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A Abordagem Shentong
Mas é importante compreender que essa existência verdadeira não significa que ela possa
ser conceitualizada de algum modo. Se houvesse mesmo o mais sutil processo de
conceitualização, ele poderia ser refutado pela argumentação Prasangika.
A “Mente de Sabedoria” não conceitual não é algo que mesmo a sabedoria mais suprema
(Prajnaparamita) possa tomar por objeto. Qualquer coisa que possa ser objeto de
consciência, por mais puro e refinado que seja, é surgido de modo dependente e não tem
verdadeira existência.
Então, o que seria essa “Mente de Sabedoria” não conceitual?
É algo que alguém realiza através de outros processos que não o conceitual. Alguém
experimenta isso diretamente, apenas como isso é, e nenhuma fabricação intelectual pode
alterar o que isso é.
Os Shentong tomam como um fato que a mente aprisionada pelos conceitos de tempo e
espaço deve de algum modo ter por pressuposto momentos de duração, bem como de
átomos com extensão no espaço. Então, sempre parecerá que para que um instante de
conhecimento ocorra necessariamente deverá haver um aspecto da consciência que conhece
e outro a ser conhecido, por mais que se afirme que não possuam existência real e absoluta.
Os Shenton vêm esse conceito de uma série de eventos (fluxo) de consciência, como uma
incompreensão da realidade. De fato, o termo verdade relativa que seguiremos usando no
decorrer desse estudo é uma tradução da palavra sânscrita “samvrti” que significa coberto
ou escondido. A tradução tibetana “Kun rdzob” significa vestido ou disfarçado a fim de dar
uma falsa impressão. Alguém poderia dizer que “samvrti” é simplesmente esconder. Vale
dizer... não verdadeiro...no sentido de que se trata apenas de uma realidade aparente. Trata-
se, pois de uma verdade relativa, no modo como as coisas parecem ser ordinariamente. Em
termos de realidade última, não há nenhuma verdade de fato.
Isto ocorre pq. durante um longo tempo o meditante vem atravessando pela ilusão e
percebendo a vacuidade como um tipo de negação. Esse procedimento acaba se tornando
um hábito tão arraigado que mesmo quando ele experimenta a realidade absoluta ele desvia
a sua mente em relação a isso e passa, sutilmente, a negar a experiência.
Os Shentong afirmam que se não houvesse nenhuma limitação pelo conceito na mente a
Clara Luz Natural brilharia naturalmente, com intensidade e clareza, não havendo, pois,
como seguir com a negação.
O fato dos Madhyamikas Rangtong negarem isso demonstra a importância da terceira Roda
do Dharma. É dito que o Budha girou a Roda do Dharma três vezes. Vale dizer, ele deu
Três Grandes Ciclos de ensinamentos.
Estes são dois modos de se afirmar a mesma coisa. Há exemplos clássicos para esses
ensinamentos...como da manteiga e do leite, do óleo na semente de gergilim e do ouro e as
impurezas da pepita. O leite, a semente e a pepita cheia de impurezas são penetrantes no
sentido de que quando são processados a manteiga, o óleo e o ouro emergem.
Do mesmo modo, os seres passam por um processo de purificação através do qual sua
Natureza de Budha emerge.
Se a natureza verdadeira ( dharmata) dos seres não fosse thatagatagarbha eles nunca
poderiam se tornar Buddha, do mesmo modo que uma pedra que não contém ouro nunca
produzirá ouro, por mais refinada que ela seja.
1) Encorajar aqueles que são muito sem auto estima no sentido de que não devem nunca
perder o interesse em manter a bodhicirra e alcançar a iluminação;
2) Impedir aqueles que tendo alcançado a bodhicitta de se sentirem internamente superiores
aos que ainda não a atingiram;
3) Remover faltas no sentido de tomar aspectos irreais e transitórios como sendo a
verdadeira natureza dos seres;
4) Remover o engano de tomar a experiência da Clara Luz como irreal;
5) Demonstrar que todos os seres têm a mesma natureza, removendo obstáculos no
surgimento da verdadeira compaixão, a qual não faz distinção entre o si mesmo e o outro.
Desde que a Natureza de Buddha está aqui desde o princípio, ela está presente na base, no
caminho e na realização. A única diferença entre estes 3 estágios é que na base a natureza
de Budha se encontra totalmente obscurecida pelos impedimentos, no caminho ela já está
parcialmente purificada e na realização já se encontra purificada.
