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Aula teórica de 05-11-2018

Vamos hoje voltar um bocadinho atrás porque na aula passada o Dr. José Coimbra teve
a amabilidade de continuar aquilo que estávamos a dizer e eu sugeri-lhe que fizesse uma
abordagem à ação administrativa com as suas diferentes matrizes para provar aquilo que
já tínhamos dito que por trás da ação administrativa há várias sub-acções, ou mesmo
várias ações. Mas tinha ficado só por terminar, e volto a isso muito rapidamente no
início desta aula e depois pegarei naquilo que o Dr. Coimbra esteve a dizer: faltou
terminar um aspeto relativamente ao objeto do processo, designadamente a questão que
estávamos a analisar relativamente à causa de pedir no contencioso administrativo.
Porque vimos que havia aquela discussão acerca do artigo 95º/3 quanto a saber se essa
discussão implicava considerar que o que estava em causa nesse artigo, como eu
defendo, é apenas a questão de explicitar o conteúdo daquilo que está também no nº 1
ou se, pelo contrário, o nº 3, correspondia, de alguma forma, à possibilidade de o juiz
interferir no objeto do processo.

Da minha perspetiva, aquilo que vos disse foi que eu entendo que o juiz goza de poderes
de qualificação diferentes daqueles que foram realizados pelas partes, que o juiz
também conhece o Direito e, portanto, nesses termos, pode, em razão dos factos
alegados, introduzir realidades novas do ponto de vista qualitativo relativamente ao
processo. Também entendo que o juiz pode conhecer a integralidade da legalidade sem
estar limitado pelos vícios do ato administrativo. Mas entendo que o juiz não é parte e
não sendo parte o juiz não pode carrear factos novos para o processo.

O Professor Mário Aroso, pelo contrário, pelo menos aparentemente, é verdade que em
2015 as formas foram suavizadas e o Professor Mário Aroso já não faz referência a essa
tese da maneira como fazia na última versão das lições, mas a posição que ela defendia
e que corresponde àquilo que ele pensa é de considerar que o juiz pode, efetivamente,
carrear factos novos para o processo na medida em que eles tenham a ver com a
anulação, e como está em causa um direito, que ele considera que é um direito ao
afastamento geral da ilegalidade, é possível ao juiz também introduzir factos novos no
âmbito do processo.

Com todo o respeito, não me parece que isto faça qualquer sentido em face da ordem
jurídica portuguesa. E não faz qualquer sentido, desde logo, em função do modo como o
juiz é qualificado, desde logo, pela Constituição: o juiz é imparcial, o juiz não pode
carrear factos novos para o processo. Juiz não é parte. E também não vale aqui o
argumento que o Professor Teixeira de Sousa uma vez defendeu, logo a seguir à
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Reforma de 2004, que o juiz estaria na posição do Ministério Público. O Ministério


Público é uma parte, as partes podem carrear factos novos para o processo, o juiz não é
parte, o juiz não pode carrear factos novos para o processo. E, portanto, eu entendo que
a posição não se justifica, mas para encontrar alguma razoabilidade ela tem a ver com a
noção de direito subjetivo que é teorizada pelo Professor Mário Aroso e com a qual eu
também não concordo, que é a ideia do direito reactivo. Eu não concordo agora, uma
vez que já defendi essa posição no passado, logo nos anos 1980, na primeira coisa que
escrevi.

É que é uma construção que vai da doutrina espanhola, por influência do Direito
alemão, mas já muito mais “espanholizada”, se quiserem, já muito mais latina, quer
dizer que há no direito administrativo um direito subjetivo público, um direito reactivo,
um direito de reagir contra a ilegalidade. E que este direito só surge, e aqui há uma
discussão, no momento da agressão, é a tese defendida pelo Professor Mário Aroso, que
adota essa construção em Portugal, juntamente com o Professor Rui Medeiros, no
momento da lesão surge um direito a reagir, um direito a afastar as ilegalidades e esse
direito depois concretiza-se com o direito de ação.

