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II Encontro Nacional e VII Fórum Estado, Capital,


Trabalho
21 a 23 de Agosto de 2013
São Cristóvão – Sergipe - Brasil

O TRABALHO COMO CATEGORIA FUNDANTE DO MUNDO DOS HOMENS:


APROXIMAÇÃO AO DEBATE A PARTIR DE UMA ABORDAGEM MARXIANO-
LUKÁSCIANA1

Fernando de Araújo Bizerra2


Universidade Federal de Alagoas – UFAL
E-mail: nando_epial@hotmail.com

RESUMO: Num movimento de contrafluxo às tendências dominantes na academia e nas


Ciências Humanas, rotuladas principalmente pelo verniz pós-moderno, que apregoam o fim
da sociedade do trabalho, este artigo traz à tona, a partir de uma aproximação aos escritos de
Marx e de Lukács, a análise do trabalho enquanto ato-gênese do ser social, correspondente ao
fenômeno originário, modelo do ser social. Centra-se na apreensão do trabalho como
categoria central e decisiva no processo de autoconstrução do gênero humano, ao passo em
que, por seu intermédio, o homem deixa de ser um ser meramente natural, biologicamente
determinado, e passa a ser também social, agindo ativamente no meio social em que vive.

Palavras-chave: Natureza; Trabalho; Mundo dos homens.

1. Introdução

O presente estudo nasce sob o crivo da polêmica teórica e política instaurada no século
XX, e que se espraia até os nossos dias com mais fôlego, acerca da centralidade do trabalho

1
Este artigo é fruto dos estudos e discussões realizados em sala de aula na disciplina “Reprodução Social e
Alienação”, ministrada pela Profª Drª. Maria Norma Alcântara Brandão de Holanda no Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social (PPGSS/UFAL).
2
Graduado em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Mestrando do Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social (PPGSS) da UFAL. Integrante do Grupo de Pesquisa sobre Reprodução Social.
Agência de fomento: CAPES.

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no mundo dos homens e da sua relação com as classes sociais. Debates versando sobre a
categoria trabalho encontram-se instaurados na arena acadêmica e se caracterizam pela
pluralidade teórica, sendo traduzidos, hegemonicamente, por diferentes acepções que, em
última instância, tendem a assinalar a perda da precisão semântica do seu vocabulário. Nesse
universo, o tônus da polêmica tem sofrido os influxos da tradição pós-moderna. Do
predomínio desta tradição, resultam os variados estudos que apontam a negação da
centralidade do trabalho na sociedade contemporânea, atribuindo a outras categorias,
sobretudo, as intimamente ligadas à técnica3; este papel. Encurtando uma longa história, o
argumento preponderante é de que, diante das transformações na esfera produtiva o trabalho
tem se modificado invalidando a acepção marxiana (e porque não também a lukásciana) do
trabalho enquanto categoria central/fundante do mundo dos homens, da vida em sociedade.
Sem dúvida, é aí que reside o nó górdio do debate.
Contrapondo-se a esse quadro tendencial, a exposição que aqui fazemos, considerando
seu caráter ensaístico, não objetiva-se num estudo exaustivo acerca do tema. Longe dessa
pretensão, procuraremos, pois, tecer considerações, baseando-se na análise de pensadores
como Marx e Lukács, acerca do caráter fundante do trabalho no mundo dos homens.
Evidenciaremos que é no trabalho que se efetiva o salto ontológico que origina um ser, cuja
existência humana vai, crescentemente e ininterruptamente, sendo retirada dos determinantes
meramente biológicos. Quando comparado com as formas precedentes do ser, inorgânicas e
orgânicas, o trabalho apresenta-se como uma categoria qualitativamente nova. Nele, “estão
gravadas in nuce todas as determinações que [...] constituem a essência de tudo que é novo no
ser social” (LUKÁCS, 1981, p. 2).

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Lessa (2011) afirma que a centralidade do trabalho na sociedade contemporânea tem sido discutida sobre
diversos enfoques ideológicos. Pode-se afirmar que, nas últimas décadas, o capitalismo tem vivenciado um
quadro crítico de crise que, por sua vez, como consequência direta, provocou profundas mudanças no “mundo do
trabalho”. Dentre as principais alterações destacam-se o próprio conceito de trabalho e de trabalhador, as novas
formas de gestão e organização do trabalho - primeiramente apostadas na ampliação dos mercados pela produção
em massa e, em seguida, substituída pela produção flexível e pela fábrica rigorosamente enxuta - a
superexploração e o desemprego com todas as consequências nefastas para os trabalhadores. Essas mudanças
possuem um marco inicial que é a denominada “revolução da microeletrônica” que supostamente passaria a
oferecer maior qualificação aos trabalhadores. Contrariando essa previsão, a história, por vezes, tem mostrado
que tal “revolução”, provocada pelo incremento pujante das inovações tecnológicas aplicadas ao processo
produtivo, produziu, por outro lado, uma massa numericamente significante de desempregados. A marca da
proeminência da técnica nas concepções dos autores que defendem a “sociedade da informação” é explícita.
Centrados apenas nas transformações alavancadas pela técnica, os autores entendem que esta passou a ser
central. Tomam a técnica, e não mais o trabalho, como fundante da sociabilidade. Não se analisa, porque não se
percebe, que a produção é quem determina a necessidade da inovação tecnológica e não o inverso. Recaem,
portanto, no fetichismo da técnica. Sem dúvida, é também nesse universo que tem lugar a retumbante recusa,
pelas ciências sociais contemporâneas, da obra de Marx e da longa tradição por ela inaugurada.

