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Entre o lírico e o monstruoso: Representações iconográficas do agave1

Júlio César Miguel de Aquino Cabral – UEPB2


Júlio543543@outlook.com
(Orientadora) Dr. Mariângela Vasconcelos Nunes – UEPB
Marinagelavnuneshistoria@hotmail.com

Resumo; Este artigo tem como objetivo analisar as diferentes representações do agave
presente na iconografia. A planta do agave foi introduzida na Paraíba, de forma comercial, em
1939. A partir disto, a sua imagem foi ressignificada pelos diversos grupos sociais. Essa ação
de dar significado a um objeto, neste caso uma planta, foi realizada por meio da literatura de
cordel, xilogravuras, entre outros meios. Neste contexto, nossa pesquisa fez uso de
xilogravuras presente na capa de folhetos, assim como xilogravuras independentes, com o
objetivo de entender como a planta foi representada pelos diferentes grupos sociais. Também
nos atentamos aos escritos literários e a biografias dos artistas. Seguimos os fios e os rastros
que a produção do agave deixou impressa em signos textuais e visuais, em um tecido histórico
que mistura o diabólico e o lírico, o messiânico e a bestial. Estas construções têm como
matéria-prima a experiência de artistas e trabalhadores. É o resultado da atividade de leitura
realizada, cotidianamente, pelos diversos sujeitos sociais. Este trabalho foi feito a partir dos
resultados preliminares de uma pesquisa (PIBIC-UEPB, cota 2016-2017).

Palavras-chave: Agave; Iconografia; literatura de cordel.

Introdução

1
Este trabalho faz parte do relatório de pesquisa desenvolvido no projeto de iniciação científica
(PIBIC/CNPQ/UEPB/Cota 2016/2017) intitulado; Imagens do agave a partir da poesia de cordel e da
iconografia com a orientação da professora Dr. Mariângela Vasconcelos Nunes.
2
Graduando em História pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB – Campus III) e bolsista no projeto de
iniciação cientifica (PIBIC/CNPQ/UEPB/Cota 2016/2017).Email; Júlio543543@outlook.com.
O agave, planta originalmente do México, foi introduzido na Paraíba, de forma
comercial, no final da década de 30 do século XX. A sua produção em larga escala foi
incentivada pelo governo de Argemiro de Figueiredo (1935-1940). O agave era anunciado
como uma solução para a crise que atingia outras culturas agrícolas. Nos jornais, o agave
aparecia como uma possibilidade de superação, diante da seca e das crises na economia. Na
Paraíba, o jornal A união foi um dos canais pelo qual o estado veiculou notícias e propagandas
sobre a produção do agave. O incentivo à produção da planta surgia em meio ao processo de
modernização do campo, onde se inseria maquinaria e instruções técnicas nas práticas
agrícolas. As práticas tradicionais de agricultura, sobretudo, a agricultura de subsistência,
eram percebidas por estes discursos modernizadores, como arcaicas e improdutivas. Mais do
que isto, esta agricultura tradicional era acusada de ser uma das responsáveis pelo atraso
econômico do estado (NUNES, 2006).

Este incentivo por vias midiáticas não se restringiu ao território paraibano. O jornal
pernambucano Diário da manhã também divulgou a planta. O jornal mostrava a Paraíba, mais
especificamente, o governo de Argemiro de Figueiredo, como inovador por incentivar a
produção de novas culturas agrícolas, ou seja, a Paraíba era percebida como um exemplo a ser
seguido. Figueiredo era apresentado, pelo jornal citado acima, como um grande
administrador, responsável por acelerar a modernização do estado e que gozava da
legitimidade popular. Podemos perceber mais claramente esta mensagem na imagem, presente
em uma das edições do jornal 3, que mostra a fotografia de Argemiro de Figueiredo sorridente
e com aspecto confiante sobreposto a uma multidão de pessoas nitidamente de poucas
condições econômicas e deslumbradas com o que aparenta ser um discurso de Figueiredo.

A produção de agave foi de grande importância para a economia paraibana, é inegável.


