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eBook

CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM


ELIZA BACHEGA CASADEI

CONSUMO,
JORNALISMO E
IMAGEM
Uma história do consumo nas revistas
brasileiras no século XX

EDITORA CASA FLUTUANTE


LIVRO-REPORTAGEM & ACADÊMICOS

SÃO PAULO, 2017


© 2017 by Eliza Bachega Casadei

Conselho Editorial

Marcia Furtado Avanza, doutora em Ciências da Comunicação / USP


Márcia Neme Buzalaf, doutora em História / UNESP
Maurício Pedro da Silva, pós-doutorado em Literatura Brasileira / USP
Vinicius Guedes Pereira de Souza, doutor em Comunicação / UNIP

Projeto editorial
Israel Dias de Oliveira
Imagem da capa
CC0 Creative Commons

CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO: EDITORA CASA FLUTUANTE

C334e CASADEI, Eliza Bachega.


Consumo, jornalismo e imagem: Uma história do consumo nas revistas
brasileiras no século XX / Eliza Bachega Casadei. — São Paulo: Editora Casa
Flutuante, 2017.

ISBN 978-85-5869-035-5

1. Jornalismo em revista 2. Periódicos 4. Consumo I. Título

CDU 070.051
CDD 741.65

[2017]
Todos os direitos desta edição reservado à Eliza Bachega Casadei

EDITORA CASA FLUTUANTE


Rua Manuel Ramos Paiva, 429 - Belenzinho
São Paulo - SP
Fone: (11) 2936-1706
www.editoraflutuante.com.br
O livro “Consumo, Jornalismo e Imagem” faz parte da pesquisa “Uma história dos
imaginários do consumo a partir do fotografável de cada época”, financiada pelo
Edital CNPq/ MCTI No 25/2015 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas
(nº do processo 444821/2015-5)”.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

Uma história das visualidades do consumo?...........................................................................9

CAPÍTULO 1

O pathos do consumo como distinção (de 1900 a meados de


1930): O masculino, o feminino e o político em uma correlação de
aconselhamentos e de convocações afetivas

O fotografável da revista da semana de 1900 a 1910. .......................................................16


A virilidade como produto................................................................................................21
Consumos ativados pelo complexo afetivo-editorial.......................................................33
A sátira pictórica política e a escala dos valores morais..................................................37
A tranformação em uma revista feminina........................................................................47
Relações de consumo e imagens da distinção...................................................................57

CAPÍTULO 2

O consumo das vanguardas artísticas para a massa (de 1920 a meados


da década de 1940): Trangressões estéticas esvaziadas de senso
político e lastros de real baseados em acordos formais em O Cruzeiro
e Revista da Semana

A convocação do consumidor pela imagem a partir das vanguardas artísticas. . ............70


O star system.......................................................................................................................84
As vanguardas no consumo do princípio de testemunhas como elemento estético. . .....86
CAPÍTULO 3

O consumo do princípio de testemunha a partir de diferentes narrativos


pela imagem: Mudanças formais entre as décadas de 1920 e 1950

Diferentes articulações do consumo do princípio de testemunhas no plano narrativo....... 99


Enquanto isso, nas capa.....................................................................................................116

CAPÍTULO 4

A convocação pela justaposição de imagens na revista Realidade:


Ênfase no processo e um novo lugar de autoridade para o jornalismo

O projeto afetivo-editorial da revista Realidade. ..............................................................122

A justaposição como técnica de composição: A ênfase no processo


como mecanismo convocacional

A justaposição como mecanismo de produção de sentido:.............................................127


A justaposição do ponto de vista do conteúdo:................................................................130
A justaposição do ponto de vista da construção de um lugar de consumidor:.. .............132

A convocação como remontagem de mundo. ...................................................................134

CAPÍTULO 5

As imagens sem conflito de Manchete e Fatos e Fotos: O culto à vida


privada a ao Brasil desenvolvimentista

O projeto afetivo-editorial de Manchete e Fatos e Fotos:. . ................................................140


Estratégias convocacionais jornalísticas em consonância
com a publicidade: Ausência de conflitos e personalização de valores universais.........145

CAPÍTULO 6

A afirmação de um espaço de autoridade de um saber sobre o mundo:


As imagens-síntese da revista Veja

A construção performativa de um saber sobre. ................................................................155


O interpretativo como eixo de um projeto afetivo-editorial.. ..........................................160
Convocaçãoes de autoridades na composição imagéticas...............................................163

Últimas considerações.............................................................................................................171
Referências bibliográficas.......................................................................................................175
INTRODUÇÃO

Uma história das visualidades do consumo?

É possível pensar em uma história do consumo a partir do jornalismo?


Essa é uma pergunta que comporta muitos sims como resposta, a
depender de certas escolhas de pesquisa. Em um primeiro sim, é possível
pensar em uma história que conte os diferentes modos a partir dos quais
pessoas consumiram as notícias ao longo do tempo, em uma arqueolo-
gia da recepção que comportasse desde os diferentes hábitos culturais até
os diversos dispositivos tecnológicos implicados no ato da leitura. Um
segundo sim poderia se referir aos modos como o jornalismo se susten-
tou ao longo do tempo, a partir de seus diferentes modelos de negócio e
de financiamento. Há, ainda, um terceiro sim, que comporta os modos
de atuação da publicidade no jornalismo, em uma história das simbioses
possíveis entre a informação de caráter propagandístico e as de teor refe-
rencial, tanto do ponto de vista estilístico quanto de conteúdo. Podería-
mos, ainda, em um quarto caminho possível de pesquisa, adotar a pers-
pectiva de estudos que mapeiam os modos como o jornalismo retratou
o mundo do consumo e as diferenças semânticas comportadas por esse
termo ao longo do tempo, em um campo comum à história das menta-
lidades. E, assim, inúmeras outras possibilidades de pesquisa se abrem a

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CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

partir de uma pergunta que é, ao mesmo tempo, tão simples e tão cheia
de ambiguidades.
Nesse livro, uma escolha de pesquisa foi feita para responder essa
questão. Aqui, não se trata de mapear os diferentes modos de ler a notícia
ou de financiá-la, nem ao menos os diferentes campos semânticos aludi-
dos ou a forma como os dois tipos de discurso se misturam. Aqui, se trata
de tentar entender como a imagem de caráter jornalístico mediou certos
projetos de bem estar e bem viver ligadas a universos de consumo, bem
como as formas a partir das quais tais conteúdos se materializaram em
visualidades específicas a partir do estudo do fotografável de cada época
histórica.
Em termos mais sintéticos, tentaremos contar uma história dos mo-
dos e estratégias de convocação para o consumo mediados pela imagem no
jornalismo em revista ao longo do século XX.
Para que possamos empreender uma pesquisa desse tipo, é necessá-
rio considerar, em primeiro lugar, que há uma simbiose bastante espe-
cífica entre comunicação e consumo, que nem sempre é óbvia. Douglas
e Isherwood (2004) chamam a atenção para o fato de que o consumo,
muitas vezes, é pensado a partir de um ponto de vista utilitarista, como
um ato que visaria à satisfação de certas necessidades, sejam essas físicas,
emocionais, espirituais ou, ainda, ligadas à manutenção de um sistema
econômico maior. Tais abordagens ignoram um fato importante sobre a
vida econômica que diz respeito à questão de que os comportamentos dos
indivíduos estão diretamente relacionados aos valores que a comunida-
de mais ampla confere a certos atos. Dessa forma, o ato de poupar, por
exemplo, pode ser considerado como uma virtude em certas sociedades
(como uma marca de austeridade e autocontrole) ou como um problema
em outras (em contextos em que uma boa exibição de si seria importante
para o estabelecimento de laços sociais fortes). “Gastar moderadamen-
te não é sempre nem em qualquer lugar considerado melhor do que ser
mão-aberta. Cada cultura corta suas fatias de realidade moral de manei-
ras diferentes e distribui aprovação ou desaprovação a virtudes e vícios de
acordo com as visões locais” (DOUGLAS e ISHERWOOD, 2004, p. 64),
de forma que certos ambientes sociais afetam as percepções morais sobre
as proporções desejáveis do consumo em relação à renda.

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ELIZA BACHEGA CASADEI

É nesse sentido que “o consumo é a única atividade essencial pela


qual nos envolvemos, diariamente, com a cultura de nossos tempos” (SIL-
VERSTONE, 2014, p. 150) e os objetos, para Douglas e Isherwood (2004,
p. 105) são elementos necessários “para dar visibilidade e estabilidade às
categorias da cultura”. Desloca-se, dessa forma, o entendimento de que de
que o consumo seja um ato “necessário à subsistência e à exibição compe-
titiva” e supõe-se que ele é um dos marcadores importantes das relações
sociais estabelecidas em seus posicionamentos hierárquicos e no estabe-
lecimento de laços. E, assim, “os bens, nessa perspectiva, são acessórios
rituais; o consumo é um processo ritual cuja função primária é dar senti-
do ao fluxo incompleto dos acontecimentos”. Mais do que isso, os objetos
“são, portanto, a parte visível da cultura” (DOUGLAS e ISHERWOOD,
2004, p. 112). Em outros termos:

O homem precisa de bens para comunicar-se com os outros e


para entender o que se passa à sua volta. As duas necessidades são
uma só, pois a comunicação só pode ser construída em um sis-
tema estruturado de significados. Seu objetivo dominante como
consumidor, colocado nos termos mais gerais, é a busca de infor-
mação sobre a cena cultural em constante mudança (DOUGLAS e
ISHERWOOD, 2004, p. 149).

É sob esse ponto de vista que Silverstone (2002) irá afirmar que con-
sumo e mediação são atividades interdependentes, não apenas do ponto
de vista de que todo ato de consumir sempre media significados e valores,
como também a partir do pressuposto de que as indústrias midiáticas
são em grande parte responsáveis pela publicização e circulação desses
valores compartilhados pelos objetos. Mais do que isso, o próprio ato de
consumir (e o que pode ser definido como consumismo ou excessos de
consumo) depende desse acordo social estabelecido – acordo esse que é
sempre mutante e sujeito a renegociações de sentido.
A imprensa é um fórum privilegiado para a observação da luta simbó-
lica acerca do que é considerado um consumo legítimo e validado social-
mente, na medida em que é possível perceber embates públicos acerca do
que significa consumir muito ou pouco, bem ou mal, certo ou errado. A
imprensa, nesse sentido, é um dos instrumentos importantes da mediação

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CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

simbólica sobre as decisões de aumentar o nível e a intensidade de nossas


atividades de consumo ou não (SILVERSTONE, 2002, p. 156).
É nesse sentido que a presente pesquisa visa fazer um mapeamento
histórico dos modos a partir dos quais a imprensa convoca ao consumo.
Isso será feito não a partir do material publicitário, onde tal convocação
se mostra de maneira mais óbvia, mas sim, no próprio conteúdo jorna-
lístico, onde tais questões estão mais camufladas por uma deontologia
profissional.
Mais ainda é necessário dizer algo mais sobre isso. Especificando um
pouco mais do que se trata esse livro, é necessário especificar que tais
convocações para o consumo serão procuradas em um tipo de material
específico: no fotografável de cada tempo histórico estudado, de forma
que o consumo será buscado em suas visualidades.
Muito embora todo e qualquer objeto ou evento possa ser fotografa-
do do ponto de vista técnico, Bourdieu (1998, p. 6) nos lembra que “ainda
assim, é verdade que, entre o número teoricamente infinito de fotografias
que são tecnicamente possíveis, cada grupo escolhe uma quantidade fi-
nita e bem delimitada de assuntos, gêneros e composições” a serem foto-
grafadas. As fotografias que são efetivamente tiradas, portanto, carregam
consigo os valores, os preconceitos e os interesses de determinados gru-
pos sociais detentores de um poder de produção de imagens e, portanto,
de visibilidade e articulação de visualidades.
Esse fato fica evidente ao se pensar em quais são os temas mais comu-
mente fotografados e mediados pela instância midiática em cada tempo
histórico. Normalmente, as câmeras fotográficas são utilizadas em mo-
mentos em que se busca solenizar e imortalizar os principais momentos
da vida social: não seria por acaso, portanto, que as fotografias se tornam
especialmente importantes em rituais que reafirmam justamente esses
valores de comunhão, tais como casamentos, aniversários, funerais, entre
outros. A imagem, nesse sentido, funciona como uma espécie de atadura
para as comunidades porque reforça valores que esse grupo atribui a si
próprio em uma representação imagética.
Além disso, a fotografia não apenas reforça o laço social, mas, princi-
palmente, mostra quais são os atores mais importantes nessa constituição
relacional interna ao grupo retratado. Nesse sentido, Bourdieu (1998) co-

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ELIZA BACHEGA CASADEI

menta que as fotografias de crianças não eram importantes ou numerosas


até, pelo menos, a primeira metade do século XX; é apenas quando os
filhos são considerados atores mais relevantes para o laço social que a
quantidade de fotografias infantis aumenta e ganha relevância.
Nesse jogo, o indivíduo retratado é menos importante que o papel so-
cial que ele assume na imagem. Em uma fotografia de um casamento, por
exemplo, as pessoas não são retratadas como sujeitos autônomos dotados
de uma subjetividade própria, mas sim, a partir dos papéis sociais que
elas ocupam na imagem: o pai da noiva, o marido, os tios etc. E é por isso
que, para Bourdieu (1998, p. 24), “o real objeto da fotografia não são os
indivíduos, mas as relações entre os indivíduos” materializadas em uma
imagem forte (quem está ao lado de quem, quais as alianças feitas e quais
laços são estabelecidos a partir desses arranjos).
A fotografia é, assim, uma oportunidade privilegiada de observar
como os valores do grupo podem ser comunicados – e, inclusive, seus va-
lores de consumo. A fotografia é uma forma de fortalecer os laços sociais
e de demarcar o outro como o diferente. A fotografia materializa valores,
relações hierárquicas, costumes, imaginários sobre o eu e o outro, hábi-
tos, comportamentos, rotinas e práticas, mediando partilhas sobre os mo-
dos de vida que são validados e os que não são legitimados em cada grupo
social. Observar fotografias, nesse sentido, significa olhar de perto cer-
tos valores de grupo e hierarquias sociais auto-atribuídas em cada tempo
histórico. O mapeamento do campo daquilo que é fotografável em cada
época, sob essa perspectiva, se torna um instrumento de análise poderoso
para o entendimento acerca do modo como a vida cotidiana é entendida
e estetizada em cada época histórica, bem como a partir de quais termos
tais valores mudam ao longo do tempo.
Isso posto, podemos especificar do que se trata a nossa história dos
imaginários de consumo nas revistas: o objetivo desse livro é realizar um
mapeamento do que foi fotografável nas revistas brasileiras ao longo do
século XX, com o objetivo de entender as interrelações entre comunica-
ção e consumo. Iremos estudar as relações de consumo materializadas
nessas imagens, bem como as mudanças que tais visualidades sofreram
ao longo do tempo. Ao mediarem certos discursos acerca dos modos va-
lidados de vida e de construção do eu, as fotografias mostram de maneira

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CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

privilegiada as relações entre comunicação e consumo, uma vez que tais


discursos mediam imaginários constituídos que repetem lugares comuns
relacionados a um projeto de felicidade, de bem viver e de futuro, articu-
lados a partir de narrativas que modalizam formas validadas de consumo.
Trata-se de um material de estudo privilegiado para entendermos que
as diferentes formas de convocação para o consumo são historicamente
marcadas e possuem visualidades que mudam ao longo do tempo.
Como material de trabalho para a análise foram escolhidas seis revis-
tas brasileiras importantes de cada período do século XX, a partir dos cri-
térios de tiragem, circulação e relevância historiográfica. São elas: Revista
da Semana (1900-1958), O Cruzeiro (1928-1975), Fatos e Fotos (1961-
1985), Realidade (1966-1976), Manchete (1952-2000) e Veja (1968-1999).
Tal mapeamento será feito a partir do desvelamento dos processos
de composição utilizados nas imagens publicadas, com ênfase nas capas:
nós iremos mapear as técnicas de composição mais comumente utilizadas
em cada período histórico para que, a partir delas, possamos entender os
efeitos de sentido que elas engendram em relação aos valores de consumo
de cada época, bem como a forma como eles mudaram.
Como toda história, esse livro não conta toda a estória, de forma que
as escolhas teórico-metodológicas foram enumeradas ao longo dos ca-
pítulos. Não obstante isso, a ideia estruturante da pesquisa visa elucidar
certos processos discursivos a partir dos quais a imprensa materializou
em imagens questões relativas ao consumo ao longo do tempo, efetuando
a partilha entre modos legitimados de vida e convocando para formas
específicas de consumir e de estar no mundo.

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CAPÍTULO 1

O pathos do consumo como distinção (de 1900


a meados de 1930): O masculino, o feminino e o
político em uma correlação de aconselhamentos e
de convocações afetivas

Os estudos sobre as interrelações entre comunicação e consumo, mui-


tas vezes, pautaram-se por um entendimento a partir do qual os valores de
consumo são comunicados com base em “um sistema de normas, valores e
regras que estruturam formas de comportamento e interação em múltiplas
esferas da vida” (SAFATLE, 2016, p. 15). E isso no sentido de que o valor
simbólico dado ao consumo e seus objetos (materiais ou não) nunca são
medidos por uma régua meramente individual, mas sim, são avaliados em
referência a certas normatividades que são socialmente compartilhadas.
São sintomáticos desse entendimento estudos clássicos como os de
Bourdieu (2007) – para quem o gosto é um processo indissociável das
práticas e competências que fundamentam um habitus, de forma que os
objetos funcionam como marcadores que expressam os desvios diferen-
ciais a partir de retraduções simbólicas inscritas nas culturas dos dife-
rentes grupos sociais e seus processos de distinção. É possível encontrar
posições similares em Douglas e Isherwood (2004, p.28), que irão afirmar
que “dizer de um objeto que ele está apto para o consumo é o mesmo
que dizer que o objeto está apto a circular como marcador de conjun-
tos particulares de papéis sociais”, de forma que “os bens em sua reunião

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CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

apresentam um conjunto de significados mais ou menos coerentes, mais


ou menos intencionais”.
Safatle (2016, p. 15), contudo, problematiza uma questão importante
acerca de tais abordagens: para além da inscrição em um sistema de normas
compartilhadas, compreender o campo social implica em abordar também o
conjunto de emoções que são mobilizadas nesse mesmo campo, explicitando
“seus modos de construção, seus circuitos de afetos com regimes extensivos
de implicação, assim como compreender o modelo de individualização que”
tais afetos produzem, “a forma como ele nos implica”. Assim, “talvez pre-
cisemos partir da constatação de que sociedades” e, consequentemente, as
lógicas sociais do consumo, “são em seu nível mais fundamental circuitos
de afetos”. A coesão social das normas, nesse sentido, não é garantida pela
adesão tácita a um conjunto de regras, mas sim, por certos circuitos de afeto
bastante demarcados. É o afeto implicado que, em última medida, determi-
na a aquiescência à norma. A adesão a certos valores de consumo, portan-
to, está alicerçada na produção contínua de afetos “que nos fazem assumir
certas possibilidades de vida a despeito de outras”. Tais formas de vida “se
fundamentam em afetos específicos, ou seja, elas precisam de tais afetos para
continuar a se repetir, a impor seus modos de ordenamento, definindo, com
isso, o campo dos possíveis” (SAFATLE, 2016, p. 16).
O jornalismo participa da mediação dessa cadeia de afetos ligados
a formas de consumo de maneira fundamental. Muito embora ele não
esteja necessariamente vendendo um produto específico – como no caso
da publicidade ou dos anúncios comerciais – a gestão dos afetos implica-
da no jornalismo participa da estruturação de uma cultura de consumo,
reatualizada na valorização de certas formas de vida em detrimento de
outras. Nesse capítulo, estudaremos como esse processo foi materializado
na Revista da Semana, a partir da verificação do modo como se estrutu-
ravam imageticamente suas capas. A partir da visibilidade dada a certos
temas e questões pela publicação é possível depreender um jogo de afetos
ligados a valores de consumo historicamente marcados.

O fotografável da revista da semana de 1900 a 1910


A Revista da Semana surgiu com uma tiragem de 50 mil exempla-
res, em 1900, como um encarte do Jornal do Brasil, o que, portanto, lhe

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ELIZA BACHEGA CASADEI

garantia uma ampla difusão e uma tiragem muito expressiva para a sua
época histórica. A tiragem do periódico salta de 50 mil exemplares, em
1900, para 62 mil, em 1902 (CASTRO, 2007, p. 46) com o encarte da re-
vista. Mesmo em 1945, A Revista da Semana ainda era a segunda revista
mais lida do país, perdendo apenas para O Cruzeiro, um outro marco
reconhecido na literatura sobre a história da imprensa nacional. Em 1945,
por exemplo, as revistas mais lidas eram “O Cruzeiro (37,7%); Revista da
Semana (15,5%); Careta (11,3%); Seleções (10,7%) e A Cigarra (9,7%)”
(MIRA, 2001, p. 14).

A Revista da Semana é unanimemente apontada como marco do


surto – que se prolongaria por décadas – das chamadas revistas
ilustradas ou de variedades. Com apresentação cuidadosa, de leitu-
ra fácil e agradável, diagramação que reservava amplo espaço para
as imagens acontecimentos sociais, crônicas, poesias, fatos curio-
sos do país e do mundo, instantâneos da vida urbana, humor, con-
selhos médicos, moda e regras de etiqueta, notas policiais, jogos,
charadas e literatura para crianças, tais publicações forneciam um
lauto cardápio que procurava agradar a diferentes leitores, justifi-
cando o termo variedades. Pode-se supor que tal uso cumpria fun-
ção estratégia: diante do relativamente minguado público dependia
de se conseguir ampliar ao máximo os possíveis interessados, dai
o recurso a uma rubrica ampla, que permitia incluir de tudo um
pouco (LUCA, 2006, p. 121).

Ainda um suplemento do Jornal do Brasil, podia-se ler, em seu ca-


beçalho, os dizeres “Photographias, vistas instantâneas, desenhos e ca-
ricaturas”, enfatizando a intencionalidade de uma vocação visual para o
suplemento – mesmo que a maior parte do conteúdo das páginas internas
fosse composto de texto. Além disso, devido a problemas técnicos rela-
cionados à impressão, nem todas as imagens jornalísticas publicadas nos
primeiros anos da Revista da Semana eram fotografias – muitas vezes,
tratava-se de desenhos feitos com base em fotografias. A liberdade de
criação dessas imagens variava bastante, desde tentativas de mimetizar o
mais fielmente possível o registro fotográfico até extrapolações bastante
fantasiosas, com a dramatização dos fatos retratados. Não obstante isso,
a revista estruturou o seu projeto editorial, desde o início, na valorização

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CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

do registro fotográfico (mesmo que a partir de parâmetros de aceitação


e contratos de leitura do registro referencial diferentes daqueles que irão
vigorar nas décadas seguintes no jornalismo).
Outro dado interessante refere-se ao fato de que, dentre as 33 primei-
ras capas da revista (todas elas publicadas em 1900), apenas nas primeiras
14 delas houve a preocupação de representar acontecimentos factuais ou
coberturas propriamente jornalísticas. As demais eram compostas por
reproduções de quadros ou por gravuras de cunho artístico ou satírico.
Destas primeiras 14 capas, é possível extrair algumas informações
importantes, se observarmos os temas que eram mais comumente retra-
tados por ela e que formavam o fotografável da publicação. No que diz
respeito aos principais assuntos de interesse, há uma predominância do
jornalismo comemorativo e dos assuntos ligados à medicina, ambos com
28,5% das ocorrências (4 capas). No primeiro caso, destacam-se as Co-
memorações do Centenário do Descobrimento (com 2 capas). No que
se refere à medicina, a abordagem da revista pode ser enquadrada no
campo do jornalismo de curiosidades com um cunho sensacionalista,
com capas com imagens da autópsia e do enterro de uma criança e outra
com fotografias de bebês anencefálicos, por exemplo. Os crimes, as artes
teatrais e a política são assuntos também tratados com certa frequência
(com duas capas cada ou 14,5% das ocorrências). No que diz respeito à
política, as duas capas dizem respeito: uma a um retrato da família real
italiana e outra aos ambientes internos do Palácio do Catete, temas usual-
mente enquadrados sob a ótica de um certo colunismo social. Além disso,
destaca-se que todos os temas remetiam a assuntos nacionais: apenas a
capa sobre a família real italiana escapa desse padrão e retrata um assunto
internacional.
Os temas de interesse resvalam também nos principais atores sociais
que foram retratados nesses primeiros da revista. Sobre isso, destaca-se o
fato que, das 14 capas, apenas duas delas não possuíam imagens com pes-
soas. Nesse quesito, os militares (35,7% do total de capas e 41,5% de capas
com pessoas) figuram em cinco capas e as crianças em quatro (28,5% do
total de capas e 33% de capas com pessoas).
As capas também eram normalmente compostas por mais de uma
imagem – das 14, apenas 6 possuíam uma imagem única, de forma que,

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ELIZA BACHEGA CASADEI

no total, foram publicadas 37 fotografias de capa nessas primeiras edi-


ções. Essas imagens possuíam como característica estética particular a
predominância do plano geral na composição (em 78% delas). O uso do
plano médio ocupa 22% das ocorrências e não há nenhuma fotografia que
utilize o close.
Em diversas ocasiões, a revista procurou enfatizar os processos de
produção concernentes à imagem disposta na capa. Era possível ler ins-
truções como “fotografia oferecida pelos Srs. Bastos e Dias” (20/05/1900),
“Fotografias tiradas do alto de uma janela no 1o andar”, “Fotografia tirada
a 2 metros de distância” (10/06/1990), “Fotografia instantânea apanhada
casualmente por um dos nossos fotógrafos” (24/06/1990). Tratava-se de
uma maneira de valorizar a própria fotografia a partir do esmiuçamento,
já na capa, de suas condições de produção, em uma época em que o pú-
blico consumidor ainda estava pouco habituado a ela.
As capas são majoritariamente compostas por homens. Das 23 foto-
grafias com pessoas, 70% delas são compostas exclusivamente por ho-
mens e 17,3% por homens e mulheres. Apenas 12,7% das imagens são
apenas de mulheres. Outro dado interessante refere-se ao fato de que
em apenas 39% das ocorrências as pessoas aparecem sozinhas na foto-
grafia; na maior parte dos retratos, 61%, elas aparecem acompanhadas
por outras pessoas. Além disso, em 65% das ocorrências, as pessoas são
identificadas pelos nomes; nas demais, 35%, elas não são identificadas e
estão retratadas apenas como membro de uma coletividade. Isso mostra
o fato de que a revista possuía um projeto editorial-imagético baseado na
valorização da relação: mais do que os indivíduos em sua singularidade,
importava os vínculos e os relacionamentos estabelecidos por ele – fato
ressaltado pela predominância de imagens coletivas em que os indivíduos
podem ser identificados pelos nomes.
A preocupação com o jornalismo retrocede entre o final de 1900 e o
início de 1901, de forma que as capas passam a retratar quadros e figuras
religiosas, majoritariamente, em uma fase que dura até quase o início de
1902, com poucas capas que retratam assuntos jornalísticos. Em 1902, é
possível notar a retomada dos interesses jornalísticos nas capas da Revista
da Semana e a manutenção de algumas das características anteriores nas
ilustrações publicadas.

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CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

As pautas que compõem os assuntos das capas nessa outra fase se


dividem em alguns temas preferenciais. O tema mais retratado diz respei-
to ao jornalismo de comemoração, com 30,7% das incidências, seguido
pela cobertura política (com 21,5% das ocorrências), dos crimes (com
16,9%) e da religião (com 12,3%). Paisagens naturais compõem 7,7% das
capas, Ciência e Tecnologia 4,6%. O jornalismo social e as celebridades
compõem, cada um, 3% das capas (com predominância das celebridades
ligadas à música e dos esportes, com 1,5% de incidência cada um).
Mesmo depois dessa pausa nos interesses propriamente jornalísticos,
algumas das características anteriormente mencionadas se mantêm na
publicação nos anos seguintes, de forma que, nos primeiros anos da re-
vista, alguns padrões imagéticos podem ser notados. Em primeiro lugar,
destaca-se a maciça presença masculina nas capas da revista. Do total
de imagens de capa com temáticas jornalísticas1, 69,4% eram compostas
apenas por homens e somente 4,7% apenas por mulheres. Homens com
mulheres compunham 15,3% das capas e 10,6% não continham pessoas
na imagem (como paisagens, monumentos etc.).
Outro dado relevante refere-se ao fato de que 75,3% das pessoas re-
tratadas podem ser identificadas pelo nome – ao passo que 24,7% apenas
fazem parte de uma coletividade representativa de um processo.
Tanto no que diz respeito ao grupo de fotografias com homens quan-
to com mulheres, há uma predominância da fotografia de pessoas acom-
panhadas em detrimento de pessoas que aparecem sozinhas: compondo
70% de fotografias em grupo e 30% de fotografias individuais. Há, con-
tudo, um ligeiro desvio em relação aos gêneros. As mulheres aparecem
sozinhas em 18,75% das imagens e, os homens, em 27,7% delas. Ainda,
as mulheres estão acompanhadas somente de outras mulheres em 5% das
imagens – no restante (95%), elas estão acompanhadas de homens. Os
homens acompanhados (72,3% do total de imagens), eles estão acompa-
nhados somente de outros homens em 93% das imagens e de mulheres
em 7% delas.

1  Foram descartadas da contagem capas que não versassem sobre temas jornalísticos (como
aquelas que continham pinturas ou outras obras artísticas), de acordo com os objetivos da
pesquisa.

20
ELIZA BACHEGA CASADEI

As personagens presentes na capa são predominantemente adultas,


entre 20 e 50 anos, de forma que jovens e velhos compõem menos de
10% das capas publicadas. Excetuando-se o primeiro ano da revista, as
crianças também não compunham um grupo social de relevo nas capas,
sendo responsáveis por apenas 2% das ocorrências. A Revista da Semana
também não possuía, em suas capas, personalidades derivadas, de forma
que todos os retratados estão ali por serem personalidades primárias.
No que diz respeito às técnicas de composição, há um claro predomí-
nio dos planos gerais (em 87,7% das imagens) e apenas 12,3% em plano
médio. Não há imagens em close. Todas as imagens também estão com-
postas em ângulo reto e há um predomínio do equilíbrio estático (em
69,8% das ocorrências) em detrimento do equilíbrio dinâmico (em 30,2%
das imagens). Os assuntos retratados focavam predominantemente no
Brasil, de forma que menos de 10% das capas versavam sobre temas in-
ternacionais.
O esmiuçamento de tais dados – ou, em outros termos, do fotogra-
fável (ou, mais precisamente, da composição do imagético) – das capas
da Revista da Semana em seus primeiros anos compõem um quadro a
partir do qual é possível entrever a mobilização de uma série de afetos.
Há, especialmente, a construção de um certo modelo de masculinidade
historicamente marcado que é engendrado a partir de emoções ativadas
na composição dessas imagens. Há, ainda, como um complemento dessas
imagens, um certo modelo de mulher engendrado – todos eles ligados a
um modelo imaginado de sociedade e de seus modos de funcionamento,
em uma hierarquização de valores sociais, regras e normas e, fundamen-
talmente, de afetos que garantem a adesão imaginária a eles. Tais afetos
podem, ainda, ser correlacionados a valores de consumo, objeto central
dessa pesquisa específica, que não estão postos na comercialização de
produtos específicos, mas sim, na venda de modos de vida validados ma-
terializados em estruturações de desejos específicos, como será esmiuça-
do a seguir.

A virilidade como produto


Das imagens que compõem as capas da Revista da Semana em seus
primeiros anos, a maciça presença masculina nas capas (70% delas) é um

21
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

dos aspectos mais notórios desde complexo editorial de afetos mobiliza-


dos. A masculinidade, portanto, para a Revista da Semana, se mostra, na
capa, como um produto a venda. Não se trata, contudo, de qualquer mas-
culinidade. Um olhar mais atento revela um processo de construção de
virilidade que se apoia em características identitárias bastante específicas
e um modo de fazer editorial que se apoia em projeções e modos de cons-
trução do corpo e do desejo historicamente marcadas. Revela, também,
um modo próprio de construção do feminino que se constitui como um
complemento da masculinidade urdida pela publicação, conforme iremos
delinear a seguir.
A Revista da Semana se vale, certamente, de “uma base antropológica
de representações extremamente antigas, mas sempre presentes, atribuin-
do uma ‘valência diferencial’ aos sexos e assegurando uma hegemonia de
poder viril, fundada num ideal de força física, firmeza moral e potência
sexual” (COURTINE, 2013, p. 8). Fundada em tais representações há, nas
capas da revista em seus primeiros anos, um modo bastante específico de
retratar a masculinidade a partir de parâmetros bastante delineados. De
uma maneira geral, pode-se dizer a masculinidade na Revista da Semana é
urdida a partir de três eixos temáticos centrais que compõem a maior parte
das imagens presentes em suas capas: (1) o mito viril-militar; (2) o mito
viril-criminoso e (3) a valorização de atividades que eram consideradas
tipicamente masculinas na época como a política e a medicina. Embora
esses três eixos se materializem separadamente em capas específicas, eles
estão correlacionados em um projeto editorial mais amplo que valida cer-
tos modos de vida em detrimento de outros, a partir da mobilização de
certos afetos.
Ora, um dos primeiros aspectos dessa masculinidade à venda pode ser
observado a partir do tipo de personagem social mais comumente retra-
tado na Revista da Semana: os militares, presentes em quase metade das
capas do período. Sobre esse aspecto, é importante pontuar que a virilidade
associada ao militarismo, no início do século XX, passa por um processo de
reacomodamento simbólico, que nos ajuda a entender o modo como essa
imagem é apropriada pela Revista da Semana tanto no que diz respeito à
própria figura do militar quanto a partir do modo como tais articulações se
ramificam para as outras masculinidades comunicadas pela revista.

22
ELIZA BACHEGA CASADEI

Isso porque “ao longo do século XIX, toda a evolução ocidental havia
relacionado o mito viril estritamente ao fato militar e à atividade guerrei-
ra, a ponto de fazer da preparação ao combate, e do próprio combate, o
critério, senão único, ao menos decisivo, da virilidade” (AUDOIN-ROU-
ZEAU, 2013, p. 239). A Primeira Guerra Mundial, segundo Audoin-Rou-
zeau (2013), foi um ponto culminante desse processo, na medida em que
a propaganda feita para os jovens era articulada em torno da ideia de que
a atividade guerreira era uma oportunidade de materialização de uma
imagem de homem forjada há bastante tempo. A relação da masculinida-
de com a violência, tal como explica Virgili (2013, p. 83), contudo, mudou
de forma radical no final do século XIX e início do século XX, de forma
que se passou “progressivamente de uma masculinidade ofensiva – ser um
homem era combater, adotar comportamentos desafiadores e fazer a de-
monstração da sua força por meio da violência – para uma masculinidade
dominada”. E isso no sentido de que os próprios treinamentos do exército
passaram a enfatizar a obediência, o controle e o bom uso da razão em
detrimento da raiva. E, assim, “no início do século XX, o novo modelo
masculino que se impôs passo a passo foi aquele de uma relação contida
e racional com a violência” (VIRGILI, 2013, p. 84).
Após as consequências da Primeira Guerra Mundial, tal relação se so-
lidifica, de forma que o próprio mito do homem guerreiro é ressignificado
de maneira radical. A militarização da virilidade, segundo Courtine (2013,
p. 9), “vai conhecer com a guerra o seu apogeu trágico: a devastação dos
corpos solapa o mito militar-viril e inscreve a vulnerabilidade masculina
no coração da cultura sensível”, em um processo que, embora anterior, se
aprofunda a partir da Segunda Guerra Mundial, que “derruba o entusiasmo
viril pela proeza guerreira e põe um termo à busca heroica do sacrifício e
da glória”. As imagens heroicas da guerra do século XIX são substituídas
por imagens de corpos dilacerados e quebrados. Tal processo, contudo, já
estava em curso mesmo no período anterior, de forma que é possível notar
uma série de manifestações da cultura em que a identificação entre a mas-
culinidade, a violência e a atividade guerreira é problematizada.
Os primeiros anos da Revista da Semana estão posicionados justa-
mente no meio desse processo de ressignificação da masculinidade mili-
tar, em um momento em que ainda havia formas de sua afirmação ativa a

23
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

partir da violência e da atividade guerreira e, ao mesmo tempo, processos


de negação dessa mesma violência, a partir do elogio do comedimento e
de uma masculinidade que se afirma pelo bom uso da razão. A modifica-
ção das imagens de masculinidade passa mesmo por uma série de resis-
tências e recomposições, em um processo que não é linear nem livre de
contradições. “Tudo acontece como” se o mito viril-militar “ao preço de
uma surpreendente plasticidade, soubesse se transformar, se reinventar e,
finalmente, sobreviver ao segundo conflito mundial, como ele havia feito,
por sinal, em relação ao primeiro” (AUDOIN-ROUZEAU, 2013, p. 244).
No que diz respeito à Revista da Semana, tanto a masculinidade tru-
culenta e brutal quanto a virilidade comedida encontram abrigo em suas
capas. Tal tensão entre o modelo de homem racional e o seu paradigma
violento se materializa, especialmente, em uma divisão de pautas, que
compõem as principais temáticas da publicação: quanto ao primeiro
termo, destacam-se as capas relacionadas ao mito viril-militar; no que
concerne à segunda, as imagens que destacam crimes hediondos, como
esmiuçaremos a seguir. Tais temáticas/pautas dificilmente apareciam jun-
tas na mesma capa. Elas compõem, contudo, uma estrutura editorial de
afetos que se complementam e for-
mam um circuito de emoções bas-
tante específico e historicamente
marcado no jornalismo.
A potência viril materializa-
da na figura do militar, na Revista
da Semana, se expressava sempre
a partir de um certo comedimen-
to racional, que se expressava em
uma valorização da “virilidade cas-
ta”, em articulações em que “todas
as virtudes ligadas ao estereótipo
reencontram-se: a coragem física
e moral, evidentemente, mas tam-
bém a honra, o respeito absoluto
pela palavra acordada, o pudor dos
Capa da edição de 26/10/1902 sentimentos, a solidariedade infa-

24
ELIZA BACHEGA CASADEI

lível e o amor dos camaradas” (AUDOIN-ROUZEAU, 2013, p. 245). Tais


características expressavam-se na Revista da Semana, principalmente,
pelas características principais de composição adotadas nas imagens das
capas, que conotam alguns sentidos culturalmente bem demarcados. No
que diz respeito às técnicas adotadas, o predomínio dos planos médios
nas fotografias individuais e a totalidade de uso de ângulos retos e do
equilíbrio estático conotam não apenas a firmeza do corpo, mas funda-
mentalmente, a robustez do caráter do retratado, consubstanciado em co-
notações presentes nas suas expressões faciais e em suas postura corporal.
O militar é exaltado como uma das figuras exemplares da sociedade e
como modelo de masculinidade a ser adotado.
Ainda em relação à predominância do ângulo reto e do equilíbrio
estático, é necessário considerar que se trata também de um diálogo com
o padrão de beleza em voga na época. “Durante anos, o sentimento de
‘estar a vontade’ careceu dos charmes atuais. Tendia a ser um atestado
de excentricidade, quando não de doença”. Dessa forma, “uma aparência
descontraída não era reconhecida como sedutora, podendo denotar des-
leixo ou indesejada rusticidade. A contração da postura (e isso valia para
várias idades e ambos os sexos) indicava elegância e primor” (SANT’AN-
NA, 2014, p. 23).
Outra característica composicional que pode ser observada é a valo-
rização da solidariedade que liga os combatentes entre si e à uma “efusão
viril que vincula (...) pessoas que vão juntas ao combate”. A união do
grupo e sua disciplina é entendida como uma força moral que o indiví-
duo entrelaça ao restante de suas contribuições para com a sociedade. Na
Revista da Semana isso se materializa na quantidade expressiva de ima-
gens que mostram os militares em conjunto, em comemorações e festejos
principalmente, sempre a partir do uso de planos gerais, com ângulos
retos e equilíbrios estáticos, que conotam simbolicamente força e solidez
para a fotografia.
Um dado digno de nota no que se refere às capas da Revista da Semana
diz respeito ao fato de que aquelas que representam mais de uma pessoa
(ou uma coletividade) são predominantes em relação àquelas em que figu-
ram personagens sozinhos. Isso mostra que o projeto editorial da revista
valoriza mais as relações pessoais estabelecidas do que as personalidades

25
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

Capa da edição de 12/01/1902 Capa da edição de 06/07/1902

tomadas em sua individualidade. Esse dado também informa sobre a mas-


culinidade urdida nas capas: um homem é aquele que sabe manter contatos
e relações e é também sobremaneira julgado por elas.
A masculinidade militar da Revista da Semana também urde uma
relação bastante específica com a morte. Audoin-Rouzeau (2013, p. 244)
aponta o “saber morrer” como uma dessas esferas de plasticidade do mito
viril-militar, com o culto de uma morte bem morrida, merecida tanto em
virtude do sofrimento quanto das boas intenções das ações realizadas em
vida e em combate. Tal faceta explica grande parte das capas ligadas ao
jornalismo comemorativo na Revista da Semana que, muitas vezes, fazia
homenagens a militares mortos ou, ainda, mostrava monumentos ligados
ao combate em suas capas. A morte bem morrida, assim, se articula a ode
de uma vida bem vivida, de acordo com certos padrões morais e regras
bem estabelecidas. O saber morrer também se estendia a outras homena-
gens fúnebres, mesmo aquelas não vinculadas a militares.
É possível dizer, portanto, que a masculinidade militar posta como
produto na Revista da Semana em seus primeiros anos, articulava-se em

26
ELIZA BACHEGA CASADEI

Capa da edição de 12/01/1902 Capa da edição de 06/04/1902 Capa da edição de 02/03/1902

torno da firmeza dos valores morais, da solidariedade e hierarquia que


une os combatentes entre si e do saber morrer.
Há, contudo, um outro lado do mito viril materializado pela Revista
da Semana que se coaduna a valores bastante diversos: junto a essa mas-
culinidade racional, comedida e regulada em um conjunto de normas, é
possível encontrar formas mais violentas, bestiais e truculentas de sua
expressão. Assim, a grande frequência de pautas relacionadas a crimes na
Revista da Semana também participa de um outro modelo de virilidade,
com características bastante específicas que, se coaduna a um projeto afe-
tivo-editorial da publicação e a um sistema bastante específico de valores.
As fronteiras entre a violência legítima e a inaceitável sempre forma-
ram linhas tênues. Sobre essa questão, Kalifa (2013, p. 302) comenta que
o mito do homem criminoso sugere algo além de um mero pertencimento
a uma sociedade dos meninos maus ou dos homens infames e, sim, in-
forma sobre traços constitutivos da masculinidade ocidental e sua valo-
rização. Os valores ligados ao homem criminoso é, nesse sentido, capaz
de estruturar um microcosmo que forja uma identidade e uma cultura a
partir dos quais se cristalizam ideais e esquemas de uma masculinidade
tida como desejável e fascinante.
Essa questão é ainda mais evidente se pensarmos que tais representa-
ções não emergem dos próprios criminosos (de fato, são poucos os regis-
tros daqueles que efetivamente escrevem em jornais ou publicam livros),

27
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

Capas das edições de 19/01/1902, 20/01/1092 e 02/02/1902, respectivamente

mas sim, da imaginação dos escritores e jornalistas, de forma que o ad-


jetivo “criminoso” “assinala, sem dúvida, mais as realidades percebidas e
impostas do exterior do que as verdadeiramente experimentadas pelos
interessados” (KALIFA, 2013, p. 320).
O mito do criminoso viril se articula, fundamentalmente, “no entre-
cruzamento de um saber, de uma moral e de um certo uso das mulhe-
res” onde “surge a figura do homem. Aquele que consegue conjugar esses
atrativos com a força física está assegurado de um poder exclusivo. Ele é
o homem, livre e independente, que nada poderá atingir, que ninguém
poderá constranger” (KALIFA, 2013, p. 317).
Na Revista da Semana, a característica composicional central das capas
que versavam sobre os crimes é a dramatização da violência, de forma que
o homem criminoso é mostrado em ato, exercendo a sua potência trans-
gressora. Não são mostrados apenas retratos dos criminosos ou das vítimas
(uma prática bastante comum em diversas publicações do século XIX e
início do século XX, no Brasil), mas sim, o criminoso exercendo o seu cri-
me. Tal característica composicional tem uma implicação importante no
tipo de afeto mobilizado e na forma de masculinidade evocada. Tal como
apontado por Kalifa (2013, p. 306), entre os atributos mais marcantes do
homem criminoso na cultura, pode ser destacada a força física e a resistên-
cia muscular, de forma que a beleza é apenas uma caraterística acessória e
dispensável. Sobre isso, Sant’Anna (2014) aponta que, no começo do século

