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PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE 2012

A Construção de Narrativas Sobre o Trabalho Artístico no Programa American


Idol1

Marisa Baruch Portela Abujamra2


Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM – São Paulo.

Resumo

O presente artigo tem a finalidade de trazer questões sobre o trabalho artístico e as suas inter-relações com a
área da comunicação, do entretenimento e do consumo no espaço midiático em nossa sociedade
contemporânea. O corpus do artigo são as audições da primeira fase do programa American Idol, quando os
cantores fazem suas primeiras apresentações diante de um júri que avalia o desempenho de cada participante.
Nesse contexto, será discutido a concepção de espaço biográfico numa reflexão sobre como esse espaço é
apresentado no programa, através da análise de cinco audições escolhidas aleatoriamente.

Palavras-chave: Comunicação; consumo; trabalho; espetáculo; narrativas

Introdução

Com as mudanças no estilo de organização social do trabalho, a sociedade passou por


transformações estruturais profundas entre os séculos XIX e XX. Com a redução das horas na
jornada de trabalho, o tempo livre surgiu na vida cotidiana do trabalhador que começou a ter a
necessidade de preencher esse tempo, emergindo então, o tempo para o lazer.
De acordo com Edgar Morin, surge o consumo da cultura de massa que se registra no lazer
moderno, abrindo espaço para a preocupação com as necessidades da vida privada e o bem-estar do
lar com tempo suficiente para consumir os novos aparatos produzidos pela indústria moderna (1997,
p. 68-9).
A arte, a estética e a técnica vão cada vez mais criando novas teias de sentido e relações na
vida humana e a cultura de massa vai se apresentar de diversas maneiras para ser consumida, mas
principalmente na forma de espetáculo, atraindo multidões com suas histórias românticas,
suspenses, aventuras, atores e atrizes de beleza estonteante, programas musicais de auditório,

1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho - 08 Comunicação, Consumo, Trabalho e Espacialidades. Coordenador:
Prof. Dr. Vander Casaqui, do 2º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 15 e 16 de outubro de 2012.
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Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Práticas de Consumo – ESPM, graduada em
Psicologia(UFBA) e Pedagogia(UCSAL), orientanda do Prof. Dr. Vander Casaqui.
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criando uma relação de consumo comandada pelo processo psíquico de identificação e projeção no
sentido abordado por Morin, surgindo um imaginário que funciona como um universo espectral que
permite a projeção e identificação mágica, religiosa ou estética (1997, p. 77).
A televisão vai ocupar nesse contexto, um espaço relevante com seus espetáculos,
programas de competição, novelas, apresentações musicais, notícias , etc.
Nesse sentido, o programa de televisão American Idol constitui um objeto de particular
interesse para a pesquisa em Comunicação, no qual pode-se explorar a concepção de espetáculo
televisivo e suas implicações nesse campo.
O American Idol é um programa de televisão criado pelo produtor americano Simon Fuller e
foi ao ar pela primeira vez em junho de 2002, tornando-se o programa musical com o maior volume
de investimentos publicitários nos Estados Unidos da América. Com características que misturam
reality show com programa de auditório, o American Idol apresenta uma competição entre calouros
para eleger o melhor cantor ou cantora. O formato do programa envolve a avaliação feita por três
juízes, artistas renomados e populares da área da música, que opinam sobre a performance dos
candidatos e ao mesmo tempo oferecem conselhos para o desenvolvimento artístico dos
participantes, cabendo ao público escolher por meio de votos qual o cantor ou cantora com quem
mais se identificam nos programas finais.
O programa é apresentado por Ryan Seacrest e possui um roteiro geral que se repete em
todas as edições, no qual os aspirantes à carreira artística participam de uma audição seletiva
realizada pelos jurados, quando são avaliados por suas performances e selecionados para participar
do programa que envolve a competição entre os selecionados.
Após a etapa de seleção, treze candidatos são escolhidos para participar do programa e a
cada semana um deles é eliminado com o voto do público e mais uma avaliação dos juízes.
O presente estudo tem o objetivo de explorar as mediações que envolvem o mundo do
trabalho na produção de sentidos, representações sociais e a sua presença midiática dentro do
contexto do programa, buscando articular uma reflexão sobre as narrativas articuladas que
compõem as relações sociais e as trocas simbólicas que caracterizam as teias entre comunicação e
consumo.
Por intermédio desta análise, questões podem ser inferidas na busca de uma compreensão
mais apurada sobre esse tema, como por exemplo: Como o trabalho artístico é representado na
mídia? Como o discurso sobre ser artista é construído? Quais as simbologias envolvidas ? Quais as
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lógicas do trabalho na área do entretenimento? Assim, o nosso propósito é debater de que maneira o
trabalho artístico se configura e é representado na mídia e no universo do entretenimento.
Dessa forma, para averiguar as questões delineadas, optamos por analisar o momento das
audições da temporada de 2012 do programa que aconteceram nas cidades de Savannah (estado da
Geórgia) e San Diego (Califórnia), pois esses episódios apresentam a escolha do artista que
participará do programa.
A concepção de espetáculo televisivo no programa American Idol.

