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A Caminho do Altar

Do You Take This Man...

Linda Randall Wisdom

Aquela surpresa mudou totalmente a vida deles!

Na limusine , dirigindo-se a igreja para a cerimônia de seu casamento, Chris viu que sua
meia calça estava desfiada. Precisava comprar outra imediatamente.
Sam ia a casa da noiva, para lhe apresentar seus três filhos, quando a alça do sutiã da filha
arrebentou. Tinham de comprar outro.
De repente, um blecaute. E todos, inclusive Chris, vestida de branco, ficavam durante horas
presos em uma loja de departamentos!

Digitalização: Joyce
Revisão: Crysty
Prólogo

Não era em absoluto o que ela esperava como proposta de casamento.


— Pense um pouco, Chris. Tudo o que tem a fazer é dizer que casa comigo.
Com todos os contatos que fizemos através dos anos, faremos uma equipe imbatível
quando eu for ingressar na política.
O sorriso de Chris paralisou-se. Quando Kevin disse que tinha algo
importante a falar com ela, não fazia a menor idéia de que o assunto seria ca-
samento. Engraçado, quando imaginava um homem a fazer o pedido, havia luz de
velas, música suave, vinho e ele ajoelhado dizendo quanto a amava, num discurso
carregado de emoção, afirmando que não poderia viver sem ela. No mínimo.
Baixou os olhos para o solitário que Kevin estendia em sua direção. Parecia
que iria pesar tanto que baixaria o braço. Teve a impressão de que o diamante
piscara para ela. O que estaria esperando, afinal? Aquele homem era o sonho de
toda mulher solteira!
"Minha filha tem trinta anos e ainda não tenho um futuro garantido. Vou
acabar morrendo sem ver meus netos. Claro, com toda essa sua teimosia não iria
mesmo ser fácil achar um homem que possa viver com você", ecoava a voz de sua
mãe.
Faltavam apenas alguns meses para o trigésimo aniversário de Chris, que
tinha o próprio negócio, uma hipoteca ainda no início dos pagamentos e com sorte
seria totalmente proprietária do carro em pouco mais um ano. Kevin fora o único
homem com o qual saíra mais de uma vez nos últimos dezessete meses. Ele
personificava o sonho das mães de moças solteiras. Com sua aparência de surfista,
loiro com a pele bronzeada, ele não parecia com alguém que tivesse seu próprio
negócio de automóveis em planejamento para a expansão. Possuía uma bela casa e
era considerado um dos mais disputados solteirões da cidade. Qual era o problema,
então? Por que ela não estava gritando de animação e atirando-se aos braços dele?
Não que as propostas de casamento viessem todos os dias, como diria sua mãe, se
tivesse uma chance. Suspirou.
— Ficaria honrada em ser sua esposa, Kevin — respondeu ela, sem grandes
entusiasmos.
Foi Kevin quem vibrou. Deu-lhe um abraço de urso que quase fraturou
algumas costelas.
— Então vamos nos casar no seu aniversário. Talvez assim você não fique
muito deprimida quando completar trinta anos junto com a festa de casamento —
opinou ele, com um amplo sorriso.
Chris sacudiu a cabeça, incerta. Não sabia se o casamento iria amenizar o
choque de mudar de algarismo na idade. Ainda assim, acreditou que a novidade iria
deixar sua mãe muito feliz.
— Sam, se quer uma opinião, acho que precisa sair da frente desses
computadores um pouco mais — provocou Carolyn. — Às vezes eu chego a pensar
que você é feito de circuitos impressos e microchips em lugar de carne e osso...
claro que existem ocasiões em que prova que não é.
Sam Winslow, conhecido como criador dos mais radicais jogos de
computadores no mercado estendeu as pernas e espreguiçou-se. Sabia que seu
jeans deveria ter sido aposentado há muito tempo, porém estava mais preocupado
com conforto do que com aparência. Seu Cabelo castanho precisava ser cortado, e
ele tinha consciência de parecer mais um desocupado do que um mago dos jogos
de computador. Sentiu uma pontada de culpa por não vestir-se melhor para Carolyn.
Carolyn Jeffreys era uma famosa advogada criminalista; como sempre suas
roupas eram impecáveis. Um tailleur leve de lã salmão completava a aparência de
eficiência conferida pelo cabelo negro preso numa trança. A maquiagem era sutil,
apenas para realçar a beleza de traços que provinha de sua ascendência italiana.
Tinham combinado de sair para jantar naquela noite, mas Carolyn ficara até
mais tarde no escritório para colocar em dia sua papelada, portanto Sam sugeriu
que ela passasse em sua casa e comessem juntos comida chinesa. Ela acabara de
chegar, e acomodara-se no sofá com uma garrafa de vinho na mão.
Sam e Carolyn saíam juntos havia quase um ano. Ela costumava cancelar
encontros em função do trabalho mais vezes do que ele. Sam chegara a pensar nela
como a madrasta para seus filhos. Imaginava se os filhos gostariam dela, pois não
gostavam do padrasto. Segundo Davis, o sujeito era mesmo um idiota, e o último
comentário de Lisa foi que ele deveria ter sido estrangulado ao nascer. O pobre
Brandon dizia apenas que o homem não entendia de jogos de computador. Davam
tanto trabalho à mãe, Marie, que ela ameaçava mandar os três para morar com o
pai. Apesar de serem realmente difíceis parte do tempo, ele amava os filhos e sentia
saudades todos os dias em que não os encontrava.
— Carolyn, o que acha do casamento? — indagou ele, servindo pato
agridoce.
— Casamento?
Embora o tom de voz revelasse surpresa, ele percebeu algo mais.
Obviamente ela já considerara o assunto algumas vezes.
Sam manteve o sorriso. Pronto, finalmente dissera o que imaginara tantas
vezes.
Capítulo 1

— O relógio não pode estar certo — lamentou Chris quando ergueu os olhos
para o mostrador do relógio do quarto ao sair do banheiro. — Simplesmente não
pode ser essa hora.
Os efeitos do longo banho de espuma se faziam sentir. Relaxara demais.
Toda a ansiedade e a pressa voltaram num segundo. Estremeceu ao receber uma
rajada de ar frio do ar condicionado. O dia era um dos mais quentes do ano e a
última coisa que Chris precisava era de um resfriado. Retirou a toalha enrolada no
corpo, esfregando-a lentamente sobre a pele. Depois, deixou-a cair no chão. Ficou
parada, pensando o que fazer a seguir.
— Maquiagem!
Nua, correu de volta ao banheiro e aplicou os cosméticos básicos com
movimentos experientes, depois dedicou-se aos olhos. Cuidadosamente traçou uma
linha com sombra verde-oliva na borda das pálpebras, completando a parte interior
com um tom mais próximo do verde-pastel. Resmungou ao tatear pela pia em busca
do blush, que encontrou atrás do vidro de colônia. Coloriu o rosto com um tom
saudável de rosa.
Concentrada, fez uma careta quando o ar condicionado desligou, deixando
penetrar uma lufada quente.
Tinha de resolver casar no dia mais quente do ano? Esperava não derreter
antes de chegar à capela. Uma das coisas mais indesejáveis era uma noiva suada.
— Batom — ordenou a si mesma. — Não, melhor colocar o vestido primeiro,
depois o batom.
Apanhou o aplicador de talco, deixando no ar uma nuvem esbranquiçada de
perfume. Completou com água-de-colônia do mesmo aroma, depois correu para o
quarto. Nova consulta ao relógio informou que os minutos continuavam se
escoando. Vestiu a lingerie bege: calcinha, sutiã e cinta-liga combinando. Com
movimentos rápidos, enfiou as meias brancas e estendeu a mão para o vestido.
Apreciou ainda uma vez o caimento do tecido branco-perolado, que possuía
um decote generoso. Aquilo realçava seus ombros bronzeados de sol. Um minuto
depois examinava o traje em frente ao espelho. Um traje digno de uma noiva.
Colocou a gargantilha de pérolas, combinando com os brincos de pingentes
que pusera antes do banho. Ao fechar a jóia, reparou que seus dedos tremiam.
Certamente não se tratava do famoso "nervosismo de noiva", pois ia casar
com o homem perfeito para ela. Kevin. Exatamente do que ela precisava.
Sua mãe estava tão nervosa com a cerimônia que já se encontrava na
capela, supervisionando a instalação da decoração. Chris St. James Walker
Andrews Patterson pretendia certificar-se de que nada sairia errado. Chris estava
grata à mãe, por oferecer-se para cuidar da decoração final da capela e da festa,
mas às vezes ela achava que a mãe estava mais excitada do que ela com o
casamento. Até sua melhor amiga, Abby, já fora para a capela enquanto Chris
permanecia em casa para vestir-se em abençoada solidão.
O espocar de um rojão soou a distância, recordando o fato de que a data não
se referia apenas ao aniversário e casamento dela, mas também se tratava de um
feriado nacional, o Dia da Independência, o Quatro de Julho, feriado para todos os
americanos.
Era dia de piquenique e churrasco, não casamento. E havia ainda o calor. Ela
imaginou-se relaxando com seus vizinhos no pátio, observando as crianças correndo
no meio dos irrigadores no gramado, tentando refrescar-se.
Não conseguia imaginar o Quatro de Julho como dia de seu casamento.
Desde que nascera fazia aniversário nesse dia, portanto já se acostumara; em
compensação não tivera a mínima chance de escolher o dia em que nascera. Desde
o dia em que fizera o pedido, Kevin parecia determinado a realizar a cerimônia
nessa data, pelo significado especial. Dissera isso por mais de uma vez, ao deixá-la
em casa após o jantar da noite anterior. Beijaram-se na despedida, porém não o tipo
de beijos que acelerava o coração de Chris. Infelizmente.
— Feliz aniversário, Chris — desejou ela ao reflexo enquanto calçava os
sapatos brancos de salto alto.
Abaixou-se para abotoar os fechos de pérolas.
— Hoje vou me casar — declarou ela, na esperança de que as palavras ditas
em voz alta a acalmassem. — E meu aniversário e dia do meu casamento. Vou
casar com um homem que sei que está apaixonado por mim. Seremos
extremamente felizes e teremos muitos filhos. No ano que vem Kevin vai abrir sua
filial, que será a primeira de uma série de outras pelo estado, e...
Não conseguiu continuar. Estava a ponto de chorar. Só podia ser a tal
ansiedade de noiva. Chris não tinha propensão a perder o controle.
A campainha tocou.
— Só faltava essa. Deve ser algum vendedor de seguros, ou coisa parecida
— resmungou Chris, caminhando com passo forçado para a porta. Abriu-a de uma
vez, com uma péssima expressão de acolhida. — O que foi?
O homem do lado de fora recuou um passo. Trajava um terno escuro e trazia
um quepe nas mãos.
— Srta. St. James, sou Rodney. Estou aqui para levá-la até a igreja...
A frase terminara em tom de pergunta, como se ele estivesse incerto sobre o
endereço, ou não tivesse certeza de que o vestido da moça à sua frente fosse de
noiva.
Chris esticou o olhar por sobre o ombro dele, para o veículo branco e
brilhante estacionado à sua porta. Havia alguns vizinhos reunidos ao redor, para
examinar de perto a limusine.
— Se alguém passar vai achar que nunca viram uma limusine na vida —
comentou ela. — Desculpe, mas deve ter havido algum engano. Não contratei uma
limusine.
— Foi seu noivo quem- contratou — esclareceu o motorista. — Ele me pediu
para dizer que não seria apropriado que a noiva fosse dirigindo para o casamento.
Ela não havia pensado naquilo. Realmente, não se lembrava de uma noiva
que tivesse ido guiando o próprio carro para o casamento. Ainda bem que Kevin
providenciara tudo.
Repentinamente pareceu-lhe que o ar faltava. Chris forçou-se a permanecer
calma. O sorriso de Rodney diminuiu um pouco.
— A senhora... senhorita está bem?
Ela testou seu sorriso mais radiante.
— Acho que é só um pouco de nervosismo. Vou pegar minhas coisas.
Enquanto caminhava na direção do quarto, ela repassou as tradições do
matrimônio na cabeça. Algo novo: o colar de pérolas que ganhara de presente de
casamento de Kevin. Algo velho: os brincos de pérola o diamantes que combinavam
com o colar, pois haviam pertencido à sua avó. Algo emprestado: as fivelas cobertas
de pérolas que usou para prender suas madeixas haviam sido emprestadas pelo
cabeleireiro que realizara um verdadeiro milagre com seu cabelo rebelde. Algo azul:
uma das ligas adornando a coxa.
Apanhou a bolsa de seda que a acompanharia e reparou no telefone celular
sobre o carregador. Bev, sua assistente, ficara encarregada de todos os problemas
que pudessem surgir durante a lua-de-mel. Não aguardava possíveis emergências,
nem hecatombes. Principalmente no feriado. Resolveu deixar o aparelho sobre a
mesa.
— Permita-me dizer que está linda, srta. St. James. O noivo é um homem de
sorte — comentou o motorista ao acompanha-la até o carro.
Abriu a porta e ajudou-a a entrar na parte traseira.
— Obrigada. Esse assento é mais confortável que meu sofá — comentou ela,
olhando ao redor.
— Tem champanhe na geladeira se você quiser acalmar a ansiedade —
ofereceu ele, piscando.
Ela considerou a possibilidade, olhando para a garrafa. Quantas taças seriam
necessárias para acalmar seus nervos? Talvez a garrafa toda não fosse o suficiente.
— Não obrigada. Acho que entrar bêbada na igreja seria uma péssima forma
de iniciar qualquer casamento — comentou ela.
Durante o trajeto, Chris continuou dizendo a si mesma que não precisava
preocupar-se com nada. Afinal, iria casar com um sujeito do qual qualquer mulher se
orgulharia. Que hesitação seria aquela, então? Sentia-se envergonhada por não
amar Kevin da forma como ele merecia, porém acreditava que muitos casamentos
haviam se iniciado com menos do que ambos tinham, e deram certo. Não havia
nenhum motivo para que ela não pudesse fazer o mesmo. As coisas estavam
caminhando tão rápido que não podia pedir outro adiamento, mesmo porque sua
mãe já fazia planos para sair com os futuros netos.
— De onde vem tanta incerteza? — indagou em voz alta.
— Algum problema, srta. St. James?
— Não, obrigada. Só estou, me certificando de que trouxe tudo. Detestaria
esquecer algo importante.
— Eu não me preocuparia com isso — riu ele, olhando-a pelo retrovisor. —
Minha mulher esqueceu o anel, e o padre nos casou do mesmo jeito.
Ela sabia que sua mãe estava com as alianças, portanto não precisava se
preocupar com esse assunto. Resolveu tomar uma taça de champanhe. Uma só não
faria mal. Quando servia o líquido dourado, baixou a cabeça e teve a impressão de
enxergar algo em sua perna. Talvez fosse a iluminação no interior do carro, ou um
jogo de sombras. Esquecida da garrafa, aproximou os olhos da perna. Sim, havia
uma linha nítida em sua meia. Levantou o vestido para acompanhar melhor e
certificou-se. Não era ilusão de ótica ou efeito de iluminação.
Acionou o intercomunicador.
— Rodney, precisamos parar.
Não tiveram problema para encontrar vaga em frente à loja de
departamentos. Rodney desceu e abriu a porta.
— Só vai levar um minuto — prometeu ela.
O motorista não apreciava a situação incomum, o parecia pouco à vontade.
— Srta. St. James, sem querer parecer ousado... tem certeza que deseja
casar?
— Claro que sim. Acontece que não posso casar com um fio desfiado em
minha meia — respondeu Chris, esticando o pé para mostrar o desastre. — Está
aparecendo demais. Só vou entrar um instante, compro minha meia, visto no
provador e saio da loja. Sente lá atrás e tome um refrigerante enquanto espera.
Prometo que só vai levar cinco minutos.
O sorriso de Rodney indicava uma certa dose de dúvida.
— Não sou daquelas que demoram uma hora na loja para comprar alguma
coisinha e ainda saem cheias de pacotes. Pode ficar sossegado — garantiu ela,
caminhando em direção à entrada.
Ignorou os olhares das pessoas que entravam e saíam da loja.
— Quem iria se casar no Dia da Independência? — sussurrou um homem à
sua esposa.
— É uma forma de garantir os fogos na primeira noite — retrucou a mulher,
encarando-o.
Preferia não ter escutado isso, pensou Chris, procurando a seção de roupa
íntima. Não me parece um bom presságio.
Sam imaginara a visita dos filhos como uma época cheia de risos e
brincadeiras pela casa, a exemplo do que acontecera durante o último verão.
Chegara a organizar seu horário de forma a passar mais tempo com eles. A verdade
é que até então não escutara nenhum riso, mas já descobrira que sua idéia de
diversão não combinava com a deles. O pior é que só haviam ficado juntos por uma
hora.
O verão prometia ser longo.
Desde cedo, quando fora apanhar os filhos no aeroporto, só escutara
suspiros profundos de Lisa, com doze anos, resmungos quase ininteligíveis por
parte de Davis, em seus dez anos, e o olhar tristonho que Brandon, o caçula de
cinco anos, cravara nele.
Percebera que algo estava errado ao abraçar Lisa, logo na chegada. Tentara
dizer a ela que mal reconhecia sua filhinha, de tão rápido que ela estava crescendo.
Recebeu um olhar de queixo levantado, nariz empinado e foi informado de que ela
não era mais criança, e com toda a franqueza, será que ele precisava se vestir o
tempo todo como um mendigo? O que as pessoas iriam pensar?
Na cabeça de Sam era feriado e dia de relaxar. Como iriam a um churrasco,
trajara-se com aquela atividade em vista: uma camiseta verde com tubarões
estampados, calção militar caqui e sapatos confortáveis, o que significava bastante
usados. Reparou que seus filhos haviam atravessado o país vestidos da mesma
forma, mas ao que parecia, não lhe era permitido o mesmo.
— Por que temos de ir para a casa dela? — reclamou Davis, sem tirar os
olhos da tela do video game portátil.
Os dedos moviam-se com rapidez, evitando que seu personagem fosse
apanhado pelo inimigo. De vez em quando, gritinhos saudavam a conquista dos
importantes pontos de bônus.
— Eu já disse. Carolyn foi delicada em convidar a nós todos para um
churrasco — repetiu Sam, pela enésima vez. — Achei que seria uma oportunidade
divertida para vocês conhecerem minha namorada. Carolyn está morrendo de
vontade de conhecer vocês.
Ficou contente por ter resolvido não mencionar a decisão de casar-se com
ela. Depois de observar a atitude deles, seria o mesmo que declarar guerra.
Especialmente logo depois do segundo casamento da mãe dos três. Contudo,
durante as férias de verão, planejava mostrar aos filhos como eram importantes para
ele.
Lisa cruzou os braços, e a expressão estóica no olhar dela informou que o dia
não seria tão agradável quanto ele imaginara. Davis só enxergava a tela do jogo.
Brandon, encolhido no canto do banco, parecia um cachorrinho indefeso.
Carolyn sugerira o churrasco para o primeiro contato por acreditar que uma
atmosfera relaxada seria mais apropriada. Além disso sua casa localizava-se nas
proximidades do lago, de onde todos veriam o espetáculo de fogos de artifício para
comemorar o feriado. Sam concordara porque imaginara que seria uma ótima
ocasião para anunciar o noivado. Dissera a Carolyn que ele mesmo queria contar
aos filhos. Mas não disse que Marie ameaçara mandar os três para morar com ele.
Apesar de a ex-esposa apresentar o costume de exagerar as coisas, sentia que a
intenção era séria. Para dizer a verdade, Sam gostaria de ficar com os três, mas não
tinha certeza sobre qual seria a reação de Carolyn.
No momento, só podia esperar que a tensão diminuísse até chegar ao seu
destino.
— E se ela resolver casar com papai — murmurou Davis para Brandon —, aí
vai ser nossa madrasta... e você sabe como são as madrastas. O pequeno abriu os
olhos, interessado:
— Está querendo dizer como a madrasta da Branca de Neve e aquela da
Cinderela?
— Com certeza — concordou Davis baixinho, com ar de especialista no
assunto. — Talvez até pior. Ela é advogada, e você sabe o que advogados fazem
com filhos que não são seus? Podem colocar você por muitos anos na cadeia, e
ninguém mais vai saber quem é você. Ou então naquelas prisões horríveis que
colocam correntes nos presos. Ela não vai querer a gente por perto, certo? Lembra
da madrasta do Tommy Haine? Ela colocou ele no Colégio Interno.
— Não quero madrasta nenhuma! — berrou Brandon, assustado.
— Davis!
Sam não precisou olhar para trás para saber de quem fora a culpa.
— Eu só estava mostrando meu jogo pra ele, pai — respondeu o filho do
meio, em tom inocente.
— Que ótimo! — começou Lisa. — Mamãe casa com um idiota que pensa-
que ainda brinco com bonecas e diz a Davis que ele não precisa de nenhum
computador porque não sabe usar um e acha que Brandon devia estar na escola
especial para retardados. Viemos para ver se conseguimos evitar que você faça a
mesma estupidez, e o que descobrimos? Que você provavelmente vai casar com
alguém que não quer a gente por perto, do mesmo jeito que Frank. Acho que o
melhor era a gente ir para um orfanato.
— Orfanato? — gritou Brandon, cada vez mais assustado. — Eles têm ratos
nos orfanatos. E os meninos são obrigados a comer insetos.
— Davis!
Não era difícil rastrear as origens das idéias mórbidas do filho caçula.
— Não fui eu que o obriguei a assistir Oliver Twist — defendeu-se Davis.
— Vamos conversar sobre isso mais tarde, mocinho.
— Sempre culpado — protestou o garoto, afundando no assento.
— Só estou pedindo que dêem uma chance a ela — disse Sam. — Uma vez
que a conheçam, vão gostar dela, tenho certeza.
— Ela é gostosa? — quis saber Davis.
— Tem peitos grandes? — manifestou-se Brandon.
— Que diabo... — foi tudo o que o pai conseguiu dizer.
— Mamãe diz que blasfemar é sinal de fraqueza mental — lembrou o caçula.
Sam suspirou e controlou-se. Não era o momento de dizer o que achava da
idéia de fraqueza mental da ex-esposa. Afinal, não fora ele a ser apanhado em
flagrante com o rapaz que fazia a manutenção da piscina. Marie voltou para a casa
da mãe em Maryland e divorciaram-se. Se não fosse pelos milhares de quilômetros
que os separavam, a batalha pela custódia dos filhos teria sido dura. Imaginou se
deveria ligar para Frank e avisar para tomar cuidado com a piscina.
— Madrastas são conhecidas por serem malvadas com garotinhos — disse
baixinho Davis. — Não deixam você acender a luz de cabeceira de noite e você
precisa dormir num quartinho pequeno sem janelas. Não tem cama nem porta, você
precisa entrar rastejando.
— É, mas você também é menino. Vai ter que dormir no mesmo quarto —
argumentou Brandon, de olhos arregalados.
— É, mas sou maior. Ela vai me fazer dormir no sótão com os morcegos.
— Pare com isso, Davis — interveio Lisa. — Você é tão nojento. Frank tem
razão numa coisa: você devia ir para a Escola Militar.
Escola Militar? Sam tomou nota mentalmente para ter uma longa conversa
com sua ex-esposa sobre o assunto.
— Pelo menos não fico brigando com a mamãe o tempo todo para ela deixar
usar pintura no rosto
— provocou Davis, numa cantilena irritante. A irmã deu um tapa na mão dele.
— Cale a boca!
— Ela é uma bruxa de verdade? — quis saber Brandon.
As vozes dos três misturaram-se a tal ponto que não era mais possível
distinguir palavras. A cabeça de Sam começou a doer.
— Quietos!
Por um instante foi possível escutar a respiração de cada um, tamanho o
silêncio que se instalou no carro. O pai aproveitou o momento para falar
pausadamente.
— Vamos para a casa de Carolyn, onde vamos nadar, comer um belo
churrasco e nos divertir, nem que a gente se mate. Estamos entendidos?
— Papai, está pensando que a gente não sabe se comportar na casa dos
outros? Não sou mais criança — afirmou Lisa, rolando os olhos nas órbitas.
— Posso levar meu Game Boy para dentro, não posso? — indagou Davis. —
Ela não vai obrigar a gente a fazer nenhum jogo idiota, vai?
— E se ela quiser me comer? — perguntou o caçula.
— A única coisa que a gente vai comer são bifes deliciosos feitos na brasa —
garantiu Sam, rezando para chegar inteiro até o final do dia. — Só vou pedir uma
coisa: não quero "bombas", nem mergulhos escandalosos na piscina. Daqueles que
molham os outros. Ao mesmo tempo em que falava, Sam lembrava que Carolyn
nunca tivera filhos, nem irmãos. Esperava que a paciência dela resistisse ao teste
que os filhos costumavam impor, capaz de irritar um santo.
— Ah, pai... — protestou Davis, frustrado.
Mergulhar na piscina era um de seus divertimentos favoritos, porque podia
ser direcionado para molhar uma pessoa com precisão. Depois subia com ar
inocente. Antes que pudesse reforçar a ordem, um grito agudo de arrepiar a espinha
partiu do banco de trás. Temendo o pior, ele estacionou sua caminhonete no
acostamento. Puxou o freio de mão e no mesmo gesto voltou-se para trás.
— O que foi, Lisa? Está machucada? O que aconteceu, pelo amor de Deus?
— perguntou ele, estendendo os braços para ela.
Ela imediatamente recuou, encolhendo-se contra a porta do passageiro. Os
olhos castanhos demonstravam grande agonia. Sam procurou algum sinal de
sangue ou outra coisa repelente que pudesse explicar o terror da filha, cujo rosto se
avermelhava. Aos poucos Lisa voltou o rosto para a janela, como se não pudesse
falar sobre o assunto encarando o pai.
— A alça do meu sutiã arrebentou — anunciou ela, com voz chorosa.
— Tenho certeza de que Carolyn vai ajudar você com um alfinete, ou alguns
pontos — dizia Sam, dez minutos mais tarde, parado no mesmo lugar.
Estava certo de que o assunto feminino uniria as duas. Carolyn saberia
resolver o problema. Porém enganava-se.
— Um alfinete? Alguns pontos? Está pensando que vou deixar que uma
estranha cuide dessas coisas íntimas? Não posso ir — decidiu Lisa.
Sam respirou fundo várias vezes e contou até dez. Recuperando pelo menos
parte do controle, argumentou:
— Estamos perto do lago. E muito longe de casa. Carolyn está nos
esperando nos próximos dez minutos.
Lisa encarou o pai, a rebeldia e teimosia femininas estampadas no olhar.
— Não pretendo ir a lugar nenhum com meu sutiã pendurado. É só entrar
numa loja e comprar outro. Se me obrigar a ir assim, vou ficar no carro o tempo
inteiro.
— Pare com isso, Lisa. Você ainda não tem peitos. Ninguém vai reparar se
não estiver usando sutiã — intrometeu-se Davis.
— Eu vou! — respondeu ela, encarando o irmão. O pai esfregou o pescoço e
a nuca.
— lisa, hoje é feriado. Não tem nenhuma loja aberta.
— Agora há pouco no rádio escutei um comercial de uma loja que está aberta
hoje. Por que não vamos lá?
— Porque a Bradley's fica na direção oposta. Meu bem, não podemos
resolver de outro jeito? — tentou Sam, em tom de súplica.
— Preciso de um sutiã novo!
Xingando mentalmente, o pai engrenou a caminhonete e começou a
manobrar.
— Deve ter sido Marie — murmurou para si mesmo. — Ela preparou tudo
isso.
—Minha mãe disse que uma menina da minha idade não pode mais andar
por aí sem sutiã — disse lisa.
Sam teve vontade de dar um tapa no próprio rosto. Sabia que a filha tinha
uma audição excepcional, concentrou-se em entrar na estrada, em sentido. aposto
do qual vieram.
— Posso comprar um jogo novo na loja? — tentou Davis.
— Não.
— Por que todo mundo tem que pagar quando ela quer alguma coisa? —
queixou-se o garoto.
— Davis, se pretende sobreviver para completar eu décimo primeiro
aniversário é melhor ficar de boca fechada na próxima meia hora — avisou Sam.
Fazia tempo que Davis não encontrava o pai, mas ainda conhecia aquele tom
de voz. Ficou de boca fechada.
— Puxa, será que é de alguém famoso? — perguntou Davis, admirando a
limusine branca estacionada atrás deles.
— É difícil saber — comentou Sam, examinando o veículo reluzente.
Havia um motorista sentado no banco traseiro com a porta aberta.
— Ei, companheiro — chamou o homem, erguendo os olhos da revista que
estava lendo. — Se por acaso encontrar uma noiva lá dentro, diga que se não
sairmos em dez minutos ela vai chegar atrasada ao casamento.
— Pode deixar — disse Sam, sorrindo. Voltou-se para os filhos. — Uma noiva
fazendo compras no dia do casamento. Acho que mal consegue esperar para usar o
cartão de crédito do noivo.
— Não quero nenhum de vocês perto de mim — avisou Lisa, assim que
entraram, estendendo a mão para o pai. — Sou perfeitamente capaz de fazer mi nha
compra sozinha.
—Vamos dar uma olhada nos jogos? — sugeriu Davis.
— Não.
Sam apanhou duas notas da carteira e entregou-as a Lisa. Observou a filha
afastando-se na direção das roupas íntimas com certa melancolia. Lisa já era uma
mulher e ele perdera boa parte daquela transformação. Sentiu um puxão na barra do
calção.
— Pai, preciso ir ao banheiro — anunciou Brandon. Ele suspirou e estendeu a
mão para o filho mais novo.
— Vamos. Você também, mocinho.
— Não preciso ir. Posso esperar na seção de eletrônicos.
— Davis, não pretendo ficar aqui nem um minuto a mais, portanto nós três
vamos ficar juntos.
— Desmancha-prazeres — resmungou o menino, enfiando as mãos nos
bolsos e andando devagar atrás.
— Nossos computadores estão lentos, hoje — desculpou-se o caixa, tentando
não reparar na indumentária da noiva à sua frente.
— Hoje saí sem cartão de crédito. Nunca imaginei que fosse precisar —
explicou Chris. — Ainda bem que trouxe a carta de motorista. Existe uma cabine que
eu possa usar?
O caixa olhou para as três embalagens de meias antes de responder.
— Use uma cabine na seção de lingerie — sugeriu ele, entregando a nota de
compra.
Ela olhou na direção indicada. Não havia tempo a perder, se pretendia casar.
Caminhou naquela direção, sorrindo ao ver uma garotinha examinando sutiãs. Ainda
lembrava de seu ar de importância quando comprara o primeiro: branco, de algodão,
com um pequeno motivo floral no meio.
Escolheu um provador vazio e entrou. Em poucos segundos estava suando
no banco, depois de retirar a meia desfiada e vestir a outra. Descansou um pouco e
colocou um dos pares novos sem nenhum problema. Levantou-se, ficou de costas
para o espelho e olhou por sobre o ombro para verificar a parte traseira da meia
nova. Tudo parecia perfeito.
— Agora sim. Parece que tomei a decisão certa em parar aqui — disse Chris,
em voz alta. — Um bom presságio, finalmente.
Nesse instante, todas as luzes se apagaram.
— Por outro lado, talvez não — completou Chris, imersa na escuridão.