Porém, são nítidas as diversas contradições que a produção do agave trouxe junto de seus
discursos modernizadores. As máquinas e a mão de obra exigiam que houvesse um
investimento de capital que, na maioria das vezes, fugia das possibilidades do pequeno
agricultor. Por outro lado as grandes quantidades de terra dedicadas à planta e a
incompatibilidade desta cultura agrícola com outras, fazia com que a agricultura de
subsistência fosse cada vez menos praticada. (PIRAUX, MIRANDA, 2010) Estes agricultores
que perderam os seus meios de produção vendiam a sua força de trabalho nos campos de
agave. Este processo alterou não somente a natureza do trabalho, mas também os seus
significados (NUNES, 2006).
3
Diário da manhã, quinta feira, 25 de janeiro de 1940.
Desde o momento em que foi introduzido em solo paraibano o agave foi visto e
sentido de diferentes formas. Ele é objeto de nostalgias; ‘’Era o tempo que se ganhava
dinheiro’’. Foi apresentada de forma lírica, representada romanticamente rodeada por
pássaros, mas também era lembrada pelas mazelas que trouxe ‘’ Era o capa verde’’, o diabo, a
besta fera e a concretização das profecias do padre Cícero. São estes múltiplos significados
que nossa pesquisa colocou como alvo. Os indícios que nos ajudaram a nos aproximar de
nossos objetivos foram procurados na iconografia produzida sobre a planta. Nossa pesquisa
não omite que por diversas vezes adentrou no campo da subjetividade. Buscamos muitas
vezes nas entrelinhas dos versos dos poetas e nos silêncios das imagens. Pesquisamos na
literatura de folhetos e nas xilogravuras. Buscamos encontrar indícios de como o agave foi
lido e interpretado pelos diversos homens e mulheres que, de uma forma ou de outra, entraram
em contato com planta.

Os perigos e possibilidades do uso de imagens

O documento, em seu sentido amplo, seja qual for, não é uma janela escancarada para
o passado. No livro, A feira dos mitos, Durval Muniz mostra como a pretensão de resgatar o
passado, da forma como realmente era, se mostra como mais um mito, dos vários, que
compõe o ofício do historiador. ‘’A ideia de resgate opera com o mito iluminista da
possibilidade de que uma atividade racional e razoável seja capaz de ver as coisas tais como
elas são’’(ALBURQUERQUE JR, 2013). O passado não é resgatável. A própria ideia
metafórica da fonte histórica em sendo questionada. A metáfora da fonte parece sugerir um
local onde o historiador poderia, nas palavras de (BURKE, 2004), encher ‘’(...) seus baldes no
riacho da verdade’’. Continua ele ‘’ A metáfora é vívida, mas ilusória, no sentido que implica
a possibilidade de um relato do passado que não seja contaminado por intermédios’’.

Nossa pesquisa, segue a perspectiva de que ‘’As fontes não são nem janelas
escancaradas, como acreditam os positivistas, nem muros que obstruem a visão, como pensam
os cépticos; no máximo poderíamos campeara-la a espelhos deformantes’’(GUINZSBURG,
2002). Ou seja, o documento oferece sim, um reflexo da realidade, mas é um reflexo
distorcido pelos elementos construtivos de quem elaborou o documento, é um reflexo
particular, é uma das formas de ver a realidade. Podemos dizer que o documento, ou o
monumento é historicamente construído a partir do lugar social de quem o produziu, está
repleto de intenções particulares e institucionais, mas por meio dele é possível encontrar
indícios do passado, nem que esses indícios estejam presentes justamente naquilo que o
documento não queria mostrar (GUINZSBURG, 2007).

O perigo de enxergar na fonte um retrato fiel de certa realidade histórica parece se


intensificar quando se trata de imagens. Talvez mais do que outras fontes, as imagens nos
passa uma impressão de realidade. Ela causa encanto. Ela seduz nos nossos sentidos. As
imagens parecem nos convidar incessantemente para mergulhar em suas formas, como se elas
fosse a própria realidade a qual representa. Por esses motivos, o trabalho com fontes
iconográficas esta cercado por armadilhas metodológicas. É necessário entender, que por mais
que a obra tente nos passar o tom de realista, ela encerra em si um jogo de intenções, recortes,
interesses, ideias, valores, crenças, enfim, diversos elementos subjetivos dos seus autores. A
imagem, como qualquer fonte, não é uma janela aberta para o passado, mas uma construção
que resulta da interação entre o artista e a sociedade em que ele faz parte. De forma alguma
esses perigos tiram o valor da análise iconográfica. Tal análise possibilita para o pesquisador
novos questionamentos, e não apenas, fazer uso das imagens apenas para ilustrar
determinados enunciados. (BURKE, 2004).

