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O
Conselho Indigenisto / Amigos
Missionário — — k ((K ( da Terra the Earth
Organismo «nadado á tonfersnda Nááohal dosBispos db Brasil - CNBB
BRaSiL
W orld R ainforest M ovement
International
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO
Órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Regional Amazônia Ocidental

TRINTA ANOS
POS-AS3ASS1NATO DE

CHICO MENDES
E DESTRUIÇÃO OCULTA DE
FLORESTAS E VIDAS NO ACRE

ORGANIZAÇÃO EDITORIAL: Rosenilda Nunes Padilha, Michel E Schmidlehner,


Bárbara Silva Figueiredo e Israel Souza
ARTE DE CAPA: Antônio Fellipi Morais Ferreira
RE VISÃO: Bárbara Silva Figueiredo
PROJETO GRÁFICO: Jerson Oliveira da Silva

Apoio:

ixfd-tôfresolidaíre
Rio Branco, dezembro de 2018.

SUMÁRIO

& Balanço dos 30 anos sem Chico Mendes (Dercy Teles de Carvalho) 7

4<>Trinta anos pós-assassinafo de Chico Mendes e os desafios do sindicalismo 10


rural no Acre (Elder Andrade de Paula)
Chico Mendes vive na luta anticapítalista e antifascista! (que é uma luta só) 16
(Michael F. Schmidlehner)
Ascensão e queda - o "desenvolvimento sustentável" e a força política da 29
Frente Popular do Acre (Israel Souza)
A "sebraelização do indigenismo" na Amazônia Ocidental como estratégia 42
para a mercantilização e a financeirização (Lindomar Dias Padilha)
Usos e abusos da imagem de Chico Mendes na legitimação da "economia 49
verde" (Maria de Jesus Morais)
APRESENTAÇAO

Somos um exército de sonhadores,


por isso somos invencíveis.

(Subcomandante Marcos, 1996)

Esta publicação tem como objetivo principal Acre que os mercadores da natureza

prestar uma homenagem ao legado de lutas escondem.

que notabilizou a vida de Chico Mendes, três

décadas após o seu assassinato. A carga de Publicado pelo Cimi como documento especial

chumbo disparada no peito de Chico Mendes para a Cúpula dos Povos realizada no Rio de

pelo fazendeiro Darli Alves e seu filho Darci, Janeiro em 2012, o referido dossiê apresentou

naquela fatídica noite de 22 de dezembro de o núcleo das críticas formuladas no Acre pelas

1988, calou a voz vibrante do líder sindical vozes dissonantes do consenso em torno do

revolucionário e sonhador que ecoava para o capitalismo vercfe.

mundo, desde as profundezas da floresta

amazônica. Termina aí uma parte desta Em linhas gerais, o dossiê analisou "as

História e tem início uma outra, que condições históricas que possibilitaram a

poderiamos denominar como "segundo consolidação da experiência acreana no

assassinato de Chico Mendes". contexto da geopolítica ambiental da ONU, do

Banco Mundial e de ONGs gigantes; de como e

Denominamos como "segundo assassinato de com que interesses forjaram a imagem de um

Chico Mendes" o processo em curso marcado Chico Mendes supostamente 'patrono da

pelas tentativas de apagamento da memória economia verde'; e de como a 'tutela dos povos

do revolucionário, e sua ressignificação como da floresta' viabiliza a implementação dos

um pragmático defensor do capitalismo verde. ambiciosos planos de manejo madeireiro e

Isto se traduz no modo como as grandes facilita o comércio de carbono e de 'serviços

corporações internacionais, bancos, ONGs ambientais', gerando lucros para empresas e

conservacionistas transnacionais e suas ONGs" (CIMI, 2012).

associadas locais, governos e aparato midiático

se apropriaram da imagem de Chico Mendes Esta publicação está inserida, portanto, em um

para legitimar nova fase de espoliação na amplo processo de lutas contra hegemônicas

Amazônia, tal como mostrado no Dossiê: o travadas desde a Amazônia até outras regiões
APRESENTAÇAO

que trata exatamente deste "segundo radical da sociedade. O vigor do seu legado,

assassinato" de Chico Mendes. afortunadamente, permanece vivo, hoje, na

Enfim, homenageamos com esta publicação o luta contra o capitalismo verde "y de todos los

líder sindical' revolucionário Chico Mendes, colores", 'como dizem os insurgentes no

que ousou lutar e sonhar com a transformação México. Boa leitura!

__ iA c u / ;.
G
~ U X U a. O t - f o , ,

Á4.ãj> u t& JL A. - J / (M e u s ?
% psCp-í&i Wl

"Atenção jovem do futuro -6 de setembro do ano de 2120, aniversário do primeiro centenário da revolução socialista
mundial, que unificou todos os povos do planeta num só ideal e num só pensamento de unidade socialista, e que pôs
fim a todos os inimigos da nova sociedade. Aquificam somente a lembrança de um triste passado de dor, sofrimento e
morte. Desculpem. Eu estava sonhando quando escreví estes acontecimentos que eu mesmo não verei. Mas tenho o
prazer de ter sonhado" (Chico Mendes)
BALANÇO DE 30 ANOS SEM CHICO MENDES
Dercy Teles de Carvalho

Reproduzimos' a seguir, entrevista com sindicato no período de 2006'17 foi marcada


Dercy Teles de Carvalho. Ela foi realizada por por um combate permanente contra as
Nazira Camely (acreana de Cruzeiro do Sul, ex- mazelas produzidas pelo capitalismo verde no
professora da Ufac e atual professora de Acre e por uma defesa intransigente da
Economia da UFF) em maio de 2018, em liberdade e autonomia sindical.
Xapuri. Essa entrevista foi cedida por Nazira a O balanço que Dercy faz a seguir, dos 30
Elder Andrade de Paula, professor da Ufac, anos sem Chico Mendes* mostra com
para utilização em pesquisa e publicações. A formidável lucidez e vigor que o legado de
transcrição e organização deste texto foi Chico Mendes permanece vivo. Com a palavra,
realizada por Elder Andrade de Paula. Dercy:
Dercy Teles de Carvalho nasceu no "Passados 30 anos do assassinato de

município de Xapuri, mora e vive na Chico Mendes, o que houve foi um retrocesso

"colocação"1 pimenteira, seringal Boa Vista. naquilo que se defendia para a ciasse

Foi formada pelas Comunidades Eclesiais de trabalhadora rural, especialmente para os

Base (CEBs) e ainda muito jovem foi eleita, em extrativistas. Na verdade, tudo que a gente

1981, presidente do Sindicato dos sonhou e defendeu um dia, retrocedeu e hoje

Trabalhadores Rurais de Xapuri. Antecedeu existe apenas uma política de enganação

Chico Mendes, que foi eleito no final de 1982. utilizando o nome de Chico Mendes. Inclusive,

Foi a primeira mulher a exercer esse cargo no dizendo que o sonho dele está sendo realizado,

Acre e uma das primeiras no Brasil. Participou que era o homem sobreviver da floresta em pé.

como educadora popular do Projeto Eu nunca vi floresta deitada, não; toda floresta

Seringueiro nos anos 1980 e retornou à direção é em pé, acho uma aberração esse tipo de

do Sindicato como presidente no período de afirmação.

2006-2014, e como vice-presidente entre O que Chico Mendes defendia foi por

2014-17. água abaixo porque ele defendia a vida na

Atualmente, faz parte da direção da floresta com dignidade, mas com a

Federação dos Trabalhadores da Agricultura preservação da floresta. Não adianta insistir

no Acre (Fetacre). Sua gestão na direção do que nós, extrativistas, moradores das florestas

Denominação dada ao lugar de vida e trabalho dos seringueiros e sua família. Constituída geralmente pela casa de moradia e uma área
destinada à pequena agricultura e criação de animais, circundada pelas estradas de seringa. O tamanho médio dessas colocações gira em torno
de 300 ha.

7
BALANÇO DE 30 ANOS
SEM CHICO MENDES

da Amazônia, vamos se adequar com plantio porque a primeira coisa que eles fizeram foi

de cacau, de seringueira, com plantio de intervir nas organizações da sociedade civil

qualquer espécie porque não faz parte da para enfraquecer o movimento e aí poder fazer
nossa cultura. A nossa cultura é extrativista: é essas distorções, porque o primeiro plano de
explorar o que a natureza já tem pronto e fazer utilização das Resex foi construído em
agricultura de subsistência. Foi assim que a assembléias, com participação dos próprios
gente nasceu, cresceu e vive até agora.
moradores.
E tudo o que a gente defendia, com a
Através das mudanças no SNUC2, as leis
eleição, com a chegada do PT aos governos
que regem as Unidades de Conservação, eles
estadual, federal e municipal, foi distorcido.
foram retirando a autonomia dos moradores
Eles distorceram a política que nós
corn a criação de um conselho gestor da Resex
defendíamos porque passaram a defender os
que não tem autonomia, não tem paridade.
interesses do grande capital, que é quem
Eles foram desconstruindo o plano de
financia os candidatos que se elegem.
utilização através de normativas elaboradas
Tem mais um detalhe: nesses 30 anos,
em Brasília, de acordo com os interesses do
tudo que se construiu de organização na
grande capital, e trazendo apenas para o
sociedade civil foi desfeito porque houve
conselho homologar, com a lista de presença
interferência do Estado na oferta de benesses
dos conselheiros, e aí poderem dizer que os
para as principais lideranças que conduziam o
representantes dos trabalhadores estavam de
movimento. E deu no que deu porque a

desmobilização da sociedade civil era essencial acordo com essas normativas.

para implantar o que aí está. Com a sociedade E criaram todas essas mudanças que

mobilizada, seria difícil chegar no patamar que prejudicaram a vida dessa população,

se chegou. inclusive, no sentido de desterritorializá-la

Na verdade, o que aconteceu foi um porque ela não tem poder sobre seu território,

grande retrocesso a partir da eleição dos começando pela exploração madeireira:

membros do PT porque eles desconstruíram porque se libero minha "colocação" para fazer

todo um processo de organização que foi exploração madeireira, a área inventariada

construído ao longo dos 20 anos de ditadura. deixa de me pertencer, e eu não tenho mais
Eles destruíram em 20 anos de gestão do PT autonomia de tirar uma árvore, de fazer nada,
2
Sistema Nacional de Unidades de Conservação. de fazer um roçado.

8
BALANÇO DE 30 ANOS
SEM CHICO MENDES

Isso também faz parte do REDD+. É um A extração madeireira via Plano de

conjunto de medidas que vai tirando a Manejo Florestal Sustentável - PMFS é, na

autonomia até o extrativista desistir e dali verdade, mais uma atividade predatória que

abandonar sua moradia espontaneamente e não traz benefício, e sim, sacrifício para o

virar delinquente nas periferias. Eu chamo de morador da floresta. É uma das atividades que

uma expulsão moderna, que não usa mais o considero das mais predatórias. Ela, além de

pistoleiro, a força policial, mas tem a estratégia levar as árvores de madeira de lei, também

de expulsar tão sutil que as pessoas saem de afugenta as caças e tira as árvores que
livre e espontânea vontade, e quem vê eles produzem alimentos para essas caças. A
saindo não percebem que estão saindo de tendência, se essa atividade continuar, é a
espontânea vontade. desertificáção da floresta. Ou seja, o
Apesar de ter havido investimentos desaparecimento do ser humano porque não
r omo construção de ramais3, política de vai ter razão para permanecer. É uma atividade
habitação ter entrado na Resex, com que mexe no meio ambiente como um todo.
construção de banheiros e tudo mais, isso não Tem várias famílias que se
garante a permanência porque não existe decepcionaram e saíram do manejo, porém
nenhuma alternativa de geração de renda para eles assinaram contrato que os obrigaram a
que essas pessoas possam permanecer lá, ceder a área inventariada para a empresa que
vivendo dignamente. inventariou, porque ela teve um custo. Por
Essas modificações foram feitas na isso, a exploração nessa área vai continuar,
legislação em nome da preservação ambiental
independente da decisão do morador em sair.
que chamam de "desenvolvimento
A gente nunca viu esse contrato porque eles
sustentável" - que de sustentabilidade não tem
não deixam cópia com o morador.
nada, porque o principal a ser sustentável é o
Essa história do manejo comunitário
ser humano, e quem garante a
dos produtos florestais é uma balela porque
sustentabilidade são as pessoas. Se essas
não tem nada de comunitário. A única
pessoas não têm sustentabilidade, não têm
participação da comunidade é autorizar que se
renda para garantir e atender o consumismo
tire a madeira, mas eles sequer acompanham.
que foi demandado com essa infraestrutura
O corte é empresarial; é forte razão para que
que foi colocada no setor rural, não tem como
tirem madeira de várias espessuras, brancas e
elas permanecerem lá.
duras.
3Denominação dada regionalmente às estradas vicinais.

