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1. Introdução
O presente estudo nasce sob o crivo da polêmica teórica e política instaurada no século
XX, e que se espraia até os nossos dias com mais fôlego, acerca da centralidade do trabalho
1
Este artigo é fruto dos estudos e discussões realizados em sala de aula na disciplina “Reprodução Social e
Alienação”, ministrada pela Profª Drª. Maria Norma Alcântara Brandão de Holanda no Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social (PPGSS/UFAL).
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Graduado em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Mestrando do Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social (PPGSS) da UFAL. Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Reprodução Social.
Agência de fomento: CAPES.
no mundo dos homens e da sua relação com as classes sociais. Debates versando sobre a
categoria trabalho encontram-se instaurados na arena acadêmica e se caracterizam pela
pluralidade teórica, sendo traduzidos, hegemonicamente, por diferentes acepções que, em
última instância, tendem a assinalar a perda da precisão semântica do seu vocabulário. Nesse
universo, o tônus da polêmica tem sofrido os influxos da tradição pós-moderna. Do
predomínio desta tradição, resultam os variados estudos que apontam a negação da
centralidade do trabalho na sociedade contemporânea, atribuindo a outras categorias,
sobretudo, as intimamente ligadas à técnica3; este papel. Encurtando uma longa história, o
argumento preponderante é de que, diante das transformações na esfera produtiva o trabalho
tem se modificado invalidando a acepção marxiana (e porque não também a lukásciana) do
trabalho enquanto categoria central/fundante do mundo dos homens, da vida em sociedade.
Sem dúvida, é aí que reside o nó górdio do debate.
Contrapondo-se a esse quadro tendencial, a exposição que aqui fazemos, considerando
seu caráter ensaístico, não objetiva-se num estudo exaustivo acerca do tema. Longe dessa
pretensão, procuraremos, pois, tecer considerações, baseando-se na análise de pensadores
como Marx e Lukács, acerca do caráter fundante do trabalho no mundo dos homens.
Evidenciaremos que é no trabalho que se efetiva o salto ontológico que origina um ser, cuja
existência humana vai, crescentemente e ininterruptamente, sendo retirada dos determinantes
meramente biológicos. Quando comparado com as formas precedentes do ser, inorgânicas e
orgânicas, o trabalho apresenta-se como uma categoria qualitativamente nova. Nele, “estão
gravadas in nuce todas as determinações que [...] constituem a essência de tudo que é novo no
ser social” (LUKÁCS, 1981, p. 2).
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Lessa (2011) afirma que a centralidade do trabalho na sociedade contemporânea tem sido discutida sobre
diversos enfoques ideológicos. Pode-se afirmar que, nas últimas décadas, o capitalismo tem vivenciado um
quadro crítico de crise que, por sua vez, como consequência direta, provocou profundas mudanças no “mundo do
trabalho”. Dentre as principais alterações destacam-se o próprio conceito de trabalho e de trabalhador, as novas
formas de gestão e organização do trabalho - primeiramente apostadas na ampliação dos mercados pela produção
em massa e, em seguida, substituída pela produção flexível e pela fábrica rigorosamente enxuta - a
superexploração e o desemprego com todas as consequências nefastas para os trabalhadores. Essas mudanças
possuem um marco inicial que é a denominada “revolução da microeletrônica” que supostamente passaria a
oferecer maior qualificação aos trabalhadores. Contrariando essa previsão, a história, por vezes, tem mostrado
que tal “revolução”, provocada pelo incremento pujante das inovações tecnológicas aplicadas ao processo
produtivo, produziu, por outro lado, uma massa numericamente significante de desempregados. A marca da
proeminência da técnica nas concepções dos autores que defendem a “sociedade da informação” é explícita.
Centrados apenas nas transformações alavancadas pela técnica, os autores entendem que esta passou a ser
central. Tomam a técnica, e não mais o trabalho, como fundante da sociabilidade. Não se analisa, porque não se
percebe, que a produção é quem determina a necessidade da inovação tecnológica e não o inverso. Recaem,
portanto, no fetichismo da técnica. Sem dúvida, é também nesse universo que tem lugar a retumbante recusa,
pelas ciências sociais contemporâneas, da obra de Marx e da longa tradição por ela inaugurada.
Cumpre enfatizar, nessas linhas introdutórias, que esta não é uma leitura consensual e
hoje nem mesmo prevalecente. Por isso, a discussão realizada por esses autores que aqui nos
aproximamos - no que concerne aos fundamentos ontológicos do trabalho - é indispensável
para o debate em exposição. Entendemos, ainda que preliminarmente, que ao cancelar-se, in
limine, o caráter fundante desta categoria, tem-se liminarmente a invalidação da tese marxiana
da centralidade do trabalho, com todos os problemas daí derivados para a luta revolucionária
pela emancipação humana, e do caráter ontológico de distinção das classes sociais na
estrutura produtiva. Essa distinção fundamental tem, no trabalho, seu nódulo decisivo.