O programa American Idol possui uma concepção artística baseada na reprodução de


programas de rádio e de programas de televisão de auditório clássicos, nos quais um candidato a
cantor se apresenta numa competição acirrada para ser avaliado e julgado por um júri de artistas,
seguindo assim um modelo já bastante utilizado, mas que se encaixa numa receita pronta de
sucesso.
A indústria cultural com sua produção em série proporciona um efeito parecido a tudo,
seguindo um velho esquema e transformando a arte em um produto para ser consumido pela massa,
atendendo à lógica capitalista: “Tudo o que surge é submetido a um ao estigma tão profundo que,
por fim, nada aparece que já não traga antecipadamente as marcas do jargão sabido, e não se
demonstre, à primeira vista, aprovado e reconhecido” (ADORNO, 2011, p. 18).
No início dos episódios do programa, o clima é sempre de muita excitação com fundo
musical vibrante e diversas imagens com tomadas cinematográficas. Esse público demonstra se
divertir expressando emoções com gritos e é retratado pelas câmeras como uma grande massa
curiosa que deseja ver a qualquer custo, como voyers, os candidatos que chegam para participar do
programa.
Da mesma forma, o espectador que acompanha o programa pela televisão é convidado a
participar dessa dinâmica de espetacularização, distanciado fisicamente do espetáculo e limitado ao
estado passivo de voyer. Para Morin, a cultura de massa amplifica o voyerismo, propiciando uma
atmosfera de mexericos e revelações sobre a vida das celebridades (1997, p.70).
O programa parece buscar esse clima de burburinho, expectativa, emoção num exagerado
espetáculo para suscitar no público o interesse por artistas que ainda não alcançaram a fama, que
são desconhecidos e que serão os eleitos produzidos na indústria do próprio programa para
despontar no mundo artístico.

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Em nossa sociedade contemporânea vivemos a cultura do espetáculo, no qual as diversas


formas de entretenimento estão sob o domínio da economia e da política, “a experiência e a vida
cotidiana são moldadas e mediadas pelos espetáculos” (KELLNER, 2006 p.123 )
O conceito de sociedade do espetáculo é desenvolvido inicialmente por Guy Debord, que
considera o espetáculo um mecanismo de alienação constituído de imagens e que está em toda
parte.
A alienação do espectador em favor do objeto contemplado (o que resulta de sua própria
atividade inconsciente) se expressa assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto
mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua
própria existência e seu próprio desejo. Em relação ao homem que age, a exterioridade do
espetáculo aparece no fato de seus próprios gestos já não serem seus, mas de um outro que
os representa por ele. É por isso que o espectador não se sente em casa em lugar nenhum,
pois o espetáculo está em toda parte (1997, p. 24).

