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Sonhos e Outras Verdades

Ficção

Poncio Arrupe

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Teresa

- “Estou a ver o buraco!”, diz Teresa ufana, enquanto aponta os seus binóculos
na mesma direcção.
- “Onde?”, pergunta Miguel.
- “Ali, naquela direcção – João aponta de novo – está o centro da nossa galáxia.
É um buraco negro a vinte e sete mil anos-luz de nós, quatro milhões de vezes
maior que o Sol!”
- “Mas para ali só se vêem estrelas ...?! Muitas!”, exclama Miguel, exigindo
mais explicações.
- “São muitas estrelas e poeiras cósmicas que nos tapam a visão para o que está
atrás”
- “E o buraco negro, onde está?”
- “Mesmo que as estrelas e poeiras não impedissem a visão para o centro da Via
Láctea, não conseguiríamos ver o buraco negro ... É o que se pensa que
acontece em todas as galáxias em espiral, como a nossa. No centro têm um
buraco negro (ou até dois) que, por definição, não é visível - e está bem mais
perto do que a Galáxia da Andrómeda, e de muitas estrelas da nossa galáxia! -,
no entanto está lá, ... os seus efeitos são enormes. Esta galáxia não seria o que é
sem aquele buraco negro, naturalmente.” ...

... João olha para o relógio e chama-os ...

- “Venham ... A Lua cheia vai nascer dentro de alguns minutos!”, e encaminha-
se para o carro que havia deixado quarenta metros afastado, para que não
interferisse no equilíbrio do cenário.
- “Onde está a Lua?”, perguntam Miguel e Teresa, saindo a correr de dentro do
túnel.
- “Já vos mostro. Subam para cima da anta.”, continuando a caminhar e
esquecendo-se que Teresa não consegue fazê-lo sozinha.
- “Esperem aí!”, ordenou Rita, que aparece em esforço à saída do túnel, seguida
de Margarida, que se sacode das poeiras com as mãos.

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... Estavam já os quatro sentados no cimo, observando o sol que baixava e se tornava
laranja, esperando, quando chega João no carro, janelas completamente abertas, e a
aparelhagem no máximo tocando o primeiro andamento da sétima de Shostakovich. De
entre o que tinha ali à sua disposição, escolheu aquele trecho porque majestoso e, a
pensar especialmente em Teresa e Rita, em simultâneo dançável. Abandona o carro o
mais perto que consegue, com o som ligado, e reúne-se a eles no topo.

- “A Lua vai nascer para ali.”, e aponta para uma zona da crista da Serra lá
longe, diametralmente oposta ao Sol, que se aproxima por sua vez cada vez
mais do ocaso.

Todos se levantam e olham alternadamente para a Serra e para o Sol. Aguardam


expectantes. Teresa e Miguel estão excitadíssimos. Teresa olha João, com os seus
olhinhos escuros, sorridentes, rasgados e exóticos como os de Rita, mas maiores,
esperando qualquer sinal que lhe dê indicação sobre como participar. Rita e Margarida
curiosas e divertidas, apenas. João está completamente absorto, desejando e esperando
que os dois astros se olhem olhos nos olhos, que os timings de ambos se conjuguem na
perfeição, que troquem cores, fluxos ... Olha de novo para o relógio.
... Miguel, após alguns segundos em que perscruta na direcção do centro da galáxia,
pergunta ...

- “Mas porque é que não se conseguiria ver o buraco negro?”


- “Porque um buraco negro é um corpo celeste com uma massa de tal forma
enorme que até consegue atrair para si toda a luz visível. Quer dizer, dele não
nos chega nenhuma luz porque atrai para si todos os fotões, impedindo que
estes dele se libertem e sigam para outras paragens ... Para os nossos olhos, por
exemplo. Logo aparentemente não está lá.”
- “Então porque não mandam para lá uma sonda?”, perguntou Miguel.
- “Mesmo que isso fosse possível – não te esqueças que está uma distância
enorme! – como poderia essa sonda manter-se a funcionar com tal força de
atracção? E se se mantivesse a funcionar, de novo pela mesma razão, como
conseguiria enviar-nos informação?”
- “Então não conseguiremos nunca perceber bem o que é um buraco negro ...”