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TRINTA ANOS PÓS-ASSASSINATO DE CHICO MENDES
E OS DESAFIOS DO SINDICALISMO RURAL NO ACRE
Elder Andrade de Paula1

Este artigo foi extraído da parte ordem são "preteridas pelo espetáculo

introdutória de um Relatório de Pesquisa*2 m arcante nos eventos alusivos aos 30 anos do

concluído no final de outubro de 2018. Fizemos assassinato de Chico M endes, em dezembro de

algumas adaptações no sentido de adequá-lo 2018.

ao escopo desta publicação. Nosso objetivo Assim como ocorreu nos eventos

principal foi mostrar que hoje, assim como no anteriores, as "com em orações" alusivas a esse

fato, organizadas pelo governo do Acre e ONGs


"tempo de Chico Mendes", a propriedade
am bientalistas, primam pelo enaltecim ento do
fundiária e a renda permanecem
indivíduo (Chico Mendes) e apagamento do
absurdamente concentradas ■também no
coletivo, como o M ovimento Sindical dos
estado Acre. Portanto, a luta pela Reforma
Trabalhadores Rurais - MSTR.
Agrária permanece como o principal desafio a
Sob nossa perspectiva, o papel exercido
ser enfrentado pelo sindicalismo rural.
por Chico Mendes não pode ser dissociado da
Sob esse ângulo, as questões suscitadas
ação sindical e político partidária, dado que ele
pelo sindicalismo rural no "tempo de Chico
é, ao mesmo tempo, produto e produtor desse
Mendes" permanecem atualíssimas, como é o
movimento3.
caso do tratamento da questão agrária e
Outro traço marcante dessas
ambiental de forma intrinsecamente
"comemorações" tem sido o de apontar as
inseparáveis. Para mais além de um problema
políticas destinadas a intensificar a
regionalmente localizado, a retomada das
mercantilização e financeirização da natureza
reflexões em torno de dita experiência
em curso no estado, como realização do "sonho
reveste-se de grande relevância no debate
de Chico Mendes". As vozes dissonantes desse
acadêmico e político atual. Longe de solucionar
s c rip t oficial têm destacado as manipulações da
os impasses enfrentados nos anos 1970-80, o
imagem de Chico Mendes e a negação da
que a crise atual nos revela é a agudização
suposta afinidade entre tais políticas e o sonho
deles. Todavia, uma vez mais, reflexões dessa dele.

'Professor Titular do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Acre (UFAC). Coordenador do Núcleo de Pesquisa:
Estado Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental (NUPESDAO). Atua junto às lutas de resistência por terra/território na Amazônia
desde o "tempo de Chico Mendes", precisamente desde 1984.
20 referido relatório apresenta os resultados da pesquisa Sindicalismo rural na Amazônia, conflitos sociais por terra\território e o legado de Chico
Mendes, realizada durante Estágio Pós-Doutoral no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade\lnstituto de
Ciências Humanas e Sociais\Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2018).
3 Para mais detalhes a respeito dessa interpretação, ver Paula (2016), indicado nas referências ao final deste artigo.

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TRINTA ANOS POS-ASSASSINATO DE
CHICO MENDES E OS DESAFIOS DO
SINDICALISMO RURAL NO ACRE
O que está em curso, na verdade, é um Sob o capitalismo verde, a apropriação

novo ciclo de "acumulação via espoliação", nos do discurso ambientalista pelo capital diluiu em

termos propostos por David Harvey (2004). De torno da "defesa do patrimônio amazônico" ,

uma suposta convergência de interesses entre


acordo com. o referido autor, uma das
populações locais, governos, instituições
características do desenvolvimento capitalista,
internacionais, ambientalistas e
atualmente, seria a combinação entre
empreendimentos privados. A diversidade
acumulação expandida e acumulação via
desses interesses, como se sabe, está associada
espoliação. Comandada pelo imperialismo, a
às disputas de capitais pelo controle dos bens
"acumulação via espoliação" é caracterizada de naturais e dos recursos estratégicos existentes
uma maneira geral como uma forma de na região.

recrudescimento da "acumulação primitiva". Ela Em síntese, pode-se afirmar que as

se. expressa, sobretudo, na precarização das comunidades camponesas e povos indígenas têm

sido, cada vez mais, ameaçados e pressionados


relações de trabalho, na supressão de direitos
por dois movimentos aparentemente
contraditórios. Referimo-nos aos projetos
são os casos que envolvem, principalmente, a
de explorações predatórias convencionais (como
mineração, extração de petróleo e gás, extração
sociais conquistados pelos trabalhadores, nas
de madeira, pecuária e soja, esta última já
privatizações, no agravamento da destruição
avançando sobre o estado de Rondônia) por um
ambiental e na intensificação do processo de lado e, por outro, as investidas de cunho
mercantilização da natureza. conservacionista e/ou preservacionista.

A dimensão apontada por Harvey é Com formas e métodos diferenciados,

fundamental para analisar criticamente essa ambos subordinam-se a uma lógica de espoliação

nova fase do processo de exploração econômica praticada pelo capital de acordo com seus

na Amazônia. Ou seja, em vez de focalizar


Espoliação sob o capitalismo verde no Acre
apenas os aspectos considerados positivos - as
O estado do Acre, propagandeado mundo
aparentes preocupações com a proteção
afora como "exemplo de desenvolvimento
ambiental -, é preciso atentar para a sua contra
sustentável" a ser replicado em outros lugares, é
face mais perversa: o aprofundamento da exemplar no sentido de visualizar as mazelas

mercantilização e financeirização da natureza. produzidas pelo capitalismo verde. Nesta unidade


TRINTA ANOS POS-ASSASSINATO DE
CHICO MENDES E OS DESAFIOS DO
SINDICALISMO RURAL NO ACRE
federativa, o poder executivo estadual é Localizado na Amazônia brasileira, o

governado, desde 1999, por uma ampla coalizão estado do Acre possui uma extensão territorial

de partidos liderada pelo Partido dos de 164.221,36 km2 (16.422.136 ha), com

Trabalhadores. aproximadamente 85% de seu território coberto

Sob seus auspícios, logrou-se a por florestas nativas - que estão em crescente

construção de um consenso em torno da degradação resultante da exploração seletiva de

ideologia do "desenvolvimento sustentável" madeira via PMFS -, das quais cerca de 50%

bastante eficaz - pelo menos até 2018, quando encontram-se em "áreas naturais protegidas".

essa coalizão foi derrotada eleitoralmente - Com uma população composta por 830 mil

para concretizar um amplo pacto social no habitantes, dos quais 72,61% residentes em

estado. Conforme mostramos no livro Estado e áreas urbanas, é considerado um dos mais
(Des)Envolvimento insustentável na Amazônia .em pobrecidos do Brasil: 86 mil famílias
Ocidental: dos missionários do progresso aos (equivalentes a 43 % da população do Estado)
mercadores da natureza, esse pacto recebem o Bolsa Família, conforme mostra

matéria publicada em 6\02\18 no AC 24 horas,


(...) começou a ser viabilizado com a vitória
do candidato do PT (Jorge Viana) nas reproduzida a seguir:
eleições para a Prefeitura de Rio Branco em
O P ro g ram a de D e s e n v o lv im e n to
1992. A partir daí, houve uma inversão no
Sustentável das administrações petistas
direcionam ento do MSTR e de outros
do A cre- que de acordo com a propaganda
m o vim en to s s o c ia is , que até en tão
tentavam democratizara sociedade regional oficial - tem o objetivo de promover o
"de baixo para cima". Como o núcleo crescimento econômico sustentável do
orientador da estratégia política do PT Estado e proporcionar a geração de
definiu como objetivo a conquista do emprego e melhor distribuição de renda,
governo estadual nas eleições de 1998, o através da conservação da floresta, depois
foco passa a ser outro, isto é, "transformar" de quase 20 anos de governo ainda não
a sociedade de "cima para baixo". A rigor, conseguiu superar o programa Bolsa
essa estratégia resultou num tipo de Família, que ainda é o maior responsável
"transform ism o" de maior alcance na pela renda dos acreanos. Pelo menos, é o
história recente do Acre - em que tanto o PT que revela um levantamento realizado
q u a n to as o rg a n iz a ç õ e s de c la s s e s pelo M inistério do Desenvolvimento
subalternas foram assimilados à lógica do Social (MDS) a pedido do jornal Valor
domínio oligárquico. Isso revela uma Econômico, que praticamente desmonta o
formidável capacidade das oligarquias discurso de avanços na geração de renda
regionais em adaptar-se às mais diferentes com os programa sustentáveis defendidos
conjunturas preservando o essencial: a pelo governador Sebastião Viana, do PT...
manutenção do domínio e direção do Estado Os dados do levantamento caem como um
(no sentido ampliado) naquele território. banho de água fria nos números de
Aliás, diga-se de passagem, no Acre, a crescimento que o governo do Acre tenta
exemplo do que tem ocorrido no Brasil em p a s s a r a t r a v é s da m íd ia o fic ia l
g e ra l, o " tra n sfo rm ism o " p a sso u a (https://www.ac24horas.eom/2018/02/0
constituir-se em um dos traços constitutivos 6 /le v a n ta m e n to -re v e la -q u e -4 1 -d a -
marcantes do processo político no pós-1930 populacao-do-acre-vive-dos-valores-do-
(PAULA, 2005, pág. 291). bolsa-familia/)

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TRINTA ANOS POS-ASSASSINATO DE
CHICO MENDES E OS DESAFIOS DO
SINDICALISMO RURAL NO ACRE

Marcado por um desenvolvimento do A n d e r s o n A mp a r o ( 2 0 1 6 ) r eal i zou


tipo extensivo (PAULA, 2005), as atividades p e s q u i s a s o b r e a i m p l a n t a ç ã o da Lei
produtivas predom inantes são a pecuária 12.651\2012 no Acre, denominada como "Novo
extensiva de corte e a exploração florestal Código Florestal", no momento em que esse
m a d e i r e i r a . Em q u e p e s e u ma m a i o r processo estava sendo concluído. A descrição
complexidade da estrutura agrária (figura 1, a que fez a r e s p e i t o da c o n c e n t r a ç ã o da
seguir), a propriedade da terra permanece propriedade fundiária é mais detalhada do que a
altamente concentrada, como mostram os dados apresentada sintética mente na figura 2. De
mais recentes na figura 2. acordo com ele, os dados do CAR revelam

Figura 01: Configuração territorial do Acre

Fonte: Base de dados geográficos do ZEE/AC, Fase II, 2006

Figura 02: Perfil dos imóveis rurais cadastrados no Acre (2016)

V C A R
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Fonte: Amparo (2016)

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TRINTA ANOS POS-ASSASSINATO DE
CHICO MENDES E OS DESAFIOS DO
SINDICALISMO RURAL NO ACRE

plano local, ignorando-se ou diminuindo-se a


[...] que 339 imóveis ocupam uma área
importância dos conflitos emergentes e
de 6.930.578 hectares [...]. Ao mesmo
críticas originadas de segm entos dos
te m p o , 3 6 .3 0 4 im ó v e is o cu p am
próprios Suruí, e/ou insistindo-se em
2.219.032 hectares do território acreano
desqualificar os discursos dissonantes,
[...]. Outro ponto que chama a atenção
reduzindo-os a meras queixas pontuais e
diante da extensa área registrada pelo
produto da manipulação de organizações
CAR é a a m p lia ç ã o da á re a sob
indigenistas, como o Cimi, indica a imposição
governança ambiental institucional.
de uma narrativa oficial triunfalista acerca do
Além dos 11,67 Mha registrados pelo
PCFS e o sufocamento da pluralidade de
CAR, 1,61 Mha representam as UCs de
visões, opiniões e experiências dos indígenas
proteção integral e 2,76 Mha as terras
envolvidos direta ou indiretamente com o
indígenas. Essa informação é de grande projeto. Para além de sua utilização no plano
relevância, pois sugere que a gestão e o
local, esta estratégia política foi de grande
controle do campo acreano não têm serventia no plano global na medida em que
como base a autonomia e a participação utilizou-se do PCFS para influenciar e
popular (AMPARO, 2016, pág. 75). informar diversas experiências de gestão
territorial e ambiental indígena baseadas no
Em que pese todas as evidências de REDD+ no Brasil e no restante da América
Latina. Nesse sentido, a instrumentalização
reprodução de uma estrutura marcada pela de um discurso vitorioso do PCFS em um
contexto de acirradas disputas envolvendo a
concentração da propriedade fundiária e da legitimação de políticas de combate e
mitigação às mudanças climáticas teve a
renda, e porform as de produção destrutiva a ele
clara função de fortalecer e impulsionar o
associadas,, a propaganda que "vende o Acre" REDD+, enquanto política, e o mercado de
carbono, enquanto meio de implementação
como modelo de "desenvolvimento dessa po lítica, su b sid ian d o , assim , a
r e p l i c a ç ã o do m o d e l o na e s c a l a
sustentável" segue inalterada. Este caso guarda internacional.
enorme semelhança com outro analisado por A analogia com o caso do Acre é
Hacon (2018): o Projeto Carbono Florestal Suruí, completa. A imagem do modelo de
em Rondônia. Apresentado ao mundo como "desenvolvimento sustentável" bem sucedido

