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Antiguidades e usos do passado

– temas e abordagens
Editor-chefe
Pablo Rodrigues

Selo Pórtico de Estudos sobre a Antigudade


Direção Científica
Anderson de Araujo Martins Esteves – UFRJ
Carlos Eduardo da Costa Campos – UFMS

Conselho Editorial
Carolina Kesser Barcellos Dias – UFPel
Claudia Beltrão – UNIRIO
Fábio Vergara Cerqueira – UFPel
Luiz Karol – UFRJ

Conselho Consultivo
Alexandre Moraes – UFF
Arlete José Mota – UFRJ
Dolores Puga – UFMS
Moisés Antiqueira – UNIOESTE

Assessoria Executiva
Adriano Fagherazzi – UFRJ
Bruno Torres dos Santos – UFRJ
Carlos Eduardo Schmitt – UFRJ
Luis Filipe Bantim de Assumpção – UFRJ
Luiz Karol – UFRJ

Revisores
Arthur Rodrigues – UFRJ
Bráulio Costa Pereira – UFRJ
Leandro Hecko (org.)

Antiguidades e usos do passado


– temas e abordagens
Copyrigth © 2019 by Leandro Hecko e Desalinho

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de


1900, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Capa e projeto gráfico


Pablo Rodrigues

Organização
Leandro Hecko

Apoio
Grupo de Trabalho em História Antiga – MS/ANPUH

Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)


Hecko, Leandro. Antiguidades e usos do passado – temas e
abordagens / Leandro Hecko. – São João de Meriti [RJ]: Desalinho,
2019.

[livro digital] ISBN 978-85-92789-22-0


[livro físico] ISBN 978-85-92789-23-7

1. Antiguidades. 2. Usos e costumes. I. Título.


CDD 930

[2019]
Rua Caricó. São João de Meriti, RJ.
www.desalinhopublicacoes.com.br
desalinhopublicacoes@gmail.com
(021) 994428064
Sumário

Introdução
Leandro Hecko [7]

Achilles, Agony And Ecstasy: O episódio de Aquiles e


Pátroclo entre Homero e Manowar
Leandro Hecko [11]

As trocas culturais no livro II das Histórias: o Egito


pelas lentes de Heródoto
Nathalia Monseff Junqueira [27]

Historiografia Romana: considerações para o ensino e


pesquisa sobre o Principado de Otávio Augusto
Carlos Eduardo da Costa Campos [51]

Reinvenções do Antigo: análises do discurso


de autoridade e legitimação religiosa da Wicca
Tradicional Britânica
Dolores Puga [82]
Esse Índio Não é Nosso! Bernardo Ramos e as
apropriações da Antiguidade para uma construção de
nação na República Novecentista
Leandro Mendonça Barbosa [103]

Sobre os autores [129]


Introdução
Leandro Hecko (UFMS)

