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CONSUMO,
JORNALISMO E
IMAGEM
Uma história do consumo nas revistas
brasileiras no século XX
Conselho Editorial
Projeto editorial
Israel Dias de Oliveira
Imagem da capa
CC0 Creative Commons
ISBN 978-85-5869-035-5
CDU 070.051
CDD 741.65
[2017]
Todos os direitos desta edição reservado à Eliza Bachega Casadei
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
Últimas considerações.............................................................................................................171
Referências bibliográficas.......................................................................................................175
INTRODUÇÃO
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partir de uma pergunta que é, ao mesmo tempo, tão simples e tão cheia
de ambiguidades.
Nesse livro, uma escolha de pesquisa foi feita para responder essa
questão. Aqui, não se trata de mapear os diferentes modos de ler a notícia
ou de financiá-la, nem ao menos os diferentes campos semânticos aludi-
dos ou a forma como os dois tipos de discurso se misturam. Aqui, se trata
de tentar entender como a imagem de caráter jornalístico mediou certos
projetos de bem estar e bem viver ligadas a universos de consumo, bem
como as formas a partir das quais tais conteúdos se materializaram em
visualidades específicas a partir do estudo do fotografável de cada época
histórica.
Em termos mais sintéticos, tentaremos contar uma história dos mo-
dos e estratégias de convocação para o consumo mediados pela imagem no
jornalismo em revista ao longo do século XX.
Para que possamos empreender uma pesquisa desse tipo, é necessá-
rio considerar, em primeiro lugar, que há uma simbiose bastante espe-
cífica entre comunicação e consumo, que nem sempre é óbvia. Douglas
e Isherwood (2004) chamam a atenção para o fato de que o consumo,
muitas vezes, é pensado a partir de um ponto de vista utilitarista, como
um ato que visaria à satisfação de certas necessidades, sejam essas físicas,
emocionais, espirituais ou, ainda, ligadas à manutenção de um sistema
econômico maior. Tais abordagens ignoram um fato importante sobre a
vida econômica que diz respeito à questão de que os comportamentos dos
indivíduos estão diretamente relacionados aos valores que a comunida-
de mais ampla confere a certos atos. Dessa forma, o ato de poupar, por
exemplo, pode ser considerado como uma virtude em certas sociedades
(como uma marca de austeridade e autocontrole) ou como um problema
em outras (em contextos em que uma boa exibição de si seria importante
para o estabelecimento de laços sociais fortes). “Gastar moderadamen-
te não é sempre nem em qualquer lugar considerado melhor do que ser
mão-aberta. Cada cultura corta suas fatias de realidade moral de manei-
ras diferentes e distribui aprovação ou desaprovação a virtudes e vícios de
acordo com as visões locais” (DOUGLAS e ISHERWOOD, 2004, p. 64),
de forma que certos ambientes sociais afetam as percepções morais sobre
as proporções desejáveis do consumo em relação à renda.
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É sob esse ponto de vista que Silverstone (2002) irá afirmar que con-
sumo e mediação são atividades interdependentes, não apenas do ponto
de vista de que todo ato de consumir sempre media significados e valores,
como também a partir do pressuposto de que as indústrias midiáticas
são em grande parte responsáveis pela publicização e circulação desses
valores compartilhados pelos objetos. Mais do que isso, o próprio ato de
consumir (e o que pode ser definido como consumismo ou excessos de
consumo) depende desse acordo social estabelecido – acordo esse que é
sempre mutante e sujeito a renegociações de sentido.
A imprensa é um fórum privilegiado para a observação da luta simbó-
lica acerca do que é considerado um consumo legítimo e validado social-
mente, na medida em que é possível perceber embates públicos acerca do
que significa consumir muito ou pouco, bem ou mal, certo ou errado. A
imprensa, nesse sentido, é um dos instrumentos importantes da mediação
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garantia uma ampla difusão e uma tiragem muito expressiva para a sua
época histórica. A tiragem do periódico salta de 50 mil exemplares, em
1900, para 62 mil, em 1902 (CASTRO, 2007, p. 46) com o encarte da re-
vista. Mesmo em 1945, A Revista da Semana ainda era a segunda revista
mais lida do país, perdendo apenas para O Cruzeiro, um outro marco
reconhecido na literatura sobre a história da imprensa nacional. Em 1945,
por exemplo, as revistas mais lidas eram “O Cruzeiro (37,7%); Revista da
Semana (15,5%); Careta (11,3%); Seleções (10,7%) e A Cigarra (9,7%)”
(MIRA, 2001, p. 14).