"modelo original" de REDD+ Indígena a ser segue fortemente protegida por uma blindagem

replicado em outras regiões, apesar do colossal. A sua conservação interessa tanto ao

retumbante fracasso e dos conflitos internos poder imperial quanto aos interesses políticos

denunciados em 2014 pelo Jornal Porantin, do domésticos de variadas matizes, desde a


esquerda institucionalizada até a direita.
Conselho Indigenista Missionário - Cimi, ainda
Por essa razão, as críticas emanadas de
assim continua sendo apresentado como
vários lugares - produção acadêmica4, ativistas
"projeto-modelo". Segundo Hacon (2018, p383-
sociais ou lideranças sindicais não cooptadas -
84),
precisam ser desqualificadas e interditadas a
A insistência em seguir promovendo o PCFS
como um projeto-modelo bem-sucedido no
qualquer custo, até mesmo quando logram

" Em pleno apogeu da ideologia do "d e se n vo lvim e n to su ste n tá v e l", tra ta m o s de m o strar (PA U LA, 2 0 0 5) fu n d a m e n ta lm e n te que
aquilo que e stava sendo ap resen tad o com o so lu ção , o "d e se n vo lvim e n to s u ste n tá v e l", d e veria se r in terp reta d o , na re alid ad e , com o
um a nova ordem de pro b lem as da exp a n sã o ca p italista na A m azô n ia m arcad a por um d ese n vo lvim e n to in su ste n tá v e l. Po rtan to , sob
a p ersp ectiva das classe s do m in ad as e dos su je ito s co m p ro m etid o s com as lutas em a n cip a tó ria s, dita ideologia d e veria ser
com b atida.

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TRINTA ANOS POS-ASSASSINATO DE
CHICO MENDES E OS DESAFIOS DO
SINDICALISMO RURAL NO ACRE

m aio res rep ercu ssõ es, com o fo ram os casos dos registros do núm ero de conflitos por terra
no Acre. De quatro (4) registros em 2010,
d ocum en tos: a Carta do Acre, o Dossiê: o Acre
p ara c in q u e n ta e o ito (5 8) em 2 0 1 5 ,
que os m ercadores da natureza atingindo m ais 4.750 fam ílias e um a m édia
de vinte e três mil e setecen tas pessoas
escondem 5 conhecido com o Dossiê A cre, e os
(23.700). A inda nos b aseand o nos dados
artigos Lei de Pagam ento por Serviços apresentado s pela Com issão Pastoral da
Terra, percebem os que os conflitos não se
Am bientais do Acre beneficia mercado lo c a liz a m e s p e c ific a m e n te em u m a
fin a n c e iro (A m yra El Khalili, regional administrativa específica do Acre.
M as, atingem todo o estado e as mais
h ttp ://te rra m ag a zin e .te rra .co m .b r/b lo g d a am a z d iv e r s a s c a t e g o r ia s d e c a m p o n e s e s
onia/blo g /2012/08/14/lei-d e-p ag am ento-p or- flo resta is, com o p o sseiro s, rib eirin h o s,
s e m - t e r r a , s e r in g u e ir o s e in d íg e n a s
se rv ic o s-a m b ie n ta is-d o -a c re -b e n e fic ia - (ROCHA, 2016, pág. 66).
m ercad o -fin an ceiro /) e o Acre contra Chico

M endes, este últim o de auto ria de Tom ás Em su m a, p ro cu ra m o s m o stra r de fo rm a

C h iaverin i, R ep ó rter Brasil b astan te sin té tica que os d esafio s que se

(h ttp s://re p o rte rb ra sil.o rg .b r/a c re / publicados a p re se n ta m ao sin d icalism o rural no A c re , 30

resp ectiva m en te em 2 0 11, 2012 e 2 0 1 7 ). ano s p ó s-assassin ato de Chico M e n d e s, são

Sob esse' cen ário , m arcado pela e stu p e n d o s. Com um a g ra v a n te : en q u an to "no

in te n sificação da espoliação p raticad a sob o te m p o de Chico M e n d e s" as lutas de resistên cia

cap italism o verd e, os conflitos pela posse e uso fo ra m a n im a d as por um a m arch a a sce n d e n te de

da te rra e territó rio se espraiam por todo o luta co n tra a d itad u ra m ilita r, pela

estado do A cre, a exem p lo do que ocorre nos d e m o cra tização da so cied ad e e do estad o no

dem ais estad o s da Am azônia b rasileira. M ilenna B ra sil, ag o ra, d e sa fo rtu n a d a m e n te , vive m o s o

Rocha (2016) analisou em sua d issertação de seu re v e rso . Isto é, um a m arch a reg ressiva de

m estrad o os velh os e novos conflitos sociais pela in sp iração fa scista no Brasil e em p arte
posse da te rra e te rritó rio no A cre. De acordo su b sta n cial do m u n d o . T o d a v ia , a luta co n tin u a,
com ela, o xalá insp irad a nos ideais lib e rtá rio s que
Dados da Com issão Pastoral da Terra - CPT
registram o aum ento consid erável nos
m o tiva ra m a vida de Chico M e n d e s...

5Os artigos e entrevistas reunidos no Dossiê Acre expressaram o núcleo das críticas formuladas no Acre pelos signatários do referido documento.
Na sua apresentação, diz o seguinte: "0 Dossiê trata, ainda, das condições históricas que possibilitaram a consolidação da experiência acreana no
contexto da geopolítica ambiental da ONU, do Banco Mundial e de ONGs gigantes; de como e com que interesses forjaram a imagem de um Chico
Mendes supostamente 'patrono da economia verde1; e de como a 'tutela' dos povos da floresta viabiliza a implementação dos ambiciosos planos
de manejo madeireiro, e facilita o comércio de carbono e de 'serviços ambientais', gerando lucros para empresas e ONGs" (Cimi, 2012, pág. 2).

Referências bibliográficas
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_________________________Seringueiros e sindicatos: um povo da floresta em busca da liberdade. Rio Bran co : Nepan Ed ito ra , 2 0 1 6 .

15
CHICO MENDES VIVE NA LUTA ANTICAPITALISTA
E ANTIFASCISTA! (QUE É UMA SÓ)
O que queremos realmente dizer,
Michael F. Schmidlehner1
quando afirmamos que "Chico Mendes vive"? A
"desenvolvimento sustentável". Aspectos mais
frase expressa a ideia de que as pessoas que
radicais ou polêmicos do pensamento de Chico
tiraram a vida dele não conseguiram destruir
Mendes foram sistematicamente omitidos nesta
seus ideais, e que estes ideais continuam sendo
narrativa governamental. Criava-se, assim, uma
defendidos hoje. Mas, eis a pergunta: quais
espécie de "Chico Mendes light", que servia
seriam estes ideais e . quem poderia ser
perfeitamente como produto promocional para
considerado defensor do legado de Chico
inserir as florestas do Acre no emergente
Mendes? Um texto do jornal Empate, de 2003,
mercado global das "soluções" ambientais e
mostra o quanto esta questão é controversa e
climáticas - manejo madeireiro "sustentável",
polêmica:
carbono florestal, serviços ambientais - , e atrair
Os princípios que projetaram as lutas dos financiamentos de bancos e agências de
trabalhadores rurais acreanos e lançaram
desenvolvimento internacionais.
seu representante maior no cenário
internacional foram abandonados em Tirando foto com busto de Chico Mendes no estande do
tro ca de um enganoso pro jeto de governo do Acre na Rio+20
'd e s e n v o lv im e n to e s t a d u a l' com
'sustentabilidade'. Os inimigos de Chico
Mendes o eliminaram fisicamente. Os que
se diziam seus amigos e aliados que, hoje,
vivem e acumulam cargos e benefícios à
custa de sua memória, tratam de eliminar
seus sonhos, seus projetos, sua herança,
seus princípios de não mercantilizar a
floresta (cit. in MORAIS, 2012, p.26).

Analisando a apropriação e
Fonte: ac.gov.br, fotografia Gleison Miranda
ressignificação dos 'sonhos e ideais' de Chico
Voltando à pergunta inicial, sobre o que
Mendes pelo Governo da Frente Popular do Acre
queremos dizer com "Chico Mendes vive",
- FPA, Maria de Jesus Morais (2012) mostra
devemos ter em mente duas coisas. Primeiro: ao
como este governo criou um discurso sobre a
proclamar que Chico Mendes vive, situamo-nos
identidade acreana associando a luta dos
inevitavelmente na esfera da interpretação. O
seringueiros com seu modelo de*
homem não está mais aqui, fisicamente, para

‘Michael Franz Schmidlehner é mestre em Filosofia pela Universidade de Viena, nativo da Áustria e brasileiro naturalizado, pesquisador e professor
de filosofia do IFAC/Campus Sena Madureira e da União Educacional do Norte, UNINORTE

16
CHICO MENDES VIVE NA LUTA
ANTICAPITALISTA E ANTIFASCISTA!
(QUE É UMA LUTA SÓ)

nos contradizer ou dar razão. Portanto, ninguém Neste sentido, propomos, para fins deste

pode ser único ou "legítimo" articulador de seu ensaio, a seguinte resposta: "Chico Mendes

legado na atualidade. O grau de legitimidade da vive" quer dizer que a luta da qual ele se tornou

nossa interpretação vai depender de quanto ela símbolo se renova e aprofunda na medida em
é referenciada nas ações e palavras da pessoa que muda a realidade sociopolítica à qual ela
histórica de Chico Mendes. precisa reagir.
Segundo: as ações e as palavras de Chico
Legado anticapitalista
Mendes têm que ser interpretadas como sua

reação - a aplicação de seus ideais - a uma Para hoje fazer referência aos ideais de

determinada situação histórica e política. Em Chico Mendes, é preciso resgatar aqueles

outro momento histórico, estes mesmos ideais aspectos do seu pensamento que foram
tinham e terão que se expressar de outra forma. omitidos ou suprimidos na versão oficial das
Enquanto Chico Mendes estava vivo, sua luta era últimas duas décadas.
contra a espoliação da Amazônia pelos Neste contexto, precisa ser lembrado
fazendeiros. Diante da mercantilização da Euclides Fernandes Távora, que é a pessoa que
floresta em seu nome, os ideais de Chico provavelmente mais contribuiu com a formação
Mendes foram - em nossa interpretação -
do pensamento de Chico Mendes. Euclides era
defendidos pelos dissidentes deste projeto
militante do Partido Comunista brasileiro que
(como por exemplo o autor do artigo do jornal
havia se refugiado na floresta acreana. Elder
Empate, citado acima). E, em reação à nova
Andrade de Paula e Sílvio Simione da Silva (2012,
conjuntura política do Brasil a partir de 2019, a
p.105) resumem sua importância na vida de
luta em nome de Chico Mendes terá que se
Chico Mendes assim:
reformular novamente.
Com as ferramentas ofertadas por Euclides
Entendemos que Chico Mendes tinha Távora, Chico Mendes não só aprendeu a
forte espírito comunitário e não queria ser ler e escrever. Apreendeu, sobretudo, a
paixão pelas idéias revolucionárias de seu
"advogado" dos povos da floresta, no sentido de
"velh o am igo e in stru to r" (form a
falar por eles. O apelo dele hoje, provavelmente, respeitosa com que se referia a Euclides), e
ao seu modo, um método de análise da
seria para não nos fixarmos demais em sua
realidade que orientou sua trajetória
pessoa ou idolatrá-lo. Honrar o legado de Chico política e o projetou para reescrever a
história da luta de resistência de uma
Mendes significa também usar nossa própria
parcela dos segmentos sociais subalternos
capacidade crítica e criatividade para levar a luta na Amazônia brasileira.

adiante.