Capítulo 2

— Que diabo! — resmungou Sam, girando nos calcanhares quando as luzes


da loja se apagaram.
A música suave e o ruído das registradoras foi interrompido abruptamente, ao
mesmo tempo que outros ruídos no prédio cessavam.
— Pai? O que aconteceu? — perguntou Brandon, apertando-lhe a mão.
— Uau, será que a loja não pagou a conta de luz? Que legal! — comentou
Davis.
Sam agradeceu ao fato de a loja não ter ficado totalmente às escuras.
Agarrou a mão do mais velho também e dirigiu-se para a seção de lingerie.
Chris resmungou e procurou a porta na escuridão total da pequena cabine.
Não conseguia nem ver a própria mão à frente do rosto. Finalmente encontrou e
abriu a porta de uma vez. Ficou contente ao reparar que do lado de fora havia luz
natural ainda. Tropeçou ao sair, dirigindo-se para o centro da loja.
— Tem alguém aí? — perguntou uma voz assustada a seu lado.
Chris percebeu que a voz era jovem, e foi na direção do som.
— Estou aqui. Continue falando para eu achar você — instruiu ela. I — O que
aconteceu? Chris chegou em frente à porta de um dos provadores e abriu-a.
— Acho que acabou a energia. Você está bem? — indagou ela, forçando a
vista para distinguir alguma forma na escuridão interna.
A garota estava no interior, segurando um tope de algodão à frente do corpo.
— Eu estava experimentando um sutiã — explicou a menina. — A alça do
meu arrebentou, e eu disse a meu pai que não podia ir a lugar nenhum desse jeito.
— Lisa!
— Meu pai — exclamou a menina, colocando rápido a roupa.
As duas tinham acabado de deixar a área dos provadores quando a silhueta
de um homem e de dois meninos aproximou-se correndo.
— Você está bem? — indagou Sam, abaixando à frente da filha.
— Fiquei um pouco assustada quando as luzes apagaram — admitiu ela.
— Achei um barato — comentou Davis.
Lisa voltou-se e reparou em sua companheira de infortúnio.
— Você está usando um vestido de noiva. Está participando de algum desfile
de moda?
Chris sorriu.
— Na verdade estou a caminho do casamento.
— Eu achei que a maioria das noivas conseguia esperar até depois do
casamento para gastar o dinheiro do noivo — comentou Sam. — A propósito, o
motorista da sua limusine está lá fora pedindo para você se apressar.
— Se quer saber, eu tinha um fio desfiado em minha meia e parei para
comprar um par novo — afirmou ela apressadamente. — Não era possível me casar
com uma meia desfiada.
Ele baixou os olhos, apesar da penumbra. Depois olhou para a filha.
— Parece que a gente não vai poder fazer compras hoje, princesa.
— Mas pai, eu já vesti o sutiã novo.
— Acontece que as caixas registradoras não funcionam.
— Acho que a vendedora pode fazer uma nota se você tiver o dinheiro
trocado — sugeriu Chris.
Lisa dirigiu-lhe um sorriso em agradecimento e enfiou as mãos nos bolsos.
Chris olhou para Sam. Um homem com três filhos deveria ter uma esposa em
algum lugar, embora não conseguisse compreender por que ela não estaria
ajudando a filha a comprar um sutiã.
— Será que precisamos ir a esse churrasco chato? — arriscou Davis.
— Pois é para lá que vamos assim que sairmos daqui, e acho bom você se
comportar muito bem.
— Ela vai obrigar a gente a comer aquelas comidas estranhas com brotos e
outros legumes — resmungou Brandon, olhando de lado a noiva. — Você pelo
menos vai ganhar bolo no casamento.
Chris ajeitou a bolsa.
— Bolo com cobertura branca e recheio de limão, e mais um com recheio de
rum. O noivo achou melhor que os convidados pudessem escolher.
— Sem chocolate? — perguntou o menino, desapontado.
— Se eu fosse você, não me preocuparia demais, porque você não vai para
lá — aconselhou o pai.
A luz não era muita, porém o suficiente para re-parar na beleza da noiva. De
uma certa forma, esperava-se que as noivas fossem bonitas mesmo, porém aquela
era especial. Não parecia aérea, como as outras noivas que já vira. Que tipo de
mulher pararia a caminho do casamento para comprar uma meia? Com a aparência
que ela tinha, quem iria notar se a meia estava desfiada?
— Podemos ir — anunciou Lisa, com ar de mártir. A moça disse que eu tenho
o dinheiro trocado, eu só passar no caixa.
— Tenha um bom casamento — despediu-se Sam.
— Tenha um bom churrasco — desejou ela, apressando-se na direção da
saída.
Sam e as crianças não estavam muito atrás quando ouviram Chris parar e
falar com uma das pessoas na multidão em frente à porta.
— Como assim, as portas não vão abrir?
O homem parecia ter dado a mesma explicação varias vezes, para pessoas
inconformadas.
— Temos um sistema de segurança muito rígido, madame, e as portas são
operadas eletronicamente. Quando a luz falta, elas fecham automaticamente. Como
a fechadura é eletrônica, não podemos abrir até que a energia volte.
— Vocês não têm um gerador de emergência? — indagou Sam,
aproximando-se.
O homem concordou com um gesto de cabeça.
— Tivemos problemas com o gerador de emergência, mas ninguém podia vir
até a semana que vem.
Como estamos no feriado, temos poucas pessoas na manutenção. Mas já
mandei um dos técnicos cuidar disso. Assim que o gerador de emergência estiver
funcionando, vamos abrir essas portas.
Ele arregalou os olhos ao perceber o vestido de Chris.
— Já entrei com ele. E espero que não demorem muito para consertar as
portas. Parei aqui a caminho do casamento, como pode ver.
— Então estamos presos na loja? Legal! — manifestou-se Davis.
— Devo presumir que se casa hoje — disse o homem da segurança.
— Às quatro horas. Se olhar para fora poderá ver minha limusine esperando.
— Espero que ele esteja ganhando por hora — comentou Sam, com a
atenção em Brandon, que demonstrava interesse numa pilha enorme de bolas de
golfe.
— Não posso chegar atrasada ao meu próprio casamento — protestou Chris,
impaciente.
— Talvez devesse ter pensado nisso antes de entrar aqui para comprar uma
meia-calça — opinou Sam.
— Para sua informação resolvi não usar uma meia-calça hoje — afirmou ela
com voz suave, afastando-se.
Ele girou a cabeça para observar o andar da noiva. Havia uma diferença:
agora sabia que ela não estava usando meia-calça, o que significava uma cinta-liga
para prender as meias, a menos que fossem do tipo que se sustenta. Mas ele
apostava na cinta-liga. Parecia a coisa certa para uma noiva. A calcinha seria estilo
francês com rendas? A idéia de descobrir mais sobre o assunto tornou-se uma
tentação. Nada apropriado para um pai de três filhos que tinha sérias intenções de
casar-se em pouco tempo.
— Meu senhor, bem... não podemos ficar aqui. Temos muito o que fazer —
queixou-se uma senhora com ar aflito ao porteiro. — Embarcamos à noite num
cruzeiro de navio para comemorar cinqüenta anos de casados.
— Tenho certeza de que não vai demorar muito, madame — garantiu o
homem, sem muita convicção.
— Vamos fazer alguma coisa — pediu Davis, olhando para os lados.
— Por exemplo?
— Podíamos ir até o departamento de brinquedos para ver os jogos de
computador.
— Seria mesmo a melhor hora, porque eles não podem vender nada, e sem
energia os jogos não funcionam mesmo — lembrou Sam, sentindo certo prazer. —
Não pensou nisso, hein?
— Puxa vida...
— Não é possível que a gente esteja preso aqui
— disse Lisa, inconformada.
— Preciso ir ao banheiro — anunciou Brandon.
Pelo tom desesperado não era a primeira vez que ele externava seu desejo.
— Não acredito! — declarou Chris, inconformada.
— Falta de energia não significa que os telefones também parem de
funcionar. Kevin nunca vai acreditar nisso.
Ela viera procurar os telefones para descobrir que também estavam
inoperantes. Parecia uma armadilha do destino, uma trama cujo objetivo era impedir
seu casamento. Recostou-se contra a parede, numa reação de impotência.
A única coisa em que conseguiu pensar foi voltar até a porta e tentar atrair a
atenção do motorista, para que ele entrasse em contato com Kevin. Lembrava-se de
ter visto um telefone na traseira da limusine.
— Espero que esse Kevin seja seu noivo. Chris voltou-se para deparar com o
homem das meias e seus três filhos.
— Eu não vou entrar sozinho lá — afirmou Brandon, apontando a porta
basculante do banheiro.
— Vou com você — ofereceu-se Davis, estendendo a mão ao irmão. Só então
reparou na noiva. — Oi. Se você não casar, o que acontece com os bolos?
— Davis!
O menino deu de ombros.
— Achei que não custava perguntar.
Os dois garotos entraram pela porta do banheiro.
— O nome dele é Davis? — quis saber Chris.
— Sei que é difícil acreditar, mas se trata de um nome de família. Minha ex-
esposa é descendente de Jefferson Davis. Um dos dois nomes tem de ser usado a
cada geração. O primeiro nome do avô é Jefferson. Meu filho teve a infelicidade de
ficar com Davis.
Ela pareceu intrigada pela explicação. E mais ainda pelo fato de ele ser
solteiro.
— Você não teve voz ativa na escolha do nome?
— Não. Sou Sam Winslow. Os três delinqüentes que estão comigo são Lisa,
Davis e Brandon.
— Sou Chris St. James. Minha mãe pensou que se me desse o nome de uma
tia-avó, ela deixaria todo o dinheiro que conseguiu juntar na bolsa de valores por
muitos e muitos anos. A velhinha tinha um dom natural para adivinhar que ações
iriam subir, e sabia quando vender, pouco antes de abaixar.
Sam sorriu.
— Ela deixou a herança para sua mãe? Chris balançou a cabeça, numa
negativa.
— Parece que ela sempre odiou o próprio nome, e jamais deixaria o dinheiro
para alguém que tivesse a coragem de colocar o mesmo nome numa filha. Acabou
deixando tudo para o mordomo e para o lagarto de estimação, um iguana.
—- Imagino como esses dois tenham resolvido suas diferenças de opinião
sobre como gastar o dinheiro. Acho que tinham gosto diferente, não?
Ela sorriu. Quando contara a Kevin a mesma história, ele não percebera a
ironia da situação como Sam.
— Para dizer a verdade não são todos os iguanas que possuem solo
aquecido numa sala climatizada, não acha? E nem todos os mordomos têm seu
próprio mordomo.
— Quem ganha o dinheiro em caso de um deles morrer?
— Nunca procurei saber. É preciso entender que o mordomo de minha tia
tinha vinte e oito anos quando ela morreu, e gozava de excelente saúde.
Provavelmente deve ter arranjado as coisas para que a parte do iguana reverta para
ele.
Sam observava a noiva, encantado com a vivacidade das palavras e dos
gestos. A maioria das noivas estaria histérica àquela altura dos acontecimentos, mas
Chris parecia ter vontade de aproveitar seu tempo e extrair da vida o que pudesse.
Imaginou se sua própria noiva teria idéia sobre o que aconteceria no futuro. Se havia
uma coisa que admirava numa mulher era a capacidade de aceitar as coisas à
medida que vinham.
— Ou talvez o iguana tenha conseguido aparecer no testamento do
mordomo. Não acha que o iguana seria a primeira suspeita de assassinato se
acontecesse um "mordomicídio"?
— Não sei. Só sei que se o aquecimento do quarto do iguana fosse
desligado, todos suspeitariam do mordomo — completou ela.
— Seria óbvio demais. O velho truque do "iguanicídio".
— Desculpe, mas não tive tempo de pensar em outra coisa para dizer...
— Paaai!
O grito de Brandon no interior do banheiro teve a propriedade de assustar os
dois.
— Essa é minha deixa — brincou Sam, partindo para o banheiro.
Chris teria ficado muito mais tempo conversando com aquele homem que
parecia partilhar o mesmo senso de humor que ela demonstrava. Melhor ainda em
alguém tão bonito como ele.
— Calma, Chris, você vai casar hoje, menina — ralhou consigo mesma em
voz baixa.
Suspirou e afastou-se. Precisava descobrir quais eram as possibilidades de
saírem dali em pouco tempo. Detestava pensar em explicar aquilo a Kevin, sempre
tão organizado e pontual. Era até engraçada a situação, mas acreditava que o noivo
não teria vontade de rir.
— Senhoras e senhores, por favor peço que sejam pacientes — explicava o
gerente da loja à pequena multidão reunida próxima à luz diurna vinda das portas.
Um burburinho de protestos levantou-se. — Desculpem, mas precisam entender que
essas circunstâncias fogem completamente ao nosso controle. — Como diabo pode
dizer que foge ao seu controle? Vai me dizer que uma loja desse tamanho não tem
ninguém capaz de consertar um gerador de emergência? — reclamou em tom
irritado um senhor obeso e bem vestido.
— Meu senhor, posso garantir que temos, e que estão trabalhando no
problema. Por algum motivo desconhecido, nossos telefones também estão mudos
Até agora ainda não temos certeza sobre o que aconteceu, mas posso
adiantar que o fenômeno se estende sobre uma área muito grande.
Sam passou o braço no ombro de Lisa, que se sentia bem próxima ao pai.
Não reclamou nenhuma vez por ter sido tratada como criança. Davis observava os
arredores com interesse, e Brandon agarrava-se à perna do pai.
— E os elevadores? — indagou Chris. — Será que não tem ninguém preso lá
dentro?
— Assim, quem sabe Keanu Reeves vem salvar a gente — brincou uma
garota.
— Já verifiquei os elevadores, senhorita, e por sorte estavam vazios quando
acabou a luz — respondeu o gerente.
— Eu tinha acabado de sair do elevador com meus filhos. Foi Deus quem me
salvou — anunciou uma senhora, fazendo o sinal da cruz.
O gerente, mortificado, parecia não saber o que dizer. Davis aproveitou:
— Falando de filhos, quero dizer algo pelas crianças. 'Será que você não tem
um departamento de brinquedos para deixar a gente enquanto a luz não volta? —
sugeriu ele. Apressou-se a acrescentar: — Prometemos não quebrar nada.
— Duvido muito — disse Sam, percebendo que uma dor de cabeça vinha a
caminho.
O que mais poderia acontecer num dia como aquele? Davis insistia:
— Vocês não iam querer que a gente ficasse correndo e gritando por esses
corredores escuros, iam? Podíamos ficar todos numa sala, e os pais saberiam que
estamos juntos.
— É melhor desistir, Davis — aconselhou Sam.
— Acho que a idéia é muito boa — interveio Chris. — Afinal não sabemos
quanto tempo vamos passar aqui ainda. Daqui a pouco as crianças vão começar a
procurar o que fazer.
— Meus filhos fazem compras comigo desde pequenos — protestou uma
loira.
— E verdade, mas você sempre sabia quando ia voltar, e era tudo iluminado.
Não temos idéia de quando a energia vai voltar. Principalmente se a área atingida for
muito grande.
— E generalizado — informou um balconista. — Liguei um dos rádios
portáteis na seção de eletrônicos, e fiquei sabendo que falta energia em vários
estados. Eles não têm a menor idéia sobre a causa, portanto não sabem quando vão
poder normalizar o abastecimento. Pode levar algumas horas.
Chris consultou o relógio.
— Kevin nunca vai entender isso.
A loira reparou no traje da companheira de infortúnio, e imediatamente seu
olhar se suavizou.
— Você ia casar agora?
— Ia. A cerimônia devia começar às quatro horas. Mas eu imagino que se o
problema for geral, a igreja deverá sofrer a mesma coisa.
— Por quê? O pastor é movido a eletricidade? — indagou Davis.
Sam virou-se, sem conseguir esconder o som do riso.
— Não, Davis — respondeu Chris. — Mas se as luzes não funcionarem lá,
nem o órgão, eles não fazem o casamento.
— Oh — fez o menino, com certa decepção. Brandon olhou fixamente para
Chris.
— Seu marido tem filhos?
Ela se abaixou para manter o olhar no mesmo nível
— Não, não tem.
— Então você não vai virar uma madrasta má, como a da Branca de Neve? E
não vai fazer coisas horríveis com os meninos, não é? Meu pai está nos levando
para um churrasco, mas Davis acha que ele vai dizer para nós que vai casar com
ela.
— Brandon! — avisou Sam.
Chris olhou para o pai, cuja expressão confirmava a veracidade do que o
garoto dissera. Então havia uma mulher na vida daquele homem, afinal. Ela forçou
um sorriso antes de voltar-se para o menino.
— Nem todas as madrastas são más, Brandon.
— Mas põe você na prisão, se você fizer coisas erradas. Ou no colégio
interno. E tiram os brinquedos da gente, e fazem a gente dormir com insetos.
Sam gemeu, com a mão na testa.
— Não estou acreditando no que estou ouvindo.
Chris não tirou os olhos do rosto de Brandon e sorriu de forma
tranqüilizadora.
— Você acha mesmo que seu pai ia deixar alguém fazer uma coisa dessas
com você? — indagou ela com voz macia. O menino balançou a cabeça numa
negativa. — Sabe disso, não sabe? Eu também acho que ele não deixaria fazerem
nada com você. E aposto que a moça é muito boazinha.
— Mesmo que seja advogada? — perguntou o menino. Chris precisou apertar
os lábios para não rir.
— Mesmo que seja advogada.
— Você só está dizendo isso para ele se sentir melhor — disse Lisa. — Você
não sabe de nada sobre nós ou sobre ela, portanto diz coisas que não são
verdadeiras para nos acalmar. Somos crianças mas não somos bobos.
Chris encarou a adolescente.
— Acho que não sou perfeita, mas sei que não é decente mentir para uma
criança. E nem se deve ficar assustando as crianças.
— Você é tão ruim quanto Frank — explodiu Lisa, olhando em seguida para o
pai e afastando-se.
— Pelo menos sei que ela não pode ir muito longe — disse ele, oferecendo a
mão para ajudar Chris a levantar-se. — Escute, queria me desculpar pelo que ela
disse a você. Ela está naquela idade em que odeia tudo e a todos.
Ela ergueu-se com o auxílio dele.
— Não há o que desculpar. As crianças têm o costume de falar a verdade.
Nunca mentem nesses assuntos. Devo presumir que Frank seja o padrasto, certo?
— A popularidade dele com ela não está em alta, no momento.
— Planeja casar outra vez em breve?
Estranhamente Sam sentiu certa relutância em admitir o fato.
— Estávamos pensando em contar para as crianças hoje à tarde.
— Como alguém que já teve dois padrastos e três madrastas, sendo que três
deles tinham filhos de casamentos anteriores, acho que posso sugerir que escute de
verdade o que eles têm a dizer. Crianças demonstram mais bom senso do que os
adultos imaginam.
— Ah, uma verdadeira perita em famílias separadas — manifestou-se Sam,
repreendendo a si mesmo pelo tom arrogante.
Afinal ela só estava tentando ajudar. E ele também acreditava em sentar e
conversar com os filhos.
— De primeira — confirmou ela, com uma expressão diferente no rosto.
A mente de Sam viajou algumas horas para o futuro, visualizando a noite de
núpcias que ela teria. Lençóis de seda, meia-luz, champanhe gelada...
— Acho que o dia hoje não saiu como você esperava — comentou ele, ainda
elaborando a imagem de Chris usando lingerie sobre a cama.
— Talvez... — murmurou ela, baixando os olhos para o vestido. — Não é
exatamente o tipo de roupa que se usa para fazer compras.
— Você é uma noiva muito bonita.
Ainda a imaginava usando roupas íntimas, brancas, de acordo com a
tradição. Mas tinha um palpite de que ela ficaria arrasadora com lingerie negra. Sua
consciência acusou uma pontada de culpa. Afinal era Carolyn que ele deveria
imaginar na cama.
Chris fitou o companheiro de infortúnio. A penumbra não permitia que se
distinguisse a cor dos olhos dele, mas o brilho de interesse a perseguira desde que
se encontraram. Sentiu a boca seca.
Nesse átimo de tempo Sam percebeu o interesse dela, como um eco da
própria vontade.
A temperatura do lugar deu a impressão de subir alguns graus. Por um
instante foi como se algo os atraísse na direção um do outro.
Antes que Chris se entregasse aos próprios sentidos, teve a impressão de
receber um chute da própria consciência: era o dia de seu casamento! A última coisa
que deveria estar fazendo era pensar em outro homem.
— Acho que vou ver se alguém conseguiu saber mais alguma coisa sobre a
falta de energia — murmurou ela, afastando-se com relutância.
Sam ainda tentava entender o que quase acontecera ao observar o vestido
branco flutuando na penumbra. Quando se moveu percebeu que estava tonto.
— Pai? Podemos ir para casa agora? — disse Brandon, puxando o calção do
pai.
Sam agachou-se e colocou as mãos nos ombros do filho menor.
— Cara, nós estamos com um problema aqui. A loja está trancada e não
podemos sair.
— Por que não chamam alguém que tenha uma chave para abrir por fora?
— Precisam de eletricidade para abrir o mecanismo.
— Deviam ter feito alguma coisa para não acontecer isso.
— E, deviam mesmo — concordou o pai, erguendo-se. — Nosso dia teria sido
bem mais fácil.
Chris procurava o assistente do gerente pela loja. Precisava da aprovação do
sujeito para um pedido. Quando chegou à seção de sapatos deixou-se cair num
banco e tirou os calçados brancos de salto alto. Sorriu para uma mulher mais velha
que descansava numa poltrona próxima.
— Muito prazer, meu nome é Sônia — apresentou-se ela, com um sorriso.
— Se eu tivesse reparado que esses sapatos apertavam tanto, não teria
comprado. No momento, por exemplo, a idéia de dançar parece dolorida.
— Eu e meu Eric dançamos a noite inteira na recepção de casamento —
confidenciou Sônia. — Nem reparei se meus pés doeram. Acho que nem me
importei. Agora, com certeza eu saberia. Estamos comemorando o qüinquagésimo
aniversário de casamento esta semana. Bodas de ouro. Eric achou que era o
momento de partirmos num cruzeiro.
— Que maravilha! Para onde vão?
— Vamos dar a volta ao mundo. Meu Eric acha que temos muito tempo para
aproveitar e dinheiro suficiente. Meus filhos gostaram, tanto que ganhei um vale-
presente de, minha filha mais velha, com o nome dessa loja. Eu tinha a esperança
de conseguir comprar hoje tudo o que precisava. Chris sorriu.
— É difícil imaginar um casal junto por cinqüenta anos.
— Não se o marido for como o Eric. Eu não conseguia me imaginar casada
com mais ninguém. Ao longo dos anos, ele me deu muito mais do que coisas
materiais. Ele doou a si mesmo — declarou a senhora, com um sorriso radiante de
felicidade.
Chris sentiu-se quase uma intrometida naquele momento de intimidade. O
olhar de Sônia baixou para o traje inusitado da companheira.
— Que belo vestido está usando. Não vai colocar véu?
— Não. Resolvi não usar véu e nenhum chapéu que experimentei ficou bom.
Vou usar só a tiara.
— Mas, afinal, por que parou aqui? Chris repetiu sua história.
— Acho que deveria ter ignorado a meia — opinou Sônia, ao final. — Seu
noivo deve estar muito preocupado a esta hora.
— Gostaria de poder avisar a ele onde estou — disse Chris, sentindo uma
pontada de dor no estômago.
Seu olhar pousou sobre uma placa de papelão anunciando a oferta de
sapatos esportivos da semana. De repente teve uma idéia, que a fez saltar da
poltrona.
— Acho que descobri uma forma de avisar a ele.
Correu até o caixa e conversou brevemente com o homem. Em poucos
instantes obtivera uma caneta marcadora, do tipo que a loja usava para fazer os
cartazes de oferta.
Chris agarrou o cartaz de fórmica branca e correu para as portas principais.
Assim que se aproximou, sentou-se para escrever seu recado em letras grandes.
Quando apoiou contra o vidro sua mensagem gigante, firmou-a e olhou para fora.
Teve uma surpresa. O espaço em frente à loja encontrava-se vazio. Se ali
antes estivera uma limusine poderia ser um produto de sua imaginação.
— Se você não avisar meu noivo prometo que não vai receber pagamento
nenhum — resmungou ela baixinho contra o vidro.
Ela voltou e devolveu os objetos emprestados. Acomodou-se outra vez na
poltrona, com um suspiro de resignação. Passaram duas mulheres discutindo.
— Você acredita numa coisa dessas? Podemos acabar ficando aqui a noite
inteira! As autoridades ainda estão tentando descobrir o que aconteceu.
— Tente ver as coisas pelo lado bom, menina. Deixamos nossos filhos com
os maridos. Adivinha quem está agora tentando explicar para eles por que os
malditos video games não funcionam?
— Melhor ele do que eu.
Chris apoiou a cabeça no encosto.
— Só pode ser um sinal do destino.

Capítulo 3

Quando, finalmente, encontrou o assistente do gerente, ele parecia sentir dor.


Ele gemeu quando Chris aproximou-se.
— Madame, sinto muito que tenha perdido seu casamento, mas a verdade é
que não faço a menor idéia sobre quando poderemos sair da loja — começou ele,
antes que ela tivesse oportunidade de dizer alguma coisa. — Nossa equipe de
manutenção está trabalhando, mas com o número reduzido de técnicos e os pro-
blemas que podem aparecer, como peças de reposição e estoque reduzido, é uma
tarefa quase impossível.
— Calma, moço, não vim aqui para reclamar. Só queria pedir um favor
especial. Sei que sem as caixas fica mais difícil, mas eu gostaria de tirar meu vestido
— disse ela. — Andando pelo escuro com ele fica mais fácil estragar ou rasgar.
Tenho uma conta em seu estabelecimento e posso assegurar que o crédito é bom.
Pelo menos pude usar para comprar meias enquanto ainda havia energia.
Ele suspirou aliviado.
— Finalmente um assunto que eu posso resolver. Não há problema algum em
adquirir qualquer mercadoria que necessite — disse ele, retirando um cartão do
bolso. — Peça para os balconistas anotarem os totais nesse cartão e registraremos
tudo quando a energia retornar. Se quiser, pode estocar seu vestido no
departamento de noivas.
— Muito obrigada — respondeu Chris, aceitando o cartão. — Sabe, é que eu
me imaginei saindo daqui com o vestido em pedaços, como se fosse um fantasma
inglês.
— Gostaria de poder fazer mais pela senhorita. Tenho certeza de que o noivo
deve estar muito preocupado.
Chris engoliu mais uma vez a parcela de culpa que a menção ao noivo
angustiado provocava. Uma segunda pontada advertiu-a de que não estava tão
preocupada quanto devia.
— Tenho esperança de que ele já saiba o que aconteceu. Minha limusine já
se foi, e acredito que o motorista tenha avisado a igreja, onde está meu noivo. Ele
deve saber que estou bem e também onde estou. Agora, se me dá licença, vou fazer
compras — despediu-se ela, com um sorriso encantador.
— Não foi bem isso o que você planejou fazer no dia do casamento, foi? —
perguntou ela a si mesma quando se afastou o suficiente. — A esta hora deveria
estar na igreja, e depois comparecendo à recepção que mamãe organizou.
Não quis admitir que em algum ponto oculto de sua mente havia um suspiro
de alívio.
— Que piscina da hora! — exclamou Davis, impressionado com a grande
piscina de plástico armada na seção de jardinagem.
Sam desejou que aquela quantidade enorme de água estivesse do lado
externo do pátio.
— Não chegue muito perto — avisou ao filho.
Davis era conhecido por suas atitudes inesperadas, de acordo com a mãe a
manifestação da teimosia paterna. Porém depois das batalhas judiciais durante o
divórcio, ele percebeu que era dócil e maleável, comparado à esposa.
— Uau, que legal se a gente encontrasse um cadáver boiando na piscina.
Aqui no escuro, ninguém ia saber quem era o assassino, nem quem seria o
próximo...
— Eu não quero ser assinado — declarou Brandon, com ar preocupado.
— Assassinado — corrigiu o irmão.
— Davis só está inventando uma história, seu bobo — disse Sam, fuzilando o
filho mais velho com o olhar. — Mas ele sabe também que pode imaginar o que
quiser, mas deve guardar para si. Senão pode ter uma surpresa desagradável.
O menino não pareceu alterar-se com a ameaça.
— Como estamos trancados, e meu Game Boy está longe de mim, no carro,
acho que não pode fazer muita coisa para me castigar, pai.
Sam aproximou o rosto do filho até que ficassem a poucos centímetros um do
outro.
— Pode ser. Mas algum dia todos nós vamos sair daqui, e acho que posso
gastar meu tempo pensando em algum castigo apropriado para você, meu jovem.
Davis engoliu em seco.
— Faz sentido, pai.
— Ótimo. Sabia que concordaria — Sam voltou-se para o filho menor. —
Brandon, você é o menor, portanto o alvo mais fácil para um sujeito de língua
grande, que parece ser espertinho demais. Tome cuidado. Não acredite em tudo o
que ouve.
Davis deu de ombros e voltou a examinar a piscina, mantendo um olho no
pai. Nos sete meses de ausência, esquecera que Sam descobria suas intenções
com maior rapidez que a mãe. Não era como Frank, que só percebia quando já era
tarde demais. A mãe o mandava de castigo para o quarto, reparando que isso não
parecia incomoda-lo, até resolver tirar-lhe o computador. Depois disso, foi um
inferno.
— Seria bom se nos deixassem nadar. Não temos culpa nenhuma do que
está acontecendo. Não querem nos manter contentes?
— Davis, conhecendo você como eu conheço, essa falta de luz poderia muito
bem ser culpa sua — declarou o pai.
Detestava imaginar o que Carolyn estaria pensando. Não podia nem ligar
para explicar o ocorrido. Quer dizer, ficar trancado numa loja por causa de uma falta
de energia era motivo suficiente para ele, mas não sabia se a namorada teria a
mesma visão das coisas.
Sam assobiou ao reparar que Chris se aproximava.
— Então é assim que a noiva parece na vida real?
— Considerando o que paguei por meu imaculado vestido de noiva, não
tenho a menor intenção de estragar tudo. Achei que esse modelo era mais conve-
niente para sentar no escuro durante a falta de energia.
Sam observou um par perfeito de pernas abaixo do calção jeans que ela
combinara com uma camiseta cor-de-rosa. Embora tivesse visto incontáveis mu-
lheres em camisetas daquela cor, não se recordava de nenhuma que parecesse
mais feminina do que aquela de gola em V, combinada com os brincos de pérolas e
a maquiagem de noiva. O efeito deveria ser exótico, mas em Chris parecia tão
natural quanto uma roupa para o cotidiano. Para dizer a verdade, ele dispensaria o
enorme anel de diamante na mão esquerda. Aprovara porém a transformação dos
sapatos de salto em sandálias.
— Eu disse a eles que deveria comprar esses artigos a preço de liquidação —
disse ela.
— Por quê?
— Bem, eu tenho conta aqui. O mínimo que eles podem fazer é oferecer
incentivos para manter seus clientes felizes — justificou Chris, olhando ao redor. —
Esse é um ótimo lugar para crianças. A gente sabe pelo modo com que seus filhos
estão admirando a piscina.
Sam olhou por sobre o ombro. Davis ainda parecia interessado na piscina, ao
passo que Brandon tivera a atenção despertada por uma elaborada vitrina de super-
heróis. Lisa parecia entediada pelos acontecimentos, com cara de quem preferia
estar a mil quilômetros de distância.
— Ela já é uma adolescente — disse Chris, baixinho.
— Como?
— Sua filha. Está naquela idade desajeitada em que odeia estar ao lado dos
pais porque acha que isso a faz parecer criança. Daqui em diante os pais são
invisíveis.
— É por isso que me trata como se eu fosse lixo? — indagou Sam.
— Isso acontece porque os pais possuem o mau hábito de enxergar as filhas
como garotinhas em vez de mulheres em formação, como elas querem.
Ele mudou o peso do corpo de uma perna para outra, pouco à vontade.
— Bem, ela é minha garotinha. Lembro quando ela nasceu, quando deu os
primeiros passos e quando aprendeu a andar de bicicleta.
— Eu sei, mas agora ela está comprando sutiãs e vai começar o período
menstrual.
— Mas ela só tem doze anos. Não quero que cresça tão depressa.
— Desculpe ter de dar a novidade, mas é o que acontece nessa idade. Minha
mãe disse que só voltei a agir como um ser humano aos dezenove anos.
— Talvez eu não viva tanto tempo assim — resmungou Sam.
— Espere até seu filho começar a se interessar por garotas e namorar.
Chris riu das caretas de Sam. Aquele homem que parecia tão apavorado
perante a perspectiva de crescimento dos filhos era atraente. Ela caminhou devagar
até onde as cadeiras de jardim estavam expostas, sob um grande guarda-sol florido.
Acomodou-se numa delas, como se estivesse numa praia.
— Como dividem o tempo dos filhos? Um final de semana sim outro não?
— O problema é que ela mora do outro lado do país, em Baltimore, portanto
fico com eles oito semanas no verão e feriados alternados. Um sim, outro não.
— Isso quer dizer que acabou de pegar seus filhos e ainda não teve tempo de
se adaptar às mudanças.
Sam acomodou-se na cadeira ao lado.
— Estou surpreso que não tenha escrito uma apostila sobre o assunto. Muitos
pais poderiam se beneficiar.
— Desculpe, é que tenho tendência a falar demais quando me sinto em
situações fora de controle.
— Não precisa se desculpar. O que faz quando não está ajudando pais
desajeitados? — quis saber ele.
— Ajudo empregados desesperados. Tenho uma agência de empregos
temporários. A St. James Empregos Temporários.
— Conheço. Quer dizer, já vi seus anúncios no jornal. São impressionantes.
— E mesmo? Chamaram sua atenção?
— O suficiente para me estimular a procurar vocês, se eu não trabalhasse por
conta própria.
— Fazendo o quê? — foi a vez de Chris demonstrar sua curiosidade.
— Projeto jogos de computadores para a Matrix Software.
— Matrix... não foram eles que lançaram aquele jogo no ano passado...
Swordplay? Sobre seres imortais que lutavam pelo direito de ser o chefe?
— Foi um de meus projetos — admitiu Sam, sorrindo.
— O filho do meu primo, que tem dez anos de idade, não se meteu em
confusões no Natal graças ao seu jogo. Foi o primeiro que ele não conseguiu
terminar em meia hora, e não parou até chegar ao final. Não são parentes com os
quais me relaciono, se entende o que quero dizer. Mas posso afirmar que naquele
dia o menino chegou muito perto de se tornar um ser humano.
— Fico contente em ter pacificado seu Natal — riu Sam.
Chris aproximou-se como se fosse fazer uma importante confidência.
— Acho que o pestinha vai ser de acordo com o nome: Damien.
— Damien? — repetiu ele, incrédulo. — O mesmo nome do menino-diabo no
filme A Profecia?
— O mesmo. Ele tem sido um monstrinho desde que aprendeu a falar e todos
temem que ele nunca ultrapasse essa fase horrível. Alguns de nós acham mesmo
que a mãe pegou o bebê errado na maternidade.
Sam olhou ao redor, julgando a distância em que os filhos se encontravam
antes de falar, em voz baixa.
— Falando como pai de um desses monstros, posso assegurar que existe luz
no fim do túnel. Mas não estou ansioso pelo dia em que meu filho tire carta de
motorista.
Chris olhou para Davis, que com o olhar mais inocente do mundo passava a
mão na água. Brandon estava abaixado com as mãos nos joelhos, examinando
atentamente um guerreiro futurista movido à pilha, com quase a altura dele. Lisa
continuava alheia, com aquele olhar indiferente que só as meninas de doze anos
conseguem ter.
— Como consegue trabalhar quando as crianças estão com você?
— Eu aumento as horas de trabalho antes que eles cheguem, e se ainda tiver
serviço urgente, costumo trabalhar depois que eles vão para a cama — respondeu
ele. — Fico contente em ter uma atividade que permite essa liberdade de horários,
porque agora posso passar meu tempo com eles em vez de ir para um escritório.
— Eles têm sorte — murmurou Chris.
— Pai, olhe o que eu achei! — berrou Davis, correndo na direção deles e
parando na última hora. Uma lanterna e um pacote de pilhas surgiram nas mãos do
garoto. — A gente pode enxergar melhor quando escurecer com essa lanterna.
Sam esboçou a reação habitual, armando uma careta de reprovação. Em
seguida pensou melhor.
— Acho que é uma boa idéia — sentenciou ele, por fim, apanhando o pacote
de pilhas da mão do filho. — Mas é melhor falar com o subgerente antes de abrir os
pacotes.
— Talvez o departamento de manutenção tenha algumas lanternas para a
gente usar — disse Chris. — Deveriam ter iluminação sobressalente também.
— Melhor ainda.
— Pode deixar que eu pergunto — disse Davis, já correndo pela loja.
— Pelo menos você tem um consolo — afirmou Chris. — Ele não pode sair
da loja.
— E, mas não é preciso sair para encontrar encrenca — suspirou Sam. —
Sabe, parece que ele aprendeu a correr antes de andar. Algumas vezes não sei se
ele vai ser um cientista recebendo o Prêmio Nobel ou um dos mais procurados
criminosos dos Estados Unidos.
Ela sorriu.
— E quanto a Lisa e Brandon?
— Lisa cresceu do dia para a noite e se transformou nessa pessoa que eu
não conheço mais e Brandon quer continuar a ser o bebê da família, porque assim
continua recebendo mordomias de todos. Tem medo da mãe e do padrasto. No
momento não sei exatamente o quanto ele quer crescer, por isso deixo que tome a
iniciativa.
Chris observou Sam, que precisava aparar o cabelo e barbear-se. Os cachos
castanhos caíam sobre sua testa como os do filho menor. Ela riu ao notar que
ambos fizeram o gesto de afastá-los ao mesmo tempo.
— Mas você não acha que isso é que torna as crianças interessantes? Quero
dizer, a maneira como são diferentes umas das outras? Não ia querer que todos
fossem iguais, ia?
— Todos como Davis? Deus me livre. Mas não acho que o mundo estivesse
pronto para isso ainda.
— E eles iriam comportar-se da mesma forma que você, quando criança, se
comportou.
— Sabe que você tem toda a razão, Chris? — admitiu ele. Depois riu. — Não
é de espantar que tenham deixado a mãe louca da vida. E seu noivo? É normal?
— Kevin?
Ela fingiu pensar por alguns instantes. Não poderia admitir que chegara a
esquecer completamente o noivo... e o casamento. Estava se divertindo muito com
Sam. O que não era uma idéia muito sensata, respondeu sua consciência.
— Acho que ele é do tipo normal — respondeu ela, por fim.
— Tem o próprio negócio, também? Ela assentiu, com um gesto.
— "A Loja do Callahan". Ninguém Bate Nosso Preço.
— Comprei minha caminhonete num rival dele por mil dólares a menos —
declarou Sam.
— Ah-ah... mas aposto que você não ganhou uma máquina de fazer
cappuccino, ganhou?
— Eu não queria uma. Para dizer a verdade, nem gosto de cappuccino.
— Eu também não. Se fosse você teria feito a mesma coisa.
Sam teve a estranha impressão de sentir o perfume dela. Seria uma coisa
sem sentido sentir-se atraído por uma mulher que se casaria naquele mesmo dia.
— Como vocês dois se conheceram? — quis saber ele.
— Ele precisou de um contador quando a contadora dele tirou férias por ter
tido gêmeos. Depois da primeira semana, nosso próprio contador descobriu que a
nota fiscal estava incorreta. Fui até lá levar a nota correta, ele me convidou para
jantar, e... — Chris fez uma pausa, pensando sobre o que dizer. — Bem, a coisa
progrediu daí.
— Ele fez você ficar vidrada. Completamente apaixonada.
Ela recordou a proposta de casamento de Kevin, para que se casassem no
dia de seu aniversário de trinta anos, de forma que a perda não fosse total. Se bem
que o dia em que completaria trinta anos não era sua data favorita do calendário
daquele ano. Pior que o medo de envelhecer, porém, era o receio de casar com
Kevin pelos motivos errados.
Ao olhar para Sam sentia arrepios pelo corpo e isso jamais acontecera com
Kevin. Enfim, podia ser apenas a fraqueza causada pela fome e pelo nervosismo
dos últimos acontecimentos.
— Ela não parece mais a princesa, mamãe — disse uma garotinha,
apontando o dedinho para Chris.
— Raquel, isso não é educado, minha filha — ralhou a mãe, enviando um
olhar de desculpa à moça sentada.
A menina parou, intrigada.
— Ela parecia a princesa antes... por que não parece mais? Despediram
você?
Chris sorriu e inclinou-se na direção de Raquel.
—Você é capaz de guardar um segredo? Eu não queria que ninguém
soubesse que sou princesa, por isso troquei de roupa. Não diga nada a ninguém,
está bem?
A mãe dirigiu um sorriso de agradecimento a Chris e arrastou a filha para
longe dali.
— Você lidou muito bem com a menina, parabéns — elogiou Sam, olhando-a
com admiração.
Em pouco tempo começou a perguntar-se se Carolyn teria a mesma
paciência, ou se iria explicar para a criança a diferença entre princesas de verdade
ou de faz-de-conta. As vezes dizia que não conseguia entender como ele era capaz
de conversar com seus personagens enquanto os projetava. Chris não teve
problemas em aceitar e incentivar a imaginação da menina.
— Qualquer um que me trate como princesa é uma pessoa esperta e
inteligente, portanto merece minha atenção — declarou ela, com ar de nobreza,
desfeito em seguida pelo riso fácil e contagiante.
— Ela é uma princesa, e não uma bruxa! — disse Brandon, que observara a
cena de olhos arregalados.
Lisa fez um muxoxo de desdém.
— Brandon, você precisa parar de escutar os papos do Davis. Princesas não
existem!
Sam não conseguia tirar os olhos de Chris.
— Claro que existem — murmurou ele. — E posso garantir que essa moça é
uma delas.

