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D.

Dadeus Grings

DIALÉTICA
DA
POLÍTICA
HISTÓRIA DIALÉTICA DO CRISTIANISMO

Colecáo:
TEOLOGIA-1

Porto Alegre
1994

M Jt rl 11 01 .j,r nos autorais


.......................... ----------------------

© D. Dadeus Grings

Capa: José Fernando Fagundes de Azevedo


Composifilo e arte: Suliani Editografia Ltda
Fotolitos, impressao e acabamento: Gráfica EPECe
EDIPUCRS
Av.Ipiranga,6681 - Prédio 33
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ACHACATALOGRÁRCA

G868h Grings, D. Dadeus


Hist6ria dialética do Cristianismo / D. Dadeus Grings. - Porto
Alegre: EDIPUCRS, 1994.
371p. - (Colecáo Teología i 1)

1. Cristianismo-História 2. Dialética. 1. t. JI. Série

C. D. C. 209

Elaborado pelo Setor de Processamento Técnico da BC-PUCRS

Esta obra completa a trilogía


HISTÓRIA DIALÉTICA 00 CRISTIANISMO
1- Dialética da universalidade e dialética da unidade
(Porto Alegre, EST, 1981)
Il - Dialética da vida consagrada
(Aparecida, Santuário, 1994)
m- Dialética da política
(Porto Alegre, EDIPUCRS, 1994)

Material corn dircltos autorais


SUMÁRIO

INTRODUCÁO / 9
1. Fu a e inse~ao no mundo / 9
2. .stério a ncarnacáo 12
a Um espírito novo / 13
4. A Igreja de Cristo / 14
5. A sociedade humana 7 16
6. Rela\ao 1 re' a-Estado / 17
Z A vira a constantiniana 18
8... Dificuldade de situar-se / 19
2... Momentos cruciais / 21
1Q, Nostalgia / 21
11. Cristo, ponto ae convergencia / 22

L o PODER ESPIRITUAL / 25
L A IGREIA INDEPENDENTE / 2S
Tese 1: Prega\ao do Evangelho / 25
Antítese: As converso es ao Cristianismo / 28
Síntese: A Comunidade cristá / 30
2. A IGREJA PERSEGUIDA / 40
Tese 2: O sistema pagáo / 40
Antítese: O sistema cristao / 42
Síntese: A era dos mártires / 44
3. AIGREJA LIVRE / 51
Tese 3: O poder político / 51
Antítese: O poder religioso 7 53
Síntese: Líberdade religiosa / 55
4. A IGREJA OFICIAL / 57
Tese 4: O Império cristáo / 57
Antítese: Problemas religiosos / 58
Síntese: Interferencias políticas na Igreja / 59
--------------------------------_
11. O PODER TEMPORAL DAAUTORlDADE ECLESIÁ.STICA / 63
5. A IGREJA ADMINISTRADORA / 63
TeseS: O vazio político / 63
Antítese: Crises humanas / 68
Síntese: O poder temporal da autoridade religiosa / 68

.
Matenal com dlrt'ltos autor ais
6. A IGREJA CIVILIZADORA / 72
Tese 6: Catolicismo popular / 72
Antítese: O domínio dos "Bárbaros" / 73
Síntese: As grandes conversóes / 74
7. A IGREIA LEIGA / 77
Tese 7: Exageros devocionais / 77
Antítese: Nova mentalidade / 78
Síntese: Medidas imperiais / 79

m. SACERDÓCIO E IMPÉRlO / 87
8. A IGREJA DEFENSORA / 87
Tese 8: A inseguran<;a européia / 87
Antítese: Reacáo cristá / 88
Síntese: O Sacro Império Romano / 89
9. AIGREJA UNIVERSAL /93
Tese 9: Cristianismo greco-romano / 93
Antítese: Novas pavos / 94
Síntese: Tentativa de abertura universal /96
10. A IGREJA ENVOLVIDA / 97
Tese 10: Papado decadente / 97
Antítese: O século obscuro de ferro /103
Síntese: As for,as insondáveis da História / 104
11. A IGREJA INSTRUMENTALIZADA / 109
Tese 11: Decadencia eclesiástica / 109
Antítese: Ingerencia política / 109
Síntese: A luta das investiduras /111
12. A IGREJA NO APOGEU /118
Tese 12: O Sumo Pontífice / 118
Antítese: O Imperador / 120
Síntese: A Cristandade / 124
13. AIGREJA EM TENSAo /129
Tese 13: Clima de íncompreensóes /129
Antítese: O cisma do Oriente /131
Síntese: Tentativas políticas de uniáo / 132
14. AIGREIA DOS POBRES / 135
Tese 14: Tendencia a rigueza / 135
Antítese: Movimento pauperístico / 136
Síntese: Op<;ao pela pobreza / 139

rv o PREDOMiNIO POLtTICO / 141


15. A IGREJA DESAFIADA / 141
Tese 15: Preponderancia do Papado /141
Antítese: Nova realidade política / 143
Síntese: Nova concepcáo de Igreja e Estado / 148

Malerlal com direiíos autorais


·
16. Á IB~~JÁ~CLlpgÁDÁJ lAg
Tese 16: O dominio francés /149
Antítese: A grande catástrofe / 154
Síntese: Reacáo indignada / 159
17. GARANTIAS PARA A IGRE]A /161
Tese 17: A Igreja joguete da política / 161
Antítese: Esforco de independencia / 162
Síntese: A independencia pontifícia / 164
18. A IGRETA DIVIDIDA / 166
Tese 18: Espírito mesquinho / 166
Antítese: Deposícáo do Papa /168
Síntese: O Papado, centro da unidade cristá / 169
19. A IGREJA CORROMPIDA / 171
Tese 19: Corrupcáo interna /171
Antítese: Divisáo religiosa da Igreja / 178
Síntese: A Igreja papista / 183
20. A IGRETA GARANTIA DA EUROPA / 186
Tese 20: A Europa dividida / 186
Antítese: O perigo muculmano / 187
Sintese: A política do medo / 189
21. A IGREJA COMISSIONADA / 191
Tese 21: A descoberta de novos povos / 191
Antítese: Necessidade de evangelízacáo / 192
Síntese: O regime de Padroado /193
A república cristá dos guaranis / 197
22. A IGRETA CENTRALIZADA /203
Tese 22: O absolutismo régio / 203
Antítese: Tensóes eclesiásticas / 208
Sintese: Centralizacáo da Igreja / 209

V. SEPARA{:AO ENTRE [GRETA E ESTADO / 213


23. A IGRETA REJEITADA / 213
Tese 23. Novas idéias / 213
Antítese: A atitude de rejeicáo / 221
Síntese: As revolucóes liberaís /224
24. A IGRETA RESTAURADA / 228
Tese 24: O Catolicismo popular / 228
Antítese: Restauracáo política / 230
Síntese: A Igreja concordatária / 235
25. A IGREJA E A INDEPENDENCIA / 241
Tese 25: Novas na,oes na América / 241
Antítese: Posicáo melindrosa da Igreja / 244
Síntese: Nova consciencia eclesial / 250

Material com direuos autorais


26. A IGREJA DESPOJADA / 255
Tese 26: A sociedad e pluralista / 252
Antítese: Separacáo de Igreja e Estado / 258
Síntese: Igreja clerical / 269

VI. INSER9ÁO DA IGRETANA SOCIEDADE / 273


27. A IGREJA INSERIDA / 273
Tese 27: As crises sociais /273
Antítese: O socialismo / 277
Síntese: O catolicismo social / 279
28. A IGREJA CONATURAUZADA / 289
Tese 28: O imperialismo europeu / 289
Antítese: Ideologias políticas / 291
Síntese: Africanizacáo da Igreja / 293
29. A IGREJA E OS TOTALITARISMOS / 296
Tese 29: Ideologias totalitaristas / 296
Antítese: Lutas pela libertacáo /298
Síntense: Dístincáo entre política e relígíáo / 301
30. A IGREJA POLíTICA / 308
Tese 30: Os regimes democráticos / 308
Antítese: Consciencia cristá / 310
Síntese: O despertar dos leigos / 311
31. A IGREJA DESCENTRALIZADA / 318
Tese 31: A época piana / 318
Antítese: O Concilio Vaticano 11/ 324
Síntese: Diálogo universal / 332
32. , A IGREJA, ESPE~<;A DO MUNDO / 339
Tese 32: O mundo em tensiio / 339
Antítese: As viagens do Papa / 340
Síntese: ? / 343

CONCLusAo / 347
Dois milenios de história / 347
Novo clima de diálogo / 348
Quatro servicos da sociedade / 351
Politizacáo da sociedade / 353
Deus e o mundo / 356
Multiplicidade de aspectos / 358
Cristo, Luz dos homens / 360

BIBLIOGRAFlA / 363

iNDIa ANAÚTICO / 365


INTRODUCAO

1
FUGA E INSERCAO
, NO MUNDO

o segundo volume desta História Dialética do Cristianismo seguiu a dia-


lética da vida consagrada, com a constatacáo evangélica da fuga do mun-
do. O tema nao apresenta maiores dificuldades. Ve-se límpido o testemu-
nho da autenticidade do seguimento de Cristo naqueles que deixam tudo -
familia, riquezas, liberdade - para consagrar-se a causa de Cristo. Seu he-
roísmo herdeiro da época dos mártires, impressionou nao só os cristáos,
impelindo-os a urna vida mais autenticamente evangélica, mas também os
pagáos, provocando neles atitudes de conversao.
Quem acompanha a história da vida consagrada nao encontra dificul-
dade em reconhecer a presen~a de Cristo, agindo eficazmente naquelas
pessoas que vivem felizes por se haverem doado integralmente a Ele. A
própria Igreja nao tardou em reconhecer a autenticidade desta vivencia,
propondo-a como exemplo aos cristáos e declarando elevado número des-
tes heróis, santos, por terem atingido a meta da caminhada cristá. Punha-
os, por isso, sobre os altares, a vista de todos os que peregrina m neste mun-
do em direcáo a eternidade.
Vendo esta estupenda pléiade de santos, que a Igreja propóe como
exemplos de vida, poder-se-ia eventualmente pensar que todos os crístáos
deveriam encaminhar-se nesta direcáo. Prevaleceu, inclusive, por muito
tempo, a expressáo "estado de perfeicáo'' para designar o genero de vida
consagrada, em contraposícáo ao estado secular. Dava-se a impressño de
que, quem quisesse ser perfeito, deveria tornar-se religioso; ou invertendo,
que só o religioso, pelo fato de se encontrar "num estado de perfeicáo'', te-
ria condicóes de ser perfeito, ou o que muitos diziam - ou pelo menos pen-
savam que só eles, de fato, eram perfeitos.

Dla/ética da Política / 9

Matenaí com dironos autorais


Como conseqüéncía ternos urna concepcáo de Cristianismo que se ca-
racteriza pela fuga do mundo. Nao era raro perceber a idéia de por a santi-
dade em proporc;ao direta com o desprezo do mundo e das coisas criadas.
A própria liturgia, nao poucas vezes, elevava ferventes preces, pedindo ao
Senhor que ensinasse a desprezar as coisas terrenas e amar unicamente as
celestiais.
A consideracáo do mistério da Redencáo, na base da morte e ressurrei-
c;ao de Cristo, fornecia O embasamento teológico para o desprezo do mun-
do: morrer para o mundo e ressuscitar para Deus, nurna vida nova. O ve-
lho homem tinha que desaparecer. E facilmente se entendia, com esta ex-
pressáo, tudo o que se referisse a natureza.
A linha que propugna a rejeícáo incondicional de tudo o que é terreno,
natural e humano, acompanha toda a História do Cristianismo. Terá, sem
dúvida, seus altos e baixos. Facilmente, porém, se pensaráo, como altos, os
momentos em que ela prevalece, como as de maior pureza da vida cristá e
baixos, os momentos em que esta rejeicáo perde seu ímpeto como decaden-
cia do cristianismo.
A verdad e porém nao é esta. Como tivemos ocasiáo de ver, no segundo
volume, os pontos altos do Cristianismo e seus heróis mais destacados fo-
ram os que souberam conciliar, harmoniosamente, a fuga e a insercáo, o
desprezo e o apreco pelo Inundo. Teoricamente falando, poderá parecer pa-
radoxal. Concretamente, porém, se constata que nao sao as coisas terrenas
e criadas, que devem ser rejeitadas, como sendo más. Antes pelo contrário:
elas sao boas. Sao criaturas de Deus, que, ao completar a sua obra, viu que
tudo o que tinha criado era muito bom. O que o cristáo nao pode aceitar é a
atitude humana pecaminosa, proveniente de urna concupiscencia desorde-
nada, frente a esta realidade boa. E o homem que deve purificar o seu dese-
jo frente a realidade, para situé-la no seu justo lugar, de acordo com o pla-
no criador. A fuga do mundo, levando a atitude humana ao extremo da re-
jeicáo dos bens criados, nao quer senáo apontar, de modo radical e forte,
para a necessidade de purificar o coracáo e a inteligencia. Chama a atencáo
para um problema que afeta os homens que abusaram da tríplice dimen-
sao, que os leva ao relacionamento com o mundo: o sexo, o poder e a liber-
dade. Para redescobrir o seu exato significado é preciso deixar claro que es-
tes valores estáo a servico do homem e que o homem nao pode submeter-
se a eles.
Surge, por isso, paralelamente a fuga do mundo e, em grande parte,
inspirada por ela, urna atitude de insercüo na realidade terrestre, no empenho
da promocáo do bem comum. Desde o início, os cristáos se dedicam ao ser-
víco do próximo, inclusive na adrninistracáo dos bens materiais e no servi-
co das mesas. Montou-se, desde logo, urna impressionante obra de carida-
de, eom grandes somas de bens materiais, tentando eoordenar as comuni-
dades cristás no sentido de promové-las em todos os sentidos.
A dialética da insercáo na realidade terrestre se abre para dois grandes
desafíos: a relacáo cristá com a política, no sentido da promocáo do bem co-

10 / D. Dadeus Grings

Material corn direhos autorais


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Além do mais, preciso reconhecer que a política ocupa um lugar de
é

capital importancia na vida humana. E ali que se jogam, em grande parte,


os destinos da humanidad e, na promocáo da paz ou da guerra; na consecu-
~ao do bem comum; no impulso para o progresso; na organizacáo da socie-
dade humana; no relacionamento entre as diversas sociedades ... Nao seria
pois concebível que a Redencño cristá tivesse que ficar ausente deste cam-
po, tao vital, da condicáo humana sobre aterra.
Nao se quer aqui elaborar um estudo teórico sobre o assunto - o que já
foi feito na obra "O solidtzrismo, Sociedade do Futuro. Interessa agora ver con-
cretamente, através da História - urna História que já conta com quase dois
milénios - este influxo do Cristianismo sobre a política e, conseqüentemen-
te, o intercambio entre fé e política, entre Igreja e Estado; entre Cristianismo
e Humanismo. Veremos as vicissitudes deste intercambio, a forca do Evan-
gelho, bem como também a torca do egoísmo humano. E já podemos
adiantar que, neste relacionamento, nem tudo será evangélico, porque en-
tra O fator humano. Mas também preciso constatar que o Evangelho exer-
é

ce o seu influxo benéfico. E ainda mais, que, em alguns momentos da His-


tória se chegou bastante perto do ideal da realizacáo da encarnacáo do
Evangelho na estrutura social. Nao fosse assim, ou seja, se em dois mil
anos nao se tivesse nunca chegado nem sequer a vislumbrar, em nenhuma
parte e momento, urna tentativa concreta de vivéncia do Evangelho no pla-
no político, dever-se-ia praticamente desistir de querer tenté-lo para o futu-
ro. Seria sinal de que as duas realidades sao incompatíveis.
Eis porque este estudo histórico importante e difícil. Importante por-
é

que tenta apontar os altos e baixos da dialética entre o Evangelho e a socíe-


dade humana. Difícil porque os modelos nunca sao puros e nao podem ser
transpostos integralmente para fora do seu contexto.

3
UM EspfRITO NOVO

o Cristianismo nao propóe um modelo de organizacáo social. Nao


constitui, de per si, um sistema social. É, antes, um novo espírito que deve
pervadir tudo. Representa urna mística que póe o homem, filho de Deus,
remido por Cristo, como centro de todos os valores. O homem nao pode,
pois, ser usado como meio para qualquer outra realizacáo.
Além da opcáo pelo homem, como fim em si mesmo, o Cristianismo
entra na sociedade humana também com urna nova mística de relaciona-
mento. O homem é o irmáo. Cada um tem compromisso com O outro, que
é, em primeiro lugar, um compromisso de amor; um amor que transcende,

Día/ética da Política / 13

Material corn direhos autorais


,
de longe, as próprias dimensóes e forcas humanas. E um dom de Deus e
um mandamento que Cristo propóe aos seus discípulos: amai-vos, como
.
eu vos arnei.
Aquí está o ponto nevrálgico da política e da relígiáo cristá. Será possí-
vel fazer política baseada no amor de Cristo? Será possível dirigir urna em-
presa com espírito evangélico? Se alguém julgar que, com esta atitude, irá
necessariamente a falencia e que o cristáo, irremediavelmente, fracassará
na política, entáo política e religiáo serño incompatíveis: a política será
anti-cristá, ou talvez mais exatamente, o Cristianismo será anti-político.
Como integrar o espírito cristáo na administracáo pública? Veremos, ao
longo deste estudo, as diversas tentativas. Pode, muitas vezes, haver dúvi-
das quanto a concreta opcáo política - se é a mais acertada para o momento
e para aquela circunstáncia - mas nao quanto a iluminacáo evangélica. Esta
devería ser clara para qualquer opcáo política, feita por um cristáo que se
preza deste nome. A fé cristá, que constituí urna mística para a acáo, nao
necessariamente levará a melhor opcáo política. Esta depende do tino e do
estudo de quem a faz. E vice-versa: urna opcáo politicamente muito acerta-
da nao necessariamente indica bons sentimentos cristáos.
Em outras palavras: nao basta ser bom cristáo para ser bom político;
nem basta ser hábil político para ser bom cristáo. Até [esus se queixava dis-
to: os filhos deste mundo, em seus negócios, sao mais espertos que os fi-
1110S da luz. Para ser bom político requer-se tino, visa o clara dos problemas
e capacidade de conseguir adesóes para a sua solucáo. E urna ciencia e urna
arte bem mais complexas que a música, ou a arquítetura, ou a medicina.
Para ser bom crístáo, ao invés, requer-se conversáo: fé em Deus, esperanc;a
na vida eterna e caridade, com a freqüéncia aos sacramentos, que consti-
tuem um novo organismo sobrenatural no homem.
Seráo, por acaso, política e religiáo totalmente independentes? Absolu-
tamente nao. Sua uniáo se faz, porém, no homem. E O cristáo que deverá
ser político e o político que deverá ser cristáo. Vale dizer: o Cristianismo dá
ao homem urna mística para ser bom político e a política oferece ao cristáo
um instrumento para exercer seu ideal de servíco ao próximo.

4
A IGREJA DE CRISTO

o cristáonao vive isoladamente. Desde o seu batismo está integrado


numa comunidade. Forma a Igreja. Por isso, todo cristáo, quando age na
qualidade de cristáo, empenha e representa, de alguma maneira, a Igreja,
da qual é membro vivo.

14 I D. Dadeus Grings

Material corn direhos autorais


Aqui surge o problema mais difícil do estudo da política em relacáo ao
Cristianismo. Pergunta-se, por exemplo, sobre a posicáo da Igreja acerca de
algum problema político, ou fala-se que a Igreja condena certa experiencia.
Que entender, neste caso, por Igreja?
O problema está na imagem que fazemos de Igreja. Em conseqüéncia,
todo o tratado toma colorido diferente. Normalmente, quando se fala em
Igreja - Igreja que se posiciona, que aprova ou desaprova, que está em ten-
~ao com um governo etc, - entende-se a hierarquia. Ela fala em nome da lgre-
Ja. Este modo de falar, principalmente a partir do absolutismo inaugurado
por Pio IX, causa nao poucas confusóes, Hoje, após o Concílio Vaticano II,
está claro que a hierarquia representa a Igreja, mas nao a Igreja. Esta o
é é

Povo de Deus, a cujo servico se encontram tanto os ministérios como os ca-


rismas. Por isso urna briga com algum Papa ou Bispo nao necessariamente
é briga com a Igreja, assim corno, quando Paulo enfrentou a Pedro, nao en-
frentou a Igreja.
Nao será, porém, fácil, mudar a mentalidade de identificar hierarquia
com Igreja, o que torna tremendamente difícil entender a história da Igreja
no plano político. Mas há mais. A tríplice missáo que caracteriza a autori-
dade eclesiástica, de ensinar, santificar e reger, nao provém e nao se exerce
em nome do povo, mas por delegacáo divina. Foi Cristo quem confiou aos
discípulos este poder e estes o transmitem, através da imposicáo das máos,
pelo sacramento da Ordem, a sucessores. É pois claro que o Papa e os Bis-
pos obtém sua autoridade pela sucessáo apostólica e nao por deputacáo
humana.
No plano religioso este princípio nao pode testar dúvidas. Nao aconte-
ce, porém, o mesmo no plano político. E exatamente aqui que se póem os
é

maiores equívocos. Ao entrar na política, a autoridade da Igreja nao age dí-


reta mente em nome de Cristo, mas da Comunídade eclesial, já que estarnos
no campo da prornocáo do bem comum. Por tanto, para urna posícao políti-
ca deve ser levada em consideracáo, em primeiro lugar, a situacáo concreta
do povo de Deus, com todas as suas circunstancias do lugar e da época.
Nao é preciso dizer - pois evidente - que isto se deverá fazer a luz da fé,
é

pelo impulso da caridade cristá, sob a inspiracáo do Espírito Santo, impe-


rativo para qualquer crístáo, que se ernpenha pelo bem comum.
Acontece, porém, infelizmente, que este setor de atividade se tem pres-
tado para muitas malversacóes e, inclusive, para exorbitancias clamorosas.
Nao raro autoridades eclesiásticas - como veremos ao langa deste estuda -
apelam para o seu poder espiritual para intervir nas questóes temporais.
Até excomunhóes se térn lancado como armas para combater adversários
puramente políticos e para encaminhar questóes, até políticamente suspei-
taso Ternos vários casos desastrosos, no decorrer da História. Dizendo agir
em nome de Deus, quando deveriam agir em nome do povo, de fato, mui-
tos Papas e Bispos nao se inspiravam nem em Deus nem no povo, mas ape-
nas em seus interesses mesquinhos, com grande prejuizo para a Igreja e a
Humanidade. Por isso se sentia que, nao raro, era mais fácil um chefe de

Dia/ética da Política / 15
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como se os interesses de ambos fossem diverfientes. Antes pelo contrário:
nao existe pavo sem autorídade - onde falta a autoridade depara-se com
urna massa informe, sem possibilidade de organízacáo e de conseqüente
consecucáo do bem comum -. Portanto, se alguém se pronuncia contra a
"autoridade", em nome de um suposto POyO, nao o faz senáo com o fito de
substituí-la por outra, que sintonize melhor com as exigencias do momen-
to.
Nao se pode, evidentemente, ignorar que as pessoas que sao deputadas
para exercer o poder - ou porque o conquistaram a forca, ou porque se im-
puseram, ou porque o compraram, ou por mil outras maneiras - nem sem-
pre se empenham pelo verdadeiro bem do POyO que deveriam promover,
quer por interesses egoístas, quer por falta de capacidade, quer pela orgía
do poder, quer por outras razóes. Que se requer, pois, para que exercam
sua verdadeira missáo?
Como se sabe, o exercício do poder civil é missáo específica dos políti-
cos. Todos os cidadáos devem, de algum modo, ser políticos. Mas alguns o
seráo em grau mais elevado, dedicando-se integralmente a esta arte. De
corpo e alma. É exatamente aqui que entra a fé cristá. Assim como alguns
cristáos, para testemunhar publicamente sua fé em Cristo ressuscitado, se
retiravam para a solidáo, também outros cristáos, com o mesmo objetivo
de mostrar a presen<;a de Cristo no mundo, se dedicaráo a política, a admi-
nistracáo de urna empresa, a cultura ... O cristáo procurará pois ser um polí-
tico honesto, que também primará pela competéncia. Nao se mete no que
nao entende, ou no que nao estudou a fundo. E o político cristáo procurará
inspirar sempre de novo as suas atitudes nas lícóes do Evangelho, de serví-
co, de despreendimento, de esperan<;a.

6
RELACAOIGREJA-ESTADO
,

Grande parte da História da Igreja, bem como da História da Civiliza-


'Saoocidental, se resume na relacáo entre Igreja e Estado. A política da Igre-
ja pode ser vista sob dois prismas, para usar urna expressáo do Concílio
Vaticano TI: Igreja toadintra" e Igreja toadextra". Existe urna política interna da
Igreja, que afeta a sua organízacáo e o exercício concreto do seu poder e de
suas atividades, nos mais diversos planos. Também a Igreja é urna Comu-
nidade que deve funcionar com a diversificacáo de muitos órgáos. Além da
sua organízacáo interna, com todos os problemas decorrentes, a Igreja tam-
bém se relaciona com a sociedade civil e com o mundo em geral, Isto apa-
rece mais claramente onde existe, como em geral acontece nos Estados mo-

Dia/ética da Política / 17

Material com direüos autorais


dernos, a separacáo entre Igreja e Estado. Para visibilizar o relacionamento,
a Igreja mantérn junto aos diversos governos urna "representacáo pontifí-
da" que de per si apenas representaria a Santa Sé, mas de fato quer expres-
sar um amplo relacionamento de ambas as autoridades.
O assunto do relacionamento entre Igreja e Estado, como se dizia aci-
ma, depende da concepcáo que se tem de ambos. Concebendo ambos como
povo, de per si, nao poderia haver dificuldade. Em grande parte é o mes-
mo povo que é Igreja e Sociedade civil, apenas com objetivos diversos e,
conseqüentemente, com organizacóes diferentes. Onde pois o povo é au-
tenticamente cristáo e autenticamente patriota, dever-se-á necessariamente
estabelecer urna harmonia.
Daí já se nota que o problema do relacionamento entre Igreja e Socieda-
de civil nao está, em vía de regra, na base popular, que idéntica em am-
é

bos os casos, mas nas respectivas cúpulas, ou seja, na relacáo entre a autori-
dade eclesiástica e a autoridade civil. Isto, porém, revela também - se neste
plano surgirem atritos, numa nacáo que se diz católica - que uma ou am-
bas as autoridades nao representam as aspiracóes de seu povo, ou nao se
mantém nos limites de sua competencia. Veremos, ao longo da História,
esta realidade a significar a forca e também a fragilidade da pregacáo evan-
gélica.

7
A VIRADA CONSTANTINIANA

Descendo agora para o concreto, ao acenar a alguns problemas mais


em evidencia na História do Cristianismo, nao podemos nao apontar o pe-
ríodo que transformou O Cristianismo de urna condicáo de perseguicáo
para urna condicáo de privilegiado pelo Império Romano. Costuma-se de-
nominar esta passagem de "virada constantiniana" porque esta transforma-
~ao se deve ao Imperador Constantino.
Que mudou? Até o século IV, os cristáos eram perseguidos. Encontra-
varn-se em situacáo de ilegalidad e, desde que Nero decretara nao ser per-
mitido a um romano professar a fé em Cristo. Mantinham-se e avancavam
a muito custo e com muito sacrificio. Em tres séculos nao chegaram senáo a
atingir a décima parte da populacáo romana. Sua fé estava marcada pelo
heroísmo.
Coro o decreto constantiniano, de liberdade religiosa e, ainda mais,
com os contínuos privilégios que ele e seus sucessores foram concedendo
ao Cristianismo, este avancou rapidamente. Em menos de um século pene-
trava praticamente os outros nove décimos da populacáo, que até entáo se

18/ D. Dadeus Grings

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haviam mantido impermeáveis a preBa)áo do EvanBelho. Humanamente
falando, o Crístíarusmo obtém urna vitória estrepitosa. Toma-se, por fim,
religiáo oficial e única do Irnpério.
Politicamente, a situacáo dos cristáos mudou pois profundamente. A
partir deste momento, a própria política lhes abre as portas. Em outras pa-
lavras, a atitude do Império romano mudou radicalmente em relacáo a
Igreja. o próprio Império quer tornar-se cristáo.
Nao mudou, nem poderia mudar, porém, o Evangelho; por isso, nem a
Igreja poderá mudar essencialmente. Ela continuará a ser a comunidade
dos convertidos. SÓque agora estes seráo em número muito maior e esta-
ráo empenhados em novos campos de atividade, com urna conversáo tal-
vez algum tanto superficial. Haverá certamente muitas pessoas, mormente
as mais privilegiadas, ou as que aspiram a privilégios com sua atividade
ou profissáo de fé, que se deixaráo envolver por ambicóes e esqueceráo sua
missáo específicamente cristá ou até, na prática, deixaráo de lado a viven-
cia do Evangelho. Estas pessoas se multiplicaráo pelas facilidades da car-
reira pública, abertas precisamente aos cristáos, Poderáo denegrir a ima-
gern da Igreja. Mas esta nao mudará substancialmente. De tempos em tem-
pos procederá, movida principalmente pela acáo vigorosa de monges, sob
a ínspiracáo do Espírito Santo, a urna puríficacáo, Nao pode porém nunca
esquecer que é o Povo de Deus em marcha para a eternidade.
A oficializacáo, dentro da sociedade civil, trouxe para o Cristianismo
urn novo compromisso e uro novo empenho: imbuir toda a sociedade com
o seu espírito: com o Evangelho. O Império póe, por isso, a sua dísposicáo
todos os meios de que possa necessitar para esta sublime missáo. Os Impe-
radores deram-se conta da necessidade de urna nova mística e de que a
consecucáo do bem comum, para ser verdadeiramente humano, deveria
basear-se na fé e na fraternidad e cristás,
A Igreja aceitará esta tarefa? Será capaz de levá-la a efeito? Conseguirá
o éxito desejado? Beneficiada com tantos privilegios e aureolada com tal
prestígio humano, nao se deixará levar pelos atrativos do mundo: da rique-
za, do poder, das paixóes? A História no-lo mostrará.

8
DIFICULDADE DE SITUAR-SE

Desde a sua oficialízacáo no Império Romano, a Igre]a recebe pingues


subvencóes dos poderes públicos para o exercício da sua missáo evangeli-
zadora. Quem dá é a autoridade civil - que no início, quando os cristáos
nao passavam de 10% da populacáo romana, certamente nao representava,

Ola/ética da Po/ftica /19

Material corn direhos autorais


neste gesto, urna aspiracáo ou desejo do povo - e quem recebe a autorida-
é

de eclesiástica. E por antonomásia, a primeira chama-se Estado e a segunda


Igreja.
A partir de seus primórdios de religiáo oficial, a autoridade eclesiástica
acostumou-se tratar suas questóes políticas diretamente com o lmperador, já
feíto cristáo. A política nao envolvía diretamente o povo. Quando, porém,
muda o sistema de governo, principalmente nurna abertura para os regí-
mes democráticos, a autoridade eclesiástica se sente urn tanto perdida. Pi-
cará, por muito tempo, defendendo os direitos da monarquía, visto ser
mais fácil tratar com urn rei que com elementos eleitos pelo povo, ou com
ditadores, que nao tém tradicáo familiar na chefia de urna nacáo. E sao exa-
tamente as democracias que causarán maíores problemas a Igreja, o que é

muíto de estranhar em países em que o povo, em sua esmagadora maioría,


se professa católico. Isto demonstra urna falha na própria base da Igreja,
que nao soube levar os fiéis a participacáo responsável na política. Acostu-
mou-se, através dos séculos de desinteresse pela causa pública, a viver na
passividade política. Deixou que os outros decidíssem, atitude que, em cer-
ta altura dos acontecimentos, se revelou fatal para o Cristianismo.
Entende-se, deste modo, que a dialética da política do Cristianismo im-
plica muitos envolvimentos ideológicos. Nao será sempre fácil fazer a op-
~áo mais acertada. Semente a distancia de um razoável tempo, a história
dirá quais foram as atitudes mais acertadas e quaís as erradas. Fazendo
pois uma análise crítica dos acontecimentos do passado, com a grande vi-
sao da História, precisamos descobrir os momentos de acerto e de falha,
para que nos ajudem a um discernimento para o tempo presente. A história
foi e continua sendo a mestra da vida.
Fazendo, pois, a crítica do passado para reconhecer os acertos e os er-
ros cometidos, quer-se proporcionar urn subsídio para superar os impasses
que poderiam levar a outros erros na atualidade. Sempre, porém, deve es-
tar na base o amor a Igreja de Cristo que, mesmo errando na pessoa de al-
guns de seu s representantes, é sempre Máe e Mestra. A atitude humilde de
reconhecer os erros e pecados, como fez maravilhosamente o Concilio Vati-
cano TI,é a única maneira possível para urna verdadeira conversa o, purifí-
cacáo e real desenvolvimento.
Apresentando a díalética da política nao se pretende, evidentemente,
propor modelos acabados a serem copiados taís quais. Nao esta a funcáo
é

da Historia. Ela nao visa levar a um imobilismo, ao proporcionar como que


um repertório onde se possam buscar solucóes prontas para todos os pro-
blemas. A História, ao invés, ao fornecer o complexo desenrolar-se dos
acontecimentos através dos tempos, pretende levar a uma compreensáo do
dinamismo, ou seja, do espírito que a anima. O cristáo, ao tomar conscien-
cia de seu ser novo, da vida da grac;a, abre-se para a compreensáo da Histó-
ria, que é também urna Hístória sagrada, na qual os acontecimentos terre-
nos constituem o ambiente de urn mistério, Nao estuda pois a História com
a curiosidade de um erudito, mas com amad ureza da fé.