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Cumpre enfatizar, nessas linhas introdutórias, que esta não é uma leitura consensual e
hoje nem mesmo prevalecente. Por isso, a discussão realizada por esses autores que aqui nos
aproximamos - no que concerne aos fundamentos ontológicos do trabalho - é indispensável
para o debate em exposição. Entendemos, ainda que preliminarmente, que ao cancelar-se, in
limine, o caráter fundante desta categoria, tem-se liminarmente a invalidação da tese marxiana
da centralidade do trabalho, com todos os problemas daí derivados para a luta revolucionária
pela emancipação humana, e do caráter ontológico de distinção das classes sociais na
estrutura produtiva. Essa distinção fundamental tem, no trabalho, seu nódulo decisivo.

2. O trabalho como ato-gênese do mundo dos homens

Após Marx, Lukács reconhece que cabe ao trabalho o momento predominante no


desenvolvimento do mundo dos homens. Isso porque é exclusivamente nele que se produz o
novo que impulsiona a humanidade a patamares sempre elevados de sociabilidade. Por
intermédio do trabalho, tem-se a origem de um novo tipo de ser: o ser social.
Marx, em O Capital, define explicitamente em que consiste essa atividade ao afirmar
que:

Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um


processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu
metabolismo com a Natureza. [...] Ele põe em movimento as forças naturais
pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de
apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao
atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao
modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza (MARX,
1988, p. 297).

Na história humana, o trabalho se realiza sempre na mediação entre homem e natureza.


É uma atividade humana que se concretiza sobre a materialidade natural, de modo a
transformá-la. Os homens agem sobre a matéria natural, externa a eles, portanto, pertencente à
natureza, com a finalidade de produzir objetos com valor de uso, “útil para sua própria vida”.
Através do trabalho, “processo entre homem e natureza”, os homens produzem os bens
necessários para a sua sobrevivência e para o desenvolvimento da sociedade. Isto é,
transformam objetos naturais em coisas úteis.
Neste sentido, a natureza constitui-se como sendo a base indispensável do mundo dos
homens, da vida em sociedade; pois:

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[...] não há qualquer possibilidade de reprodução social sem a transformação


da natureza nos meios de produção e meios de subsistência imprescindíveis a
cada sociedade. Ou, em outras palavras, a sociedade é impossível sem a
natureza – esta última é um pressuposto necessário da primeira. A sociedade,
quer a tomemos em termos de sua origem, quer a observemos em termos de
sua existência ao longo dos tempos, supõe a natureza como algo prévio, algo
que lhe é anterior. Qualquer forma de sociedade seria inviável se ela não
dispusesse da natureza como fonte de meios de subsistência e meios de
produção. Toda sociedade tem sua existência hipotecada à existência da
natureza – o que varia historicamente é a modalidade de organização dos
homens para transformarem a natureza: variam, ao longo da história, os
objetos produzidos a partir dos elementos naturais, bem como os meios
empregados nessa transformação; mas permanece o fato de que a reprodução
da sociedade depende da existência da natureza (LESSA, 2011, p. 132).

Percebe-se, assim, que se a sociedade é inexistente sem a natureza e, por esta razão,
dependente dela para se reproduzir. No entanto, o contrário não é válido, visto que, como
aponta Lessa (2011), a natureza é algo dado, exterior e anterior à sociedade, existindo
independente desta última. O que acontece é que, exercendo o controle sobre ela, os homens,
a partir do ato laborativo, a transformam conforme suas necessidades materiais e sociais. O
trabalho, nestes termos precisos, é “um processo entre o homem e a Natureza, um processo
em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a
Natureza” (MARX, 1988, p. 297).
Ao exercer esse controle, de modo a regular a troca orgânica com a natureza, os
indivíduos põem em movimento “forças naturais pertencentes a sua corporalidade, braços e
pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua
própria vida” (MARX, 1988, p. 297). Com isso, o autor demonstra que além de ser o
intercâmbio homem-natureza, o trabalho é uma atividade manual, „criação da mão humana‟, e
se constitui na

[...] condição universal do metabolismo entre o homem e a Natureza,


condição natural eterna da vida humana e, portanto, independente de
qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas
formas sociais (MARX, 1988, p. 303).

