Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
pudessem se divertir sem que tivessem que se deslocar para outros bairros.
não era permitida a entrada de pessoas brancas na pista de dança. Brancos, só no bar.
Ianni apuraram que houve uma sequência quase ininterrupta do que chamaram “clubes
Aimoré Recreativo Esporte Clube teria durado poucos meses. Entre os motivos
alegados em entrevistas aos sociólogos paulistas, o fato de que as moças consideradas
brancas não aceitavam dançar com os rapazes considerados mulatos ou negros. Isso
teria sido em 1933 e ainda era lembrado com detalhes em 1955. Dessa experiência
cor. Mantém as mesmas normas rígidas estabelecidas na década de 30, quando foi
fundado. Não aceita brancos como sócios; apenas visitantes, que são autorizados a fazer
pesquisa mais ampla, que teve por objetivo analisar as experiências cotidianas das
Florianópolis nas décadas de 1930 e 1940. Através das atas de reuniões das diretorias
marcada pelo preconceito racial, que se refletia na segregação dos espaços, verdadeiros
definiam os lugares de cada grupo. Os clubes são espaço privilegiado para essa
observação.
disso são o gradual embranquecimento dos espaços centrais das cidades e a formação de
instável, uma vez que todos os investimentos em infraestrutura eram canalizados para os
O senhor Ramiro Farias teve que desmatar e abrir a Rua Chapecó, quando se
instalou lá, na década de 1930. Seu filho Romélio lembrou que o pai tinha sido o
primeiro morador da rua e que ficou conhecido entre seus colegas de trabalho como
“negro do mato”,3 de tanto mato que havia na região onde morava – hoje, o bairro da
logo que chegou à cidade, era empregado na casa dos Wendhausen, onde capinava,
cidadãos. O trabalho, por exemplo, passou a ser um dos valores exigidos como
acentuando ainda mais a invisibilidade dos não brancos. Com poucos recursos
financeiros disponíveis, pois haviam abandonado seus locais de origem à procura de
preconceito racial. A disputa no mercado de trabalho formal era acirrada e nela, saíam
maioria delas encontrou nas atividades informais a sua única fonte de renda. O trabalho
doméstico era muito comum, porque as famílias mais ricas buscavam mulheres no
da Silva, residente em Alto Biguaçu esteve entre os migrantes que vieram do interior
Farias, esposa de Ramiro Farias, era parteira. E foi com essa atividade que passou a
compor a renda familiar, ao lado do marido. Como lembrou sua filha, ela sempre era
ou outros produtos de quem não podia pagar em dinheiro. Destaca-se ainda que muitas
costureiras, bordadeiras, atividades que acumulavam com o cuidado dos seus familiares.
Muitas se serviam dos recursos que obtinham a partir destas atividades para investir na
seus espaços de sociabilidade, sendo sempre marcados por uma pluralidade de práticas
exercício das práticas religiosas. Locais de culto católico, blocos carnavalescos, escolas
aos clubes.
A sociabilidade segregada
usada nas décadas de 1930 e 1940 para definir o tipo de passeio confinado a um lugar
contou que quando ainda era solteira, costumava frequentar o footing da Praça XV,
onde muitas vezes, segundo ela, arrancava suspiros de admiração dos moços, por sua
beleza. Ela comentou que recebia muitos galanteios: “No Carnaval eu sempre namorava
homens brancos, depois eles queriam continuar o namoro e eu dizia: acabou, foi só no
sentido: não só o namoro era fugaz e descartável como uma fantasia de carnaval, mas
também era percebido como incompatível com a realidade. O footing foi a expressão
Confeitaria do Chiquinho, esquina com Rua Trajano, ficavam os jovens da elite branca.
racialmente hierarquizada.