17
CHICO MENDES VIVE NA LUTA
ANTICAPITALISTA E ANTIFASCISTA!
(QUE É UMA LUTA SÓ)
Os ideais comunistas de Chico Mendes e políticas de extrema direita ganham espaço com

sua clara ideia de luta social estão evidentes em um discurso de perseguição de minorias. No

seus textos, por exemplo, quando ele escreve Brasil, além desta perseguição, espera-se, nos

próximos anos, uma acelerada destruição da


em sua Carta ao Jovem do Futuro sobre a
Amazônia.
revolução socialista mundial que "unificou todos
As novas tendências fascistas, antes de
os povos do planeta num só ideal e num só
tudo, têm que ser entendidas como
pensamento de unidade socialista".
consequência de décadas de globalização
Outro exemplo é a forma como ele se
neoliberal, que criou um clima de insegurança e
refere ao Banco Interamericano - BID (banco
precarização e uma profunda frustração diante
este, inclusive, que no governo da FPA ia se
das múltiplas crises que ela criou, e para as quais
tornar o primeiro grande financiador do ela não tem resposta credível. A atual viragem à
Programa de Desenvolvimento Sustentável do direita, que na superfície parece "dar um basta",

Estado do Acre - PDSA), usando estas palavras: romper com o sistema anterior, de fato - e isso

"com isso, a ONU e as entidades ambientalistas pretendemos mostrar neste texto - conserva,

americanas nos convidaram para participar de em grande parte, estruturas econômicas e de

uma reunião do BID em Miami, em março de poder.

Nossa avaliação sobre a atual conjuntura


1987. Eu fui, sabendo que estava em terreno
coincide com a tese formulada na década de
inimigo" (CUT/CNS 1988). A luta pela
1930 por Georgi Dimitroff, que explica fascismo
humanidade, da qual Chico Mendes fala, não é
e "democracia burguesa" como duas formas
ambientalista, mas antes de tudo,
diferentes de capitalismo. Neste sentido, a
anticapitalista.
situação do Brasil, hoje é, em determinados

aspectos, comparável com aquela no início da


Dois discursos, um só sistema de espoliação
década de 1920 na Itália, ou durante a Grande
Em 28 de outubro 2018, um novo Depressão na Alemanha, quando a democracia
presidente foi eleito no Brasil. A mudança no burguesa foi transformada numa ditadura
cenário político brasileiro, que está em curso fascista, que manteve a exploração capitalista

desde 2016, se insere naquilo que críticos mesmo com os meios mais brutais. Segundo

chamam de "surto fascista", fenômeno com que Dimitrov (1938, p. 2, tradução nossa), fascismo

atualmente se deparam diversos países, onde é uma "ditadura abertamente terrorista dos
CHICO MENDES VIVE NA LUTA
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(QUE É UMA LUTA SÓ)

elementos mais reacionários, mais chauvinistas, - a espoliação continua e seus mecanismos

e mais imperialistas do capital financeiro". econômicos em grande parte não mudam.

Podemos dizer que o sistema capitalista,


Exploração madeireira "sustentável"
em termos ideológicos, possui um caráter

"camaleônico", com dois principais discursos O discurso das falsas soluções na esfera
oscilando na sua superfície, que no contexto das
ambiental e climática foi idealizado inicialmente
atuais crises neoliberais se apresentam assim:
no âmbito do Banco Mundial e da ONU, e
» O primeiro discurso é de um suposto
consolidado nas grandes convenções que foram
"consenso", socialmente "inclusivo" e
assinadas na Eco-92. Consagrando o conceito de
"politicamente correto", reconhecendo

parcialmente a existência de uma crise global e "desenvolvimento sustentável", estes tratados

apresentando as políticas capitalistas - cujas preconizavam a preservação do ambiente e do

consequências violentas e destrutivas ele oculta equilíbrio climático sem questionar o principal

- como "soluções" através das quais "todos paradoxo do desenvolvimento capitalista: seu
ganham". Este discurso legitima mecanismos
paradigma de crescimento econômico ilimitado
hegemônicos (menos violentos) de dominação.
diante da limitação dos recursos naturais.
Ele pode ser chamado como o d isc u rso das
O governo da FPA, como descrevemos no
f a ls a s s o lu ç õ e s .
início do texto, reproduziu o novo discurso a
• O segundo discurso opera a partir da construção
nível local. No centro do desenvolvimento
de um inimigo que possa ser excluído e
sustentável, configuraram inicialmente os
abertamente perseguido. A crise global é
projetos de manejo madeireiro. O discurso
basicamente negada, e a "crise nacional",
apresenta estes projetos como inclusivos e
simplesmente atribuída à atuação deste inimigo,
participativos, denominando-os "manejo
dando-se a solução através da sua eliminação
florestal comunitário sustentável", enquanto os
(política, cultural ou física). Este discurso
impactos violentos são sistematicamente
legitima mecanismos coercitivos (mais
ocultados.
violentos) de dominação. Ele pode ser chamado
O relatório da Plataforma Dhesca de
como o d isc u rso d a n e g a ç ã o .

2014 - veementemente desmentido pelo


Nas próximas páginas, pretendemos
governo da FPA - revela alguns aspectos deste
mostrar, no contexto da Amazônia brasileira,
"lado escuro" do manejo madeireiro, dando voz
que estes dois discursos se complementam, e
às queixas das comunidades afetadas, entre as
como - enquanto eles alternam e se sobrepõem

19
CHICO MENDES VIVE NA LUTA
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quais: "diminuição do território disponível para Fundo Amazônia (dinheiro principalmente da

a realização de atividades tradicionais e de Noruega e da Petrobras), da Alemanha e,

subsistência, [...] fuga de animais de caça, [...] recentemente, do Reino Unido.

'invasão' de pessoas de fora das comunidades, Os países industrializados e os

trazidas pelas madeireiras [...], exploração exploradores de combustíveis fósseis (a

sexual de mulheres e meninas" (FAUSTINO; Noruega é um dos principais produtores

mundiais de petróleo e gás) têm grande


FURTADO, 2014, p.18).
interesse em "compensar" as emissões
O corte raso da floresta e a violenta
causadas por suas atividades, ou seja, "pagar
expulsão de seus moradores, que ocorreram em
para poluir" através da compra de carbono
décadas anteriores, seguindo o lema "integrar
florestal.
para não entregar", foram trocados por uma
O discurso que enfatizava a vocação
matança silenciosa da vida do seringueiro. A
florestal do Acre e a perspectiva de venda de
proposta da Reserva Extrativista - originalmente
créditos de carbono para a Califórnia serviram
reivindicada pelo movimento seringueiro - foi
como convite para os diversos
desvirtuada e sucessivamente transformada em
empreendimentos privados que se instalaram
negócio pelas grandes ONGs e madeireiras.
no estado. Olhando de perto para alguns destes

Dominação via carbono projetos, o programa REDD revela-se como um

poderoso novo mecanismo de espoliação da


Ao implementar os projetos madeireiros,
Amazônia que - mesmo utilizando a nova
a relação de tutela que o governo e as ONGs
roupagem discursiva - conserva e reafirma
criaram com as comunidades rurais no Acre
antigas estruturas de dominação.
facilitou, predominantemente na década de
A empresa estadunidense Carbon Co.
2010, a introdução dos programas para Redução
LLC, em parceria com a empresa Freitas
de Emissões por Desmatamento e Degradação
International Group e LLC (nome fantasia
Florestal - REDD, e de Pagamentos por Serviços
Carbon Securities), efetivou desde 2012 quatro
Ambientais - PSA. projetos REDD no Acre: Purus, Russas,
Em 2012, o governo criou a base para um Valparaiso e Envira. As áreas onde estes projetos
mercado regulado de carbono, por meio da Lei foram implantados são antigos seringais. Os
estadual 2.308 de 2010 (conhecida como Lei parceiros locais da Carbon Co., que alegam ser
Sisa) e de um acordo com o estado da Califórnia proprietários destas florestas, são em parte
(EUA). Com esta política, atraiu recursos do descendentes dos antigos seringalistas ou
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empresários que "compraram" as terras dos Agora, encontram-se placas do projeto

mesmos. REDD nas colocações da área - ao lado das

Nestas áreas, há históricos de conflitos proibições do projeto - , exibindo a frase: "A

de longa duração entre as comunidades - ex- comunidade é parceira".

seringueiros, ribeirinhos, pequenos produtores

- e os supostos proprietários. Gerson

Albuquerque (2012) descreve alguns destes

conflitos no antigo seringal Valparaiso, e como

as arcaicas relações de trabalho lá sobrevivem

até hoje. Em eiltrevistas realizadas na década de

1990, moradores da área descrevem a relação

com o atual "proprietário" da área, Manoel


Placa em colocação na área do projeto Valparaiso: "A
Batista Lopes: comunidade é parceira"
Fonte: https://reporterbrasil.org.br/2013/12/projetos-de-
carbono-no-acre-ameacam-direito-a-terra/
Moro há 53 anos lá. Ele, lá no seringal, mata
nossos porco, nossos cachorro. Primeiro, ele Na mesma linha "eufem ística", as
mandava os capanga matá. Agente tinha que
descrições oficiais dos projetos da Carbon Co. no
assiná um contrato prá prantá e só podia
prantá pouco, na capoêra, num podia Acre enfatizam aspectos como participação,
desmatá. Quem pescá no lago tem que dividi
transparência e repartição de benefícios com a
cum ele, se não dé ele diz que vai dá parte na
justiça (ALBUQUERQUE, 2012, p. 18). comunidade.

No documento descritivo do projeto

O violento regime de dominação que Envira (MCFARELAND, 2015, p.42) lemos, por

perdura nas florestas acreanas desde o primeiro exemplo, que eventuais queixas por parte da

surto da borracha não só não mudou com a nova comunidade seriam atendidas pela empresa do

economia florestal promovida pelo governo da promotor local do projeto, Duarte José de Couto

FPA, mas reafirmou-se na lógica dos projetos Neto. Esta empresa seria, ao mesmo tempo,

REDD. A proibição das atividades de proprietária da área; ou seja, para os moradores,

subsistência, que antes objetivava a Duarte de fato representa o "patrão".

maximização da produção de borracha, hoje 0 nível de participação e transparência

serve para maximizar a estocagem de carbono que pode ser esperado do "atendimento" por

na biomassa. O que mudou drasticamente com este empreendedor ambientalista pode ser

o novo modo de produção é o discurso. deduzido de suas declarações públicas, nas


CHICO MENDES VIVE NA LUTA
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quais afirma, entre outros, "ter saudade, e Seguindo nossa tese, de que o discurso

muita, do regime militar" (cit. in KILL, 2018). das falsas soluções e o discurso da negação se

Por meio do carbono como novo complementam em uma só lógica de espoliação

produto, implementa-se um novo modo de capitalista, esta mudança não pode afetá-los

produção nas florestas, assentado nas antigas fortemente. Sem nos alongar em especulações

relações de dominação capitalista criadas pelos sobre o futuro, podemos mencionar duas

seringalistas. Para vender este produto - circunstâncias que apontam para a persistência

projetado para salvar o mundo da catástrofe destes projetos.

Primeiro: projetos privados de REDD,


climática - , o discurso que o promove precisa
como aqueles da Carbon Co., por enquanto
ofuscar as reais relações da sua produção.
vendem certificados apenas no mercado
Neste sentido, a vinculação com o
voluntário. Para isso, eles não dependem de
"legado" de Chico Mendes é um elemento
uma base jurisdicional específica. Mesmo se,
essencial para a promoção dos projetos REDD.
com o fim do governo da FPA, as transações com
Na página de venda online da Carbon Securities
Califórnia não se realizem, estes projetos podem
(na versão em inglês) consta:
continuar vendendo seus créditos para

empresas ou pessoas físicas, no mundo inteiro,


Hoje, a Carbon Securities firmou parceria
com a Fundação Chico Mendes, gerida e que desejam diminuir ou apagar sua "pegada de
operada por llzamar Mendes e Elenira
carbono".
Mendes, esposa e filha de Chico Mendes.
Temos o prazer de manter vivo o espírito e a Entre 2016 e 2017, o projeto Envira
iniciativa de Chico Mendes e estaremos
vendeu créditos no valor de pelo menos 750.000
sempre lutando para salvar a floresta tropical
juntos (CARBON SECURITIES, 2018, tradução toneladas de carbono (KILL, 2018). No site da
nossa).
Carbon Securities (2018), pessoas podem

comprar tais créditos online pagando dez


REDD: a ameaça vira "oportunidade" dólares por tonelada. Baseado neste preço, o

Surge a questão sobre o futuro dos projetos valor de mercado do carbono vendido pelo

do tipo REDD no novo cenário político no Acre projeto Envira em dois anos totalizaria mais que
e no Brasil a partir de 2019. As esperadas 7,5 milhões de dólares.
políticas de eliminação do "ativismo xiita Projetos privados de REDD,
ambienta " - como diz o presidente eleito - , e a teoricamente, podem se tornar ainda mais

reduzida fiscalização ambiental vão afetá-los ou lucrativos num cenário geral de desmatamento

inviabilizá-los? aumentado, uma vez que podem reivindicar

22
CHICO MENDES VIVE NA LUTA
ANTICAPITALISTAE ANTIFASCISTA!
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mais "adicionalídade". Que significa isto? Na uma oportunidade de fazer um jogo duplo de

medida em que um empreendedor REDD pode ameaça e proteção da Amazônia, barganhando-

argumentar que a floresta que seu projeto a como "sumidouro de carbono".

supostamente preserva esteja ameaçada, este


Sinergias com o agronegócio: o novo Código
seu projeto vale mais redução de carbono em
Florestal
comparação com um cenário sem projeto.