Capítulo 4

Chris olhou de relance para o relógio de Sam. Os números pareciam saltar


acusadoramente do mostrador. Quatro e quarenta e cinco.
— Estou atrasada para meu casamento. Acha que alguém vai reparar na
minha ausência? — brincou ela, com um sorriso sofrido.
Ele procurou parecer consternado enquanto localizava a resposta certa na
cabeça. Como se sentia calhorda! A mulher devia estar casada àquela hora, e ele e
Carolyn deviam estar participando seu casamento aos filhos. Aquilo tornava os dois
indesejáveis um para o outro.
Ainda assim, para uma mulher que devia estar se casando, ela não parecia
tão desolada com a demora. E por estranho que parecesse, ele não estava
chateado com o próprio atraso para o churrasco com Carolyn. Para ser honesto
consigo mesmo, ambos pareciam mais aliviados do que preocupados com a falta de
energia.
— Acho que a falta de energia também deve ter desorganizado as coisas por
lá.
Chris voltou-se para ele.
— Mas como já disseram, o único empecilho real seria se o pastor fosse
eletrônico.
Ele sentiu algo estranho.
— Chris, você queria casar hoje?
— Toda mulher quer casar — respondeu ela. — Acho que estou deprimida
porque além do meu casamento, é feriado e meu aniversário.
— Você ia se casar no dia do seu aniversário? Ela assentiu.
— Foi idéia de Kevin. Ele disse que casar nesse dia ia tornar o fato de
completar trinta anos menos doloroso.
Sam franziu a testa. Recordou o trigésimo aniversário de Marie, quando ela
chorou o dia inteiro, lamentando-se que sua vida terminara. Sorrira e dissera as
coisas apropriadas durante a festinha, mas depois brigara com ele por ter ousado
mencionar a idade aos amigos. Ele respondera que os amigos deviam ter
descoberto sozinhos a idade dela, e por causa disso passou a noite no sofá da sala.
Depois do divórcio recordara-se do fato, rotulando-o como o início do final do
casamento.
Carolyn também lhe dissera que não gostara nem um pouco de completar
trinta anos. Só que o motivo fora diferente: não atingira p objetivo que impusera a si
mesma.
— Regra número um: ter cuidado para não acabar escolhendo a mesma
pessoa em outra pele — resmungou ele, absorto.
— Pensei que a regra número um fosse usar sempre roupa de baixo limpa
para o caso de sofrer algum acidente — disse uma voz, em tom divertido.
Sam olhou para cima, vermelho como um pimentão. Esquecera que não se
encontrava sozinho.
— Desculpe...
— Devo admitir que você não estava fazendo muita coisa para melhorar a
opinião de uma jovem noiva sobre o casamento.
— Então vamos nos esquecer do casamento por um instante e nos
concentrar no seu aniversário — disse ele, tomando-lhe uma das mãos.
— Por quê?
— Acho que a única coisa que posso oferecer no momento — começou Sam,
encarando-a. — É um belo aperto de mão de aniversário.
Ainda surpresa, Chris constatou que ninguém jamais apertara sua mão
daquele jeito. Uma corrente elétrica pareceu irradiar-se de uma palma para ou tra.
Incapaz de manter a sensação por mais tempo, retirou a mão usando a desculpa de
ajeitar a tiara de pérolas no cabelo.
Ele observou as curvas dos seios elevando-se graciosamente com o
movimento. Engoliu em seco. Não tivera muitas mulheres durante sua vida. Nem
fora especialmente bem-sucedido no casamento, e sabia que representava a maior
parte dos opostos em relação a Carolyn, que era lógica enquanto ele era criativo.
Porém ambos podiam imergir no trabalho por dias a fio e nunca ficavam sem
assunto. Ainda assim havia dúvidas, que ele creditava ao receio de repetir o fra-
casso do primeiro casamento. Por algum motivo, não gostaria que Chris passasse
por tudo aquilo.
— No casamento existem compromissos. Vamos ver quais deles você está
disposta a fazer? — perguntou Sam.
— Vamos ver... estou disposta a assistir futebol com ele, que pode escutar
rock comigo.
— Que ele não deve gostar.
Chris franziu o nariz, num gesto gracioso.
— Ele prefere country, mas eu já disse que não é crime escutar mais de um
tipo de música, ainda que os amigos dele acreditem nisso.
Sam imaginou o noivo dela do tipo machão, que só enxergava uma forma de
fazer as coisas: a sua.
— Aposto que ele enche os ovos de ketchup — arriscou ele.
— Como sabe disso? — indagou ela, surpresa. De fato, era um dos hábitos
alimentares que ela não apreciava.
— Foi só um palpite. Vou arriscar outro: aposto que a idéia de diversão dele é
uma noite de dança e muitas cervejas.
A testa franzida de Chris era um indício de que daquela vez ele fora longe
demais. Talvez tivesse exagerado, mas ela ficava tão bonita quando se irritava...
— Você não devia ficar dissecando a personalidade dele quando nem o
conhece.
Ele deu um tapa no joelho.
— Meu Deus! Acertei, não acertei?
Começou a rir quando viu a expressão no rosto dela.
— Você é uma pessoa irritante — declarou ela, virando o rosto para outro
lado.
— E um dom natural — admitiu ele, com certo orgulho.
Ele percebeu a ponta de sorriso que ela tentava ocultar.
— E mais como uma maldição. Ou talvez uma doença desagradável. Estou
surpreso que o centro de controle de doenças não tenha emitido um boletim sobre
você.
Ele colocou as mãos atrás da nuca e cruzou as pernas à altura dos
tornozelos.
— O que mais ele gosta? Luta livre e boxe na televisão? Espere! já sei:
corrida de carros. Daquelas de demolição, em que eles destroem uns aos outros.
— Existe algum motivo em especial para você resolver me irritar? Talvez eu
tenha feito algo em alguma vida anterior? — disse ela, olhando para o alto.
— Você preferiu parar aqui por causa de sua meia-calça, porque achou a
aparência mais importante do que o casamento. Se não tivesse feito isso, já estaria
casada, a caminho da lua-de-mel — disse ele. Depois franziu a testa. — Na
verdade, acho que não. Com a falta de energia provavelmente ainda estariam no
aeroporto. Se bem que lá o gerador de emergência deve funcionar.
Chris mudou de posição na cadeira. Ele não perdoou.
— O que foi? Vocês iam de trem?
— Não, a gente não ia de trem — respondeu ela, de má vontade.
— Naturalmente ele não espera que sua noiva viaje de ônibus, claro.
Os olhos cor-de-mel fuzilaram.
— Kevin tem uma cabana nas montanhas.
— Deixe eu adivinhar: é perfeita para pescar, certo?
— Se já sabia, por que perguntou? — gritou ela, baixando a voz no final.
Sam executou a mímica de quem tinha ficado surdo.
— Meu bem, você tem um belo par de pulmões, sabia? Podia ganhar algum
dinheiro como sirene de nevoeiro no inverno. Nenhum navio chegaria perto de você.
— É impressionante o fato de alguém com a imaginação tão limitada como a
sua projetar jogos de computadores — admirou-se Chris, escolhendo outra tática. —
Ou você só desenha as figuras bonitinhas e deixa o trabalho de pensar para os
outros?
— Assim você fere meu orgulho profissional — declarou Sam, levando as
mãos ao peito como se um tiro o tivesse atingido.
— Bem que podia ser verdade — disse ela, levantando-se.
Ele não pensou duas vezes em seguir-lhe o exemplo e caminhar atrás dela.
Seguiu-a até o corredor escuro. Ali segurou-a pelo cotovelo.
— Por que age de forma defensiva quando se trata do seu noivo? —
perguntou ele, avançando enquanto ela recuava. Em pouco tempo as costas dela
estavam contra a parede. — É estranho também que você não pareça uma noiva
apaixonada. Se alguém ouvir você, vai pensar que esse casamento não é algo que
você tenha muita vontade de realizar.
— Claro que é — respondeu ela, hesitando alguns segundos a mais. — Agora
pode me soltar?
— Acho esquisito também o fato de você se preocupar mais com as meias do
que com o horário do casamento.
— Sou supersticiosa! Queria que tudo estivesse em ordem. Minha idéia de
ordem não incluía uma meia desfiada.
Ele rapidamente se deu conta da proximidade, do calor e do cheiro agradável
que emanava da pele dela. Quanto mais olhava para ela naquela luz reduzida, mais
consciente se tornava da feminilidade ao alcance do seu toque.
— Ainda tem um coisa que eu não entendo. Porque você não parece a noiva
quase histérica com medo de perder o casamento. Por que não está andando de um
lado para outro e roendo as unhas? Não estou vendo também a pressa de sair
daqui.
— Não sou do tipo histérico — declarou Chris, empinando o nariz. — Além do
mais, o que adiantaria ficar preocupada com alguma coisa que está fora do meu
controle? Prefiro ficar calma até descobrirmos o que realmente aconteceu. E você?
Por que não está subindo nas paredes por causa dela? Por um instante Sam ficou
tão entretido nas curvas móveis dos lábios de Chris enquanto ela falava que o
significado das palavras demorou a penetrar em sua cabeça. A melhor parte da
situação era poder observá-la na penumbra. Até entender a menção a Carolyn.
— Pensei que estivéssemos falando de você.
— E eu pensei que estivéssemos falando sobre nossos sentimentos em
relação a essa situação, que aliás está deixando todo inundo alterado demais.
Sam estava ocupado observando-a.
— Sabe... não acho que você seja do tipo calmo. Acho que parece alguém
mais temperamental. Mais do que as pequenas explosões de gênio que deixou
escapar. E que, diga-se de passagem, foram muito interessantes.
Com rapidez, Chris controlou a explosão que se prenunciava. Não daria a ele
o prazer de vê-la perder o controle. Para esse homem seria a própria expressão da
serenidade. Não levantaria a voz nem cortaria p. garganta dele em pensamento.
Nem o mandaria para outra era, uma era na qual não existissem automóveis,
encanamento, eletricidade e muito menos computadores. Elaborou sua imagem, a
despeito da resolução e o pensamento a fez sorrir.
— Está tentando jogar comigo? Jogos mentais? Meu bem, sou o mestre dos
jogos mentais.
Chris arqueou uma sobrancelha. Ainda parecia calma como um lago na
montanha. Porém por dentro parecia mais um rodamoinho incessante.
Não era Kevin em frente a ela; seu noivo tinha idéias bem definidas sobre
como dirigir o mundo e tinha plena convicção de que todos deveriam acreditar nas
mesmas coisas. Coisas comas quais a maioria da raça humana não concordaria.
Sua idéia de diversão quando não estava tentando vender um caminhão para algum
possível cliente era assistir futebol na televisão. Agora decidira abrir uma filial e
ingressar na política local. Não chegara a mencionar, mas ela suspeitava que
alguém graúdo estava por trás daquilo. Sentiu que jamais conseguiria convencer
Kevin de que existiam coisas mais interessantes para um casal fazer no final de
semana.
"Eu não conseguia me imaginar casada com mais ninguém. Ao longo dos
anos, ele me deu muito mais do que coisas materiais. Ele doou a si mesmo".
As palavras ditas pela senhora na seção de sapatos cruzaram a mente de
Chris. Ela fechou os olhos, sentindo cada palavra. Passou a língua pelos lábios. Até
então não tinha percebido quão seco estava o ar no interior da loja.
— Foi um dia inquietante — afirmou ela.
— Inquietante para todos nós — lembrou ele.
— Hoje é meu aniversário e dia do meu casamento, e eu aqui trancada numa
loja enorme dessas. Parece o roteiro de um filme B — disse ela, terminando com um
suspiro profundo. — Agora, se me dá licença, vou continuar meu caminho.
Em vez de afastar-se, Sam aproximou-se.
— Por que está tão ansiosa para ir? Talvez a gente tenha um motivo para
comemorar.
Ela percebeu o tom de sedução na voz dele.
— Vou comemorar quando sair daqui e encontrar meu noivo.
— Está vendo? Você não parece convincente. — Sam ergueu a mão e
brincou com os cachos escuros. — Talvez essa falta de energia seja a mão do
destino, avisando que esse casamento pode não ser uma boa idéia. Ficou muito
mais fácil do que deixar ele esperando em frente ao altar.
— Eu jamais faria uma coisa dessas!
— Está dizendo que casaria com um homem mesmo que no último minuto
percebesse que não era o que queria?
Chris estava a ponto de perder a calma.
— Quem está pensando que é? Você não me conhece, nem meu noivo. Por
que não volta para o lado de seus filhos e me deixa em paz?
Se mais tarde alguém perguntasse, Sam responderia que foi a tentação do
diabo, à qual ele não soube resistir. Ela ia dizer mais alguma coisa, porém os lábios
ficaram entreabertos. Sam não a tocou em nenhum lugar que não fosse a boca
quando inclinou-se e beijou-a. Chegou a sentir o gosto fraco de hortelã quando a
língua dela tocou a sua. Em um instante estavam ambos perdidos. Ele queria mais e
Chris dava a mesma impressão. Repentinamente Sam sentiu um empurrão tão forte
que ele teve de lutar para manter o equilíbrio.
— Seu cafajeste! Você tinha de tirar vantagem, não? Precisava pressionar em
relação a Kevin, dizendo coisas horríveis quando você nem conhece ele. Mas não
bastava! Tinha de roubar um beijo. Você devia ser fervido em óleo. Não, algo pior...
gostaria de pensar em algo pior.
— Tenho certeza de que você vai pensar em algo se tiver tempo suficiente —
disse Sam.
Chris respirou profundamente várias vezes. Parecia a ponto de dizer algo
mais, depois mudou de idéia. Mantendo o nariz empinado, ela começou a retirar-se.
Depois parou e voltou-se.
— Só para sua informação, se estava procurando minhas amídalas, foram
extraídas quando eu tinha seis anos — afirmou ela, com voz fria.
Os olhos brilhavam e as bochechas apresentavam uma tonalidade rubra. Ela
voltou-se e afastou-se com rapidez.
Sam não conseguiu evitar um sorriso enquanto assobiava. Ela tinha o direito
de usar todos os nomes que conhecia para qualificá-lo, mas não podia negar que
correspondera o beijo.
Chris precisava escapar. Bastou uma olhada para certificar-se de que as
portas não estavam abertas por virtude de algum milagre nos últimos dez minutos.
Pensou em arranjar algo pesado para quebrá-las, mas achou que qualquer coisa
mais fraca que uma banana de dinamite não conseguiria resultado algum. Tudo o
que via no estacionamento eram os carros das pessoas que estavam presas ali,
como ela.
— Não importa o que você faça, as portas não abrem. Ela voltou-se para
encontrar Lisa atrás de si. Sua atitude ainda parecia alheia, mas o que aparecia
mais era a sombra da tristeza nos olhos dela.
— Acho que o dia de hoje não saiu muito parecido com o que você esperava
— comentou Chris.
— Acho que foi bem melhor do que passar o dia com a namorada nova do
meu pai. Ela nos convidou para um churrasco e depois íamos assistir aos fogos de
artifício. Provavelmente ela ia querer mostrar que pode ser uma ótima madrasta.
Como se o fato de ter uma madrasta já não fosse o suficiente.
— Como alguém especialista em madrastas e padrastos, posso garantir que
o primeiro encontro é sempre o pior — disse Chris, apoiando-se na porta de vidro,
que parecia morna ao toque, aquecida pelo sol da tarde. — Os adultos sempre
exageram para agradar e as crianças não querem saber de nada com ninguém. Isso
significa que as crianças acabam detestando os adultos, e vice-versa. Nenhuma das
partes quer encontrar um território em comum. Conheci de vários tipos.
Lisa deu a impressão de relaxar um pouco.
— Que tipos você teve?
— Bem, para começar eu não gostava da idéia de meus pais se divorciarem,
portanto antes de qualquer coisa já tinha resolvido transformar a vida deles num
inferno — confessou Chris, com ar cândido. — E foi exatamente o que fiz até os
dezesseis anos de idade.
— Foi minha mãe que quis o divórcio — disse a menina. — Ela disse que
papai gostava mais de seu trabalho do que dela. Mas também sei que foi porque ela
estava tendo um caso com o moço que cuidava da piscina. Ninguém sabe que eu
sei disso.
O rosto de Lisa enrubesceu em virtude da revelação de um segredo de
família.
— Aposto que você não esperava passar o feriado na loja, mas essa idéia
deve ser o sonho de toda adolescente — comentou Chris, ignorando as
confidências.
— Só se deixassem a gente experimentar roupas, mas não acho que
aprovem essa idéia — respondeu Lisa, orgulhosa por não ser tratada como criança.
— E, com certeza não aprovam. Mas em compensação acho que tem um
salão de chá na loja. Talvez esteja aberto. Não sei quanto a você, mas eu estou
morrendo de fome.
A menina deu de ombros.
— É melhor do que não fazer nada.
Tentou não demonstrar interesse demasiado, mas via-se que estava animada
com a idéia.
— Talvez tenham algo gostoso para nos oferecer. Chocolate por exemplo... —
provocou Chris.
— Duvido que tenham sorvetes com cobertura quente. Além do mais, minha
mãe disse que chocolate faz mal para a pele.
Chris aproximou-se.
— Então vamos fazer um trato. Eu não digo nada se você não disser.
Os olhos da adolescente estreitaram-se, exprimindo desconfiança.
— Por que você está sendo tão boazinha?
— Porque detesto comer chocolate sozinha. Acabo comendo mais.
As duas encontraram o salão de chá aberto, ocupado por alguns clientes.
— Hoje não cobramos nada — anunciou a garçonete, com um sorriso
cansado.
— O sorvete já descongelou inteiro?
— Ainda não, mas não vai durar muito — disse a moça. — Temos baunilha,
chocolate, morango, chocolate com menta e laranja.
As duas escolheram sundaes com cobertura quente.
— Acho que a cobertura não está quente, mas também não é o fim do
mundo.
— Tem razão — concordou Lisa, enquanto as duas se acomodavam numa
mesa próxima ao pátio.
Havia uma porta ali, e a adolescente olhou cheia de esperança para ela.
— Parece que essa porta não foi aberta hoje — observou Chris.
A menina pensou um pouco e acabou dando de ombros.
— Não sei. Se a gente sair agora vai ter de ir até a casa da namorada do meu
pai — justificou ela. — Eu imagino que ela decorou a casa toda em branco, e no
minuto em que conhecer Davis e Brandon vai pensar que foi um castigo dos céus.
Davis vai fazer alguma coisa bem nojenta para provocá-la, e papai vai ficar
resmungando algo sobre trancar crianças em armários até os vinte anos, ou que
deve mandar Davis para a academia militar. Chris sorriu.
— Parece que Davis só quer se divertir.
— Claro, e para isso transforma a minha vida num inferno e tenta virar o
mundo de Brandon de cabeça para baixo todos os dias. Se Brandon não tomar
cuidado é capaz de acordar qualquer noite dormindo no sótão.
Lisa parou de falar quando o garçom colocou o prato com a taça de sorvete à
sua frente. Embora o sorvete não estivesse completamente duro, a quantidade de
cobertura de chocolate compensava amplamente essa falha. Maravilhada, enfiou a
colher e preparou o primeiro bocado.
Reparou no olhar de Chris, que a observava com certa ternura.
— Para mim chocolate é um grupo alimentar — declarou Chris. — Não
importa como o dia tenha sido, comer um pouco de chocolate sempre torna as
coisas melhores.
— Você tem toda a razão — riu a menina, enfiando a colher cheia na boca
com ar de gulosa.
— Uau, sundaes de chocolate! Vocês não comeram tudo, comeram?
Lisa fez uma careta ao voltar-se para o irmão, ao mesmo tempo que Chris
enxergava Sam e Brandon.
— Desculpem, cavalheiros, mas esta é uma mesa só para mulheres — avisou
ela, percebendo o brilho divertido nos olhos de Sam.
— Isso quer dizer que comeram todo o chocolate ou não? — berrou Davis,
desconfiado.
— Está vendo o que eu tenho de agüentar? — bradou Lisa, sem olhar para os
homens. — Ele é tão educado como um búfalo africano.
— Muuuu! — fez Davis, na direção da irmã.
— Não me enche!
— Pelo menos eu não fico preocupada com espinhas no rosto e nem choro
porque acho que os meus seios nunca vão crescer.
Lisa abriu a boca, tomando fôlego para dar uma resposta à altura para o
irmão, quando um som agudo e terrível fendeu o ar. As três crianças olharam para o
pai, cujo polegar apontava Chris. Esta retirava os dedos da boca, depois de
assobiar.
— Meus parabéns — disse ela aos dois briguentos. — Vocês criaram uma
cena que será lembrada por tanto tempo quanto os fogos de artifício. Um espetáculo
de primeira para sua audiência.
O rosto da menina avermelhou-se e até Davis, que geralmente não ligava
para nada, parecia sem graça.
Sam ficou ali, impressionado com a habilidade de Chris para transformar uma
briga iminente numa situação controlada.
Aquele vaqueiro frustrado do Kevin não merecia essa mulher! Ela era alguém
capaz de colocar seus filhos no lugar sem muito trabalho. Sentiu-se culpado por
admirá-la mais do que a Carolyn.
O problema se resumia a saber se ele teria tempo de convencê-la a repensar
a decisão de casar-se.
Olhou ao redor. Pela primeira em muito tempo, rezou, pedindo para que a
energia não voltasse tão cedo.

Capítulo 5

— Muito bonito! Ela ganha um sorvete e eu ganho um sermão — resmungou


Davis, afundando numa cadeira.
— Não, vocês dois ganharam o sermão — esclareceu Chris, passando os
lábios na cobertura que ficara na colher. — Parece que nós não vamos sair daqui
tão cedo. Felizmente os dias são mais compridos nessa época do ano, portanto
ainda temos algumas horas antes de escurecer. Mas a gente vai ficar sem ter o que
fazer, e se começarmos a brigar entre nós não vai adiantar em nada, a não ser
deixar todo mundo mais nervoso.
— Quero nadar um pouco naquela piscina da hora que eles têm lá dentro,
mas disseram que ninguém podia — disse Davis. — Alguma coisa sobre
responsabilidade.
— Isso quer dizer que se alguém aqui quebrar uma perna, a responsabilidade
é da loja — explicou Chris. — Eles não podem deixar ninguém fazer alguma coisa
perigosa, porque se qualquer coisa acontecer com a pessoa, eles são
automaticamente responsáveis.
— Podíamos dizer que eu ia tomar cuidado — sugeriu ele.
— Davis, a palavra "cuidado" e você não são idéias compatíveis — disse
Sam.
— A gente não precisa sentar com vocês, precisa? — quis saber Davis com
uma careta.
— Não. Você, seu irmão e sua irmã podem sentar onde quiserem dentro
deste salão — afirmou Sam.
— Tenho de ver esses dois comendo? — perguntou Lisa, horrorizada.
— Isso mesmo.
— Mas nesse caso a Chris vai ficar sozinha na mesa. Sam acomodou-se
numa cadeira.
— Bem, então acho que seu velho pai terá de fazer companhia a Chris. Tenho
certeza de que encontraremos um assunto agradável para discutir.
Ela enfiou a colher no sorvete, com um golpe certeiro.
— Quem sabe possamos discutir a taxa de assassinatos? Ouvi dizer que
corremos esse risco o tempo todo.
Brandon olhava de um pára outro.
— Pai, ela não parece a Princesa, aquela boneca? O rosto de Chris estava
vermelho.
— Querem me dar licença? Estou comendo — reclamou Lisa, apanhando sua
taça, a colher e deslocando-se para o outro lado do salão.
Davis observou a retirada da irmã.
— Xi, pai, se ela estiver com a tal da TPM de novo, acho que vou ficar bem
longe — declarou Davis, sem entender a atitude da irmã.
Sam fitou o filho por um instante antes de dizer em voz baixa:
— Vá até lá e se comporte como um cavalheiro, mocinho.
O menino olhou ao redor.
— Sabe, acho que vou até lá sentar com a Lisa. Vamos, Brandon, vamos
pedir um mega-sundae de chocolate para cada um!
Apanhou a mão do irmão e dirigiu-se para o balcão.
Sem a menor cerimônia, Sam apanhou uma colher em outra mesa e enfiou-a
no sorvete dela. Saboreou como se fosse um degustador. Fez um ar de indecisão e
antes que Chris pudesse protestar, repetiu o gesto.
— Não estamos provando vinhos, aqui, meu bom homem — disse ela, com
um tapa na mão da colher, que avançava outra vez. — Se quiser peça um para
você. E não pense que é obrigado a sentar aqui por minha causa. Pode ficar à
vontade e ir para a mesa de seus filhos.
Ele olhou na direção mencionada, enquanto Chris fazia mímica para a
garçonete, pedindo outro sorvete igual.
— Eles estão onde posso vê-los. Além do mais, Prefiro sentar com você.
Chris desejou de repente a penumbra do crepúsculo. O jeito como Sam
olhava para ela era perturbador. O que a irritava mais eram os arrepios que sentia
quando aquele homem a fitava. Receava que ele enxergasse mais do que deveria, e
que não tivesse dito tantas verdades sobre ela. Precisava encarar seu futuro, e ele
não estava ajudando nem um pouco.
Lembrou a si mesma que era comprometida e que Sam tinha três filhos e era
noivo de uma advogada chamada Carolyn.
— Sam — disse ela, quando a garçonete colocou a taça sobre a mesa.
— Quer algo para beber? — indagou a moça.
— Chá gelado está ótimo — disse ele, pedindo para ambos.
A mulher assentiu e afastou-se.
— Chris...
Quando ele murmurou seu nome ela sentiu os arrepios interiores. Chris
respirou profundamente para acalmar-se antes de falar.
— Por que está agindo assim? Ele saboreou duas colheradas.
— Assim como?
— Sabe o que estou querendo dizer... Chegaram os copos de chá. Sem gelo.
— Esse dia está se tornando um sonho bizarro, e...
— Espere um pouco! — interrompeu Sam. — Não sabia que era uma ofensa
tão grave assim dizer a uma mulher que ela é atraente.
Ela ignorou a observação.
— Você tem me provocado desde que nos encontramos.
— Como você mesmo disse, hoje o dia foi bizarro. Mais do que isso, vejo uma
mulher que deveria estar se casando hoje e não parece muito preocupada com isso.
Alguma coisa não está- certa... — Sam interrompeu-se e olhou para a linha da
cintura dela. — A menos que...
— Não estou! Como pode pensar uma coisa dessas?
— Seria uma alternativa lógica — defendeu-se ele.
— Não no meu caso!
— Por quê? Você por acaso não dormiu com ele?
Chris ficou indecisa entre desmaiar ou acertar um tapa no rosto dele. No
momento a segunda opção parecia ser a melhor.
— Se dormi ou não com Kevin não é da sua conta — afirmou ela, ofendida.
— Ah, entendi. Ele estava se preservando para a noite de núpcias. E você,
resguardou a si mesma?
Chris levou os dedos das mãos às têmporas e fechou os olhos.
— Acho que estou ficando com dor de cabeça. E eu acho que devia esperar
um pouco antes de usar essa desculpa. Vamos dizer, até o quarto ou quinto
aniversário de casamento — sugeriu ele, com ar inocente. — É preciso considerar
também que essa desculpa da dor de cabeça é muito conhecida. Se fosse você eu
inventaria outra.
Chris chegou a olhar para a colher cheia de sorvete pingando cobertura e
considerar a idéia de atirar o conteúdo no rosto dele. Depois, deixou a imaginação
vagar, iniciando com a visão de Sam correndo nu cheio de sorvete escorrendo. Em
vez de sentir raiva ficou excitada.
— Está tão entediado que precisa brincar comigo?
— Talvez porque eu veja uma noiva de joelhos agradecendo ao destino por
ter providenciado uma falta de energia, que vai acabar evitando que se case com o
homem errado.
Chris afastou a taça e fincou os cotovelos na mesa.
— Hoje completo trinta anos de idade. Cerca de um ano atrás eu não tinha
um relacionamento estável porque estava ocupada demais formando meu próprio
negócio. Kevin não se sente ameaçado com o que faço e me trata como igual.
— Meu bem, aos trinta anos você está começando a melhorar.
— Não quando você enxerga o resto de sua vida e descobre que não há um
homem ali — murmurou ela. — Um negócio não consegue manter a gente aquecida
à noite, nem conversar sobre problemas comuns e muito menos abraçar a gente
quando as coisas vão mal.
— Nem dar filhos a você — disse Sam, em voz baixa.
Ela permaneceu com a boca aberta, como se estivesse em estado de
choque. Acabara de contar a um perfeito estranho coisas que não revelara nem ao
noivo.
— Você vomitou quando acordou de manhã? — indagou ele.
— Não!
— Achou que ia desmaiar a qualquer momento?
— Não.
— Achou que se saísse do quarto ia cair?
— Claro que não, por quê?
— Se não sentiu nenhuma dessas coisas, não deve casar com esse sujeito.
Se tivesse alguns desses sintomas, saberia que estava apaixonada.
— E assim que se sente a respeito de Carolyn? E assim que vai ser no dia do
seu casamento? Para quem está noivo, você está dando em cima de outra mulher
com facilidade — disse Chris. — E não sei por quê, mas acho que não costuma
fazer isso.
O rosto de Sam imobilizou-se, o que era raro nele. De fato, sua reação inicial
com Carolyn fora bastante fria. Talvez procurasse outra mãe para seus filhos, ou a
tivesse encarado como um desafio a conquistar. Não se interessava muito pelas
respostas a essas perguntas.
Estendeu seu prato na direção dela.
— Tome, li em algum lugar que chocolate é a segunda melhor coisa depois de
sexo — ele sorriu e levantou-se. — Pense sobre tudo o que aconteceu, Chris. As
coisas acontecem por um motivo.
Caminhou até a mesa onde estavam seus filhos. Ela ficou observando. Afinal,
qual era o problema com Sam Winslow? Primeiro flertava com ela, depois a
analisava?
Quando terminou de pensar no assunto, reparou que o sorvete desaparecera
da taça. Deixou uma gorjeta para o garçom e saiu do salão de chá.
— Existem ocasiões em que o chocolate pode ser um substituto razoável
para o sexo, mas não é a mesma coisa — resmungou, dirigindo-se para a porta da
frente.
No caminho percebeu que em cada caixa havia um cartaz assegurando que
se a energia não retornasse após o escurecer, todos ficariam bem acomodados.
Procurando um pouco de sossego, Chris dirigiu-se a um canto próximo à seção de
cristais.
Acomodou-se numa cadeira, esperando que ninguém viesse ali. Não
conseguiu imaginar um desenrolar pior para o seu dia. Primeiro, as dúvidas pela
manhã; depois, as afirmações de Sam. Não sabia qual impulso seguir. As coisas
acontecem por algum motivo.
Percebeu que uma pessoa entrava no departamento, e desejou que ela fosse
embora.
— Está admirando a porcelana que escolheu? — indagou Sônia,
aproximando-se. — O calor está terrível, não? — Apanhou duas taças de cristal. —
Não são lindas? Eric diz que brilham como meus olhos.
Chris sorriu. Não conseguiria jamais ser rude com a mulher mais velha,
apesar de desejar ficar só.
— A senhora parece uma propaganda viva da instituição do casamento. Não
quer sentar?
— Obrigada. Descobri que já não posso ficar em pé tanto tempo quanto
antes. Acho que estou contente com a pessoa que escolhi e com meu casamento.
Como se costuma dizer, deixei que Eric me perseguisse até que chegou a hora de
fisgá-lo. Até hoje ele pensa que a iniciativa foi dele, coitado. Os homens são assim,
precisam acreditar nessas pequenas ilusões para se sentirem bem.
— Acho que foi uma decisão sábia.
— E quanto ao seu noivo? Ele acredita que foi ele quem pescou você?
— Acho que não foi bem assim. Kevin achou que era hora de casar e acredito
estar pronta, portanto...
— Mas e o amor? — perguntou Sônia, diminuindo o sorriso.
— Estamos muito apaixonados — respondeu Chris, num tom que não
convenceu nem a si mesma. — Depois, os tempos são outros, e os casamentos
eram mais sólidos porque envolviam outras idéias e conceitos.
— Exatamente por isso temos hoje tantos divórcios. O casamento não pode
sobreviver como um arranjo comercial. Precisa de muito trabalho e sacrifício para
sobreviver. E são necessárias duas pessoas para isso — disse a senhora,
estendendo a mão e dando tapinhas sobre a dela. — Imagine você mesmo daqui a
cinqüenta anos com o homem com quem quer casar. É um exercício importante para
quem pretende dividir a vida com outro...
A velha senhora levantou-se e olhou ao redor.
— O salão de chá está aberto — informou Chris, pensativa.
— E mesmo? Então acho que vou procurar meu Eric e dar um pulo até lá
para tomar um chá. Ele deve estar na seção de pesca, experimentando um novo
molinete. Tem um armário cheio de equipamento mas sempre acha que está
precisando mais. Até logo.
— Até logo — murmurou Chris mecanicamente. Acomodou-se na poltrona,
ainda pensando no que
Sônia dissera e estava quase dormindo quando escutou uma briga entre mãe
e filho.
— Não me importa o que seu pai tenha dito, eu não vou comprar isso para
você — dizia a mãe em tom agressivo. — Se não parar de ficar pedindo e chora-
mingando vai ficar de castigo uma semana inteira.
— Agora entendo por que meu pai diz que você é ruim — reclamou o menino,
arrastado pelo corredor.
— Ele também não é nenhuma flor que se cheire — resmungou a mulher.
Chris encolheu-se mais na poltrona, relaxando e tentando adivinhar o que
seria o futuro com Henry.
Mantinha os cabelos curto por necessidade, e por ser mais fácil de cuidar.
Agora, com o reumatismo no ombro, já não levantava os braços com facilidade. E
com todas as viagens que costumava fazer quando estava em campanha com
Kevin, não tinha tempo a perder. Ainda assim, gostava de dizer a si mesma que
estava muito bem para alguém com sessenta anos. Sua saúde era excelente, com
exceção do reumatismo, fazia exercícios três vezes por semana e podia afirmar com
orgulho que pesava o mesmo que em seu casamento.
As coisas haviam corrido bem para Kevin, mas não podia dizer que estivesse
feliz naquela vida de viagens e banquetes políticos cheios de maionese e sorrisos.
Queria ver os netos crescendo. A única época em que ouvia falar dos filhos era
quando telefonavam mensalmente para prestar conta das agências que dirigiam. Em
lugar de passar suas agências para os filhos, ele os fazia trabalhar duro, prome -
tendo a doação para o futuro.
Parou para observar o homem com o qual estivera casada nos últimos trinta
anos. Ele mantivera o porte físico, e melhorara a simpatia, disparando seu sorriso
rápido, capaz de conquistar votos femininos. Por que não tinha prazer com isso?,
perguntou a si mesma.
— Qual é a dessa mulher tendo chiliques na televisão? Esses idiotas acham
que podem colocar uma mulher na Casa Branca, mas você só vai ver como
funciona. Nada melhor do que os hormônios agindo para provar que tenho razão.
Sim, senhor.
Ela rolou os olhos, pensando em quantas discussões já tivera com ele por
causa disso. Ele sempre achava que vencia. Chris já não se incomodava em corrigi-
lo.
— Existem muitas pessoas que acreditam nela — afirmou, observando-o dar
o nó em sua gravata de seda.
Gostaria de saber o que diriam os eleitores se fossem informados que ele se
recusava a comprar uma gravata que custasse menos de cem dólares. Princi-
palmente quando se punha em cruzada para valorizar o dinheiro do contribuinte.
— Os meninos vêm esta noite?
— Sheila telefonou e disse que Timmy está com dor de ouvido.
— E daí? É só dar remédio para o menino e ele vai poder sentar quietinho.
— Kevin, o menino só tem quatro anos. Está doente, e precisa ficar na cama.
— Nesse caso Craig e Sheila podem muito bem contratar uma babá —
respondeu ele. — Preciso da minha família a meu lado.
Chris pensou por quantas vezes mordera os lábios para não responder o que
deveria.
— Eu disse a eles para não se preocuparem e ficassem com Timmy. Virão na
próxima oportunidade.
Ele xingou baixinho.
— Esse é o problema com você. Sempre mimou demais esses meninos. Eles
teriam crescido como maricas se eu não tivesse forçado um pouco. Fui eu quem
escolheu os grupos e os amigos certos para eles. O mínimo que podem fazer é estar
aqui quando mais preciso deles.
Chris sentiu vontade de perguntar onde estivera ele quando os filhos
precisaram. Mas não era uma pergunta difícil de responder. Logo depois de eleito
vereador, Kevin se candidatou a prefeito. Enquanto realizava as ambições locais, fez
os contatos necessários e acabou eleito senador por seu Estado. Agora preparava-
se para as eleições presidenciais.
— Kevin, lembrou que em julho faremos trinta anos de casados?
— Você não pretende usar isso no discurso, pretende?
— O que tem de errado com o meu vestido?
— Essa cor não aparece bem nas câmeras. Seria melhor o terninho azul.
— Odeio o terninho azul!
— Ponha de qualquer forma.
Chris olhou para o marido, compreendendo de uma vez que não tinha nada a
dizer que valesse a pena. Há muitos anos não escutava nada decente por parte
dele, sempre tratada como acessório. Voltou as costas e dirigiu-se para a porta.
— Aonde pensa que vai?
— Para algum lugar onde eu seja apreciada, seu velho insensível. Acabei de
decidir que o pior lugar para mim agora é aqui com você.
— Do que você está falando? Temos um comício para fazer. Você precisa
ficar ao meu lado.
— Para quê? Depois que você liga seu charme de candidato, nem percebe
que estou ali — reclamou ela. — A única razão para você fazer questão da família a
seu lado é porque vende bem a imagem. Quer mostrar aos outros como é familiar,
como seus filhos são bonitos, prósperos e saudáveis!
Kevin deixou pender o queixo perante a explosão nunca presenciada.
— Sabe, eu pensei muitas vezes numa coisa que aconteceu há muitos anos.
Tive muito tempo para pensar e devia ter seguido os conselhos daquela mu lher. Ela
me disse para pensar no homem com quem ia casar dali a cinqüenta anos. Agora
vejo como eu estava errada.
— Do que está falando, mulher?
— Estou falando sobre nós. Estou dizendo que se pudesse fazer as coisas
outra vez, não teria voado com você para Las Vegas no dia seguinte — afirmou
Chris, colocando o casaco e sentindo uma pontada de dor nas juntas. — Estou
dizendo que não teria casado com o homem errado só porque estava completando
trinta anos. Não posso mais continuar com essa farsa, Kevin.
O rosto dele ficou rubro de raiva, e ele avançou na direção dela, agarrando-a
pelo braço.
— Você não vai emporcalhar tudo agora. Trabalhei muito para chegar aonde
cheguei e não pretendo ver uma mulher ganhar a presidência porque você está para
ficar menstruada ou algo parecido.
Ela recusou-se a demonstrar qualquer alteração.
— Nesse caso podemos fazer um trato. Vou fazer minha parte e bancar a
esposa perfeita do candidato, faço palestras em associações femininas e tudo o
mais; depois das eleições quero o divórcio, seja qual for o resultado.
— Não ia ficar bem para a primeira dama pular fora assim, logo de cara —
argumentou ele.
Chris libertou o braço com um puxão:
— Tenho certeza de que você vai pensar numa explicação perfeita.
Saiu do quarto de hotel batendo a porta. O ombro doeu um pouco, mas valeu
a pena. Sentia-se aliviada e bem consigo mesma, o que não ocorrera nos últimos
anos.
— Meu Deus! — resmungou ela, sentindo-se como se acabasse de acordar
de um pesadelo.
Permaneceu imóvel, de olhos abertos, tentando definir se aquela visão
horrível fora sonho ou não. A simples perspectiva de viver uma realidade como
aquela e descobrir que desperdiçara sua vida a deixava apavorada. Decidiu que não
fazia a menor diferença.
— Isso é pior que a morte.