Kellner (2006) se baseia nos estudos de Debord, mas vai desenvolver uma abordagem mais
específica, buscando interpretar o que os diversos tipos de espetáculo nos dizem sobre a atualidade
e dentro dessa perspectiva ressalta que a mídia, a televisão, os filmes, a música, o teatro, o
ciberespaço são permeados pelos espetáculos sedutores, fascinando os habitantes da sociedade de
consumo, os envolvendo nas semióticas do mundo do entretenimento, da informação e
influenciando de forma profunda o pensamento e ação dessas pessoas (2006, p.122).
Nesse sentido, o programa revela um cenário que busca roubar o olhar do espectador
convidando-o ao consumo de imagens espetaculares que traduzem a confirmação do sucesso num
jogo de pura sedução.
Para Morin, jogo e espetáculo mobilizam uma parte do lazer moderno e sempre estiveram
presentes na nossa vida social; o que este autor ressalta é que a extensão televisionária ou
teleauditiva do espetáculo são os progressos de uma concepção lúdica da vida (1997, p.70). Toda a
estrutura do programa American Idol é organizada e concebida como um grande espetáculo com
regras próprias se configurando como um jogo.
Em todo espetáculo de teatro, cinema, televisão, existe a presença do lúdico que não se pode
isolar, fazendo parte de todo movimento dos espetáculos esportivos, televisivos e radiofônicos
(MORIN, 1997, p.72).
Dentro desse contexto, todos os participantes do programa, desde os jurados passando pelo
apresentador, público e calouros participam com afinco de uma rica e envolvente dinâmica
composta de tensão e competição num jogo que comanda toda a concepção estética do American
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Idol, onde cada um domina o seu papel e a forma de atuar, criando tensões e contrastes num grande
jogo-espetáculo.

A representação do trabalho artístico no reality show American Idol.

O trabalho artístico sempre esteve atrelado a dinâmica de um reconhecimento público ou


aprovação de um outro sujeito para conferir valor à produção do artista.
A trajetória da profissão de artista na história das antigas sociedades ocidentais é permeada
pela relação de patronato. Desde a era medieval, essas relações já existiam e se configuravam de
diversas maneiras. Raymond Williams (2011) aborda de forma clara como o trabalho artístico
estava organizado com suas diferentes formas de estruturação, evidenciando que “a característica
definidora de todas as relações sociais de patronato é a situação privilegiada do patrono (...) o
patrono é definido como alguém que pode dar sua encomenda ou seu apoio (...) ele está fazendo o
que quer com o que lhe pertence” (2011, p. 43).
As relações sociais do artista com o mercado sempre foram muito variadas, apesar da
existência do artista artesanal que atua como produtor independente e põe sua própria obra à venda,
o trabalho artístico se caracteriza por meio da necessidade de um intermediário, produtor que
investe na obra ou talento do artista visando o lucro (WILLIAMS, 2011).
Morin, ao tratar da produção e criação artística industrializada, ressalta que “a criação tende
a se tornar produção” a partir do século XIX com as técnicas industriais, e que as novas artes da
cultura industrial ressuscitam em certo sentido o antigo coletivismo do trabalho artístico das
epopéias anônimas, dos construtores das catedrais, dos ateliers de pintores (1997, p. 29). O que
Morin evidencia com esses exemplos é que o trabalho artístico com as técnicas industriais vai se
caracterizar por meio de uma dinâmica de divisão do trabalho como numa fabrica.
A grande arte móvel, arte industrial típica, o cinema, instituiu uma divisão de trabalho
rigorosa, análoga àquela que se passa numa fábrica, desde a entrada da matéria bruta até a
saída do produto acabado; a matéria prima do filme é o script ou romance que deve ser
adaptado; a cadeia começa com os adaptadores, os cenaristas, os dialogistas, às vezes até
especialistas em gag ou em human touch, depois o realizador intervém ao mesmo tempo que
o decorador, o operador, o engenheiro de som, e, finalmente, o músico e o montador dão
acabamento à obra coletiva. (1996, p. 30).

No programa American Idol pode-se observar a construção do artista a partir dessa