Enquanto atividade essencial na produção do humano, o trabalho é, portanto, o


elemento mediador da relação metabólica entre ser humano e natureza, independentemente de

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qualquer forma social determinada4. É, per excellence, o fundante da sociabilidade, “condição


natural eterna da vida humana” presente em toda e qualquer sociabilidade.
Entretanto, cabe pontuar, aqui, que a dependência da sociedade ao intercâmbio com a
natureza, isto é, ao trabalho, que em parágrafos anteriores tão somente indicamos, deve ser
corretamente compreendida para não se cair em deformações que entendem o mundo dos
homens fadadamente submetido às mesmas leis e processos que regem a materialidade
natural. É necessário observar que sendo a natureza a base imprescindível da vida social, isso
não significa que predomine uma linha de continuidade entre estas, uma diferenciação apenas
em termos de graus evolutivos.
De acordo com Lessa (2011, p. 133), a história humana é, pois, o desenvolvimento de
formações sociais que em nada alteram a espécie biológica Homo sapiens. Isso se evidencia
pelo fato de que, no trabalho imperam leis sociais ontologicamente distintas das leis que
regem a natureza. Por se constituir num ato de superação da imediaticidade, o trabalho é um
processo de continuidade histórica que vai construindo a história humana, de modo que o
crescente “afastamento das barreiras naturais” possibilita aos homens, com o passar do tempo,
a se distanciarem da natureza e se constituírem autenticamente em ser social, sendo regidos
por leis históricas que são, ao fim e ao cabo, ontologicamente distintas das leis fixas da
natureza.
Todavia, esse processo é composto “sempre e somente de um recuo da barreira natural,
não de um desaparecimento da natureza” (LUKÁCS, 1981a, p. 7). Trata-se, antes de tudo, de
um crescente e contínuo afastamento das determinações eminentemente naturais, sem,
contudo, romper definitivamente com os traços biológicos da esfera da vida, pois

Como ser biológico, [o homem] é um produto do desenvolvimento natural.


Com a sua auto-realização, que também implica, obviamente, nele mesmo
um retrocesso das barreiras naturais, embora jamais um completo
desaparecimento delas, [o homem] ingressa num novo ser, autofundado: o ser
social (LUKÁCS, 1981, p. 23).

Neste sentido, duas determinações concretas aparecem aí: por um lado, não há história
do mundo dos homens sem a reprodução biológica, já que “o ser social possui como sua
própria base insuprimível o homem enquanto ser vivente” (LUKÁCS, 1981a, p. 10). Se isso é
verdadeiro, por outro lado, é igualmente verdadeiro que a história do ser social não se reduz à

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Vale ressaltar aqui que estamos abordando o trabalho em seus traços genéricos, em seus elementos simples, tal
como Marx, fazendo uma “abstração necessária”.

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reprodução biológica. Ao nos referirmos ao ser social, algo de qualitativamente distinto existe
se comparado aos seres inorgânicos e orgânicos. Diferente da simples preservação da
existência biológica, enquanto veículo de existência do homem, a vida em sociedade vai para
além desta reprodução; haja vista que os atos de trabalho sempre remetem, necessária e
continuamente, para além de si mesmos. Remetem os homens a desenvolver cada vez mais as
suas capacidades e suas habilidades sem tornarem-se redutíveis a natureza, aos traços
meramente biológicos que o determina enquanto ente de uma mesma espécie. Ao contrário,
por intermédio do trabalho, os homens vão ascendendo ao gênero humano autêntico, a sua
condição de ser genérico, porquanto, para Lukács (1981), essa atividade possibilita o
surgimento de novas categorias e relações categoriais, qualitativamente diversas, que alteram
também muitas determinações da reprodução biológica.
Porém, de modo análogo, assinalar o reconhecimento do caráter puramente sócio-
humano do ser social não induz o autor afirmar o desaparecimento da natureza. Em sua
análise ontológica, o reconhecimento da substancialidade histórica do mundo dos homens
ocorre sempre respeitando a insuprimibilidade última da vida biológica, da base ontológico-
genética da existência humana. Antes de qualquer coisa, Lukács (1981a, p. 3) entende que o
recuo das barreiras naturais se dá cada vez mais de forma puramente social, desenvolvido em
um ambiente puramente modificado pela ação humana, ao passo em que o princípio da
diferenciação, primeiramente biológico, vai assumindo, no interior do processo social,
momentos de sociabilidade que terminam por rebaixar a fatos secundários os momentos
tipicamente biológicos. Neste sentido,

Do ponto de vista biológico, um gênero humano já existe quando ele se


destacou objetivamente dos primatas e, objetivamente, se tornou um gênero
em si. Mas este gênero, considerado na sua totalidade biológica simplesmente
objetiva, se revela tão mudo quanto aquele do qual surgiu. Esta situação pode
cessar somente quando, em seguida aos resultados objetivos e subjetivos da
posição teleológica no trabalho, na divisão do trabalho, etc, as bases da
reprodução filogenética cessam de ser somente biológicas, quando vêm
recobertas, modificadas, transformadas, etc. por determinações sociais que
vão se tornando cada vez mais nítidas, cada vez mais dominantes (LUKÁCS,
1981a, p. 34).