Capítulo 6

Chris de repente descobriu que não estava sozinha. Olhou para o lado
esquerdo e percebeu que Brandon estava a seu lado.
— Trouxe isso para você, assim não vai ficar com medo quando escurecer —
declarou o menino, estendendo uma lanterna.
— Obrigada, Brandon — disse ela, aceitando a oferta. Percebeu que tinha
mais alguma coisa a dizer. — Você está bem?
— Estou.
Brandon continuou ali, sentado abraçando os joelhos, com o cabelo
desalinhado, uma mancha de chocolate na camiseta e um dos tênis desamarrado.
Parecia procurar as palavras.
— Está calor aqui dentro.
— Está sim, Brandon. Com o ar condicionado desligado, a gente sente mais
calor. Ainda bem que não vai piorar.
— Davis acha que nós devíamos nadar para não pegar insolação — afirmou
o menino solenemente.
— Acho que a gente não precisa se preocupar com isso aqui dentro —
explicou Chris, reprimindo o riso. — Provavelmente Davis estava só tentando
descobrir uma desculpar para nadar.
— Ele é bom nisso.
— Parece que é.
— Você gosta de crianças? — quis saber o garoto.
— Gosto — respondeu ela com sinceridade.
Aguardou o exame atencioso de seu rosto para saber se ela dizia a verdade.
Aparentemente satisfeito, continuou o interrogatório:
— Você gostaria de casar com meu pai? Chris sentiu a voz embargada pela
emoção.
— Já estou noiva de outro homem, Brandon, mas muito obrigada por pensar
em mim. Além do mais, seu pai já tem namorada.
— Ele sempre diz que a namorada é boazinha, e eu não acredito de verdade
em Davis quando ele diz que ela vai obrigar a gente a dormir no sótão, mas eles
acham que papai quer casar com essa mulher. Não quero que isso aconteça. Você
não quer filhos?
Os grandes olhos castanhos imploravam para que ela o tirasse daquela
dificuldade.
— Claro que quero filhos, Brandon, e tenho certeza de que meu marido e eu
vamos planejar juntos uma família depois que nos casarmos — explicou Chris, em
tom carinhoso.
— Mas você não quer crianças agora?
— Acho que será mais fácil depois que eu casar. E espero ter um filho igual a
você.
— Sei que você vai ser mais boazinha que Frank, o marido da minha mãe.
Ele fica dizendo que quer mandar Davis para a Escola Militar. Eu disse a ele que
Davis não quer ser soldado, mas acho que Frank não acredita em mim.
Chris mordeu o interior da bochecha para não rir.
— Às vezes os pais falam desse jeito.
— Acho que ele não liga — disse ele com sinceridade. — Hoje de manhã
papai foi nos apanhar no aeroporto e disse que íamos a um churrasco na casa da
namorada dele, e depois íamos assistir aos fogos. Acha que vamos ver os fogos
hoje à noite?
— Só se a luz voltar.
— Por quê? Eu pensei que era só acender um fósforo, depois a mecha, como
a gente faz em casa com os rojões e estrelinhas.
— Os grandes espetáculos são controlados por computadores, e precisam de
eletricidade para funcionar, assim como o computador do seu pai.
O menino soltou um suspiro profundo.
— Puxa vida, hoje é uma droga de dia mesmo.
Chris não conseguiu evitar um sorriso. Ele devia ter aprendido o termo com o
irmão maior. Brandon a observava pelo canto dos olhos.
— Você gosta do meu pai?
— Ainda não o conheço muito bem — respondeu Chris, lembrando sem
querer o beijo de ambos.
— Acho que ele gosta de você. Pelo menos olha bastante/ para você, e não
olha para as outras mulheres do mesmo jeito — afirmou o garoto, com ar matreiro.
Esse é bem esperto, pensou ela. Frank que se cuide, porque não vai demorar
muito para que Davis e Brandon consigam o que quiserem dele.
— Ele está com pena de mim porque perdi o meu casamento.
Não precisava dizer ao garoto como o pai dele era sensual. Ele deu de
ombros e mudou de assunto:
— Por que todo casamento precisa ter bolo, mas não tem sorvete?
— Talvez a srta. St. James não queira responder a todas as suas perguntas,
Brandon.
Chris ergueu a cabeça ao escutar a voz de Sam.
— Eu não me importo em responder às perguntas de Brandon, desde que ele
não queira saber de onde vem a eletricidade nem por que o céu é azul — disse ela,
voltando-se para o menino. — E quanto aos casamentos, acho que é porque a
maioria das pessoas não pensa em comer os dois na festa de casamento, embora
comam nas festas de aniversário. Talvez eu sirva sorvete no meu casamento.
— Pode ser que o seu noivo não queira.
— E daí? É meu casamento também, afinal de contas. Brandon riu satisfeito.
— Acho que ela é melhor do que qualquer advogada, pai. Eu trouxe uma
lanterna para quando ficar escuro.
— É, quando você quer, pode ser um cavalheiro, Brandon. Sua irmã está
neste andar. Por que não vai procurar por ela?
Estranhamente o filho saltou da cadeira e foi fazer o que o pai sugeriu.
Sam examinou os arredores. O efeito do brilho de alguns cristais à volta do
corpo dela era impressionante, dando a impressão de envolver Chris num halo de
luz.
— Acho que esta área é muito mais segura durante uma falte de energia do
que durante um terremoto.
Chris não se dignou a responder. Ele já sabia que ela queria distância de sua
companhia.
— Desculpe, Chris — murmurou ele, quando ela fez menção de levantar.
— E assim que pretende melhorar as coisas? — Ela olhou para a mão que
lhe impedia o movimento, depois para o rosto dele. Porém Sam não largou sua mão.
— Acha que depois vai ficar tudo bem.
— Não, mas achei que você podia ser suficientemente adulta para aceitar um
pedido de desculpas.
— É sincero? — quis saber ela, erguendo uma das sobrancelhas.
— É. Só queria que soubesse que sinto muito sobre a forma como me
comportei hoje.
— Desculpas aceitas.
— Hoje não foi um dia normal. E a última coisa que eu esperava era conhecer
alguém como você.
— Acho que isso vale para nós dois.
— Com isso eu quis dizer que não esperava conhecer uma mulher que me
abalasse da forma que você abalou.
Chris desejou ter ido embora enquanto podia.
— Geralmente as noivas deixam os homens solteiros nervosos — sugeriu ela.
— Pode ser, mas você é diferente das outras noivas. Tudo o que sei quando
olho para você é que estou vendo uma mulher atraente e tenho vontade de saber
muito mais sobre você.
— Estou noiva de outro — balbuciou Chris, perturbada.
— Sei disso — afirmou ele, voltando-a em sua direção. — Mas algo me diz
que o sentimento deve ser mútuo.
— Não faça perguntas difíceis de responder, Sam.
— Mesmo se eu quiser saber a resposta? Você não pode dizer que não
sentiu nada.
Ela sacudiu a cabeça, numa negativa.
— Quer saber o quanto eu a acho atraente? Sei que beija bem e que gosto
de conversar com você.
Ela sentiu o rosto escarlate, e agradeceu a Deus o fato de estarem sozinhos
ali. Sentiu ainda a excitação de saber que ele a achava atraente.
— Mas eu...
— Já sei que tem compromisso. Mas da forma como vejo as coisas, somos
basicamente viajantes presos num lugar do qual não podemos sair. O que acontece
se quando sairmos daqui descobrirmos que o mundo não é mais o mesmo? Se o
bom e velho Kevin não existir mais, ou que tenha encontrado outra pessoa, preso no
lugar onde deve estar. O que você faria, nesse caso?
— Isso me parece mais como um caso do seriado Além da Imaginação, dos
anos sessenta — comentou Chris, franzindo a testa. — Muito bem, vamos dizer que
tudo tenha mudado. O que você mudaria primeiro? Sam sorriu perante o desafio.
Mal sabia ela que era exatamente o tipo de jogo de que ele mais gostava. E com
uma mulher tão fascinante... sentiu uma leve dor na consciência em relação a
Carolyn, mas ela jamais participaria...
— Esse é o tipo de jogo de que sua namorada gosta?
A pergunta apanhou-o desprevenido, pois parecia que ela estivera assistindo
aos pensamentos dele.
— Ela é mais do tipo literal do que criativo.
— E você vem acusando a mim por ter um companheiro bitolado. Agora é
minha vez de adivinhar. Advogada?
— Criminalista.
— Uma loura gelada — arriscou Chris.
— Na verdade morena, com uma avó italiana por parte de mãe, o que torna o
sangue dela bem quente.
— A casa é decorada em brancos e cromados. Ele levantou os braços em
sinal de rendição.
— Está bem, você agora me pegou. Mas ela tem um quadro a óleo em
vermelho e laranja em cima da lareira que aquece o ambiente. Claro, no quarto...
— Está bem — interrompeu Chris. — Não preciso saber o que ela tem no
quarto.
— Certo, vamos falar sobre alterar a realidade — disse Sam, com os olhos
brilhando.
Sam encarou o rosto furioso dela, belo como nunca. Parecia estar vivendo um
sonho. A probabilidade de ficar preso numa loja por falta de energia e encontrar uma
mulher que o estimulasse daquela forma era muito pequena. Começou a lembrar da
lua, para saber se estavam na fase cheia, quando costumam acontecer histórias
românticas. Seu comportamento não era normal. Como o dia não parecia normal
também, o melhor era aceitar o que viesse, e Chris St. James era a parte mais
interessante.
— Acho impressionante você pensar que pode alterar a realidade — disse
ela, para colorir o silêncio.
Ele deu de ombros.
— Só jogando conversa fora.
— Muito bem, então me diga a sua idéia de realidade. Depois de usar a força
de vontade para parar de
olhar aquela deusa à sua frente, Sam começou:
/— O céu é sempre azul e o sol mais vermelho do que quente. Ninguém
precisa se preocupar com roupas para obter o sucesso, porque a palavra-chave
passa a ser "conforto".
— Menos é mais? — ironizou ela.
— Não. Conforto. Afinal as pessoas gostam da idéia de tecidos macios e
sedosos contra a pele, não? Finalmente é possível tocar alguém especial livremente
e esse alguém corresponder.
Ele reparou que a respiração dela aumentou.
— Muito interessante. Mas por que você faz tudo soar como um sonho dos
anos sessenta?
— Talvez porque nessa época se dava mais vazão aos sentimentos e
prazeres. Não para fazer amor o tempo todo, mas para apreciar a idéia de estar com
aquela pessoa.
Ela teve a impressão de que a temperatura ambiente aumentou vários graus.
Remexeu o corpo, à procura de uma posição mais confortável.
Sam observou-a movendo-se como que em câmara lenta e sentiu o próprio
corpo manifestar-se.
— Você não gostaria desta minha nova realidade? Talvez seja uma fantasia,
mas a idéia de ver os próprios sonhos realizados é tentadora.
Se ele apenas soubesse quão tentadora era para ela.
— Muito bem, então. Concordo que é tentadora. Está satisfeito agora?
— Claro que não. Não existem coisas que gostaria de tocar? Ou algo que não
tenha tocado por um motivo ou por outro?
— Ainda não. Por favor me desculpe — disse ela, levantando-se.
Apanhou a lanterna que Brandon lhe entregara e saiu.
O sorriso de Sam aumentou. A moça parecia estar com muita pressa para
deixar sua companhia.
— Definitivamente estou conseguindo alguma coisa.
Esse sujeito tem mesmo topete — resmungava baixinho Chris, andando pelo
andar térreo.
Parou ao lado do balcão de cosméticos. Reparou que havia ali algumas
mulheres conversando com a vendedora. Olharam para ela e sorriram.
— Venha ver o que fizemos — convidou uma das mulheres, afastando-se
para revelar uma jovem sentada no tamborete de maquiagem.
As outras rapidamente se apresentaram, e ela ficou sabendo que se
chamavam Paula, Renee, Janis e Irene.
Chris demorou um instante para perceber que a jovem mulher na banqueta
não era outra senão Lisa Winslow. Um toque sutil de sombra aumentara os olhos, e
uma aplicação de blush realçou os inalares.
— O que acha? — indagou a garota, sorrindo cheia de charme em seu batom
cor-de-rosa.
— Acho que seu pai vai ter um ataque cardíaco quando olhar para você —
começou Chris, observando o sorriso murchar. — E acho também que os rapazes
vão brigar um bocado por sua causa.
— É mesmo? — perguntou ela, feliz com o elogio, admirando-se no espelho.
— Parece que tenho pelo menos quinze anos de idade.
— Não tenha muita pressa de crescer, Lisa. Antes que você perceba, vai
chegar o dia em que você vai desejar voltar alguns anos.
A garota olhou para ela como se no caso dela fosse uma coisa
completamente impossível.
— Avisaram a todas nós e ninguém ligou, não foi? — comentou Irene. — Eu
pelo menos, não liguei.
— Gostei de trabalhar com Lisa — disse a maquiadora. — Desculpe, mas
está tão monótono por aqui.
Chris olhou em volta.
— Por que não fazemos uma maquilagem caprichada em cada uma? Só
porque estamos trancadas aqui não quer dizer que a gente não deva ficar o mais
bonita possível — sugeriu ela, com voz animada.
Todos concordaram e puseram mãos à obra. Dez minutos depois, quando o
subgerente passou pelo local, ficou contente em ver que pelo menos alguns dos
clientes não se ocupavam em reclamar.
— Vamos experimentar as cores que a gente não usaria normalmente —
disse Chris, estudando a bandeja com todas as tonalidades de amostra.
Ligou a lanterna.
— Muito bem, você perde o casamento e resolve fazer maquiagem —
provocou Paula, a mais obesa. — Tem certeza de que quer casar?
— Claro que sim — respondeu Chris voltando-se para a companheira de
infortúnio. — Por que pergunta uma coisa dessas?
— Essa é fácil de responder. Vi o jeito que aquele bonitão olhava para você.
Pode acreditar: se um homem olhasse para mim daquele jeito, eu não ia demorar
nem um minuto para grudar nele.
Chris estudou o rosto da outra.
— Você deve estar enganada — sentenciou ela, esperando encerrar o
assunto com isso.
— Aqui está alguém que devemos alegrar — anunciou Lisa, trazendo Sônia
pela mão.
— Ótima idéia — concordou apressadamente Chris.
Sônia olhou para as outras reunidas ao redor dela desconfiada como um
coelho rodeado de raposas.
— Só uso batom aos domingos — explicou ela.
— O que significa que já é hora de mudar — insistiu Irene, aproximando-se.
— Veja só que pele bonita, macia. Só espero poder conservar a minha assim como
você quando tiver sua idade.
Sob a supervisão da balconista adicionaram um pouco de cor às pálpebras,
bochechas e lábios, além de rímel nos olhos.
Todas observaram quando Lisa entregou o espelho a Sônia.
— Meu Deus! Sou eu mesma?
— Veja a situação em potencial aqui — provocou Chris. — Se Eric não tomar
cuidado, outro homem pode roubar você dele.
Sônia riu e observou seu reflexo. Depois pareceu pensativa.
— Vocês são capazes de me ensinar a fazer isso eu mesma?
Enquanto as outras instruíam a maravilhada senhora, Lisa observava alguém
com atenção. Quando seu pai passou pelo grupo, ela lhe chamou a atenção:
— Papai! Olhe para mim!
Chris observou passo a passo a reação no rosto paterno. A última coisa que a
filha precisava era de um sermão em público; quando os olhos dele cruzaram com
os de Chris, esta pediu sem palavras um pouco de compreensão. Ele abriu a boca e
respirou profundamente antes de falar.
— Estou me sentindo velho.
— Quer dizer que pareço mais velha? — quis saber Lisa, com um brilho nos
olhos.
— É, mas não conte à sua mãe que eu disse isso — Sam olhou para as
mulheres ao redor. — Me digam que isso sai fácil.
— Infelizmente, sim.
— Um visual interessante — comentou ele, observando a filha. — É isso o
que está na moda esta estação?
— Chama-se antes-e-depois — esclareceu Chris, voltando-se para o espelho
e espalhando sombra no olho ainda sem pintura.
Sam ficou observando por sobre o ombro dela até que terminasse.
— Isso é o que eu chamo de sexy.
Chris corou imediatamente, esperando que ele atribuísse a diferença de cor à
pintura. Ele continuava a examinar os batons.
— Você não precisa se preocupar com esses. Não acho que ficaria nos lábios
por muito tempo.
— Não faça isso — pediu ela, em voz baixa.
— Isso o quê?
— Você sabe muito bem sobre o que estou falando. Não diga coisas como as
que disse.
Sam aproximou-se tanto que seus lábios afloraram a orelha dela.
— Existe um motivo para que eu diga essas coisas. Mesmo assim, se quiser
colocar batom, sinta-se à vontade. Da forma como vejo, só está convidando alguém
a tirar com um beijo. Quer ver?
Ele afastou o corpo para que ele pudesse ver o cartaz de propaganda. Chris
teve de forçar a vista e a proximidade do corpo de Sam atrapalhou sua
concentração, mas por fim entendeu o que ele quisera dizer.
Pinte seus lábios da cor mais "beijável" e veja se ele aceita o convite.
Devagar, ela colocou a embalagem de volta ao balcão. As imagens dele.
beijando seu batom eram mais do que poderia controlar no momento.
O sujeito podia saber como atingir o ponto certo para irritá-la, mas uma coisa
Chris precisava admitir: ele certamente sabia beijar.
Capítulo 7

— Pai! Tem uma barraca montada aqui dentro da loja na seção de caça e
pesca! — ecoou a voz de Davis pela loja.
— Podemos fingir que estamos no mato, só que não tem nenhum leão da
montanha nem ursos. Lisa diz que é melhor assim. A gente faz de conta que tem.
— Bem, acho que preciso salvar a seção de caça e pesca de meu filho —
disse Sam, fazendo uma mesura para as senhoras.
— Quero ficar com Chris — pediu Brandon.
Ele a procurou com os olhos para confirmar o pedido.
— Pode deixar, ele vai ficar bem comigo. Senão você não consegue
acompanhar Davis.
Ele sorriu em agradecimento antes de mover-se na direção do grito.
— Está vendo o que eu quis dizer? — provocou a mesma mulher que falara
antes de Sam chegar.
— O quê?
— Os olhares. Todas nós vimos. Você foi a única a não perceber?
— Tenho certeza de que você está enganada — disfarçou Chris, odiando a si
mesma por alegrar-se.
— Acho que os olhares não eram diferentes do que para qualquer de vocês.
— Acha mesmo? Pois eu digo que essa falta de energia foi a melhor coisa
que podia acontecer a você. E uma boa forma de descobrir se quer casar agora.
— Quando acordei, hoje de manhã me senti mais retraída do que excitada
com a idéia do casamento — começou Chris, pensativa. — Quando entrei aqui e
encontrei logo a meia branca que estava procurando, achei que era um sinal de que
tudo sairia bem. Em seguida as luzes apagaram e percebi que fiquei presa aqui,
acreditei que fosse outro sinal. Agora já não sei em que pensar.
— Se fosse eu, procuraria dentro de mim para saber quem é o homem que
vai passar o resto da vida com você.
Chris estremeceu à lembrança das imagens do futuro com Kevin. Se tivesse
certeza de que a realidade seria parecida com aquela, não sabia se seria capaz de
lidar com ela.
— Você não sabe se isso vai acontecer com o bonitão também, e se não
tentar nunca vai ficar sabendo.
— Não costumo arriscar — justificou Chris. — Acho que gastei toda a minha
quota de coragem quando abri meu negócio próprio. No momento, tenho a certeza
de que minha mãe está pensando em várias maneiras diferentes de me matar por
ter perdido o casamento...
Interrompeu-se por causa da agitação a seu lado. Brandon dava pulos de
excitação.
— Isso quer dizer que você não vai mais casar? Chris abaixou-se para
encará-lo nos olhos.
— Vamos dizer que preciso pensar um pouco.
— Então você podia casar com meu pai.
— Brandon, já disse a você antes e vou repetir. Eu e seu pai não nos
conhecemos o suficiente para isso. Desculpe, mas nem sempre as coisas são
simples.
— Mas podia dar certo — teimou o garoto. — Agora vocês já se conhecem.
Chris não tinha intenção de dar falsas esperanças ao garoto, mas também
não podia magoá-lo.
— Pense em tudo como se estivéssemos numa ilha onde nada é real. Como
nos livros de história, certo?
Brandon não pareceu muito convencido, mas não voltou a sugerir nada.
— Tem de haver alguma coisa que a gente possa fazer. Não me conformo
com isso — reclamou Paula.
As mulheres trocaram olhares. Chris suspirou.
— E pensar que deixei meu celular em casa porque achei que não precisaria
dele hoje.
— Celular! Ganhei um na semana passada. Como é que não lembrei do meu
celular — gritou Paula.
Em pouco tempo ela erguia triunfante um pequeno estojo de couro do interior
da bolsa.
— Se você estava com o celular, por que Scott não ligou para você?
— Porque ele ainda não decorou o número. Depois, não está acostumado a
ficar com as crianças e deve estar meio maluco a esta altura — disse ela, abrindo o
aparelho e estendendo-o para Chris. — Acho que é justo você usar primeiro o
telefone. Afinal, deve ter um noivo aflito aguardando notícias. Você tem como entrar
em contato com ele, não tem?
Chris hesitou um pouco, depois apanhou o telefone. — Ele deve ter o celular
por perto, com certeza
— afirmou ela, digitando uma série de números. Imaginou se alguém
percebera sua relutância em telefonar.
— Sim?
Ela ficava fora de contato durante seis horas, e era assim que ele atendia?
— Sou eu, Kevin.
— Chris! Onde diabos você está? Por que não telefonou antes? Não acreditei
quando o motorista da limusine ligou avisando que você estava numa loja enorme e
não saiu depois de a luz acabar.
Ela fez uma careta, indicando que o volume da voz era excessivo.
— Chama-se "Aconteceu Alguma Coisa a Caminho do Casamento", e eu
estava sem o celular. Só agora é que uma senhora lembrou que o dela estava na
bolsa. Ela fez a gentileza de me emprestar antes de ligar para casa.
— O que aconteceu afinal, Chris? Ela respirou fundo antes de começar.
— Estava a caminho da igreja quando percebi que minha meia desfiou. Como
eu achei que precisava estar perfeita para casar, pedi para o motorista parar numa
loja de departamentos no caminho. Quando eu acabei de trocar a meia, a luz
acabou... — gaguejou Chris, embaraçada sem saber por quê.
— A luz acabou. Isso não é desculpa para não sair daí e vir para a igreja.
— Acontece que as portas daqui travaram. São elétricas e eles não têm
gerador de emergência. Você por acaso sabe a causa da falta de energia? Ou quan-
do volta a luz? Não pude fazer nada, Kevin.
— Só sei o que escutei no rádio, dizendo que atingiu mais de um estado, e
ninguém sabe o que é, nem de quem é a culpa. Já ouvi falar em excesso de ar
condicionado, manchas solares e alienígenas. Como pôde fazer isso comigo, Chris?
Tudo por causa da sua vaidade. Estou aqui com todos os convidados, sua mãe
maluca e sem você. Isso tudo sem mencionar que tenho clientes importantes por
aqui! Clientes que compram carros todo ano. O que acha que eles estão
comentando? Sabe quantas piadinhas tive de ouvir sobre noivas que deixam o noivo
no altar?
— Achei que todos iam perceber a falta de energia o entender que fiquei
retida. Quanto à minha mãe, não é louca, é só um pouco excêntrica. Além do mais, o
que fiz não tem nada a ver com vaidade. Afinal era meu casamento e eu não queria
que nada saísse errado. Queria estar perfeita para você.
— Eu teria preferido o fio corrido na meia, que ninguém iria perceber, do que
a ausência da noiva — resmungou Kevin. Depois deu um suspiro. — Muito bem. O
que está feito, está feito. Em que loja você está?
— Na Bradley's.
— Na Bradley's? Por que foi até a Bradley's? Todo mundo sabe que os preços
são altos. Pensei que demonstrasse maior bom senso para fazer compras. Sabe
como é, depois que estivermos casados, você vai ter de mudar seus hábitos de
consumo. Especialmente porque vou abrir a filial no ano que vem e temos de apertar
o cinto.
Chris respirou fundo, pensando que aquela conversa não estava correndo
nada bem.
— Escute, Kevin, não quero ficar aqui. Mas não tenho alternativa — declarou
ela, olhando em volta. Sam encontrava-se em pé ali por perto. — Outras pessoas
precisam usar o telefone.
— Em que número você está?
— Não estou conseguindo escutar você — disse ela, em tom mais alto. —
Não consigo escutar.
— Como assim? Estou escutando perfeitamente. Me dê o maldito número —
pediu ele, do outro lado.
— Eu telefono mais tarde, Kevin — mentiu ela, desligando em seguida, sem
saber exatamente por que fizera aquilo.
Devolveu o telefone para Paula.
— Ele está em casa, muito preocupado. Mas a linha está cheia de
interferência.
Paula não respondeu, porém tinha escutado o suficiente para deduzir o que
ocorrera.
— Vou terminar de passar batom — anunciou Chris, sem saber o que fazer.
Evitou olhar para Sam quando passou por ele.
— Se fosse você eu experimentava os perfumes que eles têm por aqui. Uma
fragrância deliciosa, se quer minha opinião, é esse Desejo da Meia-Noite — sugeriu
ele.
Ela não alterou o passo, nem respondeu. Sam praguejou baixinho e
permaneceu ali por alguns minutos, depois caminhou até o grupo de mulheres, que
terminava de usar o telefone.
— Posso usar o aparelho por um instante? Naturalmente pagarei a chamada.
— Não há problema. Todas tivemos conversas curtas. Espero que sua
namorada demonstre mais compreensão do que nossos maridos.
— Obrigado.
Pensou um pouco e discou o número do celular dela.
— Alo?
— Carolyn, é Sam.
— Sam! Onde você está?
— Ficamos presos na Bradley's por causa da falta de energia — começou
ele.
— Na Bradley!s? O que está fazendo aí? — estranhou ela.
Intimidado, Sam balbuciou de forma razoavelmente coerente o resumo do
que acontecera no carro.
— Mas eles devem ter um gerador de emergência — argumentou ela, ao
final.
— Não está funcionando.
— Em primeiro lugar não entendi por que você parou aí. Sua filha devia ter
outro sutiã na bagagem, e poderia trocar chegando à minha casa.
— Já tínhamos deixado as malas na minha casa, e quando o elástico
arrebentou estávamos mais perto da sua casa.
— Nesse caso deveria ter vindo direto para cá. Eu poderia ter ajudado sua
filha a consertar a alça, em vez de gastar dinheiro para comprar alguma coisa que
ela provavelmente nem precisava — afirmou ela, em tom de quem se dirigia ao júri.
— Acho que ela estava com vergonha de pedir para uma estranha ajudar a
consertar uma peça íntima — disse Sam, lamentando no mesmo instante a escolha
da palavra "estranha". — Ela está naquela idade difícil, você sabe...
— Não sei, não. Sam, você mima demais essas crianças. Se continuar
fazendo todas as vontades dela, logo sua filha vai pensar que não sabe fazer nada
sem um homem por perto. Você devia ter sido firme com ela, e a gente consertaria
aqui com um alfinete; a uma hora dessas estaríamos juntos. Veja as confusões em
que Davis se mete, por exemplo. Se sua mulher não tiver cuidado ele vai acabar vi-
rando um delinqüente juvenil. E o mais novo vai ser do tipo de reclama de tudo.
Uma das poucas coisas capazes de tirar Sam do sério eram críticas a seus
filhos. O tom de sua voz era frio ao responder:
— Meus filhos podem ser levados, mas não os considero mimados. Lisa está
no início da puberdade, naquela fase em que o mundo todo é complicado, e
pretendo fazer o que puder para facilitar as coisas para ela. Davis tem um bocado de
energia, e Brandon...
— Calma — interrompeu Carolyn. — Não precisa ficar ofendido. Fiquei
desapontada quando você não apareceu. Justo você, sempre tão pontual.
— Escute, eu telefono quando sairmos daqui, está bem?
— Gostaria que tivesse ligado antes...
— Desculpe, Carolyn, mas parece que a linha está com defeito —
interrompeu Sam. — Vou desligar, porque não consigo escutar mais nada. Ligo
assim que puder. Até logo, Carolyn.
— Eu diria que se você pretende algo sério com essa moça, seria melhor
pensar mais um pouco — opinou Paula, sem que ele perguntasse.
— Também acho uma boa idéia — concordou Sam, com uma careta.
Caminhando para procurar os filhos, passou pelo casal que comemorava
bodas de ouro. De braços dados, eles pareciam estar passeando no parque, ou
caminhando até a igreja.
Aí está um casal que combinou desde o começo, pensou. Imaginou como
seria estar com Carolyn tanto tempo. Será que no futuro Carolyn ainda seria a
mulher auto-suficiente que parece?
— Sam, eles simplesmente não podem vir para a cerimônia e não quero ouvir
nem mais uma palavra sobre esse assunto. Não vou permitir que seus filhos
arruínem o dia mais importante da minha vida — disse Carolyn em voz formal, cujo
tom estridente parecia ter sido aperfeiçoado ao longo dos anos. — Por acaso
Melissa e Roger criaram os problemas que aqueles três arranjam?
— Por que os meus filhos iriam arruinar o seu dia? — protestou ele, olhando
a si mesmo no espelho e verificando não haver perdido cabelo, apesar de ter
engordado alguns quilos. — Que diabo, Carolyn, você precisa parar com isso.
Sempre deixou de lado Lisa, Davis e Brandon. Eu devia ter acabado com isso há
muitos anos.
Ela examinou o traje preto e austero, acertou o coque e pareceu dar-se por
satisfeita com sua figura seca e desapaixonada.
— Eles eram incorrigíveis enquanto crianças e pioraram quando adultos. Mal
acreditei quando Lisa assumiu a direção daquele pasquim feminista que fica
desrespeitando os políticos. Davis já infringiu tantas leis que não sei como a CIA
ainda não o mandou embora. Brandon escreveu aquele livro horrível sobre mim, tão
cheio de mentiras que precisei fazer seis meses de análise para esquecer tudo.
Sam teve vontade de berrar algumas verdades, mas não conseguiu. Desde o
início ela provara ser como as madrastas das histórias em quadrinhos. Sempre
mantivera a esperança de que as coisas melhorassem entre eles, e a idéia de
divórcio já passara algumas vezes por sua mente, mas essa era a sua parcela de
culpa. Se em lugar de proteger os filhos para compensar as perseguições, tivesse
de fato se separado, os três teriam tido uma vida mais sossegada. Agora não
adiantava mais discutir; só tornaria as coisas piores.

Naquela tarde, depois que Carolyn fosse empossada como presidente dos
Estados Unidos da América, ele passaria para a história como o Primeiro Marido da
Casa Branca. Sabia que depois disso sua vida nunca mais seria a mesma.

Capítulo 8

— Meu Deus! — murmurou Sam, sentindo que o solo não parecia mais
estável.
Gotas de suor escorriam por sua testa. Os batimentos cardíacos estavam
acelerados. Sua experiência lembrava uma "viagem" de drogas nos anos sessenta.
Um pesadelo.
Sentou-se numa poltrona próxima, abrindo bem os olhos para convencer-se
que continuava preso na Bradley's, durante um blecaute. A visão que sua mente
destacou foi a silhueta de Chris, perambulando pela seção de lingerie. Parou em
frente a um conjunto de seda, acendendo sua lanterna para verificar o tom de
vermelho e disparando o poder de visualização de Sam. Carolyn jamais usava outra
cor que não fosse branco ou bege, dizendo que não era profissional.
Quanto mais pensava sobre o assunto, mais se perguntava por que escolhera
Carolyn. Afinal era uma mulher com uma profissão que requeria toda a energia
possível. Havia se casado durante a faculdade, conforme ela explicava, e fora um
relacionamento dissolvido sem o menor complexo de culpa. Não tivera filhos, e
pensando bem, nunca havia crianças perto dela. Sam sabia que seus filhos eram
crianças difíceis às vezes. Quando pensou em casar-se outra vez, cansado de viver
sozinho, Carolyn estava bem à mão.
Começava a imaginar se o destino não interviera em sua vida para certificar-
se de que não cometeria outros erros no futuro. E o futuro de seus filhos estava
atrelado ao dele, portanto não podia estragar as coisas para eles. Todos já tinham
sua cota de problemas com o velho Frank, sua parte era tentar construir um lar
agradável para eles.
Voltou a atenção para Chris, que apanhava algumas peças dos cabideiros
para colocá-las sobre o próprio corpo. Não se tratava de nada exagerada-mente
sexy, porém a imaginação de Sam progredira muito durante as últimas horas no
tocante a ela.
— Procurando algo para. vestir no caso de passarmos a noite aqui? —
indagou ele, aproximando-se em silêncio.
Chris recolocou com rapidez um artigo de volta à prateleira, mas Sam teve
tempo de distinguir um conjunto negro de lingerie.
— Você não devia estar cuidando de seus filhos em vez de ficar me seguindo
por aí?
Sam estava pronto a responder quando algo atingiu suas narinas. O Desejo
da Meia-Noite. O perfume que ele sugerira há pouco. O aroma nela ficava bem
melhor do que no frasco.
— As crianças estão se virando muito bem sem o pai se quer saber, portanto
resolvi saber se estava tudo bem com você.
Chris arqueou uma sobrancelha. Uma expressão que enviava a mensagem
de que ela não acreditava nem um pouco naquilo.
— Mas que gentileza — respondeu ela. — Mas se fosse você não me
preocuparia muito. Venho tomando conta da minha pessoa há muitos anos, e tenho
me saído bem.
— Claro, tem se saído muito bem. Por isso está presa numa loja de
departamentos em vez de estar casando. Ele não ficou muito contente com você, fi-
cou? Enfim, acho que é bastante natural que o noivo fique alterado com a ausência
da noiva na cerimônia de casamento.
— Já terminou de espezinhar? — indagou ela, em tom frio.
— Não estou espezinhando, Chris. Não faria isso com você. Mas ficou claro
que ele não aceitou sua explicação. Pense como ele ficou com cara de bobo na
frente de todos que foram ao casamento enquanto os minutos passavam e você não
aparecia. O sujeito ficou preocupado, pensando que você estava em algum hospital?
Ele não pensou nisso, pensou?
— Não. Mesmo porque o motorista da limusine telefonou para ele enquanto
estava na frente da loja. Eles escutaram as notícias sobre a falta de energia nos
rádios dos carros. Ainda bem que as estações de rádio têm sistemas de reserva que
funcionam de verdade.
— É. Pelo jeito você não ficou animada com a reação dele, ficou?
Por um instante ela estreitou os olhos, e ele poderia jurar que as pupilas
emitiam pequenas farpas. Depois o rosto assumiu uma expressão neutra e olhou em
volta.
— Gostaria que eles tivessem um departamento de livros aqui. Pelo menos
alguns de nós poderiam passar o tempo atirando os volumes pesados na cabeça
das pessoas que merecem.
— O departamento infantil tem uma estante onde tem alguns livros infantis
famosos. Não sei se são suficientemente pesados, mas contém cenas de an-
tropofagia, bruxaria e assassinato.
Ela torceu o nariz.
— Não. Talvez se tivessem uma edição completa do dicionário, com vários
volumes.
Um instante de silêncio dissipou a hostilidade. Chris espreguiçou-se,
esticando os braços para cima e girando o pescoço para aliviar a dor na nuca.
— Posso lembrar de várias vezes em que eu desejei ter tempo para fazer o
que quisesse. Veja agora — disse Chris, estendendo os braços. — Tenho todo o
tempo do mundo e gostaria de ter algo construtivo para fazer. Sou difícil de
satisfazer, não acha?
— Dizem que a gente deve ter cuidado com os pedidos que faz, porque pode
conseguir — murmurou Sam, aproximando-se.
— Você é sempre tão bem-humorado assim? — quis saber Chris,
desconfiada.
— Só quando tento melhorar uma situação ruim. Desculpe, escapou.
Ela apoiou os cotovelos e as costas no balcão, erguendo o corpo para sentar-
se e balançar as pernas. Observou-o pensativamente durante algum tempo, depois
pareceu decidir-se. Bateu no espaço vazio a seu lado, num convite silencioso.
— Não se preocupe, não vou morder — garantiu ela, quando Sam
demonstrou hesitação.
— Isso não significa que eu não vou morder.
— Então foi bom eu ter tomado vacina anti-rábica. Além do mais, não quero
ficar sozinha no momento — declarou Chris, olhando para outro lado. — Desde o
começo eu sabia que Kevin era um sujeito preocupado com as aparências. Sempre
foi consciente de sua roupa, de seu cabelo e da forma como os clientes o
enxergavam. Queria ser visto como um sujeito legal, a fim de que todos voltassem
para comprar novamente com ele. Assim como ele bajula as grandes companhias
para conseguir vendas em quantidades maiores.
— Você ama esse homem?
Sam não tinha certeza de querer saber a resposta, mas acreditava que seria
melhor ouvir a verdade. Sua ansiedade aumentou à medida que os segundos se
escoavam. Chris suspirou profundamente.
— Eu amo a idéia de casar e ter uma família. Amo a idéia de passar minha
vida com outra pessoa.
— Isso não significa que você ame esse homem.
— E quanto à sua noiva? Você a ama?
— Eu e ela temos um relacionamento muito bom.
— Você não respondeu minha pergunta.
— Calma, ainda não acabei de falar. Mas quero escutar a sua resposta
primeiro. Também não respondeu minha pergunta.
Chris sorriu. Ela mesma se enfiara naquele beco sem saída. Estava
consciente das alterações em seu rosto enquanto passava por vários estados de
espíritos. Quando falou, sua voz era pouco mais do que um murmúrio:
— Quando Kevin me pediu em casamento pareceu mais um negócio do que
um assunto de amor. Falou nos filhos crescendo para tomarem conta de suas agên-
cias e insinuou que eu deveria desistir do meu trabalho. Talvez eu não quisesse
escutar, mas ele disse tudo. Embora eu não tivesse percebido nem uma vez a
palavra amor quando falou sobre casamento...
Sam sentiu-se tentado a fazer um comentário ácido sobre o sujeito, mas
resolveu ficar quieto. Pediu a verdade e foi exatamente o que obteve.
Depois disso, como podia admitir que ele mesmo não mencionara a palavra
amor na proposta de casamento? Tivera a idéia de casar-se outra vez e acreditou
que Carolyn seria uma boa esposa. A idéia de formar novo lar para seus filhos fora a
mola, e não como da primeira vez com Marie, ambos apaixonados e prometendo
amor eterno um ao outro. Tiveram três filhos maravilhosos e um divórcio de-
sagradável. Aonde o amor o levara?
— Alguns casamentos são baseados em outras razões que não o amor e
funcionam melhor — afirmou ele, escolhendo as palavras.
Afinal, era o dia do casamento dela.
— Pessoas que casam por outros motivos provavelmente não têm coração —
disse Chris, olhando distraída seu diamante.
— E quanto aos casamentos por interesse?
— Cada vez divórcios entre os casamentos por conveniência. Mas não é o
meu caso. Vi que ia completar trinta anos e descobri que desejo mais coisas da vida
do que dirigir minha agência. Por isso tive vontade de casar.
— Eu também. Não que eu espere que Carolyn abandone a carreira para
cuidar de crianças, mesmo porque ela é uma profissional eficiente demais para
ceder muito tempo. Depois, não achei que fosse certo pedir que ela ficasse em casa,
onde passo a maior parte do tempo, sentado entre quatro computadores.
Começou a sentir-se culpado outra vez. Ainda tinha problemas para
equacionar sua atração por Chris com o noivado com Carolyn. Mas teria de
conversar com sinceridade sobre o assunto, já que casar com a advogada madrasta
estava tão fora de questão quanto ela casar com esse vendedor de carros.
— Quatro! — admirou-se Chris.
— É que às vezes preciso trabalhar em mais de um programa ao mesmo
tempo. É mais fácil, e às vezes necessário trabalhar em mais de um computador.
— Se trabalha tanto assim para fazer jogos, fico admirada que encontre
tempo para viver.
— As vezes fico sem sair de casa por semanas. Quando estou perto do final,
tenho certa tendência a esquecer qual é a hora do dia, ou o dia da semana.
— E como se arranja com a alimentação? Vive de comida descartável
enquanto está mergulhado nos jogos? — indagou ela.
Sam respirou fundo, sentindo o aroma sensual do perfume como uma aura
envolvente e convidativa. Os músculos do estômago contraíram-se e em sua mente
surgiu a imagem de uma cama. Teria de ser uma bem confortável, decidiu ele, do
tipo que possui cortinados para garantir a privacidade; os lençóis seriam de seda.
Um pouco de música, talvez jazz, em variações mais quentes. Respirou fundo mais
uma vez e balançou a cabeça, como se assim pudesse expulsar os pensamentos
inconvenientes. Nunca imaginara que um perfume pudesse criar um clima tão
erótico. Não que estivesse reclamando, claro.
— Que forma de descobrir que nunca deveria ter marcado o casamento —
murmurou ela.
— Chris, sinto muito.
O sorriso dela deu a impressão de aquecer o ar.
— O quê? Não vai dar nenhum conselho nem dizer: "Eu bem que avisei"?
— Você não merece. Mas por outro lado eu estava começando a pensar se
ele merece você...
Sam inclinou-se e apanhou uma mecha de cabelos entre os dedos,
passando-o por sobre a orelha de Chris. Os dedos sentiram o calor da pele. Teria
sido sua imaginação ou ela se aproximara alguns centímetros? Um pouco mais e os
lábios estariam a.ponto de se tocar.
— O que vocês estão fazendo?
Sam recuou e voltou-se para encarar seu filho menor.
— Estamos conversando. Onde estão seus irmãos? — perguntou Sam,
tentando ganhar tempo para acalmar seus hormônios.
— Não sei — respondeu Brandon, encolhendo os ombros.
— Você devia estar junto com eles.
— Eles disseram que não era para ficar perto deles, então vim procurar você.
— Acho que preciso conversar um pouco com esses meninos sobre
diplomacia — resmungou Sam. — Brandon, você sabe que não deve andar por aí
sozinho.
— Não sei por quê. Não posso sair daqui porque as portas estão trancadas. E
não quero mesmo ficar com eles. Quero ficar com vocês — declarou o menino,
olhando para Chris.
Ela desceu do balcão e abaixou-se ao lado dele.
— Vamos lá, caubói.
Ajudada por Sam, Chris içou Brandon até o balcão, depois acomodou-se.
Brandon olhou para cada um deles.
— Que tal se a gente fizer um jogo?
Sam logo pensou num que seu filho ainda não tinha idade para jogar, e era
para dois jogadores.
— Pensei que você estivesse cansado e pronto para dormir agora —
argumentou Chris.
Os olhos de Brandon se arregalaram, e a cabeça movimentou-se numa
enfática negativa. Ela riu e abraçou o menino.
— Acho que daqui a pouco você vai estar pronto
para dormir.
— Mas eu não tenho nenhuma das minhas camas aqui — argumentou ele. —
Só consigo dormir na minha cama.
— É mesmo. Foi impressionante como você conseguiu dormir bem no verão
passado, quando a gente foi passar uns dias na Disneylândia. Apagou como uma
vela.
— Camas de hotel são diferentes.
— Uma pessoa tão jovem e tão lógica — comentou Chris. — Sabe, você não
é o único por aqui que está ficando com sono. Talvez a gente possa arrumar uma
coisa legal para todos.
— O quê? — quis saber Brandon, tão desconfiado quanto se a sugestão
tivesse partido do irmão mais velho.
— Não sei — admitiu ela. — Mas vamos ver o que podemos conseguir. Não
custa perguntar.
Ela desceu do balcão e estendeu a mão para ajudar Brandon.
De mãos dadas, partiram. Ela olhou por sobre o ombro.
— Você vem ou não?
Sam suspirou e saltou para o assoalho.
Seguiu mais atrás, observando os dois à frente com a luz da lanterna de
Chris. Recordou-se da reação quase violenta de Brandon ao saber que iria passar o
dia com Carolyn. A moça parecia ter um tipo de mágica no que diz respeito a
garotinhos. E garotões também, como ele mesmo podia atestar. Algo lhe dizia que
Brandon não seria tão amistoso com Carolyn.
Sentia uma pontada de culpa quando pensava sobre o assunto, pois havia
momentos em que percebia que Carolyn ficava em lugares secundários em sua lista
de prioridades. Se tivesse coragem de ser honesto a respeito, sabia que Carolyn o
colocava abaixo de seus compromissos sociais e de negócios. Sempre fizera as
coisas à maneira dela, por ser mais fácil do que voltar a sair outra vez para namorar.
Inicialmente tivera a intenção de passar o dia com os filhos, falar mais sobre
Carolyn antes de juntar as duas partes. Porém ela tivera a idéia do churrasco e Sam
acabara por aceitar, acreditando que a sugestão fora dele. De repente, percebeu
que isso acontecia com muitos outros assuntos. De alguma forma ela o manipulava.
— Por isso ela ganha tantos processos — resmungou em voz baixa.
— Você está bem? — quis saber Chris, olhando por sobre o ombro.
Antes que ele respondesse, Eric e Sônia se aproximaram.
— Estávamos procurando vocês. Falamos com o gerente e ele disse que
podemos usar o mostruário da seção de acampamento para as crianças dormirem.
Se vocês não se importam, queríamos reunir todas para contar histórias de
fantasmas — afirmou Sônia, olhando para Brandon. — Seu irmão disse que sabe
contar umas histórias muito assustadoras.
— Só se você gostar de muito sangue — esclareceu o pai. — Tem certeza de
que quer fazer isso?
— Adoramos crianças! Achamos que se eles ficarem reunidos e entretidos
com alguma coisa podem dar um pouco de sossego aos adultos. Sua filha se
ofereceu para ajudar a cuidar de todos.
Sam deixou cair o queixo.
— Lisa se ofereceu? Mas ela nunca se ofereceu sara nada na vida, a não ser
que obtenha vantagens.
— Talvez seja exatamente do que ela precisa — disse Chris. — Ela está se
sentindo entediada hoje, e isso dará a ela o que fazer.
— Ela não é a única — lembrou Sam. — Agradeço muito o que estão
fazendo. Eu seria louco de convencer vocês a desistir disso.
— Será como ter nossos netos conosco — lembrou Eric, sorrindo para a
esposa. — Só quando nossos filhos cresceram é que percebemos a falta que nos
fazem. Ainda bem que temos um ao outro.
Chris reparou na ternura existente na troca de olhares entre o casal.
Emocionou-se. Não conseguiu lembrar-se de alguma vez em que Kevin a tivesse
olhado daquela forma. Tinha certeza de que Eric e Sônia haviam sido um casal
apaixonado na mocidade. Lembrou-se de sua viagem ao futuro e estremeceu. Sabia
que quando saísse da loja iria sentar-se com Kevin e conversar longamente. Ele iria
escutar algumas coisas que não o agradariam, mas sentia-se obrigada a conversar
sobre o que descobrira nas últimas horas. A primeira coisa que diria seria a respeito
das mudanças a serem feitas se o casamento fosse mesmo acontecer. Tinha
vontade de assumir compromissos, mas ele teria de fazer algo também. Seria
melhor passar os próximos dez anos sozinha do que estar ligada a um chauvinista
como o de seu sonho. Se isso acontecesse, terminaria por odiá-lo. E o que era pior,
odiaria a si mesma por ter casado com ele pelos motivos errados.
Sam fez uma careta ao escutar um horripilante grito infantil.
— As crianças estão muito excitadas com tudo o que está acontecendo —
explicou Sônia, sorrindo.
— Talvez quando perceberem que estamos nos acomodando para passar a
noite se aquietem um pouco.
— Mal posso esperar para ver todos sob controle
— declarou Lisa, aproximando-se do grupo. — Sugeri que usássemos gás
narcótico, mas parece que a loja não tinha. Acho que não têm tudo, afinal.
Sam mal conseguia acreditar em seus ouvidos. Sua filha fizera uma piada?
Aquela menina que odiava o mundo algumas horas atrás? De repente ela se
oferecia para ajudar uma estranha a tomar conta de várias criancinhas quando
prometera jamais trabalhar como babá.
Não ia discutir os motivos. O sorriso sincero deixou que ela percebesse seu
orgulho.
— Alguém precisa ficar de olho em Davis e Brandon — explicou ela com um
suspiro sofrido. — Principalmente Davis. Ninguém sabe o que ele é capaz de fazer
quando está sozinho.
— E eu que tinha esperança de que alguém pensasse que ele estava à venda
e comprasse o Davis.
— Eu escutei essa — disse Davis, as mãos na cintura, encarando o pai. —
Você fica dizendo isso, mas sabe muito bem que ninguém em seu juízo perfeito iria
comprar um cara como eu.
— Isso é verdade — concordou Lisa.
— Pelo que eu já vi, as crianças não mudaram muito ao longo dos anos — riu
Eric. — Agora, por que vocês pais não procuram um lugar confortável para passar a
noite? As crianças vão ficar bem.
— Isso, vamos tomar conta delas — reforçou Lisa, para não ser incluída entre
as crianças.
Sam olhou na direção de Chris. Que tipo de lugar tranqüilo se podia descobrir
numa loja de departamentos? Ainda assim, sempre existia esperança. As mulheres
que vieram juntas às compras provavelmente dormiriam juntas. O casal mais velho
ficaria com as crianças. Ao que parecia os empregados permaneceriam em seus
alojamentos. Não sabia que chances tinha com o que restara, mas com certeza não
pretendia perder nada por deixar de tentar.

