a sua propriedade para a não deixar o primeiro cenário mostra a paz e claridade em que vivia esta
ser ocupada pelos governadores portugueses (Luís de Moura, família, o segundo passa a desenrolar-se no palácio sombrio
o conde de Sabugal, o conde de Santa Cruz, o arcebispo) e re- e fechado de D. João, local aonde ele vem ter no final do
presentantes da coroa espanhola. Ato II, havendo «clímax» e «páthos», isto é, auge do sofri-
2. Este comportamento de Manuel de Sousa Coutinho, que o le- mento já pressentido por Madalena e Telmo, ao ponto da
vou a destruir a própria casa, prova o seu amor à pátria, Portu- tomada de decisões trágicas. A «katastrophé» surge, no Ato
gal, e a sua luta pela independência. Por outro lado, dá mostras III, com a morte espiritual de Manuel e Madalena e a morte
de que se trata de um fidalgo honrado, destemido e corajoso física de Maria. O cenário, uma vez mais, acompanha este de-
na defesa da sua nação e seus compatriotas. senlace, pois estamos na igreja onde tudo acontecerá.
3. O proprietário é D. João de Portugal, desaparecido na Batalha
de Alcácer Quibir, em 1578. O facto de D. João ter sido o pri- FICHA 46 (p. 126)
meiro marido de Madalena, cuja morte nunca foi confirmada, 1. a) V; b) F – O Mosteiro da Batalha tem também a designação
presentifica-o neste tempo atual da ação, que adensa o sofri- de Mosteiro de Santa Maria da Vitória.; c) F – O convento
mento de Madalena e inicia o desfecho. Dito de outra forma, foi doado por el-rei D. João I aos frades dominicanos.; d) F
aparecendo como Romeiro, vai desencadear-se o desfecho – Junto de pedras e estátuas espalhadas, Frei Lourenço de
trágico da obra: o casamento de Madalena e Manuel é invali- Lampreia e Frei Joane conversavam com o Mestre Afonso
dado e Maria torna-se filha bastarda. Domingues, velho, cego, surdo e coxo.; e) V; f) F – Mestre
4. Os três retratos «ao fundo» representam D. Sebastião, Luís de Afonso compara a sua obra à Divina Comédia, do florentino
Camões e D. João de Portugal. O retrato de D. Sebastião é cla- (de Florença) Dante.; g) F – Mestre Ouguet é um arquiteto
ramente um elemento sebastianista, pois nele estão represen- «mediano» de nacionalidade irlandesa.; h) F – Mestre Ou-
tadas as esperanças de um Portugal, presente e futuro, livre, guet retomou a construção do Mosteiro, ignorando a planta
governado por um jovem rei, que há de regressar da Batalha de feita pelo seu antecessor.; i) V; j) V; k) V; l) V; m) V; n) V; o) V;
Alcácer Quibir. O retrato de Camões contribui para o mesmo p) V; q) F – De entre essas personagens, destacam-se, além
efeito, pois a sua epopeia é dedicada a este rei. Camões é sím- dos frades superiores, João das Regras e Martim de Océm,
bolo de patriotismo, não só porque escreveu Os Lusíadas, para doutores e conselheiros do rei.; r) F – Com honra e patriotis-
glorificar a pátria e a grandeza dos seus membros, mas por ele mo, Mestre Afonso aceita e promete a completude da abó-
mesmo, Camões, ter sido cavaleiro e defensor das conquistas bada da casa capitular para dali a quatro meses, munindo-se
portuguesas, durante o exílio. O retrato de D. João de Portugal de arquitetos jovens, tais como Martim Vasques e Fernão de
é um indício de um final trágico, pois é o seu regresso que vai Évora.; s) V; t) V; u) V; v) V.
destruir a família de Madalena, Manuel, Maria (e Telmo).
5. As portadas que dão acesso à Igreja de S. Paulo dos Domíni- FICHA 47 (p. 128)
cos de Almada são um indício da proximidade do fim trágico 1. Mestre Afonso é um homem inflamado pelo seu amor à pátria,
da obra. É por elas que hão de passar Manuel e Madalena não só porque combateu com o Mestre de Avis, mas porque
para entrarem como noviços na ordem religiosa dos Domí- empenha toda a sua alma e espírito neste monumento de glo-
nicos e é por elas também que Maria correrá em demanda rificação de um Portugal vitorioso. Por outro lado, defende
pelos pais até ao local onde vai morrer. No lugar ao qual dão sempre o que é português e deixa transparecer todo um senti-
acesso tais portadas, vai consumar-se a tragédia que atinge mentalismo exagerado e hiperbólico, próprio de um cavaleiro
todas as personagens. honrado. Assim se percebe o cair das lágrimas (que contagia
Frei Lourenço), o discurso poético retratando a sua obra arqui-
FICHA 45 (p. 121) tetada, o facto de estar de pé e ficar exaurido (sem forças) e
1. O drama romântico implica, regra geral, ambientes sombrios a indignação por lhe ter sido retirado o cargo em favor de um
e austeros: portas cobertas de reposteiros pesados, objetos estrangeiro.
medievais. A presença da religiosidade exagerada também se 2. Aliado ao patriotismo típico do Romantismo, temos, neste
mostra ao serviço deste cenário romântico (do Romantismo). excerto, provas do sentimento nacional, ou seja, de um olhar
Veja-se que os objetos de consagração estão dispostos num para a própria vida e alma como parte de uma coletividade a
espaço sem decoração, sem luz natural, e a cruz de Jesus Cristo defender honrosamente, que é a nação portuguesa. Eis um ex-

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PORTUGUÊS 12.o ANO

certo que o mostra: «Não é este edifício obra de reis, ainda que lhe rouba «os corações dos homens», que não lhe obedecem
por um rei me fosse encomendado seu desenho e edificação, já, ao que a Esperança acode, afirmando que vem a mando de
mas nacional, mas popular, mas da gente portuguesa, que dis- Deus iluminar esses corações para endireitar o seu caminho, o
se: não seremos servos do estrangeiro e provou seu dito.». É caminho que os levará ao Céu. A Soberba, a propósito do que
clara a referência ao caráter nacional deste mosteiro e de todo ouve da Esperança, acusa os mandatários de Deus de «enga-
o processo da sua edificação, que deve ser obrado por mãos nar os homens com vaidades de incertos futuros», sendo que
portuguesas para glorificação de Portugal e seus pelejadores. a Caridade se socorre das Sagradas Escrituras para enaltecer
3. Mestre Afonso Domingues, Frei Lourenço de Lampreia, el-rei D. Deus e seus santos como orientadores dos seres humanos, a
João I, D. Leonor Teles, Mestre David Ouguet e todos os po- quem consideram de maneira igual.
pulares e «oficiais», construtores/obreiros portugueses, que 3. Por exemplo: «a Idolatria começou seu arrazoado contra a Fé,
foram mandados para Guimarães. Mestre Afonso respeita e queixando-se de que ela a pretendia esbulhar da antiga posse
é respeitado pelo frade superior dominicano, tendo uma rela- em que estava de receber cultos de todo o género humano, ao
ção de amizade; o mesmo se passa entre o Mestre e todos os que a Fé acudia com dizer que, ab initio, estava apontado o dia
populares portugueses que estavam sob a sua égide na cons- em que o império dos ídolos devia acabar». Por meio do discur-
trução do mosteiro; D. João I surge aqui como alvo de críticas so indireto, Herculano consegue resumir as falas das persona-
inflamadas e irónicas por parte de Afonso, mas serão reata- gens. Tal resumo entende-se porque cada uma das falas das
dos os laços de amizade e companheirismo que remontam à personagens não é central na estrutura da narrativa.
luta conjunta em Aljubarrota; D. Leonor Teles (aliada dos cas-
telhanos) é odiada pelo Mestre Afonso, ao ponto de este se
4. É a queda da abóbada, finalizada por Mestre Ouguet, que vai
lhe referir como «a adúltera» (pela sua relação com o Conde desencadear todo o conteúdo dos dois capítulos seguintes até
Andeiro); Mestre Ouguet é o eterno odiado por Afonso (sendo ao final. Porque se provou que a planta alterada pelo irlandês
o sentimento recíproco), por não ser português e ter rejeitado não foi alternativa viável é que D. João I vai reunir com os con-
a planta desenhada pelo arquiteto português. selheiros e com Mestre Afonso, reatando a amizade para com
o velho Mestre e renomeando-o Mestre oficial. Daqui sucede
4. a) Enumeração – «cada coluna, cada mainel, cada fresta, cada
que Mestre Afonso e os seus obreiros portugueses sigam a
arco era uma página de canção imensa»: exaltação da obra no
planta original, a abóbada não mais caia e, por fim, o desfecho
seu todo e cada parte em específico, desenhada e construída
da narrativa: a morte de Mestre Afonso, cujo voto de jejum por
com amor à pátria e ao futuro mosteiro, que celebra a glória de
três dias foi fatal ao seu corpo idoso e já frágil.
um Portugal invencível. b) Metáfora: «cada coluna, cada mai-
nel, cada fresta, cada arco era uma página de canção imensa» 5. A atribuição do título A Abóbada a esta narrativa tem a ver
ou ainda «Os milhares de lavores que tracei em meu desenho com o facto de se tratar da construção de um dos mais impor-
eram milhares de versos», sendo que qualquer uma destas tantes espaços do futuro Mosteiro da Batalha, monumento
citações apresenta o desenho/o mosteiro como «página de de louvor aos portugueses vitoriosos frente aos castelhanos.
canção imensa» ou cada trabalho («lavores») como versos, A isto, Alexandre Herculano junta a caracterização de perso-
o que está ao serviço da dimensão literária e musical, trans- nagens e espaços historicamente comprovados/imaginados,
formando esta obra física numa peça de arte a vários níveis: donde sobressai a recuperação das glórias portuguesas do
escultura, literatura e música. Com tais metáforas, o mosteiro passado, bem como a apresentação de valores típicos do Ro-
é colocado como que num pedestal e é digno de ser reconheci- mantismo, isto é, o seu herói e respetivas características, lin-
do como superior e glorioso. c) Comparação: «caíam-lhe pelas guagem e estilo que o comprovam, assim como ideias patrióti-
faces encovadas duas lágrimas como punhos» – associando as cas em defesa da gloriosa nação que é Portugal.
lágrimas a punhos, podemos considerar a polissemia do vocá-
bulo «punhos». Assim, temos lágrimas como «punhaladas» ou FICHA 49 (p. 136)
socos que a vida deu à alma de Mestre Afonso Domingues; ou 1. Este excerto dá por terminados os dois planos da obra: o da
como «punhais», facas que «cortam», dilaceram, mutilam o seu viagem (com o regresso do narrador e companheiros a Lisboa)
coração. d) Ironia: «Agradeço-vos, senhor rei, a mercê!... Sois e o da novela (com as informações sobre o destino final das
verdadeiramente generoso…» mostra o desagrado profundo, personagens Carlos, Joaninha, Georgina e a avó D. Francisca).
o desespero e a mágoa que Mestre Domingues tem para com
D. João I porque este o afastou do cargo de arquiteto do Mos-
1.1 O diálogo faz-se entre o narrador (protagonista da viagem) e
teiro da Batalha, entregando-o a um estrangeiro. Frei Dinis (uma das personagens da novela). Logo, juntam-se,
confluindo, viagem e novela.
5. Este capítulo, sendo o primeiro dos cinco, faz a apresentação
de quatro componentes: o «cenário»/contexto histórico, o es- 2. Carlos e Joaninha são claramente personagens românticas
paço (Batalha) e o desenho da ação em torno da construção pelo desenrolar e pelo desfecho da sua relação amorosa: além
do Mosteiro da Batalha. O leitor fica a saber da obra, do local, do parentesco próximo (à partida impeditivo), Carlos tem um
do momento da História e da ação narrativa de que estamos compromisso com Georgina, mas ama Joaninha (inocente, ho-
a tratar. A quarta componente é a das personagens, fazendo nesta, frágil e simples como uma verdadeira heroína român-
antever as relações entre elas. tica). Está instalado, portanto, um triângulo amoroso. Porque
Carlos se deixa levar pela razão e contexto social, abandona
FICHA 48 (p. 130) Joaninha, que morre de desgosto, volta para Georgina, que o
1. Este auto é alegórico na medida em que as primeiras sete per- recusa e se torna abadessa. Assim, Carlos abandona tudo,
sonagens são concretizações de abstrações: Idolatria, Diabo, enriquece, dedica-se à política, vivendo corrompido por ela e
Soberba, Fé, Esperança, Caridade e o anjo da sentença. Pre- pela sociedade.
cisamente por meio delas é que o auto dá vida aos princípios 3. Por exemplo: «fui deliberadamente ao meu cavalo; montei, pi-
da moral cristã: umas são personagens que levam a alma ao quei, desesperado, de esporas e não parei senão no Cartaxo.
inferno, as outras as que levam a alma ao Céu. Trata-se da (…) Parti para Lisboa» (linhas 27-28).
representação da Epifania do Senhor, solenidade litúrgica do 4. Trata-se de um narrador que fala na primeira pessoa, é subje-
Cristianismo. tivo nas descrições e nas críticas que tece à política, à socie-
2. A Idolatria queixa-se de a Fé lhe roubar o culto por parte dos dade e à religião; é participante na ação (vemo-lo em diálogo
seres humanos, ao que esta responde que está fadado por informal/coloquial com uma das personagens da novela, Frei
Deus o fim dos ídolos. O Diabo lamenta-se de que a Esperança Dinis) e dirige-se diretamente ao leitor.

421
PREPARAR O EXAME NACIONAL

5. No último parágrafo, o narrador faz uma reflexão, tecendo crí- 2. O sentimento natural que une este par amoroso é o amor ge-
ticas abertas sobre as más decisões e orientações do governo nuíno, avivado pela paixão de um reencontro inesperado, após
(entregue, em 1843, ao ditador Costa Cabral – Cabralismo), a dois anos de ausência. O seu mais óbvio exemplo é o «com um
quem tece abertas críticas (irónicas e sarcásticas) ao investi- longo, interminável beijo… longo, longo, e interminável como
mento caríssimo nos caminhos de ferro, em vez de pedra para um primeiro beijo de amantes…» (linhas 25-26).
estimular os meios de comunicação no nosso país. Note-se
que «metal» pode ser referência literal ao ferro, mas também FICHA 52 (p. 141)
referência metafórica ao dinheiro. Assim, este narrador ro- 1. Nas linhas 1 a 18, o narrador embrenha-se na reflexão e crítica
mântico dá vida ao sentimento nacional, designadamente, o sobre as péssimas influências que a sociedade (convivência
da preocupação com aquilo de que Portugal verdadeiramente social) tem na personalidade do ser humano, originalmente
necessita. É que, depois do triunfo do Liberalismo, com a Carta criado bom, honesto, escrupuloso e equilibrado no uso, entre
Constitucional outorgada por D. Pedro IV, em 1826, os gover- outros, do binómio razão/coração. Com estas críticas, o narra-
nos sucediam-se a custo de lutas e ditaduras, o que afetava dor prepara aquilo que vai fazer, do ponto de vista narratológi-
negativamente a economia e gerava o sentimento de medo e co, imediatamente a seguir (linhas 19 a 24): provar como Car-
frustração por parte de todos os portugueses compatriotas los é, infelizmente, um exemplo dessas influências corrosivas
deste narrador. e cáusticas da sociedade do seu tempo.
6. Metáfora: D. Francisca, não estando fisicamente morta, tinha 2. Pela caraterização de Carlos, podemos antever todo o desfe-
aspeto e postura de cadáver. cho da novela: ele é o centro do triângulo amoroso Georgina –
FICHA 50 (p. 138) Carlos – Joaninha; pela sua falta de escrúpulos e «vulgaridade
da fraqueza, da hipocrisia, da mentira comum.» (linhas 20-21),
1. Este excerto é a primeira ponte de ligação entre o plano da via- abandonou Joaninha, o que a levou a morrer de desgosto, voltou
gem e o plano da novela. Se ele começa com o que o narrador para Georgina, que o recusou por saber da traição, e isolou-se
vê na sua deambulação geográfica, termina com a clarificação da sociedade, seguindo a sua falta de valores. A avó enlouque-
da «história» que vai contar. ceu, perdeu vitalidade e Frei Dinis resignou-se à misericórdia
1.1 O elemento físico que clarifica este elo de ligação é a «janela» de Deus. Carlos enriqueceu. Como soubemos da boca de Frei
que o narrador vê e lhe traz à memória a história que vai contar. Dinis, no último capítulo, é barão e será, porventura, deputado.
2. Entre as linhas 1 e 14, o narrador descreve a natureza que o A sua atitude para com as duas mulheres e a incursão na vida
Vale de Santarém lhe oferece por meio dos sentidos. A pai- política são as provas finais de que Carlos se deixou corrom-
sagem é descrita como locus amoenus, ou seja, «numa har- per por essa sociedade descrita no início deste excerto.
monia suavíssima e perfeita» (linhas 2-3), que tanto serve
para caracterizar o vale como o interior do narrador, que a FICHA 53 (p. 145)
contempla e por ela é encantado. 1. a) F – O narrador estava preso na Cadeia da Relação, no Porto,
3. O narrador revela, em prolepse, ao seu companheiro de viagem, quando encontrou uns documentos.; b) V; c) F – O narrador tira
o final desta menina à janela (sabemos que se trata da sua a limpo a história da prisão de Simão porque um dos documen-
morte por desgosto amoroso). Por consequência, podemos tos que leu era uma notícia atestando que estivera de facto
verificar que ele é narrador omnisciente e manuseia a informa- preso; d) O narrador é opinativo e parcial.; e) V; f) F – O narra-
ção de tempo e ação do modo que quer, pois é sabedor de tudo. dor compadece-se e revolta-se porque narrará infortúnios de
4. O momento em que a relação narrador e leitor se torna eviden- uma história sobre o amor entre um homem e uma mulher.; g)
te encontra-se entre as linhas 30 e 32, ou seja, todo o último V; h) F – A frase que o narrador utiliza para resumir a histó-
parágrafo do excerto. Neste caso, o narrador dirige-se às «be- ria é «Amou, perdeu-se e morreu amando.»; i) F – O narrador
las e amadas leitoras» (linha 30), portanto, pressupõe que uma submete a avaliação dos seus sentimentos perante a história
história de amor interesse sobremaneira a este tipo de público lida nos documentos tanto aos seus leitores como aos demais
– as mulheres. críticos.; j) V.
5.1 c) Enumeração: prova a harmonia e beleza de toda a paisagem FICHA 54 (p. 146)
do Vale de Santarém, fazendo sobressair estes tipos de plan-
tas. Note-se que existe também um exemplo de personifica- 1. Simão é um típico herói romântico por vários motivos: primei-
ção, pois «vestir» e «alcatifar» são características humanas, ro, porque, motivado pela raiva de saber da injustiça relativa à
aplicadas às plantas. ida de Teresa para a clausura no Porto, não hesita e vai, instin-
5.2 a) Metáfora: não se tratando literalmente de um quadro, mas tivamente e sozinho, ao seu encontro; segundo, porque trans-
de uma paisagem (o Vale de Santarém), a utilização metafórica borda amor puro e paz, quando se vê em frente da sua amada;
de «quadro» intensifica a ideia de harmonia e arte ao natural terceiro, porque aceita e se resigna à «cruz» e ao «calvário»,
que o narrador aprecia. aconselhando Teresa a fazer o mesmo; quarto, porque, após
ter mostrado respeito para com Baltasar, não vacila e reage
5.3 d) Comparação: evidencia o poder da janela sobre o narrador,
impetuosamente às ofensas ditas por ele, matando-o.
ao ponto de ele o comparar a um ato do sobrenatural – «feiti-
ço». 2. Não se trata apenas de uma relação familiar, uma vez que Bal-
tasar é sobrinho de Tadeu. Baltasar via neste casamento um
FICHA 51 (p. 140) meio de enriquecimento e ascensão social, sendo que Tadeu
o queria tanto ou mais porque via a filha fazer-lhe a vontade,
1. Joaninha exala beleza e fragilidade (tipicamente românticas)
afastando-se da família rival, os Botelho. Baltasar torna-se
por todo o seu corpo e linguagem corporal, como se pode ler
por isso sempre carinhoso com Tadeu, nunca o deixando só.
em «expressivas feições da donzela; e as formas graciosas
do seu corpo» (linhas 3-4). Sabemos que tem os olhos verdes. 3. Baltasar é um homem claramente sem escrúpulos, que não se
Quanto à personalidade, saliente-se a sua inocência de meni- coibiu de, desde o primeiro momento, insultar Simão. Era co-
na apaixonada, como o narrador primeiramente a viu. Relati- barde (e Simão reconheceu-o) porque o injuriava, sabendo que
vamente a Carlos, cerca de quinze anos mais velho, cabelos tinha um séquito de apoiantes que o protegeriam.
pretos e olhos escuros, é um jovem na força e vigor da idade, 4. Simão mostra todo o seu amor a Teresa e plena resignação ao
ainda que com mostras das lutas em que participou, honesto «calvário» e à «misericórdia de Deus», ou seja, está calmo pe-
e bondoso. rante a adversidade.

422
PORTUGUÊS 12.o ANO

5. O meirinho-geral tenta ajudar Simão porque o reconhece como FICHA 58 (p. 162)
o filho do corregedor e sabe do seu caráter escrupuloso, bem 1. b); 2. a); 3. c); 4. c); 5. c); 6. a); 7. b); 8. b); 9. a); 10. d).
como da sua educação aristocrata.
FICHA 59 (p. 164)
FICHA 55 (p. 148)
1. As críticas vão, regra geral, ao encontro da falta de estímulo in-
1. c); 2. a); 3. c); 4. b); 5. c); 6. b); 7. c); 8. d). terior do público para ver algo que não lhe está culturalmente
FICHA 56 (p. 149) enraizado, do compadrio e corrupção, da deselegância e inca-
pacidade de imitação das corridas inglesas por total ignorân-
1. O momento é o do embarque de Simão no barco que o leva para cia. Primeiro, a presença de personagens figurantes e de um
o degredo na Índia, que Teresa supõe. «À hora que te escrevo, cenário que anuncia o fracasso da festa e certo grau de ridícu-
estás tu para entrar na nau dos degredados, e eu na sepultura.» lo. Note-se ainda o uso do advérbio «desconsoladamente» e
(linhas 1-2). da forma verbal «morria» a caracterizar foguetes, supostos
2. Teresa é uma típica heroína romântica: é uma menina bela, frágil elementos de alegria. Segundo, o compadrio espelhado no
e inocente que sofre o desgosto desmedido e fatal de viver um senhor de «flor ao peito», a quem o sr. Savedra prometera
amor impossível, que acabará com a morte física dos dois aman- entrar no hipódromo sem pagar a carruagem. Terceiro, o com-
tes. A linguagem que utiliza nesta carta está ao serviço desse portamento grosseiro e bruto dos homens. Quarto, as tribu-
sentimentalismo, dessa vivência da desgraça, como se verifica nas, que nas corridas inglesas estão cheias de assistência e
em «Que importa morrer, se não podemos jamais ter nesta vida de representantes de altos cargos, neste hipódromo portu-
a nossa esperança de há três anos?! Poderias tu com desespe- guês estão «vazias» ou apenas com algumas «senhoras», já
rança e com a vida, Simão?» (linhas 3-4) ou ainda «Adeus! À luz que os homens brigam, mais animalescos do que os cavalos.
da eternidade parece-me que já te vejo, Simão!» (linha 17). 1.1 «e um sopro grosseiro de desordem reles passava sobre o hi-
3. As cartas desempenham um papel central a cinco níveis. A pódromo, desmanchando a linha postiça de civilização e atitu-
saber: proibidos os amores entre Teresa e Simão, é através de forçada de decoro…» (linhas 37-38).
delas que os amados comunicam e extravasam os seus sen- 2. É, de facto, por meio destas três personagens que percebe-
timentos de amor-paixão. Com elas, manifestam-se as ver- mos a representação do seu discurso direto em formato de
dadeiras personalidades de Simão e Teresa, pois nelas não há discurso indireto livre, ou seja, o narrador usa verbos relato-
filtros sociais, portanto o leitor percebe que se trata de herói/ res (ou verbos introdutores de relato do discurso), mas utiliza
heroína românticos. Pelas cartas, os dois trocam informações também as próprias palavras dos interlocutores/das persona-
sobre as decisões das respetivas famílias e intenções para gens. Segue a negrito o verbo relator, sendo o restante voca-
com cada um dos dois. Nestes textos, o leitor tem acesso dire- bulário citado diretamente do discurso da respetiva persona-
to (e literariamente original) aos discursos diretos das perso- gem. «Diante do jóquei, sem chapéu, com a face a estoirar de
nagens, que nunca conheceríamos porque são muitas mais as sangue, gritava-lhe que era indigno de estar ali, entre gente
vezes em que eles estão separados do que juntos. Finalmente, decente».
é por meio da entrega destas cartas que ganha relevo a perso- 3.1 b); 3.2 d); 3.3 c); 3.4 b).
nagem Mariana, que sofre, mas tem oportunidade de ajudar o 4. Afonso da Maia, Carlos e Craft destacam-se, clara e inequi-
seu amado, Simão. vocamente, das restantes personagens e do cenário destas
4. A metáfora é: «a morte é uma misericórdia divina» (linhas 5-6) Corridas de Cavalos. No caso de Afonso, como bom português,
– literalmente esta frase seria impossível porque se trata de aprecia o que os portugueses sabem fazer genuína e natural-
dois referentes não palpáveis, logo um não pode ser o outro, a mente – touradas – sem pretensões, nem imitações mal con-
não ser numa sequência figurativa como esta. Contudo, a sua seguidas de outras nações. Carlos, tal como o avô, conhece
proferição/verbalização adensa/aumenta a desgraça, à qual bem a cultura inglesa e cedo percebe o baixo nível a que está
Teresa se resigna. prestes a assistir. Craft é a personagem que melhor sabe jul-
gar a (incapacidade de) imitação, por ser inglês, óbvio conhe-
FICHA 57 (p. 160) cedor das qualidades de Inglaterra e Portugal, sabendo das
limitações do nosso país relativamente àquilo que não sabe
1. a) F – O subtítulo de Os Maias é Episódios da Vida Românti-
fazer – Corridas de Cavalos.
ca.; b) F – A intriga secundária diz respeito à história de amor
de Pedro da Maia com Maria Monforte.; c) V; d) F – Depois do FICHA 60 (p. 166)
suicídio de Pedro, Afonso sai da sua casa em Benfica e vai
para a quinta de Santa Olávia, no Douro, com todos os seus 1. Carlos regressava ao Ramalhete, depois de ter estado com a
criados.; e) F – No Douro, existem serões, nos quais encontra- irmã, sabendo ele já do incesto. A sua atitude de receio, de se-
mos o Abade Custódio e a Viscondessa de Runa.; f) F – Carlos cretismo, explica-se porque ele temia encontrar o avô, que sabia
é educado à inglesa pelo seu precetor, Sr. Brown.; g) F – Vilaça também do incesto e viveria o horror de ter testemunhado
informa Afonso da Maia de que Maria Monforte segue vivendo este incesto voluntário.
com homens que a sustentam e a filha estará, provavelmen- 2. A gradação assenta no aumento de sofrimento de Afonso, que,
te, morta.; h) V; i) F – João da Ega é amigo e companheiro de pouco a pouco, vai desaparecendo fisicamente até se trans-
Carlos, rapaz revolucionário e indomável.; j) V; k) F – Maria formar em espectro, espírito, fantasma. A visão de Carlos do
Eduarda, endeusada por Carlos, vem acompanhada da sua ca- avô como «espectral» parece não só assustar Carlos, como
delinha escocesa.; l) V; m) V; n) F – Carlos e Cruges fazem uma persegui-lo eternamente pelo seu erro.
viagem a Sintra.; o) F – Nessa viagem, Carlos não encontra Ma- 3. Nas linhas 9 a 15, o «tom de sangue», os passos «sumidos» e
ria Eduarda.; p) V; q) V; r) F – Carlos e Maria Eduarda vão à Toca «derradeiros» pressagiam a morte de Afonso. As linhas 33 a 36
e surgem novos indícios trágicos, nomeadamente a represen- contêm um resumo da atitude de força e resistência do prota-
tação da cabeça de S. João Baptista.; s) V; t) F – Carlos e Ma- gonista Afonso da Maia, ao longo da sua vida, sofrida por des-
ria Eduarda, sabendo do incesto, tomam as resoluções finais venturas, contrariedades e desgostos. Por isso mesmo, a sua
– separam-se. Afonso da Maia morre de velhice e de desgosto cabeça cai «cansada», não resistindo a mais este infortúnio.
no quintal do Ramalhete.; u) V; v) F – Os espaços lisboetas são 4. A personificação em «o fio de água punha o seu choro lento»
descritos como envoltos em inércia e velhice, decadentes e (linhas 31-32) mostra como os elementos da Natureza acom-
desprezados.; w) V. panham a injustiça e o lamento da morte de Afonso da Maia,