28
ELIZA BACHEGA CASADEI

XX, “com ou sem modismos, havia uma tendência em considerar os traços


faciais harmoniosos como qualidades mais femininas do que masculinas.
Em várias regiões do país, concordava-se que a beleza com algum aspecto
feroz ou mesmo brutal cabia muito bem aos homens”.
Além disso, mostrar o crime dramatizado, em ato, em outros termos,
significa mostrar o criminoso exibindo a sua potência física e muscu-
lar, bem como sua resistência vitoriosa aos golpes da própria vítima. Tal
como apontado por Kalifa (2013, p. 306), no mito viril-criminoso “ho-
mem é aquele que suporta e sabe suportar, o álcool como os golpes” (KA-
LIFA, 2013, p. 306), em uma exibição de sua própria potência. A potência
viril-criminosa nas imagens da Revista da Semana, portanto, se articulam
a partir de uma certa teatralização da imagem que, narrativamente, não
mostra o que aconteceu no registro imagético, mas sim, realiza um esfor-
ço para mostrar como aconteceu – o que aumenta a evocação dramática
do fato retratado (GOMBRICH, 2012, p. 19) e remete a uma série de va-
lores relacionados a um ideal de masculinidade.
Além disso, nas fotografias da Revista da Semana, trata-se de uma
masculinidade acompanhada de certos objetos de consumo, especial-
mente das armas, como facas ou revólveres, que funcionam elas próprias
como extensões de sua força muscular e virilidade. Há de se observar,
também uma certa matriz indumentária que acompanha esses crimino-
sos, de forma que eles são sempre retratados estando bem vestidos, com
roupas asseadas, nunca rasgadas e de acordo com certos padrões de moda
vigentes. Além disso, ele está vinculado também a um arranjo corporal
específico. Como apontado por Sant’Anna (2014, p. 39), a propaganda
do início do século reforçava esse estereótipo que “recorria à valorização
da força (...) muito mais do que a qualidade da flexibilidade corporal. O
corpo do homem belo rimava com a imagem de uma silhueta compacta.
Como se nenhum traço de leveza fosse bem-vindo em sua robustez”.
O mito viril-criminoso não pressupõe apenas características físicas
demarcadas, como também um savoir faire específico. Nesse sentido,
não basta portar armas ou um tipo físico, mas sim, saber usá-los de for-
ma correta, servindo-se bem dos músculos e punhos. “Esta é, com toda
evidência, a capacidade decisiva, aquela que faz ou desfaz as reputações,
alimenta as façanhas, confirma as hierarquias. É o ‘ato de homem’ por

29
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

excelência” (KALIFA, 2013, p. 308). A dramatização da ação criminosa


nas capas da Revista da Semana reforça a afirmação desse savoir faire em
um ato bem sucedido.
Por fim, um outro atributo do mito criminoso-viril apontado por Ka-
lifa (2013, p. 311) refere-se ao desprezo pelas mulheres. A maior parte dos
crimes retratados pela Revista da Semana refere-se, justamente, a assas-
sinatos realizados no âmbito familiar, especialmente contra as esposas,
de forma que outros tipos de violência não são noticiados com a mesma
frequência pela publicação.
A masculinidade evocada na figura do criminoso é, portanto, de uma
constituição afetiva essencialmente ambígua, na medida em que evoca, ao
mesmo tempo, valores que estão na escala moral do negativo, mas tam-
bém, do desejo, de um savoir faire e de características físicas que podem
se tornar desejáveis e positivadas.
Por fim, há um terceiro eixo da valorização da masculinidade nas capas
da Revista da Semana, referente à valorização de atividades que, na épo-
ca, pertenciam ao âmbito quase exclusivamente masculino, especialmen-

Capa da edição de 09/06/1901 Capa da edição de 07/12/1902

30
ELIZA BACHEGA CASADEI

te a política e as atividades ligadas à ciência (como a medicina). No que


concerne à política, era bastante comum que a revista publicasse retratos
dos políticos em suas capas. Eles eram normalmente compostos em plano
médio, ângulo reto e equilíbrio estático e serviam como uma espécie de
apresentação dessa personalidade. No que se refere ao campo das ciências,
era comum que a revista noticiasse congressos e encontros científicos, bem
como fizesse a cobertura sobre atividades realizadas em hospitais e centros
de pesquisa considerados de excelência. Não se tratava de uma cobertura
ligada ao jornalismo científico propriamente dito, mas sim, uma espécie de
publicização de boas práticas ambientadas nesses espaços.
Tais capas representavam a masculinidade tanto do ponto de vista
da valorização de um ideal de beleza quanto de um savoir faire social-
mente validado.
Sobre a questão da beleza masculina, Sant’Anna (2014, p. 15) chama
a atenção para o fato de que “os homens apareciam com pouca frequência
nos conselhos de beleza”, porém seria errôneo afirmar que não existisse
um certo ideal de beleza que era explorado pelas publicações ilustradas
como A Revista da Semana. “Cuidar da barba e do bigode, por exemplo,
era tão importante quanto a escolha de um chapéu apropriado e a manu-
tenção da limpeza dos calçados”. Além disso, “muita atenção ao jeito de
andar, pois esse denotava macheza, força e distinção ou, então, o contrá-
rio. Pomadas para o cabelo e loções perfumadas também agradavam inú-
meros mancebos ciosos de um porte firme e forte”. Assim, “para um bur-
guês ‘bem-nascido’, a distinção de classe social tinha que ser expressa em
detalhes: o corte de sua casaca, na qualidade de suas roupas, na alvura de
seus tecidos”, de forma que “chapéus, cartolas e luvas, para-sóis e leques,
guarda-chuvas e bengalas eram acessórios essenciais na construção da
imagem de uma ‘dama’ e de um ‘cavalheiro’” (OLIVEIRA, 2010, p. 185).
Para além da beleza, impunha-se, ainda, a inteligência como um atri-
buto masculino, representada pelas habilidades necessárias para circula-
ção no mundo da política e da ciência – instâncias consideradas masculi-
nas por excelência na época.
As três articulações imagéticas da masculinidade expostas nas capas da
Revista da Semana, contudo, não valem apenas por aquilo que elas engen-
dram separadamente. Há um circuito de afetos que amarra os três eixos da

31
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

masculinidade construídos pela Revista da Semana. Tanto no que se refere


à valorização do mito viril-militar, do mito viril-criminoso ou do mito vi-
ril-político-cientista, há um sistema de emoções que é evocado e, a partir
dele, garante-se uma espécie de adesão a valores vinculados a modos de
vida validados historicamente, de forma que é possível afirmar que as capas
da Revista da Semana em seus primeiros anos forma um projeto-afetivo-e-
ditorial urdido a esses personagens-chave.
Um dos primeiros aspectos mais notórios nesse projeto-afetivo-edi-
torial diz respeito à evocação do medo. Tal como apontado por Safatle
(2016), a gestão social do medo é uma estratégia fundamental da constru-
ção da coesão social que encontra uma formulação teórica desde ao me-
nos Hobbes. “Trata-se, principalmente e de maneira silenciosa, de definir
a figura do indivíduo defensor de sua privacidade e integridade como
horizonte, ao mesmo tempo último e fundador, dos vínculos sociais”,
de forma que “se produz a transformação do medo contínuo da morte
violenta, da despossessão dos bens, da invasão da privacidade, do des-
respeito à integridade dos meus predicados em motor de coesão social”
(SAFATLE, 2016, p. 17). As figuras e os modos de vida implicados no
mito viril-militar, do mito viril-criminoso ou do mito viril-político-cien-
tista revelam modos de encarnação de medos específicos de uma época
histórica. Como nos lembra Safatle (2016, p. 20), “uma encarnação não é
necessariamente uma representação, mas um dispositivo de expressão de
afetos”, que podem ser unidades imaginárias ou articulações simbólicas.
Ora, as duas principais figuras que emergem das capas da Revista
da Semana, o militar e o criminoso, são figuras que articulam a mascu-
linidade justamente a partir do medo, uma em complemento à outra. O
medo como afeto político, como coloca Safatle (2016, p. 20), “tende a
construir a imagem da sociedade como coro tendencialmente paranoico,
preso à lógica securitária do que deve se imunizar contra toda violência
que coloca em risco o princípio unitário da vida social”, que não vem
apenas de um risco exterior, “mas da violência imanente da relação en-
tre indivíduos”. O criminoso, ao se posicionar como figura nefasta, mas
principalmente, como um potencial de desejo presente em cada homem,
encarna imageticamente a figura do medo imanente a toda relação social.
A sua própria figura só pode se articular como objeto de desejo justamen-

32
ELIZA BACHEGA CASADEI

te porque encarna o medo do outro e a vontade de possuir as habilidades


necessárias para escapar desse risco potencial do outro (materializado em
um bom manejo dos músculos, das armas e das contingências sociais).
Como carrega em si ao mesmo tempo o desejo e o asco, o criminoso
encarna também a figura a ser combatida (acompanhada do desejo de se
livrar do risco potencial do outro). Mas, para que esse criminoso possa
ser eliminado, demanda-se a imagem de uma masculinidade outra que
seja tão forte quanto essa – daí a emergência da figura do militar, com
todos os seus valores positivos encarnados.
O militar e o criminoso formam um mesmo complexo editorial-afetivo
na Revista da Semana na medida em que o medo não pode se sustentar
sozinho enquanto afeto político. Porque “não há poder que se fundamente
exclusivamente no medo. Há sempre uma positividade a dar às estruturas
de poder sua força de duração”. E, assim, “poder é, sempre e também, uma
questão de promessa de êxtase e de superação de limites. Ele não é só culpa
e coerção, mas também esperança de gozo” (SAFATLE, 2016, p. 20). Tanto
o militar quanto o criminoso carregam em si o medo e a possibilidade de
superação do medo em suas figuras.
O terceiro eixo da masculinidade engendrada pela Revista da Sema-
na, correlacionada à valorização de atividades consideradas tipicamente
masculinas na época como a política e a medicina, funciona na mesma
chave editorial-afetiva, posto que fornece soluções para os medos que não
podem ser resolvidos apenas a partir do uso da violência, dos músculos e
das armas, mas sim, de saberes ligados a áreas específicas da inteligência
humana.
Uma vez expostos os parâmetros a partir dos quais as masculinidades
são urdidas nas capas da Revista da Semana e o complexo editorial-afeti-
vo que é ativado a partir delas, é possível articular, também, certos valores
de consumo que estão estruturados a partir disso.

Consumos ativados pelo complexo afetivo-editorial


Nem sempre os afetos são postos como atores relevantes para o en-
tendimento das questões sociais, tal como apontado por Safatle (2016, p.
37). E isso porque “aceitamos que a dimensão dos afetos diz respeito à vida
individual dos sujeitos, enquanto a compreensão dos problemas ligados aos

33
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

vínculos sociais exigiria uma perspectiva diferente, capaz de descrever o


funcionamento estrutural da sociedade e de suas esferas de valores”. Ao
contrário, “os afetos nos remeteriam a sistemas individuais de fantasias e
crenças, o que impossibilitaria a compreensão da vida social como sistema
de regras e normas”. Para Safatle, contudo, os afetos são mecanismos que
não podem ser ignorados do jogo social porque são eles que garantem, em
grande medida, as adesões a certos conjuntos de normas que sustentam
o vínculo social – e, dentre esses vínculos, as relações de consumo. Mais
do que a valorização da deliberação como instância reguladora, portanto,
Safatle compreende “a forma como indivíduos produzem crenças, desejos
e interesses a partir de certos circuitos de afetos quando justificam, para
si mesmos, a necessidade de aquiescer à norma, adotando certos tipos de
comportamento e recusando repetidamente outros”.
Se o afeto é um componente indispensável para entendermos o con-
sumo em suas interrelações com a comunicação, isso se deve ao fato de
que ele é “indissociável de uma dinâmica de imbricação que descreve a
alteração produzida por algo que parece vir do exterior e que nem sempre
é constituído como objeto da consciência representacional” (SAFATLE,
2016, p. 38), construindo vínculos inconscientes.
Quando o afeto não é de todo retirado dos estudos de comunica-
ção e consumo, muitas vezes ela é correlacionado à força das identifica-
ções, tomadas como os principais fundamentos dos atos que envolvem
a publicização dos bens. Nem sempre essa é a questão que está em jogo,
como parece mostrar o complexo afetivo-editorial implicado nas capas
da Revista da Semana em seus primeiros anos. É necessário inserir afetos
outros, para além do jogo das identificações, que estão pressupostos nas
relações entre comunicação e consumo.
De um ponto de vista da comunicação social, a mediação de tais afe-
tos se aproxima bastante da noção de convocação nos dispositivos midiá-
ticos (PRADO, 2013). A partir do pressuposto de que, “na sociedade de
controle, a biopolítica penetra nos dispositivos midiáticos, não a partir de
um supereu repressor, mas de um supereu que incita o gozo” (PRADO,
2013, p. 163), Prado argumenta que se os antigos dispositivos disciplina-
res atuavam a partir da dualidade da recompensa e da punição, os media
já se encontram inseridos em uma nova lógica do poder, que usa o de-

34
ELIZA BACHEGA CASADEI

lineamento de mapas de sucesso e satisfação como articuladores de suas


lógicas discursivas. De acordo com o modelo teórico proposto por ele, os
meios de comunicação de massa atuam como analistas simbólicos que, a
partir de processos de convocação instalados em dispositivos com contra-
tos comunicacionais adequados, prometem aos leitores a suturação ima-
ginária da falta, a partir de narrativas modalizadoras que atuam em nome
de um suposto saber sobre o assunto. Tais narrativas, que têm a própria
vida como tema, fornecem ao leitor uma espécie de guia para o sucesso,
fundamentado em estratégias de visibilidade e voltado para a lógica do
consumo. Em outros termos, os media não atuam somente para informar,
mas sim, para fornecer mapas cognitivos/semióticos sobre como viver no
mundo e obter sucesso a partir dele (PRADO, 2013, p. 107). Se os antigos
dispositivos disciplinares atuavam a partir da dualidade da recompensa
e da punição, os media já se encontram inseridos em uma nova lógica do
poder, calcada em tecnologias (discursivas) da felicidade.
Em outros termos, a convocação diz respeito a um mecanismo edi-
torial-afetivo que remete a uma falta imaginária como forma de articular
e vender uma determinada receita de felicidade, baseada tanto em pro-
dutos de consumo propriamente ditos quanto em modos de existência
socialmente validados. Em outros termos, a jornalismo forneceria (ima-
ginariamente) aos seus leitores o savoir faire necessário para que ele possa
se movimentar e obter sucesso dentro desse modo de vida legitimado e
construído a partir de um circuito de normas e afetos.
No jornalismo, “a convocação diz ao leitor: você só precisa de um
programa e de um mapa para bem-viver, para achar seus objetos perdi-
dos, para reencontrar-se, para encontrar seu par, para fazer seu par gozar
juntinho com você, para ter o máximo sucesso na vida, no trabalho, na
vida amorosa” e, assim, o enunciador (a própria revista) “é o sabedor que
mostra os modos de obter tudo isso sem enfrentamento desse antago-
nismo fundamental da linguagem e da vida, que Agamben chama de o
‘Aberto’” (PRADO, 2010, p. 70).
Isso posto, é possível perceber que o complexo afetivo-editorial da
Revista da Semana em seus primeiros números fornece também convoca-
ções sobre como essa masculinidade ideal pode ser alcançada. A masculi-
nidade é um produto à venda na Revista da Semana não apenas pelo apelo

35
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

à virilidade em si, mas, justamente, porque seu projeto editorial promete


oferecer conhecimentos e habilidades necessários para que essa imagem
de masculinidade possa ser atingida.
E o que deve saber esse homem projetado pela Revista da Semana? A
resposta a essa pergunta se encontra no conteúdo das páginas internas da
publicação, que oferece um sistema que integra conhecimentos necessá-
rios, recreações validadas e um tipo ideal de mulher que deve estar ligada
a esse homem idealizado. Primeiramente, um bom conhecimento literá-
rio – durante os primeiros anos, a maior parte do conteúdo da Revista
da Semana esteve relacionado à publicação de contos, crônicas, poesias
e fragmentos de romances. Depois, um bom conhecimento do poder, es-
pecialmente no que concerne às relações estabelecidas – muitas das foto-
grafias das páginas internas retratavam políticos com suas famílias (em
uma espécie de colunismo social), em reuniões de trabalho (posto que era
importante saber quem se relacionava com quem) ou em caricaturas (o
que expressava um certo senso crítico). Por fim, um conhecimento cultu-
ral vasto, especialmente em relação à programação de teatros, a cobertura
de esportes e das atividades dos clubes esportivos e as novas descobertas
da ciência e da medicina.
De uma forma geral, uniam-se no conteúdo interno da Revista da
Semana algumas formas de recreação masculina – especialmente aquelas
que “exprimiam ao mesmo tempo a potência, o desejo e a dominação do
corpo viril” (KALIFA, 2013, p. 309) como os esportes, o teatro, a cobertu-
ra dos crimes e das atividades nos clubes – e determinadas competências
orais ou discursivas – um certo saber comentar sobre assuntos de inte-
resse cultural e político mais amplo. Os signos do consumo, portanto,
são evocados na Revista da Semana a partir de uma construção moral e
afetiva da masculinidade que se materializa nas capas e são ramificados
em seus conteúdos internos.
Há, contudo, uma outra questão que emerge: conforme colocamos an-
teriormente, a Revista da Semana possuía uma grande parcela de leitores do
sexo feminino, o que pode causar um certo estranhamento diante desse cir-
cuito de afetos bastante relacionado à masculinidade em seu projeto editorial.
A figura feminina, nos primeiros anos de publicação da Revista
da Semana, é convocada pela via do masculino – como a projeção do

36
ELIZA BACHEGA CASADEI

desejo e do olhar do outro e não por si mesma. O conteúdo especifi-


camente feminino da revista se resumia à parte de moda – que em si
já conota a construção da mulher desejável em termos de uma matriz
indumentária. Todo o processo de convocação da revista, contudo, se
articulava em torno de masculinidades construídas e as demais esferas
afetivas da vida social eram projetadas em torno desses valores. Para as
mulheres, a revista fornecia imaginariamente o que ela deveria saber
para a manutenção dessas masculinidades consolidadas e seus modos
de vida validados. Essas relações genéricas irão mudar na própria Revis-
ta da Semana ao longo dos anos seguintes, conforme esmiuçaremos nos
próximos tópicos, mas essa é uma configuração constante na primeira
década da publicação.

A sátira pictórica política e a escala dos valores morais


A partir do final da década de 1900, a Revista da Semana passa a
dar uma ênfase acentuada para os assuntos políticos, sem abandonar os
padrões de masculinidade articulados no início do século na publicação.
Tratava-se de uma política, contudo, estruturada a partir de dois eixos: a
saber, (1) como colunismo social e (2) como sátira pictórica. Destaca-se
também o fato de que o material imagético aumenta em proporção ao
textual, ocupando a maior parte das páginas da publicação.
No ano de 1910, por exemplo, das 45 capas que compunham o ma-
terial jornalístico publicado pela Revista da Semana, 80% era composto
por pautas de cunho político e os outros 20% estavam relacionados ao
jornalismo comemorativo – 44% dele relacionado a algum evento militar.
Do conteúdo político, a grande maioria, 76%, era composta por caricatu-
ras. O restante era composto por retratos ou gravuras de políticos – o que
figurava como certo colunismo social político, pois apresentava o rosto
das personalidades que frequentavam os círculos do poder.
Há, ainda, alguns dados interessantes que podem ser derivados
aqui. No que concerne aos personagens que habitavam essas ima-
gens, os homens ainda figuravam a maioria das capas e de forma ain-
da mais radical do que no período anterior. Do total de capas, 87%
continham homens e apenas 13% mulheres. Ainda no que se refere a
isso, as mulheres presentes na capa eram de uma natureza imagética

37
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

Capa da edição de 13/06/1910 Capa da edição de 31/07/1910

bastante específica: nenhuma delas representava pessoas identificáveis


pelo nome, mas sim, processos e metaforizações da política como “a
câmara” ou “a política” em si.
Os homens retratados, por sua vez, embora aparecessem muitas ve-
zes como metaforizações de processos e instâncias políticas, não esta-
vam restritos a esse tipo de representação: em 40% das capas trata-se
de personalidades que podem ser identificadas pelo nome e em 60%
de caricaturas que representam processos ou instâncias. A disparidade
entre homens e mulheres pode ser justificada pelo isolamento feminino
das esferas políticas mais amplas (nem o voto das mulheres era ainda
permitido), em um projeto editorial que privilegiava um campo que
era ocupado exclusivamente por homens. A exclusão das mulheres da
esfera política, nesse ponto, pode ser observada graficamente na Revista
da Semana.
As relações e laços também perdem um pouco a força nesse período
– em 68% das capas, as personalidades retratadas aparecem sozinhas, em
contraste com o observado no início do século.

38
ELIZA BACHEGA CASADEI

No que diz respeito às técnicas de composição mais comumente utili-


zada, alguns traços se mantém: há a predominância dos planos gerais, em
59% das capas, e médios, em 30% delas. Há a introdução de alguns closes
também, em 11% das publicações. O ângulo reto também é utilizado em
todas as composições e o equilíbrio estático predomina em relação ao
dinâmico – em 70% das capas.
Nesse ponto, é importante pontuar que a predominância do plano ge-
ral conota que o projeto editorial da revista não estava tão interessado no
personagem político isoladamente, mas sim, na inserção do personagem
em uma relação contextual mais ampla – ou seja, em interação com o cená-
rio e com o contexto expandido. O uso predominante do ângulo reto e do
equilíbrio estático conotam seriedade e dureza na composição da imagem.
A caricatura política e o colunismo social se imbricavam na Revista
da Semana a partir do compartilhamento da celebração de valores co-
muns, conforme discutiremos a seguir. Embora a política fosse o assunto
predominante nas capas nesse período, o colunismo social mantinha-se
como temática central das páginas internas, em uma simbiose entre crí-
tica política e educação moral no projeto afetivo-editorial urdido pela
publicação nesse período.
A caricatura na Revista da Semana segue uma tradição já presente
na imprensa brasileira desde o século anterior. Embora a caricatura e a
charge política tenham sua origem, de acordo com a historiografia da
área, no século XVII, na Itália, a partir do século XIX, no Brasil, já é pos-
sível observar todas as características próprias que compõem o universo
conceitual da linguagem caricatural ainda hoje presentes no gênero. O
termo caricatura deriva-se justamente da ideia de carregar, que “tem o
sentido de exagerar, de ressaltar determinadas características do retrata-
do, sempre com intenção crítica e zombeteira. Significa fazer carga contra
alguém, ou seja, atacar. A versão francesa do conceito, charge, expressa
com mais nitidez essa ideia: carga” (MOTTA, 2006).
As primeiras caricaturas brasileiras disponibilizadas para o grande
público datam de 1830, especialmente ligadas ao nome de Araújo Porto
Alegre (MOTTA, 2006). Nesse momento, já é possível observar algumas
características distintivas do gênero como o alcance popular e abrangente
dado pela composição de desenhos compreensíveis para o grande público

39
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

feitos a partir de técnicas como a evocação a metáforas simples e arqué-


tipos tradicionais. Observa-se também a tradução de acontecimentos e
personagens políticos em imagens simples e cômicas, com a transposição
de conceitos abstratos para soluções imagéticas de alcance popular. As-
sim, a caricatura, para Motta (2006, p. 18), “contribui para desmistificar
e dessacralizar o poder, mostrando líderes e chefes de estado como seres
humanos falíveis e, eventualmente, ridículos. Ao mesmo tempo, torna
os assuntos políticos menos misteriosos e mais próximos do universo de
compreensão do público”.
Para Motta (2006), a incorporação do gênero caricatural e da charge
política pela imprensa é uma das evidências de sua forte raiz popu-
lar. Se, no início, as sátiras políticas gráficas eram impressas em folhas
unitárias e oferecidas ao grande público especialmente por vendedores
ambulantes, a grande procura por tais produções fez com que elas fos-
sem incorporadas pelos periódicos logo na primeira metade do século
XIX, muitas vezes com publicações especialmente dedicadas ao gênero.
É a partir de 1844 que elas são incorporadas às publicações, em títulos
como Lanterna Mágica, embora seja apenas a partir de 1860, com a
fundação de A Semana Ilustrada, que o gênero passe a obter uma re-
levância mais acentuada. “Efetivamente, a caricatura veio preencher o
espaço da comunicação doméstica. Em sua primeira fase (1844-1895)
revelou um caráter combativo, e nos melhores casos, uma intensa par-
ticipação na vida social e política do Segundo Reinado. Marcou uma
nova posição do artista em relação à sociedade” (BELUZZO, 1992, p.
210). A caricatura adapta-se ao discurso jornalístico ao funcionar como
crônica política, coadunadas às vertentes ideológicas dos veículos. O
Diabo Coxo, de Ângelo Agostini, fundado em 1865, destaca-se como o
primeiro jornal de caricaturas publicado em São Paulo, consolidando
a crítica política e de costumes a partir do humor gráfico. Para Sodré
(1999, p. 179), a caricatura chega à imprensa brasileira em um de seus
momentos mais difíceis: “trata-se da fase intercalar, em que, vagarosa-
mente, surgem alterações específicas e técnicas, preparando a imprensa
dos fins do século, quando os problemas políticos voltam a primeiro
plano e empolgam novamente e empolgam novamente a escassa opinião
existente”. A caricatura, para ele, surge como um novo impulso de um

40
ELIZA BACHEGA CASADEI

jornalismo político em um contexto em que os jornais de opinião per-


diam a força e eram relegados a um segundo plano.
No início do século XX, a sátira política gráfica brasileira se moderni-
za. De acordo com Lima (1963, p. 140), há nesse período “o aparecimento
quase simultâneo de três artistas que iriam dominar durante quase meio
século no campo da sátira gráfica, Raul Pederneiras, o popularíssimo
Raul, Calixto Cordeiro (K.Listo) e J. Carlos”. Todos esses artistas contri-
buíram com a Revista da Semana. Assim, “surgindo a pequeno intervalo,
os dois primeiros em 1898, e em 1902 o último, forma esses três grandes
artistas do traço cômico que realmente nacionalizaram a caricatura brasi-
leira, pelo caráter nitidamente regional no seu sentido mais alto – do que
revestia sua arte”. Nesse período, a sátira ferina combinada com os ata-
ques pessoais cede espaço a uma caricatura mais reflexiva (MIANI, 2012).
Sobre a valorização da sátira política na Revista da Semana, é possível
dizer que ela se imbuía de um forte caráter moral, relacionado à valori-
zação de um ideal de sociedade e de uma escala de valores determinada
que, muitas vezes, se afirma pela sua negação. Tal caráter moral, contudo,
se afirma menos como uma característica específica das produções indi-
viduais da Revista da Semana e mais como uma estruturação de gênero,
de forma que a escolha de valorizar esse tipo de produção se coaduna a
um projeto editorial específico que desenha um universo de consumo.
Para detalharmos tais questões, é necessário considerar que o gênero
da caricatura política, para Gombrich (2012, p. 190), possui algumas carac-
terísticas importantes. A primeira delas, seguindo o pensamento de Ernest
Kris, refere-se ao fato de que “a sátira pictórica se apoia nessa oscilação en-
tre a realidade e o sonho, entre o mito e a metáfora, para obter o seu efeito”
a partir de um mecanismo que utiliza “’a regressão a serviço do ego’, ou seja,
uma exploração consciente de um mecanismo inconsciente” a partir da ex-
pressão de impulsos hostis. Assim, embora a caricatura não se refira ao ato
de ferir fisicamente uma pessoa, busca-se machucar sua persona, ou seja,
“sua posição na rede de convenções culturais”, “a soma de todos os valores
e crenças compartilhadas que garantem a posição de uma pessoa” (GOM-
BRICH, 2012, p. 193). A caricatura, para Gombrich (2012, p. 193) é mes-
mo mais um capítulo dos “anais da crueldade humana” que “registraram
incontáveis métodos para desonrar uma pessoa, desde o vitorioso que põe

41
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

o pé sobre o pescoço do derrotado ao ato de leva-lo ao local de execução


ou ao pelourinho, além de exposições semelhantes ao escárnio e à desgraça
públicos” a partir do acionamento de uma rede de valores imaginários. A
eficácia da produção do escárnio em uma sátira política gráfica, portan-
to, depende de certo acordo sobre uma escala de valores determinada, sua
hierarquização e ativação por meio de um desenho simplificado. Não há,
portanto, caricatura que funcione fora de um universo moral desenhado
por uma escala de valores acordados socialmente.
É sob esse ponto de vista que é possível dizer que a eficácia de uma
caricatura, não apenas depende do acionamento de um sistema de mitos,
memórias e metáforas compartilhados socialmente, mas sim, está subor-
dinado a uma predisposição de aceitação do público e, assim como ou-
tros rituais sociais, funciona como uma forma de reforço dos vínculos e
valores comuns que mantém um grupo de pessoas unido. Ela não é um
mecanismo de convencimento, mas sim, de reforço e de mediação dos
limites de pertencimento. A predisposição de superioridade do próprio
grupo de pertencimento em relação a outros é um dos mecanismos bá-
sicos do deboche, de forma que “a sátira pictórica tem contribuído para
essa noção bastante tola de superioridade ao reforçar o estereótipo que
determinado grupo tem de si mesmo e dos demais” (GOMBRICH, 2012,
p. 196). A caricatura, assim, não apenas remete a uma escala de valores,
como também (e, talvez, principalmente), atua no reforço dos valores de
grupo, evocando premissas elogiosas para o grupo de pertencimento e,
complementarmente, expondo valores negativos para o considerado o
outro. Na caricatura, o deboche e a depreciação do outro servem como
uma forma de auto-valorização do próprio grupo e da estruturação de
valores que esse grupo se auto-atribui.
Quando associada ao jornalismo e à crônica política, deriva-se dessa
característica o fato de que a sátira política pictórica tem muito pouco
poder de convencimento, de forma que a sua função é menos argumen-
tativa do que de síntese. De acordo com Gombrich (2012), ela funciona
como uma metáfora para comentar os tópicos do dia, de forma que “ela se
baseia em um público que aprecia a astúcia da comparação que não con-
segue explicar uma situação, mas a resume” (GOMBRICH, 2012, p. 198).
É nesse sentido que “o mais característico”, portanto, “da sátira pictórica é

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ELIZA BACHEGA CASADEI

seu conservadorismo, ou seja, a tendência de se basear no velho estoque


de motivos e estereótipos”. E, assim, “esses motivos podem ocupar o lugar
do mito comunitário, servindo para nos reassegurar a forma de uma ex-
plicação” (GOMBRICH, 2012, p. 199).
A sátira política pictórica, nesse sentido, se direciona muito pouco
para aquele que é objeto do deboche, estando direcionada para a exalta-
ção dos valores e pré-concepções daqueles que a consomem. “Em geral,
para o sátiro político, é mais importante lisonjear o público, não incitar o
ódio. A receita do sucesso é (...) infle seus egos, confirme seus preconcei-
tos e, acima de tudo, diga-lhes para não se preocuparem” (GOMBRICH,
2012, p. 209). Para resumir a ideia, Gombrich (2012, p. 210) evoca a res-
posta dada pelo cartunista Nicholas Garland, em uma entrevista para o
The Independent, no final da década de 1980:

Nunca, jamais, penso nos cartuns políticos como uma maneira de


influenciar pessoas... Acho que eles fazem outra coisa. Os cartuns
dos quais me recordo mais são aqueles que, muito sucintamente,
expressam algo que eu já sabia, mas de um modo que me é bastante
acessível (...) [O cartum] simplifica questões políticas normalmen-
te muito complicadas em imagens fáceis e até infantis. Ele cria um
pequeno mundo onde todos os tipos de questões que nos afetam
de maneira bastante séria podem ser reexaminados. Às vezes tem o
efeito de diminuir nossa ansiedade em relação a elas...

A sátira gráfica política na Revista da Semana, nesse período, aten-


de justamente à reafirmação de valores de grupo, ao condenar às más
práticas políticas, estabelecendo uma hierarquia de ações condenáveis,
condensadas em uma imagem de fácil entendimento. As caricaturas estão
a serviço de uma educação moral própria à época, que aponta o dedo para
as más práticas. Ao privilegiar a caricatura em seu projeto editorial, nessa
fase, a Revista da Semana compõe um complexo editorial-afetivo a partir
do qual os valores de seus supostos consumidores são celebrados e ratifi-
cados, evocando mecanismos de identificação mais amplos ao homologar
valores comuns e uma moral política comumente aceita.
Ao observarmos os temas mais recorrentemente abordados nessas
charges, é possível delinear um complexo afetivo de práticas condenáveis.

43
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

A dissociação dos sentimentos evocados da imediaticidade e efemeridade


das pautas tratadas revela certos conjuntos de sentimentos negativos que
são constantemente abordados. A crítica ao ato de enganar os outros é o
tema mais recorrentemente reportado nos desenhos, com uma incidência
de 36% do total das charges do período. Ela está especialmente direcio-
nada aos políticos e abarca desde fraudes eleitorais até o ludibriamento
do outro nas negociações da política internacional. O uso de expedientes
políticos para a trapaça é, portanto, um eixo central das narrativas afeti-
vas engendradas pela Revista da Semana e une seus consumidores tanto
em torno da crítica desse tipo de comportamento quanto em termos da
imagem que é feita da política brasileira no período.
Seguido a isso, a crítica mais comumente posta nos desenhos está
direcionada aos excessos cometidos pelos políticos (com 20% das inci-
dências), o que se manifesta em um uso massivo de hipérboles nos traços.
A ira descomedida, a exaltação e o furor são, portanto, comportamentos
também tidos como indesejáveis pela revista. Em terceiro lugar, há a críti-
ca ao uso da máquina pública para a obtenção de benefícios pessoais, em
18% das charges. Outras articulações afetivas importantes nos desenhos
referem-se à ganância dos políticos (tema de 10% das charges), à morosi-
dade de suas ações (8,1 das incidências) e a falta de inteligência em alguns
de seus atos (6%).
Tais recorrências, portanto, indicam não apenas uma reincidência
temática, mas sim, a estruturação de um repertório de afetos condená-
veis historicamente marcado. Tais afetos mediam uma imagem de so-
ciedade compartilhada e facilmente identificável por meio de traçados
estereotipados.
É nesse sentido que a sátira pictórica política e o colunismo social da
Revista da Semana estavam, nesse período, a serviço de um mesmo proje-
to-editorial-moral. Se a exaltação dos valores de grupo conhece a sua face
negativa por meio do escárnio na sátira política, a sua face positiva se dará
por meio de uma cobertura da alta sociedade ligada ao colunismo social.
O espaço para o colunismo social ganha prevalência no conteúdo
interno da publicação. Em edições sorteadas do ano de 1910 é possível
observar isso de maneira clara. Na edição de 23 de janeiro, as pautas jor-
nalísticas diziam respeito a um perfil de Joaquim Nabuco, à cobertura de

44
ELIZA BACHEGA CASADEI

festivais artísticos e da agenda cultural, o acompanhamento dos membros


da colônia portuguesa que estavam em um cruzador português ancorado
no Rio de Janeiro (acompanhado de uma reportagem sobre a tripulação
de outros navios), uma reportagem sobre um congresso de irrigação nos
EUA com a presença de brasileiros, um perfil da família Baeta Neves, um
perfil do 4o Posto de Socorros Policiais, a cobertura de uma festa de um
grupo de alunos do Externato Gonçalves e de outras escolas de elite, uma
reportagem sobre moda para mulheres, os falecimentos da semana e mo-
vimentação artística e esportiva dos clubes mais proeminentes. O dire-
cionamento desses assuntos enquadrava-se nos parâmetros mais amplos
do colunismo social, com especial atenção para o comportamento, ação
e curiosidades sobre as pessoas envolvidas. Trata-se de uma estrutura de
elaboração de pautas que irá permanecer, ao longo do período, nas outras
edições da revista. A cobertura do dia a dia de alguns espaços de elite –
como os principais colégios, clubes e teatros – é exaustivamente exposto.
Como observa Patroclo et alii (2015) em relação à cobertura do colégio
Pedro II na Revista da Semana, estavam presentes “desde as cerimônias
de formatura, as festividades cívicas, a eleição da aluna mais bonita ou
um almoço dos professores com uma autoridade governamental”. Além
disso, “também eram dedicados amplos espaços a homenagear e a preser-
var o passado do Colégio de Pedro II”.
A partir dessas pautas, é possível perceber que o eixo que organiza
a estruturação de pautas da Revista da Semana no período é, a partir do
colunismo social, empreender um elogio às boas práticas. As boas ações
eram encontradas pela Revista da Semana nos consultórios médicos, nas
escolas, nos clubes esportivos, nas festas da alta sociedade, entre outros
espaços. Tal cobertura construía um ethos para a elite brasileira do início
do século, exaltando as suas supostas qualidades intrínsecas, em um pro-
jeto afetivo-editorial que colocava a educação moral como ponto nodal
de sua estruturação.
De fato, a revista era a face mais visível de um Brasil cuja construção
da imagem de si estava toda voltada para o progresso, de forma que a
revista insistia na veiculação dos ícones da modernidade. A denúncia e
a preocupação social, embora já de longa data fizessem parte das preo-
cupações centrais da imprensa brasileira, eram temáticas reservadas aos

45
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

jornais que faziam delas as suas matérias-primas. De fato, a Revista da


Semana deve ser inserida dentro do contexto da ecologia informativa de
sua época que, desde o final do século XIX, estipulava uma divisão de
trabalho bastante clara entre os jornais e as revistas que delimitava, de
uma maneira geral, os programas dos periódicos. “Aos jornais, a matéria
política; às revistas, a literatura, as modas, o entretenimento” e, como ex-
plicita Martins (2001, p. 126), se nos primeiros “os jornalistas assumiram
o papel de paladinos da verdade, colocando-se num olimpo intocável de
fornecedores de opinião, apartidários, sendo ‘intérpretes de um poder
impessoal’, o que justificava a sua atuação crítica e contestadora aos atos
do governo”, à revista coube um papel muito diferente. A ela, restou-lhe o
papel de “sorriso da sociedade” (MARTINS, 2001, p. 126).
Des Hons (1987, p. 27) descreve essa primeira geração de revistas
brasileiras como publicações que visavam espelhar o que de mais distinto
havia na sociedade. “Mesmo que estas revistas fossem endereçadas a um
público variado, que incluía a burguesia e a classe média, elas ainda eram
impregnadas pelo elitismo cultural, marca da imprensa do século XIX”.
E, assim, “o emprego de uma linguagem pesquisada, o cuidado com as
‘belas letras’, o conformismo moralizador, o interesse pelos acontecimen-
tos mundanos dão seu estilo a essas revistas do entreguerras”. Para ele,
trata-se de revistas que são profundamente vinculadas a uma sociedade
burguesa segura de seus valores, de forma que “um leve esnobismo em
relação à província e às classes populares, uma preocupação com os bons
costumes, referências às discussões mundanas da época ou às intrigas dos
gabinetes ministeriais, em suma, esses magazines indicavam tudo o que
se devia saber para fazer parte da ‘boa sociedade’”.
Já Velloso (2006, p. 329) interpreta essa questão a partir da perspec-
tiva de que as revistas ilustradas se posicionavam como veículos opera-
cionalizadores do moderno, como produções que buscavam, a partir dos
diferentes textos, familiarizar o leitor com as rápidas mudanças sofridas
pelo país na época. Enquanto “órgãos de ponta na construção, na veicu-
lação e na difusão do ideário moderno” (VELLOSO, 2006, p. 316), esse
posicionamento se refletia desde as temáticas escolhidas como pauta –
“as revistas de críticas e de costumes que proliferavam pela cidade (...)
abrem espaço para o footing na Avenida Central, para as festas na Beira

46
ELIZA BACHEGA CASADEI

Mar, para os torneios que reúnem as elites mundanas” (BARBOSA, 2007,


p. 57) – até o acabamento gráfico da publicação e a finalização estéti-
ca do texto – “lidando com público diverso daquele dos jornais, empe-
nhavam-se em cooptar leitores para o sucesso de seu empreendimento,
experimentando as modernas formas de comunicação técnica e visual,
ensaiando novas estéticas literárias e representando grupos sociais e ins-
titucionais que buscavam sua representação” (MARTINS, 2001, p. 126).
É a partir dessa ordem de coisas que Martins (2001, p. 127) comenta
que, embora os relatos de censura e empastelamento de periódicos fos-
sem bastante comuns no período, esses atos não atingiram as revistas de
uma maneira geral. E isso porque “na sua maioria, as publicações consoli-
daram representações propagadoras dos valores do novo regime, quando
o espetáculo republicano ocupou as páginas higienizadas daquele perio-
dismo”. Suas imagens “confirmavam a utopia da Ordem e do Progresso
configurada nas paradas militares e recepções a políticos ilustres, em ce-
nas valorizadas pela arquitetura monumental que brotava na placidez das
praças e jardins e na pujança da indústria ao retratar suas instalações e
maquinário modernos”. Pautas como “os pic-nics bucólicos na Cantareira,
as tardes elegantes no hipódromo da Mooca, os passeios pelo Triângulo,
no rigor da moda, completavam o ‘passar em revista’ de uma cidade que
desfilava sua prosperidade”.
O auto-elogio das elites, nesse caso, exercem um papel moralizador
na Revista da Semana, como uma espécie de manual das boas práticas e
da boa educação, em um projeto afetivo-editorial que combina a exibição
dos valores negativos a partir da sátira pictórica política e a exibição dos
valores positivos a partir do colunismo social.

A tranformação em uma revista feminina
A partir de 1914, há uma mudança radical no projeto editorial da revis-
ta, que deixa se voltar para a sátira política e se torna uma revista feminina.
A Revista da Semana deixa de ser uma revista para o público em geral e se
dedicará de forma mais pormenorizada às mulheres. Em 1915, ela deixa de
pertencer ao Jornal do Brasil e é vendida a Carlos Malheiro Dias, Aureliano
Machado e Artur Brandão, que aprofundam essa readequação editorial. De
acordo com Peixoto (2001, p. 12), a partir desse período, a publicação foi

47
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

pensada para “as senhoras e moças da sociedade, os frequentadores dos sa-


lões abertos para o five o’clock tea e do Municipal” (PEIXOTO, 2001, p. 12).
Ou seja, embora fosse uma revista para o público geral e muitos homens,
de fato, ainda consumissem a Revista da Semana (com textos destinados
a eles), tratava-se de uma revista com um forte consumo feminino. Tal
aspecto começa a aparecer nos aspectos composicionais de suas capas. Das
42 capas publicadas em 1914, 74% delas continham mulheres na capa, em
contraste com a marcante presença masculina dos anos anteriores. Quanto
a essa divisão, é interessante notar que a presença de homens só é expres-
siva nas capas que noticiam a guerra, de forma que, em todas as outras, a
presença de mulheres é dominante.
A divisão, aqui, não é apenas temática, mas se expressa também em
certos aspectos composicionais. Das capas com mulheres, 64,5% são
compostas por personalidades que podem ser identificadas pelo nome –
muito embora seus nomes não apareçam necessariamente expostos. Nos
outros 35,5%, as mulheres retratadas representam coletividades, proces-
sos ou instâncias sociais (as enfermeiras, por exemplo). Além disso, em
77% das capas com mulheres, elas aparecem sozinhas, de forma que é
possível inferir que elas passam a ser valorizadas em suas individualida-
des e não a partir de suas relações no projeto editorial urdido.
No que diz respeito às capas com homens, a composição é ligeira-
mente diferente. Entre estas, em apenas 36% das capas os homens são
identificados pelos nomes, ao passo que, nas restantes (64%) eles são
representados como uma coletividade ou metaforizações de processos –
especialmente vinculados aos assuntos da guerra. Os homens estão em
conjunto (acompanhados de outros homens) em 55% das capas (estando
sozinhos em 44% delas).
Quanto a outros dados da composição imagética, também é possível
inferir algumas questões. Nas capas de ambos os sexos, há a totalidade de
ângulos retos, porém, nas capas com mulheres, há a prevalência do plano
médio (com 58% das incidências) e do plano geral (com 41%). Nas capas
masculinas, há a prevalência do plano geral (com 90% das incidências).
Isso conota uma valorização do personagem nas capas com mulheres, ao
passo que as capas com homens valorizam uma situação (com a interação
personagem e cenário).