Capítulo 9

Por que ele está olhando para mim como se eu fosse servida numa travessa
especial?, pensou Chris.
Desde que ela e Sam haviam se juntado ao grupo, ele não tirava os olhos
dela. A intensidade produzia arrepios ao longo de sua espinha, convencendo-a de
que suas defesas contra ele baixavam minuto a minuto. Por que aquele homem a
tentava tanto? Engraçado como aquele dia parecia concentrar todas as diferenças
em poucas horas. Por que tudo não acontecera três meses antes? Ou há seis anos?
Havia uma boa resposta para essa pergunta: Kevin. Estava envolvida com ele
e não teria notado mais ninguém.
Porém não acreditava ser capaz de ignorar Sam ainda que o noivo estivesse
por perto.
A roupa dele não era impecável, e havia mesmo uma mancha numa das
pernas do calção que parecia chocolate. O cabelo tinha aparência revolta, como se
ele tivesse passado as mãos ali o dia inteiro. Para ser honesta, ela também tinha
passado as mãos ali um vez, e sentira uma textura macia de cabelos, ao invés da
oleosidade exagerada da brilhantina usada por Kevin.
Seu noivo sempre cheirava a colônia cara, ao passo que Sam cheirava
como... bem, como Sam.
Kevin era do tipo que jamais seria apanhado com tênis confortáveis, como os
que Sam usava, pois acreditava que alguém com suas aspirações devia estar
apresentável o tempo todo.
Como seria Sam dali a trinta anos? Como seria viver com ele?
— Onde está a mulher da casa, para vir cumprimentar seu homem — bradou
uma voz à porta.
Chris teve vontade de rir. Apenas uma pessoa gritava daquele jeito. Correu
para a porta da entrada e encontrou Sam carregando uma sacola com alguns belos
exemplares de trutas brilhando ao sol da tarde.
Ela o encarou com as mãos na cintura e sua expressão mais severa, apesar
de saber que não adiantaria.
— Você não pretende trazer esses peixes para a minha cozinha limpa, é claro
— afirmou, sem conseguir evitar uma ponta de sorriso.
— Mas eles estão limpos — argumentou ele. — Estiveram na água esse
tempo todo. O que eles precisam é de outro tipo de tratamento.
— Concordo. E para isso temos o quintal. Não a cozinha.
— Mas, vó... o vovô disse que você limpava o peixe que a gente pegou —
disse um garoto de seis anos, saindo de traz do avô, com expressão solene.
Chris encarou o neto, pensando como parecia com Brandon quando tinha
essa idade. Talvez por isso o pequeno Nathan conseguisse sempre o que queria da
avó.
— Vovô sabe muito bem que se ele quiser que eu prepare o peixe, ele precisa
tratar deles — disse ela.
— Talvez a vovó precise ser convencida — provocou Sam, entregando o
samburú ao neto e aproximando-se para abraçar Chris. — Minha menina...
— Sam, você está fedendo a peixe — protestou ela, sem muita convicção.
Nathan ria às gargalhadas,
— Oh, vô... a vovó não é menina!
Sam encarou-a nos olhos, perdendo o ar brincalhão por um instante.
— É, sim, Nathan. Ela sempre vai ser minha menina...
Ele mantinha os cabelos revoltos e o corpo em forma com uma caminhada
matinal. Chris tinha prazer em observá-lo quando ele saía do chuveiro, ou quando
faziam amor.
— Sabe que Brandon e Melissa vão chegar daqui a uma hora para apanhar
Nathan, não sabe? — lembrou ela, escondendo os olhos úmidos de emoção.
Sam sabia que aquilo equivalia a uma promessa para depois que o neto
partisse. Precisavam aproveitar os momentos de sossego, pois com três filhos dele
e mais três de ambos, o movimento de genros, noras, netos e filhos era intenso.
Todos usavam a casa como se fosse deles.
Obviamente Sam e Chris não se importavam. Adoravam a família e gostavam
da convivência. E ela não se limitava aos momentos de paz; ainda recordava a
ocasião em que Davis e a esposa entraram e encontraram as roupas de ambos
espalhadas desde a sala até o quarto, de onde podiam ouvir os risos e gritos do
casal. Tiveram o bom senso de sair na ponta dos pés, mas o incorrigível Davis
gostava de provocar o pai, relatando a cena com exageros.
— Nathan, por que não leva esses belos peixes para a pia na garagem? —
pediu Sam, sorrindo para ela. Permaneceu assim até escutar a porta da cozinha
batendo. — Agora estamos sozinhos.
— Mas nosso neto pode voltar a qualquer momento para saber por que você
está demorando.
— Está certo, mas vou atacar você no instante em que devolvermos o
moleque — prometeu ele.
A pulsação de ambos acelerou.
— Mulher, está vendo o que você fez? — disse Sam, olhando para baixo. —
Não tem vergonha de ficar excitando os homens com a sua idade?
— Você me prometeu fogos de artifício todos os dias e manteve essa
promessa, lembra?
— Lembro. Vamos resolver esses peixes de uma vez e mais tarde a gente
acerta essas contas — prometeu ele.
Chris sabia que Sam manteria a promessa. Sempre fora assim.
E já que ele tinha assim tanta sede, ela fazia o melhor para saciá-la.
Sam sempre ficara satisfeito.
— Chris, você está bem?
O rosto preocupado de Paula trouxe-a de volta ao presente.
— Estou ótima. Só estava sonhando acordada.
— Provavelmente ela está pensando no casamento que perdeu — opinou
uma das mulheres.
— Acho que todos nós tivemos maus momentos durante o dia de hoje —
disse Sam. — Talvez fosse bom a gente se acomodar para passar a noite.
Paula olhou antes para Chris.
— Boa idéia. Vou ficar com uma das cabines na seção de esportes — disse
ela ao grupo, desejando boa noite e deflagrando as despedidas.
Lisa e Brandon abraçaram o pai, enquanto Davis limitou-se a um aceno.
— Não se preocupe, não vou desgraçar o seu nome — garantiu ele.
— Eu apreciaria muito. Sejam bonzinhos. Essas pessoas são muito legais em
se oferecerem para passar a noite com vocês, e ainda contando histórias de fan-
tasmas! Não vão deixar que elas se arrependam.
Ele observou a todos afastando-se, e quando voltou-se Chris não estava mais
atrás dele. Uma busca nos grupos confirmou que não partira com as outras
mulheres. Começou a procurar. Parou no departamento de lingerie, sentiu a textura
de algumas peças e continuou sua exploração.
Um facho de luz guiou-o -até o departamento de móveis, onde encontrou
vários empregados encolhidos em camas, sofás e espreguiçadeiras. Investigando os
recantos, descobriu Chris sentada de pernas cruzadas no meio de uma cama. A
imagem parecia ter vindo diretamente de uma de suas fantasias.
— Não parece muito sossegado por aqui — comentou ele aproximando-se.
Ela deu de ombros.
— Não acho que algum de nós possa esperar privacidade — sussurrou ela.
— Mas se você quiser um pouco de privacidade, posso conseguir — ofereceu
ele, sorrindo.
Foi um sorriso cauteloso, como se aguardasse a reação dela.
Ela sustentou o exame, recusando-se a deixar que ele soubesse o que
pensava. — Mais jogos mentais, sr. Winslow?
— Não. Só uma surpresa... se você quiser — acrescentou ele estendendo a
mão.
Ela olhou para os dedos estendidos em sua direção, depois para o rosto dele.
Hesitou tanto que ele ficou certo de levar uma recusa. Quando estava a ponto de
insistir, Chris aceitou a mão estendida.
— É bom valer a pena. Puxa, Winslow, você está me erguendo da cama.
— Certo, mas eu preferia não ter audiência — resmungou ele, conduzindo-a
através do labirinto de móveis.
A medida que caminhavam pela loja, Chris pensou várias vezes em perguntar
aonde estava sendo levada, e o que iria ver. Mas resolveu que isso só serviria para
demonstrar que estava ansiosa e conseguiu controlar-se.
— Espere até ver o que encontrei — declarou Sam com ar de conspirador. —
Deve ser uma sobra dos tempos antigos, quando o luxo era a principal qualidade
desta loja.
— Do que você está falando? — indagou ela, procurando enxergar o facho
que ele agitava à frente.
— Disto — Sam chegara a uma porta e abriu-a.
Passou o cone luminoso pelo interior para que ela enxergasse.
Chris não conteve uma exclamação de surpresa ao contemplar o esconderijo
que seu companheiro descobrira.
A um canto do aposento estavam duas cadeiras, uma pequena mesa e uma
espreguiçadeira sofisticada, três das quatro paredes eram espelhadas e o carpete
vermelho escuro era espesso e cheirava a novo.
— Próprio para uma rainha — disse Sam, fazendo uma mesura.
Dirigia a lanterna para o chão, formando uma passarela brilhante. Fechou a
porta, deixou-se cair no carpete e bateu no espaço a seu lado.
— Espero que a senhorita não se importe com a dureza especial do colchão
que irá experimentar.
Chris sentou-se, cruzando as pernas sob o corpo. Passou a palma da mão
pela superfície do carpete. Olhou para a lanterna.
— Não tem medo de que as pilhas acabem?
O sorriso de Sam alargou-se enquanto ele enfiava a mão no bolso traseiro,
extraindo três embalagens de pilhas.
— Acredito no ditado: um homem prevenido vale por dois.
Apanhou a lanterna dela e colocou as duas juntas antes de deitar-se e esticar
as pernas.
Chris girou o corpo de forma a poder vê-lo, com o ombro apoiado contra a
parede.
— Por todas as regras que aprendi, eu devia ter ficado onde estava.
— Está com medo de ficar sozinha comigo? — sorriu ele.
— Não. Estou com medo de ficar sozinha comigo.
— Podemos conversar.
— Conversar? — repetiu Chris, encarando-o com descrédito. — Essa é velha.
— Só conversar. Por que não? Conhece alguma forma melhor de descobrir
coisas um sobre o outro do que conversar?
— Muito bem. O que quer saber?
Sam inclinou a cabeça para um dos lados, pensativo.
— Não é muita coisa. Sua cor favorita, que livros gosta de ler, que tipo de
música escuta, passatempos... saber se gosta de limpar peixe.
— Limpar peixe! De onde veio essa idéia? — espantou-se Chris, ainda
impressionada pelo seu segundo exercício de imaginação do dia.
— Pensei nisso, não sei por quê — disse ele, encomendo os ombros.
Chris sacudiu a cabeça como se não conseguisse acreditar no que estava
ouvindo.
— Minha cor favorita é salmão. Gosto de ler um bom livro de suspense. Não
existe nada como o bom e velho rock & roll. Gosto de fazer crochê, mas não tenho o
tempo que gostaria para aprender direito, E ninguém poderia me convencer a limpar
peixe.
Nem pagando. Foi a vez de Sam abrir a boca de surpresa. Ela continuou,
ignorando a reação:
— Fui líder de torcida no colegial e fui a rainha dos calouros no primeiro ano.
Perdi o baile de formatura porque peguei sarampo dois dias antes. Pensei que a
faculdade fosse como o colégio e fui ingênua o suficiente para acreditar que o
professor de inglês realmente queria me ajudar a melhorar as notas. Só percebi o
que ele queria quando uma das minhas colegas apareceu grávida; pedi
transferência da classe dele. Quando tenho tempo, gosto de freqüentar aulas de
decoração, cozinha ou outro assunto interessante. Acredito que um bife só deve ser
preparado numa grelha e raramente bebo, porque o álcool não se mistura bem com
meus neurônios.
— Você é uma daquelas que ficam carente quando bebem? — quis saber
Sam.
— Não. Fico feliz com o mundo e começo a dizer a verdade, não importa
quanto magoe a pessoa — esclareceu ela. — O que mais quer saber? Minhas
tendências políticas, minhas impressões sobre o que ocorre no mundo hoje em dia,
meu signo...
— Não acho bom discutir política no primeiro encontro e detesto saber que de
acordo com os astros não deveríamos nem falar um com o outro. — Ele apanhou a
mão de Chris, com a palma para cima e traçou com os dedos as linhas mais fortes.
— Acha que é muita loucura? Podemos ter somente esta noite para nós.
Ela estremeceu com a leveza do toque.
— Sei disso.
— Que bom. Uma mulher que prefere escolher o próprio caminho.
Chris precisou forçar a mente para descobrir sobre o que estavam falando
antes que ele se aproximasse tanto dela.
— E você? Como você é?
— Minha cor favorita é azul, gosto de ficção científica, jazz, e se não tiver
ninguém para limpar meus peixes, eu mesmo limpo.
Chris sentiu a outra mão coçando com vontade de acariciar outra vez os
cabelos dele. Ainda não tinha certeza de estar apaixonada, mas queria descobrir.
Sentiu que seu corpo aproximava-se do dele.
— Chris... — O nome dela soou como uma carícia.
— Como você disse, podemos ter só esta noite para nós — murmurou ela,
aproximando os lábios. — Não sabemos se nossos signos astrológicos são
compatíveis, mas em compensação eu nunca leio horóscopo.
— Você não vai me odiar mais tarde, ou a você mesma pelo que está
fazendo?
— Minha vida parece estar tomando rumos diferentes nas últimas horas.
Sabe o que parece? Parece que eu estou vivendo um filme. Daqueles em que duas
pessoas apaixonadas se encontram, vivem uma paixão intensa e depois se separam
— disse ela, baixinho. — Não importa o que aconteça depois, permanece na
memória a experiência que partilharam. É o que quero.
O brilho nos olhos de Chris anulava qualquer outra luz no aposento.
Sam não poderia ter escutado nenhum estímulo melhor. Inclinou-se e beijou-
a. Logo percebeu que não ficaria satisfeito com um toque rápido.
As mãos de Chris pousaram em seus ombros enquanto ele a abraçava, até
que os seios queimassem sobre seu peito.
— Como é que você foi me deixar desse jeito em tão pouco tempo, menina?
Apesar de ter feito a pergunta, Sam não deu chance a ela de responder, pois
continuou a beijá-la de leve.
Chris pressionou o corpo contra o daquele homem, buscando excitá-lo cada
vez mais. Abriu a boca e ele não hesitou. As línguas se entrelaçaram, numa dança
erótica que prenunciava a dança do amor. Ele manteve o abraço e ambos giraram
no chão até ficarem de lado, olhando um para o outro.
— Você faz idéia do estado em que me deixa, menina?
Ela riu.
— Acho que sim, porque me sinto da mesma forma.
— Vamos extrair o que a gente puder desta noite — disse Sam, desejando
que a noite durasse para sempre.
Pressentia que entre eles havia mais do que atração física, embora não
soubesse explicar o que era. Ao mesmo tempo que desejava tirar as roupas dela e
tocar-lhe o corpo nu, também queria saber o que passava na mente dela. Não tinha
o direito de pedir que não casasse com algum idiota vendedor de carros mais
preocupado com seus contratos do que com ela. Queria poder descobrir se ela era
uma pessoa do tipo noite ou manhã. Será que acordaria de mau humor até tomar o
primeiro gole de café? Iria queixar-se por querer dormir com a janela aberta ou
apenas chegar mais perto dele para esquentar-se? A vontade era entrar dentro dela
e nunca mais sair. Detestava a idéia de que poderia ser apenas um noite, mas era
melhor ter uma noite que nenhuma. Tirou a camiseta dela, usando as pontas dos
dedos para traçar caminhos sensuais desde a cintura. Ficou por um instante sem
fôlego tal a beleza do corpo dela encerrado na lingerie de rendas. As marcas do
bronzeado eram visíveis abaixo do pescoço. Ele observou o mamilo enrijecer
embaixo da seda quando a ponta do dedo desenhou círculos concêntricos. Chris
respondia ao seu toque como se ele tivesse o controle das reações dela. Como se
tivesse um dom especial para isso.
Aproximou os lábios do lóbulo da orelha.
— Maravilhosa — murmurou ele. Os olhos de Chris fecharam-se quando ela
abandonou-se ao toque de Sam. Jamais sentira o fogo que parecia correr em suas
veias. Nem a vertigem que aumentava a cada beijo. Queria apenas prolon gar o
toque da pele dele contra a dela. Queria mais. Os dedos de Sam passaram pela
pele do couro cabeludo, evitando os cachos com pérolas. Ao mesmo tempo a
beijava com toques sôfregos nos lábios, aumentando o desejo entre eles.
Com movimentos rápidos, Sam retirou o sutiã, deslizando a seda pela pele
quente. A palma da mão tocou a pele do abdômen, enquanto a outra subia pela
coxa, logo abaixo da bainha do short que Chris usava. Ela gemeu baixinho quando
os dedos atingiram a virilha, pousaram ali por um instante, depois retornaram pelo
mesmo caminho.
Sam demorou no botão principal na cintura. Devagar retirou-o da casa, e
passou ao seguinte, aumentando o desejo dela a cada novo movimento. Ter-
minando, deslizou a peça de roupa pelas pernas até os tornozelos.
— Isso é loucura! — murmurou ela, com voz rouca e entrecortada, enquanto
abria o zíper da bermuda dele.
— Pode ser. Mas estamos aqui, não estamos?
Ele colocou a palma da mão contra a frente da calcinha, que revelou uma
temperatura febril embaixo da seda.
— Devemos ser malucos só por pensar em fazer um coisa dessas —
balbuciou ela, esfregando o rosto contra o ombro de Sam e aspirando o aroma
almiscarado da pele dele.
O odor aumentou seu estado de excitação.
— Pelo contrário, nós somos os sãos. Todos os outras são loucos.
Depois de falar aplicou um beijo suave no ventre agora exposto. Os músculos
contraíram-se quando a ponta da língua traçou um círculo, e a pele do rosto raspou
na pele delicada. A mão firmou-se na curva dos quadris. Chris sentia-se frágil como
nunca nos braços dele! O corpo delicado estremecia enquanto ele procurava
memorizar cada centímetro com as mãos e a boca.
Ela sentia-se como uma massa de moldar nas mãos dele, ao mesmo tempo
quentes como fogo e frias como gelo. Como se fossem amantes há longo tempo, ele
parecia saber o que a agradava, levando-a até os limites da excitação.
As feições dele pareciam brilhar com a excitação demonstrada, um fogo
castanho nos olhos que a ameaçava. Não, não se tratava de uma ameaça, mas de
uma promessa de levá-la ao fogo e protegê-la das queimaduras.
Chris recusava-se a ser passiva. Ajudou Sam a retirar o calção. A ereção era
aparente através do tecido fino da cueca. Ela notou que era observada atentamente,
sem nenhuma vergonha. Sabia por quê. Permitia que ela visse o desejo que
despertava nele. Chris apanhou a camiseta dele e retirou-a, num gesto lento e
deliberado.
Sam deitou-se, puxando-a por cima dele. Ela sentou-se sobre a ereção,
sentindo-lhe o calor. Debruçou-se sobre o corpo dele.
— E se alguém chegar e nos encontrar? — indagou ela. — Quero dizer,
alguém pode vir até aqui para obter um pouco de privacidade, como nós.
Não que sentisse ser errado o que estava fazendo, e não desejava parar.
Ele sorriu e moveu algumas madeixas de cabelo para atrás da orelha.
— Tranquei a porta. E além do mais, quem sabe que estamos aqui?
— E se algum de seus filhos precisar de você?
— Conhecendo eles como conheço, acho que vai precisar um verdadeiro rio
de sangue para afastar qualquer deles da noite mais divertida dos últimos tempos.
Sam ergueu a mão e pousou-a na curva quente dos seios dela. O contato
pareceu familiar. Seria ela a concretização de seus sonhos?
O olhar parecia tão cheio de desejo quanto o dele.
— Acho melhor a gente se concentrar um no outro. Sam teve vontade de
dizer a Chris como feia ficava bem em seus braços. Que a pele de ambos combi-
nava. Inalou o perfume profundamente porque gostaria que ela passasse a fazer
parte dele. Passou a 1ingua na pele, para reter a memória do gosto dela.
— Depende de você, Chris. Não precisamos avançar mais do que isso —
avisou ele.
— Claro que precisamos. Decidimos que essa é a nossa noite. Não é
possível parar agora.
— Quero você, Chris. Queria que você me desejasse da mesma forma.
— Pois eu não posso negar, Sam Winslow. Acho melhor nós resolvermos
esse assunto antes que amanheça.

Capítulo 10

— Tem velas por aqui. Estamos deitados no meio de uma grande cama —
disse Sam com voz rouca. — E as janelas estão abertas para deixar entrar a brisa.
Chris passou a mão na testa dele, sentindo a pele úmida sob seus dedos.
Erguendo o rosto percebeu a brisa embora a sala não tivesse ar condicionado.
— Você é como um soldado indo para a guerra. Pode não voltar nunca mais
— declarou ela. — Só temos essa noite. Vamos fazer dela uma noite que nunca vai
ser esquecida.
Sam abraçou-a.
Em poucos segundos não havia mais roupas entre eles. Chris usou a ponta
da unha para traçar o contorno do mamilo dele, sorrindo ao constatar que enrijeceu
em poucos segundos. Castigou-o com a ponta da língua, escutando-lhe o gemido. A
mão deslizou pela musculatura, até chegar perto da virilha. Ela passou as pernas ao
redor dele, apertando-o o quanto podia sem que estivessem encaixados.
Sabiam que não podiam continuar por muito tempo. Os beijos não eram
suficientes para satisfazer nenhum dos dois. Os corpos abraçados misturavam as
transpirações. Chris sentiu com os dedos a masculinidade rígida e guiou-a para
dentro de si, ofegante.
— Quero você — murmurou ela.
Os olhos se encontraram quando Sam movimentou os quadris para cima. A
sensação de calor molhado envolveu-o como um turbilhão. Foi preciso cerrar os
dentes com força para controlar-se.
— Se você não me der uma chance, vamos acabar muito antes do que eu
gostaria — avisou ele com voz rouca quando ela moveu-se sobre ele.
— Vou conceder um segundo — afirmou Chris, beijando cada uma das
pálpebras. — Antes de atacar você.
Em pouco tempo ela estremeceu por dentro e começou a mover o corpo em
círculos, que logo o envolveram. Sam fora casado, criara três filhos, porém não se
recordava de haver sentido tamanha proximidade com a perfeição. Fitou
intensamente Chris, que também exibia no rosto uma espécie de assombro
maravilhado.
Era isso o que o destino reservara para eles. Porque depois do que estava
acontecendo, jamais encontrariam ninguém capaz de igualar esse estado de união
mental.
Quando Sam sentiu os músculos internos se contraírem ao seu redor e viu o
rubor espalhando-se pelo rosto, soube que ela estava muito próxima do êxtase.
Aumentou o ritmo e deixou-se perder no mesmo rodamoinho que Chris. Ela gemeu e
enterrou o rosto no ombro dele.
Ambos foram consumidos pelo fogo que todos os amantes procuram.
Chris não podia lembrar-se de ter se sentido tão relaxada, tão sintonizada
com seu corpo algum dia. Com os olhos fechados, ela decidiu que toda pessoa
devia sentir-se assim. Suspirou ao sentir dedos acariciando sua coxa.
— Você nunca fica satisfeito? — ralhou ela. A mão foi substituída por lábios.
— No que se refere a você, não. Estou contente por ter sugerido aquele
perfume — disse Sam.
— Confesso que não iria experimentar, mas não pude resistir à tentação de
passar um pouquinho.
— Vou comprar uns dez litros e você vai usar só para mim.
— Não acha que as pessoas vão reclamar se eu andar por aí usando só
perfume?
— Você não prestou atenção, menina. Eu disse para usar só para mim.
Outros homens poderiam ter idéias... — mesmo no instante em que falava, Sam
percebeu que Chris estremecia.
Percebeu a dúvida interior em que ela se encontrava, mas recusava-se a
afastar-se dela, que girou o corpo, olhando para o lado oposto.
— Dissemos que não iríamos nos arrepender — lembrou ele, em tom sério.
— O problema é esse mesmo — disse ela, olhando para a parede. — Não
estou nem um pouco arrependida. Devia estar mas não estou.
Sam abraçou-a.
— Não fizemos nada de errado, Chris, e você sabe disso. O que partilhamos
foi uma coisa única. E errado pensar em qualquer coisa que possa estragar esse
momento. Ninguém mais pode entender o que partilhamos. Foi apenas para nós,
lembra?
— Sei disso. Fizemos dessas horas o nosso tempo e não é certo que eu fique
estragando o pouco tempo que sobra.
Os dois apertaram o abraço, contentes em permanecerem ali, apreciando o
contato dos corpos que trazia segurança.
— Sam...
— O quê?
— Eu vi os fogos de artifício do dia da Independência — declarou Chris,
reparando que ele sorria.
— Também vi, menina.
Sam desligara as lanternas, de forma que estavam conscientes da presença
do outro apenas pelo tato. Depois de permanecerem em repouso, simplesmente
apreciando o prazer do abraço, Sam resolveu que precisavam fazer mais do que
tocar um ao outro. Com um murmúrio suave, aproximou o rosto do dela, beijando-lhe
o canto da boca. Sentiu o sal das lágrimas que por ali haviam escorrido. Ele não
queria que a tristeza estragasse os momentos em que estavam juntos, portanto
buscou algo que a fizesse esquecer.
— Não acenda a luz — pediu ela, num murmúrio. Na escuridão só tinham o
tato para orientar-se.
Era o suficiente.
Fizeram amor de forma mais controlada, cada um buscando o que dava
prazer ao outro. Não se apressaram nas explorações intensas, traçando outro ca-
minho para o êxtase.
— Duas vezes fogos de artifício na mesma noite — comentou Chris pouco
depois, aninhando-se nos braços dele.
— Considere uma delas seus fogos de aniversário — sugeriu ele, sorrindo.
— Um presente? E você nem ao menos se deu ao trabalho de colocar uma
fita no embrulho — riu ela.
Sam sentiu-se naquele estágio de relaxamento antes do sono. Parecia mole
demais para rir, como se estivesse embriagado. Contudo não se tratava de
champanhe, mas de Chris.
Como seria ela dali a trinta anos?
— Por que estamos comemorando aqui? — quis saber Chris.
— Porque daqui teremos uma ótima visão dos fogos de artifício — respondeu
ele, colocando o cobertor no chão e ajudando-a a sentar-se. — Depois a gente pode
ir nadar, todo mundo nu.
— Ah-ah! Esse foi o verdadeiro motivo então! Seu velho sem-vergonha —
acusou ela, em tom carinhoso.
— Pode ser, mas essa sem-vergonhice é sua.
— É bom que seja mesmo — concordou ela.
— Você está tão bonita — disse Sam, encarando-a.
— E você precisa colocar seus óculos antes de ficar por aí elogiando as
moças.
As mãos acariciaram os cabelos, sem registrar os fios brancos entre os
castanhos nem as rugas nos olhos. Só enxergava a mulher pela qual se apaixonara.
— E se algum dos meninos parar aqui? — lembrou ela.
— Eu tive o bom senso de avisar a todos que esta noite ficou reservada só
para nós dois, e que amanhã teremos sua festa de aniversário — sorriu ele. — Davis
disse que não sabia que pessoas com a nossa idade ainda conseguiam ter uma
ereção.
Chris riu.
— Tenho certeza de que você respondeu que o sexo não tem nada a ver com
a idade.
— Para dizer a verdade, eu disse muito mais do que isso — afirmou ele,
deitando-a sobre o cobertor.
Chris externou seu assombro quando os riscos vermelhos e amarelos
recortaram-se contra a escuridão do céu.
— Está vendo? Eu disse que sempre teria fogos de artifício — disse ele.
— Você manteve essa promessa, meu amor — respondeu Chris, unindo os
lábios aos dele.
Chris sentiu primeiro a claridade contra suas pálpebras fechadas. Lentamente
abriu os olhos e piscou algumas vezes contra o raio de luz que incidia nela.
Luz. Ela sentou-se, o coração disparado. As luzes estavam acesas. Bateu no
ombro de Sam. Deitou sobre o estômago com a cabeça entre os braços.
— Acorde, Sam.
— O quê?
— As luzes voltaram! Vista-se! Não podemos ser encontrados aqui! — disse
ela, com voz urgente.
Ela ergueu-se e agarrou sua roupa. Pulou em um só pé ao tentar vestir a
calcinha. Resmungou quando tentou colocar o sutiã, lutando por um instante contra
o fecho.
— Que horas são? — quis saber ele.
— O que importa? Agora que a luz voltou todos devem estar lá,
provavelmente loucos para ir embora para casa — disse ela, atirando a camiseta
dele sobre o peito. — Vista-se.
Sam bocejou ao levantar.
— Está bem, está bem.
— Não tenho cafeína para acordar você, portanto vire-se.
Chris tinha vontade de permanecer ali e observar enquanto ele se vestia,
porém o tempo era importante. Enfiou sua camiseta pela cabeça e correu até um
dos espelhos, tentando elaborar uma aparência de ordem para seu cabelo. Em
poucos segundos resolveu desistir.
— As luzes devem ter acendido em toda a loja — continuou ela, aplicando
uma quantidade enorme de pó compacto. — Devem estar fazendo algum tipo de
chamada lá fora. Provavelmente somos os únicos que ainda não apareceram.
Completamente vestido, Sam encarou Chris e colocou as mãos sobre os
ombros dela. Ela abriu a boca para falar e ele a impediu com o polegar.
— Respire bem fundo — pediu Sam. — Mais uma vez... mais uma ainda.
Agora lembre-se: somos adultos. Não roubamos nenhuma mercadoria, e com um
pouco de sorte meu filho mais velho não fez nenhum refém. Vamos caminhar por aí
como todos os outros. Quando sairmos daqui vou levar as crianças para um
belíssimo café. — Ele sorriu quando reparou que Chris estava pronta para falar. —
Está sem carro aqui, lembra?
— Eles vão saber. Todo mundo vai saber — balbuciou ela.
— Só se você contar — argumentou Sam, segurando-lhe o rosto e beijando-
lhe a boca. — Vai dar tudo certo.
— É fácil para você dizer isso — disse ela, olhando para ele com ar divertido.
— Não sou eu que tenho uma marca no pescoço.
Ele fechou o rosto e aproximou-se do espelho. Bateu na marca, como se ela
fosse um mosquito. Chris riu.
— Você estava me dizendo para ficar calma, e agora perde a cabeça por
causa de uma marquinha de nada.
— De nada! É enorme — protestou ele, passando a mão na marca
avermelhada.
— A gente pára no departamento de roupas masculinas e compra uma
camisa de gola olímpica que combine — sugeriu ela.
— Claro, pode fazer piadas.
Saíram silenciosamente pela porta, depois de espiar a loja. Não havia
ninguém à vista, o que acharam ótimo. Olhando para os lados, avançaram pela
seção de móveis, completamente vazia. A medida que se aproximavam das portas
principais, o estado de espírito mudava.
A realidade retornara com a energia elétrica.
Como Chris dissera, as luzes acenderam-se em todos os lugares, e o
zumbido dos aparelhos ligados constantemente fazia-se ouvir depois de horas de
silêncio.
— Papai! — gritou Brandon, correndo na direção de Sam e atirando-se nos
braços estendidos.
— Cara, você está ficando muito pesado para brincar assim...
— Todos contamos histórias assustadoras e fizemos fantasmas com as
lanternas. De repente as luzes se acenderam e a gente fez uma gritaria danada. Por
que você não estava com a gente?
— Porque era só para crianças.
— Podemos ir embora agora? — perguntou Lisa, estudando a expressão no
rosto do pai, depois olhando para Chris. — A gente estava procurando vocês...
— Pessoal, estou contente em dar a notícia de que agora as portas estão
abertas — anunciou o gerente, dirigindo-se ao grupo todo. — Gostaria de me
desculpar em nome da Bradley's por todos os inconvenientes causados.
— Está brincando? Meu marido nunca vai acreditar que eu passei a noite
numa loja de departamentos e não comprei nada — respondeu Paula, sorrindo.
— Tem um caminhão da televisão lá fora, com a equipe de reportagem —
anunciou uma mulher, retornando para o interior da loja. — Não posso ser vista
desse jeito!
Imediatamente ela se pôs a procurar algo na bolsa, retirando depois de algum
tempo uma escova. Em seguida saiu à procura de um espelho.
— Você vai ficar bem? — perguntou Paula olhando para Chris, depois para
Sam, em pé ali por perto.
Chris sentiu o rosto esquentando e percebeu que enrubescia.
— Estou ótima — assegurou ela. — Acho que todos estávamos loucos para a
eletricidade voltar.
— Será mesmo? Aceita uma carona para casa?
— Seria ótimo, obrigada.
— Precisa dizer alguma coisa para alguém? Chris podia sentir o olhar de Sam
sobre sua nuca.
Manteve o controle e sorriu para a mulher.
— Não, mas preciso pegar meu vestido de noiva — explicou ela.
— Espero por você aqui.
Chris pareceu arrastar os pés até o departamento de vestidos. Sentia
relutância em partir. No espaço de pouco mais de doze horas sua vida mudara
completamente de rumo. Seus olhos encontraram os de Sam quando passou por
ele. Forçou-se a parecer alegre com o pensamento de sair dali por fim. Passou sem
olhar na direção do esconderijo onde haviam vivido a maravilhosa aventura.
— Você tem filhos adoráveis — disse Sônia a Sam.
Eric estava atrás dela com um grande sorriso nos lábios.
Ele observou o homem mais velho. Não teve certeza, mas poderia jurar que o
velho homem piscara para ele. Seria assim tão óbvio onde ele e Chris haviam
passado as últimas horas de escuridão?
— Nesse caso, o que vocês presenciaram foi o melhor comportamento deles.
— Podemos ir? — insistiu Lisa.
Enquanto Sam se aproximava da porta, mantinha os olhos presos à direção
que Chris tomara.
— Podemos — disse ele, percebendo uma caminhonete com o símbolo de
uma estação local de televisão. — Vamos procurar um lugar para tomar o café da
manhã.
— Puxa, estou morrendo de fome! — comentou Davis.
— Mas são quatro e meia da madrugada. Ainda nem amanheceu — protestou
Lisa. — É hora de dormir, não de comer.
Saíram pelas portas que os haviam mantido presos tantas horas. Sam
respirou profundamente o ar puro, com mostras de prazer evidente.
— O que você achou de passar a noite numa loja de departamentos? —
perguntou uma repórter, aproximando-se com o microfone estendido.
Imediatamente Sam afastou-lhe o braço.
— Escute, tenho comigo três crianças que deveriam estar dormindo a essa
hora. Preciso ir para casa.
— Foi demais! — declarou Davis. — Tinha até uma moça que perdeu o
casamento porque ficou presa aí dentro.
Os olhos da repórter se arregalaram.
— E mesmo? Como é seu nome?
— Davis.
— Onde está essa moça, Davis?
— Davis! — ameaçou o pai.
— Qual delas é, garotinho?
— Garotinho? Moça, sou mais velho do que está pensando — respondeu
Davis, pronto a estender o braço na direção de Chris, que saía da loja naquele
instante.
Sam, porém, agarrou-lhe o braço antes que ele pudesse fornecer a
informação, arrastando-o na direção da caminhonete. Lisa já estava ao lado da porta
do passageiro, tamborilando os dedos na maçaneta enquanto esperava por eles.
A repórter não precisou de muitas perguntas para descobrir o que desejava.
Mesmo porque só uma das mulheres saiu da loja carregando um vestido de noiva
embrulhado. A profissional não perdeu tempo em aproximar-se, com o microfone em
riste.
— Como se sentiu perdendo o próprio casamento por causa da falta de
energia? Teve chance de avisar o noivo? O que ele achou?
Chris acabara de sair, e teve sua atenção presa à movimentação de Sam e
seus filhos embarcando na caminhonete. Por um instante breve, os olhos de ambos
se encontraram. Ele deu a impressão de que ia dizer alguma coisa, mas a câmera
se aproximara e a repórter insistia.
— Desculpe, mas estou cansada demais — declarou, olhando ao redor em
busca de Paula. — Só posso dizer que é ótimo estar do lado de fora.
Com essas palavras, voltou-se e saiu na direção que Paula tomara.
A repórter foi atrás, assim como a câmara. Porém Paula previra o assédio da
mídia e já aguardava com o motor ligado.
— Está pronta? — indagou ela, assim que a amiga acomodou-se no banco do
passageiro.
— Nasci pronta — respondeu Chris, batendo a porta e piscando perante as
luzes fortes da equipe. — Vamos embora.
— Ainda bem que muitos restaurantes ficam abertos dia e noite —
resmungou Sam, estacionando em frente a um estabelecimento que apregoava o
café da manhã vinte e quatro horas por dia.
— Estou surpresa que você não a tenha convidado para vir com a gente —
comentou Lisa com frieza.
— Não havia nenhum motivo para convidá-la, Lisa — respondeu Sam.
Não conseguia parar de pensar em Chris, por mais que fizesse exercícios
mentais. Provavelmente os efeitos de uma noite de amor como nunca tivera. Talvez
uma boa comida e algumas xícaras de café o deixassem mais apto para viver no
mundo real.
Sam puxou o breque de mão e a filha desceu sem esperar.
— Não mesmo, porque a esta hora ela deve estar falando com o noivo para
marcar outro casamento.
Sam sentiu um frio na barriga à menção do casamento com Kevin.
— Acho que tem razão.
— Por que Chris não podia vir com a gente? Gostei dela — declarou
Brandon, descendo do banco traseiro.
— Acho que ela não queria mesmo vir com a gente — insistiu a menina.
— Vamos mudar de assunto? — O tom de Sam era mais de comando do que
de interrogação.
Entraram e acomodaram-se nos bancos. Reparando no olhar de Lisa, Sam
percebeu que ela apenas se controlava um pouco, mas não parecia decidida a
desistir com facilidade.
Lisa sabia que o pai pensava nela como criança, mas já conhecia bastante o
mundo e as pessoas. Tinha uma boa idéia sobre Chris e o pai, que haviam sumido
ao mesmo tempo. E tinha uma idéia melhor ainda sobre o que os dois haviam feito
juntos. Já não era suficientemente ruim ter o Frank por perto, aquele idiota? Será
que o pai também tinha de pensar em casar com alguém? Apesar disso, não
pensara duas vezes antes de fazer sexo com outra mulher. Lisa sentia vontade de
gritar de raiva.
— Vamos ter fogos de artifício hoje de noite? — quis saber Brandon.
Sam riu.
— Não sei, meu filho. Talvez eles esperem um dia ou dois. Além do mais,
acho que já tivemos bastante movimentação esta noite.
— Acho que sim. Pelo menos você teve, não foi pai? — indagou Lisa.
Sam baixou o menu. Seu olhar expressava bem o estado de espírito em que
se encontrava.
— Mocinha, acho bom terminar de vez esse assunto. Se continuar me
provocando posso aceitar a provocação. E sou capaz de pensar num castigo que
você com certeza não vai esquecer.
Ela ficou pálida, mas o olhar dava a impressão de atirar farpas sobre o pai.
Os dois meninos observavam o confronto de olhos arregalados.
— E vocês podem começar a comer — disse Sam, enfiando uma garfada na
boca com ar ameaçador.
Foi o que todos fizeram.
Sam pensou que o café da manhã não fosse acabar. Lisa comeu em silêncio
e os meninos como se fosse a última refeição.
Ao retornar para casa, Sam percebeu que não tinha o endereço nem o
telefone de Chris. A menos que tentasse o trabalho dela, não tinha como encontrá-
la. Ainda assim, o que poderia fazer? Tinham prometido que seria apenas uma noite.
E havia ainda Carolyn. Sentia-se culpado por ter feito amor com outra mulher
enquanto ainda estava noivo de Carolyn, contudo, existia algo mais. Não tinha muita
certeza de querer analisar o assunto.
Chris não conseguiu lembrar outra oportunidade em que tenha ficado tão
contente ao avistar sua casa. Paula acompanhou-a até a porta.
— Tem certeza que está bem?
— Estou ótima, obrigada.
— Escute, não estou esperando confidências especiais nem nada, mas
aconteceu alguma coisa por lá, não foi?
Ela hesitou um pouco antes de responder, porém a amiga fora tão gentil que
resolveu retribuir. Deu de ombros.
— Foi como um daqueles filmes antigos de guerra. A última noite do
marinheiro antes de embarcar, e por aí afora... acho que tiramos isso de nosso
sistema.
Paula balançou a cabeça.
— Pois eu se fosse você ia pensar um bocado antes de casar. Não estou
falando sobre culpa em relação ao que aconteceu, mas pode significar algo impor-
tante para você. Um momento para refletir.
— Algo como tirar os últimos demônios do corpo?
— Talvez mais como descobrir a verdade sobre você mesma. Se precisar de
alguém para conversar, telefone para mim.
Chris abraçou Paula, que depois estendeu um cartão. Sentia que poderia
haver uma amizade entre as duas. Alguém para confiar.
— Vamos almoçar juntas qualquer dia. Eu telefono.
Chris observou a amiga partir e entrou. A temperatura estava mais amena no
interior, como atestava o zumbido do condicionador de ar rio quarto.
Entretanto o aparelho precisaria de mais tempo para esfriar a casa inteira.
Colocou o vestido contra o espaldar do sofá e dirigiu-se para sua secretária
eletrônica, cuja luz intermitente avisava que havia mensagens para ela.
Provavelmente a maioria de Kevin. Disse a si mesma que devia ligar para o noivo
naquele instante. Em lugar disso, encolheu-se no sofá e permaneceu ali,
prometendo que seria apenas um instante. Ficaria ali, apreciando a paz e
descansando.