Mas, com todo o respeito, também esta teoria não me parece adequada para a realidade
portuguesa. E não me parece adequada, em primeiro lugar, porque ela reduz tudo ao
direito de agir em juízo, que é efetivamente um direito subjetivo, mas o direito de agir
em juízo é um direito que serve para a tutela dos direitos substantivos que o particular
tem e, portanto, há uma dimensão substantiva, uma dimensão procedimental e uma
dimensão processual dos direitos subjetivos públicos. E, portanto, não se confunde o
direito de agir com direitos subjetivos para os quais esse direito existe.

Portanto, há aqui uma realidade que não faz sentido ficar subordinada pela lógica de
processo. E o que está em causa no processo não é, sem mais, na minha perspetiva, o
direito ao afastamento da ilegalidade, porque isso como tal não existe, o que está em
causa são direitos subjetivos que foram lesados pela atuação da Administração. Não é
um direito ao afastamento da ilegalidade porque esse é um simples direito processual e,
portanto, eu considero que a tese do direito reativo, que eu também já achei atrativa nos
anos 1980, é uma tese que confunde o direito de agir com os direitos subjetivos para os
quais esse direito de agir é consagrado, sendo que esse direito de agir é um direito.
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Por outro lado, confunde a relação jurídica processual, a relação jurídica que se constitui
naquele processo, com a relação jurídica substantiva, que é independente dele, e que,
portanto, há aqui duas relações jurídicas que não podem ser estabelecidas.

Mas essa é, quanto a mim, a verdadeira razão pela qual o Professor Mário Aroso
defende a ideia de o juiz pode carrear factos novos para o processo. Se o que está em
causa é o afastamento da ilegalidade, verificar o que é essa ilegalidade, atribui ao juiz o
poder de intervir no processo.

Esta é uma discussão muito teórica mas que teria consequências práticas. Curiosamente,
a jurisprudência resolve evitar o problema. Diz que sim senhor, o juiz pode intervir
introduzindo factos novos na medida em que resulta dos factos que já lá estão e,
portanto, ficamos na mesma: se já estão, não são novos. Mesmo que decorram dos
outros, claro que se decorrem dos outros, o juiz tem esse poder, precisamente, foi aquilo
que eu vos disse. Portanto, estamos perante uma realidade que acaba por não encontrar
uma solução jurisprudencial mas é uma discussão que é interessante e que não gostaria
de terminar essa matéria sem a referir.

Mas voltemos então, agora, àquilo que tinham estado a ver na aula passada com o Dr.
José Coimbra e que tem a ver com matéria da ação administrativa e das suas diferentes
modalidades, começando hoje por analisar a modalidade de impugnação da ação
administrativa. Já viram, na aula passada, que essa ação administrativa, regulada nos
artigos 37º e ss. do Código de Processo, são na verdade várias ações, uma vez que cada
uma dessas sub-ações que aqui aparece, como a impugnação de atos administrativos,
condenação da prática do ato devido, a impugnação e condenação de regulamentos, a
atuação no âmbito da contratação pública, cada uma dessa realidades tem regras
diferentes, tem regras em termos e objeto de processo, regras em termos de pressupostos
processuais, tem regras diferentes em termos de poderes do juiz e tem regras diferentes
(foi isso que o Prof. José Coimbra acentuou, porque corresponde aquilo que está a
estudar) na marcha do Processo.

Ora bem, mas uma outra coisa que ele provavelmente não disse: uma certa estranheza
em relação ao modo como o legislador regulou estas matérias. Porque, entre estas
diferentes sub-ações, entre estes pedidos relativos a formas de atuação material (Vasco
Pereira da Silva critica, dizendo que o legislador devia ter utilizado apenas um critério
processual, tendo, antes, misturado os critérios processuais com os critérios
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substantivos, e, portanto, deu esta complicação…), há uma realidade que tem a ver com
o pedido definido em termos processuais, mas há, depois, a forma de atuação
administrativa que acaba por juntar esses diferentes pedidos e acaba por introduzir a
confusão no quadro da realidade processual. Mas se verificarmos, e numa análise até
quase imediata, o legislador dedicou à impugnação de atos administrativos, que, à
partida, era aquilo que se diria que já estava tratado e aquilo que existia desde sempre,
mais artigos e que tratou com máximo detalhe. E, portanto, temos, assim numa análise
“de merceeiro”, que o legislador, do artigo 50.º ao artigo 65.º, se ocupou da ação de
impugnação.