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1 Foram descartadas da contagem capas que não versassem sobre temas jornalísticos (como
aquelas que continham pinturas ou outras obras artísticas), de acordo com os objetivos da
pesquisa.
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Isso porque “ao longo do século XIX, toda a evolução ocidental havia
relacionado o mito viril estritamente ao fato militar e à atividade guerrei-
ra, a ponto de fazer da preparação ao combate, e do próprio combate, o
critério, senão único, ao menos decisivo, da virilidade” (AUDOIN-ROU-
ZEAU, 2013, p. 239). A Primeira Guerra Mundial, segundo Audoin-Rou-
zeau (2013), foi um ponto culminante desse processo, na medida em que
a propaganda feita para os jovens era articulada em torno da ideia de que
a atividade guerreira era uma oportunidade de materialização de uma
imagem de homem forjada há bastante tempo. A relação da masculinida-
de com a violência, tal como explica Virgili (2013, p. 83), contudo, mudou
de forma radical no final do século XIX e início do século XX, de forma
que se passou “progressivamente de uma masculinidade ofensiva – ser um
homem era combater, adotar comportamentos desafiadores e fazer a de-
monstração da sua força por meio da violência – para uma masculinidade
dominada”. E isso no sentido de que os próprios treinamentos do exército
passaram a enfatizar a obediência, o controle e o bom uso da razão em
detrimento da raiva. E, assim, “no início do século XX, o novo modelo
masculino que se impôs passo a passo foi aquele de uma relação contida
e racional com a violência” (VIRGILI, 2013, p. 84).
Após as consequências da Primeira Guerra Mundial, tal relação se so-
lidifica, de forma que o próprio mito do homem guerreiro é ressignificado
de maneira radical. A militarização da virilidade, segundo Courtine (2013,
p. 9), “vai conhecer com a guerra o seu apogeu trágico: a devastação dos
corpos solapa o mito militar-viril e inscreve a vulnerabilidade masculina
no coração da cultura sensível”, em um processo que, embora anterior, se
aprofunda a partir da Segunda Guerra Mundial, que “derruba o entusiasmo
viril pela proeza guerreira e põe um termo à busca heroica do sacrifício e
da glória”. As imagens heroicas da guerra do século XIX são substituídas
por imagens de corpos dilacerados e quebrados. Tal processo, contudo, já
estava em curso mesmo no período anterior, de forma que é possível notar
uma série de manifestações da cultura em que a identificação entre a mas-
culinidade, a violência e a atividade guerreira é problematizada.
Os primeiros anos da Revista da Semana estão posicionados justa-
mente no meio desse processo de ressignificação da masculinidade mili-
tar, em um momento em que ainda havia formas de sua afirmação ativa a
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porque “o que se chama uma moça moderna não é mais que uma falsi-
ficação da verdadeira moça” que “perdeu o que fazia o encanto da sua
primavera”. Criticando os novos costumes, a coluna dizia às “moças cha-
madas a seguir o caminho sagrado do casamento” que elas “devem saber
em que grandes e magníficos deveres ela terá a honra de empenhar a sua
vida. Mas ela pode, tomando consciência do estado de esposa e de mãe,
ao qual ela aspira, guardar a sua candura, sobretudo não fazendo alarde
de conhecer precocemente aquilo que, por tradição, uma donzela deve
ignorar; tal sabedoria é aliás tão deplorável como perigosa”:
A cabeça não deve lavar-se com sabão, nem tão pouco com prepa-
rados ácidos, que quebram o cabelo, nem com soluções de alcatrão.
O Shampoo-Powder é o preparado ideal para uma perfeita higiene
da cabeça. Limpa, desinfeta tonifica, remove a caspa, refresca o
couro cabeludo. Toda mulher ciosa da conservação e saúde do seu
cabelo deve lavar a cabeça de oito em oito dias. Nunca compreendi
porque se esquecem tantas mulheres de prestar aos seus cabelos os
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cuidados que tem com o seu rosto. Por isso mesmo seus cabelos em-
branquecem e caem prematuramente. A limpeza é a vida do cabelo,
não me cansarei de repetir. Quase todas as doenças se evitariam
com cuidados de higiene (REVISTA DA SEMANA, 05/06/1915).