Capítulo 11

— Muito bem, você me chamou e eu estou aqui — afirmou Kevin, trajado com
camisa pólo e sapatos esporte, irrompendo como um furacão na casa.
Chris esboçou um sorriso. A primeira coisa que fizera fora rastejar para a
cama e dormir até o meio-dia. Assim que acordara escutara as mensagens gravadas
na secretária, a maioria do noivo. Junto com as reclamações de Kevin encontrou
recados frenéticos da mãe, exigindo saber o que estava acontecendo, e alguns
amigos querendo saber se ela estava bem.
Telefonara em primeiro lugar para Kevin. Depois de várias xícaras de café e
meio bolo descongelado no microondas, ela chegara à conclusão de que os
acontecimentos do dia anterior haviam sido uma aberração... um dia destacado do
tempo e da realidade. O que existia de real em sua vida continuava a mesma coisa:
iria casar-se com Kevin conforme planejara. Tranqüilizou a si mesma, afirmando que
fora vítima do "nervosismo de noiva", estado de espírito já ultrapassado, e dali em
diante tudo ficaria bem. Ligou para o noivo em sua concessionária e pediu que ele
viesse vê-la. Ainda não tinha certeza sobre o que diria exatamente.
Quando percebeu que ela trajava bermuda e camiseta, franziu a testa.
— Pensei que tivesse ido trabalhar.
— Cheguei a pensar nisso também, mas não tinha nenhum motivo para ir. Já
estava programado um mês de férias, e confio completam ente em Bev, portanto
resolvi ficar em casa e descansar. Quer beber alguma coisa? Sente um pouco,
Kevin.
Ele parecia impaciente, como se dispusesse apenas de um ou dois minutos
antes de voltar para a loja. Obviamente não confiava nos próprios empregados da
mesma forma que ela.
— Para mim, não, obrigado. Escute, desculpe ter perdido a paciência com
você pelo telefone. Acho que sabia lá no fundo que você não poderia ter feito nada
para evitar o que aconteceu, mas foi tanta coisa ao mesmo tempo que... bem, o que
fiz não foi certo.
Chris remexeu-se na cadeira. Passara quase duas horas pensando nas
coisas que queria dizer a Kevin, e todas elas haviam fugido completamente de sua
memória. De qualquer forma, a última coisa que esperava ouvir era um pedido de
desculpas. Nunca o vira fazer isto.
— Foi um dia cansativo de várias formas — murmurou ela, sem saber que
rumo imprimir à conversa.
Suas mãos remexiam-se no colo enquanto ele deixava cair o corpanzil no
sofá, suspirando ruidosamente.
— Você não faz idéia sobre o pânico na igreja quando as luzes se apagaram.
Abrimos as portas porque lá dentro parecia um forno sem o ar condicionado. O
tempo foi passando e você não chegava, então as pessoas começaram a fazer
piadas. Alguns dizendo que você se mudara para um clima mais quente, ou fugira
com algum bonitão...
Chris fez força para não corar. A última sugestão passara perto demais.
Contudo o noivo, como sempre, só prestava atenção em si mesmo e na sua
narrativa.
— Então, quando o motorista da limusine telefonou para dizer que você tinha
entrado numa loja de departamentos e não saía mais, alguém disse que você
preferia uma liquidação do que eu.
— Jamais imaginei que um fio desfiado em minha meia pudesse provocar
tantos problemas. Naturalmente o motorista nem mencionou esse detalhe... —
afirmou Chris, suspirando. — Bem, acho que na igreja deve ter sido tão
desagradável quanto na loja. Uma noiva andando por todo o lado de vestido branco
não é uma coisa que se veja todo dia. Todo mundo ficava olhando para mim como
se eu fosse uma extraterrestre.
— Fiquei muito nervoso quando o tempo passava e você não aparecia —
continuou ele. — Nem vou repetir o que sua mãe disse.
— Posso imaginar. Minha mãe nunca foi conhecida por ter tato com as
pessoas.
— Enfim, tudo passou agora, e podemos continuar de onde paramos —
concluiu Kevin. — Eu diria que temos duas escolhas: marcar de novo o casamento
na igreja e entrar na fila, ou apanhar o primeiro avião para Las Vegas e casar no
mesmo dia. Eles facilitam as coisas um bocado por lá.
Chris sentiu um bolo na garganta, que desceu e acomodou-se no estômago.
A menção a Las Vegas a fizera recordar seu sonho sobre o futuro. Trinta anos no
futuro com aquele homem. E ele acabava de mencionar Las Vegas...
— Não gosto muito da idéia de casar em Las Vegas.
— Tudo bem. Nesse caso vamos ver o que podemos fazer para marcar outro
casamento na mesma igreja, talvez em uma semana. Acho que seria bom ligar para
o florista e resolver sobre a decoração e a recepção. E melhor não deixar sua mãe
tratar disso outra vez. Eles ficaram meio nervosos com as exigências que ela fez.
Será que Sam iria considerar sua mãe uma chata, ou aceitaria a maneira
dela, achando-a divertida?
Percebeu que Kevin a olhava como quem esperava uma resposta, e sentiu-se
culpada.
— Você está bem?
— Ainda estou cansada por tudo o que passei ontem. Fiquei muito nervosa,
sabia?
— E eu aqui falando sobre casamento quando você precisa descansar.
Desculpe.
Ela levantou os olhos. Fora o segundo pedido de desculpas no mesmo dia.
Kevin levantou-se e ergueu-a. Beijou-a apaixonadamente, mas Chris achou
difícil corresponder com a mesma intensidade.
— Se você quiser, posso ficar e fazer companhia numa soneca — ofereceu
ele, com voz rouca.
— Kevin, já que esperamos tanto tempo, podemos esperar um pouco mais-,
não podemos?
— Meu bem, a última coisa que quero fazer é esperar, mas se você prefere
assim, não custa nada satisfazer seu desejo. Vamos logo marcar a data, para não
perder mais tempo — disse o noivo, dando um tapa no traseiro dela.
Chris chegou a abrir a boca para protestar, entretanto optou por ficar quieta.
— Bem, querida, por mais que eu deteste sair de perto de você, preciso
trabalhar. — Ele encaminhou-se para a porta. Parou antes de abri-la. — Sabe,
quanto mais eu penso nesse assunto, mais me sinto culpado por não haver
planejado uma lua-de-mel de verdade para nós. Acho que vou telefonar para meu
agente de viagens e ver se ele consegue passagens para o Havaí, ou talvez o Taiti.
O que acha? Pare de ser bonzinho comigo, pensou ela.
— Ótimo — murmurou ela.
Felizmente ele presumira que a voz faltara por excesso de emoção.
— Um desses lugares com praias onde se usa topless — completou ele,
piscando com ar maroto. — Quero ver você com um daqueles bronzeados de corpo
inteiro.
Kevin mandou um último beijo e saiu. Chris deixou-se cair na cadeira outra
vez.
— Como estragar um belo oferecimento — disse ela em voz alta.
Pensou em apanhar o telefone e ligar para a mãe, que devia estar
desesperada àquela altura dos acontecimentos. Porém não se sentia forte o
suficiente para lidar com ela.
Desanimada, cobriu o rosto com as mãos, sem saber direito de onde vinha
tanta tristeza e emoção se tudo corria às mil maravilhas. O que Sam estaria fazendo
naquele momento? Provavelmente seria melhor não saber, decidiu.
— Sofri como uma condenada, imaginando que o pior tivesse acontecido com
você, e minha filha nem se dá ao trabalho de telefonar para dizer que está viva? —
gritou Gwen, entrando no quarto atrás de Chris. — Sua própria mãe!
Estava vestida com um conjunto de calça e camisa de seda, o cabelo bem
penteado como sempre, o que deixava a aparência dela mais próxima dos quarenta
anos do que dos cinqüenta e cinco. Mal terminou de falar, extraiu da bolsa uma
cigarreira dourada.
Ao colocar o cigarro nos lábios, enfrentou o olhar de Chris. Recolocou-o na
caixa banhada a ouro e suspirou, com ar de quem não tem liberdade na casa da
própria filha.
Chris devia ter previsto que a mão não esperaria seu telefonema para
aparecer. Cinco minutos depois de deitar Gwen chegara, transformando em
espetáculo dramático o primeiro encontro ao declarar em tom estridente que
agradecia aos céus por sua filhinha estar bem. Em seguida começou a relatar com
todos os detalhes a "verdadeira odisséia" ocorrida na igreja.
— Ninguém sabia o que fazer, quando a eletricidade acabou! Ainda bem que
decidimos usar velas de verdade, porque apesar de mais caras, elas têm uma luz
mais quente, mais chique. Foi a sorte. Depois alguns dos clientes de Kevin
começaram a fazer piadinhas de muito mau gosto sobre o motivo da sua ausência.
Uma gente tão fina dizendo coisas que custei a acreditar. Uma vergonha, enfim.
— Como eu expliquei ao Kevin ontem, eu não estava com meu telefone
celular, e não pude avisar o que aconteceu. Pelo menos na hora, porque logo depois
uma mulher lembrou que estava com o dela e eu telefonei — explicou Chris de um
só fôlego. — Mãe, já conversei com Kevin, e vamos marcar outro casamento na
mesma igreja. Eu mesma vou cuidar das flores, da decoração e da festa. Assim você
não precisa se preocupar com essas amolações.
— Não, senhora. Como mãe da noiva, é minha obrigação cuidar de todos os
detalhes da festa. Sei muito bem que Kevin não quer que eu cuide disso, mas isso é
problema dele. Estive esperando pela chance de ser uma sogra intrometida, e não
pretendo deixar que ele me intimide — declarou Gwen, passando os dedos na
têmpora. — Você tem algum remédio para dor de cabeça?
Chris levantou-se e foi até o banheiro. Apanhou o frasco no armarinho e
retirou dois comprimidos. Encheu um copo de água e levou para a mãe.
Gwen tomou o remédio com gestos de quem está habituada.
— Muito bem, admito que Kevin não seria o primeiro na minha lista de
pretendentes para você. Minha filha tem beleza e inteligência para ir muito mais
longe.
— E é exatamente o que pretendo fazer. Mãe, não precisa se preocupar
comigo. Estamos resolvendo tudo direito.
— Não se esqueça, meu bem, que no Oregon o regime de casamento é
separação de bens, mas tudo o que adquirirem depois será de ambos. Metade de
cada um.
— Não estou preocupada com o dinheiro dele — declarou Chris, a ponto de
perder a paciência.
Era algo que acontecia mais cedo ou mais tarde quando encontrava Gwen.
Naquele dia, bem mais cedo. Não fazia dez minutos que estavam juntas.
— Só quero que você pense em segurança para o futuro... nunca se sabe.
Deus sabe como é difícil encontrar um sujeito honesto e bom hoje em dia.
Chris pensou em Sam e sentiu uma onda de calor espalhar-se pelo corpo.
Tentou conduzir a mente para o assunto em pauta, mas não foi nada fácil. Pelo
menos depois da noite mais excitante de toda a sua vida.
— Christina, você não está prestando atenção!
Ela voltou ao mundo real. Com certeza sua mãe estivera discorrendo
longamente sobre um assunto e ela nem percebera. Sua cabeça estava ligada em
Sam. E na combinação que eles tinham feito sobre apenas uma noite. Não podia
mais pensar nisso. Era preciso tirar aquele homem de sua cabeça.
— Acho que entrei em órbita, mãe. Desculpe.
— Não é para menos, passando uma noite na loja de departamentos. Devia
agradecer a Deus por ter sido uma loja decente como a Bradley's. Apesar de tudo,
vocês devem ter sido bem tratados.
— É verdade, mãe. Fomos muito bem tratados.
Gwen tamborilava as unhas na cigarreira. Chris desejava que ela dissesse
logo o que viera dizer e partisse. Queria ficar sozinha. Sentiu-se observada: de fato,
a mãe estudava seu rosto com uma persistência irritante.
— Meu bem, você não está escondendo alguma coisa de mim, está? Pode
confiar em mim, afinal sou sua mãe. Ele é muito ruim na cama? É isso o que está
incomodando você, é?
— Mamãe!
Ficou feliz em não estar bebendo nada, pois com certeza engasgaria.
— Hoje em dia é uma pergunta perfeitamente cabível — justificou Gwen, sem
ligar para o choque da filha. — E é importante que você tenha uma vida sexual
satisfatória e saudável. Posso garantir que é para isso que serve a imaginação.
— Não que eu queira discutir esse assunto, mas Kevin e eu resolvemos
esperar até estarmos casados.
A mãe ergueu uma das sobrancelhas.
— E ele aceitou uma coisa dessas? Imagine... e eu aqui pensando que ele
tinha seduzido você ou coisa parecida. E difícil de acreditar que o sujeito seja tão frio
assim.
— A decisão foi nossa, mãe, e não quero falar sobre ela — avisou Chris.
— Está certo — começou Gwen, com sua melhor interpretação de mártir
cristã. — Afinal eu não passo da mãe que só está procurando zelar pelo seu bem-
estar. Sabe que não vou viver para sempre, mas isso não faz a menor diferença,
claro...
— Mamãe, você vai enterrar todos nós e<sabe muito bem disso. E depois
disso vai continuar correndo atrás dos gatinhos de vinte anos — riu Chris.
— É verdade, pelo menos eles tem sangue quente e energia na hora que
conta — respondeu a mãe com os olhos brilhando. Caminhou até Chris e despediu-
se com um carinhoso beijo na testa. — Não se preocupe com a decoração e a festa,
meu bem. Eu cuido disso. Se a gente não ficar insistindo o tempo todo com eles,
não consegue um serviço decente.
Chris apertou a mãe nos braços.
— Você é demais mãe. Em todos os sentidos.
— Sei disso, meu bem, mas vindo de você é o elogio máximo — comentou
Gwen, retirando a cigarreira da bolsa. — Não se preocupe, só vou acender lá fora,
sua puritana.
Depois que a mãe saiu, Chris foi até o banheiro e tomou duas aspirinas. A
visita da mãe quase sempre provocava aquele efeito. Acreditava ser hereditário.
Encarou o próprio reflexo no espelho.
Apesar de ter dormido pela manhã ainda se viam olheiras escuras, e a pele
parecia sem vida. Com gestos automáticos, dirigiu-se para o chuveiro, na intenção
de despertar com um bom banho.
Depois de revigorada pela água quente seguida de uma ducha fria, sentou-se
ao espelho para decidir se arrumava o cabelo em rabo-de-cavalo ou secava tudo
passando a escova.
— Chris, se você quisesse, não podia estar mais feia do que isso — declarou
em voz alta, brigando consigo mesma. — Agora que passou oficialmente dos trinta
anos, pode se concentrar em arrumar sua vida.
— Isso aqui é muito chato — declarou Davis, olhando ao redor como se fosse
um animal encurralado.
— Se disser isso mais uma vez, garanto que nunca mais coloca as mãos num
computador enquanto viver — disse Sam, entre dentes.
— O que queria que ele dissesse? — opinou Lisa. — Vamos, pai, você quer
m.esmo que a gente goste disso aqui?
Ela estendeu as mãos num gesto amplo que mostrava o ambiente no qual se
encontravam.
Sam fez uma careta. Na verdade o quintal impecável de Carolyn não parecia
apropriado para três crianças acostumadas a um bocado de atividade física. Era
preciso, porém, dar valor ao esforço dela. Carolyn estava fazendo o possível e o
impossível para conhecer e cativar as crianças. O problema é que ela estava
caminhando na direção errada. E tentando com empenho demasiado.
No momento aproximava-se com uma bandeja cheia de refrescos, os cubos
de gelo tilintando na jarra. Elegante com suas calças brancas de linho e uma blusa
rosa do mesmo tecido, Carolyn usava o cabelo preso num coque e um sorriso aos
lábios.
— O dia não está lindo? Pelo menos não está tão quente como no feriado —
disse ela, com voz alegre.
A mente de Sam disparou à menção da palavra feriado, com cenas bem mais
quentes do que as descritas por sua noiva. Pensou em Chris e no que ela estaria
fazendo naquele momento. Depois pensou nas coisas que fizeram juntos. Teve de
se obrigar a retornar ao quintal de Carolyn.
Continuou sorrindo enquanto distribuía os copos pelas crianças.
— Achei que iam gostar de tomar uma limonada. O sorriso de Lisa foi sofrido.
— Obrigada.
— 'gado — resmungou Davis, depois de verificar o teor de ameaça no olhar
do pai.
— O que são essas coisas aí dentro? — quis saber Brandon, olhando
desconfiado para o copo.
Carolyn ergueu o copo contra a luz para enxergar melhor.
— São só as garrafinhas do limão — explicou ela, devolvendo o copo a ele.
— Melhora o gosto da limonada.
Brandon afastou o copo com tamanha impulsividade que o recipiente virou e
o líquido derramou-se pela superfície da mesa.
— Aí, seu cabeça-de-bagre — reclamou Davis, saltando da cadeira antes que
fosse atingido.
— Foi sem querer — berrou Brandon.
— Não tem importância, Brandon — interferiu Carolyn, que também saltara
de sua cadeira para não se molhar. — Vou buscar um pano. Alguém prefere leite?
— Está ótimo, obrigado — disse Sam, erguendo o corpo. Aguardou até que
Carolyn entrasse, depois dirigiu-se aos filhos com expressão feroz. — Sem reclamar
nada, vão comer e beber tudo o que ela trouxer, está entendido? Vão ter o melhor
comportamento possível pelo resto do dia, e vão mostrar a Carolyn como são
crianças maravilhosas e bem-educadas.
— Mas tinha umas coisas lá dentro, pai — queixou-se Brandon.
— São as garrafinhas que contêm o suco antes de você tomar, como no suco
de laranja — esclareceu Sam, em tom controlado.
— Mas foi por isso que ele parou de tomar suco de laranja — disse Lisa.
— Sam, o que acha de colocarmos os bifes na grelha agora? — perguntou
Carolyn, da porta da cozinha.
— Acho ótima idéia. Vou até aí apanhar a carne
— respondeu em voz alta, levantando-se. Voltou-se para os filhos: —
Lembrem: comportamento nota dez.
Davis remexeu-se na cadeira e provou a limonada.
— Cara, esse negócio está horrível. Será que ela não sabe que pode comprar
congelado em vez de preparar ela mesma? Está azedo...
— Ela está tentando mostrar como pode ser boa mãe — disse Lisa.
— Papai mata a gente se a gente fizer alguma coisa para estragar o
churrasco — lembrou Davis, derramando a limonada na grama.
— Mas pode ser que a gente não faça nada de propósito — sugeriu a
menina, com ar enigmático.
— A gente pode deixar que a natureza siga seu curso.
Davis sempre se orgulhou de perceber as coisas com rapidez, principalmente
quando se tratava de peças de mau gosto.
— Boa idéia. Acho que nós vamos ajudar um pouco a... natureza, certo?
— São crianças adoráveis, Sam — dizia Carolyn enquanto tirava a terrina de
salada da geladeira.
— Lisa é quase uma mulher. Davis tem o mesmo senso de humor distorcido
do pai, e Brandon é uma gracinha.
Sam pode sentir seus nervos ficando tensos. Concentrou-se em empilhar
carne num prato grande, para poder levar até o quintal.
— Bem, eles também têm seus momentos ruins
— respondeu Sam.
— Eu não esperava que fosse fácil. Afinal, não sou parecida com minha mãe,
nem estou acostumada a ter crianças por perto.
— Tenho certeza de que aquelas marcas de sapato vão sair do sofá sem
problema.
Ela riu.
— Não se preocupe, Sam, tenho um homem maravilhoso que limpa muito
bem minhas tapeçarias e estofados.
Ele achou o tom da risada agudo demais, talvez em virtude da tensão.
Deveria ter avisado Davis para não colocar os pés no sofá branco de Carolyn. Ainda
assim, imaginara que seu filho saberia evitar problemas. Na verdade ele deveria ter
evitado problemas, pois conhecia o verdadeiro Davis. Carolyn, não.
Levou os bifes para a churrasqueira já repleta de brasas incandescentes, e
arrumou alguns na grelha. Enquanto o odor se espalhava por ali, Davis e Brandon
aproximaram-se. Lisa caminhou até a área da piscina, com sua atraente superfície
azulada.
— Se quiser podemos nadar logo depois do almoço — convidou Carolyn,
enquanto passava com os pratos para fora.
A menina olhou por sobre o ombro.
— Quer ajuda? — ofereceu, reparando nos olhos severos do pai.
— Obrigada, seria ótimo — respondeu a mulher mais velha, voltando-se na
direção de Sam e falando sem som: já é um começo.
Observou as duas entrando juntas na casa. Sem motivo aparente, começou a
perguntar-se o que Chris estaria fazendo naquele dia. Há três dias não a via. Não
sabia se casara com o tal idiota dos carros. Não conseguia pensar nele pelo nome,
Kevin.
Detestava imaginá-la nos braços daquele sujeito. Apesar do acordo feito.
Uma noite sem arrependimentos. Depois continuariam suas vidas. Ele não se
arrependera de coisa alguma, mas achava difícil continuar sua vida normal. Tentava
se convencer de que seria o melhor a fazer, mas não vinha obtendo sucesso. Dizia a
si mesmo que ela tinha não-sei-que-nome, e ele tinha Carolyn.
— Pai, não sei quanto a você, mas eu não gosto de bife preto de um lado só
— disse Davis.
Sam retornou à churrasqueira, onde todos os bifes precisavam ser virados.
— Se ela for advogada e você pretende casar com ela, isso significa que a
gente consegue uma advogada de graça quando se meter em encrencas? — quis
saber Davis, procurando puxar conversa.
Uma espécie de alarme soou no interior de Sam, e ele compreendeu que
muitos anos se passariam antes que Davis tivesse sua carta de motorista e
encontros com garotas. Não tinha certeza de estar preparado psicologicamente
ainda.
— Não. Significa que você vai ser atirado na cela mais funda da delegacia.
— Puxa vida!
Quando a carne ficou pronta, Sam começou a relaxar. Cortou o bife de
Brandon para ele, e serviu um pouco de tudo no prato. O menino olhou para sua
comida como se fosse um pesadelo.
Davis enxergou uma ótima oportunidade para continuar a tarefa vitalícia de
aterrorizar o irmão. Inclinou-se para ele.
— Se você comer essas coisas, os vermes vão devorar você por dentro.
Nessa hora Sam reparou na expressão atormentada de seu filho menor e
caminhou até ele.
— Qual o problema agora?
O menino apontou para o prato com o dedo trêmulo.
— Tem minhocas aí dentro.
Lisa abafou uma gargalhada. Davis não fora discreto. Carolyn pareceu um
pouco confusa e irritada.
— Alguma coisa errada? Brandon saltou de sua cadeira.
— Tem minhocas na salada! — gritou ele, fora de controle. — Não vou comer!
Não vou comer nenhuma.
Desatou a correr na direção da casa.
— Pode voltar aqui, menino — ordenou Sam, sem hesitar em partir atrás do
filho.
— Puxa, ele fica preocupado com qualquer coisa — comentou Davis, dando
uma garfada em sua própria salada. — Afinal, são só brotos de feijão...
Carolyn, ainda com os olhos arregalados, voltou-se para Lisa, que continuava
imperturbável, cortando sua carne em pedaços minúsculos.
— Ele faz isso sempre? — perguntou a mulher mais velha, com voz abafada.
A menina deu de ombros.
— Mamãe diz que ele é sensível. Papai diz que tem só uma imaginação muito
grande — afirmou Lisa, colocando na boca uma lasca de carne.
Carolyn permaneceu ali, como se tivesse tomado parte numa batalha épica.
Nada, em toda a sua carreira, a preparara para enfrentar algo parecido. A seu favor
poder-se-ia dizer que permaneceu calada. Ficou no lugar, tão concentrada em
comer quanto Lisa. Porém o sorriso paralisado permaneceu em seu lábios até o
final.