concepção de produção artística e divisão do trabalho, quando tudo é montado e organizado como
uma linha de montagem no sentido fordista, realçando a existência de uma estrutura composta por
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vários agentes que conduzem o artista (calouro) como um produto que vai ser avaliado dentro do
universo da arte televisiva.
Como o programa segue o formato dos reality shows, essa dinâmica ganha contornos entre a
ficção e a realidade, numa dramatização que busca expressar o ritmo das produções televisivas
dentro da própria televisão.
Em nossa sociedade contemporânea os reality shows se afirmaram como atração televisiva
de destaque com diferentes temáticas, desde a exposição de pessoas convivendo numa mesma casa,
passando por competição de estilistas, cabeleireiros, empresários até desafios para sobreviver como
no famoso Survivor (CASTRO, 2006).
O calouro aspirante a artista profissional vai representar justamente esse profissional que
precisa de um produtor que o conduza até o sucesso e o introduza de forma legítima no mercado
artístico. Nas audições que consistem em sessões para a avaliação do júri, existe um roteiro a ser
seguido, no qual o candidato se apresenta diante dos jurados e depois de uma rápida análise e de
uma conversa breve, o calouro recebe o veredicto final que consiste em ouvir um “não” ou a frase
que se tornou célebre: “You go to Holywood!”.
O júri é sempre composto por pessoas famosas da área da música. Na temporada de 2012,
participaram como jurados a cantora Jennifer Lopez, o roqueiro Steven Tyler, da banda de rock
Aerosmith, e Randy Jackson, ex integrante da banda The Jackson Five e irmão de Michael Jackson.

Fig.13: Caloura em frente aos jurados para audição. Figura 24: Jurado Steven Tyler aprovando candidato .

Os jurados possuem o poder de definir quem participará do programa e quem continuará na


competição, eles atuam representando o papel de verdadeiros olimpianos modernos, dentro do
conceito desenvolvido por Morin (1997), em que a cultura de massa cria heróis que são promovidos

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Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=kkVxjISk8gk>. Acesso em 24 de agosto de 2012.
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Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=HxD1NZ4k1Fw>. Acesso em 24 de agosto de 2012.

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a vedete com uma personalidade que desabrocha “sobre a dupla face do sonho e do imaginário” das
massas (p.75).
Na busca da compreensão da lógica que organiza essas relações, pode-se trazer o conceito
de campo desenvolvido por Bourdieu, no qual agentes se relacionam dentro de espaço comum com
regras específicas e numa luta por seus objetivos.
Cada um tem sua posição e atua dentro dela de acordo com seus interesses e dessa forma
acontecem as relações de poder e força. É nessa dinâmica que vai existir todo um jogo de
linguagem e de ações simbólicas que vão representar o lugar que cada agente ou personagem deve
ocupar naquele contexto social.
Pode-se descrever o campo social como um espaço multidimensional de posições tal que
qualquer posição atual pode ser definida em função de um sistema multidimensional de
coordenadas cujos valores correspondem aos valores das diferentes variáveis pertinentes: os
agentes distribuem-se assim nele, na primeira dimensão, segundo o volume global do capital
que possuem e, na segunda dimensão, segundo a composição do seu capital – quer dizer,
segundo o peso relativo das diferentes espécies no conjunto das suas posses (BOURDIEU,
2003, p.135).

No contexto do programa, os jurados são detentores desse capital representado


simbolicamente pelo conhecimento da área de música, o que os legitima como possuidores de poder
de veto ou de aprovação e, é nesse campo, que acontecem os embates simbólicos.
A ideia de sucesso e fracasso está contornando toda a lógica do programa na representação
desse trabalho artístico, no qual o talento pessoal está em continua avaliação. Sennett ressalta que o
“fracasso é o grande tabu moderno” (2010). No programa essas imagens de fracasso são veiculadas
de forma espetacularizada e constroem uma dinâmica permeada pela tensão entre o ganhar e o
perder e entre o ter talento ou não ter.
Borges-Andrade e Bendassolli (2010), em suas pesquisas sobre o significado do trabalho nas
indústrias criativas, citam os estudos de Heinich, ressaltando que o trabalho artístico está vinculado
ao conceito de vocação, “caso em que a atividade depende da percepção de um dom precoce ou de
talento” ( Heinich APUD Borges-Andrade e Bendassolli, 2010, p.146).
Dessa forma, esses artistas que atuam como jurados e conselheiros representam também o
ideal estético de talento artístico que vai legitimar quem possui ou não capacidade para seguir a
carreira artística.
O American Idol é um reality show que mescla várias características, pois funciona como
uma série de ficção ou novela, apresentando capítulos semanais, possuí a emoção dos programas de
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competição de auditório, traz a vertente do trabalho como modelo de superação para alcançar o
sucesso e explora a história de vida dos participantes.