Com isso, o autor demonstra que o que passa a predominar na vida humana são as
categorias sociais - determinações criadas pelos próprios homens - que conduzem sua história.
As relações biológicas terminam, em última instância, sendo determinadas pela estrutura
social, pela reprodução da sociedade. Com o trabalho, ainda no seu ato mais primitivo, e com

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a divisão do trabalho, é superado o mutismo originário do gênero humano, apenas de modo


objetivo, por via do ininterrupto afastamento daquele seu estágio de proximidade com as
barreiras naturais. Isso porque a superação autêntica, “pode ter lugar apenas quando o gênero
não é mais mudo também no seu ser-para-si e não simplesmente em si” (LUKÁCS, 1981a, p.
34). Ou seja, “a superação do gênero mudo pode se verificar apenas quando a consciência não
é mais um epifenômeno do ser biológico, quando participa ativamente na formação do caráter
peculiar do ser social” (LUKÁCS, 1981a, p. 54).
Assim, para desmistificar os nexos ontológicos da reprodução do ser social

[...] é necessário, de um lado, ter em conta que seu fundamento ineliminável é


o homem com a sua constituição física, com a sua reprodução biológica. E,
de outro, não perder jamais de vista que a reprodução se desenvolve num
ambiente cuja base é certamente a natureza, mas que, não obstante, é sempre
e cada vez mais modificado pelo trabalho, pela atividade dos homens, da
mesma forma que a sociedade, na qual se verifica realmente o processo
reprodutivo do homem, encontra cada vez menos já “prontas” na natureza as
condições da própria reprodução as quais, ao contrário, ela cria mediante a
práxis social dos homens (LUKÁCS, 1981a, p. 11)

É preciso reforçar este aspecto de que a processualidade social é ontologicamente


distinta dos processos eminentemente naturais. Os processos sociais são orientados pela ação
consciente dos homens, pela ação transformadora destes, ao encontrarem cada vez menos
“prontas” as condições para sua reprodução, produzindo-as, sempre de maneira nova, pelo
trabalho. A análise da situação concreta, posta pelo movimento desigual e contraditório da
realidade, as respostas dadas pelos homens as situações com as quais se defrontam na busca
pela superação dos seus carecimentos materiais, só são possíveis pela mediação da
consciência. A consciência exerce papel fundamental, e até certo ponto decisivo, no mundo
dos homens, ao passo em que domina o elemento instintivo puramente biológico. Deixa de ser
um puro epifenômeno biológico e se constitui, socialmente, num momento ativo e essencial
da vida cotidiana, isto é, da vida de todos os homens. Não se trata, portanto, de considerar a
consciência a partir de uma abordagem teórico-cognitiva, nem mesmo psicológica. O trato
dado por Lukács (1981a) refere-se, tão somente, a consciência enquanto fato ontológico,
como momento real do desenvolvimento social inédito se comparado à natureza.
O autor é esclarecedor desse aspecto ao afirmar que, somente no trabalho,

[...] a consciência ultrapassa a simples adaptação ao ambiente – o que é


comum também àquelas atividades dos animais que transformam
objetivamente a natureza de modo involuntário – e executa na natureza

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modificações que, para os animais, seriam impossíveis e até mesmo


inconcebíveis (LUKÁCS, 1981, p. 12).

Nessa forma peculiar de dar respostas conscientemente ativas, diferente do “modo


involuntário” dos animais agirem, os homens vão acumulando incessantemente novos
conhecimentos acerca da natureza e da sociedade. Conscientemente, vão construindo seu
mundo, explicitando sua saída da existência puramente animalesca. O ser social, nessa
apreensão, é dinamizado e estruturado por suas contradições históricas imanentes. Já os
processos próprios da natureza, são movidos e orientados apenas pelas determinações
naturais, adquirindo uma especificidade de processualidade muda; o que não possibilita a
elevação da consciência humana ao seu ser em-si, ao seu reconhecimento enquanto ser
condutor da sua própria história sob condições postas de forma objetiva. Isso significa, antes
de mais nada, que na natureza “existem apenas realidades e uma ininterrupta transformação
das formas concretas, um contínuo tornar-se-outro” (LUKÁCS, 1981, p. 12), que não
possibilita o surgimento de um fato estruturalmente novo, teleologicamente orientado.
Neste preciso sentido, Lukács (1981) chama atenção para o fato de que somente no
âmbito da processualidade social é que é possível os homens elevarem-se a uma consciência
do seu em-si, se reconhecendo enquanto gênero em permanente processo de construção. A
processualidade social, portanto, apresenta peculiaridades ontológicas frente à natureza. Tais
peculiaridades se manifestam, em sua totalidade mais complexa, na evidente diferença entre a
história humana e o desenvolvimento da natureza. Desse modo, não há, na ontologia
lukácsiana, qualquer relação de identidade no desenvolvimento dessas processualidades
radicalmente distintas.
Diante dessas determinações ontológicas, a reprodução social, tendo por insuperável
mediação atos teleologicamente postos, origina e desenvolve um ser-para-si ontologicamente
impossível à natureza; onde:

[...] o trabalho, a posição teleológica que o produz, a decisão alternativa que


necessariamente precede esta última, são as forças motrizes que lhe
determinam a estrutura categorial, e elas absolutamente não se assemelham
às forças motrizes da realidade natural (LUKÁCS, 1981a, p. 12).