20 ID. Dadeus Grings

Matenal com direiíos autorais


9
MOMENTOS CRUCIAIS

A Dialética da História do Cristianismo apresenta seus momentos críti-


cos nas antíteses. Há muitas. Todas elas, porém, devem ser superadas por
urna síntese, conseguida, muitas vezes, somente com enormes sacrificios e,
outras vezes, deixando ainda muito a desejar, devido a íncompreensáo hu-
mana.
As perseguícóes que acompanham, em diversas regióes, a História da
Igreja, constituem urna antítese dolorosa a vida cristá na terra. Mas tam-
bém a purifícam. Mais tristes, porém, vistas a distancia de séculos, sao as
épocas em que a própria Igreja é internamente sacudida, com prejuizo de
sua missáo salvífica.
De outro lado, ternos Pontífices que se destacam no sentido positivo,
como gigantes de atuacáo e de vida, como grandes políticos e homens de
visáo e de Igreja. S. Leáo Magno e S. Gregório Magno receberam, com ra-
záo, o título de grandes. A hurnanidade e a Igreja lhes devem muito. Ino-
céncio Ill situa-se nas culmináncias da Cristandade. Bento XIV, vivendo
nurna época dificílima, soube dirigir a Igreja e dialogar com o mundo, com
extraordinária sabedoria. Pio Vil, apesar dos dissabores que teve que pas-
sar, constitui talvez urna das figuras mais belas de Pontífice. Leáo XIII, após
o desastroso período de Pio IX, se levanta como gigante, para projetar no-
vamente a Igreja para o primeiro plano da conjuntura internacional. O sé-
culo XX registra Papas de grande envergadura e visa o da realidade ...

10
NOSTALGIA

O relacionamento da Igreja com as sociedades civis nunca foi totalmen-


te tranqililo. Sempre existe certa tensáo entre o Reí e o Sacerdote, que pode
ser salutar, na medida em que leva a urna contínua revisáo e purificacáo da
atitude de ambos. Acontece porém que, com o muito caminhar, chegou-se
a um regime que parecia ideal: o regime de Cristandade, onde o sacerdócio e
o império andavam de máos dadas. Falava-se, por isso, de Sacro Império Ro-
mano.
É difícil para a Igreja desacostumar-se da idéia e renunciar ao desejo do
Sacro Império. Por isso ainda nao se situou plenamente dentro dos Estados

Dla/ética da Po/(tlca /21

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como em concordatas do passado, que sejam proibidas as outras religi6es;
política que revertía em prejuízo para ela mesma, nos outros países em que
seus fiéis se encontrassem em minoría.
Cristo nao veio eliminar a autoridade civil, nem substituí-la. Seu reino
é de outra ordem. Traz urn novo espirito, que deve pervadir tudo. A Igreja
está encarregada de garantir esta mística no mundo inteiro. Para isso ne-
cessita da vida consagrada, como sinal dos bens eternos, mas também ne-
cessita da participacáo dos leigos, cuja índole secular os empenhe na cons-
trucáo da sociedade terrena.
Quando, pois, se diz que a Igreja nao se intromete na política, mermen-
te na política partidária, é preciso distinguir. O clero, que tem por funcáo O
sagrado, nao está em condicóes de fazer também opcóes políticas. Nao po-
réln o laicato, que também é Igreja - e a larga maioria na Igreja. Hoje se cor-
re o risco de o clero, principalmente o episcopado, tomando a dianteira nos
pronunciamentos de ordem política, tirar a vez dos leigos, deixando-os
eternamente numa situacáo de passividade, a esperar a última palavra das
autoridades religiosas, no seu campo específico de construcáo da cidade
terrena. E deste modo nunca assumiráo a sua responsabilidade especifica.
Na construcáo do mundo sao eles a Igreja e, normalmente, entendem me-
lhor destes assuntos que o clero. Mas assim como a missáo do religioso é
testemunhar Cristo com a sua fuga do mundo, o leigo deve testemunhá-lo
pela insercáo no mundo. Precisa, sem dúvida, de urna grande ajuda, para
nao sobrar as tentacóes das paixóes, da riqueza e do poder. Por isso, em
boa hora, surgiram os Institutos seculares, para levar urna nova espirituali-
dade para este empenho no mundo, particularmente importante nurna
época, que se quer caracterizar pelo regime democrático.
Os judeus sao tao interessados na política e na insercáo no mundo, que
a expressáo da sua religiáo, nestes setores, seja muito superior ao número
de seus adeptos. No catolicismo acontece o contrário: nao desenvolveu su-
ficientemente sua mentalidade política. Insistiu mais na fuga do mundo.
Oxalá este estudo colabore para suscitar um pouco mais de interesse
por este vastíssimo campo da atividade humana, tao necessitado da luz
evangélica.

Díalética da Política / 23

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1

o PODER ESPIRITUAL

1
AIGREJAINDEPENDENTE

Tese 1:
PREGA~ÁO DO EVANGELHO
o Reino de Deus comeca no mundo dos homens como urna pequena
semente Iancada aterra. Cresce. Torna-se, aos poucos, árvore frondosa e co-
bre aterra.
Com a idade de cerca de 30 anos, Iesus sai de Nazaré para pregar O Rei-
no de Deus. Depois de alguns dias, volta a sua cidade natal para dizer aos
conterráneos que se está cumprindo nele a profecía de Isaías: "O Espírito
do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu; e enviou-me para anunciar
a boa nova aos pobres, para sarar os contritos de coracáo, para anunciar
aos cativos a redencáo, aos cegos a restauracáo da vista, para por em liber-
dade os cativos, para publicar o ano da grac;ado Senhor" (Le 4,18-19).
Além de pregar ao POyO, [esus escolhe seus discípulos e os forma acu-
radamente. Quer que permane~am com ele, para ouvirem suas pregacóes
ao POyO e receberem ulteriores esclarecimentos e aprofundamentos. Todos
percebem que ele tem um plano concreto, para o qual necessita de auxilia-
res e continuadores.
Os discípulos colocavam-se, as vezes, a questáo da organízacáo do rei-
no de Cristo. Surgiam inclusive discussóes entre eles, sobre quem seria o
maior. [esus, porém:, intervém para mostrar-lhes que o critério da distribui-
~ao dos postos no seu reino diverso dos reinos terrenos: "Os reís dos pa-
é

gáos dominam como senhores e os que exercem sobre eles autoridad e cha-
mam-se benfeitores. Que nao seja assim entre vós; mas o que entre vós é o
maior, torne-se o último; e o que governa seja como O servo" (Le 22,24-26).
[oáo concretiza esta licáo no lava-pés: "Se eu, vosso Senhor e Mestre, vos la-

Dia/ética da Po/rtlca /25

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vei os pés, também vós deveis lavar-vos os pés uns aos outros. Dei-vos o
exemplo, para que como eu vos fiz, assim facais também vós'' (Io 13, 14-15).
A atitude de Cristo, frente a política, aparece mais claramente na tríplice
tenta9ao a que foi submetido, no início de seu ministério. Estas tentacóes co-
locam-se num contexto de interpretacáo do Antigo Testamento. Tanto o
tentador COlno [esus servem-se dos textos bíblicos para comprovarem sua
posicáo. Quando este Evangelho, tanto de Mateus como de Lucas, foi escri-
to, a polémica judeu-cristá estava no auge. Urna linha, apoiada no Antigo
Testamento, argumentava em prol de um Messias político, que resolveria o
problema da fome, ao passo que a outra apontava para a Cruz. [esus, con-
trapondo textos bíblicos as citacóes do tentador, mostra como deve ser en-
tendida a Bíblia do Antigo Testamento. Sem Cristo, ela faz o papel do ten-
tador, ao passo que, com Cristo, ela adquire um sentido novo e revela toda
a sua profundidade. Portanto, além do tema imediatamente em evidencia,
nesta tentacáo do Demonio, está todo o problema da exegese do Antigo
Testamento. Visto a luz de Cristo, todo ele adquire um sentido de salvacáo,
Sem Cristo, desvia do verdadeiro caminho. Moisés, Elias e todos os profe-
tas do Antigo Testamento devem ser vistos e entendidos a luz de Cristo re-
dentor, isto é, de Cristo crucificado, e nao vice-versa: nao é Cristo que deve
ser interpretado a luz de Moisés libertador.
Após 40 días de dura penitencia, quando estava todo penetrado do pla-
no de Deus e, ao mesmo tempo, sentindo o peso do corpo, pela fome resul-
tante do prolongado jejum, cai sobre [esus a primeira tentacáo: transformar
as pedras em páo. Ou seja, submeter o poder espiritual a satisfacáo das ne-
cessidades materiais, E apresentada como protótipo da tentacáo de todos
os que buscam a Deus: querer fazer dele um instrumento para a solucáo
dos problemas materiais. Ou seja, instrumentalizar a religiáo e a própria fé
em Deus para a promocáo do bem estar temporal.
[esus porém revida: nao só de páo vive o homem. Elimina, pela raiz, o
puro horizonialismo e a unidimensionalidade humana. Nao que negue a ur-
gencia da solucáo do problema da fome - ele o sentía agudo, após 40 dias
sem comer -. Mas nao é este o único problema do homem. Ele nao se deixa
desviar de sua missáo, que a de pregar o Reino de Deus e a vida eterna. E
é

calcará esta dimensáo, Um dia dirá que preciso procurar, em primeiro lu-
é

gar, ? Reino de Deus e a sua justica, que o resto virá de acréscimo.


E tal vez o anúncio que será mais duro de acreditar. Mais facilmente se
procurará "o resto" para, satisfeitas as necessidades urgentes da vida, resul-
tar a fé em Deus. Mas o que resulta é cada vez maior ganancia, competicáo
e injusticas, O modo divino de resolver os problemas segue vía inversa.
Como Elias. Encontrando urna viúva de Serepta, pede-lhe de comer. E ao
ela se queixar de que só lhe resta um último bocado para ela e seu filho co-
merem e depois morrerem, lanca a desafiadora proposta: dá-mo a mim e
nao te faltará, até ao fim da carestia. E assim sucedeu, em recompensa a fé
da viúva, que receberá seu elogio da boca de Cristo.

26/ D. Dadeus Grings

Material com direüos autorais


A segunda tentacáo é a da presuncño. Fazer prodígios a custa de Deus.
Só para aparecer. A vanglória. E ainda mais amplamente: lancar-se em em-
presas sem o devido cuidado, confiando que Deus intervirá no momento
oportuno para tirar de eventuais apuros.
Iesus, em contraposicáo, responde que os milagres nao sao concedidos
aos homens para amparar sua falta de critérios e seu s arrojos mal planeja-
dos. Os planos humanos devem ser proporcionais a capacidade de acáo.
Na política é preciso medir os prós e os contras para, antes de se por em
marcha, calcular as possibilidades de éxito. Requer-se, numa palavra, sabe-
doria.
A terceira tentacáo se apresenta de modo descarado. Póe diante de Je-
sus o poder, a glória e as riquezas, tudo ao alcance da máo, sob urna única
condicáo: prostrar-se di ante delas. É a tentacáo que prostra a maior parte
das pessoas. Sua oferta demasiado vistosa e atraente para nao lhe ceder.
é

Diante da riqueza, do poder e da glória, dificil mente alguém consegue re-


sistir. É por ali que entram a corrupcáo e todas as injusticas no mundo.
O Senhor nao se prostra diante desses valores terrenos. Ensina, porém,
que é preciso prostrar-se única e exclusivamente diante de Deus e só a Ele
servir. Para visibilizar esta atitude, em sua radicalidade, suscitará, no de-
correr da História, homens e mulheres dispostos a dar o testemunho da re-
núncia total ao mundo, para servir, de todo o coracáo, ao Senhor. Fazem-no
através de um tríplice voto: pobreza, castidade e obediencia. Estes votos,
resultado dos conselhos evangélicos, querem apontar para a absoluta su-
premacia de Deus sobre o mundo e seus atrativos: sobre o corpo e o espíri-
too Quanto ao corpo dois sao os impulsos fundamentais: a auto-conserva-
<;aopessoal e a auto-conservacáo da espécie, ou se]a, a alimentacáo e a ge-
racáo, representadas por duas tendencias muito vigorosas: o gosto e o sexo.
Por isso, professar que Deus é o Senhor também do corpo leva a introduzir
o jejum e a castidade perfeita. Quanto ao espírito, a tendencia fundamental
é a auto-suficiencia. Cristo, ao invés, ensina que a atitude básica do Reino
de Deus é a da enanca: a dependencia, ou seja, a obediencia frente a Deus.
Diante de Deus somos sempre enancas.
Vimos a epopéia do heroísmo da vida consagrada no segundo volume
desta História do Cristianismo. A espantosa proposta de Cristo, dos conse-
lhos evangélicos, nao ficou sem resposta. Milhóes de pessoas a assurniram.
Sinal de que no mundo dos homens há ainda multa disponibilidade e ge-
nerosidade ...
O ensino de Cristo, porém, nao se limita a superacáo das tentacóes.
Nao tira os homens do mundo, mas quer preserva-los do mal. Imprime-
lhes urna nova mística e incute-lhes um novo animo para viver neste mun-
do. Fala do Pai que está nos céus, que ama e quer o bem dos homens. E fa-
lando do Pai, incute nos homens, seus discípulos, um novo relacionamento
mútuo: a [ratemidade. E aos homens irmáos imp5e um único mandamento:
que se amem mutuamente, como Ele os amou.

Díalétíca da Polftíca /27


Note-se, porém, que Cristo nao veio ensinar, nem obrígar a amar. Nao
se limitou a falar sobre o amor, nem apenas a dar pessoalmente o exemplo.
Através do Espírito Santo, que envía sobre os discípulos, derrama em seu s
coracóes o próprio amor divino. A partir deste acontecimento, o amor cris-
tao brota do próprio coracáo humano, elevado a ordem divina. Sao Paulo
chega a afirmar que para um cristáo nao amar, ou odiar, só é possível se fi-
zer violencia a si mesmo: se reprimir o impulso divino que lhe foi dado.
Neste sentido pode-se dizer que a civilizacáo que se deverá construir, a
partir de Cristo, que receberá o nome de "civilizacáo cristá", é a civilizacáo
do Espírito Santo, ou, o que é a mesma coisa, a cioilizacio do Amor". Onde,
poís, nao existe amor, nao há presenc;a do Espírito Santo e conseqüente-
mente nem de Cristo. Quando se ouve, hoje, a afirmacáo desanimada de
que nao existe amor no mundo, é preciso fazer íntrospeccáo e um exame de
consciencia. O fato de alguém nao se sentir amado pode também ser sinal
de que nao ama e de que lhe falta ainda urna verdadeira conversáo cristá,
ou pelo menos, que ainda nao descobriu o Espírito que nele age. Deverá
entáo procurar voltar-se primeiramente para Deus e pedir o dom do Espíri-
too
Há quatro passos a fazer para a vivencia evangélica: oracáo, fé, amor e
servico. A oracáo leva a fé; a fé produz o amor; e o amor transborda no ser-
vico ao próximo. Ou inversamente: quem uma vez se empenhou pelo pró-
ximo, através do servico, sente necessidade de procurar cada vez mai amá-
lo e para isto, crescer na fé, o que novamente exige oracáo.
Formados neste espirito, os apóstolos sao enviados ao mundo para
evangelizá-Io. Devem levar o Espírito de Cristo a todos os homens. Leve-
dar toda a massa humana, transformando-a em Povo de Deus. Nao há li-
mites para esta obra: todas as nacóes, até o fim dos séculos. Sem perguntar
ninguém. Sem sequer pedir licenca para pregar. A ordem é: ide, ensinai to-
das as nacóes: batizai-as.
Há uma norma a seguir: nao levar coisa alguma pelo caminho. SÓ o
Evangelho, com a sua paz. Contentar-se com o que vem oferecido. Mas
também existe uma garantia: a presenc;a de Cristo: Eu estou convosco to-
dos os días, até o fim do mundo.

Antítese:
AS CONVERSÓES AO CRISTIANISMO

A pregacáo dos discípulos de Iesus nao caiu no vazio. O número das


120 pessoas, que se prepararam para a vinda do Espírito Santo, subiu para
tres mil, no mesmo dia de Pentecostes. Poucos dias após, já se contavam
cinco mil.
Há um verdadeiro prodígio de conversóes, num continuo crescendo de
entusiasmo. Surgía urna nova esperan\a entre os homens. Os judeus rece-
biam-na como cumprimento de urna promessa feita aos seus pais. Apro-

28/ D. Dadeus Grings


fundavam, na fé de Abraáo e na busca das raízes dos antepassados, a pers-
pectiva da nova mensagem. Os paga os, sen tiam o impacto da nova mensa-
gem e se entusiasmavam com a sua sublimidade, a partir dos ditames da
,. -
sua proprla razao.
No Cristianismo tudo é contagiante. Pedro, com os Apóstolos, dizia
nao poder deixar de talar daquilo que tinha visto e ouvido. Paulo sente o
imperativo da evangelizacáo, a ponto de exclamar: "ai de mim se nao evan-
gelizar!" Cada cristáo, na medida em que se sente atingido por esta mensa-
gem de salvacáo, tenta levá-la adiante. Os evangelizados tornam-se logo
também evangelizadores e, conseqüentemente, aprofundam ainda mais,
em si mesmos, a vivencia do Cristianismo.
Os cristáos sentiam-se livres de tudo e frente a todos, para empenhar-
se numa grande aventura. Nao perguntavam a ninguém se lhes era permi-
tido ser cristáos e pregar o Cristianismo. Os judeus foram-se desligando
dos seus antigos compromissos e dependencias religiosas para viver a
nova vida. Os pagáos igualmente abandonavam seu s deuses, sacrifícios e
sacerdotes, para se integrarem nurna nova realidade.
No regime teocrático, como ainda era, de algum modo, o regime da Pa-
lestina, isto causava certo problema. Os que ficavam fiéis as antigas tradi-
c;5esnao viam, com bons olhos, este afastamento e estas liberdades cristás,
Os sacerdotes pagáos e, principalmente, os fabricantes e comerciantes de
ídolos sentiram-no como urna subtracáo a sua influencia. Os cristáos, po-
rém, proclamavam intrepidamente sua independencia, quer do Judaísmo
quer do Paganismo. Sentiam-se no direito de seguir o seu próprio caminho,
um caminho que lhes vinha sendo aberto por [esus Cristo, o Filho de Deus.
Daí a sua seguranca em proclamar-se independentes, no plano religioso,
quer das autoridades religiosas do Judaísmo e do paganismo, quer das au-
toridades civis no tocante a sua fé religiosa. Nao lhes pediam licenca, nem
se sentiam obrigados a dar justífícacóes, quanto a mensagem que difun-
diam. Mantinham-se, porém, estritamente fiéis súditos em tudo o que dizia
respeito ao bem comum temporal.
Os cristáos viam retratada no símbolo da pesca milagrosa a sua atua-
C;aoe situacáo no mundo. Quem pesca sozinho nao obtém sucesso aprecié-
vel. Muitos falsos profetas e falsos cristos apareceram, falando em seu pró-
prio nome, proclamando-se enviados de Deus. Fracassaram. Os cristáos, ao
invés, mesmo contra todos os prognósticos humanos, lancam a rede no
mundo dos homens. Mas o fazem a pedido do Senhor. E recolhem-na sem-
pre cheia de peixes, para dentro da barca de Pedro.
O próprio número de conversóes, cada día maior, era uma confirmacáo
para a fé dos primeiros cristáos. Sentiam a máo do Senhor com eles. E por
isso pregavam com desassombro o Evangelho, enfrentando qualquer ad-
versidade, certos de que era na palavra do Senhor que lancavam as redes.
E sempre o Senhor quem os dirige e anima.

Día/ética da Po/ftica 129

Matenaí com dironos autorais


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A dimensüo da caridade, nao ofereceu dificuldades quanto a estrutura
fundamental, apostólica. Os apóstolos eram os enviados de Cristo e eles
mesmos transrnitiam este poder áqueles que eles escolhiam, na pessoa dos
Bispos. Com isto esta va a salvo a unidade fundamental da Igreja: seu cen-
tro é Pedro e os Apóstolos. Mas como organizar a caridade, de modo a visi-
bilizar o mandamento do amor do Senhor? Se alguém da comunidade pe-
casse ou cometesse algum grave escandalo, a autoridade lhe impunha urna
penitencia ou chegava ao extremo de excluí-lo da comunidade. A isto se
chamava de excomunhiio. Ficava privado da comunháo, ou seja, da uniáo
com os cristáos.

Uma experiencia falida


Mas, positivamente, como criar uma estrutura em que aparec;a que to-
dos se amam? A primeira idéia foi por tudo em comum. A Igreja seria a
grande familia, onde ninguém passaria privacóes. O entusiasmo pela Boa
Nova levou muitas pessoas a desfazer-se de todos os seus bens, entregan-
do-os a comunidade. Fora já o exemplo dos Apóstolos, que haviam deixa-
do tudo para seguir a [esus, tendo recebido, como promessa, o céntuplo e a
vida eterna. Por tanto os cristáos continuariam a fazer o mesmo e a receber
a mesma recompensa.
Lucas descreve, nos Atos, duas vezes a realidade desta experiencia jeru-
salernitana: "Todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em comum. Ven-
diam as suas propriedades e os seus bens, e dividiam-nos por todos, se-
gundo a necessidade de cada um. Unidos de coracáo, freqüentavam todos
os dias o templo. Partiam o páo nas casas e tomavam a comida, louvando a
Deus e cativando a simpatia de todo o povo" (At 2, 44-47).
Dois capítulos além volta o mesmo assunto, com mais pormenores: "A
multidáo dos fiéis era um só coracáo e urna só alma. Ninguém dizia que
eram su as as coisas que possuía: mas tudo entre eles era comum. Com
grande coragem os Apóstolos davam testemunho da ressurreicáo do Se-
nhor [esus. Em todos eles era grande a gra~a. Nem havia entre eles ne-
nhum necessitado, porque todos os que possuíam terras OU casas vendiam-
nas, e traziam o pre~o do que tinham vendido e depositavam-no aos pés
dos Apóstolos. Repartia-se entáo a cada um deles conforme a sua necessi-
dade" (At 4, 32-35).
O regime de comunhiio de bens era conseqüéncía natural do entusiasmo
dos cristáos primitivos pela nova vida e pela convivencia fraterna, levadas
as últimas conseqüéncías. Muitas vezes, no decorrer da História do Cristia-
nismo, se há de apontar para esta experiencia inícial, as vezes, com preten-
sóes de um retorno ao que se afigura ideal puro do Evangelho. Póe-se por
isso a pergunta: por que esta experiencia tao estupenda nao teve continui-
dade? Qual foi a causa de seu abandono? E o abandoná-la nao terá sido
urna traicáo ou, pelo menos, negacáo ou nao plena realizacáo das próprias
aspíracóes evangélicas?

32 I D. Dadeus Grings

Material com direüos autorais


Entrega das Chaues a Pedro (obra de Perugino, na Cappella Sisiina)
O próprio Lucas, logo a seguir da segunda descrícáo da comunidade
dos cristáos de [erusalém, em que reinava a comunháo de bens, mostra
porque este sistema foi abandonado. Aponta duas razóes, as quais se po-
dem acrescentar outras tres, extraídas de S. Paulo.
A primeira razáo é que a Igreja dos cristáos nao é a Igreja dos perfeitos,
mas dos que ainda estáo a caminho. A igreja peregrina. Mesmo após a con-
versáo, os crístáos nao estáo ainda num grau acabado de perfeícáo. Conti-
nua neles o egoísmo, a falsidade, a fraude. Infelizmente. Mas esta a ver- é

dade. Com um exemplo Lucas elucida a questáo. Falara do impressionante


gesto de Barnabé, que vendera seus bens - por sinal, pingues - e trouxera
todo o valor aos Apóstolos, dispondo-se integralmente para o servíco do
Evangelho. Lucas o descreve como um homem bom, cheio de Espírito San-
to e de fé. O testemunho de tal desprendimento e dedicacáo impressionara.
Sinal que nao era algo muito comum.
Diante disto, talvez para grangear-se simpatias e garantir-se o sustento
pela comunidade, o casal Ananias e Safira dispós também vender sua pro-
priedade. Em vez de levar todo o valor, porém, combinou entregar somen-

Dla/ética da Po/ltlca / 33
te a metade, alegando que era tudo. Em outras palavras, pretendia enganar
a comunidade.
Pedro, porém, o desmascarou. Ambos morreram sob o impacto da acu-
sacáo. Pedro deixou claro que nao se exigía a venda da propriedade, nem
que se entregasse o dinheiro a comunidade. Nao admitia, porém, que se lu-
dibriasse a Igreja de Deus. Em outras palavras, o Apóstolo deixa claro que
reter a propriedade, ou dispor de dinheiro próprio, nao é contrário ao
Evangelho de Cristo. É-o porém o engano, a falsidade. E a partir dali nao
mais se falará da comunháo de bens. A experiencia apenas iniciara e já re-
velara suas falhas.
Mas havia uma segunda razáo. Com o crescimento da comunidade co-
mecou-se a sentir o peso da administracdo. No capítulo 4 dos Atas, Lucas es-
creyera que, entre os cristáos, nao havia nenhum necessitado e que se re-
partía a cada um conforme as suas necessidades. Dois capítulos depois,
esta harmonia comunitária já sofria duro golpe. Com o crescente número
de cristáos, o atendimento se tornou precário, deixando muito a desejar,
Merece ainda destaque um detalhe. Lucas indica que só as viúvas recebiam
um subsídio diario. Quanto aos demais supóe que vivessem de seus pró-
prios recursos e ajudassem a manter a Igreja. S. Paulo, em várias de suas
cartas, dita normas acerca do procedimento a respeito das viúvas. Era um
problema na Igreja primitiva.
O elemento humano manifestou-se novamente entre os cristáos de Je-
rusalém. Os gregos apresentaram queixas contra os hebreus de que suas
viúvas estavam sendo postergadas na distribuicáo diária. Sinal de racismo
dentro da Igreja. Pelo que se pode entrever, os apóstolos investigara m, con-
firmando-se a acusacáo. Nada de perfeito neste mundo! Já se havia passa-
do da mística a política.
Os Apóstolos examinaram atentamente o assunto e concluíram que es-
tavam, de algum modo, com o sistema comunitario que haviam criado, a
trair o próprio mandato divino de evangelizar. "Nao razoável que aban-
é

donemos a palavra de Deus para administrar" (At 6,2). Deixam pois claro
que preciso dissociar a administracáo da pregacáo do Evangelho. E con-
é

fiam o peso da administracáo dos bens materiais a homens escolhidos pelo


POyO,que receberam o nome de diáconos.
Concluí-se pois que a comunháo de bens nao possível, nem garante,
é

de per si, a eqüídade entre os homens, a nao ser para urna pequena elite
que faca voto de pobreza, castidade e obediencia, ou seja, que procure atin-
gir a perfeicáo cristá pela renuncia total. Nao pode ser imposta a todo o
POyO,nem proposta para todos, porque as falhas humanas nao tardaráo a
revelar-se. Somente no século IV a Igreja iniciará novamente a experiencia,
sob o voto de pobreza dos monges. Mas estes nao tinham familia para sus-
tentar, nem exigencias a apresentar. Renunciavam a tudo - e se dispunham
ao jejum e a peniténcía - para consagrar-se totalmente a Deus. Aí a admi-
nistracáo já nao constituirá grande problema.

34/ D. Dadeus Grings

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Apóstolos. Terá ali seus sucessores, que também somam a presenca de Pau-
lo que fundou muitas comunidades cristás, mas nao se fixou definitiva-
menté éM nenRUMA g~l~~,pyrg tornj:l~ s@d@llpo§tóliCil.
Junto com Roma, a sede de Anlioquia, - que também fora. por aIgum
tempo, a sede de Pedro, onde trabalharam Barnabé e Paulo e onde os discí-
pulos comecaram a denominar-se cristáos e, por isso, exercia natural in-
fluencia em grande parte do Oriente Médio; - a sede de Alexandria no Egito
e a sede de Jerusalém eram as quatro metrópoles do Cristianismo dos primei-
ros tres séculos. Cada um des tes patriarcados exercia urna jurisdicáo espe-
cial sobre uma parcela do povo de Deus, sob a primazia do patriarca de
Roma.

Cinco antinomias
Nao foi, porém, fácil encontrar a via da síntese em todas as antíteses
que afetaram a organízacáo da Igreja nos primeiros séculos de sua existen-
cia. Acenemos, apenas brevemente, as cinco antíteses que cruzam seus ca-
minhos dialéticos, obrigando a um grande esforco de síntese.
A primeira é o particularismo judaico. Dele tratou o primeiro volume
desta História, ao se elaborar a dialética da unidade do Cristianismo. Le-
vou ao universalismo e abriu, de par em par, as portas a todos os povos,
sem distincáo de origem.
A segunda dialética opóe o elemento carismático ao jurídico. É urna tenta-
~ao perene na Igreja. Notamos que ela tem urna sólida estrutura hierárqui-
ca, apoíada na própria instituicáo dos Apóstolos, por parte de Cristo e na
transmissáo de seus poderes através da imposicáo das máos. Como conse-
qüéncia, multiplicaram-se os ministérios ordenados. Ao seu lado, porém,
existem os dons e carismas, que o Espírito Santo concede diretamente. Des-
tinam-se nao ao bem de quem os recebe mas ao bem da comunidade. A fre-
qüéncía destes carismas e sua importancia na Igreja primitiva levaram al-
guns historiadores a contrapor urna igreja carismática a urna igreja hierár-
quica; ou seja, urna igreja movida pelos dons do Espírito Santo a urna igreja
dirigida por homens investidos de poder.
S. Paulo, porém, já adverte contra esta falsa impressáo. Nao há oposi-
~ao alternativa mas conciliativa, entre carisma e hierarquia, de modo a ca-
ber a esta a missáo do discernimento quanto aos verdadeiros ou falsos pro-
fetas, ou como se diria hoje, entre o carisma e a pura mania e aquel a a mis-
sao de dinamizar a vida da Igre]a.
É verdade que a hierarquia fez prevalecer, de tal modo, sua preponde-
rancia em diversas épocas da História, que tenha como que extinto o Espí-
rito. Considerava como suspeito tuda o que nao estivesse exatamente de
acordo com os cánones. Mesmo assim, no decorrer da História da Igreja, re-
gistram-se carismáticos, que se manifestam particularmente na fundacáo
das Ordens religiosas. Sua aprovacáo oficial, pela autoridade eclesiástica,
constituí o elemento hierárquico, mas a própria fundacáo provém do ele-

Día/ética da Política /37

Material com direuos autorais


mento carismático da Igreja. E é de augurar-se que sempre surjam e sejam
acolhidos os dons com que o Espírito Santo irrompe particularmente na
Igreja. Nao há Igreja sem Espírito Santo.
A terceira dial ética, que sacudiu violentamente a Igreja primitiva, é a
antinomia entre a Igreja-dos-santos e a Igreja-dos-pecadores, entre a perfeicáo e
o estar-a-caminho, que se traduz concretamente numa ala de rigorismo e
numa ala laxista. Também dela já falamos no primeiro volume desta Histó-
ria, ao tratarmos do Montanismo. Lembremos o problema dos lapsos, clas-
sificados em tres categorias: os "sacrificados", que haviam chegado ao pon-
to de oferecer sacrifícios aos deuses, para significar abjuracáo da fé cristá:
os "incensados" que haviam queimado incenso aos ídolos; e os "libeláticos"
que, sem ter incorrido em nenhum ato contrário a fé, haviam adquirido o
respectivo atestado, para estarem isentos de qualquer pena perante o Impé-

rIO.
A Igreja viu logo formar-se, em seu seio, urna antítese de rigorismo ex-
tremo, capitaneada por Hipólito, Tertuliano e Novaciano, homens de ex-
traordinária capacidade intelectual. Mesmo sem negar a Igreja o poder de
perdoar pecados, sustentavam que os lapsos nao o mereciam. Opunham-se
pois radicalmente a qualquer gesto de condescendencia, para nao compro-
meter a conduta moral do Cristianismo. Só se aceitavam como cristáos pes-
soas que fossem ilibadas.
Esta antítese respondia a tese laxista e liberal de Novato e Felicíssimo,
que defendiam urna espécie de "anistia geral, ampla e irrestrita", eliminan-
do todo o idealismo e todo o verdadeiro esforco por urna vida melhor e de
heroísmo. Praticamente abria, de tal modo, as fronteiras do Cristianismo
que nele coubessem todos, sem particulares exigencias de penitencia e de
conversáo. Valia o adágio "oves et boves". Numa palavra, tudo valia.
A síntese surge com o Papa Calisto, os dois Dionísios, o romano e o de
Alexandria, Cornélio e outros que sustentam que, se a Igreja tem o poder
de perdoar, é exatamente para exercé-lo em prol dos fiéis. Nao porém sem
exigir urna penitencia correspondente. Mostram que a Igreja é formada de
pecadores, que devem continuamente pedir perdáo e aperfeicoar-se, com a
gra~a de Deus.
A quarta dialética está entre os movimentos centrípeda e centrífuga. Há,
de um lado, um grande senso de unidade, mas também, de outro lado,
urna forte tendencia as contrafaccóes, Cipriano julga menos graves para a
Igreja os perigos das perseguícóes que aqueles que nascem das heresias e
dos cismas. As díssensóes acerca da doutrina ou da prática levaram a rup-
turas na própria unidade da Igreja. Assim p. ex. o rigorismo de Tertuliano e
Novaciano separou grande número de cristáos do resto do Cristianismo. O
próprio Hipólito, em Roma, ericou, por algum tempo, a bandeira da auto-
nomia. O problema da data da celebracáo da Páscoa, diversa do Oriente e
do Ocidente, chegou a provocar quase urna ruptura, apesar dos esforcos,
pela unidade, de S. Policarpo. As heresias levaram, por sua vez, a tais di-
vergencias, que representaram separacóes e profundas laceracóes nas Co-

38 I D. Dadeus Grings

Material com direüos autorais


munidades 9ue, mesmo continuando a se denominar de cristás, nao per-
tenciarn maís & mesma Igreja,
A quinta dialética, que empenha a estrutura do Cristianismo, a anti-
é

nomia entre o escatologismo e o encarnacionismo. Os que se punham na pri-


meira perspectiva rejeitavam nao só todas as instituicóes humanas, como
também renunciavam a todo interesse pelas atividades temporais. As es-
truturas sociaís e a filosofía paga eram rejeitadas in totum. Os aderentes a
segunda perspectiva, ao invés, nutriam uma visáo mais otimista quanto as
realidades terrestres. Pedro e Paulo mandam inclusive obedecer as autori-
dades civis. Os Santos Padres fazem os cristáos participar de todas as con-
dicóes e deveres dos cidadáos, com urna diferenca apenas: que é a concep-
~ao de vida. "Os cristáos - le-se na Carta a Diogneto - sao no mundo o que a
alma é no corpo'', Tertuliano, de modo retórico, mostra os cristáos presen-
tes em todos os setores da vida romana, sempre ativos.
A síntese desta dialética aparece na transcendencia do Cristianismo so-
bre as vicissitudes do tempo. Está presente, encarnado na realidade huma-
na, peregrino sobre a terra, mas aberto aos valores eternos e iluminado
sempre com as luzes divinas.