E, depois, temos um pedido radicalmente novo, que muda a estrutura e a natureza do


Contencioso Administrativo, que é o pedido de condenação. E esse está regulado do
artigo 66.º ao artigo 71.º. O que é velho merece 15 artigos, o que é novo merece 5… Há
aqui, pelo menos, uma desproporção. O legislador está a fazer uma coisa nova, uma
coisa que vai mudar a natureza do Processo, mas, depois, deixa em aberto, não
resolvendo todas as questões que tinham a ver com essa realidade.

Depois, temos a impugnação de normas e a condenação em matéria de regulamentos. A


impugnação de normas era conhecida; a ação de condenação em matéria de
regulamentos não. Também aqui o legislador, seguindo a mesma lógica, dedica apenas
5 artigos: do 72.º ao 77.º.

Portanto, aquilo que é novo, o legislador deixa em aberto. O que é velho, o legislador
regula, regula, regula!

E o mesmo em relação à ação em matéria de contratos, que já é sobejamente conhecida


e que o legislador regula nos artigos 77.º-A e 77.º-B. Ocupa-se dela, porém, também
com algum detalhe nas outras normas que vêm a seguir.

Portanto, há aqui um fenómeno que é de natureza psicanalítica: o legislador, em relação


àquilo que criou de novo e que verdadeiramente muda a natureza do Processo, não se
quis pronunciar muito… em relação ao que é velho, o legislador faz um tratamento
muito detalhado dessa matéria.

Mas procurando compreender o legislador e compreender porque é que ele fez isso, há
algo que justifica que a impugnação de atos administrativos seja tão detalhadamente
tratada nesta Reforma do Processo. É que esta impugnação que aqui está é radicalmente
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diferente daquilo que existia até 2004 em Portugal, que correspondia ao recurso de
anulação. E o legislador de alguma maneira, ao analisar com muito detalhe essa
realidade, quis dizer que o recurso de anulação tinha morrido e que agora havia um
novo Rei (o Rei morreu, viva o Rei!). No fundo foi essa a lógica: o legislador quis dizer
“há aqui uma realidade que desapareceu e agora temos uma realidade radicalmente
diferente que corresponde a esta nova ação de impugnação”.

Reparem que o legislador fala em ação e em impugnação. Não fala nem em recurso
nem em anulação. Aquilo que mudou foi que, agora, temos uma verdadeira e uma
própria ação, com tudo o que isso significa em termos de poderes do juiz, em termos de
possibilidades processuais e em termos até de produção de prova, porque agora passa a
haver prova produzida diretamente, designadamente decorrente da análise de
testemunhal (que antes não existia no âmbito do Contencioso Administrativo). E, por
outro lado, tudo muda porque a maior parte dos processos daqui para diante não são
apenas de impugnação.

Qual era a questão, e voltando àquilo que existia nos termos do chamado “recurso direto
de anulação”? Vasco Pereira da Silva escreveu um trabalho, no final dos anos
80/princípio dos anos 90, dizendo que havia, naquela lógica alemã de fazer teses, duas
teses, que correspondiam aos dois aspetos que estavam errados no recurso de anulação e
que correspondiam à tal realidade psicanalítica, de aquilo que existia não corresponder
ao nome. A primeira tese era a de que o recurso direto de anulação não é um recurso –
isso é fácil de perceber e resulta de tudo o que já foi dito: não é um recurso porque é a
primeira apreciação jurisdicional de um litígio entre o particular e a Administração.

E, portanto, havendo separação entre Administração e Justiça, o que se passou no


quadro da Administração é Procedimento (tem a ver com a forma da Administração
atuar), e tudo o que se passa agora é Processo – não há continuidade entre uma coisa e
outra; são funções administrativas diferentes, são poderes estaduais diferentes, com
regras diferentes e estamos perante uma verdadeira ação em sentido rigoroso e próprio.