Capítulo 12

— Por que não posso telefonar para Chris? — quis saber Brandon. Os dedos
gorduchos lutavam com os cadarços do sapato enquanto ele tentava fazer um laço
decente. Acabou perdendo a paciência e deixando como estava. Sam engoliu o
palavrão que estava para sair a manhã toda.
— Não pode telefonar para Chris porque não sabemos o número dela.
— Então liga para a telefonista e diz que quer falar com a Chris — ordenou
ele, a ponto de fazer malcriação.
A expressão no rosto dele prenunciava péssimos momentos para quem
estivesse por perto.
Sam queria explicar que não adiantaria nada, mas sabia que naquele instante
seu filho era impermeável à razão. Na verdade, já tentara obter o número ligando
para Informações e sabia que o telefone dela não estava na lista. Já era ruim o
suficiente ficar com a consciência culpada por telefonar, ainda por cima não
conseguira resistir ao impulso de deslocar-se até a Bradley e comprar o maior vidro
de Desejo da Meia-Noite que pôde encontrar. A cada vez que abria a tampa e
cheirava a fragrância, a memória vinha forte. Contudo, não tinha um odor tão
agradável quanto na pele de Chris. Ao final, ficava cada vez mais frustrado.
Os olhos de Brandon brilhavam embaciados pelo choro e o lábio inferior
tremia com violência.
— Mas eu quero falar com ela! — berrou ele, batendo o pé no chão. — Quero
ver Chris! Quero ver Chris!
Sam passava as pontas dos dedos nas têmporas doloridas.
— Você não vai ver Chris — intrometeu-se Lisa, entrando na sala. — Ela vai
se casar e não quer saber de um menino manhoso e mimado como você!
— Retire o que disse! Retire — gritou Brandon, ameaçando a irmã com os
punhos fechados.
— Acho que vou devolver, minha carteira de pai — resmungou Sam,
levantando para apartar a briga.
Com alguma dificuldade, conseguiu agarrar cada um com um braço,
mantendo-os fora do alcance um do outro.
— Lisa! Brandon! Parem já com isso — gritou ele. — Os dois.
A menina armava um sopapo em direção ao irmão, mas foi congelada pelo
olhar severo do pai.
— Lisa, pare de se comportar como criança! — disse Sam, num rasgo de
psicologia.
Surtiu efeito. Davis, que ficara apreciando a rara oportunidade em que a briga
não era com ele, emitiu sua opinião.
— Uau, cara, não pensei que você fosse radical assim! — Percebeu o olhar
fulminante do pai. — Já sei, já sei. É melhor eu fazer alguma coisa no quarto, certo
pai.
Sam não respondeu e o menino achou de bom alvitre bater em retirada.
Depois de várias respirações profundas, Sam manifestou-se:
— O que está acontecendo com vocês? Nos últimos dias qualquer coisa é
pretexto para se atirarem na garganta um do outro. O que aconteceu na casa de
Carolyn já não foi suficiente?
Brandon, ainda nervoso, mantinha a cabeça baixa.
— Eu disse que ia vomitar se comesse aquelas minhocas!
— Mas não eram... — começou Sam.
— Por que a gente tem que passar por esse inferno? — desabafou Lisa. —
Já não é o suficiente mamãe ter casado com aquele idiota? Será que você precisa
casar com alguém que também não entende crianças?
Ela libertou o braço e recuou.
— Minha filha...
— Não sou nenhuma boba, pai. Sei muito bem que as coisas não podem
voltar a ser como antes. Além do mais, você e mamãe brigavam o tempo todo. Eu
lembro bem. Mas por que você não, encontra alguém que pelo menos goste de
crianças? Ela tem mobília branca, pai! Ninguém que goste de crianças por perto tem
mobília branca — Lisa piscou, como se tentasse evitar as lágrimas. — Ah, não sei
por que estou perdendo meu tempo. Não adianta nada. Você também não entende.
Voltou-se e saiu correndo para o quarto. Alguns segundos mais tarde a porta
bateu.
Sam dispunha-se a correr atrás dela, contudo o telefone começou a tocar.
Apressou-se na direção da cozinha, onde ficava o aparelho.
— Alô!
— Sam?
Ele relaxou o corpo contra a bancada.
— Desculpe, Carolyn. É que estamos no meio de uma crise de família... —
ofegou ele, desculpando-se pelo berro inicial. — Pode dizer.
— Fiquei sabendo que estão reprogramando os fogos para amanhã à noite.
Achei que podia vir com as crianças, conforme a gente tinha planejado antes. Achei
também que seria bom convidar alguns colaboradores meus com os filhos, para que
se divirtam juntos. Talvez ajude.
Ou torne as coisas piores em relação a Davis, pensou ele.
— Parece ótimo.
— Na verdade se quiser convidar alguém, fique à vontade — completou ela,
com voz animada. — Às sete horas está bem? Pensei em contratar um bufe. E só
pedir que não sirvam brotos de feijão, certo? — concluiu ela, com uma gargalhada.
Sam também riu, e desta vez percebeu uma nota de histeria na própria voz.
Quando ela estendeu o convite, a primeira pessoa que viera à sua mente fora Chris.
— Desculpe, mas é preciso- entender que o endereço e o telefone da
senhorita St. James não podem ser fornecidos a estranhos — informou em tom pro-
fissional a mulher atrás do balcão da recepção.
— Você não pode telefonar para ela e pedir permissão? — indagou Sam,
utilizando todo o seu charme.
Contudo, não adiantou.
— A senhorita St. James pediu para não ser perturbada durante seu período
de férias. Se quiser deixar um bilhete, posso encaminhar a ela — respondeu a
recepcionista estendendo um bloco de papel.
Sam aceitou o papel com um suspiro de desistência.
— Ei, Bev! Tem alguma coisa para a patroa?. — indagou um mensageiro
uniformizado, vindo da tesouraria.
— Tenho sim, espere um minutinho.
Sam teve uma idéia naquele instante. Se não funcionasse, ficaria na mesma
situação. Rapidamente escreveu algo no bloco, dobrou-o na metade e colocou-o
sobre a mesa. Quando Bev voltou, olhou para o recado dobrado e enfiou-o num
envelope pardo com o restante dos documentos. Selou e entregou-o ao jovem
mensageiro.
— Obrigado — disse Sam, saindo do escritório e dirigindo-se à sua
caminhonete, que por extrema felicidade estava quase em frente. Acomodou-se ao
volante e aguardou. Aguardou ansiosamente até poder colocar o carro em
movimento.
O trânsito não estava especialmente congestionado àquela hora, e as cores
vivas do veículo à sua frente facilitavam o trabalho de rastreamento. Depois de
algum tempo pararam em frente a uma casa térrea de aparência agradável e o
mensageiro saltou, dirigindo-se para a porta.
Manobrando de modo a não despertar suspeitas, Sam estacionou mais atrás,
e soltou um suspiro de alívio quando avistou Chris abrindo a porta da frente.
— Valeu a pena assistir tantos filmes de espionagem — murmurou ele,
aguardando até que o mensageiro se fosse para sair do veículo.
Não importa o método utilizado para encontrá-la, a verdade é que ele estava
nervoso quando tocou a campainha.
— O que foi, Bill? Esqueceu alguma coisa? — disse a voz dela no interior
enquanto a porta se abria.
A julgar pela expressão de espanto no rosto, ela não esperava encontrá-lo
outra vez.
— Sam... o quê? Como você...? — Ela apoiou-se no batente.
— Sua assistente não queria me dar seu endereço, por isso resolvi seguir o
mensageiro — explicou ele, pouco à vontade. — Posso entrar?
Ainda sem saber o que dizer, Chris assentiu e recuou um passo.
Resistiu à tentação de colocar a mão no cabelo para verificar se o rabo-de-
cavalo permanecia intacto, Estava consciente de que sua bermuda e a camiseta
haviam passado por um dia de jardinagem, assim como ela.
— Como vai? — murmurou ela, conduzindo-o até a sala.
— Estou bem. E você?
— Estou bem. Eu... como estava quente, resolvi trabalhar um pouco no jardim
hoje — disse ela, tentando explicar sua aparência. — Quer beber alguma coisa?
Reparando que ela cruzava as mãos, pouco à vontade, Sam fez uma careta.
— Eu não devia ter tomado a liberdade de vir até aqui, não é? Deixei você
sem graça. Desculpe, é melhor eu ir embora...
— Não, por favor! E só que eu não esperava ver você. Fique, por favor —
pediu Chris.
Sam olhou em volta, reparando no sofá confortável, num padrão estampado
em verde e bege. Sorriu.
— Meus filhos decidiram que todas as pessoas que não possuem filhos
automaticamente possuem estofados brancos — comentou Sam, explicando seu
sorriso.
— Ah, isso significa que eles tiveram más experiências com estofados
brancos.
— É verdade. E como está o... — começou ele, decidindo que seu problema
com o nome do noivo dela devia ser freudiano.
— Kevin está ótimo. Queríamos marcar outra vez o casamento na mesma
igreja, mas eles só têm vagas para daqui a três semanas. E a sua?
— Carolyn também está bem. Ela está tentando travar contato com as
crianças.
— Isso é bom.
— Na verdade, foi esse o motivo da minha vinda — começou Sam,
procurando nos olhos dela algum contato que não fosse superficial. Respirou fundo
para criar coragem. — Ela vai dar uma pequena festa amanhã à noite. O quintal dela
tem visão perfeita do espetáculo de fogos de artifício, e todos vão poder assistir.
Pensei em convidar você e o... para vir,
Chris precisou reunir todo o seu controle para responder.
— Eu gostaria muito, mas não acha que seria um pouco estranho? Não sei se
seria uma boa idéia...
— Brandon tem perguntado muito de você. Na verdade não se limita a
perguntar, e estava inconsolável por não poder falar com você ao telefone. Tinha
esperança de que você conversasse com ele um pouco.
Chris não sabia se gritava, chorava ou atirava alguma coisa em Sam, por
fazer aquilo com ela. Nos últimos dias os pensamentos sobre ele vinham sem aviso,
nas horas mais impróprias. Isso piorava tudo, pois não sabia o motivo de tais
invasões em sua mente. Afinal, ela era uma mulher dos anos 90, e sabia o que
estava fazendo naquela noite. Por que pensava constantemente em Sam? Por que
se sentia como uma colegial apaixonada pelos cantos da casa? E, por Deus, por
que sentira vontade de atirar-se aos braços dele quando o viu à porta? Afinal de
contas, onde estava seu respeito próprio?
— Não acredito que seja boa idéia — repetiu ela, ainda resistindo.
Sam afastou os olhos por um instante, depois fitou-a.
— Por favor, Chris.
— A que horas?
— Sete horas — respondeu ele, sorrindo.
Apanhou um papel na mesa de café e anotou o endereço, além de esboçar
um mapa simplificado. Você não pode fazer isso, Chris, disse a si mesma. Vai ser
uma verdadeira novela. Vai a uma festa com seu noivo, para encontrar o homem
com o qual passara a noite que deveria ter sido a lua-de-mel. E a festa é na casa da
noiva dele. Você não pode fazer isso.
— Que bela casa você tem — comentou Sam, olhando ao redor.
— Obrigada. O preço foi bom, mas eu tive de reformar antes de poder mudar
— explicou Chris, contente por mudar de assunto. — O dono anterior tinha gatos
que não eram muito bem treinados, por isso precisei mudar os carpetes e pintar
tudo. Fiquei em meu apartamento dois meses a mais do que previra, até a casa ficar
habitável. Depois demorei um ano ou dois para fazer todos os detalhes.
— Quantos quartos?
— Quatro. De fora a casa parece menor do que é, porque a maior área se
encontra atrás. Tenho também um apartamento no fundo do quintal, que • é bem
grande.
Sam inclinou-se para a frente, apoiando os cotovelos nos joelhos e o rosto
nas mãos.
— Fico surpreso que você tenha vontade de desistir dela depois do
casamento — comentou ele, observando os detalhes mencionados. — Ou está pla-
nejando morar aqui?
Ela engoliu em seco. A casa era um dos assuntos do casamento que ela não
havia resolvido a seu contento. O local onde iria morar era um condomínio caro, que
possuía um campo de golfe.
— Não. Kevin tem uma bela casa em Ironwood Acres. Penso em alugar esta
casa no início — explicou ela.
Na verdade Kevin sugerira que vendessem a casa, predizendo que alcançaria
bom preço. Sabia que estava conservando a casa como um bebê tem necessidade
de arrastar seu cobertor, porém era sua segurança.
— É um bairro agradável — comentou Sam. — Será que você pode me dar
seu número de telefone? Para o caso de alguma comunicação sobre amanhã à
noite.
Chris anotou o número num pedaço de papel, que entregou a ele. Ficou
tentada a perguntar o endereço dele, ou o telefone, mas não teve coragem. Não
conseguia comportar-se de forma normal na presença daquele homem. Sem saber o
que fazer, levantou-se. Não acreditava que fosse capaz de manter a máscara das
aparências sociais por muito tempo.
— Então a gente se vê amanhã à noite — despediu-se ela, mantendo um
sorriso no rosto.
Um sorriso que ameaçava desfazer-se a qualquer momento.
Sam caminhou até a porta seguido por Chris.
— Eu... comprei uma coisa para você — disse ele, enfiando a mão no bolso e
apanhando um pacote.
Depositou o embrulho nas mãos dela e saiu.
— Obrigada — respondeu ela automaticamente, embora a porta já estivesse
fechada.
Um pouco mais tarde escutou o som do motor da caminhonete que se
afastava. Olhou para a caixa e os dedos trêmulos começaram a rasgar o papel para
confirmar sua suspeita. Quando isso aconteceu, não sabia se ria ou chorava. Era o
perfume que ela usara naquela noite. O Desejo da Meia-Noite. Emocionada, Chris
percebeu um pequeno pedaço de papel saindo do interior da caixa. Era um pedaço
de folha de caderno; desdobrou-a e examinou a caligrafia infantil.
Chris,
por favor, seja a nossa madasta. Gosto muito
de você.
Seu amigo Brandon Winslow.
Desta vez Chris não teve dúvida: sentou no sofá e chorou.
— Não entendo por que a gente precisava vir nessa festa — protestou Kevin,
manobrando para estacionar. — Afinal, não conhecemos ninguém aqui.
— Eu já disse, Kevin. O senhor Winslow foi muito atencioso comigo na loja, e
me acalmou quando a gente descobriu que não podia sair. Fiquei muito nervosa —
disse Chris, aguardando que ele abrisse a porta para ela. — Além do mais, a noiva
dele é uma advogada famosa de uma firma grande. — Nesse ponto ela baixou a
voz: — Talvez ela ou alguém esteja precisando de um carro novo. Sem mencionar a
possibilidade de fazer contatos políticos, sem dúvida interessantes para sua nova
carreira. O rosto de Kevin iluminou-se.
— E mesmo. Você teve uma boa idéia quando aceitou o convite, meu bem —
declarou ele, aproximando-se para cheirar o pescoço de Chris. — Não quero
ofender você, mas não gostei desse perfume novo que está usando.
— E mesmo? Por que não? — quis saber Chris.
Ele pensou um pouco e deu de ombros, enquanto caminhavam para a porta
da frente.
— Não sei. Não parece com você, eu acho. Chris estava tensa ao entrar. A
casa de Carolyn
parecia a casa de Kevin. O sobrado era construído em estilo ultramoderno,
dando a entender o mesmo tipo de decoração interna. Ela reparou na caminhonete
empoeirada estacionada próxima a modelos luxuosos da Mercedes, BMW e Jaguar.
— Muito bonito isso aqui — comentou Kevin, tocando a campainha. —
Imagino que carro ela tem.
O coração dela disparou quando a porta se abriu. Ao deparar com a morena
trajada com um conjunto de seda azul-escuro, o rosto sério com maquiagem
impecável, ficou passada. O cabelo estava arrumado em elaborados cachos, do tipo
que ela mesma nunca conseguia fazer.
Se ela usa seda num dia como hoje, quer dizer que nem deve transpirar,
pensou Chris.
— Vocês devem ser Chris e Kevin — cumprimentou Carolyn, estendendo a
mão. — Estou contente que tenham vindo à nossa pequena reunião.
Penetraram na temperatura amena do interior, garantida por um bom sistema
de ar condicionado, devido às dimensões exageradas dos ambientes.
— Obrigada por nos convidar — disse Chris, mecanicamente, aceitando a
mão estendida.
Carolyn voltou-se para Kevin:
— Avisei meus colegas para não discutirem direito hoje.
— Ótimo.
Ela sorriu antes de continuar.
— Posso contar com você para não precisar preocupar-se com discussões
sobre automóveis hoje?
Se Kevin ficou desapontado, não demonstrou. Era um vendedor bom demais
para isso. Sabia que havia várias formas de interessar as pessoas.
— A não ser que alguém me faça uma pergunta específica — declarou ele,
deixando uma brecha para o lado profissional.
— Chris!
Ela quase perdeu o fôlego quando um pequeno rodamoinho de braços e
pernas atirou-se em seus braços. Ela riu enquanto o pequeno Brandon encostava o
rosto em seu ombro.
— O que você fez, campeão? Engordou vinte quilos desde a última vez que a
gente se encontrou? Como vai?
Ajudou-o a deslizar para o assoalho. Kevin franzia a testa.
— Chris...
Ela sorriu para o noivo.
— Kevin, quero que conheça seu rival, Brandon Winslow. Se eu não fosse
casar com você, casaria com ele.
Chris curvou-se e estalou um beijo na bochecha de Brandon, que riu de
prazer.
— Ele está esperando você aqui na porta há mais de meia hora — informou
Carolyn.
Apesar do tom natural e polido, havia uma nota de ansiedade na voz.
— Davis disse que você não vinha, mas eu disse que vinha — contou o
menino, sorrindo. — Você está linda.
Sam entrou no instante em que Brandon fazia seu elogio. Olhou para Chris,
desejando poder dizer as mesmas palavras, mas duvidava que o acompanhante
dela fosse apreciar.
Chris vestira-se com o calor diurno em vista. Sua saia florida era do tipo
rodada, e possuía botões, três dos quais estavam abertos. Além disso, usava um
tope de lingerie decotada lilás, que realçava a única jóia que ela estava usando, um
pendente em forma de coração e brincos combinando. A naturalidade da sua beleza
combinava com a aparência fresca da primavera.
— Que bom que vieram — disse ele avançando e estendendo a mão para
Kevin. — Sam Winslow. Você deve ser Kevin Callahan.
— Isso mesmo — respondeu Kevin com seu melhor sorriso. Olhou ao redor.
— Eu diria que você é um homem de sorte.
Sam sorria, mas já tomara sua decisão. Não gostara de Kevin Callahan.
Naturalmente já nutria grande antipatia antes de conhecer o sujeito, mas agora
confirmara suas suspeitas.
— Vamos lá para fora — convidou Brandon, puxando a mão de Chris.
— Brandon, não é educado interromper os mais velhos — admoestou
Carolyn.
— Quero que ela venha para fora comigo — respondeu ele, brindando a
mulher com uma expressão rebelde.
— Tudo bem — disse Chris para Carolyn.
— Meu bem, você não veio para servir de babá — protestou Kevin.
Sam estava a ponto de manifestar-se, mas quando seu olhar encontrou o de
Chris, controlou-se.
— Por que todos não saímos com Brandon? — sugeriu ela, habilmente.
Kevin franziu a testa e Sam sorriu interiormente.
— Nesse caso vamos beber alguma coisa refrescante lá fora — convidou
Carolyn, dando o braço a Kevin e sorrindo.
Chris voltou-se para Sam, que estava por perto.
— Oi, Sam.
Ele não conseguia parar de olhar para ela.
— Por que você não vai irritar um pouco seu irmão Davis?
Brandon olhou para o pai, depois para Chris e tomou sua decisão. Saiu
correndo para procurar o irmão.
— Você está linda — disse ele.
— Obrigada — respondeu ela, examinando os arredores para evitar o olhar
de Sam.
A proximidade do corpo dela permitiu que ele sentisse o perfume. Ficou
contente em perceber aquele sinal que apenas os dois entenderiam.
— E melhor a gente ir lá para fora junto com os outros — disse ela, sem
levantar os olhos.
Começou a caminhar na direção que Carolyn e Kevin haviam tomado.
Caminharam pela casa, lado a lado, conscientes da presença um do outro.
Na mente de ambos havia dúvidas. Talvez a idéia do encontro não fosse tão boa...

Capítulo 13
Chris permanecia tão consciente da presença de Sam a seu lado que cada
terminação nervosa parecia estar dirigida para ele. Imaginou o calor do corpo dele
penetrando seu calor, o murmúrio das veias impulsionando o sangue. O ruído de
cada respiração. Não queria olhar na direção dele, preocupada que Sam percebesse
o que lhe ia na mente.
Presumiu que em deferência a Carolyn, ele usava sua melhor bermuda e uma
camisa pólo amarela. Até mesmo o cabelo fora cortado.
— Ela tem uma bela casa — comentou ela, na falta de algo melhor para dizer.
Particularmente o branco não fazia seu. estilo, ou as pinturas abstratas nas
paredes, que obviamente haviam sido compradas como forma de investimento e não
pelo prazer visual. Parou em frente a uma delas e estudou os negros e amarelos
brilhantes espalhados pela tela.
— Interessante.
— Eu particularmente, cada vez que vejo essa pintura, me convenço mais de
que alguém vomitou aí — opinou Sam.
— Que nojo — disse ela, rindo.
— Exatamente.
Ela voltou-se para ele, percebendo que o mal-estar e a tensão entre os dois
acabara, como que por encanto.
— O resto está tudo bem? — indagou ele, sério repentinamente.
— Se não contar o sentimento de estar vivendo uma novela de rádio, está
tudo bem.
Sam indicou a porta do pátio.
— As pessoas aqui não são más, se você não liga para advogados incapazes
de declarar qualquer coisa comprometedora. E dê só uma olhada para aquela loira
de cabelo prateado na piscina. Da última vez que olhei, o diamante dela tinha um
tamanho suficiente para justificar uma maldição.
— E as crianças? Ele fez uma careta.
— A maioria das crianças aqui é tão bem-comportada que estou convencido
de que não são reais, ou são anões disfarçados. Meus filhos estão olhando para
eles como se fossem um bando de alienígenas. Eu apontei um rapaz que achei
bonito para Lisa, e ela me informou que não gostava de mauricinhos. Parei de tentar,
mesmo porque acho que Davis está planejando alguma coisa, e Brandon estava
sentado a um canto como um cachorrinho perdido. Obrigado por ter sido tão
atenciosa com ele.
— Qual o problema? Ele é um menino doce e maravilhoso — disse Chris.
— Algumas pessoas acham que ele é mimado — respondeu Sam, dando de
ombros.
Chris ficou com a impressão de que era Carolyn quem pensava assim, mas
absteve-se de perguntar. Ficou surpresa com o tamanho do quintal e da piscina.
Os convidados reuniam-se em pequenos grupos espalhados pelo ambiente.
Ela reparou que embora o traje fosse esporte para a ocasião, as pessoas usa vam os
modelos mais caros que se pode comprar. Sentiu um certo alívio quando
reconheceu alguns clientes, que cumprimentou enquanto passavam.
— Ouvi dizer que você resolveu se esconder numa loja em lugar de se casar
— brincou um deles.
Chris sorriu, sem se deixar irritar. William Harvey era seu cliente desde que
ela abrira o escritório, e era um brincalhão incorrigível, nem sempre primando pelo
bom gosto. Uma vez ela chegara a dizer que para um advogado até que ele tinha
um senso de humor passável.
Sorriu quando Sam trouxe um copo de chá gelado, depois voltou a conversar
com os clientes.
Porém seu sorriso fora notado por outro par de olhos atentos, que
conseguiram perceber mais •do que os outros que assistiam à cena. Lisa en -
contrava-se numa cadeira na orla do quintal, observando tudo sem desejo de
misturar-se. Não precisou fazer muita força para isso, desde que não havia
nenhuma pessoa entre os convidados que valesse a pena. Ela achava que Carolyn
em si já era suficientemente ruim, porém não conhecera ainda os patetas com os
quais ela trabalhava; conseguiam ser piores. Como se não bastassem os adultos, as
crianças conversavam sobre as escolas que freqüentavam, aulas de bale, de
equitação, futebol e qualquer coisa que pudesse torná-los melhores do que ela.
Agora Chris chegara. A menina encolheu as pernas contra o peito, apoiando o
queixo nos joelhos. Apesar de admitir que Chris era mais bonita e mais boazinha do
que Carolyn, Lisa ainda não confiava nela. Principalmente quando interceptava os
olhares que seu pai lhe dirigia. E se ele desistisse de casar com Carolyn e
começasse a namorar Chris? Nesse caso Chris não iria querer as crianças por perto
mais do que Carolyn. Sabia que a advogada estava bancando a boazinha para o
pai, mas a ela não enganava. Frank não os queria por perto. Sabia disso porque
escutara o próprio padrasto dizer, numa discussão com a mãe, de madrugada.
Nunca dissera aos irmãos o que escutara, pois Davis só iria criar mais problemas e
Brandon sofreria com a notícia.
— Essa festa está muito chata — declarou Davis, sentando-se ao lado da
irmã.
— Então vá nadar um pouco — sugeriu ela, desinteressada. — Carolyn disse
que a gente pode usar a piscina se tiver vontade.
— Não se a gente for comer logo. Você viu aquele sujeito que vai casar com
Chris? Pensei que Carolyn fosse ruim, mas o cara é demais. Ele só fica com aquele
sorriso congelado para todo mundo, fazendo piadas sem a menor graça. Eu gosto
de Chris, e acho que ela merecia um cara menos idiota.
— Talvez você achasse melhor se fosse ela a casar com papai — arriscou
Lisa.
Ele deu de ombros, num gesto idêntico ao do pai.
— Pode ser bom negócio. Pelo menos quando ela sorri, é de verdade.
— De qualquer jeito a gente sai perdendo, ficamos sem papai — disse ela
irritada, sentando direito na cadeira e voltando-se para o irmão. — Não entende?
Nós vamos perder o que pertence a nós. O pouco tempo que ele tem!
Ele piscou, sem saber direito de onde vinha a irritação dela. Ao final, pareceu
grato por não ser dirigida a ele mesmo.
— Você está enjoada, ou algo parecido? — indagou ele.
— Por que vocês não podem me deixar sozinho. Nunca tenho um pingo de
privacidade — explodiu ela, levantando-se.
Davis ficou olhando a movimentação da irmã, entendendo cada vez menos.
— Puxa, se isso é que é puberdade, acho que não quero.
Nas duas horas seguintes Chris permaneceu consciente da presença de
Kevin a seu lado, numa atitude possessiva. O braço no ombro, ao redor da cintura,
ou entrelaçado ao dela. Sabia também que Sam não estava longe. Era preciso sorrir
socialmente e controlar a vontade absurda de atirar-se aos braços dele ali mesmo,
na frente de todos. Reparou também na atitude de Lisa, recusando-se a misturar-se
com as pessoas, como na loja. Eventualmente lançava olhares .hostis a Carolyn. Ao
mesmo tempo, sentiu-se confortada pela presença quase constante de Brandon.
Permanecia a seu lado, dirigindo olhares ciumentos para aquele grandalhão
agarrado nela.
— Ele não vai almoçar com a gente também, vai? — resmungou Kevin
quando o garoto partiu em busca de um refrigerante.
— Se não me engano Carolyn disse alguma coisa sobre as crianças
comerem juntas, em outra mesa. Seja bonzinho com ele, Kevin. Afinal, ele passou
por maus bocados.
Kevin fez uma careta igual à de Brandon.
— Isso não significa que tenho de gostar dele. Mais tarde, ela não saberia
descrever os pratos servidos pelo sofisticado bufe contratado por Carolyn, tão
absorta estava pelos acontecimentos. Teve chance de conversar com ela, que
continuou um pouco formal demais, entretanto demonstrou ser uma pessoa
agradável. Escutara com interesse as aspirações políticas de Kevin, chegando a
oferecer sugestões sobre planejamento de campanha, e até mesmo apresentando-o
a vários advogados presentes. Tais contatos seriam valiosos para Kevin quando
começasse sua primeira campanha.
— Vou desligar todas as luzes, dentro e fora, para que a gente possa apreciar
os fogos — anunciou Carolyn a todos, dez minutos antes do início do espetáculo. —
Podem providenciar cadeiras para sentar onde quiserem. Acomodem-se, voltados
para o lago.
Chris olhou para o noivo, que conversava animadamente com um advogado
que acabara de conhecer. Provavelmente nem a notaria, até que chegasse ao lado
dele. Apanhou um novo copo de chá gelado e caminhou até o outro lado da casa.
Preferia ficar sozinha do que sorrindo mecanicamente ao lado de Kevin, fazendo
pose para o possível colaborador. Naquele instante compreendia como seria a parte
social de sua vida se o noivo resolvesse fazer campanha um dia. Ficaria com os
lábios doendo de tanto sorrir para eleitores.
Quando deu por si, estava na escada circular que dava acesso ao deque no
andar superior. As cortinas da casa estavam fechadas, o que significava um certo
isolamento, como seu estado de espírito pedia no momento. Aproximou-se da
amurada de madeira, apreciando a ampla visão do lago, apoiou os cotovelos e foi
como um sinal para o início dos fogos de artifício. A distância, apareceram cores
brilhantes e logo depois o estampido seco dos rojões.
Escutou as exclamações de admiração vindas do andar de baixo, e ficou
contente por estar isolada para apreciar o espetáculo. Ergueu o rosto para cima e
mergulhou nas luzes que riscavam o céu, como uma criança.
— Eu estava me perguntando onde iria encontrar você.
Ela não se voltou ao escutar a voz de Sam.
— Espero que Carolyn não se importe, mas não pude resistir à tentação de
subir aqui.
Ele caminhou até ficar ao lado dela, os ombros tocando-se.
— A gente tem uma vista linda daqui de cima.
Chris sentiu o calor do corpo dele a seu lado, embora só o tocasse no ombro.
Aquela proximidade era inebriante e alterava seu comportamento.
— Você vai morar aqui depois do casamento? — murmurou ela, tentando
evitar o assunto que a faria perder o controle.
— É isso mesmo que você quer saber?
O tom frio da voz de Sam fez com que ela se voltasse para encará-lo:
— Não. Não é isso, mas achei que seria uma pergunta relativamente segura.
Chuvas de prata enchiam o horizonte, emoldurando os cabelos de Chris. Ele
não se conteve mais:
— Pensa que é fácil para mim? Ter de ficar olhando enquanto ele abraça
você, acaricia você e tem o direito de ficar a noite inteira... sabendo que ele pode
estar em sua cama?
Cheio de frustração e de vergonha pelo desabafo, Sam calou-se e voltou os
olhos para o céu. Os dedos segurando a balaustrada ficaram brancos com a força
aplicada.
Chris examinou-lhe o perfil. Era capaz de sentir a energia irradiando-se das
feições iluminadas ao capricho das luzes no céu, e abrangendo o seu próprio corpo,
como se os dois estivessem envolvidos pela mesma aura. Disse a si mesma que
aquilo seria o efeito dos fogos e da eletricidade do ar.
— Ele não vai acabar o dia na minha cama — declarou ela baixinho.
Sam voltou-se para ela, o lado do rosto colorido de vermelho.
— Quer dizer que essa noite ele não vai?
— Não. Quero dizer que Kevin nunca esteve em minha cama — declarou
Chris, séria. — Nem eu estive na cama dele, nem no quarto de hóspedes, nem no
sofá e nem no banco de trás de nenhum carro.
Sam sentiu um frio na boca do estômago.
— Deixe eu entender direito, Chris. Está dizendo que nunca fez amor com
ele?
Ela confirmou com um movimento de cabeça, sem deixar de encará-lo.
Naquele instante houve um intervalo nos fogos, um hiato de escuridão que envolveu
os dois. Apesar disso, o brilho envolvente parecia continuar. Chris voltou-se de
costas.
— Por que não?
— Porque eu não quis — afirmou ela com simplicidade.
Sam parecia não querer acreditar em seus ouvidos.
— Você está envolvida com o sujeito numa relação a longo prazo, planejando
casar com ele e ainda não fez sexo com ele?
Ela assentiu.
— E mesmo assim... Novamente ela concordou.
Sam aproximou-se os poucos centímetros que faltavam, de forma que seu
peito tocasse as costas dela. Sentiu-a estremecendo. Passou os braços ao redor
dela e permitiu que os dedos brincassem com o laço do tope de lingerie. Notou que
os seios subiam e desciam cada vez mais rápido, indicando a respiração acelerada.
— A gente não devia — balbuciou ela. — Fizemos uma promessa.
— E daí? Você nunca quebrou uma promessa antes? — murmurou ele,
desamarrando lentamente o cordão.
Em poucos segundos o laço se desfez, deixando apenas três botões a
sustentar a peça. Sentindo os dedos queimando com o contato da pele quente, Sam
desabotoou o primeiro deles. Com a respiração entrecortada, trabalhou no segundo,
à luz de uma série de chuvas amareladas no alto, até que o tecido caiu. Antes que
ele pudesse dizer alguma coisa, um clarão brilhante iluminou os seios e os mamilos
eretos.
— Sam... — começou ela, interrompendo-se.
Ficou quieta, sem coragem de mover-se para interromper os toques suaves
da mão dele. Fez menção de girar o corpo, contudo ele apertou um pouco os braços
para impedir o movimento.
— Fique quietinha, prestando atenção no que estão fazendo — pediu Sam,
os lábios tocando o lóbulo da orelha de Chris.
Os dentes mordiscaram de leve a carne macia, enquanto uma das mãos
envolvia o seio. A palma quente tocou de leve o mamilo rijo, provocando ama
verdadeira corrente elétrica entre os dois. Em poucos momentos nenhum deles seria
capaz de controlar-se.
Ela gemeu e encostou a cabeça no peito dele.
— Meu Deus, Chris, você é tão macia...
As mãos moviam-se pelos flancos, acariciavam a parte inferior dos seios e
voltavam, sem tocar os pontos mais sensíveis. Depois repousaram nos quadris,
puxando-a contra sua rigidez.
— Não pare — sussurrou ela.
As palavras foram um incentivo mais do que suficiente. Sam girou-a e colou
os lábios aos dela, num beijo selvagem e apaixonado.
Os dois esqueceram completamente dos fogos no céu.
Não houve preliminares ou preparação. A língua de Sam a possuía, assim
como ele a possuíra naquela noite inesquecível. As mãos deslizavam por todo o
corpo dela, descobrindo os pontos sensíveis na base da espinha enquanto Chris se
remexia de encontro a ele. Ela soluçava, cheia de frustração por não poder acariciá-
lo da mesma forma. Sentia-se pegando fogo, como os clarões brilhantes e ignorados
acima deles.
Gemeu ao sentir a boca de Sam em seu pescoço, os lábios mordiscando a
pele sensível, depois ao colocar a palma da mão sob a camisa, tocando inteiramente
a pele dele.
Não havia mais controle possível. Enquanto o espetáculo no céu atingia seu
clímax, os dois corpos apertaram-se na ânsia de consumar o desejo que ardia na
pele. Chris sentiu a pulsação no ventre, desejando o mesmo que sua mente.
Sam afastou a boca, apoiando o queixo contra a testa dela. A respiração era
irregular.
— Diabo, a gente nunca encontra uma cabine de loja quando precisa.
Chris estava ocupada demais com a intensidade dos próprios sentimentos
para pensar em responder. No momento seu dilema era puxá-lo de encontro a si ou
afastá-lo com um empurrão. Como sempre quando a mente começa a pensar
demais, acabou por fazer o que a sociedade esperava que fizesse, em vez de seguir
o próprio coração. Seu corpo ansiava por mais, contudo afastou-o.
— O que a gente está fazendo? Sam, eu... — começou ela, interrompendo-se
por não saber o que dizer.
Em lugar de falar, correu para as escadas. Desceu sem hesitar.
Sam permaneceu onde estava, tão abalado quanto ela. Escutou os passos
apressados pelos degraus, depois quando ela parou, para compor a roupa e
finalmente sumindo na distância.
Já recomposta, Chris ingressou novamente no ambiente da festa, abaixo
dele.
— Maldição! Porcaria! Se ela pensa que vai casar com esse sorriso
ambulante está muito enganada — resmungou ele entre dentes, apertando tanto a
madeira da amurada que foi um milagre não quebrá-la.
Chris ficou agradecida por não ter encontrado com Sam até a hora de partir.
Kevin insistiu que partissem assim que o espetáculo terminou.
— Fiz ótimos contatos esta noite, bem — declarou ele animado, esfregando
as mãos ao acomodar-se no volante. Então pareceu se dar conta do que dissera. —
Desculpe, bem, sei que não gosta de ser chamada assim.
Chris encontrava-se à beira de uma crise de choro.
— Estou com uma dor de cabeça terrível, Kevin — alegou ela, num fio de voz.
— Deve ter sido todo aquele barulho. A gente mal podia conversar. Não
deviam misturar crianças e adultos na mesma área, isso sim. Cárter teve boas idéias
para quando eu for lançar minha candidatura para vereador — prosseguiu ele, sem
perceber que a noiva olhava para a escuridão exterior.
Chris ficou contente quando enxergou sua casa. Kevin não parara de falar
sobre vários assuntos girando em torno do tema principal: ele mesmo. Ficou
imaginando como seria errado casar com aquele homem. Apesar de não gostar de
inflar o ego dele, também não estava disposta a ficar ali escutando os progressos
que fizera em contatos políticos.
— Por que não entra um pouco? — convidou ela, com voz sensual.
Kevin parecia esperançoso ao acompanhá-la até o interior.
Chris acendeu as luzes e indicou o sofá.
— Precisamos conversar sério, Kevin.
— Você está bem? — indagou ele, finalmente reparando no rosto abatido da
noiva.
— Não muito, para dizer a verdade — começou ela, sentando-se e forçando-
se a olhar para ele. — Kevin, acho que a gente devia cancelar o casamento.
Ele sorriu.
— Ótimo, então você resolveu casar em Las Vegas, afinal? Muito bem. Deixe
ver... — disse ele, pegando um talão de cheques com calendário e estudando-o.
— Que tal depois de amanhã? Assim você tem tempo de empacotar sua
lingerie mais sexy.
Ela quase entrou em pânico ao escutar os planos que ele traçava sem ao
menos preocupar-se em olhar na sua direção para saber se era sobre isso que ela
falava.
— Não.
Kevin levantou a cabeça ao perceber a decisão contida no tom dela.
— Não, Kevin. Não estou sugerindo que a gente case em Las Vegas —
afirmou Chris, sentindo sua coragem vacilar. Porém sabia bem que aquela chance
seria única. Tinha de ser naquele momento. — O que estou dizendo é que acho que
deveríamos cancelar nosso casamento. Nós dois não devemos nos casar.
Depois de falar ela retirou o anel de diamante e o estendeu na direção dele.
Kevin parecia confuso. Quando ela colocou o anel sobre a mesa de centro foi
que ele compreendeu tudo.
— Espere um pouco. Você está me chutando? — indagou ele, elevando a
voz.
— Eu não diria dessa forma.
— Mas é o que está fazendo, não é? — O rosto dele ficou vermelho, depois
adquiriu um tom violeta.
— Está dizendo que não quer casar comigo. E está devolvendo o anel.
— Isso — admitiu ela, relutante.
Ele passou os dedos pelos cabelos, num gesto pouco habitual. Voltou o rosto
para cima.
— Se não fosse aquela maldita falta de energia a gente estaria casado agora.
Ou você teria me pedido o divórcio se resolvesse que foi tudo um erro?
Kevin estava quase gritando. Chris percebeu que a situação estava fugindo
ao controle. Precisava alegar alguma coisa.
— Kevin, desculpe explicar as coisas tão em cima da hora, mas acho que
elas precisam ser conversadas. Não podemos casar sem sentir os dois que é isso o
que desejamos — começou ela. — Acho que você só me enxerga como uma esposa
para cumprir as funções sociais. Sinto que é isso o que deseja. Eu queria um marido
para iniciar uma família. Se você for sincero com você mesmo, vai perceber que o
amor não está preenchendo nosso relacionamento como deveria. Desculpe minha
franqueza, mas eu não amo você e acredito que você também não me ama. Talvez
não saiba disso, mas é verdade. Não me ama como um homem deveria amar uma
mulher. Muito menos uma esposa.
Kevin balançava a cabeça.
— Não estou acreditando nisso! Acabamos de passar uma noite agradável
como um casal de noivos e quando voltamos você me faz entrar para dizer que não
temos mais nenhum compromisso. Por quê?
A conversa assumia um rumo que Chris não desejava.
— Eu já disse!
— Não me venha com essa história de que não me ama! — berrou ele, com
um gesto da mão no ar. — O que aconteceu para fazer você mudar de idéia?
Ela respirou fundo, buscando as palavras apropriadas.
— Eu já me sentia assim no dia do casamento, mas achei que era
nervosismo de noiva. Naquele dia pensei muito porque tive bastante tempo para
isso, e desde então venho pensando e tentando descobrir o que realmente quero na
vida. Seria um erro a gente casar sem se amar — concluiu Chris, sentindo uma
calma assustadora. — E isso.
Kevin abaixou-se e colocou o anel no bolso da calça.
— Tudo o que posso dizer é que vai se arrepender por não ter casado
comigo. Não pense que vou aceitar você quando mudar de idéia outra vez, porque
isso não vai acontecer. Afinal, você não é a única mulher no mundo, sabia? Existem
outras, até mais bonitas!
Com isso ele saiu, batendo a porta com toda a força.
Chris deu um salto na cadeira com o estrondo. Levantou-se e foi até a
cozinha, onde se serviu de um pouco de vinho. Ergueu a taça no ar, como se fizesse
um brinde.
— Posso dizer que lidei com a situação da pior forma, mas fiz o que tinha de
fazer — disse para si mesma, bebendo de uma só vez o conteúdo da taça. — Agora
vem minha mãe. Não vai ser tão fácil quanto conversar com Kevin.
Serviu-se de outra dose.
— Isso por acaso é uma piada de mau gosto? — perguntou Gwen.
— Não, mãe.
A mulher mais velha começou a andar de um lado para outro em frente à
lareira. Reparou no arranjo floral que a filha mantinha ali nos meses quentes, como
se pudesse transferir a raiva pela sensação de impotência para consertar a besteira
feita.
— Aquele era um homem que estava a ponto de abrir uma filial da própria
loja. Um homem que foi entregue numa bandeja de prata para você, e que você joga
fora desse jeito? Despreza um homem desses? — Gwen parecia incrédula.
— Não amo Kevin, mãe — repetiu ela, pela vigésima vez.
Gwen não dera mostras de ouvir, continuando a balançar a cabeça,
inconsolável.
— Não acredito que você seja minha filha. Não me importo se é a imagem
escarrada de sua tia. Não pode ser minha filha. Nenhuma mulher em nossa família
iria dispensar um homem como Kevin — declarou ela, levando as mãos às
têmporas. — Tem alguma coisa para dor de cabeça?
Chris levantou-se e foi até o banheiro, no trajeto que sempre parecia fazer
pouco depois que a mãe chegava em sua casa. Apanhou dois comprimidos e um
copo de água.
A mãe aceitou os comprimidos e ingeriu o copo de água de/ um só gole.
— E eu que sempre tive grandes planos para você. Sempre teve beleza e
inteligência para ir longe — lamentou-se Gwen.
— Mas eu pretendo ir longe. Mamãe, por favor não se preocupe. Vai ser muito
melhor assim, eu garanto.
— Não é fácil achar um homem hoje em dia. Eu é que sei.
Chris lembrou-se de Sam e sentiu um calor se espalhando pelo corpo.
— Christina, você está me ouvindo?
— Claro que estou. Mas acho que se tiver de acontecer, vai aparecer alguém.
Gwen não compartilhava da estimativa otimista da filha.
— Bem, pelo menos você ficou com o anel, não foi?
— Claro que não, mãe — respondeu Chris, rolando os olhos nas órbitas com
a idéia da mãe.
— Não acredito que o sujeito tenha aceito o anel de volta. Não é só porque
pode dar para outra mulher, mas é uma atitude de muito mau gosto.
— Um anel daquele tamanho já é um exemplo de mau gosto.
Gwen ainda não parecia convencida dos argumentos da filha.
— Meu bem, tem certeza que ele não provou ser... como direi... pouco
entusiasta na cama?
Ela tinha de dar crédito à mãe. Ela sabia ser discreta quando queria. Mas
sexo não era o assunto que ela pretendia discutir no momento.
— Eu disse a você que a gente não ia para a cama, não fomos e eu não sei
como é esse homem... na cama. O problema não foi esse, e agradeceria muito se
não tocasse mais nesse assunto.
Gwen deu uma olhada cheia de piedade para Chris.
— Só espero que você não venha a lamentar isso mais tarde — comentou
ela, consultando seu relógio. — Desculpe ter de sair com pressa, meu bem, mas
tenho hora marcada no cabeleireiro, e Stephan detesta quando eu chego atrasada.
— Claro, mãe — disse Chris, levantando para acompanha-la até a porta.
Gwen acariciou a cabeça de Chris.
— Você é minha filha e eu amo você. Só quero o seu bem. Só que às vezes
você faz algumas coisas que me deixam de cabelos em pé.
— É para o meu bem, mãe. Pode acreditar.
Beijaram-se na despedida, e assim que a porta fechou-se atrás da mãe, Chris
recostou-se contra a superfície de madeira.
— Bem, foi uma meia hora divertida. Da próxima vez é melhor eu escalar
também uma obturação de canal logo depois. Seria o acompanhamento ideal.