Pensar temas referentes à vasta temporalidade a que chama-


mos de Antiguidade mesmo no espaço acadêmico parece,
por vezes, fugir à realidade Educacional e de Pesquisas no
tocante às políticas públicas, fundos de pesquisa ou mesmo
contextos nos quais as universidades estão inseridas. Não
obstante exista o afastamento temporal, cabe ir contra esta
tendência apontada e engajar-se em uma empreita demasia-
do produtiva, qual seja: a de apontar justificativas e sentidos
para o estudo das civilizações antigas a partir de evidências
que fazem parte do nosso presente e de diversas outras tem-
poralidades históricas, por meio de elementos inseridos em
nossa realidade dos quais hodiernamente a sociedade não dá
conta de compreender. Trata-se, nesta ordem de ideias, de
construir uma História Antiga mais problematizada e pre-
ocupada em compreender do que explicar/expor (SILVA,
2007, p.9) e, pensando na relação entre passado e presente,
aproximar as reflexões sobre questões das Antiguidades às
vidas das pessoas, ao seu cotidiano, a sua história, eviden-
ciando a forte presença de temas e questões das Antiguida-
des nos outros diferentes tempos históricos.
Neste contexto, podemos rememorar alguns estudos
que mostram a importância de investigações sobre a His-
tória Antiga em diferentes perspectivas. Primeiramente
os estudos da chamada Egiptomania (HUMBERT, 1994;
HORNUG, 2001; BAKOS, 2004) a qual lida com releituras
e apropriações que historicamente foram feitas de temas do
Egito Antigo em diferentes períodos históricos e notada-
mente fazem parte do nosso cotidiano.
Em um segundo momento, podemos rememorar es-
tudos que falam do legado de um passado grego onde apare-
cem formas de herança cultural no âmbito da literatura, po-
lítica, filosofia, direito, arquitetura e linguagem (FINLEY,
1998; VIDAL-NAQUET, 2002; FUNARI & GLAYD-
SON, 2008; GARRAFFONI, 2008); mas também aspectos
da religião que chamam atenção ainda hoje de todos que
voltam seu olhar para os gregos antigos (FUNARI, 2012).
Há, neste caminho, uma terceira ordem de estudos
que dizem respeito ao interesse pela Roma Antiga e pelo
vasto legado que esta complexa civilização deixou ao Oci-
dente no âmbito do Direito, literatura, política, sexualida-
de, linguagem (SILVA, 2008; FEITOSA, 2008; RAGO &
FUNARI, 2008; GARRAFFONI, 2008) que trazem à tona
um passado distante tornando-o de certa forma presente em
diferentes momentos da história.
Neste ínterim, diante do problema inicialmente colo-
cado sobre os estudos da Antiguidade e as possibilidades já
existentes elencadas em seguida, este livro propõe mostrar
um recorte amplo, dando conta dos interesses dos pesquisa-
dores1 que o compõe, a partir de suas reflexões e objetos de
1. Para saber sobre as áreas de pesquisa de cada autor, vide a seção “Sobre
os autores”.

8
estudos. Nesta gama de problemáticas, aprofundar a visão
acerca da presença egípcia, grega e romana em diferentes
momentos históricos evidencia formas de apropriação de
conhecimento ou ressignificação do passado egípcio/helê-
nico/romano em temporalidades diversificadas e por vezes
mais próximas a nós, formas de usos do passado, estes en-
tendidos como uma necessidade humana de se relacionar
com o passado, consumi-lo e, de alguma forma, torna-lo
mais próximo do tempo presente.

Referências

BAKOS, Margaret (org.); (2004). Egiptomania no


Brasil. São Paulo: Paris Editorial, 2004.
FEITOSA, L. M. G. C. ; RAGO, M. Somos tão an-
tigos quanto modernos? Sexualidade e gênero na Antigüidade e
na Modernidade. In: RAGO, Margareth L; FUNARI, Pe-
dro Paulo A.. (Org.). Subjetividades Antigas e Modernas.
São Paulo: Annablume, 2008.
FINLEY, Moses I. (org.) O legado da Grécia: uma
nova avaliação. Tradução Yvette Vieira Pinto de Almeida.
Brasília: EdUNB, 1998.
FUNARI, Pedro Paulo (org.) As religiões que o mundo
esqueceu: como egípcios, gregos, celtas, astecas e outros povos cul-
tuavam seus deuses. São Paulo: Contexto, 2012.
FUNARI, Pedro Paulo (org.); (2005). Identidades,
discurso e poder: estudos da arqueologia contemporânea. São
Paulo: Annablume, 2005.
FUNARI, Pedro Paulo; SILVA, Glaydson José da;
MARTINS, Adilton Luís (orgs.); (2008). História Antiga:

9
contribuições brasileiras. São Paulo: Annablume; Fapesp,
2008.
GARRAFFONI, Renata Senna (2008). Apresenta-
ção: Identidades e Conflitos no Mundo Antigo e Mundo
Antigo e Cultura Moderna. História: Questões e Debates,
Curitiba, n.48/49, 2008, p.5-8.
HORNUG, Erick (2001). The secret lore of Egypt: its
impact on the West. Cornell University Press, 2001.
HUMBERT, Jean-Marcel (1994). Introduction. L´É-
gyptomanie à l´épreuve de l´archéologie. Actes du coloque
internacional organizé au Museé du Louvre par le Service
Culturel. Le 8 et 9 avril, 1994.
VIDAL-NAQUET, Pierre. Os gregos, os historiadores,
a democracia: o grande desvio. Tradução Jônatas Batista Neto.
São Paulo: Cia. Das Letras, 2002.
SILVA, Glaydson José da (2007). História Antiga e
Usos do Passado: um estudo de apropriações da Antiguidade
sob o regime de Vichy (1940-1944). São Paulo: AnnaBlu-
me, 2007.

10
Achilles, Agony And Ecstasy: O
episódio de Aquiles e Pátroclo entre
Homero e Manowar1
Leandro Hecko (UFMS)

Prolegômenos

Se do homem em memória há que dizer de suas glórias,


como “ações dos homens no tempo” (BLOCH, 2001, p.54-
55), em repetições ecoadas nas vozes de bardos a historia-
dores cabe aqui, novamente, as Musas evocar e, na voz de
historiador, de Clio empoderar-se evocando o episódio de
Aquiles2, do mundo dos mortos, deixando vivas suas ações e
eterna sua kleos e suas agonias!
Neste lapso de tempo, e já na presença das Musas,
cabe demonstrar em exercício da memória algumas vozes

1. Texto originalmente apresentado no XIV ENCONTRO DE HIS-


TÓRIA DA ANPUH/MS, com o tema “História: o que é, quanto vale,
para que serve?”, no Simpósio Temático “As Antiguidades e os Usos do
Passado”.
2. Dos temas de Homero, entre Ilíada e Odisseia, são os episódios em
torno de Aquiles alguns dos mais rememorados na pintura, na literatura
e, entre o século XX e início do XXI, na música contemporânea, princi-
palmente no gênero do rock.
que Aquiles já cantaram. De Homero registro do oral ao
escrito, herança e formação para os gregos, a narração com-
pleta na voz do bardo, revivida. De artistas gregos, a imagem
pintada em vasos, Aquiles e Pátroclo em cumplicidade, ami-
gos; Heitor e Aquiles, adversários. Na arte, da modernidade
à contemporaneidade, o pélida guerreiro rememorado. Na
música forte e pesada, em opera rock, Manowar a celebrar do
filho de Tétis e Peleu a memória e morte do amigo Pátro-
clo. Na academia, olhares de ciência sobre a memória (re)
figurada e tornada conhecida, das vozes dispersas à lista do
não esquecimento. Aqui, falando de Aquiles, rememorare-
mos sua relação com Pátroclo, sua lamentação da morte do
companheiro e seu êxtase diante da vingança com a morte
de Heitor, sob sua lança3.

Figurar na arte grega

Se entre os gregos as narrativas mais completas e as


anedotas são oralizadas ou escritas, tendo seu ápice em Ho-
mero4, que com o auxílio das Musas eterniza Aquiles entre
muitos outros heróis, são os próprios gregos em seu tempo
que glorificam Aquiles, seus feitos, seu amigo Pátroclo e seu
duelo com Heitor em cores.
A observar os temas de pinturas na cerâmica grega
entre os séculos VI e V a.C., a voz de Homero toma cor e

3. Compreendemos que os chamados Usos do Passado configuram uma


grande área que dá conta de leituras e releituras, de apropriações e res-
significações, de inspiração e reprodução, da construção de produtos re-
lacionados a um marco temático, transcendendo historicamente o tem-
po primordial do tema, num fenômeno transhistórico que nos coloca
numa relação passado e presente bastante profunda.
4. Onde sua acentuada presença nos cantos distribui-se pela Ilíada.

12
forma em vasos ou outros artefatos cerâmicos do cotidiano
da polis. São celebrados a amizade de Aquiles e Pátroclo e
também o episódio da luta do herói com o domador de ca-
valos e guerreiro troiano, Heitor.