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ELIZA BACHEGA CASADEI

Além disso, nas capas com mulheres, há a prevalência do equilíbrio


dinâmico (54,8%) em detrimento do estático (45,2%). Nas capas com
homens, há a prevalência do equilíbrio estático (em 82% delas). Lem-
bramos, aqui, que o equilíbrio dinâmico sugere uma ideia de movimen-
to e de leveza, em comparação ao equilíbrio estático, reforçando lugares
comuns a respeito da constituição da masculinidade e da feminilidade
no período.
Em 1915, as características descritas se aprofundam. Nesse ano,
88% das capas publicadas tinham mulheres na capa e em apenas 12%
havia a presença masculina - e ainda restrita aos assuntos que versavam
sobre a cobertura de guerra. Das capas com mulheres, 75% delas pos-
suíam personalidades que podiam ser identificadas pelo nome, ao passo
que, dentre as capas com homens, 66% eram relativas a personagens que
figurativizavam processos ou instâncias sociais. Além disso, em 86%
das capas as mulheres apareciam sozinhas – o que acontece em apenas
50% das capas com homens. Também nesse ano, portanto, há a valori-
zação do feminino nas capas.

Capa da edição de 01/08/1914 Capa da edição de 31/08/1915

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CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

No que se refere às técnicas de composição, também há a predominân-


cia do ângulo reto em todas as capas e a maior frequência do plano médio
(67%) e do equilíbrio dinâmico (52%) nas capas com mulheres e do plano
geral (66%) e do equilíbrio estático (83%) para as capas com homens.
Essa guinada para capas com personagens femininas indica um re-
posicionamento editorial por parte da Revista da Semana que, contudo,
não se mostra de forma tão radical no conteúdo interno da publicação.
Na edição de 05 de Junho de 1915, por exemplo, é possível observar as
seguintes pautas: uma foto da Mme. Laurinda Santos Lobo, as festas das
regatas de Botafogo, a soirée íntima do Club 24 de Maio, algumas fotos
obtidas à porta do Cine Palais, “o cinema chic da avenida”, reportagem in-
titulada “Interiores elegantes: a casa de Madame Santos Lobo”, a cobertu-
ra social das movimentações políticas da semana, material literário, algu-
mas crônicas de moda, a cobertura sobre submarinos ingleses na guerra,
uma fotografia da imperatriz da Rússia, uma reportagem sobre engenhos
explosivos, cobertura sobre personalidades brasileiras em Washington,
reportagem sobre a companhia edificadora, “um estabelecimento que
honra o Brasil”; cobertura fotográfica do “festival do Germânia, em be-
nefício da Cruz Vermelha Alemã”, reportagem sobre reprodução de aves,
além de diversas seções de aconselhamento. Como pode ser observado, as
pautas não fogem do colunismo social exercido anteriormente, com a di-
ferença de que as mulheres passam a obter um destaque um pouco maior.
Uma das mudanças sensíveis pode se observada em relação às colu-
nas, ligadas ao que, na época, se denominava “literatura de aconselha-
mento”, uma prática comum em várias revistas da época. As temáticas
envolvidas nessa editoria iam desde conselhos médicos e de beleza até
sugestões de comportamento e consultórios sentimentais. Uma parte im-
portante da Revista da Semana passou a ser destinada, em um primei-
ro momento, às Cartas de Mulher – crônicas sobre fatos da atualidade
assinadas por “Iracema”. Normalmente posta no início da revista, essa
seção, segundo Buitoni (2009, p. 60) embora não se destinasse somente
às mulheres, se caracteriza justamente por apontar os fatos do cotidiano
sob um ponto de vista feminino. A autora destaca um texto, publicado em
Novembro de 1918, que saudava o término da Primeira Guerra Mundial a
partir do ponto de vista de uma narradora que soube da notícia em uma

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ELIZA BACHEGA CASADEI

loja de chapéus: “eu me achava numa casa de chapéus, aonde acompanha-


va uma amiga. (...) Entre as vendeuses, havia uma mulher magra, loira,
com vestígios de beleza e vestida de preto, com a aparência de idade em
que já se pode ser a mamãe de jovem soldado”. Posteriormente, inaugu-
ra-se o Jornal das Famílias – que, segundo a sua própria linha fina, dedi-
cava-se às “modas, costuras e bordados, a vida no lar, receitas e conselhos
práticos, economia doméstica e alimentação”. Trata-se de uma seção des-
tinada a dar conselhos práticos, de higiene e de cuidado com a família
para as jovens moças. Entre os textos publicados ali, podemos encontrar,
por exemplo, colunas sobre conselhos sociais – como em uma edição que
anunciava que “os gestos, a maneira de andar e o som da voz revelam
melhor e mais completamente o íntimo da personalidade humana do que
a palavra, o olhar e o sorriso”. E assim, “duas senhoras da mesma idade,
uma de educação fina, a outra de educação vulgar, tem um andar muito
diferente e seria impossível confundi-las se estivessem elas igualmente
vestidas e enchapeladas” (REVISTA DA SEMANA, 08/10/1921).
Na mesma edição, a seção “Preceitos de Hygiene” aconselhava que “o
riso é excelente para a saúde e dá um novo vigor a todo o nosso ser. Um
riso bem sincero e bem franco dilata os nossos pulmões, ativa a circula-
ção do sangue e dá um tom rosado à mulher que ri”. Além dos benefícios
inegáveis à saúde, a revista relata as benesses sociais de um bom sorriso,
vinculando o sorriso largo ao sucesso no casamento:

muitas vezes um rapaz teme pedir em casamento uma moça cujos


lábios finos e cerrados denotam um mau gênio. O homem é egoís-
ta e deseja, sobretudo, o seu bem-estar, tanto físico quanto moral.
Ele deseja sempre atingir a felicidade completa e não se cansa de a
procurar, tendo a convicção íntima de que o acordo não pode rei-
nar num casal quando a mulher tem mau gênio. A amabilidade, a
mulher devia sabê-lo, é uma verdadeira força. Por seu bom humor
e sua amabilidade, a mulher toma império sobre seu marido (RE-
VISTA DA SEMANA, 08/10/1921).

As seções de aconselhamento eram mesmo bastante disciplinadoras


e mostravam de forma evidente a ideologia conservadora da Revista da
Semana. Na edição de 01/10/1921, a coluna Conselhos Sociais explicava

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CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

porque “o que se chama uma moça moderna não é mais que uma falsi-
ficação da verdadeira moça” que “perdeu o que fazia o encanto da sua
primavera”. Criticando os novos costumes, a coluna dizia às “moças cha-
madas a seguir o caminho sagrado do casamento” que elas “devem saber
em que grandes e magníficos deveres ela terá a honra de empenhar a sua
vida. Mas ela pode, tomando consciência do estado de esposa e de mãe,
ao qual ela aspira, guardar a sua candura, sobretudo não fazendo alarde
de conhecer precocemente aquilo que, por tradição, uma donzela deve
ignorar; tal sabedoria é aliás tão deplorável como perigosa”:

Em grande parte, o nosso mal atual vem daí: sob o pretexto de


desemburrar-se, a moça atira-se no campo da ciência completa do
que, por falta de discernimento, resulta muitas vezes a perversão do
espírito. Para guardar a alma pura das moças, não lhe deem senão
gostos simples. Antes, a entrada na sociedade não se fazia tão cedo;
as toaletes de baile eram modestamente decotadas; não usavam
joias ricas antes do casamento, nada de meias de seda nem roupas
de baixo de luxo, todo o vestuário era simples. Hoje o enxoval de
uma menina comporta roupas de seda, em todos os coloridos, ricas
rendas, bordados de fadas, joias riquíssimas. O vestido de baile de
uma moça moderna só pode servir para afastar os pretendentes
sérios. E, muitas vezes, esse luxo não corresponde ao dote nem ao
que se chama abominavelmente as esperanças. Os costumes antigos
tinham o seu lado bom e o casamento mais estabilidade (REVISTA
DA SEMANA, 01/10/1921).

Na edição de 05 de Junho de 1915, é possível encontrar, por exem-


plo, a coluna Consultório da Mulher, composta por conselhos sobre itens
de beleza que devem ser adquiridos, dados pela Mme. Selda Polocka, “a
eminente especialista nos tratamentos de pele e de cabelo”. Segundo ela,

A cabeça não deve lavar-se com sabão, nem tão pouco com prepa-
rados ácidos, que quebram o cabelo, nem com soluções de alcatrão.
O Shampoo-Powder é o preparado ideal para uma perfeita higiene
da cabeça. Limpa, desinfeta tonifica, remove a caspa, refresca o
couro cabeludo. Toda mulher ciosa da conservação e saúde do seu
cabelo deve lavar a cabeça de oito em oito dias. Nunca compreendi
porque se esquecem tantas mulheres de prestar aos seus cabelos os

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ELIZA BACHEGA CASADEI

cuidados que tem com o seu rosto. Por isso mesmo seus cabelos em-
branquecem e caem prematuramente. A limpeza é a vida do cabelo,
não me cansarei de repetir. Quase todas as doenças se evitariam
com cuidados de higiene (REVISTA DA SEMANA, 05/06/1915).

É possível encontrar, também, a seção “Momento Elegante”, que com-


binava conselhos práticos da vida (especialmente direcionado a mulheres)
com cobertura de eventos importantes: “no domingo, houve uma regata
na Bahia de Botafogo. Raras são as festas esportivas que conseguem ter
um aspecto tão deslumbrante e tão prodigiosa magia. A tarde, o céu, os
morros altos, a verdura, toda a maravilha dispersa da paisagem concor-
riam para a glória da festa”. Na sequência, o texto comenta o comporta-
mento de mulheres no local: “procurei guardar nas raízes remotas do meu
ser a imagem nítida daquela forma singular e perfeita que enchia de graça
a festa e a tarde. Fixei-a e ouvi-a. Ela falava ciciante para o companheiro,
comentando a tarde bela, a pureza do céu, a alegria da multidão, toda a
radiosa mocidade que a cercava” (REVISTA DA SEMANA, 15/06/1915).
Os signos da diferenciação e da elegância passam a ocupar grande parte
das preocupações da revista, de forma que “a busca dos sinais de distinção
estava na ordem do dia, traduzidos por práticas também estimuladas e as-
similadas via periodismo. A começar pela vestimenta, seguida das relações
de sociabilidade, a ida ao prado, aos recitais” (MARTINS, 2001, p. 382).
A moda, por exemplo, ocupava grande parte das colunas de aconse-
lhamento. Em um estudo sobre essa temática na Revista da Semana de
1915 a 1918, Czrnorski e Meyrer (2016, p. 250) apontam para o fato de
que a moda aparece, na publicação, como um mecanismo de condeco-
ração social, de forma que o vestir-se bem se configurava como um ato
de significação demarcador de identidades e posicionamentos de classe
que ultrapassava a mera vestimenta e se espalhava em direção a atos e
comportamentos tomados como adequados. “Verifica-se, então, um cos-
tume, um comportamento consolidado pela moda vigente que propunha
trajes para mulheres – manhã, tarde e noite – para bailes, passeios, visi-
tas, chás, teatro, interior (para o lar), campo, recepções, e cada qual com
seus respectivos ornamentos e detalhes”. E, assim, “para o público femi-
nino elitista, consideravam-se certas maneiras de convívio em sociedade

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CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

como regras de etiqueta, cordialidade, saber conversar com as pessoas e


ser agradável. O bom gosto da escolha da vestimenta era critério para ser,
ou não, considerada distinta”. As seções de moda, portanto, eram acom-
panhadas por textos que versavam sobre comportamento, vida cotidiana,
habilidades domésticas, decoração, cuidados com a beleza, entre outros.
Uma certa Europa imaginada compunha o ponto nodal a partir do
qual a Revista da Semana organizava seus aconselhamentos sobre moda
e comportamento. “A combinação dos adornos, dos tecidos requintados,
ter bom gosto na escolha do vestuário seguindo as tendências da moda
etc., não bastava para as mulheres das elites cariocas” uma vez que “para
ser considerada ‘chic’, distinta e elegante, era necessário ter os ‘trejeitos’
apropriados, saber se comportar em sociedade, frequentar bailes, tea-
tros, os chás de caridade e ter o conhecimento das ‘prendas domésticas’”
(CZRNORSKI e MEYRER, 2016, p. 256), em um complexo afetivo-edito-
rial que enfatizava a beleza também como um conjunto de valores morais
e habilidades específicas.
Para Czrnorski e Meyrer (2016), a qualidade dos tecidos utiliza-
dos, tanto no vestuário quanto na decoração do lar, era um importante
elemento de distinção nas reportagens da Revista da Semana, de forma
que era constante a sua categorização em elegantes ou mais simples. A
qualidade do material não raro era correlacionada também às atividades
e papéis destinados às mulheres, ganhando um caráter moral. Os orna-
mentos também eram um fator de distinção relevante e, normalmente,
eram acompanhados de descrições sobre os lugares e ocasiões adequados
de uso. Os cuidados de beleza também eram importantes, nesse sentido,
como fatores de diferenciação social, sendo a manutenção da juventu-
de a principal temática tratada. Não raro, as mães eram tomadas como
responsáveis pela manutenção da beleza de suas filhas, como responsá-
veis pelos cuidados que iriam mantê-las jovens por mais tempo a partir
da adoção de um conjunto de práticas. “Esse comportamento pode ser
entendido como mais um elemento de distinção entre as classes sociais,
contribuindo na construção do arquétipo do chic”, uma vez que “a bele-
za fazia parte do ‘conjunto’ na construção da imagem das mulheres das
classes mais abastadas, diferenciando-as daquelas que não tinham tempo
nem capital para tal” (CZRNORSKI e MEYRER, 2016, p. 264).

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ELIZA BACHEGA CASADEI

Complementarmente a esses aspectos, a revista também criava dife-


renciações a partir de uma espécie de manual de boas maneiras, que in-
dicava quais eram as leituras adequadas, quais conhecimentos de mundo
deveria-se ter, quais as vivências necessárias, os hábitos mais saudáveis,
os modelos de educação, entre outros aspectos do comportamento social.
“Nesse sentido, as mulheres descritas na revista como chics, elegantes
e distintas frequentavam os salões, os bailes, os teatros, as cerimônias
importantes, sendo que nesses ambientes, o cumprimento às normas de
conduta, designadas para o público feminino, era rigorosamente observa-
do” (CZRNORSKI e MEYRER, 2016, p. 267).
Soma-se a essa questão, o ideal higienista da Primeira República. Um
corpo limpo e saudável passa a ser valorizado como uma questão im-
portante e é ligado às formas de beleza. É possível notar, aqui, um ten-
sionamento entre a dificuldade de adaptar a moda europeia aos padrões
climáticos nacionais (com seus tecidos grossos e pouco confortáveis às
áreas tropicais), as dificuldades impostas pelas modas (com seus vestidos
longos que se sujavam com facilidade) e tal ideal higienista. Não obstante
isso, a ambição do Brasil moderno presente na Revista da Semana com-
binava certos preceitos de higiene á elegância e sofisticação, mesclando-
-os aos ideais de beleza. Um dos apelos mais importantes da publicidade
do período e das colunas de aconselhamento voltava-se, justamente, à
exploração da morte e da doença. “A concorrência entre os fabricantes
de remédios fortaleceu a necessidade de recorrer a testemunhas ilustres
e a exibir o nome de médicos, mesmo quando o produto anunciado era
apenas um sabonete” (SANT’ANNA, 2014, p. 36). Não é por acaso que
uma das editorias de aconselhamento da Revista da Semana se chamasse
justamente “Consultório da Mulher”, embora pouco se falasse de saúde e
muito de beleza nesse espaço.
Acompanhado da simbiose entre os modelos de beleza e o ideal higie-
nista, há também uma renovada valorização da aparência jovem. Ao con-
trário da valorização da tradição e dos laços de sangue que sustentavam
parte do imaginário da elite monarquista, a República irá movimentar
um trabalho simbólico de valorização do novo, de forma que o combate à
velhice conquista um espaço importante da publicidade. “Gilberto Freyre
reconheceu que o período imperial havia morrido ‘sob as barbas brancas

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CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

e nunca maculadas pela pintura do imperador D. Pedro II, ao passo que,


em seu lugar, resplandeciam as barbas escuras dos jovens líderes republi-
canos, ávidos pelo poder” (SANT’ANNA, 2014, p. 25).
A questão comportamental não vinha sozinha na Revista da Semana,
estando associada de maneira orgânica a universos de consumo bastante
determinados. Tal como exposto por Martins (2001), cabiam ás mulheres
“muitas das decisões de gastos diários. Desde os fortificantes para a prole,
dentifrícios para a família, produtos alimentícios, sabonetes de qualidade
no apuramento higiênico aos remédios para a ‘saúde da mulher’, produtos
largamente anunciados pelas revistas”, tanto na publicidade como nas co-
lunas de aconselhamento. “A aquisição de figurinos era o primeiro passo
para a produção dessa nova mulher, atenta aos ditames da moda, via Pa-
ris” (MARTINS, 2001, p. 379).
Para tratarmos dessa questão, é interessante observar os circuitos de
consumo na passagem do século XIX para o século XX. Conforme
posto por Stillerman (2015, p. 111), as práticas de consumo sempre foram
atravessadas pelas questões de gênero. Ao longo do século XIX, as práticas
triviais de consumo eram muito mais associadas às mulheres do que aos
homens, uma vez que a elas cabiam os cuidados domésticos e com a esfera
do lar, ao passo que as atividades públicas, o trabalho e a liderança eram
representados como esferas masculinizadas. O consumo vulgar, feito para
o mantimento da casa, era considerado uma atividade menos prestigiada e,
por isso, pensada como uma atividade tipicamente feminina. Assim, muito
embora as mulheres fossem dependentes financeiramente de seus maridos
(e fossem proibidas de uma gama de atividades financeiras como possuir
uma conta bancária), elas ainda eram consideradas os principais actantes
do mundo do consumo. “As mulheres de classe média compravam usando
o crédito de seus maridos, e os comerciantes as encorajavam a gastar somas
consideráveis, sabendo que seus maridos seriam obrigados a pagar a conta”.
E, assim, estabelecia-se uma triangulação a partir da qual “os comerciantes
se aliavam às mulheres contra os seus maridos” (STILLERMAN, 2015, p.
112). Os espaços de comércio eram um dos poucos lugares públicos que
permitiam uma circulação feminina mais livre de restrições.
Embora o protagonismo feminino no mundo do consumo continue
ao longo do século XX, tal regência passa a ser urdida a partir de con-

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ELIZA BACHEGA CASADEI

figurações diversas. Durante as primeiras décadas, as mulheres passam a


ser representadas de uma maneira mais consistente como “especialistas em
consumo”, principalmente a partir da ótica de um cuidado com a família e,
especialmente, com as crianças. Apelava-se ao senso de responsabilidade
das mulheres com a saúde de seus filhos e o bem estar do marido como uma
estratégia central de marketing. Tratava-se de um consumo voltado para o
outro, tanto no que se refere à satisfação de necessidades familiares quanto
para a efetivação de hábitos sobre o que se esperava de uma mulher na
época (tais como uma boa manutenção da casa e da higiene da família). Tal
estruturação começa a ser esgarçada somente a partir dos anos 1960, com
a emergência de maior autonomia financeira feminina. “Historicamente, o
consumo feminino foi organizado em torno das necessidades do marido e
dos filhos. Frequentemente, a mulher consumia em nome de terceiros em
detrimento de si mesma” (STILLERMAN, 2015, p. 113).
A partir desses parâmetros, é possível estabelecer que, no projeto afe-
tivo-editorial da Revista da Semana, a mulher era projetada como res-
ponsável pelo consumo da casa e, portanto, como fiadora desse conjunto
de valores ligados à distinção. O consumo das mulheres, nesse sentido,
não estava restrito aos produtos que ela própria consumia, mas sim, ao
consumo da família como um todo.
Os significados que preenchiam simbolicamente os sentidos distin-
tivos que tais produtos deveriam ter se encontravam na cobertura jorna-
lística que, imaginariamente, preenchiam o que significava ser elegante e
sofisticado naquele desenho social.
Esse direcionamento do projeto afetivo-editorial da Revista da Semana
se mantém até, pelo menos, meados da década de 1930, quando outros
pressupostos editorias passam a ser dominantes no mercado de revistas
brasileiro.

Relações de consumo e imagens da distinção
As relações de consumo nem sempre se deixam entrever nos lugares
mais óbvios. Na Revista da Semana, elas estão mediadas não apenas pe-
los anúncios que são publicados em suas edições (como lugares em que
a evocação ao consumo aparece de forma mais imediata), mas também
nas reportagens jornalísticas – não necessariamente no nível dos seus

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CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

conteúdos específicos, mas sim, no complexo afetivo-editorial que é ur-


dido pela publicação. Tal complexo afetivo-editorial é marcado tanto
por um projeto editorial específico (comum às revistas ilustradas do
período) em associação a mecanismos de convocação que são histori-
camente marcados.
As revistas ilustradas do início do século XX constituíram-se como
espaços privilegiados de representação de uma sociabilidade da época,
“num momento em que a ascensão de uma classe média e a promoção
da vida urbana, contribuía para o surgimento de novos espaços públicos
e eventos sociais para atender a demanda desses novos grupos: eventos,
recepções, óperas, teatros, dentre outros” (CZRNORSKI e MEYRER,
2016, p. 252), constituindo-se em um mediador importante das relações
de consumo.
O modelo afetivo-editorial da Revista da Semana está inserido em
um contexto em que pautada pela “reestruturação das cidades e do pe-
rímetro urbano”, de forma que “os passeios, bailes, chás, eventos de ca-
ridade, dentre outros, eram uma forma de socialização. O aumento dos
espaços e das redes de sociabilidade levaram à necessidade de um preparo
específico para as novas atividades, passando, essa preparação, a integrar
a educação formal e informal”. Tal modelo de educação implica em ideais
de “civilidade, polidez, relacionado, neste contexto, aos manuais de boas-
-maneiras, aos protocolos que ‘devem’ ser seguidos conforme as regras da
‘boa educação’”. (CZRNORSKI e MEYRER, 2016, p. 266). Ele materia-
lizava-se em variados aspectos, desde a forma de agir (andar, conversar,
socializar, vestir) até os conhecimentos de mundo necessários para a so-
cialização nesse imaginário. Eram esses elementos que, de uma maneira
geral, formavam o complexo afetivo-editorial da Revista da Semana, ao
resumir todos esses aspectos sob o signo da elegância, materializado em
imagens específicas.
O conceito de complexo afetivo-editorial pode ser melhor delineado
levando-se em consideração, tal como Lordon (2015), que as afeições não
são características intrínsecas ao sujeito. “Existem, sim, indivíduos e eles
experimentam afetos, mas esses afetos não são senão o efeito das estrutu-
ras nas quais os indivíduos estão mergulhados” (LORDON, 2015, p. 10).
Para o autor, “existem estruturas, e nas estruturas existem homens passio-

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ELIZA BACHEGA CASADEI

nais; em primeira instância, os homens são movidos por suas paixões; em


última análise, suas paixões são amplamente determinadas pelas estru-
turas”. Para Lordon, os próprios regimes de acumulação do capitalismo,
nesse sentido, se exprimem em certos desejos e afetos ou, de forma mais
precisa, cada estruturação de acumulação de capital tem uma espécie de
estrutura dual composta por um complexo de sentimentos que o sustenta
e o reproduz.
Para aprofundar essa ideia, o autor recorre à ideia espinosiana de co-
natus, entendida como uma energia genérica cuja determinação é dada
por afecções exteriores, inscritas em estruturas sociais, que a orientam
concretamente em direção a um objeto. A energia do conatus, dessa for-
ma, investe em determinados objetos por meio de afecções que estão ins-
critas em sistemas mais amplos e são socialmente determinadas. “Ela só
toma forma escorrendo pelas estruturas sociais, nas formas institucionais
e nas relações sociais, que lhe oferecem suas condições concretas de exer-
cício e, por isso mesmo, configuram seus investimentos possíveis, deter-
minando-a para alguma coisa – salvação, glória, fortuna (ou qualquer
outro objeto a almejar)”. Para citar alguns exemplos do que o autor chama
de formações macrossociais do desejo, é possível evocar “as estruturas
do capitalismo, em suas configurações históricas sucessivas, que dão aos
homens da era capitalista os objetos em que suas energias conativas se
investirão” como “os movimentos dos corpos assalariados, primeiramen-
te, para lutar contra o perecimento, depois, pelas alegrias extrínsecas do
consumo mercantil e, enfim, pelas alegrias intrínsecas da ‘vida preen-
chida’ ou ‘da vocação realizada no e pelo trabalho” (LORDON, 2015, p.
74). Estruturas sociais anteriores teriam oferecido outras estruturações
duais de emoções, desejos e recompensas, tal como a glória do combate,
as esperanças de salvação e o desejo por magnitude para um grupo social
específico no regime feudal. Tais estruturações das emoções e do desejo
podem ser mapeadas desde uma escala macrossocial (concernentes ao
regime de acumulação capitalista, por exemplo) até circunscrições bem
menores, específicas de grupos ou instituições sociais.
Trata-se, como posto por Lordon, de uma releitura da noção de
campo, de Bourdieu, que não são mais do que realizações concretas de
lugares de desejos, imaginários e afetos organizados de forma estrutural

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CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

e compartilhados socialmente. As instituições, aqui, como é o caso da


própria imprensa, são compreendidas como os mecanismos por meio
dos quais o conatus intransitivo se torna transitivo, ou seja, direcionado
a um objeto a partir de uma afeição. São as instituições que dão forma às
emoções amorfas e, consequentemente, permitem certos tipos de afetos
enquanto barram outros, fornecendo a partilha dos desejos validados e
dos não legitimados. Cada instituição tem uma circunscrição e uma ex-
tensão próprias (o campo científico só afeta aos cientistas, por exemplo)
e, por isso, diferentes capacidades de afecção. Em conjunto, as diversas
instituições que atuam sobre um sujeito, em diferentes graus de influên-
cia e impacto, irão compor um complexo de afetos que irão se manifes-
tar de maneiras diferentes em cada sujeito – mesmo que compostas a
partir de uma base comum para um determinado grupo.
Assim, “no plano de fundo de toda interação empregado/empregador
particular, há justamente a integralidade das estruturas da relação sala-
rial, com toda profundidade de seu desenvolvimento histórico”, porém,
“todo esse desenvolvimento só se realiza na localidade das múltiplas in-
terações concretas concebidas como encontros de objetos determinados”
(LORDON, 2015, p. 78). Forma-se, assim, uma “aritmética das composi-
ções afetivas”.
É esse jogo entre as diversas estruturações sociais da emoção que
fornecem, para Lordon, o fundamento da mudança social. Crises insti-
tucionais são marcadas, justamente, por mudanças nos afetos, que po-
dem levar a necessidade de reconfiguração dessas mesmas instituições
ou, até mesmo, revoluções mais bruscas no sistema como um todo. “Afi-
nal, qualquer instituição não passa de uma estabilização temporária de
certa relação de potências”, posto que “o imperium da instituição nada
mais é que o afeto comum que ela consegue produzir para determinar
que os indivíduos vivam de acordo com sua norma”. Os sistemas são in-
capazes de estabilizações definitivas justamente porque o complexo de
emoções que os sustentam também estão sujeitos a desestruturações, de
forma que “o que um afeto comum sustenta, outro afeto comum, con-
trário e mais potente, pode desfazer”. É por isso que “um estruturalismo
das paixões é, assim, necessariamente, um estruturalismo dinâmico”
(LORDON, 2015, p. 83).

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ELIZA BACHEGA CASADEI

Poderíamos, então, responder à pergunta, feita em maio de 1968,


sobre se ‘são as estruturas que descem às ruas’. A resposta é: pri-
meiramente os corpos individuais desejantes que descem, mas eles
só descem por terem sido afetados de certa maneira na e pelas
estruturas, isto é, sem paradoxo algum, eles descem para estarem
presos às estruturas que o fizeram descer – e porque elas acabaram
lhe parecendo odiosas (LORDON, 2015, p. 84).

Quando aludimos ao conceito de um complexo afetivo-editorial, por-


tanto, estamos nos referindo justamente a uma estruturação de afetos,
emoções e desejos que é mediada por um veículo jornalístico específico,
a partir tanto da validação de afetos presentes em outras estruturações so-
ciais, quanto a partir dos pressupostos intrínsecos de seu projeto editorial
e de suas formas de convocação historicamente marcadas.
O complexo afetivo-editorial da Revista da Semana é marcado, jus-
tamente, pela valorização dos signos da distinção social, evocando uma
estrutura sentimental em que a convocação ao ser elegante era a linha
mestra das estruturações do material jornalístico encontrado tanto em
termos de escolha de assuntos quanto do enquadramento dado aos textos
e às fotografias publicadas. A massificação da fotografia na imprensa bra-
sileira acentuou a importância da aparência física (SANT’ANNA, 2014),
mas não era apenas isso que estava em jogo na publicação: embelezar-se,
para a Revista da Semana, é um signo de distinção (não é algo ao alcance
de todos) e envolve um complexo afetivo-editorial que engloba compor-
tamentos, habilidades e objetos demarcados.
A distinção é uma marca constituinte das relações de consumo, tal
como explorado por diversos autores clássicos. Para Bourdieu (2007),
por exemplo, a constituição do gosto, que é um aspecto determinante em
muitos níveis dos atos de consumo, não é aleatória – ela é socialmente
determinada e está diretamente vinculada aos sistemas de classificação
social hierarquicamente estruturados. O que chamamos de estilo de vida,
assim, “é um conjunto unitário de preferências distintivas que exprimem,
na lógica específica de cada um dos subespaços simbólicos” como mobí-
lia, vestimentas, linguagem etc., “a mesma intenção expressiva, princípio
de unidade de estilo que se entrega diretamente à intuição e que a análise
destrói ao recortá-lo em universos separados” (BOURDIEU, 1983, p.83).

61
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

Para Douglas e Isherwood (2004), os atos de consumo são muito pou-


co marcados pela utilidade que os objetos possuem, mas sim, pelo valor
acordado socialmente que é atribuído a eles e, por conseguinte, demarca
certas posições sociais para o sujeito. Também para Baudrillard (1996, p.
10), o consumo “é uma função social de prestígio e de distribuição hie-
rárquica”, de forma que podemos “considerar os objetos em si próprios e
a sua soma como índice de pertença social, mas é muito mais importante
considerá-los, na sua escolha, organização e prática, como o suporte de
uma estrutura global do ambiente circundante, que é simultaneamente
uma estrutura ativa de comportamento”.
Na Revista da Semana, contudo, a distinção articulava-se não apenas
nesse nível, mas também, como marca constituinte de seu projeto afeti-
vo-editorial, na articulação de uma espécie de manual de boas manei-
ras que, a partir de uma perspectiva bastante didática, mostra aos seus
leitores quais preenchimentos deveriam ser dados ao signo genérico da
distinção, guiando-os através dos caminhos do bom gosto.
A elegância era uma palavra-chave da distinção no período da Pri-
meira República, de forma que “o andar e a prosa das mulheres eram mui-
to importantes” para os cronistas do período: “enfeava-as definitivamente
ou, ao contrário, dava-lhes graça e formosura” (SANT’ANNA, 2014, p.
13). Trata-se de uma herança ainda do século XIX, de forma que “nos
centros urbanos em desenvolvimento no começo da República, dizer que
alguém era elegante figurava um elogio importantíssimo. A deselegância
podia trazer sofrimentos atrozes, mesmo quando a sua definição perma-
necia vaga ou unicamente concentrada nas vestimentas e no porte físico”
(SANT’ANNA, 2014, p. 30). Nesse sentido, manuais de comportamento,
muitos deles importados da Europa, eram artigos comuns obtidos por
mulheres do período. A Revista da Semana apresenta-se ela própria como
um manual de comportamento, preenchendo progressivamente o signo
vazio da elegância com um conjunto de características físicas e compor-
tamentais que deveriam ser observados por seus leitores e estão materia-
lizados nas imagens e fotografias publicadas.
Ao longo do período estudado, é possível notar que a elegância e a
distinção são articuladas por diferentes tipos de materiais imagéticos. Em
suas primeiras capas, há o topos viril do militar e dos homens de poder

62
ELIZA BACHEGA CASADEI

que, paradoxalmente, é complementado com a virilidade do criminoso,


ambos com a função de demarcar certas características masculinas tidas
como desejáveis e atraentes, perspassando desde um modelo comporta-
mental específico até a delimitação de certo savoir faire – seja pela via do
positivo (no militar) ou da negação (no criminoso). A partir do final da
década de 1900, essas figuras não são mais as protagonistas nas capas e
são substituídas pela sátira política gráfica. Essas charges, contudo, tam-
bém estão imbuídas de um forte caráter moral, demarcando uma escala
de valores positivos e negativos. Ao efetuar a partilha entre o que é con-
siderado certo e errado, as capas da Revista da Semana, nesse período,
fazem um elogio de seu próprio público, em uma auto apreciação de seus
supostos valores. Em 1915, a revista se consolida como uma revista fe-
minina, trazendo em suas capas pela primeira vez a figuração da mulher,
complementada por uma escolha editorial que privilegia as colunas de
aconselhamento. Nessa fase, os apelos à elegância e ao bom gosto ficam
mais evidentes, contudo, é inegável que eles estiveram presentes em todo
o período estudado, especialmente se for considerado o conteúdo das
imagens internas da revista. Desde 1900, a Revista da Semana dava uma
grande atenção aos eventos da grande sociedade e às imagens do pro-
gresso brasileiro, no esforço de construir um ethos para a elite da época.
É possível considerar que o conteúdo das fotos internas da Revista da
Semana davam materialidade para o ideal de elegância construído nos
textos, constituindo-se como as exemplificações dessa espécie de guia ou
manual de boas práticas de elegância que era construído pela publicação.
Em relação às práticas de consumo que a fotografia urdia, nesse sen-
tido, é possível afirmar que ela não se constituía tanto como uma facilita-
dora para a venda de produtos, mas sim, como a instância que urdia um
certo “hábito hermenêutico” (LORDON, 2015) de preenchimento para o
signo vazio da “elegância”.
A partir da consideração, esmiuçada anteriormente, de que os afetos
se organizam de acordo com estruturações sociais que são mediadas e
reproduzidas pelas instituições de diversas ordens, Lordon (2015, p. 70)
irá elaborar a noção de hábito hermenêutico para explicar um conjunto
de pensamentos, associações e ajuntamentos simbólicos comuns presente
em um determinado grupo em um momento histórico preciso. A partir

63
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

do pressuposto espinosiano de que “com efeito, um soldado, por exemplo,


ao ver os rastros de um cavalo sobre a areia, passará imediatamente do
pensamento do cavalo para o pensamento do cavaleiro e, depois, para
o pensamento da guerra etc.” ao passo que “já um agricultor passará do
pensamento do cavalo para o pensamento do arado do campo”, Lordon
irá os grupos possuem constantes interpretativas (hábitos) que coorde-
nam as ligações simbólicas em direções similares. Um hábito hermenêu-
tico, portanto, é

uma estrutura estratificada de esquemas concatenadores orienta-


dos, dos quais uma parte é comum em grande escala – todo mundo,
por exemplo, associa o barulho do trovão à iminência da chuva –,
uma parte é comum na escala de grupos mais restritos – as asso-
ciações dos camponeses são as mesmas, mas diferem daquelas dos
soldados –, uma parte mais idiossincrática, formada, por exem-
plo, de acordo com as fixações neuróticas de uma história pessoal
(LORDON, 2015, p. 71).

É nesse sentido que experiências ou afecções em comum determinam


redes simbólicas similares, produzindo associações de sentido e concate-
nações comuns – o que Lordon (2015) entende por hábitos hermenêuti-
cos comuns. Ainda sobre isso, o autor pondera que

se, por exemplo, as condições de existência material entram, para


grande parte das pessoas, nas experiências vividas cotidianamente,
então, a homogeneidade por grupos sociais dessas afecções vincu-
ladas à vida material determina uma homegeneidade correspon-
dente das ligações de ideias, portanto, das atribuições de sentido
e das valorizações que as sucedem – e os ‘hábitos’, consequente-
mente, estruturam-se, para uma parte das pessoas, sob uma base de
classe (LORDON, 2015, p. 71).

O signo da elegância, para A Revista da Semana, é enquadrado como


uma instância intransitiva, ou seja, desejável em si, algo intrinsicamente
almejável, em seu projeto afetivo-editorial. Tal “elegância”, contudo, tem
um significado múltiplo e flutuante que é preenchido de diferentes for-
mas pelas fotografias que são publicadas. As imagens, na Revista da Se-

64
ELIZA BACHEGA CASADEI

mana funcionam como suportes materiais dos afetos que dão conteúdo
ao que significa ser distinto.
Ao tratar da questão sobre como as imagens são capazes de conden-
sar estados afetivos, Didi-Huberman (2016) chama a atenção para o fato
de que, durante muito tempo, as emoções foram utilizadas pela filosofia
apenas a partir de sua conotação negativa. Ele lembra que, em Aristóteles,
por exemplo, a palavra páthos é deduzida a partir daquilo que, em gramá-
tica, é chamado de a voz passiva do verbo. “Eis o exemplo que ele dava:
‘eu corto, eu queimo’ ilustra a voz ativa ou em ação”, ao passo que “‘eu
sou cortado’, ‘eu sou queimado’ ilustra a voz passiva ou em passividade,
ou seja, em páthos (aliás o exemplo é interessante, pois se refere tanto a
uma dor injusta, à tortura, por exemplo, como a uma dor benéfica, como
quando o médico corta um tumor ou cauteriza uma ferida, queimando-a)
(DIDI-HUBERMAN, 2016, p. 20). A paixão e os afetos, portanto, foram
muitas vezes ligados à passividade, à impossibilidade de ação ou, em um
outro aspecto, como um elemento contrário á razão.

A emoção seria assim um impasse: impasse da linguagem (emocio-


nado, fico mudo, não consigo achar as palavras); impasse do pen-
samento (emocionado, perco todas as referências); impasse de ação
(emocionado, fico de braços moles, incapaz de me mexer, como se
uma serpente me imobilizasse) (DIDI-HUBERMAN, 2016, p. 21).

O fim da oposição entre emoção, de um lado, e razão e ação de outro,


na filosofia, se dará a partir do entendimento de que a vida sensível pode
ser descrita a partir de sua energia passional, de forma que os afetos passam
a ser encarados como gestos ativos, primeiramente a partir de Nietzsche e
Bergson, com ecos em Freud, Merleau-Ponty e Sartre. Assim, “uma emoção
não seria uma e-moção, quer dizer, uma moção, um movimento que con-
siste em nos pôr para fora (e-,ex) de nós mesmos?” (DIDI-HUBERMAN,
2016, p. 25). A emoção, então, passa a ser vista como um tipo de ação –
ação esta que é ao mesmo tempo interior e exterior ao indivíduo.
Interior na medida em que os sentimentos sempre afetam a um su-
jeito que os vivencia como experiência. Exterior, contudo, na medida
em que “a emoção não diz eu”, ou seja, ela se manifesta a partir de gestos

65
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

que são exteriores ao indivíduo, fazem parte de uma memória coleti-


va e se reproduzem nele. Há, a partir disso, uma espécie de “expressão
obrigatória dos sentimentos” que é culturalmente codificada e remete
aos gestos de manifestação de emoções que são esperados nos grandes
ritos públicos, por exemplo. “Trata-se de emoções verdadeiras, mas elas
passam, elas precisam passar, por sinais corporais – gestos – reconhe-
cíveis por todos” (DIDI-HUBERMAN, 2016, p. 33), estabelecendo uma
linguagem passional.
Se voltarmos à questão da imagem, veremos que as fotografias e gra-
vuras “são como cristais que concentram muitas coisas, em particular es-
ses gestos muito antigos, essas expressões coletivas das emoções que atra-
vessam a história”. E, assim, “é como se a história das artes visuais – a pin-
tura e a escultura, mas também a fotografia – pudesse ser lida como uma
imensa história das emoções figuradas, dos gestos emotivos que Warburg
denominava ‘fórmulas patéticas’” (DIDI-HUBERMAN, 2016, p. 35).
As fórmulas patéticas (Pathosformel) dizem respeito à “intricação in-
dissolúvel de uma carga afetiva e uma fórmula iconográfica” (DIDI-HU-
BERMAN, 2013, p. 174). Tal fórmula iconográfica é um rebatimento de
uma série de sedimentações e rearticulações de uma memória coletiva
e, por esse motivo, Didi-Huberman entende-as como fósseis em movi-
mento, como um convite à ação. A imagem assim entendida – como uma
dialética da montagem de camadas de significações de tempos sobrevi-
ventes – está submetida a um regime duplo: “o pathos com a fórmula”
(DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 173). A expressão “formas do pathos na
imagem” (pathosformel), portanto, remete à ideia de um “traço signifi-
cante, um traçado em ato das imagens (...), algo pelo qual ou por onde a
imagem pulsa, move-se, debate-se na polaridade das coisas”. Remete, ain-
da, ao “combate de todos os instantes com a complexidade fervilhante das
coisas do espaço e com a complexidade intervalar das coisas no tempo”
(DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 173).
As fotos da Revista da Semana podem ser entendidas como mani-
festações das fórmulas do pathos, ao empreender a união de uma carga
afetiva com uma fórmula iconográfica que se expressa na concorrência
de tempos heterogêneos, ligados à memória coletiva e às suas diversas
reconfigurações, em uma mesma imagem.

66
ELIZA BACHEGA CASADEI

O consumo de produtos, bens e serviços, aqui, não é colocado de


maneira direta: ele está articulado nas afetividades evocadas, que dire-
cionam a um enquadramento minimamente comum do mundo – e, espe-
cialmente, do que é necessário consumir para habitar um recorte pautado
pela elegância, sofisticação e distinção. Trata-se de um complexo afetivo-
-editorial que utiliza convocações para o consumo que são historicamen-
te marcadas e que irão mudar ao longo do tempo, como mostraremos nos
próximos capítulos.

67
CAPÍTULO 2

O consumo das vanguardas artísticas para a


massa (de 1920 a meados da década de 1940):
Trangressões estéticas esvaziadas de senso político
e lastros de real baseados em acordos formais em
O Cruzeiro e Revista da Semana

O signo da elegância, expresso em uma espécie de manual de bons


costumes e de boas práticas, dá o tom do projeto afetivo-editorial da Re-
vista da Semana até ao menos meados da década de 1930. O modo como
isso se expressava imageticamente nas capas, contudo, muda de maneira
considerável – a celebração dos valores da sofisticação e da distinção en-
contra contornos estéticos variáveis, materializados na evocação de técni-
cas de composição diversas nas imagens, e se coaduna a uma certa noção
de “moderno” e de “reinvenção de si”.
A partir da década de 1920, uma das características que podem ser
notadas é o abandono progressivo das fotografias nas capas e a preferên-
cia por ilustrações – de forma que a maioria delas se configurava a partir
de desenhos de mulheres que não podiam ser identificadas pelo nome
(eram mulheres “genéricas”, não personagens do star system ou do staff
político da época). A partir de 1928, a Revista da Semana passa, ainda, a
dividir espaço no mercado editorial com a revista O Cruzeiro, que nasce
como uma publicação inspirada na Revista da Semana, com os mesmos
moldes editoriais – e que apenas posteriormente passa a adotar outros
modelos jornalísticos, conforme trataremos na sequência. No final da dé-

69
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

cada de 1920, portanto, as duas revistas seguem parâmetros afetivo-edi-


toriais bastante similares.
A partir do final de 1930, há uma clivagem e a Revista da Semana
volta a valorizar a fotografia instantânea na capa, especialmente a partir
da exploração de paisagens e tipos humanos, conforme será detalhado a
seguir. Já O Cruzeiro, aposta em uma estratégia diferente e há uma ex-
ploração cada vez mais sistemática do star system norte-americano como
gatilho para o consumo de um modo específico de vida.
Apesar da diversidade de abordagens fotográficas, há, no entanto,
dois aspectos centrais que se destacam nesse período e que gostaríamos
de detalhar neste capítulo: um tipo específico (e historicamente marcado)
de convocação do consumidor pela imagem a partir do uso de estratégias
estéticas próprias às vanguardas artísticas europeias e norte americanas da
época (mesmo que destituídas de seu caráter político) e um novo modo
de evocação das técnicas de referencialidade a partir do advento de outros
parâmetros imagéticos (também relacionadas às vanguardas artísticas) que
fornecem o lastro imaginário para o consumo do princípio de testemunha.
O diálogo que tais publicações estabeleceram com as vanguardas artísticas,
portanto, será o tema central da nossa discussão nesse capítulo, o que deixa
entrever um modo bastante específico de consumo da arte a partir de ima-
gens fotojornalísticas nas revistas ilustradas do período.