Chapecó tinham, a partir de 1933, dois clubes. Mas participar dos bailes de um ou outro
não era uma escolha individual. Como vimos, no salão de baile do 25 de Dezembro, só
Dezembro, lembrou no seu depoimento: “No meu tempo de 25, os brancos não podiam
entrar, se entrassem dava briga. Cada um no seu clube. E no Concórdia, a gente só podia
respondiam a práticas presentes nas relações cotidianas. Como reações ao racismo que
ao redefinir o espaço do clube como exclusivo de não brancos. Tal postura conferia a
território negro.
carnavalesco que tinha o mesmo nome, também em meados da década de 1930. Olga,
ex-rainha do Brinca e também ex-secretária, lembrou em entrevista que “a sede do clube
Assinalou que, mais tarde, “o clube se transferiu para uma sede própria, construída onde
era, à época da entrevista, o Clube dos Motoristas, na Avenida Tico-tico, atual rua
Clemente Rovere, próxima ao Instituto Estadual de Educação.”7 Ela lembra que o nome
do governador Nereu Ramos estava inscrito nas pilastras do clube, possivelmente por
ter dado apoio à construção e manutenção da associação. A sede teria sido mais tarde
hipotecada.
dois clubes, e que as experiências pessoais contribuíram para dar significados renovados
num baile no 25 de Dezembro. Foi ele que lembrou: “Eu costumava ir sempre ao 25 de
muitas moças, mas foi ela que eu mais gostei para casar”.8
principalmente nos bailes de gala. Isso refletia os laços políticos existentes entre o
governo e a diretoria: José Ribeiro dos Santos, presidente do clube, era filiado ao
numa sociedade recreativa que não era local de frequência dos membros da elite branca
Ramos e angariava favores pessoais, ao mesmo tempo em que agia em defesa daquele
comunidades imigrantes, por exemplo) foi muito comum nas décadas de 1930 e 1940.
diversidade dos sujeitos históricos que conviviam naqueles espaços e viviam naquelas
através das funções do grêmio feminino, mas nunca integravam a diretoria. Silvio de
Souza, presidente do 25 em várias gestões, comentou que “desde a sua fundação, até
negros. [Era] o único clube da cidade que tinha uma diretoria só de homens da raça”.9
direção destas entidades estava sempre sob o controle dos homens. Não só as atas das
de cada grupo sexual. Os homens negros exerciam as práticas sexistas tais quais os
de preconceito racial, nas relações sociais cotidianas, esses sujeitos não diferiam dos
problema é que antes de ser discriminado racialmente, o homem negro faz parte do
mais diversificadas funções, e não caberia identificar se tais funções obedeciam aos
papéis sexuais tradicionais, uma vez que nem sempre as atividades atribuídas
realmente exerceram. Como apontou Joana Maria Pedro, “as mulheres negras
vivenciaram em muitas ocasiões papéis que não eram associados a seu gênero, pois
o desempenho de trabalhos que entre a população branca eram exercidos por homens.”11
Olga, secretária do grêmio feminino do Brinca Quem Pode, teve sério conflito
com José Ribeiro, diretor da entidade, quando não permitiu que um tenente do exército
Uma vez não sei se era major ou tenente do exército, que tinha uma empregada mocinha
bonitinha (...) Eu era secretária do grêmio feminino do Brinca e vieram me dizer que ela
não podia entrar (...) apesar de ele dizer para todo mundo que ela era sua afilhada (...)