Imagem 1: Aquiles cuidando de Pátroclo: cílice de figuras avermelha-


das, 500 a. C.

De Aquiles, Pátroclo amigo ou primo, inseparável. No


campo de treinamento e no cotidiano a cumplicidade da
relação sempre rememorada e fruto de especulações, a figu-

13
rarem no cílice acima (Imagem 1)5 na ação de cuidado do
guerreiro com seu companheiro. Olhar terno de Aquiles a
enfaixar o amigo numa figurada e íntima proximidade que,
talvez, transcenda o terror do campo de batalha a materiali-
zar uma forma de amor, que acompanha ambos nos episó-
dios da Guerra de Tróia rumo ao trágico desfecho, destino
de ambos.
Neste contexto, sendo também Pátroclo companheiro
de Aquiles entre os mirmidões, sua morte anunciada ao he-
rói desperta sua agonia, sua ira e o desejo de vingança pela
morte de seu companheiro nas mãos de Heitor. Isso leva
Aquiles a desafiar o guerreiro troiano a lutar até que alguém
deite nos braços da morte, atravessando o Estige rumo ao
Hades.

5. Todas as imagens dispostas aqui são facilmente encontradas por fer-


ramentas de busca on line. Os usos aqui feitos são acadêmicos, para fins
de conhecimento e divulgação de ideias.

14
Imagem 2: Aquiles versus Heitor, Vaso para misturar vinho com água,
500 – 480 a.C., Museu Britânico, Londres.

Também narrado em figura na cerâmica grega, tal


episódio é ilustrado (Imagem 2) em cena de movimento de
batalha entre o ataque e a defesa, a lança de Aquiles que se
projeta no desvio e retrocesso de Heitor, porém ambos a
se mostrarem preparados como guerreiros, fisicamente bem
representados e portando seus elmos, escudos e lanças. O
desfecho da cena, na morte do troiano, eleva Aquiles no êx-
tase possibilitado pela vingança.

A memória na arte não se apaga

Séculos se passam e suas realizações são repassadas


entre os romanos, são preservadas pela tradição medieval
e traduzidas e divulgadas pelo mundo, que dos limites co-

15
nhecidos ganha os espaços do desconhecido. Não há para
onde aponta a rosa dos ventos quem não conheça o nome de
Aquiles, o destemido guerreiro que derrotou o melhor dos
troianos, vingou Pátroclo e foi morto pela ação do destino.
Duradoura memória, para onde olhamos, passados os
milênios, a referência é glorificada e trazida à tona, nas lin-
guagens das artes relida, utilizada como exemplo, versada
como entretenimento e herança cultural para os homens.
Incontáveis vozes e pinceis falam do tema homérico e re-
cortam episódios para iconograficamente narrar, em ações
e sentimentos, o enredo e o desfecho dos episódios vividos
por Aquiles6.

6. A leitura das obras aqui disposta é informativa buscando apontar


os usos dos temas sobre Aquiles no tempo. Não obstante cabe destacar
que em nossa leitura, em termos de sensibilidade e importância, sempre
guiam nosso olhar os textos de Edgar Wind (A eloquência dos símbo-
los), Erwin Panofsky (Significado nas artes visuais) e Carlo Ginzburg
(Mitos, emblemas e sinais), por acreditarmos que seus encaminhamen-
tos metodológicos deem conta da obra, do autor, do público e ainda
dos inúmeros signos que cercam a composição artística nos períodos
históricos pós-renascentistas.

16
Imagem 3: Aquiles lamentando a morte de Pátroclo, Nikolai Nikolae-
vich Ge, 1855.

A morte de Pátroclo aparece como lamentada por to-


dos, nos mostra Nikolaevich Ge (1855)7. Ambiente lúgubre,
contraste entre o escuro e vermelho ao centro colocando em
evidência Aquiles sobre o corpo de seu amado companheiro,
vivendo em seu nome profundo luto sentido em essência.
Eternizados o seu amor e seu lamento, a memória se acende
em chama e ganha cores entre artistas que retratam os te-
mas da Ilíada.