Na paradoxal lógica da adicionalídade, a O texto acima citado menciona os

ameaça de desmatamento ou degradação "poderosos interesses agrícolas" que apoiam o

florestal acaba "valorizando" o carbono florestal novo presidente do Brasil. Por que razão

e transformando a ameaça em oportunidade de projetos "ambientalistas" como REDD e PSA


negócio. gozariam de interesse por parte do
Segundo: mesmo que algumas agronegócio? Dois anos depois da criação da Lei
declarações do novo presidente eleito apontem Sisa, o então senador Jorge Viana foi o relator do
para uma possível saída do Acordo de Paris, por novo Código Florestal (Lei n212.651 de maio de
parte do Brasil, há indícios que isto não ocorra. 2012), lei que marca a mudança de uma política
A permanência do Brasil, com a consequente exclusivamente de restauração para uma
concretização de uma política nacional de REDD, política com amplas possibilidades de
compensa economicamente. Um analista da compensação de desmatamentos.
revista Forbes argumenta neste sentido: A Cota Rural Ambiental (CRA) é a peça

Os europeus fazem questão de destacar para central neste sistema de compensação, uma vez
Bolsonaro e para os poderosos interesses
que pode ser usada para fazer a obrigação de
agrícolas que o apoiam que o Brasil é um dos
maiores beneficiários de ser signatário do Reserva Legal ser cumprida em outra
Acordo de Paris. Como o país está na
vanguarda da vulnerabilidade às mudanças
propriedade; o proprietário que desmatou além
climáticas e da capacidade de combatê-lo, ele do permitido, por exemplo, um sojeiro da
recebe milhões em subsídios como parte do
regime de Paris, que desaparecería se Amazônia mato-grossense, pode compensar
abandonasse o acordo (KAETING, 2018,
essa dívida através de CRAs de outro local,
tradução nossa).
dentro do mesmo bioma, seja no Mato Grosso
Para sustentar seu vício em combustíveis
ou no Acre.
fosseis, os países industrializados necessitam do 0 novo Código Florestal, em seu artigo
pretexto de "compensar" suas emissões. Para o 41, inclusive, incentiva a "cumulação" de

Brasil, por sua vez, esta dependência apresenta diversos tipos de compensações, quando
CHICO MENDES VIVE NA LUTA
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autoriza o Poder Executivo a instituir programas redução das emissões dos agricultores

para "pagamento ou incentivo a serviços brasileiros" (eit. in CARDOSO, 2012).

ambientais [...] isolada ou c u m u la tiv a m e n te " O novo Código Florestal cria fortes

(grifos nossos), listando os sete serviços sinergias entre dois poderosos mecanismos de

ambientais que haviam sido definidos em 2010 acumulação de capital no Brasil: o do

na Lei Sisa, e acrescentando como oitavo item "a agronegócio e o do carbono. Além disso, ele

manutenção de Áreas de Preservação oferece para as agro-oligarquias - até então

Permanente, de Reserva Legal e de uso restrito". antiambientalistas que reproduziram o discurso

O relatório Preparando a da negação - a possibilidade de se

im plem entação da Cota de Reserva Ambiental apresentarem como protetores da Amazônia.

no M ato Grosso explica este "uso cumulativo" Ou seja, de se apropriarem do discurso das

dos diversos serviços ambientais a partir da CRA falsas soluções.

pelos latifundiários do estado: Nas palavras de Jorge Viana sobre o novo

Código Florestal, esta função fica clara: "Quando


Além disso, a CRA, sendo um atestado da
existência de uma área florestal conservada, o meio ambiente ganha, ganha o agronegócio,
pode ser usada para outros fins e em outros
mercados além da compensação de passivos ganha a produção, ganha a economia"
de reserva legal: por exemplo, pode ajudar a
(SENADO FEDERAL, 2011).
viabilizar m ecanism os de Redução de
Emissões do Desmatamento e Degradação
Florestal (REDD), estabelecendo um título "Limpando o ar" para as multinacionais
conversível em toneladas de carbono; ou
a in d a , pode s e r v ir em a ç õ e s de
Não são apenas os latifundiários que
responsabilidade ambiental de empresas,
como um "vale-floresta", etc. Podería ganham com o agronegócio. Alimentando o
também ser usada em pagamento da
co m p en sação a m b ie n t a l de
crescente vício do mundo industrializado em
empreendimentos hidrelétricos, conversão carne e biocombustíveis, a produção das
de multas de impactos ambientais como
derramamento de petróleo, dentre outros, c o m m o d itie s agrícolas (como soja, cana de
sem prejuízo da resp onsabilidade de
açúcar, milho), por sua vez, é viciada no uso de
remediação dos danos (ICV 2013, p.9).
produtos de empresas multinacionais, tais como

Neste sentido, a então senadora e sementes (patenteadas ou transgênicas) e os

presidente da Confederação Nacional da agrotóxicos.

Agricultura (CNA), Kátia Abreu, comenta que sua Nos últimos três anos, houve forte

organização procura "fundos e corporações que concentração corporativa neste ramo.

querem compensar suas emissões com a Atualmente, os quatro "gigantes" do


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ANTICAPITALISTA E ANTIFASCISTA!
(QUE É UMA LUTA SÓ)

agronegócio mundial são: Corteva Agriscience expansão do agronegócio no Brasil. Entre 2014

(resultante da fusão de Dow com Dupont em e 2020, o Ministério para Cooperação e

2015), Chem China (que comprou Syngenta em Desenvolvimento da Alemanha (BMZ) apoiou o

2017), Bayer (que comprou Monsanto em 2018) Cadastro Ambiental Rural - CAR com 5,5 milhões

e Basf. de euros (GIZ, 2017).

Para nossa análise, a Bayer - agora a Mas, sobretudo, temos que mencionar

maior corporação agrícola do mundo - e a Basf neste contexto a recente implantação do

merecem especial atenção. Após a compra da programa alemão REDD Early Movers - REM

empresa americana Monsanto pela Bayer por ("Pioneiros do REDD" na tradução ao português)

cerca de US$ 66 bilhões, a Basf - por exigência no estado de Mato Grosso. Por que a Alemanha

das autoridades de defesa da concorrência - quer "premiar" por >sua «política climática

adquiriu ativos da Bayer no valor de cerca de justam ente aquele estado brasileiro, que desde

US$ 7,24 bilhões. Com isto, estas duas décadas é considerado o líder em

multinacionais alemãs assumem uma posição desmatamento e o berço do agronegócio

dominante no agronegócio brasileiro. brasileiro?

Atualmente, combinadas, as vendas de Bayer e O período em que o acordo para

Monsanto no Brasil somam R$ 15 bilhões anuais financiar o REM em Mato Grosso foi fechado

(PORTAL DO AGRONEGOCIO, 2018). (final 2017) coincide com a consolidação da

Ao mesmo tempo, por serem fortes compra da Monsanto pela Bayer. Neste

componentes da economia exportadora alemã, momento, já se sabia que a Bayer teria que lidar

Bayer e Basf vêm participando em diversas com as grandes polêmicas em torno dos

iniciativas juntas com o governo daquele país. produtos agrotóxicos que assumiría da

Estes programas, como o German Food Monsanto. No foco desta polêmica


Partnership (GFP, Parceria Alimentar Alemã) e internacional, estão os herbicidas da linha

os fóruns para "soja responsável" e "óleo de Roundup com o princípio ativo glifosato, que

palma responsável", frequentemente são segundo estudos independentes, é considerado

criticados por organizações da sociedade civil, possivelmente cancerígeno.

que veem nelas uma "lavagem verde" para as O presidente da Associação dos

insustentáveis práticas do agronegócio. Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato

O apoio à implementação do novo Grosso (Aprosoja - MT) comenta sobre este

Código Florestal pelo governo alemão é veneno: "sem glifosato, não tem safra no Brasil"

igualmente consistente com seu interesse na e "hoje, produtor não sabe mais plantar de outra

25
CHICO MENDES VIVE NA LUTA
ANTICAPITALISTA E ANTIFASCISTA!
(QUE É UMA LUTA SÓ)

forma a não ser esta" (ESTADÃO 2018). A função mensal da IG Farben de maio 1938: "De fábrica

de "lavagem verde" pelo programa REM - isto é, para fábrica".

a tentativa de, com ele, encobrir os impactos

violentos do agronegócio por meio do discurso

das falsas soluções - fica evidente a partir deste

momento.

Olhar para o histórico das duas

corporações alemães nos permite entender

ainda melhor certas dinâmicas discursivas. Na

época do regime nacional-socialista alemão,

Bayer e Basf faziam parte de uma só empresa

aglomerada, chamada IG Farben. A IG Farben foi

responsável pela produção do gás venenoso

Z y k lo n B, que foi usado para assassinar milhões

de pessoas nos campos de extermínio. A mão de

obra da empresa era, em grande parte, formada

por trabalho forçado, incluindo 8000 internos


Capa da revista da IG Farben em 1938: "De fábrica para fábrica"
dos campos de concentração. A estreita (em alemão "Von W erk zu Werk")
Fonte: http://www.od43.com /IG_Farben_periodical.htm l
cooperação com o governo nazista levou a um
Empresas como Bayer e Basf, seguindo a
quintuplicar dos lucros líquidos da IG Farben
dinâmica camaleônica do sistema capitalista,
entre 1933 e 1943 (HAYES 1987, p.124).
constantemente adaptam seu discurso para
Hoje, a Bayer diz "contribuir para a
conciliar seus mecanismos de acumulação com
formação e o bem estar da sociedade, além de
a moral da época. Esta dinâmica acaba
[desenvolver] ações de preservação do meio
conservando as estruturas de poder: o discurso
ambiente", e a Basf assegura criar "química para
muda justamente para que as relações de poder
um futuro sustentável". Como tal "conversão"
não mudem. Desta forma, as estruturas
pode ser explicada? Insistimos em que as
coloniais e imperiais vêm se reafirmando ao
corporações capitalistas não possuem ideologia
longo dos séculos.
ou filosofia. Elas obedecem unicamente ao

imperativo da acumulação de capital. O caráter Concluindo

inexorável da progressão desta lógica encontra A intensificação do desmatamento e dos

sua simples expressão no título da revista atos de violência contra os povos da floresta que

26
CHICO MENDES VIVE NA LUTA
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(QUE É UMA LUTA SÓ)

se iniciam com a nova presidência, assim como política - isto é, uma abordagem que reconhece

seu discurso da negação, desafiam a sociedade a dimensão essencialmente política da questão

civil a adotar formas mais diretas de resistência. ambiental - inspirada na luta anticapitalista do
..... _ v*>
Porém, o perigo neste momento é que o movimento dos povos da floresta e nos ideais de

discurso das falsas soluções possa se fortalecer Chico Mendes pode nortear a esperada

diante da ameaça, apresentando-se como reformulação da esquerda no Brasil pós-2018.

"única alternativa" para lidar com a crise. Não As palavras que Euclides Távora dirigiu a

devemos cair neste engano. Os movimentos Chico Mendes • em 1964 parecem valer

sociais precisam reconhecer que os dois novamente para nós hoje: "[...] por maior que

discursos se complementam e, juntos, seja o massacre, sempre existirá uma semente

promovem a espoliação capitalista da que renascerá e aí você terá que entrar, mesmo

Amazônia. que seja daqui a oito, dez anos" (CUT/CNS 1998).

Na medida em que o capitalismo Só que hoje, a acelerada destruição da base da

extingue vida na terra, a luta da esquerda se vida pelo capitalismo não nos permite mais

tornará uma luta ecológica. Uma ecologia esperar muito.