423
PREPARAR O EXAME NACIONAL

lamento esse complementado por um Sol que abrilhanta o «in- espaço da novela, apesar de partir do mesmo ponto – a Torre e
verno» da vida do protagonista – a sua morte. o velho Castelo de Santa Ireneia (agora em ruínas), estende-se,
5. «Vendavais» refere-se a todas as contrariedades e adversi- na referida novela, por caminhos vizinhos, que Gonçalo não fre-
dades que Afonso da Maia vem suportando ao longo da sua quenta habitualmente.
vida. Primeiro, o que sofreu com o pai, cujos ideais políticos 2. Na novela Torre de D. Ramires, a história é recuperada pelas
eram absolutistas e que o considerava um Jacobino. Segundo, personagens histórica e genealogicamente comprovadas.
o suportar da personalidade de sua mulher, conservadora e A ficção ganha forma pelos pormenores ora inventados por
sentimentalista, que o fez regressar de Inglaterra a Portugal. Duarte, ora inventados por Gonçalo, sobre como teriam decor-
Terceiro, todo o desgosto com que Afonso acompanhou a vida rido os confrontos entre as hostes de Tructesindo e as de Lopo
e o suicídio do filho, Pedro. Quarto, o derradeiro desgosto ati- de Baião, sobre a linguagem por eles usada e os motivos que
nente a uma relação incestuosa de Carlos com a irmã, sabendo os levaram a agir desta ou daquela forma, para citar apenas
Carlos da verdade. alguns exemplos. Trata-se, portanto, de um passado ancorado,
6. Depois de aparecer na vida de Carlos, na Universidade de mas reconstituído.
Coimbra, Ega passou a ser amigo pessoal de Carlos e do avô, 3. Gonçalo Mendes Ramires é uma personagem de grande densi-
Afonso. Nessa condição é que é ele o primeiro a saber do in- dade e complexidade. Vemo-lo, muitas vezes, orgulhoso de si e
cesto Carlos/Maria Eduarda, assim como é ele também parti- animado, para o vermos medroso outras vezes ou ainda frus-
cipante da vida pública do amigo. Neste adeus ao avô, a pre- trado. Depois de ter passado anos a tentar entrar na política
sença amiga e cuidadora de Ega confirma o seu papel fraterno e subir socialmente, Gonçalo consegue-o e é eleito deputado
para com Carlos e Afonso. por Vila Clara. Na precisa noite da sua eleição, e refletindo do
7. Ao contrário do pai, que se suicidara por um desgosto de amor, alto da sua Torre, o protagonista mostra-se frustrado e triste,
Carlos vai tendo as suas primeiras experiências, ao longo da pois, pensando muito bem sobre a política nacional, apercebe-
vida académica. Apaixona-se pela Condessa de Gouvarinho, -se de que ele estaria muito melhor a governar a sua quinta e
com quem mantém uma relação adúltera. Vê Maria Eduarda a província, a partir não só da sua genealogia, mas, porventura,
e apaixona-se, imediatamente, perdidamente. Abandona a das Letras.
Gouvarinho e começa outro relacionamento. A sua paixão por 4. A ascensão política de Gonçalo começa na universidade, como
Maria Eduarda revela a loucura do desejo e erotismo, mas tam- apoiante do partido dos regeneradores. Agora, lutando a todo
bém o sentimento de puro amor para a vida. Inesperada, a no- o custo por conseguir ser deputado, desiste desse apoio e
tícia do incesto leva Carlos a fraquejar duas noites, pois sabia alia-se ao Partido dos Históricos, conservadores e não libe-
já que Maria Eduarda era sua irmã, mas não resistiu ao desejo. rais, ao lado de Cavaleiro, de quem era inimigo. Note-se, por
Culminada a ignomínia, se se tratasse de Pedro, só o suicídio conseguinte, a variabilidade de militâncias, de acordo com jo-
seria a solução. E Carlos ainda pensa nele. No entanto, cedo se gos de interesse. Por outro lado, a sua reação, depois da elei-
afasta dessa ideia ultrarromântica e envereda por outro cami- ção, mostra essa mudança de atitude para com a política, pois
nho. Resigna-se e vai viajar, com a intenção de se «distrair» e o que antes era para ele sonho e objetivo cego revela-se agora
voltar renovado à sua vida normal. O seu regresso a Lisboa, é inútil e entediante. Isto é confirmado até porque Gonçalo, sen-
um retorno à normalidade e, afinal, a um recomeço. do Ramires, sempre foi um líder, quando a nobreza ocupava um
lugar de destaque na sociedade; tal facto dava-lhe, per se, uma
FICHA 61 (p. 176) soberania sobre a província, como ele próprio sente, nessa
1. a) V; b) F – O romance divide-se em 2 ações: a principal, que noite, na Torre.
envolve o protagonista, e a encaixada, que integra a novela.; 5. Por exemplo: «Ah! que peca, desinteressante vida, em compa-
c) F – Os Ramires vieram para Portugal antes da formação do ração de outras cheias e soberbas vidas, que tão magnifica-
Condado Portucalense (século X).; d) V; e) V; f) V; g) V; h) F – A mente palpitavam sobre o tremeluzir dessas mesmas estre-
novela termina com a vingança de Tructesindo Ramires sobre las!» (linhas 13-14 – Cap. XI) – o narrador recupera as palavras
Lopo de Baião, com a morte deste no charco povoado de san- eventualmente proferidas pelo protagonista, mas sem marcas
guessugas que lhe chupam o sangue até à morte.; i) V; j) V; k) de discurso direto.
V; l) V. 6. Hipérbole: «E você em três meses ressuscita um mundo» (linha
1, Cap. I). Sendo um exagero, Castanheiro consegue inflamar o
FICHA 62 (p. 177) lado escritor de Gonçalo, pois, em três meses, com uma novela
1. A Ilustre Casa de Ramires divide-se em duas grandes ações: histórica, atualiza Portugal sobre a valentia dos seus antepas-
a principal e a da novela. A principal envolve Gonçalo Mendes sados gloriosos.
Ramires, a sua vida, os seus objetivos e a sociedade em que 7. O valor expressivo do advérbio «magnificamente» prende-se
se move. A ação da novela surge motivada por Castanheiro com o facto de este ser utilizado para criar, na avaliação de
(seu amigo), que lhe promete a respetiva publicação na sua Gonçalo, um grande contraste entre a vida entediante de um
revista lisboeta. Castanheiro relembra Gonçalo da história político e aquelas vidas de pessoas artísticas, eruditas, luta-
de fidalguia dos seus antepassados, o que o estimula e o faz doras por uma determinada causa, muito mais «magníficas» e
pensar. Ora, é das suas reflexões que ele se lembra de um seu dignas de louvor.
tio Duarte ter escrito um «poemeto», que agora ele, Gonçalo,
pode imitar, vertendo-o em prosa. FICHA 63 (p. 179)
1.1 O narrador dá a ver a arte de escrever porque a escrita da no- 1. A sociedade da aldeia, tal como a portuguesa em geral, resu-
vela por Gonçalo se torna um processo que envolve pesquisas, me-se a esta sequência apresentada pelo olhar de Gracinha:
seleção cuidadosa de linguagem, além da sempiterna pressão «Assim passados, e nada mudara no mundo, no seu curto
dos editores e das interrupções do quotidiano. mundo de entre os Cunhais e a Torre, e a vida rolara, e tão sem
1.2 Tempo e espaço tornam-se complexos, na medida em que se história como rola um rio lento numa solidão» (linhas 7-9). Os
trata de um enredo (em formato de romance histórico) dentro amigos de Gonçalo envelheciam, sempre os mesmos, sem efu-
de um presente que relata a vida do protagonista da ação prin- sões nem novidades e até a Torre envelhecia com os tempos.
cipal, Gonçalo Mendes Ramires. Por outras palavras, Gonçalo 2. Neste ambiente da aldeia, há figuras da nobreza (os Rami-
vive no século XIX na sua Quinta de Santa Ireneia, ladeada pe- res, destacando-se o «Titó», os Barrolo, os Mendonça, entre
las aldeias, vilas e cidade (Oliveira) circundantes. Tructesindo outros) e da política (João Gouveia e agora o Videirinha, por
Ramires vive no século XIII, no tempo de el-rei D. Afonso II. O exemplo) que se reúnem em jantares e serões (como no jantar

424
PORTUGUÊS 12.o ANO

no palacete de Barrolo e Gracinha). Ora, essas personagens e 2. Se o Ideal surge com as características apontadas na resposta
esses serões continuam a passar lentamente com o tempo, anterior, o Real opõe-se totalmente e integra «o mundo» sem
tranquilos, num costumado modo de vida inerte. «cor», com «sombras» e «matéria dura», «imperfeição», «for-
3. O tempo torna-se complexo, não só pelo contraste entre o da mas incompletas». Dito de outro modo, a realidade visível, e
ação principal (século XIX) e o da novela (século XIII), mas pelo contemplada pelo sujeito poético, é nada menos do que o con-
que se vê manifestado nestes excertos. O elemento tempo- junto dos pormenores também incompletos do mundo físico,
ral central é a ausência de Gonçalo, durante quatro anos, em tátil, concreto, mundo esse que se afigura imperfeito e longe
África, que surtiu efeitos contrários em Gracinha, bem como de ser belo como a «Beleza», que é eterna.
nas personagens que ficaram, e, pelo contrário, em Gonçalo. 3. Este binómio não é um par de sinónimos. É sim um par de
Se para Gonçalo, com uma vida nova, até então desconhecida, opostos, por isso vemos o interior do sujeito poético como o
«Quatro anos passaram ligeiros e leves sobre a velha Torre, local onde Ideal e Real se enfrentam, uma espécie de «cam-
como voos de ave», para Gracinha tudo fez parecer que «a vida po de batalha», o que leva o eu poético a angustiar-se, a re-
rolara, e tão sem história como rola um rio lento numa soli- signar-se estoicamente, quase a adoecer e a entristecer-se
dão», ou seja, nada de novo e entusiasmante aconteceu, ape- para sempre. Eis um exemplo que o prova: «E, assentado
nas se vive um envelhecer manso. Estamos, portanto, perante entre as formas incompletas / Para sempre fiquei pálido e
um mesmo número de anos decorridos, mas sentidos psicoló- triste.»
gica e emotivamente de maneira diferente.
4. Literalmente, receber um batismo é tornar-se membro de um
FICHA 64 (p. 181) grupo que partilha de uma mesma crença ou cosmovisão. Ora,
ser poeta significa ver mais além, ver mais do que os outros e
1. Podemos dividir este poema em três partes lógicas. A primei- sofrer com isso, uma vez que se adensa o sentimento de impo-
ra inclui a primeira quadra, pois tudo à volta do sujeito lírico tência na busca de um Ideal, de um mundo belo e perfeito, onde
está adormecido e a descansar pela noite dentro. A segunda não há problemas nem misérias.
parte, movida pela conjunção adversativa «Mas», instaura uma
oposição (segunda e terceira estrofes): o sujeito poético não 5. A comparação é feita entre o testemunho da «Beleza» (aqui
faz o mesmo que os outros, antes está desperto para o mundo configurada como um exemplo de Ideal) do mundo e a visão
e para as suas «visões», que o agoniam e desesperam. A ter- dele mesmo a partir «da serra / Mais alta que haja». Por esta
ceira parte integra o último terceto, pois, assumindo-se uma razão, percebemos que o sujeito poético consegue vislumbrar
espécie de conclusão, o sujeito resigna-se estoicamente, já e avaliar o mundo a partir de cima, do alto, como um Ser Supe-
«inconsciente» de tanta «fadiga». rior, qual poeta.
2. O sujeito poético é um espírito sensível a tudo, por isso sente FICHA 66 (p. 185)
as misérias, desgraças e males do mundo, ao passo que o co-
mum mortal segue o rumo do passar do tempo, pois que, se é 1. Cesário Verde vai-nos apresentando a cidade, quer por meio
noite, dorme, não pensa nem sofre. de espaços, quer por meio de personagens que trazem ao
3. «Sinto em volta de mim [sentimento]» (v. 7) / «Recua o pensa- leitor tipos sociais descritos e criticados. Assim, quanto
mento!» (v. 10). à cidade: «Nas nossas ruas», «o Tejo», «O céu parece baixo
e de neblina», «O gás extravasado enjoa-me, perturba», «E
4. «Mas a mim, cheia de atracões divinas, / Dá-me a noite rebate os edifícios, com as chaminés», «os carros de aluguer», «As
ao pensamento / Sinto em volta de mim (…) / Os Destinos e as
edificações somente emadeiradas», «um couraçado inglês»,
Almas peregrinas!».
um «trem de praça». Quanto aos tipos sociais (criticados):
5. Por exemplo: «noite», «tropel nevoento», «Insondável proble- «os mestres carpinteiros», «os calafates», «dois dentistas»,
ma!», «Apavorado», «prostrado», «fadiga», «Fito inconscien- «Um trôpego arlequim», «os lojistas», «as obreiras», «as va-
te». rinas», enfim, todo um conjunto de pessoas/populares que
6. Por exemplo: «sonho», «paz», «esquecimento», «atrações divi- trabalham, muitas vezes, em condições duras, vivendo vidas
nas», «Destinos», «Almas», «sombras visionárias». pobres.
7. Por exemplo: «Dorme a noite encostada nas colinas» ou ainda 2. Exemplo de deambulação (o caminhar do poeta pelas ruas e ou-
«Adormeceu o vento», «Recua o pensamento!...». tros espaços da cidade): «Embrenho-me, a cismar, por boquei-
8. Por exemplo: «Ecoa, ó mar, a tua voz antiga.», a relembrar o nor- rões, por becos, / Ou erro pelos cais a que se atracam botes.».
mal barulho calmo do mar, que acompanha o sono da noite e da O sujeito poético torna-se um observador acidental, casual, do
natureza e agudiza o contraste entre tudo isso e a consciência que vai vendo e testemunhando. Por outro lado, as realidades
desperta do eu lírico. lembram-lhe memórias ou fazem-no imaginar quadros, como
9. Sendo um soneto, o poema apresenta-se em duas quadras e se verifica em «Ocorrem-me em revista exposições, países: /
dois tercetos. O esquema rimático é abba abba ccd eed, o Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!» ou «E evoco,
que faz com que a rima seja emparelhada e interpolada nas então, as crónicas navais:» ou ainda «E o fim da tarde inspira-
quadras e emparelhada e interpolada no conjunto dos dois -me; e incomoda!».
tercetos. Os versos são, regra geral, decassilábicos. 3. «E evoco, então, as crónicas navais: / Mouros, baixéis, heróis,
10. O título faz prever, na mente do leitor, um combate. Todo o tudo ressuscitado! / Luta Camões no Sul, salvando um livro,
poema o confirma, pois vai descrevendo esse combate entre a nado! / Singram soberbas naus que eu não verei jamais!».
adormecimento e consciência, entre sentimento e pensamen- A partir da observação da realidade dos trabalhadores lis-
to, entre a paz circundante e a tormenta interior. boetas, junto ao cais e ao Tejo, Cesário lembra-se de outros
como estes que povoaram a cidade, os barcos e o ultramar nos
FICHA 65 (p. 183) Descobrimentos. Claro que «crónicas navais» remetem para
1. Neste soneto, o Ideal assume-se «Beleza que não morre», isto os relatos sobre as viagens dos portugueses por mar e, em es-
é, tudo o que há de belo no mundo, mas sem as contingências pecífico, a epopeia de Luís de Camões, Os Lusíadas. É curioso
e pormenores materiais. O Ideal é configurado também como que Cesário lembre também personagens dessa época, tais
«forma» e «ideia pura». Por outras palavras, Ideal é tudo quan- como «Mouros, baixéis, heróis» e «naus», que o poeta antevê,
to surge de encantador e intocável, visto não a partir de deta- com algum pessimismo, como perdidos para sempre «que eu
lhes físicos, mas da «luz que jorre». Estamos, por conseguinte, não verei jamais!».
no plano do Inteligível (não do Sensível). 4. a) 3; b) 1; c) 2; d) 5; e) 4.

425
PREPARAR O EXAME NACIONAL

FICHA 67 (p. 187) 3. O poema, longo, à semelhança de outros poemas de O Livro


de Cesário Verde, estende-se em quintilhas, cujo esquema
1. O sujeito poético caminha pela cidade, como se pode ler em
rimático abaab dá vida a rima emparelhada (3.o e 4.o versos),
«Eu descia, / Sem muita pressa, para o meu emprego».
interpolada (2.o e 5.o versos).
2. Trata-se de uma menina vendedora de rua, como se pode ler
em «Notei de costas uma rapariga, (…) / Pousara, ajoelhando,
a sua giga.» e «E eu, apesar do sol, examinei-a». Educação literária • 12.o Ano
3. A transfiguração poética do real dá-se quando o sujeito poético
olha para realidades materiais e as transforma noutras, com o FICHA 70 (p. 195)
seu olhar, que se assemelha a um pincel a pintar um quadro. Os
exemplos do poema são disso prova: «E eu, apesar do sol, exa- 1. Este poema pode dividir-se em três partes lógicas, que corres-
minei-a». Ao examinar esta «rapariga» do povo, ele repara nos pondem a cada uma das três estrofes. A primeira diz respeito
produtos que ela traz no seu cesto e transforma-os em partes à apresentação e caracterização do «poeta». A segunda diz
do corpo humano, como podemos verificar nos versos 26-45. respeito aos leitores, também com a respetiva caracterização.
A terceira é uma espécie de conclusão ou uma síntese de todo
4. a) Sinestesia: trata-se de misturar, confluindo, dois dos cinco o conteúdo do texto.
sentidos: os «aromas» remetem para o olfato, «boiam» reme-
te para a visão de algo a flutuar na água. b) Metáfora: põe em 2. O primeiro verso «O poeta é um fingidor» apresenta o tema do
prática a transfiguração do real em algo imaginado. poema, pois «fingidor» remete para aquele que intelectualiza
os seus sentimentos, isto é, que os submete ao pensamento,
5. O advérbio «subitamente» cria uma ideia de algo que aconte- antes de os escrever.
ceu repentinamente, isto é, o «eu» poético olha a realidade e
vê-a transfigurada, pintando-a em novo quadro. 3. Os leitores, tomados como personagem coletiva, são aqueles
que não vão sentir «as dores» do poeta, mas apenas aquela
FICHA 68 (p. 189) que não é sua, mas alheia (do poeta, portanto).
1. Como qualquer pintor, o sujeito poético descreve um cenário, 4. Este poema trata de três «dores»: aquela que o poeta primei-
ramente sentiu, uma segunda já intelectualizada/fingida e
com paisagem e características de um «pic-nic de burguesas».
uma terceira que se prende com a que os leitores leem («dor
É a partir deste contexto que o poeta realça a mulher com
lida»), ou seja, uma dor que não é sua.
quem ele partilhou essa merenda. Assim, e com a ajuda de uma
conjunção coordenativa adversativa, fá-lo, transfigurando um 5. A dicotomia coração/razão está presente na medida em que o
aspeto do real: «Mas, todo púrpuro a sair da renda, / Dos teus coração do poeta é o responsável pelo seu sentir, pelos seus
dois seios como duas rolas, / Era o supremo encanto da me- sentimentos dolorosos, mas a razão leva a que reflita sobre o
renda / O ramalhete rubro das papoulas!» – nada interessando que sentiu (com a ajuda do pensamento ou intelecto). Dos dois
tudo o resto, sobressai «todo púrpuro» como um elemento podemos considerar, a partir da última parte, que é o coração
palpável que dá o mais superior encanto ao «pic-nic». que atua primeiro e vai «entreter» a razão.
2. Este poema contrasta totalmente com os representativos da 5.1 Quem dá «corda» ao «comboio»/coração é claramente o sen-
cidade e seus tipos sociais, uma vez que retrata um cenário timento imediato, neste caso, o sentimento da «dor».
campestre, com personagens burguesas a degustar um mo- 6. O primeiro exemplo é «O poeta é um fingidor.», pois o poeta,
mento de lazer, comungando daquilo que a natureza tem para na sua função de criador, finge o mundo e todas as suas coi-
lhes oferecer. Não existe, portanto, a cidade sombria, ao en- sas e emoções. Estamos perante o denominado «fingimento
tardecer, recheada de multidões de trabalhadores populares e artístico». O segundo exemplo encontra-se nos versos «Esse
pobres, envoltos em sujidade e mau cheiro. comboio de corda que se chama coração». O nome do órgão
3. a) «teus dois seios como duas rolas», cujo valor expressivo é humano é «coração», e não «comboio de corda», mas o coração
o de enfatizar a pureza e a brancura dos seios desta jovem. adquire as características de um comboio de corda, trabalha
b) «Houve uma cousa simplesmente bela» – a utilização de como um comboio movido a corda. Um e outro exemplo con-
«simplesmente» acompanha a inocência e pureza da jovem, bem firmam a presença constante de coração, pensamento e razão.
como o ambiente campestre, igualmente simples e natural. 7. O recurso que sobressai é a antítese pela colocação contígua
4. Trata-se de um poema composto por quatro quadras. Cada de uma dor possuída e de uma dor não possuída.
verso é decassilábico, sendo a rima cruzada em todas as qua- 8. Podemos dividir este título em três partes, «auto», «psico»,
dras, com o seguinte esquema rimático: abab cdcd efef ghgh. «grafia», e assim percebemos a sua total adequação ao con-
teúdo. «Auto» remete para o próprio poeta, que sente; «psico»
FICHA 69 (p. 190) apresenta a sua mente/o seu intelecto, necessários ao «fin-
1. Os tipos sociais continuam a ser os membros do povo em con- gimento artístico»; «grafia» aponta para a escrita de uma dor
texto de trabalho na cidade. Desta vez, trata-se de «calcetei- não natural, mas já intelectualizada.
ros», «peixeiras», «gente pobrezita», «rapagões», «homens
de carga», «cavadores», todos eles resumidos como «Povo».
FICHA 71 (p. 197)
Para testemunhar a sua caracterização, basta ler os seguin- 1. A «ceifeira» é «feliz», encontrando-se a fazer duas coisas que
tes adjetivos: «terrosos ou grosseiros», «disseminadas», o confirmam – vai trabalhando e simultaneamente cantando
«velhos», «morosos, duros, baços», «grossos», «gretadas» e uma bela melodia. Toda a Natureza em seu redor acompanha
«calosas». o seu estado de espírito, pois vemos o seu cantar «como um
2. a) Enumeração: está ao serviço da caracterização destes jo- canto de ave», assim como um «ar limpo», porventura estan-
vens, que sofrem a trabalhar, porventura, mais do que a sua do sol e calor.
humanidade permite. b) Sinestesia: «vibrar» remete para 2. Ao vê-la e ouvi-la, o sujeito poético fica feliz e triste ao mesmo
audição ou tato, mas «claridade» remete para visão. Assim tempo («Ouvi-la alegra e entristece»), além de apreciar a sua
misturados estes sentidos, o espaço apresenta-se-nos como melodia («E há curvas no enredo suave / Do som que ela tem
total e abrangente, além de captador dos sentidos do próprio a cantar.»). Por outro lado, embrenha-se em reflexões sobre
leitor. c) Comparação: realça o caráter «vidrento» (logo, peri- a sua «inconsciência», ou seja, o seu cantar e o trabalhar sem
goso) do chão, que, eventualmente, pode provocar ferimen- pensar, como que estando a fazê-lo mecanicamente. Esta na-
tos aos trabalhadores curvados e envolvidos nas suas tare- tural felicidade desperta no eu lírico o contraste consigo mes-
fas árduas. mo, pois, como ele pensa, sofre.

