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Introdução
O livro de Atos ultrapassa, em extensão, quase todos os livros do cânon neo-
testamentário, ligando inseparavelmente os Evangelhos e as Epístolas. Esse livro
histórico é tanto a continuação do relato dos Evangelhos quanto o estabelecimento da
base para a literatura epistolar.
Além de historicidade, Lucas (o autor de Atos) tem intenções claramente
teológicas em seus relatos. Os temas teológicos mais significativos no livro de Atos são
sobre o reino de Deus, a relação da igreja com esse reino, a atuação preponderante do
Espírito Santo e a mudança na operação de Deus, inserindo os gentios na igreja.
Dentro do último tema listado, é interessante notar que, apesar de Lucas não
mencionar a intervenção de Deus na história do início da igreja no primeiro século (salvo
as passagens da direção explicita do Espirito Santo), fica claro nas palavras do historiador
que o próprio Deus, soberanamente, conduziu os acontecimentos de forma que Seus
propósitos foram cumpridos. Uma evidência desse atributo de Deus, Sua soberania, pode
ser visto na vida de Paulo.
Diante da importância do livro de Atos, combinada à significância do tema
teológico da mudança de operação divina com relação aos gentios, bem como do grande
volume de relatos sobre o apóstolo Paulo, esse trabalho propõe analisar as evidências
implícitas da soberania de Deus, através do instrumento pessoal de Jesus (Paulo), na
salvação dos gentios.
A conversão de Paulo
Paulo, como descrito por ele mesmo em sua carta enviada aos filipenses, era um
líder religioso (fariseu), da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, que perseguia a
igreja e era irrepreensível com relação a justiça que havia na lei. Essas informações são
confirmadas pelo próprio apóstolo em Atos 22, no qual há o acréscimo de uma relevante
característica sobre ele: havia sido instruído aos pés de Gamaliel (mestre da lei, líder de
uma das escolas de fariseus de pensamento um tanto liberal, além disso, era um dos
membros letrados do Sinédrio).
A primeira aparição de Paulo (ainda Saulo) nas Escrituras está no livro de Atos,
capítulo 7 e versículo 58, em que algumas pessoas que testemunharam o apedrejamento
de Estevão deixaram as vestes do mártir aos pés de Paulo. É necessário lembrar que o
livro de Atos é uma narrativa, e que por isso, uma de suas características é introduzir uma
personagem discretamente, e somente posteriormente detalha-la. Com Paulo não foi
diferente. Antes de Lucas descrever em detalhes a conversão do fariseu perseguidor dos
cristãos, ele sutilmente narrou, durante o apedrejamento de Estevão, a presença de Paulo.
MacArthur (2010) acredita que a aproximação dele no ato reflete seu profundo
envolvimento no que aconteceu. Além do mais, ele consentiu na morte de Estevão (8:1),
ou seja, Paulo tinha uma ira assassina contra os cristãos que pode ser comprovada nos
versículos 8:3 e 9:1, neste diz que “Saulo, respirando ainda ameaças e morte contra os
discípulos do Senhor...”. Ainda sobre o último versículo, é importante notar que a
oposição de Paulo aos cristãos se fazia presente momentos antes de seu encontro com
Jesus Cristo. Inclusive, sua ida à Damasco era justamente com o propósito de levar presos
para Jerusalém aqueles que “eram do Caminho”. E foi nesse momento que houve o
encontro súbito de Paulo com o Cristo ressurreto.
É sabido que nada do que Lucas registrou foram simples fatos históricos. Além
disso, nada do que foi registrado foi ao acaso, pelo contrário, mesmo nas narrativas, e nos
seus mínimos detalhes, é possível enxergar a revelação de Deus.
Deus é soberano, e Sua soberania foi evidenciada no modo como Paulo foi salvo,
dentro da história. Como foi mencionado anteriormente, Paulo era um homem zeloso e
muito conhecedor da lei, e essa posição foi proporcionada a ele por ser aluno do mais
notável rabino da época, Gamaliel, o qual surge no capítulo 5 do livro, em uma das muitas
convocações do Sinédrio, para resolver a situação dos apóstolos, os quais pregavam a
Palavra e faziam milagres, e por isso estavam sendo perseguidos pelos líderes religiosos
judeus.
A influência de Gamaliel como professor não foi por acaso, pois isso possibilitou
a possível presença de Paulo na convocação de um outro Sinédrio, no capítulo 6. Foi
nessa ocasião que Paulo teve a oportunidade de ouvir, resumidamente, o Antigo
Testamento através de Estevão, o qual em sua defesa descreveu a promessa de Deus sobre
Jesus, a começar por Abraão. Apesar disso, Paulo, ainda com o coração endurecido, não
só possivelmente participou da morte de Estevão, mas continuou a perseguir os cristãos.
E mesmo em situações que o mal parece “está vencendo”, Deus cumpre os Seus
propósitos. Foi em meio ao cenário de perseguição, que Cristo se encontrou com Paulo,
o qual, a partir disso, foi batizado, e logo passou a pregar sobre Jesus nas sinagogas,
confundindo alguns que antes o viram perseguindo a igreja, e agora demonstrava que
Jesus era o Cristo. Depois de alguns dias, uma perseguição voltou-se contra Paulo, e
Barnabé teve um papel essencial na inclusão de Paulo no meio dos primeiros cristãos.