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CHICO MENDES VIVE NA LUTA
ANTICAPITALISTA E ANTIFASCISTA!
(QUE É UMA LUTA SÓ)

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ASCENSÃO E QUEDA - O "DESENVOLVIM ENTO SUSTENTÁVEL"
E A FORÇA POLÍTICA DA FRENTE POPULAR DO ACRE
Israel Souza1

Partindo de uma pesquisa mais ampla, o Ao longo da década de 1990, a sociedade

presente ensaio objetiva colocar em acreana aparentava ter atingido o ápice de

perspectiva a relação entre o uma crise sócio-econômica e política. O

"desenvolvimento sustentável" e a força conjunto dos governos Edmundo Pinto (1991-

política da Frente Popular do Acre - FPA ao 1992), Romildo Magalhães (1992-1994) e

longo dos últimos 20 anos (1999-2018). Orleir Cameli (1995-1998) expressou de forma

Neste intuito, procuramos destacar dramática esse momento. O pagamento do

como tal relação se expressa, positiva ou funcionalismo chegava a atrasar por meses

negativamente, nas eleições. Para tanto, seguidos. Através do "esquadrão da m orte", o

"desenvolvimento sustentável" .. será crime organizado levava pânico a toda

entendido numa dupla acepção: como população e já estendia seus tentáculos até os

experimento econômico-social, assentado na espaços oficiais de poder.

mercadificação e exploração dos bens É com razão que Paula (2005) afirma

naturais, e como eixo ideológico- que os primeiros oito anos da década 1990

propagandístico do(s) governo(s) da FPA. Por representam , no campo da sociedade política,

sua vez, força política será entendida como um período de estiolamento governamental,

legitimidade popular e apoio eleitoral. expresso, principalm ente, na incapacidade de

Embora consideremos o os governos darem respostas satisfatórias às

"desenvolvimento sustentável" nesta dupla reivindicações da sociedade, e na

acepção, nossa abordagem o enfoca, mais desobediência administrativo-financeira

amplamente, como eixo ideológico- legada da década anterior. Isso teve efeito

propagandístico, tratando-o como negativo para os representantes políticos

experimento econômico-social apenas quando tradiconais da oligarquia local,

estritamente necessário. desacreditando-os consideravelmente.

Em outro âmbito, setores populares

Antecedentes combativos da sociedade civil atuavam na

1 Cientista social e mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Acre. Autor dos livros Democracia no Acre: notícias de
uma ausência, e Desenvolvimentismo na Amazônia: a farsa fascinante, a tragédia facínora. Atualmente, é professor e pesquisador do Instituto
Federal do Acre/Campus Cruzeiro do Sul, onde coordena o Grupo de Pesquisa Trabalho, Território e Política na Amazônia (TRATEPAM).

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ASCENSÃO E QUEDA - O "DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL" E A FORÇA POLÍTICA
DA FRENTE POPULAR DO ACRE

firme convicção de que se aproximavam as O desencanto com os representantes políticos

condições necessárias para a adoção de tradicionais da oligarquia local e o anseio por

políticas públicas que melhorassem os níveis mudança, difusos na sociedade acreana,

de vida dos segmentos historicamente ajudaram-no a tirar 28,34% dos votos, contra

marginalizados. Somaram e orientaram suas 28,64% do primeiro colocado (Edimundo Pinto

forças para as disputas eleitorais, ajudando a - PDS), levando a disputa para o segundo turno.

construir aquilo que viria a se configurar como No segundo turno, porém, perdeu. Ficou com
a nova força política acreana: a FPA. 45,39% dos votos, contra os 54,61% do
Desta forma e um tanto ironicamente, adversário.
no combate à oligarquia apoiaram-se em parte
Ainda que derotado, Jorge Viana sâiu
dela. Nunca é demais frisar que os irmãos
do pleito ostentando chances reais de vitória
Viana (Jorge e Tião), figuras de maior projeção
em eleições vindouras. E assim ocorreu. Foi
na FPA, são parte da oligarquia local. No seio
vitorioso nas eleições municipais de 1992,
desta oligarquia, disputaram politicamente a
ganhando mandato de prefeito da capital
hegemonia com setores mais tradionais,
acreana (Rio Branco) entre os anos de 1993 e
vencendo-os.
1996. Primeiro a vitória, e depois a boa
Com isso, num certo sentido,
avaliação de seu mandato consolidaram ainda
conseguiram modernizá-la, dando-lhe feições
mais seu nome, sendo eleito governador em
democráticas e populares. À testa do Partido
1998. Ele venceu as eleições daquele ano ainda
dos Trabalhadores - PT, lograram se beneficiar
no primeiro turno, conquistando 57,70% dos
da estrutura que a Igreja Católica e os
votos, contra 26,30% do segundo colocado
movimentos sociais e sindicais haviam

construído ao longo dos anos de 1970-1980 em (Alécio Dias - PFL) e 14,70% do terceiro (Chicão

resistência aos tradicionais setores, figuras e Brígido - PMDB).

projetos dominantes2. E assim começa a história da relação entre

desenvolvimento sustentável e força política


"Governo da Floresta" -1999-2006
nos governos da FPA. Num primeiro momento,
Nas eleições de 1990, Jorge Viana
correspondente aos dois mandatos de Jorge
disputa o Governo do Estado do Acre pela FPA.

Sobre isso, consultar Souza (2014), destacadamente o ensaio A atuação da Igreja Católica no Acre (1920-2013): história de uma involução
política, p. 15-76. Ver também Paula (2005).

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ASCENSÃO E QUEDA - O "DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL" E A FORÇA POLÍTICA
DA FRENTE POPULAR DO ACRE

Viana como governador do estado, quando a

relação se estabelece e é positiva. Formado em

engenharia florestal e cônscio do apelo que a

causa ambiental e a Amazônia tinham na nova

quadra histórica, ele fez do desenvolvimento


De modo sintético, na narrativa
sustentável o principal recurso ideológico de
oficialesca da FPA, que tem tanto de
seu governo, sustentando-se nele ao mesmo
teleológica quanto de auto-apolégtica,
tempo em que, emprestando-lhe sua força
ignoram propositalmente a disputa pela
política, o sustentava como experimento
borracha entre Brasil e Bolívia. Fazem de Luiz
econômico-social e como eixo ideoiógico-
Gálvez e Plácido de Castro - que estavam a
propagandístico. A relação era, então, de
serviço de poderosos grupos econômicos -
fortalecim ento recíproco.
heróis que "lutaram para que o Acre fosse
A adoção do s lo g a n Governo da
brasileiro". Transform am , assim, uma guerra
Floresta e a massificação do term o
de rapina numa "revolução" local-nacional,
"florestania" concretizam as intenções do
apontada como expressão genuína e virtuosa
governo de explorar ideologicamente a
de amor ao Acre e ao Brasil.
questão ambiental. Bem de acordo com isso,
Na mesma linha de (re)interpretação,
escolheram uma árvore como símbolo, como
forjaram uma continuidade entre essa
se vê na imagem a seguir. No mesmo espírito,
"revolução" e a luta dos autonom istas, aqueles
o governo se coloca uma ambiciosa tarefa:
que reivindicaram a elevação do Acre da
(re)contar a história e (re)fundar a identidade
condição de Território para a de Estado da
acreana.
Federação. Por fim , fizeram constar, nesse
Em verdade, a história acreana, como
grupo de "sagas heróicas", a luta dos
(re)contada pelo governo, foi tão "glorificada"
seringueiros por seus territórios, cujo
que é mais correto, antes, chamá-la epopeia,
personagem de maior celebridade foi Chico
tal como fizemos alhures (SOUZA, 2005, p. 34-
Mendes.
41)3.

3Outros já haviam usado o termo "epopeia" para se referir à história acreana, sempre no sentido de glorificá-la. Até onde sabemos, nosso trabalho
(SOUZA: 2005) foi o primeiro a utilizá-lo no sentido crítico para se referir à historiografia recente, forjada na reinterpretação que a FPA lhe confere.
Mais recentemente, também Carneiro (2015) lançou mão dele em sentido crítico.

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ASCENSÃO E QUEDA - O "DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL" E A FORÇA POLÍTICA
DA FRENTE POPULAR DO ACRE

Em resumidas contas, através dessa Noutro plano, o governo colocou as contas

"epopeia", procuraram m anufaturar um estatais em ordem e valorizou o salário do

consenso segundo o qual a bravura, o amor à funcionalism o público, fazendo o pagamento

terra e a preocupação ambiental para com a em dia e dando a ele credibilidade no mercado

Amazônia são características próprias do local. Além disso, forçoso é dizer, ainda, que

acreano, Desse modo, atribuíram a adoção do conseguiu desm ontar o crime organizado. Esse

desenvolvim ento sustentável à inspiração feito ficou simbolizado na prisão de um de seus

vinda da luta de Chico M endes e dos "povos da chefes (Hildebrando Pascoal) e ganhou ampla

repercussão na imprensa nacional.


floresta", insistindo que o Acre teria uma
Não foi sem razão que, nas eleições de
"vocação florestal", uma "m issão inalienável
2002, Jorge Viana aumentou seu percentual de
de cuidar da floresta", ensinando ao mundo
votos em relação às eleições de 1998 e ganhou
como fazê-lo.
o pleito com 63,5% dos votos contra 33,6% de
Interessa sublinhar este ponto último.
seu adversário, Flaviano Melo (PM DB), ex-
Conforme os representantes do Governo do
governador e tradicional representante
Acre fazem entender, a preocupação com a
político da oligarquia local.
floresta amazônica seria marca do caráter do
Como prova e expressão de sua força, a
povo acreano. Entretanto, essa preocupação é
FPA faturou ainda as duas cadeiras para o
sem pre posta em perspectiva global, como
Senado Federal em disputa naquelas eleições,
algo feito a serviço de todo o mundo. Como
monopolizando a representação acreana no
verem os, esse direcionam ento internacional
Senado, já que, sendo senador desde 1999,
do uso do desenvolvim ento sustentável como
Tião Viana ocupava a outra cadeira. Uma das
eixo ideológico-propagandístico do(s)
cadeiras foi reconquistada por Marina Silva. A
governo(s) não cessará até o fim . Mesmo
outra ficou com Geraldinho Mesquita (PSB),
quando perde força no cenário interno, ele
uma aposta pessoal de Jorge Viana. Diziam que
continuará sendo m anufaturado para
dada sua força política, naquele momento, ele
consumo externo, quer no intuito de conseguir
poderia eleger até um poste.
prestígio e em préstim os, quer no de atrair
Ainda nas eleições de 2002, Lula chega
investidores estrangeiros.
à presidência do país4. Então, Marina Silva é

Como é consabido, em 2003, com Lula, abre-se uma série de governos petistas que vão até 2016, quando Dilma Rousseff será deposta através
de impedimento.

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ASCENSAO E QUEDA - O "DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL" E A FORÇA POLÍTICA
DA FRENTE POPULAR DO ACRE

convidada para assumir o Ministério do Meio "m elhor lugar para se viver na Amazônia".

Ambiente. Esse convite representou o Segundo afirm ava, o governo anterior havia

reconhecimento da biografia de Marina (ex- lançado as bases da infraestrutura e colocado

seringueira), bem como do governo da FPA e o Acre na 'trilha do desenvolvimento. Agora,

de seu vínculo com a questão ambiental. competia ao novo governo consolidá-lo e, mais

Em 2004, a FPA consegue outra vitória que isso, universalizá-lo. Por isso o "para

significativa: Raimundo Angelim é eleito todos" ou, como também se dizia, "com todos

prefeito de Rio Branco, abrindo, na capital, e para todos".

uma série de governos que irá até o ano de Como se pode ver, o desenvolvimento

2018. Agora, a coligação detinha o Executivo sustentável perde a centralidade ideológico-

nos âmbitos municipal, estadual e federal. Nos propagandística de que gozava no governo

dois primeiros conseguiu, ainda, maioria nos anterior, cedendo, neste quesito, espaço e

Legislativos. Os êxitos eleitorais mostravam a importância à inclusão democrática e social.

inegável força política de que dispunham, Por certo que ele continua importante, sendo
gozando de condições mais que favoráveis ainda utilizado profusamente em discursos e

para realizarem excelentes administrações. entrevistas. Entretanto, a partir desse novo

momento, é, sobretudo, um recurso

"Desenvolvimento para todos" - 2007-2010 manufaturado para o exterior.

Impulsionado pela força política


Ao fim de seu segundo mandato, a acumulada nos anos anteriores, Binho ganha
popularidade e a aprovação de Jorge Viana era as eleições ainda no primeiro turno. Recebeu
tanta que lhe permitiram eleger seu sucessor, 53,05% de votos. Do lado da oposição, o
Binho Marques. Com Binho, percebe-se um segundo colocado (Márcio Bittar - PPS)
deslocamento do desenvolvimento recebeu 35,12% e o terceiro (Tião Bocalom -
sustentável como eixo ideológico- PSDB), 11,10%. Uma vitória como essa, no

propagandístico. Este eixo - e o tema da primeiro turno, representou uma prova de


questão ambiental que o acompanha - é ainda força da FPA. Todavia, cabe fazer algumas
mantido, mas com maior ênfase em sua considerações sobre esse novo cenário.
dimensão de experimento econômico-social. Em primeiro lugar, vale destacar a

O novo governo adotou o s lo g a n diminuição no percentual de votos em relação

Desenvolvimento para todos e se colocou o a Jorge Viana. Na última eleição (2002), Jorge

ousado objetivo de transformar o Acre no Viana havia tirado 63,5% dos votos, contra
ASCENSÃO E QUEDA - O "DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL" E A EORÇA POLÍTICA
DA FRENTE POPULAR DO ACRE

33,6% do representante da oposição. Binho floresta". O desenvolvimento sustentável era

tirou 53,05%, mesmo sendo o vice-governador atacad o» frontalm ente, como experimento

de Jorge Viana, com toda a publicidade e econômico-social e como eixo ideológico-

influência que tal cargo (somado ao de propagandístico.

secretário estadual de Educação e, ainda, de Ora, conforme entendemos, o s lo g a n

Desenvolvimento Humano e Inclusão Social) do governo de Binho Marques deve ser visto

possibilita. Ademais, juntos, os dois candidatos como p ro p o sta e re sp o sta . Desenvolvimento

da oposição somaram mais de 46% dos votos. para todos quer indicar que alguns ainda não

Portanto, a oposição teve, já ali, expressiva foram contemplados, mas serão. Tendo esse

votação. A oposição pode não ter ganhado quadro em conta, é lícito aventar que o uso do

aquela eleição, mas mostrou força eleitoral. "desenvolvimento" assim, só e sem o

Em segundo lugar, cumpre considerar "sustentável", era já um recuo no uso deste

as críticas implícitas e explícitas nas propostas último como eixo ideológico-propagandístico

da oposição. A coligação encabeçada por para consumo interno.