E já era assim antes. Chamava-se recurso por razões históricas e este nome tinha
correspondido a uma realidade passada em que havia promiscuidade entre
Administração e Justiça: a Administração e o Tribunal integravam-se no mesmo poder
do Estado – havia aquilo a que em Portugal se chamava (designação do Professor
Marcello Caetano) monismo entre procedimento e processo (ou, como ele dizia,
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monismo entre processo administrativo gracioso e processo administrativo


contencioso). Eram duas faces da mesma moeda. Vasco Pereira da Silva não concorda:
tudo o que corresponde ao Procedimento tem a ver com a Administração; tudo o que
corresponde ao Processo judicial tem a ver com o Tribunal. Não há continuidade: há
uma rutura. E independentemente de haver ou não recurso hierárquico, só com a
interposição da ação em Justiça é que começa a haver processo.

E, portanto, isto é uma realidade diferente. E isto tem consequências também no modo
de organizar este meio processual, porque isto permite que o juiz do Contencioso
Administrativo possa conhecer integralmente da totalidade dos factos. Não está
limitado, como nos recursos, a uma apreciação de 2.ª instância, de apenas de Direito –
que era o que acontecia antes. O juiz não podia conhecer dos factos, e agora já pode e
analisa integralmente aquilo que o particular levou a juízo através da realidade
processual.

E, por causa disso, as novas regras de que nos falou o Dr. José Coimbra acerca da
marcha do processo permitem integrar estas novas realidades, porque agora o Processo
já não é concebido à margem do recurso de uma entidade jurisdicional para outra
entidade jurisdicional. Agora é uma ação – é a primeira vez que o juiz está a analisar os
factos e o Direito.

E é por isso que eu já dizia antes, que o recurso de anulação não era um recurso. Era a
minha primeira tese. Mas a minha segunda tese era a de que o recurso de anulação não é
de anulação, ou não é apenas de anulação. Isto porquê? Porque na maior parte dos
casos, aquilo que o particular obtém através da anulação não satisfaz as suas pretensões.
Porquê? Porque no Direito Administrativo, diferentemente do Direito Civil, a
Administração produz actuações unilaterais, actos e regulamentos, que produzem
imediatamente efeitos na esfera do particular. E esses efeitos também podem implicar
poderes de execução, a auto-tutela executiva, como já estudamos, que a lei estabelece. E
portanto há unilateralidade, ou seja, produção imediata de efeitos e há susceptibilidade
de imposição coactiva quando estamos perante actuações que correspondem ao direito
policial e ao direito de intervir no quadro das relações jurídicas substantivas.

Ora, se isso é assim e se o ato foi executado, não basta ao particular que a sentença
apague o acto. Porque apagar o acto significa que a situação não foi reconstituída. O
professor Freitas do Amaral explicou isso logo na tese de doutoramento, dizia que a
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sentença dita de anulação deveria reconstituir a situação actual e hipotética, em que o


particular se encontraria, senão tivesse havido a prática do ato ilegal. Não bastava
anular. A sentença não era meramente constitutiva ou de anulação. Era preciso
reconstituir a situação do particular.

Caso mais imediato de escola: a ordem de demolição de uma construção ilegal sobre a
barragem. Se a administração tomou a decisão e executou, quando o tribunal decidir já
não há casa. E portanto não serve de nada anular a decisão, se não se fizer mais nada
isso não serve de nada. E portanto não basta anular, é preciso reconstituir a situações
dos particulares que ilegalmente viram a sua casa demolida. E portanto eles têm de ser
compensados de qualquer forma. Nos casos mais extremos, senão se tratasse de uma
legalidade de natureza formal ou procedimental têm o direito de eventualmente a que a
casa seja reconstruída, se houve um engano completo, aquela casa está num sítio que
não tem nenhum perigo, apesar de a Administração ter alegado esse perigo ou se não
está numa zona de dunas, ou qualquer coisa do género.

Em última análise, o particular tem direito a que a administração reconstrua a casa.