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- “Não sei .. O que tem de fascinante é que aparentemente estamos seguros de
que ali está mas, ao mesmo tempo, estamos muito longe de saber o que é
exactamente ... É ainda mais deslumbrante porque parece que ali as leis da
natureza com que estamos habituados a contar não se aplicam ... Aplicar-se-ão
certamente outras que ainda conhecemos muitíssimo mal. Por exemplo, a
noção de matéria, que nos habituámos a associar a ideias simples e
estabelecidas, ali parece não funcionar ... Acresce que a maior parte da massa
do Universo é constituída por aquela matéria negra ...”

E continuou, embrenhando-se cada vez mais no absurdo ...

- “ ... Ou seja, parece que para aquelas zonas, não se propagando a luz, o tempo
e a distância desaparecem ... Não há antes nem depois, nem aqui e ali ... É algo
que não conseguimos compreender e descrever. É indizível. ... Se é
inexplicável e, no entanto sabemos que ali está, estamos provavelmente
perante algo que afecta na essência tudo. ... Tudo, mesmo... ”
- “Se ali o tempo pára então se calhar um dia as viagens ao passado – e ao
futuro! – serão possíveis ...”, deduziu Miguel, hesitante, na dúvida,
moderadamente entusiástico.
- “Pois ... mandamo-nos para um buraco negro e aparecemos onde quisermos, ...
espalmadinhos e esticadinhos ...”, ironizou Margarida, gargalhando
desafiadora.

... Teresa e Rita, perfeitamente sincronizadas, dançam ao som de Shostakovich. Pés


paralelos e firmes na laje e pernas ligeiramente flectidas e afastadas, movimentos
laterais amplos e compassados das ancas, acompanhados com os dos braços no sentido
contrário, levantados na vertical, flectidos, mãos acima da cabeça e abertas, oscilando
paralelas. Cabeças e corpos acompanham o movimento dos braços. Viradas para a
Serra, aguardam a Lua. Teresa está cada vez mais feliz. Rita começa a vivenciar o
momento à sua maneira, solta-se, está cada vez mais bela. Margarida, Miguel e João
aguardam em pé, de braços cruzados. Miguel oscila ligeiramente o corpo ao ritmo da
música. ... Olha de novo para o relógio e diz: “É agora!”. Todos se fixam na Serra, na
mesma direcção da do olhar de João. A Lua desponta sobre a crista da montanha,
primeiro uma pequena linha luminosa quase imperceptível, depois um semicírculo que

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se vai tornando gradualmente maior e assumindo uma cor viva, laranja, cada vez mais
parecida com a do Sol. Teresa exclama “Está ali! Estou a ver!” e, continuando a dançar,
com a mão direita na direcção da Lua de palma para cima, dedos entreabertos erguidos
para o céu, começa a puxar o astro qual feiticeira toda poderosa, retesando em esforço o
braço e o rosto, aquele em movimentos amplos pendulares na vertical, como se o
sucesso daquele parto dela dependesse. João tenta imaginar qual será a sensação de se
possuir todo aquele poder ... o que estará Teresa a sentir naquele momento ... Todos, à
sua vez, exclamam “Lindo!”, “Espectáculo!”, ... A pouco e pouco Sol e Lua vão
assumindo cores quase iguais, um laranja quase vermelho refulgente, embora o Sol mais
brilhante, ainda que já não ofusque. O crepúsculo ia avançando, agora rapidamente. Os
dois astros estão praticamente frente a frente, à mesma altura. A música aproxima-se
num crescendo avassalador do seu auge e
sente uma enorme força de atracção que parece vir do interior da câmara, de debaixo
da laje onde se encontram, que o puxa gentilmente mas com vigor. - “Já venho” - João é
impelido a correr para a entrada do túnel, não se questiona, simplesmente vai ...
Curvando-se, olha para o interior e abarca toda a extensão do corredor e câmara. No
centro desta uma luminosidade esplêndida, um redemoinho em que Sol e Lua
revoluteiam em torno um do outro ... O seu corpo começa a espalmar-se e a alongar-se
para dentro do túnel, planando ... Ainda ouve Teresa: “Pai, olha que lindo!”. Vai
mergulhando suavemente naquele vórtice, deixando de se ver ... Sente-se leve,
incorpóreo, descomprometido e desobrigado ... sem passado e futuro, livre.
Aparentemente pode escolher começar do nada absoluto, sem qualquer tipo de
imposição e de condicionamento, sem identidade, ... para qualquer lado, qualquer
começo que não é recomeço, mas não sente peso nenhum, angustia alguma, perante a
escolha, ... esta não se impõe, oferece-se, sugere-se ... Atinge um estádio que poderia
designar de felicidade, de paz ... Como se nada fosse, e nada tivesse que ser. Como se
participasse do grande e universal nada, que do absolutamente nada proveio, e
absolutamente nada gera. Como se aquele instante fosse a totalidade, inteiramente
autónomo, como se para além dele não houvesse nem antes nem depois, nem aqui e ali.
Não compreende, não sente necessidade de compreender, não sabe que não
compreende, não há nada a compreender ... Volta a ouvir Teresa: “Pai, o Sol está a
começar a esconder-se. Vem!” ... Dá por si subitamente depositado no interior do
corredor, perto da saída, a Lua mais alta, mais amarela ... uns segundos para se situar de
novo, e sai, levanta-se e corre para junto deles, pergunta a Teresa, não sabe bem porquê,