A convocação do consumidor pela imagem a partir das


vanguardas artísticas
Ao discorrer sobre os parâmetros que regem os ideais do belo ao
longo da história, Eco (2015, p. 414) aponta para o fato de que, se em
épocas anteriores é possível mapear alguns padrões de beleza com ca-
racterísticas razoavelmente unitárias em suas diversas manifestações,
o século XX é marcado por uma ambiguidade fundamental, sendo esse
período “palco de uma luta dramática entre a Beleza da provocação e a
Beleza de Consumo”. A beleza de provocação é entendida por ele como
aquela proposta pelos movimentos de vanguarda artística do início do
século XX, a partir da qual não é oferecido ao espectador o mero prazer
pacificado da contemplação de formas harmônicas, mas sim, “deseja
ensinar a interpretar o mundo com olhos diversos” (ECO, 2015, p. 415).

70
ELIZA BACHEGA CASADEI

A contradição fundamental do século XX, para o autor, está na tentativa


de associação dos valores contestatórios das vanguardas às visualidades
do consumo – duas esferas que, aparentemente, estão dissociadas justa-
mente pelos valores de negação das vanguardas e do caráter de integra-
ção dos valores sociais do consumo, mas que são unidos na publicidade
a partir de um rasuramento de suas incompatibilidades, em uma estru-
tura de visibilidade que a tudo suporta. A Revista da Semana e O Cru-
zeiro estarão sob o signo dessa contradição: ambas as revistas, no final
da década de 1920, utilizarão estratégias de convocação do consumidor
a partir de uma exploração das características das vanguardas artísticas
que, embora esvaziadas de uma série de suas características normativas,
se afirmam a partir da celebração de seus valores estéticos. A beleza de
contestação coadunada à beleza de consumo expressa um modo bastan-
te específico a partir do qual as duas publicações passam a dialogar com
as vanguardas artísticas como signos de elegância e distinção.
Para tanto, é necessário considerar que os meios de comunicação de
massa, para Eco (2015), são definidos por duas caraterísticas centrais.
Primeiro, por sua capacidade de engendrar ideais de beleza bastante con-
traditórios, afirmando, de forma irônica, que “eles são totalmente demo-
cráticos, oferecem um modelo de Beleza para quem já é dotado de graça
aristotélica e outro para a proletária de formas opulentas”. Assim, “para
quem não tem a Beleza máscula de Richard Gere, há o fascínio esguio de
Al Pacino e a simpatia proletária de Robert De Niro”. Tal característica é
desvelada também nos modos de consumo: “e, enfim, para quem nunca
chegará a possuir a beleza de uma Maserati, há a conveniente beleza da
Mini Morris” (ECO, 2015, p. 425). A pacificação do contraditório, por-
tanto, é uma das chaves de leitura para entendermos o projeto afetivo-e-
ditorial das duas revistas no período.
A segunda característica, derivada da primeira, é a de que “o espaço
entre a arte de provocação e a arte do consumo se torna mais sutil”. Os
meios de comunicação se apropriam das estéticas de vanguarda e de al-
guns de seus valores associados como estratégia de propulsão da beleza
de consumo, em uma seleção pontual de suas características. Há, aqui,
a encenação da “orgia de tolerância, de sincretismo total, de absoluto e
irrefreável politeísmo da beleza” (ECO, 2015, p. 428).

71
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

As duas características apontadas por Eco podem ser observadas na


Revista da Semana e em O Cruzeiro na época e isso pode ser notado de
maneira bastante marcada nas características composicionais das capas das
duas publicações. Em um processo que começa na década de 1920, mas se
aprofunda até 1930, as capas da Revista da Semana deixam de representar
personalidades identificáveis pelo nome e passa a dar primazia para ima-
gens de mulheres não identificadas que representam processos, instâncias
sociais ou, mais comumente, apenas a figura feminina, metaforizadas como
ícones da beleza e da elegância. O tema das capas não possuía relevância
jornalística nem uma conexão direta com o conteúdo interno do magazine.
No ano de 1929, por exemplo, 73% das capas1 eram compostas por
mulheres – além disso, 17% delas possuíam homens e mulheres e apenas
10% delas só com homens. Das capas exclusivamente com mulheres, em
apenas 9% delas havia uma personalidade na capa que podia ser identifi-
cada pelo nome – os outros 91% eram compostos por desenhos genéricos
de mulheres. Além disso, as mulheres aparecem sozinhas em 88% das
imagens (e acompanhadas de outras mulheres em 12% delas), demons-
trando um interesse maior no indivíduo do que em suas relações sociais.
Se olharmos essas questões em relação às outras capas, notaremos
que, das capas que contém homens e mulheres, em todas elas os persona-
gens não são identificáveis pelo nome. No que se refere às capas exclusi-
vamente com homens, o mesmo dado é observado – nenhum deles repre-
senta uma personalidade ou pessoa reconhecível do mundo (em contraste
com as orientações editoriais anteriores da revista, mas sim, processos,
instâncias sociais ou metaforizações de ideias abstratas). É interessante
observar também que, em contraste com outros períodos da revista, tais
imagens não constituíam charges ou anedotas gráficas, mas sim, estavam
mais vinculadas aos parâmetros conceituais das artes plásticas.
No que se refere ao campo da composição, se levarmos em considera-
ção todas as capas deste ano, é possível notar um predomínio dos planos
gerais (em 55,5% das ocorrências) e médios (em 38% deles). É possível
observar alguns closes em 6,5% das imagens publicadas nas capas. O ân-
gulo reto continua predominante em todas as imagens e há um acentuado

1  Não foram contabilizadas as capas que não possuíam pessoas na composição.

72
ELIZA BACHEGA CASADEI

Capas das edições de 05/08/1929, 28/09/1929 e 02/11/1929

predomínio do equilíbrio estático (em 65% das ocorrências) em relação


ao equilíbrio dinâmico (em 35% das imagens).
Tal orientação editorial não estava restrita a Revista da Semana – ou-
tro sucesso editorial do período, a revista O Cruzeiro, adotou orientações
editoriais bastante similares para a composição de suas capas. Também
nesse caso, as imagens ali publicadas não tinham um conteúdo jorna-
lístico imediato, nem ao menos relação com o conteúdo interno da pu-
blicação. As capas com conteúdo mais notadamente jornalístico estavam
relacionadas principalmente com o jornalismo comemorativo, como as
capas de Natal ou Carnaval, por exemplo.
Das capas de 1929 disponíveis para consulta, 87% era composta exclu-
sivamente por mulheres na capa – 8% delas possuíam homens e mulheres
e apenas 5% exclusivamente homens. Das capas com exclusivamente com
mulheres, em 75% delas tratava-se de desenhos de mulheres genéricas
(representativas de processos, instâncias sociais ou metaforizações) que
não podiam ser identificadas pelo nome. Nas capas com mulheres e ho-
mens e as com exclusivamente homens, não há nenhuma capa cujos per-
sonagens possam ser identificadas pelo nome. Ainda em relação às capas
que contém apenas mulheres, em todas elas as figurativizações humanas
aparecem sozinhas (e não acompanhadas de outras mulheres).
Quanto às características composicionais, alguns dados também se
mantêm similares entre as duas publicações: há uma leve prevalência dos

73
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

Capa da edição de 01/08/1914 Capa da edição de 31/08/1915

planos médio (com 58% das ocorrências) e geral (com 33%) nas com-
posições e o pouco uso dos planos em close (em 9% das imagens). Há
também a totalidade de uso do ângulo reto e a prevalência do equilíbrio
estático (54%) em relação ao dinâmico (46%), mesmo que de maneira
menos acentuada.
No que diz respeito ao conteúdo interno das publicações, poucas mu-
danças podem ser notadas: algumas notícias pontuais de política e eco-
nomia são permeadas por uma grande quantidade de reportagens sobre
os eventos da alta sociedade (colunismo social) e de um volume conside-
rável de colunas de aconselhamento e moda, além do material literário
(crônicas, contos, poesias) ainda abundante nas publicações. As questões
que permeiam a moda e os cuidados com a beleza, a casa e os mais varia-
dos aspectos da vida cotidiana, a cobertura dos eventos esportivos e so-
ciais dos clubes e a publicização dos eventos culturais de maior relevância
ainda compõem o material jornalístico central das publicações.
As mulheres presentes nas capas, contudo, mostram que as estratégias
de convocação para os seus consumidores atendiam, agora, a novos im-
perativos. As revistas passam a participar das discussões das vanguardas

74
ELIZA BACHEGA CASADEI

artísticas, não de uma forma direta, mas a partir da incorporação de alguns


de seus parâmetros estéticos na composição de suas capas. Apesar de não
se filiar abertamente a nenhuma delas e, de fato, misturar características
contraditórias de técnicas e composições entre si, o abandono da fotogra-
fia factual a favor de parâmetros que se aproximam das artes plásticas é
uma característica importante do modo como os consumidores das revistas
eram interpelados.
De fato, vários artistas importantes participaram do corpo editorial
de O Cruzeiro ao longo de sua história. Entre os seus colaboradores, po-
demos citar Portinari, Di Cavalcanti, Santa Rosa, Djanira, Ismael Nery,
Enrico Bianco, Gilberto Trompowski, Anita Malfatti, entre outros. Para
Serpa (2006), a revista expressava o pensamento intelectual da época, uti-
lizando-se de pensadores renomados para divulgar a sua própria ideo-
logia. A questão colocada por suas capas, contudo, não é aquela de viés
artístico, mas sim, de caráter comercial, a partir de um modo específico
de relacionamento com os valores de consumo.
As capas indicam tanto um recorte de público-alvo quanto uma es-
tratégia específica de convocação direcionada a ele. Quanto ao recorte, a
interpelação se dá, obviamente, diretamente às mulheres como consumi-
doras centrais da publicação. Em relação à convocação, percebe-se que
ela relaciona, tanto na Revista da Semana quanto em O Cruzeiro, o signo
da elegância ao da modernidade – de forma que os ideais de afirmação
discutidos na arte de vanguarda possam ser incorporados à linguagem
publicitária da capa da revista.
Tal como apontado por Serpa (2006), a linha editorial de O Cruzeiro
afirmava constantemente suas claras pretensões de fazer do Brasil um
país moderno.  A partir desses parâmetros, os signos do novo, do ideal,
do inovador e do vanguardista eram intensamente divulgados, de for-
ma que a transformação dos comportamentos, hábitos e costumes eram
temas recorrentemente expostos pela revista, sobretudo para o público
feminino. Dessa forma, a revista articulava suas narrativas em torno do
mote dos “novos padrões de comportamentos através de uma infinidade
de formas como moda, roupas, eletrodomésticos, maquiagens, cinema,
concursos de beleza, esporte, registros das fabulosas festas sociais, mas,
sobretudo, através das novidades em vários setores” (SERPA, 2006, s.p.).

75
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

A convocação para o moderno está expressa desde o seu primeiro


editorial da revista que afirmava:

Depomos nas mãos do leitor a mais moderna revista brasileira.


Nossas irmãs mais velhas nasceram por entre as demolições do Rio
colonial, através de cujos escombros a civilização traçou a reta da
Avenida Rio Branco: uma reta entre o passado e o futuro. Cruzeiro
encontra já, ao nascer, o arranha-céu, a radiotelefonia e o correio
aéreo: o esboço de um mundo novo no Novo Mundo. Seu nome
é o da constelação que, ha milhões incontáveis de anos, cintila,
aparentemente imóvel, no céu austral, e o da nova moeda em que
ressuscitará a circulação do ouro. Nome de luz e de opulência, ide-
alista e realístico, sinônimo de Brasil na linguagem da poesia e dos
símbolos (O CRUZEIRO, 10/11/1928).

É sob o imperativo do consumo que uma determinada imagem de


moderno e um certo imaginário social sobre o feminino se coadunam.
“Nos periódicos do século XX, a figura da mulher adquiriu importância
como responsável pela introdução de valores modernizadores no espaço
doméstico e na vida cotidiana da família, principalmente mediante a su-
gestão de novas práticas de consumo” (OLIVEIRA, 2014, p. 2). Assim, a
conscientização das mulheres sobre a necessidade de acompanhamento
das inovações, tanto de valores quanto de consumo, foi um dos aspectos
centrais da política afetivo-editorial de O Cruzeiro em seus primeiros
anos. O Cruzeiro “se antecipou em representar uma mulher que contava
com as facilidades dos aparelhos eletrodomésticos, que consumia cos-
méticos e que se vestia segundo a moda europeia e norte-americana”
sem, com isso, “deixar de corresponder às expectativas sociais em rela-
ção ao seu papel feminino. Assim, O Cruzeiro foi a responsável, em cer-
ta medida, por conceber um conceito de modernidade para a mulher”
(OLIVEIRA, 2014, p. 5).
A imagem da “nova mulher” da revista O Cruzeiro, portanto, estava
relacionada ao consumo de novos produtos, de acordo com um ideário
nacionalista que enxergava o país rumo à construção do moderno. “A dis-
cussão entre o que era e o que não era moderno estava presente em prati-
camente todas as colunas”, de forma que “mesmo naquelas em que o tema

76
ELIZA BACHEGA CASADEI

não estava explícito, há uma forte tendência a defender uma ou outra


posição, sempre tendo em vista que a modernidade existia sem que, com
isso, se alterasse a ordem social estabelecida” (OLIVEIRA, 2014, p. 12).
O culto ao moderno, contudo, deve ser visto a partir de uma ótica
bastante específica: a exaltação do signo da novidade servia muito mais a
uma retórica publicitária e de incentivo ao consumo do que a uma pan-
fletagem legítima a respeito da necessidade de mudanças nos costumes
sociais. O Cruzeiro (e também A Revista da Semana) partiam do pressu-
posto de uma unidade nacional nos costumes, ignorando particularida-
des regionais importantes, bem como rejeitando os conflitos e fraturas
sociais que fossem contraditórios aos interesses políticos das publicações.
Assim, “o magazine que priorizou as mulheres belas não contribuiu com
a luta por conquistas femininas que se levantavam naqueles anos” como
“o clamor por igualdade de direitos, de espaços no mercado de traba-
lho, na própria família e nas decisões políticas do país” (SERPA, 2006,
s.p.). O moderno, portanto, estava muito mais relacionado a um padrão
de beleza, comportamento e consumo – e não a uma mudança efetiva nas
estruturas sociais.
Mesmo em reportagens em que a revista exaltava as mudanças com-
portamentais das mulheres, tal postura editorial estava muito mais vincu-
lada a um aumento do público consumidor da publicação, sempre dentro
de certos padrões socialmente aceitos de comportamento. “Isso significou
espaços que enalteciam o imaginário feminino, sem levar em considera-
ção o que de fato acontecia em todas as camadas sociais do país naquele
momento, mas, sim, a formação de novas concepções e comportamentos
que levassem a consumir” (SERPA, 2006, s.p.).
No que se refere à participação política, por exemplo, Serpa (2006)
menciona que, muitas vezes, a revista tratava a mulher como um perso-
nagem secundário e não como protagonista da ação social. Nesse sentido,
a revista faz, por exemplo, uma extensa reportagem sobre a participação
das esposas dos homens envolvidos na Revolução de 1930 a partir do for-
necimento de remédios e comida para os soldados. No que se refere a par-
ticipações políticas mais ativas como o voto, contudo, a posição da revista
nesses anos sempre foi clara: “as mulheres são incapazes de escolher bem
seus representantes, não há como conciliar a maternidade com a política.

77
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

São posições defendidas em artigos masculinos, mostrando que o perfil


político feminino foi construído por homens” (SERPA, 2006).
Era o potencial de consumo das mulheres (e não o seu potencial polí-
tico) o eixo central do “moderno” explorado pela publicação.
A importância de um ideal de moderno era acompanhado, ainda,
pela ideia da busca pelo it que surge nesse período – algo que não se
restringia à beleza física da mulher, mas um estado de espírito vincu-
lado a um ideal de modernidade que ela deveria buscar. “O it ninguém
sabia exatamente o que era, embora muitos concordassem com o quanto
era importante exibi-lo, tê-lo, valorizá-lo. Parecia uma qualidade fugaz,
com manifestação ligeira e aguda, algo entre o físico e o espírito, menos
sóbrio do que a elegância, porém, mais discreto do que os dentes alvos,
pele lisa ou cintura fina”. Ser it era ser moderno, de forma que “atribui-se
esse conceito à escritora Elinor Glyn, mas sua difusão ocorreu graças ao
filme intitulado it, de 1927”, (SANT’ANNA, 2014, p. 51) dando origem à
expressão it girl. O uso das vanguardas artísticas na composição da capa
ajudava a criar esse ethos de modernidade para as duas revistas, operando
como um mecanismo de convocação pela imagem.
A estética das vanguardas artísticas presentes nas capas de O Cruzeiro
(e também na Revista da Semana) eram poderosos signos do moderno.
Tal signo funcionava como um mecanismo de convocação para o consu-
mo, associando à publicação uma série de valores relacionados a esse mo-
derno. A contestação, a busca pelo novo, pelo consciente e pelo combati-
vo eram valores associados às vanguardas artísticas que a revista tentava
incorporar em sua estrutura ethópica, paradoxalmente, esvanziando-os
de seus sentidos tradicionais e de seu potencial revolucionário: tratava-
-se da incorporação de termos vazios relacionados ao moderno voltados
para uma estética do consumo. Há nessas capas a materialização da in-
corporação e da relação simbiótica da beleza de consumo com a beleza
de contestação apontada por Eco (2015) a partir do engendramento do
moderno da vanguarda como o gatilho central a partir do qual O Cruzeiro
operacionalizava a sua retórica para o consumo.
Tal mecanismo – de engendramento dos valores do moderno a partir
da evocação das vanguardas artísticas para a construção discursiva de
uma convocação para o consumo – não se restringia às capas. Mesmo nas

78
ELIZA BACHEGA CASADEI

fotografias internas da publicação e, especialmente, no conteúdo propria-


mente jornalístico, isso se mostrava de forma bastante acentuada.
Para discutirmos tal questão, é necessária uma contextualização mais
ampla, no que se refere aos moldes do projeto afetivo-editorial da revista
O Cruzeiro. Há, no período do entre guerras, a modalização de um novo
modelo de revista ilustrada, cujos marcos podem ser referenciados pelo
surgimento da publicação francesa Vu, em 1928 e, posteriormente, da
americana Life, em 1936 – o que vem acompanhado de todo um novo
complexo afetivo-editorial também nas publicações brasileiras. A revista
O Cruzeiro está inserida nesse contexto e seu projeto editorial é influen-
ciado de maneira radical por essas novas orientações mercadológicas.
Um primeiro aspecto que emerge desse novo complexo afetivo-editorial
é o de que, pela primeira vez, a revista ilustrada se auto intitula como um
catálogo do mundo, como um veículo cuja vocação seria oferecer “um
inventário abrangente de todos os aspectos da natureza e da cultura pas-
síveis de serem fotografados” (COSTA, 2012, p. 159).
Uma outra questão está no advento do instantâneo como um novo
padrão fotográfico de excelência a ser perseguido, em contraste com as
fotografias estáticas do período anterior. É curioso, nesse aspecto, notar
que, em um primeiro momento, a adoção do instantâneo demandou que
o público se acostumasse a esse novo modo de consumo de imagens, de
forma que a revista adotava certas práticas de pedagogização para as no-
vas visualidades, como associar as imagens instantâneas sempre à ideia
de movimento e utilizar exemplos para guiar os leitores. Em 1931, por
exemplo, O Cruzeiro lança um concurso de instantâneos para os seus lei-
tores e, na ocasião, publica imagens da revista Vu como exemplo para
seus consumidores e como orientação para os fotógrafos competidores.
“Uma análise de outros exemplares desse período aponta que não só o
conceito de fotografia instantânea não era bem compreendido pelo pú-
blico, como havia certa dificuldade na visualização desse tipo de imagem”
(COSTA, 2012, p. 160).
Além disso, podemos apontar também o fato de que a fotografia muda
de função na página das revistas: até então, cabia a ela o papel de ilustra-
ção de uma reportagem; ela começa a se afirmar, contudo, de uma forma
cada vez mais acentuada, como o resultado de uma elaboração conceitual.

79
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

A relação que esse novo modelo de revista ilustrada estabelece com


as vanguardas artísticas é ambíguo e não livre de conflito, uma vez que
coaduna aspectos do consumo popular com a convocação para outros
modelos de visualidades sociais, conforme discutimos anteriormente.
Isso também se mostra no conteúdo propriamente fotojornalístico da pu-
blicação. Para Costa (2012, p. 166), “as vanguardas surgiram no momento
em que a fotografia estava ampliando o seu espaço social por meio de
sua inserção na imprensa ilustrada” e, justamente por isso, “estabeleceram
diálogos e contrapontos com as imagens corriqueiras de grande circula-
ção, que consideravam documentos modernos por excelência”. A auto-
ra lembra ainda que a fotografia de vanguarda “não poderia ter existido
sem a reprodução mecânica e a fotografia de imprensa e que escrever a
história de uma é, de certa forma, escrever também a história da outra”.
A relação entre a imprensa e a fotografia de vanguarda, portanto, é uma
via de mão dupla, onde tanto artistas quanto fotojornalistas se auto refe-
renciavam e encontravam um campo comum de trabalho nos meios de
comunicação de massa como plataforma de divulgação. Mais do que uma
mera questão econômica, portanto, tratava-se novas formas de consumo
da imagem emergentes na sociedade.
Embora diferentes vanguardas tenham contribuído para a estética
das revistas ilustradas no período, as tendências e técnicas de duas delas
se apresentam de maneira mais constante e agressiva: a vanguarda rus-
sa, a partir dos pressupostos popularizados por Alexandre Rodtchenko,
e a Nova Visão, tal como estabelecida por Moholy-Nagy (COSTA, 2012).
Ambas as vanguardas defendiam o uso de técnicas fotográficas pouco
usuais (tal como o ângulo inusitado, a exploração do close exagerado
ou do afastamento excessivo e a fragmentação imagética, por exemplo)
como forma de escancarar o funcionamento ideológico da imagem (e,
consequentemente, da realidade como um todo) e educar o leitor para o
estranhamento do mundo e para um novo olhar sobre as coisas.
A influência dessas vanguardas sobre a fotografia de O Cruzeiro pode ser
expressa de diferentes maneiras, segundo Costa (2012, p. 160). Em primeiro
lugar, é possível dizer que “a câmera fotográfica é apresentada como um ins-
trumento poderoso, capaz de desvelar uma realidade que os olhos humanos
não conseguem perceber”. Assim, as revistas ilustradas “costumavam desafiar

80
ELIZA BACHEGA CASADEI

a acuidade visual de seus leitores por meio de fotografias tomadas de ângulos


inusitados, do uso de sombras e reflexos, da geometrização e de inúmeros
outros recursos do gênero, que conferiam interesse visual a temas absoluta-
mente banais” (COSTA, 2012, p. 162). Nesse sentido, O Cruzeiro tinha se-
ções específicas com temáticas como “Aprenda a ver as coisas”, que prometia:
“nestas páginas o leitor não encontrará truques fotográficos, fotomontagens,
retoques ou quaisquer outros recursos enganadores. Apenas apresentamos
realidades do mundo em que vivemos focadas sob prismas diferentes”. Ao
leitor, era dado o desafio da adivinhação e a promessa de outros olhares sobre
um mundo já bastante conhecido.
Para Costa (2012, p. 168), não se trata de um fenômeno isolado, mas
sim, de um modo de visibilidade historicamente marcado que privilegiava
tanto a organização industrial e a profissionalização da imprensa do perío-
do com a sua busca continuada pelo novo quanto uma exploração das es-
tratégias de estranhamento bastante específica. “Por meio de composições
arrojadas, precisas e ordenadas, a Nova Fotografia estabeleceu uma lingua-
gem objetiva e seriada para a imprensa, que favoreceu a racionalização da
página impressa”. E, assim, “a materialização de sua visão mecânica pro-
moveu o esquadrinhamento do mundo e a descoberta da beleza da máqui-
na, tomada como modelo não só da cultura, como da própria natureza”. A
busca pelo novo, por sua vez, encontrava refúgio na medida em que coisas
absolutamente banais eram apresentadas a partir de visibilidades outras,
diferentes daquela a que o público estava acostumado, em uma estratégia
de transformar o habitual em extravagante, a partir de estratégias de estra-
nhamento. A função do estranhamento, contudo, era desvirtuada daquela
originalmente posta pelas vanguardas. Com o consumidor induzido a usu-
fruir as imagens de forma lúdica e dispersa, “as imagens deixavam de fazer
o observador pensar sobre o mundo e passavam a fazê-lo pensar sobre elas
próprias”, de forma que “a função de (...) superação dos estados de aliena-
ção originalmente atribuída a esse tipo de imagem pela vanguarda soviética
foi substituída pelo objetivo imediato de seduzir o público para o consumo
das revistas e dos produtos por ela veiculados” (COSTA, 2012, p. 168).
Para a autora, o culto persistente ao exótico engendra um sentido
contraditório, de forma a favorecer o reforço da ordem que inicialmente
ele parecia perturbar. E isso porque no desafio do deciframento há sem-

81
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

pre a promessa de obtenção de uma resposta que acaba por reestabelecer


o conforto de um mundo conhecido.
“É como se os textos buscassem uma ancoragem das imagens no real,
tentando minimizar a sensação de dissolução e a perda de referenciais
própria da vivência urbana da modernidade” e isso “sem deixar de en-
fatizar, contudo, o papel crucial das revistas como mediadoras entre o
público e a realidade em transformação” (COSTA, 2012, p. 169). Isso fica
bastante evidente em textos publicados na revista como:

Truques fotográficos? Fotomontagens? Retoques? Nada disso. Ape-


nas uma visão do mesmíssimo mundo em que vivemos focado sob
ângulo diferente. (...) Você sabe ver as coisas? Sabe mesmo? Então
experimente. (...) A finalidade desta reportagem não é confundir o
leitor, mas apenas prestigiar mais uma vez aquele velho refrão que
diz: as aparências enganam. E enganam mesmo, quase sempre (O
CRUZEIRO apud COSTA, 2012, p. 169).

Os consumidores não são interpelados a partir do potencial crítico de


reinterpretação da realidade social, mas sim, sob uma perspectiva infan-
tilizada e esvaziada de conflitos sociais.
A adoção de técnicas características das vanguardas artísticas na
composição do material jornalístico é uma outra forma de materializa-
ção da associação entre a beleza de consumo e a beleza de provocação,
aludida por Eco (2015), na revista O Cruzeiro. Tal ajuntamento, portanto,
rebate também em direção a valores de consumo bem demarcados, uma
vez que a perspectiva de desfiguração do mundo para a reafirmação de
uma imagem familiar tem uma implicação no desenho de sujeito media-
do pela publicação: tal como o mundo, o indivíduo também é convocado
a refigurar-se para o moderno.
Para discutirmos tal direcionamento afetivo-editorial, é necessário
remeter à questão, apontada por Safatle (2012, p. 186), de que o universo
midiático do consumo no século XX finalmente entendeu e incorporou a
noção de que “os sujeitos estão presos a essa lógica de aceitar a norma e
desejar, por sua vez, a transgressão” da mesma.
A retórica do consumo própria do século XX, para Safatle (2012,
p. 191) caracteriza-se justamente por enunciar (a partir de diferentes

82
ELIZA BACHEGA CASADEI

mecanismos discursivos) a regra e, ao mesmo tempo, a transposição da


regra. Isso teria um efeito duplo: o discurso contraditório de aceitação
e refutação das normas, por um lado, reforça a necessidade constante
do indivíduo de reinventar-se (a partir da noção de que a construção do
sujeito não é apenas responsabilidade ativa dele próprio, como também
uma forma plástica que pode tomar diferentes formatos ao longo do
tempo) ao mesmo tempo em que acaba por reforçar a própria norma
(uma vez que eterniza estruturas narrativas e quadros de socialização,
mesmo que diante do reconhecimento da ruptura desses quadros).
Trata-se de uma das articulações do que ele chama de “capitalismo
cínico”, pois “cinismo é o nome correto desta posição subjetiva que é ca-
paz de sustentar identificações socialmente disponibilizadas ao mesmo
tempo que ironiza, de forma absoluta, toda e qualquer determinação (por
reconhecer o caráter descartável delas)” (SAFATLE, 2012, p. 192). O uso
das estéticas das vanguardas artísticas era um dos mecanismos a partir
dos quais tais valores de consumo se expressavam imageticamente em O
Cruzeiro. Elas preenchem o significado sobre o que há de “moderno” no
ethos da revista (uma vez que a vanguarda e a elegância passam a estar
coadunadas) e, ao mesmo tempo, metaforiza a reconstrução ativa e plás-
tica do sujeito em direção a esse moderno.
Se, até a década de 1920, a Revista da Semana articulava seus me-
canismos de convocação para o consumo a partir de uma “ética da con-
vicção” (SAFATLE, 2012) em que o indivíduo era convocado a consumir
para alcançar determinados modelos ideais e padrões de masculinidade
e feminilidade que se materializavam em figuras sociais exemplares (nas
capas e nas coberturas jornalísticas das páginas internas), em uma verda-
deira celebração de valores comuns, O Cruzeiro articula suas estratégias
de convocação de forma diversa em seus primeiros anos (assim como a
própria Revista da Semana). A estratégia do uso das técnicas das van-
guardas artísticas remete a uma ética em que a convicção passa a ser jus-
tamente aquela que prega a constante reinvenção de si mesmo – não mais
a partir da seleção de figuras ideais, mas sim, para um suposto lugar mais
“moderno” e uma forma “mais avançada” de existência que se afirma em
produtos e objetos de consumo. A estética de vanguarda, esvaziada de seu
conteúdo político, funciona como uma metaforização da reconstrução de

83
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

si que tem a contestação como valor esvaziado de conteúdo social, mas


repleto de significado comercial.
Se a elegância (o manual de boas condutas) era o eixo articulador dos
valores centrais de convocação para o projeto afetivo-editorial da Revista
da Semana até a década de 1920, esse espaço passa a ser ocupado pelo
moderno em O Cruzeiro – acompanhado da constante necessidade de
reinvenção do mundo e de si mesmo em direção a algo melhor que este
conceito de moderno implicava. Isso é materializado tanto por meio de
um valor ethópico (a revista é moderna, então, ela se constitui como um
lugar de saber validado e é necessário consumi-la) como quanto um ideal
a ser alcançado por meio do consumo daquilo que ela enuncia.

O star system
Embora o direcionamento afetivo-editorial aludido anteriormente
ainda possa ser observado durante um longo período, com capas que
ainda expressam a simbiose da beleza de consumo com a beleza de con-
testação apoiada no uso das estéticas de vanguarda, a partir de 1937
a revista O Cruzeiro passa a adotar outras estratégias de composição
para as suas capas. De agora em diante, é possível observar a exploração
de um star system, com capas em que figuram artistas (principalmente
norte-americanas e europeias). Ainda é possível encontrar capas com
mulheres “genéricas”, mas elas se tornam muito menos frequentes do
que no período anterior.
No ano de 1937, por exemplo, 92% das capas publicadas eram compostas
por figuras de mulheres – em 4% delas havia apenas homens e nos outros 4%
havia homens e mulheres. Das capas com homens ou com homens e mulhe-
res, em nenhuma delas os personagens podiam ser identificados pelo nome,
de forma que eles representavam processos ou instâncias sociais abstratas.
Já nas capas apenas com mulheres, em 64% delas era possível identificar o
personagem pelo nome – normalmente uma atriz americana ou europeia
ou, menos frequentemente, uma modelo. Ao contrário do período anterior,
em que a grande maioria das mulheres representava processos ou instâncias
sociais, nesse período, isso acontece em apenas 36% das capas. Além disso,
há uma grande predominância de mulheres que aparecem sozinhas (e não
acompanhadas de outras mulheres), em um total de 97% das capas.

84
ELIZA BACHEGA CASADEI

Há, ainda, uma outra característica composicional de destaque no


período: o uso mais frequente dos planos em close. Embora ainda possa-
mos observar o uso predominante do ângulo reto e do equilíbrio estático
(em 64% das ocorrências) em relação ao dinâmico (em 36%), tal como
nas composições que foram observadas até então, o close surge como
uma novidade composicional que era muito pouco utilizada no período
anterior. Embora o plano médio ainda seja predominante (em 54% das
imagens), o close passa a compor 44% das capas com mulheres, enquanto
o plano geral é utilizado em apenas 2% delas. O uso mais frequente no
plano em close e a queda expressiva no uso do plano geral sugerem que
o personagem ganha destaque na composição da capa, em detrimento do
contexto ou situação. A personalidade célebre é, portanto, cada vez mais
valorizada em O Cruzeiro.
As celebridades, para Serpa (2006), não eram mais do que uma estra-
tégia de convocação para o consumo. Para a autora, O Cruzeiro mediava
uma “realidade fantasiada a partir de informações vindas em abundância
dos estúdios da capital do cinema mundial, que estimulavam, as moças
e senhoras a se espelharem nas estrelas de Hollywood” que, por sua vez
“usavam cosméticos, belas roupas, tinham novas ideias e conquistavam
a fama e o prestígio social. Mas foi sobretudo através da propaganda de
produtos que enalteciam a beleza e que reforçavam a ideia de uma nova
mulher, agora mais consumista, que a revista vendia o sonho de mudan-
ças” (SERPA, 2006, s.p.).
Em um primeiro momento, havia a predominância de celebridades
norte-americanas e europeias. A partir de 1941, é possível observar a in-
serção de algumas artistas brasileiras. A temática da celebridade era, de
fato, importante para a revista, de forma que ela chegava a representar,
em média, mais de dois terços das capas do período.
A evocação às celebridades, como coloca Adamatti (2008, p. 70), não
é um mecanismo de convocação que simplesmente faz com que os leitores
queiram consumir produtos de uma maneira irracional. O mecanismo é
bem mais sutil e diz respeito projeções de imaginários socialmente cons-
truídos. As atrizes medeiam “parâmetros comportamentais, lembrando
que elas são mensageiras do mito da felicidade e também de parte dos
ideais da sociedade”. Sobre isso, é interessante lembrar, ainda, que esta-

85
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

mos em um período anterior ao surgimento das celebridades rebeldes:


até os anos 50, as estrelas representavam valores bons e positivos que se
objetivavam nas notícias sobre suas vidas pessoais. “Assim, a partir de de-
talhes, como saber o perfume preferido da estrela, o seu novo penteado,
ou a forma de lidar com a tríade carreira/casamento/filhos, o leitor se vê
imbuído de informações úteis para lidar com o seu mundo, a partir de pa-
râmetros de comportamento dos mitos”, ou seja, “daqueles que possuem
talento, carreira, dinheiro e principalmente amor conjugal”.
No mercado editorial brasileiro da época, é bastante mais comum que
esse tipo de direcionamento afetivo-editorial – a partir do qual a celebrida-
de é construída como um modelo de conduta – se direcione especialmente
às mulheres (tanto a partir do elogio do modo de vida das celebridades
quanto a partir de censuras feitas aos seus comportamentos desviantes).
Normalmente, tais construções derivavam de uma visão de mundo bas-
tante conservadora que estabelece um papel submisso e moralista às ações
femininas. E é nesse ponto que o conservadorismo e o consumo são urdi-
dos. Tal como apontado por Adamatti (2008, p. 77), no mercado editorial
de revistas brasileiro “havia dois tipos de representação paralela da mu-
lher nas revistas”: “no texto, havia a vinculação como esposa e mãe. Nas
imagens, como consumidora para vender os produtos em voga”. A parte
da propaganda direta dos produtos, existia nessas revistas um mecanismo
mais sutil de convocação ao consumo feita a partir do material jornalístico,
tanto a partir do comentário sobre os produtos preferidos das estrelas e
dos seus hábitos de vida, quanto a partir de dicas de consumo (de moda,
maquiagem, serviços e comportamentos). Assim, “os produtos de consumo
são instigados no estágio dos temas imaginários de ordem prática, onde se
exerce a pressão da indústria” (ADAMATTI, 2008, p. 78).

As vanguardas no consumo do princípio de testemunhas


como elemento estético
O século XX, para Badiou (2017) foi o século da paixão pelo real. A
busca pela legitimidade de uma experiência ou de uma interpretação ge-
nuína do mundo tomou a forma de uma coação, tanto mais quanto essa
busca pelo real era invalidada como uma tarefa impossível. Tal paixão pelo
real se expressou tanto pela busca filosófica por uma definição legítima do

86
ELIZA BACHEGA CASADEI

real quanto a partir de tentativas mais leigas, do mundo da cultura, de va-


lidação das experiências. Quanto ao primeiro termo, as Badiou identifica
duas vertentes filosóficas que expressavam essa paixão pelo real mesmo
diante de sua desacreditação: uma de vertente platônica (para quem o real
está lá fora, mas momentaneamente inacessível ao mundo dos homens e
sua definição se projeta em uma busca constante pelo seu encontro) e outra
de vertente psicanalítica lacaniana (para quem o único real acessível se dá
a partir do sofrimento, do pathos, daquilo que é vivenciado em primeira
pessoa e não pode ainda ser nomeado). O mundo da cultura absorve tais
vertentes a partir de uma paixão pelo testemunhal – articulação essa, aliás,
bastante favorável ao registro fotográfico.
A definição que Badiou confere para o real, contudo, não é a mesma
do senso comum, como o que tem existência no mundo concreto ou o que
é não é falso, ou o que existe de fato. O real, para ele, “é o que vem assom-
brar o semblante” (BADIOU, 2017, p. 22). Trata-se de uma ideia interes-
sante na medida em que a noção de que o real se revela na ruína de um
semblante implica a ideia de que só se pode chegar ao real desmascaran-
do-o, porém, de uma forma que também se leve em consideração o real
da própria máscara. Nos próprios termos de Badiou (2017, p. 28), “se o
real só é acessível como arranchamento de seu semblante próprio, então
há necessariamente certa dose de violência no acesso ao real”, porém, “a
relação do semblante com o real faz parte do real”.
Para o autor, o real está articulado, justamente, para além do ponto
em que é possível sua formulação. Em uma analogia com a imagem, ele
coloca que se poderia sustentar que “o real de uma imagem cinemato-
gráfica é aquilo que está fora de campo”. E isso porque “a imagem deve
sua potência real ao fato de ser extraída de um mundo que não está na
imagem, mas que constrói a sua força”. E, assim, “é na medida em que
a imagem se constrói a partir do que está fora da imagem que ela tem
chances de ser realmente bela e forte, embora o cinema só seja composto
– calculado – de acordo com o que circunscreve a imagem num quadro”
(BADIOU, 2017, p. 31). A partir dessa perspectiva, o real estaria fora do
ponto de formalização, em um ato que faz a própria formalização desva-
necer momentaneamente em direção a um outro tipo de formalização –
que era impossível no estágio de formalização anterior.

87
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

A partir dessas premissas, Badiou (2017, p. 34) tira duas conclusões


principais. A primeira delas é a de que “só há conquista do real ali onde
há uma formalização – pois, se o real é o impasse da formalização, é pre-
ciso que haja uma formalização”. Assim, “não há esperança de conquistar
o real fora da existência de uma formalização, de um arranjo, de uma
forma. O real supõe que tenha sido pensada e construída a forma apa-
rente daquilo de que um determinado real é o real oculto”. A segunda
conclusão refere-se à questão de que “a afirmação do real como impasse
dessa formalização vai ser em parte a destruição dessa formalização. Ou,
digamos, sua divisão”. E isso porque “tudo vai começar por uma afirma-
ção inaceitável do ponto de vista da própria formalização, que prescreve
o que é possível, a saber, a afirmação de que o impossível existe”. O real,
assim entendido, não é o que estrutura a nossa vida imediata, mas sim, o
ponto em que essa estruturação se esgarça.
Badiou irá derivar algumas consequências políticas e éticas de tal
acepção do real. É possível, contudo, engendrar decorrências estéticas de
tais premissas, baseadas na ideia de que o real – ou mais precisamente os
efeitos de real – estão calcados em formalizações estéticas que mudam
de tempos em tempos. A paixão pelo testemunhal, portanto, embora seja
uma marca de todo o fotojornalismo do século XX – e um dos lastros de
sua legitimidade social – demandou formalizações estéticas diversas que
tinham a destruição dessas mesmas formas no próprio cerne de seu fazer
e de seus processos de validação social.
Ao passo que O Cruzeiro adotava o uso de celebridades para a com-
posição de suas capas, a Revista da Semana apostava em outros tipos de
técnicas em suas capas que insinuam novos parâmetros imagéticos para
o consumo do princípio de testemunha. A partir de 1936, é notória a
adoção de outros parâmetros efetivo-editoriais que se materializam nas
composições das capas: nesse ano, 78% das capas publicadas possuíam
fotografias de paisagens, sem pessoas na composição. Das capas que
possuíam pessoas (22%), 27% delas eram com homens (todos eles não
identificados pelo nome e acompanhados de outros homens) e 73% por
mulheres (apenas 25% delas identificadas pelo nome, sendo metade de-
las sozinhas e metade acompanhada por outras mulheres). Mas, mesmo
nessas composições com pessoas, elas figuravam muito mais como parte

88
ELIZA BACHEGA CASADEI

Capas das edições de 19/09/1936, 10/10/1936 e 12/06/1937

integrante do cenário (das paisagens) do que como personagens de desta-


que. As paisagens, portanto, passam a dominar as estratégias de convoca-
ção da Revista da Semana no período.
As composições paisagísticas possuem também algumas caracterís-
ticas técnicas bastante demarcadas. Destas, 93% estão em plano geral e
apenas 7% em plano médio (não há a presença de planos em close). Como
no período anterior, há apenas o uso do ângulo reto e as composições são
predominantemente estáticas (em 85% das ocorrências) em detrimento
do equilíbrio dinâmico (em 15% delas).
As técnicas de composição dessas capas da Revista da Semana, nesse
período, se aproximam bastante da fotografia de raízes naturalistas, cujo
um dos expoentes principais era o fotógrafo inglês Peter Henry Emer-
son. Para ele, a fotografia era uma arte independente (ou seja, que não
precisa se apoiar em técnicas de composição presentes em outras artes)
que expressa uma visão individual e cujo conteúdo emotivo reside apenas
na imagem em si, sem a necessidade de manipulação de negativos. Nessa
perspectiva, “o que, de fato, importa numa fotografia, não é o real em si,
mas um real transformado em imagem pelo olho e captado como uma
‘impressão’ pelo sujeito” (FABRIS, 2011, p. 32). A fotografia, portanto,
não é vista como uma descrição da natureza tal como ela se apresenta
para o olho humano, mas sim, uma impressão captada. Por essa razão,
para Emerson, era necessário aproximar a composição da visualidade da

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CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

máquina à visão humana a partir do uso do foco seletivo. Uma vez que
a visão humana é sempre seletiva e a visão da máquina não (posto que o
seu foco é muito mais aberto e tem a potencialidade de captar tudo), é ne-
cessário que essa aproximação se materialize nas técnicas de composição
utilizadas pelo fotógrafo. Assim, Emerson aconselhava: “foco apenas no
objeto principal e todo o resto sem nitidez; e mesmo o objeto principal
não deve estar perfeitamente nítido como faria uma lente óptica normal”
(apud FABRIS, 2011, p. 32). O foco seletivo era uma forma composicional
de materialização da visão humana como próxima da visão da máquina.
As fotografias publicadas pela Revista da Semana, nesse período, se
aproximam dessa busca por uma impressão captada ligada a uma estratégia
de referencialidade e de convocação testemunhal. Isso se dá não apenas
quanto às semelhanças nas técnicas de composição (enquadramentos, ân-
gulos de câmera etc.) e nas temáticas preferenciais (paisagens e a interrela-
ção humana com o meio), mas principalmente, em relação a uma espécie
de conteúdo programático dessas fotos. Em todas as edições, a capa era
explicada, no conteúdo interno da revista, por pequenos textos que forne-
ciam ao leitor o solo contextual sob o qual essas imagens se assentavam, por
meio de informações indexadoras. Por meio desses textos, é possível per-
ceber os engendramentos que articulavam certas decisões de publicação.
Na edição de 18/04/1936, por exemplo, a revista explicava que “a capa
de hoje é uma lembrança da excursão que há muito as professorandas
do Instituto de Educação fizeram, sob a direção do dr. Raul Pontual, a
varias estações mineiras. Um bonito aspecto colhido junto do lago de São
Lourenço e que é uma excelente fotografia devida a professoranda Helena
de Oliveira, que nos proporcionou o ensejo de oferecermos aos leitores
da Revista da Semana mais uma linda capa” (REVISTA DA SEMANA,
18/04/1936). Na edição de 19/09/1936, dizia-se:

Mais uma fotografia de Nicolau Barteiro ilumina a capa da Revis-


ta da Semana. O admirável artista colheu, com rara felicidade, um
sugestivo instantâneo nas docas do Mercado Velho, na Praça 15 de
novembro: um pescador, nos momentos de lazer, preparando a boia.
Diante dos olhos do leitor ostenta-se um símile flutuante de quar-
to de estudante boêmio. Tudo desarrumado, atirado ao acaso: la-
tas, linhas, barris, vassouras, baldes, caixotes, um mundo de coisas

90
ELIZA BACHEGA CASADEI

aparentemente inúteis, mas de imensa utilidade. Nicolau Barteiro


Corredera colheu tudo isso no seu natural desmantelo e erigiu a sua
soberba fotografia num quadro expressivo, num eloquente flagrante
da vida humilde dos pescadores, proporcionando mais uma excelen-
te capa (REVISTA DA SEMANA, 19/09/1936).