A iconografia oferece importantes indícios sobre a sociedade em que ela foi produzida,
desde que seja abordada de uma forma crítica. Como qualquer fonte histórica, e talvez até
mais do que as outras, está rodeada de perigos metodológicos. Estes perigos se devem,
sobretudo, à sua aparente reprodução de uma dada realidade. As imagens, mais do que os
textos, parecem seduzir os nossos olhos, nos transportar para uma realidade que, por mais
realista que seja, é uma realidade forjada, criada a partir de interesses, valores e crenças.

Imagens do agave

Como já exposto, a experiência com agave foi interpretada de diferentes formas, às


vezes positivas, outras vezes negativas. Vários significados
foram atribuídos à planta. Iniciemos com a imagem diabólica
do agave. A afirmação de que ‘’ O agave é o capa verde’’,
está presente em vários folhetos de cordel. O capa verde é
uma entidade diabólica, uma espécie de besta fera, que faz parte da profecia apocalíptica
atribuída ao Padre Cícero Romão Batista pelos cordelistas. O capa verde (Imagem 1 ) é o
tema da xilogravura de Damásio Paulo. Nesta imagem, o capa verde é representado de forma
monstruosa, onde mistura-se o humano e o bestial. A cauda assemelha-se as representações do
diabo encontrados na capa de alguns cordéis4. O rosto humano é desfigurado pelo tamanho
desproporcional das orelhas e também pelos chifres ( Ou antenas). A barbicha nos remete a
figura do bode, que muitas vezes também é visto como um animal diabolico 5. As mãos
humanas têm agregadas em si asas, ou melhor, uma capa cheia de pontas nas extremidades.
Os pés animalescos ostentam um grande espinho. A posição corporal da figura nos mostra seu
aspecto agressivo, pronto para dar o ‘’bote’’. Encontramos a mesma figura com poucas
variações na capa de um cordel (Imagem 2).

A imagem O capa verde de Damásio Paulo não nos informa a data em que foi
composta. Devemos então, refletir sobre alguns pontos da tragetoria de seu autor com a
finalidade de econtrar indicios sobre o periodo em que a imagem foi composta. Damásio
paulo, nascido em 1910 no Estado de pernanbuco, desempenhou importantes trabalhos
durante as fases áureas da tipografia São francisco localizada no Juazeiro-PE. As informações
sobre sua vida, assim como a de muitos cordelistas, são escarsas. Muito do que conseguimos
se deve as pesquisas de Rosilene Alves de melo. Em um tercho significativo a historiadora
escreve;

A passagem do poeta Damásio Paulo da Silva pela tipografia São Francisco é


envolta de mistério. Sabe-se apenas que ele foi para o juazeiro atraído pelas historias
sobre a cidade registrada nos folhetos e nas narrativas orais. Além disso, ficou
conhecido por seus companheiros pelo mau humor, que causava receio nos
aprendizes que trabalhavam na tipografia. Informações prestadas por Maria das
dores Aires da Silva, filha de Damásio Paulo as Silva, dão conta de que ele começou
a trabalhar na tipografia e folhetaria Silva em 1938, tendo permanecido até
provavelmente até 1949, quando ao final de um dia de trabalho afirmou
categoricamente ‘’Amanhã não venho mais nunca, minha alma não terá vergonha se
ainda pisar numa tipografia’( MELO, 2010)