426
PORTUGUÊS 12.o ANO

3. A música tem um papel importantíssimo porque está associa- vibrantemente, estando próximo do sujeito poético, que passa,
da à felicidade de uma trabalhadora do campo, bem como à como podemos verificar em «E é tão lento o teu soar / (...) / Por
Natureza circundante por onde o som melodioso desse cantar mais que me tanjas perto / Quando passo, sempre errante.»
«Ondula como um canto de ave». 3. A infância é vista como longínqua («Soas-me na alma distante»)
4. A relação entre «consciência» e «ciência» é de sinonímia, uma e, porventura, tempo de uma vivência muito feliz, dado que, ao
vez que cada uma delas remete para o uso do pensamento e da recordá-la, o sujeito poético sente a saudade mais próxima e
razão, considerados dolorosos para o poeta. penetrante («Sinto mais longe o passado, / Sinto a saudade
5. Segundo este poema, percebemos que a «dor de pensar» em mais perto.»). O presente afigura-se, por consequência, tempo
Fernando Pessoa ortónimo tem a ver com o facto de o sujei- menos feliz e mais doloroso para o sujeito poético – veja-se o
to poético não conseguir afastar o seu pensamento das suas que a saudade da infância (espelhada no som do sino) faz cres-
sensações diárias. Assim, sempre que os seus cinco sentidos cer no seu interior: «Dolente», «Tão como triste da vida».
lhe oferecem o que lhe devia trazer felicidade (como acontece 4. As reações prendem-se com uma saudade imensa, aliada à tris-
com esta «ceifeira»), imediatamente intervém o pensamento teza e à sensação de um passado feliz perdido para sempre.
que o leva a ser consciente e a sofrer. 5. «Dolente na tarde calma» – o adjetivo «dolente» (triste, ma-
goado) está a caracterizar não um ser humano, mas o sino.
FICHA 72 (p. 198) Com este recurso o sujeito poético consegue transformar o
1. Podemos dividir este poema em três grandes partes. Na pri- objeto em pessoa e atribuir-lhe sentimentos que ele mesmo
meira (estrofe 1), o sujeito poético apresenta o seu sonho, tem ao ouvi-lo.
plasmado nessa «terra de suavidade»; na segunda (estrofe 2), 6. Depois de caracterizado o sino e o que ele representa, a última
dá continuidade à apresentação/descrição dessa terra sonha- estrofe surge como o culminar desse caminho de gradação – já
da e reflete sobre a felicidade do ser humano; na terceira (es- não se trata apenas de sentir forte vibração e tristeza, trata-
trofes 3-4), continua o espaço de reflexão poética; e nos dois -se de algo mais poderoso: saudade.
últimos versos dá vida a uma constatação conclusiva sobre 7. Os últimos versos trazem um cruzamento de vocábulos e ideias
tudo o que foi objeto de reflexão. que ajuda a compreender o distanciamento entre passado
2. Com base nas estrofes 1 e 2, a «terra de suavidade» é, porven- e presente e que prova também que o sofrimento do sujeito
tura, uma «mistura de sonho e vida», é esquecida pelo ser hu- poético é tal que ele verte nos versos uma certa confusão, re-
mano, por ser longínqua («ilha extrema do sul se olvida»). Por sultados da evidente dor nostálgica.
outro lado, sendo um lugar calmo e sereno, há apenas «palma-
res inexistentes», «áleas longínquas», que são sonhados e não FICHA 74 (p. 202)
podem existir na realidade.
1. As reflexões de Bernardo Soares a partir daquilo que vai ob-
3. O «sonho» é espaço fisicamente longínquo, mas de felicidade, servando, enquanto caminha pelas ruas de Lisboa.
por ausência de pensamento. Encontra-se espelhado «nessa
ilha extrema do sul». É também sinónimo de jovialidade e amor
2. «A Rua do Arsenal, a Alfândega» (linhas 2-3), «cais quedos» (li-
nha 4), que vão surgindo à medida que o sujeito passa.
(«a vida é jovem e o amor sorri.»), desde que sempre sentido
apenas, não intelectualizado. A «realidade» é aquela que sur- 3. A hipálage serve para caracterizar o seu estado de espírito ple-
ge a partir do momento em que o pensamento intervém, como no de tristeza, colocando o adjetivo «tristes» a qualificar não o
se pode ler em «Mas já sonhada se desvirtua, / Só de pensá-la seu interior, mas as «ruas». É quase como se as ruas e Bernar-
cansou pensar». Assim, fazendo uso do pensamento, o sujeito do Soares fossem fragmentos de uma mesma entidade.
poético vê essa «terra» transformada em realidade, conotada 4. Soares afirma que há uma relação de semelhança entre si e
com maldade e frio («Sente-se o frio de haver luar / O mal não Cesário Verde relativamente à «substância» do que escreve.
cessa, não dura o bem»). Ora, isto quer dizer «conteúdo», «matéria», «assunto» da es-
4. Essa «terra de suavidade» diz respeito, porventura, a uma uto- crita de cada um dos dois, «substância» essa que nasce a partir
pia, à felicidade e perfeição suprema de vida. Portanto, deixa da observação do real («gozo de sentir-me coevo de Cesário
de ser apenas um lugar físico, transformando-se num estado Verde, e, tenho em mim, não outros versos como os dele, mas
de alma constantemente perfeito e feliz. A seleção do nome a substância igual à dos versos que foram dele.», linhas 6-8).
«crentes» confirma esta ideia porque traz ao poema todo o ser 5. Esta frase revela como Bernardo Soares se considera alheio a
humano que acredita e que sonha, afinal, com uma realidade tudo e inconsciente, durante o dia, isto é, «nulo». Tal contrasta
melhor. com o despertar da sua consciência quando chega o entar-
5. A última estrofe assume-se como uma reflexão final ou conclu- decer/anoitecer − «de noite sou eu». Este «eu» implica a sua
são, visto que o poeta acaba por compreender que essa terra totalidade, que inclui os cinco sentidos e o pensamento.
sonhada, apesar de conter vida e amor, não é panaceia (remé- 6. Tal como acontece com «as ruas para o lado da Alfândega»
dio universal de todos os males) porque é em cada ser humano (linha 11), também Soares é invadido pela mesma tristeza
que tudo existe, o ideal e o real. e soturnidade (característica de ser sombrio). Até o desti-
6. «É em nós que é tudo.» é uma afirmação de que o sujeito poéti- no de ambos é igual, ou seja, um fim «abstrato» envolto em
co se serve para explicar que o ser humano contém metafori- «mistério». A única diferença é o facto de Soares «ser alma»
camente tudo dentro de si, ou seja, tanto possui a capacidade e «elas serem ruas».
de sonhar, a constante luta por viver feliz e pleno, como tam- 7. Enquanto circula pela cidade, Soares passa da realidade ao
bém a capacidade de reconhecer as verdades/os factos que sonho, sendo que «os [meus] próprios sonhos» não substituem
dão vida e forma à realidade, ao quotidiano. essa realidade, antes se tornam externos ao sujeito e confi-
guram o real de modo imaginário, sempre servindo-se de ele-
FICHA 73 (p. 199) mentos urbanos/citadinos, como é o caso do «elétrico», «a voz
1. A música vem não do canto de alguém, mas das badaladas do do apregoador noturno», «a toada árabe» (som/sonoridade) e
sino de uma igreja de aldeia. Essa sonoridade não é prova de «um repuxo súbito» (de água numa fonte da cidade).
inconsciência, mas antes meio através do qual se vão aproxi- 8. O observador acidental é aquele que circula pela cidade e vai
mando do sujeito poético as lembranças da sua infância. registando fotograficamente (pouco a pouco e com rigor) o
2. O «sino» é-nos dado a ver como triste e contínuo, espalhando- cenário (como um todo ou apenas as suas partes específicas).
-se pela «tarde calma». As suas badaladas são lentas e retinem Isto é o que acontece nestas linhas, donde sobressaem «casais

427
PREPARAR O EXAME NACIONAL

futuros», «costureiras», «rapazes», «reformados», «donos das humano com a mesma característica – a inutilidade da sua
lojas», «recrutas», «gente normal», «automóveis». existência física.
9. Como quaisquer outros humanos, os «recrutas» são alvo da 3. Por exemplo: «Vou num carro elétrico, e estou reparando
observação de Soares. Todavia, neste caso, o sujeito vai mais lentamente, conforme é meu costume, em todos os
além porque não os descreve só, caracteriza-os como «Lentos, pormenores das pessoas que vão adiante de mim. Para mim os
fortes e fracos», juntos como em «molhos mais que ruidosos» pormenores são coisas, vozes, frases.» (linhas 7-9).
que «sonambulizam». É desta forma verbal que surge a críti- 4. Desta vez, a pessoa é uma «rapariga que vai em minha frente».
ca, pois se são recrutas (soldados e jovens) deviam estar no 5. É a partir da «rapariga» e do seu «vestido» que Bernardo Soa-
ativo a lutar pela Pátria ou a fazer qualquer outra coisa útil à res começa a imaginar tudo o que esteve (ou que ele imagina
sociedade. Porém, sonolentos veem languidamente o tempo que esteve) por detrás da criação desse vestido que ela usa.
a passar. Daqui se depreende a crítica à sociedade jovem que Assim, surgem «secções das fábricas, as máquinas, os operá-
nada faz pelo avançar de Portugal. rios, as costureiras, meus olhos virados para dentro penetram
10. O último parágrafo oferece ao leitor a descrição de «tudo nos escritórios, vejo os gerentes procurar estar sossegados,
isso», ou seja, do que Soares vem observando até então, não sigo, nos livros, a contabilidade de tudo; mas não é só isto: vejo,
como um todo homogéneo, mas como um conjunto de frag- para além, as vidas domésticas dos que vivem a sua vida social
mentos vários («pedras, ecos de vozes incógnitas») que não se nessas fábricas e nesses escritórios…» (linhas 16-20).
fundem, mas se mantêm individualizados numa «salada coleti- 6. Bernardo Soares está tonto e cansado não só porque obser-
va da vida». Ora, tal como esses pedaços vêm à sua presença, vou a realidade, mas também porque a partir dela imaginou/
assim também emergem na sua escrita e na sua vida, transfor- sonhou uma outra («levam-me a regiões distantes»), originan-
mando-a numa coletânea de todos eles. do a dicotomia realidade/sonho.
FICHA 75 (p. 204) 7. A primeira frase do texto cria uma espécie de mote, um tema
que se verbaliza numa constatação «Tudo é absurdo.» Assim,
1. Neste fragmento, Bernardo Soares parte da observação do Bernardo Soares prepara o leitor para um texto reflexivo, ju-
real para as sensações que este lhe traz. Seguindo-se refle- dicativo e abstrato. Pelo meio, as frases sucedem-se e com
xões sobre os transeuntes e, depois, sobre a consciência/in- elas a explicação e concretização desse «Tudo» e da sua ilo-
consciência da humanidade. gicidade. Ao desabafar, de novo com uma constatação, «Vivi a
2. A primeira frase do fragmento é uma constatação de Soares vida inteira.», Soares faz uma síntese do que é «a vida inteira»
acerca de si mesmo, afirmando que a sua «virtude», ou quali- (a sua e a dos transeuntes que observa) e da sua sensação em
dade inegável, é a liberdade de sentir e falar ou escrever sobre relação a esse «Tudo» e a essa «vida»: está tonto, «exausto»,
o que sente, sendo a sensação sempre nova. «sonâmbulo» e com o sentido de plenitude total revelada no
3. Por exemplo: «Descendo hoje a Rua do Almada, reparei de adjetivo «inteira».
repente nas costas do homem que a descia adiante de mim.» 8. A frase é uma evidência de que este observador acidental
(linhas 3-4). não só observa, mas dá sentido e corporeidade (existência
4. Por exemplo: «banal quotidiano do chefe de família que vai física) ao observado, por vezes, transfigurando-o, transfor-
para o trabalho, pelo ar humilde e alegre dele, pelas pequenas mando os «pormenores» que vê em fragmentos independen-
alegrias e tristezas de que forçosamente se compõe a sua tes e imaginários.
vida, pela inocência de viver sem analisar.» (linhas 9-12). 9. Por exemplo: «secções das fábricas», «máquinas», «operá-
5. «tudo isto é uma mesma inconsciência diversificada por caras rios», «costureiras», «escritórios», «gerentes» e todos aqueles
e corpos que se distinguem, como fantoches movidos pelas que «vivem a sua vida social nessas fábricas e nesses escritó-
cordas que vão dar aos mesmos dedos da mão de quem é in- rios…» (linhas 16-20).
visível.» − Soares transforma o que acabou de ver e descrever 10. Bernardo Soares vê a vida e a sociedade como um todo, o que
(seres humanos por quem passa) naquilo que ele vê em profun- só é possível se ele estiver num patamar superior, mais sabe-
didade. dor, portanto. O uso da forma verbal «jaz» implica que vida e
sociedade estejam debaixo dos seus olhos, mas votadas a uma
6. A justificação surge nas frases imediatamente a seguir, nas
horizontalidade negativa, a uma quietude, inércia e apatia,
quais Soares afirma não haver ninguém na sociedade que
pois está metaforicamente deitada, quase morta.
saiba «o que faz», «o que quer», «o que sabe». Dito de outra
forma, trata-se de uma aberta caracterização da sociedade FICHA 77 (p. 208)
como desnorteada, sem objetivos definidos e sem consciência
do seu lugar na própria vida e no mundo. Tudo isto culmina na 1. a) V; b) F – O seu único objetivo era ser «sonhador»/«caixei-
sequência «vida social dormente». ro-viajante».; c) F – As suas maiores dores são sonhadas.;
d) F – «Pertenci sempre ao que não está onde estou e ao
7. Bernardo Soares divide a existência em três realidades: a
que nunca pude ser.» integra um paradoxo.; e) F – Bernardo
primeira é a visível inconscientemente, «uma realidade»; a
Soares amava as suas «paisagens interiores» e a suas «pai-
segunda é a intermédia, «intervalo»; e a terceira é a «outra
sagens sonhadas».; f) V; g) V; h) F – Dentro de si, há todo um
realidade», do Absoluto/Eternidade/Plenitude.
Portugal, preenchido de «aldeias», «vilas», «cidade», o seu
8. Bernardo Soares caracteriza-se como uma mãe que, pela noite «quarto».; i) F – A nostalgia da infância é menos dolorosa do
(quando está desperto e consciente), vê os seus filhos e se en- que a nostalgia daquilo que nunca aconteceu na realidade.;
ternece, olhando a sua inconsciência, o seu nada-saber. j) V; k) F – No dia em que escreve este fragmento é «domin-
go».; l) F – Bernardo Soares escreve para obedecer impre-
FICHA 76 (p. 206)
terivelmente à «alma», mas gostava de se exprimir não pela
1. O assunto deste fragmento corresponde às reflexões que palavra, mas pela Música.
Bernardo Soares faz sobre a sociedade e a vida, a partir do
que ele vai observando ao longo da sua deambulação pela FICHA 78 (p. 209)
cidade. 1. a) V; b) F – Bernardo Soares recorda-os porque os relê «pas-
2. Soares distingue estes três referentes: «Este» (linha 1), sivamente».; c) F – Alberto Caeiro vê o mundo a partir da sua
«Aquele» (linha 3) e «Esse outro» (linha 4), individualizando-os, «aldeia» e, por isso, a «aldeia» é mais bela do que a «cidade».;
por um lado, e, por outro, tornando-os membros de um todo d) F – A frase que mais se adensa na sua memória é «Sou do

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PORTUGUÊS 12.o ANO

tamanho do que vejo!»; e) F – As «emoções profundas» são FICHA 81 (p. 217)


em Alberto Caeiro o reflexo das «estrelas».; f) F – Bernardo
Soares refere-se ao «luar», caracterizando-o como uma in- 1. Assunto: a arte de escrever poesia, segundo Ricardo Reis, como
fluência negativa para si.; g) V; h) F – Depois da sua leitura, se prova pela centralidade das palavras «mente» e «verso».
Bernardo Soares vai à «janela» e apetece-lhe gritar frases 2. Ricardo Reis é considerado poeta «clássico» pela forma e con-
de uma «selvajaria ignorada».; i) F – A sequência «E a frase teúdo do que escreve. Neste poema, sobressai a forma: Reis
fica-me sendo a alma inteira» inclui uma hipérbole e uma me- começa por fazer uso da «mente» (ideias, inspiração), associa-
táfora.; j) F – A mesma frase de Caeiro «caia» [pinta com cal] -a ao «esforço» (trabalho paulatino e árduo) e confia na sorte
de paz o luar ao entardecer.; k) V; l) V. (Destino greco-latino) para tornar perfeito o resultado final
(texto poético completo). Assim nascem os seus poemas.
FICHA 79 (p. 210) 3. O «pensamento», erudito e inspirado, comanda a obediente
1. a) V; b) V; c) F − O «rapazito» colecionava «folhetos de «frase» e o prestável «ritmo». Dito de outra forma, a construção
propaganda de cidades, países e companhias de transpor- frásica e a métrica seguir-se-ão naturalmente, quando o pen-
tes».; d) F − O mesmo rapaz possuía mapas com «ilustrações samento é de elevada qualidade poética.
de paisagens, gravuras de costumes exóticos, retratos de 4. a) «Ponho na altiva mente o fixo esforço» prova a constru-
barcos e navios».; e) V; f) V; g) V; h) V; i) V; j) V; k) F – Bernardo ção da frase pensada para realçar a «mente» ou inspiração,
Soares considera que as viagens feitas pela imaginação eram por isso o complemento oblíquo «na altiva mente» passa
as melhores.; l) F − A sequência «diferença hedionda entre a para o princípio do verso, antecedendo o complemento di-
inteligência das crianças e a estupidez dos adultos» inclui uma reto («o fixo esforço»). A colocação dos adjetivos «altiva»
antítese. e «fixo» a preceder os respetivos nomes confirma a mes-
ma intenção de ênfase. b) A aliteração do som «f» pre-
FICHA 80 (p. 215) sente na sequência «fixo esforço» dá uma ideia de força e
1.1 Trata-se do poeta «bucólico» porque procura ambientes cam- determinação através das quais nasce um poema de Reis.
pestres, onde a Natureza impera e não há outros seres huma- c) A seleção de vocábulos eruditos prova esse «esforço» do
nos, como se pode ler em «Toda a paz da Natureza sem gente / sujeito poético em escolher palavras adequadas às ideias ele-
Vem sentar-se a meu lado» (vv. 7-8) e «Ser poeta não é uma am- vadas/superiores/sublimes: «altiva», «altura», «leis», «régio».
bição minha / É a minha maneira de estar sozinho.» (vv. 17-18) .
1.2 a) «Conhece o vento e o sol» (visão), «a olhar» (visão), «quan- FICHA 82 (p. 218)
do esfria no fundo da planície» (tato), «como andar à chuva» 1. Este poema trata da apresentação de toda a filosofia de vida
(tato), «paz da Natureza sem gente» (audição). b) O primado do sujeito poético, que a pretende ensinar à sua amada, Lídia,
das sensações prende-se com a captação do real apenas atra- o que se comprova não só pela definição do conceito de vida,
vés daquilo que o sujeito poético sente, sem a influência do mas pelo constante aconselhamento da jovem.
pensamento, como os versos «Minha alma é como um pastor, 2. As influências do carpe diem vêm à superfície do texto em
/ Conhece o vento e o sol / (...) Pensar incomoda como andar à sequências como «Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
chuva (...)» comprovam. / Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos / Que a
1.3 Por exemplo: «Eu nunca guardei rebanhos, / Mas é como se vida passa» ou «Amemo-nos tranquilamente»; tais sequências
os guardasse», que instaura, desde o início, o seu bucolismo; denotam um desejo de aproveitar o que a vida tem para
«Minha alma é como um pastor», que vem confirmar os versos oferecer. Quanto às influências do estoicismo, vemo-las na
imediatamente anteriores; «Pensar incomoda como andar à intenção de viver a mesma vida, abdicando de sentimentos fo-
chuva», a qual remete para o incómodo, o desconforto do pen- gosos («amores», «ódios», «paixões», «invejas», «cuidados»),
samento que o leva a recusá-lo. evitáveis e cansativos: «Desenlacemos as mãos, porque não
1.4 Alberto Caeiro é um homem pacífico, calmo, apreciador da vale a pena cansarmo-nos.» ou «Amemo-nos tranquilamente,
Natureza, sensível e nada ambicioso, como se verifica pela se- pensando que podíamos, / Se quiséssemos, trocar beijos e
leção de vocábulos tais como «paz», «Natureza», «vento», «pôr abraços e carícias, / Mas que mais vale estarmos sentados ao
do sol» e pela afirmação «Não tenho ambições nem desejos». pé um do outro».
1.5 A personificação presente em «Toda a paz da Natureza sem 3. As formas verbais no presente do conjuntivo («fitemos»,
gente / Vem sentar-se a meu lado» dá vida humana e vontade «aprendamos», «pensemos», «desenlacemos», «Amemo-nos»,
ao conceito de «paz», que naturalmente envolve o eu lírico. «Colhamos») servem para mostrar como Reis não só acredita
2.1 Esta gradação, assente em metáforas, ganha vida pela passa- na sua visão do mundo, mas oferece os seus conselhos sábios
gem de conceito para conceito até uma espécie de conclusão. à mulher amada.
Assim, primeiramente, o eu lírico introduz a noção de «guar- 4. Eis os elementos da mitologia greco-latina: «Fado», «deuses»,
dador de rebanhos»/pastor, depois avança para a explicação «Pagãos», «óbolo» (moeda para oferecer ao «barqueiro»),
de «rebanhos» como «pensamentos» e, finalmente, conclui «barqueiro sombrio» (o transportador greco-latino dos mor-
que esses «pensamentos» «são todos sensações». A partir tos para a sua morada eterna).
deste recurso expressivo, Caeiro consegue resumir toda a sua 5. O eu lírico apresenta, diante dos olhos de Lídia e do leitor, o ce-
poesia e arte poética. nário da sua própria morte, quando escreve: «Ao menos, se for
2.2 Esta enumeração ganha forma pela sucessão de partes do sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois, / Sem que a minha
corpo pelas quais o poeta sente/pensa: «olhos», «ouvidos», lembrança te arda ou te fira ou te mova» e ainda «levares o
«mãos», «pés», «nariz», «boca». Desta maneira, dá continui- óbolo ao barqueiro sombrio». Por outras palavras, sabendo que
dade às explicações dos versos imediatamente precedentes, vai morrer, descreve já o que vai acontecer: ele (tal como Lídia)
não deixando margem para dúvida sobre o primado das sensa- vai ser transportado por um homem no seu barco («barqueiro»),
ções sobre o pensamento. a quem dará dinheiro pela tarefa («óbolo») e deixará em Lídia
2.3 «Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la / E comer um fruto é (sua amada) apenas uma «lembrança» suave e não dolorosa.
saber-lhe o sentido.» Este é o cenário antevisto e desejado pelo poeta «clássico».
2.4 O conceito de «verdade» entende-se como a vivência da Na- 6. A Natureza tem o papel de tranquilizar e suavizar todos os mo-
tureza simplesmente através do que as sensações trazem ao mentos da vida, que passa indelevelmente, destes dois aman-
sujeito poético, o que o leva à felicidade plena. tes: «à beira do rio. / Sossegadamente fitemos o seu curso»,

429
PREPARAR O EXAME NACIONAL

«Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as / No colo, e que o soas, «tudo era por minha causa» (veja-se a seleção do prono-
seu perfume suavize o momento». me indefinido «tudo» como ponto alto dessa gradação).
7. O rio simboliza a passagem do tempo de vida de qualquer ser
humano, ou seja, tem o seu curso e não retrocede, não se repe- FICHA 84 (p. 222)
te nunca. Desta certeza é que resultam o carpe diem e o estoi- 1. Por exemplo: «lâmpadas elétricas», «rodas», «engrenagens»,
cismo. O mar é o culminar dessa passagem em direção ao seu «maquinismos», «ruídos modernos», «máquinas», «ferro»,
fim («Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado»). «motor», «automóvel último-modelo», «óleos, calo-
8. Consiste na apresentação de todos os sentimentos exagerados res, carvões», «coisas todas modernas», «tramways» e
típicos do ser humano, os quais o sujeito poético aconselha Lí- «metropolitanos». Note-se que todas estas palavras remetem
dia a abandonar. Ora, abandonados tais sentimentos, a vivência para o que era novo, moderno, atual e recente no tempo de
da humanidade será forçosamente muito mais tranquila. escrita deste poema (1914).
9. Não sendo totalmente platónico, o amor não deve ser vivido 2. A definição de «matéria épica» prende-se com assuntos ele-
com prazeres carnais exagerados; pelo contrário, deve ser vados ou eruditos e de natureza e importância universais. Ao
tornado numa comunhão de gestos e atitudes de tranquili- louvar todos os avanços da Indústria, da Ciência e da Tecno-
dade e paz. logia, o sujeito poético está a suplantar o que é novo e atinge
10. O verso tem uma referência óbvia à Antiguidade Clássica que com suas vantagens e desvantagens todo o mundo. Vejamos
inspira a poesia de Reis − «pagãos». Por outro lado, «inocentes exemplos em «Ode triunfal»: «Para a beleza disto totalmente
da decadência» remete para os seres humanos que ignoram o desconhecida dos antigos!» (v. 4, do qual sobressai o louvor
momento, mas sabem da sua condição mortal, isto é, sabem do moderno), «grandes lâmpadas elétricas da fábrica» (v. 1,
que vão morrer. sendo a eletricidade e a fábrica símbolos de progresso para
todo o mundo do novo século XX), «canto, e canto o presente, e
FICHA 83 (p. 220) também o passado e o futuro» (v. 17), «Ó coisas todas moder-
1. O binómio passado/presente torna-se claro pela leitura dos nas, / Ó minhas contemporâneas, forma atual e próxima / Do
versos «No tempo em que festejavam o dia dos meus anos» e sistema imediato do Universo!» (vv. 30 a 32, donde concluímos
«O que fui – ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui…». Deste que existe a universalidade típica de uma epopeia) e, finalmen-
modo, percebemos que o sujeito separa conscientemente os te, «Nova Revelação Metálica e dinâmica de Deus» (v. 33).
dois tempos e isso reflete-se na seleção do pretérito imper- 3. «Ode triunfal» dá-nos a ver todo o arrebatamento do sujeito
feito do indicativo («festejavam») por oposição ao advérbio de poético, espelhado nos sentimentos e cosmovisões que sur-
valor temporal («hoje»). gem à superfície textual. Os versos «Forte espasmo retido
2. O passado é-nos apresentado com detalhes sobre espaços dos maquinismos em fúria!» (v. 6), «E arde-me a cabeça de vos
preenchidos de pessoas, objetos e sentimentos de alegria, querer cantar com um excesso / De expressão de todas as mi-
como podemos verificar em «casa antiga», «alegria de todos», nhas sensações, / Com um excesso contemporâneo de vós, ó
«serões de meia-província», «A mesa posta com mais lugares, maquinas!» (vv. 12 a 14), «Desta flora estupenda, negra, arti-
com melhores desenhos na louça, com mais copos, / O apara- ficial e insaciável! / Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera!»
dor com muitas coisas – doces, frutas, o resto na sombra de- (vv. 25-26) e «Ah não ser eu toda a gente e toda a parte» (v. 41).
baixo do alçado –, / As tias velhas, os primos diferentes». Tudo Revelam uns campos que, maravilhado com os avanços civili-
isto descreve um passado feliz. zacionais, o sujeito louva excessivamente, quer em particular,
3. Nesse passado, o sujeito poético era feliz. Por um lado, não tinha quer em geral. A própria pontuação (sobretudo o ponto de ex-
consciência da realidade crua («Eu tinha a grande saúde de não clamação) reforça esse arrebatamento.
perceber coisa nenhuma»), não sendo expectante (num sentido 4. Na poesia de Álvaro de Campos, o eu lírico sente tão hiper-
racional ou de uso da razão) − «E de não ter as esperanças que bolicamente toda a modernidade ao ponto de a sentir como
os outros tinham por mim». Por outro lado, sentia-se sempre parte do seu corpo, o que o faz ter dor de cabeça, febre e um
acarinhado e amado por todos aqueles que povoavam a sua sentimento de insaciedade constante. «Tenho febre e escrevo.
vida («O que fui de amarem-me e eu ser menino»). Em suma, a / Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto» (vv.
sua felicidade provinha da inocência e do amor dos seus. 2-3), «Em fúria fora e dentro de mim, / Por todos os meus
4. «Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo! / Desejo nervos dissecados fora, / Por todas as papilas fora de tudo
físico da alma de se encontrar ali outra vez, / Por uma viagem com que eu sinto!» (vv. 7-9), «E arde-me a cabeça de vos querer
metafísica e carnal». cantar com um excesso» (v. 12), «Ah, poder exprimir-me todo
5. A consciência está diretamente relacionada com a idade adulta, como um motor se exprime! / Ser completo como uma máqui-
o tempo presente, o «hoje». Significa, por isso mesmo, a sepa- na!» (vv. 19-20) e «Poder ao menos penetrar-me fisicamente
ração definitiva da inocência de criança. A mesma consciência de tudo isto, / Rasgar-me todo, abrir-me completamente» (vv.
leva o sujeito poético, adulto, a ser um sofredor: o sofrimento 22-23). Em síntese, em Álvaro de Campos, o sujeito lírico não
provém da saudade (daqueles que já morreram), da solidão só se deixa repassar por toda a máquina, como também deseja
atual e do testemunho de todo um mundo que lhe é nocivo. continuamente ser como ela.
6. Os versos confirmam o contraste entre o sujeito do passado e 5. A apóstrofe em «Ó rodas, ó engrenagens» (v. 5) plasma o
o sujeito do presente. O conceito de «ter esperanças» pode ser poema do seu caráter arrebatado e épico. A apóstrofe em «ó
entendido como «ter expectativas», «esperar o melhor da vida», coisas grandes, banais, úteis e inúteis» (v. 29) está ao serviço
«ter ilusões». Ora, Campos não as tinha em criança porque era da mistura de todas as vantagens e desvantagens da moderni-
inocente e vivia simplesmente feliz. Pelo contrário, a idade adul- dade e da industrialização.
ta trouxe-lhe a consciência da vida e do mundo e isto só o deses- 6. Os casos de «Hilla! hilla! hilla-hô» (v. 36) e «Z-z-z-z-z-z-z-z-z-
pera, ou seja, só lhe retira «esperanças» boas para um presente -z-z-z!» (v. 40) são exemplos de onomatopeias que lembram
e um futuro que lhe deem sentido, plenitude e felicidade. movimentos e sons de «maquinismos».
7. «No tempo em que festejavam o dia dos meus anos» (presenti- 7. O título contém duas palavras que resumem todo o poema: tra-
ficando esse passado feliz). ta-se de louvor e exaltação («Ode») de tudo o que é Moderno e
8. Gradação construída primeiramente pela enumeração de triunfante sobre o passado («triunfal»). «Triunfal» pode ainda
«muitas coisas», depois pela listagem de pessoas da família, remeter para a vitória da máquina sobre o sujeito poético, que
culminando num resumo que inclui todas essas coisas e pes- a sente excessivamente.