Na edição de 10/10/1936, a revista explicava a foto nos seguintes termos:

estampamos nessa capa uma linda visão da Igreja N. S. da Penha,


templo tradicional cujas origens remontam ao ano de 1635, isto é,
há três séculos. O hábil artista da objetiva fixou um aspecto encan-
tador da igreja, tomado da planície, e que permite que seja obser-
vada a altura em que foi colocado pelos fieis o templo altaneiro,
que é uma das maravilhas do rio suburbano. No presente número,
em que publicamos a reportagem fotográfica do 1º domingo da Pe-
nha, nenhuma capa conviria melhor à Revista da Semana do que
essa – que é um verdadeiro quadro – em que se ressaltam a beleza
e a imponência tradicional da igreja carioca (REVISTA DA SEMA-
NA, 10/10/1936).

Por fim, na edição de 12/06/1937, a publicação coloca que:

estampamos na capa deste número um trecho do Trampolim do


Diabo, a hoje célebre pista onde, desde 1933, se vem disputando o
Circuito da Gavea. Escolhemos propositalmente um aspecto des-
sa arriscada raia, onde tem figurado os mais notáveis volantes do
mundo porque inserimos nesse número a vasta reportagem que
as nossas objetivas colheram na grande prova de domingo último.
A fotografia de J.A. Vieira (...) embora não traduza o mais árduo
dos trechos da pista carioca, dá ideia das dificuldades com que se
defrontam os azes do volante (...) que tem que vencer curvas fe-
chadas, retas pequenas, subidas violentas e descidas mais violentas
ainda, com uma perícia surpreendente (REVISTA DA SEMANA,
12/06/1937).

Há alguns pressupostos que se repetem nesses textos de apresenta-


ção. É possível destacar, por exemplo, a insistência na função artística
da fotografia, mesmo daquela de cunho estritamente referencial, como a
jornalística. Além disso, é recorrente o uso do termo “a fotografia mos-

91
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

tra um aspecto” de algo, indicando uma concepção de fotografia como


metonímia do mundo, como o recorte de um universo a partir um olhar
seletivo. O lastro do real está alicerçado, nesse sentido, não tanto na capa-
cidade de a foto dizer a verdade na representação, mas sim, no seu poder
de materializar uma impressão – o que, nos textos, é sugerido a partir da
ênfase em uma autoria demarcada. As fotografias, para esses textos, são
legitimadas por sua ligação a uma impressão autoral e por um recorte
específico de mundo – que direciona o olhar do leitor para um foco espe-
cífico da cena retratada.
A questão do olhar seletivo, inclusive, é construída não apenas pela
imagem, mas também pelo texto explicativo que a acompanha. Isso por-
que a revista, a partir dessa construção, não deixa espaços em branco na
fotografia para a interpretação do leitor. Trata-se de um mecanismo de
convocação que limita a polissemia ilimitada das imagens a partir de seu
ancoramento em um texto que assume não apenas a função de legenda
explicativa, mas também e principalmente, apossa-se da função de foco.
Na capa de 12/06/1937, não basta que o leitor veja como o Trampo-
lim do Diabo se parece, mas sim, que ele perceba as curvas fechadas e as
subidas violentas, bem como a impressão que tais dificuldades causaram
no fotógrafo J.A. Vieira. Na foto 10/10/1936, não basta olhar as carac-
terísticas da igreja meramente, mas sim, seus aspectos encantadores e a
impressão causada por eles no hábil artista com a câmera.
A referencialidade na Revista da Semana, portanto, era articulada a
partir de mecanismos de convocação diferentes nas páginas internas e
nas capas da publicação nesse período. Ao passo que, no conteúdo fo-
tográfico interno, ela se mantinha como meramente a ilustração de um
aspecto noticiado (com fotos que mostravam os personagens da história
e, como legenda, seus nomes e cargos), nas capas, o lastro de verdade das
capas se alicerça em uma impressão captada a partir de um foco seletivo
articulado na intersecção imagem-texto.
Esse direcionamento nas imagens de capa da Revista da Semana dura
até meados de 1941. Ao longo da década de 1940, as composições fo-
tográficas da capa, embora ainda sejam majoritariamente paisagísticas,
se tornam mais sofisticadas e passam a obedecer outros parâmetros de
legitimação referencial, aproximando-se dos padrões do fotojornalismo

92
ELIZA BACHEGA CASADEI

Capas das edições de 07/03/1942, 23/05/1942, 20/06/1942 e 13/08/1942, respectivamente

norte-americano e europeu. Em 1942 tal projeto já se encontra comple-


tamente consolidado e as capas atendem a técnicas de composição mais
complexas.
A revista assume o projeto de mostrar “cenas e aspectos do Brasil”
(slogan este colocado em algumas das capas desse período) e isso se ma-
terializa a partir de um tipo de imagem fotográfica mais geometrizada
e com a adoção de técnicas composicionais até então raras. No que diz
respeito aos assuntos retratados nas imagens, nota-se que há mesmo uma
mudança editorial bastante acentuada. Em 1942, por exemplo, o retrato
de paisagens (tanto naturais quanto urbanas) mantém-se como o elemen-
to que se destaca do conjunto – com 40% das ocorrências. Se as “cenas”
compõem os assuntos mais retratados, os “aspectos” se traduzem em ima-
gens que mostram tipos e personagens brasileiros (como as lavadeiras
do Bonfim, os barqueiros, os índios, os nordestinos etc.), em um total
de 30,5% das capas. Assuntos como política ocupam apenas 18% das pu-
blicações (como o terceiro assunto mais retratado), ainda que bastante
impulsionado, nesse ano, pela pauta da II Guerra Mundial. O jornalismo
comemorativo, quarto assunto mais comum, ocupa 6% e a religião, na
sequência, 4% das capas.
Em relação a esses tipos humanos retratados, tratava-se de uma
esfera majoritariamente masculina. As capas com imagens de homens
exclusivamente perfazem 48% das ocorrências – enquanto aquelas com
somente mulheres podem ser observadas em 4% delas. Capas com ho-
mens e mulheres compõem 7% das imagens. As demais dizem respeito
às capas que possuem paisagens sem a presença humana. Os homens

93
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

retratados na capa, nesse período, não eram identificáveis pelo nome:


em apenas 9% dos casos tratava-se de pessoas célebres nomeáveis. Nos
demais casos (91%), tratava-se de personagens que representavam esses
“tipos humanos” que a revista buscava, materializados não individual-
mente, mas como membros de uma coletividade. Exatamente por esse
motivo, eram raras as pessoas que apareciam sozinhas nas capas, o que
se dava em apenas 20% dos casos. Em 80% das capas, as pessoas estavam
acompanhadas de outros parceiros. Tal configuração conota que o tipo
social representado e suas relações eram mais importantes do que o
indivíduo em sua singularidade.
No que diz respeito às técnicas de composição, é possível observar
também algumas características historicamente marcadas, que diferem
essas capas das do período anterior. Ainda é possível notar uma prevalên-
cia dos planos gerais (ideais para paisagens e cenas) com 77% das ocor-
rências, ante 9% de planos médios. Os planos em close figuram de forma
mais sistemática, em 14% das ocorrências, em um notável aumento em
relação ao período anterior. A grande novidade, porém, refere-se aos ân-
gulos de câmera utilizados. O ângulo reto deixa de ser o único utilizado,
de forma que, embora ele ainda seja dominante nas composições – em
71% das capas – já é possível notar o uso de fotos em plongèe (com 25%
das ocorrências) e contre-plongèe (em 4% delas). O equilíbrio dinâmico
também volta a ser mais utilizado, em 58% das imagens, em relação ao
estático, com 42%.
As imagens da capa da Revista da Semana, portanto, estão mais aten-
tas aos novos padrões fotojornalísticos do período, com a adoção de fo-
tografias mais dinâmicas e geométricas, condizentes com os padrões das
revistas ilustradas internacionais.
Sobre esse assunto, é possível demarcar que tal questão também diz
respeito à influência exercida pelas vanguardas internacionais na fotogra-
fia de imprensa brasileira no início do século XX. A corrente pictorialista
de segunda geração, especialmente aquela representada pelos fotógrafos
americanos membros do Photo-Secession, foram importantes para a con-
solidação de um certo imaginário estético da fotografia voltado para a va-
lorização das formas geométricas no planejamento composicional de uma
imagem fotográfica, a partir da valorização das linhas de forças, formatos,

94
ELIZA BACHEGA CASADEI

molduras, texturas e contrastes como parâmetro de julgamento para se


uma fotografia deveria ser considerada boa ou não.
Para contextualizarmos a questão, é necessário dizer que, “tomada de
posição contra as concepções corriqueiras”, os membros desse grupo, en-
cabeçado por Alfred Stieglitz, “tinham como objetivo o reconhecimento
do pictorialismo não como ‘servo da arte, mas como um meio distinto de
expressão individual” (FABRIS, 2011, p. 45). O termo secessão indicava,
portanto, um afastamento dos modos como a fotografia vinha sendo en-
tendida desde então. Inspirados pelo impressionismo e pelo simbolismo, as
suas temáticas centrais eram inspiradas, principalmente, pelas experiências
das vivências urbanas do início do século XX e do homem comum, afas-
tando-se, portanto, dos temas da pintura acadêmica. Segundo Fabris (2011,
p. 48), “imagem técnica e cena urbana caminham paralelas. O espírito que
preside a construção do arranha-céu está também presente nas imagens de
Stieglitz”, de forma que “alicerçada em valores nacionais, tais realizações
alcançam uma expressão universal, pois demonstram ‘um intenso interesse
pela vida’, que as torna parte do patrimônio comum da humanidade”.
Das características centrais da fotografia pictorialista do início do sé-
culo XX, destacam-se, principalmente, a submissão ao objeto e a utilização
das características potenciais do meio, o que implica em uma ode à fotogra-
fia direta. Para fotógrafos como Paul Strand, por exemplo, isso implica que,
graças a essas técnicas, “o fotógrafo pode expressar o ‘próprio sentimento a
respeito do mundo’, não como uma descrição de ‘estados interiores do ser’,
mas como transcendência da visão individual”. E isso significa que “ele deve
subsumir no interesse que a humanidade tem pela vida da qual participa”
(FABRIS, 2011, p. 49). O realismo proposto pelos pictorialistas, portanto,
é o de uma empatia entre sujeito e objeto, bem como o de uma aceitação
e aproveitamento das propriedades da câmera, de forma que as qualidades
intrínsecas do meio fotográfico deveriam ser o fundamento de sua arte e da
afirmação de sua autonomia em relação a outras artes.
“O ato de fotografar requer do indivíduo ‘um verdadeiro respeito pela
coisa à sua frente, expressa em termos de claro-escuro (cor e fotografia não
têm nada em comum) por uma gama quase infinita de valores tonais que
ultrapassam a habilidade da mão humana” (FABRIS, 2011, p. 57), conse-
guidos pelo método da fotografia direta, sem manipulações no negativo.

95
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

A câmera era um instrumento da objetividade para os pictorialistas da


Photo-Secession – mas uma objetividade entendida a partir de parâmetros
bastante específicos e bem pouco consensuais. Para eles, “a objetividade pode
ser organizada de duas maneiras: os objetos tanto podem ‘expressar as causas
de que são efeito’ quanto ‘ser usados como formas abstratas, para criar uma
emoção que não se refere à objetividade como tal” (FABRIS, 2011, p. 57).
A autora explica que a objetividade defendida por pictorialistas como
Strand e Stieglitz implica na manipulação do mundo pelo aparelho foto-
gráfico, mas sem que isso signifique uma deformação da realidade. Im-
plica, sim, em um uso consciente das técnicas de composição (como a es-
colha dos ângulos de câmera, dos enquadramentos, da iluminação e dos
recortes) como forma de buscar os objetos no mundo real e propor um
realismo inerente ao aparato. Nesses trabalhos, há uma aceitação plena do
objeto situado na frente da câmera, sem o uso de processos que o defor-
mem (como lentes especiais ou intervenções manuais) e é justamente essa
aceitação que suporta imaginariamente a objetividade aludida.
Mais do que o próprio objeto retratado nas imagens, contudo, está em
jogo nessas imagens a organização do espaço e a construção da mise-en-
-scène fotográfica a partir da exploração das formas do objeto e do modo
como elas se conectam entre si. Sob forte inspiração do cubismo, “mesmo
tratando-se de imagens realistas, o fotógrafo está empenhado em sublinhar
formas retilíneas e curvilíneas, jogos de claro-escuro, corpos geométricos
sólidos” (FABRIS, 2011, p. 60), com a valorização da geometrização dos ob-
jetos e do modo como os elementos formais da composição dialogam entre
si, a partir de suas regularidades rítmicas das pessoas e formas.
Os objetos retratados são valorizados a partir de suas formas estrutu-
rais e são elas as únicas que podem criar os efeitos emocionais implicados
na imagem. “As texturas de suas superfícies são claramente evidenciadas; as
repetições rítmicas das massas e das linhas luminosas constituem o cerne
das imagens” (FABRIS, 2011, p. 62), utilizando-se de parâmetros de plasti-
cidade e composição próximos da pintura, mas que não se confundiam com
ela, uma vez que as linhas, formas, ritmos e tons são obtidos por meios pro-
priamente fotográficos. “Assim como era fotográfica sua principal qualidade:
uma objetividade (mesmo nas abstrações), impossível de ser encontrada nas
outras formas de arte, que não excluía uma visão pessoal” do fotógrafo “e que

96
ELIZA BACHEGA CASADEI

a diferenciava daquela produção de um registro factual, quase sempre asso-


ciada à fotografia não pictorialista” (FABRIS, 2011, p. 64).
A importância da percepção geométrica da imagem fica evidente no
comentário que Stieglitz faz de uma de suas fotografias preferidas, “O
alojamento de terceira classe”, de 1907:

A cena toda me fascinava (...). Um chapéu de palha redondo, a


chaminé inclinada para a esquerda, a escada pendendo para a di-
reita, a passarela branca com suas grades de correntes circulares
– suspensórios brancos cruzando-se nas costas de um homem no
alojamento de terceira classe lá embaixo, formas arredondadas do
maquinário de ferro, um mastro cortando o céu, criando uma for-
ma triangular. Fiquei fascinado por um momento, sem conseguir
parar de olhar. (...) Via formas relacionadas umas com as outras
(apud FABRIS, 2011, p. 70).

O lastro imaginário que garante a objetividade de uma fotografia,
portanto, é dado pelos sentidos da composição, da forma como os cortes,
os valores tonais, a geometria e a textura dialogam entre si em uma ima-
gem objetiva. Stieglitz e os demais membros do Photo Secession influen-
ciaram toda uma geração de fotojornalistas, de Erich Solomon a Cartier-
-Bresson, para quem os efeitos de verdade de uma fotografia não podem
ser apartados de suas experiências técnicas compositivas.
A Revista da Semana, nesse período, aproxima suas fotografias de
capa desses novos parâmetros de julgamento estético para o fotojornalis-
mo. Isso pode se dá a partir da valorização do objeto e da exploração da
intersecção de suas formas geométricas com as do cenário, aliadas a um
processo de profissionalização dos fotógrafos. O equilíbrio das formas em
cena, a exploração dos contrastes tonais e das texturas e o destaque aos
elementos geométricos começam a fazer parte do projeto afetivo-edito-
rial gráfico da revista, de um modo que até então não havia sido explora-
do nas publicações brasileiras. O consumo do princípio de testemunha,
portanto, articula-se acompanhado de um novo padrão estético, que será
seguido pelas demais revistas do período.
No que se refere à revista O Cruzeiro, ela irá manter um padrão ima-
gético de capa voltado para a exploração do star system europeu e norte

97
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

americano ou por figuras femininas representativas de uma classe ainda


por um bom período. Nesse sentido, a Revista da Semana modernizou-se
antes mesmo de sua irmã mais bem vendida.
No que diz respeito ao uso do star system em O Cruzeiro, é possível
dizer que as personalidades do cinema, das artes e da televisão latino-a-
mericanas eram responsáveis por grande parte das fotografias publicadas
em O Cruzeiro, tanto em fotorreportagens de perfil como em pequenas
notas informativas. Para Mauad (2005), grande parte das imagens de O
Cruzeiro eram marcadas pela “sexualização do espaço figurativo, com a
escolha da mulher como objeto central na maioria das fotos”.
A valorização do corpo feminino nas fotografias publicadas, para
Serpa (2003), também está relacionada ao ethos de modernidade que a
revista tentava construir. Tratava-se de “uma imagem relacionada às mu-
danças de um país que despia suas mulheres de saias longas e as urbani-
zava com biquínis, blush e pó-de-arroz, ou seja, que buscava moldar o
comportamento feminino como novas formas de vestir e de se mostrar
para a sociedade” (SERPA, 2003, p. 20).
Um determinado imaginário sobre a estética dos corpos masculinos
também se materializa em fotorreportagens específicas em O Cruzeiro
a partir da ótica da valorização do consumo a partir da perspectiva dos
ícones da modernidade trazidas pelo american way of life. Tal como apon-
tado por Klanovicz (2009, p. 170), “essas imagens mostravam corpos pe-
culiares, em relações específicas que configuravam e redimensionavam
hábitos e atitudes públicas” que, de todo modo, eram “portadoras do de-
sejo de ser moderno e de uma modernidade marcada por bens de consu-
mo norte-americanos”, em uma espécie de “consumismo modernizador
de espaços e costumes que promoveu um arsenal de imagens sedutoras”,
conforme já detalhamos anteriormente.
O conteúdo interno de O Cruzeiro, contudo, já abrigava padrões fo-
tográficos mais sofisticados, em um processo que irá se consolidar na dé-
cada de 1940, conforme detalharemos no próximo capítulo. Além disso,
a influência das vanguardas artísticas revela apenas um dos aspectos mar-
cantes implicados no contrato testemunhal das duas publicações analisa-
das. No próximo capítulo, exploraremos outros aspectos composicionais
importantes quanto a essa discussão.

98
CAPÍTULO 3

O consumo do princípio de testemunha a partir


de diferentes narrativos pela imagem: Mudanças
formais entre as décadas de 1920 e 1950

Em trabalhos anteriores, mapeamos o modo como o texto da reporta-


gem mudou ao longo do tempo, instaurando diferentes regimes padrões de
narração nas revistas do século XX no Brasil (CASADEI, 2013). Curiosa-
mente, os regimes padrões de narração textual foram acompanhados pela
mudança nos regimes padrões de narração pela imagem, o mostra como a
articulação da função testemunhal em um espectro mais amplo, abarcando
a reportagem em seu conjunto. Nesse capítulo, iremos mapear as diferentes
convocações para o consumo do princípio de testemunha não mais a partir
de seus engendramentos estéticos, como no capítulo anterior, mas sim, a par-
tir do modo como ele se articulou no plano narrativo. Quanto a esse aspecto,
iremos nos focar não mais nas capas, mas sim, no arranjo formal dos con-
teúdos imagéticos internos das publicações, com foco na Revista da Semana
e em O Cruzeiro. Entre as décadas de 1920 e 1950, houve mudanças signifi-
cativas na forma de narração das imagens, implicando em modos diferentes
de consumo do princípio de testemunha, conforme detalharemos a seguir.

Diferentes articulações do consumo do princípio de


testemunhas no plano narrativo
Conforme discutido nos capítulos anteriores, a Revista da Semana e
O Cruzeiro, até meados da década de 1940, possuíam projetos editoriais

99
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

bastante similares, de forma que, em suas páginas, comumente podemos


encontrar “comemorações, paisagens, personagens, que iam mostrando
caras e cenas posadas; um ou outro flagrante, numa estética bastante ufa-
nista” (BUITONI, 2007, p. 18). No começo do século XX, tratava-se de
fotos que, de uma maneira geral, eram ainda um tanto estáticas – o que,
segundo Buitoni (2007, p. 19) mostra que a fotografia ainda conservava
a linguagem de suas origens, calcada no desenho e na pintura – de forma
que as inaugurações, as competições esportivas ou as visitas de persona-
lidades ilustres e políticos ao Brasil eram documentadas a partir de fotos
posadas e protocolares.
Todas as ilustrações sempre vinham acompanhadas de uma legenda
indicativa. Os textos que as compunham, contudo, se limitavam a desfilar
os nomes dos presentes nas fotos ou, no máximo, a indicar o contexto a
que se referiam, sem a pormenorização de nenhuma informação que pu-
desse acrescentar profundidade aos retratados. Em uma fotorreportagem
acerca da posse do presidente Arthur Bernardes, por exemplo, as legen-
das das fotos que mostravam os líderes presentes na ocasião indicavam
apenas coisas como:

Ao alto: o secretário do Congresso Nacional lendo os artigos do regi-


mento relativos à Cerimônia do Chefe de Estado. Ao centro: os sena-
dores e deputados que assistiram à solenidade, reunidos no Recinto
da Câmara Federal. Em baixo: os Srs. Presidente e Vice-presidente
da República, depois de empossados nos respectivos mandatos, dei-
xando o Congresso Nacional, provisoriamente instalado na Bibliote-
ca do Rio de Janeiro (REVISTA DA SEMANA, 30/12/1922).

Trata-se de uma estrutura que se repetia em todas as fotorreporta-


gens publicadas pela Revista da Semana e que supunha uma grande fa-
miliaridade dos leitores com as pessoas retratadas – uma vez que não
eram fornecidas informações que ajudassem a posicioná-las no contexto
cultural da época.
De uma maneira geral, é possível dizer que a legenda fotográfica fun-
cionava como uma forma de preenchimento pronominal e cumpria uma
função de identificação e atualização do dêitico na constituição da ima-
gem. Posto que os pronomes são categorias gramaticais cuja propriedade

100
ELIZA BACHEGA CASADEI

é a de permitir “que o enunciador se refira a si próprio e aos personagens


do ato comunicativo, não como indivíduos, mas apenas como participan-
tes do discurso” (AZEREDO, 2011, p. 174), é possível dizer que a legenda
fotográfica tinha, justamente, a função de dotar esses elementos prono-
minais da imagem de um significado preciso, inserindo a individualidade
no ato discursivo. Em outros termos, as legendas atualizavam os dêiticos
fotográficos em acontecimento.
Os dêiticos são expressões linguísticas que engendram a instauração
do sujeito, do tempo e do espaço no discurso. Elas possuem a peculiari-
dade de “não remeterem à ‘realidade’ nem a posições ‘objetivas’ no espaço
ou no tempo, mas à enunciação, cada vez única, que as contém, e reflitam
assim seu próprio emprego” (BENVENISTE, 1995, p. 280). O âmbito espa-
ço-temporal da enunciação, nesse sentido, é fundamental para a caracteri-
zação dos dêiticos, que podem ser traduzidos por expressões como “aqui”,
“lá”, “ele”. Sob esse aspecto, os dêiticos possuem uma realidade puramente
linguística, posto que só possuem significados vazios que são preenchidos
quando atualizados no momento da enunciação. Para Benveniste:

Estamos na presença de uma classe de palavras (...) que escapam ao


status de todos os outros signos da linguagem. A que, então, se refere
o ‘eu’? A algo muito singular, que é exclusivamente linguístico: ‘eu’ se
refere ao ato de discurso individual no qual é pronunciado, e lhe de-
signa o locutor. É um termo que não pode ser identificado a não ser
dentro do que, noutro passo, chamamos uma instância de discurso, e
que só tem referência atual (BENVENISTE, 1995, p. 288).

Ora, as legendas fotográficas presentes na Revista da Semana e em O


Cruzeiro até meados da década de 1940 tinham como função, justamente,
preencher os dêiticos do discurso fotográfico, instaurando um sentido
preciso ao sujeito, ao tempo e ao espaço retratado na foto. A legenda,
portanto, atualizava os “eles”, os “lás” e os “hojes” da fotografia em enun-
ciações específicas que, eventualmente, não pudessem ser reconhecidas
pelos leitores apenas com a imagem.
A atualização do dêitico em acontecimento proposta pelas legendas
da Revista da Semana indica que não havia uma estruturação propria-
mente narrativa em sua constituição discursiva, mas sim, uma função

101
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

Edições de 23/02/1929 e 20/10/1928, respectivamente

meramente indicativa. Elas funcionavam como preenchimento dos ele-


mentos de identificação dêitica da imagem, limitando-se à descrição dos
personagens e lugares retratados.
Algo similar pode ser dito a respeito da composição fotográfica. O
movimento na fotografia será uma técnica adotada mais tarde, em torno
da década de 1940, como pode ser observado nas fotografias da Revista
da Semana colocadas abaixo:
A fotografia estática é mesmo a marca da imprensa brasileira até, pelo
menos, o final da década de 1930, com composições sem grande profun-
didade de campo, com equilíbrio estático e marcadas pelo olhar direto
do retratado para a câmera. Havia, certamente, o fato de que os próprios
recursos técnicos disponíveis acabavam por direcionar o trabalho do fo-
tógrafo, fazendo com que ele preferisse realizar fotografias posadas em
suas composições (especialmente de personalidades e ícones políticos)
e de paisagens estáticas. Os aparelhos fotográficos eram ainda grandes e
pesados o que, em grande medida, dificultava o movimento.
Essa articulação composicional da fotografia, contudo, embora deter-
minada por expedientes técnicos, acabava por engendrar um efeito de tes-
temunho interessante a partir da articulação entre a fotografia e o texto.
Conforme destacamos em outras ocasiões (CASADEI, 2013), a ar-
ticulação da função testemunhal na parte escrita das reportagens da
Revista da Semana estava toda engendrada a partir do explicitamento
do repórter enquanto actante narrativo, em um texto em que o próprio
trabalho da reportagem é descrito em detalhes, com uma proeminência

102
ELIZA BACHEGA CASADEI

bastante acentuada no papel do jornalista, nas suas impressões e nos seus


métodos de apuração – marca de uma imprensa que adora remeter a si
própria, para além do fato noticiado.
Para além desta referência inicial ao trabalho da imprensa, todo o re-
lato prossegue a partir da adoção do ponto de vista do lugar ocupado pelo
repórter e suas impressões. Diferentemente do que estamos acostumados
nas reportagens atuais, as marcas de objetividade se davam pela esfera tes-
temunhal, de forma que toda a articulação do relato é dada pela fala do
repórter que, no nível textual, se coloca como a principal testemunha e nar-
rador em primeira pessoa. Em termos mais precisos, é possível dizer que,
nas reportagens da Revista da Semana, é o repórter o actante narrativo que
monopoliza a função testemunhal do narrado: é em torno de seu testemu-
nho que se articula o modelo de verdade do relato tecido. Nas narrativas da
Revista da Semana, o repórter funciona como um actante que não apenas
organiza o espaço textual, mas sim, que monopoliza a função testemunhal
enquanto prova de verdade imaginária. Se, ao longo do século XX, a nar-
rativa jornalística em revista irá eleger outros actantes para cumprir essa
função, neste momento, esta é função do personagem-repórter.
Tal como apontado por Duccini (2013, p.26), essa articulação da fun-
ção testemunhal trabalha com “uma qualidade estética (...) em que a legi-
timidade do relato não mais se atesta pela objetividade, mas pela ênfase no
lugar de onde se enuncia: o espaço de uma experiência irredutível, parti-
cular, em oposição às categorias universalizantes”. E é nesse sentido que “as
narrativas que se ordenam por um efeito de real deslizam então de um rea-
lismo de matiz histórico para um realismo dos afetos, das subjetividades”.
Nesse jogo, é a realidade da inscrição que toma o primeiro plano da
narrativa, em que se enfatiza o envolvimento e o engajamento do nar-
rador com aquilo que é objeto de sua narração. “O realismo dos afetos”,
portanto, “tem na ênfase da experiência subjetiva seu valor ético e estéti-
co”. É assim que “as dimensões do testemunho, da autorrepresentação, do
envolvimento pessoal com aquilo que narra, do sofrimento (no sentido
patético) que se experimenta ‘em primeira pessoa’ e, eventualmente, do
amadorismo ganham compleição” (DUCCINI, 2013, p.83).
Essa urdidura narrativa específica, típica das reportagens da Revista
da Semana e de O Cruzeiro até meados da década de 1940, manifesta não

103
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

apenas uma característica do texto, mas sim, um espectro mais amplo do


modo como a função testemunhal funcionava naquele modelo de jorna-
lismo, de forma que ela se coaduna com a forma como a função testemu-
nhal estava posta nas próprias fotografias.
As fotografias publicadas na Revista da Semana e em O Cruzeiro até
meados da década de 1940 partilhavam algumas características composi-
cionais comuns, que podem ser observadas nas Imagens 1 e 2, acima. Em
primeiro lugar, fica óbvia a formação de uma pose estática.
A pose fotográfica, para Machado (1989, p. 44), é “uma tentativa
de fixar a eternidade nesse instante fugaz em que o obturador dá a sua
piscadela; é a luta para introjetar no momento aleatório da fotografia o
momento ideal da pintura”. E é por isso que, “para reprimir o inconscien-
te que pulsa no obturador da câmera, nós nos petrificamos diante dele,
como uma estátua grega ou renascentista, e forjamos no bronze de nosso
corpo a imagem ideal que supomos ser ou que queremos ser”. Tal como
uma “armadura arcaizante”, a pose é mesmo “uma espécie de vingança do
referente: se for inevitável que a câmera roube alguma coisa de nós, que
ela roube então uma ficção” (MACHADO, 1989, p. 45).
Além de serem claramente posadas, é possível perceber que essa pose
não era aleatória ou composta de qualquer forma: as suas características fa-
ziam com que o aparato fotográfico ficasse explícito a todo o momento na
representação. A fotografia da Revista da Semana é composta a partir de um
personagem que olha diretamente para a câmera e, ao fazê-lo, explicita não
apenas o aparato, como também a presença ostensiva do repórter no local do
fato, posicionando-o como um personagem pressuposto na fotografia.
A esfera testemunhal, nas reportagens da Revista da Semana, está ar-
ticulada justamente a partir desse efeito de real que se constrói a partir
do investimento pessoal do repórter. No texto, isso se materializa a partir
do repórter enquanto actante que monopoliza a função testemunhal; na
imagem, isso se dá a partir do olhar do fotografado para o aparato que,
a partir de um efeito de quebra da quarta parede, explicita a presença do
repórter no local do fato noticiado.
Para essa articulação narrativa específica da função testemunhal na
fotorreportagem, é a corporalidade do repórter que garante o cumpri-
mento da veracidade do relato. O repórter era o actante narrativo central

104
ELIZA BACHEGA CASADEI

que fornecia o lastro de veracidade do relato; era ele quem assumia o


papel do fiador que supostamente garantiria não apenas que o aconteci-
mento aconteceu, mas que ele se processou daquela maneira específica já
que ele o viu. A fotografia, articulada dessa forma, com o olhar ostensivo
do retratado para o repórter e para o aparato, garantia que o jornalista,
de fato, estava lá.
O consumo do testemunhal como um lastro de veracidade, portanto,
estava inserido em uma estrutura que coadunava o texto da reportagem
(a explicitação do repórter no lugar do fato e a exploração de suas técni-
cas de apuração como recurso narrativo), a legenda (como dêiticos que
identificavam os demais personagens para além do repórter) e a fotogra-
fia (com suas imagens posadas que explicitavam a presença do repórter
no local do evento retratado) em uma mesma estrutura. Os três elemen-
tos estão inter-relacionados em um mesmo modelo para obtenção de um
efeito de real a partir de um martírio do repórter – na medida em que
todo o relato é articulado a partir da figura de linguagem chamada pelos
gregos de martyria (μαρτυρία), que consiste na figura de estilo que “con-
firma algo pela própria experiência de alguém” (LANHAM, 1991, p. 188).
O regime narrativo formado pelos códigos padrões que compõem as
estórias contadas pela Revista da Semana em articulação com as fotogra-
fias e legendas publicadas pode ser articulado, portanto, a partir da in-
serção do código autorreferencial como matriz da narrativa – e enquanto
elemento que articula tanto os elementos organizadores do texto quanto
a matriz de verdade presumida do relato – que atuam tanto no reforço da
função testemunhal do repórter quanto em determinados procedimentos
estéticos ligados à semantização do acontecimento.
Para além das fotografias posadas, é possível encontrar, nas páginas
da Revista da Semana, uma outra série de fotografias que enfatizam o
próprio trabalho do repórter, mostrando a sua presença in loco.
Nessas imagens, o repórter/fotógrafo aparece não somente como per-
sonagem pressuposto na imagem, mas como um actante visível na com-
posição fotográfica.
Essa configuração narrativa da função testemunhal no fotojornalis-
mo será rearticulada a partir dos anos 1940. Essa mudança será fruto de
inovações tecnológicas (como a adoção das câmeras de formato 135, que

105
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

Edições de 24/02/1923 e 12/07/1941,


respectivamente

permitiam uma melhor mobilidade do fotógrafo, e os filmes que dispen-


savam o uso de flash), mas acaba por engendrar uma nova formulação
da função testemunhal na fotografia e em sua relação com o texto mais
amplo da reportagem.
A fotografia jornalística brasileira passa a adotar padrões europeus e
norte-americanos a partir dos anos 50, com o abandono das antigas fotos
posadas. Nesse quesito, O Cruzeiro encabeça os novos padrões no ima-
ginário da visualidade nacional na década de 1940, acompanhado pela
Revista da Semana. Segundo Lacerda (1994, p. 119), “os nossos primeiros
repórteres fotográficos eram provenientes das classes populares, pessoas
sem formação e com instrumental técnico inadequado à sua atividade”.
Esse é um retrato das primeiras quatro décadas de fotografia nas revistas
brasileiras. “A situação só se modificou a partir da reformulação da re-
vista O Cruzeiro na década de 1940, o que modificou definitivamente o
estatuto social do fotógrafo de reportagem”.
Até o final dos anos 30, no Edifício dos Diários Associados na Rua 13
de Maio, as vendas de O Cruzeiro não andaram muito bem. Foi no come-
ço da década de 40 que a situação começou a mudar. Frederico Chateau-
briand, sobrinho de Chatô, passou a ocupar a direção da revista. Freddy,
como era mais conhecido, montou uma equipe jovem com repórteres e
fotógrafos profissionais e promoveu a especialização de serviços em vá-
rios departamentos da revista.
Da nova equipe, Jean Manzon foi um dos principais vetores da atualiza-
ção de O Cruzeiro. Fernando Morais (1994) conta que Manzon, acostumado

106
ELIZA BACHEGA CASADEI

ao padrão de qualidade das publicações internacionais, ao folhear pela pri-


meira vez algumas edições antigas de O Cruzeiro, afirma para Freddy que a
ilustrada não podia ser considerada uma revista, pois mais parecia “um catá-
logo, uma galeria de retratos parados, idênticos”. Com a chegada do fotógrafo
francês à redação da revista em 1943, dá-se início uma reformulação gráfica
e editorial em O Cruzeiro, com base nas maiores revistas internacionais de
atualidades. Incorporam-se grandes reportagens e fotorreportagens.
Conta Morais (1994, p. 429) que, no momento de sua contratação,
Manzon,

folheando ao lado de Freddy uma coleção de números antigos de


O Cruzeiro, o sofisticado fotógrafo habituado à qualidade e ao re-
quinte de Paris Match se espanta: (...) dezenas de fotos minúsculas
são estampadas uma ao lado da outra, como se fossem uma coleção
de selos. Tudo isso sobre um papel tão ruim que, mesmo com má-
quinas de boa qualidade, para aquele europeu habituado ao requin-
tado papel couchê de Paris Match a impressão sugeria que as fotos
fossem manchas de tinta (o que levaria Millôr Fernandes a dizer
debochadamente, anos depois, que aquela parecia ‘uma revista im-
pressa com cocô’). O francês estava desanimando quando Freddy
fez-lhe um desafio: - Manzon, a partir de hoje a capa da revista
e mais dez páginas internas são responsabilidade sua. Eu lhe dou
carta branca para trabalhar, você faz o que quiser.

Manzon implementa um programa editorial orientado ao modelo da


Match (revista francesa em que trabalhou nos anos 30, antes de chegar
ao Brasil), que privilegiava o uso da foto posada, do truque e do sensa-
cionalismo (COSTA, 2012). Na redação de O Cruzeiro, com o hábito da
imprensa europeia de parear repórter e fotógrafo, Jean Manzon começa
a trabalhar com David Nasser. Uma das primeiras reportagens da dupla,
publicada em 27 de novembro de 1943, chamada “Os loucos serão feli-
zes?”, retrata uma visita ao Hospital Nacional de Alienados, na Praia Ver-
melha. Na publicação do texto e das fotos, Luiz Maklouf Carvalho (2001)
descreve o resultado:

Essa matéria estabelece um novo padrão de concepção gráfica, no


mesmo estilo das revistas Life e Match: abertura em página dupla;

107
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

prioridade absoluta para a imagem, com foto sangrada na página


ímpar; titulação de impacto no tamanho e no conteúdo, geralmen-
te sensacionalista. Os chamados ‘boxes’ – textos de apoio à maté-
ria principal – aparecem pela primeira vez. Subtítulos e linhas finas
completam as novidades. O resultado é a integração do trabalho de
repórter e fotógrafo num terceiro produto padronizado pela edição.

O clima de concorrência em relação às revistas estrangeiras foi tam-


bém o que motivou, em grande medida, a vinda de Jean Manzon, posto
que ele que já tinha vasta experiência em outras revistas estrangeiras, a
trabalhar em O Cruzeiro. Posteriormente, ele se tornaria um dos fotojor-
nalistas pertencentes ao grupo que fundou a Paris Match. Morais (1994,
p. 428), conta a história da conversa que o Manzon teve com Freddy Cha-
teaubriand ao contratá-lo:

Ao primeiro contato com aquele aventureiro francês, Freddy per-


cebeu que estava diante de um repórter nato, e convidou-o a deixar
o DIP e ir para O Cruzeiro. Manzon topava, mas o salário que ele
pedia era tão alto que só o tio dono podia decidir. Chateaubriand
quis conhecer o fotógrafo, e, ao entrar naquela sala desarrumada,
Manzon, que havia coberto tantas guerras, fica surpreendido pela
inesperada visão do que está sobre a mesa do jornalista: um cintu-
rão recheado de balas e com dois revólveres carregados. Chateau-
briand repara no olhar dele e comenta:
— Tenho muitos inimigos. Em certas horas só posso contar comigo
mesmo para me defender.
Sem rodeios, emenda com uma pergunta que o francês não espe-
rava tão cedo:
— Quanto é que o senhor ganha no DIP?
— Dois contos de réis.
— Meu Deus, é uma fortuna! Só o governo mesmo pode pagar um
salário desses!
Manzon não queria conversa fiada:
— Muito bem. Então nosso encontro está encerrado. Passe bem.
— Ora, não fique bravo. É que O Cruzeiro precisa de alguém com
sua experiência, é uma revista muito feia, precisa vender mais...
— Pois bem. Seu sobrinho Freddy me disse que o senhor quer que
eu transforme e levante a revista. Isso vai lhe custar quatro contos
de réis por mês.

108
ELIZA BACHEGA CASADEI

— O senhor deve estar louco, quer a minha ruína. Mas, como eu


também não bato bem da cabeça, aceito experimentar, por amor a
O Cruzeiro.
Sabendo que estava pagando um salário milionário ao fotógrafo,
assustou-o com uma exagerada frase de efeito:
— Trate de conseguir resultados rapidamente, senão é a falência,
seu Manzon.

De acordo com um relato de Morais (1994, p. 427), Manzon teria se


apaixonado pelo Brasil logo de imediato: “ele tinha vontade de beijar as
pessoas na rua”. Sobre sua entrada no DIP, Morais conta que Alberto Ca-
valcante, que já havia trabalhado com Manzon no serviço cinematográfico
de guerra inglês anteriormente, “o havia recomendado à poetisa e jornalista
Adalgisa Nery, que era casada com Lourival Fontes, homem forte de Ge-
túlio e diretor do DIP”. E, assim, “convidado a montar o departamento de
fotografia e cinema do DIP - e já amigo de gente como os jornalistas Anto-
nio Callado e Egídio Squeff, e de escritores como Clarice Lispector e Lúcio
Cardoso -, Manzon logo percebeu que não sairia mais do Brasil”.
A mudança no padrão estético e informativo da revista leva a tira-
gem da semanal a subir de 48 mil exemplares em 1942, para 300 mil em
menos de 10 anos, com alto faturamento publicitário e bem à frente das
concorrentes. A formação de uma cultura de massa no Brasil e atualiza-
ção da revista a leva ao seu período de maior prestígio e relevância social.
Accioly Netto (1998) afirma que, já na Rua do Livramento, “O Cruzeiro
viveria a melhor de suas fases, tornando-se ao longo da década de 40 a
maior revista de toda a América Latina, até viver seu apogeu absoluto no
início dos anos 50”. Em 1954 na cobertura da morte do presidente Getúlio
Vargas, dez anos após a entrada de Manzon, a revista alcançou sua maior
tiragem: 720 mil exemplares.
As novidades na forma e conteúdo foram em muito influenciadas
pela revista francesa Paris Match e pela revista Life, fundada em 1936, que
eleva a fotografia a uma linguagem específica, e não mais como mera ilus-
tração. Com base na fotografia autoral e em novas experiências visuais
estéticas, a narração dos fatos dentro das revistas segue uma linha dinâ-
mica, quase que cinematográfica. As fotos coloridas em grande formato
renovam a linguagem da semanal, e segundo Mauad (2005) “a revista O

109
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

Cruzeiro promoveria uma reformulação geral no padrão das publicações


ilustradas, que tiveram de reordenar toda sua linha editorial para concor-
rer com o novo padrão estético imposto”.