Senão tem pelo menos o direito a que, e é isso que normalmente acontece, a uma
compensação monetária que corresponde ao facto de aquele acto que era ilegal ter sido
executado. E portanto como explicava Mario Nigro já nos anos 70, no contencioso
administrativo havia um problema que era dizer-se que o efeito da sentença era uma
coisa, o efeito da sentença é só anulação, mas como a anulação não chegava para
satisfazer aquilo que o particular efectivamente queria, ao lado dessa anulação criavam-
se efeitos das sentenças, efeitos que não estavam no conteúdo, efeitos que iam além da
anulação e correspondiam à reconstituição da situação actual e hipotética.

Como dizia a doutrina francesa, e ainda diz em parte, alguns autores ainda dizem, dizia-
se, que a anulação era uma coisa essencial, era um pouco como a gema no ovo, uma das
expressões que ele utiliza, mas a gema também se parte, vamos pensar no ovo estrelado
e apanha o prato todo, a gema vai alargar-se, vai extravasar, vai sair do ovo e naquilo
que na altura enfim, vão dizer, é que aquilo que está fora do ovo pode ser mais
importante do que aquilo que fica dentro, os tais efeitos. E aquilo que a doutrina
francesa identificava no quadro desses efeitos era, em primeiro lugar, a proibição da
Administração refazer o próprio acto, se o juiz anulava um ato, a Administração não
podia refazer. Não podia praticar um ato igual, estava proibida de o refazer.
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Mas implicava sobretudo o dever de reconstituir a situação actual e hipotética em que o


particular se encontraria. Implicava sobretudo que a Administração devia utilizar
também poderes condenatórios e poderes declarativos para reconstituir a situação do
particular. Para reconstituir a situação do particular ilegalmente expulso, para
reconstituir a situação do particular cuja casa foi destruída sem razão para isso e
ilegalmente, para refazer aquilo que correspondeu à realidade da ilegalidade cometida
pela actuação administrativa. E portanto, na maior parte dos casos, os efeitos das
sentenças eram colocados fora do conteúdo da sentença, dizia-se “ o conteúdo da
sentença é apenas de anulação”, mas os efeitos eram mais amplos. Como é que isto se
resolvia em Portugal?

E como é que se resolvia de acordo com a lógica francesa clássica, que hoje já não é
assim? A maneira de resolver isso era dizer: há um processo declarativo no qual a
sentença é de mera anulação, mas depois há o processo executivo em que o particular
vai obter do Tribunal a reconstituição da situação actual e hipotética, e aí no processo
executivo já pode haver ordem, já pode haver condenação.

Isso significa que o particular levava 5, 10 anos a discutir em processo declarativo se


tinha ou não razão, a anulação do ato, e depois de ganhar ao fim desta guerra de 5 ou 10
anos, tinha que começar uma nova guerra de iniciar o processo de execução das
sentenças dos actos administrativos para que a Administração efectivamente fosse
condenada a reintegrá-lo na função pública, a compensá-lo pelas ilegalidades e portanto
isso significava substituir um único processo por dois, pelo menos, e o da acção de
indemnização até podia ser autónomo, porque podia haver não apenas a indemnização
por danos mas uma indemnização pela lesão dos direitos, portanto isto obrigava o
particular a utilizar o contencioso administrativo durante 20 anos para conseguir o
cumprimento da sentença.

Uma das coisas que mais me impressionou, foi um velhote, senhor muito simpático, que
não sei se é vivo ou morto, espero bem que seja vivo, muito idoso, que uma vez me
apareceu numa das minhas aulas a dizer “Senhor Professor eu estou farto, eu ganhei já
todos os processo contra a administração fiscal, eu estou reformado” - tinha oitenta e tal
anos quando veio ter comigo - “aquilo que Senhor Professor acabou de dizer é
realmente aquilo que me aconteceu, eu estou farto de usar o processo administrativo e
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ainda hoje não consegui receber aquilo a que tenho direito, porque eu fui ilegalmente
demitido da função pública e retiraram-me todos os benefícios que devia ter”.