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PORTUGUÊS 12.o ANO

FICHA 85 (p. 227) teceu. Os descobridores foram «de ilha em continente» / «até
ao fim do mundo» / «E viu-se a terra inteira, de repente / Surgir,
1. a) Este poema integra a Primeira Parte de Mensagem, deno- redonda, do azul profundo». Conseguimos visualizar tudo isto,
minada «Brasão». Nela, Pessoa socorre-se da apresentação
pois, sendo a terra redonda, foi-se revelando aos portugueses
de Portugal desde os seus primórdios (lendários e históricos),
graças ao seu esforço de concretizar esse sonho, e revela-se,
portanto, a menção de D. Afonso Henriques é óbvia por se tra-
pouco a pouco, de verso em verso, também ao leitor.
tar do primeiro rei do nosso país.
b) Ao referir-se ao período da formação e independência de 4. O sujeito poético está a referir-se a «Deus», à Divina Providên-
Portugal, o sujeito poético está a desenhar a natureza épica do cia, ao Criador, e fá-lo por testemunho da fé que é indissociá-
poema, que versará sobre um povo cuja existência afetará todo vel dos Descobrimentos portugueses e, portanto, do próprio
o mundo. O lirismo sobressai da verbalização de sentimentos, Infante, ele mesmo divinal.
neste caso, do pedido de força e inspiração para sempre. 5. Concluem o conteúdo do poema e chamam à atenção para o
c) No seguimento da resposta anterior, lendo a referência ao futuro. Por outras palavras, acabada a empresa de descobrir
primeiro rei de Portugal e o pedido de ajuda que lhe é feito e evangelizar o mundo, criou-se um «Império», que foi desa-
(para que o Portugal do século XX imite a força e as glórias parecendo paulatinamente. Ao afirmar que «falta cumprir-se
do Conquistador), o sujeito poético dá um exemplo claro da Portugal», Pessoa aponta já para um futuro igualmente glorio-
exaltação da nossa Pátria, como aquela capaz de grandes so, não só física e geograficamente, mas de uma outra forma,
conquistas ainda hoje. porventura, espiritual, intelectual, científica. Através do verbo
d) O herói de Mensagem é simbolicamente Portugal, que sem- «faltar», consegue-se ainda consubstanciar uma espécie de
pre foi grande desde a Idade Média (sua formação e indepen- apelo aos seus contemporâneos para que tornem Portugal su-
dência), passando pelos Descobrimentos e até à Modernida- blime outra vez.
de. Neste sentido, a exaltação patriótica surge à superfície 6. Metáfora, que torna mais visual o caminho gradual pelo mar
do texto de duas maneiras: primeiro, pela invocação de quem fora, como se o Infante, ele mesmo, fosse avançando por cima
a formou, «Pai», e, segundo, pelo pedido de força para o Por- da espuma das ondas até ao Infinito.
tugal contemporâneo. Dito de outra forma, se Afonso Henri-
7. Enumeração (com dois elementos), mas também como uma
ques é considerado «Pai» (a quem devemos a independência),
metáfora, pois «cumprir» aponta para uma regra, uma lei, uma
recorrendo a ele, o eu lírico está a lembrar a grandeza da nossa
missão e não, literalmente, para «Mar» ou «Portugal». Por
pátria, personalizada na figura do seu primeiro rei. Ora, como
meio de uma interpretação metafórica, facilmente chegamos
que rezando ao Pai pela pátria do século XX, então pressupõe-
à ideia de que a missão descobridora e evangelizadora chegou
-se que esta é também exaltada, pois é capaz de continuar as
ao seu termo com o final das Descobertas.
conquistas, mesmo sendo de diferentes naturezas.
2. Os «Novos infiéis» podem ser, tal como os de outrora, inimi- 8. A apóstrofe em «Senhor» confirma a presença do divino cris-
tão no poema, pois com ele se começou («Deus quer»). Portan-
gos de Portugal que o tentem subjugar, tirando-lhe a indepen-
dência, ou, porventura, membros de religiões diferentes, alvo to, se tudo começou com a vontade de Deus, ele é chamado
de eventual evangelização. Porém, considerando a dimensão também no final do poema, a quem o sujeito lírico faz uma es-
simbólica de Mensagem, «infiéis» podem ser apenas símbolo pécie de queixa e apelo para que «Deus» volte a querer.
de «concorrentes» intelectuais e industriais (por exemplo) e a 9. Neste poema, a figura tomada simbolicamente como herói é o
«espada» nada mais do que o intelecto por meio do qual pode- Infante D. Henrique, resultante da conquista da independên-
mos ser grandiosos como no passado. cia, da glória ultramarina. Exaltando-se o Infante, exalta-se o
3. a) A apóstrofe em «Pai» inicia o poema e presentifica imedia- herói coletivo – Portugal – e a própria Pátria. A partir deste
tamente uma figura e um tempo de glória patriótica. ponto é evidente o assunto épico (Descobertas à escala mun-
b) Na sequência «Hoje a vigília é nossa», «vigília» é um concei- dial, encetadas pelos portugueses), aliado a um lirismo como
to tomado metaforicamente, pois se estamos a vigiar alguma verbalização de sentimentos do poeta, ele mesmo contador da
coisa (como os guerreiros/sentinelas medievais), trata-se do História, mas orante a Deus para que o Futuro seja igualmente
Conhecimento, da Inteligência e do Futuro da Pátria. Em últi- imperial e grande.
ma instância, a «vigília» pode ser a luta/o cuidado em manter-
FICHA 87 (p. 230)
mos os nossos territórios ultramarinos, dado que as guerras
coloniais tiveram lugar ao longo do século XX. 1. O sujeito poético refere-se a todos aqueles que se encontram
inertes e passivos, sem sonhos nem objetivos, mergulhados
FICHA 86 (p. 228) em vidas fúteis, esperando o passar dos anos até à sua pró-
1. Existe gradação na medida em que há uma sequência que vai pria morte. Isto é confirmado pela seleção de vocábulos, como
de um objetivo até à sua concretização. Assim «Deus quer» «Triste», «sonho», «lar», «asa», «rubra a brasa», «lareira». Pas-
remete para uma intenção divina de pôr talentos portugueses sa-se da simples referência ao comentário crítico, pois que
em prática; «o homem sonha» leva-nos a pensar nos desco- esse ser que assim vive é por ele considerado «Triste» por não
bridores que o Infante D. Henrique escolheu e organizou para viver a vida com sentido de futuro e progresso – «Vive porque
a empresa de descobrir um percurso até à Índia por mar; «a a vida dura. / Nada na alma lhe diz / Mais que a lição da raiz – /
obra nasce» é o culminar dessa gradação, pois, de facto, os Ter por vida a sepultura.»
portugueses conseguiram descobrir caminhos marítimos para 2. Os «quatro» impérios são exemplo da passagem do tempo,
Oriente e depois para Ocidente. Eis a glória do passado. não na vida de um ser humano, mas na vida da própria
2. «Sagrou-te» inclui um pronome que presentifica o próprio Humanidade. Foram grandes, sim, os povos e a cultura da
Infante D. Henrique. A utilização de um verbo de natureza Antiguidade Clássica e da Europa com os seus descobrido-
bíblica (a sagração/bênção) vai ao encontro não só da fé por- res, evangelizadores cristãos e pensadores. Todavia, são
tuguesa expandida pelo ultramar, mas também da exaltação agora parte do passado, como que «mortos». Daí que, relem-
dos feitos portugueses como sagrados, diríamos até divinos brados esses «quatro», fica a ideia da necessidade de um
ou sobrenaturais. «quinto». Desenha-se, assim, a intenção de avançar para um
3. A conjunção coordenativa «E» prepara o leitor para um acrés- futuro igualmente imperial e glorioso.
cimo de informação. A «obra» está feita: caminhos, lugares e 3. O Sebastianismo está presente a dois níveis: primeiro, na refe-
povos descobertos, conquistados e evangelizados. Então, na rência óbvia ao rei que lhe deu nome, D. Sebastião; segundo, na-
segunda estrofe, informa-se especificamente como tudo acon- quilo que ele simboliza de exemplar e imitável. Deste segundo

431
PREPARAR O EXAME NACIONAL

nível, resulta a simbologia do herói e a exaltação da Pátria. Se espelho da sociedade, dado que representam o povo ignoran-
D. Sebastião foi corajoso e intemerato na luta contra os ini- te e trabalhador, que obedece sem nada questionar («dobra-
migos em Alcácer Quibir (1578), ele simboliza um povo de das», submissas). Não convivendo, nem tendo comunicação
portugueses tão corajosos e heroicos quanto ele. Vimos já com o resto de Portugal e do Mundo, acabam por viver vidas
outros exemplos, D. Afonso Henriques e o Infante D. Hen- solitárias, infelizes e metaforicamente pequeninas.
rique. D. Sebastião segue-se-lhes cronologicamente. Ora, 5. Esta passagem marca uma viragem dos acontecimentos, re-
acreditando no regresso de el-rei D. Sebastião, estamos a metendo para o tempo e o espaço físico e psicológico que
acreditar na independência do nosso país (que foi perdida sucede a um episódio inesperado: Batola compra a dois ven-
porque ele morreu) e na nossa coragem e talento para dar dedores ambulantes uma «telefonia» (rádio), a partir da qual
continuidade à glória, agora com outros obreiros, por exem- toda a aldeia será transformada: ficarão a par do que se passa
plo, cientistas, pensadores, intelectuais. no mundo e divertir-se-ão ao som da música.
4. Confirma todo o sentido do poema, pois o descontentamen- 6. Com a telefonia aumenta o convívio entre as pessoas, apro-
to remete para uma necessidade interior de ir mais além, so- ximando-as umas das outras e do resto do mundo. Se consi-
nhar, tentando concretizar esse sonho. «Ser descontente» é derarmos a especificidade deste parágrafo, percebemos que
inato ao ser humano racional, uma vez que a razão estimula os idosos se divertem, os jovens se enamoram e cortejam, a
a ação e o sentido da vida. Por consequência, o referido des- venda tem movimento, as conversas aproximam e divertem e,
contentamento assume-se característica intrínseca à huma- aquando do noticiário, a telefonia congrega todos em sua vol-
nidade e não apenas um sentimento pontual e passageiro, ta, informando-os.
daí a utilização do verbo «ser» e não do verbo «estar».
7. a) personificação, porque a nudez se aplica aos humanos, sen-
5. A interrogação retórica é um meio de colocar os leitores a do aqui uma forma de caracterizar as casas e as pessoas que
pensar em quem sucederá aos antepassados gloriosos em nelas vivem. b) personificação e metáfora do «silêncio», visto
geral e a um rei jovem que deu a própria vida na luta pelo que este referente abstrato não pode tomar atitudes concre-
reino que governava. A metáfora confirma-o porque «viver tas e o mesmo «silêncio» não se espreguiça («estiraçado»)
a verdade» (e não viver literalmente a vida ou um seu mo- nem «dorme», como os seres vivos. A expressividade é a de in-
mento qualquer) leva à ideia de dar continuidade a sonhos, tensificar a relação entre a paisagem e as gentes que a pince-
objetivos grandiosos de um país com excelentes exemplos lam. c) metáfora e personificação (pois o já referido «silêncio»
de figuras históricas que já o fizeram. Foi essa «verdade» por não pode ser triste), hipálage («tristeza» está a caracterizar
que morreu o jovem Sebastião. o «silêncio», mas é característica de quem o sente, ou seja, o
6. O «Quinto Império» é aquele que se seguirá aos citados «qua- Batola e todos os restantes habitantes) e uma hipérbole, que
tro» e, sendo colocado na Terceira Parte da obra, clarifica a exagera o «entardecer». Estes recursos expressivos estão ao
ideia de ser um Império ainda «encoberto» pelo não-saber serviço da sensação de solidão e passagem do tempo. d) para-
como se desenhará o futuro. Posto isto, se já nada mais há a doxo em torno do «suspiro» (se foi «estrangulado» não pode
descobrir geograficamente, esse «Império» não será físico, soltar-se), que revela uma atitude desesperada de Batola; a
antes intelectual, espiritual, científico, de uma natureza di- gradação inerente ao soltar desse «suspiro», que primeiro sai
ferente, portanto. Por consequência, se os outros impérios e depois se alonga até se assemelhar a um «uivo de animal»; e
foram grandiosos e tiveram também o cunho dos portugue- a comparação entre o suspirar e o som de um animal perdido
ses, são os mesmos portugueses, agora contemporâneos de na vasta planície. Estes recursos espelham o sofrimento ani-
Fernando Pessoa, os chamados a tornar Portugal superior e malesco de um homem e de um Povo presos à sua ruralidade e
supremo, porventura, por meio da sua inteligência, espiritua- ignorância submissa.
lidade e demais qualidades intelectuais e artísticas.
7. O poema é constituído por cinco estrofes, todas elas com 5 FICHA 89 (p. 238)
versos (quintilhas), que por sua vez são redondilhas maiores, 1. George sentia, desde a juventude, uma necessidade de se co-
ou seja, apresentam 7 sílabas métricas. nhecer a si mesma e de viver por meio de viagens (errância),
de uma vida preenchida de novidade e de liberdade. Por isso
FICHA 88 (p. 234) mesmo saiu de casa, deixando a família e a quietude do lar,
1. Batola é um homem entediado e aborrecido por não ter nada para emigrar e concretizar os seus objetivos. Pelo contrário, a
para fazer nem sequer paisagens diferentes para contemplar. família não entendia nada do que se passava dentro da mente
Assim, esse tédio vai dando lugar a uma solidão imensa e a um e do espírito de George, ao ponto de todos pensarem no mun-
sofrimento gritante semelhante ao de quem está preso, como do como repleto de lugares «onde (…) as mulheres se perdem»
se verifica em «E o Batola, por mais que não queira, tem de (linha 2).
olhar todos os dias o mesmo» (linha 1); «Está preso e apagado 2.1 As metamorfoses desta figura feminina manifestam-se nas
no silêncio que o cerca. (…) Um suspiro estrangulado sai-lhe mudanças da cor de cabelo, na alternância entre «amores» (na-
das entranhas» (linhas 14-15). morados, marido, outros namorados) e de espaços por onde
2. Batola é um espelho da Natureza que o rodeia, pois um e outro vai circulando e vivendo. Repare-se que todas estas mudanças
estão remetidos à solidão inevitável e a um silêncio avassala- mostram uma mulher sempre diferente, sempre transforma-
dor, como se pode ver em «a solidão dos campos. E o silêncio.» da, sempre nova. Assim, George assemelha-se a uma lagarta
(linha 4). original que se vai tornando borboleta de várias cores a voar
3. Batola vê-as passar de longe e sente tristeza e pena por não livremente pelos espaços que quer.
conviver mais com elas, pois assim a vida de todos seria mais 2.2 A concentração do tempo e do espaço desta narrativa é clara
suportável e feliz, além de com estas pessoas poder fazer porque as respetivas informações surgem resumidas, fazendo
mais negócio na sua venda. Contudo, a tristeza e a solidão so- avançar a ação rapidamente. Isto acontece no primeiro pará-
brepõem-se ao interesse económico. grafo, que, sozinho, descreve toda a vida adulta de George,
4. Estas «figurinhas» correspondem aos camponeses que re- desde que esta saiu de casa até ao momento presente (cerca
gressam maquinalmente da sua ceifa, para onde hão de voltar de 20 anos).
e donde hão de regressar no dia seguinte e para sempre. Elas 2.3 As interrogações retóricas surtem o efeito de acompanhar a
são uma parte deste cenário que Batola vê, daí a seleção do natureza complexa e as metamorfoses desta personalidade
vocábulo «figurinhas» (como que parte de um quadro). Por ou- feminina, continuamente inconstante, insatisfeita e com von-
tro lado, estes camponeses (referidos com o diminutivo) são o tade de mudar.

432
PORTUGUÊS 12.o ANO

3.1 No terceiro parágrafo do texto, George adulta (realidade 7. A peripécia final é o acidente que leva Paco ao hospital, ferido
atual) lembra a mãe (memória) e imagina a possível opinião durante um roubo ocasional. O seu impacto é imediato: o rival,
desta relativamente aos sítios onde a filha foi morando (ima- Dr. Paulo, deixa o consultório e vai pedalar para o semáforo,
ginação). substituindo Paco até que ele regresse, ultrapassando, desta
3.2 O discurso direto está ao serviço do diálogo anteriormente forma, a desavença existente entre estas duas famílias.
referido, uma vez que é por meio dele que percebemos a su-
FICHA 91 (p. 249)
posta opinião dessa personagem do passado da protagonista.
4. Segundo George, uma casa e seus objetos («bibelots», «uma 1. Este poema trata da caracterização que o sujeito poético faz
jarra», «livros») – realidade – trazem inevitavelmente recorda- da sua escrita, o que inclui explicações e apresentação de opi-
ções de quem os ofereceu, do motivo por que estão ali, enfim, nião.
do passado aprisionador − memória. 2. Podemos dividir este texto em duas partes lógicas, correspon-
5. Atendendo ao conteúdo do quarto parágrafo, percebemos a dentes às duas estrofes. A primeira trata do poema como o
relação que George tem com a casa e os objetos, dado que ela resultado de um trabalho árduo do sujeito poético. A segunda
vende todos os livros, por exemplo, para conseguir ter a sen- ganha forma com a caracterização que o sujeito poético faz da
sação de que está livre e «disponível» para sair rumo a outro relação entre si e o poema, dando explicações.
lugar e a outra vida, confirmando a si mesma a noção de que é 3. a) Os versos resumem a firmeza, a resistência do homem que
«Senhora de si.», dona da sua própria vontade. Eis uma prova escreve face às adversidades da escrita.
da complexidade da natureza humana, composta simultanea- b) Os versos mostram não só o amor que é inerente à escrita
mente por sentimento e razão. poética, mas também definem «poesia» como «beleza». Por
6. Maria Judite de Carvalho consegue estabelecer essa relação outro lado, e assemelhando-se ao ramo que se desprende do
entre as três idades da vida através do desdobramento de fruto, Torga deixa libertar o poema da sua mente/mão.
George: primeiro, surge a idade adulta – George, com 45 anos, 4. A arte poética de Torga resume-se na transformação da beleza
regressa à sua terra natal para vender a casa de família e fazer (e «lágrimas») que há no seu interior (e é desconhecida pelos
desaparecer metaforicamente o seu passado; segundo, a ju- outros) em versos que, com esforço e dedicação, se despren-
ventude – Gi, de 18 anos, com um «sorriso branco», com quem dem e ganham autonomia.
mantém um diálogo imaginado; terceiro, a velhice – Georgina, 5. No primeiro verso do poema, o sujeito poético apresenta o re-
mulher de cerca de 70 anos, com quem ela mantém também sultado final do seu trabalho – o poema – de uma forma celes-
um diálogo imaginado no comboio de regresso a Amsterdão. tial, cosmicamente luminosa – porventura, um novo sol –, que
agora ele pode apreciar, dado que já dele se separou.
FICHA 90 (p. 242) 6. As formas estrófica e métrica revelam a contemporaneidade
1. O episódio referido é a instalação deste semáforo manual, da escrita poética: as estrofes têm número variável de versos,
no Porto, movido a pedal, com um ciclista. É por causa deste o verso alterna entre curto e longo, não rimado. Dessa suces-
semáforo e de Ramon que, um dia, o médico vizinho, Dr. João são breve de versos surge um ritmo e uma cadência rápidos e
Pedro Bekett, se vai recusar a obedecer-lhe e, assim, desen- certeiros. Esta liberdade física da escrita acompanha o extra-
cadear a «inimizade» geracional destas duas famílias, a galega vasar natural da(s) mensagem(ns) poética(s).
e a portuguesa.
FICHA 92 (p. 251)
2. A gradação acompanha efetivamente o processo de funciona-
mento do referido semáforo: primeiro, o pedalar; segundo, o 1. Este sujeito poético é dominado pelas multifacetadas realida-
acionar de um «imã» (dentro de uma «bobina»); terceiro, a ge- des que vê, fora e dentro de si, as quais o tornam um ser frag-
ração de energia elétrica, que vai acender as luzes do referido mentado. Leiam-se os versos justificativos: «Mas não de mim,
semáforo. / que alheio vivo a vida que em mim fala.» e «eu próprio sou
3. O narrador informa que foi um «equívoco» que esteve na ori- porque / já fui e não serei».
gem de uma regra do concurso de recrutamento do semafo- 2. Estes «eus» que o sujeito sente e pressente são espelho de
reiro, de que para esta bicicleta seria obrigatório saber obvia- vários fragmentos figurados de si. Os fragmentos surgem
mente «andar de bicicleta». Mas tal, sendo um «equívoco» (o porque o sujeito poético sente que a vida se divide em duas
que não o era por ter toda a lógica ser um ciclista a pedalar), realidades: a física e a essência, como podemos ler em «meu
foi logo corrigido pela seleção de Ramon, «que nunca tinha destino além» ou «de meu destino a essência que lhe dou / na
pedalado na vida», mas foi recrutado por interesse económi- extrema contingência [as restrições inerentes ao facto de ser
co e compadrio (por ser «familiar do proprietário dum bom corpo/matéria] de tornar a ser.»
restaurante», onde, porventura, membros da Câmara iriam 3. Por exemplo: «invisível sopro ou chama ou só altura» [Deus?
repastar-se gratuitamente). Entidade superior e criadora], «meu destino além / de mim»,
4. O narrador resume todo o tempo que passa desde o primeiro «essência» / «contingência».
semaforeiro até ao atual Paco. Através da concentração do 4. «nuvens» remete para a passagem do tempo, da vida terrena;
tempo, consegue o que se pretende num conto: brevidade e «flores» está ao serviço de cada momento que o sujeito renas-
unidade de ação. ce; e «sopro» leva o leitor ao metafísico, que dá vida ao físico.
5. Tal como as duas Grandes Guerras se sucederam, opondo países 5. Paradoxo, remetendo para a fragmentação e desmembramen-
e políticas ao longo de anos, assim também estas duas famílias to consciente do sujeito poético.
se vão opor na inimizade entre os seus respetivos membros. 6. Exemplo: «Um cicio brando, um murmurar, um fluido / e té-
6. A história pessoal avança com os membros das gerações fami- nue perpassar de pétalas molhadas», em que confluem os
liares em conflito: Dr. João Pedro / Ramon, Dr. João / Ximenez, sentido da audição («cicio» / «murmurar»), do tato («fluido»,
Dr. Paulo (jovem) / Asdrúbal e Dr. Paulo (adulto / idoso) / Paco. «molhadas») e da visão («pétalas molhadas». Em todos estes
A história social desta família é representada pela manuten- casos o sujeito mostra-se em comunhão com a Natureza,
ção das profissões e estatutos sociais de cada rival, ou seja, comparando-se a ela ou dela se servindo para se (re)conhecer.
os Bekett são sempre médicos, logo, de uma classe social su- 7. A pontuação acompanha o ritmo do extravasar de sentimentos
perior; os galegos são sempre semaforeiros (sem outra profis- de forma sensitiva e natural, ou seja, as vírgulas são pequenas
são), por isso mesmo membros de uma classe social inferior. pausas que não cortam o discurso, antes dão fôlego ao poeta