Após esta saída brusca pouca informação se teve sobre Damásio Paulo. Apesar das
poucas informações podemos levantar algumas hipóteses. Damásio Paulo trabalho na
tipografia São Francisco entre os anos de 1938 e 1949. Ele exerceu diferentes funções, como a
de gerente, cargo que nos mostra o vinculo de confiança com o dono da tipografia Bernado
Da silva. Mas também escrevia folhetos e ilustrava as capas dos cordéis, sobretudo utilizando
4
Capa do cordel; A moça que dançou com satanás no inferno de José costa leite.
5
Capa do cordel; A negra velha da trouxa montada no bode preto de José Costa Leite.
a técnica da xilogravura. Por meio destas informações levantamos a hipótese de que a
xilogravura O capa verde foi feita entre a década de 30 e 40 do século XX, tempo em que
esteve em atividade na tipografia São Francisco. Não podemos pelas limitações de nossa
pesquisa, afirmar se Damásio Paulo tinha consciência das profecias que associavam o agave a
figura do capa verde, no entanto, devemos destacar que o período em que a xilogravura foi
composta contou com um aumento significativo de cordéis que mencionam o capa verde. Esta
popularidade do capa verde coincidiu com o período em que o agave foi introduzido na
Paraíba, o que nos leva a acreditar em uma relação. Isto não significa que as historias do capa
verde não existiam antes do agave, por exemplo, o capa verde é citado no cordel Historia da
Maquina que faz o mundo rodar de autoria de Antônio da cruz e datado de 1921. O que
estamos afirmando é que após a produção comercial do agave na Paraíba houve um aumento
significativo nos cordéis que mencionavam o capa verde.

A profecia do agave

No desenrolar de nossa pesquisa nos deparamos com a profecia do agave. Profecia


esta, que realiza uma leitura teleológica do ciclo do agave, mais do que isto, lhe dar uma
caráter profético. Esta profecia deixou seus indícios nos cordéis, sobretudo os de autoria do
poeta Cipriano Batista Sena, conhecido como Cipriano Barauna. A profecia afirmava que o
agave teria sido anunciado antes de sua chegada pelo Padre Cícero Romão. O padre teria
anunciado previamente aquilo que era inexorável; a chegada do agave, ou do capa verde.
Tudo isto fazia parte dos planos de Deus. Era uma punição pela desobediência dos homens,
que ao invés de seguirem os mandamentos de Deus, se entregavam aos vícios terrenos. O capa
verde viria como um anunciador dos tempos finais, viria para enganar os homens, tirá-los da
presença de Deus. Ele viria para corromper as almas, afim de que não se salvassem durante o
julgamento final. Com a chegada do agave, verde, cheia de espinhos, responsável por mudar
o cotidiano dos trabalhadores, furar os homens, alimentar a ganância (Esta é a leitura dos
poetas) a sentença foi dada; ‘’O agave é o capa verde’’. Era a concretização da profecia, a
confirmação de que o Padre Cícero era inviolável em suas palavras. O agave teria aparecido
para punir os gananciosos, levar para perdição dos homens; Seu dinheiro era amaldiçoado.
Mas esta era somente a primeira parte da profecia, aqui terminava a função do Padre Cícero e
iniciava a missão do poeta. Cipriano Barauna começava a anunciar que a punição por meio do
agave, teria prazo para terminar. Pois o mal não podia vencer definitivamente, isto contrariava
o poder infinito de Deus. O bem devia vencer o mal. Cipriano anunciava outra sentença; A
queda do agave. Segundo o poeta, suas profecias não foram bem aceitas pelo publico, porém,
a concretização de suas palavras mostrariam a verdade para o mundo. Logo após o apogeu da
planta viria uma crise, que levaria a ruina dos gananciosos que encheram suas terras com a
planta diabólica. A queda do agave representava novamente uma punição. A punição para
aqueles que se deixaram enganar pela planta, ou melhor, pelo capa verde.

Representação lírica da planta

As imagens diabólicas do agave não foram às únicas representações da planta. A


próxima xilogravura que iremos analisar chama-se o agave e os pássaros (Imagem 3 ) de José
Borges (J. Borges). Nela aparece a planta do agave rodeado por pássaros. Uma análise
superficial poderia sugerir; é apenas uma imagem de uma planta. No entanto, esta sentença
acaba por simplificar as práticas culturais. A imagem, neste
caso a xilogravura, é resultado de uma série de fatores, entre
eles, interesses, objetivos, e crenças do artista. Além disto, a
imagem, seja ela qual for, é um recorte fruto de uma escolha.
Na imagem O agave e os pássaros, o autor desvincula a
planta de seu contexto trabalhista. Mostra a planta de forma
demasiadamente lírica, rodeada por pássaros e ostentando
flores brancas, no entanto, pesquisas históricas já
demonstraram que o trabalho com agave se realizava em condições duras e cercadas de
perigos. Havia um claro risco de acidentes, não eram poucos os trabalhadores que saiam com
seus corpos mutilados (NUNES, 2006).

