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Mauss pontua também que não tratará de lingüística nem psicologia, e que sua
pesquisa se voltará inteiramente para o direito e a moral, mas reconhece, no que se
refere à psicologia, que nunca houve ser humano que não tenha tido o senso, não apenas
de seu corpo, mas também de sua individualidade espiritual e corporal ao mesmo
tempo, e que a psicologia desse sentido fez imensos progressos no último (dele) século.
Explica então que o assunto que ele pretende abordar, que é um assunto de
historia social, é descobrir "de que maneira ao longo dos séculos, através de numerosas
sociedades, se elaborou lentamente, não o senso do "eu", mas a noção, o conceito que os
homens das diversas épocas criaram a seu respeito [...]." (p. 371). E arremata:
O que quero mostrar é a série das formas que esse conceito assumiu na vida dos
homens, das sociedades, com base em seus direitos, suas religiões, seus costumes, suas
estruturas sociais e suas mentalidades. (p. 371).
Se considerarmos que essas vidas dos indivíduos, forças motoras dos clãs e das
sociedades sobrepostas aos clãs, asseguram não apenas a vida das coisas e dos deuses,
mas a "propriedade" das coisas; e que não apenas asseguram a vida dos homens, neste
mundo e no além, mas também o renascimento dos indivíduos (homens), únicos
herdeiros dos portadores de seus prenomes (a reencarnação das mulheres é uma questão
bem diferente), compreendereis que vemos já entre os Pueblos, em suma, uma noção da
pessoa, do indivíduo confundido com seu clã mas já destacado dele no cerimonial, pela
máscara, por seu título, sua posição, seu papel, sua propriedade, sua sobrevivência e seu
reaparecimento na terra num de seus descendentes dotados das mesmas posições,
prenomes, títulos, direitos e funções. (p. 374-5)
[...] que revivem no corpo dos que carregam seus nomes, cuja perpetuidade é garantida
pelo ritual em todas as suas fases. A perpetuidade das coisas e das almas só é garantida
pela perpetuidade dos nomes dos indivíduos, das pessoas. Estas agem apenas como
representantes e, inversamente, são responsáveis por todo o seu clã, suas famílias, suas
tribos." (p. 377).
Mauss conclui a seção pontuando que um imenso conjunto de sociedades chegou
à noção de personagem, de papel cumprido pelo indivíduo em dramas sagrados, assim
como na vida familiar, e passa da noção de personagem à noção de pessoa e de "Eu", na
seção seguinte, "A persona latina", na qual aborda duas grandes e antigas sociedades
que foram as primeiras a tomar consciência da noção de persona e que, segundo nosso
autor, "a inventaram para, por assim dizer, dissolvê-la quase definitivamente, já a partir
dos últimos séculos que precederam nossa era." (p. 383). Refere-se ele à Índia
bramânica e búdica, e à China antiga.
Na próxima seção, "A pessoa: fato moral", Mauss mostra como os estóicos, com
sua moral voluntarista, pessoal, enriqueceram a noção romana de pessoa, devido à
influência das escolas de Atenas e de Rodes sobre o desenvolvimento do pensamento
moral latino. "A consciência moral introduz a consciência na concepção jurídica do
direito. Às funções, honrarias, cargos e direitos, acrescenta-se a pessoa moral
consciente." (p. 391).
Contudo, a noção de pessoa carecia ainda de base metafísica segura, a qual lhe
será fornecida pelo cristianismo, fato abordado por nosso autor na seção a seguir, "A
pessoa cristã", a qual, sinteticamente, deixa claro que os cristãos foram os que fizeram
da pessoa moral uma entidade metafísica, depois de terem sentido sua força religiosa, e
que a pessoa é uma substância racional indivisível, individual.
REFERÊNCIA