Conclusáo
A figura de Santo que pode ilustrar esta primeira dialética da Igreja in-
dependente é S. Barnabé. Vende o que possui para dedicar-se integralmente
a pregacáo do Evangelho. E o grande organizador das comunidades e o
conciliador das posicóes contrastantes, como vimos no segundo volume
desta História dialética.
O Cristianismo é implantado no mundo sem se perguntar a ninguém
por alguma licenca, Prega-se o Evangelho e se organizam as Comunidades,
de acordo com as exigencias dos tempos. Vai-se tateando nesta organiza-
C;ao,até encontrar um modelo válido, assumindo elementos tanto dos ju-
deus como dos romanos, sem porém se sub meter a nenhum deles, na sua
estrutura interna. Os cristáos separa m-se corajosamente do Judaísmo, por
se ter tornado incompatível com a nova fé. Nao se separam, porém, nem se
op6em ao Império Romano. Vivem nele e nele se organizam, de modo li-
vre. Sao cristáos sem deixar de ser cidadáos romanos.
A grande síntese que se intui nesta dialética é Cristo, Senhor do mundo.
Nao se opoe as estruturas políticas do tempo. Apenas pede q!le lhe seja
dada a liberdade de viver dentro dos moldes trazidos do céu. E um novo
senhorio, que atinge as consciencias. Traz uma nova mística, na qual o pró-
prio Cristo é o centro indiscutível. .
[esus nao trouxe uma Igreja pronta. Incumbiu, porém, seus discípulos,
aos quais transmitiu, além da doutrina e dos poderes, também a luz e a for-
ca do Espírito Santo, de pregar o Evangelho e tornar todos os homens seus
discípulos. E como conseqüéncia, ir organizando o grupo dos que cressem.
O fator número comporta exigencias sempre novas. Uma coisa é organizar

Día/ética da Potttice 139

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de uma religiáo diversa da oficial. Por isso o Cristianismo se implantou em
Roma e nao no Oriente.

b) Decadencia romana
A belíssima descricáo da política romana, exarada no Primeiro Livro
dos Macabeus, em linha geral, correspondía a verdade. Roma era urna de-
mocracia, com seu senado e seus cónsules eleitos pelo povo. O sistema fun-
cionou bem, suscitando admiracáo em todo o mundo, pela perfeicáo do
método e pela disciplina das pessoas que o integravam. Aconteceu porém
a passagem do Rubicon, de Caía Júlía César.
Nao há dúvida que [úlio César foi urna personalidade de excepcional
envergadura: um dos maiores estrategas e estadistas da História. Mesmo
como literato ocupa um lugar de entre os clássicos latinos. Exatamente por
ser um homem de predicados tao excelsos, eclipsou, com a sua figura, todo
o sistema político vigente. Implantou uma ditadura. Seu nome ficará liga-
do a História, pela extraordinária atividade que desenvolveu pessoalmente
e pelo novo sistema que introduziu em Roma, transformando a República
em Império. Tal foi a sua influencia que seus sucessores se chamaráo com o
seu nome: Césares. E todos os que, por algurn motivo se julgam ligados ao
Império Romano, ao longo da História até ao século XX, mantenham o
mesmo título: desde o Kaiser da Alemanha até o Czar da Rússia.
A partir de César, o exército comeca a exercer preponderancia na políti-
ca romana. Até a sua ascensáo a prímeíra chefia de Roma, a política compe-
tia exclusivamente aos políticos e a guerra ao exército. Agora, porém, este
há de determinar quem será o imperador, provocando guerras civis sem
conta. O senado perde sua funcáo específica, ficando apenas como urna es-
pécie de ornato e resquício do passado. A política sofre, pois, urna revira-
volta completa.
A própria sociedade romana passou por urna profunda transformacáo.
A corrupcáo comecou a alastrar-se, Nao certamente por causa da ditadura
militar, mas esta foi exatamente uma das conseqüéncias daquela. Algumas
classes gozavam de privilégios tais que acabavam oprimindo os mais po-
bres. A riqueza de uns, adquirida a custa de outros, levou a ociosidade e in-
clusive ao aumento da criminalidade e as mais diversas depravacóes de
q1.1efala S. Paulo no início de sua carta aos Romanos.

Antítese:
O SISTEMA CRISTÁO

O Cristianismo, como vimos, surgiu de urna pequena semente lancada


pelo Nazareno, nas terras da Palestina, destinada a encher aterra. Jesus
pregava na Galiléia e na Judéia. Quando recebeu ameacas de Herodes,
mandou responder "aquela raposa" que ele continuaria sua missáo até o
fimo

42 I D. Dadeus Grings

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Nao foi, porém, o poder político que planejou a morte de Cristo. Os
apócrifos fazem inclusive Herodes ditar a sentenca de morte e náo Pilatos,
que lavou as máos. O motivo da morte de Cristo foi religioso e sua conde-
nac;ao capital se deve aos rogos do Sumo Sacerdote e do Sinédrio.
Os discípulos de Jesus, após a vinda do Espírito Santo, lancaram-se de
cheio a míssáo de pregar o Evangelho, com toda a ousadia e índe-
pendencia, que o Espírito lhes inspira va. Tiveram, por isso, logo a haver-se
com os judeus. Até o ano 64, as perseguícóes contra os cristáos tém sua ori-
gem unicamente no sinédrio de [erusalém e na ala religiosa do judaísmo.
As autoridades judaicas acusavam os cristáos de impiedade e blasfemia.
Os romanos, de início, nao ligavam as acusacóes dos judeus contra os
cristáos, Julgavam-nas questóes internas da religiáo. Nao queriam nem sa-
ber de tais querelas. Lucas nos aponta o exemplo da prísáo de Paulo, na
Acaia, levado diante do procónsul romano Caliáo, A acusacáo contra Paulo
era de que persuadia os ouvintes a realizar um culto contrário a lei. O Pro-
cónsul nem deixou Paulo justificar-se: "Se fosse na realidade urna injustica
ou verdadeiro crime, seria razoável que vos atendesse. Mas se sao questóes
de doutrina, de nomes e da vossa Leí, isso é lá convosco. Nao quero ser juiz
destas coisas" (At 18, 12-15).
Nao havia nenhum estatuto jurídico específico para os cristáos, dentro
do Império Romano. Somente os judeus eram dispensados do culto oficial.
No início, porém, os cristáos eram simplesmente identificados com os ju-
deus, ou no máximo, tidos como urna seita judaica. E aqui residia a raíz do
problema. Os judeus, como escrevem os Atas dos Apóstolos, opunham cerra-
da resistencia a pregacáo do Evangelho. Nao podendo vencer os cristáos
nas disputas, ainda mais que os Apóstolos agiam sob a inspiracáo e o po-
der do Espírito Santo, operando prodígíos, os judeus recorriam a intriga.
Organizavam complós e ameacavam a integridade física dos pregadores
da Boa Nova. Corno porém este método, em geral, revertia contra eles, en-
contraram outro mais eficaz: acusar ao cristáo junto as autoridades civis
como apóstatas do judaísmo e, portanto, sem o direito a dispensa do culto
oficial. Foi o início da perseguicáo.
Os judeus criaram, por assim dizer, a caveira dos cristáos diante da so-
ciedade romana. Moveram o ódio da populacáo contra eles. As acusacóes
mais graves e aberrantes círculavam a seu respeito, como costumes depra-
vados, homicidios rituais - já que comungavam sangue - incestos ... Tácito,
dando ouvidos a estas vozes, chegou a afirmar que os cristáos detestavam
o genero humano. Numa palavra, a fama dos cristáos, forjada principal-
mente pela intriga dos judeus, era péssima.
Nao é, pois, muito inverossímil que Nero os tenha apontado como
bode expiatório, inculpando-os do incendio de Roma e de todas as suas
desgracas. Sendo odiados pelo POyO, urna repressáo desapiedada daria sa-
tisfacáo ao público romano. O assunto já nao era mais religioso mas políti-
co.

Dia/ética da Política 143

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Mas havia mais. Os que conheciam a fundo a vida cristá e a pregacáo
dos discípulos do Nazareno e, conseqüentemente, nao davam crédito as
fantasiosas calúnias de que eram alvo, viam outro perigo bem mais grave.
O Cristianismo vinha com urna nova mensagem, capaz de empolgar as
multidóes. Pregava e vivia a fraternidade e a pureza de vida, a universali-
dade e transcendencia sobre os valores terrenos.
Isto implicava dois sérios problemas para os paga os. Para quem olhas-
se a questáo sob o prisma imediatista, a atitude cristá nao deixava de ser
urna repreensáo veemente contra as depravacóes pagas, tanto de relígíáo
como, principalmente, de costumes. As denúncias, mesmo que nao lanca-
das em prac;a pública, faziam-se sentir por toda a parte, como convite a
conversa o, a urna vida melhor, mais pura, mais fraterna, com menos príví-
légíos. Isto para um romano, acostumado ao domínio do mundo e acaricia-
do por toda sorte de benefícios e regalías, se tornava inadmissível. A pró-
pria vida que os cristáos levavam constituía urna tácita repreensáo aos cos-
turnes e as tradicóes pagas.
Quem, ao invés, olhasse a situacáo numa perspectiva mais ampla, nao
poderia deixar de notar que esta mensagem tinha chances de alcancar éxi-
too Analisando a sociedade romana, onde a elite já se tomara pequena e as
intrigas eram muitas e ande a grande massa popular ansiava por dias me-
Ihores, principalmente por um novo relacionamento social, que aliviasse a
situacáo de rniséria e de abandono, nao poderia nao perceber a incidencia
que essa mensagem teria. O próprio fato de se levantarem as mais estúpi-
das calúnias contra os cristáos mostra que sua presenca era notada e que se
tentava eliminé-la da convivencia romana. Lancando sobre eles acusacóes
de torpezas, procuravam-se encobrir os próprios defeitos e dar urna justifi-
cativa a própria consciencia para nao aceitar o testemunho dos cristáos.
Aquí entramos, de cheio, na antinomia entre política e religiáo. Urna
política de máos limpas nada tem a temer de urna religiáo pura. Urna polí-
tica suja, porérn, nao conseguirá tolerar, no seu gremio, urna relígiáo pura.
Tentará ou conspurcá-la para lhe ser semelhante, ou entáo eliminé-la.
Os cristáos iam-se multiplicando. Penetravam em todos os ambientes.
De modo subrepticio faziam chegar sua mensagem de salvacáo e de vida a
todas as classes sociais. Tertuliano dirá que, sem serem vistos, os cristáos se
encontram em todos os lugares e ocupam os mais variados pastos, distilan-
do por toda a parte a sua doutrina e testemunhando, diante de todos os ho-
mens, Iesus Cristo ressuscitado.

Síntese:
A ERA DOS MÁRTIRES

A tese da corrupcáo dos costumes entre os pagáos e a superacáo da An-


tiga Alianca dos judeus, diante da antítese da Mensagem cristá, deveria, lo-
gicamente, levar a síntese da conversáo. Isto, porém, acontecerá somente

44/0. Dadeus Gríngs

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após tres séculos de luta. Historicamente levou a síntese
dos mártires crís-
taos, como primeira etapa da grande síntese da Cristandade.
Aqui nos interessa somente o aspecto político da questáo. Lembremos
as duas etapas da perseguícáo contra os cristáos. A primeira, até meados
do século ID, situa-se mais no ámbito particular. Existe urna leí geral que
obriga todos os cidadáos ao culto oficial, do qual somente os judeus esta-
vam dispensados. Como os cristáos nao tivessem ainda estatuto jurídico
próprio, encontravam-se, de algum modo, como corpo estranho no Impé-
rio Romano. Professavam uma religiáo que nao era reconhecida oficial-
mente e, em conseqüéncia, pertencer-lhe nao eximia das obrigacóes do cul-
to oficial.
A obrigacáo do culto oficial pagáo era muito relativa. De fato ninguém
a urgía. E mais ou menos como quando se diz que o cristáo deve assistir
Missa dominical. Mas se nao o faz nao acontece nada ... Portanto, se os cris-
taos nao prestavam culto aos deuses, isto de per si nao causaria maiores
problemas.
Acontece, porém, que os cristáos, muitas vezes, se opunham ao culto
dos ídolos; ridicularizavam-no e afastavam dele o POyo. Com isto os sacer-
dotes pagáos e, principalmente, os fabricantes de ídolos ficavam despresti-
giados. Seus cultos se esvaziavam de público. Muitas vezes nem era so-
mente culpa dos cristáos. Simplesmente o POyOnao ia, porque nem ele ti-
nha muita fé e devocáo para com aqueles deuses. Mas, com isto, os respon-
sáveis pelo culto riscavam perder o cargo. Deveriam pois reagir. E o fize-
ram muitas vezes apontando, como bode expiatório, os cristáos.
Levados diante dos tribunais, punha-se explícitamente a questáo do
culto idolátrico. Se ninguém fosse acusado, nao se poria sequer o proble-
ma. Mas após a acusacáo, o juiz deveria inquirir. Rejeitar acintosamente o
culto oficial era crime contra as leis do Império, o que vinha cominado com
a pena de morte.
O Imperador Trajano - que Dante, na sua Divina Comédia, póe no Céu, -
ao ser interrogado por Plínio, sobre o modo de proceder a respeito dos cris-
taos, respondeu que nao deveriam ser incomodados, em linha de princípio.
Que os deixassem vivero Se porém fossem acusados, n~o anonimamente,
deveriam ser obrígados a cumprir a lei do culto oficial. E nesse sentido que
se pode falar de urna lei segundo a qual nao era lícito ser cristáo. Era ilícito,
enquanto nao tinha estatuto próprio que o eximisse da obrígacáo do culto
idolátrico e, conseqüentemente, que lhe desse liberdade de consciencia. Se-
gundo o rescrito de Trajano, já que nao se procedia a uma verificacáo siste-
mática, no Império, a ver se todos os cidadáos cumpriam seus deveres reli-
giosos oficiais, mormente quanto ao culto divino, nao se deveria fazer
acepcáo de pessoas quanto aos cristáos, Continuava porém em vigor a lei
geral: se alguém - quer cristáo quer pagáo - fosse acusado de negligenciar
ou de se opor ao culto dos ídolos, deveria ser julgado e, somente se contu-
maz, condenado a pena capital.

Dia/ética da Po/ftlca /45

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conduziria, necessariamente, a mudanca de regime político. O problema
era religioso e nao político para a Igreja: ao passo que o Império via um su-
posto problema político e nao religioso. E este equívoco custou muito sofri-
mento e sangue a Igreja e ao próprio Império, porque, afinal, esta va perse-
guindo e matando os seus próprios cidadáos. E cidadáos fiéis.
Como condusao final podemos ver, neste episódio da Igreja perseguida,
Cristo, Redentor do homem, mediante a Cruz. Jesus foi o grande anuncia-
dor do Evangelho. Formou e organizou seu grupo de discípulos. Confiou-
lhes doutrina, sacramentos e poderes. Era o Mestre e propulsor de un:
grande movimento histórico. Mas foi pela Cruz que Ele redimiu o mundo. E
O paradoxo da Cruz, do sofrimento, tao difícil de entender.
Dir-se-ia que o mundo poderia e deveria ser diferente. Que tudo deve-
ria ser resolvido positivamente. Infelizmente, porém, o negativo sempre
está presente: o sofrimento, a incompreensáo, a tensáo ... Nem os discípu-
los, antes do evento pascal, conseguiram entender o anúncio do mistério
da paixáo. A economia da salvacáo, que passa pela Cruz, o grande escan-
é

dalo cristáo.
Quem, ao invés, o vive na perspectiva da morte e ressurreicáo de Cristo
é capaz de entendé-lo. Porque o vive. Entáo o sofrimento adquire outro
sentido. Nao se há de fugir da Cruz, mas assumi-la todos os días, com co-
ragem, para seguir [esus. Os primeiros crístáos souberam rnorrer por amor
a Cristo e aos homens e, ao mesmo tempo, perdoar e aguardar, na eternida-
de, a conversa o de seu s algozes, para um abrace de indizível alegria no Se-
nhor, que perdoou e redimiu a todos com a sua Cruz.
Por isso, quando alguém sofre, muitas vezes, nao há palavras para con-
solar. Somente a Cruz, a identificacáo com os seus sofrimentos para, con-
sofrendo, viver na esperanca da con-glorificacáo. Na base da Leí da Cruz
está o mistério do pecado, o mistério da maldade humana. A humanidade
nao está num processo de desenvolvimento ascensional tranqüilo. Ser pos-
terior no tempo nao significa necessariamente mais desenvolvido, nem
mais perfeito, nem mais verdadeiro. Há quedas, altos e baixos, ódio, cobi-
ca, orgulho ... Por isso, para a libertacáo da humanidade se requer, além da
pregacáo da Boa Nova, também a reparacáo. A Cruz, que indica o método
de quem sofre para redimir, aponta para o amor que vence o ódio, para o
perdáo que supera a ofensa. Mostra que, assumindo com amor as contra-
riedades, o sofrimento e a própria mor te, se abrem perspectivas de vida em
plenitude. Nesta perspectiva se colocam as bem-aventurancas, O preco da
felicidade é urna renovacáo espiritual em Cristo e o seu segredo a fé emé

[esus, Salvador do mundo.

50/ D. Dadeus Grings

Matenal com direiíos autorais


3
A IGREJA LIVRE

Tese 3:
O PODER POLíTICO

Constantino, quando enfrento u Maxéncio, em Roma, era um pagáo


ambicioso, igual a seu adversário. Ambos jogavam com a vida de milhares
de soldados em luta para assegurar seu poder pessoal. A batalha de Ponte
Mílvio decidiu a carreira dos dois contendentes, sendo o segundo tragado
pela torrente do río Tibre, ao passo que o primeiro atingia o cume da glória
humana. Nao se pode, porém, afirmar que, naquela batalha, houvesse al-
guma esperan~a ou apoio cristáo para um dos contendentes. Nenhum dos
dois, naquele momento, se mostrava contrário ao Cristianismo e Maxéncío
talvez gozasse de maior legitimidade, como sucessor de Diocleciano, visto
que este renunciara ao poder e lhe entregara o governo.
É certo que tanto Constantino nas Gálias, como Maxéncio na Itália, ha-
viam suspenso a perseguicáo contra os cristáos. Nao havia pois a temer por
parte de nenhum dos dois. Quis, porém, o destino que Constantino vences-
se no campo de batalha e fosse coroado Imperador. E devemos reconhecer,
foi um dos maiores Imperadores que Roma conheceu. Mas nao nos iluda-
mos. Constantino nao foi santo, nem sequer cristáo, em todo o seu longo
governo. Foi batizado somente no seu leito de morte.
A misteriosa visáo que teria tido e que se prestou para muitos argu-
mentos apologéticos, literários e artísticos, acerca de urna Cruz que lhe te-
ria aparecido antes da batalha decisiva, com o dizer: "In hoc Signo uinces"
(neste Sinal vencerás), tradicáo bastante tardía, visando dar apoio a sua
é

política religiosa. Em qualquer hipótese, nao constituiu nenhum momento


especial para a sua conversáo pessoal ao Cristianismo, a exemplo de um
Saulo a caminho de Damasco.
Constantino era homem de grande envergadura política e senso de jus-
ti~a. Percebera que se fizera grande ínjustíca contra os cristáos e que seria
inútil e prejudicial para o próprio Império continuar a perseguícáo. O pró-
prio Diocleciano reconhecera seu erro, renunciando misteriosamente ao po-
der. Constantino percebeu que no Cristianismo havia urna forca indómita,
sobrenatural.
De outro lado, vendo a situacáo moral, política e religiosa de decaden-
cia, em que se encontrava o Império, deu-se conta de que nao poderia espe-
rar nada da religiáo oficial. As tentativas dos Imperadores, de construir a
unidade imperial sobre a mística paga, fracassaram pelo vazio desta reli-
giosídade. De outro lado, o vigor dos cristáos o impressionava, quer pela
coragem de enfrentar a morte pela fé, quer pelo dinamismo de pregar o

Ola/ética da Po/ft/ca /51

Material com direüos autorais


Evangelho, quer pela alegria desta vivencia. Nao seria esta a nova forca
para levedar toda a rnassa e criar urna imagern renovada do Império?
Convém mais uma vez realcar: a ascensáo de Constantino ao posto
rnais elevado da romanidade nao representou urna alternativa cristá frente
ao paganismo reinante. A estrutura política nao sofreu a mínima alteracáo.
Até seria muito difícil dizer para qua! dos lados os cristáos estariam toreen-
do no momento da batalha de Ponte Mílvio: se por Maxéncio ou por Cons-
tantino. Nenhum dos dois primava pelo espírito democrático, ou seja, ne-
nhurn dos dois buscava respaldo popular para a sua candidatura ao cargo
de Imperador. A decisáo seria puramente militar, feíta pelo fragor das ar-

Constantino, o Grande (estátua de Bemini no Vaticano)


52/ D. Dadeus Grlngs

Material corn direiíos autorais


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converteram ao Catolicismo, em 589, o arianismo já tinha perdido toda a
sua forca e atrativo, nao gozando mais de nenhum prestigio. Um século de-
pois, o rei Grimoald implantou oficialmente a religiáo católica em todo o
reino lombardo. A Europa era novamente toda ela católica. Lembremos, a
título de curiosidade, nesta segunda conversáo da Europa, que o trabalho fe-
minino, particularmente das rainhas, foi de fundamental importancia. O
Catolicismo deve reconhecer que grande parte de sua forca de persuasáo
depende do trabalho persistente e carinhoso das mulheres.
Cristo transparece, neste período, como o Príncipe da Paz. Nao foram
os vencedores militares que venceram no plano da religiáo. A própria polí-
tica exigiu deles urna revisáo de sua posícáo pessoal. Notaram, com meri-
diana clareza, que nao poderiam obter a unidade nacional, senáo em Cris-
to, e Cristo vivido na Igreja católica. Mais que um triunfo para o Catolicis-
mo, após tanto tempo de sofrimento, a conversáo dos invasores representa
a vitória do bom senso, também na política. E de ambas as partes. Os pa-
gáos e arianos, de uro lado, mesmo na qualidade de dominadores, se con-
verteram para fazer causa comum com toda a populacáo. Perceberam que
só assim, cedendo no problema religioso, e mais ainda, assurnindo como
própria a relígiáo católica, poderiam promover o verdadeiro bem comum e
encaminhar a nova nacáo para a prosperidade. Os católicos, de outro lado,
souberam adaptar-se a nova situacáo política, sem ressentimentos e saudo-
sismos. Tratava-se de uma realidade nova. Se os Bispos tivessem imposto
um intransigente "nao" a invasáo das hordas do Leste, nao teriam senáo
provocado urna irremediável catástrofe política e religiosa. Talvez urna
chacina. Em todo o caso urna derrota total.
A Igreja, mesmo sendo religiáo oficial, nao cabe defender o regime polí-
tico, mas as pessoas, em qualquer regime. A sociedade é anterior e está aci-
ma do Estado. A Igreja se opós - a nao ser com poucas excecóes, mais de
caráter pessoal que do ofício eclesiástico, como sempre acontece - ao domí-
nio e muito menos a chegada dos novos povos. Procuro u harmonízá-los
com a própria populacáo. E quando os recém-chegados aderiram a mesma
fé, já nao havia mais restricóes a fazer. De resto, sua política era, em geral,
melhor que a dos últimos imperadores romanos do Ocidente.
O religioso que ilustra este período é, sem dúvida, S. Agostinho, o santo
dos novos tempos. Ele mostra, na sua "Cidade de Deus", que termina sim
um mundo, mas para surgir um novo; que o homem tem capacidade infi-
nita de sempre recome~ar e de criar novas civilizacóes, ainda que sobre as
cinzas das anteriores. E a voz que fala de esperanc;a, quando tudo parecia
indicar o contrário. E ele tinha razáo. Viu e pregou certo. Surgia a Cristan-
dade. E aquel es que só véem a "virada constantiniana" como nociva ao
Cristianismo, deveriam lernbrar-se que agora inicia urn novo período na
historia.

76 I D. Dadeus Grings

Material corn direhos autorais


7
A IGREJA LEIGA

Tese 7:
EXAGERO S DEVOCIONAIS
Enquanto a autoridade da Igreja, no Ocidente, fazia frente aos graves
problemas e perigos que atingiam a populacáo em todos os planos, devído
a um enorme vazio político, no Oriente os Imperadores interferiam cada
vez mais nas quest6es internas da Igreja, Parece paradoxal: no Ocidente a
autoridade eclesiástica assume grande parte das funcóes da autoridade ci-
vil, que praticamente inexiste, enquanto no Oriente, ao invés, a autoridade
civil se intromete nas questóes da autoridade eclesiástica, provocando sé-
rios atritos.
Várias quest6es estavam pendentes no Cristianismo, que afetavam par-
ticularmente os cristáos do Oriente. Mal se havia debelado o Arianismo,
surgía o Nestorianismo. O Cristianismo, no Oriente, novamente se dividiu
em duas partes, mesmo após o Concílio de Éfeso, que tentara equacionar o
problema, resolvendo-o em questáo de principio, com a definicáo da uni-
dade da pessoa de Cristo.
Levando ao extremo a reacáo contra o Nestorianismo, aparece outra ex-
crescencia no Cristianismo, a sustentar a opiniáo de que, em Cristo, há urna
só natureza. É o Monofisismo. O Concílio de Calcedónia, em 451, definiu a
doutrina ortodoxa, condenando, como herética, a doutrina do Monofisis-
mo. Nova ruptura da unidade eclesial. Quando, mais tarde, se tentou con-
ciliar as posícóes, procurando atrair os monofisitas para a unidade, com a
doutrina da única vontade em Cristo - donde Monotelismo - nao se fez se-
nao criar urna ruptura a mais.
Os Orientais davam a alma pelas disputas teológicas. Iam até ao fundo
das questóes. E a partidpacáo nos debates era intensa. Extravasava as esfe-
ras dos especialistas e descia as ruas e penetrava até nos bares. O Cristia-
nismo popular, no Oriente, apresentava uma forte armadura cultural.
Mas nao eram só discuss6es dogmáticas. Havia também urna profunda
piedade popular. Desde que a Igreja introduzira a devocáo aos mártires e
aos santos, as práticas de piedade foram tomando proporcóes impressio-
nantes. Esta piedade se concretiza va principalmente nas imagens e nas relí-
quias dos santos.
O santo sabia-se estar no céu. Ter, porém, aqui na terra, algum objeto
seu, ou urna imagem su a, nao só ajudava a lembrá-lo e a invocá-lo, mas
ainda tinha um efeito especial- e por que nao dizer mágico? - para os fiéis.
De instrumento pedagógico, a imagem transformara-se num valor em si,
desvirtuando evidentemente a verdadeira devocáo cristá. Poder-se-ia asse-

Ola/ética da Po/ftíca / 77

M atertat com dírenos autorais


melhar esta devocáo a prática dos pagáos, apenas com a diferenca de que
estes consideravam as imagens corno deuses, ou seus representantes, ao
passo que os cristáos as tomavarn corno representacóes dos santos que se
encontravam junto de Deus. Havia, além disso, um sem número de irna-
gens "milagrosas", sinal evidente de urna piedade mal orientada.
Esta .devo¡;ao invadiu as igrejas, enchendo-as de imagens e criando fi-
guras, com tal criatividade, que deixa surpresa qualquer pessoa. O Cristia-
nismo parecia girar todo ele ao redor do culto das imagens, principalmente
a partir do século V, quando comecaram a aparecer as ditas imagens mila-
grosas.

Antítese:
NOVA MENTALIDADE

As disputas teológicas eram suscitadas pelos dirigentes e desciam até


ao pOyo. O culto das imagens, ao invés, provinha do POyOe subia até aos
dirigentes. Em ambas as passagens, quer de descida quer de subida, se
provocava certa defasagem. As disputas teológicas dividiam os dirigentes,
arrastando o POyOpara o movimento centrípeda, com a ruptura entre os
cristáos. O culto das imagens, pelo contrário, mantinha coeso o POyO, mas
provocava urna ruptura com os dirigentes e entre os dirigentes.
Lembremos que, no século VII, surgiu o Islam. Seu avance avassalador
rnereceu-lhe admiracáo e respeito por toda a parte. Vinha com urna nova
mística. Nurna questáo parecia, aos intelectuais, ser evidentemente supe-
rior ao Cristianismo: na rejeicáo de toda imagem. O Antigo Testamento
fora claro neste ponto. E os muculmanos vinham agora impondo esta men-
talidade em todo o mundo. Nada de culto de irnagens. Suas mesquitas apa-
reciam muito mais belas e simples que as igrejas cristás, cheias de entulhos
de imagens. Na mesquita muculmana transluzia a unidade que rege toda a
sua religiáo, a pureza e a invisibilidade de Deus, que logo é percebido ao se
entrar. As ígrejas cristás. com suas inúmeras irnagens, ao invés, pareciarn
indicar a perda da unidade e da simplicidade. Em vez de sentir Deus, o fiel
ve-se rodeado de santos, sem saber a qual recorrer primeiro. O Cristianis-
mo popular aparecia, pois, necessariamente confuso e eivado de supersti-
cóes.
Nao é de se admirar que os intelectuais e, principalmente, as liderancas
cristás se envergonhassem de sua religíáo, diante dos muculmanos. Ti-
nharn a impressáo de estar em atraso em relacáo ao estágio islámico. Co-
mecava-se, país, a menosprezar a religiosidade popular, como senda pouco
esclarecida.

78/ D. Dadeus Gríngs

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executora das ordens iconoclastas. Mas Irene reagíu com energía. Substí-
tuiu os regimes rebeldes por guardas da Trácia. E entáo, em 787, póde-se
reunir um novo concí1io, que será o sétimo ecuménico, em Nicéia, sob a
presidéncia do patriarca de Constantinopla, Tarcísío, que restaurou oficial-
mente o culto das imagens.
Sucedendo, porém, em 813, a Irene, no trono de Constantinopla, Leáo
V, abre-se novo período de 30 anos de iconoclasmo. Nova destruícáo de
imagens, novas perseguícóes, mais um concilio falso para repudiar o ecu-
ménico de Nicéia.
Só em 843, após muito sofrimento, um sínodo reunido em Constantino-
pla por iniciativa de outra mulher, a Imperatriz Teodora, acabou a perse-
guicáo e a controvérsia das imagens, estabelecendo-se paz entre os religio-
sos, devotos dos santos e das imagens, e as autoridades civis. A "Festa da
Ortodoxia", com a data do primeiro domingo da Quaresma, assinala O fim
da questao do culto das imagens e, ao mesmo tempo, o fim do período dos
Concílios ecuménicos para a Igreja oriental.
Normalmente se apresenta a controvérsia das imagens como uma luta
entre a Igreja e a Sociedade. Esta visáo, porém, falseia a verdadeira dimen-
sao do problema. De fato, ambas as partes contendentes eram tanto Igreja
como Sociedade. Trata-se, muito mais, de urna luta entre a ala religiosa e a
ala leiga da Sociedade ou da Igreja. Também os Imperadores iconoclastas,
com toda a sua guarda, eram fervorosos cristáos. O erro de sua política es-
tava em quererem eles mandar em assuntos religiosos, quando lhes cabia
mandar apenas nos assuntos civis. E o piar de tudo foi que o fizeram com o
poder das armas, para impor solucóes que lhes parecessem mais acertadas.
Era o que já os imperadores, no passado, em questóes nao menos canden-
tes, como vimos acima, haviam feito. Por isso agrada denominar este tipo
de ingerencia nos assuntos internos da Igreja de "Igreja leiga". Um grupo
de leigos, eventualmente investidos de poder civil, assume o encargo de
orientar e dirigir a Igreja, dirimindo questóes internas de dogma e discipli-
na religiosa. Podem-se discutir as razóes que apresentavam, quer de irenis-
mo no tocante aos monofisitas, quer de prestigiar o decoro na igreja, no to-
cante a iconoclastia ... O fato é que, em vez de resolver os problemas e tra-
zer a suspirada paz, complicaram-nos, dividiram a sociedade e prejudica-
ram a Igreja.
Deve-se notar ainda que o problema da iconoclastia ampliou mais ain-
da a distancia entre a Igreja do Ocidente e o Império do Oriente. Roma e
todo o Ocidente estava do lado daqueles que defendiam o culto das ima-
gens. Por tanto contra a política imperial de iconoclastia. E esta política,
como também o problema da Ektesis, um século antes, dos tres capítulos e
outros mais, que levou um Papa ao exílio e a morte ignominiosa, conven-
ceu os Ocidentais de que do Império Oriental nao havia nada de bom a es-
perar. Portanto lhe convinha procurar outro sustentáculo mais seguro e
mais fiel.

Día/ética da Po/ftica /85

Material corn direhos autorais


A conclusáo desta controvérsia nos mostra Cristo, como a Imagem do
Pai. Paulo no-lo apresenta assim. O Evangelho de S. [oáo inicia com o teste-
munho apostólico: "Vimos a sua glória, a glória do Unigénito do Pai, cheio
de gra~a e de verdade". E, ao final, faz o Senhor responder ao pedido de Fi-
lipe" "Mostra-nos o Pai e isto nos basta", com as palavras: "Quem me ve, ve
o Paí".
Em conseqüéncía do mistério da encarnacáo, pelo qual Deus se tornou
visível entre os homens, a Igreja introduziu as imagens, bem como o culto
dos santos: "Quem vos recebe, a mim recebe", havia declarado o Mestre. E
Paulo pode exortar, concretamente, os cristáos a imitacáo: "Sede meus imi-
tadores, como eu o sou de Cristo". Portanto, todo o culto das imagens vai a
pessoa representada; e todo culto dos santos leva a Cristo, o único Mestre,
e Cristo leva ao Pai, que, no final, será tudo em todos.