Mesmo que alguns plantadores tivessem memórias românticas sobre ‘’o tempo do
agave’’ principalmente associando a planta a um período de fartura, as pesquisas
historiográficas sobre a produção do agave revelam um processo rústico, que combinava
ausência de equipamentos de segurança, a maquinofactura, sem para isso, ter a preparação
necessária para tal trabalho, isso aumentava de forma significativa o risco de acidentes de
trabalho. Muitos trabalhadores tiveram órgãos amputados ou mesmo perderam a visão.

A (imagem 3) Silencia-se sobre estes fatos. O agave torna-se uma paisagem, algo a ser
contemplado e admirado. Alguns pontos da trajetória profissional de J. Borges nos ajuda a
compreender esta imagem romantizada do agave, sobretudo, no que diz respeito ao período
em que ela foi criada. Apesar da imagem não conter o ano que foi feita, chegamos a hipótese
de que sua produção se deu em um ano posterior a 1970. Essa hipótese tem como base a
informação da virada profissional na vida de J. Borges durante a década de 70.
No decurso da década de 1970, o vendedor ambulante José Francisco Borges deixou
de comercializar em feiras e mercados e organizou espaço próprio para receber sua
clientela. Ele passara duas décadas comercializando folhetos, almanaques, canções e
orações. Vendia diversos impressos, era folheteio de profissão. Entrara no ramo
como simples vendedor de escritos alheios, mas sairia das feiras com o domínio de
novas profissões; nesse ínterim, havia-se estabelecido como autor de folhetos e
gravador de clichês. Aprendera também como operar máquinas tipográficas.
(SILVA, 2015 Pág., 62)

Ou seja, segundo (SILVA, 2015), A partir de 1970 J. Borges começou a ser procurado por um
novo publico consumidor. Turistas, intelectuais, museus agora se interessavam pela arte de J.
Borges. (A imagem 5) pelo que aparenta não parece fazer parte da capa de um cordel mas ser
uma figura independente o que aponta para ser obra dessa nova fase artística de J. Borges.
Isso também pode sugerir para a preferência para representar o agave de forma romântica,
cercando-o de pássaros e o afastando, como escrevemos acima, do seu contexto trabalhista.

Considerações finais

Nossa pesquisa percebeu uma alteração significativa na forma como o agave foi
percebida socialmente ao longo do século XX. A princípio, a planta foi sentida negativamente
por alguns e trabalhadores. As profecias apocalípticas que já circulavam nos folhetos de
cordel foram ressignificadas por aqueles que tiveram contato com a nova cultura agrícola. A
figura do capa verde entrelaçava-se com a planta do agave. O agave foi percebido como a
concretização da profecia do Padre Cícero. Os trabalhadores, como podemos perceber nas
entrevistas realizadas por (Nunes, 2006) viam no agave os atributos que as profecias
atribuíam ao capa verde; a planta furava o olho,’’ tomou conta do mundo’’, e veio para
enganar e seduziu os homens. O fato é que a citação do capa verde nos cordéis, após a
introdução do agave, se tornou constante. Percebemos que esta forma de ver e sentir a planta
do agave, compartilhada entre muitos trabalhadores e poetas encontrou na chamada literatura
de cordel e nas xilogravuras o espaço para se manifestar. Estas formas de interpretar a
realidade estavam sendo marginalizadas desde que os discursos modernizadores começaram a
se intensificar. Na havia espaço nos jornais para o diabólico, o grotesco e tudo aquilo que
fugia dos ideais modernos de cultura. Quando discutia-se estes temas nos jornais os discursos
apresentavam esta cultura dita do povo de forma caricata , cheia de estereótipos. A exemplo
das palavras do escritor paraibano Luís Gonzaga de Oliveira, escritas na década de 50 do
século xx; ‘’A par dos sentimentos religiosos, havia muita superstição no povo do engenho e
nos matutos que a gente conhecia’’ em outra parte o escritor escreve ‘’(...) Para os matutos o
padre Cícero tinha força de um enviado de Deus, credenciado para dizer tudo o que estivesse
certo ou errado’’(OLIVEIRA, 2017). Os intelectuais faziam uma clara distinção entre eles e o
povo. Nos seus discursos a simplicidade do povo era responsável pela fé em crendices e
superstições.