O espaço biográfico na construção de narrativas no programa American Idol

No início dos episódios que são apresentadas as audições, os candidatos da competição


surgem em frente às câmeras com um discurso carregado de emoção, relatando um pouco sobre
suas histórias de vida, seus desejos, anseios e expectativas em relação ao programa.
Surge nesse momento, uma estrutura narrativa que se configura como um espaço biográfico
que é construído na lógica artística do programa, reafirmando o contexto de reality show e
aproximando esses desconhecidos do grande público.
O espaço biográfico se consolida a partir do século XVII com a presença da burguesia e com
a nova ordem capitalista quando surge um indivíduo que valoriza a privacidade e se volta para si
como sujeito auto referenciado. Com a consolidação da democracia surge também o democratismo
das narrativas, com uma pluralidade de vozes, relatos, identidades, sujeitos e subjetividades
apontando para a dissolução do coletivo e da ideia de comunidade.
Surgem assim, os gêneros literários biográficos, autobiográficos, os relatórios etnográficos,
diários íntimos, confissões, num processo de subjetivação e admissão do “eu”, de vidas reais e
busca de autenticidade das histórias na voz de seus protagonistas (ARFUCH, 2010).
Esse espaço se configura como uma dimensão composta pela tensão do público e do privado
e atrai a atenção devido a sua concepção de confidência, o que no contexto de um reality show
absorve o olhar do público valorizando o “mito do eu”; o espectador se interessa porque é uma
história que está sendo contada e que suscita a possibilidade de se auto imaginar naquele relato num
processo de identificação.
É justamente por meio do processo narrativo que os seres humanos se imaginam a si mesmo
– também enquanto leitores/receptores – como sujeitos de uma biografia, cultivada
amorosamente através de certas “artes da memória”. Mas a narrativa nunca será
“unipessoal”, embora possa adotar tons narcísicos; envolverá necessariamente a relação com
seu contexto imediato, aquele que permite se situar no (auto) reconhecimento: a família, a
linguagem, a cultura, a nacionalidade. Nenhum autorretrato, então poderá se desprender da
moldura de uma época e, nesse sentido, falará também a uma comunidade” (ARFUCH,
2010, p. 140, p.142).

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Os reality shows sabem explorar a exibição da intimidade com a espetacularização da


personalidade, promovendo “a autoconstrução de personagens reais porém ao mesmo tempo
ficcionalizados, de acordo com a linguagem altamente codificada da mídia” (SIBILIA, 2008, p.51,
p.52).
Nas audições do programa, as manifestações de relatos de vida funcionam como referenciais
identitários e por meio deles se constroem vínculos intersubjetivos repletos de emoções com os
espectadores.
No presente estudo foram destacadas cinco audições de forma aleatória, que serão
apresentadas a seguir para nossa reflexão com o intuito de percebermos a construção desse espaço
biográfico dentro do universo do programa.

Audição de Normim: 5 - sexo feminino, 25 anos. Cidade - Savannah - Geórgia

O espaço biográfico dessa participante é representado por imagens que mostram seu dia a
dia trabalhando com pessoas deficientes e suas atividades como artes e coral. Normim fala em off
sobre seu envolvimento emocional com esse trabalho.
As imagens se alteram e Normim começa a cantar na sala de audição realizando sua
apresentação. Os jurados a aprovam e nas palavras de avaliação pode-se escutar Steven Tyler
dizendo: “muito bonito! Sua entonação de voz é perfeita!”. Jennifer Lopez diz que ficou arrepiada e
Randy Jackson fala que ela tem um “açúcar especial”, em seguida faz a pergunta tradicional aos
seus colegas de júri: “Ela vai para Hollywood?” e todos respondem ao mesmo tempo com um
“sim”.
Normim abre um sorriso alegre e sai da sala aos pulos, do outro lado da sala, a mãe a espera
e as duas se abraçam comemorando aos gritos, enquanto Normim diz a célebre frase “Eu vou para
Hollywood!”.
Audição de Phllip Phillips6 - sexo masculino, 20 anos. Cidadade - Savannah - Geórgia.

Phillip se apresenta com um violão e canta “Thriller” de Michael Jackson, os jurados


demonstram total aprovação em suas feições e vibram com palavras de aprovação. Jennifer Lopez
diz: “Gosto do jeito que ele mexe os pés. É um pequeno James Brown!”