Percebe-se, assim, que se a sociedade é inexistente sem a natureza e, por esta razão,
dependente dela para se reproduzir. No entanto, o contrário não é válido, visto que, como
aponta Lessa (2011), a natureza é algo dado, exterior e anterior à sociedade, existindo
independente desta última. O que acontece é que, exercendo o controle sobre ela, os homens,
a partir do ato laborativo, a transformam conforme suas necessidades materiais e sociais. O
trabalho, nestes termos precisos, é “um processo entre o homem e a Natureza, um processo
em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a
Natureza” (MARX, 1988, p. 297).
Ao exercer esse controle, de modo a regular a troca orgânica com a natureza, os
indivíduos põem em movimento “forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços e
pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua
própria vida” (MARX, 1988, p. 297). Com isso, o autor demonstra que além de ser o
intercâmbio homem-natureza, o trabalho é uma atividade manual, „criação da mão humana‟, e
se constitui na
Neste sentido, duas determinações concretas aparecem aí: por um lado, não há história
do mundo dos homens sem a reprodução biológica, já que “o ser social possui como sua
própria base insuprimível o homem enquanto ser vivente” (LUKÁCS, 1981a, p. 10). Se isso é
verdadeiro, por outro lado, é igualmente verdadeiro que a história do ser social não se reduz à
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Vale ressaltar aqui que estamos abordando o trabalho em seus traços genéricos, em seus elementos simples, tal
como Marx, fazendo uma “abstração necessária”.
reprodução biológica. Ao nos referirmos ao ser social, algo de qualitativamente distinto existe
se comparado aos seres inorgânicos e orgânicos. Diferente da simples preservação da
existência biológica, enquanto veículo de existência do homem, a vida em sociedade vai para
além desta reprodução; haja vista que os atos de trabalho sempre remetem, necessária e
continuamente, para além de si mesmos. Remetem os homens a desenvolver cada vez mais as
suas capacidades e suas habilidades sem tornarem-se redutíveis a natureza, aos traços
meramente biológicos que o determina enquanto ente de uma mesma espécie. Ao contrário,
por intermédio do trabalho, os homens vão ascendendo ao gênero humano autêntico, a sua
condição de ser genérico, porquanto, para Lukács (1981), essa atividade possibilita o
surgimento de novas categorias e relações categoriais, qualitativamente diversas, que alteram
também muitas determinações da reprodução biológica.
Porém, de modo análogo, assinalar o reconhecimento do caráter puramente sócio-
humano do ser social não induz o autor afirmar o desaparecimento da natureza. Em sua
análise ontológica, o reconhecimento da substancialidade histórica do mundo dos homens
ocorre sempre respeitando a insuprimibilidade última da vida biológica, da base ontológico-
genética da existência humana. Antes de qualquer coisa, Lukács (1981a, p. 3) entende que o
recuo das barreiras naturais se dá cada vez mais de forma puramente social, desenvolvido em
um ambiente puramente modificado pela ação humana, ao passo em que o princípio da
diferenciação, primeiramente biológico, vai assumindo, no interior do processo social,
momentos de sociabilidade que terminam por rebaixar a fatos secundários os momentos
tipicamente biológicos. Neste sentido,
Com isso, o autor demonstra que o que passa a predominar na vida humana são as
categorias sociais - determinações criadas pelos próprios homens - que conduzem sua história.
As relações biológicas terminam, em última instância, sendo determinadas pela estrutura
social, pela reprodução da sociedade. Com o trabalho, ainda no seu ato mais primitivo, e com
O autor atenta aí para a diferença elementar existente entre as forças motrizes que
operaram no mundo natural, plasmadas de determinações químicas, físicas e biológicas
encontradas na própria natureza, e as forças motrizes que movem dialeticamente a vida social,
desembocadas no e pelo trabalho, que faz surgir uma existência histórico-concreta produzida
II Encontro Nacional e VII Fórum Estado, Capital, Trabalho
“A atual geopolítica mundial e a falácia do fim da crise”
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pelos próprios homens, que não mais exibe qualquer analogia com aquelas típicas da esfera da
vida. Com isto delineado, Lukács (1981a, p. 12) demonstra a radicalidade existente na
diferenciação entre o mundo natural e o mundo dos homens: o mundo dos homens é construto
humano, pois o único pressuposto para existirem é que os homens produzam os meios
necessários à sua existência; enquanto a natureza não o é, está dada independente da ação ou
dos atos teleológicos dos sujeitos, possuindo existência autônoma frente a estes.