433
PREPARAR O EXAME NACIONAL

para prosseguir a verbalização das suas sensações e verda- FICHA 95 (p. 255)
des. Por vezes, quando até a vírgula está ausente, os versos
1. A metáfora, em «cabelo asa de corvo» mostra a orientação do
correm em cascata e deixam transbordar o conteúdo que se
corte escadeado do cabelo e a sua cor negra. A personificação
estende de verso em verso. Só as interrogações retóricas são
em «da angústia da cara» identifica, desde logo, O’Neill como
pausas maiores para motivar reflexões e dúvidas.
alguém que sofre por ter um olhar consciente sobre a realida-
8. O título «Passagem cuidadosa» refere-se ao movimento das de. O uso do diminutivo «nariguete» denota que ele mesmo o
«nuvens», ao qual o sujeito se compara, mas chama a atenção considera feio e disforme. A adjetivação referente à «ferida»
para a necessidade da reflexão sobre a vida, além-vida, que como «desdenhosa e não cicatrizada» revela esse pormenor
deve ser «cuidadosa», isto é, deve implicar pensamento e teimoso, que, eventualmente, o incomodará.
questionação. 2. Os dois tipos de amor são o total/sentimental, no qual ele
«crê», e o sensorial/carnal, o qual «tem a veleidade [capricho]
FICHA 93 (p. 253) de o saber fazer (…) das maneiras mil», considerando-o «se-
1. Tanto «maçãs» como «gatos» remetem para a visão que o su- movente estátua do prazer».
jeito poético tem destes elementos da Natureza − seres natu- 3. Este poema confirma a escrita contemporânea, desde logo,
ralmente luminosos, simples e felizes. pela construção inesperada de um soneto: os seus catorze
2. O verso «sem liberdade crescem as crianças», que remete, por- versos são distribuídos por uma mesma estrofe, sendo o últi-
ventura, para a crítica política (ausência de liberdade e demo- mo dístico destacado fisicamente, concluindo o tema.
cracia) e ainda para as contingências e restrições da vida de
FICHA 96 (p. 256)
um ser humano desde a infância.
3. A praia é local de deambulação e inspiração do sujeito poéti- 1. O poema está espelhado no próprio corpo e, tal como ele, apre-
co – «dunas», sendo o local referido neste poema. Caminhando senta-se em partes dilaceradas por sofrimentos, dores, san-
pela «noite» ou pela «tarde», já o bulício do dia se transformou gue, «cavernas do mundo». Tudo isto se resume no interlúdio
(intervalo) «entre fôlego e escrita».
em pacatez (sossego), propício à sensação, ao pensamento e
à escrita. 2. O sujeito poético deixa-nos ver um corpo no seu todo, mas
através das suas partes: «coração», «amígdalas», «sopro pul-
4. A sequência «a terra fique limpa» surte dois efeitos: a «terra monar», «labialidade», «traqueia», «rosto», «boca», «víscera»,
limpa» é aquela sem opressão, repressão ou ditadura, e tam-
«sangue», «fôlego».
bém a que dá vida à tradicional associação água e limpeza,
neste caso, física ou metafórica.
2.1 Exemplo: «O sangue bombeado na loucura, / Do medo / ao
modo de escrevê-lo», que mostra a complexidade e a dor
5. Eugénio de Andrade parece escrever com as sensações que a inerentes à saída da escrita de dentro do poeta para o papel.
Natureza lhe proporciona, pois, começando o poema com refe-
3. A contemporaneidade está presente quer no conteúdo, quer
rências a «maçãs» e «gatos», assim o vai terminar com a noite
na forma. Assim, o conteúdo revela um claro sentimento do
na praia («dunas»), que cria condições para escrever. Por outro excesso (a lembrar Álvaro de Campos), do canto arrebata-
lado, podemos associar a sua escrita à pureza das «crianças», do pelos conhecimentos de anatomia humana, sobretudo
referidas duas vezes. usados na sua faceta sanguínea e mais profunda («vísce-
6. Tanto as «maçãs» como as «crianças» «brilham», ou seja, a Na- ras») e na sua visão da poesia como parte visceral, que lhe é
tureza e a Infância têm uma luz natural própria e muito querida arrancada a «fogo». Por outro lado, a forma confirma-o, daí
ao poeta. a irregularidade estrófica e métrica (o texto tem uma única
estrofe, com número variável de versos e sílabas, sem rima).
FICHA 94 (p. 254) Não esqueçamos que este poema é retirado de uma antologia
1. As preocupações existencialistas (relativas à existência hu- intitulada Ou o Poema Contínuo», isto é, vida e poema são
mana) são evidentes nos primeiros seis versos, uma vez que indissociáveis.
o sujeito poético sabe que «o momento», ou seja, o tempo FICHA 97 (p. 257)
atual, não existe verdadeiramente. E, caso exista, não é pa-
cífico e linear, antes uma confluência de improbabilidades e 1. Neste «dia de festa», o sujeito poético encontra-se a refletir
oposições («o improvável existe / na concentração dos seus sobre o sentido da vida e da passagem do tempo. Tal reflexão
contrários»). leva-o a sentir um misto de tristeza com resignação e alguma
esperança na vivência por meio apenas de sensações, como
2. Para Ramos Rosa, o poema é uma ação espontânea, uma re- se lê em «Dia de festa, existir simplesmente», «E sobre tudo
presentação do referente real (mas já somente em pedaços −
o resto o vão bocejo e não valer a pena», «Fazer de um jardim
«cinza», «sombra»), um encaminhar para a luz, mesmo estando quanta vida se quer», «eis algumas vantagens».
o poeta e os leitores «de olhos vendados» ou simplesmente
2. Nestes três versos, encontramos o tema da nostalgia da infân-
um movimentar de água («torso de água») que acompanha a
cia, de facto tão caro à tradição literária. Podemos comprová-
existência.
-lo pela apóstrofe do «mundo» como «minha mãe» (porventura
3. «Deambulações oblíquas» é um título que remete para incur- já não presente neste mundo), à qual se segue um conjunto de
sões pelo pensamento, ou seja, reflexões – isto é o que acon- referências a um passado que lhe vem à memória − «ter con-
tece, de facto, relativamente ao «improvável» da existência e fiança em tudo» (retrato de uma criança inocente e insciente),
ao «poema». A palavra «oblíquas» está ao serviço da ideia de «lareira prometida nunca alumiada» (reminiscências de um lar
reflexões fragmentadas, não lineares e que cruzam opostos de família já passado), «e tantos gestos empilhados e tijolos»
ou «improváveis». Tal facto é revelador da contemporaneida- (resumo de vida, terminada em «tijolos», a simbolizar cadáve-
de da escrita, quer por as referidas «deambulações oblíquas» res em que todos nos tornaremos).
lembrarem a transgressão de regras típicas do Surrealismo, 3. Percebemos a consciência do sujeito poético relativamente
quer por trazerem à memória o Intersecionismo de Fernando ao facto de a morte ser inevitável e de nos fazer naturalmente
Pessoa, evidente espelho do cruzamento e interpenetração de «vítima» ao «ceifar-nos», ou seja, colher-nos, daí o «não valer a
realidade/sonho, pensamento/imaginação, visível/invisível, pena», pois que é menos doloroso vê-la como uma «forma efi-
tão óbvios neste poema de António Ramos Rosa. caz de adormecer».

434
PORTUGUÊS 12.o ANO

4. Os versos espelham indubitavelmente a filosofia estoica de 6. a) Metáfora: «Era um puro país azul e proletário», pois a cor e a
Ruy Belo. Assim, «chorar o mínimo cadáver que passar» reme- profissão dos portugueses, não podendo ser lidos literalmente,
te para uma ideia de resignação e não exagero de sentimenta- remetem para características intrínsecas a Portugal: o mar e o
lismo; «e não desperdiçar os dedos pelas coisas» conduz-nos povo trabalhador. Podemos ainda selecionar «Vi minha pátria
a um sentimento de abdicação ou opção por não fazer aquilo derramada / na Gare de Austerlitz.», sequência que está ao ser-
que «desperdiça» a existência humana, enfim a vida viço da caracterização dos emigrantes como objeto despejado,
5. Os poetas contemporâneos são, regra geral, avessos à obriga- vertido desumanamente. b) Metonímia: «Pedaços / do meu
toriedade da métrica regular, experimentando, pelo contrário, país. / Restos. / Braços.», fragmentos através dos quais Manuel
escritas movidas pelo encadeamento de ideias ou seu natural Alegre se refere a Portugal no seu todo. c) Comparação: «os
extravasar. Este poema não é exceção, uma vez que verifica- olhos longe como o trigo e o mar» está ao serviço da identifi-
cação de «olhos» e «trigo»/«mar» como plenos de saudade por-
mos uma única e longa estrofe, sem rima típica, nem esquema
que deixados para trás, distantes no espaço e no tempo. d) Gra-
rimático regrado. A ausência de pontuação (vírgula ou ponto)
dação: «Éramos cem duzentos mil?», que acompanha a grande
entre os versos facilita esse encadeamento de ideias, que es-
quantidade de portugueses forçados a sair da sua pátria.
correm de verso em verso, como a vida de momento em mo-
mento. FICHA 99 (p. 261)
6. a) a aliteração do som «v» remete para o movimento do passar
1. A dicotomia físico/metafísico surge à superfície do texto por
da vida, sem nunca voltar atrás; a metáfora em «ser erva» im-
meio de referentes como «lado de cá» (vida) e «lado de lá»
plica a existência humana de forma natural e em conformidade
(além-vida) ou «sangue» (que pulsa no corpo humano) e «at-
com a vegetação, em síntese, ser e existir pelos sentidos e não
mosfera» (universo envolvente) ou ainda «por baixo o sol» (o
pela razão ou pensamento.b) a aliteração do som «m» confere superior, mas visível a partir da corporeidade) e «pele» (parte
ao verso uma espécie de lamento ou queixume pela passagem do corpo). As palavras «deus», «divindade», «demónios» pro-
da vida sem o controlo da vontade humana; a enumeração vam o metafísico.
sem pontuação em «morrer nascer cantar» agudiza essa ideia
de deixar correr a vida nas suas várias fases e simplesmente
2. O físico percebe-se pela referência a «sangue» como sofre-
dor, alvo de fragmentação, «transfusão progressiva» (ou seja,
«cantar» a mesma vida, que pode ser por melodia ou por pa-
sempre a ser transformado e a envelhecer). Temos ainda as
lavras.
«rugas do saber» (conhecimento do mundo), que implicam o
7. O título «Vária literatura» refere-se à escrita de tudo quanto o envelhecimento e inerente cansaço humano, e, por fim, «inun-
poeta entende neste poema, na sua vertente expressiva e va- dação da alma» como exemplo da perdição humana, do naufrá-
riada, preenchida de reflexões diversas. gio metafórico da essência e espiritualidade do ser humano.
FICHA 98 (p. 259) 3. O «poeta» posiciona-se no mundo sensível pela «pele» e pelos
«poros», veículos da sensação e do sentimento, e é a partir de-
1. O poema desenvolve-se a partir das reflexões do poeta, en- les que o poeta cai «no alçapão» da consciência, por sua vez
quanto deambula pelas ruas da cidade de Paris. lugar de descoberta («desvendar») da essência do ser e do
2. O tema tão caro à tradição literária que Manuel Alegre esco- existir.
lhe é o da crítica sociopolítica relativamente ao contexto his- 4. «Seio» e «leite» remetem para uma descrição do poeta como
tórico que o rodeia. Trata-se, neste caso, da denúncia de uma pessoa que conhece a origem e alimenta o mundo com a sua
pátria que sofre as consequências do fascismo da ditadura consciência e poesia, tal como uma mãe alimenta o seu filho
salazarista. por meio do leite materno.
3. O sujeito poético vê-se a si mesmo «Solitário», bem como 5. Os versos 3 a 8 manifestam a presença do contemporâneo
outros emigrantes portugueses espalhados por Paris à através dos vocábulos «écran», «transfusão» (sanguínea) e
procura de um novo rumo na vida. Por estar consciente dessa «filme», típicos dos séculos XX e XXI. A fragmentação torna-
emigração forçada (por dificuldades económicas, por medo ou se evidente em «imagens sobrepostas» e «sonho».
por exílio), verificamos que o interior deste sujeito está plas- 6. A antítese em «Do lado de cá nem só havia o sangue / e do lado
mado de mágoa, de saudade, de revolta e questionamento. de lá nem só a atmosfera» evidencia o contraste entre vida e
4. O sujeito poético apresenta a pátria em fragmentos, tomados além-vida (físico/metafísico). A metáfora em «a inundação da
metonimicamente, ou seja, pelas pessoas e objetos que têm alma» revela o mergulhar da essência humana numa consciên-
a característica de serem portugueses: «cestos», «pedaços», cia dolorosa sobre a vida.
«restos», «braços» «país azul e proletário» remetem para os 7. Além de percebermos que «Recanto 9» nasce da adaptação do
emigrantes (membros da classe trabalhadora – povo), quanti- vocabulário da epopeia a este poema, tornando-o uma nova
ficados em estimativa «cem duzentos mil?». A forma estrófi- versão de um «canto» (conjunto de estâncias/estrofes), «re-
ca e métrica acompanha estas personagens porque o próprio canto» significa também um espaço recôndito, relativamente
poema se desenvolve a partir de versos curtos, fugazes, deter- pequeno e propício à reflexão e ao mistério. Ora, tal espaço
minados e caminhantes para um mesmo fim. Repare-se inclu- adequa-se ao conteúdo do poema, todo ele reflexão existen-
sivamente como «Restos» e «Braços» compõem uma só frase cialista em profundidade e à superfície textual.
cada, dado que uma palavra e outra resumem esse empilhar ao 8. O poema é constituído por três estrofes com um número dis-
acaso de pessoas e seus pertences. tinto de versos: a primeira com 9 versos (nona); a segunda com
5. As interrogações retóricas «E o trigo?», «E o mar?» presenti- 7 versos (sétima); e a terceira com 4 versos (quadra). Quanto à
ficam aquilo que esses portugueses deixam para trás, que é métrica, os versos apresentam um número irregular de sílabas
tão rico e tão português – a «terra» tomada literalmente como métricas, tão ao gosto dos poetas contemporâneos.
meio de sustento económico, ou seja, campos cultivados de
FICHA 100 (p. 263)
cereais ou «mar» onde pescadores podiam refazer as suas vi-
das, o que não acontece nesse momento histórico. Quanto a 1. Uma e outra são, segundo o sujeito poético, iguais, por isso a
«Foi a terra que não te quis / ou alguém que roubou as flores de vida entrecruza-se com a palavra e vice-versa e, juntas, se vão
Abril?», instaura a ideia da liberdade (revolução do 25 de Abril desenvolvendo e crescendo.
de 1974), porventura, já conquistada, mas ainda embrionária e 2. A «letra corrida» aponta para o exercício de escrever, usando as
pouco poderosa. palavras. Assim sendo, ao escrever, o poeta transforma tudo o

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PREPARAR O EXAME NACIONAL

que vê em música e ressonâncias dos sons propagados que ele 6. O poema constitui-se de uma estrofe, revelando uma dimen-
ouviu desde a infância. Obviamente que tal música vai dar con- são narrativa da poesia de Júdice, a que acresce versos com 12
tornos e formas às referidas palavras. Assim, som e música são sílabas métricas (dodecassílabos).
causa e efeito de palavra e poesia. Esta é a sua arte poética.
3. A aliteração do som «i» («vida», «tinha», «medida», «minha», FICHA 102 (p. 266)
«corrida», «encaminha») instaura em todo o poema uma 1. O sujeito poético surge como um «eu» dividido em três, o que
musicalidade alegre e viva, típica dos sons agudos. A aliteração se torna evidente a partir do ato de escrever – «A mesma fo-
do som «s» («ressonância», «infância», «distância») confere a lha» / «(...) Eu, terceiro e secante / com os outros dois lados».
esses sentimentos gradual continuidade e prolongamento. As 2. O referente «folha» pode ser tomado como «folha de papel»
assonâncias dos ditongos «ei» e «ia» confirmam a presença de (onde se imortaliza a escrita) ou folha de uma flor – no caso
sonoridade musical e acrescentam cor, ritmo e vivacidade. «Malmequeres». Tanto num caso como no outro, estamos em
4. A forma deste poema é típica da contemporaneidade na me- presença de dois «lados» de um todo.
dida em que, desde logo, percebemos que começa com letra 3. «De um lado, analisar, / do outro – eu» corporiza duas partes
minúscula e se escreve numa única frase. Depois, parecendo deste ser triplo: o que faz a análise (sujeito poético) e o que
um soneto (2 quadras e dois tercetos), o esquema rimático e a é analisado («– eu»). Temos, portanto, o primeiro a refletir
rima são abab abab cdc dcd – rima cruzada. sobre o segundo. Por outro lado, existe ainda «o que vacila
5. «reverberações» são literalmente propagações de som / entre os dois lados» – «eu também. Outro eu.» – «terceiro
audível, mesmo quando a sua fonte direta terminou. O facto de e secante», uma espécie de interlúdio/intervalo/passagem/
estar aqui a ser usado na sua forma plural aponta para a plu- mediador.
ralidade/diversidade desses sons. Posto isto, está resumido 4. O referente «Malmequer» é uma palavra composta por três
todo o conteúdo do poema – texto (re)nascido dos sons que o monossílabos independentes, que correspondem precisa-
poeta ouviu desde a infância. mente aos três «eus» de que trata o poema. Desta forma,
o sujeito poético tem liberdade para trocar essas sílabas
FICHA 101 (p. 264) da sua ordem natural, como que acompanhando a confusão
1. Na primeira frase, versa-se sobre a relação entre «poema e inerente aos «eus». «Mequermal» pode remeter, porventura,
fruto maduro». Assim se explica que o «fruto da gramática» para esse interior dividido que dá ao sujeito poético sofri-
é considerado como o poema. A sua «casca» era o verbo, sem mento ou, pelo menos, angústia.
ela vê a «polpa», isto é, o fruto essencial. Depois vem o «sumo 5. O metafísico está presente na seleção de vocábulos, tais
do pronome» − uma espécie de tempero doce do poema – e como «Purgatório», «inferno», «céu», tripartição da tradição
«cai sobre o sujeito da frase», sendo o «sujeito» não neces- literária ao serviço da ideia de direção / orientação da vida
sariamente a função sintática, mas o próprio sujeito poético, de cada ser humano.
e sendo «a frase» «o corpo da amada». Estamos perante um 5.1 «Purgatório» é uma palavra escrita com letra maiúscula por
poema de amor. ser talvez o lugar (físico ou espiritual/metafísico) em que o
2. A segunda frase apresenta a forma como o poeta foi fazendo sujeito poético se encontra neste momento.
poesia: começou por seguir o cânone (regras estróficas e mé- 6. O título «Malmequeres e Polígonos» resume todo o con-
tricas, resultado da lógica/razão da tradição literária), o que le- teúdo do poema: é a partir do referente «malmequer» (e
mos parafraseado na referência à primeira frase bíblica (Livro dos dois lados das suas «pétalas») que o sujeito poético
do Génesis). Porém, o «sujeito», isto é, o próprio sujeito poéti- se vai revelando a si mesmo como tripartido. «Polígonos»
co «sobrepunha-se» às regras, uma vez que sentia com os cin- remete para a perspetivação matemática/racional (e o de-
co sentidos, que lhe causavam sensações – mais importantes senho ou configuração) desses três lados finais – dir-se-
do que a «gramática» canónica («rosto», «luz da manhã», «cor», -ia, por consequência, que o sujeito poético se assemelha
«vida»). Então, percebeu que o poema não era fruto da escrita a uma figura geométrica de três lados, quando ele próprio
regrada, mas sim um ser independente e autónomo com a sua se embrenha a «analisar»-se. O número plural de cada um
vida criada a partir dos sentidos. dos referentes pode antever ainda novos lados e novas
perspetivações ou simplesmente uma síntese de todos
3. Esta sequência, oportunamente encetada pela conjunção eles.
coordenativa adversativa («Mas»), apresenta um momento
posterior e oposto: «quando foi à procura / da raiz», ou seja,
7. O poema constitui-se de 6 estrofes com um número de ver-
sos variável, havendo alguma simetria apenas nas duas pri-
da fonte de inspiração para o poema que tinha escrito, só
meiras estrofes e nas duas últimas – um terceto e um dís-
encontrou o «campo estéril da sua memória» − a ausência de
tico. Já as duas estrofes interiores são uma quintilha e um
lembrança das suas sensações. Por conseguinte, esquecidas
terceto. Os versos são também muito irregulares quanto à
essas sensações, as duas únicas coisas que discernia eram
estrutura métrica.
«verbo» e «pronome», desprovidos agora de sentimento, e
também os «seus dedos manchados de tinta». Em síntese, FICHA 103 (p. 279)
aquele poema (como outros) tem, de facto, vida própria e in-
dependente do sujeito. 1. a) F – Em O Ano da Morte de Ricardo Reis, Saramago refle-
te minuciosamente sobre a vida de Ricardo Reis no último
4. A metáfora em «caísse de maduro» está ao serviço da associa- ano da sua vida.; b) V; c) V; d) F – Reis vem regressado do
ção entre fruto e poema. A metáfora em «o sumo do pronome» Brasil e hospeda-se no Hotel Bragança.; e) V; f) F – Reis
confirma essa dicotomia que vai ser desenvolvida ao longo do acede às notícias do mundo através dos jornais portugue-
texto. A comparação «Tocando o fruto da gramática como se ses e estrangeiros e do RCP – Rádio Clube Português.; g)
/ caísse de maduro» intensifica inequivocamente a dicotomia F – Ao longo dos itinerários geográficos, há vários encon-
referida. tros entre Ricardo Reis e Fernando Pessoa.; h) F – A via-
5. O título «A inutilidade da gramática» é um mote para o que vai gem do protagonista a Fátima é um exemplo de descrição
ser explicado e concluído no poema: se as palavras e frases fo- da pequenez e sujidade dos membros do povo português
rem tomadas apenas à luz do seu papel ou da sua função gra- e de crítica irónica ao exacerbado sentimento do sobrena-
matical, tornar-se-ão infrutíferas, pois estarão desprovidas tural.; i) F – O pai de Marcenda, Dr. Sampaio, recomenda
de sentidos e sensações. a Reis que leia o livro Conspiração de apoio à ideologia

436
PORTUGUÊS 12.o ANO

salazarista.; j) F – O Alto de Santa Catarina é o local a par- curista e estoicista, tranquilo e sabe bem o que quer da vida,
tir do qual Saramago consubstancia a intertextualidade sendo o amor quase platónico com a sua Lídia uma constante
Camões-Pessoa.; k) V. nos seus versos.
3.4 A menção à arte poética do heterónimo é conseguida atra-
FICHA 104 (p. 280) vés da sequência «com grande esforço, penando sobre o pé e
1.1 Existe deambulação geográfica uma vez que Ricardo Reis vai a medida», que remete para o poema «Ponho na altiva mente
a circular pelas ruas de Lisboa, designadamente, pela «Calça- / o fixo esforço». Assim «pé e a medida» remetem para essa
da dos Caetanos». tendência clássica de Reis escrever com regularidade estró-
1.2 A intertextualidade entre José Saramago / Cesário Verde fica e métrica, fazendo uso de linguagem erudita, imitando
verifica-se quer pelo deambulismo, quer pela descrição/ca- odes horacianas.
racterização do espaço da cidade e das pessoas que Reis vai
FICHA 105 (p. 282)
vendo, tudo registado com um olhar crítico (cf. «Num bairro
moderno»). Tal facto pode comprovar-se pelas sequências 1. O triângulo amoroso envolve Ricardo Reis, Lídia e Marcen-
«mais de mil (…) pobres», «esta gente de xale e lenço, de da. Ricardo Reis tem com Lídia uma relação carnal, à mistura
surrobecos remendados, de cotins (…), de alpargatas, tan- com ternura. Quanto a Marcenda, houve beijos e abraços,
tos descalços». nada mais, pois a jovem afastou-se de vez para Coimbra,
1.3 O acontecimento é, de facto, político porque a ditadura or- tendo recusado o pedido de casamento feito por Reis
ganiza «bodos» (sessões públicas de distribuição de roupa, («chega-se infantilmente para ela, pela primeira vez estão
calçado, livros, brinquedos, entre outros) com um impacto ambos nus, depois de tanto tempo, a primavera sempre aca-
social muito grande, pois o povo acorria em massa, o que não bou por chegar, tardou mas talvez aproveite.» e «que carta
era de espantar visto que grande parte da população vivia escreveríamos a uma mulher a quem beijámos»).
miseravelmente. Com este gesto hipócrita de aclamada ca- 2. Lídia é uma mulher do povo, mas não ignorante: é bonita,
ridade, o regime político ganhava adeptos e simpatizantes. asseada e faz da limpeza a sua profissão por amor; é livre e
1.4 A sequência «uma nódoa parda, negra, de lodo malcheiro- por isso se envolve com Ricardo Reis, a quem ama verdadei-
so» contém uma metáfora e uma enumeração, que acaba por ramente; a sua simplicidade não significa ignorância porque
dar forma a uma gradação. Assim, a metáfora está assente ela vê e opina sobre os avanços da ditadura e, movida pelo
em «nódoa», que caracteriza esta multidão esfarrapada e irmão antifascista, conta factos a Reis com a sua própria in-
paupérrima. A enumeração resulta obviamente da descrição terpretação. Sofre porque sabe que o doutor Reis não a teria
dessa nódoa, criando uma gradação, pois o que era uma «nó- como mulher (por ela ser do povo) e sofrerá pelo desgosto da
doa» de cor «parda» passou a ser «negra» e, mais do que isso, morte do irmão. Se realmente teve o filho, não sabemos, mas
«de lodo malcheiroso» (clímax da gradação e nova metáfora). o seu desaparecimento pode significar a sua emancipação.
1.5 Por exemplo: «queira Deus que nunca se extinga a caridade 3. Os alvos da crítica social deste excerto são as vizinhas do
para que não venha a acabar-se a pobreza» (ao fazer este pedi- 1.º e 3.º andares. A sua qualidade de mulheres que vivem so-
do, o narrador quer dizer exatamente o seu contrário). zinhas torna-as curiosas, maledicentes e, no seu «diálogo»,
há sempre «juízo» de valor. Ora, com um novo inquilino há
2.1 O narrador refere membros do povo, individualizados, tais apenas oito dias e já visitado por duas mulheres, está ins-
como homens e mulheres andrajosos (vestidos com farrapos
taurado tema de conversa suficiente. O exemplo máximo da
e roupas velhas), mães com filhos ao colo, pais que se entre-
coscuvilhice é criado pela vizinha do 1.º andar, que se coloca
têm à conversa uns com os outros e idosos doentes expostos
perigosamente em cima de dois bancos sobrepostos para
desumanamente a esta dita «caridade», que mais não é do que
escutar os «ruídos» da cama onde Reis e Lídia se encontram.
exibicionismo e hipocrisia.
4. a) «querem vocês ver que o doutor e a fulana» (linhas 30-
2.2 Em «dia de bodo é o único em que se lhes não deseja a morte, 31). b) «querem vocês ver que o doutor e a fulana, ou quem
por causa do prejuízo que seria.», o narrador está a reproduzir
sabe se afinal não será só o trabalho honrado de virar e bater
livremente (sem marcas de reprodução de discurso direto) as
colchões, embora a uma legítima suspicácia não pareça.» (li-
palavras das famílias que têm os seus idosos para cuidar, que
nhas 30-32) − pensamentos e frases pertencentes à vizinha
são um fardo, à exceção deste dia em que isso significa mais
de baixo, que o narrador incorpora no seu próprio discurso.
presentes caridosos para receber.
c)«Não se viu, mas vai-se ver» (linha 26), que opõe o «deco-
3.1 Tanto D’Artagnan como Camões (cuja estátua Reis está a ver) ro» de uma criada a tomar banho na casa do seu patrão, o que
foram grandes exemplos de guerreiros ao serviço do seu rei, agora vai acontecer com Lídia e Ricardo Reis.
sendo a sua luta de valor e intensidade incalculáveis, ao passo
que Ricardo Reis «dorme, come, passeia, faz um verso por ou- FICHA 106 (p. 294)
tro, com grande esforço». O terceiro é, portanto, muito menos
1. a) F – Neste romance, Saramago elege como herói nacional
trabalhador do que os dois anteriores.
o povo português, trabalhador e desconhecido da História
3.2 A intertextualidade entre José Saramago e Fernando Pessoa Universal.; b) F – O Convento de Mafra nasceu a partir de uma
surge à superfície textual pela referência específica ao ortó- promessa do rei aos franciscanos.; c) F – D. João V quer que o
nimo e seus heterónimos. Em formato de prolepse, o narrador seu convento seja igual à Basílica de São Pedro (Vaticano).;
afirma a razão da fama de Pessoa ortónimo, Ricardo Reis e Ál- d) F – Todo o romance assenta em ironias e sarcasmos que
varo de Campos, a serem para sempre rememorados pela sua servem para criticar a sociedade seiscentista.; e) F – A crítica
escrita e não pelas profissões que cada um teve. religiosa espelha-se, entre outros exemplos, na descrição da
3.3 Ricardo Reis, protagonista deste romance, é um homem «procissão da penitência» (Quaresma) e na procissão do «Cor-
inerte, que não sabe onde está na sua vida, nem o que fazer po de Deus».; f) F – Scarlatti é o coadjuvante das personagens
(tem dúvidas existencialistas), pouco escreve, envolve-se em envolvidas na construção da passarola – Padre Bartolomeu
prazeres carnais livres com uma Lídia, que não é a sua amada Lourenço de Gusmão, Baltasar e Blimunda.; g) F – O local es-
platónica, e deambula, tentando encontrar-se na Lisboa em colhido para a construção do palácio é o Alto da Vela.; h) V;
que agora vive. As únicas semelhanças entre ele e o heteróni- i) V; j) V; k) F – Baltasar nunca recebeu a tença prometida por
mo têm que ver com o nome, a profissão e o facto de ambos serviços militares à pátria, o que prova a presença da crítica
escreverem. As diferenças são abissais, pois Ricardo Reis, o política e social.; l) V; m) V; n) V; o) V; p) F – Esta pedra de már-
heterónimo pessoano, é um homem equilibrado, racional, epi- more era gigantesca e muito difícil de transportar.; q) V; r) F – Os