7. Nikolai Nikolaevich Ge (1831-1894), foi um pintor realista russo e


um antigo simbolista russo famoso por suas obras sobre motivos histó-
ricos e religiosos.

17
Imagem 4: Aquiles matando Heitor, Peter Paul Rubens8, 1630.

Seguindo a narrativa que expõe a memória dos acon-


tecimentos, a morte de Heitor, pela lança de Aquiles, ini-
cia a vingança e êxtase do amado de Pátroclo. Aquiles, após
perseguir Heitor e com ele digladiar-se, o fere letalmente na

8. Peter Paul Rubens (1577-1640), foi um pintor flamengo do estilo


barroco, com um estilo extravagante, destacando cor, movimento, sen-
sualidade em pinturas mitológicas ou históricas, entre outras.

18
garganta. Aparece o herói lembrado e ornamentado, vestido
e preparado para o duelo, empunhando sua lança na ação do
golpe (Il., XXII, 312-329). Heitor, representado submetido
à fúria do pélida, também armado para a luta, já tem a lan-
ça apontada para o lugar de causa de sua morte. Fechando
a cena, a deusa Athena, com seu elmo e sua lança, parece
tomar partido com o seu olhar para Aquiles, já pronto a
deferir o golpe.

Imagem 5: Aquiles, arrastando o cadáver de Hector na frente dos


portões de Tróia, Franz Matsch9, 1892.

Porém, talvez seja para Aquiles o momento de êxtase


aquele em que arrasta o corpo morto de Heitor, na cena
pintada, em que seu corpo é profanado pela transição da
ira para o êxtase de Aquiles diante dos portões de Troia.
Sabemos que o corpo será devolvido para os ritos fúnebres,
porém para ele, o momento lava a alma com o sangue da

9. Franz Josef Karl Matsch (1861- 1942), foi um pintor austríaco e es-
cultor de Art Nouveau, também transitando entre temas históricos e
mitológicos.

19
vingança e apazigua seus ânimos diante da morte de seu
amado amigo/primo.
Entre as cenas pintadas, os sentimentos de Aquiles
descritos sensivelmente para a memória de seu nome, so-
brevivente dos temas e fugitivo de qualquer esquecimento.
Porém, não apenas em imagens os sentimentos do herói são
mantidos em glória, livre do esquecimento. São também
cantados os episódios da agonia e êxtase de Aquiles.

Aquiles na voz do metal pesado sob


o olhar do historiador

Rememora Elleonora Cavallini10, já em uma era em


que a poesia não é mais recitada ao som do fórminx (espécie
de cítara), os feitos de Aquiles na música de nossos dias,
especialmente a caracterizada dentro do rock em seus diver-
sos estilos e mais precisamente o heavy metal, recheado de
elementos melódicos em uma verdadeira opera rock. E aqui
cabe, com inspiração transcendente, ordenar as informações
sobre Aquiles entre o que nos canta uma dessas bandas,
Manowar, e o que diz a historiadora.
Em uma era que não é mais a do bronze e nem o perí-
odo arcaico, diante do The Triumph of steel (1992), a agonia e
êxtase de Aquiles são cantados, também não mais aos mol-
des de uma tradição antiga, mas acompanhados de moder-
nas guitarras, baixos, baterias e um vocal estridente, num rit-
mo que contagia aos amantes de fortes emoções, cantadas.

10. Para mais detalhes sobre a análise da autora bem como referências a
outras bandas que trataram de temas clássicos dentro do rock só buscar a
referência completa do artigo da autora na parte das referências.