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Disponível em : <http://www.youtube.com/watch?v=ZBcVlxi3x88>. Acesso em 24 de agosto de 2012.
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Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=HxD1NZ4k1Fw>. Acesso em 24 de agosto de 2012.
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Os jurados expressam suas impressões: “Gostei de ouvir isso!”, “Acho que os outros
amaram também. Incrível cara. Eu adorei. Um artista de verdade!”, “É algo novo e fresco, faz todos
pararem para assistir”, “Ele vai para Hollywood!” e “Bom trabalho, querido!”.

Audição de Ashley Robles 7 - sexo feminino, 26 anos. Cidadede - San Diego - Califórnia.

Ashley é apresentada pelo locutor como uma mãe solteira que cuida de uma filha de 5 anos.
Logo surgem imagens de Ashley interagindo com a filha com uma música animada ao fundo num
clima de família feliz. As cenas mostram Ashley brincando com a filha, almoçando, passeando ,
trabalhando num escritório, atendendo ao telefone e teclando no computador.
As imagens mudam para a sala de audição; o diálogo entre Ashley e os jurados ainda é em
torno da sua filha. Ashley começa a cantar e se sai muito bem arrebatando elogios dos jurados,
como: “Onde você tem andando esse tempo todo?” ou ainda “Ela é fantástica”, “Você vai ser
grande!” Após os elogios, Ashley sai da sala sorrindo e se encontra com a filha e amigos, a câmera
se aproxima e mostra uma fala da filha de Ashley dizendo:“ Eu vou para Hollywood!”.

Audição de Jessica 8 - sexo feminino, 19 anos. Cidade - Savannah - Geórgia.

Jessica se apresenta como uma cantora experiente, relata que canta desde os 10 anos de
idade, que já se apresentou em diversas aberturas de jogos na escola e que já participou de diversos
shows de talento, porém faz uma péssima apresentação, despertando nos jurados expressões de
desolação e ao mesmo tempo crítica negativa.
Randy Jackson é o primeiro a se manifestar perguntando a concorrente: “Você chama isso
de cantar? Seu negócio não é esse”. Em seguida, Steve Tyler comenta: “Você armou a rede, mas a
bola não entrou.” Jessica pede uma nova chance, quer cantar de novo, mas Randy Jackson continua
com as críticas: “As pessoas dizem que você pode cantar?” Jessica é reprovada por todos e sai da
sala com o comentário de Jennifer Lopez: “Não tem jeito querida.”

Audição de Jennifer Diley 9 - sexo feminino. Cidade - San Diego – Califórnia.

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Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=x3FSVzU8coE&feature=related>. Acesso em 24 de agosto de
2012.
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Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=VtFxjDcsihc>. Acesso em 24 de agosto de 2012.
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Jennifer Diley é uma moça jovem que se apresenta com um biquíni e um short curto nas
cores da bandeira dos Estados Unidos, dizendo que é patriota. O apresentador Ryan Seacrest faz
uma rápida entrevista com ela, mas explora bastante com imagens o corpo da moça pedindo para
ela subir e descer uma escada enquanto é filmada.
Ao começar a cantar, Jennifer parece que vai fazer uma boa apresentação, mas se perde na
afinação e os jurados desaprovam. Randy Jackson fala: “Você parecia que ia nos explodir vestida
desse jeito... você veio aqui para nos explodir, é isso?”. Em seguida, Jennifer Lopez comenta: “Não
adianta vir vestida assim, a sua voz é que deve ser trabalhada...” Jennifer tem a chance de fazer uma
nova apresentação, mas os jurados desaprovam de novo com um silêncio revelador, criando um
clima de mal estar e Jennifer decepcionada se retira da sala.