Assim, é justamente no século XX, quando as assombrações começam a ser


desalojadas através de reformas urbanistas guiado pelo desejo de um projeto
modernizador; quando se fortalece os discursos contra o ‘’atraso’’ contra as
‘’Crendices populares’’ e tudo que, no período fosse considerado superstição, um
outro espaço para o invisível é criado: A literatura de cordel. (CIPRIANO, 2010,
pág.22).

Ou seja, usando um conceito sociológico, com o desencantamento da sociedade


provocado pela expansão de um projeto modernizador ,as antigas representações de uma
cultura chamada popular ou tradicional, ganham um novo espaço, que seria os folhetos de
cordel. É nestes folhetos que os artistas ilustraram, por meio de xilogravuras, e escreveram
sobre o capa verde e a sua associação com a planta do agave. É também o espaço onde se
criticava a produção da planta e a diminuição da agricultura de subsistência como podemos
perceber no cordel Eleição do agave da cana e da mandioca de Antônio Ferreira da Silva.

No caso da xilogravura de J. Borges (Imagem 3) podemos notar um outro momento


histórico. O artista não utiliza, segundo nossas pesquisas, a xilogravura na capa de algum
cordel, ele a comercializa no formato de quadro. Nesta imagem podemos ver o agave como
uma planta ornamental, rodeada por pássaros e fora de seu contexto trabalhista o que difere
das críticas e associações com o capa verde realizada pelos poetas nas décadas de 40 e 50 do
século XX. Concluímos a partir da pesquisa já mencionada, que a introdução do agave na
Paraíba foi sentida e interpretada de diferentes formas pelos artistas analisados. Essas formas
se entrelaçam em múltiplas temporalidades. Ou seja, só podemos entender a introdução da
planta como um acontecimento conflituoso. O agave é um herói, um vilão, um diabo, um
redentor. É o capa verde, mas também é a esperança da economia paraibana. A planta adquiriu
diferentes formas e foi sentida de diferentes jeitos pelos sujeitos históricos.

Referências
ALBURQUERQUE JR, Durval Muniz. A feira dos Mitos; A fabricação do folclore e da
cultura popular (Nordeste 1920-1950). São Paulo; Intermeios, 2013.
ARAUJO, Patrícia Cristina de Aragão. A cultura dos cordéis: Território (s) de tessitura de
saberes. UFPB. Tese. João Pessoa, 2007.
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade média e no Renascimento: O contexto de
François Rabelais, São Paulo: Editora da Universidade de Brasília, 1987.
BURKE, Peter.Cultura popular na idade moderna. São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
__________ História e teoria social. São Paulo: Editora UNESP, 2002.
__________ Testemunha ocular: História e imagem. São Paulo;EDUSC, 2004.
CERTEAU, Michel. A Escrita da História. Rio de Janeiro; Forense universitária, 1982.
CIPRIANO, Maria do socorro. Histórias de botijas e os labirintos do universo assombroso
na Paraíba. UFPE. Tese. Recife, 2010
GUINZSBURG, Carlos. Mitos, Emblemas, Sinais. São Paulo; Companhia das Letras, 2011.
__________O fio e os rastros. São Paulo; Companhia das Letras, 2007.
__________ O queijo e os vermes: O cotidiano de um moleiro perseguido pela inquisição,
São Paulo: Companhia das letras, 2006.
__________Relações de força; História, Retórica, Prova. São Paulo; Companhia das letras,
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LIMA, Marinalva, L. A morte na literatura de cordel. USP. Tese. SãoPaulo 2003.
_________ Narradores do Padre Cícero: Do auditório à bancada. Fortaleza: Editora da
UFC, 2000
MELO, Rosilene Alves. Arcanos do verso: Tragetórias da literatura de cordel. Rio de Janeiro;
7 letras,2010.
NUNES, Mariângela D.V. Entre o Capa Verde e a Redenção: A Cultura do Trabalho com o
Agave nos Cariris Velhos ( Paraíba, 1937-1966). UnB.Tese, março de 2006.
PAIVA, Eduardo França. História e imagem. Belo Horizonte; Autêntica, 2002.
SILVA, Maria do Rosário. Histórias escritas na madeira: J. Borges entre folhetos e
xilogravuras na década de 1970. UFPE. Tese. Recife, 2015.

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