437
PREPARAR O EXAME NACIONAL

mafrenses pensam que a passarola é o Espírito Santo a sobre- nos até, em que esteve envolvida a construção do convento.
voar o espaço da construção.; s) V; t) F – Tendo desaparecido Ela é uma espécie de ponto máximo do esforço e da injustiça
Baltasar, Blimunda procura-o durante nove anos e encontra-o inerentes à incumbência atribuída a trabalhadores escraviza-
num auto de fé (a ser queimado), condenado pelo Santo Ofício.; dos e forçados a pôr em prática um capricho de D. João V.
u) V. 3. As personagens humanas aqui mencionadas incluem Baltasar,
«muitos homens que tinham de ir também para as ajudas» e o
FICHA 107 (p. 296) homem do acidente. A relação entre humanos é de total traba-
1.1 A ironia surge a partir da frase «Comendo pouco purificam-se lho de equipa e entreajuda, como se fossem um só, porque so-
os humores, sofrendo alguma coisa escovam-se as costuras mente a força conjugada de todos pode arrastar semelhante
da alma.», que se apoia no jejum e abstinência, típicos sacri- «brutidão de mármore».
fícios da Quaresma. Cada um destes sacrifícios é descrito de 4. O incidente com este homem, cujo pé foi atingido pela pedra a
forma irónica, pois Saramago crê no preciso oposto da afirma- deslizar, assume-se, por metonímia, como denúncia de todos
ção que profere. O uso do imperativo «maceremo-la» é irónico os outros acidentes que a construção de edifícios e monumen-
por ser um convite que objetiva, na verdade, o seu contrário. tos portugueses e mundiais causou e que são desconhecidos
1.2 A reprodução do discurso no discurso dá-se na frase «Cas- do mundo.
tigámos a carne pelo jejum, maceremo-la agora pelo açoite.», 5. Trata-se de uma comparação entre o carro que vai transpor-
eventualmente proferida por um dos clérigos que orientam o tar a pedra e uma nau das Descobertas; com esta associação
povo (e pelos próprios membros do povo) durante o período Saramago consegue atribuir tanta grandeza à construção do
quaresmal. Esta frase é inserida no discurso do narrador. convento, como a grandeza sempre dada à descoberta de
1.3 A metáfora presente em «as costuras da alma», literalmente mundos ultramarinos.
impossível dada a natureza espiritual da alma e o concreto de 6. a) enumeração: que confirma o momento de preparação para
«costuras», cria uma imagem simbólica do que é a penitência – a deslocação da pedra e também a sua natureza colossal (à
correção da alma, por sacrifício do corpo. medida de um rei que quer uma nova versão da Basílica de S.
2. Na procissão vão os que cumprem promessas: «penitentes», Pedro – Vaticano); b) metáfora («brutidão» é abstração não
os clérigos, «frades», «bispo», «padres», seguindo-se «confra- concretizável em tipo de pedra): está ao serviço da descrição
rias e irmandades» e «um acólito balouça o incensório». A es- da pedra como colossal e objeto de trabalho bruto.
tes se juntam os que observam a passagem da procissão: «ho-
mens e mulheres». Da referida procissão fazem parte também
as imagens «da Virgem e do Crucificado» e as dos «andores». Leitura e Escrita
2.1 Os «penitentes» cumprem as suas promessas e começam
a procissão; o bispo abençoa (com o sinal da cruz) todos por FICHA 109 (p. 312)
quem passa; acólitos provavelmente seguram o pálio, além do 1. (A); 2. (C); 3. (A); 4. (D); 5. (A); 6. (C); 7. (A).
incensório; os restantes consagrados e membros das «confra-
8. «que» – pronome relativo.
rias» e «irmandades» seguem cada um na sua ordem. Quanto
ao povo que assiste, vemos a desordem total e a falta de fé 9. Coesão interfrásica (frases ligadas por uma relação de conti-
porque, apesar de se ajoelharem diante da custódia que leva o nuidade).
Santíssimo Sacramento, «arranham a cara uns, arrepelam-se 10. Oração subordinada adjetiva relativa restritiva.
outros, dão-se bofetões todos».
3. Descrita a pompa e circunstância desta procissão, que sim- FICHA 110 (p. 314)
boliza o sacrifício quaresmal como antecedente e necessário 1. (C); 2. (D); 3. (C); 4. (B); 5. (A); 6. (D); 7. (B).
à vivência pascal, esta procissão representa o início dos mo- 8. Modificador restritivo do nome.
mentos essenciais do calendário litúrgico – a Paixão, Morte
9. Oração subordinada substantiva completiva.
e Ressurreição de Jesus Cristo. Ora, o narrador escolhe este
exemplo máximo da liturgia cristã para o descrever e a ele se 10. «a impossibilidade de imitar o grande modelo».
referir criticamente/ironicamente. Daí que ele seja o meio para
toda a dimensão crítica religiosa de Memorial do Convento. FICHA 111 (p. 316)
4. Referindo-se já à Quinta-Feira da Ascensão do Senhor, após a 1. (B); 2. (B); 3. (D); 4. (B); 5. (A); 6. (C); 7. (A).
Ressurreição/Páscoa, o narrador reflete sobre o facto de os 8. Complemento direto.
«pássaros» serem uma boa ajuda para levar as «preces» ao 9. «deambulismo» – nome comum; «sem» – preposição (simples);
céu», tomando o céu como um lugar apenas físico na atmos- «pelo» – preposição «por» contraída com determinante arti-
fera. Depois, afirma «talvez se nos calássemos todos», o que go definido, masculino, singular «-o»; «inexaurível» – adjetivo
remete para um juízo de valor sobre a ilogicidade da crença e a qualificativo.
necessidade de a calar.
10. «impressão».
FICHA 108 (p. 298)
1. O título Memorial do Convento é, antes de mais, uma compila- Gramática
ção de trabalhos e trabalhadores do povo envolvidos na cons-
trução do convento, os quais a História persiste em esquecer, FICHA 111 a 115 (pp. 318-321)
lembrando apenas quem o mandou construir, qual foi o arquite-
to, quem o habitou, como se o trabalho da construção fosse me- Várias respostas são possíveis, desde que respeitadas as regras
nosprezável. Por isso mesmo, o excerto mostra, em pormenor, de construção de cada texto.
Baltasar e todos os trabalhadores recrutados para transportar,
porventura, a maior pedra deste edifício colossal – isto, sim, é FICHA 116 (p. 346)
um «memorial» dos que tornaram pedras uma obra magnânima. 1. a) epêntese; b) síncope; c) sonorização; d) sonorização; e)
2. Esta «pedra de Pero Pinheiro», quer pela sua grandeza e peso, apócope; f) palatalização; g) palatalização; h) assimilação; i)
quer pela dificuldade (e perigo) em ser transportada, é um sím- palatalização; j) apócope; k) palatalização; l) sinérese; m) vo-
bolo clarividente de todos os trabalhos esforçados, desuma- calização; n) crase; o) redução vocálica.

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PORTUGUÊS 12.o ANO

2. a) palavras divergentes; b) palavras convergentes; c) palavras FICHA 118 (p. 349)


divergentes; d) palavras convergentes; e) palavras divergen-
1. a) «tinham encontrado» – pretérito mais-que-perfeito com-
tes; f) palavras divergentes; g) palavras convergentes; h)
posto do indicativo (3.ª pessoa do plural). b) «queria» – pre-
palavras convergentes; i) palavras convergentes; j) palavras
térito imperfeito do indicativo (3.ª pessoa do singular); «ace-
convergentes.
lerassem» – pretérito imperfeito do conjuntivo (3.ª pessoa
do plural); «decorresse» – pretérito imperfeito do conjuntivo
FICHA 117 (p. 347) (3.ª pessoa do singular). c) «tivessem denunciado» – pretérito
1.1 «segunda» – quantificador numeral. mais-que-perfeito do conjuntivo (3.ª pessoa do plural); «esta-
vam» – pretérito imperfeito do indicativo (3.ª pessoa do plural);
1.2 «no» – preposição «em» contraída com determinante artigo
«iria» – condicional (3.ª pessoa do singular). d) «encontrarem»
definido, masculino, singular («o»); «depois» – advérbio conec-
– futuro do conjuntivo (3.ª pessoa do plural); «terão» – futuro
tivo.
simples do indicativo (3.ª pessoa do plural). e) «há» – presente
1.3 «Mafra» – nome próprio; «muito» – advérbio de quantidade/ do indicativo (3.ª pessoa do singular). f) «procurara» – pretérito
grau. mais-que-perfeito simples do indicativo (3.ª pessoa do singu-
1.4 «inclusivamente» – advérbio de inclusão. lar). g) «tocardes» – futuro do conjuntivo (2.ª pessoa do plural);
1.5 «igreja» – nome comum; «porquê» – advérbio interrogativo. «oferecer-vos-ei» – futuro simples do indicativo (1.ª pessoa
do singular). h) «Vem!» – imperativo (2.ª pessoa do singular).
1.6 «onde» – advérbio relativo.
i) «reafirmado» –particípio passado (forma não finita); «im-
1.7 «Enquanto» – conjunção subordinativa temporal; «com» – portando» – gerúndio (forma não finita). j) «desistir» – infini-
preposição simples); «desesperança» – nome comum. tivo impessoal.
1.8 «Nem… nem» – locução conjuncional coordenativa copulativa. 2. a) pretérito mais-que-perfeito composto do conjuntivo (1.ª
1.9 «nem» – conjunção coordenativa copulativa. pessoa do plural). b) pretérito perfeito simples do indicativo
1.10 «seu» – determinante possessivo; «que» – conjunção subor- (2.ª pessoa do plural). c) condicional composto (1.ª pessoa do
dinativa consecutiva. plural). d) condicional simples (3.ª pessoa do plural). e) futuro
(simples) do conjuntivo (2.ª pessoa do plural)/infinitivo pes-
1.11 «se» – conjunção subordinativa condicional.
soal. f) presente do conjuntivo (1.ª pessoa do plural). g) preté-
1.12 «perguntou» – forma do verbo principal transitivo direto e in- rito mais-que-perfeito (simples) do indicativo (1.ª pessoa do
direto «perguntar», pretérito perfeito do indicativo (3.ª pessoa plural). h) futuro (simples) do indicativo (1.ª pessoa do singu-
do singular); «se» – conjunção subordinativa completiva. lar). i) condicional simples (2.ª pessoa do plural). j) pretérito
1.13 «Ó» – interjeições (eventualmente de invocação/chamamento). imperfeito do conjuntivo (1.ª pessoa do plural). k) gerúndio.
1.14 «Assim que» – locução conjuncional subordinativa temporal; l) presente do conjuntivo (2.ª pessoa do singular). m) preté-
«se» – pronome pessoal átono; «que» – conjunção subordinati- rito perfeito composto do conjuntivo (3.ª pessoa do plural).
va completiva. n) gerúndio (composto). o) infinitivo impessoal/pessoal (1.ª
ou 3.ª pessoa do singular)/futuro do conjuntivo (1.ª ou 3.ª pes-
1.15 «dupla» – adjetivo numeral.
soa do singular). p) infinitivo pessoal/futuro do conjuntivo (1.ª
1.16 «construção» – nome comum; «destruiu» – forma do verbo pessoa do plural). q) pretérito imperfeito do indicativo (3.ª
principal transitivo direto «destruir», pretérito perfeito sim- pessoa do plural). r) pretérito mais-que-perfeito (composto)
ples do indicativo (3.ª pessoa do singular). do indicativo (2.ª pessoa do singular). s) pretérito perfeito
1.17 «Depois de» – locução adverbial conectiva; «ter» – verbo au- (composto) do indicativo (1.ª pessoa do plural).
xiliar de tempo composto; «reencontrado» – verbo principal
(encontrar) no particípio passado. FICHA 119 (p. 350)
1.18 «bastante» – advérbio de quantidade. 1. a) derivação não-afixal; b) derivação por conversão (ou deriva-
1.19 «menina» – nome comum; «sem» – preposição (simples); ção imprópria); c) derivação afixal por prefixação; d) deriva-
«para» – preposição (simples). ção afixal por prefixação e sufixação; e) derivação afixal por
1.20 «é» – verbo principal copulativo, presente do indicativo (3.ª parassíntese; f) acrónimo; g) empréstimo; h) sigla; i) trunca-
pessoa do singular); «a» – preposição (simples). ção; j) amálgama.
1.21 «do» – preposição «de» contraída com determinante artigo 2. a) morfológica; b) morfológica; c) morfossintática; d) morfos-
sintática; e) morfossintática; f) morfológica; g) morfossintáti-
definido «-o»; «que» – pronome relativo.
ca; h) morfossintática; i) morfológica; j) morfológica.
1.22 «naus» – nome comum; «mas» – conjunção coordenativa ad-
versativa.
3. a) convento – holónimo; claustros, basílica, colunas, portas, sa-
las, tetos – merónimos; b) textos – hiperónimo; poemas, con-
1.23 «nossa» – determinante possessivo. tos, romances, textos dramáticos – hipónimos; c) livro – ho-
1.24 «sua» – determinante possessivo; «nossa» – pronome pos- lónimo; lombada, páginas, capa – merónimos; d) incompletude
sessivo. / plenitude – antónimos; e) destreza / agilidade – sinónimos.
1.25 «com» – preposição (simples); «dignidade» – nome comum. 4. a) campo lexical; b) campo semântico; c) campo lexical.
1.26 «porque» – conjunção subordinativa causal; «aí» – advérbio FICHA 120 (p. 351)
de lugar; «em»cpreposição simples.
1.27 «quando» – conjunção subordinativa temporal; «trovadores- 1. a) oração coordenada copulativa; b) oração coordenada adver-
ca» – adjetivo qualificativo. sativa; c) oração subordinada adverbial final; d) oração subor-
dinada adverbial temporal; e) oração subordinada substantiva
1.28 «aquela» – determinante demonstrativo; «tão» – advérbio de completiva; f) oração subordinada substantiva relativa sem
quantidade/grau; «todos» – pronome indefinido; «que» – con-
antecedente; g) oração subordinada adjetiva relativa explica-
junção subordinativa completiva.
tiva; h) oração subordinada adjetiva relativa restritiva; i) ora-
1.29 «Certas» – determinante indefinido; «que» – pronome rela- ção subordinada adverbial concessiva; j) oração coordenada
tivo. conclusiva; k) oração coordenada conclusiva; l) oração subor-
1.30 «não só… mas também» – locução coordenativa copulativa. dinada adverbial consecutiva; m) oração subordinada subs-

439
PREPARAR O EXAME NACIONAL

tantiva completiva; n) oração subordinada adverbial temporal; cial por elipse («É a Hora!», no contexto em que ocorre, pode sig-
o) oração subordinada adverbial final. nificar «É a Hora de ter resultados brilhantes!»).

FICHA 121 (p. 352) FICHA 124 (p. 356)


1. a) «Os habitantes de Alcaria e Batola» – sujeito (composto); 1. a) pessoal (flexão verbal «queremos) e temporal («no presen-
«entusiasmados» – predicativo do sujeito; b) «a sua angús- te» e «no futuro»); b) espacial; c) temporal (locução adverbial
tia» – complemento direto; c) «das viagens» – complemento «logo à tarde») e pessoal (determinante possessivo de 2.a
oblíquo, d) «pela ceifeira» – complemento agente da passiva; e) pessoa); d) temporal (locução temporal «antes de» e flexão
«a máquina» – complemento direto; «sua musa» – predicativo de tempo verbal (no imperfeito)); e) temporal (flexão verbal);
do complemento direto; f) «de Manuel Alegre» – complemento f) pessoal e temporal (flexão verbal: morfemas de tempos
do nome; g) «da viagem marítima» – complemento do advér- verbais e de 1.ª pessoa) nos dois casos; g) espacial (deter-
bio; h) «de vestidos transparentes» – modificador restritivo minante demonstrativo); h) temporal (morfema de pretérito
do nome; «bem» – modificador; i) «Blimunda» – sujeito (sim- imperfeito); i) pessoal (pronome pessoal) e temporal (locução
ples); «por recolher vontades» – complemento do adjetivo; temporal); j) temporal, nos dois primeiros casos (expressões
j) «que nós lemos» – modificador restritivo do nome; k) «As de valor temporal) e espacial, no terceiro caso (expressão de
especiarias e a caxemira» – sujeito (composto); «da Índia» – valor espacial).
complemento oblíquo; l) «do exílio injusto» – complemento do
advérbio; m) «poeta multifacetado» – modificador apositivo FICHA 125 (p. 357)
do nome; n) «que os ricos eram sovinas» – complemento dire- 1. a) reprodução do discurso da personagem por meio do nar-
to; o) «Quem lê Mário de Carvalho» – sujeito; p) «a quem lhos rador; b) não há reprodução do discurso no discurso – a
pedisse» – complemento indireto. sequência é descritiva; c) reprodução do discurso direto do
empregado à vendedeira, com as respetivas aspas; d) não há
FICHA 122 (p. 353) reprodução do discurso no discurso – a sequência é narrativa
1. a) relação de posterioridade; b) relação de simultaneidade; c) (indica a data) e maioritariamente descritiva; e) reprodução do
relação de anterioridade. discurso dos jornais, mais nova reprodução do pensamento de
2. a) valor imperfetivo (verbo no pretérito imperfeito, «havia»); Reis (que andava a ler um livro irlandês sobre um tabuleiro de
b) valor genérico (verbo «estar» no presente do indicativo); c) xadrez aplicado à vida).
valor habitual (advérbio «habitualmente»); d) valor perfetivo
(verbo no pretérito perfeito).
FICHA 126 (p. 358)
3. a) modalidade epistémica (valor de certeza); recurso: verbo 1. Excerto 1 – sequência dialogal; excerto 2 – sequência argu-
«confessar» no presente do indicativo; b) modalidade deôn- mentativa; excerto 3 – sequência narrativa; excerto 4 – se-
tica (valor de obrigação); recursos: verbo «dever» e ponto de quência descritiva; excerto 5 – sequência explicativa.
exclamação; c) modalidade apreciativa; recurso: advérbio «fe-
lizmente»; d) modalidade epistémica (valor de probabilidade);
FICHA 127 (p. 360)
recurso: expressão «é possível». 1. Excerto 1 – paródia do discurso bíblico, no sentido do gozo/
sarcasmo; excerto 2 – alusão a um auto de fé, aquele em que
FICHA 123 (p. 354) ardeu Baltasar; excerto 3 – citação da frase dita por Mussolini;
COERÊNCIA excerto 4 – paráfrase das palavras de um autor de artigo de
jornal (Pacheco) por meio das palavras do narrador.
1. Coerência lógico-conceptual (Padre António Vieira é relevan-
te, não se contradiz, não é redundante, antes usando estraté-
gias retóricas de manutenção de um mesmo raciocínio lógico);
coerência pragmático-funcional (Padre António Vieira sele-
Provas-modelo
ciona entidades, espaços e tempos que o envolvem a si mes- PROVA-MODELO 1 (p. 362)
mo, como locutor, e aos seus ouvintes, interlocutores).
2. a) Coerência lógico-conceptual (não-contradição); b) coerên- GRUPO I • A
cia lógico-conceptual (relevância); c) coerência pragmático- 1. O conteúdo destas linhas revela-nos um Bernardo Soares que
-funcional (registo de língua totalmente desadequado ao con- vive do sonho, que desenha todo um mundo só seu («um mun-
texto objetivo e formal de jornalismo de informação). do falso», «um Portugal dentro de mim»), todo dentro da sua
«imaginação», com cenários e «figuras constantes e vivas».
COESÃO Tais «figuras» são bem definidas e independentes, como se
1. a) coesão interfrásica (ideias em contraste por meio de orações pode ler em «Tenho um mundo de amigos dentro de mim, com
pelo uso do conector); b) coesão lexical por hiperonímia e hipo- vidas próprias, reais, definidas e imperfeitas» (linhas 10-11).
nímia («cidade» é hiperónimo do hipónimo «avenida»); c) coesão As sensações que advêm deste mundo são puramente felizes,
lexical por reiteração (repetição de «mundo»); d) coesão frásica luminosas, brilhantes e plenas − «quando sonho isto, e me vi-
(concordância sujeito e verbo, ordenação das palavras na fra- siono encontrando-os, todo eu me alegro, me realizo, me pulo,
se, presença dos complementos do verbo); e) coesão tempo- brilham-me os olhos, abro os braços e tenho uma felicidade
ral (pela ordenação correlativa dos tempos verbais); f) coesão enorme, real, incomparável.» (linhas 17-19)
temporal (pela ordenação correlativa dos tempos verbais); g) 2. Este outro tipo de sonho não é só fruto da sua «imaginação»,
coesão lexical por reiteração («mês»); h) coesão referencial por tem origem na realidade que Soares vê e recorda; é a partir da
anáfora («ele» é referente anafórico de «último ano»); i) coesão sua perceção do real que ele o transfigura poeticamente, como
interfrásica (frases/ideias em contraste pelo uso do conector); verificamos em «Há também as paisagens e as vidas que não
j) coesão referencial por anáfora (o pronome «o» refere-se a foram inteiramente interiores.» (linha 20). Tais «paisagens» e
«desconhecido»); k) coesão referencial por elipse («Amava.» − «vidas» de «certos quadros» ou «oleogravuras» que adorna-
«os seus livros de Pintura» ou a degustação d’«os seus livros de vam as casas por onde passou e agora «passaram a realidade
Pintura»); l) e m) coesão referencial por hiperonímia / hiponímia dentro de mim.» Os efeitos sentimentais deste novo sonhar
(«Impressionismo» e «Surrealismo» são hipónimos do hiperóni- eram de tristeza e impotência, como o próprio o afirma: «Aqui
mo «Pintura»); n) e o) coesão lexical por sinonímia («imaginário» a sensação era outra, mais pungente e triste.» (linhas 22-23).
e «mental» são, neste contexto, sinónimos); p) coesão referen- E, em seguida, explica-se: «Ardia-me não poder estar ali, quer