86/ D. Dadeus Grings

Matenal com direiíos autorais


III

SACERDÓCIO E IMPÉRIO

8
A IGREJA DEFENSORA

Tese 8:
A INSEGURAN<;A EUROPÉIA
Desde a "invasáo dos Bárbaros" e a conseqüente queda do Império ro-
mano do Ocidente, no século V, a Europa vive em sobressaltos. A primeira
conseqüéncia trágica da migracáo dos POyOS foi certamente o esfacelamen-
to do Império. Criaram-se diversos estados autónomos e muitas vezes an-
tagónicos. A Europa esta va em efervescencia. Problemas políticos, econó-
micos, sociais e religiosos estouravam por toda a parte. Perdera-se a paz ro-
mana.
Aos poucos, porérn, a situacáo interna se foi estabilizando. Os POyOS
recém-chegados converteram-se ao Catolicismo, voltando a reinar a unida-
de religiosa na Europa cristá. Mas era praticamente só. O único vínculo que
ligava os europeus entre si era a Igreja. Políticamente continuavam as díví-
sóes e oposícóes.
Nesta altura, principalmente a partir do século Vil, se adensam nuvens
negras nos horizontes, arneacarido desabar em temporal sobre toda a Euro-
pa. Num extremo, MaOlné encabece um novo movimento expansionista e
religioso, que logo vai criando corpo. Une, inicialmente, os Árabes, numa
unidade religiosa e política, sob o Islam. Seus sucessores lancam-se a con-
quista do mundo, avancando rápida e irresistivelmente sobre as áreas ocu-
padas pelos cristáos, Conquistam o norte da África e atravessam o Gibral-
tar, ameacando apossar-se de toda a Europa, a comecar pelo Oeste. Nao sa-
tisfeitos com a Espanha, póem o pé na Sicília e avancam pelo sul, através
da península itálica. A Europa treme.

Dia/ética da Po/ftica /87

Material com direuos autorais


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necessariamente implicaría judaizar. Em outras palavras: para ser cristáo
seria necessário submeter-se a todos os usos e tradicóes judaicos. O uso do
véu para as mulheres, de que S. Paulo - de resto acérrimo defensor da li-
berdade cristá - faz exigencia na igreja, constituiu ainda, até há pouco, res-
quício desta tradicáo,
Saído dos limites do Judaísmo, o Cristianismo entrou no mundo greco-
romano. Isto, naquele tempo, era simplesmente ser universal. A cultura
grega - a língua "koiné" e toda a mentalidade - pervadia o Império romano.
O direito romano assegurava a paz no mundo. Note-se, porém, que sempre
se tratava do mundo romano. O que esta va fora das fronteiras do Império
nao era nem sequer considerado. Ou melhor, os que nao se encontravam
dentro do Império romano eram considerados faltos de cultura. Eram sim-
plesmente denominados "bárbaros".
Entende-se pois que, quando alguém ultrapassasse as fronteiras do Im-
pério, para evangelizar outros povos, só o fazia geograficamente. Levava
consigo, com o Evangelho, também a civilizacáo romana. Levava, pois, aos
"povos bárbaros" fé e cultura: a fé do Evangelho e a cultura greco-romana.
Isto significa que nao se concebia outro tipo de cultura e de civilizacáo, que
nao fosse a do Império. Ser universal significava, pois, adaptar-se aos cos-
tumes romanos, porque só os romanos eram "universais", ou seja, auténti-
COSo
Na Igreja adotou-se, como era óbvio, inicialmente, a língua grega e de-
pois também a latina para as celebracóes litúrgicas. No Oriente a Liturgia
era celebrada em Grego e no Ocidente em Latim. Eram as duas línguas do
Império romano, ou seja, da civilizacáo greco-romana. Com elas se abran-
gia a totalidade dos fiéis.

Antítese:
NOVOSPOVOS
No século IX, existia, no Leste europeu, um reino que hoje abrangeria a
Morávia, Eslováquía e parte da Hungria. Ratislau, para garantir sua inde-
pendencia política e, ao mesmo tempo, salvaguardar sua autonomia cultu-
ral, arneacadas pelo Ocidente e, especificamente, por Luís O Germánico, rei
da Baviera, enviou urna embaixada a Constantinopla para obter apoio do
Imperador do Oriente.
O Imperador de Constantinopla enviou para a Morávia os irrnáos de
Constantino que, após seu ingresso no monacato se chamaráo Cirilo e Metó-
dio. 05 dois irmáos logo se empenharam em criar urn alfabeto para a língua
eslava e traduzir para esta língua também trechos seletos da Bíblia. Criou-
se, deste modo, por meio desses missionários, urna nova língua literária,
tomando em consideracáo os diversos dialetos existentes na regíáo. Será
logo urna das tres línguas litúrgicas, ao lado do grego e do latim, que servi-
rá aos eslavos, búlgaros, russos e sérvios.

94 / D. Dadeus Grings

Material corn direhos autorais


a
A missáo de Constantinopla chegou Morávía no ano 863, lancando-
se, com o apoio do rei Ratislau, a pregacáo do Evangelho. o povo aderiu
em massa. Mas havia um problema. Qual a língua litúrgica a adotar. A gre-
ga, de onde provinham os rnissionários Cirilo e Metódio, ou a latina, que
fora trazida pelos missionários latinos? Nenhuma del as, porém, era enten-
dida pelo povo.
Cirilo e Metódio nao tiveram dúvidas. A língua litúrgica deveria ser a
mesma da pregacao do Evangelho. Portanto a língua eslava. Os alemáes,
porém, protestaram veementemente. Para eles as únicas línguas para hon-
rar Deus sao o hebraico, o grego e o latim, que se encontravam na inscricáo
da Cruz de Cristo.
O rei bávaro, Luís o Germánico, venceu Ratislau no campo de batalha.
Com isso os defensores do latim recobraram ánimo e se lancaram contra os
dois irmáos missionários. Para evitar maiores complicacóes, o Papa Nico-
lau 1 chamou Cirilo e Metódio para Roma, a fim de dar explicacóes da si-
tuacáo, Antes, porém, de eles chegarem, morre Nicolau 1 e lhe sucede
Adriano 11.
O novo Papa, percebendo o valor dos dois missionários da Morávia,
nao só lhes deu todo o apoio, como ainda os consagrou Bispos, para enviá-
los, com plenos poderes, para aquele país. Infelizmente, porém, a morte co-
lheu Cirilo em Roma. Metódio regressou a Panónia, em 869. No ano se-
guinte é nomeado arcebispo da Morávia e Panónía, com a concessáo da
Língua eslava para as celebracóes litúrgicas.
Os bispos alemáes, porém, nao enguliram a inovacáo. Reuniram-se em
sínodo e nao só condenaram o uso da língua eslava na liturgia, apesar da
concessáo explícita do Papa, mas chegaram a prender até o santo arcebis-
po, retendo-o dois anos e meio na prisáo, até que o Papa Ioáo VID nova-
mente interviesse, com energía, e o nomeasse nada menos que legado pon-
tificio entre os eslavos. Queria, des te modo, salvaguardar a pessoa e a ativi-
dade do arcebispo. Contudo, para condescender com os bispos alemáes, ou
para nao se indispor demasiadamente contra eles, restabeleceu a obrigato-
riedade do latim como língua litúrgica.
Metódio, porém, julgou oportuno continuar com o eslavo até ter opor-
tunidade de explicar-se diante do Sumo Pontífice. O clero alemáo redobrou
seus ataques, ferindo inclusive a ortodoxia do arcebispo. urna vez que ele
nao perdía ocasiáo para reprovar os maus costumes deles. [oáo vm o cha-
mou novamente a Roma para justificar-se. Metódio se houve tao bem na
sua exposicáo, que o Papa nao só reconheceu oficialmente a sua ortodoxia,
mas ainda o autorizou a manter o eslavo como língua litúrgica.
Metódio morreu cinco anos depoís, em 885. No ano 906 o reino moravo
era destrocado pelos ocidentais e sua província eclesiástica anexada a dio-
cese de Ratisbona e de Praga. Como fácil adivinhar: mais uma vez desceu
é

a proibícáo da língua eslava na liturgia, para se voltar a impor o latim.

Día/ética da Política I 95

Material com direnos autorais


Síntese:
TENTATIVA DE ABERTURA UNIVERSAL

o trabalho empreendido por S. Cirilo e S. Metódio visava urna verda-


deira aculturacáo aos novos povos, no sentido do universalismo da Igreja.
Seus argumentos chegaram a convencer os Papas. Tomar, como critério, a
inscricáo da sentenca de morte sobre a Cruz de Cristo, para estabelecer a
língua litúrgica, nao parece sério, nem convincente. Mais tarde procurou-se
o argumento da universalidade, que, de fato, era o argumento da uniforrni-
dade. Foram os europeus que quiseram impor a sua língua, como instru-
mento para ímpor a própria cultura e civilizacáo, a pretexto de evangeliza-
C;ao.
A luta do Cristianismo, para se libertar da cultura européia, foí mais
dura que aquela que teve que enfrentar, em seus primórdios, para se liber-
tar da cultura judaica. Note-se que isto nao significa rejeitar a cultura euro-
péia. É apenas reivindicar aos outros povos o mesmo direito a autonomia
cultural. Evangelizar nao significa impor urna cultura, mas, no respeito as
culturas existentes, transmitir o Evangelho e nelas se encarnar. Somente o
século XX, após o Concílio Vaticano Il, abrirá realmente para uma visáo
universal do Cristianismo, tentado tao brilhantemente por S. Cirilo eS. Me-
tódio. Se a Igreja nao tivesse cometido tantos erros em sua obra rnissioná-
ría, mais preocupada em levar a cívílízacáo européia que o EvangeIho, mas
tivesse respeitado mais os valores autóctones, o mundo de hoje seria bem
mais cristáo, mormente no que diz respeito ao Oriente longínquo.
Como conclusáo desta síntese, ternos Cristo que veio salvar todos os
homens. O Filho de Deus assumiu os valores e a cultura humana de seu
tempo e de sua raca. Nao exigiu renúncia aos valores autóctones, mas enri-
queceu-os com dons mais excelsos.
S. Cirilo e S. Metódio ficam como exemplos de homens que prom ove-
ram a cultura local, deram impulso a alma eslava e levara m o Evangelho a
estes povos. Foram pioneiros em muitos aspectos, corajosos e de larga vi-
sao da realidade humana e cristá. A Igreja Ihes tributa a honra dos altares,
porque reconhece neles a vivencia dos auténticos valores do Evangelho,
dentro das exigencias de seu tempo. Infelizmente, os rumos da política e da
guerra nao permitiram que esta experiencia perdurasse. Mas já é muito que
foi tentada e também muito que tenha tido a aprovacáo de Roma. O con-
servadorismo posterior, numa implacável manía pelo latim, nao se prende
as mais sadias tradicóes romanas.

96/ D. Dadeus Grlngs

Matenal com direiíos autorai


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o crime bradou aos céus. Um escritor contemporáneo, em "Invectiva m
in ROI1/anl pro Pormoso Papa", narra o fato com termos extarrecedores, extraí-
dos do Profeta Jeremías. Parece que até Deus quís intervir em tao nefasto
acontecimento: as próprias pedras da Basílica de S. [oáo do Latráo, que fo-
ram testemunhas deste vil atentado, deram também seu veredito. Nao
muito depois do "Concílio cadavérico" a Igreja de S. [oáo, máe de todas as
Igrejas, ruia fragorosa mente, desde o altar ao pórtico. Todos viram, nesta
catástrofe, um castigo de Deus, prenúncio de outros piores. A Igreja nao se
agüentou em pé, depois que ela foi tao vilmente profanada.
Como era de esperar, o castigo de Deus também nao tardaría em cair
sobre a pessoa do indigno Estéváo VI. Certo dia, uma parte da populacáo,
que permanecera fiel a memória do Papa Formoso, alvorotou-se e se lan-
cou sobre Estéváo VI. E o que ele fizera ao defunto, eles o fizeram a ele
vivo: despojaram-no de suas vestes, arnputaram-lhe a máo direita e o mete-
ram na prisáo para, por fim, estrangula-lo.
O "concilio cadavérico" suscito u tal repulsa que, em 898, num sínodo
romano se decidisse queimar todas as suas atas, no intuito de apagar a sua
triste memória. O sucessor de Estéváo VI nao ficou mais de 4 meses no
pontificado. Sucedeu-lhe Teodoro ll, que governou apenas 20 días. Neste
breve período, porém, convocou um sínodo para declarar válidas as orde-
nacóes feitas pelo Papa Formoso, desmentindo a Estéváo VI. O cadáver de
Formoso, com a subida do Tibre, havia sido depositado na margem do rio e
um monge o recolhera para dar-lhe sepultura decente. Teodoro II quis pes-
soalmente reparar a grave ofensa nao só a Formoso, mas ao Pontificado ro-
mano. Foi buscá-lo, em solene procíssáo, para transladá-lo ao Vaticano. E
diz Lintprando que, a passagem dos restos mortais do defunto pontífice,
até as estatuas se inclinaram reverentes. E a lenda popular que sai em defe-
sa do Papa injustícado.

Antítese:
O SÉCULO OBSCURO DE FERRO

Depois do "Concílio cadavérico", presidido por um Papa, que se pode-


ria ainda esperar de bom entre os homens? O mau exemplo vinha de cima.
Se a morte violenta de Ioáo VID foi lastimável, por se tratar de um homem
bom e amante da paz e do bem da Igreja, as violencias praticadas contra
Estéváo VI eram vistas como justo castigo de Deus. Mas, com isso, se
abriam as portas a todas as barbaridades, assassinatos e abusos, em todas
as esferas humanas. Nao havia mais autoridade.
[oáo IX somente foi eleito após muitos tumultos e violencias em Roma.
Governou dois anos, passando para a história como o Pacificador. Reabili-
tou a memória do Papa Formoso, absolveu os que interviram no concílio
cadavérico e mandou queimar as suas atas. Quase como símbolo da reno-
vacáo da Igreja, comecou a reconstruir a Basílica de S. [oáo do Latráo.

Día/ética da Política /103

Material com direnos autorais


Tudo parecia encaminhar-se para a paz. Lamberto de Espoleto dava
boas garantías. Infelizmente, porém, este morre de uma queda do cavalo.
Logo depois morria também Arnulfo, ficando vacante a coroa imperial.
Também Joao IX nao tardava seguí-los na sepultura.
Bento IV entrega a coroa imperial a Luís de Provenc;a, filho de Boson.
Mas Berengário nao desiste da pretencáo de obté-la para si. Mesmo tendo
que fugir do exército de Luís, conseguiu apoderar-se de sua pessoa e va-
sou-lhe os olhos. Com isto praticamente nao existia mais imperador. E
morre também o Papa. Seu sucessor Leáo V, homem bom e justo, aos dois
meses de governo era destronado e encarcerado. Cristóváo 1 se proclama
Papa. Sérgio, que fora rival na eleicáo de [oáo IX, consegue o apoio dos es-
poletanos e assume o Sumo Pontificado, mandando prender Cristóváo jun-
to a Leáo, E em seguida mandou matar a ambos.
Sérgio um daqueles homens tenebrosos, que vivem mais do ódio que
é

de algum sentimento bom. Inicia seu pontificado em 904. Nao reconhecen-


do, porém, legítimamente a seus predecessores, desde Joao IX, que o ven-
cera na eleicáo de 898, data seu pontificado a partir daquele acontecimento.
Trata-se de um ferrenho inimigo de Formoso. Volta pois a revalidar o
concílio cadavérico e declarar nulas as ordenac;óes feitas por Formoso, na
linha de Estéváo VI. Quem, portanto, tivesse sido ordenado por Formoso
deveria submeter-se a uma nova ordenacáo, sob pena de perder suas fun-
c;oes. Como, porém, muitos bispos haviam ordenado a outros, todos estes
deveriam voltar a ser ordenados. Foi um escandalo e urna confusáo total.
Além destas medidas absurdas, os escándalos do Papa sao notórios.
Freqüentava a família Teofilato, onde tinha relacóes amorosas com Maró-
zia, donde nasceu um filho, que será Joao XI. Marózia, em conseqüéncia,
comec;a a mandar na Igreja e faz Papa a quem ela quer. Daí a lenda da Papi-
sa ¡oana. Sendo seu filho Papa, era, de fato, ela quem mandava e desmanda-
va. A imoralidade campeava, desde a mais alta autoridade até o último ser-
vidor. Parecia que a corrupcác chegara ao auge e que a humanidade e o
Cristianismo estavam por terminar os seus días sobre a terra. Nao havia
praticamente nem Papado, nem Império.

Síntese:
AS FORC;AS INSONDÁ VEIS DA mSTÓRIA

Tinha razáo S. Agostinho ao afirmar, diante da perspectiva da queda


do Império romano, que o homem está dotado de tais forcas que capaz é

de sempre comecar de novo e edificar obras ainda melhores que as que pe-
recem. Pela dial ética humana, vista apenas numa perspectiva material, dir-
se-ia que a síntese das crises dos séculos IX e X deveria ser a dissolucáo to-
tal. Poder-se-ía clamar pelo fim dos tempos. Tudo estava em ruína, inclusi-
ve a Igreja. E como símbolo, a Basílica de S. [oáo do Latráo jazia por terra.

104 / D. Dadeus Grings

Material com direuos autorais


r~~
A dialética erista, p9r~m, ~ ~!Y~r~~: ~~~2~,iI Ilgyü~fg¡~¡§~§Firi-
tuais e, prindpalmente, o poder da graca divina. O século de ferro é, sem
dúvida, urna das provas históricas mais convincentes da origem divina do
Cristianismo e do Papado. Mesmo com homens tao indignos, vis e abjetos,
como Estéváo VI e Sérgio ID e outros homens manobrados e débeis, que
cingiram a tiara, o Papado nao desapareceu. Nem a Igreja foi a falencia.
No início do século X, numa obscura aldeia da Franca, de nome Cluny,
acendia-se urna pequena luz que, em pouco tempo, há de iluminar toda a
Europa e transformar a Cristandade. Era o mosteiro dos monges de Cluny,
de que falamos no volurne da dial ética da vida consagrada. Surgia urna
nova forca espiritual.
Em meados do século X, aparece, na Alemanha, urna nova dinastia.
Otao 1, instigado pelos monges reformados de Cluny, voltava seus olhos
para a Itália. Em 954 derrota Berengario e liberta a princesa Adelaide, que
toma por esposa. Querendo avancar até Roma, foi barrado pelo exército de
Alberico, pai do Papa [oáo XII. Mesmo vencendo-o, Otáo volta a seu país.
Em 960, urna comissáo de italianos, entre os quais se encontravam al-
guns enviados do Papa, vai até Otáo para pedir que ponha fim as arbitra-
riedades de Berengário. Otáo aceita o convite, com o pensamento no Impé-
rio. Quer tornar-se outro Carlos Magno a proteger a Santa Sé e ser Impera-
dor de toda a Cristandade. E parecia ter títulos para isso, como nenhum
outro, neste obscurantismo do século X: nos campos de batalha sempre
fora herói e vencedor; seu trono estava circundado de pessoas santas. Basta
dizer que sua máe é S. Matilde, sua esposa S. Adelaide, seu irmáo S. Bruno,
arcebispo de Colónia ...
Em 961 Otáo entra em Pavia e depóe Berengário. Dirige-se depois a
Roma. O Papa exige garantias para deixá-lo entrar. Otáo jura, sobre a relí-
qua da verdadeira Cruz de Cristo, fazer tudo para a exaltacáo da Igreja e
do Papado, nao se intrometer em sua jurísdicáo e respeitar os Estados Pon-
tifícios. No día 2 de fevereiro de 962, Otáo e sua esposa Adelaide sao coroa-
dos Imperador e Imperatriz, respectivamente, na Basílica de S. Pedro, pelo
Papa [oáo XII. Iniciava a grande reforma da Igreja. O Império ressurgia
com urna nova visáo, mais espiritual e mais universal que no tempo dos
imperadores carolingios.
O novo imperador e seus descendentes tém, como prerrogativa mais
claramente definida, o Imperium mundi, ou seja, a sol ucáo de todos os con-
flitos da Cristandade; e a advocatia Ecclesiae, isto é, proteger a Igreja e sua
cabeca, o Papa e seus domínios na Itália. É o tratado estipulado entre Otáo
1e o Papa, no dia 13 de fevereiro de 962.
O Papa [oáo XII, porém, ainda é urn Papa típico do século obscuro.
Sem caráter, traidor e mesquínho, Apenas Otáo saiu de Roma, trama urna
traicáo. Pactua com Berengário e pretende trazer os terríveis húngaros e
gregos, com o objetivo de expulsar Otáo da Itália. Otáo se sente ferido no
fundo da alma, com tamanha vileza do Papa. Mas nao teve dúvidas. Volta
a Roma e enquanto o Papa foge para Tívoli, urn sínodo romano o julga e

Dia/ética da Polftica / 105

Material com direltos autorais


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o Imperador Conrado II (1024-1039) tentou levar adiante as reformas
eclesiásticas, iniciadas por seu predecessor. E foi ainda mais longe. Instru-
mentalizou a Igreja, servindo-se inclusive simoniacamente dela. Estreitou I

os vínculos entre o Império e os bispos, fazendo destes simples feudatários.


Misturava-se a esfera civil e a eclesiástica.
No ano 1027, o sínodo de Aquitánia proclamou, pela primeira vez, a
"tregua de Deus", ou seja, a paz de Deus. Era a proibicáo de entrar em guer-
ra em certos tempos e dias. Com esta medida pos-se uro salutar freio as lu-
tas intermináveis, que agitavam a Alemanha e a Franca. Mas mais que mi-
tigar o estado de guerra, a decisáo do sínodo oferecia aos cavaleiros um
ideal religioso de defesa dos desvalidos. O movimento da paz representa
também uma expressáo do crescente poder dos bispos.
Quando Henrique III assume a direcáo do Império, em 1039, termina-
ram as turbulencias em Roma e a dependencia do Papado em relacáo as fa-
mílias italianas. O novo Imperador era homem devotado a Igreja e de gran-
de poder e capacidade. Casara com urna cidadá francesa, que vivera sob o
influxo do espírito de Cluny. Em 1046 Henrique ID desee até Roma. Um sí-
nodo depóe os tres Papas e elege o bispo de Bamberg, que tomou o nome
de Clemente 11.Gregório VI enviado para o exilio em Colónia. Híldebran-
é

do o acompanha. Surge a primeira grande controvérsia religiosa: toca ao


poder secular decidir sobre o Papado? Após a morte de Gregório VI, Hilde-
brando recolhe-se ao mosteiro de Cluny.
Henrique lIT era agora o árbitro nas eleicóes pontifícias. Os tres suces-
sores de Clemente TIforarn alemáes, eleitos em dietas na Alemanha. Mere-
ce destaque S. Leño IX, que firmou o poder universal do Papa e consolidou
as bases da reforma da Igreja. Procurou cercar-se de pessoas capazes, in-
fluentes e dispostas a colaborar na reforma, como Hildebrando, Humberto
de Moyemmutier, Pedro Darniáo, Hugo de Cluny, homens que se distin-
guirarn pela santidade e sabedoria.
Henrique m era dotado de um profundo sentimento de fé e piedade.
Deixou os Papas agir livremente. Isto, porém, se deve também ao fato de os
Papas desta época adotarem plenamente o modo de ver e agir do Impera-
dor, fazendo as vezes de urna espécíe de bispo imperial universal, em es-
treita uniáo com o Imperador. E certo que Henrique TII libertou o Papado
das indébitas ingerencias das diversas faccóes romanas e elevou o episco-
pado a urna dignidade e pureza que há muito nao conhecia. O Imperador
esta va interessado no bem da Igreja e procurou empenhar-se, com todo o
poder de que dispunha, em favorece-la e, inclusive, orientá-la. Sua política
eclesiástica é universal e de garantia da liberdade de acáo dos bispos e de
vinculacáo do clero a seus deveres eclesiástico-religiosos.
Desde o tempo dos francos introduzira-se o costume da investidura laica
dos bispos e abades. O Príncipe promovia um clérigo ao episcopado ou a
abadia, por meio da entrega do báculo e, mais tarde, também do anel. Era o
sistema da Igreja territorial, ao qual estavam anexos direitos e deveres ecle-

110 I D. Dadeus Grings

M atenat com dI!ellos autorai


siásticos de Príncipe. Os próprios Bispos havíarn aprovado este modo de
proceder. Era o sistema feudal que penetrara na estrutura eclesiástica.
A investidura laica nao era poís, de per si, anti-eclesiástica. O fato de
comprar ou herdar um cargo eclesiástico também nao era ainda abusiva.
Poderia tratar-se de igrejas privadas, propriedade de reis ou nobres. O pro-
blema estava na confusáo entre realidade religiosa e realidade temporal.
Henrique m, com ótimas íntencóes, quis ajudar a Igreja.
Os bispos, porém, como feudatários, dependiam do reí. O "bispado",
que compreendia a igreja, seu s bens e posses territoriais, lhes era entregue
pelo monarca, tornando-os senhores feudais e, ao mesmo tempo, vassalos.
Para evitar abusos e outras ingerencias, o Papa [oáo X havia determinado,
em 921, que somente ao rei caberia conferir o "bispado" aos clérigos, elimi-
nando assim do páreo os condes e demais nobres de interferir na adminis-
tracáo eclesiástica, dispondo de cargos em favor de seus parentes.
De fato, o poder e a riqueza que representava urn "bispado" ou urna aba-
dia eram de molde a despertar a ambicáo e a cobica de muitas pessoas indig-
nas e sem vocacáo eclesiástica e até sem escrúpulos. Estando estes cargos nas
máos dos príncipes e monarcas, muitas vezes, eram alcancados a prec;o de
bom dinheiro, numa espécie de leiláo público. Quem desse mais obtinha sua
posse. Como conseqüéncia, o alto clero, que era constituído pelos bispos e
abades, deixava muito a desejar. Costumava ser caracterizado como simo-
níaco, concubinário, propenso ao luxo das cortes, sem espiritualidade ...

Síntese:
A LUTA DAS INVESTIDURAS

o mosteiro de Cluny foi o primeiro a reagir contra as ingerencias tem-


porais na vida religiosa. Queria urna reforma. Lutou, pois, para conseguir a
ísencáo frente ao poder temporal, submetendo-se diretamente a
Santa Sé.
Deste modo poderia viver sua vida de modo puro e independente.
Corno vimos, no volume segundo desta História, Cluny conseguiu efei-
to no plano religioso. Agora cabe-nos ver as conseqüéncias e repercussiies
políticas desta tentativa de reforma. Vimos o plano do Imperador Otáo de
levar até a Sé Apostólica O espírito de Cluny. Seus sucessores ernpenharam-
se no mesmo sentido. Em Henrique III a Igreja encontrou um grande de-
fensor e propulsor. Quando ele marre, no ano 1056, seu filho Henrique N
contava apenas com 6 anos de idade. A grande pergunta, que há tempo
pairava em toda a Cristandade, referia-se ao exercicio do poder supremo. A
quem cabe a primazia na Igreja: ao poder religioso ou ao civil?
Segundo Lortz, a idéia do poder sempre mira ao ponto central. Tanto
da parte eclesiástica como da parte civil, ou se]a, tanto da parte religiosa
como da parte política, se tende ao predomínio. Facilmente um invade o
terreno do outro, com evidente prejuízo de toda a Cristandade e com urna
infinidade de controvérsias, que p6em a Igreja da Idade Média ero contí-
nuo sobressalto.

Día/ética da Política / 111

Material com direüos autorais


A idéia de poder nao é estranha ao Cristianismo. De fato Mateus termi-
na o Evangelho com as palavras de Cristo: foi-me dado todo o poder (Mt
28,18). Desde o ínícío os bispos, e com especial destaque o de Roma, servi-
ram-se do seu poder em prol das populacóes que lhes estavam confiadas,
também no plano material. Na Idade Média os bispos sao incorporados ao
sistema do Império, reforcando seu poder. A Igreja nunca foi urna realida-
de apenas de sacristia. Foi ela quem implantou a civilízacáo ocidental.
Devido a lastimável situacáo da autoridade eclesiástica, o Imperador
Henrique m interveio em beneficio de toda a Igreja. Pos ordem. Mesmo
tendo urna visáo universal, Henrique ID nao deixava de ser alemáo. Sua in-
tervencáo aparecia pois, para muitos, como urna ingerencia alemá na Igre-
[a. Formou-se, em conseqüéncía, urna tendencia anti-alemá, por nao se ter
entendido suficientemente o valor universal do Império, que casualmente
se encontrava nas máos de um reí alemáo.
Cluny esta va situada em terras francesas. Ali é educado Hildebrando,
numa linha anti-alemá. Levado para Roma pelo Papa Leáo IX, Hildebran-
do, juntamente com Humberto da Silva Cándida, empenhou-se pela refor-
ma. Suas diatribes se dírígíam, em especial, contra a simonía e as investi-
duras, como condicáo indispensável para assegurar a liberdade e a digni-
dade do episcopado e das abadias. Sob sua inspiracáo, o Papa Nicolau 11,já
nao mais alemáo, estabeleceu, no sínodo Lateranense de 1059, que a eleicáo
do Papa se fizesse somente pelos cardeias, em Roma. A medida atingia, ao
mesmo tempo, as ingerencias da nobreza romana e dos reís. Nao se faz ne-
nhuma referencia ao rei, ou Imperador, e se proíbe a investidura laica. Eli-
mina va-se, deste modo, o sistema germánico da igreja privada. Como, po-
rém, de outro lado, nestas igrejas privadas estava empenhada urna enorme
soma de bens, esta intromissáo da autoridade eclesiástica constituía urna
verdadeira ameaca a inteira situacáo alemá, inclusive a política.
A medida romana haveria, portanto, de provocar inevitavelmente urna
reacáo da parte alemá. Para garantir-se, Hildebrando procurou apoio nos
terríveis Normandos. O Papa Nicolau 11assinava urna alíanca com o duque
deles, de nome Roberto. Este jurou fidelidade a Roma, proteger o seu patri-
monio e pagar-lhe urna pensáo anual. Numa palavra, o Papa invertia o sis-
tema feudal em vantagem própria.
Por esta época aparece um novo movimento na Igreja, denominado de
"Pauperes Chrisii", que logo conquistou largas camadas sociais, mais po-
bres. A Idéia da reforma lhes era simpática. De fato, até aí a autoridade
eclesiástica esta va aliada aos ricos: os bispos eram senhores feudais. O
novo movimento desejava urna Igreja purificada, livre dos vínculos secula-
res. Chegou até ao ponto de levantar-se contra o clero feudal, concubinário
e simoníaco, recusando receber os sacramentos de suas máos.
O ideal da reforma fez com que o grupo típicamente clerical da mesma
se unisse a este grupo popular mais ativo. Infelizmente, porém, nao se con-
seguiu inserir os leígos, de modo estável, nas atividades da Igreja. A Igreja
medieval-aristocrática, ligada ao Império, tem um momento de abertura

112/ D. Dadeus Grlngs


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tas do Castelo de Matilde, pedindo ser readmitido a cornunháo eclesiástica.
O Papa tinha agora a faca e o queijo na máo. Se recusasse admití-lo, Henrí-
que IV caía, deposto pelos príncipes, que para este fim se haviarn reunido
em Tibur. A experiencia mostrara que o rei nao era homern de pala vra. Nao
voltaria depois ao contra-ataque? Merecia voltar ao govemo depois do que
fizera.?
Nesta altura, em Gregório VII, se pñe em confronto o homem político e
o religioso, o dominador da Cristandade e o Sacerdote que deve adminis-
trar o perdáo de Cristo. Se fosse pelo político, Gregório Vil deixaria Henri-
que IV morrer a míngua, diante da porta do Castelo de Canossa. Mas o co-
racáo sacerdotal venceu. No quarto dia, sob os rogos do abade Hugo de
Cluny, admitiu Henrique IV a comunháo. A humilhacáo do rei diante do
Papa quebrou sua sacralidade e autonomía e, em conseqüéncia, prejudicou
irremediavelmente a unidade eclesiástico-política universal.
Reconciliado pelo Papa, Henrique IV teve que reconquistar sua coroa
na Alemanha. Os príncipes, de fato, o haviarn deposto e escolhido em seu
lugar Rodolfo. Henrique IV, porém, com sua perspicácia e a guerra de
guerrilha, consegue impor-se novamente. Comeca entáo a exigir do Papa a
excomunháo do anti-rei Rodolfo que, por sua vez, pede o mesmo contra
Henrique. O Papa procurou manter-se, inicialmente, neutro. Mas em 1080
procedeu a uma segunda excomunháo contra Henrique IV, porque este
ameacava constituir urn anti-papa. Gregório Vil afirmava, como justificati-
va para a sua atitude, que cabe a "Igreja", ou seja, ao Papa dar ou conceder
a coro a a quem quiser. Ern outras palavras, reivindica para si pleno poder e
dominio temporal.
A segunda excomunháo, porém, nao teve efeitos significativos. Antes
pelo contrário. Henrique IV voltou a Itália, cercou Roma e os romanos
abandonaram o Papa, que foi deposto e exilado. O anti-papa Gilberto de
Ravena, reeleito com o no me de Clemente m, coroou solenemente Henri-
que IV Imperador.
Com a retirada de Henrique IV, vieram os normandos libertar Gregório
VII do Castelo de Sant' Angelo, mas devastaram também Roma com inau-
dita crueldade. Ora, eram eles os aliados e amigos de Hildebrando, que os
trouxe para Roma e fizera com eles urna alianca, Por isso o próprio POyO
romano se revoltou contra Gregório VII, que teve que fugir da Cidade Eter-
na, retirar-se para Montecassino e morrer, finalmente, em Salerno, no ano
1085. Suas últimas palavras teriam sido mutuadas da S. Escritura: "Arnei a
justica e odiei a iniqüidade ... por isso morro no exilio". SÓ que acerca da
justica tinha urna concepcáo urn poueo particular, expressa nas suas incrí-
veis pretensóes de dominador universal e exclusivo, no famoso "Dictatus
Papae". Dois séculos mais tarde a mesma pretensáo fará cair outro pontífice:
Bonifácio vm.
O assunto era complexo. Henrique IV obtinha urna primeira grande vi-
tória política, reafirmando o predomínio do poder temporal. Mas a causa