20
Imagem 6: The Triumph of Steel, Manowar, Atlantic Records, 1982.

Achilles, agony and ecstasy (com cerca de 28 minutos)11,


dentro do álbum The Triumph of Steel, é cantada em oito
partes, compreendendo: um épico prelúdio instrumental:
seguido da narrativa do ataque de Heitor às tropas dos he-
lenos (Il., XII, XIII), onde ocorre a morte de Pátroclo; esta
é seguida pelo lamento de Aquiles diante de seu amigo e a
promessa de uma cruel vingança (Il., XXIII); o lamento é
sucedido por uma fúnebre marcha (instrumental); pelo can-
to de uma armadura divina (Il., XVIII)sobre Aquiles?); em
seguida a hora final de Heitor, em que o guerreiro pressente
uma iminente morte; na próxima parte, a morte de Hei-

11. O álbum todo ou apenas a composição Achilles, agony and ecstasy


estão disponibilizados no YouTube (www.youtube.com) bastando uma
busca simples para encontrar.

21
tor, recompensa/vingança de Aquiles, sua brutal exaltação
diante do sangue do domador de cavalos; um trecho ins-
trumental sobre o desmembramento do corpo, dividido em
duas partes e; por fim, a exaltação da glória de Aquiles (Il.,
XXIII).
Das cenas, observemos o que ecoa de Aquiles sobre
a morte de Pátroclo, na voz de Eric Adams (no papel do
bardo):

Oh amigo meu, como dizer adeus


Esta foi a sua hora, mas a armadura que você usava
Era minha, eu não vou descansar até
O sangue de Heitor ser derramado
Seus ossos serão todos quebrados
Arrastados pelo campo
Este querido amigo é como diremos
Adeus, até nos encontrarmos no céu (AAeE, 1992, II)12

Esta ação é cantada lamentosamente, numa cena que


inspira a contemplação de Aquiles diante do corpo do ami-
go, rememorando na alma os feitos que ambos já fizeram no
passado, juntos. A lamentação é selada com a promessa do
pagamento da dívida da morte com uma morte ainda mais
atroz. Apenas assim Aquiles se sentirá vingado. Na sexta
parte são cantados os atos contra Heitor, cometidos por
Aquiles vingativo:

12. Trata-se de tradução livre. Letras e traduções são facilmente encon-


tradas por ferramentas de busca on line.

22
...
O sangue de Heitor está espalhado pelo campo de ba
[talha,
Seu corpo humilhosamente retalhado.
Os deuses que outrora o protegeram, são agora deuses de
[seu destino.
(...)
Sangue e fogo, morte e ódio. Seu corpo irei profanar,
cães e abutres comerão sua carne. O salão de Hades o
[espera.
morra, morra, morra, morra... (AAeE, 1992, VI)

E morto, traz Heitor a Aquiles a sua glória da vingan-


ça, cantada no oitavo ato, quando Aquiles diz que o sangue
de Heitor não será limpo de seu corpo até que Pátroclo seja
cremado e a promessa finalmente cumprida, espiada a mor-
te de seu companheiro.
Neste ínterim, e reverberando o canto de Manowar,
que reverbera a Homero, que já foi cantado e pintado da
Antiguidade à Contemporaneidade, na História os estudio-
sos e pesquisadores tornam Aquiles ainda mais vivo, tam-
bém, com as palavras e recordações, especulações e olhares,
repetindo o canto homérico em análises diversas, tomando
Homero e seus temas como objeto. Sob o olhar de Elleonora
Cavallini, num Homero revisitado por Manowar, a pesqui-
sadora mensura a repetição/apropriação/recriação da Ilíada,
em alguns momentos ecoada em Achilles, Agony and Ecstasy
de forma bastante fidedigna aos cantos homéricos. Segundo
a autora, as passagens sobre o ataque de Heitor diante dos
muros de Tróia (Il., XII), a luta, próximo aos navios, entre os
helenos e os troianos (Il., XIII), informações sobre Pátroclo
e o duelo de Aquiles com Heitor (Il., XVI, XXII, XXIII)
mostram uma leitura atenta de Joe DeMaio, baixista e au-
tor das letras postas na música, da obra de Homero (CA-