Márcio Bittar tinha por nome Frente da Acrescentar o "para todos" e falar

cidadania; já Bocalom estava à frente da continuamente em "com todos e para todos"

coligação denominada Produzir para pode ser também, licitamente, entendido

empregar. Com seus nomes / s l o g a n s , as duas como resposta (reação) às críticas ao

chapas oposicionistas miravam duas autoritarism o atribuído ao governo. Isto

fragilidades do governo. porque essa era já uma percepção bem

A primeira mirava o caráter autoritário difundida em setores vários da sociedade

do governo. Márcio Bittar reiterou essa crítica acreana. Sobre isso, é esclarecedora uma carta

inúmeras vezes, não perdendo a oportunidade que o jornalista Sílvio Martinello dirigiu a Jorge

de chamar o governo de "perseguidor". Viana, no ano de 2001.

A segunda denunciava o Na carta referida, dentre outras coisas,

desenvolvimento sustentável como contrário à o jornalista assevera que "em meus 25 anos de

produção local e incapaz de gerar emprego e jornalism o no Acre, nunca tivemos um governo

renda, acenando tanto para o homem do tão contencioso, tão difícil, tão repressor e

campo como para o da cidade. Bocalom disse policialesco quanto o seu", afirmando, em

muitas vezes, em referência negativa ao s l o g a n seguida, que "atualm ente, os órgãos de

dos governos de Jorge Viana, que desejava imprensa (...) vivem um verdadeiro clima de

fazer "um governo das pessoas, e não da terror. Seus donos são ameaçados de
ASCENSÃO E QUEDA - O "DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL" EA FORÇA POLÍTICA
DA FRENTE POPULAR DO ACRE

retaliações, até de prisão (...). Seus editores e virou piada. Isso impunha desdobrar esse

repórteres trabalham com medo (...)" experim ento, seguindo rumo à "economia

(Disponível em verde", de modo a ampliá-la e complexificá-la,

https://criticos7.webnode.com/news/carta- abrangendo com sua lógica mercadificante

aberta-%C3%A0-jorge-viana/ Acessado em muitos outros bens naturais.

10/10/2013). Só a madeira não bastava. Exatam ente

Com Binho, a relação com a imprensa por isso, impunha-se também insistir nele

continuou problemática, como mostram as como eixo ideológico-propagandístico voltado

explicações que teve que dar em uma para consumo externo. Por força dessas

entrevista ao final de seu governo, circunstâncias, a lógica expansionista do

reconhecendo que "muita gente na imprensa capital e a necessidade de afirmação da FPA se

reclama da falta de liberdade, mas eu não encontraram e alimentaram mutuamente.

consigo enxergar isso". Na mesma entrevista, De certa form a, os sinais destes

reconheceu que a segurança pública voltava a intentos já eram captáveis no discurso de

ser um problema. E, mostrando que o governo posse de Binho, tornando-se ainda mais

atuava mais nos efeitos que nas causas, prementes nos governos de Tião Viana. Então,

destaca com orgulho o que deveria causar evocando as mudanças climáticas como

vergonha: "o Acre também é o Estado que justificativa para as políticas locais, Binho dizia:

mais prende. Proporcionalmente, temos a Um d o s m a io r e s d e s a f io s da


hum anidade, hoje, é a mudança
maior população carcerária do país"
climática provocada pelo aquecimento
(disponível em https://agazetadoacre.com/as- do planeta e o esgotamento dos
recursos naturais acelerado pelo
vesperas-de-deixar-governo-binho-avalia-
padrão de consumo dos países mais
gestao-e-comemora-a-aprovacao-de- ricos [...] Nossa região é especialmente

62/acessado em 27/10/2018, destaques considerada pela sua importância no


equilíbrio global e pelas riquezas que
nossos.
ainda guarda [...] (Disponível em
Como experimento econômico-social, http://www.altinomachado.com.br/2
0 0 6 /1 2 / A cessad o 2 7 /1 0 /2 01 8 ).
os resultados do desenvolvimento sustentável
(destaques nossos)
até ali foram insatisfatórios, complicando e, no
É nesse contexto que ocorre a
limite, desaconselhando seu uso como eixo
aprovação da Lei N. 2.308, de 22/10/2010
ideológico-propagandístico para consumo
(também conhecida como Lei Sisa),
interno. A frase de Binho, de que faria do "Acre preparando juridicam ente o terreno para as
o melhor lugar para se viver na Amazônia", políticas de financeirização da natureza.
ASCENSÃO E QUEDA - O "DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL" E A FORÇA POLÍTICA
DA FRENTE POPULAR DO ACRE

diferença menor que 1%! Jorge Viana, não


"Servir de todo coração" e "Governo
apenas já não conseguia mais eleger um
parceiro, povo empreendedor" - 2011-2018
poste5, como quase empatou com seus
Localmente, como experimento adversário. Outro importante dado: para o
econômico-social e como eixo ideológico- Senado, Petecão tirou 199.956 votos,
propagandístico, o desenvolvimento enquanto, para o governo, Tião Viana tirou
sustentável havia se mostrado um problema. 170.202, ficando este último com uma
Era contraproducente ser associado a ele. Isso desvantagem de quase 30.000 votos!
explica, largamente, a opção dos governos de

Tião Viana de buscarem s lo g a n s muito

distintos dos de seus antecessores. Não se


Povo
trata, agora, de deslocá-lo como no governo

Binho, mas de ocultá-lo.


doAcre SERVIR DETODOCORAÇÃO
Por uma margem muito estreita, Tião

Viana ganha as eleições de 2010. Tirou 50,51% Nestas eleições, a oposição continuou

dos votos, contra 49,18% do segundo colocado denunciando em seus s lo g a n s o autoritarismo

(Tião Bocalom - PSDB). Ademais, ex-membro do governo e acusando-o de prejudicar a

da FPA, Sérgio Petecão conquista uma das produção e a geração de emprego. Sua

cadeiras do Senado naquelas eleições, coligação tinha por nome Liberdade e Produzir

rompendo o monopólio que a FPA tinha para empregar. Como s lo g a n de campanha,

naquela Casa. A outra cadeira ficou com ex- Tião Viana usa Pra você vencer na vida, como

governador Jorge Viana. a tentar convencer a população de que os

Em termos numéricos, interessa destacar problemas econômico-sociais seriam

quão perto Petecão fica de Jorge Viana em resolvidos. Para seu governo, escolheu o

percentagem devotos. Principal estrela da FPA s lo g a n Servir de todo coração (ver imagem

e considerado por muitos como o "melhor supra), como a dizer que seu governo não seria

governador da história do Acre", Jorge Viana autoritário.

tirou 31,77% dos votos, ao passo que Petecão Isso ficou apenas no s lo g a n . Os

tirou consideráveis 30,90%. Trata-se de uma problemas com a imprensa continuaram. Certa

5 O segundo candidato ao Senado pela Frente Popular foi Edvaldo Magalhães, que conseguiu 19,13% dos votos.

36
ASCENSÃO E QUEDA - O "DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL" E A FORÇA POLÍTICA
DA FRENTE POPULAR DO ACRE

feita, em 2013, o b lo g u e iro Altino Machado do "vazio demográfico", a propaganda militar

disse que tratava a Amazônia como "uma terra sem

homens para homens sem terra".


Hildebrando Pascoal era um adversário
mais leal do que o governo do Acre. Foi.exatam ente isso o que o governo de
Apesar de todas as acusações que pesam
Tião Viana fez naquele evento: ofereceu a
sobre ele, nunca recebí uma única
ameaça ao fazer reportagens sobre seus floresta acreana como se não houvesse
supostos crimes, ao contrário do que
acontece hoje no Acre, quando os ninguém habitando nela, como se toda ela
jornalistas são perseguidos pelo governo
estivesse à venda. Queria ele dizer que o Acre é
( D i s p o n í v e l em
https://www.oaltoacre.com/hildebrand uma floresta sem homens para homens sem
o-pascoal-era-um-adversario-mais-leal-
d o - q u e - o - g o v e r n o - d o - a c r e - d iz - floresta? Cumpre dizer que isso representa
jo rn alista-altin o -m a ch ad o -n a -cd h /
Acessado em 05/11/2018). uma desesperada busca para atrair capital,

sem' a menor preocupação com o

Também o movimento sindical sentiu a comprometimento com o território, ou com a

p esad a mão do governo. Lembremos, apenas sorte dos que nele habitam (SOUZA, 2014, pág.

para dar um exemplo, que em 2015, pela greve 143).

da educação, o governo ameaçou a categoria Como candidato à reeleição em 2014,

de cortar ponto e salário. Ameaçou, até, de Tião Viana tira 49,73% dos votos contra 30,10%

demissão. (Disponível em do segundo colocado (Márcio Bittar - PSDB) e

https://contilnetnoticias.com .br/2015/08/gov 19,61% do terceiro (Tião Bocalom - DEM). Com

ernador-manda-cortar-ponto-e-demitir- esse resultado, houve segundo turno. Neste,

professores-em-greve-sindicato-reage/ Tião Viana conseguiu 51,29% dos votos, contra

Acessado em 07/11/2018). 48,71% de seu adversário. Por outro lado,

Não obstante, o governo persistiu ainda nessas eleições, o também ex-membro

manufaturando o desenvolvimento da FPA, Gladson Cameli (PP), é eleito senador,

sustentável para consumo externo. Digno de deixando a oposição com duas cadeiras no

destaque foi um evento promovido na Rio+20, Senado, e a FPA com apenas uma. Cameli tirou

que recebeu um simbólico nome: Faça do Acre o total de 218.756 votos, mais do que Tião para

sua floresta. o governo, no segundo turno (196.509),

De imediato, vale observar a ficando este numa desvantagem de mais de

proximidade que o título guarda com a 20.000 votos.

propaganda do governo militar para atrair Com seus s lo g a n s , a oposição

investidores para a Amazônia. Baseada na tese continuou insistindo nas mesmas críticas,
ASCENSÃO E QUEDA - O "DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL" E A FORÇA POLÍTICA
DA FRENTE POPULAR DO ACRE

denunciando o autoritarism o do governo e a distanciar-se dele e, em certo sentido, até de


incapacidade de o desenvolvimento negá-lo. É o que aponta a adoção do projeto de
sustentável impulsionar a produção e gerar industrialização que, além das atividades
emprego. Márcio Bittar se valeu da Aliança por acima citadas, envolvería ainda a exploração
um Acre melhor e Bocalom, de Produzir para de petróleo e/ou gás. Por um lado, o fracasso
empregar. econômico-social do desenvolvimento
Como s lo g a n de seu segundo governo, sustentável (como experimento econômico-
Tião Viana escolhe Governo parceiro, povo
social) impõe radicalizá-lo através da busca da
empreendedor (ver imagem logo a seguir).
financeirização da natureza. Por outro, a fim de
Como entendemos, há aí um reconhecimento
responder a demandas urgentes, impõe
do fracasso do desenvolvimento sustentável
também a defesa de atividades explicitamente
como experimento econômico-social.
antiecológicas.
As críticas da oposição estavam sendo
Do ponto de vista ideológico, isso é um
apoiadas nas urnas. Era preciso mostrar para a
problema. É impossível resolver no nível da
população que o governo era capaz de mudar
propaganda e dos discursos essa contradição
este quadro. Não por acaso, nesse novo
demasiado patente. Do ponto de vista
momento, Viana assume como desafio a
m aterial, não há problema. O capital ganha
"industrialização do estado". Daí, a grande
tanto com as "atividades verdes" (manejo e
ênfase que deu à produção de peixes, de
créditos de carbono, por exemplo) quanto com
frango e de porco.
as "atividades cinzas" (exploração de petróleo

NovoAcreV
Governo parceiro, povo empreendedor, f l
e/ou gás).