Sérgio Paulo
O procônsul (oficial romano) Sérgio Paulo foi o primeiro fruto do ministério
formal do apóstolo Paulo, durante a primeira viagem missionária. É visto nos versículos
2 e 4, do capítulo 13, que foi o próprio Deus, através do Espirito Santo, que direcionou
Paulo e sua equipe para ilha de Pafos. Nessa ilha, eles encontraram Sergio Paulo, ao qual
puderam falar da Palavra de Deus, enquanto que um mágico, Elimas (Barjesus), queria
afastar o procônsul da fé, pois Lucas afirmou que este era um falso profeta. O fato de ter
Deus permitido essa oposição do magico, possibilitou Paulo, através do Espirito Santo
(13:9), lançar uma maldição por causa dos falsos ensinos que Elimas compartilhava com
Sérgio. Tal maldição, imediatamente deixou aquele homem cego como havia sido
proferido pelas palavras de Paulo. E, segundo o autor, foi depois de ter ouvido
diligentemente a palavra dos apóstolos e visto aquele acontecimento que o procônsul creu.
Lídia
Durante a Segunda Viagem Missionária, pode ser visto outro fruto do ministério
de Paulo, a conversão de Lídia. O propósito da segunda viagem missionaria era visitar as
igrejas que haviam sido fundadas (15:36). Houve uma desavença entre Paulo e Barnabé,
os quais não seguiram viagem juntos, e Paulo se uniu a uma nova equipe. Saindo de
viagem, seguindo o itinerário da Primeira Viagem Missionária, foram impedidos pelo
Espirito Santo (16:6,7) de pregar a palavra na região frígio-gálata, sendo conduzidos para
Trôade. Nessa cidade, Paulo teve uma visão, a qual direcionou eles para Macedônia. E
foi por meio dessa visão, que Lucas (agora parte da equipe) concluiu que tudo aquilo
havia sido um chamado do próprio Deus para eles anunciarem o evangelho (16:10). E foi
na região da Macedônica, especificamente na cidade de Filipos, que eles encontraram
Lidia (natural de Tiatira).
Lidia era uma comerciante de produtos de luxo, os quais eram adquiridos da
cidade de Tiatira, famosa cidade por industrias de lã e tinturas. Seu comércio parecia ser
bem sucedido em Filipos, então colônia romana, por isso, possivelmente sua estadia nessa
cidade. Por seu tipo de trabalho, Lidia parecia ser uma rica comerciante, que inclusive
possuía uma casa em Filipos (16:15), onde possivelmente foi iniciada uma nova igreja
(13:40). (MacArthur, 2010)
Carcereiro
Ainda na Segunda Viagem Missionária, Paulo e Silas permaneceram em Filipos
por alguns dias. Em determinado dia, diante de uma cura de uma endemoninhada
realizada por Paulo, pelo nome de Jesus, a jovem foi liberta de um espirito adivinhador.
Mas aquele espírito trazia muitos lucros para alguns romanos, e por isso eles entregaram
Paulo e Silas para serem açoitados e presos, enquanto um carcereiro foi designado para
os guardar.
Naquela mesma noite, de madrugada, Deus libertou Paulo e Silas da prisão, e por
causa do terremoto e pelo modo como as portas da prisão foram abertas, o carcereiro não
viu mais nenhuma esperança para ele e decidiu suicidar-se. Sendo interrompido por Paulo
e Silas, lhe anunciaram o evangelho, e ele creu.
Aplicação Teológica
Um estudo teológico meramente interpretativo, não é teologia. A hermenêutica
deve está diretamente ligada a prática. Por isso, faz-se necessário aplicar os textos
analisados, considerando a intenção do autor aos primeiros leitores, e de que forma pode
ser aplicado para a igreja hoje. (Zuck, 1994)
Segundo Doriani (2007), a aplicação bíblica tem como objetivo conhecer a Deus
e se conformar a Ele. Tal objetivo pode ser desenvolvido por uma série de temas
teológicos relevantes. Nesse estudo, o tema escolhido foi a soberania de Deus,
especificamente na capacitação de Paulo para seu ministério entre os gentios, evidenciada
através de alguns frutos desse ministério.
As verdades centrais que podem ser extraídas são: Deus usa, soberanamente, as
circunstâncias, quer sejam elas boas ou, aparentemente, más. Além disso, Ele usa
igualmente o seu povo, com o fim de realizar os seus propósitos dentro da história. Diante
de tamanha soberania, resta aos cristãos confiar, depender e obedecer a esse Deus, que
rege toda história como Lhe apraz, e que sempre coopera para o bem daqueles que O
amam.
Conclusão
O estudo foi baseado no tema teológico da mudança de operação divina na
salvação dos gentios, a soberania de Deus, dentro do livro de Atos, especificamente na
vida do apostolo Paulo.
Primeiramente, a soberania de Deus foi evidenciada na escolha e preparo de Paulo
para o ministério que o próprio Jesus o havia chamando. Dentro dessa seção foram
expostos alguns acontecimentos que marcaram a intervenção divina: a conversão de
Paulo, a influência de Barnabé, o chamado especifico do apostolo, bem como seu
testemunho no importante Concilio em Jerusalém. Em seguida, a soberania de Deus foi
vista nos frutos do ministério, especificamente na conversão de Sergio Paulo, Lídia e o
carcereiro em Filipos.
Diante disso, pode-se concluir que a proposta do trabalho foi atingida
satisfatoriamente, e que as aplicações encontradas, para completar o estudo teológico
desse tema, podem ser resumidas na certeza que Deus usa, soberanamente, tanto
circunstâncias quanto o Seu povo para cumprir seus propósitos, enquanto os cristãos
dependem, confiam e obedecem a Ele.
Referências