23
VALLINI, 2009, p.121). A pesquisadora é entendida aqui,
em nosso contexto, como reavaliadora das apropriações e, na
mesma linha, recordadora da tradição antiga que remete às
lembranças dos feitos de Aquiles, figurando, portanto, entre
as vozes que fazem usos desse passado helênico, mostrando-
-o à contemporaneidade.
Neste caminho, e aos olhos de Mnemosyne, nos en-
tendemos como toda a tradição que faz lembrar os temas e
repetições, as invenções e apropriações, as liberdades estéti-
cas e poéticas oriundas da herança deixada pela Ilíada, entre
diversos outros aspectos da cultura grega antiga. Compreen-
demos que, onde haja um signo do passado grego identifica-
do, revivificado, reinventado e presente numa temporalidade
que não é a Antiga Grécia, desde que identificável em sua
referência, configura em nós a necessidade de estabelecer
uma relação com esse passado, intermediado por inúmeras
formas de usos de tal passado.

Epílogo

Salve Aquiles em memória!


Que seus feitos injulgáveis
Sejam elevados à glória!
Ninguém há de esquecer
De seu sofrimento olhar,
Sentir suas vitórias,
Comover-se com sua tristeza,
Pesar com seu destino e,
Entre as letras e pincéis,
De Aquiles Pélida,
Recordar que dele,
Em milênios,
Faz-se História13!

13. Poesia em versos livres, de minha autoria, produzida para o capítulo.

24
E aqui, mais uma vez, o que se fez foi justamente isso:
recordar episódios, caros à tradição cultural que no Ocidente
construiu-se a partir de Homero. Lembrar que de Aquiles se
fala da Ilíada à contemporaneidade, sem interrupções histó-
ricas, sem poupança das linguagens, sem vergonha de repe-
tir-se. É de Homero sua lembrança a fluir junto ao nome do
herói/guerreiro, fenômeno transhistórico e atemporal desde
que continuamente revivido. São Homero, a Ilíada, Aquiles,
Pátroclo e Heitor colocados pelas Musas a todos nós, auto-
rizados a fazer usos de memória de seus nomes e seus feitos,
de eternamente entreter-nos e aos outros como verdadeiros
aedos, ecos da tradição clássica em qualquer tempo e espaço.

Referências

BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício de his-


toriador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
CAVALLINI, Eleonora. Achilles in the age of steel:
Greek myth in modern popular music. Conservation Scien-
ce in Cultural Heritage, 9-I/2009, pp.113-141.
GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas, Sinais: Mor-
fologia e História. 2. Ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Rio de Janei-
ro: LTC, 1999.
HOMERO. Ilíada. Trad. Carlos Alberto Nunes. Rio
de Janeiro: Ediouro, 2005.
KURY, Dicionário de Mitologia Grega e Romana. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
PANOFSKY, E. Significado nas Artes Visuais. São
Paulo: Perspectiva, 1986.

25
WIND, Edgar. A Eloquencia dos Símbolos: Estudo so-
bre a Arte Humanista. São Paulo: EdUSP, 1997.
Áudio:
MANOWAR. Album: Triumph of steel. Atlantic Re-
cords, 1982.

Imagens

Aquiles cuidando de Patroclo: kílix de figuras rojas, v.


500 a. C.
Aquiles versus Heitor, Vaso para misturar vinho com
água, 500 – 480 a.C., Museu Britânico, Londres.
Aquiles lamentando a morte de Pátroclo, Nikolai Ni-
kolaevich Ge, 1855.
Aquiles matando Heitor, Peter Paul Rubens, 1630.
Aquiles, arrastando o cadáver de Hector na frente dos
portões de Tróia, Franz Matsch, 1892.
Capa: The Triumph of Steel, Manowar, Atlantic Re-
cords, 1982.