440
PORTUGUÊS 12.o ANO

eles fossem reais ou não. Não ser eu, ao menos, uma figura a Estas são duas formas de sentir, tão próprias e tão caracte-
mais desenhada ao pé daquele bosque, ao luar que havia numa rizadoras de cada um destes heterónimos.
pequena gravura dum quarto onde dormi já não em pequeno!»
(linhas 23-25). Esta última frase é a prova de que ele poetiza GRUPO II
a realidade visual, inserindo-se nela. E conclui, escrevendo 1. (C); 2. (D); 3. (D); 4. (A); 5. (A).
«Aqui o não poder sonhar inteiramente doía-me.» (linha 28). 6. Complemento oblíquo.
Se a realidade puramente sonhada o completa e lhe traz felici- 7. «direitos mais básicos».
dade, porque tudo cria e comanda, pelo contrário, a realidade
imaginada frustra-o e entristece-o, porque nela ele não poder GRUPO III
ser «figura», não pode apropriar-se totalmente dela nem co- Efetivamente, «cultura» pode ser tomada no seu sentido abran-
mandá-la como lhe apetece. gente, envolvendo, entre outros, educação, literacia, leitura de
3. O «paraíso feito disto» é nada menos do que um mundo com imprensa para informação sobre o país e o mundo e ainda cultura
«sentido em Deus» onde Bernardo Soares atue como quer dos sentidos − estética/artística. Se todo um povo for esclareci-
(«conforme o espírito de meus desejos»). Esta frase surge sob do e informado, opina, toma posição face a si mesmo e aos outros.
a forma de desejo, o que mostra a impossibilidade de se con- A História Universal é plena de acontecimentos que o provam.
cretizar, logo deixa o sujeito aquém do que queria viver e sentir Ocorrem-me dois casos: a ditadura chinesa atual e a ditadura sa-
plenamente. lazarista.
4. Ainda que seja apenas ao nível do desejo do sujeito, a verdade No caso chinês, a ditadura é opressora e conservadora. Repare-
é que ele anseia ser imaginariamente parte de um quadro que, -se como estudos e programas televisivos mostram a população
de facto, havia num seu quarto. Deste modo, o que surge à su- em geral. Frequentemente analfabetos, os populares vivem po-
perfície textual é essa associação do que é real (o quadro) com bremente da agricultura, ocupando a sua mente com a exclusiva
o que é transfigurado (a sua pertença ao mesmo). necessidade de sobrevivência. Vemos reportagens em que os po-
pulares se revelam alheios ao que se passa na capital e no mundo,
GRUPO I • B ignorantes quanto a ideologias. O regime, esse, preocupa-se com
5. A angústia existencial de Antero sobressai imediatamente em a conveniência de assim continuar a ser para poder monopolizar
dois momentos do soneto: o título − «No turbilhão» (confu- o país a seu gosto.
são violenta) − e a última interrogação retórica − «e quem sou No que se refere à ditadura salazarista, veja-se a similitude. To-
eu?!...». Entre este principiar e terminar, desenvolve-se todo o memos o «Livro Único» e o prosseguimento de estudos universi-
poema, como uma explicação e concretização. Desta forma, o tários. O primeiro instaurava a proeminência da ideologia «Deus,
sujeito poético vê «espectros dos meus próprios pensamen- Pátria, Família», fechando a população à obediência a um só cre-
tos», ou seja, puras alegorias do pensamento, «donde saem do, ao seu líder déspota/autoritário e à vida rural fechada. Con-
gritos e lamentos», aqui plasmada a insatisfação contínua da sideremos o caso de Sophia de Mello Breyner, Mário Soares ou
existência humana, e «fantasmas de mim mesmo e da minha Manuel Alegre. Como os tratou o regime fascista? Com aversão e
alma», uma espécie de despersonalização que o atormenta perseguição (pela PIDE) que resultou, não raro, no exílio − porque
e lhe causa dúvidas sobre quem é ele. A apóstrofe «meus ir- eram cultos, sabiam, logo, opinavam e lutavam contra a escrava-
mãos, meus algozes» instaura um contexto em que essas suas tura, pela liberdade.
«visões» espectrais o vão matando interiormente, o que está
provado pela seleção do nome «algozes». PROVA-MODELO 2 (p. 368)
6. No Texto A, o sonho inteiramente imaginado e vivido por GRUPO I • A
Bernardo Soares é rico, variado, preenchido de cenários e
pessoas. Ora, ao participar de todas essas imagens e reali-
1. «Nevoeiro» confirma, por um lado, a natureza épica da obra
porque trata de um país – Portugal − cujo poder descobridor
dades interiores, o sujeito sente-se feliz, luminoso, brilhante
do passado afetou o mundo, sendo, portanto, de interesse
e completo. Porém, o sonho no Texto B é espaço povoado de
«visões», «espectros» e «fantasmas» em «Turbilhão», «Leva- universal. Esta ideia é confirmada pela seleção de vocábulos
dos na onda turva do escarcéu». Estes em nada contribuem relativos à História Portuguesa, tais como «rei», «lei», «paz»,
para a paz e a felicidade interiores do sujeito poético, antes «guerra», «Portugal». Por outro lado, o lirismo é demonstrado
o atormentam mortalmente, como «visões misérrimas e pela caracterização desse país na atualidade de Pessoa, ou
atrozes». Todavia, existe uma semelhança evidente entre os seja, estando envolto em «nevoeiro», o poeta contempla-o
dois: tanto Bernardo Soares como Antero de Quental perce- com tristeza e um tom de lamento (aqui está a verbalização lí-
cionam as «figuras» e «visões» interiores de forma inequívo- rica de sentimentos), como se lê em «Este fulgor baço da terra
ca, com os contornos bem definidos, como se pode compro- / Que é Portugal a entristecer».
var, respetivamente, pelas sequências «com vidas próprias, 2. É pela personificação insaturada na sequência «Portugal a
reais, definidas» (Soares) e «Distingo-lhes, a espaços, as entristecer» que percebemos ser o país alvo de decadência.
feições» (Quental). Se esta afirmação é introdutória, as várias antíteses e para-
doxos vão surtir o efeito de explicação e concretização desse
GRUPO I • C «entristecer» e respetiva decadência. Consideremos primei-
7. Alberto Caeiro e Ricardo Reis têm visões do mundo muito di- ramente as antíteses presentes em «nem paz nem guerra»,
ferentes. Se, por um lado, Caeiro defende o primado das sen- «Nem o que é mal nem o que é bem», «ânsia distante perto
sações, isto é, o sentir naturalmente tudo o que a Natureza chora» e «disperso» / «inteiro». Elas estão ao serviço dessa
tem para oferecer, sem pensar no devir, apenas no presente; contradição de sentimentos e da falta de visibilidade para com
Reis dedica tempo e racionalismo à perspetivação da Vida e o futuro (acompanhados pela presença do «Nevoeiro»). Reco-
do seu passar. O poeta clássico defende o ‘carpe diem’ típico nhecidas essas incertezas e sentimentos antitéticos, Pessoa
da vivência tranquila do curso da vida (estoicismo), mas com a vai mais longe e traz à superfície textual paradoxos que espe-
consciência plena da sua brevidade e efemeridade. lham as contradições internas de um Povo que já foi grande e
Caeiro prefere não fazer interpretações da realidade («Pen- agora está inerte e inseguro. Vejamos as sequências exempli-
sar uma flor é vê-la e cheirá-la»); Reis, pensando sobre a du- ficativas: «fulgor baço da terra» (se existe brilho, então ele de-
ração curta do que é terreno, opta por convidar a amada a veria ser iluminador, não «baço»); «brilho sem luz e sem arder»
partilhar um momento de amor sereno («Vem sentar-te co- (novamente a ilogicidade de um «brilho» invisível) e «Ninguém
migo, Lídia, à beira do rio»), sempre ciente do seu fim. conhece que alma tem» (a «alma» pode ser entendida não só

441
PREPARAR O EXAME NACIONAL

como o interior de cada português, mas o sentimento de poder todos os credos porque todos eles professam o bem humano e
já demonstrado pelos feitos históricos do passado). Em sínte- superior/divino.
se, considerando «Portugal» como uma pessoa, o poema apre- Atentemos em dois exemplos que ilustram esta «globalização
senta-no-lo com os seus respetivos sentimentos envolvidos da indiferença» e em que urgem alterações mentais e compor-
em contradição e incerteza. tamentais: os sem-abrigo em grandes cidades desenvolvidas e o
3. Funcionam como uma síntese do poema e também como um trabalho infantil na Ásia.
ponto de partida para o futuro. A metáfora em «hoje és ne- De visita a Lisboa, como a Paris ou a Nova Iorque, a Roma ou
voeiro» congrega em si toda a caracterização feita do nosso a Frankfurt, cidades onde o contemporâneo impera, no que tal
país até aqui e não deixa dúvidas: Portugal está num marasmo, tem de riqueza, urbanidade e ciência, basta baixarmos os olhos
ou seja, parado e sem objetivos definidos. O referido ponto de ao nível do chão: lá estão sentados homens e mulheres cujo
partida é conseguido a partir da afirmação «É a Hora!», cuja olhar denuncia a perda do sentido de vida. O que faz o cidadão
maiúscula prova a certeza que Pessoa tem de ser este o preci- global? Olha, não vê, e segue adiante. A indiferença prevaleceu.
so (e precioso) momento em que Portugal volte a ser poderoso Por outro lado, todos envergamos (ao menos uma vez) peças de
e se encaminhe para a concretização de novos e futuros feitos vestuário ou calçado comprado em multinacionais que rivalizam
grandiosos. quanto a preços baixíssimos, como a Zara, a Primark, a Nike. Se
olharmos as etiquetas, vemos o famoso «Made in», normalmente
4. A repetição do pronome está ao serviço da intensificação
acrescido de «China», «Índia», «Taiwan», «Bangladesh». Olhamos,
da ideia de marasmo e apatia que, segundo o poeta, tão bem
sim, mas compramos porque é barato. Barato porque, provavel-
caracterizam o estado de Portugal e dos portugueses do seu
mente, foi trabalhado por mão-de-obra infantil e mal paga ou
tempo, o início do século XX.
escravizada. Mesmo assim, compramos. Cada cêntimo pago na
GRUPO I • B caixa aumenta a nossa indiferença, escandalosa porque global.
5. As apóstrofes presentificam o interlocutor direto, já previsto
no título: o «Poeta». Assim, temo-lo caracterizado como «Tu PROVA-MODELO 3 (p. 373)
que dormes, espírito sereno,», «soldado do Futuro» e «Sonha- GRUPO I • A
dor». Esse «Poeta» é, pela sua natureza essencial, «espírito», 1. A deambulação geográfica é encetada pela primeira sequên-
«soldado» e «Sonhador», concentrando competências e po- cia do excerto «Agora, sai, urbanamente deu as boas-tardes»:
deres espirituais, militares e imaginativos/criativos. Eis, pois, Ricardo Reis saiu de casa e vai circular pela cidade, registando
o epicentro do poema – o poeta criador que ajuda ao avançar com o seu olhar os sítios por onde passa. Por isto mesmo, se
do seu tempo. Tais apóstrofes, sobretudo «espírito sereno», seguem informações sobre o seu itinerário, tais como «Rua
mostram-no-lo como inerte, como alguém alheado que ignora dos Correeiros», «Praça da Figueira», «Ricardo Reis rodeou a
os seus poderes e «dorme». Por isso mesmo, surgem os ver- praça pelo sul, entrou na Rua dos Douradores», «monótonas
bos no imperativo, pois que consubstanciam pedidos, quase cantarias prolongando-se pelo enfiamento da rua» e «Rua da
ordens, para que o poeta desperte e use das suas qualidades Conceição».
para lutar e alcançar o «Futuro» e os «raios de luz do sonho
2. A cidade por onde se movimenta Reis é a Lisboa dos anos 30
puro», porventura, espelhos do Ideal («Acorda!», «Escuta!»,
do século XX, por conseguinte as referências às infraestru-
«Ergue-te» e «faze espada de combate!»).
turas e materiais urbanos são prova da contemporaneidade.
6. Nos dois poemas, o tempo atual está imerso em sonolência Consideremo-las: «grande babilónia de ferro e vidro», «banca-
e quietude, que são desvantajosas para Portugal e para os das», «ruas interiores», «agulheta», «piaçabas», «um arrastar
portugueses. De igual modo, este mesmo tempo é, segundo metálico», «um prédio», «gás», «lápis de tinta», «a rua está
Pessoa e Antero, o momento propício e certo para o renascer calçada de pedra grossa» e «rodados metálicos das carroças».
da luta (feita pelo «Poeta» ou por «Portugal») por um futuro Os metais, o ferro, o vidro, o gás, os prédios e restantes mate-
melhor («É a Hora!»; «Sonhador, faze espada de combate!»). riais confirmam algumas das características da Modernidade
e Álvaro de Campos se materializa através de duas caracte- (tão bem cantada pelo futurista Álvaro de Campos). Apesar
rísticas: a primeira é o louvor pela máquina e a segunda é o de- disso, a urbanidade tem ainda alguns traços de natureza aldeã,
signado arrebatamento do canto, ou seja, a vontade de sentir concretizada nas «carroças», nos vegetais e animais − «couve
tudo o que o rodeia de maneira intensa e total. esmagada», «excrementos de coelho», «penas de galinha es-
Em suma, quer do ponto de vista do conteúdo, quer do da caldadas» −, que pincelam casas e lojas. Tudo isto resulta numa
forma linguística e textual, estamos em condições de teste- «atmosfera composta de mil cheiros intensos», fruto da con-
munhar a presença na poesia de Campos do atual e moderno fluência do urbano e do rural.
desse início do século XX. 3. Por meio deste excerto, percebemos que Saramago é um lei-
tor de Cesário Verde, pois um e outro caminham pela cidade,
GRUPO II retendo no seu olhar cenários e personagens, contemplados
1. (B); 2. (A); 3. (B); 4. (D); 5. (C). criticamente. As várias enumerações (típicas dos dois auto-
6. Predicativo do sujeito. res) revelam pormenores que especificam a cidade e os citadi-
7. Oração subordinada adjetiva relativa restritiva. nos, com a diferença de que na escrita saramaguiana a enume-
ração assenta maioritariamente em vírgulas. Leiamos o texto:
GRUPO III «Respira-se uma atmosfera composta de mil cheiros intensos,
«Globalização da indiferença» chama à atenção para a suprema- a couve esmagada e murcha, a excrementos de coelho, a penas
cia do egoísmo e do fechamento de cada indivíduo aos outros. de galinha escaldadas, a sangue, a pele esfolada.». Neste caso,
O problema agudiza-se porque se expande ao planeta que habi- registam-se sensações olfativas e visuais. Em «A rua está cal-
tamos. O Papa Francisco tem a mundividência suficiente para o çada de pedra grossa, irregular, é um basalto quase preto onde
afirmar com propriedade em qualquer evento público, no Vatica- saltam os rodados metálicos das carroças e onde, em tempo
no como em qualquer parte do mundo. Porque o faz? Creio que seco, não este, ferem lume as ferraduras das muares quando
não para denunciar simplesmente um problema gravíssimo, mas o arrasto da carga passa as marcas e a forças.», Reis concen-
para encorajar os povos, sobretudo dos países ditos «desenvol- tra-se nos materiais da calçada, bem como nas «carroças» e
vidos», a solucionar o dito problema, alterando comportamentos «muares», o que confere movimento e completa o cenário per-
e padrões de vida. Estará esta afirmação circunscrita à fé e a cecionado. Acresce dizer que num excerto de 23 linhas exis-
religiões cristãs? Não me parece, de todo. Pelo contrário, atinge tem apenas 5 frases (pontuadas com ponto final), contendo

442
PORTUGUÊS 12.o ANO

pequenas pausas conseguidas por meio das vírgulas. Note-se GRUPO III
também que a frase iniciada na linha 8 só será terminada na Para apreciar a escrita original de um poeta ou romancista, temos
linha 20. de saber falar a sua língua. Para sabermos apreciar Pintura, Es-
4. A metáfora associa inesperadamente a rua ao basalto pro- cultura, Arquitetura, precisamos de possuir algumas noções teó-
priamente dito («é um basalto»), ou seja, a sua caracteriza- ricas. Para sabermos compreender uma peça de teatro ou um fil-
ção resume-se à cor deste tipo de pedra (com a qual está me (sem legendas ou dobragens), precisamos de dominar a língua.
«calçada») – o negro. Ao fazer sobressair tal negrura, o au- Todavia, para fruirmos um concerto de música basta sentirmo-la
tor consegue enfatizar a ideia de sujidade e escuridão desta com os sentidos. Com aquilo que nos é agradável ou ruidoso, mo-
parte de Lisboa por onde Reis deambula. tivo de tranquilidade ou perturbação, aprazível ou detestável. As-
sim é com toda a Música.
GRUPO I • B Ocorrem-me dois exemplos: música clássica e música pop. Con-
5. Este excerto mostra-nos a cidade e os tipos sociais por meio sideremo-los.
da deambulação do sujeito poético. A cidade é especificada Quando escutamos Bach, designadamente as suas composições
nas partes por onde circula: as «ruas» próximas do rio Tejo («o litúrgicas, conseguimos perceber a relação intrínseca entre os sons
Tejo, a maresia»), «os edifícios, com as chaminés, e a turba», que saem do órgão sinfónico e o momento do calendário litúrgico
«edificações somente emadeiradas» (prédios em construção), que estão a musicar. Ao ouvirmos os noturnos de Chopin, percebe-
«boqueirões», «becos» e «cais». Quanto aos tipos sociais, po- mos a soturnidade e o sentimentalismo saídos do piano. Perante as
demos reconhecer os membros do Povo (operários), designa- composições de Tchaikovsky ou Haydn, deliciamo-nos com a profu-
damente, «os mestres carpinteiros» e os «calafates», ambos são de sons vindos de instrumentos musicais que nos despertam
em atarefado horário de trabalho. todos os sentidos. E não precisamos de palavras nem de noções
6. Percebemos como se encontra o interior, o estado de es- teóricas, pois a sua linguagem é a dos sentidos/das sensações.
pírito do eu lírico pela leitura das duas primeiras estrofes. Do mesmo modo, ao escutarmos Coldplay, Maroon 5 ou Taylor
Assim, o sujeito lírico sente a «soturnidade» e a «melanco- Swift, ao dançarmos ao som de David Guetta, Madonna ou de uma
lia» que o envolvem e o afetam, o que percebemos pelos qualquer banda francesa que ouvimos e vemos, não precisamos
adjetivos usados. Tudo lhe provoca um «desejo absurdo de de saber falar inglês ou francês, basta deixarmo-nos levar pelos
sofrer», «absurdo» porque, porventura, não tem qualquer ritmos, sonoridades e reverberações. O mesmo acontece com
motivo lógico de sofrimento, a não ser a participação na en- pop chinesa ou escandinava. Há dúvidas sobre a universalidade
volvência. Por outro lado, «a cor monótona e londrina» dos da linguagem musical e do poder da Música? Acredito piamente
edifícios está a ser apresentada por meio de adjetivos que que não.
revelam os seus sentimentos, uma vez que nela vê impaciên-
cia e agitação típicas de uma grande capital − Londres. O PROVA-MODELO 4 (p. 379)
que fica escrito confirma-se pelo uso de verbos, tais como
«Despertam-me», «enjoa-me», «perturba» à medida que GRUPO I • A
ele circula e pensa: «Embrenho-me, a cismar» e «erro pelos 1. Nestas linhas, o narrador informa-nos do passado de George,
cais». Relativamente às personagens (sobretudo, os carpin- que, em virtude de visões contrárias/opostas de vida, a moti-
teiros) que o sujeito poético vê, a comparação revela a forma vou a sair de casa e a abandonar a família. «vila» e «lá em casa»
maquinalmente obediente e concentrada como os operários descrevem o local onde nasceu e a família em que cresceu;
trabalham («Como morcegos, ao cair das badaladas, / Saltam pelo contrário, «cidade grande», «além terra», «além mar» e
de viga em viga os mestres carpinteiros.»). «Amsterdão» remetem para o presente já liberto e emancipa-
dor desta mulher. Por consequência, a oposição entre a família
GRUPO I • C e George adulta está espelhada na afirmação «cidade grande,
7. No conto «Sempre é uma companhia» verifica-se uma suces- onde, dizia-se lá em casa, as mulheres se perdem.», dado que
são breve de acontecimentos, que se precipitam para o final. a família era fechada, conservadora e circunscrita à pequenez
A ação pode ser dividida em dois momentos fulcrais: o an- da vila, ao passo que George procurava no seu «além» e nas
terior à vinda da telefonia e o posterior, que vai culminar suas metamorfoses (de que os «cabelos» e os «amores» são
com a sua permanência na venda da aldeia da Alcaria. Toda a exemplo) uma grandeza de espírito e uma liberdade próprias
ação se desenvolve num número muito reduzido de páginas, da sua mente aberta ao desconhecido e ao diferente.
onde as peripécias se vão sucedendo (a rotina dos ceifeiros 2. É por meio destes dois momentos discursivos que percebe-
que regressam, a compra da telefonia, o amuo da mulher de mos a referida tricotomia. O discurso direto da Mãe – sím-
Batola, as festas na aldeia ao som do aparelho), e com um bolo da memória do passado − é reproduzido apenas pela
número muito limitado de personagens. imaginação de George, não tendo tido lugar na realidade. No
Por outro lado, o débito de informação sobre a passagem do caso do diálogo entre George e o seu «amor de então», pode-
tempo é também propício à brevidade da narrativa, como se mos afirmar que foi real (e não imaginado) e corrobora (pro-
pode observar em «E os dias custaram tão pouco a passar va) a visão da vida que George tem, ou seja, liberta de tudo o
que o fim do mês caiu de surpresa em cima da aldeia da Al- que a prende, neste caso a memória do passado (corporizada
caria». Numa só frase, percebemos que passou um mês. As- nos objetos e livros de que continuamente se vai desfazendo
sim, a referida brevidade é conseguida não só pelo reduzido e separando).
número de páginas, como também pela economia / gestão
das informações, designadamente as temporais.
3. O conteúdo das linhas 14 a 26 revela a complexidade da na-
tureza de George na medida em que ela opta por se livrar de
Em conclusão, podemos afirmar que, sem delongas, mas com
tudo o que, metaforicamente, lhe lembre o passado e a ele a
intensidade narrativa, este é um conto exemplificativo da
prenda. Ora, «móvel», «tapete», «bibelots», «jarra» e «livros»
brevidade típica deste género literário na sua versão con-
trazem consigo recordações de lugares ou de pessoas que
temporânea. lhos ofereceram e que George quer esquecer. Portanto, a
melhor maneira de se separar do seu passado não é por meio
GRUPO II
do esquecimento e da indiferença voluntários, mas por meio
1. (C); 2. (A); 3. (D); 4. (C); 5. (B). do despojar-se literalmente de objetos físicos. Essa é a sua
6. Oração subordinada adjetiva relativa restritiva. maneira, complexa, mas só sua, de lidar com um passado
7. Complemento indireto. aprisionador.

443
PREPARAR O EXAME NACIONAL

4. O pleonasmo é conseguido pela repetição do sentido do ver- Nascemos enquanto nação em 1143, graças a um rei que lutou
bo «estar» (em «estar» e «estava») e serve o propósito de contra a própria mãe, e fomos crescendo lentamente, vítimas das
acrescentar mais um exemplo da liberdade interior que esta referidas guerras (contra mouros e castelhanos) e das pestes.
figura feminina procura. Assim, até para simplesmente per- Deste ponto de vista, poder-se-á aceitar parcialmente a designa-
manecer num qualquer lugar, George necessita dessa auto- ção «Idade das Trevas». Porém, ela não deve ser tomada taxativa-
nomia que a desprende de todas as amarras e lhe dá o direito mente. Há dois exemplos que a contrariam: a evolução da Literatu-
de escolher. ra Portuguesa e a preservação dos textos da Antiguidade Clássica.
No primeiro caso, verificamos que são medievais os textos da
GRUPO I • B lírica trovadoresca; também o são os textos dramáticos que se
5. Gonçalo Mendes Ramires é um homem alvo de «arrenegada vão desenvolvendo até ao patamar da escrita de Gil Vicente. Uns
sorte», ou seja, vítima do azar, inseguro, frágil e envergonha- e outros chegaram aos nossos dias, integrando as obras obrigató-
do consigo mesmo, o que se prova pela seleção de vocábulos rias dos ensinos básico e secundário.
«fraqueza», «gemido», «tristeza, vergonha e perda». A comple- No segundo, façamos jus ao trabalho de monges copistas que se
xidade advém do facto de este seu interior contrastar com o dedicaram à cópia manual de obras de Teologia, Filosofia, Ciência,
Música, que não teriam chegado à Modernidade e à Contempora-
espírito «da sua raça», da família, cuja origem remonta ao tem-
neidade sem o contributo destas figuras. Não raro, vemos expos-
po anterior à nação (século X). Essa raça está representada
tos em catedrais e monumentos nacionais os originais salvaguar-
nos seus «avós históricos» que deram vida à genealogia que se
dados ou as cópias medievas que são património imaterial. O que
estendeu até Gonçalo, homens destemidos, lutadores, bravos
tem isto de «trevas»? Rigorosamente nada; pelo contrário, trata-
e espelhados na «lança nunca partida», na «espada pura que
-se de provas de um trabalho iluminado e imenso que se revestiu
lidou em Ourique» e nas «rijas e provadas armas».
de um caráter intermediário entre a Antiguidade e o Renascimen-
6. O binómio passado/presente é absolutamente diferente quan- to e de então até hoje.
do consideramos os textos A e B. Enquanto George luta, a todo
o custo, pela sua separação e libertação do passado que viveu PROVA-MODELO 5 (p. 385)
com a família aprisionadora, Gonçalo precisa dele e dos seus
familiares antepassados para reencontrar o seu vigor e a pu- GRUPO I • A
reza da sua «raça». Em síntese, a George (mulher) o passado é 1. O conteúdo do poema de Ana Luísa Amaral parte do objetivo
desprezível/nefasto; a Gonçalo (homem), ele é essencial/vital. verbalizado de querer escrever «um poema de epopeia / e luz»,
«às duas da tarde / e num café». «epopeia» evoca Os Lusíadas
GRUPO I • C e o período áureo das Descobertas; «luz» pressupõe não só a
7. Em O Ano da Morte de Ricardo Reis é indubitável o desenho da «tarde adolescente» desse momento, mas, porventura, a
narrativo de um triângulo amoroso composto pelo próprio Ri- escrita de feitos brilhantes, renovados e, sobretudo, positivos.
cardo Reis, por Lídia, a criada de hotel, e Marcenda, a filha do Ora, o verso 9 apresenta a conjunção coordenativa adversativa
hóspede do hotel. «Mas», que vai criar um contraste inequívoco: se o objetivo ini-
Existem dois aspetos de que nos podemos socorrer para o cial era luminoso, a consciência do outro lado dos Descobrimen-
confirmar: tendo conhecido primeiramente Lídia, Ricardo tos quinhentistas (o lado negativo) deitou por terra esse desejo
Reis encetou uma relação amorosa com ela durante o tempo de escrita. Esse revés, essa outra face de moeda está plasmada
que permaneceu no hotel Bragança e depois continuou essa na sequência «a conquista, / o coração pesado de ambições,
relação na sua casa do Alto de Santa Catarina. Ainda assim, / tortura de poderes». Por outras palavras, há que considerar
igualmente a certeza provada pela História de que os descobri-
foi atraído pelo mistério e beleza de Marcenda, quando ainda
dores, feitas as conquistas ultramarinas, também tiveram ati-
era hóspede no hotel Bragança, envolvendo-se emocional-
tudes e comportamentos movidos pela desmesurada ambição
mente com ela, o que o levou a procurá-la, levando-o a por
(interesses pessoais) e luta pelo poder/supremacia. Pelo que
exemplo na viagem a Fátima, ou a escrever-lhe cartas.
fica escrito se percebe que o sujeito poético sinta que «traiu» a
O resultado desta triangulação não foi feliz porque Lídia de-
«palavra», inicialmente preparada para louvar, mas agora obri-
sapareceu (depois da morte do irmão) e Marcenda terminou
gando-se a criticar. Em síntese, o «seu poema de epopeia e luz»
tudo, voltando à pacatez da sua vida na província. Quanto a terá de incluir igualmente uma espécie de treva corporizada no
Reis, foi fazer companhia ao defunto Fernando Pessoa, no lado negativo e presunçoso do acontecimento universal narra-
fim dos seus nove meses de existência pós-morte. do – a descoberta do caminho marítimo para a Índia.
Desta teia complicada de relações que foram sendo criadas
entre as personagens, nenhuma das relações sobreviveu,
2. De acordo com este poema, a escrita de poesia resulta da von-
tade primeira do/da poeta, pois o vate quer escrever sobre
culminando esta ação com a «partida» de Ricardo Reis. um tema, orientando a palavra. Todavia, neste caso, a palavra
foi traída na medida em que foi preparada para cantar com
GRUP I renovados elogios (renovada «luz») um assunto épico, mas
1. (A); 2. (C); 3. (D); 4. (A); 5. (C). a realidade total de tal assunto obriga a criticar/julgar o que
6. Oração subordinada substantiva completiva. não correu bem. Assim, acabamos por ter uma imagem muito
7. Sujeito (simples), complemento direto e predicativo do sujeito. sugestiva: o sujeito poético termina, assumindo a sua «culpa»
e desejando não ter incutido sensações, ideias luminosas e
GRUPO III «adolescentes» na palavra.
É do conhecimento geral que o período da Idade Média está as- 3. Os dois últimos versos podem constituir a conclusão do poema
sociado a guerras para definição de fronteiras, a pestes que dizi- porque o eu lírico admite que levou a palavra a enamorar-se
mavam a agricultura e à conhecida Peste Negra, que matou cerca de «réplicas de olhar», isto é, espelhos redutores ou imitações
de um quarto da população europeia. Estas circunstâncias moti- incompletas que serviriam de inspiração para a escrita. E tais
varam um contexto de privação económica. A distribuição de pro- «réplicas» foram da responsabilidade da poeta, que se serviu
priedades pela nobreza feudal e pelo clero foi um estímulo à vida delas, embora inconscientemente, para iludir a palavra.
rural, fechada e contingente. A utilização de «trevas» foi comum- 4. Este poema afigura-se uma inequívoca representação do
mente aceite, a meu ver, pela presença de um certo recolhimento contemporâneo na medida em que o sujeito poético verte
social aliado ao fervor religioso da parte das pessoas dessa épo- por toda a composição a sua preocupação com a escrita (a
ca. O caso português é disso exemplificativo. desejada e a conseguida), fazendo-o segundo um modelo (ou