Quando O Cruzeiro atingiu sua fase de maior sucesso, era uma re-
vista essencialmente eclética, destinada a ser lida por um público
diversificado, de todas as classes sociais, incluindo homens e mu-
lheres. Num país com milhões de analfabetos, o apogeu da revista
foi o que se chamou de ‘milagre editorial’: com tiragem de cerca de
850 mil exemplares circulando em território nacional, calculava-se
– imaginando que cada exemplar seria lido por cinco pessoas – que
O Cruzeiro passaria pelas mãos de nada menos que quatro milhões
de leitores a cada semana, espalhados por oito milhões de quilô-
metros quadrados. Estes números são ainda mais impressionantes
se pensarmos que nos anos 50, apogeu da revista, a população do
Brasil mal passava dos 50 milhões de habitantes (NETTO, 1998).

Para Leite (2011), é possível identificar duas linhas distintas de com-


posição e linguagem fotográfica na revista: em um primeiro grupo, en-
contravam-se fotógrafos que se preocupavam com a construção da cena
fotografada (como Jean Manzon, Indalécio Wanderley, Peter Sheir e Ed
Keffel), em imagens elaboradas e com a utilização de máquinas de grande
formato. No outro grupo, pode-se posicionar fotógrafos que preferiam
a utilização de máquinas mais compactas e leves, de pequeno formato,
mais ligados a um jornalismo de acontecimentos, mais contemporâneo,
com representantes como José Medeiros, Flávio Damm e Eugênio Silva.
“A chegada do fotógrafo francês Jean Manzon, da revista Paris Match, em
1944” à revista O Cruzeiro, “coincidiu com a formação de um grupo de fo-
tógrafos brasileiros, influenciados pelas revistas ilustradas estrangeiras e
sintonizados com o movimento fotográfico internacional” (FERNANDES
JUNIOR, 2003). Nesse sentido, O Cruzeiro é uma publicação pioneira, na
medida em que lidera essas novas formas do olhar fotográfico no jorna-
lismo em revista.
Com nova e aprimorada concepção gráfico-editorial, a revista de cer-
ca de 100 páginas, reserva de 20 a 30 por cento do espaço a publicida-
de. Retratando iconograficamente o Brasil, o fotojornalismo na revista,

110
ELIZA BACHEGA CASADEI

posteriormente, passa por uma renovação, contrapondo os métodos de


trabalho e o estilo sensacionalista, de veracidade um pouco duvidosa, de
Jean Manzon a um modelo de fotojornalismo mais humanista.

O advento do jornalismo mais ágil e participativo, em contrapo-


sição ao fotojornalismo encenado praticado por Jean Manzon, ga-
nharia força na revista a partir de então pelo empenho de fotó-
grafos como José Medeiros, Luciano Carneiro, Flávio Damm, Luiz
Carlos Barreto e Eugênio Silva. A saída de Jean Manzon da revista,
em 1951, iria contribuir para consolidar essa nova orientação. Não
se tratava de desavenças de ordem pessoal, mas do confronto de
visões de mundo antagônicas. No lugar de uma fotografia posada
e essencialmente simbólica que se afirmava pela verossimilhança,
impunha-se agora uma fotografia que buscava ser, ou ao menos
parecer, espontânea, visando legitimar-se segundo os princípios da
veracidade (COSTA, 2012).

Os repórteres de grande nome compunham parte fundamental da


sustentação da revista.
Trata-se de uma mudança temática também bastante acentuada. Uma
das características apontadas por Mauad (2005) a respeito das fotografias
publicadas em O Cruzeiro diz respeito ao grande número de fotografias que
retratavam ambientes estrangeiros, com destaque para a Europa Ociden-
tal e Hollywood, conforme também mapeamos nos capítulos anteriores.
“Da Europa Ocidental chegavam notícias das guerras e dos grandes fatos
que marcaram a história contemporânea da humanidade”. Além disso, “era
com Hollywood que o carioca se reciclava e assimilava o padrão burguês de
comportamento como uma norma de atitude” (MAUAD, 2005).
Para a autora, isso pode ser explicado a partir do próprio projeto
editorial da revista, que se pretendia mais cosmopolita do que as suas
concorrentes e, por causa disso, mantinha contato direto com as agências
internacionais de notícias (como a Schert de Berlim, ABC de Lisboa e o
Consórcio Internacional de Imprensa de Paris) e possuía uma série de
correspondentes internacionais.
Uma amostra do dinamismo da revista é dada por Morais (1994,
p. 486) quando ele comenta que, em um exemplar de 1946, colhido ao

111
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

acaso, é possível encontrar “na mesma semana em que Wainer enviava


reportagens especiais de Caracas sobre a exploração de petróleo em ter-
ritório venezuelano, Carlos Lacerda escrevia de Paris sobre o bairro de
Montmartre, e a dupla Nasser-Manzon mandava do Cairo matérias sobre
arqueologia no Egito”.
Esse amplo espectro internacionalizante, contudo, também engen-
drava uma série de ausências. Tal como apontado por Mauad (2005), “o
Leste Europeu e o Oriente surgem”, na edição nacional da revista, “so-
mente como paisagens exóticas”, assim como as áreas mais pobres do Bra-
sil e da América Latina, que “são apagados da imagem dominante como
uma realidade inexistente por serem equiparados à condição de periferia
na configuração da geopolítica ocidental burguesa”.
É possível entrever que havia um claro projeto nacionalista nas fo-
torreportagens de O Cruzeiro. Havia, no projeto editorial da revista, uma
tentativa de mostrar que a cultura brasileira estava afinada com as ideias
de desenvolvimento econômico, material e cultural das civilizações do
primeiro mundo. Por isso, não eram incomuns fotorreportagens que des-
tacavam o crescimento urbano, industrial, científico e tecnológico do
país. Nesse sentido, era comum encontrarmos fotos de indústrias, má-
quinas e laboratórios, que representavam ícones do desenvolvimento e
da tecnologia.
Como destaca Meyrer (2010, p. 200) “para O Cruzeiro, o desenvol-
vimento se constituía num projeto civilizatório”, de forma que o objetivo
de Assis Chateaubriand era mesmo inserir a região em um imaginário de
“mundo civilizado”. Para a autora, ”para pôr em prática tal objetivo, a re-
vista empenhou-se em difundir padrões de comportamento e cultura mais
adequados ao modelo de desenvolvimento que defendia, participando, as-
sim, da luta simbólica pela imposição de uma determinada visão do Brasil”.
A concorrência com as revistas ilustradas estrangeiras também se
torna mais acirrada na década de 1940. Tacca (2009, p. 19) chama a aten-
ção para o fato de que “os enfrentamentos com revistas estrangeiras eram
um ponto importante de afirmação para O Cruzeiro como produto de um
jornalismo autêntico e nacional”.
As mudanças no conteúdo da imagem são acompanhadas por outras
formas de urdiduras textuais, de forma que outros códigos padrões de

112
ELIZA BACHEGA CASADEI

narração assumem o primeiro plano do relato, com consequências para


a materialização da função testemunhal na reportagem. Em O Cruzeiro,
embora o testemunho do repórter continue a exercer um papel essencial
enquanto matriz de verdade presumida no jornalismo de revista, outras
figuras testemunhantes passam a dividir o espaço com o repórter (não
enquanto sujeito empírico, mas sim, em sua posicionalidade como per-
sonagem atuante na narrativa), rearticulando, com isso, a própria função
testemunhal no jornalismo. Ao contrário do período anterior, o repór-
ter passa a dividir a sua experiência com outros atores participantes do
evento. Ele passa a dividir a função testemunhal com outras testemunhas
(CASADEI, 2013).
Mesmo que o texto ainda seja escrito em primeira pessoa, a partir
da década de 1940, O Cruzeiro passa a adotar novas formas estéticas de
materialização da voz da fonte no nível da narrativa da reportagem – um
procedimento que, mesmo nesta época, era pouco usado pela Revista da
Semana. A voz da fonte, finalmente, se autonomiza da voz do repórter,
sem que a voz do jornalista tenha que falar por elas, servindo-lhes como
fiador. Nas reportagens de O Cruzeiro, portanto, não é mais o repórter
que tem os privilégios exclusivos da função testemunhal: a partir deste
momento, outras vozes são ouvidas na narrativa e outros atores passam
a exercer o testemunho enquanto ato, ou seja, a confiabilidade do relato
não depende mais da exclusividade da corporalidade do repórter enquan-
to instância fiadora do relato.
Tais rearticulações narrativas textuais são também materializadas no
uso das legendas e nos aspectos composicionais das fotografias. No que
se refere às legendas, há o surgimento do que podemos chamar de legen-
da narrativa. A mudança na estruturação narrativa da legenda é eviden-
te nesse período, como pode ser notado a partir dos exemplos descritos
a seguir. Em março de 1958, O Cruzeiro publica uma reportagem sobre
um historiador que afirmava, categoricamente, que Getúlio Vargas teria
sido assassinado. As fotos que ilustram as reportagens recebem legendas
como: “o historiador Augusto de Lima Jr. exibe ao repórter um dos do-
cumentos em que firma sua tese” ou “Esta era a cama de Getúlio Vargas
no Palácio do Catete. Aí o presidente foi encontrado deitado em senti-
do transversal, com a perna pendente” (O CRUZEIRO, 15/03/1958). A

113
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

narrativa exposta pela reportagem e ilustrada pela fotografia é reforçada,


portanto, a partir do uso das legendas.
Em uma reportagem sobre Juscelino Kubitschek publicada na edi-
ção de 27/01/1951, há uma sequência de fotos com as seguintes legendas:
“O Sr. Kubitschek recebe o diploma e os cumprimentos dos membros do
TRE”, “A esposa do novo governador, Sra. Sara Kubitschek, assiste à diplo-
mação do marido”, “D. Julia Kubitschek, mãe de Juscelino, também com-
pareceu à diplomação do filho”, “O Vice-governador, Dr. Clóvis Salgado.
É médico, como Dr. Juscelino Kubitschek”. A partir desses exemplos, fica
claro o modo como a legenda deixa de assumir meramente uma função
de preenchimento pronominal no discurso fotográfico e passa a incorpo-
rar uma série de outras informações, principalmente a partir da articula-
ção de um embrião narrativo.
A definição clássica de narrativa posiciona esse conceito como uma
forma de estruturação discursiva a partir da qual há “a passagem de um
estado inicial para o final” (GOMES 2009). Assim, se narrar é contar uma
história, “os discursos possuem, dessa maneira, uma forma narrativa, ou
seja, são definidos por funções a serem desempenhadas pelos sujeitos no
desenrolar da história contada, imprimindo transformações por meio de
ações movidas pelo desejo de seus atuantes” (SOARES, 2010, p. 58-59).
Para Claude Bremond, um texto deve obedecer a algumas condições
prévias para que possa ser considerado uma narrativa. Primeiramente,
“onde não há sucessão, não há narrativa”, uma vez que se os objetos do
discurso são associados apenas por uma contiguidade espacial, estaremos
diante de uma mera descrição. Além disso, “onde não há integração na
unidade de uma ação, não há narrativa, mas somente cronologia”, ou seja,
apenas uma “enunciação de uma sucessão de fatos não coordenados”. Por
fim, não existe narrativa quando o interesse humano não está posto, uma
vez que “é somente por relação com um projeto humano que os acon-
tecimentos tomam significação e se organizam em uma série temporal
estruturada” (BREMOND, 1976, p. 114).
Nas legendas da revista O Cruzeiro é possível notar que há mais me-
ramente o preenchimento e atualização dos dêiticos da imagem, mas sim,
já há a pressuposição de instituição de uma narrativa, na medida em que
conta uma estória em que há a passagem de uma situação inicial para uma

114
ELIZA BACHEGA CASADEI

situação final movida por pressuposições acerca dos desejos e ações dos
actantes presentes nas imagens. As legendas fotográficas, a partir desse
momento, não são meramente descritivas, mas sim, passam a incorporar
esses elementos que a posicionam do lado do discurso narrativo.
Obviamente, isso tem implicações importantes para o próprio enten-
dimento das imagens e para os possíveis direcionamentos de sentido. A
legenda enquanto narrativa opera a passagem entre uma mera sucessão e
descrição de eventos para uma sucessividade orientada de acontecimen-
tos, de forma que há a suavização de determinados elementos e o realce
de outros considerados de maior importância para a argumentação pro-
posta. A inserção da ação narrativa na legenda complexifica os mecanis-
mos de atribuição de sentido, na medida em que chama a atenção para
determinados detalhes da foto e insere, frequentemente, sentidos que não
poderiam ser entendidos caso a legenda não estivesse presente. A legen-
da narrativa, desta forma, não apenas descreve a foto, mas instaura um
comentário acerca do que deve ser percebido nas ações dos personagens
que são ali retratados. A legenda narrativa institui uma urdidura de enre-
do para a foto, propondo entendimentos outros acerca da imagem a que
faz referência.
É interessante notar como essa rearticulação da função testemunhal
na reportagem como um todo também se coaduna aos novos regimes de
imagem praticados por O Cruzeiro. As fotografias posadas, com o retrata-

Edições de 24/02/1923 e 12/07/1941,


respectivamente

115
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

do que olha diretamente para a câmera são substituídas por imagens que
valorizam o acontecimento e escondem o aparato.
As fotografias de O Cruzeiro, para Jaguaribe e Lissovsky (2006, p. 90),
“pretendiam ser bem mais do que meras ilustrações. Conformam um gi-
gantesco empreendimento pedagógico e publicitário autônomo, que faz
uso de várias estéticas modernas para representar ‘a invenção do futu-
ro no presente’”, no intuito de tornar visível a modernização brasileira.
Ainda no que concerne à fotografia, a incorporação de outras linguagens
midiáticas à estrutura da revista se fazia sentir por toda a sua elaboração.
Nesse sentido, é bastante claro o modo como o personagem é valo-
rizado na ação, de forma que o surgimento da autonomização da fonte
na narrativa escrita é acompanhado pelo engrandecimento da fonte na
composição imagética.
Nesse novo modelo de composição fotográfica, o fotógrafo some do
relato – em contraposição ao que era comumente feito antes da década
de 1940. O aparato não é mais explicitado, em função de uma valorização
do personagem. Novamente, aqui, a legenda, o texto da reportagem e a
fotografia compõe uma estrutura única do consumo do testemunho na
publicação, estando coadunadas a um lastro de veracidade a partir do
testemunho em terceira pessoa.
Se preferirmos os termos de Gombrich (2012), a mudança na compo-
sição imagética entre as décadas de 1920 e 1940 representa uma passagem
no modo como era representada a ação narrativa: se, na primeira, havia
uma valorização de o quê na fotografia, a partir de meados de 1940 pas-
sa-se a retratar o como da ação na imagem, em uma solução visual que
propõe uma dramatização do ato retratado no texto.
Ao valorizar o como da ação, a fotografia se descola da proeminência
dada ao repórter no primeiro período: enquanto mais um dos actantes
narrativos presentes na narração do acontecimento, a ênfase da ação fo-
tográfica se desloca para os outros personagens envolvidos na ação e para
a forma de seu envolvimento dramático.

Enquanto isso, nas capa


Ao passo que podemos observar essas mudanças em termos do con-
teúdo interno das revistas, as capas da Revista da Semana e de O Cruzeiro

116
ELIZA BACHEGA CASADEI

adotam estratégias bem mais tradicionais. O uso do star system da época


como principal modo de convocação urde as estratégias de O Cruzeiro
ao longo das décadas de 1940 e 1950. Após alguns anos enfatizando as
paisagens naturais e os tipos brasileiros, a própria Revista da Semana
se reaproxima da concorrente e passa a adotar as mesmas estratégias de
composição de utilizar mulheres bonitas e famosas na capa – o que pode
ser observado até os anos finais de existência da publicação.
No ano de 1958, por exemplo, das capas da Revista da Semana, 74,5%
possuíam apenas mulheres na capa, 10% apenas homens e 8% homens e
mulheres (os demais 7,5% não possuíam pessoas na capa, apenas paisagens
naturais). Afirma-se, portanto, o delineamento de um público-alvo majo-
ritariamente feminino. Os personagens eram compostos majoritariamente
por artistas (atores, modelos e cantores), sendo que poucas edições reme-
tem a acontecimentos quentes – como, por exemplo, a foto de um foguete
que representa a corrida espacial norte americana, a cobertura da Copa do
Mundo ou a morte do papa Pio XII. Assim sendo, 94% das personalidades
podem ser identificados pelo nome (apenas 6% não o são).
Há, nessas capas, ainda, a forte valorização do indivíduo (em detri-
mento de suas relações pessoais), o que se manifesta em algumas das carac-
terísticas de composição. Em 87% das capas, por exemplo, as pessoas apa-
recem sozinhas. Há também, em relação ao período anterior, um uso mais
acentuado dos planos em close (em 25% das capas) e médios (60%) e uma
queda no uso dos planos gerais (presente em 15% delas). Esteticamente, as
capas passam a valorizar mais o movimento, com um uso mais acentuado
do equilíbrio dinâmico (63%) em detrimento do estático (37%).
No mesmo período, O Cruzeiro irá adotar estratégias bem semelhan-
tes a essa. Tomando-se como referência o ano de 1958, nota-se também
uma forte presença do star system feminino nas capas: 86% delas é com-
posta unicamente por mulheres, 6% unicamente por homens e 6% por
homens e mulheres (os 2% restantes são formados por capas sem a pre-
sença de pessoas em sua composição). Das capas com pessoas, 96% delas
são compostas por celebridades que podem ser identificadas pelo nome
(em detrimento de personagens que representam instâncias ou processos
sociais) e em 82% dos casos elas aparecem sozinhas (conotando a valori-
zação do indivíduo em detrimento de suas relações pessoais).

117
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

Em termos das estratégias técnicas de composição, as semelhanças


também se mantêm. Quanto aos enquadramentos, os closes se tornam
mais importantes do que no período anterior (com 28% das incidências)
e há uma predominância dos planos médios (em 50% das capas). Os pla-
nos gerais perfazem apenas 22% das capas, indicando uma prevalência do
indivíduo em relação ao contexto em que eles está inserido. As imagens
também exibem maior movimento, com um uso mais acentuado, em re-
lação ao período anterior dos ângulos em plongèe (4%) e contre-plongèe
(28%), embora o ângulo reto continue predominante (68%). O equilíbrio
dinâmico também é mais utilizado, em 56% das capas, em detrimento do
estático (em 44% delas).
A partir dos dados apresentados, é possível destacar que, em termos de
estratégias de convocação para o consumo, as técnicas imagéticas utilizadas
se mantém constantes nas capas da Revista da Semana e de O Cruzeiro até o
final de suas publicações. Estratégias convocacionais radicalmente diferen-
tes poderão ser observadas em um período posterior, a partir do estudo das
capas da revista Realidade, conforme analisaremos a seguir.

118
CAPÍTULO 4

A convocação pela justaposição de imagens na


revista Realidade: Ênfase no processo e um novo
lugar de autoridade para o jornalismo

Ao colocar a pergunta “O que as imagens realmente querem?”, Mit-


chell (2015) desloca a perspectiva a partir da qual elas são normalmen-
te interrogadas. Posto que a ênfase dada pelas correntes teóricas vin-
culadas às questões interpretativas, retóricas e hermenêuticas está no
desvendamento do desejo do produtor ou no entendimento de que a
imagem é um mecanismo que suscita desejos no espectador, Mitchell
propõe inverter a perspectiva e olhar a própria imagem como um dis-
positivo desejante. E, ora, a quem deseja, sempre falta algo. O que falta
então à imagem? A resposta dada por Mitchell a essa pergunta é categó-
rica: à imagem falta poder.
Para chegar a tal conclusão, Mitchell faz uma crítica a abordagens
teóricas que expõem a imagem como um agente poderoso de manipu-
lação ideológica. “Certamente, as imagens não são desprovidas de po-
der, mas podem ser muito mais frágeis do que supomos” (MITCHELL,
2015, p. 171). Para isso, a persona que ele dota a imagem desejante não
é aquela vinculada à figura do dominador, do hegemônico ou do preva-
lente. A persona da imagem desejante estaria mais próxima das figuras
subalternas ou das minorias, no sentido de corporificações que lutam

119
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

(e desejam) por um poder que não têm. As imagens, “acima de tudo,


gostariam de exercer alguma maestria (maistrye) sobre o espectador”.
Em outros termos, “Fried resume a ‘convenção primordial’ da pintura
nos seguintes termos: ‘uma pintura deve, primeiramente, atrair o espec-
tador, depois prender seu olhar e finalmente encantá-lo” (MITCHELL,
2015, p. 173).
As imagens, para o autor, portanto, desejam um poder que é manifes-
tado como falta e não como possessão. Seu poder persuasivo se estrutura
mais como desejo do que como efetividade (o que explica porque certas
imagens propagandísticas não possuem eficácia alguma). A despeito de
seu desejo persuasivo, tal vontade nada diz sobre seu poder real, de forma
que a única coisa que podemos inferir sobre as imagens é a construção
desse desejo em relação a fantasias de poder.
A imagem é um dispositivo afônico, uma vez que, “para ser claro, as
fotografias não dizem nada (...) permanecem mudas”. No entanto, “qua-
lificá-las de ‘silenciosas’ seria talvez mais apropriado na medida em que
esse epíteto designa um estado (o silêncio) mais do que uma ausência”
(MARESCA, 2012, p. 37). Isso significa dizer que a quietude das imagens
se dá não necessariamente pela ausência de voz, mas sim, porque essa
voz é sempre delegada a outrem, que diz o que a imagem supostamente
quereria dizer. Assim, para Mitchell, “acima de tudo”, portanto, a imagem
“quer ser escutada” (MITCHELL, 2015, p. 184). Marcada pelos pressu-
postos que regem certos aspectos da inteligibilidade ocidental, a imagem
se apresenta como um cadáver mudo exposto a um olhar de deciframento
(CERTEAU, 2008). Assim como o subalterno, que não pode falar por si
só posto que está desprovido de um lugar legitimado de fala, a imagem
também está dentro desse campo de inteligibilidade que marca o lugar de
saber como um saber sobre o outro – e, mais do que isso, um saber a res-
peito daquilo que o outro cala. Trata-se de uma heterologia “(discursos
sobre o outro) que se constituíram em função da separação entre o saber
que contém o discurso e o corpo mudo que o sustenta” (CERTEAU, 2008,
p. 15). A imagem, afinal, “deseja uma alteridade” (NANCY, 2015, p. 60).
É por isso que, para Mitchell (2015, p. 185), é importante “considerar as
imagens não como sujeitos soberanos ou espíritos desencarnados, mas
como subalternos cujos corpos são marcados pelos estigmas da diferença,

120
ELIZA BACHEGA CASADEI

que funcionam tanto como mediuns quanto como bodes expiatórios no


campo social da visualidade humana”.
Se aceitarmos as considerações de Mitchell sobre as articulações da
imagem como um dispositivo desejante e aplicarmos tais reflexões para o
estudo das capas de revista brasileiras, é possível considerar que, embora
desde sempre elas tenham se articulado em torno do desejo de poder de
convencimento, as estratégias convocacionais urdidas para essa finalida-
de variaram consideravelmente ao longo do tempo. O final da década de
1960 é um período especialmente interessante, nesse sentido, uma vez
que, nessa época, surgiram uma série de revistas (como Realidade e Veja,
por exemplo) que apostaram em estratégias de convocação para o consu-
mo a partir da imagem bastante diferentes daquelas utilizadas no período
anterior. A aposta afetiva-editorial implicada na estruturação dessas ca-
pas era distinta daquelas descritas nos períodos anteriores, especialmente
em Revista da Semana, O Cruzeiro ou Manchete.
O objetivo do presente capítulo é, justamente, mapear alguns dos dis-
positivos de convocação para o consumo nas capas da revista Realidade,
em contraste com aqueles utilizados pelas principais publicações brasi-
leiras do período anterior. Ao analisarmos a revista Realidade podemos
adotar a mesma pergunta feita por Mitchell: o que desejavam as capas da
revista Realidade? Isso implica em observá-las a partir de sua perspectiva
desejante e, principalmente, a partir de como é articulado, na composi-
ção, os seus mecanismos convocacionais. Nesse sentido, mapearemos as
estratégias de construção de sentido de suas capas a partir da esquemati-
zação das estratégias convocacionais urdidas.
Na revista Realidade, como esmiuçaremos a seguir, a justaposição
é a principal estratégia composicional utilizada na maior parte das ca-
pas. Isso implica na estruturação de um mecanismo de convocação que
constrói um novo lugar para o consumidor na imagem: ao invés de ima-
giná-lo como uma entidade que projeta suas fantasias aspiracionais em
figuras exemplares, como no período anterior, Realidade convoca-o a
partir de um convite para o deciframento de um sentido conotado, ex-
plicitando os processos de feitura da imagem e sua arbitrariedade síg-
nica. Além disso, é possível notar que a justaposição, do ponto de vista
temático, não é aleatória, mas atende a certos imaginários sobre como

121
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

o jornalismo deve se estruturar, emergentes a partir da década de 1960


no cenário brasileiro.

O projeto afetivo-editorial da revista Realidade


As modificações na linguagem imagética presentes na revista Reali-
dade (e as consequências que isso acarretou em termos de convocações
para o consumo) já haviam sido preparadas pelos padrões fotográficos
adotados pela Revista da Semana e por O Cruzeiro no período anterior.
Trata-se, portanto, de um processo que já estava em curso e que está rela-
cionado aos momentos de profissionalização do fotojornalismo no país.
Desde o final da década de 1940, por exemplo, as revistas já haviam aban-
donado “velhos clichês que preconizavam o uso da fotografia como mero
recurso de ilustração” (MAGALHÃES, PEREGRINO, 2004, p. 54).
Na historiografia sobre o tema, é notória a ênfase dada ao maior caráter
autoral dado às fotografias, de forma que eram frequentes imagens com
carga grande subjetiva (tanto do ponto de vista temático quanto na pers-
pectiva estética). A periodicidade da publicação, que era mensal, também é
apontada como um fator relevante para a obtenção de uma maior profun-
didade nas coberturas fotográficas (LEITE, 2015). Para Leite (2015), é pos-
sível posicionar a revista Realidade em um entremeio entre as publicações
que enfatizavam a fotografia documental (ou seja, que se relaciona com a
realidade a partir de uma intencionalidade comprovatória, de testemunho
e autoridade em relação ao que aconteceu) e a fotografia expressão (que
possibilita outras formas do discurso imagético ao deslocar a fotografia de
seu caráter utilitário em direção ao seu uso interpretativo). Há, portan-
to, uma ruptura com certos padrões ligados à objetividade jornalística e a
busca por uma imagem em que a subjetividade, a sensorialidade e a leitu-
ra pessoal de um fato emerjam para o primeiro plano. Em geral, a revista
Realidade privilegiava “fotógrafos que, ao desenvolverem suas pautas, não
o fizeram presos à intenção de gerar uma simples prova visual dos fatos,
eliminando possíveis dúvidas do leitor”. Assim, “a intenção deles foi, real-
mente, imprimir uma interpretação particular da realidade, fazendo uso de
uma linguagem pessoal” (LEITE, 2015, p. 9).
As estratégias de convocação para o consumo presentes nas capas
de Realidade também se articulam a partir desse pressuposto, em uma

122
ELIZA BACHEGA CASADEI

abordagem bastante diferente daquela articulada no período anterior.


Conforme detalhamos nos outros capítulos, uma das características
centrais das capas de revista dos anos 1940 e 1950 era o uso do star
system da época (e, muito especialmente, das atrizes hollywoodianas)
para a composição das capas de revista – predicado que pode ser obser-
vado nas principais publicações semanais da época como O Cruzeiro e
Revista da Semana.
Do ponto de vista temático, destaca-se em Realidade a variedade de
temas presentes nas capas. Aqui, já estamos em um contexto editorial em
que as capas dialogam de forma mais óbvia com o conteúdo jornalístico
interno da publicação e os temas são mais diversificados do que apenas
a presença de uma celebridade. Em 1966, primeiro ano da publicação de
Realidade¸ por exemplo, as capas que traziam temáticas relacionadas a
comportamentos sociais perfazem 33% das capas; temas de cultura ocu-
param 33% e esportes 22%. As celebridades perfizeram apenas 12% das
capas. Em 1967, comportamento ocupa 83% das capas, seguido por po-
lítica, em 17% delas. Mesmo nas capas que continham personalidades
famosas, contudo, os modos de articulação das técnicas de composição e
das estratégias de convocação eram bastante distintos daqueles utilizados
no período anterior, conforme detalharemos a seguir.
O lançamento da revista Realidade pode ser inserido em um con-
texto mais geral, que abarcava outras publicações da mesma época, que
dizia respeito à busca por novos modos de se fazer reportagem. A ins-
piração para Realidade estava nas experiências realizadas pelo Jornal
da Tarde, lançado também em 1966. Nesse veículo, já é possível ob-
servar preceitos que serão largamente adotados em Realidade, como o
delineamento de pautas diferenciadas (em relação aos demais veículos
noticiosos da época), que investiam na humanização do relato, com tex-
tos atraentes e com toques literários, além de uma apresentação visual
agradável e estimulante.
A criação da Realidade foi debitária de toda uma cena cultual for-
mada nos anos anteriores por publicações alternativas consumidas pela
classe média intelectualizada. A revista – assim como outros veículos no-
ticiosos como Correio da Manhã, Zero Hora, Jornal da Tarde e Folha da
Tarde – incorporou esse clima de denúncia, de contestação e de oposição

123
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

já fomentado pelas experiências em jornalismo alternativo e que foram


incorporadas por veículos da grande imprensa (KUCINSKI, 1991).
Faro (1999, p. 15) identifica que “no período posterior a 1964, a im-
prensa brasileira (...), especificamente sob o gênero jornalístico da repor-
tagem, pautou parte significativa de sua produção em relação ao movi-
mento pelo qual se norteavam as demais manifestações artístico-culturais
promovidas no país”. Nesse movimento, “é possível identificar um discur-
so libertário e contestador”.
Em um contexto mais amplo, tratava-se de um período em que era
possível observar o florescimento de uma série de veículos ligados a uma
imprensa engajada e que buscava um outro tipo de visada em relação
aos problemas sociais. O engajamento da imprensa nesse período, segun-
do Faro (1999, p.14) podia ser sentido tanto na imprensa alternativa dos
anos 70 (que levava a cabo o jornalismo investigativo que estava fora do
alcance dos grandes jornais do período devido à ação da censura) quanto
na própria grande imprensa, para além das dificuldades impostas pelo re-
gime militar que vigorava no país naquela época. Realidade seria uma das
expressões mais notáveis desse segundo movimento, onde “aflorava uma
produção jornalística que dava à reportagem uma dimensão reveladora,
além de padrões da objetividade informativa”.
O autor coloca que “por força da mobilização política que a classe
média viveu em meados dos anos 60, mobilização marcada, especialmen-
te nos segmentos ligados à cultura universitária, por sentimento de opo-
sição ao Estado autoritário que então se esboçava”, o cenário brasileiro
foi permeado por uma série de manifestações culturais de contestação e,
nesse contexto, a revista Realidade conseguiu um feito: ela canalizou esse
sentimento de desgosto da classe média, tornando-se o correspondente,
na área do jornalismo impresso, dessa cultura da negação.
Neste ponto, é interessante lembrar que vários dos jornalistas que tra-
balharam na redação de Realidade eram membros de células políticas de
esquerda e participaram desses veículos jornalísticos alternativos.
É importante ressaltar, contudo, que o seu caráter inovador nunca
ultrapassava determinados limites ligados a esse público-alvo. Também
para Faro (1999, p. 6), Realidade foi criada para um público de classe mé-
dia e conseguiu vincular a produção do texto jornalístico ao conjunto das

124
ELIZA BACHEGA CASADEI

manifestações políticas e culturais de seu período, mas também soube se


manter dentro das fronteiras que eram tidas como aceitáveis pelo público
médio geral, não muito simpático aos movimentos da esquerda. Nesse
sentido, ela abarcou, em um mesmo movimento, o discurso transgressor
dos anos 60 com a adoção dos “valores burgueses conservadores, a ordem
do Estado e a ordem da estrutura social”, o que explicaria em grande me-
dida o sucesso obtido pela publicação.
Essa sintonia com os interesses de uma época também não foi obtida
por acaso. O jornalismo praticado nos anos 60 no Brasil já demandava
uma estrutura empresarial muito mais sofisticada do que nas décadas an-
teriores, de forma que a editora Abril, como forma de garantir os seus in-
vestimentos, empreendeu uma vasta pesquisa de opinião antes de decidir
como a sua nova revista se posicionaria no mercado.
Antes do lançamento oficial da revista, a Abril lançou um núme-
ro zero de Realidade e encomendou, com base nele, uma pesquisa ao
Instituto de Estudos Sociais e Econômicos (INESE) para definir quais
eram as demandas que a revista deveria atender. Desde o início, foi
definido que a revista deveria atender a um público adulto (entre 18 e
44 anos), com escolaridade elevada (equivalente ou acima do 2 o grau)
e com alto poder aquisitivo (59% dos leitores situados entre a classe
A e B). De acordo com Faro (1999, p. 95), os resultados da pesquisa
foram os seguintes:

São de interesse mais geral – disse o INESE – matérias sobre Ciência


e Progresso, Grandes Problemas Brasileiros e Assuntos relativos ao
Sexo e Educação Sexual. Em relação ao número zero, que havia ser-
vido de base para a pesquisa, o artigo mais apreciado foi, de longe,
‘A virada antes de nascer’ (70%). Outros artigos muito apreciados
foram ‘Desgraçado é o goleiro’ (23%) e ‘Este é o Humberto’ (29%).
Ao comparar Realidade com outras revistas, a maioria dos entrevis-
tados considerou-a melhor ou muito melhor que as demais. Cerca
de 65% dos entrevistados gostariam de ler regularmente a revista.

Eram esses, de fato, os temas que predominavam na revista, baseados


nessa pesquisa inicialmente feita. Isso explica, em grande medida, a ado-
ção de novos padrões afetivo-editoriais para as capas, com uma variedade

125
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

maior de conteúdos temáticos e a ênfase em assuntos ligados à editoria


de comportamento.
Além disso, o sucesso da revista também pode ser atribuído à equipe
que foi contratada para a sua condução. “Para formar o corpo editorial,
foram chamados jornalistas experientes que já trabalhavam na redação
da revista Quatro Rodas” que, na época, era dirigida por Mino Carta.
“Dessa equipe, vieram para Realidade: Paulo Patarra, que seria o reda-
tor-chefe; Sérgio de Souza; Mylton Severiano da Silva, Woile Guimarães,
Carlos Azevedo; Eurico Andrade; José Hamilton Ribeiro e Narciso Kalili”
(ROSA, 2006, p. 67).
A qualidade das reportagens feitas por Realidade é atestada pelos oito
prêmios Esso que a publicação ganhou em seus dez anos de existência.
A saber, os prêmios foram dados às seguintes reportagens: “Brasileiros
go home” (1966); “Os meninos do Recife” (1967); “A vida por um rim”
(1967); “Eles estão com fome” (1968); “De que morre o Brasil” (1968);
“Marcinha tem salvação: amor” (1969); “Amazônia” (1972); “Seu corpo
pede um bom presente” (1973).
Já quanto às imagens de capa, algumas coisas podem ser destacadas.
Não apenas as celebridades deixaram de ser prioritariamente represen-
tadas, como a maior parte das imagens passa a remeter não a pessoas
identificadas pelo nome, mas sim, a instâncias e/ou processos sociais.
Nesse sentido, em 1966, por exemplo, as capas sem pessoas (compostas
por figuras abstratas ou por objetos) perfizeram 45% das edições. Mesmo
nas capas com pessoas retratadas (sendo 11% delas com mulheres, 22%
com homens e 22% com homens e mulheres), apenas em 33% delas era
possível identificar o personagem retratado pelo nome – no restante, eles
performavam figurativizações de processos, instâncias ou atores sociais.
Em 1967, a mesma tendência é mantida. Embora as capas com figu-
ras abstratas ou objetos perfaçam 25% das edições, nas capas que possuem
pessoas (sendo 25% com mulheres; 50% com homens; e 25% com homens
e mulheres), em apenas 10% delas essas personalidades podem ser identifi-
cadas pelo nome. Nas demais, elas são representativas de processos sociais.
Quanto às estratégias técnicas da fotografia, o destaque a ser feito é
sobre a quantidade expressiva de closes – o que aumenta a dramaticida-
de da imagem. Em 1966, 60% das imagens com pessoas apresentam esse

126
ELIZA BACHEGA CASADEI

enquadramento (diante de 20% de uso de planos médios e 20% de uso de


planos gerais) e, em 1967, 45% delas usam esse recurso (diante de 22% de
uso de planos médios e 33% de planos gerais). Do restante, há a prevalên-
cia do ângulo reto (87% em 1966 e 90% em 1967) e um uso equivalente
dos equilíbrios dinâmicos e estáticos.
Tais expedientes técnicos, contudo, encerram outros modos de con-
vocação pela imagem nas capas de Realidade, pouco usuais nas revistas
até então, conforme discutiremos a seguir.

A justaposição como técnica de composição: A ênfase no


processo como mecanismo convocacional

A justaposição como mecanismo de produção de sentido:


Toda imagem sempre remete a algo além dela própria. É nesse sen-
tido que Boehm (2015, p. 25) coloca que “de fato, a maior parte das ima-
gens, as imagens de uso, cotidianas e típicas, visam ser lidas para além da
imagem”. Isso significa que o seu estatuto iconológico está sempre presen-
te, pautando o jogo das conotações instaladas nos processos de produção
de sentido pela imagem, de forma que “pouco importa, aliás, se se trata
de fotografias banais ou de pinturas ditas exigentes: a imagem representa
um caso de figura cujo espaço de significação precede, a título de pré-tex-
to, toda significação”. Há na imagem, portanto, a articulação interna de
significações externas. É por isso que uma imagem é sempre menos do
que ela representa – na medida em que depende dessas significações ex-
ternas – e mais que seu objeto físico – posto que sua apresentação sempre
encerra certa opacidade (ALLOA, 2015, p. 12).
É também nesse sentido que Samain (2012, p. 22) coloca que há uma
relação privilegiada entre aquilo que a imagem mostra e o que ela dá a
pensar, na medida em que ela realiza um trabalho “ao se associar, notada-
mente, a outras imagens (visíveis/exteriores; mentais/interiores) e a ou-
tras memórias” e arcabouços culturais. As imagens são, portanto, “formas
que, entre si, se comunicam e dialogam”.
As estratégias mais comumente utilizadas nas capas da Revista da
Semana e de O Cruzeiro para fazer a imagem significar e remeter a algo
externo a ela própria, conforme detalhamos em capítulos anteriores, es-

127
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

tava bastante relacionada à mostração de figuras exemplares (algumas


vezes, políticas, mas, mais comumente, vinculadas às celebridades holly-
woodianas) que, no plano conotativo, remetiam a certos modos de vida
validados e convocavam ao consumo ao efetuar a partilha entre os valores
que deveriam ser celebrados e aqueles que estavam fora de um campo au-
tenticado de visibilidade. O projeto afetivo-editorial dessas publicações,
embora tenham variado bastante ao longo do tempo, estruturou frequen-
temente as suas estratégias de convocação para o consumo na personifi-
cação de valores a partir dessas figuras exemplares.
Até a década de 1960, a maior parte das estratégias convocacionais
das revistas brasileiras estavam articulados em torno de seu potencial
dêitico que se coadunava a uma competência metafórica. E isso no sen-
tido de que, por um lado, as imagens de capa fundavam e estruturavam
um campo mostrativo da linguagem, ao exibir as personalidades que su-
postamente deveriam ser reconhecidas e estimadas, por outro, tais per-
sonalidades estavam impregnadas de valores associados que produziam
sentidos figurados a partir de associações metafóricas implícitas.
As capas de Realidade não se atêm a esses princípios, de forma que
é possível observar, ali, um desenvolvimento da questão da mostração
como tema em direção à mostração como princípio operador (BOEHM,
2015, p. 34). Os dois conjuntos de estratégias convocacionais articulam
regimes diferentes entre o visível e o dizível, de forma que as catarses afe-
tivas se estruturam de maneiras distintas nas estratégias de convocação
para o consumo.
As estratégias de convocação nas capas de Realidade estão articuladas a
partir de um mecanismo de produção de sentido pela imagem que combina:
(1) uma técnica composicional específica (a saber, a justaposição), elaborada
a partir de um (2) acordo profissional específico sobre as novas formas de
jornalismo que emergem a partir da década de 1960 (a partir de reposicio-
namentos da relação entre fato narrado e personagem) que se materializam
no conteúdo da imagem e que engendram (3) um outro modo de construção
discursiva do lugar do consumidor e sua consequente interpelação em termos
convocacionais (que interpela o sujeito a partir do explicitamento do pro-
cesso de significação da imagem e da destituição da primeira pessoa como
articuladora do fato na narrativa). Esses termos serão detalhados a seguir.

128
ELIZA BACHEGA CASADEI

Desde a primeira capa da revista, a da famosa foto de Pelé com um


chapéu da guarda real inglesa, publicada em abril de 1966, a combinação
dessas três estratégias composicionais pode ser notada.
Em primeiro lugar, destaca-se que, embora frequentemente Realida-
de também se valesse da representação de celebridades em suas capas,
elas não eram apresentadas a partir de uma simples mostração. O uso da
técnica da justaposição sobressai como eixo articulador da composição
imagética das capas de Realidade, sejam elas com celebridades ou não. A
justaposição é uma técnica de composição caracterizada pela junção de
duas figuras que pertencem, normalmente, a universos semânticos dis-
tintos, de forma que a junção das duas estabelece um terceiro campo se-
mântico a ser evocado na interpretação. Ela opera uma montagem – que
pode se dar durante a própria feitura da fotografia ou ser acrescentada
posteriormente na edição – entre figuras de naturezas diferentes. No caso
da revista Realidade, normalmente, uma das imagens pode ser considera-
da como a principal – no sentido de que ela pauta o tema que está sendo
veiculado como a “notícia mais importante” na capa. A outra imagem faz
as vezes de adjetivação da primeira, na medida em que caracteriza ou mo-
difica a leitura simples dessa primeira imagem e afeta de forma decisiva a
leitura global da imagem.
Na capa com a imagem de Pelé, por exemplo, a justaposição é arti-
culada a partir da junção do ídolo do esporte (como personagem prin-
cipal da história contada) e o chapéu da guarda inglesa, como imagem

Capas das edições de Abril de 1966, Janeiro de 1967 e Abril de 1967, respectivamente

129
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

secundária, que completa a justaposição e qualifica a história contada; no


caso da capa de janeiro de 1967, a justaposição é composta pela mulher
(imagem primária) e a lupa, como modificadora da primeira; na capa do
Tio Sam, a imagem central é composta pelo ícone norte-americano e a
adjetivadora pela justaposição do soco no olho.
Há, portanto, nessas justaposições, a inserção de um material signifi-
cante em outro. A trucagem de figuras feita na justaposição “afeta a gra-
fismo da obra e esse grafismo, por sua vez, modifica a realidade dos frag-
mentos colados, absorvendo-os na linguagem metafórica da descrição vi-
sual”. O fragmento colado, assim, adquire uma capacidade de significação
para além daquilo que ele é, de forma que “o pedaço de colagem afirma
sua existência enquanto objeto real e, ao mesmo tempo, sua capacidade
de representar, significar, substituir algo mais” (KRAUSS, 2013, p. 165).
A justaposição, portanto, como mecanismo de composição principal
que estrutura a capa da revista, opera a partir da junção de elementos
pertencentes a campos semânticos distintos, em uma estrutura única que
convida o consumidor ao deciframento de um terceiro sentido implicado
a partir dessa junção.