E aquele simpático Senhor que dizia “eu sou seu fã”, achei muito engraçado, vinha ter
comigo com um ar muito prognóstico, sempre vestido de preto, gravata preta, fato preto,
com um ar sofrido, ele dizia “eu já ganhei, mas o que é que me serve ter ganho? Que
satisfação é que eu tenho? Eu continuo na mesma, anularam a minha decisão que me
retirou todos os benefícios, mas eu não tenho benefícios nenhuns, continuo na mesma
situação”.

E portanto ele estava numa batalha em que tinha que usar os diferentes meios, e que
tinha que os utilizar de forma sucessiva: primeiro anulava, depois de anular ia discutir a
execução, depois da discussão da execução ia discutir a compensação através da via da
acção. Isto eram processos indetermináveis e que não correspondiam à satisfação dos
direitos dos particulares. Isto era inadmissível, isto agora desapareceu. Porque todos
esses poderes condenatórios, todos esses poderes de reconstituição da situação do
particular, agora são obtidos no momento da sentença de impugnação. E portanto a
sentença de impugnação não é apenas de anulação, é anulação mais condenação a isto,
mais condenação àquilo - é a lógica da cumulação.

Aqui o professor Teixeira de Sousa, muito bem, chamou à atenção, logo quando foi a
reforma, num artigo que esta publicado, nos Cadernos Justiça Administrativa, dizendo
que estas hipóteses de Cumulação que veem aqui no artigo 4º, e que depois são
repetidas no artigo 37º são “Acumulações Aparentes”, não são verdadeiras
Acumulações, quando se diz “acumular a decisão de anular, com a decisão de condenar
para a reconstituição da situação do particular, é a mesma realidade jurídica que está em
causa, e portanto é a mesma, é o mesmo Pedido, ou devia ser, o mesmo Pedido e a
mesma Causa de Pedir, e portanto é uma Cumulação Aparente, não há uma Cumulação
Real”, e ele perguntava-se porque é que isso teria acontecido assim, e se no Contencioso
Administrativo não haveria também Cumulações Reais, e a resposta é fácil de dar para
um Admistrativista... Eu percebo que para um Civilista seja mais difícil porque a
realidade é diferente num lado e noutro...

A razão pela qual o Legislador, no artigo 4º e no artigo 37º chamou a estas


possibilidades de “Cumulação de Pedido”, verdadeiras cumulações, é porque o que o
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Legislador estava preocupado era em transformar o que era a realidade do Contencioso


Administrativo, e no Contencioso Administrativo o efeito da sentença era apenas a
Anulação, tudo o que fosse a mais era Cumulação de Pedido, e portanto faz sentido que
as Cumulações Aparentes tenham tido este tratamento e esta posição aqui no artigo 4º,
no artigo 5º e no artigo 37º, porque para o Contencioso Administrativo elas eram
verdadeiras cumulações, porque o Contencioso Administrativo só se ocupava em
relação a Atos Administrativos, em relação a Regulamentos, com a Anulação, tudo o
mais era Processo de Execução das Sentenças, tudo o mais não tinha a ver com a Ação
Declarativa.

E portanto há aqui uma verdadeira cumulação, uma cumulação em relação aquilo que
era a realidade do Contencioso Administrativo, e porque é que o Legislador não tratou
das chamadas “Cumulações Reais”, aquelas que correspondem, também para usar o
exemplo/o critério, do Professor Teixeira de Sousa, correspondem a novos Pedidos e
Causas de Pedir, de uma verdadeira/de uma nova relação jurídica, ou correspondem, ao
critério que utiliza a um Valor Monetário Autónomo? Porque essas não têm
especificidades em relação ao Processo Civil e por isso aplicam-se subsidiariamente as
regras do Processo Civil, as que precisavam de ser tratadas eram as outras, eram as
Aparentes, porque essas é que eram o problema que existia no Contencioso
Administrativo.