O autor atenta aí para a diferença elementar existente entre as forças motrizes que
operaram no mundo natural, plasmadas de determinações químicas, físicas e biológicas
encontradas na própria natureza, e as forças motrizes que movem dialeticamente a vida social,
desembocadas no e pelo trabalho, que faz surgir uma existência histórico-concreta produzida
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pelos próprios homens, que não mais exibe qualquer analogia com aquelas típicas da esfera da
vida. Com isto delineado, Lukács (1981a, p. 12) demonstra a radicalidade existente na
diferenciação entre o mundo natural e o mundo dos homens: o mundo dos homens é construto
humano, pois o único pressuposto para existirem é que os homens produzam os meios
necessários à sua existência; enquanto a natureza não o é, está dada independente da ação ou
dos atos teleológicos dos sujeitos, possuindo existência autônoma frente a estes.
Ao término de que cada ato de trabalho, as necessidades humanas, imediatamente
particulares, são atendidas ao mesmo tempo em que o trabalho já realizado cria, sempre,
novas necessidades e novos caminhos para satisfazê-las, impulsionando os homens a
patamares mais desenvolvidos de sociedade. A partir daí, os homens confrontam-se com
novas necessidades geradas cotidianamente mediante o processo de reprodução individual e
social, respondendo-as, de modo sempre mais rico, a partir de reações, teleologicamente
orientadas, ao mundo objetivo. Neste sentido, para Lukács (1981a, p. 38), “o homem é um ser
que responde”, é um ser que reage diante do que lhe é imposto. Para o autor, as reações dos
indivíduos aos seus próprios carecimentos materiais são sempre determinadas socialmente.
São respostas práticas a dilemas práticos da vida determinados, em última instância, pela
totalidade social.
Prossigamos com Lukács:

[...] o homem enquanto ser vivente já não biológico, mas membro trabalhador
de um grupo social, não mais está em relação imediata com a natureza
orgânica e inorgânica que o circunda, aliás nem consigo próprio enquanto ser
vivente biológico, ao contrário, todas estas interações inevitáveis passam pelo
médium da sociedade; e já que a sociabilidade do homem quer dizer
comportamento ativo, prático, voltado ao seu ambiente como um todo, ele
não acolhe simplesmente o mundo circundante e as suas mudanças se
adaptando a elas, mas reage ativamente, contrapõe às transformações do
mundo externo uma práxis peculiar dele, na qual a adaptação à insuprimível
realidade objetiva e as novas posições teleológicas que lhe correspondem
formam uma indissolúvel unidade (LUKÁCS, 1981a, p. 38).

Agindo e reagindo ao ambiente social os homens vão superando os traços meramente


de adaptação “passivo-biológica” pelo médium da sociedade. Transformando o mundo
objetivo, por via de reações “ativo-sociais”, realizam sua ação de modo regulado socialmente.
Como efeito de uma práxis social, esse processo de dar respostas além de transformar a
natureza circundante tem outra consequência necessária e fundamental: ao terminar o ato de
trabalho, o indivíduo não é mais o mesmo que o iniciou. Esse processo de transformação do
indivíduo explicita-se na medida em que a individualidade que realizou o ato de transformar a
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natureza aparece, no final desse ato, mais ricamente constituída; não é exatamente aquela que
o inicia5. Ao fim de cada ato de trabalho, indivíduo e sociedade aparecem com qualidades
novas, transformadas e cada vez mais complexificadas. Os homens adquirem novas
habilidades, desenvolvendo suas potencialidades antes adormecidas.
Isso se evidencia no fato de que, de modo radicalmente distinto do que ocorre com os
animais, o homem, ao converter a natureza nos meios de produção e de subsistência,
transforma a materialidade natural, mas não apenas esta. No mesmo processo, e, “ao mesmo
tempo, [o homem] modifica sua própria natureza” (MARX, 1988, p.), natureza esta, vale
insistir, sempre de ser social. O homem se afirma como ser criador, como indivíduo pensante
que age conscientemente e racionalmente diante da realidade. Além de criar o objeto (social),
o homem transforma a si mesmo, objetivamente e subjetivamente, afastando-se, de modo
crescentemente mediado, da sua animalidade.
Sob esse direcionamento, Marx (1988) entende que o homem é o único ser que, ao
realizar o trabalho, é capaz de projetar idealmente, de modo antecipado em sua mente, o
resultado que se deseja obter. Nesses termos, esse momento é denominado de prévia-ideação,
entendido como a capacidade de planejar, antever previamente, na sua consciência, o que se
pretende alcançar. É, em sua essencialidade, um momento abstrato, tão real quanto o mundo
objetivo, que ao ser levado a prática exerce força material, adquirindo aspectos reais,
concretos. Durante esse processo de planejamento, a consciência desempenha papel
fundamental, uma vez que possibilita compreender os nexos da realidade a ser transformada e
desenvolver no indivíduo a capacidade de respeitar as leis naturais que regem as propriedades
do objeto a ser transformado.
A prévia-ideação é, nestes termos precisos, o momento que antecede e dirige a ação,
que se apresenta como momento inicial do ato de trabalho; sempre orientada por atos
teleológicos (conscientes). Esse é mais um aspecto esclarecedor da diferenciação entre a
atividade humana e a atividade animal de transformar a natureza, já que:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha


envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de
suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor
abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça antes de construí-lo em cera.
No fim do processo obtém-se um resultado que já no início deste existiu na
imaginação do trabalhador, e portanto idealmente (MARX, 1988, p. 298).

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A esse respeito, cf. COSTA, Gilmaísa Macedo. Indivíduo e sociedade: sobre a teoria de personalidade em
Georg Lukács. Maceió: EDUFAL, 2007.

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Já demonstramos anteriormente, com base em Lukács, que diferentemente da atividade


animal, que se encontra sob o julgo dos instintos puramente biológicos, correspondente às
necessidades imediatas, determinadas pelo seu ser biológico, os homens realizam suas
atividades tendo como médium a consciência. Para que a ideia se converta em realidade, em
objeto, ela deve passar por um processo de objetivação. Entre a prévia ideação e o objeto dela
resultante se interpõe a objetivação: um novo ente objetivo é criado por meio da
transformação teleologicamente orientada do real.
A partir do processo de objetivação tem-se a criação de um novo objeto. O ser social e
o mundo por ele criado é, em suma, resultado exclusivo das ações humanas. Entretanto, os
novos objetos construídos pelos homens, antes inexistentes, não se tornam entes menos
objetivos que a natureza. A causalidade dada pela natureza e a causalidade posta pelos atos
humanos são causalidades, são ontologicamente distintas da consciência e se explicam por
princípios diferenciados, porém ambas são objetivamente existentes. Dito de outro modo: por
intermédio do trabalho surge um gênero humano portador de uma consciência pela qual o
homem se apropria da realidade, concretamente existente, e a transforma sempre em uma
objetividade nova, anteriormente não possível. Transforma uma objetividade apenas existente
no mundo natural em uma objetividade nova existente apenas na esfera social, propriamente
particular ao mundo dos homens, não mais idêntica a objetividade natural.
A objetivação realiza, portanto, a síntese entre o momento ideal e a realidade
concretamente existente. Os homens objetivam uma modificação no objeto natural,
“pretendida desde o princípio” (MARX, 1988, p. 300), imprimindo-lhes leis sociais de modo
a torná-lo objetos socialmente úteis, próprios ao mundo dos homens. Ao operar a objetivação,
tendo uma finalidade posta que orienta o ato de objetivar o novo produto, os homens
transformam-se a si mesmo pela ação histórica de produzir os meios para satisfazer estas
necessidades derivadas da vida social e se reconhecem como ente ontologicamente distinto do
objeto introduzido na objetividade social.
Com o processo de objetivação, salienta Marx (1988),

Seu produto é um valor de uso; uma matéria natural adaptada às necessidades


humanas mediante transformação da forma. O trabalho se uniu com seu
objetivo. O trabalho está objetivado e o objeto trabalhado. O que do lado do
trabalhador parecia na forma de mobilidade aparece agora como propriedade
imóvel na forma de ser, do lado do produto. Ele fiou e o produto é um fio
(MARX, 1988, p. 300).

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Pelo trabalho, os homens, sem jamais romperem definitivamente com a determinação


