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"Clarice tematiza em sua Obra muitas das formas que o outro – como inferior e excluído –

tem tomado em nossa cultura. A mulher, o animal, o pobre, o louco, o primitivo, o intuitivo.
Pequena-Flor, a anã africana: mulher, negra, não-européia, não civilizada, vivendo próxima
da animalidade. A louca Laura: não-inteligente, retornando de e voltando para a experiência
de mergulho na alteridade do inconsciente. A outra Laura, a galinha de A Vida Íntima de
Laura que, no plano da animalidade, retoma de sua xará mulher a marca da estupidez de
tantas fêmeas claricianas. E no fim do percurso, Macabéa – a nordestina pobre: não-branca,
não-inteligente, não-detentora de linguagem." (Clarice Lispector – Uma poética do olhar,
de Regina Pontieri.)

"Essa legião de avatares do outro parece servir para evidenciar, como se mencionou, a
busca sistemática de apagamento de fronteiras entre os pólos, apagamento que não os anula
mas os faz coexistir. Reconstrói-se a alteridade não como aquilo que se exclui ou realça
mas, ao contrário, como condição de possibilidade de construção de um eu que seja o
avesso do outro." (Clarice Lispector – Uma poética do olhar, de Regina Pontieri.)

"Eu antes tinha querido ser os outros para conhecer o que não era eu. Entendi então que eu
já tinha sido os outros e isso era fácil. Minha experiência maior seria ser o outro dos outros:
e o outro dos outros era eu." (Clarice Lispector, citada em: Clarice Lispector – Uma poética
do olhar, de Regina Pontieri.)

"Se o outro existe verdadeiramente para si, além de ser para mim, e se somos um para o
outro, convém que ele tenha e que eu tenha um exterior, e que haja, além da perspectiva do
Para Si – minha visão de mim e a visão do outro de si mesmo – uma perspectiva do Para
Outro –, minha visão do outro e a visão do Outro de mim." (Merleau-Ponty, citado em:
Clarice Lispector – Uma poética do olhar, de Regina Pontieri.)

"Partindo do pressuposto de que Clarice trabalharia a tensão entre opacidade e instante, ou


seja, entre realidade banal e o vislumbre epifânico, o crítico observava que em "Amor"
seria outro o prisma de observação dessa tensão. Pois aí – diferentemente do que ocorria
com Martim, por exemplo – o enfoque se fazia a partir da criatura que não quer ver
rompida a casca do cotidiano confortável. (Clarice Lispector – Uma poética do olhar, de
Regina Pontieri.)

"Seria possível dizer que em "A Menor Mulher do Mundo", por exemplo, o prisma se
constrói a partir do lugar mesmo do desconhecido, a realidade inumana e pré-verbal de
Pequena Flor. Mas a tensão só se dá pelo confronto direto desse desconhecido com seu
outro, o espaço dos comportamentos civilizados, enrijecidos em esterotipias que mascaram
a existência do primitivo dentro de cada civilizado. (Clarice Lispector – Uma poética do
olhar, de Regina Pontieri.)
"Em A 'Imitação da Rosa', o tempo luminoso da realidade do inconsciente é confiado para
fora do espaço da narrativa, o acesso a ele sendo possível apenas através das referências
mais ou menos enigmáticas de Laura." (Clarice Lispector – Uma poética do olhar, de
Regina Pontieri.)

"Em 'O Búfalo', ao contrário, o tempo banal é o que antecede o início do relato. Ao entrar
no Jardim Zoológico, a mulher se encontra já em pleno tempo da turbulência. De modo que
a narrativa se precipita mais ou menos velozmente par ao momento do encontro desejado
desde o início." (Clarice Lispector – Uma poética do olhar, de Regina Pontieri.)

"Em 'Feliz Aniversário', o tempo da banalidade se põe como realidade tão maciça e pesada,
que a visão outro só pode furar o bloqueio por vislumbres e gestos mudos: a rápida troca de
olhares entre Anita e Cordélia, mensagem não verbal que a velha manda à nora, como
espiãs de outra terra com urgência de comunicar, cifrada e rapidamente, a visão reveladora:
'é preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida é curta.'" (Clarice Lispector – Uma
poética do olhar, de Regina Pontieri.)

"Clarice credita a inexistência ou fragilidade de seus enredos à sua própria natureza


fragmentária: 'Eu não tenho enredo. Sou inopinadamente fragmentária. Sou aos poucos'.
Num plano mais amplo, em seus trabalhos a concepção da relação entre parte e todo –
atinente também à construção do enredo – ganha destaque especial, quer se trate dos
trechos constitutivos de um texto, dos capítulos dentro de uma obra, dos contos de uma
coletânea, ou ainda de uma obra dentro da Oba." " (Clarice Lispector – Uma poética do
olhar, de Regina Pontieri.)

"Mas a estética do fragmentário, como se sabe, ganha dimensão peculiar neste século, não
só na literatura como nas artes em geral. Basta mencionar as experiências do futurismo que
tanta importância tiveram para o Oswald dos romances fragmentários, as Memórias
Sentimentais de João Miramar e o Serafim Ponte-Grande. Obras cuja experiência estilística
teria, segundo Mário da Silva Brito, antecipado os rumos tomados 'por Mário de Andrade
em Macunaíma, por Jorge de Lima em O Anjo, por Clarice Lispector em Perto do Coração
Selvagem [...] por Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas.'" " (Clarice Lispector –
Uma poética do olhar, de Regina Pontieri.)