A justaposição do ponto de vista do conteúdo:


Há, no entanto, uma outra questão que deve ser posta: em termos
de conteúdo, as duas imagens que formavam a justaposição das capas de
Realidade não eram aleatórias. Elas sempre diziam respeito a dois cam-
pos semânticos bem específicos (a saber, um deles do personagem e o
outro referente ao social, conforme detalharemos a seguir) e que estavam
relacionados a acordos profissionais específicos acerca do modo como o
jornalismo passou a ser pensado a partir da década de 1960. Há, portan-
to, uma rearticulação da própria função do jornalismo que redefinem os
parâmetros convocacionais de suas estratégias imagéticas.
As estratégias de convocação da Revista da Semana e de O Cruzeiro
estavam articuladas em torno da ideia de que os acontecimentos e fa-
tos referem-se, primordialmente, a um sujeito (designado por um nome
próprio). A partir da década de 1960 emerge uma noção que revoga “o
primado dos acontecimentos e dos nomes próprios em benefício (...) da
vida dos anônimos” (RANCIÈRE, 2014, p. 2). A imagem acompanha um

130
ELIZA BACHEGA CASADEI

movimento que já se dava na narrativa jornalística escrita, em que a his-


tória escrita em primeira pessoa perde espaço e cede espaço a persona-
gens mais amplos.
Os sujeitos da escrita jornalística mudam de forma acentuada a partir
de meados da década de 1950, de maneira que maneira que se prefere fa-
lar da vida das mulheres, do que da vida de uma mulher em específico. A
descrição da vida doméstica de uma celebridade específica, por exemplo,
cede espaço a um retrato mais amplo das brasileiras hoje. O modo de
convocação é redirecionado para os grandes fenômenos sociais, aqueles
“que não se atribuem mais a um sujeito particular, mas que se observam
em sua repetição, se deixam classificar de acordo com suas propriedades
e se correlacionam com outros fatos do mesmo tipo ou com outros tipos
de fatos” (RANCIÈRE, 2014, p. 3).
Tal redirecionamento, contudo, não se esgota nesse ponto, já que o
personagem individual não é totalmente abandonado na narrativa (mui-
to embora ele seja engendrado em outros termos). Tal como formulado
por Rancière (2014, p. 3), “nem por isso deixaremos de enfrentar o salto
no vazio (...): é preciso nomear sujeitos, é preciso atribuir-lhes estados,
feições, acontecimentos”. Apesar de um redirecionamento das pautas
para aspectos sociais brasileiros mais amplos, o jornalismo não se desfez
completamente da primazia do personagem, embora tenha-o incorpora-
do de uma maneira diferente, tanto na narrativa textual quanto em suas
esquematizações imagéticas. Há, sim, um reengendramento da articula-
ção entre os nomes e os acontecimentos, de forma que é reconciliado um
interesse jornalístico novo (as histórias sociais de grande espectro, não
relacionadas a um personagem específico, mas a camadas sociais mais
amplas) e um velho modo de contar histórias (que não larga de todo a
personalização dos acontecimentos e ainda usa uma figura individual
para exemplificar esses processos sociais mais amplos).
Há, a partir da década de 1960, uma “elaboração poética do objeto”
(RANCIÈRE, 2014, p. 10) jornalístico nova que conjuga a figura parti-
cular (o personagem) com um movimento social de amplo espectro. São
esses os dois termos que regem as justaposições implicadas nas capas da
revista Realidade, de forma que sempre os dois elementos considerados
dizem respeito a esses dois eixos. O primeiro elemento corresponde, as-

131
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

sim, ao personagem e o segundo diz respeito ao enquadramento desse


personagem em um movimento social mais amplo.
Do ponto de vista temático, portanto, o uso da justaposição como
técnica composicional atende a esses rearranjos do jornalismo em geral,
que assume uma nova forma de narrar o fato. A justaposição, nesses ter-
mos, é a expressão imagética de um movimento que já se articulava no
texto (a partir de outros mecanismos semânticos e narrativos) desde ao
menos meados da década de 1950.

A justaposição do ponto de vista da construção de um lugar


de consumidor:
A destituição da primeira pessoa do relato engendra, ainda, um
modo distinto de construção discursiva do lugar do consumidor, de forma
que a sua interpelação em termos convocacionais se dá a partir do expli-
citamento do processo na construção da imagem a partir da justaposição
como técnica composicional estruturante.
O uso da justaposição como técnica de composição evoca um campo
convocacional diferente daquele estruturado em torno de potencial dêi-
tico e metafórico da linguagem imagética (como presente nas capas de
O Cruzeiro e Revista da Semana). E isso porque há uma outra lógica de
mostração implicada na evocação desse tipo de técnica de composição.
Na justaposição, “a lógica da mostração só pode ser processual”, de forma
que a imagem deve ser concebida como “uma equação energética”. Ou,
em outros termos, “o que mostra – a imagem, em sua ocorrência – nos
mostra como alguma coisa se mostra. E, ao nos dar a perceber, a imagem
gera um sentido” (BOEHM, 2015, p. 38). Em outros termos, o consumi-
dor é convocado a participar da resolução de uma espécie de enigma para
a atribuição de sentidos e, ao fazê-lo, a própria imagem se apresenta do
ponto de vista de um processo a ser percorrido – aquele ligado às transfe-
rências de sentido em operação para a composição da imagem.
Isso porque, na justaposição, o que “constitui a imagem é a opera-
ção que transforma uma corporeidade em outra” (RANCIÈRE, 2015b,
p. 200), a partir da junção de elementos que pertencem a campos se-
mânticos distintos. Há na lógica composicional da justaposição sempre a
pressuposição do desvendamento de um engodo: aquele da própria ilusão

132
ELIZA BACHEGA CASADEI

referencial da fotografia. Tal técnica de composição “revela a natureza


puramente convencional da marca gráfica, graças a um sobrelanço no
contraste ontológico”, ao explicitar para o espectador a ilusão referencial
da expressão fotográfica. A justaposição, ao associar dois elementos que
não pertencem necessariamente a uma mesma ordem, “chama a atenção
para essa qualidade de ausência, torna a própria ausência presente, por
assim dizer, e revela a verdadeira natureza da representação, que não pas-
sa de aparência, redução, substituta, signo” (KRAUSS, 2013, p. 167).
A justaposição age, assim, contra toda pretensão de uma imagem au-
torreferente, autônoma e total, na medida em que opera um questiona-
mento do estatuto indiciário da fotografia a partir de um ponto de vista
metafórico: trata-se de um modo de mobilizar, na própria composição, a
noção de uma realidade percebida como arbitrária, “que necessariamente
obriga toda representação a não ser mais que uma coleção de fragmen-
tos”. E, assim, “no próprio centro de seu poder de representação reside
essa mensagem da ausência (do real), que é a primeira condição de qual-
quer representação” (KRAUSS, 2013, p. 168). Na justaposição, portanto,
“a imagem não se identifica com o visível e os seus poderes de fala são
aqueles de suas condensações e deslocamentos, que fazem ver uma coisa
em outra ou por uma outra” (RANCIÈRE, 2015b, p. 193).
A linguagem imagética, nesse sentido, cede o seu potencial dêitico
para a valorização de seu estatuto processual, ao escancarar para o consu-
midor a construção de sentido enquanto um processo.
A trucagem, nesse sentido, é um mecanismo convocacional que im-
põem um pensamento “que forma, formata, põe em forma” (SAMAIN,
2012, p. 24). Ela põe em jogo um processo que traspõe a imagem para além
dos objetos representados isoladamente e, ao fazê-lo, torna a imagem “o
lugar de um processo vivo”, participante de “um sistema de pensamento”.
Assim, podemos dizer que a imagem é pensante (SAMAIN, 2012, p.
31) nas capas da revista Realidade. Mais do que isso, elas convidam o
consumidor a participar do processo justamente ao mostrar-se enquanto
tal. O mecanismo de convocação se dá, então, a partir das imagens cru-
zadas, que “por pertencerem a um sistema, participam não apenas de um
tempo e de um contexto singulares, mas sobremaneira de um sistema de
pensamentos” (SAMAIN, 2012, p. 32).

133
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

Tal estratégia convocacional, tal como já pontuado por Rancière


(2015a, p. 28) impõe uma guinada da ideia de que a imagem deve ser lida
a partir do deciframento de seus significados misteriosos articulados,
mas sim, “contrapõe-lhe uma nova hermenêutica que relaciona a imagem
não a um sentido oculto, mas às condições de sua produção”. É justamen-
te ao explicitar as condições de sua produção que a justaposição utilizada
na revista Realidade convida o consumidor a participar da produção de
sentido, não como algo imposto, mas como um desafio ao olhar.
Tais injunções convocacionais, obviamente, não são uma invenção de
Realidade. “Trata-se propriamente de uma posição no interior do sistema
de possíveis definido por uma determinada ideia” de imagem e uma deter-
mina ideia de jornalismo (RANCIÈREa, 2015, p. 33). Para Rancière (2015a,
p. 38) trata-se da emergência de um registro estético em que tudo na ima-
gem fala. “A casa ou o esgoto falam, trazem consigo rastros do verdadeiro,
como farão o sonho ou o ato falho – mas também a mercadoria marxiana -,
desde que sejam primeiro transformados em elementos de uma mitologia
ou de uma fantasmagoria”. Trata-se de fazer falar para além do fato, para
além da mostração imediata, a partir de um trabalho onde a significação do
fato é dado a partir de um trabalho de reescrita dos fatos.
A imagem convoca, em Realidade, portanto, não a partir da articula-
ção aspiracional de um consumidor imaginado (tal como em revistas do
período anterior); mas sim, a partir da estruturação de um consumidor
modelo que é pensado como um ator na produção de sentido de suas ca-
pas, que é chamado a fazer parte do processo de composição de sentidos a
partir de um trabalho de deciframento e decodificação dos acontecimen-
tos apresentados pela publicação.

A convocação como remontagem de mundo
A partir do esmiuçamento dos processos de produção de sentido
implicados na justaposição enquanto técnica composicional e suas im-
plicações em termos de estratégias composicionais, é possível retomar a
pergunta que motivou a presente investigação: o que, afinal, desejam as
capas da revista Realidade?
Uma das premissas do fotojornalismo, ao menos do modo como ele
vem sendo praticado desde a década de 1950, é o fato de que as imagens

134
ELIZA BACHEGA CASADEI

constituem um bem comum. Ao menos em seu caráter ethópico e deon-


tológico, portanto, a função da imprensa seria restituir à sociedade as
imagens que lhe é de direito, a despeito das instituições e dos jogos de
poder específicos. Para Didi-Huberman (2015, p. 212), é por isso que tal
restituição não se dá sem efeito transgressor, posto que tem relação com
o que Giorgio Agamben nomeia uma profanação, no sentido de que a
imprensa restitui as imagens para o livre uso dos homens. As imagens,
assim, não devem ser entendidas “como lugares-comuns – que suas re-
montagens desmontam ou constroem – mas como o lugar do comum”
(DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 223).
Se retomarmos os pressupostos de Mitchell (2015) de que toda ima-
gem deseja estruturar um apelo para que seus consumidores a ouçam a
partir da estruturação de mecanismos convocacionais, é possível dizer
que existem dois tipos de restituição diferentes implicados nos dois pe-
ríodos estudados. Quando pensamos nas estratégias convocacionais pres-
supostas na Revista da Semana e em O Cruzeiro, trata-se de uma ideia de
restituição a partir da qual “um objeto do corpo privado (o rosto daquele
cuja imagem é fabricada) retorna à esfera do direito público” (DIDI-HU-
BERMAN, 2015, p. 206). A convocação pela imagem se estrutura, assim,
por seu potencial dêitico – o de nomear uma pessoa ou situação – asso-
ciado a um potencial metafórico que se coloca nas pressuposições aspi-
racionais de um consumidor modelo. Às imagens jornalísticas de capa,
cabia o desejo de restituir os acontecimentos ao mundo (mesmo que isso
se estruture mesmo como desejo imaginário e não como efetividade).
Não é o mesmo mecanismo que opera nas capas do jornalismo noti-
cioso pós-década de 1960. O gesto de restituição de Realidade está vin-
culado à ideia de apropriação, ou seja, de um modo em que restituir sig-
nifique anexar, ou seja, “possuir, segundo o antigo valor do manicipium
romano, como quando se compra alguma coisa – ou alguém – para dele
dispor a sua maneira, segundo seu direito privado”. No caso do fotojor-
nalismo, “se dando ao direito de recontar uma história” (DIDI-HUBER-
MAN, 2015, p. 208), de tornar visíveis certos aspectos do enredo a partir
de uma ótica de reinterpretação.
Didi-Huberman irá aproximar esse tipo de restituição ao mecanismo
de profanação exposto por Agamben (2007). Segundo o autor, se as coi-

135
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

sas sagradas são definidas justamente por não serem de uso comum dos
homens (e, portanto, o sacrilégio estaria ligado a todo o ato que violasse
ou transgredisse essa indisponibilidade premente do sagrado), profanar
significaria, justamente, restituir as coisas ao livre uso dos homens. Aos
espaços que se constituem como esferas separadas do uso comum, “pro-
fanar significa abrir a possibilidade de uma forma especial de negligência,
que ignora a separação, ou melhor, faz dela um uso particular” (AGAM-
BEN, 2007, p. 65). A profanação envolve um lugar de poder, mas posto
sob uma outra ótica. Para Agamben (2007, p. 68), “a profanação implica
uma neutralização daquilo que profana”. E isso porque “depois de ter sido
profanado, o que estava indisponível e separado perde a sua aura e acaba
restituído ao uso”. Embora ambas as operações sejam políticas, “a primei-
ra tem a ver com o exercício do poder, o que é assegurado remetendo-o a
um modelo sagrado; a segunda desativa os dispositivos de poder e devol-
ve ao uso comum os espaços que ele havia confiscado”.
O caráter de profanação posto em jogo por Realidade se mostra na me-
dida em que opera por “remontagens interpostas, não simplesmente para
abolir e cancelar as separações, mas aprender a fazer delas um novo uso, a
brincar com elas” (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 213), de forma a extrair a
metáfora moral de um acontecimento por meio dessa mesma montagem. A
imagem, nesse sentido, não é meramente contemplativa, mas sim, proces-
sual, ao “justapor as coisas inesperadas, fazendo derivar do movimento uma
correspondência, uma semelhança” (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 219).
Tais imagens solicitam uma posição outra por parte do sujeito
consumidor ao propor um novo jogo entre as formas tradicionalmen-
te expostas pelo fotojornalismo. “Inventar um campo novo de formas”,
como coloca Didi-Huberman (2015, p. 220), “é inventar um campo
de forças capaz de ‘criar o real’, de determinar uma nova realidade
por meio de uma forma óptica nova”. A demanda por uma outra posi-
ção-sujeito do consumidor para um outro tipo de experiência, nesse
sentido, se processa porque tais imagens decompostas não “tem que
representar, mas (...) trabalhar” em um processo de problematização –
um trabalho que se faz “na incessante dialética de uma decomposição
fecunda e de uma produção que nunca encontra descanso nem resul-
tado fixo, justamente porque sua força reside na abertura inquieta, na

136
ELIZA BACHEGA CASADEI

capacidade de insurreição perpétua e de autodecomposição da forma”


(DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 220).
O gesto de restituição posto em operação pelas imagens de Realidade,
portanto, a partir do uso da justaposição como técnica composicional es-
truturante, se funda no jogo com as imagens e no convite ao consumidor
para participar do processo de remontagem do mundo.
O que desejam então as imagens da revista Realidade? Ao se es-
truturar um mecanismo de sentido a partir do qual a justaposição é a
técnica composicional estruturante e funda um jogo entre imagens de
campos semânticos diferentes e um convite ao consumidor para par-
ticipar do processo de remontagem do mundo, as imagens de capa de
Realidade conjuram um tipo de jornalismo que se coloca no lugar de
interpretador legítimo dos fatos do cotidiano – a ponto de poder re-
monta-lo. Trata-se da materialização imagética de uma reestruturação
jornalística mais ampla, que diz respeito à vinculação da revista Reali-
dade a um projeto de jornalismo que recebeu a alcunha de interpretativo
– que será detalhado nos próximos capítulos. Se, do ponto de vista tex-
tual, isso se materializa em códigos de narração específicos, do ponto de
vista imagético, a justaposição se apresenta como elemento central de
convocação. A imagem, portanto, deseja tanto convencer o consumidor
que ela pode, inclusive, justapor os elementos do mundo em favor de
sua fábula moral específica.

137
CAPÍTULO 5

As imagens sem conflito de Manchete e Fatos


e Fotos: O culto à vida privada a ao Brasil
desenvolvimentista

Técnicas de composição similares, muitas vezes, engendram meca-


nismos de convocação um tanto dessemelhantes. Manchete e Fatos e Fotos
são duas revistas que irão se utilizar de uma linguagem imagética de capa
bem próxima àquela articulada pela Revista da Semana e por O Cruzeiro
no período anterior, mas com algumas nuances quanto à interpelação ao
consumidor. Entre eles, destacam-se mudanças no apelo publicitário das
capas que, para Silva (2003, p. 38), é um dos articuladores centrais das
revistas a partir do final da década de 1950.
Em um primeiro aspecto, isso se manifesta na narrativização de um
“mundo harmônico que a publicidade - fundamental nas bastante procu-
radas revistas ilustradas – apregoa” a partir de uma urdidura de enredo
que “não deixa espaço ao conflito” (SILVA, 2003, p. 39). Ao contrário de
publicações posteriores como Realidade, por exemplo, tratada no capítu-
lo anterior, em que o enfrentamento entre significantes dissonantes era
o motor de seus processos de produção de sentido pela imagem na capa,
Manchete e Fatos e Fotos irão apostar na articulação de um mundo des-
provido de interesses incompatíveis, heterogêneos ou em conflito. Além
disso, ao passo que Veja ou Realidade, por exemplo, constantemente se

139
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

manifestavam contra o governo, Manchete adota sempre uma postura


mais alinhada ou neutra em relação às pautas políticas – especialmente
aquelas que estão em suas capas. Durante um período, “o outro, que reco-
locará o importante papel do contraponto, é o estranho mundo comunis-
ta” e não os conflitos internos do país. Assim, “o comunismo é associado
à ausência de liberdade de consumo. Ocorre, assim, uma distorção do
conceito de democracia, associada à possibilidade de acesso, acúmulo e
ostentação de bens de consumo” (SILVA, 2003, p. 38).
Em um segundo aspecto, é possível notar também que “da década
de cinquenta à década de sessenta, a publicidade passa de um discurso
que atinge a todos, de um bem que seria coletivo - como o progresso e a
modernidade - a um discurso que atinge a intimidade, o dia a dia do con-
sumidor”. Os projetos afetivo-editoriais de Manchete e Fatos e Fotos estão
alinhados a esses novos pressupostos publicitários, conforme detalhare-
mos a seguir, em que os valores universais passam a ser associados a his-
tórias de vida específicas. Tais engajamentos podem ser notados ao longo
de toda a trajetória das duas revistas (Manchete encerra suas atividades
em 2000) mostrando que diferentes formas de convocação ao consumi-
dor conviviam na variada ecologia do jornalismo de revista brasileiro,
especialmente nas décadas de 1960 e 1970.

O projeto afetivo-editorial de Manchete e Fatos e Fotos:


“O mercado de revistas tem, nas décadas de sessenta e setenta, uma
grande expansão de produção e distribuição. Se, em 1960, 104 milhões de
exemplares eram produzidos, em 1970 esse número chega a 193 milhões,
e em 1985, a 500 milhões” (SILVA, 2003, p. 45). Manchete e Fatos e Fotos
estão inseridas nesse contexto editorial, em que diferentes projetos afeti-
vo-editoriais estão sendo alinhavados.
Formada por gráficos de origem russa, a família Bloch se estabelece
no Brasil no início do século XX por ocasião da revolução comunista. Se-
gundo Louzada (2003, p. 6), “eles logo adquirem uma pequena máquina
de cortar papel e com ela fabricam blocos e sacos que os irmãos Boris, Ar-
naldo e Adolpho vendem nas ruas do Rio de Janeiro”. Pouco tempo depois,
em 1939, eles “adquirem uma impressora usada, nascendo assim a empresa
‘Gráficos Bloch’ que imprime cartazes, folhetos, embalagens e revistas”. Os

140
ELIZA BACHEGA CASADEI

negócios crescem ao longo da década de 1940, principalmente devido aos


contratos estabelecidos com a editora Brasil-América, de Adolpho Aizen, e
com a Rio Gráfica, de Roberto Marinho. Em 1951, eles já imprimiam mais
de 30 revistas infantis. Nesse mesmo ano, eles adquirem a primeira rotativa
offset do Brasil – o que representa um avanço tecnológico significativo, de-
vido ao seu custo notadamente mais baixo e ao aumento na capacidade de
produção – “uma Webendorfer, que lhes possibilitará ter sua própria revis-
ta, Manchete, que seria rodada nos três dias de folga nas máquinas: sábado,
domingo e segunda-feira, e teria como característica o zelo extremado com
a qualidade da impressão” (LOUZADA, 2003, p. 6).
Fundada em 26 de Abril de 1952, a revista Manchete surge como a
principal concorrente de O Cruzeiro no cenário editorial brasileiro dessa
época. No texto de apresentação do primeiro número, ela anunciava que
“depois de trinta anos de trabalho como gráficos, resolvemos condensar
numa revista semanal os resultados da nossa experiência técnica, convo-
cando, para aproveitá-la, uma equipe de escritores, jornalistas, fotógrafos
e ilustradores de primeira ordem”.
De fato, a revista Manchete era conhecida por seu aspecto visual, de
forma que algo em torno de 2/3 de suas páginas eram normalmente ocu-
padas por fotografias e, por isso, “podemos dizer que a Manchete é uma
revista mais ‘olhada’ do que ‘lida’” (NASCIMENTO, 2002, p. 22), dado o
tamanho enfoque destinado às ilustrações. Em comparação com as de-
mais revistas do período, a qualidade do papel, da impressão e do acaba-
mento gráfico era, de fato, bastante superior às demais.
Em depoimento, Henrique Pongetti, primeiro editor da revista, afir-
ma que:

(Os Bloch) eram todos maníacos de perfeição. Amavam apaixona-


damente seu ofício. Muitas vezes flagrei o Boris, o Arnaldo, o Adol-
pho e o Oscar bolinando o papel extra destinado a um trabalho de
luxo, acariciando-o com a mão espalmada como se fosse a pele da
mulher eleita. Atingiam o orgasmo profissional diante de uma pro-
va perfeita de impressão. Inutilizavam pilhas de papel impresso se
um pequeno defeito invisível aos olhos do cliente ferisse sua retina,
onde se tornava um ácido corrosivo, um vitríolo (PONGETTI apud
LOUZADA, 2004, p. 58).

141
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

Além do esmero no cuidado gráfico, havia também na revista uma


clara proposta em fazer frente ao sucesso editorial alcançado por O Cru-
zeiro. No editorial citado, propunha-se também que “o Brasil cresceu
muito, suas mil faces reclamam muitas revistas, como a nossa, para es-
pelhá-las. Manchete será o espelho escrupuloso das suas faces positivas,
assim como do mundo trepidante em que vivemos e da hora assombrosa
que atravessamos”.
Em seus primeiros anos, contudo, os recursos da revista estavam lon-
ge de alcançar o império construído pela O Cruzeiro. Nessa época, era
bastante comum a compra do refugo fotográfico de agências de notícia de
segunda linha e a publicação de matérias frias, embora a revista pudesse
contar, muitas vezes, com grandes nomes da intelectualidade nacional.
Nesses primeiros anos, participaram da Manchete nomes como os de
“Antônio Callado, Carlos Drummond de Andrade, Ciro dos Anjos, Fer-
nando Sabino, Guilherme Figueiredo, Joel Silveira, Lígia Fagundes Teles,
Orígenes Lessa, Otto Maria Carpeaux, Paulo Mendes Campos, Rubem
Braga”, entre outros (LOUZADA, 2004, p. 60). Segundo Pongetti (apud
LOUZADA, 2004, p. 59), “os Bloch lançaram Manchete na raça, sem uma
equipe jornalística capaz de atender à voracidade de textos e de fotos de
um semanário e sem uma reserva monetária disponível para o período
inevitavelmente deficitário da conquista dos leitores assíduos e dos assi-
nantes habituais”.
Tanto assim que as primeiras edições de Manchete são lançadas com
uma média de 40 páginas – número bastante inferior a O Cruzeiro que
tinha em torno de 130 páginas por edição, dependendo do volume de
publicidade.
Segundo depoimento de Nahum Sirotsky (apud LOUZADA, 2004,
p. 61), diretor da revista entre 1957 e 1959, “a nossa redação media, no
total, menos do que uma sala de diretor da revista do Chatô. Só contando
os fotógrafos, dispunham eles de três vezes mais gente do que eu de fotó-
grafos, redatores, paginadores e revisores”, contando, ainda, com o apoio
de toda a cadeia de jornais, rádios e emissoras de televisão pertencentes
aos Diários Associados. Era esse complexo que garantia que O Cruzeiro
pudesse financiar as longas viagens dos repórteres, bem como boa parte
dos profissionais que ali figuravam.

142
ELIZA BACHEGA CASADEI

A situação começa a mudar a partir de 1958, momento que marca o


início da decadência de O Cruzeiro no cenário editorial.
Vários autores (LOUZADA, 2004; ARAGÃO, 2006; BLOCH, 2008)
apontam as relações amistosas estabelecidas entre o governo de Jusce-
lino Kubitschek e Adolpho Bloch como fatores decisivos para o sucesso
editorial da publicação. De fato, a Manchete deu ampla cobertura para
a fundação de Brasília, tornando-se, em grande medida, uma das res-
ponsáveis por sua construção imagética – no duplo sentido de imagem e
de imaginário. É nesse período que as vendas crescem de uma maneira
bastante acentuada, marcadamente pela parca cobertura que O Cruzeiro
dá a esse fato.
As relações políticas estabelecidas pela família Bloch a partir dessa
publicação são mesmo extensas e se ramificam nos governos seguintes,
mesmo durante a Ditadura Militar.
Um episódio narrado por Werneck Sodré (1998, p. 418), acontecido
no início dos anos 60, em um contexto de aumento da pressão governa-
mental sobre a imprensa e de demissão em massa de diversos jornalistas
ligados ao movimento sindical, é bastante exemplar do posicionamento
que a revista adotava em sua linha editorial:

A revista Manchete estava em máquina, trazendo reportagem de


seu editor-chefe sobre a União Soviética, que viera a visitar: brutal
intimidação de órgão de publicidade forçou a retirada do papel das
máquinas: a revista era asperamente compelida a suprimir aquela
reportagem sob a pena de perder grande parcela da publicidade
que lhe era distribuída. Obedeceu, tranquilamente, e tudo conti-
nuou como dantes.

As temáticas tratadas pela revista eram bastante variadas e, segun-


do Muniz Sodré (1989, p. 93), marcadas por uma construção otimista
do país que era bastante adequada aos interesses governamentais, man-
tendo-se, de uma maneira ostensiva, longe da crítica política e social.
“Manchete era o medium adequado para o otimismo das elites desejosas
de ver o mundo em imagens coloridas – ou seja, o mundo fabricado
pelo mercado de bens de luxo – e com textos de irrefreável entusiasmo
bandeirante”.

143
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

Ao relatar uma reportagem publicada na revista acerca de um viden-


te, Carlos Heitor Cony (2008, p. 64) comenta que “uma revista do tipo de
Manchete permitia certas incursões ao maravilhoso, desde que não prejudi-
casse nenhuma pessoa, grupo social ou político”. E completa, “na realidade,
a revista não falava mal de ninguém, não acusava ninguém, era otimista ao
desvario, procurava ver o lado bom de tudo, o lado bonito e positivo”.
O outro grande empreendimento dos irmãos Bloch, a revista Fatos e
Fotos segue o mesmo pressuposto afetivo-editorial de engendramento de
afetos positivos e consensuais. A publicação existiu de 1961 a 1985. Conta
Alberto Dines (2003, p. 84) que a revista surgiu a partir de uma homena-
gem que Adolpho Bloch queria fazer a Juscelino Kubitschek na ocasião
de sua saída da presidência da República: “Juscelino entregou o governo
ao Jânio em 31 de Janeiro, o Adolpho Bloch, maluco, em homenagem ao
Juscelino, que deixava o governo, quis fazer uma revista em Brasília, e
então criou uma coisa chamada Fatos e Fotos. O primeiro número ele fez
sozinho, com o Justino Martins”. Segundo ele, Bloch “pegou as fotogra-
fias da posse do Jânio e da saída do Juscelino, arrumou uma revista só de
fotografias e botou nas bancas. Vendeu muito”.
Apesar do sucesso dessa edição inicial, contudo, não havia ainda um
projeto que pudesse sustentar o segundo número da revista. Segundo de-
poimento de Dines (2003, p. 85), “eu estava demitido do Diário da Noite
e ele me telefonou pedindo pelo amor de Deus se eu não podia ajuda-los
em dois, três números, até botar a revista nos eixos”. Aceito o convite, “fui
e resolvi fazer a revista em rotogravura, com máquinas espetaculares, em
preto e branco – isso que nós estávamos fazendo em jornal diário”.
Ainda segundo Dines (2003, p. 85), “em pouco tempo, Fatos e Fotos esta-
va vendendo mais do que a Manchete”. A relação entre as duas revistas eram
mesmo um tanto próxima no sentido de que Fatos e Fotos, sem uma equipe
de fotógrafos própria, trabalhava com as fotos que “sobravam” da Manchete.
Mesmo diante de tantas precariedades, a revista conseguiu se consolidar
no mercado editorial nacional, contando com uma equipe de bons repórte-
res. “Passou pela redação de Fatos e Fotos uma plêiade de jornalistas da maior
importância: Carlos Leonam, Paulo Henrique Amorim, Itamar de Freitas...
Eram pessoas que estavam começando, trabalhando cada um em um jornal,
mas que se entusiasmaram pelo espírito da revista” (DINES, 2003, p. 85).

144
ELIZA BACHEGA CASADEI

Ainda de acordo com Dines (2003, p. 85), “a revista fascinava a garotada.


Muita gente passou pela Fatos e Fotos, vibrando com aquela experiência de
fazer uma espécie de jornal semanal, só em preto e branco, muito bonito. De
1961 a 1962, fiquei fazendo isso. Deu certo, o Adolpho pediu ‘fica, fica’, e fui
ficando. Mas sabendo que não ia ser por muito tempo”.
A revista dedicava-se à publicação de reportagens fotográficas sobre
personalidades da época, principalmente artistas e políticos, além de al-
gumas matérias de interesse geral. Como o próprio nome sugere, a ênfase
no material publicado estava mais nas imagens que compunham a revista
do que nos textos que as acompanhavam. Não obstante isso, é possível
encontrar algumas coberturas mais extensas e detalhadas.
Fatos e Fotos se insere, portanto, dentro de uma tradição brasileira de
fotorreportagem em revista que estava no cerne da produção revisteira
desde o final do século XIX, mas que já dava mostras de esgotamento
na década de 1960. Em seus primeiros anos, é possível notar que eram
poucas as reportagens que ocupavam mais de uma página de texto, o que
era considerado diminuto mesmo para os padrões da Manchete, que era
uma revista que também valorizava a fotografia como forma de passar
informação. Ao longo da década, é possível notar que a revista vai pro-
gressivamente aumentando o número de páginas destinadas ao texto e
passa a fazer também grandes reportagens.
Em 1969, a Fatos e Fotos era a terceira revista mais lida do país. Ela
correspondia a 9% da divisão de circulação de mercado, perdendo apenas
para as revistas Manchete e O Cruzeiro (ambas com 16%). Nessa época,
a revista Veja era responsável por 3% da circulação. Quanto às revistas
quinzenais, Capricho liderava o mercado (com 20%) e, nas revistas men-
sais, a revista Realidade ocupava a 6a posição, com 6% do mercado de
revistas (MIRA, 2001).

Estratégias convocacionais jornalísticas em consonância


com a publicidade: Ausência de conflitos e personalização de
valores universais
Embora Manchete fosse uma revista de assuntos gerais e trouxesse
eventualmente alguns assuntos políticos em sua capa, ela não se afastava
muito das estratégias de composição imagética já presentes em O Cruzeiro,

145
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

a partir do qual a exploração do star system se estrutura como principal


estratégia de convocação de suas capas. Na ocasião da promulgação do Ato
Institucional n. 5, em 1968, por exemplo, Manchete estampa a sua capa
com uma foto da modelo internacional alemã Veruschka von Lehndorff, de
forma que a pauta política fica em segundo plano.
Em um levantamento sobre a revista, Silva (2003) destaca que, das 140
capas da revista Manchete em 1968 e 1969, a maior parte poderia ser clas-
sificada como “pessoas famosas”. Na revista, “o modelo de vida de pessoas
famosas e as lideranças governamentais são eixos possíveis de compreen-
são do mundo. Aparecem como alternativa de explicação e de organização
para as vidas”. Os símbolos associados a essas personalidades, ainda, são
bastante específicos, vinculados a ideais de alegria, potência e otimismo.
Entre essas personalidades, a grande maioria é composta de mulheres, em
fotos que mobilizam dois tipos de estereótipos que convivem: o primeiro
deles, como cônjuge e/ou mãe; o segundo, como personagem bela, sedutora
e sensual. A vida dos casais é um dos grandes destaques das pautas. Como
exemplo desse direcionamento, a autora cita o fato de que, em 1968, Jac-
queline Kennedy foi capa tanto de Veja quanto de Manchete. Na primeira
revista, ela aprece sozinha na capa; já na segunda, a composição valoriza
cenas de seu casamento com Aristóteles Onassis (SILVA, 2003).
Os homens apareceram em relativamente poucas capas na revista
Manchete, mas também a partir desse direcionamento para a vida pes-
soal e conjugal. “Os homens de Manchete parecem sair dos estereótipos
clássicos dos romances para moças (...): bonito, rico, mais velho, às vezes
distante. Mas, ao final, seria terno, dedicado, doce a amaria a heroína até
que a morte os separasse” (SILVA, 2003, p. 76). O romance e as relações
pessoais, portanto, são primordiais nas narrativas de Manchete e de Fatos
e Fotos: mais do que o estilo de vida da celebridade em si, o que importa,
em suas capas, é a narrativização das relações estabelecidas por essas ce-
lebridades em suas vidas pessoais.
A diferença com outras revistas do período é acentuada: “Manchete
utiliza o brilho e a aura da fama de uma pessoa em prol da divulgação
da revista”. Em Veja ou em Realidade, por exemplo, a imagem da pessoa
famosa, quando utilizada, está associada à discussão primordial de um
determinado tema (SILVA, 2003, p. 80).

146
ELIZA BACHEGA CASADEI

Nesse sentido, Manchete e Fatos e Fotos aproximam-se bastante das


estratégias convocacionais utilizadas por O Cruzeiro e Revista da Sema-
na, no sentido de que apelava ao consumidor ao exibir as personalidades
impregnadas de valores e sentidos figurados para estilos de vida que de-
veriam ser validados ou reprovados a partir de associações metafóricas
implícitas. Há, contudo, algumas particularidades interessantes que po-
dem ser pontuadas nas duas publicações.
Conforme já detalhamos anteriormente, a publicidade brasileira, a
partir da década de 1950, passa a adotar de forma mais acentuada a au-
sência de conflitos como motor narrativo e a personalização de conteú-
dos, que se desvincula sua retórica da ode a valores universais em direção
à associação desses valores à vida cotidiana do consumidor.
Sobre essa questão, e especialmente em relação à ausência de explo-
ração de conflitos na publicidade, Hoff e Carrascoza (2015, p. 41) enfati-
zam que um dos ditos mais frequentes da retórica publicitária do período
afirmava que “o consumo havia se disseminado a um tal ponto no país
– graças ao aumento da nossa produção industrial e ao acesso aos bens
importados – que, em qualquer região do território nacional, o cidadão
brasileiro poderia encontrar e adquirir produtos representativos da vida
moderna”. Afirmava-se que “as novas práticas de consumo, que então sur-
giam, estariam ao alcance não só dos habitantes da cidade de São Paulo,
que se transformara no grande polo de industrialização, mas de outras
capitais do Brasil e, também, de cidades menores”.
Além desses, outros ditos, igualmente relevantes encontrados pelos
autores foram: “1) a diversidade de produtos industriais que traziam no-
vas práticas de consumo para a sociedade brasileira (incluindo aqui o
consumo dos primeiros programas televisivos)” e “2) o apoio das agên-
cias de propaganda ao ímpeto desenvolvimentista do governo” (HOFF e
CARRASCOZA, 2015, p. 42).
Manchete e Fatos e Fotos, de forma mais acentuada do que as outras re-
vistas do período estudadas, incorporou tal discurso otimista, com a omis-
são dos variados conflitos econômicos e sociais do Brasil, especialmente no
período que se estende da década de 1950 a 1980. A confluência de inte-
resses entre a esfera publicitária e a jornalística justifica-se, afinal, pelo fato
de que assim como as agências publicitárias, Manchete e Fatos e Fotos eram

147
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

publicações sustentadas financeiramente pelos anúncios de empresas esta-


tais e de indústrias estrangeiras com fábricas inauguradas no país. A adesão
ao discurso desenvolvimentista e a divulgação de aspectos divulgados pelo
governo quanto ao crescimento do país eram, portanto, formas estratégicas
para obtenção de financiamento.
O país construído pela retórica publicitária do período (e também por
Manchete e Fatos e Fotos) “consubstancia-se na experiência urbana, que
faz emergir uma cenografia moderna, marcada pelos ambientes construí-
dos e pelos espaços repletos de transeuntes” assim como “na visualidade
promovida pelas fábricas, grandes edificações que delimitam a paisagem
natural, imprimindo novos ritmos e novos rituais de vida cotidiana; bem
como na racionalização da produção que enfatiza a importância da in-
dustrialização e da mercadoria” (HOFF e CARRASCOZA, 2015, p. 44).
Em Manchete e Fatos e Fotos isso se materializava de algumas formas
específicas na narrativa jornalística. Na trajetória das duas revistas “po-
dem-se distinguir temas que marcaram época, como a corrida espacial e os
concursos de misses; de temas que permaneceram como organizadores das
narrativas sobre o país: a política nacional e internacional, as questões da
ciência”. O que as une e “o que as mantém enquanto imagem e produto de
empresas bem-sucedidas é o ritmo que impõem, a informação condensada
que propagandeam, a promessa da ordenação de um mundo que se tem que
dominar - excluindo dele, em regra, as diferenças, que não cabem nas sín-
teses das imagens”. Assim, “em conjunto com outras imagens publicitárias,
as imagens de capa vendem revistas, vendem a imagem do meio a que per-
tencem, organizam o tempo de um olhar que se perdeu do mundo ao tentar
dominá-lo” (SILVA, 2003, p. 111). Do ponto de vista do conteúdo, portanto,
as imagens condensavam, em seus processos de conotação, signos sempre
vinculados a valores positivos em imagens-síntese.
O discurso desenvolvimentista, em Manchete e Fatos e Fotos, se espar-
rama para além das pautas propriamente políticas. No caso das celebri-
dades, obviamente, elas representam modelos de sucesso que engendram
metaforicamente a partilha entre os padrões de vida e de sucesso que
devem ser seguidos. Para além do apelo à intimidade das celebridades
– e a consequente triangulação para a vida do consumidor –, contudo, o
mecanismo de convocação também se articulava em outras pautas rela-

148
ELIZA BACHEGA CASADEI

cionadas, por exemplo, à saúde e bem estar. O desenvolvimento nacional


também era atestado por essas matérias que apontavam avanços nessas
áreas de atuação.
Não é por acaso que, nesse período, o dado numérico assume uma
importância bastante acentuada nas construções textuais das duas publi-
cações. É recorrente a remissão a estatísticas e cálculos que servem tanto
para confirmar um posicionamento acerca de determinado acontecimen-
to quanto para tentar fornecer proporções e padrões para os assuntos
tratados, um procedimento que era pouco usual nas revistas do período
anterior. Não obstante o caráter essencialmente subjetivo nas interpreta-
ções dos números, eles funcionam como ancoramentos referenciais e pro-
vas imaginárias de verdade para o narrado. As reportagens em Manchete
sempre trazem ao leitor algum tipo de quantificação da realidade: para
além de um narrador impessoal que engendra o relato, há a voz impessoal
dos números (provenientes de diversas fontes) que ancoram o real em um
universo que pode ser contado e, exatamente por causa disso, apreendido
(CASADEI, 2015). Os números confirmavam essa imagem de um Brasil
otimista, livre de conflitos ou contradições internas.
Há outros elementos composicionais na esfera das imagens, contudo,
que podem ser destacados e que também corroboram para a construção
de uma imagem que não comporta conflitos. Um outro elemento técnico
de composição imagética importante do período é a utilização das cores:
embora as cores já fossem amplamente utilizadas no período anterior, é
a partir da década de 1960 que as revistas se tornam predominantemente
coloridas. Silva (2003, p. 129) aponta para a articulação de um excesso de
cores em Manchete, com pouca exploração de contrastes e sempre de for-
ma a utilizar os códigos existentes e operantes para tentar não desacomo-
dar o seu leitor. “Essas capas, na medida em que não ousam, em que ra-
ramente procuram perverter tais códigos para gerar maior ambiguidade,
representam forças conservadoras” (SILVA, 2003, p. 130). Assim, as cores
são sempre utilizadas de forma a não gerar ambiguidades e a reforçar os
códigos já compartilhados com o leitor, sem que haja qualquer forma de
provocação do olhar.
Não foi notada pela autora, por exemplo, recorrências cromáticas im-
portantes criadas pela revista. Em Veja, por exemplo, há um uso de cores,

149
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

no período, que se mostra mais sofisticada no sentido de desafiar o olhar


dos leitores a partir de recorrências cromáticas construídas pela e na pu-
blicação. Guimarães (2000) aponta que o vermelho, por exemplo, está
sempre associado a temas como: violência; esquerda e comunismo; rebe-
liões, rebeldes e protestos; medicina; proibição, negação e controle; crises;
sedução e sexo; terrorismo, tortura, guerra e tragédias. Em comum, essas
pautas apontam a “ruptura da ordem social”, criando um campo semânti-
co próprio evocado pela publicação. Em Manchete, tais recorrências não
são observadas, de forma que a cor é também um elemento de coesão que
não demanda um esforço interpretativo por parte do leitor.
Outra característica marcante do discurso publicitário do período in-
corporado por Manchete, como já citamos anteriormente, é o apelo maior
a uma personalização do conteúdo, através da vinculação de valores uni-
versais à cotidianidade da vida dos leitores. Embora isso se mostre de ma-
neira mais óbvia em pautas que exploram a vida das celebridades (apos-
tando na projeção do próprio leitor na narrativa), as reportagens sobre
ciência e tecnologia, por exemplo, sempre apontavam para descobertas
incríveis cujo conhecimento reverteria em um grande bem estar para o
consumidor da revista. As temáticas são sempre “associadas diretamente
à vida e à morte, ou traduzidas, no otimismo dos anos sessenta, em maior
longevidade à espécie humana” (SILVA, 2003, p. 110). E, mesmo nesses
casos, frequentemente a vida pessoal se associava à personalidade pública
do cientista retratado. Em uma reportagem sobre transplantes, por exem-
plo, Manchete trata o Dr. Zerbini, responsável pela técnica, como “pai
exemplar, homem exemplar”.
No que se refere ao plano fotográfico, os retratos, em Manchete, são
estratégias imagéticas fundamentais utilizadas para conectar temas uni-
versais a histórias específicas de vida, para uma maior identificação do
leitor. Não é por acaso que, nesse período, nota-se uma quantidade mais
acentuada do uso dos planos em close.
Os retratos, para Miscelli (1996, p. 18) são imagens negociadas fun-
dadas em um compartilhamento de códigos verbais e corporais social-
mente difundidos. Segundo Silva (2003, p. 144), “em 1968 e 1969, de 173
capas de Manchete e Veja, 165 utilizam o corpo humano como parte da
mensagem composta”, de forma que o uso do corpo se mostra como uma