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“Já se pôs?”, e Teresa responde “Não, mas já só se vê um bocadinho. Vem ver, pai!.” A
música tinha já acabado, Rita, Margarida e Miguel preparavam-se para descer. João de
pé na laje e Teresa aos seus ombros ficaram ainda a acabar de ver o ocaso por cima dos
pinheiros.
... Recorda-se, não sabe porquê agora, do enorme, desmesurado, conforto que sentiu
naquele dia, na Anta da Orca, no interior da câmara. Uma paz infinita, sem fim à vista ...
Não encontra qualquer explicação, nunca mais voltou a sentir algo semelhante, e
pareceu-lhe que foi apenas uma fracção de segundo que, precisamente, contrastou com a
sensação mais funda, imensa, e inexplicável que alguma vez sentiu, ... que surgiu do
nada e no nada se esfumou. O que se teria passado no interior daquele escroto do qual
saía um falo apontado à lua, vindo do Sol, ou daquele útero no qual desembocava um
canal vaginal? ... Algo de essencial, sem ligação a nada, indizível se passou ... Que
Orixás o visitaram?, o aqueceram? Os mesmos de sempre? E que foram invocados –
finalmente!, após uma interrupção de alguns milénios imposta pelos exclusivismos
triunfalistas... – pelas danças de Rita e Teresa, e dos movimentos em conjunção do Sol e
da Lua? Terá sido uma ... feliz coincidência? Será pela dança daquele dia que os
espíritos agora nada fazem? Se apaziguaram? Particularmente pela dança feiticeira de
Teresa? Pela sua contribuição, quiçá essencial, para que os dois astros pudessem olhar-
se nos olhos? Terá Teresa ajustado, afinado, o movimento da Lua, tornando-o mais
propício ao que se seguiu? Será aquela raposa, que os tem visitado todas as noites, que
se deixa alimentar por adultos e crianças, que dela se aproximam, que se oferece por
vezes ao toque, particularmente de Teresa ... será uma incarnação, um enviado ... ? Olha
para o seu colo e constata que Teresa nele tinha adormecido ... e as árvores tinham-se
calado... Rita, Margarida e Miguel preparam-se no interior da casa para se deitarem.
Tentou ainda em vão recordar e reproduzir a sensação funda que sentiu naquele dia. ...
“Se calhar só quando não se deseja ...”, pensou. “Já estive no nunca e lugar nenhum, no
início fim de tudo, no instante sem passado nem futuro, ... e vocês estavam lá!”,
murmurou quase inaudível. Levantou-se e olhou para Teresa nos seus braços que,
imperturbável no seu sono, esboçou um sorriso maroto, com se tivesse ouvido uma
natural verdade que conhecia muito bem, como se aquele fosse o seu segredo e de seu
pai, e que seu pai desconhecia.

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