"Da obra de ficção de Clarice Lispector pode ser dito, para fixarmos indispensável ponto de
referência histórico-literário, que ela recai na órbita da narração moderna, concentrada na
experiencia interior, a que pertencem A la recherche du temps perdu, de Marcel Proust,
Ulisses de James Joyce e Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf. Assim, nos romances e contos
de nossa escritora, a verdadeira ação é interna, e nada ocorre independentemente da
expressão subjetiva dos personagens. Essa expressão, seguindo o fio de um enredo
esgarçado, tênue, que chega a desaparecer nos últimos textos de Clarice, como Água Viva e
Um sopro de vida." (Clarice Lispector – Uma poética do olhar, de Regina Pontieri.)
"A literatura de Clarice tem ajudado a questionar os limites do humano, na medida mesmo
em que traz para seu espaço formas concorrentes em relação à tradição, tais como animais e
objetos, texturas, paisagens, cores, trechos musicais, ruídos e silêncios. Uma partitura de
matérias e assuntos inusitados para a composição clássica. Textos como "O ovo e a
galinha", ou "A quinta história", Onde estivestetes de noite, "O relatório da coisa", A paixão
segundo G.H., Um sopro de vida, além do excepcional Água viva, ficcionalizam certo não
humano não como aquilo que ameaça o homem, mas, ao contrário, contribui para o
ultrapasse das barreiras impostas pela civilização dita ocidental no avançado estágio de seu
desenvolvimento tecnológico." (Clarice Lispector: uma literatura pensante, de Evandro
Nascimento, p. 25)

"Como as linhas anteriores já sugeriram, se há uma categoria que pode ajudar a


compreender a questões dos animais (exemplo que interessa de modo particular) em
Clarice, essa é a do unheimlich freudiano. Não se trata aqui de psicanalizar as relações
entre homens e bichos segundo Clarice, mas de compreender como certo "estranho
familiar" perpassa a visão dessa nossa alteridade. O bestiário (e seu correlato objetivo, o
mundo das coisas em geral) clariciano dispõe a força do literário naquilo que ele excede o
humano, abrindo para além do horizonte histórico. Em outras palavras, indagar o bicho ou
bichos e seus homólogos via ficção ajuda a pensar alguns dos aspectos da estranha
instituição literária. O valor de estranha familiaridade do bestiário se alinha ao
familiarmente estranho da literatura, bastante distinto do beletrismo oficial, cujo mito
fundador é o "bem escrever". ." (Clarice Lispector: uma literatura pensante, de Evandro
Nascimento, p. 25-26)

"Existe em Clarice uma nostalgia de não ter nascido e crescido bicho de todo, isto é, de se
sentir condenada a ser um eterno centauro, metade humana, metade animal. Isso se
configura no chamado, o apelo ou a vocação (em sentido etimológico: uma questão de voz,
chamamento, intimação e convite) que sente vindo dos bichos. Ao colocar sua temática
animal na perspectiva do chamado, Clarice traz de volta certo recalque fundamente de
nosso valores culturais: 'Não ter nascido bicho parece ser uma de minhas secretas
nostalgias. Eles às vees clamam do longe de muitas gerações e eu não posso responder
senão ficando desassossegada. É o chamado'." ." (Clarice Lispector: uma literatura
pensante, de Evandro Nascimento, p. 27)

"A ficção clariciana sinaliza uma experiência (no sentido etimológico de "risco" ou
“perigo", cujo rastro o peri mantém) diferencial para o humano. Não mais estabelecer uma
oposição com os animais, não mais simplesm,ente estudar o comportamento dos bichos no
quadro de uma "ciência regional" (biologia, etologia, zoologia, psicologia, ecologia etc.)
como diria Husserl, mas experimentar o ser-outro, ou, em termos deleuzianos, o devir-outo,
que prefiro renomear como tornar-se-outro. Outrar-se, diriam Pessoa e seus heterônimos."
(Clarice Lispector: uma literatura pensante, de Evandro Nascimento, p. 28)
“Clarice não está sozinha ao trabalhar (com) os animais. Isso remonta pelo menos às
fábulas de Esopo e a toda uma produção que se lhe seguiu, notadamente a grande finesse
das fábulas de La Fontaine. Em poesia, o Bestiário, de Apollinaire marcou a necessidade de
pensar o bicho em relação ao mito de Orfeu. Na literatura moderna e contemporânea, textos
de Kafka, Borges, Cortázar, Guimarães e Coetzee, entre muitos outros, deram um estatuto
fortemente questionador à figura do animal, situando-a no mesmo plano clariciano de
reflexão. Ou seja, para essa literatura o bicho não é simplesmente um adorno dentro da
composição da obra, mas, como aparece explicitamente dentro em A descoberta do mundo
e Onde estivestes de noite, ele adquire o caráter de uma esfinge, daquilo que em princípio é
ininteligível ou impalpável”. (Clarice Lispector: uma literatura pensante, de Evandro
Nascimento, p. 30)

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