Dia/ética da Polftlca / 115

Material com direüos autorais


das investiduras, que envolverá 50 anos de lutas, termina dando, em parte,
razáo a Gregório VII.
Como sucessor de Gregório VII é eleito Urbano II, homem de excepcio-
nais qualidades e de uma diplomacia mais sagaz que seu predecessor. Fora
discípulo de S. Bruno e legado na Alemanha. Sua situacáo, porém, ao ser
eleito Papa, em 1088, era extremamente delicada. Roma estava ocupada
pelo anti-papa Clemente IlI, sustentado pelo Imperador Henrique IV. Este,
por sua vez, continua va triunfando em todas as frentes.
Urbano Il trabalha no plano político, conseguindo formar urna podero-
sa liga. O filho do Imperador, Conrado, passa para a Liga de Miláo, rebe-
lando-se contra o pai. Reúne-se um grande concilio em Clermont, presidi-
do por Urbano n, cujo prestigio cresce ruante de toda a Cristandade, ao
pregar a primeira cruzada para libertar a Palestina. Mobilizou-se um pode-
roso exército que, em 1099, entrava vitorioso em [erusalém, poucos dias an-
tes da morte do Papa.
Sob PascoalII (1099-1118)se reacende a luta das investiduras. Henrique
IV morria em 1106 e o anti-papa Clemente ID, retirado em sua diocese de
Ravena, morrera cinco anos antes, desamparado por seu protetor. Conrado
morrera em 1101, ficando o Imperador sem adversários. Em 1105seu filho
Henrique se rebelara contra o Pai, que morreu pouco antes de se iniciar o
combate dos dois exércitos. Agora Henrique Vera reí, com o apoio de Pascoal
U, que, porém, se enganara acercada sinceridade do jovem príncipe.
Henrique V, ansioso por cingir a coroa imperial, comecou a negociar
com o Papa. Dirigiu-se a Roma a frente de um poderoso exército. Pascoal Il
lhe prometeu a coroa imperial, sob condicáo de renúncia as investiduras.
Henrique rejeita a condicáo, alegando antigos direitos e as extensas posses
dos bispos alemáes. Neste momento Pascoal Il teve um gesto, certamente
evangélico, mas pouco ou nada realista, que surpreendeu o mundo: em tro-
ca da liberdade, a Igreja devolvería ao reí todos os feudos, propriedades e
jurísdicóes temporaís dos bispos, bem como tudo o que provinha da coroa.
Com isto os bispos, de um día para outro, deixariam de ser cortesáos e
magnatas, para se tomarem verdadeiros pastores e pobres.
A Henrique V nao agradou a proposta, porque, confiando estes feudos
a leígos, em pouco tempo os perdería na sucessáo familiar, sem manter a fi-
delidade, nem a gratídáo, Mesmo assim aceitou, certo de que o Papa nao
poderia cumprir com o prometido, visto nao conhecer a situacáo e a pre-
tensáo dos bispos alemáes. Pelo tratado de Sutri, em 1111, chegou-se ao
auspicado acordo: o rei, no dia da coroacáo imperial, renunciaria a toda a
investidura dos cargos eclesiásticos. As igrejas ficariam livres, contentan-
do-se com as ofertas dos fiéis. O Patrimonio de S. Pedro seria reconhecido.
O Papa, por sua vez, mandaria os bispos entregar seus feudos ao Impera-
dor e nao obteriam mais nenhurna regalia para o futuro.
Iniciou-se sob estes auspícios a solene cerimónia da coroacáo imperial,
na Basílica de S. Pedro. Pascoal Il anunciava, alto e bom som, que a Igreja
se despojava de todos os direitos feudais na Alemanha. O Imperador, na

116 / D. Dadeus Grlngs


a
sua vez de talar e proceder renúncia das investiduras, padiu tempo. Reti-
rou-se para urna sala contigua com os bispos alemáes para confabular. Es-
tes protestaram energicamente, ante seu senhor, e se récusaram terminante-
mente renunciar a seus direitos. Henrique V voltou a Basílica para dizer
que a proposta do Papa era irrealizável e inclusive herética. Foi urna bom-
ba dentro da Basílica vaticana.
Pascoal 11interrompeu bruscamente a cerimónía. Henrique V ainda in-
sistiu que se concluisse, pelo menos, a coroacáo. Mas nao havia condicóes.
Diante da negativa, seus soldados prenderam o Papa. Os romanos, porém,
se ergueram contra os alemáes, matando vários deles e ferindo o próprio
reí. Este, por sua vez, comecou a ameacar de tal modo o Papa com urn cis-
ma, se este nao o coroasse, que por fim teve que ceder. E assim Henrique V
foi coroado Imperador, obtendo ainda o privilégio das investiduras. Agora
era o Imperador que tinha o predomínio sobre o Papa. Pascoal Il, urna vez
livre das pressóes, voltou atrás.
Diante de urna nova descida do Imperador, Pascoal Il fugíu para Bena-
vento. Passado o perígo, voltou para Roma, onde morreu em 1118. Seu su-
cessor Gelásio Il teve de fugir para a Franca, sendo nomeado, em Roma,
um anti-papa, de nome Gregório VIll.
A luta, aos poucos, contudo, ia serenando. Comecava a distinguir-se
entre o poder temporal do bispo e sua funcáo religiosa. Sobre esta base che-
gar-se-á finalmente a urna solucáo de compromisso entre Henrique V e Ca-
lixto Il, em 1122, com a concordata de Worms: a escolha do bispo será livre,
feita pelo clero. O rei renuncia a investidura do báculo e do anel. Segue-se
urna investidura nas propriedades temporais, pelo reí, com cetro e jura-
mento feudal.
A solucáo da concordata de Worms mostra que grande parte da contro-
vérsia entre o Papado e os Reis provinha da confusáo dos diversos aspec-
tos. Cada um defendia o seu, como se fosse o todo. É o grande problema da
política e da relígiáo, que continua através dos tempos. A pergunta sempre
se póe de novo: qual é, na Igreja, a funcáo da autoridade religiosa e qual a
funcáo da autoridade civil? da religiáo e da política? ou será que urna é
Igreja e outra está fora da Igreja? Qual é a colocacáo que devem dar o clero
e os leigos na mesma Igreja? O erro de Gregório VII foi pretender excluir
da Igreja a atividade dos leigos. Tentou criar urna Igreja clerical, ou melhor
ainda, monacal.
A conclusáo deste passo da dialética da política é Cristo que responde a
ínterrogacáo acerca do tributo ao Império romano: "Dai a César o que é de
César e a Deus o que de Deus ''. Gregório VII tentou impedir com todas
é

as veras de seu coracáo, que o poder espiritual caísse sob o domínio dos
leigos. Lutou denodadamente pela autonomía da autoridade eclesiástica.
Mas foi longe demais ao excluir praticamente da Igreja toda autoridade
leiga. Criou urna Igreja clerical, ou seja, um espírito sem corpo. Rompía-se
o equilíbrio entre Papado e Império, para evidente prejuízo da Crístanda-
de. Gregório VII teve algumas rusgas também com outros reís, no intuito

Día/ética da Polftica /117

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e das grandes Ordens monásticas. Com ísso o centro de gravitacáo da Cris-
tandade se deslocará para a Franca, o que nao deixará de prod uzir frutos
amargos, culminando no grande cisma, dois séculos mais tarde.
O Imperador comecou, pois, ganhando a partida. Em 1167 conquistou
Roma. Mas o Papa nao permanecia inativo. Conseguiu aliados também no
norte da Itália, pondo-se a frente da alíanca lombarda. Barbaroxa tentou,
em váo, conquistar Alexandria, depois de ter perdido, vitimados pela pes-
te, vários de seu s melhores homens. Em 1176 foi derrotado em Legnano,
terminando por firmar a paz com o Papa no ano seguinte. Seu anti-papa
Calixto ID voltava para a sua abadia, de onde havia saído para assumir o
Sumo Pontificado as ordens de Frederico 1. O Imperador renunciava a
Roma e ao domínio sobre o Papado, que voltou, após urna segunda fuga,
triunfante a Cidade Eterna, onde celebrou o m Concilio de Latráo.
Terminava o cisma e a Cristandade respirava aliviada. Frederico 1, ab-
solvido da pena de excomunháo, ficou muito impressionado com a benig-
nidade e amabilidade do Papa Alexandre Ill, Finalmente reinava paz entre
o Papado e o Império.
Para reparar suas faltas, Barbaroxa dispos-se a encabecar urna cruzada
para a reconquista da Palestina, a terceira, que seria a "Grande Cruzada da
Cristandade". Enquanfo os reis da Franca e da Inglaterra iam por via marí-
tima, Frederico Barbaroxa, com um poderoso exército, avanc;ava vitorioso
por vía terrestre. Sua a\ao de veterano experimentado de guerra foi fulmi-
nante. Os inimígos trerniam só em ouvir seu nome. Infelizmente, quando já
se encontrava perto de Antioquia, depois da vitória de Icónio, o Imperador
morre repentinamente, nas águas do rio Galef. Os cruzados alemáes, sem
seu líder, regressaram para casa, enquanto os franceses e ingleses, após te-
rem conquistado Chipre e Acre, assinaram um armisticio com Saladino, no
qual figurava a cláusula de livre acesso dos cristáos aos lugares santos.
Mesmo após ter firmado a paz com o Papa, Frederico Barbaroxa, rapo-
sa como era, nao havia tirado o olho da Itália, apesar de deixar o Sumo
Pontífice a mercé dos revoltosos. Planejara o casamento de seu filho Henri-
que com Constanca, da Sicília. Com isso procedia a um cerco contra os Es-
tados Pontifícios, pondo a decisáo política final, para qualquer eventuali-
dade, nas máos do Imperador. Com a morte de Frederico 1,seu filho Henri-
que VI, casado com Constanca, torna va-se o novo Imperador. E herdava
um poder extraordinário: era agora reí da Alemanha, da Sicília e ocupou
também os Estados Pontifícios. Era, portanto, senhor absoluto, certamente
nao falto de qualidades geniais, tendo obtido urna vitória política também
sobre Tancredi, da Sicí1iae Ricardo Coracáo de Leáo, da Inglaterra e tendo
recusado prestar juramento de fidelidade ao Papa.
De repente, porém, houve urna mudanca radical em todo o cenário po-
lítico. Com apenas 32 anos de idade, em 1197, morria o perigoso adversário
do Papado, deixando como herdeiro urna crianca de 3 anos, que sua máe
púe sob a protecáo do entáo Papa Inocéncio m, o verdadeiro e grande su-
cessor, que levava o prestigio do Papado ao apogeu, no momento exato em

122/ D. Dadeus Grlngs

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que parecía periclitar nas máos do Imperador. De um extremo se passava a
outro.
Enquanto viveu seu tutor Inocéncio m, o novo Imperador Frederico 11
teve uma conduta irrepreensível. Mas logo depois seguirá as pegadas de
seu ave Frederico 1,lutando pela autonomía do poder estatal, e ainda mais,
pelo domínio sobre o poder espiritual. Perde-se deste modo a concepcáo
universalista do Império. para restringir a atuacáo de cada príncipe aos li-
mites de seu Estado. Prepara-se a visáo dos estados modernos.
De fato, a conversáo de um Império universal nao poderia efetuar-se
senáo mediante a uniáo com o Papado. Como, porém, Frederico Il nao es-
tava disposto a entrar em acordo com o Papa, ainda mais depois que sofreu
a pena de excomunháo, julgou preferível renunciar a concepcáo de um Im-
pérío universal, como vinha sendo até entáo propugnado. Viveu inclusive
mais na Sicília que na Alemanha, introduzindo na vida cultural e religiosa
do Ocidente elementos sincretistas, derivantes do Islamismo. Com isto a
luta contra o Papado nao era mais apenas questáo de supremacia, mas se
tornava urna divergencia mais profunda, que atingia a própria visáo do
mundo. Os fatos que envolvem os dois con tendentes derivarn, pois, desta
visáo fundamental divergente. Frederíco nega-se a cumprir a promessa de
encabecar urna cruzada; pretende unir a Italia do Sul a Alemanha. Para mi-
nimizar a excomunháo sofrida, Frederico Il comeca até a criticar o príncipe
da hierarquia eclesiástica, preconizando urna volta a pobreza evangélica
para a Igreja.
Mas vamos aos fatos. Com o velho Papa Honório m, imediato sucessor
de Inocéncio m, nao houve maiores rusgas. Gregório IX (1227-1241), porém,
mesmo sendo homem aberto as novas correntes do tempo e profundamen-
te religioso, o Papa das decretais e da Inquisícáo e se torna apaixonado
é

adversário de Frederico Il, tendo certamen te alguma culpa também nas


iras do Imperador contra o Papado. Excomunga o Imperador pelo fato de
ele ter feito regressar a Cruzada, sem o éxito almejado, urna vez que a peste
minava o exército. Como contra-ofensiva, o Imperador fomenta revoltas
nos Estados Pontifícios.
Mesmo excomungado, Frederico Il retoma o caminho do Oriente e, me-
diante negocíacóes, readquire para o Ocidente cristáo os principais lugares
santos. Em [erusalém ele mesmo se impóe a coroa. Em 1230 vai reconciliar-
se com o Papa. Houve urna breve trégua.
Os planos imperiais, porém, de unir a Itália e a Alemanha nurn único
reino ameacavarn a independencia da Lombardia e dos Estados Pontifícios.
Ambos se unem em alianca. Em 1239 o Papa lanca contra O Imperador
nova excomunháo e a deposicáo, sob as piores acusacóes: heterodoxia, bes-
ta apocalíptica por ter chamado Moisés, [esus e Maomé de sedutores do
mundo, o precursor do Anticristo. Os irnperiais revidavam, também com
folhetos que espalhavam entre o POyO, com acusacóes de que o Papa agía
política e nao religiosamente e de que é o Anticristo em pessoa.

Dia/ética da Política / 123

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Inocencia IV éeleito em 1249, após urna vacancia de um ano e meio da
Sede de Pedro. Iniciou tratativas com o Imperador, que prometeu muito.
Mas logo a desconfianca o dominou e se quebraram os pratos. O dissídio
entre as duas cabecas da Cristandade agora se póe em questáo de princi-
pios. Frederico II, em resposta a excomunháo, ataca a própria hierarquia
em si. O Papa, refugiado na Franca, convoca o Concilio de Lyon, que será o
xm ecuménico, em 1245. Sua atuacáo foi prevalentemente política: exco-
munháo e deposicáo do Imperador alemáo, proibicáo, sob pena de exco-
munháo, de obedecer-lhe, pregacáo de urna cruzada contra ele ...
Como era de prever, com propósitos tao claramente políticos, a partici-
pacáo dos bispos foi mínima: apenas franceses e espanhois. Os imperiais o
rejeitaram totalmente. E aconteceu algo ainda mais grave: do Papa e do
Concilio atuais se apelou ao Papa futuro e a um Concílio futuro, que fosse
verdadeiramente ecuménico. Punha-se em questáo a legitimidade do pró-
prio Papa e do Concilio.
O Imperador nao ficou atrás no contra-ataque. Nega, em principio,
todo O poder papal em quest6es temporais. Além disso teve motivos claros
de desconfianca contra o Papa quando, em 1246, foi desvendado urn com-
pló contra a sua vida, no qual participavam alguns cardeais e até um cu-
nhado do próprio Papa.
Quando, em 1250, morr'ia improvisamente, com apenas 55 anos de ida-
de, reconciliando-se com a Igreja, terminava mais um período de lutas en-
tre o Papado e o Império.

Síntese:
A CRISTANDADE

Desde a sua origem, a Igreja compreende o homem todo: o povo deé

Deus aqui na terra em marcha para a eternidade. Incl ui, poís, corpo e espí-
rito, aspecto pessoal e social.
Até 313, o Cristianismo corre como que paralelo ao Império romano.
Enquanto aquele se preocupava prevalentemente com a parte espiritual,
este promovía a parte material. Mesmo assím, nem um nem outro prescin-
día de ambos os aspectos, o que ocasionou, inclusive, muitas perseguicóes.
A Igreja tentara organizar-se também no plano social, com a comunidade
de bens de [erusalém, que logo faliu, e com urna série de obras de caridade,
por toda a parte, que continuavam a florescer.
Quando o Império se toma oficialmente cristáo, aparentemente termi-
na o dualismo. Comeca o regime de Cristandade: ao poder civil é confiada
a tarefa material e ao poder espiritual a tare fa religiosa. Ambos formam a
mesma e única Igreja. Com a restauracáo do Império, na Idade Média, pa-
rece claro: a parte material da Igreja cabe ao Império e seus auxiliares e a
parte espiritual ao Papado e Episcopado e seus auxiliares.

124 ID. Dadeus Gríngs

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A medida de Nicolau Ill nao poderia ser mais antipática, arbitrária e re-
voltante, fazendo recair sobre ele a grave culpa da volta ao cisma. Era, de
fato, o início do fimo Os ortodoxos, com tais exigencias, se iam convencen-
do de que era simplesmente impossível conviver com estes latinos autori-
tários e arbi trários.
Mesmo assim, o Imperador e o clero fizeram o possível para se subme-
ter, numa dernonstracáo de extraordinária boa vontade. Nisto, porém, mor-
re Nicolau m e é eleito Martinho IV; que pos definitivamente tudo a perder.
Devendo a tiara a Carlos de Anjou, da Sicília, procura apoíá-lo em todas as
suas empresas militares. E - pasmai ó Céus! - para favorecer seu apanigua-
do da Sicília e preparar urna "cruzada" contra Constantinopla, lancou a ex-
comunháo contra o próprio Imperador Miguel Paleólogo, para debilitar
sua posicáo militar. Este pensou, de inicio, voltar ao cisma. Contentou-se,
no entanto, em eliminar o nome do Papa, da liturgia, e derrotar, na Alba-
nia, Carlos de Anjou que vinha avancando contra Constantinopla.
Em fins de 1282 morria Miguel vm Paleólogo. Seu filho Andrtmico II,
recusou obediencia ao Papa, negou sepultura eclesiástica ao próprio pai,
por causa da sua uniáo com os latinos, depós do patriarcado de Constanti-
nopla Beccos e reconduziu o exilado José. O cisma voltava a se estabelecer,
desta vez por culpa exclusiva do Papa.
Por dois séculos nao se falará mais em uriiáo, Os latinos, depois das ati-
tudes de Nicolau m e de Martinho IV, deveriam estar morrendo de vergo-
nha, por medidas tao indignas e por urna politicagem tao mesquinha, que
levou a fazer fracassar a uniáo, conseguida com tanto esforco, pelo concilio
de Lyon. A segunda ruptura é, poís, indubitavelmente culpa dos latinos: de
Nicolau Ill, por autoritarismo eclesiástico e de Martinho IV por abuso de
poder, ao servir-se da pena eclesiástica da excomunháo para fins puramen-
te políticos e de péssima categoria.
Dois séculas mais tarde, talvez esquecidos da vergonha passada, os la-
tinos se animaram novamente a convidar os Orientais para um Concilio
ecuménico, em Florenca. Os Ortodoxos, com o Império Oriental a periclitar
diante do perigo turco, acorreram com confianca. Após longas e difíceis
tratativas, chegou-se a firmar novamente a uniáo. Era o ano 1439. Quatorze
anos mais tarde, infelizmente, os turcos tomavam Constantinopla e impu-
nham o cisma. O Ocidente nao movera um dedo em socorro do Império
Oriental. Os últimos defensores, com o Imperador Constantino XI, se bate-
ram virilmente até a última gota de sangue. E a uniáo de Florenca morria
com o Império.
A conclusáo a que nos leva este lance da dialética é Cristo, o único
princípio de unidade cristá. É ao redor dele e só nele que se pode construir
urna unidade estável e definitiva. Onde prevalecem outras pretensñes e
ambicóes, as rupturas torna m-se inevitáveis. Mas é preciso também colher
a licáo do Evangelho: "Toda casa dividida contra si mesma ruirá". Já os an-
tigos romanos adotavam esta política, com o aforismo: "divide et impera".

134 / D. Dadeus Grings

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Nao pode, país, ser autentico discípulo de Cristo quem nao estiver dis-
posta a fazer todo o possível pela unidade dos cristáos. É o imperativo dei-
xado pelo Mestre: "Que todos sejam um": "que vos ameis uns aos outros,
como eu vos amei".
Esta dialética termina de modo muito triste: com a ruptura entre o
Oriente e o Ocidente cristáos, para prejuizo de ambos. Um milenio de sepa-
racáo. Talvez o terceiro milenio do Cristianismo seja novamente unidas es-
tas duas Igrejas, que formaram urna só Igreja universal, no decorrer de
todo o primeiro milenio. Após o Concilio Vaticano II, Paulo VI teve a hu-
mildade de pedir perdáo dos desaforos que os latinos fizeram aos Orien-
tais. E houve o abrace de reconciliacáo. As mútuas excomunhóes já foram
levantadas e as duas Igrejas caminham decididamente para a sua uniáo de-
finitiva.

14
A IGREJA DOS POBRES

Tese 14:
TENDENCIA A. RIQUEZA

Quatro tendencias costurnam polarizar a atitude humana: o poder, a ri-


queza, o sexo e a religiáo. As pessoas, via de regra, fazem sua opcáo funda-
mental por algum destes valores. Cada um deles tem tal forca atrativa e ab-
sorvente que, mais que a urna simples hegemonía, tenda ao monopólio.
No decorrer de toda a história humana se pode verificar, nao só nos in-
divíduos, mas também na sociedade em geral, o predomínio de alguma
destas tendencias. O poder fascina, particularmente, em certas épocas,
quando aparecem, em toda a parte, as ditaduras. A luta entre o Papado e o
Império foi, em grande parte, urna luta pelo poder. A riqueza tem seus atra-
tivos, mais acentuadamente, em alguns períodos da história, entre os quais
se situa o início do segundo milenio do Cristianismo, de que estamos tra-
tando nesta altura. O sexo aparece mais destacadamente com a renascenca,
como já acontecera no início do primeiro milenio. A religiiio tem seu ponto
alto no apogeu da ldade Média.
Detenhamo-nos agora no problema da riqueza. Pode ser visto sob dois
prismas: um sob o ponto de vista da distribuicáo, onde o acúmulo da ri-
queza, por parte de uns, representa urna injustica na reparticáo equitativa
da mesma e, conseqüentemente, urna opressáo de quem se apropria do
mais, sobre quem recebe menos. Este problema, ainda que presente já entre
os Santos Padres, desabrocha plenamente apenas na época da ínsdustriali-

Día/étíea da Po/ftíes / 135

M atenat com dI!ellos autorais


zacáo, com o surgimento da nova classe do operariado, com as conseqüen-
tes ideologias do capitalismo e do socialismo.
O outro prisma do problema da riqueza o religioso. Sáo suas tenden-
é

cias diametralmente opostas, segundo o Evangelho: servir a Deus ou as ri-


quezas. A riqueza, vista sob o prisma da distribuicáo, afeta a virtude da
justica; considerada sob o prisma do apego, diz respeito a virtude da reli-
gíáo. Urna pessoa se toma escrava de sua riqueza, como a outra se torna es-
crava do poder e a outra do sexo. Eventualmente alguém acrescentaria: e
outra da religiáo. E terá razáo se tomar religiáo apenas como tendencia na-
tural, levada pelo fanatismo. Nao, porém, se assumida como opcáo radical
por Cristo, que liberta de todas as escravidóes, inclusive da religiosa, feita
de fanatismos, magias e normas abstratas.
Todo período de esplendor leva a ostentacáo de luxo e, conseqüente-
mente, a necessidade de acumular tesouros. A riqueza pode ser vista nas
residencias, na convivencia, em lautos manjares, no modo de trajar e se
apresentar ... A própria arte aponta também as épocas de maior riqueza.
Ao volver-se o primeiro milenio do Cristianismo, com a estabilidade
política, cultural e religiosa do Ocidente, a busca da riqueza se manifesta
mais incisiva. E de se notar que, ao longo da história, devido as continuas
guerras, com o conseqüente direito ao saque das cidades vencidas, por par-
te dos soldados, saque este que se protraía, as vezes, por semanas inteiras,
se mantinha viva a concepcáo do precário. A cada passo acontecía alguma
destas írrupcóes da soldadesca a levar embora tudo. Em conseqüéncia,
sempre voltava a restabelecer-se urna fundamental igualdade entre as pes-
soas e um princípio básico de desprendimento e necessidade de ajuda mú-
tua. Ninguém tinha seguran\a acerca do que possuía.
Nos períodos de estabilidade, porém, quando se passam algumas déca-
das, ou até séculos, sem um saque em regra, nao só se acumulam bens,
como. também cresce o apego e, ainda mais, ganancia em possuir mais e
mais. •
Lembremos que o mosteiro de Cluny, no século X, comecou renovando
a vida da Igreja e da Europa, exatamente por sua pobreza e desprendimen-
tooLogo, porém, com o prestígio de que goza va e o apoio dos Papas e reis,
cresce seu poder e, conseqüentemente, suas riquezas. S. Bernardo nao bus-
ca a ordem de Cluny, exatamente, por isso. E chega a denunciar vigorosa-
mente o perigo do poder e da riqueza para a Igreja. Mas assim como Cluny,
também outras ordens religiosas e os nobres em geral, no início do segun-
do milenio do Cristianismo, se deixavam dominar pela riqueza.

Antítese:
MOVIMENTO PAUPERíSTICO

A reacáo contra a riqueza, no século XII, nao surgiu por motivo de jus-
tica, como acontecerá no século XX, mas por motivo de religido. Os monges,

136/ D. Dadeus Grlngs

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gioso. A partir do século XIT,porém, o elemento político-secular se afirma
fort@m~ntt/no plenitude de ~eupoder. frevnlece o objetiviamo~obreo aub-
jetivismo, tendo como base o ensino oficial da Igreja, promanado do Papa-
do, como norma segura e obrigatória para todo cristáo.
Desde Gregório Vll, a evolucáo do Papado se concentra na idéia do po-
der, tornando-se, inclusive, urna verdadeira ameaca para os demais cam-
pos. Os canonistas do século XITI, que a elaboraram, sintetizaram-na numa
fórmula concisa: poder absoluto do Papa na esfera temporal. Compreendia
a supremacia papal sobre as potencias políticas do Ocidente e o poder de
depor dos cargos e benefícios em toda a Igreja,
Bonifácio VIII (1294-1303), eleito após a renúncia do monge eremita Ce-
lestinov: que era considerado o Papa Angélico, será o último que tenderá
exercer a plenitude do poder, dentro da concepcáo dos canonistas do sécu-
lo XIII. Vendo periclitar o poder papal, Bonifáco Vlll, formado na linha ca-
nonista, se interpóe com energía.
Bonifácio VIil é um dominador nato. Dotado de urna capacidade de
brilhantismo, tem sonhos fantásticos. Quer reunir todos os príncipes sob
sua direcáo, para urna grande cruzada. Nao lhe faltaram os ideais. O que
lhe faltou foi o senso da medida e do concreto. E também nao se pode dizer
que fosse propriamente um santo. Pelo contrário: mostrava sua supe-
rioridade, com dureza que ofendia, e até com ódio. É violento e descontro-
lado ern suas reacóes, míope em diversas atitudes, tornando-se unilateral
nas posícóes.
A ele, porém, se deve o primeiro Ano Santo cristáo, jubileu a festejar os
1.300 anos do nascimento de Cristo. Foi um ano de triunfo e de esplendor
do Papado, fazendo crescer ainda mais a consciencia de si, como chefe su-
premo do mundo.

Antítese:
NOVA REALIDADE POLÍTICA

o grande erro de Bonifácio Vlll foi nao reconhecer que os tempos ha-
viam mudado. Quis governar a Igreja no século XIV com a mentalidade do
século XII, ou com a concepcáo de Inocencia ID do início do século XID.
A linha dos "pobres de Cristo" e toda a linha dos espirituais havia cria-
do urna concepcáo nova de Igreja. A plenitude do poder papal, que vencera
os Hohenstaufen, do Império, comecava agora a ser combatida dentro da
própria Igreja. Quando Nicolau IV, em 1292, desda a sepultura, comecava
urna grande luta pela sucessáo. Nao estavam, certamente, em questáo pes-
soas, mas concepcóes de Igreja. As duas famílias: Orsini e Collonna, disputa-
vam o páreo. O conclave durou dais anos, sem se chegar a urna conclusáo.
Por fim decidiu-se oferecer a tiara a urna pessoa totalmente estranha ao co-
légio cardinalício, mas conhecida pela fama de santidade: o eremita de ri-
gorosa vida ascética, Pedro de Morrone, que tomo u o nome de Celestino V.