Ao término de que cada ato de trabalho, as necessidades humanas, imediatamente
particulares, são atendidas ao mesmo tempo em que o trabalho já realizado cria, sempre,
novas necessidades e novos caminhos para satisfazê-las, impulsionando os homens a
patamares mais desenvolvidos de sociedade. A partir daí, os homens confrontam-se com
novas necessidades geradas cotidianamente mediante o processo de reprodução individual e
social, respondendo-as, de modo sempre mais rico, a partir de reações, teleologicamente
orientadas, ao mundo objetivo. Neste sentido, para Lukács (1981a, p. 38), “o homem é um ser
que responde”, é um ser que reage diante do que lhe é imposto. Para o autor, as reações dos
indivíduos aos seus próprios carecimentos materiais são sempre determinadas socialmente.
São respostas práticas a dilemas práticos da vida determinados, em última instância, pela
totalidade social.
Prossigamos com Lukács:
[...] o homem enquanto ser vivente já não biológico, mas membro trabalhador
de um grupo social, não mais está em relação imediata com a natureza
orgânica e inorgânica que o circunda, aliás nem consigo próprio enquanto ser
vivente biológico, ao contrário, todas estas interações inevitáveis passam pelo
médium da sociedade; e já que a sociabilidade do homem quer dizer
comportamento ativo, prático, voltado ao seu ambiente como um todo, ele
não acolhe simplesmente o mundo circundante e as suas mudanças se
adaptando a elas, mas reage ativamente, contrapõe às transformações do
mundo externo uma práxis peculiar dele, na qual a adaptação à insuprimível
realidade objetiva e as novas posições teleológicas que lhe correspondem
formam uma indissolúvel unidade (LUKÁCS, 1981a, p. 38).
natureza aparece, no final desse ato, mais ricamente constituída; não é exatamente aquela que
o inicia5. Ao fim de cada ato de trabalho, indivíduo e sociedade aparecem com qualidades
novas, transformadas e cada vez mais complexificadas. Os homens adquirem novas
habilidades, desenvolvendo suas potencialidades antes adormecidas.
Isso se evidencia no fato de que, de modo radicalmente distinto do que ocorre com os
animais, o homem, ao converter a natureza nos meios de produção e de subsistência,
transforma a materialidade natural, mas não apenas esta. No mesmo processo, e, “ao mesmo
tempo, [o homem] modifica sua própria natureza” (MARX, 1988, p.), natureza esta, vale
insistir, sempre de ser social. O homem se afirma como ser criador, como indivíduo pensante
que age conscientemente e racionalmente diante da realidade. Além de criar o objeto (social),
o homem transforma a si mesmo, objetivamente e subjetivamente, afastando-se, de modo
crescentemente mediado, da sua animalidade.
Sob esse direcionamento, Marx (1988) entende que o homem é o único ser que, ao
realizar o trabalho, é capaz de projetar idealmente, de modo antecipado em sua mente, o
resultado que se deseja obter. Nesses termos, esse momento é denominado de prévia-ideação,
entendido como a capacidade de planejar, antever previamente, na sua consciência, o que se
pretende alcançar. É, em sua essencialidade, um momento abstrato, tão real quanto o mundo
objetivo, que ao ser levado a prática exerce força material, adquirindo aspectos reais,
concretos. Durante esse processo de planejamento, a consciência desempenha papel
fundamental, uma vez que possibilita compreender os nexos da realidade a ser transformada e
desenvolver no indivíduo a capacidade de respeitar as leis naturais que regem as propriedades
do objeto a ser transformado.
A prévia-ideação é, nestes termos precisos, o momento que antecede e dirige a ação,
que se apresenta como momento inicial do ato de trabalho; sempre orientada por atos
teleológicos (conscientes). Esse é mais um aspecto esclarecedor da diferenciação entre a
atividade humana e a atividade animal de transformar a natureza, já que:
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A esse respeito, cf. COSTA, Gilmaísa Macedo. Indivíduo e sociedade: sobre a teoria de personalidade em
Georg Lukács. Maceió: EDUFAL, 2007.
categoria fundante do ser social, só existente no mundo dos homens. O fato de ser fundante,
aqui, não significa ser cronologicamente primeiro, nem que só precise existir essa categoria
para que ocorra o complexo desenvolvimento da reprodução social. É fundante, pois é por
intermédio do trabalho que se dá a passagem do ser meramente biológico ao ser social, ou
seja, a transformação do homem em ser social, bem como a transformação da sociedade. Por
isso, é inconcebível pensar a existência social sem o trabalho.
