Com o governo Temer decretando a segunda intervenção federal em um período
de menos de um ano, agora em Rondônia, vimos exatamente a escalada do estado de exceção de que nos fala o texto. Essa atitude está progressivamente e cada vez mais rápido, assumindo a posição de paradigma de governo, enquanto que a ruína quase completa de nossas estruturas partidárias tradicionais pressiona cada vez mais o Judiciário. Além disso, os três poderes parecem incapazes de resolver a situação e instalar o Estado de Direito. Ao contrário, evidencia-se a intenção de aprofundar esse paradigma, ao mesmo tempo que se instala toda uma negação dos valores democráticos no povo, que é apenas evocado como ícone nos atos políticos. Nesse contexto, proponho a seguinte questão: pode o direito privado resistir a esse paradigma? Enquanto que na Rocinha, no Alemão, ou em tantas outras comunidades, milhares de pessoas tiveram seus direitos restringidos por questão do decreto pós-carnaval de intervenção federal no estado do Rio de Janeiro na área de segurança pública, os moradores da Barra da Tijuca imaginavam que teriam sua sensação de segurança aumentada, o que não parece ter se configurado. Não obstante a isso, a política que deveria ter sido excepcionalíssima já foi repetida antes mesmo do fim da primeira intervenção. Mesmo assim, os contratos e garantias comerciais que sustentam a riqueza da Zona Sul carioca em quase nada se alteraram com essa mudança. Mas, isso não parece ser uma perspectiva de longo prazo. Afinal, o direito tanto altera a sociedade quanto é produto dela, o que consequentemente o torna um tanto quanto vítima de si mesmo em muitos casos, como foi, por exemplo, com o positivismo e mesmo depois, assim também com suas superações, ou tentativas de que hoje também são criticadas. Mas é inevitável que as distorções na forma como o direito é aplicado através dessa desigualdade geográfica e financeiramente distribuída gerem também ainda mais problemas, numa espécie de efeito “bola de neve”. É o paradigma lentamente se instalando. Conquanto nunca tenhamos tido um elevado grau de garantia de direitos nesse país, em comparação com os mais desenvolvidos em mesma época, é notável uma mudança de paradigma enquanto se estrutura o neoliberalismo, no poder de fato e ideologicamente também, na mente das massas, pela propaganda desse modo de pensar que é feita em especial nas redes sociais virtuais. Assim, se é crescente a aplicação da exceção, parece-me lógico que ela logo chegará a afetar não só a economia, mas as próprias regulações do direito privado, pois não são estanques as áreas do direito, tampouco há comportas eficientes para a contenção da avalanche de desmonte do Estado que parece se configurar. A esperança é de que a frágil Constituição do nosso país de fato resista à briga de elites nefastas por sua dominação e consiga inverter o pêndulo histórico, para que se voltem a erguer e não destruir as garantias do Estado de Direito, antes de seu completo colapso, o que significaria claro, a ruína da ordem social e econômica e um estado de caos e violência, nocivo mesmo às elites, que hoje em sua desleal disputa jogam nosso país nesse caos.