444
PORTUGUÊS 12.o ANO

a sua ausência!) de irregularidade métrica, o que reflete essa PROVA-MODELO 6 (p. 390)
preocupação inquietante.
GRUPO I • A
GRUPO I • B 1. A Natureza é o espelho do desenrolar da vida de um Ser Huma-
5. Neste momento de reflexão, Camões exorta os navegadores no. Por um lado, as estações do ano sucedem-se naturalmente,
portugueses a controlarem os seus desejos enraizados na chegando o outono («Setembro»), com a queda das «folhas»,
«cobiça», na ambição desmedida e na indigna luta por poder o amadurecimento de frutos («pomo», «maçã», «uvas»), da
sobre outros. Mais: o poeta acrescenta que as «honras» (fama azeitona, das searas («trigo»), e com a chegada dos «ventos
heroica) são «vãs» (vazias de valor e sentido) e o «ouro puro» e chuvas» e «poentes». Por outro, «as rugas do teu sorriso /
em nada aproveita ao espírito e à virtude moral de cada ser hu- começam já então a retalhar-te a cara» e «passa tantas mãos
mano. na pele dos rostos que / tiveste». Por conseguinte, Natureza e
Ser Humano sempre se encaminham para um fim, um «poen-
6. Tanto nesta estância como no poema de Ana Luísa Amaral sur- te», que é ponto de partida para um recomeço.
ge à superfície textual o reverso (o outro lado) dos Descobri-
mentos portugueses, designadamente, os sentimentos de ga- 2. As preocupações metafísicas têm origem na consciência de
nância, ambição perniciosa e falta de escrúpulos, associados que o fim da vida terrena/física está iminente («Ninguém mor-
às conquistas ultramarinas. reu ainda e tudo treme já»). Deste ponto de vista, surgem na
mente do Ser Humano as memórias do que fez e do que foi, o
GRUPO I • C que lhe provoca problemas de consciência, como podemos ler
7. A intertextualidade entre este romance e a poesia realista em «Poisas sólidos pés sobre tantas traições e no entanto fos-
de Cesário Verde é inquestionável. Por um lado, os dois op- te jovem / e tinhas quem sinceramente acreditasse em ti / A
tam pela deambulação pela cidade de Lisboa. Cesário fá-lo consciência mói-te mais que uma doença» ou «regressas como
quem dependurado cai da sua podridão de pomo» ou ainda «e
enquanto caminha para o trabalho, por exemplo «Num Bairro
passas tantas mãos na pele dos rostos que / tiveste». Daqui
Moderno», e Saramago porque escolhe um protagonista – Ri-
sobressaem as «traições», a «podridão», a «consciência» pe-
cardo Reis – que passeia assiduamente pelas ruas da capital
sada, bem como toda a existência plasmada nas «mãos» e nos
portuguesa. No caso deste último, por exemplo, quando sai
«rostos» desde quando era «jovem». Ora, se verificamos uma
em direção ao Cemitério dos Prazeres ou quando procura casa
autoanálise, seguida de um reconhecimento de faltas/erros/
própria ou o consultório.
omissões, daqui decorre a ideia implícita de que tais aspetos
Por outro lado, cada um dos dois autores observa critica-
negativos poderão ter efeitos e consequências na vida depois
mente o que vai vendo: Cesário denuncia os assalariados
da morte (eis a presença do metafísico).
operários (calceteiros, vendedoras de rua, engomadeiras tí-
sicas, entre outros); Saramago (por Ricardo Reis) descreve a 3. «Setembro», «tarde / anunciada», «morreu», «fumos névoas
miséria de um «Bodo do Século» ou ainda a sujidade das ruas noites», «como quem dependurado cai», «rugas», «Despedias
povoadas de pobres e sem condições de higiene dignas. poentes» e «o próprio sol desce».
Podemos concluir que, anos volvidos entre a escrita de cada 4. Este título é exemplo da coesão e da coerência relativamen-
um, os dois escritores comungam de uma mesma visão so- te a todo o poema. Dito de oura forma, se no poema vemos
espelhada a reflexão metafísica sobre a dicotomia vida /
bre a cidade de Lisboa.
morte e o processo que está implicado na passagem de uma
GRUPO II à outra, no título surge resumida essa visão final que cada
ser humano tem de tudo aquilo que preencheu os anos terre-
1. (D); 2. (B); 3. (A); 4. (D); 5. (A). nos – o qual pode ser ‘relatado’ e ‘contado’.
6. (Deixis) temporal (tinham sido) e espacial (no continente).
7. Explicativo. GRUPO I • B
5. Nestes versos, a personagem «Roma» é a alegoria de todos
GRUPO III os vícios, corrupções e maquiavelismo dos membros da Igreja,
Não podia concordar mais com esta constatação. Todos os dias sobretudo dos que ocupam cargos de chefia e orientação da fé
nos entram pelo telemóvel, pela TV ou pelos jornais, notícias de e dos fiéis. Note-se obviamente que Roma (Vaticano) é o cen-
vendas/transferências do jogadores/treinadores de Futebol. tro espiritual e institucional da Igreja. Posto isto, percebemos
Todos os dias resultados de Campeonatos, Taças e Supertaças, que Roma se quer emendar, por isso vem à feira tentar reaver
Ligas à escala nacional e internacional. Todos os dias revistas o que abandonou e lhe retirou a paz interior e exterior. Leia-
sociais com notícias escandalosas de pessoas ligadas ao Fute- mos as sequências: «Vejamos se nesta feira, / acharei a vender
bol. Frequentemente, programas que mostram os bastidores de paz, / que me livre da canseira», «a troco do amor / te comprei
competições futebolísticas internacionais, que incluem hotéis, mentira», «me deste o seu desamor», «fama» e «mil torpida-
ginásios, viagens, entre outros. Com tão desmesurado investi- des», «e quantas virtudes tinha / te troquei polas maldades».
mento, surgem resultados espetaculares como o do Campeonato 6. Considerando a intervenção de Serafim, percebemos a pers-
Europeu, que vencemos em 2016. Como não? Haverá prova mais petivação metafísica/religiosa típica de Gil Vicente: a paz
evidente do investimento tanto contratual como logístico e pu- interior na vida terrena, tal como a paz eterna na vida depois
blicitário das federações? Creio que não. Tomemos dois exem- da morte, só será alcançada «a troco de santa vida», ou seja,
plos portugueses opostos a esta tendência: o atletismo e o judo. de comportamentos e obras virtuosas e consentâneas com o
Segundo os próprios atletas, uma e outra modalidades implicam Bem (pregado pelo Cristianismo).
gastos pessoais para compensar as despesas não remuneradas
de treino, deslocação, alojamento, equipamentos e afins. Mes- GRUPO I • C
mo assim, Portugal tem vindo a singrar nestas duas áreas: além 7. Não é possível ler a poesia de Pessoa ortónimo sem refletir
de Rosa Mota ou Carlos Lopes, temos hoje Nelson Évora, atleta sobre a temática da nostalgia da infância. Na verdade, é do co-
medalhado olímpico, e Telma Monteiro, judoca medalhada olím- nhecimento geral que o autor, através da sua escrita, se revela
pica. O que significa isto? Que as federações devem repensar a um homem saudoso, no sentido em que rememora frequente-
distribuição orçamental, apoiando outros desportos cujas com- mente a felicidade e a inocência dos tempos da sua meninice,
petências são provadas por resultados fabulosos e meritórios, quando recupera pessoas, objetos ou ainda lugares.
ainda que contra a falta de investimento. O que aconteceria se ele Podemos servir-nos de dois exemplos significativos: a re-
igualasse o do «desporto-rei»? cordação do «sino» da sua «aldeia» e também a recuperação

445
PREPARAR O EXAME NACIONAL

de uma figura feminina materna em «O menino de sua Mãe». de outra forma, ouvir um tipo de música que expressava os
Deste modo, e no primeiro caso, as badaladas e pancadas de sentimentos que ele mesmo sentia levou-o a conseguir reen-
um sino (porventura da idade adulta) fazem ressoar aquelas contrar a sua felicidade. É como se, saídas as palavras mu-
de um seu semelhante nesse lugar longínquo mas caloroso sicadas e os sons, saíssem de dentro de si o desespero e a
que é, afinal, a «aldeia» onde o ortónimo viveu. Quanto ao mágoa.
segundo caso, a narração da morte deste soldado jovem que 3. Uma vez que a música desempenha um papel central na cura
jaz no campo de batalha leva o leitor a perceber, entre outros amorosa do sujeito poético, os vocábulos selecionados con-
aspetos, a dor que esta personagem feminina sentirá, quan- firmam esse poder musical, como se comprova em «música
do souber do fim do «menino». de jazz», «depressões sincopadas» (sendo «sincopadas» ter-
Estes dois exemplos são reveladores da importância que a mo tomado como parte da linguagem musical, que aliviava
temática da nostalgia da infância tem na poesia de Fernando as ditas «depressões»), «clarinete» (um dos instrumentos
Pessoa ortónimo. típicos de jazz), «ritmos», «canção», «escala do clarinete»
(«escala» como a representação da totalidade de sons e,
GRUPO II consequentemente, da vida). Quanto às apóstrofes «minha
1. (B); 2. (A); 3. (C); 4. (A); 5. (C). querida» e «darling», estas servem para presentificar a ama-
6. Sujeito (simples). da que o fez sofrer, a quem ele se dirige, provando o seu equi-
7. Oração subordinada adverbial causal. líbrio atual, fruto da cura. Tais apóstrofes são acompanha-
das de interjeições (acompanhadas do respetivo advérbio)
GRUPO III que trazem ao poema alegria e musicalidade, tais como «ah,
As crianças da atualidade são espelho do que a economia, a não,» (verso 5), «oh yes» (como que citação das palavras dos
ciência, a tecnologia e as tendências culturais lhes oferecem. músicos de jazz e blues − verso 7), «ah, sim,» (verso 8), «ah,
Por isso mesmo, não é de admirar que, com o avanço da tecnolo- não, ah, sim.» (verso 16).
gia de ponta, desde os anos 40 no Japão até aos dias de hoje, os 4. O título antecipa a ideia que vai dar forma ao poema, isto é, a
hábitos diários de (con)vivência se vão moldando ao contexto. da dor que advém do sofrimento amoroso. Deste modo, o su-
É verdade, por um lado, que o manuseamento de instrumentos jeito poético serve-se de dois vocábulos que concorrem para
tecnológicos – brinquedos para bebés, crianças de colo e crian- essa mesma ideia: por um lado, o do género musical propen-
ças em idade escolar – estimula o desenvolvimento intelectual, so à verbalização do doloroso; por outro lado, o nome «mor-
cognitivo e até sensorial. Não é motivo de espanto nem sinal de te» que acrescenta fatalidade ao que já em si é desgostoso.
riqueza familiar ver uma criança do 1.º ciclo com um tablet, um Juntos, estes dois vocábulos surtem o efeito de caracterizar
telemóvel, um iPhone ou uma PS4. Através deles, as crianças o amor que o leitor vai ver retratado nos versos seguintes.
embrenham-se em jogos de entretenimento, de estratégia, de
aprendizagem de línguas estrangeiras e demais jogos temáti- GRUPO I • B
cos. Não obstante, crescem efeitos secundários ou colaterais 5. O amor-paixão (amor como páthos ou sofrimento) é típico do
indesejados, quando atingem proporções exageradas – o isola- Romantismo, na medida em que, sendo impossível por quais-
mento, o individualismo, o sedentarismo e a falta de convivência quer razões, tem como única solução a fatalidade da morte
física (não virtual) com crianças da sua faixa etária. É neste sen- física ou espiritual. Tal é exatamente o que vai acontecer com
tido que surge a falta das brincadeiras ao ar livre, nos parques, Teresa, Simão e Mariana. Neste caso, a carta de Teresa di-lo
nas ruas, na praia, para citar alguns casos. Consideremos dois claramente, quer pelo seu arrebatamento sentimental, quer
dos exemplos mencionados: o sedentarismo e o isolamento. pelo anunciado destino final: «À hora que te escrevo, estás
Se não brinca ao ar livre, a criança não pula, não cai ao chão, não tu para entrar na nau dos degredados, e eu na sepultura. Que
corre, não se suja, não experimenta o mundo com as mãos e o importa morrer, se não podemos jamais ter nesta vida a nos-
corpo, não se mexe. Daí que o sedentarismo possa resultar no sa esperança de há três anos?!» (linhas 1-4), «Sofre, sofre ao
atrofiamento muscular e na obesidade. coração da tua amiga estas derradeiras perguntas,» (linhas
Por outro lado, só as brincadeiras ao ar livre combatem o iso- 11-12) e «Vou ver a minha última aurora… A última dos meus
lamento dos jogos de computador, iPhone ou PS4. É junto da dezoito anos!» (linha 14). Lembremos que Teresa morrerá de
natureza que os «pequenos adultos» convivem, desenvolvem desgosto no convento, Simão morrerá de doença agravada pe-
competências comunicativas e sociais, o que os levará a ter las condições adversas da nau em que seguia para o degredo
bem-estar psicológico, tranquilidade, plenitude. Procuremos na Índia e Mariana se suicida, abraçada ao cadáver de Simão, a
conciliar o usufruto do que a tecnologia nos dá com a natural quem amava secretamente.
aptidão para aproveitar o ar livre.
6. A visão do Amor presente nos dois textos é absolutamente
diferente e oposta. No Texto A, percebemos que a solução do
PROVA-MODELO 7 (p. 396) sofrimento amoroso passa, sim, por «depressões», mas, por
meio do poder holístico (abrangente e total) da música, vai
GRUPO I • A desaguar em renovadas forças para novos recomeços de vida
1. O Amor é tomado como meio de sofrimento, porventura de- e vida feliz. No Texto B, trata-se precisamente do contrário,
vido a desgostos, não sendo, no entanto, motivo para o de- pois, perante adversidades e respetiva paixão (sofrimento), o
sespero fatal e o suicídio. Foi por ter sofrido por amor e ter único remédio é fatal: a morte física ou espiritual.
conseguido «safar-se à justa» (mesmo no limite da angústia)
que o poeta retirou a sua lição de vida: «saber sair a tempo, GRUPO I • C
saber sair, é claro, mas saber» – daqui se depreende que o 7. Não A natureza fragmentária do Livro do Desassossego, de
importante é abandonar o estado de dor e recomeçar, re- Fernando Pessoa, pode ser tomada a partir de duas caracte-
compondo-se e afastando-se do que/de quem o magoa. rísticas que a espelham: a primeira, a distribuição, estrutura-
2. Este tipo de música afro-americana dos inícios do século XX ção dos ‘capítulos’; a segunda, o conteúdo de cada um deles.
(jazz, blues) assenta no extravasar de sentimentos magoa- Mesmo assim, podemos encontrar unidade no fragmento,
dos, dolorosos e tristes como meio de desabafo e tentativa pois, excerto a excerto, encontramos sempre a mesma ten-
de encontrar a tão almejada cura. O mesmo acontece com dência – reflexão existencial constante.
este sujeito poético que ama, pois, como o próprio afirma, Relativamente à primeira característica, note-se como a
«mas afinal não morri, como se vê, ah não, / passava o tem- tentativa de divisão capitular (feita posteriormente por res-
po a ouvir deus e música de jazz / pela noite dentro». Dito ponsáveis da edição da obra) evidencia, desde logo, as par-

446
PORTUGUÊS 12.o ANO

tes em que se divide um todo textual: os excertos não têm pode ter uma qualidade concreta – a «cor». Ao tê-la neste poe-
título próprio, por isso são mencionadas as primeiras frases ma, compreendemos que o eu lírico deseja torná-la objetiva e
ou linhas do excerto em questão. visível em todos os seus aspetos: políticos, sociais e culturais,
No que diz respeito ao conteúdo, este acompanha a estru- para citar apenas alguns exemplos. Quanto à segunda estro-
tura dividida, fragmentada porque, à superfície textual, os fe, a aliteração do som «s» está presente em «senão», «ser»,
excertos não parecem ter uma sequência lógica por tema, «nasci», «pertença», «sempre», «vença», «será», «sem», «sa-
tópico, assunto ou conteúdo. Assim, veja-se o caso de «Eu ber». Ora, a sua presença confere não só à referida estrofe,
nunca fiz senão sonhar», «Amo, pelas tardes demoradas de mas também ao poema no seu todo, uma sensação de movi-
verão» ou «Quando outra virtude não haja em mim». mento contínuo, eventualmente correspondendo ao do avan-
Dito isto, ainda que a tese da fragmentaridade seja supor- çar da História de Portugal em direção ao fim do Fascismo e
tada textualmente, a verdade é que não podemos negar o ao início da Democracia.
óbvio: existe uma unidade no fragmento, que é a da manu- 3. O título «Quem a tem…» integra o pronome pessoal «a», que
tenção e insistência na reflexão e meditação sobre questões se refere à «liberdade», tema central de todo o texto. A pre-
existenciais, tais como a inconstância dos sentimentos, a in- sença das reticências, juntamente com o pronome relativo
segurança quanto ao futuro, os desencontros da Vida, entre «Quem», remete para uma espécie de incógnita, envolta em
outros. mistério, sobre o que acontece no presente e o que aconte-
cerá no futuro, levando o leitor a questionar-se sobre a forma
GRUPO II de buscar essa «liberdade», tomando o exemplo daqueles (po-
1. (C); 2. (B); 3. (A); 4. (A); 5. (D). vos/nações) que já a têm.
6. Explicativo. 4. Cada uma destas duas conjunções (a primeira coordenativa
7. Oração subordinada adverbial comparativa. disjuntiva, a segunda subordinativa concessiva) concorre
para a mesma ideia de contraste entre o que o «mundo» quer
GRUPO III e o que o sujeito poético deseja para si. Esse contraste não
Penso que a frase popular «De poeta e de louco todos temos um impede que se faça a vontade do sujeito poético, uma vez
pouco» descreve boa parte do ser humano de qualquer geração. que ele termina perentoriamente com a promessa de não
Atentemos no «poeta» e no «louco». «morrer sem saber / qual a cor da liberdade.»
Florbela Espanca descreveu o «ser poeta» como «ser mais alto»,
ora isto implica uma visão abrangente da vida e do mundo, um GRUPO I • B
sentir mais sensível e atento aos pormenores que nos rodeiam. 5. Sendo considerado «o maior traidor do mar», o Polvo reves-
E isso revela-se, quer oralmente, quer por escrito, nos reconhe- te-se não só de traição, mas também de características a ela
cidos poetas, mas, muitas vezes, em pessoas (e inclusivamente associadas, tais como maquiavelismo, mentira, falsidade, en-
nós mesmos) de quem não esperávamos certas efabulações, gano e jogo de interesses inerentes à captura da sua presa
certo alcance imaginativo, certa criatividade e sensibilidade. («parece um Monge» (linha 3), «parece uma Estrela» (linha 4),
Todos nós já fomos a festas de família, a cerimónias mais ou «parece a mesma brandura, a mesma mansidão» (linhas 4-5),
menos formais, a encontros de amigos, a convívios de natureza «As cores (…) no Polvo são malícia» (linha 9) e «Peixe aleivoso,
variada. Eis que, de repente, surge alguém, do fundo da sua timi- e vil, qual é a tua maldade» (linhas 9-10)). Assim sendo, estes
dez ou da sua falta de escolaridade, e nos presenteia com qua- traços criticáveis são alegorias (concretizações) dos mesmos
dras e rimas várias, povoadas de cómico, de sentimentalismo, traços da sociedade de Padre António Vieira, como se verifi-
de alegria ou de dor, de recordação ou de louvor. Note-se que, ca em «Vejo, Peixes, que pelo conhecimento, que tendes das
se algumas destas composições orais ou escritas se desenham terras, em que batem os vossos mares, me estais respon-
ao jeito das quadras dos santos populares, outras são de temá- dendo, e convindo, que também nelas há falsidades, enganos,
ticas bem profundas, levando-nos ao recolhimento e à reflexão fingimentos, embustes, ciladas, e muito maiores, e mais per-
– a fazer relativizar grandes poetas clássicos ou modernos. niciosas traições.» (linhas 10-13). Entendamos, portanto, os
«Ser louco» não significa, em minha opinião, ser demente ou lu- elementos enumerados nesta última citação como fiéis des-
nático, mas sim tomar atitudes mais libertas de formalidade e crições das pessoas do Povo, da Nobreza, do Clero e da Coroa,
movidas pelo coração ou pela vontade do momento, em desfa- que servem sempre os seus interesses pessoais e desprezam
vor da razão. Posto isto, «ser humano» não é só «ser racional», é os outros. Note-se que este padre jesuíta lutou incansavel-
ter visão de artista e dar asas à imaginação para que conduza a mente pela causa da independência/autonomia dos índios e
razão. Bem hajam a poesia e a loucura. pela denúncia e correção dos defeitos e comportamentos da
sociedade que o rodeava.
PROVA-MODELO 8 (p. 401) 6. A expressão «hipocrisia tão santa» está assente num parado-
xo, visto que «hipocrisia» é um conceito conotado com malda-
GRUPO I • A de, portanto, nada tendo que ver com a santidade, antes sendo
1. O sujeito poético recusa-se a ser «cego e mudo» (verso 12), o seu preciso oposto. Ora, Vieira serve-se desta associação
antes tem os olhos bem abertos e o direito de exprimir a sua paradoxal para espelhar nela a confluência – no Polvo e na so-
opinião face ao contexto sociopolítico seu contemporâneo. E ciedade − de duas atitudes contrárias: o parecer (Bem) e o ser
de que contexto se trata? Sabendo que Jorge de Sena viveu (Mal). Em síntese, esta expressão resume o conteúdo de todo
durante o fascismo português, testemunhou a «maldade» e o este excerto do Sermão.
facto de os políticos esconderem «tudo». Dito de outra forma,
para atingirem poderes plenipotenciários sobre a população, GRUPO I • C
Salazar e o seu Governo privavam o povo de direitos inaliená- 7. Memorial do Convento é um exemplo da visão crítica de José
veis, como o da liberdade, em geral, e o da liberdade de expres- Saramago sobre o Portugal de setecentos, entre outros, por
são, em particular. Oprimido, o povo obedecia. Porém, o sujeito meio de dois aspetos: o papel dos populares esquecidos pelos
poético promete a si mesmo não «morrer sem saber / qual a documentos históricos e o exacerbado fervor religioso. Consi-
cor da liberdade». deremos cada um destes dois aspetos em particular.
2. «Cor da liberdade» é, antes de mais, uma metáfora ao serviço Quanto ao primeiro, veja-se como conhecemos a data da sa-
do desejo de viver inteiramente (com todos os seus sentidos) gração do Convento de Mafra (ainda que incompleto) – no dia
a «liberdade» face à opressão política. Podemos tomá-la tam- 22 de outubro de 1730. Porém, sem este romance, o público
bém como uma alegoria, pois que a abstração «liberdade» não em geral poderia não ter uma efetiva consciência do trabalho

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PREPARAR O EXAME NACIONAL

brutal dos assalariados recrutados à força pelo rei D. João V,


trabalho esse desenvolvido na maior parte das circunstân-
cias em condições sub-humanas, apenas para concretizar o
sonho, o projeto de um homem só.
No que diz respeito ao segundo, veja-se o sucedido com uma
personagem considerada menor no enredo da intriga amoro-
sa (mas, ainda assim, exemplificativa) – Sebastiana de Jesus
(mãe de Blimunda) – condenada ao degredo por ter qualida-
des sibilinas (ditas ocultas) das quais não tem qualquer res-
ponsabilidade ou culpa. O mesmo sucede com a descrição da
procissão do «Corpus Christi» que, ao invés de estimular a
fé, ajuda a bajular as hierarquias e a riqueza do clero.
Temos, portanto, dois aspetos que fundamentam a supraci-
tada visão social e religiosa dotada de crítica notável.

GRUPO II
1. (D); 2. (C); 3. (B); 4. (C); 5. (A).
6. Complemento direto.
7. Oração subordinada adverbial final.
GRUPO III
Se, por um lado, não podemos negar as vantagens de usar ebooks,
por outro, há que reconhecer as suas desvantagens.
Vejamos as primeiras – as vantagens. Para o atualizado ma-
nuseador de novas tecnologias, ler um livro que está «dentro»
de um aparelho tátil, pequeno, leve, facilmente transportável e
sempre à mão é uma das maravilhas do século XXI. Habituado a
softwares, este é somente mais um. Ninguém questiona a rela-
ção quantidade de texto/peso – um ebook pode conter milhares
de páginas que, se fossem impressas, seriam muito pesadas e
difíceis de utilizar num café, numa esplanada, no metropolitano,
no avião ou na paragem do autocarro.
Para um utilizador mais conservador e menos habituado a ferra-
mentas tecnológicas, este formato de livros também está con-
venientemente adaptado: depois de ensinada a ligar/desligar o
aparelho, procurar o texto e tatear o ecrã, a pessoa está apta a
usufruir de tão útil ferramenta.
Detenhamo-nos nas segundas – as desvantagens. Para um lei-
tor que tem uma relação física com o livro – capa, contracapa,
páginas folheadas, cheiro e textura do papel, contacto com a
pele – um ebook é totalmente desvantajoso porque, à exceção
do toque e da visão, não lhe preenche os outros sentidos. Mais:
mesmo instruído para o funcionamento do aparelho, o utiliza-
dor pode recusar-se a aprender por continuar a ser fiel à versão
impressa.
Mesmo para um leitor «híbrido» (aquele a quem tanto faz uma
modalidade como outra), o ebook pode estar conotado com
software de trabalho, daí que ele prefira o livro impresso para
lhe proporcionar, psicologicamente, uma fruição típica do lazer.

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