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mana funcionam como suportes materiais dos afetos que dão conteúdo
ao que significa ser distinto.
Ao tratar da questão sobre como as imagens são capazes de conden-
sar estados afetivos, Didi-Huberman (2016) chama a atenção para o fato
de que, durante muito tempo, as emoções foram utilizadas pela filosofia
apenas a partir de sua conotação negativa. Ele lembra que, em Aristóteles,
por exemplo, a palavra páthos é deduzida a partir daquilo que, em gramá-
tica, é chamado de a voz passiva do verbo. “Eis o exemplo que ele dava:
‘eu corto, eu queimo’ ilustra a voz ativa ou em ação”, ao passo que “‘eu
sou cortado’, ‘eu sou queimado’ ilustra a voz passiva ou em passividade,
ou seja, em páthos (aliás o exemplo é interessante, pois se refere tanto a
uma dor injusta, à tortura, por exemplo, como a uma dor benéfica, como
quando o médico corta um tumor ou cauteriza uma ferida, queimando-a)
(DIDI-HUBERMAN, 2016, p. 20). A paixão e os afetos, portanto, foram
muitas vezes ligados à passividade, à impossibilidade de ação ou, em um
outro aspecto, como um elemento contrário á razão.
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planos médio (com 58% das ocorrências) e geral (com 33%) nas com-
posições e o pouco uso dos planos em close (em 9% das imagens). Há
também a totalidade de uso do ângulo reto e a prevalência do equilíbrio
estático (54%) em relação ao dinâmico (46%), mesmo que de maneira
menos acentuada.
No que diz respeito ao conteúdo interno das publicações, poucas mu-
danças podem ser notadas: algumas notícias pontuais de política e eco-
nomia são permeadas por uma grande quantidade de reportagens sobre
os eventos da alta sociedade (colunismo social) e de um volume conside-
rável de colunas de aconselhamento e moda, além do material literário
(crônicas, contos, poesias) ainda abundante nas publicações. As questões
que permeiam a moda e os cuidados com a beleza, a casa e os mais varia-
dos aspectos da vida cotidiana, a cobertura dos eventos esportivos e so-
ciais dos clubes e a publicização dos eventos culturais de maior relevância
ainda compõem o material jornalístico central das publicações.
As mulheres presentes nas capas, contudo, mostram que as estratégias
de convocação para os seus consumidores atendiam, agora, a novos im-
perativos. As revistas passam a participar das discussões das vanguardas
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máquina à visão humana a partir do uso do foco seletivo. Uma vez que
a visão humana é sempre seletiva e a visão da máquina não (posto que o
seu foco é muito mais aberto e tem a potencialidade de captar tudo), é ne-
cessário que essa aproximação se materialize nas técnicas de composição
utilizadas pelo fotógrafo. Assim, Emerson aconselhava: “foco apenas no
objeto principal e todo o resto sem nitidez; e mesmo o objeto principal
não deve estar perfeitamente nítido como faria uma lente óptica normal”
(apud FABRIS, 2011, p. 32). O foco seletivo era uma forma composicional
de materialização da visão humana como próxima da visão da máquina.
As fotografias publicadas pela Revista da Semana, nesse período, se
aproximam dessa busca por uma impressão captada ligada a uma estratégia
de referencialidade e de convocação testemunhal. Isso se dá não apenas
quanto às semelhanças nas técnicas de composição (enquadramentos, ân-
gulos de câmera etc.) e nas temáticas preferenciais (paisagens e a interrela-
ção humana com o meio), mas principalmente, em relação a uma espécie
de conteúdo programático dessas fotos. Em todas as edições, a capa era
explicada, no conteúdo interno da revista, por pequenos textos que forne-
ciam ao leitor o solo contextual sob o qual essas imagens se assentavam, por
meio de informações indexadoras. Por meio desses textos, é possível per-
ceber os engendramentos que articulavam certas decisões de publicação.