Dialética da Política / 143

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Era uma nítida vitória dos espirituais. Mas o pobre eremita, tirado de
seu silencio, ficou logo embasbacado com a complexidade dos problemas a
resolver. Nao tinha a mínima nocáo de como dirigir a Igreja, em meio a tan-
tas tensóes político-eclesiásticas. A plenitude do poder pap~l era ainda
uma realidade e exigía uma visáo ampla de toda a problematica do mun-
do, de que o nosso bom eremita nao dispunha em absoluto.
e Ideal de um "Papa angélico" mostrou-se impraticável na conjuntura
do final do século XIll. Diante do caos que Celestino V via formar-se ao seu
redor, sem ter condicóes de lhe pór remédio, por falta de conhecimentos
políticos e de habilidade diplomática, levou-o, apenas decorridos 5 meses
da eleicáo, a renúncia. Como sucessor vinha eleito um homem do outro ex-
tremo: jurista, autorítário, cónscio dos poderes papáis: Bonifácio Vill.
e fato de a linha espiritual ter sido novamente reprimida nao significa
que ela deixasse de existir. Mas, no plano político, acontecía urna mudanca
muito mais profunda. Comeca a aparecer o elemento "nacional". O Império
perdía expressáo e surgia, com todo o vigor, a Franca, como a nova poten-
cia política da Europa. A sábia administracáo de Luís IX projetara-a para o
primeiro plano, com urna organizacáo que passou a ser imitada pelas ou-
tras nacóes. O feudalismo cede seu lugar a um poder central e o consolida-
rismo nacional se faz ao redor da pessoa do rei. Estamos diante de um
novo modo de governar.
As ciencias também comecavam a abrir novos horizontes e proclamar a
sua autonomia, tanto frente a Teologia, como frente a autoridade eclesiásti-
ca. Comeca a se difundir a filosofia de Averroes. Duns Escoto critica acer-
bamente a doutrina tomista e cria um novo modo de pensar. Contra Tomás
póe O primado da vontade sobre o intelecto, para dar prevalencia ao amor.
Com isto, porém, punha em perigo a harmonia entre a ciencia e a fé, entre a
razáo e a revelacáo. Como conseqüéncia surge Ocam, qlle, com seu nomina-
lismo, separará definitivamente ambos os dados.
Neste cenário se desenvolve a grande luta entre o poder eclesiástico e o
poder civil, que praticamente concluirá o período da ldade Média. Como
protagonistas ternos Bonifácio VIII, ancorado firmemente na concepcáo
medieval da supremacia papal, de um lado, e Filipe 1\0 cognominado o
Belo, rei da Franca, dentro da concepcáo moderna da autonomia nacional,
do outro. Ambos sao homens inteligentes, sem muitos escrúpulos, de
idéias claras e vontade indómita. e choque entre eles será duro e fará estre-
mecer a Cristandade. Marca a passagem para uma nova era.
Abriga comecou em Roma. Bonifácio VIII sentía a forte oposícáo que
lhe fazia o Colégio cardinalício, tendo a frente os cardeais Colonna. A ten-
sao chegou ao ponto de ambos recorrerem as medidas extremas. Os dois
cardeais encabecaram um movimento para invalidar a eleicáo papal de Bo-
nifácio VIII. Mas este consegue a supremacía. Quando os membros da fa-
mília Colonna apelaram para um Concilio, nao teve dúvida: excomungou
os dois cardeais e organízou urna cruzada contra eles, arrasando suas forta-

144 I D. Dadeus Grings

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lezas. A família Colonna licou em nada. Os dois cardeais, porém, conseguí-
ram fugir para a Franca, refugiando-se junto a corte de Filipe IV.
Nesta época Franca e Inglaterra estavam em guerra pela disputa de urn
território. Como foi acontecer, o erário ressentiu-se, caindo em dose replica-
da sobre a populacáo de ambas as partes. Mas quem mais ficou afetado
com os impostos foram os bens eclesiásticos. O clero apelou ao Papa contra
tais abusos.
Bonifácio vm levou o assunto a sério, implicando todo o peso do Papa-
do na questáo. Em 1296, com a bula "Clericis laicos" proibia a ambos os reis
a taxacáo dos bens eclesiásticos, pois esta estava reservada ao Papa. A In-
glaterra cedeu sem dificuldades. A Franca, porém, fincou pé, originando a
mais dura luta do século, entre o Papa e o rei.
Filipe IV, como frio calculador, rebateu a medida papal, proibindo a
saída do ouro e prata da Franca. Com isto dava urn golpe gravíssimo as fi-
naneas do Papa e, ao mesmo tempo, reunía ao redor de si o consenso da
populacáo francesa, descontente com os altos impostos da Igreja. O rei via-
se poís amparado, nesta medida, por toda a nacáo e tinha ainda a socorre-
lo a classe política e legista, entusiasmada com o césaro-papismo de [usti-
niano. Propugnavam urna linha pauperística e espiritual para a Igre]a, re-
servando para a hierarquia urna funcáo puramente religiosa. Da questáo
prática das taxas, a controvérsia passava, pois, para o plano geral dos prin-
cípíos, até culminar na própria negacáo do primado.
Em 1297 Bonifácio VIII impunha ao rei da Franca, sob pena de excomu-
nháo, urn armisticio com a Inglaterra e com o Império. Filipe IV revidou,
com desdém, com a alegacáo de que o governo de seu reino, nas coisas
temporais, cabe somente a ele e que nao reconhecia acima de si nenhurn
superior. Exatamente ají estava o ponto fraco da posicáo papal ao fundar,
no poder espiritual, seu direito de intervir nas quest6es temporais. E isto
nao deixou de ser prejudicial ao próprio poder espiritual.
A reacáo francesa foi vigorosa. A reflexáo sobre o poder avancou para a
concepcáo da soberania popular. Já nao era mais, apenas, contra o rei que o
Papa se tinha que haver, mas contra todo o POyO francés. Bonifácio vm
teve que engatar urna marcha-a-ré e voltar atrás. Com a canonizacáo do tio
de Filípe IV, S. Luís IX, chegou-se a paz, festejada solenemente com o jubi-
leu de 1.300, o primeiro da História cristá. Roma encheu-se de peregrinos
para ganhar o Ano Santo e o Papa refulgía de grandeza. Toda a Cristanda-
de buscava, nas indulgencias, a sonhada reconciliacáo.
Infelizmente, a paz nao haveria de durar. O problema de fundo nao
fora solucionado. Felipe IV continuava a cobrar as taxas e apropriar-se dos
benefícios eclesiásticos vagos. Chegou, por firn, a prender um bispo, com o
objetivo de submeté-lo a julgamento. Quem, por trás dos bastidores mano-
brava tudo era Guilherme de Nogaret e mais alguns ministros.
Agora o Papa nao podia mais silenciar. Com a bula "Ausculta Fili", cha-
mou a atencáo do rei, com tom verdadeiramente paternal. Como este nao
se impressionasse, o Papa convocou, em Roma, um concilio de bispos fran-

Día/étíca da Po/ftíca / 145

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· J' " ~ J
A e esus Cristo
ría o ito: al)0ra que o lJapa se torrtou trances $1 i : mI)
I la I
es, vejamos
quem pode mais ...
O Parlamento ingles aproveitou esta oportunidade, em 1366, para rom-
per com o vínculo de vassalagem que tinha com o Papa, desde o reí [oáo
Sem Terra. Afinal o Papado era francés, dependendo do rei da Franca . Foi
o início da ruptura na Igreja, que será aprofundada com o decorrer dos
anos, até chegar a ser plena no século XVI. E nao podemos negar que os Pa-
pas franceses tivessem culpa nisso, como tiveram culpa no rompimento
com o Império. O Papado ia-se, aos poucos, isolando e perdendo aceitacáo.
O sucesso anti-papal de Lutero na Alemanha e de Henrique VIII na Ingla-
terra, no século XVI, tem sua raíz na política dos Papas de Avinháo, tao an-
tipática a estes dois pOyos.
O processo mais clamoroso, porém, foi o dos Templários, em que o Papa
francés se deixou manietar pelo reí.
Por ocasiáo das Cruzadas, no século XI, haviam surgido diversas Or-
dens militares, a semelhanca das Ordens religiosas. Seus fins nao eram pro-
priamente bélicos, mas caritativos, em defesa dos peregrinos e em seu am-
paro, quando adoeciam pelo caminho. Constituem urna evolucáo, provoca-
da pelas necessidades das Cruzadas, da milicia cristá. Já os antigos márti-
res recebiam o título de "soldados de Cristo".
A primeira a ser fundada foi a Ordem Militar de S. [oáo de [erusalém,
denominada Ordem dos Caualeiros Hoepitalares, um pouco antes da primeira
Cruzada, no ano 1048. Visava acolher os peregrinos cristáos que adoeciam
na Terra Santa. Com Godofredo de Bouillon e sua Cruzada, esta Ordem
prosperou, transformando-se em ordem religiosa. Sob a direcáo do cavalei-
ro Francés Raimundo de Pry, em 1137, passou a Ordem militar, comprome-
tendo seus membros a empunhar armas em defesa da religiáo. Enquanto
os sacerdotes atendiam os doentes, os cavaleiros batiam os turcos, em defe-
sa dos lugares santos.
Ao cair a última fortaleza do Oriente, que era S. [oáo do Acre, em 1291,
a Ordem dos Cavaleiros Hospitalares se retirou para o Chipre. Após a con-
quista de Rodes, ficaram com o título de Cavaleiros de Rodes. Mas expul-
sos dali por Solimáo II, em 1522, receberam de Carlos V a ilha de Malta,
onde permaneceram até 1798, o que lhes valeu até hoje o título de "Cavalei-
ros de Malta".
A Ordem militar dos Templários deve sua fundacáo, em 1119, ao cavaleiro
Hugo de Paganis, na cidade de [erusalém. Pretendia unir a vida ascética de
monge e a profissáo militar. Lembremos que grande parte dos cruzados
empreendia sua missáo por motivos de fé. Era poís natural que, junto as
preocupacóes e aos perigos militares, se quisesse colocar urna busca mais
acendrada da perfeicáo cristá.
Os Templários, enquanto monges, seguiam a regra de S. Agostinho,
com as respectivas práticas conventuais e, enquanto cavaleiros, se compro-
metiam a defender os peregrinos contra os ataques e perigos dos sarrace-
nos. Viviam pobremente. O rei de [erusalém, Balduíno II, cedeu-lhes urna

Dia/ética da Po/ftica / 155

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parte do seu palácio, erigido, segundo se pensava, sobre o lugar do antigo
templo de [erusalém. Daí a designacáo de "Cavaleiros do Templo" ou tem-
plários.
No concilio de Troyes, Hugo de Paganis se apresentou em busca de au-
xilio. S. Bernardo escreveu para eles urna regra e o Papa Eugenio III lhes
ímpós o hábito. Logo os templários foram cumulados de privilégios e mui-
tos cavaleiros de escol se punham as ordens de Hugo de Paganis. Em pou-
co tempo a Ordem dispunha de tal quantidade de bens que chegava a fazer
sombra aos próprios reis.
Na luta pela defesa da ·Terra Santa, os templários foram verdadeiros
heróis. Em sua regra constava que um cavaleiro templário jamais se rende.
Suas facanhas e coragem tornaram-se lendárias e foram motivo de diversas
- eplcas.
cancoes ,.

Convém ainda registrar a Ordem dos Cavaleiros Teutónicos, surgidos


durante a terceira Cruzada e que se tornaram particularmente famosos no
cerco de Damieta. Frederico TI concedeu ao gráo-mestre a dignidade de
príncipe do Império. Com isso os cavaleiros teutónicos entraram na Prús-
sia, que lhes deve a civilizacáo e conversáo ao Cristianismo. Com a passa-
gem do gráo-mestre ao Protestantismo, em 1525, seu s bens passavam a leí-
gos e, em conseqüéncía, terminava esta Ordem da Cavalaria.
Na Espanha surgiam diversas Ordens militares, urnas para lutar contra
OS muculmanos, que ali dorninavarn¡ outras para defender os peregrinos
que se dirigiam ao santuário de S. TIago de Compostela; outras para herdar
os bens dos templários ...
Voltemos agora, de novo, ao século XIV. Dois séculos depoís de sua
fundacáo, laureados com extraordinárias facanhas no Oriente, os Templários
haviam praticamente perdido sua razáo original de ser. A Terra Santa toda
caíra nas máos dos muculmanos,
Como soi acontecer, onde entra muito dinheiro, aparecem também dis-
sensóes. Ainda quando estava na Palestina, a Ordem dos Templários se ha-
via enfraquecido devido a rixas internas. Ao cair S. Ioáo de Acre, ou Tole-
maida, onde certamente estes cavaleiros escreveram, com seu sangue, urna
das mais belas páginas de heroísmo da História, puseram seu quartel gene-
ral ern Chipre. Mas ern vez de continuar preocupados com os inimigos da
fé, vol tara m-se para a Franca. E ali a Ordem sofreu urna radical transfor-
macáo. Deixou seu caráter militar e religioso para converter-se em socíeda-
de bancária e financeira. Dinheiro nao lhe faltava. Reis, príncipes e até Pa-
pas vinharn pedir-lhe emprestado algum dinheiro ou depositavam ern seus
castelos, como lugar mais seguro, suas riquezas. O crédito dos templários
logo superou o dos judeus e dos lombardos, levando ainda a vantagem so-
bre eles pelo fato de nao pecar por usura.
Nao era m só os grandes que recorriam aos templários. Tambérn os po-
bres, principalmente os agricultores, punham-se debaixo de sua protecáo
contra os poderosos e os usuários. Poderosíssimos como erarn, os templá-
rios passaram logo a constituir urna nova situacáo: impediam a exploracáo

156/ D. Dadeus Grings

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aH~fflID~pobr~~p~lo§rico~e Kílnílncio50B~tOmÜIl~~y~mtoda a economia
européía, Iendo em sua dependencia, devido aos empresnmos feítos, os
poderosos.
É claro que urna situacáo próspera destas nao poderia deixar de susci-
tar inveja. Se o rei da Franca nao tolerava acima de si nem o Papa, nao po-
deria, evidentemente, admitir que, dentro do próprio país, os templários
lhe fizessem sombra. Ainda mais que temia seu poder económico e militar.
Se eles quisessem, poderiam arruiná-lo.
Privo de escrúpulos como era, depois de se ter ignominiosamente des-
feito de Bonifácio VIII, alegando interesses de Igreja, lanca-se também con-
tra os templários. Ouas razóes o moviam a isso: abater seu poderio econó-
mico, para afirmar o absolutismo régio sobre toda a populacáo - deixando
os pobres sem nenhuma defesa - e embolsar as fabulosas riquezas que cría
depositadas nos seus cofres. A situacáo financeira da Franca, naquela altu-
ra dos acontecimentos, era alarmante. Precisava urgentemente de muito di-
nheiro. Tendo claros os objetivos, os meios nao importariam, como já fizera
com Bonifácio VIll. Encarregou novamente o ímpio Nogaret de planejar a
destruicáo dos templários.
O primeíro passo foi acumular acusacóes e calúnias contra eles. Que
houvesse algum abuso e que urn que outro templário nao fosse de vida
exemplar nao resta dúvida. Mas O rei queria ir mais longe. Conseguiu in-
troduzir doze falsários na Ordem, que deveriam espiar tudo e forjar acusa-
cóes, verdadeiras ou falsas, para urn rigoroso processo contra os templá-

nos.
Após dois anos, Filipe IV dispunha de um dossíé amplo de acusacóes.
Dirigiu-se entáo ao seu apaniguado Clemente V, pedindo a supressáo da
Ordem. Devido a excessiva gravidade das acusacóes, o Papa, num primei-
ro momento, prudentemente duvidou de sua autenticidade. O próprio
gráo-mestre da Ordem pediu urna acurada ínvestígacáo da parte do Papa,
para certificá-lo das calúnias levantadas e constatar pessoalmente a inocen-
cia dos templários. O Papa nomeou, por ísso, urna comissáo de cardeais
para averiguar os fatos.
Filipe IV,evidentemente, nao poderia gostar. Queria urna solucáo para
já. Temendo que sua trapaca fosse descoberta, passou imediatamente a
acáo, sem esperar o veredito da comissáo cardinalícia. No dia 13 de outu-
bro de 1307 colheu todo o mundo de surpresa: mandou prender, sern ne-
nhuma justificativa, os dois mil templários que se encontravam na Franca e
apossou-se de todos os seus bens.
A populacáo ficou basbaque. O estupor tornou conta de todos. Era ina-
creditável. O rei, por sua parte, se apressou em lancar, com urna propagan-
da macica, todas as acusacóes que coletara contra os ternplários. Muitos co-
mecaram a crer na sua culpabilidade. O Papa, porém, talvez pela primeira
vez na vida, teve urn momento de energia: reprovou ao rei tao horrível
atentato, ainda mais que o assunto estava a ser examinado pela Santa Sé.
Era urna interferencia descabida.

Dialética da Polftica / 157

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Brígida caíu-lhs aos pés. suplicando que ficasse em Roma e dízendo-lhe
que tivera urna "revelacáo" de que, no momento em que chegasse a Avi-
nháo, ele morreria. Petrarca esc,reveu. A Itália toda suplicou. Tudo em váo.
Urbano V partiu, sem pompa. E que havia também aqueles, principalmen-
te da Cúria pontificia, que pressionavam o Papa a voltar para Avínháo,
onde estariam mais a vontade. As delícias do Ródano eram melhores que
as misérias do Tibre.
Urbano Vera de urna extraordinária bondade. Acolhia e ouvía a todos.
Inclusive aqueles que o vinham repreender pela idéia de voltar para Avi-
nháo. Em 1370 parte, escrevendo aos desconsolados italianos e, principal-
mente aos romanos, urna belíssima carta, agradecendo-lhes as gentilezas e
o amor de Roma. No dia 24 de setembro chegava a Avinháo. Mas logo se
sentiu mal e em seguida expirou. A Igreja o tem na lista dos beatos. Petrar-
ca sentencia que estaria eternamente ao lado dos homens mais ilustres, se
tivesse morrido em Roma.
Seu sucessor, Gregório Xl, apesar de sobrinho de Clemente VI, era bem
diferente do tio: era homem de piedade e de sabedoria, prudencia e modés-
tia. Tinha apenas 41 anos quando foi eleito Papa. Desde o início declarou
que voltaria para Roma. Esta era agora a marcha da História, a qual nín-
guém mais conseguiria resistir. Tres idéias dominaram seu pontificado: a
reforma dos costumes: a pacificacáo dos reinos cristáos para organizar urna
cruzada contra os muculmanos: e a volta da Santa Sé para Roma.
A situacáo italiana estava novamente piorando. Greg6rio XI persuadiu-
se de que somente sua presen~a na Itália poderia resolver os problemas.
Mas nao era fácil convencer os seu s auxiliares, que eram todos franceses. O
próprio rei mandou um representante, que ficou todo ano de 1375 em Avi-
nháo, para impedir que o Papa partisse. Os familiares de Greg6rio XI desa-
conselhavam sua partida, devido a sua precária saúde. As pressóes eram
poderosíssimas, desde as autoridades, os familiares, os curiais, cardeais até
ao POyo. Mas o Papa permaneceu firme em seu propósito. Respondeu ao
rei francés que nada deste mundo poderia impedir sua viagem para Roma.
Apenas dilatava o prazo da partida por motivos de paz. .
No dia 13 de setembro de 1376 Gregório XI deixava a residencia de
Avinháo. O Papa e toda a sua comitiva choraram ao abandonar as costas de
a
sua pátria e zarpar a frota pontificia de Marselha. Mas era por amor Igre-
[a. Em alto mar foram surpreendidos por um violento temporal, que pos
em perigo as su as velas. Parecia que até a natureza e a Providencia se opu-
nham a esta viagem. E depois, vários outros temporais os sacudiram vio-
lentamente, a ponto de afundar alguns navios e se perder grande parte das
bagagens.
As peripécias da viagem foram muitas. Quando chegaram perto de
Roma, o Papa teve de esperar algumas semanas até que a comissáo de car-
deais tivesse conseguido o reconhecimento dos romanos, da soberanía pa-
pal. Finalmente, no dia 17 de janeiro de 1377, entrava na Cídade Eterna.

Ola/ética da Po/lt/ca /165

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Para comemorar o acontecimento, o Vaticano se iluminou 11noite com
18.000 tochas.
Se a mor te de Urbano V, em Avinháo, foi interpretada como castigo de
Deus, por alguns santos, a mesma sorte de Gregório XI, um ano após sua
volta a Roma, também foi tida, pelos inimigos desta viagem, como desa-
provacáo divina, desmentindo as vozes dos que falavam contra Avinháo.
Lancavam, inclusive, em rosto aos partidários da volta do papa este lamen-
tável fato.
Gregório XI parecía o homem talhado para governar a Igreja nesta difí-
cil conjuntura da transicáo de Avinháo para Roma e restabelecer a ordem
na Igreja e no mundo cristáo. Infelizmente morreu sem ter completado os
50 anos de idade. Mas morria vendo o Papado livre e senhor da situacáo.
O episódio da volta do Papa para Roma e a reconquista de sua autono-
mía lembra Cristo, que revela seu próprio poder aos homens. Todo poder
lhe foi dado no céu e na terra. Por isso envía os discípulos a pregar e a batí-
zar todos os homens. Ele nao depende senáo do pai. E quer que seus discí-
pulos ajam com a mesma liberdade, na missáo específica que lhes confiou.
A suprema autoridade na Igreja nao está e nao pode estar sujeita a nenhum
poder terreno. A religiáo nao pode ficar na dependencia da política, como a
dizer que só depois que se tiverem resolvido certos problemas políticos, so-
ciais ou económicos, se deva ou possa pregar o Evangelho. A prega~ao da
Boa Nova, ao invés, deve estar na raíz de tudo. Foi esta pregacáo que levou
os primeíros cristáos ao martírio. Nao seria, pois, justo que, a certo momen-
to da História, dentro do regime de Cristandade, ela ficasse subjugada as
forcas políticas e aos interesses temporais, por elevados que pudessem pa-
recer.

18
A IGREJA DIVIDIDA

Tese 18:
ESpiRITO MESQUINHO

A volta de Gregório IX para Roma nao resolveu, mas acentuou a divi-


sao das duas faccóes na alta cúpula da Igreja. De um lado estavam os fau-
tores do regresso a Roma e, do outro, os que preconizavam a permanencia
em Avinháo. Cada faccáo tinha seus argumentos, tanto humanos como su-
postamente divinos. A prematura morte de Gregório IX pareceu dar razáo
a faccáo avinhonense.

166/ D. Dadeus Grings

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Com apenas um ano em Roma, o Papa nao consaguiu imprimir, satísfa-
toriamente, em todos, a nova linha e sistemar a Cúria em Roma. Havia
muita gente descontente. Avinháo era, sob todos os pontos de vista, melhor
que Roma: em clima, ern infra-estrutura, em organízacáo, em ambiente, em
funcionários ... Setenta anos haviam criado urna tradicáo, que nao poderia
desarraigar-se de urn só golpe. Roma, ao contrário, se encontrava em rui-
nas e desordens.
Antes que a nova situacáo se pudesse sedimentar, morre o Papa. As
duas faccóes rivais se puseram em movimento, dentro do conclave. Os ro-
manos, do lado de fora, nao estavam dispostos a permitir a eleicáo de urn
Papa de linha avinhonense. Os fautores desta, por sua vez, revidavam com
a falta de liberdade para urna verdadeira eleicáo. Tudo parecia conspirar.
Eram somente 16 os cardeais que se encontravam em Roma, por oca-
siáo da morte de Gregório IX. Sete estavam muito longe. Mesmo assim, por
determinacáo expressa do Papa, antes de morrer, deveriam proceder logo a
eleicáo do sucessor. Deve-se notar que os cardeais levaram a sério sua mis-
sao, procurando escolher realmente o melhor, como já haviam feíto nos
dois conclaves anteriores, em Avinháo. Eram homens de fé e amor a Igreja.
Nenhum deles - a maioria francesa - lhes pareceu em condicóes de assu-
mir tao alto cargo. Puse ram-se entáo de acordo em escolher alguém de fora
do colégío cardinalício. A escolha caiu sobre o Arcebispo de Bari, Bartolo-
meu Prignano, que parecia o homem talhado para este difícil momento: era
italiano e já residira em Avinháo. Seria pois capaz de harmonizar as suas
faccóes. Além dísso, tratava-se de um homem de conhecida austeridade,
a
contrário simonia, e de espírito reformador. Tomou por nome Urbano VI.
No primeiro volurne desta História, dentro da dialética da unidade, foi
tratado este tema do cisma do Ocidente. Aqui cabe, apenas, urna comple-
mentacáo sob o ponto de vista da política.
Urbano VI nao aprendera a licáo da História. Vivia mentalmente ainda
na Idade Média, no tempo da supremacía papal. Nao se dera conta da mu-
danca da política. Além disso, nao teve a percepcáo da situacáo do momen-
to e da faccáo avinhonense, que contava com a maioria dos cardeais. E por
fim, o que foi pior de tudo, a tiara lhe fez subir o sangue a cabeca, julgan-
do-se o único senhor do mundo. Tem-se até a impressáo de que suas facul-
.dades mentais ficararn atetadas: tornou-se arrogante, autoritário, intratá-
vel, carrasco, inimigo de todo o mundo, exatamente o contrário do que se
esperaría de uro Vigário de Cristo.
Punha-se agora um angustiante problema: que fazer com um Papa des-
ta categoría? A insatisfacáo era geral. E Urbano VI continuava cada vez
mais maníaco, desmoralizando em público os cardeais, príncipes e todos os
que caíam na sua mira. Era impossível continuar com um hornem destes a
frente da Igreja.
Mas nao havia estatuto jurídico que permitisse urna deposicáo, Com a
desculpa de fugir do calor romano, os cardeais partíram para Agnani.
Como nao se encontrasse meio de depor Urbano VI, na base do argumento

Dia/ética da Política /167

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cer a paz em toda a Cristandade e preparé-la para urna cruzada contra os
turcos.
Quando ainda cardeal Rodrigo de Borja, teve, de diversas mulheres,
sete filhos. Os mais famosos César, [oáo, Iofre e Lucrécia.
Alexandre VI nomeara seu filho [oáo duque de Cándia, para elevá-lo
depoís de posto, como chefe do exército pontificio. Mas urn dia, em Roma,
armaram-lhe urna cilada e o assassinaram. Alexandre VI sentiu profunda-
mente a sua morte. Num consistório reconheceu o fato como prova divina
e prometeu mudar de vida. Chegou a nomear urna comissáo de cardeais
para efetuar a reforma desejada. Na bula elencou urna longa lista de frentes
que deveriam ser atacadas. Parecía dar razáo ao profeta florentino Savona-
rola, que estava a gritar por reforma. Mas o propósito ficou letra morta.
Outro filho de Alexandre VI, César Borja, que fora elevado a dignidade
cardinalícia pelo pai, deixa o cardinalato para dedicar-se, plenamente, as
empresas bélicas dos Estados Pontificios. Qualidades nao lhe faltavam
para tanto. É o exemplar "condottiero", que sabe calcular, combater e vencer,
Em pouco tempo tinha toda a Itália nas máos. Maquiavel o tomará como
protótipo, em seu "Príncipe".
Quando, em 1503, Alexandre VI morria, César se encontrava enfermo.
Foi eleito Papa urn sobrinho de Pio TI, que passou a chamar-se Pio m, já
idoso e doente, mas honrado. Nao durou um mes. No próximo conclave
sai eleito Júlio 11,que fora inimigo ferrenho de César Borja, quando cardeal
Juliano de la Rovere. Foi O fim dele. Morria com a ida de de 31 anos.
Alexandre VI o primeiro Papa a intervir na América LAtina, dividindo-
é

a entre portugueses e espanhóis, com urna linha imaginária que a cortaría


de norte a sul. No plano propriamente eclesiástico, o Papa Borja amparou
as ordens religiosas, fomentou a devocáo a Maria Santíssima, decretou o ju-
bileu de 1500, ao qual deu todo o brilho possível. Deixou também em
Roma a marca de sua criatividade, com muitas construcóes. Trouxe o gran-
de arquiteto Bramante, que enfeitou a Cidade Eterna com chafarizes artísti-
cos e outras obras de vulto.
Nao há dúvida de que o pontificado de Alexandre VI foi fecundo em
obras artísticas, na promocáo da paz e propagacáo da fé. Infelizmente, es-
tes aspectos positivos, normalmente, vém esquecidos, devido el fama das
festas mundanas e intrigas palacianas, que encheram seu pontificado. Fez-
se urna publicidade escandalosa de seu s pecados passados, sem que ele se
importasse. Favoreceu, de modo exagerado, a seus filhos, que nao prima-
vam pelo bom exemplo. Isto deu origem a todo urn genero Iiterário satíri-
co, cheio de malícia, contra os vícios e leviandades do palácio apostólico.
Alexandre VI tornou-se legendário, até hoje, como protótipo de corrupcáo,
muito mais na pena dos escritores do que na realidade. Deste modo, po-
rém, se criou urna opiniáo pública desfavorável ao Papado. A imprensa,
que recém aparecera, punha-se, desde logo, a servíco de urna campanha di-
famatória. Além disso, seu sucessor e inimigo pessoal, Júlio TI,que certa-
mente nao era melhor, contribuíu para denegrir ainda mais a imagem de

176/ D. Dadeus Grlngs

Matenal com direiíos autorais


Alexandre VI. Quando o Romanticismo comeca a sua campanha contra a
Igreja, o toma por alvo preferido de seus ataques. Vitor Hugo dedica um
drama a Lucrécia Borja, em 1833, dando-lhe urna fama negativa de novela
de depravacáo, que em vida certamente nao tivera, nesta proporcáo.
[úlio II (1503-1513) de Pontífice praticamente nao tem nada. Nao passa
de um grande "condottiero" e príncipe italiano, que se enquadra exatamen-
te dentro do espírito maquiavélico. Tem um caráter impetuoso e a aspira-
~ao ao esplendor, nas empresas e nas construcóes. Basta dizer que foi ele
quem iniciou a construcáo da monumental Basílica de S. Pedro, em Roma.
Era homem extremamente ativo, mas terrível. Nao quer nada com reforma
de Igreja. Interessa-lhe mais a política. Consolida e reorganiza os Estados
Pontifícios, transformando-os num estado moderno.
Júlio II prima pelo nacionalismo. Quer ver fora da Itália todos os domí-
nios estrangeiros. Para isto sustenta várias guerras desastradas contra os
príncipes italianos e contra a Franca.
Luís XII, rei da Franca, avanca sobre a Itália com poderoso exército.
Para debilitar a posicáo do Papa conseguiu, de alguns cardeais rebeldes, a
convocacáo de um concílio para Pisa, citando o Papa a comparecer. [úlio II
responde, como óbvío, declarando nulo o anunciado concilio e ameacan-
é

do de excomunháo e perda dos cargos a todos os que o convocaram e nele


participarem. Como a acusacáo contra ele era de nao ter convocado urn
concílio, que há muito se fazia necessario, o Papa apressa-se a convocar um
para Roma. Foi certamente urna medida sábia, que esvaziou o anunciado
Concilio de Pisa, mas nao produziu nenhum fruto espiritual para a Igreja.
Este V Concílio de Latrao, convocado por Júlio II em 1512 e concluído por
Leáo X, cinco anos mais tarde, mais que urna tentativa de reforma, foi urn
esforco para impedir a realizacáo de um verdadeiro concilio, aquele que
fora planejado para Pisa.
Vivendo no tempo de Maquiavel, que lhe era pessoalmente avesso, [ú-
lio IIfoi um acabado protótipo do maquiavelismo. Organizou urna "Liga
Santa" dos Estados Pontificios, Veneza e Espanha, a qual aderiu também
Henrique VIII da Inglaterra. Visava a recuperacáo de Bolonha para o Papa,
pacíficacáo da ltália, garantía de liberdade para a Santa Sé e da unidade da
Igreja. No fundo era urna liga contra a Franca. A guerra se reacendeu, mas
a Franca levo u a melhor. O papa estava consternado com a fragorosa derro-
ta.
[úlio II, além das guerras, foi um grande mecenas das artes. A constru-
c;ao da Basílica de S. Pedro, de acordo com o plano inicial de Bramante, de-
veria ter 24 mil metros quadrados de construcáo. Miguel Angelo, porém,
reduziu bastante estas dimensóes. O Papa conseguiu que Miguel Angelo
Buonarroti trabalhasse para ele. Como ambos eram de genio impossível,
nao tardou que brigassem entre si e Miguel Angelo fugisse para Florenca.
Mas Júlio IIqueria, por forca, a presenc;a do grande arquiteto, escultor, pin-
tor e poeta em Roma. Reconciliou-se com ele e o fez pintar a Capela Sixtina
- onde hoje se admira seu famoso Juizo Final - e construir um gigantesco

Dia/ética da Polftica / 177

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pelo Concilio, sob Paulo m, e que se pusessem, como base, os decretos de
Constanca e Basiléia, sobre a superioridade do Concilio sobre o Papa. A
confusáo foi grande. Os Bispos nao admitiam voltar atrás sobre o que já
fora definido e, por isso, considerado infalível. Além disso, na Alemanha,
os Protestantes se organizavam militarmente, com o apoío da Franca, para
urna nova guerra contra Carlos V. Diante destas ameacas, os padres conci-
liares comecaram a dispersar-se. Nao houve outra alternativa senáo Júlio
m, em 1552, suspender novamente os trabalhos do Concilio, decidindo-se a
trabalhar, entrementes, na reforma da Igreja.
Em 1555 sucede-lhe, eleito por unanimidade, Marcelo II. Era a grande
esperance da Cristandade e reunía, ao redor de si, a simpatía de todos os
reís. Desde logo mostrou sua capacidade e vontade de resolver os proble-
mas pendentes. Infelizmente, seu pontificado durou somente 21 días. Seu
sucessor, Paulo IV (1555-1558) se decide pela reforma. Era homem severo e
de métodos inquisitoriaís, fundador, junto com Thiene, da Ordem dos Tea-
tinos.
Na política, Paulo IV se deixa levar pela paixáo nacionalista, congénita
em seus parentes. Nomeia um de seus sobrinhos cardeal Secretário de Esta-
do. E logo se foi preparando para a guerra contra os espanhóis e os impe-
riais, com o apoio da Franca. Os espanhóis, porém, derrotaram os franceses
e marcharam sobre Roma. Diante das forcas inimigas a porta, sem possibi-
lidade de lhes resistir, o Papa e seu secretário de Estado Caraia criara m um
poueo de juízo e assinaram a paz. O duque Alba, vitorioso, dirigíu-se ao
Papa, beíjou-lhe os pés e pediu, humildemente, que ele se reconciliasse
com a Espanha. A licáo valeu. O Papa daqui para frente se preocupará mais
com assuntos eclesiásticos da reforma.
Pio IV (1559-1565), um Medici, foi eleito após quatro meses de concla-
ve. Sua intencáo era continuar o Concilio de Trento. Teve que vencer mui-
tos obstáculos para, finalmente, em 1562, se reiniciarem as sessóes concilia-
res e concluirem-se, após multas vicíssitudes, em dezembro de 1563.
Durante o pontificado de Pio IV os sobrinhos de Paulo IV, exagerada-
mente favorecidos pelo tío com muitos benefícios, inclusive o cardinalato,
foram submetidos a um processo. O motivo era familiar: a esposa do du-
que de Paliamo, [oáo Carafa, fora acusada de infidelidade. Depois de um
simulacro de processo, o próprio duque matara um suposto culpado, com
27 punhaladas e seu irmáo estrangulara a esposa do duque. O cardeal Car-
los Carafa aprovara tudo. Os familiares da esposa, que até o fim afirmara
sua inocencia, moveram um processo contra os Cara fa, após a morte do tío
Papa. Acumularam todos os crimes que cometeram durante o pontificado
de Paulo IV. Em 1561, promulgada a sentenca de morte contra os quatro
é

culpados do assassinato. O cardeal Afonso Carafa, um dos sobrinhos de


Paulo IV, era o menos implicado. Recebeu urna pena mais leve. O cardeal
Carlos Carafa, que fora secretário de Estado do tio e motivara a guerra con-
tra a Espanha, esperava, até a última hora, que a sentenca nao se executas-
se. Mas vendo que a decisáo era inflexível, tanto ele como seus paren tes se

184 / D. Dadeus Grings

Material com direuos autorais


arrependeram, receberam os sacramentos e entregaram piedosamente sua
alma a Deus nas máos do verdugo.
A licáo, certamente duríssima, valeu. Pio IV quis com ela cortar, pela
raíz, a chaga do nepotismo, que tantos males acarretara a Igreja. Mostrou
ao mundo que ser sobrinho do Papa nao autoriza a cometer crimes.
A conclusáo que segue desta problemática é que o Papado foi dado a
Igreja para a sua unidade, mas que é entregue a homens, que nao necessa-
riamente sao santos. Por isso, a Igreja inteira de ve rezar por seu Sumo Pon-
tífice, para que apascente o rebanho que lhe foi confiado, com dedicacáo e
amor, e nao o lance em aventuras e guerras fratricidas. De outro lado segue
que, eliminando a autoridade suprema, estabelecida por Cristo, nao pos- é

sível encontrar ponto de uniáo e o Cristianismo, necessariamente, se esfa-


cela.,
E preciso distinguir acuradamente duas quest6es: o Papado em si e o
seu exercício. Como tal, o Papado é de instituicáo divina: um deve presidir
na caridade em nome e com a autoridade de Cristo a toda a Igreja. O pri-
meiro foi Pedro. Sua funcáo de centro de unidade continua nos sucessores,
os Romanos Pontífices. No exercício concreto, porém, entram muitos ele-
mentos humanos e históricos. Quase se diría que cada época tem o Papa
que merece. A funcáo de "condottiero", empenhado em guerras entre os cris-
taos,ou de promotor da arte, nao está incluída na missáo que Cristo lhe
confiou. Pode, inclusive, obnubilé-la.
Disso se conclui que o Papa constituí a garantia da unidade da Igreja e
o centro de todo o Cristianismo, nao por aquilo que ele diz ou faz, mas por
aquilo que ele é, por instituicáo divina. Esta observacáo é particularmente
importante, na nossa época, tao marcada por ideologías, em que a tenden-
cia é unir as pessoas ao redor de idéias e de realizacóes, deixando de consi-
derar seu valor intrínseco. Em outras palavras, nao sao as idéias - progres-
sistas ou conservadoras -, nem as atitudes - simpáticas ou antipáticas -,
nem as orientacóes - impositivas ou democráticas - de um Papa que garan-
tem a unidade da Igreja. Mas é, antes e acima de tudo, sua pessoa, enquan-
to representante de Cristo na terra e sucessor de Pedro na Sede de Roma. É
pois ele, como pessoa, que deve ser aceito por todos os cristáos como ponto
de referencia necessário.
O mesmo se dá com o Cristianismo e o Evangelho em si: nao salva pe-
las idéias que propaga, mas pela pessoa de [esus Cristo, Filho de Deus, vin-
do ao mundo comoSalvador, A pessoa nao se pode reduzir as suas idéias
nem as suas acóes. E pois preciso privilegiar a dignidade pessoal e as rela-
cóes pessoais entre os homens, nem acima das posicóes ideológicas. Soam
insistentes, neste sentido, as palavras de Cristo: "quem vos recebe a mim
recebe ... e quem me recebe recebe o meu Pai". E vem ainda a pergunta diri-
gida a Pedro, antes de lhe confiar seu rebanho: "Tu me amas?"