Capítulo 14

— Eu não queria derramar nada! Foi ele que me fez derrubar! — gritou
Brandon, apontando Davis.
Sam não conseguia tirar os olhos do molho de macarrão vermelho vivo contra
o piso branco da cozinha.
— E nessas horas que a gente precisa de um cachorro para limpar a casa
direito — resmungou ele.
— Oba! Vamos ganhar um cachorro? — gritou Brandon, excitado com a
possibilidade.
— Nem pensar — respondeu Sam na mesma hora. Fechou os olhos e
desejou que a mancha desaparecesse sozinha. Suspirou resignadamente quando o
molho continuou imperturbável maculando o chão. Apanhou um maço de toalhas de
papel.
— Um cachorro podia fazer companhia para ai gente enquanto você não está
aqui — insistiu Brandon, que não desistia facilmente.
— Talvez papai tenha idéia de outras companhias — intrometeu-se Davis.
— Não abuse da sua sorte, jovem! — ameaçou Sam, erguendo os olhos da
mistura de papel com molho. — Sei muito bem que você ajudou a fazer essa
confusão. Pode muito bem limpar. — Estendeu outro maço de papel para o filho. —
E faça um bom trabalho. Não quero mais um assalto de formigas a essa cozinha.
— Detesto formigas! — disse Lisa, enrolando espaguete em seu garfo.
— Por que a gente não telefona para Chris vir jantar aqui? — sugeriu
Brandon, que como parte envolvida agachava-se para ajudar o irmão.
— Ela está ocupada com o noivo dela — disse Lisa, em tom de quem encerra
a conversa.
Sam enviou um olhar de aviso à filha.
— Ela está, não está?
Ele teve vontade de dizer que não suportava ouvir falar no noivo de Chris.
Pelo menos enquanto perdurasse a lembrança da noite na casa de Carolyn.
Permanecera acordado por muitas horas naquela noite, sentindo-se excitado como
nunca enquanto relembrava cada gesto, cada sensação, cada odor. Maldissera a si
mesmo por não resistir e beijá-la, maldissera a ela por insistir em casar-se com
aquele vendedor de carros metido a político mesmo depois de corresponder daquela
forma no deque.
— Não jogue as toalhas na pia desse jeito! — gritou Lisa. — Está sujando
toda a minha blusa de molho.
Sam retornou à dura realidade.
— Está bem, está bem, chega! — ordenou ele. — Vamos ter um bela refeição
em família, repleta de paz e harmonia, pelo menos uma vez.
— Por favor, pai, com esses bárbaros não é possível uma refeição em família
— disse Lisa.
Sam achou que iria morder a língua se disse à filha que ela estava falando
exatamente como a mãe. Uma coisa que nunca fizera era falar mal da ex-mulher
para os filhos, por mais que fosse difícil. Mesmo que achasse Marie uma insensível,
fria demais e controladora, cujas alternativas eram do jeito dela ou de nenhum.
Felizmente o telefone tocou.
— Salvo pelo gongo — bradou ele, estendendo a mão para o receptor.
Esperava que fosse Chris. Entretanto, falando do diabo...
— Oi, Marie. Como vai? — respondeu ele, com voz neutra.
Na mesa, os três ligaram as antenas.
— As crianças estão aí? — indagou ela, sem se incomodar em responder ao
cumprimento.
— Estamos jantando. Aconteceu alguma coisa?
— Mande eles para fora da sala. Precisamos conversar em particular.
Sam percebeu que os músculos da mandíbula estavam tensos. Um problema
que aparecera desde a época do divórcio.
— Espere um pouco. Vou ver se consigo encontrar
— disse ele ao telefone. Depois voltou-se para os filhos: — Acabem de
aprontar a comida que eu volto num minuto. Vou procurar um documento.
Saiu da cozinha com o telefone sem fio.
— Mamãe não quer que a gente escute nada que possa comprometer nossa
integridade psíquica — traduziu Lisa para os outros dois.
— Como ela pode magoar nossos pissícos? — quis saber Brandon.
— Nossos sentimentos, seu toupeira — informou a irmã.
— Pare com isso, ele é só uma criança — intrometeu-se Davis.
— Mamãe telefonou para estragar nossas vidas — disse Lisa, de forma que
todos entenderam.
Sam fez uma careta ao escutar o que preferia não ter ouvido. Entrou no
escritório e fechou a porta.
— Muito bem, posso saber do que se trata? — disse ele, sentando-se em sua
cadeira de trabalho, em frente aos computadores.
As quatro estações dispunham-se em amplo semicírculo, de forma que ele
podia rodar com a poltrona para qualquer uma delas.
— É que tenho uma ótima novidade que quero compartilhar com as crianças
— começou ela. — Estou grávida.
Sam aguardava há algum tempo uma notícia como essa. Não negava a Frank
o direito de ter filhos, mas imaginara que efeito teria essa notícia sobre os três que
nesse momento estavam na cozinha.
— Meus parabéns.
— Você podia ser um pouco mais entusiasta — reclamou ela. — Afinal, faz
tempo que Frank vem querendo a própria família.
— Maravilhoso. E o que vamos fazer com a que já temos?/Ou eles irão para o
quarto de hóspedes porque não têm nas veias o sangue de Frank?
Marie nunca demorava muito para fazer com que ele perdesse a calma.
— Não precisa falar desse jeito. Só telefonei para dar a notícia às crianças e
para que você troque as passagens deles para quinta-feira. Vamos dar uma festinha
para anunciar o evento no sábado à noite e quero que eles, estejam presentes.
Sam respirou fundo para acalmar-se. A última coisa que pretendia era deixar
Marie tão irritada que negasse a visita dos filhos no Dia de Ação de Graças, apesar
de ser sua vez. Com o bebê a caminho, talvez ela se tornasse mais cordata. Então
pensou na filha, que estava atravessando uma fase difícil. Imaginou como Lisa iria
encarar a notícia.
— Marie, Lisa está passando por uma fase difícil e...
— Não venha me dizer o que minha filha tem, nem como ela é. Sei muito
melhor do que você. Ela só está fazendo um teatro para impressionar você. Tentou
fazer a mesma coisa com Frank e ele se recusou a colaborar com o jogo dela. Agora
coloque sua alteza ao telefone. Depois eu quero falar com Davis e Brandon.
Sam suspirou. Não havia possibilidade de diálogo com a ex-esposa quando
ela demonstrava aquele estado de espírito.
— Espere um minuto.
Apertou o botão de pausa com maior força do que a necessária e retornou à
cozinha. Não ficou surpreso ao descobrir todos sentados à mesa com os rostinhos
apreensivos. Detestava ver a expressão deles depois que falavam com a mãe.
— Lisa, sua mãe quer falar com você — anunciou ele, estendendo o telefone
à filha.
Ela aceitou o aparelho como se pudesse explodir em suas mãos. Lentamente,
levou-o ao ouvido.
— Mãe?
— Lisa, meu bem! Tenho ótimas notícias para você! — A voz excessivamente
animada dê Marie ecoou estridente no ouvido de Lisa. — Vou ter um bebê! Você vai
ter mais um irmãozinho ou irmãzinha, meu bem. Isso quer dizer que eu gostaria que
viessem para cá nesta semana para uma festa que vamos dar. Sei que você vai me
ajudar muito nessa época.
Sam observou o rosto da filha tornar-se pálido, depois a respiração se
acelerando. Teve vontade de caminhar até ela e abraçá-la para dar conforto físico,
mas algo no olhar de Lisa o manteve afastado. Aquilo não lhe dizia respeito.
— Você acha que eu devia ficar contente porque você e aquele crápula vão
ter um filho? Por que eu deveria ficar contente? E ainda por cima quer diminuir
nosso tempo com papai só porque transou com ele e agora quer dar uma festa para
anunciar? Quando nós nascemos não tivemos festa nenhuma!
Sam resmungou baixinho. A conversa estava tomando um rumo pior do que
ele imaginara a princípio. Ficou tentado a arrancar o telefone dela, mas obviamente
não resolveria coisa alguma, portanto permaneceu onde estava. Os sentimentos de
Lisa pela mãe e pelo padrasto a estavam incomodando havia algum tempo, e talvez
fosse melhor colocar a raiva para fora de uma vez.
A filha agora andava pela cozinha, berrando ao aparelho.
— Você não se importou mais conosco desde que casou com Frank. Só ficou
preocupada em fazê-lo feliz, e só conversa com a gente para dar bronca. Agora que
você está grávida, tem a família perfeita, e nós três importamos cada vez menos.
Pode ter o seu precioso bebê, mas deixe a gente fora disso.
— Muito bem, muito bem — disse Sam, apanhando o telefone. — Marie!
— Isso é tudo culpa sua! — gritou ela, em seu tom especial de arrebentar
tímpanos. — Você passa o tempo todo falando mal de mim.
— Marie, eu não disse uma palavra sobre esse assunto desde que estou com
eles — informou ele em tom frio. — Parece que você sozinha andou fazendo um
bom trabalho. É preciso lembrar os sentimentos deles, também. Isso é um choque
para os três.
— Acho bom você mandar todos para casa na quinta-feira, ou então vai se
arrepender — vociferou ela, antes de bater o telefone.
— Acho que ela não quis falar com os outros dois.
Nada daria mais prazer a Sam no momento, do que desabafar todos os seus
sentimentos em relação a Marie. Entretanto, antes de começar olhou para os três
filhos, notando dois rostos preocupados e um zangado.
— Não vamos voltar — afirmou Lisa, cruzando os braços numa atitude que
demonstrava sua rebeldia.
— Mamãe vai ter um bebê? — quis saber Brandon.
— É — respondeu o irmão. — Vamos olhar o lado bom, Brandon. Você vai ter
um irmão ou irmã menor para amolar.
— Não se a mamãe puder impedir — interrompeu Lisa. — Ela provavelmente
nem vai deixar que algum de nós chegue perto do precioso bebê. Frank não vai
deixar vocês dois chegarem perto, e ele vai acabar arranjando um motivo ou outro
para mandar a gente para o colégio interno.
— Não! — gritou Brandon,. sacudindo a cabeça com toda a força.
Saiu correndo da mesa e foi para o quarto.
— Papai não vai deixar eles fazerem isso com a gente, vai pai? — quis saber
Davis, também apreensivo com a perspectiva do colégio interno.
Sam xingou mentalmente sua ex-esposa pelo início daquela crise. Como
sempre, ele é que tinha de limpar a sujeira.
— Não, eles teriam de pedir licença para mim. Mas sua mãe tem a custódia
primária sobre vocês.
Lisa ergueu o queixo, numa atitude de desafio.
— Pois eu é que não volto para lá. Ela não quer a gente lá de qualquer jeito, a
não ser para ajudar a trocar fraldas e essas coisas. Se ela quis o bebê, pode muito
bem tomar conta sozinha — declarou ela, com os olhos embaciados.
O queixo começou a tremer, e ela saiu da cozinha. Davis olhou para o pai,
com uma sombra de preocupação no rosto.
— A gente preferia ficar com você, pai. Por favor, diga a mamãe que a gente
quer ficar com você — declarou ele, saindo da cadeira e caminhando para o pai.
Abraçou-o. — Por favor...
— Puxa, vocês também não facilitam as coisas, hein? — comentou ele,
abraçando o filho. Não queria prometer nada que não pudesse cumprir. — Não sei
exatamente o que posso conseguir, mas vou fazer o possível para tentar. Você se
importaria se eu for conversar com Lisa? Talvez você possa dar uma força para o
Brandon.
— É mesmo. Ele foi o bebê por tanto tempo que deve ter sido um choque
para ele.
Cada um se dirigiu a um dos quartos.
Sam bateu na porta, obtendo como resposta apenas alguns soluços
abafados. Girou a maçaneta e abriu a porta.
— Posso entrar, Lisa? — murmurou ele.
— Isso importa?
— Muito.
Sam entrou e cuidadosamente sentou na beira da cama de Lisa. Olhou ao
redor, reparando na decoração mais adulta que ela mesma escolhera no último
verão, sem bichinhos ou personagens. No momento, chorando com o rosto enfiado
no travesseiro parecia outra vez sua menininha indefesa. Sentiu pena dela.
— Se você veio para gritar comigo por gritar com mamãe, não vou pedir
desculpas — balbuciou ela.
— E não vou voltar para nenhuma festa idiota.
— Eu não pretendia gritar com você, meu bem
— disse ele, devagar. — Sua mãe vai me odiar por ter falado isso, mas acho
que ela podia ter achado uma forma mais suave de dar a notícia a você.
Lisa sentou-se na cama, esfregando os olhos com as costas da mão. Sam
enfiou a mão no bolso e apanhou o lenço, entregando-o a ela.
— Vou ligar para o meu advogado e ver se ela pode insistir em que vocês
voltem mais cedo. Mas acho que ela pode ter o direito de insistir em que vocês
voltem antes.
— Não sei por quê. Frank não quer a gente por lá — resmungou ela. — Ainda
mais agora que vai ter um filho dele. Podemos ficar com você, papai? Por favor?
Ele a envolveu em seus braços.
— Amo vocês três, você sabe disso — disse ele, percebendo a própria voz
estremecer de emoção. — Sei que isso é muito difícil para você, Lisa. Vou dizer algo
que provavelmente todos os adultos devem dizer, e você vai me odiar por isso, mas
pode acreditar, você vai entender quando for mais velha.
— Nunca vou entender por que uma mãe iria preferir seu bebê do que outras
crianças — declarou ela com amargura, encolhendo-se no colo do pai.
Sam silenciosamente maldisse Marie outra vez. Ser egoísta ao extremo
sempre foi um dos aspectos da personalidade dela que ele abominava.
— Lisa, eu poderia ter dez filhos com outra mulher, mas você sempre será
minha filha mais velha e meu bebê ao mesmo tempo. Na noite em que você nasceu,
eu sentei e chorei.
Os olhos de Lisa se arregalaram com a revelação.
— Você chorou? Ele assentiu.
— Eu não conseguia entender que tinha colaborado para criar uma coisa tão
pequena e tão bonita. Mesmo sem cabelos — provocou ele.
Lisa limpou as lágrimas outra vez.
— Então vai nos deixar ficar com você? Por favor, pai?
Sam não conseguia recusar nada à sua filha quando ela fazia aquele olhar de
amor e confiança. Mas também não pretendia fazer promessas impossíveis.
— Quero você comigo e vou ver o que é possível fazer — disse ele, com
cuidado. — Mas lembre que não tenho a última palavra nesse assunto. Se a gente
quiser alguma coisa, precisamos contar com a colaboração da sua mãe. Se o que
você diz é verdade, talvez não seja impossível.
Precisava ligar em seguida para o advogado. Lisa abraçou-o, radiante.
— Sei que sou meio chata, às vezes — disse ela.
— É, a adolescência é uma coisa chata, não? Ela riu. Para Sam, aquele era o
som mais agradável do mundo.
— Então você discutiu esse assunto com o advogado antes de falar comigo,
é? Nem se importou em saber o que eu achava disso.
Sam ficou surpreso com a irritação na voz de Carolyn. Ele saíra do encontro
com o advogado e pensou em encontrá-la no escritório para ver se tinha algum
tempo livre. De início ela parecera contente ao vê-lo.
Beijaram-se e em seguida ele acomodou-se na poltrona reservada ao cliente.
Relatou o telefonema de Marie e como a notícia afetara as crianças.
— Eu sempre quis a custódia das crianças — explicara ele. — Mas acabei
concordando com o esquema de visitas que ela propôs. Marie me deixou ficar com
eles dois meses por ano no verão e em feriados alternados. Ela não é uma pessoa
muito cordata e agradável durante a gravidez. Talvez fosse melhor as crianças
ficarem aqui até o bebê nascer. Tenho esperança de convencer Marie a conceder
pelo menos isso.
Carolyn, que escutara sentada sobre a quina da escrivaninha, endireitara o
corpo e dera a volta, acomodando-se na própria poltrona. Vestida com um terninho
impecável e usando um severo coque ela fazia uma figura impressionante e
bastante profissional. Percebeu que estava conhecendo, pela primeira vez, o lado da
advogada fria. Não tinha muita certeza se gostava, pelo menos quando estava
direcionado para ele.
Permaneceu quieto perante a explosão dela, parecendo refletir intensamente.
— E quanto a nós, Sam? Um novo casamento precisa de alguns, para não
dizer vários, ajustes das duas pessoas envolvidas. Se envolvermos crianças nesse
processo...
Sam completou mentalmente a frase, como ela pretendera.
— E se eu fosse viúvo, Carolyn? Como ficariam as crianças?
Ela sorriu com a expressão do professor quando se defronta com uma
pergunta ingênua.
— Seria uma situação completamente diferente. Nesse caso as crianças
estariam com você o tempo todo. Não percebe o que estão fazendo com você?
Estão manipulando você com as histórias de que a mãe é malvada, porque
sabem que você não pode negar nada para eles, com tão pouco tempo juntos.
Odeiam a idéia de a mãe ter outro bebê porque perderiam espaço. Estão fazendo
gato e sapato de você. Tem de ser mais firme com eles — aconselhou ela. — Pode
acreditar, meu bem, conheço esse tipo de comportamento em outros pais, que
fazem as coisas mais absurdas para que as crianças gostem deles. Você
simplesmente não pode deixar que mandem em você. Precisa mostrar quem dá as
ordens.
Tais palavras caíram como gotas de ácido no estômago de Sam.
Deliberadamente ele deixou que seu olhar passeasse pela sala antes de
responder. Não queria usar as palavras erradas, ou dizer algo que não fosse
necessário. No momento estava irritado demais para confiar na própria língua.
A decoração era feita com lambris escuros, para combinar com o resto do
escritório. Tudo ali era sofisticado, demonstrando bom gosto, porém não deixava
dúvidas ao cliente sobre o nível dos honorários. Eram elevados. Reparando melhor,
Sam descobriu que o ambiente possuía certa frieza, como os hotéis de luxo. Voltou-
se para examinar Carolyn, descobrindo que o sorriso nos lábios dela não estava nos
olhos. E para dizer a verdade, mesmo o sorriso dos lábios não parecia genuíno.
— A maior parte das pessoas pensam que os programadores de
computadores são meio abobados, ou degenerados — começou Sam. — Acreditam
que passamos tanto tempo em frente às máquinas que não conseguimos entender
nada sobre o mundo real.
Carolyn espantou-se com aquela introdução.
— Sam, não foi isso o que eu quis dizer...
— Deixe eu terminar, por favor. Acho que sou um dos felizardos. Sempre tive
outra vida fora do escritório, e sempre passei tanto tempo com meus filhos quanto
fosse humanamente possível. Sei muito bem que não são anjinhos, principalmente
Davis, mas sei também quando estão sofrendo. E no momento estão sofrendo. Farei
tudo o que puder para manter o relacionamento deles com a mãe tão calmo e
estável quanto possível, mas se o fato de ficarem comigo, ainda que seja por um
período curto de tempo, ajudar, terei prazer em fazer isso. E não, eles não me
controlam. Nunca controlaram.
Foi a vez de Carolyn estudá-lo com interesse.
— Você está falando sério, não está? Ele assentiu.
— Minha carreira não permite que eu tenha a interferência de crianças o
tempo todo — declarou ela. — Um par de visitas por ano está ótimo, mas não quero
chegar em casa ao final do dia e ter de providenciar o jantar para as crianças,
verificar lições e fazer biscoitos para festinhas. Eu seria ideal como madrasta
temporária, mas nunca em tempo integral.
— Obrigada por ser honesta comigo, Carolyn — disse Sam, levantando-se e
estendendo a mão. — Espero que encontre alguém que se encaixe com seu tipo de
vida.
Carolyn ficou surpresa com a reação dele. Ergueu-se e cumprimentou-o,
como se fechasse um negócio.
— Eu poderia ter transformado você num sujeito importante — disse ela.
— Pode ser, mas não sei se iria gostar da sua obra — respondeu ele.
Quando Sam saiu do escritório de Carolyn, sentiu a sensação física de ter se
livrado de um grande peso.
Uma vez ao volante de sua caminhonete ele parou um instante para lembrar
o que conversara com seu advogado.
— Talvez seja mais fácil para nós sugerir que você fique com as crianças
durante a gravidez da sra. Landers — dissera o homem. — Se ela for um pouco
parecida com minha esposa durante a gravidez, ficará aliviada por ter menos
pessoas na casa. Por outro lado, ela pode pensar que se trata de um plano diabólico
seu para ficar permanentemente com os filhos. Mas tenho certeza de que posso
conversar e obter uma vantagem.
Sam concordara. Deixara claro que Marie não devia saber como os filhos se
sentiam a respeito do assunto. Se ela telefonasse, descobriria de qualquer jeito.
O advogado prometera iniciar o trabalho imediatamente.
Sam tamborilou os dedos no volante da caminhonete. Sentiu-se tentado a ir
até a casa de Chris. Porém o que iria dizer?
— Teria evitado tudo isso se Lisa fosse um menino, porque meninos não
usam sutiãs para arrebentar as alças — filosofou em voz alta.
Só que esse fato significaria que jamais teria encontrado Chris... e isso era
uma coisa na qual não gostava de pensar.

Capítulo 15
A última coisa que Chris esperava receber pelo correio da agência era um
convite para uma festa. Por um instante olhou para os nomes, sem reconhece-los.
Encontrou no envelope, em sentido horizontal, uma linha escrita à mão:
Espero que venha à nossa festa Sônia.
Por que fora convidada? Não havia nenhum motivo para que não fosse. Na
verdade não tinha nada melhor para fazer. Ultimamente só tinha ficado na cama a
pensar em Sam. Encontrar o casal mais velho certamente iria aumentar essa
saudade. Olhou para o vidro de perfume Desejo da Meia-Noite, que possuía lugar de
honra em sua penteadeira.
Uma coisa que a deixava triste era o fato de não pensar em Kevin desde que
ele saíra ofendido de sua casa. Não sentia a menor culpa em relação ao rompimento
do noivado, apenas uma sensação de alívio por ter terminado tudo. O único
problema era sua mãe, que ligava todos os dias para perguntar se ela recuperara o
bom senso. O que Chris achava engraçado nas conversas com a mãe era que ela
não gostava de Kevin. Mesmo sendo bom partido.
Perguntou-se se Sônia aceitaria um vestido de casamento com pouco uso e
que jamais participara de uma cerimônia. Apanhou novamente o convite, e reparou
no número de telefone que constava ao lado do remetente.
Estendeu a mão para o aparelho antes que mudasse de idéia outra vez.
— Que bom que você veio — saudou Sônia, sorrindo e cumprimentando a
amiga com um abraço apertado e um beijo.
— Você foi muito gentil em me convidar — respondeu Chris, contente com a
recepção calorosa.
— Eric e eu nem sonhamos em celebrar nossas bodas de ouro sem as
pessoas que foram tão boas para nós durante a falta de luz na Bradley´s —
respondeu a anfitriã, conduzindo-a para o interior da casa. — E não se sinta mal por
não conhecer todo mundo. Tudo o que precisa fazer é caminhar até alguém, trocar
os nomes e logo vai conhecer quem quiser.
Chris riu e entregou a Sônia uma caixa embrulhada,em papel decorado.
— É um presente para você, mas acho que Eric vai gostar, também —
murmurou ela, piscando o olho. — Seria melhor não abrir na frente dos convidados.
Sônia corou visivelmente ao apanhar o presente. Tomou o braço de Chris e
conduziu-a por uma grande sala cheia de antiguidades e cores quentes, que
convidavam a acomodar-se no imenso sofá para uma boa conversa. Apresentou-a
aos membros da família e alguns amigos.
Chris quase perdeu o passo quando avistou Sam do outro lado da sala. Lisa,
Davis e Brandon estavam com ele. A filha não parecia chateada ou ausente, e os
dois pareciam estranhamente "bem-comportados".
— Pedi que Sam e os filhos viessem também -esclareceu Sônia, percebendo
a direção do olhar dela.
— E tenho certeza de que vai encontrar outros rostos; familiares.
— Oi, Chris — cumprimentou Paula, aproximando-se e entregando-lhe uma
taça de vinho branco.
— Não é maravilhoso?
— É ótimo.
— Vou deixar vocês duas conversando para atender a porta — anunciou
Sônia, partindo em seguida.
— Trouxe seu noivo? — quis saber Paula, assim que a anfitriã saiu.
Chris estalou os dedos.
— Bem, a vida é cheia de surpresas. Os olhos da amiga se arregalaram.
— Você terminou o noivado? 'Ele já sabe? O olhar de ambas dirigia-se a
Sam.
— Não, e não há nenhum motivo para que saiba.
— Não é o que parece pelo jeito que ele está comendo você com os olhos.
Chris recordou-se da noite na casa de Carolyn Jeffreys. Duvidava poder
assistir a uma queima de fogos de artifício sem lembrar o que acontecera no deque.
Não fosse o perigo de serem apanhados, sabia que teriam feito amor ali mesmo,
sem pensar duas vezes. Só o fato de imaginar a cena era suficiente para que o
rubor surgisse em seu rosto. Tomou um grande gole, na esperança de acalmar os
hormônios.
— Fora esse problema, como vai indo?
— Estou descobrindo que relaxar pode ser muito divertido.
Brandon, escapando por um segundo da mão do pai, que segurou-lhe a gola
da camisa. — Pai!
— Ela está ocupada conversando.
Ele observava a conversa de Chris e Paula, com certa apreensão. Lisa
percebeu.
— Você gosta mesmo dela, hein pai?
— Acho que ela é ótima pessoa — respondeu ele, sem se comprometer.
Como Marie concordara que seria ótima idéia ele ficar com as crianças no
semestre inicial das aulas... afinal de contas, ela não tinha mais vinte anos e não
podia se cansar muito... e desde então seus filhos estavam merecendo uma
medalha por bom comportamento. Marie mandaria os brinquedos e roupas. Lisa não
reclamara por entrar numa escola diferente e Davis opinou que seria bom fazer
novos amigos. Até Brandon não demonstrou apreensão por entrar para o jardim-de-
infância, começando a frequentar a escola. Não se o pai o acompanhasse no
primeiro dia, bem entendido. Sam ficou feliz e despreocupado com as mudanças. A
única coisa que faltava era Chris. O fato de vê-la novamente não facilitava nem um
pouco as coisas. Assim como na festa de Carolyn, ela usava um traje que ressaltava
sua feminilidade. O vestido azul com decote em V tinha mangas bufantes e saia
rodada à altura das coxas. Para combinar com o visual antigo, sapatilhas de bale de
couro bege.
Sam não pôde evitar de perguntar-se por que aquele sujeito não estaria ao
lado dela. Nenhuma mulher com aquela aparência podia ser deixada sozinha.
— Ele provavelmente avistou algum possível cliente e deve estar na outra
sala vendendo carros — resmungou para si mesmo.
— Chris chegou! Vou lá falar com ela — disse
Lisa aproveitou para estudar a expressão do pai. Já o vira com Carolyn para
saber que ele nunca olhara outras mulheres daquele jeito, inclusive a mãe, pelo que
ela recordava. Mesmo inexperiente, pressentia que Sam sentia algo especial por
Chris. E era justo admitir que ela fora boazinha com eles, até mesmo com Davis.
— Sônia disse que tinha coisas para crianças na outra sala. Vamos até lá,
rapazes — convidou ela, animada.
Sam ficou surpreso ao ver os irmãos acatarem a sugestão.
— Vá falar com Chris — sugeriu Lisa. — Você vai ter de fazer isso de
qualquer forma, portanto é melhor ir logo.
— Tem certeza que você é minha filha? Será que está com febre? — indagou
o pai, colocando a mão na testa da menina.
— Não estou com febre, e sou sua filha, mas não posso dizer o mesmo
daqueles dois degenerados — sorriu Lisa. — Agora vá de uma vez.
Sam aproximou-se enquanto Chris estava de costas, de forma que ela não
percebeu. Mas Paula estava alerta, com um sorriso de quem entendia tudo.
— Oi, pessoal. Como vamos? — cumprimentou ele. Chris girou nos
calcanhares. Seus lábios apertaram-se.
— Oi, Sam.
— Chris! Como vai?
— Estou ótima. E você?
Paula rolou os olhos nas órbitas.
— Não estou acreditando...
— Foi bom ver você outra vez, Paula — disse Sam, encarando-a.
— Acho que alguém ali naquele grupo está me chamando. Foi bom ver você
Sam. Boa sorte — desejou ela, sabendo reconhecer a indireta.
— Está usando um belo vestido — observou ele, com vontade de tomá-la nos
braços.
— Obrigada.
— Onde está o... — perguntou Sam, olhando em volta, como se esperasse
que Kevin lhe desse um tapa nas costas a qualquer momento.
— Ele não veio — murmurou ela.
— Que pena não ter a oportunidade de revê-lo.
— Não seja hipócrita. Você não está sendo honesto.
— Não, mas soou bem, não acha?
— Carolyn está com você? — quis saber Chris. Ele balançou a cabeça, numa
negativa.
— Pensei em vir apenas com as crianças.
O orgulho fez com que se recusasse a dizer a verdade. Pelo menos toda a
verdade. Que Deus o ajudasse, pois amava aquela mulher que ia casar com outro
homem.
Os olhos de Chris baixaram.
— Foi bom ver você outra vez, Sam — disse ela, antes de afastar-se.
Ele ficou observando o andar gracioso realçado pela saia esvoaçante. Xingou
a si mesmo por não ter tido coragem de dizer que terminara com Carolyn. Ela teria
uma chance de resolver terminar com o sujeito e ficar com ele.
Não tinha idéia de que a filha observava seu olhar triste. Se o que Lisa
imaginava era correto, seria possível ajudar os dois a ficarem juntos. Era bom
manter o olho em ambos durante a festa.
Chris não se lembrava de sentir-se tão desanimada desde que rompera o
noivado. Sabia que a causa era o fato de rever Sam, sabendo que era
comprometido!
— Oi, Chris! — disse Brandon, passando os braços em volta das pernas dela
Ela sorriu e abaixou-se.
— Tudo bem, bonitão? — cumprimentou ela, abraçando-o. Está se
divertindo?
Ele fez um sinal afirmativo com a cabeça.
— Eles têm um monte de netos naquela sala — explicou ele, apontando. —
Com jogos e brinquedos. Davis está jogando Guerreiros Demônios com outro
menino. Está acabando com ele.
Chris riu. Fez um carinho na cabeça do menino.
— Claro que está. Mas por que você está aqui quando tanta coisa está
acontecendo lá?
— Porque eu queria ver você.
Ela teve vontade de abraçar Brandon e não soltar mais. A expressão dele,
entretanto, entristeceu.
— O que foi?
— Minha mãe vai ter um bebê. Lisa está brava com ela, e Davis diz que o
bebê vai sair parecido com Frank, mas com outro irmãozinho ou irmãzinha, não vou
mais ser o bebê — explicou ele.
— Você não começa o jardim-de-infância esse ano? — perguntou ela fazendo
um carinho no rosto dele. Brandon concordou. — Quando você começar o jardim-
de-infância, não vai mais ser o bebê da família. Vou ficar triste quando isso
acontecer, porque vai significar que você não vai querer mais me beijar e abraçar,
porque não vai gostar mais de meninas.
Ele atirou-se aos braços dela como um foguete.
— Eu sempre vou querer que você me beije — disse ele fervorosamente.
Chris precisou fazer força para conter as lágrimas. Em seguida ele saiu
correndo, deixando-a abaixada. De repente em seu campo de visão apareceu um
braço para ajudá-la a levantar-se. Aceitou sabendo a quem pertencia. Depois de
erguer-se, Sam recusou-se a largar sua mão.
— Você foi muito gentil em dizer essas coisas para o Brandon. Ele tem
passado maus pedaços desde que soube da gravidez.
— Só falei o que sinto. Brandon é um menino adorável, é fácil gostar dele.
— Espero que tenha um em seu casamento — disse ele. — Vai ser ótima
mãe.
Afastou-se, para não impor a presença a ela.
Chris ficou observando até que ele saísse de seu campo de visão. Depois
disso parecia haver um acordo tácito entre eles, que se evitaram durante uma hora.
Os cinco filhos de Eric e Sônia haviam providenciado uma cerimônia de renovação
dos votos. Quando chegou o momento, Chris teve vontade de ir embora. A última
coisa que desejava era assistir a uma renovação de votos matrimoniais.
— Nem pense nisso — avisou Paula, tomando-lhe o braço.
— Nem pense no quê?
— Em sair de fininho. Você está com um olhar de pânico. Além do mais Sônia
praticamente adotou tanto você quanto Sam, portanto quero ver um sorriso bem
bonito até acabar a cerimônia.
Sônia encontrava-se ao lado de Eric, trajado a rigor. O pastor estava em
frente aos dois.
— Talvez desta vez você faça os votos direito — provocou Sônia.
— E vamos ver se você vai chorar de novo.
O pastor, velho amigo do casal, iniciou seu discurso, e Chris perguntou-se se
conseguiria ficar até o final. Enquanto o casal repetia seus votos matrimoniais, ela
sentiu um aperto no coração.
Sem conseguir resistir, procurou Sam com o olhar e teve a impressão de que
todas as outras pessoas na sala haviam desaparecido. Fez o possível para manter
os olhos secos, e na primeira oportunidade afastou-se. Mas não sem antes prometer
a Paula que iria almoçar com ela qualquer dia desses. No momento, não queria ver
a compaixão estampada nos olhos dela. Só desejava ir para casa e cuidar das
feridas do coração.
Chris e Sam não tinham idéia de que alguém os observava. Para dizer a
verdade, nenhum dos dois teria percebido uma bomba explodindo na casa. Porém
Lisa, no outro extremo da sala, observava seu pai e Chris olhando um para o outro
como se estivessem hipnotizados. Não compreendeu bem qual o motiva para a
expressão de dor em Chris e de preocupação em seu pai.
Seguiu Paula e conversou com ela. Ficou sabendo coisas muito
interessantes. Em seguida ela levou os irmãos para uma pequena sala ao lado,
onde mantiveram uma conversa franca.
— Muito bem, vocês dois parecem gostar de Chris, estou certa?
Ambos concordaram.
— Claro, ela é legal — disse Davis.
— E que tal Chris como nossa mãe? Gostariam que ela fosse nossa mãe?
— Mesmo? — fez Brandon esperançoso.
— Mesmo, mas se quisermos que isso aconteça precisamos fazer alguma
coisa, porque os dois estão se comportando como adultos típicos. Não estão fa-
zendo o que deviam fazer, nem dizendo o que precisam dizer. Quem está a fim de
ajudar?
— Por que você é quem manda? — quis saber Davis. — Porque sou a mais
velha e você só iria estragar as coisas — respondeu ela, sorrindo em seguida. — Vai
ajudar ou não?
Os dois assentiram, e os três irmãos se abaixaram para combinar os detalhes
do plano.
Chris detestava ter tempo de folga. Queria voltar a trabalhar. Quando
trabalhava parava de pensar em Sam, ou pelo menos podia ocupar-se com algo útil.
Descobriu que o tempo se arrastava. Uma semana se passara desde a festa de Eric
e Sônia, e ela só saíra para almoçar com Paula. Como sempre, a amiga cutucara
sua ferida exposta com habilidade cirúrgica.
— Odeio os homens. Odeio o Quatro de Julho. Odeio a mim mesma —
resmungou ela, abrindo sua caixa de correio e retirando cartas e circulares.
Separou as contas, as propagandas, o cartão-postal e... seu coração quase
parou quando deparou com um envelope bege com seu nome escrito em letra
caprichada. A mão esquerda largou o restante da correspondência.
Rasgou o envelope e abriu. Seus lábios mal se moveram ao tomar
conhecimento do conteúdo:
— Você está convidada para uma cerimônia de casamento — leu ela. — Que
ótimo, todos estão contentes, menos eu.
A princípio teve vontade de mastigar o papel, depois resolveu pisoteá-lo e em
seguida atirá-lo no lixo. A última coisa que desejava fazer era ir ao casamento de
Sam.
— Mas precisamos ir, pai — insistiu Lisa, observando o pai amassar o convite
bege.
— Por que você quer que eu vá ao casamento de Chris?
Ela cruzou os braços e encarou o pai, parecendo mais adulta do que nunca.
— Acho que podemos chamar de encerramento do assunto — disse ela. —
Uma vez que ela esteja casada, vai saber que se foi para sempre.
— Sei que ela se foi para sempre — disse ele com tristeza.
— Nós vamos com você — ofereceu Lisa. — Seria bom para Brandon
também, você sabe como ele adora Chris. Talvez ajude aos dois.
— Está bem, mas isso não significa que tenho de gostar.
Lisa simplesmente sorriu.
— Eu não podia vir sozinha — confidenciou Chris a Paula, quando a apanhou
para irem à cerimônia.
— Eu sei, você já disse isso umas vinte vezes no telefone. Estou contente
que tenha mudado de idéia sobre usar preto — observou a amiga, olhando-a de alto
a baixo.
— Preto me faz parecer patética. Eu queria mesmo usar vermelho para
ganhar coragem, mas chama muita atenção. Achei melhor esse verde-água com
saia rodada — comentou Chris, evitando mencionar que sempre havia a esperança
de um homem em especial admirar sua beleza.
— De alguma forma não consigo imaginar Carolyn concordando com uma
cerimônia num parque — disse ela ao chegarem.
Olhou ao redor, reparando no grande número de carros, incluindo um que se
ela não soubesse ser impossível, era idêntico ao de sua mãe.
Como não sabia o número da placa de Gwen, não tinha certeza. Seria bom
ficar prevenida.
— Pelo menos aqui não é preciso se preocupar com falta de energia —
observou Paula, sorrindo.
Como resposta recebeu um olhar capaz de causar uma fratura exposta.
Chris ficou contente por ter optado pelos saltos baixos quando desceram uma
encosta gramada. Surpreendeu-se ao constatar o número de pessoas conhecidas e
desconhecidas. Tinha razão. Gwen estava entre os convidados, conversando com
Lisa!
— O que você está fazendo aqui? — perguntou ela, assim que se aproximou
o suficiente.
Gwen sorriu e abraçou-a, ignorando a falta de educação.
— Meu bem, essa garotinha é de ouro — comentou ela, com a mão no ombro
de Lisa. — Adorei o jeito dela. E os meninos são tão alinhados. Acho que vão
destruir alguns corações quando crescerem.
Chris permaneceu de boca aberta, sem saber o que dizer. ,
— Estou contente que tenha vindo, Chris — cumprimentou Lisa, soando
como uma adulta.
Chris sacudiu a cabeça, tentando clarear as idéias ou mudar de cenário em
seu sonho.
Lisa voltou-a pelos ombros na direção de um grande e imponente carvalho,
que dominava a paisagem. Sob a árvore estava Sam, com uma expressão avas-
saladora no olhar.
— Olhe! — disse Brandon, puxando-a pela mão até uma mesa coberta com
uma toalha de linho branco.
Um bolo de três andares estava no centro, com um noivo e uma noiva no
topo. Numa das extremidades, vários recipientes térmicos.
— Fui eu que escolheu os sabores de sorvete — anunciou Brandon,
orgulhoso. — E o bolo é de chocolate por dentro.
— Também foi você quem escolheu? — perguntou ela, sentindo-se aérea.
A sensação transformou-se em vertigem quando reparou nos porta-
guardanapos. Neles estava escrito: Sam e Chris.
Certa vez fora atingida por uma bolada durante um jogo e perdera o fôlego
momentaneamente. Por alguns segundos que pareceram intermináveis, perguntou-
se se chegaria a respirar outra vez. Como naquele momento.
— Foi sim — respondeu Brandon. Ela apontou os guardanapos.
— O que está escrito aí?
— Perguntei a mesma coisa, mas até agora ninguém teve a delicadeza de me
responder — disse a voz de Sam, atrás dela.
Ela voltou-se para encará-lo.
— Pensei que você e Carolyn fossem casar hoje.
— E eu pensei que você e o... fossem casar hoje. Você não me contou que
tinha brigado com ele.
— E daí? — intrometeu-se Lisa. — Você também não contou para ela que
terminou com Carolyn.
O olhar de Chris procurou o de Sam, com um brilho de esperança.
— É verdade?
Ele concordou com um gesto de cabeça, mantendo os olhos baixos.
— Esperem um pouco. O que está acontecendo aqui?
— E a sua mãe acabou de dizer que você era inteligente — disse Lisa,
sorrindo.
Sam apanhou as mãos dela e beijou-as. Manteve-as entre as suas.
— Acho que é muito simples, Chris. Meus filhos tiveram a iniciativa de
planejar tudo. Resolveram que se ia haver um casamento, seria o nosso — disse ele
olhando ao redor. — Só preciso dizer uma coisa antes que responda: ganhei a
custódia dos três. Agora ficam comigo e vão visitar a mãe seis semanas no verão e
em feriados alternados.
— E daí? São seus filhos, você gosta deles, eu gosto deles, portanto qual é o
problema?
— Então case comigo, Chris — murmurou Sam, com todo o fervor. — Se
você casar comigo, vai ver fogos de artifício todos os dias.
Ela não conseguiu responder, com a garganta embargada de emoção. Aquela
era a proposta que toda mulher desejava ouvir! Respirou fundo.
— Vou avisando que sou viciada nos fogos de artifício que você oferece —
murmurou ela, com vontade de rir e de chorar ao mesmo tempo. — Além do mais,
quantas mulheres podem dizer que encontraram o marido numa loja de
departamentos?

Epílogo

Dezoito meses mais tarde.


— Estou muito velho para essas coisas — resmungou Sam, deixando-se cair
na poltrona ao lado da cama de Chris. — Não me faça passar por tudo isso outra
vez. Ela riu, sem deixar de olhar o bebê.
— Mas fui eu que fiz todo o trabalho pesado.
— É verdade, o doutor disse que você foi muito criativa com os palavrões lá
dentro. Ele ficou impressionado.
— Por que você não reúne suas forças, vai até lá fora e traz as crianças? —
desconversou ela.
— Boa idéia.
Chris ficou apenas alguns minutos sozinha com a filha antes que o pai
trouxesse Lisa, Davis e Brandon.
— Não sei por que você não podia ser menino — disse Davis para a irmã.
— Ela é minha irmã? — quis saber Brandon.
Chris concordou, prestando atenção em Lisa, que permanecia para trás.
Percebeu a ponta de medo no olhar da menina ao fitar o bebê.
— Lisa, quer segurar um pouquinho? — ofereceu ela, fazendo um sinal com
as mãos.
— Eu posso deixar cair...
— Não acredito que deixe cair sua irmã.
— Ela é minha meia-irmã.
Chris balançou a cabeça, numa negativa.
— No que me diz respeito ela é sua irmã, do mesmo jeito que você é minha
filha mais velha.
lisa procurou sinceridade na expressão de Chris. Então, cedeu. Primeiro
segurou a irmã cheia de cuidados, depois ficou mais relaxada, começando a prestar
atenção no bebê, aproximando o dedo do rosto dela.
Sam estava acomodado na beira da cama, com um braço ao redor do ombro
da esposa. Ambos observavam as três crianças brincando com a caçula da família.
Lisa acomodou-se numa poltrona, segurando a pequena Michelle Ann Winslow com
tanto cuidado como se estivesse segurando uma peça de porcelana.
— Acho que fizemos um bom trabalho — disse ele satisfeito, beijando a testa
de Chris.
— Eu concordaria se você não fosse ficar com o ego inflado — respondeu
ela, olhando-o de soslaio.
— Mas você adora quando meu ego fica inflado — sussurrou ele ao ouvido
dela.
— Só tem uma coisa... — disse Brandon, olhando para eles por sobre o
ombro.
O casal olhou para o filho.
— Da próxima vez vocês podem ter um menino? Acho que não vão me deixar
amolar uma menina.

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