Na edição de 18/04/1936, por exemplo, a revista explicava que “a capa
de hoje é uma lembrança da excursão que há muito as professorandas
do Instituto de Educação fizeram, sob a direção do dr. Raul Pontual, a
varias estações mineiras. Um bonito aspecto colhido junto do lago de São
Lourenço e que é uma excelente fotografia devida a professoranda Helena
de Oliveira, que nos proporcionou o ensejo de oferecermos aos leitores
da Revista da Semana mais uma linda capa” (REVISTA DA SEMANA,
18/04/1936). Na edição de 19/09/1936, dizia-se:
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Quando O Cruzeiro atingiu sua fase de maior sucesso, era uma re-
vista essencialmente eclética, destinada a ser lida por um público
diversificado, de todas as classes sociais, incluindo homens e mu-
lheres. Num país com milhões de analfabetos, o apogeu da revista
foi o que se chamou de ‘milagre editorial’: com tiragem de cerca de
850 mil exemplares circulando em território nacional, calculava-se
– imaginando que cada exemplar seria lido por cinco pessoas – que
O Cruzeiro passaria pelas mãos de nada menos que quatro milhões
de leitores a cada semana, espalhados por oito milhões de quilô-
metros quadrados. Estes números são ainda mais impressionantes
se pensarmos que nos anos 50, apogeu da revista, a população do
Brasil mal passava dos 50 milhões de habitantes (NETTO, 1998).
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situação final movida por pressuposições acerca dos desejos e ações dos
actantes presentes nas imagens. As legendas fotográficas, a partir desse
momento, não são meramente descritivas, mas sim, passam a incorporar
esses elementos que a posicionam do lado do discurso narrativo.
Obviamente, isso tem implicações importantes para o próprio enten-
dimento das imagens e para os possíveis direcionamentos de sentido. A
legenda enquanto narrativa opera a passagem entre uma mera sucessão e
descrição de eventos para uma sucessividade orientada de acontecimen-
tos, de forma que há a suavização de determinados elementos e o realce
de outros considerados de maior importância para a argumentação pro-
posta. A inserção da ação narrativa na legenda complexifica os mecanis-
mos de atribuição de sentido, na medida em que chama a atenção para
determinados detalhes da foto e insere, frequentemente, sentidos que não
poderiam ser entendidos caso a legenda não estivesse presente. A legen-
da narrativa, desta forma, não apenas descreve a foto, mas instaura um
comentário acerca do que deve ser percebido nas ações dos personagens
que são ali retratados. A legenda narrativa institui uma urdidura de enre-
do para a foto, propondo entendimentos outros acerca da imagem a que
faz referência.
É interessante notar como essa rearticulação da função testemunhal
na reportagem como um todo também se coaduna aos novos regimes de
imagem praticados por O Cruzeiro. As fotografias posadas, com o retrata-
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do que olha diretamente para a câmera são substituídas por imagens que
valorizam o acontecimento e escondem o aparato.
As fotografias de O Cruzeiro, para Jaguaribe e Lissovsky (2006, p. 90),
“pretendiam ser bem mais do que meras ilustrações. Conformam um gi-
gantesco empreendimento pedagógico e publicitário autônomo, que faz
uso de várias estéticas modernas para representar ‘a invenção do futu-
ro no presente’”, no intuito de tornar visível a modernização brasileira.
Ainda no que concerne à fotografia, a incorporação de outras linguagens
midiáticas à estrutura da revista se fazia sentir por toda a sua elaboração.
Nesse sentido, é bastante claro o modo como o personagem é valo-
rizado na ação, de forma que o surgimento da autonomização da fonte
na narrativa escrita é acompanhado pelo engrandecimento da fonte na
composição imagética.
Nesse novo modelo de composição fotográfica, o fotógrafo some do
relato – em contraposição ao que era comumente feito antes da década
de 1940. O aparato não é mais explicitado, em função de uma valorização
do personagem. Novamente, aqui, a legenda, o texto da reportagem e a
fotografia compõe uma estrutura única do consumo do testemunho na
publicação, estando coadunadas a um lastro de veracidade a partir do
testemunho em terceira pessoa.
Se preferirmos os termos de Gombrich (2012), a mudança na compo-
sição imagética entre as décadas de 1920 e 1940 representa uma passagem
no modo como era representada a ação narrativa: se, na primeira, havia
uma valorização de o quê na fotografia, a partir de meados de 1940 pas-
sa-se a retratar o como da ação na imagem, em uma solução visual que
propõe uma dramatização do ato retratado no texto.
Ao valorizar o como da ação, a fotografia se descola da proeminência
dada ao repórter no primeiro período: enquanto mais um dos actantes
narrativos presentes na narração do acontecimento, a ênfase da ação fo-
tográfica se desloca para os outros personagens envolvidos na ação e para
a forma de seu envolvimento dramático.