26
Sobre os autores

Carlos Eduardo da Costa Campos é graduado (UERJ),


mestre (UERJ), doutor (UERJ) em História e doutorando
em Letras Clássicas (UFRJ), com estágios de pesquisa no
ANHIMA (Anthropologie et Histoire des Mondes Antiques),
sob a direção da Professora Dra. Violaine Sebillote Cru-
chet e supervisão do Prof. Dr. Anderson Martins (2018),
na Universidade Paris I, Sorbonne; na Ecole Francaise DA-
thenes (2012); na Universidade de Coimbra, sob supervisão
da Professora Doutora Carmen Soares (nos anos de 2012 e
2014); no Centro Arqueológico de Saguntum / Valência –
Espanha (2012). Professor adjunto do curso de História da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, atuando no
campus de Coxim – MS, nas disciplinas de História Anti-
ga e Medieval, assim como Ensino de História. Coordena
o Grupo de Pesquisa “Espaço Interdisciplinar de Estudos
da Antiguidade – ATRIVM / UFMS”, onde desenvolve o
projeto de pesquisa: “Ensino e Pesquisa em História Antiga:
desafios e novas perspectivas sobre a iconografia augustana”,
em colaboração com o Museu Histórico Nacional, do Rio
de Janeiro.

Dolores Puga é graduada (UFU), mestre (UFU), doutora


(UFRJ) em História, sendo professora adjunta do curso de
História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,
no campus de Coxim – MS, onde atua nas disciplinas de
História Antiga e História Cultural. Coordena o Grupo de
Pesquisa «Espaço Interdisciplinar de Estudos da Antigui-
dade – ATRIVM / UFMS» e «História Antiga e Usos do
Passado: novas perspectivas entre o passado e o presente»
onde desenvolve o projeto de pesquisa: «Usos socioculturais
da antiguidade: análises de apropriações contemporâneas
do paganismo antigo».

Leandro Hecko é graduado (UEL), mestre (UFRGS) e


doutor (UFPR) em História, sendo professor adjunto do
curso de História da Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul, atuando no campus de Três Lagoas – MS, onde atua
nas disciplinas de História Antiga e Estágios Obrigatórios.
Coordena no momento o Grupo de Pesquisa « História
Antiga e Usos do Passado: novas perspectivas entre o passa-
do e o presente» onde desenvolve dois projetos de pesquisa:
«As Antiguidades e os Usos do Passado: sobre a presença do
passado na vida prática das pessoas» e «História e Cultura
da Alimentação: a função social da cerveja na história».

Leandro Mendonça Barbosa é graduado (UFMS), mes-


tre (UFG), doutor (Universidade de Lisboa), sendo profes-
sor adjunto do curso de História da Universidade Católica
Dom Bosco – MS, onde atua nas disciplinas de História
Antiga e Medieval. Membro do Grupo de Pesquisa “His-
tória Antiga e Memória – Universidade de Lisboa” e coor-

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denador do Grupo de Pesquisa: Cultura e Poder na Anti-
guidade e Medievo”, na Universidade Católica Dom Bosco
– MS. Coordenador do Grupo de Trabalho em História
Antiga – ANPUH/MS, gestão (2018 – 2020).

Nathalia Monseff Junqueira é graduada (UNICAMP),


mestra (UNESP), doutora (UNICAMP) em História, sen-
do professora adjunta do curso de História da Universida-
de Federal de Mato Grosso do Sul, atuando no campus do
Pantanal – MS, onde atua nas disciplinas de História An-
tiga e Medieval, assim como Ensino de História. Membro
do Grupo de Pesquisa: “Espaço Interdisciplinar de Estudos
da Antiguidade – ATRIVM / UFMS” onde desenvolve o
projeto de pesquisa: “Para além dos clássicos: leituras e de-
bates sobre autores e tópicos contemporâneos das ciências
sociais”.

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FONTE Adobe Caslon Pro
PAPEL Pólen 80g/m²
O livro Antiguidades e usos do passado: temas e
abordagens tem como objetivo auxiliar na construção de
uma História Antiga mais problematizada e preocupada
em compreender do que explicar, e expor, o Mundo Antigo.
Em seus cinco capítulos pesquisadoras e pesquisadores
escrevem sobre a relação entre passado e presente, e
aproximam os leitores as reflexões sobre questões das
Antiguidades ao seu cotidiano, evidenciando a forte
presença de temas e questões do Mundo Antigo egípcio,
grego e romano nos outros diferentes tempos históricos .

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@Desalinh0
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