Doutrina do Ratnagotravibhaga
Uma vez que a verdadeira natureza da mente é reconhecida pelo bodhisattva, a camada de
véus começa a se desfazer. Essa é a essência do caminho, que consistirá, justamente, no
refinamento dessa sabedoria.
1- É indivisível, inseparável da sua essência (não podemos afirmar que a mente é uma coisa
e as qualidades outra, pois assim ela seria vazia de sua própria essência, como ensinam os
Madhyamikas – a essência dependeria das qualidades e vice-versa);
As qualidades de Budha não são assim...não podem ser apreendidas pela mente conceitual e
não estão separadas da essência da Mente de Sabedoria...elas não são fenômenos
condicionados ou compostos que surgem, permanecem e se deterioram com o tempo. Elas
existem primordialmente.
Tanto os Cittamatrins como os Rangtong Madhyamikas ( que têm uma visão filosófica )
entendem a sabedoria do Buddha como uma seqüência de momentos de uma consciência
purificada, consciência essa que possuí como objeto sutil a vacuidade, ou a ausência natural
de toda e qualquer conceitualização.
Uma vez que o objeto é puro, a consciência por ele manifesta contém as qualidades da
mente pura que é chamada “Jnana”. Seu surgimento é associado automaticamente com as
qualidades do Budha que resultam das ações dos Bodhisatvas no seu caminho de
acumulação de sabedoria e mérito. Assim, expressando essa visão explicitamente ou não,
os Madhyamikas Rantong mantém uma visão das qualidades do Buddha como sendo
fenômenos relativos cuja essência é a vacuidade.
A doutrina do Mahayanasutralamkara
O Mahayanasutralamkara ensina a distinção entre o “dharmin” (mente relativa) e o
“dharmata”, a Mente de Clara Luz Absoluta.
A mente relativa é atrapalhada e confusa, enquanto a mente absoluta não está sujeita às
delusões. A mente relativa vê os objetos através de dois aspectos: o que percebe e o que é
percebido. Mas, sua essência verdadeira é a Mente de Clara Luz. A mente relativa é vazia
de um si mesmo, sua natureza real é a Natureza de Clara Luz Absoluta.
Há :
03 modos de existência
03 modos de vacuidade
03 modos de ausência de essência
Modos de Existência
Obs:
A natureza imaginária é vazia no sentido em que não existe de fato. É a vacuidade de algo
inexistente, pois que só se refere a nomes e conceitos em si mesmos e que nunca existiram
senão no interior da própria imaginação. Não têm natureza própria por si mesmos, por isso
se diz que é vazia em si mesmo.
A natureza dependente é vazia no sentido de que alguma coisa existe, mas não no sentido
absoluto. Relativamente algo existe e funciona, tendo suas próprias características. É
diferente do vazio da natureza imaginária, mas em termos absolutos ela também não existe.,
pois que seu surgimento é dependente, mas o seu surgimento, a sua manifestação só é
possível pq., na essência, toda aparência é a Mente de Clara Luz Natural e, vista assim,
existe em último caso.
1- A Natureza Imaginada é sem essência no sentido de que não existe de acordo com as
suas próprias características. Ex: um fogo imaginado não possuí as características do
próprio fogo, que é quente e queima.
2- A Natureza Dependente é sem essência no sentido de que ela nunca se manifesta...(só
existe a partir de causas e condições, não há porque se falar de essência – ver arrazoado
Madhyamika)
3- A Natureza Perfeitamente existente é a própria ausência absoluta de uma essência, no
sentido em que a ausência da essência é a própria manifestação do absoluto, ie, a essência é
não-conceitual, não pode ser agarrada pela mente conceitual. Então, do ponto de vista da
mente conceitual ela é sem essência, mas do seu próprio ponto de vista ela é absolutamente
real.
Essa é a visão que une os sutras e os tantras. Nos Sutras isto é ensinado na Terceira Roda
do Dharma...que se torna a base da prática tântrica. Posteriormente deverá ser vista como
um significado especial capaz de acelerar o processo de realização. Em termos de visão,
não é em nada diferente do que se encontra nos sutras.