Por estas e outras razões, Lukács (1981) entende que o trabalho torna-se o modelo de
toda práxis social. Contudo, tal práxis não é redutível ao trabalho. As marcas do trabalho não
podem ser transpostas para as formas mais complexas da atividade humana. Isso por que:
[...] todas as outras categorias desta forma de ser têm já, essencialmente, um
caráter social; suas propriedades e seus modos de operar somente se
desdobram no ser social já constituído; quaisquer manifestações delas, ainda
que sejam muito primitivas, pressupõem o salto como já acontecido
(LUKÁCS, 1981, p. 2).
Assim, a reprodução social é composta por inúmeros complexos sociais parciais que
interagem entre si, pressupondo o trabalho como antecedente ao surgimento destes. Todavia,
não é possível reduzir nem o ser social nem o conjunto de complexos pertencentes à
reprodução social ao trabalho. Ao passo em que a humanidade vai evoluindo,
complexificando as relações sociais, surge a demanda histórica de existência de complexos
sociais particulares que passam a auxiliar diretamente na reprodução da sociedade. Vê-se que
na reprodução social, as relações entre os indivíduos se estabelecem, portanto, em condições
históricas determinadas. Dessa maneira, a produção social é essencialmente histórica, fruto da
forma organizacional concreta dos homens no ato de produzir.
Não há, portanto, na esfera do ser social uma substância a-histórica. O quadro de
possibilidades, desembocadas a partir da incessante troca orgânica do homem com a natureza,
é determinado tão somente pelo processo de reprodução social que vai se complexificando ao
longo das diferentes formações sociais. O trabalho é, assim, ato-gênese, categoria central do
processo de humanização do ser social; fundante de todos os complexos sociais. Contudo, a
reprodução social suscita outros tipos de ação, além da troca orgânica do homem com a
natureza, que não se resumem a esta.
Entre a reprodução da totalidade social e os complexos parciais que a compõe,
desdobram-se dois momentos no que diz respeito ao momento predominante:
3. Conclusão
Durante esse estudo, tivemos como objetivo demonstrar o caráter fundante do trabalho
no mundo dos homens. Vimos que o homem, ao trabalhar, enquanto um agir de forma
intencionalizada e consciente sobre a natureza, com a finalidade de transformá-la, se
diferencia dos animais. Ao planejarem o ato de trabalho, isto é a transformação da natureza
para atender prioritariamente as necessidades materiais de sobrevivência, os indivíduos
conseguem, por intermédio da consciência, se diferenciar dos animais que realizam
instintivamente sempre a mesma coisa, orientados mediante uma consciência epifenomênica.
Confrontando-se com as novas necessidades desembocadas no trabalho, mas que,
tendencialmente remetem-se para além dele mesmo, o desenvolvimento da sociedade impõe
aos homens novas situações e suscita novas maneiras de satisfazê-las, de modo que se afastam
da satisfação puramente biológica, por meio de um processo estruturalmente social, sem dela
romper totalmente. Por meio desse processo, a base biológica da vida é cada vez mais
sociabilizada, ao passo em que o desenvolvimento da sociedade vai moldando características
qualitativamente diferenciadas no ser social, constituindo este como uma esfera ontológica
cada vez mais distinta da natureza.
Em suma, o caminho aqui percorrido nos leva a defesa, com base os autores estudados,
de que o trabalho é, de forma genérica, em sentido ontológico, o modo pelo qual seres
humanos produzem a sua humanidade, ou seja, produzem e reproduzem a sua existência. Por
via dele, tem-se início o processo de humanização do homem enquanto um processo
histórico-social que se complexifica ao longo do desenvolvimento das diferentes formações
sociais. É por mediação desse processo que o gênero sai da sua mudez, afastando-se das
determinações filogenéticas. A sociedade passa a se constituir, portanto, a partir de uma
cadeia de mediações, enquanto “médium ineludível da mediação entre homem e natureza”
(LUKÁCS, 1981a, p. 39).
4. Referências
LUKÁCS, Georg. IL’ Lavoro, Ontologia dell’essere sociale. Vol. II, versão italiana de
Alberto Scarponi. Roma, Riuniti, 1981. Tradução de Ivo Tonet.
MARX, Karl. O Capital. Vol. I. Tomo I. Coleção Os economistas. Tradução Regis Barbosa e
Flávio R. Kothe. São Paulo: Nova Cultura, 1988.