Dia/ética da Política / 185

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esta incongruencia. Mas há mais ainda. Muitas prescricóes, que teoretica-
mente parecem elevadíssimas, jamais foram postas em prática. Existiarn so-
mente no papel. Seja exemplo o que se exigiría nos jubileus de 50 em 50
anos: devolucáo de tudo o que fora adquirido ...
No Cristianismo, a lei do amor, na prática, nem sempre é tida como
fundamental. Nao se pode, porém, negar que os mil e quinhentos anos de
cívílízacao cristá imprimiram, no europeu, urna fisionomía cristá, que
transparece na cultura, no modo de viver, no relacionamento mútuo. O pe-
rigo, porém, será muito maior quando, a partir da prática, se comecar a
questionar a fé. Faltará entáo, inclusive, um critério para urna crítica séria.
Com a divisáo européia, ocasionada pela reforma protestante e as conse-
qüentes guerras religiosas, tentou-se estabelecer urna crítica a partir da ra-
záo e da ciencia. Mas estas também entraráo, logo mais, em crise. Entáo
qual será o critério?
Na metade do segundo milenio, de repente, a situacáo cristá no mundo
sofre urna profunda mudanca. O mundo se lhe abre de par em par para a
evangelízacáo. A América, Africa e Asia pedem missionários. A Igreja volta
a ser missionária. Revitaliza-se, com isto, também internamente e deixa de
lado muitas questiúnculas. Chegará até ao fim do segundo milenio sem ter,
nem de longe, completado sua tarefa. O Concílio Vaticano II, no século XX,
ainda definirá a Igreja como essencialmente missionária.
Que o apelo missionário soasse, inicialmente, um tanto estranho aos
ouvidos cristáos, no século XVI, desacostumados a semelhante discurso
por muitos séculos, nos mostra a atitude da Reforma. Lutero quis confinar
a
sua acño Alemanha. Era urna tentativa de reforma e nao de evangeliza-
\ao. Dizia, inclusive, que os povos que até entáo ainda nao haviam sido
convertidos ao Cristianismo, teriam sido deixados fora pela Providencia.
Mostrou-se, pois, totalmente avesso a idéia das missóes entre pagáos.

Síntese:
O REGIME DE PADROADO
A descoberta de novos povos, ainda pagáos, colheu de surpresa a Cris-
tanda de européia. Além do mais, tratava-se de povos que estavam tremen-
damente longe, tanto geográfica como culturalmente. Exigía-se uma nova
mentalidad e e urna nova técnica.
Nos primeiros tempos do Cristianismo, O trabalho missionário fizera-se
por urna penetracáo capilar, conquistando, um por um, os pagáos. Após a
conversáo de Constantino, ínvertera-se o trabalho, tentando atingir os po-
vos de cima. O empenho missionário consistía, prímeíro e prevalenternen-
te, em atrair e converter os reis e príncipes e depois, com o apoio des tes,
batizar as turbas. Certamente menos profundo, este método era mais efi-
caz, apresentava resultados em grande escala, e era menos dispendioso.

Dia/ética da Polftica /193

Material com direnos autorais


No século XVI, com o descobrimento de novas pavos, ainda paga os,
punha-se, primeiro, o problema do dever missionário e, depois, o do méto-
do. Enquanto os Protestantes se contentavam em atingir apenas os que já
eram cristáos, os católicos sentiram-se impelidos, pelo mandamento divino
do "ide e batizai todos os pavos", a grande aventura missionária.
Quem imediatamente tomou a iniciativa e direcáo foram os Papas, a
partir de Alexandre VI, cujas bulas para Portugal e Espanha se tornaram
famosas. Foi, porém, principalmente Paulo III, empenhado no Concílio de
Trento e na renovacáo interna da Igreja, quem deu o principal impulso a
obra missionária. Daí em diante, este trabalho se reintegrará, novamente,
nas preocupacóes fundamentais da Igreja católica.
Foi nesta época que surgíram também as grandes ordens religiosas de
renovacáo, O Papa lago requisitou a recém fundada Companhia de [esus al-
guns elementos para as missóes entre os pagaos. E o trabalho assumiu tais
proporcóes que a palavra "missáo", até entáo urn termo genérico para de-
signar urna tarefa qualquer de que alguém vem incumbido pela Igreja, pas-
sasse a ter um sentido específico: trabalhar na evangelízacáo dos pagáos.
Inácio de Layola havia determinado, como quarto voto, que todo o jesuíta se
pusesse a dísposicáo do Papa, para "qualquer missáo".
Merece destaque S. Francisco Xavier, que foi companheiro de S. Inácio e
um dos pioneiros no trabal ha missionário no Oriente. Além de sua incan-
sável atividade e 'dos abundantes frutos colhidos no 1011gínqUO Oriente,
Francisco Xavier teve uma influencia decisiva na promocáo do espírito
missionário na Europa, através de suas numerosas cartas. Levas de jovens
se entusiasmaram para seguir os seus pass os e transmitir a chama do Evan-
gelho aos POyOS longínquos. Por toda a Europa brotou um entusiasmo e
urna coragem contagiantes de jovens dispostos a dar a sua vida nao mais
em lutas fratricidas, mas em beneficio das populacóes pagas. O Cristianis-
mo europeu recebia nova vida com seu impulso missionário, Abría-se para
05 grandes problemas e ansiedades do mundo, relativizando seus mesqui-
nhos interesses antagónicos de casa.
Mas ainda nao abordamos o problema do método. Nao seria possível
alguém aventurar-se, sozinho, nas regíóes longínquas, quer do Oriente
quer do Ocidente, ignaro das condicóes locais e dos costumes regionais. A
própria viagem e, depoís, a subsistencia e a penetracáo no novo ambiente
constituíam problemas que superav~m, de longe, a capacidade de um indi-
víduo, ou de um grupo reduzido de missionários inermes. O entusiasmo
nao bastava para fazer frente as novas situacóes, nem a travessia dos ocea-
nos.
Os grandes descobridores e navegadores da época eram os espanhóis e
portugueses. Situados na extremidade ocidental da Europa, tendo-se liber-
tado do jugo árabe, que pesara sobre eles por vários séculos, haviam-se fir-
mado na fé católica. O Protestantismo nao conseguiu pór pé ali, ainda mais
que a Franca os isolava ao leste.

194/ D. Dadeus Grlngs

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do rio Pirajá, no atual território brasileiro. Lá se reuniram, espontaneamen-
te, 200 famílias indígenas, atraídas pela "reputacáo do zelo jesuíta pela sua
Iiberdade'', Por proposta dos próprios índios, logo surgiram outras redu-
cóes, como S. Inácio Mini, Encamación e S. Inácio Cuacu.
O sucesso foi impressionante. Os padres Manseta e Cataldino concebe-
ram entáo o projeto da criacáo de urna "república cristü", a exemplo "dos be-
los días do Cristianismo nascente". Por isso, em 1612, vinha-lhes enviado,
em auxilio o Pe. Ruiz de Montoya, já que os dois "nao podiam bastar ao nú-
mero prodigioso de guaranis que vinham colocar-se sob sua administra-
cáo''.
Todas as aldeias das reducóes - verdadeiras cidades em meio a imensi-
dáo selvagem seguiam um esquema comum, em forma quadricular. No
centro encontrava-se a igreja, com uma grande prac;a quadrada, cercada de
pinheiros, palmeiras ou laranjeiras. Urna enorme estátua do santo padroeí-
ro situava-se no meio da prac;a e grandes cruzes nos cantos. Para se ter uma
idéia aproximada do tamanho, basta dizer que a prac;a central da Reducáo
de Santo Inácio Mini, que nao era das maiores, media 127 por 108 metros.
Em torno da prac;a crescia a cidade: avenidas pavimentadas, corn 13 a
20 metros de largura, retilineas, cortadas por transversais mais estreitas,
saíam da prac;a central. As casas eram contruídas de pedra e cal e cobertas
de telhas, quando as casas das "cidades" dos brancos ainda se encontravam
na fase mais primitiva. Ao lado da ígreja encontrava-se o asilo-hospital, a
escola, a casa das viúvas, o alojamento e o cemitério. A obra social era per-
feíta, no estilo da caridade cristá.
Em 1691 a populacáo de cada aldeia das reducóes jesuíticas variava en-
tre 5 a 15 mil habitantes. Nas reducóes situadas em Guaíra, no tempo do
Pe. Cataldino, já havia, por volta de 1630, entre 70 a 100 mil índios. Isto só
para mostrar o desenvolvimento rápido desta regíáo.
Quando entramos nas realizacóes concretas deste povo - que até entáo
era considerado selvagem - a adrniracáo cresce ainda mais. A República
cristü dos Guaranis, perdida no meio dos pampas e das florestas sul-ameri-
canas, realizou obras estupendas em escultura, pintura, música e arte em
geral. Nao ficava nada atrás dos países da Europa. Constituía-se, além dis-
so, no único estado industrial da América do Sul, diante do qual as realiza-
cóes dos brancos ficavam a longa distancia. Segundo Bruxel, em cada redu-
c;aohavia de 30 a 40 oficinas. Cada aldeia especializa va-se nurn setor da in-
dústria, de modo a haver ampla cooperacáo e coordenacáo em toda a "re-
pública". Basta citar as fábricas de instrumentos musicais, relógíos, oficinas
tipográficas, tecelagem, sinos, armas e municóes, estaleiros as margens do
Uruguai e Paraguai, sem esquecer o conjunto agrícola mais completo e
bem organizado da América, dotado inclusive de canais de irrigacáo e
plantacóes exuberantes.
Citei a fabricacáo de armas e municóes. Infelizmente, a agressividade
dos paulistas e mamelucos obrigou as reducóes a pro ver a sua defesa.
Diante do perigo constante de invasóes e saques dos vizinhos, o Pe. Mon-

200/0. Dadeus Gríngs

Material com direuos autorais


toya, superior geral da república, conseguiu, diretamente de rillpe V da Ys-
panha, a autorizacáo de armar os índios. Foi urna medida sábia e prudente.
SÓassim puderam fazer frente e derrotar, em 1624, em M'borare, as forcas
paulistas, muito superiores em número, e garantir sua sobrevivéncia por
um século e meio.
Duas coisas chamam particularmente a atencáo neste fantástico com-
plexo das reducóes jesuíticas: seu sistema social e sua producáo. Ali tudo
era comum. "O meu e o teu nem sequer eram conhecidos nas míssóes jesuí-
ticas" segundo o Pe. Montoya. Todos trabalhavam. Mas, ao mesmo tempo,
esmeravam-se na cultura. Cardiel dizia: "Os guaranis léem com notável ha-
bilidade, melhor que os nossos". Além disso, esmeravam-se na escultura,
pintura, música ... Pe. Cattaneu atesta: "Possuem urna voz bela e sonora que
se atribui as águas de seu s rios". Um mundo maravilhoso surgía na Améri-
ca do Sul, todo ele construído na base do Evangelho, sem outras ingeren-
cias externas.
Houve quem acusasse os jesuitas de ditadura, de exploracáo e de ou-
tras coisas semelhantes, em relacáo aos índios. Até se chegou a dizer que
eles lhes impuseram urna civilizacáo alheia e alienada ... Sao deveras acusa-
~oes muito estranhas, que só podem provir de quem desconhece, por com-
pleto, a realidade. É por demais sabido que ninguém conseguiu escravizar
os índios. Todos os métodos de reduzi-los a trabalhos forcados, praticados
pelos brancos opressores, falharam. E falharam de tal modo que estes ávi-
dos empresários desistiram de caca-los, para recorrer a máo-de-obra africa-
na.
E contudo, os jesuitas conseguiram fazer, com eles, aquela maravilha
de civilizacáo que nao conhece parelha no Novo Mundo e que deixa estu-
pefatos todos os estudiosos. Eram os próprios índios que se empenhavam,
num regime verdadeiramente democrático, mostrando que também na
América Latina, com as forcas locais, é possível realizar grandes obras e
promover um estupendo progresso. Os jesuítas acreditaram e apostara m
nos índios. E o resultado está ali. Eles nao usaram nenhuma forca para ir
cacá-los nas florestas virgens, Atraíram-nos com o seu testemunho de des-
preendimento e de iniciativa.
E lembrar que as "aldeias" das reducóes eram verdadeiras cidades, en-
quanto as cidades mais florescentes dos brancos da época, na América Lati-
na, nao passavam de míseras aldeias. Nao se diga que foi uma civllízacáo
imposta ou importada, porque em parte alguma do mundo existiu algo se-
melhante. Os brancos, vindos da Europa, com todos os recursos materiais e
culturáis de que dispunham, nao chegaram nem aos pés da prosperidade
da República Cristá dos Guaranis.
Dentro dos principios morais, os jesuítas estavam convencidos da ne-
cessidade da propriedade privada. Procurara m, inclusive, destacar um pe-
daco de terra para cada familia. Mas a realidade ali era diferente. Os índios
tinham outra mentalidade. Nao aceitaram, nem se dispunham a trabalhar o
que nao fosse comum. E os jesuítas, sem ir a realidade com urna ideología

Ola/ética da Política /201

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22
A IGREJA CENTRALIZADA

Tese 22:
ABSOLUTISMO REGIO

A partir do término das guerras de religiáo na Europa, com a paz de


Vestfália, em 1648, a situacáo do Cristianismo toma uma nova configura-
~ao. As potencias católicas sofreram pesada retracáo: o Império perde sua
coesáo e forca. A Espanha, apesar de seu grande domínio ultra-marino, de-
finhava na Europa, carcomida pelo acúmulo do ouro e da guerra contra a
Franca. Portugal volta a adquirir sua independencia, que havia perdido
para a Espanha por motivos sucessórios, mas nao dispóe de forcas para
manter seu domímio ultramarino. A Franca, que invadira a Espanha, dera
apoío aos turcos na invasáo da Europa e aos protestantes na guerra contra
o Imperador, teve finalmente tambérn de baixar a crista. Foi obrigada a en-
tregar, pela paz de Utreque, em 1713, grande parte de suas possessóes a In-
glaterra.
Cresciam, ao invés, as potencias nao católicas: a Inglater,ra cismática era
dona da América do Norte e diversos outros territórios da Africa e da Ásia,
arrebatados a Franca. A Holanda calvinista entrava pelos mares e se adona-
va do que lhe caía nas máos. A Prússia luterana comecava a sua ascensáo.
A Rússia ortodoxa avancava para o oeste.
Entre os católicos, a política religiosa dos séculas XVil e XVID,na Euro-
pa, marcada por movimentos que se apresentam C0010 as grandes ideo10-
é

gias da época: o galicanismo, o febronianismo, o episcopalismo, o jansenis-


mo e o josefinismo. O problema de fundo é a relacáo entre o Papa e a Igreja
universal. Esta grande polémica já se vinha arrastando há muito tempo e
vol tara a tona, no Concílio de Trento. Perguntava-se se um sínodo da Igreja
deve ser "papal" ou "conciliar". Nao se trata da alternativa de Papa ou Con-
cílio, mas de urna certa independencia do concilio frente ao Papa e a Cúria
romana. Subjazia a idéia de um concilio geral, como instancia suprema
para a Igreja universal, também contra as decis6es do Papa, como modo de
promover a reforma nos moldes preconizados em Basiléia.
A antítese protestante a tese da mundanizacáo da Igreja trouxera, como
síntese, a marca papal para O Catolicismo. Católico torna-se igual a "papis-
ta". Mas é preciso distinguir a teoria da prática. "Papista" até que ponto e
sob que condicóes? Existem ainda injuncóes políticas capazes de alterar
sensivelmente a questáo.
Devemos notar, inicialmente, que a Franca. que internamente primava
pela exclusividade católica, na sua política externa se guiava pela campa-
nha anti-imperial, manifestando seu apoio as forcas anti-católicas do pro-

Dialética da Política / 203

Matenal com direiíos autorais


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ceder debaixo dos pés. E agora? Seria preciso afastar energicamente seme-
lhante absurdo!
Pessoas clarividentes, porém, comecaram logo a aderir a nova hípótese
e a confirma-la com novos argumentos. O grande sábio Kepler descobriu
novas leis e comprovou a hípótese copernicana com novos argumentos ir-
refragáveis. A ciencia progredia e se firmava. Os cientistas, porém, levavam
a pior. Copérnico, que contava com 70 anos quando lancou a hipótese revo-
lucionária, desceu ao túmulo antes que pudesse tornar-se alvo das iras dos
cristáos. Kepler, porém, ao lancar, meio século mais tarde, seu livro, nao
pode escapar ao anátema. Era de conñssáo luterana. Foi imediatamente ex-
cluído da Ceia e atacado duramente pelos correligionarios,
Um ano antes de Kepler lancar seu livro "Astronomía nova", ao iniciar-se
o século XVII, [ordano Bruno fora queimado, após ser condenado pela In-
quísicáo católica. O filósofo, que abracara o heliocentrismo, rejeitara tam-
bém varios dogmas cristáos, entre os quais o da Encamacáo. Parecía agora
que era o próprio Cristianismo a lutar contra a nova ciencia.

NICOLAI CO
PIiRNJCI TOlllNENSJS
". "•• O"."JO.'.'" o .....
_ a:doftIin ,l.i&ri ;¡:

Habc, la !.oc opm ¡.... "'IO.~2di1".


"'"'"
~ .«tOO'.t.1...... AdIar_. """ ¡¡urom.
""'" c:t"ntX.uvM,cum
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ft;,Uf"':«noo
ul.' ad.. i,.",,,,,,,,, o,.
hyPC>l)"m,...
'n' H.b.. (110mTobolaupcditibimu •••
c¡u,bu.. "fd<ri.ad<¡uod"....... pasqulm (,dJIi
.. ealcutlr .. pouri&.!s¡lur caK.I,¡:t,trufTC'.

NorbnbrrS! apad loh. 1'ct'ráUftl.


AMO M. O. xl. 1I i.

o liuro de Copérnico
que reuolucionou
a concepdio do mundo.

214 I D. Dadeus Grings


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Galileu Galilei, o maior dentista do século XVII

216/ D. Dadeus Grings

M 1 n 11 O dir 110 autorais


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PI Vs
r:

Pío VI, a oitima da Revolu~aoFrancesa

Dia/étlca da Po/ftica /227

M 1 n 11 o dir 110 autorais


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Com muitos sacrificios chegou-se, finalmente, a um acordo entre Pio
VII e Napoleáo. A concordata napoleónica é considerada corno record e de
generosídade e coragem do Papa. Foi, sern dúvida, um parto difícil. O Car-
deal Consalvi nao poucas vezes esteve a ponto de perder a paciencia, dian-
te das descabidas exigencias de Bonaparte. Apesar de todas as concessóes,
a concordata também atribuía amplos poderes ao Papa, dando um golpe
de misericórdia as pretensóes galicanas. A partir de agora será novarnente
o Papa o verdadeiro e único chefe supremo da Igreja, também na Franca.
A execucáo da concordata, como era de prever, nao seria fácil nem para
o Papa nem para Napoleño. Cada um tropecaria em resistencias nao des-
prezíveis, dentro de suas fileíras mais extremadas. No dia 18 de abril de
1802, festa da Páscoa, numa solene cerimónia na Catedral de Notre Dame
de Paris - que anos antes fora profanada com a entronizacáo da Deusa-Ra-
záo, no símbolo de urna mulher nua - com a presenca de toda a oficialida-
de, se dava início a época concordatária. O povo se rejubilava, porque final-
mente era restabelecido o culto católico. Mas Napoleáo, temendo a reacáo
da ala mais avancada dos revolucionários, preparou, as escondidas, e adi-
cionou a concordata alguns "artigos orgánicos", que, de fato, constituíam a
primeira violacáo da própria concordata. Pio VII protestou. Mas estes arti-
gos entraram em vigor na Franca. Estavam na linha das pretensóes galica-
nas.
Os frutos da concordata foram muito bons. Os sacrificios. porérn, eram
imensos. O Papa teve que depor muítos bispos e renunciar a todos os bens
eclesiásticos. Entende-se, poís, que a resistencia fosse grande. Chegou-se a
formar um cisma: "La Petite Eglise: dos anticoncordatários. Apesar das me-
didas de tao grande alcance e tao penosas, porém, o número dos cismáticos
foi pequeno e a resistencia se foi diluindo, até desaparecer. Também o Pri-
meiro Cónsul teve que tomar urn pulso forte contra os sectários que, até aí,
tinham tido urna influencia decisiva na política anti-religiosa da Revolu-
-
cao.
Em compensacáo, obteve-se a paz religiosa, a unidade eclesial, o resta-
belecimento do culto católico e da vida cristá na Franca, abriram-se as igre-
[as, reiniciou-se a catequese e a pregacáo por toda a parte. Surgiram novos
serninários e a vida religiosa, que estava em franco declínio, recomecava a
florescer. O Catolicismo respirava um ar novo. Chateaubriand póde escre-
ver seu "Genio do Cristianismo", despertando a consciencia cristá.
É mérito de Pio VII ter sabido distinguir entre ideología e política. No
plano das idéias, o grande Pontífice foi inflexível. Firme nos princípios.
Mas na linha política, que se situa no plano do diálogo com os regimes,
quaísquer que sejam suas linhas diretrizes, teve urna abertura, de acordo
com as exigencias do tempo. Viu que nao adiantava lastimar os males da
Revolucáo. Era preciso aceitar o acontecimento e tentar, ali mesmo, um es-
pac;o de vida cristá. E, para isto, se exigiam renúncias e muito diálogo. Um
diálogo difícil quando se tem um interlocutor corno Napoleáo. Mas um
diálogo perseverante e paciente, com metas claras, da índole de Pío VII. É o

238/0. Dadeus Grings


Nesta situacáo trágica, Pio VII levanta-se como uro gigante. Lanca a
pena de excomunháo contra o todo-poderoso Imperador. Parecia estarmos
voltando aos tempos de Gregório Vil. O Papa foi preso e levado a Grenoble
e depois a Sayona. Agora ele se encontraría totalmente isolado, a mercé do
Imperador. Pio VII, porém, estava habituado a vida contemplativa, porque
fora religioso. Nao se melindrou. Iniciou um sistema de resistencia passiva.
Agora era de se ver quem teria maior fólego: Napoleáo em atropelar os di-
reitos ou Pio VII em resistir-lhe, Todo o mundo assistia apreensivo a este
terrível jogo de quebra-de-braco.
O tratamento que o Imperador reservava ao Pontífice repercutiu nega-
tivamente no mundo inteiro, fazendo descer, incrivelmente, a fama de Na-
poleáo. Ele já cornecava a sentir o repuxo. Nao poderia agüentar por muito
tempo esta situacáo, Além disso o Papa, preso em Sayona, negava-se a dar
provísáo aos novos bispos, nomeados por Napoleáo, enquanto se encon-
trasse detido. Napoleáo ficava furioso, mas o Papa, tratando-o sempre com
muita bondade, permanecia irredutível em sua posicáo.
Em 1812, enquanto Napoleáo estava no auge de seu poder e glória, o
Papa definhava, acometido por urna doenca, Com a desculpa de urna even-
tual invasáo inglesa, Napoleáo mandou levá-lo para Fontainebleau. Estava
tao malo Papa que teve que receber a Uncáo dos Enfermos e se pensava
que iría morrer nas próximas horas. Neste morriento, porém, Napoleáo so-
fria seu primeiro revés, na Rússia. Voltou para a Franca mais humilde. Pre-
cisava agora dos católicos para refazer-se. Comecou, entáo, a interessar-se
pela saúde de Pio VII. E se dispós a negociar com ele. Foi pessoalmente a
Fontainebleau, onde teve, dias seguidos, discuss6es acaloradas com o
doente Papa. Por fim, conseguiu arrancar-lhe "11 artígos", como urna espé-
cíe de nova concordata, que lesava muito a Igreja. O Papa, doente e cansa-
do, sob a constante pressáo, sem assessoria, acedera. Como conseqüéncia
desta nova concordata, os cardeais ficaram livres da prísáo, em que tam-
bém eles estavam, e se puderam encontrar com Pio VII. Neste momento,
esclarecido por seus colaboradores, o Papa se deu conta do passo em falso
que dera. Nao teve dúvida. Urna vez livre da pressáo, declarou inválida a
concordata e nulas todas a concess6es dadas.
Napoleáo teve um momento de fúria. Mas recebia, ao mesmo tempo, a
notícia da derrota de suas tropas na Espanha. Na Alemanha sua situacáo
militar também se tornava crítica. Após a derrota na "Batalha das Nacóes",
em Leipzig, o Imperador se mostrou disposto a negociar. Mas agora Pío VII
nao esta va mais disposto, depoís de tudo o que acontecera, ainda mais que
vía que a estrela de Napoleáo estava declinando rapidamente. Vendo-se
perdido, Napoleáo permitiu a saída do Papa de Fontainebleau, mas, sem
acompanhamento de cardeais, e incógnito. O POyO,porém, o reconheceu e
o acolheu com o máximo júbilo. Nao restou a Napoleáo senáo conceder-lhe
a liberdade plena. No mesmo mes em que o Papa entra va triunfalmente em
Roma, Napoleáo abdicava em Fontainebleau, sendo relegado a ilha de
Elba.

240/ D. Dadeus Grings

Material corn direhos autorais


Após a queda do Ditador da Europa, pio VÜ pAJe empreender sua
grande obra de restauracáo. Nao voltou atrás das concessóes feítas na prí-
meira concordata com Napoleáo, mas pode regular toda a questáo dos
bens eclesiásticos. Deu novo impulso as ordens religiosas e restaurou a
Companhia de [esus. O prestígio do Pontificado subia novamente a urna
altura de destaque mundial, como esperan\a das nacóes,
Em 1823 morria Pio VII, após um pontificado difícil, sofrido, mas de
grande alcance para a Igreja. Seu sucessor, Leáo Xll, continuou sua política
de concordatas com os diversos Estados, tanto antigos como novoso
Este período de urna profunda signiñcacáo para a política religiosa.
é

Mostra como é possível ceder na prática, nas questóes políticas, que sem-
pre estáo abertas a muitas opcóes e que nao necessariamente estác ligados
incondicionalmente aos princípios ideológicos. Volta a figura de Jesus
diante das autoridades públicas, mandando dar a César o que é de César e
a Deus o que é de Deus.
Na prática, nem sempre fácil discernir. Muitas opcóes políticas de-
é

vem ser tomadas, sem se saber, exatamente, se corresponde deveras mais


ao que cabe a César ou a que cabe a Deus. Neste campo foram mestres Ben-
to XIV e Pio VII. Souberam ceder no cedível, até ao máximo limite, e per-
manecer firmes no náo-cedível. A História lhes deu plena razáo, mesmo
que no momento de suas opcóes, talvez, estivessem trepidantes pelas gran-
des responsabilidades que pesavam sobre seus ombros devido as conces-
sóes de peso e pela posicáo, muitas vezes, incompreendida e ferrenha de
muitos, que pareciam os auténticos heróis do Cristianismo. É que a mistura
dos bens terrenos e celestiais nao permite sempre, com facilidade, um juízo
desapaixonado.

25
A IGREJA E A INDEPENDE:NCIA

Tese 25:
AS NOVAS NAC;ÓES NA AMÉRICA

Os séculos XV e XVI foram, para os europeus, os grandes séculos dos


descobrimentos. Nos seus avances pelo mundo, encontraram diversos ter-
ritórios e varias espécies de populacóes, até entáo desconhecidos. Alguns
territórios já se encontravam densamente povoados e organizados, como
os países ,do Oriente; outros estavam povoados, mas pouco organizados,
como a Africa, e terceiros se encontravam praticamente despovoados,
como os territórios da América.

Dia/ética da Política /241

Matenal com direiíos autorais


A atitude dos europeus era diversa, de acordo com cada situacáo. Ten-
taram negociar com os povos já estabelecidos e progredidos do Oriente; ao
passo que simplesmente se adonaram das tetras virgens do Ocidente. Os
espanhóis e portugueses, os ingleses e franceses nao foram conquistar a
América, mas simplesmente povoá-la. E povoando-a, também a organiza-
ram nos moldes da máe-pátria. Surgiram, eventualmente, alguns desenten-
dimentos e, conseqüentemente, algumas operacóes bélicas desastrosas en-
tre os novos colonizadores e os antigos habitantes deste continente, mor-
mente no México, no Peru e nos Estados Unidos. Ou seja, lá onde a popula-
\ao autóctone era mais numerosa e organizada. Tratava-se, porém, de luta
entre residentes na América, no sentido de conquista.
Os tres prime iros séculos da história da América, praticamente, se resu-
mem na colonizacáo deste enorme continente, que vai de pólo a pólo do
globo terrestre. Vém chegando contingentes cada vez mais numerosos da
Europa, povoando e trazendo o progresso para as novas regióes, Estava
tudo ainda por construir. Fazia-se mister muito espírito de aventura e de
heroísmo, para embrenhar-se nas desconhecidas e desconfinadas florestas,
sem recursos e sem amparo humano. Faltava simplesmente tudo. Mas ha-
via muita terra e muitas possibilidades de futuro. Foi o que enconrajou os
primeiros aventureiros e colonizadores.
A idéia prevalente era criar urn mundo novo. Traziam-se, certamente,
os valores positivos da civilizacáo européia. Mas quería-se evitar os defei-
tos do Velho Mundo. Na América deveria surgir uma nova civilizacáo,
mais ao sabor da natureza, aí tao exuberante, e de porte humano, e menos
marcada pelas tensóes e preconceitos que se haviam acumulado no decor-
rer dos séculos, na velha Europa.
Os colonos que iam para o Novo Mundo faziam-no com o propósito de
ali se radicar e ali criar a sua pátria. Nos primeiros séculos, porém, irnersos
na imensidáo do espaco e dos problemas, necessitavam da protecáo da
máe-pátria. Nao eram, pois, indivíduos ou famílias isoladas que se embre
nhavam no desconhecido. Eram cidadáos de urna nacáo que iam para
território ultramarino da própria nacáo, com as eventuais garantias de seus
conacionais, Encontravam, pois, alí seus compatriotas, com a mesma lín
gua, os mesmos costumes, as mesmas aspiracóes,
Assim como acontece com a enanca, que nao pode iniciar a sua vid
sem o amparo e o acompanhamento de seus país, também as populacóe
dos ~ovos territorios necessitavam da rnáo de urna nacáo européia par
surglrem e se desenvolverem. Mas como a crianca que, após a adolescén
cía, aspira a autonomía e liberdade pessoais, também as novas populacóe
foram amadurecendo e concebendo a idéia da independencia. Após quas
tres séculos de colonizacáo, sentiu-se, em toda a América, um frémito de li
berdade.
A A história, t~to política como religiosa, da América se distingue em
tres grandes regloes, de acordo com a origem de sua colonizacáo: a Améri-
ca inglesa, a espanhola e a portuguesa.