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sas sagradas são definidas justamente por não serem de uso comum dos
homens (e, portanto, o sacrilégio estaria ligado a todo o ato que violasse
ou transgredisse essa indisponibilidade premente do sagrado), profanar
significaria, justamente, restituir as coisas ao livre uso dos homens. Aos
espaços que se constituem como esferas separadas do uso comum, “pro-
fanar significa abrir a possibilidade de uma forma especial de negligência,
que ignora a separação, ou melhor, faz dela um uso particular” (AGAM-
BEN, 2007, p. 65). A profanação envolve um lugar de poder, mas posto
sob uma outra ótica. Para Agamben (2007, p. 68), “a profanação implica
uma neutralização daquilo que profana”. E isso porque “depois de ter sido
profanado, o que estava indisponível e separado perde a sua aura e acaba
restituído ao uso”. Embora ambas as operações sejam políticas, “a primei-
ra tem a ver com o exercício do poder, o que é assegurado remetendo-o a
um modelo sagrado; a segunda desativa os dispositivos de poder e devol-
ve ao uso comum os espaços que ele havia confiscado”.
O caráter de profanação posto em jogo por Realidade se mostra na me-
dida em que opera por “remontagens interpostas, não simplesmente para
abolir e cancelar as separações, mas aprender a fazer delas um novo uso, a
brincar com elas” (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 213), de forma a extrair a
metáfora moral de um acontecimento por meio dessa mesma montagem. A
imagem, nesse sentido, não é meramente contemplativa, mas sim, proces-
sual, ao “justapor as coisas inesperadas, fazendo derivar do movimento uma
correspondência, uma semelhança” (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 219).
Tais imagens solicitam uma posição outra por parte do sujeito
consumidor ao propor um novo jogo entre as formas tradicionalmen-
te expostas pelo fotojornalismo. “Inventar um campo novo de formas”,
como coloca Didi-Huberman (2015, p. 220), “é inventar um campo
de forças capaz de ‘criar o real’, de determinar uma nova realidade
por meio de uma forma óptica nova”. A demanda por uma outra posi-
ção-sujeito do consumidor para um outro tipo de experiência, nesse
sentido, se processa porque tais imagens decompostas não “tem que
representar, mas (...) trabalhar” em um processo de problematização –
um trabalho que se faz “na incessante dialética de uma decomposição
fecunda e de uma produção que nunca encontra descanso nem resul-
tado fixo, justamente porque sua força reside na abertura inquieta, na
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a partir dos quais os jornalistas julgavam que uma boa estória deveria
ser contada. No mesmo rastro, vieram outros códigos padrões de narra-
ção que estetizavam esses valores, tais como um uso mais sofisticado de
estatísticas, dados científicos, falas de especialistas, analogias históricas,
entre outros mecanismos.
As legendas fotográficas passam a se tornar textos mais extensos que
se libertam da mera descrição ou da mera narração da fotografia e pas-
sam a incorporar os códigos padrões de narração que estavam sendo uti-
lizados no próprio texto da reportagem.
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MAN, 2013, p. 58). Tais imagens não se fiam nem em sua ilusão de re-
ferencialidade (uma vez que não estão calcadas meramente em seu valor
documental que é, inclusive, muitas vezes negligenciado) nem em uma
metamorfose em direção à imaginação absoluta (uma vez que elas estão
alicerçadas em um ethos que ainda privilegia a interpretação dos fatos):
são imagens que se apoiam em um contrato de leitura, pressuposto no
projeto afetivo-editorial da publicação, que cria condições de experimen-
tação para a sua feitura. Ao apoiar-se em tal mecanismo discursivo, a
própria revista cria seu lugar de autoridade a medida que o enuncia na
criação das suas imagens-síntese.
Embora a maior parte das
capas seja composta por monta-
gens, também é possível obser-
var capas formadas por imagens
únicas. O mecanismo de sentido
aludido, contudo, se mantém.
Isso porque, mesmo nas imagens
únicas, Veja também renuncia
ao caráter documental da ima-
gem ao escolher fotografias que
possuem sentidos conotados
bem demarcados socialmente
que conferem à capa um sentido
ideologicamente marcado – que
é mostrado a todo o momento
para o consumidor como uma
Edição de 03/03/1988
tomada de posição transparente.