natural condizente a sua existência biológica, produzem a vida material em-si, por um lado e,
por outro, produzem o gênero humano, obra esta realizada historicamente. É, portanto, no e a
partir do trabalho que os homens saltam da natureza e superam seus limites naturais,
elevando-se à sua humanização. Por isso, para Marx (2004, p. 128), “o homem não é apenas
ser natural, mas natural humano, isto é, ser existente para si mesmo (für sich selbst seindes
wesen), por isso, ser genérico, que, enquanto tal, tem de atuar e confirmar-se tanto em seu ser
enquanto em seu saber”.
Sob esse prisma, o trabalho apresenta-se como o complexo categorial ontológico do
caráter próprio da humanidade. Ele é o único complexo cuja função social é a transformação
da natureza para a criação dos bens necessários à existência humana (MARX, 1988). É, por
esse intermédio, o fundamento ontológico do ser social. Percebe-se, assim, que há uma
articulação incindível entre o trabalho e o ser social. Contudo, é válido frisar que para Lukács,
esse reconhecimento do trabalho como protoforma do ser social não deduz que todo o agir
humano seja redutível ao trabalho. Ao se deduzir isso, escamoteia-se o problema, para além
de solucioná-lo. Afinal, seria o trabalho uma categoria universal idêntica à totalidade social?
Na acepção do autor, não. Para Lukács (1981a), o trabalho se relaciona com a totalidade de
forma mediadamente.
Feitas essas considerações acerca da distinção fundamental entre a reprodução da
natureza e a reprodução da sociedade, tomando como base o trabalho enquanto elemento
ontológico de diferenciação, analisemos agora, ainda que de forma bastante breve, a relação
do trabalho com a totalidade social. Para isso, é necessário considerarmos que a partir do
trabalho constelam-se diversos complexos parciais que passam a compor a estrutura de
reprodução da sociedade. As novas necessidades criadas pelo trabalho originam outros
complexos que não pertencem ao trabalho como tal. Lukács (1981a) assegura que o próprio
trabalho é uma categoria social, já que desde seu ato mais primitivo, só pôde existir, como
partícipe de um complexo formado, concomitantemente, pelo menos por dois outros
complexos: a linguagem e a sociabilidade (leia-se: o conjunto das relações sociais). Com isso,
o autor demonstra que o trabalho é sempre parte constituinte de uma totalidade social e,
portanto, não existe isoladamente.
Atentemo-nos para o fato de que essa relação em nada elimina a distinção elementar
entre o trabalho e as demais práxis sociais que compõe o universo da totalidade social. Isso
porque, em Para a Ontologia do Ser Social, o primeiro permanece, sempre, como sendo a

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categoria fundante do ser social, só existente no mundo dos homens. O fato de ser fundante,
aqui, não significa ser cronologicamente primeiro, nem que só precise existir essa categoria
para que ocorra o complexo desenvolvimento da reprodução social. É fundante, pois é por
intermédio do trabalho que se dá a passagem do ser meramente biológico ao ser social, ou
seja, a transformação do homem em ser social, bem como a transformação da sociedade. Por
isso, é inconcebível pensar a existência social sem o trabalho.
Por estas e outras razões, Lukács (1981) entende que o trabalho torna-se o modelo de
toda práxis social. Contudo, tal práxis não é redutível ao trabalho. As marcas do trabalho não
podem ser transpostas para as formas mais complexas da atividade humana. Isso por que:

[...] todas as outras categorias desta forma de ser têm já, essencialmente, um
caráter social; suas propriedades e seus modos de operar somente se
desdobram no ser social já constituído; quaisquer manifestações delas, ainda
que sejam muito primitivas, pressupõem o salto como já acontecido
(LUKÁCS, 1981, p. 2).

Assim, a reprodução social é composta por inúmeros complexos sociais parciais que
interagem entre si, pressupondo o trabalho como antecedente ao surgimento destes. Todavia,
não é possível reduzir nem o ser social nem o conjunto de complexos pertencentes à
reprodução social ao trabalho. Ao passo em que a humanidade vai evoluindo,
complexificando as relações sociais, surge a demanda histórica de existência de complexos
sociais particulares que passam a auxiliar diretamente na reprodução da sociedade. Vê-se que
na reprodução social, as relações entre os indivíduos se estabelecem, portanto, em condições
históricas determinadas. Dessa maneira, a produção social é essencialmente histórica, fruto da
forma organizacional concreta dos homens no ato de produzir.
Não há, portanto, na esfera do ser social uma substância a-histórica. O quadro de
possibilidades, desembocadas a partir da incessante troca orgânica do homem com a natureza,
é determinado tão somente pelo processo de reprodução social que vai se complexificando ao
longo das diferentes formações sociais. O trabalho é, assim, ato-gênese, categoria central do
processo de humanização do ser social; fundante de todos os complexos sociais. Contudo, a
reprodução social suscita outros tipos de ação, além da troca orgânica do homem com a
natureza, que não se resumem a esta.
Entre a reprodução da totalidade social e os complexos parciais que a compõe,
desdobram-se dois momentos no que diz respeito ao momento predominante:

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Um momento é a relação entre a totalidade e cada complexo parcial. Nele, a


totalidade é o momento predominante no desenvolvimento de cada complexo
social parcial porque é a mediação entre a esfera da economia (que inclui o
momento fundante de toda e qualquer formação social, o trabalho) e cada um
dos complexos parciais. O segundo momento é a relação entre a totalidade
social e o complexo da economia. Neste, cabe à economia o momento
predominante porque, para sermos brevíssimos, nela reside o momento
fundante de toda socialidade: a conversão da natureza nos valores de uso
indispensáveis à reprodução social (LESSA, 2011, p. 264).