242/ D. Dadeus Grings

Matenal com direiíos autorais


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para as dioceses vacantes da América espanhola. E justífícou sua atitude na
famosa encíclica "Sollicitudo Ecclesiarum". Dizia que a Santa Sé tem o direito
e o dever de resolver os assuntos da Igreja com os governos de fato. Após a
morte de Fernando VII, o Papa foi reconhecendo, oficialmente, urna por
urna, todas as novas repúblicas americanas. Substituiu gradativamente os
vigários apostólicos por bispos residenciáis e nao concedeu mais o direito
do padroado, apesar da insistencia dos novos govemos. Com Gregório XVI
se normalizam definitivamente as relacóes entre a autoridade eclesiástia e a
civil, nos novos países da América Latina.
A América inglesa apresenta urn panorama totalmente diverso da Amé-
rica Latina. Sua populacáo era, prevalentemente, protestante. O primeiro
núcleo católico se constituí no estado de Maryland, na terceira década do
século XVil. Eram os católicos que fugiam da perseguícáo na Inglaterra. O
próprio nome do estado foi dado em homenagem a rainha católica Henri-
queta Maria, esposa de Carlos 1. Pennsylvania tornou-se outro refugio dos
católicos, bem acolhidos pelos Quakers de Penns.
As maiorias puritanas, anglicanas, luteranas e de outras seitas, contu-
do, nao tardaram em perseguir os católicos. Mesmo em Maryland chegou-
se a proibir o culto e as escolas católicas. Na Virginia se proibia até a entra-
da de católicos. Em Massachussets, a simples presen\a de urn sacerdote era
punida com a pena de morte. Além dos motivos religiosos, havia também
urn motivo político para estas medidas discricionárias contra os católicos:
era o medo de que a Espanha católica, dona da Flórida e do México, e a
Franca, também católica, dona do Canadá, se infiltrassem nos Estados Uni-
dos anglicanos.
Quando, em 1775, iniciou a guerra da libertacáo, os católicos, mesmo
sendo urn grupo reduzido, se empenharam com especial afinco. Na "Decla-
racáo da Liberdade" figura, entre os firmatários, um católico. Em 1789, o
Congresso nacional vota a separacáo da Igreja (anglicana) do Estado e, dois
anos mais tarde, proíbe todo e qualquer privilégío a qualquer relígíáo bem
como proibia toda limitacáo da liberdade religiosa. Com isto os católicos
dos Estados Unidos puderam desenvolver-se rapidamente. A separacáo da
Igreja e do Estado, nos Estados Unidos, tem urna feicáo completamente di-
ferente daquela que será efetuada na Europa, sob os regimes liberais. Aqui
era sinal de perseguicáo a Igreja, enquanto lá constituía garantia de liber-
dade para a mesma. Por isso foi muito difícil para Roma compreender a
realidade americana. e muito mais ainda entender o entusiasmo dos bispos
locais por aquele sistema.
Em 1784 foi nomeado o primeiro prefeito apostólico de Baltimore, na
pessoa de folio Carroll, nascido em Maryland. Era uma figura tao destacada
que o próprio presidente dos Estados Unidos, Benjamín Franklin, o tenha
apresentado. Cinco anos mais tarde era nomeado primeiro bispo da recém-
criada diocese de Baltimore. Cabe a ele o mérito da organizacáo da Igreja
católica nos Estados Unidos. Unificou o clero, tarefa árdua, devido a sua
diversidad e de proveníéncia e formacáo: organizou as paróquias e seminá-

Ola/ética da Polftica /247

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Dé oulro lado, por~m, a Ám~r;cadava ev;den!es moslras de urna nova
mentalidade. A América Latina, sujeitando-se passivamente ao sistema eu-
ropeu, constituí, até o fim do século XX, urna Igreja dependente. Nao dis-
póe de clero suficiente, nem de líderes leigos a altura. Após urn século e
meio de independencia política, ainda recorre a Europa para abastecer-se
religiosamente: de clero, de teologia, de ideologías, de modelos de pastoral,
de mentalidade ... Até há pouco, esta atitude chamava-se fidelidade. Hoje
recebe o nome de dependencia e, conseqüentemente, de passividade. Ain-
da nao tomou consciencia de sua peculiaridade e de seus valores próprios.
Por isso, o Catolicismo, apesar de popular, aparece ainda como importado,
pelo menos em sua esfera mais consciente.
A América inglesa, ao invés, soube criar urna imagem própria, dentro
da realidade do Novo Mundo. E isto nao significou ruptura com Roma, ou
ruptura com a universalidad e da Igreja, mas representou um esforco de en-
contrar urna solucáo própria para os problemas próprios. Lembremos que
os católicos norte-americanos eram exatamente os mais pobres, os operá-
rios. Criando um sistema próprio, a Igreja nao perdeu estes operarios, mas
conseguiu dar-lhes urna consciencia de Igreja. Urna Igreja que sao eles mes-
mos, integrados na Igreja universal.
O regirne de liberdade, tanto no relacionamento com as autoridades ci-
vis, como, internamente, entre os próprios membros da Igreja, deu um
novo impulso e visáo da própria Igreja. Todos se sentem mais responsa-
veis. Térn, por isso, Odireito de opinar e mesmo de discordar. A Igreja um é

assunto que lhes diz respeito e que lhes interessa de perto, corresponsabilí-
zando-os.
Apesar de constituírem os pobres da nacáo e apesar de nao gozarem de
nenhum privilégio nem subvencáo estatal, a Igreja norte-americana se im-
pos por seu trabalho e pertinacia. Nao urna Igreja dependente. Tem seu
é

clero próprio, sua cultura e dinamismo próprios. É certo que os países lati-
no-americanos nao poderiam copiar este modelo, porque surgem de outro
contexto histórico e de outra índole racial. Um latino-americano, dificil-
mente, se adaptaria áquele sistema. Mas ele tem o mérito de ser próprio e
nao mera cópia de outros países.
Para o Catolicismo, o surgirnento de países independentes, com popu-
lacáo católica, além da Europa, é muito significativo. Abre-se para o mun-
do. Até o século XIX, a Igreja estava praticamente confinada a Europa. O
resto eram missóes, Quem decidia a política eclesiástica era a Europa. Nao
só Roma. Eram as potencias católicas: Franca, Espanha, Império e Itália.
Excetuando a breve hegemonía napoleónica, que de católico nao tinha
nada, predominam, na Europa do século XIX, as potencias nao-católicas,
que sao a Inglaterra, Alemanha e Rússia.
Com a independencia dos países da América se alarga, consideravel-
mente, a visáo do Catolicismo. Certamente se falará ainda, a longo, das re-
lacóes do Cristianismo COm a Europa, mas agora já nao se trata mais de
urna reversibilidade. Até o início do século XIX, a Europa era maior que a

Dialética da Polltíca /251

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te, poderiam ser valores envangélicos daquilo que eram paixóes desorde-
nadas. Sua rejeicáo foi global, numa linha ainda mais extremada da de Gre-
gório XVI, que já deixara exasperada a populacáo dos Estados Pontificios e
do mundo. A sua longa permanencia no Pontificado, numa época de pro-
fundas transformacóes sociais no mundo, foi um verdadeiro desastre para
a Igreja. Estamos num momento crucial da História. Nao teve urna palavra
de orientacáo para o grande problema que entáo emergia, da industrializa-
c;ao e do operariado. Marx lancava seu famoso "Manifesto Comunista' em
1848.O Papa silenciava. Nada soube dizer de positivo sobre a aspiracáo a
democracia, senáo condenar. Tudo o que tinha algum sabor liberal recebia
do Papa um contundente e indiscriminado "nao".
O problema fundamental da atuacáo de Pio IX nao é, certamente, o éxi-
to mas a concepcáo política que o animava: o absolutismo, tanto nas ques-
toes políticas como religiosas, tanto culturais como morais. Em conseqüén-
cia, eliminou toda a participacáo na direcáo dos destinos da Igreja e dos Es-
tados Pontificios. Podia, com razáo, dizer que a Igreja e o Estado eram ele.
E o que nao estava de acordo com o seu ponto de vista era anatematizado.
Sua atitude se manifesta em tres dimensñes: 1) frente aos Estados Pontifí-
cios; 2) frente ao mundo moderno; e 3) frente a Igreja.

1) Os Estados Pontifícios eram regidos por um regime sui generis: urna


teocracia. O Papa, sucessor de Pedro, representante de Cristo na terra, era
também seu chefe supremo nas coisas temporais. Falava-se, por isso, do
poder temporal dos Papas. Todos os postos chaves eram ocupados por clé-
rigos. Os leigos nao tinham vez, situacáo esta que causou diversos dissabo-
res e reclamacóes. A constituicáo, que Pio IX outorgara antes do exílio de
Gaeta, abria máo deste princípio e assegurava certa liberdade e participa-
c;aoaos cidadáos. Após a revolucáo de 1848,porém, voltou atrás e manteve
um regime autoritário e clerical de repressáo, assegurado por tropas es-
trangeiras.
E verdade que nomeou um Secretário de Estado, na pessoa do Cardeal
Antonelli, que se distinguíu por sua habilidade e espirito de sacrifício, ele-
vando o nível social da populacáo. Era um homem genial, politicamente
dentro dos moldes do "Antigo Regime". Pode-se classificar como muito
bom o governo de Antonelli, o que tranqüilizou, por dez anos, a populacao
dos Estados Pontifícios.
Acontece, porém, que, nesta época, O POyO já comecava a exigir partici-
pacáo. As idéias liberais pervadiam todos os ambientes. Tem-se a impres-
sao de urna palavra sobre os problemas que lhe dizem respeito. Além do
mais, a burguesia da época, um pouco mais culta, andava saturada com o
"governo dos padres", que nao lhes deixava nenhuma chance, nem reco-
nhecia qualquer responsabilidade política aos cidadáos.
E para confirmar que o "governo dos padres" nao era o mais bem visto,
basta dizer que, até 1989,as regióes mais anticlericais e comunistas da Itália

264/ D. Dadeus Grlngs

Matenal com direiíos autorais


- e talvez do mundo - eram exatamente as que estavam sob o regime teo-
crático do Papa: os Estados Pontifí~i\l~'
Nos Bstados Pontificios, multo maís que uníao entre Igreja e Estado,
havia identificacáo. Com as idéias modernas, surgidas nos Estados Unidos
e alimentadas na Franca, de uma Igreja livre num Estado livre, desejava-se
a separacáo de ambos. A defesa deste ideal, nos Estados Unidos, parecia
óbvia, porque era o único meio de obter a liberdade para os católicos, que
eram urna pequena minoria. Na Europa católica, porém, esta idéia causava
escandalo. Lamennais fora condenado por ousar defendé-Is em linha de
princípio. Nos Estados Pontifícios, entáo, nem era concebível falar do as-
sunto, porque estes era m considerados propriedade particular do Papa.
Era ainda a concepcáo antiga, que concebía um reino como propriedade de
urna família real, que dele pode dispor a seu talante, inclusive dividindo-o,
como bem entendesse, para o passar em heranca aos filhos.
No plano das idéias, esta concepcao, de propriedade particular de um
Estado, já estava de todo ultrapassada. A partir da Revolucáo Francesa, do
século XVilI, sempre mais prevalecia a idéia de pavo, como base da nacáo.
E, por isso, amadurecia também a idéia de sua partícipacáo efetiva no go-
yerno. É O que a palavra "democracia" indica: o regime do POyo: "demo",
em oposicáo a monarquia: o govemo de um só "mono". O POyOcomecava a
tomar consciencia de seus direitos e responsabilidades.
Este principio, como é óbvio, explodia o regime dos Estados Pontifí-
cios. Daí a tensáo entre as liderancas populares e o governo teocrático. Nao
era urna oposícao religiosa, mas exclusivamente política. Reconhecia-se,
sem pestanejar, a autoridade religiosa do Romano Pontífice. Nenhum ita-
liano dela duvidava. Mas revidava-se com a exigencia de outra autoridade,
de base popular e partícípacáo do POyO,para dirigir os destinos temporais.
Seria preciso, numa palavra, separar o poder religioso do poder político.
A reívindicacáo estava dentro da dialética do tempo. Era válida em si,
apesar de dura para seus detentores e para a própria jerarquía da Igreja.
Quem visse o problema com olhos históricos, privo de preconceitos, deve-
ria convir sobre a sua justeza e sobre a necessidade da implantacáo, mais
cedo ou mais tarde, de um regime democrático. O problema seria apenas
como conseguí-lo. Tinha contra si urna longa tradicáo e um poder político
avassalador: as potencias católicas, para interferir contra qualquer tentativa
de "subversáo".
Nesta altura, porém, junta va-se a aspiracáo de um regime mais demo-
crático, que se poderia ainda conciliar com a posicáo do Romano Pontífice,
como urna espécie de monarca constitucional, urn outro movimento: o da
unificacáo da Itália. E também um movimento histórico, que amadureceu
aos poucos e ao qual dificilmente se poderia resistir. Nao se tratava, pois,
apenas de uma atitude de alguns exaltados.
Corno o Papa se negasse a encabecar a causa, o rei do Pie monte decidiu
tomar-lhe a frente. Dispunha de urna boa equipe de ideólogos e adminis-
tradores. Foi, aos poucos, firmando seu domínio sobre diversas partes da

Dia/ética da Po/ftica /265

Matenal com drenes autorais


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Síntese:
I'dR~Ji\~L~RI~i\L
o século XIX apresenta urna mudanca profunda na face da Igreja. Tor-
na-se urna Igreja desligada do mundo. A Igreja do "non possumus", Isola-se
da política, da cultura, das aspiracóes e dos problemas do mundo moder-
no.
A síntese do pluralismo do mundo moderno e da separacáo entre Igreja
e Estado, é urna Igreja clerical, centralizada em Roma. Isto significa que o
leigo nao tem vez. Sua funcáo será meramente passíva, de ouvir a palavra
de Deus, receber os sacramentos. Fica-lhe apenas a parte ativa da contribui-
~ao monetária, para sustentacáo da "Igreja", isto é, do clero.
Para o Concilio Vaticano 1 nao foram convidados os leigos. Pode-se
desculpar a omissáo pelo fato de os governos da época nao primarem pelos
princípios cristáos. Mas nao deixa de ser sintomático. Vimos como, nos
concílios anteriores, os leigos, mormente os reis, ou seja, os responsáveis
pelo bem comum temporal, exercerarn profunda influencia. Era urna Igreja
engajada nos problemas reais da época. Agora somente bispos participam
nas discussóes, com urna ótica exclusivamente religiosa, ou política, vista
do lado de fora, sern a presenc;a da verdadeira "índole secular".
Após o pontificado de Leáo XIII, que tentou, com éxito, urna íntegracáo
da Igreja nos problemas da época - de que trataremos no próximo capítulo
- em 1903 é eleito Pío X, um homem simples e piedoso. Se o govemo de
Leáo XIII pode ser chamado de político, o de Pio X deve ser qualificado de
religioso. Voltou, porém, a posicáo intransigente de Pio IX, em todos os
sentidos, já com a vantagem de nao precisar preocupar-se com a adminis-
tracáo de um Estado. Póde dedicar-se totalmente a Igreja. E o fez no senti-
do mais clerical possível.
Com urna fé simples e sincera, mas pouca visáo da complexidade dos
problemas modernos, Pio X vía perigo em tudo. Voltou a política das con-
denacóes indiscriminadas. Na política italiana manteve a proíbicáo dos ca-
tólicos de tomar parte nas eleicóes legislativas, deixando ainda, nas máos
dos anticatólicos, a direcáo dos destinos da Itália. Quanto a questáo roma-
na, manteve-se inflexível no "nao" a todo diálogo. Quando, em 1904, o pre-
sidente francés visitou a Itália, sem ver o Papa, Pio X levantou um protesto
formal. Em resposta, no ano seguínte, a Franca decretava a separacáo da
Igreja e do Estado. Pio X respondeu com urna veemente encíclica, que nin-
guém levou em consideracáo.
As proibicóes pontifícias se iam multiplicando contra a partícípacáo
dos católicos em associacóes acatólicas, ou neutras. Neste sentido conde-
nou a organízacáo democrático-social francesa, de nome Sillon. Na Alema-
nha desaprovou o aconfessionalismo das associacóes operárias.
Mais clamorosa, porém, foi a condenacáo do Modernismo, que resumía
todas as correntes modernas. Pio X procedeu por diversas etapas. Em 1907,
com o decreto "Lamentabili', condenava 65 proposicóes modernistas. Pouco

Oia/étlca da Política /269

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ÍNDICE ANALÍTICO

A Apóstolos, 31, 32, 34, 35, 37-38, 39-40, 42- .


Aarao,53 43,58
Absolutismo, 203 Arcadio, 66, 79
Acácio, 75, 79, 80 Ário (arianismo), 58-65,74-77
A~ao Católica, 312, 313 Armas, 148
Adriano J, 91 ArntUfo, 101, 102, 104
Adriano IV, 121 Arte, 172, 173, 174,177-178
Adriano VI, 181 Ásia, 193, 289-291, 295
ÁUhica,193,252,289-295 Atanásio, 60
Ágape, 30, 35 Ataulfo,73
Agnani,146,149,150,167 Átila, 69, 73
AgostUtho, 59, 68, 76, 359 Averroes, 144
Alarico, 66, 68, 73 Avínháo, 148 ss, 159-162, 166 55,171
Albigenses, 137 Augusto, 64
Alboin,75
Albornoz, 154, 162-164 B
Alemanha, 112, 114, 116,155,161,178, Bárbaros, 73
180-181,183-184,220,266,289,296- Basiléia (Concilio), 172
298,302 Basílio,61
Alexandre Magno, 41 Bautin,261
Alexandre III, 121 Beccos,133, 134
Alexandre VI, 21, 175, 176, 194, 195 Bento 111,99
Alexandria, 37 Bento VII, 107
Ambrósio,58 Bento XI, 147
América, 193,241 SS, 252-253, 294 Bento XII, 152
América inglesa, 247 ss, 251 Bento XID, 222
América Latina, 176, 195 ss, 243, 245 ss, Bento XIV, 21, 222
251-252, 333 Bento XV, 310-312, 357
Anarquismo, 258 Bento (Sao), 69, 71
Androin de la Roche, 163,164 Berengário, 105
Andrónico, 134 Bíblia, 25-26, 210 ss, 348
Antao,57 Bismarck, 285, 286
Antigo Testamento, 25-28 Bispo, 31, 36, 54, 56, 58, 61, 68, 71, 74, 76,
Antíoco, 41, 46 111-113,116,117,125,204,208,209
Antonellj, 263, 264 Boécio,75
Antioquia, 37 Bonüácio VID, lIS, 141-149, 150, 157, 173
Apocalípse, 361 Bramante, 176,178

Ola/ética da Poiftica / 365

Malerial com dueiíos autorars


Brasil, 196, 198,243,244,268,296 Companhia de Iesus, 194, 196 ss, 225, 241
Brígida, 159, 161, 165 Comunismo, 257, 292, 299, 305, 306
Burguesia, 227, 277 Conciliarismo, 204
Concilio Cadavérico, 103, 104
e Conferencia Nacional dos Bíspos, 352
Calixto 1, 38 Conrado 11, 110
Calixto 11, 117 Consalvi, 225, 245
Calixto m, 174 Conselhos evangélicos, 27
Canadá,249 Constanca (concilio). 169, 171
Constáncio, 60, 63, 65
Capitalismo, 278, 292, 298, 350, 351
Carafa,l84 Constante, 60, 65
Cardjin, 298 Constantino, 18,51,52,55-58,60,64,80,
Caridade, 30, 32 91,336
Carisma, 37 Constantino IX, 132
Carlos Magno, 89 ss, 97, 98, 121 Conversóes, 28, 74, 312
Carlos Martel, 89, 137 Copérnico, 213, 216
Carlos V, 180-184, 188 Cornélio, 38
Carroll, 247, 249 Cosroes,82
Cataldino, 199 ss Cristandade, 21, 91 SS, 124-129, 141, 192,
Catarina de Sena, 159, 161 356
Cátaros, 137 Cristo, 12, 14,22,39,43,50,55,57,60,71,
Catolicismo social, 279 ss 76,86,92,96, 107, 117, 128, 134, 139,
Cavaleiros hospitalares, 155 149,160,166,172,185,196,211,228,
Cavaleiros Teutónicos, 156 241,252,271,287,306,307,317,318,
Celestino V, 143 336,337,338,356,359,360,361
César Borja, 176 Cruz,50
César (Caio Júlio), 42, 308 Cruzada, 155-156, 192
China, 292 Culto, 30
Ciciliano, 59 Cultura, 11,347
Ciencias, 144,190,191,213 5s,276, 284, Cúria Romana, 204,207,208,210,319,
312,315-318,347,349,357 324,331
Cipriano, 38
Cirilo, 80, 94-96 D
Cisma do Ocidente, 168 ss Dante, 45, 159
Civilizacáo, 28, 294, 295 Décio, 48, 49
Clemente (Sao), 47 Democracia, 20, 265, 266, 308 ss, 351, 355,
Clemente V, 148, 150, 151, 157, 158 360
Clemente VI, 153, 160, 165 Descrístianízacáo, 218
Clemente Vll, 181 Deus, 27, 356
Clemente XI, 222 Diálogo universal, 332 ss
Clemente XII, 222 Diácono, 34
Clemente XIII, 224, 225 Dictatus Papae, 114, 115
Clemente XIv, 225, 226 Diocleciano, 44, 49, 51, 55, 58, 60, 63
Clotilde, 75 Diogneto, 39
Clóvis, 75, 88 Dionísio de Alexandria, 38
Cluny, 105 ss, 136 Dionísio Exíguo, 70
Código de Direito Canónico, 329 Dionísio romano, 38
Cola (Nicola) di Rienzo, 162 Ditadura, 296-298
Colombo, 191, 197 Donato (donatismo), 59, 60
Colonna, 143, 145, 146, 147 Duns Escoto, 144
Comunidade Cristá, 30-40

366/ D. Dadeus Grlngs

Material com direuos autorais


E Franciscanos, 151
Éfeso,77 Francisco de Assis, 139
Ektesis, 83, 85 Francisco Xavier, 194, 198
Ellas, 26 Franco, 296,298, 315
Encarnacáo, 12, 39 Francos, 74,75
Engels, 277, 292 Fraternidade, 27
Episcopado, 204 (cf. Bispo) Frederico (1) Barbaroxa, 121-122
Episcopalismo, 208 Frederico n. 123
Escatologia, 39 Fuga do mundo, 9
Escravos, 291
Espanha, 180, 184, 194, 195, 197,203,207, G
208,243,244,245,246,291,296 Gallcanismo, 203 ss, 220, 226, 230
Espírito Santo, 19, 28, 31, 37, 38, 43, 54, Galileu, 191, 215, 316
170,310,319,324,328,329,338,349, Galiao,43
358,359 Genserico,74
Estado, 18, 355 Glória,27
Estados Pontificios, 98, 105, 162-166, 171, Graciano, 65
175,177,233,236,239,259-266,304,311 Gregório Magno, 21, 68-70
Estados Unidos, 243, 247 ss, 265, 293, 322 Gregório VII, 113 ss, 118, 129, 143, 318, 332
Estéváo VI, 21, 101 ss Gregório IX, 123, 158, 166, 167
Estilicáo, 66, 73 Gregório X, 132
Eudóxia, 73, 79 Gregório XI, 154, 165
Eugenio IV, 172 Gregório XVI, 247, 260, 261
Eurico,74 Guaranis (República Cristá dos), 197 ss
Eusébio,59
Evangelízacáo, 28, 191 ss
H
Henotikon, 60, 75
F Henrique 11,109
Fascismo, 296 Henrique IU, 110, 131
Fé, 30, 192, 317-318 Henrique IV, 113-116
Febronianismo, 207 Henrigue V, 116-117
Felicidade (Santa), 47 Henrigue VIII (da Inglaterra), 155
Felicíssimo, 38 Heráclio, 82 ss
Fénélon, 222 Hermenegildo,74
Fernando VII, 246 Herodes, 43, 196
Feudalismo, 89, 149 Hérulos, 74
Fideísmo,259 Hierarquia, 36-37
Filipe (11)Augusto (da Franca), 120 Hildebrando, 110, 112
Filipe 11(da Espanha), 207 Hipólito, 38, 39
Filipe IV (o Belo), 144-150, 157-159 Hitler, 296, 297, 298, 302, 305
Filosofia,316-318 Hohenstaufen, 141, 143
Flagelantes, 160 Honório (imperador), 65, 66
Florenca (concilio), 172 Honório (papa), 83
Focas, 81, 82 Hontheim, 207, 208
Formoso, 101 SS Hormisdas, 80
Franc;a,75, 126, 141, 144, 148,150,152, Hugo de Cluny, 115
154,159,161,162,177,180,183,188, Hugo de Paganis, 155
190,203,204,218,219,220,227-240, Humberto da Silva Cándida, 112, 132
259,263,286,290,312 Hunos, 73

Dialética da Política /367


1 Judeus, 23, 28, 37, 39, 41,43, 47, 53, 160
Iconoclastia, 84 s 305 '
Ideologias,256-259, 291, 296 SS, 307,317, Juliano Apóstata, 63, 65
342,343,349 lúlio 11, 176-178
Igreja 7, 293-294 Júlio III, 183
lluminismo, 220 [ustiniano, 75, 80, 81, 145
Imagens (culto das), 77, 84 ss, 143 Justino (Sao), 46, 49, 54
Imperador, 20, 57 SS, 113, 120, 141
Imperialismo, 289 K
Império romano, 18, 19, 21, 39, 40 Kant, 220
Império cristáo, 50 ss, 89 ss, 105, 144, 148, Kepler,213
149,152,169,180,183,203 Ketteler, 283
Imperium mundi, 105 Kolping,283
Inácio de Loyola, 194, 197
Independencia cristá, 29
indios, 197 ss L
Inglaterra, 119, 145,152, 154, 161, 203, Larnmennais, 257, 260, 265, 266
219,253,286,290,312 Lavigerie, 291
Inocencio III, 21, 118-123, 139, 143 Leáo Magno, 21, 68,69,79
Inocencio IV, 124 Leño ID (imperador), 84
Inocencio VI, 153, 161-163 Leáo 111(papa), 91, 98
Inocencio VII, 175 Leáo IV, 99, 131
Inser~áo no mundo, 9 Leáo IX, 110
Instituto secular, 335,352,355 LeaoX, 177, 178,181
Investidura, 110 ss Leño xn. 241, 246
lrene,84 Leáo XIII, 21, 269, 280-287, 291, 292
Irineu,47 Leígo, 85, 88, 92, 93, 112, 117, 125,137,
Irlanda, 253-256, 312 173,209,249,264,269,286,307,311,
Islamismo, 78, 87 313,314,318,335,351,352,355
Itália, 75, 162, 163, 164, 165, 177,230,262, Lenine, 296,298, 311
263,265,269,285,290,296,302,304, Leovigildo,74
305,310,311 Lepanto, 189
Liberalismo, 257, 278, 292
Liberdade, 55, 305, 306, 307, 361
] Libério,60
Jansenismo, 208, 218, 221, 226, 229 Língua litúrgica, 94, 95
Jerusalém, 32, 37 Lombardos, 74, 75
Jesuítas, 197 ss, 208, 218, 225 Lotário, 97, 99
Jesus (c!, Cristo), 25, 42 Lourenco (Sao), 49
Joao VIII, 95,100 Lucrécia Borja, 177
Toao XII, 105, 106 Luís ° Germánico, 94, 95, 97
[oáo xrn, 150-152 Luís o Pío, 97
[oáo XXIII (de Bolonha), 169 Luís (IV) da Baviera, 151-153
[oáo XXIII, 324-329, 332, 333 Luís IX, 126-128, 141, 144, 145
[oáo Paulo 1,340 Luís XIV, 189, 204, 218, 219, 229
[oáo Paulo II, 315, 329, 340-344, 360 Lutero, 155, 178, 180
[oáo-Sem-Terra, 119, 120
Jordano Bruno, 214
José II, 205 M
Josefinismo,205 Macabeus,41,46
Judas Macabeu, 41 Maconaria, 219, 223, 244, 245

368/ D. Dadeus Grings


Mansera, 199 ss Nicolau V, 174
Maomé,87 Nietzsche, 279
Maquiavel, 176, 177 N6brega, 198
Marcelo 11, 184 Nogaret, 145, 146, 147, ISO, 157, 161
Marciano, 79 Normandos, 112, 114, 116, 131
Marcílio de Pádova, 152 Novaciano, 38
Maria Teresa, 205 Novato, 38
Marózia,l04
Martinho J, 83
Martinho IV, 21, 134
o
Ocam, 144,151
Martinho V, 170, 171 Oc idente (Oriente), 129, 130, 131, 132,
Mártires,44 ss 171,172,179,194
Marx, 264, 277,279, 292 O'Connell, 255, 256
Marxismo, 292, 296, 301, 305, 306, 350, 355 Odoarco, 66, 68
Matilde de Conossa, 114 Operariado, 273, 274, 276, 277, 278, 279,
Matriz,11 283
Maxendo, 51, 52, 64 Ordens militares, 155, 156,157
Máximo, 84 Oriente (ocidente), 129, 130,131,132,171,
Mazzini, 261 172, 179, 194
Melcíades, 59 Orígenes, 47
Melécio, 58, 59 Origenismo, 80
Menas, 80 Orsini,143
Mesúrio,59 Ortodoxia, 11
Metódio" 94-96 Osanao,283
Miguel Angelo, 177 Ósio,60
Miguel Cerulário, 131, 132 oue 1, 105, 121
Miguel VIII, 132, 133 ouo In, 107, 108
Missoes, 193 ss Otáo IV, 119
Modernismo, 258, 269, 357
Moisés. 53
Monge,19,34 p
MonofiSismo, 77, SO, 82 Pactos lateranenses, 302, 304
Monotelismo, 83 Padreado, 193 ss
Montoya, 200 Paganismo, 36, 40, 53,55,57,60,75
Morávia,95 Pagao, 28,44, 76
Morus (Thomas), 196 Papa, 68, 71, 80, 98, ISO, 169, 174, 180-185,
Mu)ulmano, 187 309,320,343,344,353,354
Mulher,76 Papisa [oana, 104
Mundo, 9, 356 Partas, 47
Mussolini, 296, 297, 302-305 Pascoal 1,98, 99
Muzi, 245, 261 Pascoal n. 116
Patriarcado, 37
Pauto Apóstolo, 29,31,33,35,37,39,43
N Paulo 11, 175
Napoleao, 227, 230-241, 243, 275, 302, 319 Paulo m, 181 ss, 194,213
Nero, 18, 43, 46 Paulo IV, 184
Nestorianismo, 77, 82 Paulo VI, 135, 305, 327, 330-332, 333, 337,
Nicéia (conOOo), 57-59 340,353,359
Nicola (Cola) di Rienzo, 162 Pauperes Christi, 112, 114, 151
Nicolau 1,95, 99 Pedro Apóstolo, 29, 31, 33, 37, 39, 353, 358
Nicolau 11,112 Pelagío II, 70
Nicolau TU,133, 151.

ouceuc« da Polft/ca /369

e
Pepino, 89 Ratislau, 94
Perpétua (Santa), 47 Reducóes indígenas, 197ss
Perseguic;ao, 21, 42 Reforma, 112, 118, 171, 176, 177, 179, 180,
Peste negra, 154, 159, 160, 171, 172, 356 181,182,183,184,185,190,193,203,
Petrarca, 159, 165 205,207,208,324 ss, 331
Pilatos, 196 Rei,21
Pio 11, 175, 188 Reino de Deus, 25
Pio IV, 184 Religiao,44,74, 135, 148,172,195,255,
Pio V, 188, 189, 332 306,307,347,354
Pio VI, 226, 228, 230, 235, 319 Renan, 256, 261
Pio VII, 21,225,233,235-241,246,302,319 Renascenc;a,172
PioIX, 21,210,236,261,268,280, 282,285, República, 230, 242, 243, 263, 285, 286,
287,310,311,319 308,309,310
Pio X, 269, 287, 310, 311 Rerum Novarum, 283, 284
Pio XI, 273, 294, 302-305, 312-315, 320, 322- Revolucáo francesa, 226 ss, 253, 257, 265,
324 275,277,279
Pio XII, 315, 320, 323, 324, 326, 332 Revolucáo francesa (de 1848), 233, 263
Pisa (concilio), 169 Revolucáo russa, 292,296,311
Plessis, 250 Ricardo (dos Visigodos), 74
Plínio,45 Ricci (Lourenco), 225
Pluralismo, 287, 306, 307 Richilieu, 204
Pobres de Cristo, 130-140,143,151 Rigorismo, 38
Pobreza, 135-139, 251,235,251,275,283 Riqueza, 135, 136, 137
Poder, 16,27,51,53,54,55,112,136,145, Rodolfo, 115
148,195,351 Roma, 37,40,63, 64,68, 70, 85, 109, 129-
Policarpo,38 135,152,160,162,164,165,166,167,
Política, 11, 12, 13,44,74,88,91,113,117, 171,174,176,183,208,209,210,248,
129,130,148,168,172,179,186,190, 263,319,331,332
191,192,195,196,202,203,209,228, Romanos, 4ss
236,238,239,252,255,256,259,260, Rómulo,66
265,266,280,284,285,301,306,307, Rufino,66
309,311,313,325,326,334,335,338, Rupturas, 347, 348
343,347,349,354,358,360 Rússia, 286, 292, 298, 322
Polónia, 312
Pontificado, 91, 169, 170, 171 S
Portugal, 193, 194, 197, 203, 225, 243, 290, Sacerdote, 21
296 Sacro Império, 21, 91
Positivismo, 256 Salazar, 296, 298, 315
Prática, 192, 193 Santa Alianca, 233
Proletariado, 275, 276, 280 Savonarola, 175,176
Protestantismo, 178 55,188 ss, 213 Sebastiáo (Sao), 49
Proudhon,278,279,292 Sepé Tiaraju, 202
Pulquéria, 79
Sérgio m, 104, 105
Sérgio Patriarca, 82, 83
Q Setímio Severo, 47
Questáo social, 282, 283 Sexo, 135
Sigismundo, 169, 180
R Simonía, 110
Racionalismo, 190, 191,256,257 Silvestre 11,107,109
Rafael Sanzio, 178 Sínodo romano, 303

-370/ D. Dadeus Grings

Malenal com dueítos autorais


Sixto IV, 175 Unidade, 323
ScKlalisDlo,257, 277, 292 Univesidade de Paris, 125, 141
JJci@(füd@, 1fi Urbano 11,lIó
Sofrónio, 83 Urbano V, 154, 164
Sumo Pontífice, 118, 141 (cf. Papado) Urbano VI, 167 ss
Utopia, 196 ss
T
Tácito, 43 V
Técnica, 273, 274 Valdenses, 138
Templários, 155-159, 161 Valentiniano, 65, 66
Tenta~ao, 26, 27 Valeriano, 49
Teodolinda, 76 Vandalos,73
Teodora imperatriz, 80, 85 Vasco da Gama, 191
Teodoro de Mopsuéstia, 80 Vaticano, 166, 302, 304
Teodorico, 75 Vaticano II (concilio), 210, 314, 315,316,
Teod6sio, 58, 66, 68, 72, 79 320, 324 ss, 357, 358, 359
Teología, 292-295 Vicariato régio, 194 ss
Teología da História, 12 Vicente Ferrer, 159, 161
Teología da Libertacáo, 299-300, 306, 307, Viena (concílio), 150,159
317,318,335 Vikings,88
Tertuliano, 38, 39, 44, 58 Virada Constantiniana, 56
Totalitarismo, 2% ss Virgílio Papa, 80, 81
Trajano, 45 Visconti, 163, 164
Tradicionalismo, 259 Visigodos, 73, 74
Tregua de Deus, 110 Vitor Hugo, 177
Trento (concilio), 181 Voltaire, 218 ss
Turcos, 138 Votos, 27

U Z
Unam Sanctam, 146 Zeno, 60, 68, 79

Ola/ética da Po/ftlca / 371

Malenal com dueítos autorais


Em Dialética da Política Dom Dadeus
Grings usa a diaJética, como método de
abordar o desenvolvimento histórico,
seguindo urna lógica que os próprios fatos
apontam. A História nao caminha de modo
homogéneo, mas através de teses, antíteses e
sínteses. Basta urna observacáo um pouco
mais acurada para constatá-Io. A passagem
de um passo para o outro, porém, como
também se pode verificar nos fatos, nao se
faz, necessariamente, pela violencia. Antes
pelo contrario: onde interfere a violencia, ela,
em geral, atrapalha a normal passagem de uro
passo dialético para o outro.

EDI u,-".,

filiada a ABEU

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