Análise:
Será utilizado na abordagem metodológica, a Análise de Discurso da escola francesa
baseada nos estudos de Eni P. Orlandi como suporte para a investigação das mensagens
apresentadas na estrutura do programa, buscando o real sentido em sua materialidade lingüística e
histórica. As histórias contadas expressam a tentativa dessas pessoas para alcançar uma carreira
artística de sucesso e os relatos são apresentados de forma romanceada com função narrativa
envolvente e emocional.
Existe na formação discursiva das histórias relatadas um não-dito,“considerando que há
sempre no dizer um não-dizer necessário” (Orlandi, 2009, p.82) que pode ser destacado, quando
mostram os relatos de Ashley que é mãe solteira com a sua filha o tempo ao seu lado, ou no
momento em que apresentam a vida profissional de Normim que trabalha com deficientes físicos,
trazendo um contexto mais dramático e romanceado para o programa numa tentativa de valorizar
essas histórias e criar a identificação do espectador com os personagens.
No transcorrer do programa há um interdiscurso carregado de conceitos sobre o que é ser um
artista de sucesso que permeia a estrutura da fala dos jurados, como podemos observar nas seguintes
frases: “Gosto do jeito que ele mexe os pés. É um pequeno James Brown!” ou “É algo novo e
fresco, faz todos pararem para assistir.” A comparação com outros artistas renomados é uma

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Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=s_4mmKcEDvE>. Acesso em 24 de agosto de 2012.
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constante no programa e a expectativa sobre o “algo” diferente e inusitado que vai despontar como
“novo” está sempre presente.
A tensão entre o “ter talento ou não ter talento” faz parte da fala dos personagens,
surgindo em algumas cenas um silêncio que funciona como censura e que expõe a pessoa ao
ridículo, explorando a falta de talento ao máximo e trazendo um ar de comicidade ao programa,
como no caso das participantes Jessica e Jennifer Diley que participam de um intrincado jogo de
duplo sentido representado pelas imagens, como por exemplo quando o apresentador Ryan Seacrest
pede para Jennifer Diley subir e descer as escadas com o biquíni e short justos e não faz nenhum
comentário, apenas olha para as câmeras com um olhar jocoso, ou quando após a apresentação de
Jennifer, todos os jurados ficam calados num silêncio revelador de desaprovação.
Os discursos dos jurados são permeados por metáforas, como no momento em que Steven
Tyler compara o desempenho de Jessica a um jogador de basquete que “quase acertou a bola na
rede” deslocando o conceito do esporte para a arte. Orlandi destaca que “o efeito metafórico, o
deslize – próprio da ordem do simbólico – é lugar da interpretação, da ideologia, da historicidade
(2009, p. 80).
A frase “Você vai para Hollywood!” manifesta uma mensagem que forma um sistema de
significantes que podem representar diversos contextos ligados ao sucesso, pois Hollywood é a
cidade cinematográfica símbolo do sucesso dos grandes astros americanos, Hollywood significa
chegar ao topo, seguir em direção à fama, fazer parte dos eleitos do mundo dos olimpianos, alcançar
o sucesso na carreira artística.
Nesse contexto, os jurados utilizam um “sistema sintático intrínsecamente passível de jogo”
(Orlandi, 2009, p.80) no qual falam a partir de um lugar representado pelo saber com o poder de
conferir ao outro o reconhecimento como artista ou não, atuando como proprietários de sabedoria e
competência para avaliar as performances dos candidatos, utilizando palavras que constroem a
imagem do artista como um lutador, vencedor, esportista, como: “Você vai ser grande”ou “Ela é
fantástica!” ou ainda “um artista de verdade”.
O artista é avaliado como um produto em exposição e a expressão desse artista é
representada como um “negócio”, vale lembrar quando Randy Jackson diz para Jessica: “seu
negócio não è esse.”
A principal proposta do programa American Idol é a eleição de um ídolo americano no
campo da música e para isso existe todo um processo de construção desse artista que se configura
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como um sistema de produção de mercadoria, transformando o artista em um produto para ser


consumido. A mídia parece conhecer bem o que quer escolher e o que quer descartar.
O programa é elaborado dentro de uma lógica que legitima o papel dos jurados oferecendo
um lugar de poder e sabedoria na preparação e edificação desse artista, que é representado na mídia
como um sujeito que deve ter um talento natural, mas seguindo os padrões de sucesso de outros
artistas que já despontaram no mercado.
As audições analisadas neste trabalho parecem repetir a receita dos antigos programas de
calouros com algumas nuances diferentes e seguem o mesmo roteiro dos diversos programas de
competição entre cantores apresentados pela mídia.

Referências bibliográficas

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ARFUCH, Leonor. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro:


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