É preciso enfatizar, também, que a dependência essencial de todas as esferas em


relação à totalidade social não significa dizer que todas elas tenham seu desenvolvimento de
forma paralela. Somente um tratamento ontológico é revelador dessa relação entre a dimensão
fundante e as outras dimensões. Evitando recair nos mal-entendidos e nas deformações feitas
por uma gama de marxistas, entende-se que entre a dimensão social fundante e as demais
dimensões sociais opera uma relação dialética, correspondente ao curso do desenvolvimento
social alcançado, onde o trabalho sempre será categoria fundante do desenvolvimento social.
Neste sentido, a reprodução social tem como momento predominante o trabalho, uma
categoria que nada tem de natural. Todavia, a apreensão real da legalidade interna dos
complexos sociais deve estar centrada na relação destes com a totalidade social, haja vista
que:

[...] apenas nela as categorias revelam a sua verdadeira essência ontológica;


cada complexo parcial certamente tem [...] um tipo próprio, específico, de
objetividade, que é necessário conhecer para compreender globalmente a
sociedade; porém, se estes complexos são considerados de maneira isolada,
ou se lhes é dada uma colocação central, é fácil deformar as verdadeiras e
grandes linhas do desenvolvimento complexivo (LUKÁCS, 1981a, p. 128).

Ora, sem o trabalho, potência que inegavelmente desenvolve as capacidades


humanas, várias atividades humano-social não existiriam, principalmente aquelas que estão
intimamente vinculadas a uma práxis social mais elevada que não atuam sobre a materialidade
simples. Nesse sentido, para o filósofo húngaro, o ser social é um “complexo de complexos”
(1981a, p. 101). Isto é, um ser que surge a partir do trabalho sendo composto por inúmeros
complexos ontológicos que se relacionam de modo articulado e possuem uma relativa
autonomia que é própria da sua legalidade interna, “porém onde a totalidade exerce, sempre,
uma influência predominante no interior destas interações” (LUKÁCS, 1981a, p. 101). Tais
complexos vão se tornando vitais ao passo em que as sociedades vão se complexificando,
tornando-se cada vez mais heterogêneas.

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3. Conclusão

Durante esse estudo, tivemos como objetivo demonstrar o caráter fundante do trabalho
no mundo dos homens. Vimos que o homem, ao trabalhar, enquanto um agir de forma
intencionalizada e consciente sobre a natureza, com a finalidade de transformá-la, se
diferencia dos animais. Ao planejarem o ato de trabalho, isto é a transformação da natureza
para atender prioritariamente as necessidades materiais de sobrevivência, os indivíduos
conseguem, por intermédio da consciência, se diferenciar dos animais que realizam
instintivamente sempre a mesma coisa, orientados mediante uma consciência epifenomênica.
Confrontando-se com as novas necessidades desembocadas no trabalho, mas que,
tendencialmente remetem-se para além dele mesmo, o desenvolvimento da sociedade impõe
aos homens novas situações e suscita novas maneiras de satisfazê-las, de modo que se afastam
da satisfação puramente biológica, por meio de um processo estruturalmente social, sem dela
romper totalmente. Por meio desse processo, a base biológica da vida é cada vez mais
sociabilizada, ao passo em que o desenvolvimento da sociedade vai moldando características
qualitativamente diferenciadas no ser social, constituindo este como uma esfera ontológica
cada vez mais distinta da natureza.
Em suma, o caminho aqui percorrido nos leva a defesa, com base os autores estudados,
de que o trabalho é, de forma genérica, em sentido ontológico, o modo pelo qual seres
humanos produzem a sua humanidade, ou seja, produzem e reproduzem a sua existência. Por
via dele, tem-se início o processo de humanização do homem enquanto um processo
histórico-social que se complexifica ao longo do desenvolvimento das diferentes formações
sociais. É por mediação desse processo que o gênero sai da sua mudez, afastando-se das
determinações filogenéticas. A sociedade passa a se constituir, portanto, a partir de uma
cadeia de mediações, enquanto “médium ineludível da mediação entre homem e natureza”
(LUKÁCS, 1981a, p. 39).

4. Referências

LESSA, Sérgio. Trabalho e proletariado no capitalismo contemporâneo. 2ª Ed. São Paulo:


Cortez Editora, 2011.

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LUKÁCS, Georg. IL’ Lavoro, Ontologia dell’essere sociale. Vol. II, versão italiana de
Alberto Scarponi. Roma, Riuniti, 1981. Tradução de Ivo Tonet.

______________. L’ Riproduzione, Ontologia dell’essere sociale. Vol. II, versão italiana de


Alberto Scarponi. Roma, Riuniti, 1981a. Tradução de Sérgio Lessa.

MARX, Karl. O Capital. Vol. I. Tomo I. Coleção Os economistas. Tradução Regis Barbosa e
Flávio R. Kothe. São Paulo: Nova Cultura, 1988.

__________. Manuscritos econômico-filosóficos. Tr. Jesus Ranieri, São Paulo: Boitempo,


2004.

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