O EXEMPLO DO SONHO
Quando o sonho é usado como um exemplo na explicação das outras visões, a ênfase é
dada na natureza ilusória da aparência do sonho.
Do ponto de vista Shentong a comparação ultrapassa muito esse ponto, porque os sonhos
claramente surgem da qualidade luminosa da mente. A mente, ela mesma, é capaz de
produzir sonhos bons e ruins e pode continuar sonhando mesmo depois de acordada. Uma
vez que eles se manifestam com a mente desperta ou não, a Natureza de Clara Luz da
Mente é a base para o samsara e para o Nirvana, respectivamente quando ela ainda não
despertou para a sua natureza original e outra quando já está desperta.
Mas independente da mente estar desperta ou não, sua natureza segue sendo a mesma. E,
também, segue vazia tanto da naturezas imaginária, como da dependente , muito embora
enquanto a “Mente de Sabedoria” não conceitual não se manifestar, e não reconhecermos a
natureza da mente, a natureza dependente parecerá existir e seguirá criando as
manifestações de sonho que a mente confundida percebe como sendo o universo exterior
interagindo com a mente interior.
A partir dessa confusão surgem as idéias de “si mesmo e do outro” , “apego e aversão” e
todos os outros conceitos e distúrbios emocionais. È como estar totalmente confuso e
envolvido em um sonho. Uma vez que a mente desperta retorne, a pessoa rapidamente vê
os sonhos como meras manifestações da própria mente e quer eles desapareçam
imediatamente ou não...já não perturbam mais.
MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO
A chave para esse método de investigação é a própria meditação (ou melhor- não
meditação)..e é mantido por aqueles que já obtiveram alguma realização por si mesmos.
Não há, porém, substituto para a instrução direta de um Mestre realizado que pode através
de suas próprias habilidades, somadas à fé e à devoção do discípulo, fazer com que a
realização surja e amadureça na mente do aluno.
Mas, muito já pode ser feito no sentindo de preparar a mente para essa realização, e é por
isso que elaboramos essa obra.
Gradualmente a mente começa a relaxar e a se tornar mais aberta. Dúvidas e hesitações
perdem a sua força e começam a desaparecer. A mente se torna mais calma e clara
naturalmente. Tal mente é mais afável no sentido de responder correta e prontamente às
instruções do Professor.
Na enciclopédia de Conhecimento de Jamgon Kongtrul ele afirma que os Rangtong
representam a visão de alguém que já se estabilizou através do ouvir, estudar e refletir. A
visão dos Shentong já representa a prática de meditação.
PROCEDIMENTOS DA MEDITAÇÃO
Quando alguém começa a meditar com base na Natureza de Clara Luz da Mente o estágio
de investigação com referência à prática chega a um termo. Tudo que resta a fazer é
repousar a mente naturalmente na sua própria natureza, apenas como ela é, sem
artificialidades ou esforço. Como Jamgon diz na seção sobre Shamata e Vipassana na sua
Enciclopédia de Conhecimento, muito embora os pensamentos surjam, não há necessidade
de tentar pará-los; nesse estado eles simplesmente liberam a si mesmos. São como ondas no
oceano, surgindo e se desfazendo por si mesmas. Nenhum esforço é requerido.
A meditação pode ser feita em sessões que se iniciam com a Tomada de Refúgio e
Bodhicitta e seguida da Dedicação em benefício dos seres.
Ela tb. pode ser continuada entre as sessões formais. De tempos em tempos, paramos o que
estamos fazendo e repousamos a mente na sua Natureza de Clara de Luz, e, assim,
seguimos mantendo a atenção sobre aquilo que estivermos fazendo.
De um modo geral, no entanto, quando alguém começa a meditar sobre a Natureza de Clara
Luz da Mente no método Shentong, sua mente ainda está longe de ter se livrado do esforço
conceitual. Algumas vezes ela se esforçará por ver a vacuidade, outras a luminosidade ou a
inseparatividade entre ambas, outras para alcançar um estado não-conceitual, para
compreender intelectualmente ou fixar esse estado de algum modo.
Nos estágios iniciais não haverá distinção dos Cittamatra. Isso não significa um problema,
desde que se siga praticando na direção correta. Conhecer os diferentes métodos de
meditação nos ajuda a reconhecer nosso nível de realização em cada abordagem...e
conhecer nossas falhas nos ajuda a superá-las.