Mandei chamá-la lá e barrei a entrada dela (...) Ele disse: “Ela pode dançar, e ela vai
dançar”. Eu: “Duvido que ela vai dançar, só se passar por cima de mim”. E depois de
muita discussão o presidente do clube disse: “Ela vai dançar só por hoje”. Eu disse:
“Não senhor. Lei é lei. Nós somos a lei, ela não pode dançar”. Ele era casado e a moça,
empregada dele. Ela era mulata, e ele era branco.12
exerceram uma pluralidade de papéis, no entanto, isso não as levou a conquistas que
Isso fica evidenciado nas histórias das muitas mulheres eleitas rainhas e
daqueles territórios negros. Se, por um lado, o ritual da coroação era motivo de vaidade,
rainha de 25 de Dezembro foi Maria do Espírito Santo Ferreira, eleita duas vezes
consecutivas. Foi eleita com 50 votos, num total de 60 votos. Na época, não havia
coroação. Foi somente a partir da terceira rainha que as candidatas eleitas passaram a
ser coroadas. Os bailes de coroação das rainhas eram momentos de destaque, quando as
pessoas usavam trajes formais, de festa. Era comum a escolha da rainha ocorrer diante
vender votos, e quem vendesse o maior número seria a eleita. Isso envolvia toda a
família que queria que suas filhas recebessem os títulos. Exibia-se a beleza das mulheres
construções de gênero. O título não modificava estas relações na prática cotidiana, pelo
contrário, reforçava-as. Porém, tais mulheres ajudavam a promover a visibilidade do
clube na cidade e em outros lugares. Era comum, por exemplo, a rainha visitar outros
ordem, cujo principal objetivo era a constante vigilância sobre os casais durante os
bailes. Era proibido aos casais beijarem-se no salão. Também era proibido dançar
embriagado. Além disso, as moças solteiras não podiam sair acompanhadas de homens
que não fossem da sua família, mesmo que fossem seus namorados. Era comum,
velhas, dentro e fora dos clubes. Era assim quando Olga foi secretária do Brinca Quem
dentro do clube, as fiscais e todos os frequentadores estavam fazendo uso dos seus
discriminação racial não apenas em Florianópolis, mas em todo o Brasil e mesmo nos
todos estivessem decentemente vestidos. O bem vestir fazia parte das normas das
25 de Dezembro e o Brinca Quem Pode. Os cuidados com o traje nas dependências dos
normas como uma forma de resistência aos estereótipos que costumavam representar o
africana. Por outro lado, as pessoas também eram atraídas pelo impacto da moda,
porque viviam num contexto urbano em que o padrão de bem vestir era um dos critérios
que lhes conferia status e dignidade. Mesmo as pessoas com baixo poder aquisitivo
também deixam perceber o valor social de tais questões: Maria do Espírito Santo, ex-
rainha do 25, contou que sua mãe gostava de se vestir com veludo, seda e também usava
grêmio feminino) lembrou: “Não era qualquer negro que entrava no Brinca não. Os
homens tinham que dançar de sapato engraxado ou envernizado. Não podiam dançar em
marinho”.15
dentro e fora daqueles territórios. Nas décadas de 1930 e 1940, a censura governamental
principal alvo de tais políticas reguladoras que, aliadas ao preconceito racial vigente,
1949 testemunha essa preocupação: “De pé, com a palavra, o senhor presidente dá
ciência à mesa de que havia feito um apelo aos associados e frequentadores desta
sociedade sobre o comportamento na saída dos bailes, devido a intrigas e algazarras que
Considerações finais
emoções, gestos, ritmos e estabelecer uma diversidade de relações que revelam histórias
lugares de memória, nos quais foi estabelecida uma multiplicidade de relações; e nos
das normas e códigos de “moralidade”, que conferiam àqueles territórios perfis muito
singulares.
no interior daquelas entidades constituíram histórias que foram sendo tecidas a cada
evento promovido por elas. As atas das reuniões forneceram alguns fragmentos da ação
oral permitiram pensar a composição dos territórios. O clube foi, acima de tudo, um
acima de tudo, as práticas políticas que nortearam a organização desses lugares e faziam
parte das estratégias de luta pela manutenção desses territórios. Alguns deles podem ser
da antiga Rua Chapecó seja hoje conhecido como Morro do 25 é testemunho da vitória
daqueles que, no Natal de 1933, fundaram o clube, e de todos os que lutaram para a
práticas culturais, da luta contra o preconceito racial e a segregação espacial vivida entre
Fontes primárias
Acervos documentais
MARIA, Maria das Graças. Imagens Invisíveis de Áfricas Presentes: experiências das
populações negras no cotidiano da cidade de Florianópolis (1930-1940). Dissertação
(Mestrado). UFSC/Florianópolis, 1997.
OLIVEIRA, Fátima, et alii. A mulher negra na década: a busca de autonomia. Caderno
Geledés, nº 05 (1995).
PEDRO, Joana Maria. Mulheres honestas e mulheres faladas: uma questão de classe.
Florianópolis: Editora da UFSC, 1994.