O explicitamento do posiciona-
mento ideológico da revista através de uso das conotações é também
uma forma de reafirmar a autoridade da revista por meio de uma inter-
venção no mundo, uma vez que aqui, entra em cena o explicitamento
das escolhas do fotógrafo (no enquadramento, no ângulo de câmera,
na tomada de posição etc.) e do editor (na escolha da foto, da pose do
personagem, da feição da pessoa retratada, entre outros). Há no expli-
citamento do posicionamento ideológico da revista através da imagem
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Para isso, contribui um dos aspectos centrais que devem ser consi-
derados nas análises das capas de Veja: a interação entre o texto da man-
chete anunciada e a imagem. O texto que acompanha as fotografias atua
como uma ferramenta de auxílio ao consumidor para o entendimento do
significado da montagem proposta na imagem síntese, de forma a não
deixar espaço para ambiguidades. A manchete, em Veja instaura, per-
formativamente, a forma como o consumidor deve olhar e interpretar
as figuras de capa, indo muito além da função de apresentar a pauta. Ela
própria coloca-se no lugar de autoridade de interpretação da imagem,
colocando o consumidor em uma posição de passividade frente à inter-
pretação desses signos imagéticos. A manchete, frequentemente, impõe
mesmo uma sentença moral sobre o noticiado, que possui não apenas
uma síntese interpretativa sobre um fato, mas também uma “força de
concentração” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 41) simbólica que reforça
a imagem-síntese.
O consumo aludido nas imagens jornalísticas de Veja, portanto, re-
forçam os performativos alinhavados no texto, a partir da evocação de va-
lores comuns que aludem a mapas de sucesso (a partir de uma narrativa
imagética que urde conotações facilmente entendíveis porque socialmente
demarcadas) e a afirmação performática da revista enquanto instância de
autoridade para entendimento do mundo (a partir de uma intervenção ex-
plícita na imagem que se mostra ao leitor como conteúdo programático).
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Últimas considerações
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vale menos do que sua experiência. (...) 22º Não seja uma eterna
concorrente de suas amigas e vizinhas.
Nesses aconselhamentos, é possível notar que uma determinada ideia
de consumo está coadunada a um olhar específico sobre o que significa
bem viver, de forma que o próprio consumo é colocado em uma linha
contínua às ações e à moral do indivíduo. Também se constrói uma ima-
gem ethópica específica de enunciador e de um tipo de consumidor ima-
ginado, de forma que a articulação estratégica do texto obedece a esses
imperativos em sua articulação discursiva.
Nem sempre o jornalismo foi tão explícito em suas colocações sobre
o consumo. Não obstante isso, ao longo de sua história é possível notar
que as notícias engendraram diferentes visualidades para ele, mesmo em
seu material informativo, convocando uma espécie de consumidor típico
a partir de estratégias discursivas demarcadas, que estavam estabelecidas
nos projetos afetivo-editoriais das diferentes publicações, em suas espe-
cificidades históricas. Ao longo desse trabalho, tentamos mapear alguns
dos aspectos dessa questão a partir do fotografável de cada uma das re-
vistas analisadas, buscando os actantes narrativos mais recorrentes, as
estratégias retóricas mais utilizadas e as formas de composição mais co-
mumente articuladas na imagem.
Em alguns momentos, é possível notar que alguns atores sociais espe-
cíficos ganham primazia nas narrativas sobre os modos validados de vida
e de consumo (como, por exemplo, os militares e sua virilidade casta nos
primeiros anos da Revista da Semana, que depois cedem espaço para as
estrelas hollywoodianas de O Cruzeiro, em um outro momento). Alguns
pressupostos estéticos são também bastante demarcados historicamente
(como quando foi possível observar nos anos em que as vanguardas artís-
ticas eram referências importantes nas composições de capa e, posterior-
mente, são abandonadas para a utilização de imagens referenciais que,
por sua vez, também irão perder espaço para fotografias que enfatizam a
montagem e o jogo), cada uma delas com seus efeitos de sentido e discur-
sividades específicas em relação ao consumo. Os modos de articulação
discursiva do consumidor (como um actante narrativo) nas imagens tam-
bém varia bastante, desde posições que conferem a ele uma postura mais
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Referências bibliográficas
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Título Consumo, jornalismo e imagem: Uma
história do consumo nas revistas
brasileiras no século XX
Formato 16x23cm
Tipografia títulos Minion Pro bold
Tipografia miolo Minion Pro
Diagramação Israel Dias de Oliveira