150
ELIZA BACHEGA CASADEI

importante técnica convocatória através da composição. Há um dado,


contudo, que se destaca no uso dessa estratégia: entre 1968 e 1969, “todas
as capas com enquadramento que privilegia o rosto são com mulheres
jovens – amplo predomínio das loiras (...). Em Veja, todas as capas desta
natureza são com homens” (SILVA, 2003, p. 145).
As expressões de homens e mulheres nas duas revistas, contudo,
variam bastante: ao passo que os homens estão sempre com expressões
sérias que conotam seriedade, nas mulheres exploram-se olhares e ex-
pressões faciais que sugerem sensualidade, reforçando estereótipos de gê-
nero. “Mulheres famosas constituem uma identidade pública com base na
confecção de uma máscara que as coloca como modelo de feminilidade,
sensualidade, beleza”, de forma que “cada uma delas traz uma sensualida-
de calculadamente casual, unida com alguma característica de sua perso-
nagem pública” (SILVA, 2003, p. 147). Trata-se de revistas que reforçam
estereótipos de gênero e apostam na mostração sensual do corpo femini-
no como uma estratégia de convocação importante.
Há uma exploração da sensualidade feminina que não é observada
nos homens fotografados. Nas imagens de Manchete, eles “são mais ve-
lhos e mais sérios. Posam de jaleco e óculos preto, (...) terno e gravata
pretos, testas franzidas (...); são controlados, reservados, circunspectos”
(SILVA, 2003, p. 146). A eles, são muito mais articulados os signos de
poder, de forma que o apelo para o consumo é articulado a partir da
disponibilidade do corpo feminino como objeto de desejo e do corpo
masculino como ethos de autoridade.
Na esfera textual, uma outra forma de articular temas universais
a vidas singulares se manifesta também em Manchete a partir de uma
evocação maior ao leitor como actante narrativo. É comum, no texto de
Manchete, uma constante inserção de perguntas retóricas na narrativa.
Trata-se de manifestações textuais que inserem o leitor na construção
textual – uma vez que abre uma expectativa de resposta a essa pergunta
– mas apenas no nível pragmático, sem implicações para a significação
geral do texto.
A quantidade de perguntas retóricas presentes nas reportagens de
Manchete é realmente marcante. Frequentemente, elas tomavam a forma
de uma provocação da curiosidade do leitor através da inserção de uma

151
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

pausa dramática no relato tecido. Na reportagem sobre o assassinato de


Teresa de Oliveira Sachini, encontrada morta no armário de sua casa, o
repórter Leon Eliachar se pergunta (e pergunta ao leitor) o tempo todo:
“pensou-se em latrocínio. Mas impôs-se essa pergunta: por onde teria
entrado o ladrão assassino?”; “Estrangulamento?”; “Quem teria passado
em sua companhia a última noite?” (MANCHETE, 23/04/1960). Na re-
portagem sobre Brasília, as perguntas eram: “Estaria o famoso arquiteto
satisfeito com a obra com que seu amigo Juscelino sonhou?”; “Quem fez
tudo isso? Como foi possível?”; “Então, fica ou não fica pronta para o dia
21?” ou “o clima é salubre?” (MANCHETE, 23/04/1960).
Os efeitos de sentido articulados em torno dessa estratégia textual
são diversos e podem ser analisados caso a caso. Desde a estimulação da
curiosidade do leitor até a adoção de uma postura didática para narrar
o acontecimento, tal construção discursiva é interessante na medida em
que instaura uma pausa no fluxo do relato. Em todos os seus usos fica
patente a evocação do leitor na narrativa (em uma encenação de um esta-
belecimento de um vínculo entre a esfera da produção e a esfera da recep-
ção) e do próprio repórter – que, embora não necessariamente se assuma
como um eu que toma a palavra, deixa transbordar as suas impressões o
tempo todo no relato.
Um outro dado digno de nota refere-se às interações entre fotografia
e legenda em Manchete e Fatos e Fotos. Em uma reportagem sobre a AIDS,
a revista Manchete colocava a seguinte legenda, abaixo de uma série de
retratos: “Kimberly Bergalis: contaminada acidentalmente na cadeira do
dentista. Para a prevenção da transmissão sexual, só há um remédio: cami-
sinha. Para Carlos A. Moraes, Richard Parker e Mauro Romero, o contágio
do homem pela mulher é raro, mas possível” (MANCHETE, 30/11/1991).
Em uma reportagem fotográfica sobre os campos gerais, as legendas
fotográficas também não se detêm apenas nas informações situacionais
da foto e medeiam uma série de outros dados como “o solo pobre exige
modernas técnicas de plantio para que permaneça vivo. No rio Iapó, a
correnteza torna a prática da canoagem ainda mais arriscada e emocio-
nante” (MANCHETE, 30/11/1991).
Nas revistas dos períodos anteriores é possível notar que, embora
houvesse o predomínio da legenda narrativa, a legenda não abandonava

152
ELIZA BACHEGA CASADEI

a sua função pronominal e de preenchimento do dêitico fotográfico. As


descrições das fotos ainda estavam bastante ligadas aos elementos que
eram retratados na cena e sua narrativa tinha como ponto de partida es-
ses mesmos elementos.
A partir da década de 1960, a legenda fotojornalística se emancipa da
própria fotografia. Mesmo revistas como O Cruzeiro alongam a legenda
e a transformam em uma extensão da reportagem e não da foto apresen-
tada, de forma que outros dados, externos à representação passam a ser
incorporados.
É a época em que a própria legenda passa a incorporar alguns códigos
padrões de narração que estavam começando a ganhar espaço nos textos e
que eram raros nas reportagens no período anterior como estatísticas, fatos
da ciência e análises mais detalhadas que buscam embasamento em da-
dos desvinculados da esfera testemunhal. Além do caráter narrativo que se
mantém, a legenda fotojornalística em revista passa a incorporar uma fun-
ção de análise, ao incorporar novos códigos padrões de narração que dizem
respeito à adoção do jornalismo interpretativo nas revistas de informação.
A partir de 1958, Manchete dá início a uma mudança editorial, alicer-
çando-se em novos modelos de reportagem. Ao invés de investir no estilo
de matéria exploratória praticada pela O Cruzeiro, Manchete (que, inicial-
mente, havia sido inspirada pela Paris-Match) começa a importar um mo-
delo inspirado nas revistas Time e Life – um desenho de jornalismo inter-
pretativo que, embora não tenha se realizado completamente em Manchete,
irá se consolidar na década seguinte com a criação da revista Veja.
Nesses novos termos, o investimento de uma reportagem não está
tanto na vivência de um repórter, mas sim, em um jornalismo que busca
uma informação devidamente interpretada, de forma a tornar o signifi-
cado de um determinado acontecimento bastante evidente para o leitor.
Esse modelo, ao longo da década de 1960, começa a se impor sobre
o jornalismo brasileiro e a própria O Cruzeiro passa a adotá-lo, aban-
donando o velho estilo de reportagem que a tornara famosa. Manchete
consegue, nesse período, alcançar a marca de 500 mil exemplares, conso-
lidando a sua importância no mercado editorial de revistas.
A questão que se impõe, contudo, é o fato de que a esse modelo de
revista interpretativa, sobreveio outro conjunto de valores e hierarquias

153
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

a partir dos quais os jornalistas julgavam que uma boa estória deveria
ser contada. No mesmo rastro, vieram outros códigos padrões de narra-
ção que estetizavam esses valores, tais como um uso mais sofisticado de
estatísticas, dados científicos, falas de especialistas, analogias históricas,
entre outros mecanismos.
As legendas fotográficas passam a se tornar textos mais extensos que
se libertam da mera descrição ou da mera narração da fotografia e pas-
sam a incorporar os códigos padrões de narração que estavam sendo uti-
lizados no próprio texto da reportagem.

154
CAPÍTULO 6

A afirmação de um espaço de autoridade de um


saber sobre o mundo: As imagens-síntese da
revista Veja

A construção performativa de um saber sobre


Para entender as estratégias de convocação das produções midiáticas,
para Prado (2005, p. 41), é necessário entender o performativo. Posto que
tal termo designa aquilo que efetiva uma ação na medida em que a enun-
cia (como, por exemplo, o verbo “jurar” que performa um juramento no
próprio ato de enunciação), “o dizer midiático dirige ao leitor uma carga
pragmática a partir de contratos específicos de enunciação ou de leitu-
ra”, de forma que o jornalismo se apresenta como uma atividade “confor-
madora, criadora, que põe e repõe as identidades do leitor”. No caso da
revista Veja, trata-se de um performativo bastante específico: embora as
revistas semanais pareçam falar sobre todos os assuntos (e este é, de fato,
um dos pontos centrais da articulação de sua auto-imagem ou, de forma
mais precisa, de seu atrativo enquanto produto para venda), esse tudo se
constrói em torno de estratégias discursivas de convocação bastante es-
pecíficas, ligadas à construção performativa de um lugar de um suposto
compartilhamento de valores e de um locus de autoridade.
Os valores que Veja elege como centrais, para Prado, embora aludam
a gatilhos emocionais e ideológicos dos mais diversos, se estruturam em

155
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

torno de um eixo comum bastante demarcado: o sucesso ou, mais espe-


cificamente, os caminhos para alcança-lo. Ele é construído performativa-
mente como um valor compartilhado entre a revista e seu consumidor, na
medida em que se comporta, ao mesmo tempo, a construção discursiva
de um campo de entendimento comum sobre o mundo e a constatação
ethópica da autoridade da revista para traçá-lo. As reportagens sobre
comportamento ou saúde, por exemplo, tem um mote em comum que se
repete: como o consumidor pode agir para ter êxito em um mundo globa-
lizado e severo, com modos exigíveis de ação para conseguir ficar acima
da média das outras pessoas. “As posições de sujeito (...) são construídas
por Veja de modo utilitário, como se pudéssemos simplesmente decidir
assumir uma posição de sujeito que nos levasse ao sucesso, bastando, para
tanto, ler a revista e ter boa vontade” (PRADO, 2005, p. 42). A própria
revista se outorga o papel de instância de autoridade para falar do tema,
supostamente vendendo um mapa de sucesso que o consumidor não tem,
mas pode adquirir a partir da leitura de suas reportagens. Trata-se, por-
tanto, de uma urdidura narrativa que coloca a própria revista Veja como
uma autoridade complacente que está em uma conjuração harmônica
com os interesses do consumidor.
Os textos de Veja, assim, “ultrapassam o nível do texto informati-
vo e se coloca na posição de indicar os passos e as ações necessárias (o
deve fazer) do consumidor que, uma vez informado sobre a novidade
do mundo globalizado, pretende buscar o sucesso”. É nesse sentido que
“Veja mapeia onde estão as pessoas de sucesso e dinheiro (em termos de
milhões e bilhões acumulados, como fazem as revistas norte-americanas
como Fortune), indica o caminho do bem viver, de chegar ao sucesso, à
vitória” (PRADO, 2005, p. 42), de forma que seus textos, performativa-
mente, urdem pacotes simbólicos sobre o que significa ter sucesso (bem
como as formas de alcançá-lo) e que comportam a autoridade da revista
para dizê-lo. A descrição dos fatos é posta somente nos termos em que ela
serve a uma prescrição, a um modo de agir no mundo.
As histórias de sucesso, a supersimplificação da realidade, a projeção
de um enunciatário com íntima relação com o mundo do mercado, o
emprego de palavras de ordem e a popularização de clichês da literatura
de auto-ajuda e de negócios são algumas das formas discursivas a partir

156
ELIZA BACHEGA CASADEI

das quais tais estratégias de convocação de materializam. O antagonismo


social raramente é considerado e, quando citado, muitas vezes serve a um
discurso maniqueísta, construído em termos de bom ou ruim. “O reino
mágico de Veja algumas vezes pacifica o leitor (use seu cérebro e serás
feliz), outras alerta-o para os perigos do mundo (veja o crescimento ur-
bano, da violência, do crime), outras o localiza (as novas tendências das
ações das mulheres, do governo, da globalização)” (PRADO, 2005, p. 45),
criando um modelo de sucesso empresarial para os seus consumidores,
tanto em suas vidas pessoais quanto em termos de conhecimentos neces-
sários para se movimentar no mundo. O consumidor da revista, nesse
caso, é constituído discursivamente como o outro-paciente que depende
do conhecimento do enunciador.
Há mesmo um espelhamento desse suposto discurso do vitorioso
nos mais variados tipos de reportagens, desde as de comportamento e
consumo (onde isso se mostra de maneira mais óbvia) até as de política
ou de economia. Em reportagens sobre o bolsa-família, por exemplo, a
oposição “emancipação versus assistencialismo” é um dos eixos discur-
sivos a partir dos quais o projeto é invalidado. As reportagens de Veja
sobre o tema “afirmam majoritariamente que o programa é assistencialis-
ta por natureza, quer dizer, ele não leva os beneficiários a se emancipar
e a sair da pobreza”, sem que seja feita uma elaboração mais sofisticada
sobre o que significa o termo emancipação. O jornalismo de Veja, assim,
está atado a esses processos biopolíticos que fornecem “as receitas para
cada leitor agenciar seu caminho rumo à vitória segundo o princípio do
desempenho ligado ao capital globalizado. Nessa direção a única diferen-
ça que importa ao jornalismo hegemônico é a que impulsiona o capital”
(PRADO e MOASSAB, 2011, p. 10).
Em um estudo sobre a imagem de Luiz Inácio Lula da Silva na revista
Veja, Prado e Ramaldes (2008) destacam que, ao passo que a imagem de
um político como Serra, por exemplo, incorpora traços do técnico com-
petente, Lula assumiu historicamente três variantes:

a) a do agitador em porta de fábrica, ou seja, o ser perigoso que poria


em risco as instituições políticas e econômicas brasileiras, o Gêngis
Khan do capitalismo; b) a do que está por baixo, não preparado, não

157
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

capaz de governar porque não tem o saber (Lula sob os gráficos do


mercado), além de estar ligado a radicais que poderiam dominá-lo e,
finalmente, c) a do Lula Light da fase 2001-2002, o cristão-novo do
capitalismo (PRADO e RAMALDES, 2008, p. 170).

Em comum, há a construção de uma macroestrutura discursiva de


oposição semântica Mesmo-Outro “que coloca no lugar do Mesmo aquele
que é competente para preservar a Ordem, cujo corpo-simulacro encarna
não a força social transformadora, mas a força da conservação” e, no lu-
gar do Outro, tudo o que se distancia desse modelo – no caso, Lula. Há,
no entanto, mais do que isso: nas construções imagéticas, Lula incorpora
tudo o que se afasta do modelo de sucesso apregoado por Veja: “a estra-
tégia (...) está em colocar Lula como figura-do-Outro, meio gordo, bai-
xinho, como um homem comum, de padrões ‘modestos’, com um corpo
marcado pela falta ou excesso, sem competência para resolver os proble-
mas brasileiros”. E, assim, “o enunciador sugere que a dificuldade está em
convencer (demonstrar para) o eleitor de que esse Outro é mesmo capaz
de ocupar a posição do presidente competente dos Mesmos” (PRADO e
RAMALDES, 2008, p. 171-172).
Frequentemente, em Veja, “o enunciador figurativiza essa falta/in-
competência de Lula no desvio corporal, apontando ironicamente os
defeitos: língua presa, gordura, desproporção corporal (caracterizada no
termo ‘enfados’) e pobreza”. Aqui, a caracterização corporal é oposta a de
outros líderes legitimados pela revista como Collor (em seus tempos áu-
reos, quando representava uma esperança nacional pela ótica da revista),
Serra ou Fernando Henrique Cardoso. “Lula é corporalmente desviante,
sendo esse desvio homólogo à falta de competência para resolver os pro-
blemas dos eleitores e do país. Esse desvio corporal é complementado
pelo desvio de coerência; o enunciador aponta incoerências políticas e
gostos duvidosos” (PRADO e RAMALDES, 2008, p. 178).
Para falar sobre políticos de oposição, portanto,

a estratégia discursiva do enunciador é a de atuar no eixo de opo-


sição Mesmo-Outro: deve-se ter medo do perigo (incendiário) do
Outro, deve-se rir dessa desproporção do corpo do pobre metido
a ocupar um lugar que não é seu, do trabalhador, pois não se deve

158
ELIZA BACHEGA CASADEI

colocar no poder o homem comum; para governar o homem co-


mum, é preciso alguém para além desse universo ironizável, com
o qual o mesmo leitor não se identifica em termos de valores e
costumes; é preciso alteridade em relação a essa “comunidade”, a
essa quase ignorância, despreparo e ridículo do homem comum
(PRADO e RAMALDES, 2008, p. 178).

O consumidor, narrativamente, não é posicionado nesse terreno do


“homem comum”, mas sim, como o agente de sucesso que intervém no
mundo para ter sucesso. A estratégia de convocação opera, justamente, ao
conjurar a ideia de que, a partir da leitura da revista e de seus mapas de
sucesso, esse consumidor pode alcançar uma posição superior de sucesso,
vinculada à imagem do Mesmo. Disso é possível depreender também que,
ao menos na esfera do desejo, o Mesmo e o Outro também são articulados
em termos de riqueza (Mesmo) e pobreza (Outro), de forma a ignorar
importantes conflitos sociais.
Há algumas estratégias de convocação, portanto, que se diferen-
ciam daquelas utilizadas no período anterior – de forma que isso se
manifesta na forma como a própria imagem é posta em composição na
capa. Para citarmos um exemplo, o uso de celebridades, uma constante
em outros períodos históricos, obedece a outros imperativos daque-
les mostrados até o momento na presente pesquisa: as figuras rela-
cionadas ao showbusiness não servem apenas como ilustrações para
modelos exemplares de vida; elas são, sim, utilizadas como detentoras
de um saber compartilhado pela revista, ou seja, elas reforçam, em
sua construção imagética, o lugar de saber pleiteado por Veja em seus
mapas modalizadores de mundo.
Tal articulação de um lugar de autoridade a partir de um suposto
compartilhamento de valores comuns não é uma exclusividade de Veja.
Há uma rearticulação do cenário editorial de revistas brasileiro a partir
do final da década de 1960 que explica, em grande medida, o uso desse
tipo de estratégia linguística, vinculado ao fortalecimento do jornalismo
interpretativo. É necessário, portanto, olharmos com um pouco mais de
cuidado o projeto afetivo-editorial de Veja, em comparação com aqueles
presentes em outros momentos do jornalismo em revista brasileiro.

159
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

O interpretativo como eixo de um projeto afetivo-editorial


A articulação performativa de um lugar de autoridade para a revis-
ta está calcada em um projeto afetivo-editorial bastante específico, que
pouco mudou ao longo da história de Veja. Em um editorial publicado no
número de 02 de Março de 2011, por exemplo, a publicação colocava que
“a missão primordial de uma revista semanal de informação é organizar
os fatos de modo que o leitor possa entender a realidade de forma coeren-
te, contextualizada e útil para a vida dele”. A missão da revista seria “o de
filtrar, classificar, verificar e hierarquizar as informações”, de forma que
“o mundo é complicado e, a cada semana, Veja se esmera em descompli-
cá-lo para você”.
Ao afirmar que a função de uma revista informativa semanal é a de
contextualizar os acontecimentos, de forma a torná-los compreensíveis
e coerentes, esse editorial explicita um posicionamento afeitvo-editorial
que estava pressuposto desde o início das atividades da revista Veja no
país e, especialmente, à sua vinculação a um projeto de jornalismo que
recebeu a alcunha de interpretativo. De uma forma geral, podemos notar
que é esse o modelo de narração que está sendo adotado pelas revistas
informativas até os dias atuais.
Surgida em 11 de Setembro de 1968 (com o título Veja e Leia), o pro-
jeto editorial da revista Veja é inspirado na publicação norte-americana
Time. Enquanto a maior parte das revistas brasileiras do período anterior
buscava inspiração em periódicos como a Paris-Match ou a Life, o modelo
adotado pela Time era ligeiramente diferente e se caracterizava por ser
uma proposta de jornalismo altamente contextualizadora e argumentati-
va que, posteriormente, seria chamada de reportagem interpretativa.
A Time, fundada em Março de 1923 por Henry Luce e Briton Ha-
dden, além de ter sido a primeira revista semanal internacional, tinha
como projeto editorial a escrita de um jornalismo cujos textos não se
limitassem a descrever um acontecimento, mas que pudessem fornecer
dados ligados a uma organização e delimitação de seu valor simbólico.
Esse modelo inspirou diversas outras publicações como, por exemplo, a
Life, a Newsweek e a U.S.News & World Report que, juntas, dominaram
durante um grande período o setor de revistas semanais do mercado
norte-americano.

160
ELIZA BACHEGA CASADEI

À linguagem mais tradicional e imparcial do jornalismo diário, a


Time contrapõe um modelo de revista “a favor de uma voz que pretende
estabelecer sua autoridade como um líder nacional e forjar uma ligação
pessoal com seus leitores, e interpretar bem como informar” (KITCH,
2005, p. 17). Na comemoração do 75o aniversário da revista, o editor da
Time, Lance Morrow, dizia que: “a História pode ser complicada, como a
vida é complicada, mas o trabalho de contar estórias é simples... Arrumar
o mundo em estórias e conduzi-los (fatos, personalidades, ideias, ima-
gens, dramas, peculiaridades, fofocas, os detalhes e a energia da vida) de
Lá Longe, aonde as coisas acontecem, para Aqui Perto, dentro da cons-
ciência do leitor, onde as estórias se transformam em espanto, entreteni-
mento, experiência preventiva, memória útil” (MORROW, 2008).
O elemento interpretativo dentro desse modelo de revista informati-
va, portanto, não é só uma característica de seu conteúdo, como também
o elemento que o diferencia de outros tipos de jornalismo e que confere
legitimidade à sua prática.
Embora o termo jornalismo interpretativo possa parecer redundante,
ele diz respeito a uma terminologia já consolidada na área de estudos em
comunicação e com características bastante demarcadas. Segundo Erbo-
lato (1991, p. 27), o seu surgimento, no Brasil, está diretamente vinculado
a uma mudança na ecologia dos meios de comunicação de massa que,
sob a influência da popularização da televisão, teve que encontrar novas
vocações para os veículos impressos. Muito do material que, antes, che-
gava aos leitores por meio das revistas, era agora veiculado na TV com
recursos técnicos mais atraentes e com um acesso mais fácil e imediato.
Era necessário encontrar novos modelos para a reportagem impressa.
A estratégia adotada, então, foi a de “dar ao leitor reportagens que fos-
sem um complemento do que foi ouvido no rádio e na televisão. Adotou-se,
para isso, a pesquisa, tendo como fonte os arquivos dos jornais e as biblio-
tecas e, ao lado deles, a obtida através da movimentação de equipes de re-
pórteres” (ERBOLATO, 1991, p. 31). À rapidez de cobertura que a televisão
oferecia, os impressos tentaram contrapor uma análise mais pormenoriza-
da e detida dos acontecimentos que já eram de conhecimento geral.
Seguindo a historiografia do jornalismo, é possível dizer que o marco
oficial adotado como o início do jornalismo interpretativo no Brasil é a

161
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

criação do Departamento de Pesquisa e Documentação do Jornal do Bra-


sil, na década de 1960 (LEANDRO e MEDINA, 1973, BELTRÃO, 1976).
Nesse sentido, é possível ver que Veja se insere em um contexto mais
amplo da imprensa escrita dessa época que estava tentando rearticular o
seu papel na economia informativa do período.
Antes de seu lançamento, foram editados 14 números pilotos (núme-
ros zero) da revista Veja para que o modelo fosse adotado definitivamen-
te. Inicialmente, a editora Abril queria fazer concorrência aos semanários
ilustrados e a revista foi pensada nos moldes da revista Manchete. É por
esse motivo que o nome inicial da revista era Veja e Leia. Além disso, essa
também foi uma estratégia para a editora contornar o registro interna-
cional da revista Look (o complemento foi excluído na edição de número
216, época em que a Look já havia deixado de circular). Esse modelo,
contudo, já estava em decadência no mundo todo e, antes mesmo do seu
lançamento, ele foi alterado. Segundo Dines (1997, p. 73), “o fechamento
das três principais revistas americanas (Colliers, Look e Life) e o declínio
de Paris-Match são os fatos mais expressivos do panorama. Em todo o
mundo, o mercado das ilustradas foi grandemente atingido. No Brasil,
depois do florescimento dos anos 1960, o gênero inclinou-se sensivel-
mente para baixo”.
O novo cenário editorial apontava claramente para um crescimento
das revistas interpretativas e especializadas e foi, portanto, esse o mode-
lo adotado pela revista desde o seu primeiro número. As características
apresentadas por Veja nesse primeiro número eram pouco comuns nas
revistas ilustradas. Entre elas, é possível apontar a tentativa de lidar, ao
mesmo tempo, com a apresentação das notícias da semana e com a in-
terpretação de seu significado, a partir de um modelo de jornalismo que
busca alinhavar conjecturas acerca do que um fato exprime em relação a
um contexto mais amplo.
Além disso, Veja também apresentava um outro padrão de projeto
gráfico. Ao contrário das revistas ilustradas que apostavam na fotografia
como um meio privilegiado para a transmissão das informações, Veja
relega-a a um segundo plano. Embora a fotografia ainda seja um aspecto
importante da produção noticiosa, não há o cuidado estético característi-
co das publicações dos anos anteriores.

162
ELIZA BACHEGA CASADEI

A assunção do termo “jornalismo interpretativo” pode parecer re-


dundante à primeira vista, mas possui uma lógica evidente se tomarmos
como pressuposto o fato de que a sua função não é mais a de captar o
acontecimento em movimento, como nas revistas anteriores, mas sim,
a de tentar articular um significado para um acontecimento que já está
dado, que já aconteceu. Estamos diante mesmo de duas concepções di-
ferentes de acontecimento: do acontecimento em acontecendo do início
do século XX em direção a um acontecimento já acontecido que começa
a emergir nas reportagens (como efeito de sentido) a partir dos anos 60.
O movimento que caracterizava as narrativas de reportagens do iní-
cio do século se perde porque o que motiva a pauta não é mais a duração
do acontecimento – cujo movimento não mais importa porque já está
tido como dado – e sim o significado do acontecimento. À narração de
um evento que estava em acontecendo contrapõe-se a narração de um
acontecimento que carece de significação – mostrando duas concepções
bastante distintas de reportagem.
Se a falta que motiva a narrativa pesava antes para o lado do desen-
rolar, ela passa a equilibrar-se em direção ao lado do traduzir. A partir
do pressuposto que a matéria-prima da narrativa é um acontecimento
já acontecido, no sentido de que o desenrolar do acontecimento (ou sua
duração) já é de conhecimento prévio do consumidor (adquirido pelo
contato com outras mídias), a narrativa irá se ocupar em traduzir o sig-
nificado desse acontecimento, convocando, para isso, elementos externos
ao próprio acontecimento.
Posto que as principais estratégias convocacionais de Veja se estru-
turam nessa construção performativa de um lugar de um suposto com-
partilhamento de valores entre a revista e o consumidor no alicerçamen-
to (também performativo) de um locus de autoridade para a publicação,
cabe-nos a seguinte pergunta: como tais estratégias de convocação são
construídas a partir da imagem nas capas da revista?

Convocaçãoes de autoridades na composição imagéticas


As imagens de capa de Veja nunca são meramente ilustrativas ou re-
ferenciais. São imagens que tomam posição. Para Didi-Huberman (2013,
p. 9), tomar posição é situar-se sempre em duas frentes posto que se trata

163
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

de afrontar algo. Assim, ao lado de todos os valores que concordamos ao


tomar posição, fixam-se todos aqueles aos quais nos opomos, aquele “fora
de campo que existe por detrás de nós, que até mesmo negamos, mas que,
em grande parte, condiciona os nossos movimentos e, portanto, a nossa
posição”. Além disso, trata-se de situar-se também em duas temporalida-
des: “tomar posição é desejar, é exigir algo, é situar-se no presente e aspi-
rar um futuro”. Tomar posição é, portanto, desenhar o campo das possi-
bilidades, efetuando a partilha entre o que se aspira e o que se denega e,
ao mesmo tempo, alinhar um campo em que o diagnóstico do presente se
combina a projetos de futuro.
Em termos imagéticos, essas questões se materializam nas capas de
Veja a partir de uma estratégia de composição que parte da associação de
três espaços heterogêneos: a saber, a montagem de uma imagem-síntese
forte, a interação entre a imagem-síntese e o texto e a utilização de códi-
gos de conotação socialmente marcados. Tais estratégias composicionais
servem para, performativamente, marcar um campo simbólico de valores
comuns entre a revista e o seu consumidor ao mesmo tempo em que afir-
ma a própria autoridade da revista como instância legítima de interpreta-
ção do mundo. Vejamos essas questões com maior detalhamento.
Assim como Realidade, Veja calca as suas capas na técnica da mon-
tagem, porém com parâmetros diversos daqueles utilizados por ela. As
capas de Veja operam por uma recomposição formal do acontecimento
noticiado, que se efetua a partir de uma linguagem que combina a estra-
tégia documental alinhada com uma reinterpretação dos fatos propostos.
Nesse sentido, a revista Veja opera a montagem de imagens-síntese, que
resumem ou explicam uma dada situação noticiada a partir da condensa-
ção de elementos imagéticos relacionados a ela. A construção da autori-
dade da revista coloca-se performativamente, portanto, ao anunciar uma
realidade reconfigurada, para além da evidência mais premente e óbvia
– de forma que a própria revista se posiciona como uma instância capaz
de remontar o mundo ao compreendê-lo.
A elaboração de uma imagem síntese não é mais do que uma tomada
de posição tanto no plano das formas quanto no plano dos conteúdos. Ela
opera ao “tratar os elementos do real no sentido de um ajuste experimen-
tal” por meio do qual uma imagem “não reproduz o estado de coisas, mas

164
ELIZA BACHEGA CASADEI

sim, o descobre” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 57). É nesse sentido que


a apresentação de uma imagem síntese reafirma o lugar de autoridade da
revista, posto que ela é a própria materialização de seus atos performa-
tivos: a revista se outorga o papel de remontar a realidade para melhor
compreendê-la a partir dessa imagem-síntese composta.
Se olharmos para alguns exemplos específicos, o mecanismo compo-
sicional se mostra com clareza. Na edição de 04/12/1986, por exemplo,
a capa da revista mostra uma foto do Congresso Nacional por detrás de
um vidro quebrado, conotando as fraturas nas instituições políticas bra-
sileiras; na edição de 10/10/1978, há uma foto simples de Figueiredo e,
a seu lado, um alvo de dardos, levando o leitor a uma leitura cruzada
das duas figuras; na edição de 28/12/2017, mostra-se o presidente Temer
usando um terno muito maior do que ele, com a manchete “O presidente
encolheu”. Em todas essas capas, a imagem possui uma função além de
denotar ou ilustrar a notícia da semana: ela compõe uma imagem-síntese
que é interpretativa dos dados propostos.
A imagem-síntese, em Veja, utiliza como um dos elementos centrais
a própria memória do fato noticiado na mente do consumidor. Posto que
no próprio projeto afetivo-editorial da revista está implicado o pressu-
posto de que a publicação fará uma intepretação ou comentário de notí-
cias que já são de conhecimento público, as montagens propostas por ela
em suas capas frequentemente se valem de reminiscências estilísticas em
relação a outras imagens já consumidas pelos leitores em outros veículos.

Edições de 04/12/1986, 10/10/1978 e 28/12/2017, respectivamente

165
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

A imagem-síntese possui, nesse sentido, as descontinuidades próprias


dos processos memorialísticos. Ao passo que a narrativa da reportagem
opera por uma ordem a partir da qual os acontecimentos se sucedem li-
nearmente, a narrativa da montagem imagética “expõe as transformações
em curvas”, revelando “as descontinuidades que operam dentro de todo
acontecimento histórico” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 56). Nesse espec-
tro, a imagem-síntese se constrói dialeticamente por meio de recortes,
enquadramentos e junções de elementos heterogêneos. É nesse sentido
que, para Didi-Huberman (2013) não é por acaso que a montagem se
torna um mecanismo de produção de sentido comum no pós-guerra em
uma série de produções culturais das mais diferentes categorias: ela nasce
da percepção da desordem do mundo e da consequente tentativa de ali-
nhá-lo em uma imagem-síntese significativa.
Tal junção, contudo, não é um mecanismo discursivo simples. Ela
implica, antes de tudo, renunciar a um aspecto ethópico bastante central
no fotojornalismo brasileiro em revista praticado até então: o seu caráter
documental. A abdicação da imagem-fato em direção à imagem-síntese,
enquanto conteúdo programático nas capas de Veja, contudo, não é alea-
tória. Ela serve para marcar um outro conteúdo ethópico que se afirma,
vinculado a uma posição diante dos acontecimentos do mundo. A ces-
são do caráter documental da imagem visa destituí-la de “tudo o que ela
tem de evidente, de conhecido, de patente, e fazer nascer a respeito disso
assombro e curiosidade”. Trata-se de uma imagem que visa “criar inter-
valos onde só se via unidade” operada por uma “desarticulação da nossa
percepção habitual da relação entre as coisas ou as situações” (DIDI-HU-
BERMAN, 2013, p. 63) a que estamos acostumados.
A junção desses heterogêneos é o que permite que, nas capas de Veja,
a carga de referencialidade esteja atravessada por uma proposta de fic-
cionalização de mundo. Nesse sentido, são capas cujas imagens operam
um mecanismo discursivo a partir dos quais são criadas “fábulas que in-
terrompem e remontam por conta própria o curso da história” uma vez
que “servem para criar uma montagem de historicidade imanente cujos
elementos tirados do real induzem, por sua proposta formal, um efeito
de conhecimento novo que não é encontrado nem na intemporal ficção,
nem na factualidade cronológica dos fatos da realidade (DIDI-HUBER-

166
ELIZA BACHEGA CASADEI

MAN, 2013, p. 58). Tais imagens não se fiam nem em sua ilusão de re-
ferencialidade (uma vez que não estão calcadas meramente em seu valor
documental que é, inclusive, muitas vezes negligenciado) nem em uma
metamorfose em direção à imaginação absoluta (uma vez que elas estão
alicerçadas em um ethos que ainda privilegia a interpretação dos fatos):
são imagens que se apoiam em um contrato de leitura, pressuposto no
projeto afetivo-editorial da publicação, que cria condições de experimen-
tação para a sua feitura. Ao apoiar-se em tal mecanismo discursivo, a
própria revista cria seu lugar de autoridade a medida que o enuncia na
criação das suas imagens-síntese.
Embora a maior parte das
capas seja composta por monta-
gens, também é possível obser-
var capas formadas por imagens
únicas. O mecanismo de sentido
aludido, contudo, se mantém.
Isso porque, mesmo nas imagens
únicas, Veja também renuncia
ao caráter documental da ima-
gem ao escolher fotografias que
possuem sentidos conotados
bem demarcados socialmente
que conferem à capa um sentido
ideologicamente marcado – que
é mostrado a todo o momento
para o consumidor como uma
Edição de 03/03/1988
tomada de posição transparente.
O explicitamento do posiciona-
mento ideológico da revista através de uso das conotações é também
uma forma de reafirmar a autoridade da revista por meio de uma inter-
venção no mundo, uma vez que aqui, entra em cena o explicitamento
das escolhas do fotógrafo (no enquadramento, no ângulo de câmera,
na tomada de posição etc.) e do editor (na escolha da foto, da pose do
personagem, da feição da pessoa retratada, entre outros). Há no expli-
citamento do posicionamento ideológico da revista através da imagem

167
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

conotada a afirmação de que a revista é uma instância legitimada para


interpretar a realidade.
Há, portanto, duas estratégias de sentido que se combinam na produção
das imagens-síntese da revista Veja: em um primeiro aspecto, é necessário
destituir as imagens jornalísticas de seu estatuto meramente documental
ao injetar, explicitamente e como conteúdo programático, os elementos
ficcionais necessários para a sua composição. Em um segundo aspecto, é
necessário mostrar que se reconstrói a realidade, mostrar que se mostra a
imagem em seu processo de feitura. Como lembra Didi-Huberman (2013,
p. 61), “mostrar que se mostra não é mentir sobre o status epistêmico da
representação: é fazer da imagem uma questão de conhecimento e não de
ilusão”. É esse o lugar reivindicado performativamente pela imagem-síntese
de Veja: um lugar de conhecimento legitimado sobre o mundo.
E ela o faz não a partir do questionamento do sistema de signos ima-
géticos compartilhado pelos consumidores, mas sim, justamente, a partir
da reafirmação de imagens cliché (que estão em montagem). Trata-se de
“representar as coisas nem como evidentes (encontrando aprovação sen-
timental), nem como incompreensíveis, mas sim, como compreensíveis,
mas todavia não compreendidas” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 64). Ora,
é a própria revista Veja que, a partir da produção de sua imagem-síntese
constrói performativamente o seu lugar de autoridade na junção de signos
compartilhados que, em montagem, mostram o não-evidente (mas com-
preensível) da realidade para o seu consumidor em sua projeção ethópica.
Nesse sentido, é necessário considerar que a imagem-síntese é um
mecanismo linguístico autoritário: ela implica a “rejeição da polissemia
e uma tomada de posição unilateral” do sujeito que a compõe. A repre-
sentação, na imagem-síntese, remete à articulação de um “sentido ideal”
que seja “significativo, legível, em resumo, inepto a toda polissemia”
(DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 74).
As imagens conotadas de Veja não abrem margem para interpretações
muito desviantes – um mecanismo que era mais comumente utilizado em
revistas como Realidade, por exemplo. Seus processos de conotação estão
calcados em signos cujo sentido são amplamente compartilhados, cons-
truindo performativamente um campo de valores comuns entre a revista
e o seu consumidor no campo imagético.

168
ELIZA BACHEGA CASADEI

Para isso, contribui um dos aspectos centrais que devem ser consi-
derados nas análises das capas de Veja: a interação entre o texto da man-
chete anunciada e a imagem. O texto que acompanha as fotografias atua
como uma ferramenta de auxílio ao consumidor para o entendimento do
significado da montagem proposta na imagem síntese, de forma a não
deixar espaço para ambiguidades. A manchete, em Veja instaura, per-
formativamente, a forma como o consumidor deve olhar e interpretar
as figuras de capa, indo muito além da função de apresentar a pauta. Ela
própria coloca-se no lugar de autoridade de interpretação da imagem,
colocando o consumidor em uma posição de passividade frente à inter-
pretação desses signos imagéticos. A manchete, frequentemente, impõe
mesmo uma sentença moral sobre o noticiado, que possui não apenas
uma síntese interpretativa sobre um fato, mas também uma “força de
concentração” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 41) simbólica que reforça
a imagem-síntese.
O consumo aludido nas imagens jornalísticas de Veja, portanto, re-
forçam os performativos alinhavados no texto, a partir da evocação de va-
lores comuns que aludem a mapas de sucesso (a partir de uma narrativa
imagética que urde conotações facilmente entendíveis porque socialmente
demarcadas) e a afirmação performática da revista enquanto instância de
autoridade para entendimento do mundo (a partir de uma intervenção ex-
plícita na imagem que se mostra ao leitor como conteúdo programático).

169
Últimas considerações

Na década de 1960, havia no jornal Diário de Notícias uma colu-


na intitulada “Escolhendo e Comprando com Helena Brazil”. Nela, era
possível encontrar dicas sobre os melhores produtos combinadas com o
aconselhamento sobre as melhores práticas para serem adotadas dian-
te de situações comerciais diversas, bem como o desenho de uma li-
nha demarcatória sobre o que era elegante de se consumir ou não. Em
02/04/1963, por exemplo, tal guru do consumo publicou uma coluna
em que expunha uma espécie de receituário de mandamentos para ser
adotado por suas leitoras, um conjunto de “regras básicas da arte de
comprar”, tais como

1 o Analise bem o motivo da compra antes de a efetuar; (...) 7 o Te-


nha cuidado: nem sempre o mais anunciado é o melhor (...) 10 o
Compre no melhor estabelecimento mais próximo da sua casa; 11 o
Exija do comerciante um estabelecimento amplo, claro, higiênico,
bem decorado; (...) 13 o Guarde seu dinheiro em bancos. Habitue-
-se a pagar em cheque (...) 18º Defenda-se do consumismo. Não
transforme seu lar num depósito de compras. 19º O testemunho da
estrela, da cantora, da Dama, do técnico, da moça da propaganda

171
CONSUMO, JORNALISMO E IMAGEM

vale menos do que sua experiência. (...) 22º Não seja uma eterna
concorrente de suas amigas e vizinhas.

Nesses aconselhamentos, é possível notar que uma determinada ideia
de consumo está coadunada a um olhar específico sobre o que significa
bem viver, de forma que o próprio consumo é colocado em uma linha
contínua às ações e à moral do indivíduo. Também se constrói uma ima-
gem ethópica específica de enunciador e de um tipo de consumidor ima-
ginado, de forma que a articulação estratégica do texto obedece a esses
imperativos em sua articulação discursiva.
Nem sempre o jornalismo foi tão explícito em suas colocações sobre
o consumo. Não obstante isso, ao longo de sua história é possível notar
que as notícias engendraram diferentes visualidades para ele, mesmo em
seu material informativo, convocando uma espécie de consumidor típico
a partir de estratégias discursivas demarcadas, que estavam estabelecidas
nos projetos afetivo-editoriais das diferentes publicações, em suas espe-
cificidades históricas. Ao longo desse trabalho, tentamos mapear alguns
dos aspectos dessa questão a partir do fotografável de cada uma das re-
vistas analisadas, buscando os actantes narrativos mais recorrentes, as
estratégias retóricas mais utilizadas e as formas de composição mais co-
mumente articuladas na imagem.
Em alguns momentos, é possível notar que alguns atores sociais espe-
cíficos ganham primazia nas narrativas sobre os modos validados de vida
e de consumo (como, por exemplo, os militares e sua virilidade casta nos
primeiros anos da Revista da Semana, que depois cedem espaço para as
estrelas hollywoodianas de O Cruzeiro, em um outro momento). Alguns
pressupostos estéticos são também bastante demarcados historicamente
(como quando foi possível observar nos anos em que as vanguardas artís-
ticas eram referências importantes nas composições de capa e, posterior-
mente, são abandonadas para a utilização de imagens referenciais que,
por sua vez, também irão perder espaço para fotografias que enfatizam a
montagem e o jogo), cada uma delas com seus efeitos de sentido e discur-
sividades específicas em relação ao consumo. Os modos de articulação
discursiva do consumidor (como um actante narrativo) nas imagens tam-
bém varia bastante, desde posições que conferem a ele uma postura mais

172
ELIZA BACHEGA CASADEI

ativa em relação à informação recebida, até conjunções que instauram


um lugar de apaziguamento da polissemia dos sentidos. A partir dessas
variações, é possível observar que há um consumidor imaginado nas prá-
ticas midiáticas que irá sustentar todas as decisões que são tomadas no
momento em que uma revista é composta (e que pode ou não funcionar
quando atinge o consumidor empírico final).
Mas há ainda algo além disso. Estudar o consumo em suas intercor-
relações com a imagem jornalística é observar um lugar em que afetivi-
dades são urdidas – e tais afetividades são desde sempre moventes e con-
traditórias. Tais imagens, portanto, mobilizam também efeitos de pathos,
a partir de uma montagem dialética de sentidos. A expressão “formas
do pathos na imagem” (pathosformel), popularizada por Didi-Huberman
(2013), é adequada nesse sentido porque remete à ideia de um “traço sig-
nificante, um traçado em ato das imagens (...), algo pelo qual ou por onde
a imagem pulsa, move-se, debate-se na polaridade das coisas”. Trata-se da
união de uma carga afetiva com uma fórmula iconográfica que se expres-
sa na concorrência de tempos heterogêneos em uma mesma imagem. Tal
perspectiva implica reconhecer que os significados dos objetos não são
estáticos e mudam ao longo do tempo. Implica, ainda, assumir que a ima-
gem é um objeto impuro e complexo, de forma que os diferentes estratos
temporais dos sistemas de significação se acumulam e se entrelaçam nas
composições imagéticas.
E é justamente esse o desafio que se coloca para quem se aventura nes-
se campo de estudos: tanto o consumo quanto a imagem jornalística são
objetos impuros, que remetem a sistemas de significação contraditórios,
que nos causam ao mesmo tempo desejo e repulsa, fascinação e estranha-
mento. Ambos estão relacionados aos nossos processos identitários, mas
ao mesmo tempo não os determinam nem são indiferentes a eles. Tanto
o consumo quanto a imagem jornalística são objetos moventes, que não
comportam teorias fechadas ou metodologias estanques. Para contar uma
história (das várias possíveis) dos modos e estratégias de convocação para
o consumo mediados pela imagem no jornalismo em revista ao longo do
século XX é necessário reconhecer as contraditoriedades que os abarcam
e adotar a própria antinomia como mecanismo central da urdidura dos
processos de atribuição de sentido.

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Título Consumo, jornalismo e imagem: Uma
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brasileiras no século XX

Formato 16x23cm
Tipografia títulos Minion Pro bold
Tipografia miolo Minion Pro
Diagramação Israel Dias de Oliveira

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