É muito curioso, enfim e devo dizer que até agora, ainda não tinha reparado, porque
ainda não tinha o cotejo, é uma coisa que me deixa muito satisfeito, com esta reforma
de 2015, já não apenas com a 2004, mas com a de 2015 também, porque o Legislador
quando em 2004 tinha estabelecido esta realidade nova, tinha uma Cláusula de
Salvaguarda, que estava numa norma, que hoje se encontra revogada do artigo 47, que
desapareceu do Código, pois foi revogada, e esta Cláusula de Salvaguarda tinha a ver
com isto, o Legislador como estava a mudar, e a introduzir no Processo Declarativo a
discussão da integralidade do Processo, o Legislador dizia que “se o particular se tivesse
esquecido (coisa que... como é que o particular se iria esquecer?

O particular só ia anular, e esquecia-se de pedir a reconstituição da situação, isto não


acontecia nunca, mas o Legislador naquela lógica de prever todas as coisas...) caso isso
acontecesse, poderia o particular, usar na mesma a Execução da Sentença para depois
ter obtido a vitória no Processo Declarativo, procurar os outros efeitos compensatórios”,
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isso desapareceu e bem, numa altura em que criticava, e dizia isso não faz sentido, isto
perante o novo regime, é uma realidade que mudou, e confesso que ainda não tinha
visto, vi ontem à noite, na preparação da vossa aula, porque vi “o que é que aconteceu
aqui ao artigo 47/3º”, desapareceu, e fico muito satisfeito, desapareceu agora em 2015,
porque isso já não faz sentido, o Processo Executivo, o Processo de Execução das
Sentenças, é um processo de execução daquela sentença em concreto, e portanto a
sentença já definiu, qual é o comportamento da administração, o que é que a
administração tem de fazer, qual é a condenação que é feita relativamente à
administração, quais são os efeitos que são declarados, porque isso corresponde aquilo
que o particular efetivamente pretende obter.

Ora se isso é assim, esta expressão “Impugnação”, não está aqui por acaso, porque
“Impugnação”, é mais que “Anulação” e, apesar do Legislador ter tido aquele ato
falhado que já criticámos noutra altura, mas é o facto de estas coisas estarem sempre
submetidas à Psicanálise, que é do artigo 50/1º, que diz que “o objecto do processo é a
anulação, a declaração de nulidade”, isso não é o objecto do processo, isso é apenas o
Pedido, e ainda por cima limitado ao Pedido Imediato, porque para além desse Pedido
Imediato há o Pedido Mediato, que corresponde ao Direito e a toda a causa de Pedir,
portanto o Legislador aqui repetiu o que estava para trás, mas depois e bem transformou
isto tudo, a lógica agora do contencioso é a de que todos os pedidos podem ser feitos,
veja-se o artigo 2º, o artigo 3º, o artigo 5º, o artigo 37º, e todos os pedidos podem ser
cumulados e portanto, aquilo que agora se chama acção de impugnação não é apenas
uma acção constitutiva ou de anulação nos termos do processo civil.

Pode ser nalguns casos e na maior parte dos casos não é.

Pode ser quando o acto administrativo tenha sido suspenso, não tenha sido executado e
a Administração tenha suspendido a produção de efeitos no âmbito da relação jurídica
estabelecida com o particular. Isso pode resultar de um acto voluntário da
Administração, que diz “suspendo até ver o que é que dá”, ou pode resultar de uma
providência cautelar que introduz essa suspensão.

E agora, como vimos, uma das inovações deste Código, as providências cautelares estão
estabelecidas em termos inominados e tem uma grande amplitude, passou a haver um
contencioso cautelar no contencioso administrativo; é aquela realidade que vem do
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Direito Europeu, depois das condenações do Tribunal de Justiça da União Europeia a


condenarem os diferentes Estados por não terem um processo cautelar adequado no
contencioso administrativo. Sempre que isso acontecer, sempre que houver suspensão e
na medida em que isso corresponda apenas ao conteúdo da anulação, haverá, como no
processo civil, sentenças de natureza constitutiva de anulação.

Em todos os casos em que o acto tenha produzido directamente efeitos nas relações com
os particulares, que não foram suspensos, e todas as situações em que houve execução, a
sentença não é meramente constitutiva ou de anulação; ao lado da sentença de anulação
há pedidos que correspondem a sentenças de natureza condenatória e a sentença de
simples apreciação. E, portanto, quando falamos nestes pedidos de impugnação,
estamos a falar de pedidos de natureza mista, que integram os pedidos de anulação, os
pedidos de condenação e os pedidos de simples apreciação. E, portanto, estamos perante
uma transformação radical do contencioso administrativo. E foi porque o legislador teve
consciência disso, e como teve consciência de que o meio processual que existia
anteriormente que era o único, era o recurso de anulação, e esse era entendido de forma
diferente, o legislador teve tanto cuidado ao tratar da impugnação.

Há aqui uma explicação que tem alguma razoabilidade e que corresponde a esta análise
psicanalítica daquilo que passou pela cabeça do legislador porque, na maior parte dos
casos, as sentenças do contencioso administrativo não são meramente constitutivas
como são no processo civil; só são meramente constitutivas quando houve suspensão
dos efeitos do acto administrativo. E em relação aquilo que foi suspenso, também
depende do momento da suspensão: se o acto tiver produzido efeitos e se, para além da
produção de efeitos, ainda tiver sido executado por vontade da Administração, no
âmbito da auto-tutela que exerce e tem no nosso sistema de contencioso administrativo,
então aí a simples anulação não basta, é preciso à anulação juntar a condenação e pedir
também a simples apreciação.

E é por isso que esta hipótese que estava prevista no 47º/3, de permitir que o particular
se por acaso se tivesse esquecido, não é era essa a expressão utilizada, aliás eu ironizava
com o legislador, “como é que o particular vai-se esquecer, o particular pode resolver
tudo no processo, ou seja, cinco anos, prefere esperar vinte e usar dois processos, não
faz sentido”. Mas isso correspondia ao posicionamento clássico, porque até uma outra
coisa que provavelmente não repararam mas para a qual vos chamo a atenção:
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inicialmente, a doutrina, mesmo a mais progressiva e a mais atenta aos factos e


procurava analisar as realidades do contencioso, quando falava em execução das
sentenças, na verdade nunca falava em processo executivo, e depois falava na execução
das sentenças como uma realidade abstracta, é assim que o professor Freitas do Amaral
trata do problema na sua tese de doutoramento, que foi fantástica, que foi inovadora,
que mudou a realidade do contencioso administrativo.

Mas eu falava em execução das sentenças não em relação às sentenças, porque em


relação à sentença não havia nada que executar, se a sentença é constitutiva ou de
anulação não há nada a executar, é óbvio que se o efeito da sentença satisfaz o pedido
do particular não há execução da sentença. Se eu falava das sentenças no contencioso
administrativo era porque as sentenças não eram de mera anulação, tal segundo a tese de
que o recurso não é de anulação, segundo a tese daquele meu trabalho do passado.

E, portanto, o modo como a doutrina reagia era dizer que a execução das sentenças era
vista como uma realidade abstracta, aliás o professor Freitas do Amaral dizia que
executar a sentença não era executar o que a sentença dizia, porque a sentença não dizia
nada, a sentença só anulava, e portanto era executar a lei, como se o processo executivo
fosse um processo puramente legal de execução da lei e a lei estabelecesse então a tal
reconstituição da situação actual hipotética, como se não tivesse de executar uma
completa execução da sentença.

Não é o que faz o legislador agora; o legislador agora trata a execução como um
processo meramente executivo e regula nesses termos a realidade do contencioso
administrativo. E no meu Divã, depois de ter explicado porque é que o legislador teve
esta preocupação, esta realidade mista que corresponde agora ao objecto do processo,
ele brincava citando um dos autores clássicos do direito administrativo, que num
daqueles textos finais acabou por dizer relativamente ao contencioso francês que, de
uma forma visionária e de uma forma completamente à margem, ainda por cima para
alguém que tinha criado o contencioso de anulação e o recurso de anulação, reconhecia
que um dia o contencioso de anulação iria desaparecer, iria ser substituído por um
contencioso de plena jurisdição. Teve razão antes do tempo, porque esta constatação
que fez no final da vida só veio a acontecer em França em 2000, aconteceu em Portugal
em 2004, mas efectivamente a realidade transformou-se e os pedidos transformaram-se
em realidades mistas e em realidades que têm uma nova dimensão.

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