Por problemas políticos

nacional, obstáculos jurídicos e pressão social,


no cenário

o governo não pôde levar adiante a tão


Agora, não se trata apenas de ocultar o
desejada exploração de petróleo e/ou gás. Os
desenvolvimento sustentável como
projetos de criação e comercialização de
experimento econômico-social e como eixo
peixes, frango e porco faliram
ideológico-propagandístico. Trata-se de
desastrosam ente6. Através de facções diversas

A exemplo das empresas Peixes da Amazônia, afundada em dúvidas trabalhistas e ações judiciais, a fábrica de tacos, o Álcool Verde e a fábrica
de borracha, em Sena Madureira, desta vez foi a fábrica de preservativos Natex, localizada no município de Xapuri, que abriu falência no
governo do Acre (disponível em https://contilnetnoticias.com.br/2018/05/tiao-consegue-levar-mais-uma-empresa-a-falencia-e-fabrica-de-
camisinhas-fecha-as-portas/

38
ASCENSAO E QUEDA - O "DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL" E A FORÇA POLÍTICA
DA FRENTE POPULAR DO ACRE

(PCC, CV e B13), o crime organizado voltou a Sua impopularidade e rejeição pesaram

tomar conta do estado e em proporções contra a candidatura de Marcus Alexandre nas

maiores que antes, levando insegurança a toda eleições governamentais de 2018. Durante

população. Pesquisa aponta que, em 2017, o toda a campanha, procuraram dissociar

Acre teve a "segunda maior taxa percentual de Marcus Alexandre de Tião Viana, da própria

morte" no país (disponível em FPA e do desenvolvimento sustentável. Isso

https://gl.globo.com/ac/acre/noticia/acre-e- explica terem escolhido como mote de sua

o-segundo-estado-com-maior-taxa-de- campanha o Vamos juntos fazer o novo e de o

mortes-violentas-do-pais.ghtml Acessado em então candidato ter de dizer coisas como:

07/11/2018). "Florestania é mais um conceito. Queremos

E assim, quase paradoxalmente, ampliar áreas de agricultura para dobrar a

aconteceu o fracasso interno do produção" (disponível em

desenvolvimento sustentável que levou o https://www.ac24horas.com/2018/08/21/ma

governo a insistir nele externamente. Buscou, rcus-viana-diz-nao-a-florestania-e-fala-em-

por isso, alianças com outros governadores, investir-no-agronegocio/ Acessado em

bem como a implementação das políticas de 07/11/2018).

REDD e um sem número de empréstimos, Com Jorge Viana, a florestania e o

elevando o nível de endividamento. desenvolvimento sustentável foram

Hoje, o Estado não pode mais contrair afirmados. A ascensão. Com Binho,

empréstimo nenhum e já vem, há alguns anos, deslocados. No primeiro governo de Tião

atrasando o pagamento de certos setores do Viana, ocultados. No segundo, negados, meio

funcionalismo público. Por tudo isso, não sutilmente. Na campanha de Marcus

causou surpresa o fato de uma pesquisa Alexandre, negados, abertamente e sem

apontar Tião Viana como "o pior governador sutilezas. O que era trunfo virou pedra de

do Brasil" (disponível em tropeço. A queda.

https://maisro.com.br/exclusivo-ranking- Gladson Cameli (PP) ganha o pleito

completo-dos-melhores-governadores-do- eleitoral de 2018 com 53,71% dos votos,

brasil-segundo-o-gl/ Acessado em contra 34,54% de Marcus Alexandre. E mais.

05/11/2018). Márcio Bittar (MDB) e Petecão (PSD)


ASCENSÃO E QUEDA - O "DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL" E A FORÇA POLÍTICA
DA FRENTE POPULAR DO ACRE

conquistam as duas cadeiras do Senado em trágico disso tudo é que, como a FPA se

disputa nestas eleições de 2018, deixando sem apropriou do ambientalismo e ficou colada

mandato Jorge Viana, a maior figura da FPA. nele, qualquer preocupação real com a

Petecão ficou com 30,72% dos votos. Bittar proteção da floresta e com seus habitantes

ficou com 23,28%. Jorge Viana com 14,74%, pode ser atrelada aos fracassos de seus

acompanhado de perto por Ney Am orim , com governos. Com isso, é lícito dizer: não

14,50%. ganhamos nada com a vitória dos governos da


Os defensores do agronegócio FPA, mas podemos perder muito com a sua
abertam ente antiecológico venceram estas derrota.
eleições no cenário local e no nacional. O mais

Referências bibliográficas

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PAULA, Elder Andrade de. (Des)envolvimento insustentável na Amazônia na Amazônia Ocidental: dos missionários do progresso
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40
ASCENSÃO E QUEDA -O "DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL" E A FORÇA POLÍTICA
DA FRENTE POPULAR DO ACRE

SOUZA, Israel Pereira Dias de. Democracia no Acre: notícias de uma ausência. Rio de Janeiro: PUBLIT, 2014.

SOUZA, Israel Pereira Dias de. "Reformas do Estado" e discurso florestânico no governo da Frente Popular: entre a epopeia e a
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TAVARES, Lu cian o . M arcus Viana diz não à Flo restan ia e fala em investir no agronegócio. D Jsponíve! em
https://www.ac24horas.com/2018/08/21/marcus-viana-diz-nao-a-florestania-e-fala-em-|nvestir-nâ^ronegocio/.
Acessado em 07/11/2018.

41
A "SEBRAELIZAÇÃO DO IN DIGENISM O" NA AMAZÔNIA OCIDENTAL COMO
ESTRATÉGIA PARA A MERCANTILIZAÇÃO E A FINANCEIRIZAÇÃO
Lindomar Dias Padilha1

O presente texto tem por intenção 2000/2010 e momento presente. Sempre

expor alguns apontamentos a serem houve intenção dos governantes, em diversas

aprofundados sobre uma leitura, talvez épocas históricas, de inserir os povos indígenas

peculiar, que fazemos do processo que nos seus modelos de desenvolvimento, ao

estamos denominando como "sebraelização1


2* mesmo tempo em que se recusavam a admitir

a existência de modelos próprios destes povos.


do indigenismo". Em tempos bicudos como os

atuais, refletir sobre certos temas é, antes de


"Fa z-se re le v a n te d e sta c a r que os
tudo, um corajoso exercício de releitura quase K a x in aw a, iu n ta m e n te com a PN G
Comissão Pró-índio do Acre e outros povos
exegética.
in d íg e n as do e sta d o , criaram uma
Entretanto, como dito anteriormente, o cronologia de suas histórias e utilizam os
seguintes termos: "tempo da maloca" para
propósito é, talvez, atiçar e provocar as mentes
designar o período da história em que
honestas e abertas. Não propomos verdades, viviam juntos, antes do contato com os
brancos; "tempo das correrías" para
mas um olhar mais crítico daquilo que pode se
designar o momento em que há invasões

apresentar de forma esverdeada, com a das terras indígenas no Acre, em que


tentavam fugir; "tempo do cativeiro" para
intenção de esconder as cinzas sobre as quais
a época em que foram hum ilhados,

os modelos desenvolvimentistas se apoiam. escravizados e serviram como mão de obra


para os seringais; e, finalmente, o "tempo
Se de um lado não propomos verdades, dos direitos", para designar o momento em

por outro, não as admitimos quando são que foi iniciada a luta pelas demarcações
de terra, a criação da Constituinte de 1988
colocadas de forma absoluta e inquestionável. e o surgimento do movimento político
indígena, bem como suas organizações"
Nossa análise, mesmo considerando todo o
(IGLESIAS & AQUINO, 2005). (grifo nosso)
processo histórico, situa-se nas décadas de

1 Lindomar Dias Padilha é licenciado em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), pós-graduado em Desenvolvimento e Relações
Sociais no Campo, Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais pela Universidade de Brasília (UnB), e mestrando em Direito pela
Universidade Católica de Petrópolis.
2Adoto este termo desde 2012, por ocasião da Rio+20, quando foi publicado o Dossiê Acre. A expressão surge após uma leitura comparativa dos
objetivos contidos no estatuto do Sebrae, e a forma e objetivos contidos na Lei 2.308, a chamada Lei Sisa do Acre. Ao comparar, notei que o
estatuto geral do Sebrae em seu capítulo 5S repete para todos os estados a mesma objetividade, acrescendo apenas as siglas referentes às
unidades da federação (TO -Tocantins; A C -A c re ), e que o mesmo ocorria com a lei acreana que era apenas adaptadas aos estados, repetindo
porém, os objetivos.

42
A "SEBRAELIZAÇAO DO INDIGENISAAO" NA
AMAZÔNIA OCIDENTAL COMO ESTRATÉGIA
PARA A MERCANTILIZAÇÃO E A FINANCEIRIZAÇÃO

O texto de Terri Aquino e Marcelo pior, coloca os povos indígenas como meros

Iglesias indica que se criou uma cronologia receptores desses direitos.

histórica para realizar o que chamo aqui de Os direitos passam a ser uma dádiva,

primeira adequação dos povos e comunidades um presente, uma concessão por parte dos

indígenas à lógica do capital e ao mandatários. Este modelo foi aplicado várias

desenvolvimentismo subjacente a este. vezes em nossa história; por exemplo, a versão

Vejamos como essa estrutura teórica justifica a oficial nos informa que a princesa Izabel

transformação dos povos indígenas em "libertou" os escravos, como protagonista de

supostos comerciantes de serviços ambientais um gigantesco ato humanitário, como se os

e empreendedores. escravizados nada tivessem feito por sua

Os povos indígenas, via de regra, não própria libertação.

possuem um pensamento histórico linear. Esta No caso dos indígenas no Acre a ideia é

é uma forma de pensar do Ocidente europeu, a mesma: depois que os direitos lhes foram

colonialista e expansionista. Segundo Padilha dados por pura generosidade das autoridades
(PADILHA, 2016), " f a la r e m t e m p o s h i s t ó r i c o s do Governo da Floresta, a eles, os povos

u o s p o v o s in d í g e n a s n e s t a l ó g ic a é im p o r - lh e s indígenas, restam apenas a eterna gratidão e

a l ó g ic a te m p o r a l c o lo n iz a d o ra " . É violar a subserviência. Destacamos que justamente a

lógica indígena e negar-lhe cientificidade; é partir do ano de 2002/2003, em pleno Governo

impor pela história, ainda, um modelo da Floresta, todos os processos de demarcação

desenvolvimentista e evolucionista linear, de Terras Indígenas no Estado do Acre foram

como se a verdadeira história indígena não paralisados. E raras foram as vozes que se
significasse nada e como se só fosse possível levantaram contra esse ataque aos direitos dos
significá-la a partir de uma "criação povos.

cronológica de sua história", sempre dos A falta de empenho para a demarcação

atores de fora, do colonizador. de novas terras, ou das terras que não foram

Admitindo estes tempos históricos, demarcadas, quer justificar a tese de que o

admitiremos, necessariamente, que no Acre se problema dos povos indígenas no Acre não é a

chegou a um tempo identificado como o falta de terra, mas sim, a falta de gestão. Os

"tempo dos direitos". Este ponto é indígenas, portanto, precisam aprender a

especialmente crítico porque enfraquece a serem gestores de suas terras e dos recursos

necessidade de seguir lutando por direitos e, o que também "recebem" do governo.

43
A "SEBRAELIZAÇÃO DO INDIGENISMO" NA
AMAZÔNIA OCIDENTAL COMO ESTRATÉGIA
PARA A MERCANTILIZAÇÃO E A FINANCEIRIZAÇÃO

Entretanto, a representação tradicional gestão fica limitada aos seus escritórios, sem

dos povos indígenas supostamente não dá uma prática interna, local, nas comunidades. A

conta desta nova demanda, já que os caciques alternativa apresentada, então, é uma:

quase sempre são vistos como incapazes, transform ar as comunidades ou setores dessas

incompetentes, não letrados, entre outras comunidades abrindo-as ao mercado.

formas preconceituosas de entender a A questão, portanto, não é os povos

organização sociopolítica dos povos. Por esta indígenas terem acesso a recursos, mas os

razão, se justifica a criação de setores governos, ONGs e empresas terem acesso aos

especializados em fomento e gestão. recursos naturais comuns existentes nos

A partir de então, extingue-se o territórios; para tanto, foi necessária a criação

movimento das lideranças indígenas, formado de uma legislação que regulamenta a

basicamente por caciques e experientes èxpropriação:

líderes (a União das Nações Indígenas do Acre,

Noroeste de Rondônia e Sul do Amazonas -


Art. I s Fica criado o Sistema Estadual de
UNI3 é falida em 2004), e o poder de
Incentivos a Serviços Ambientais - Sisa,
representação e consulta fica restrita aos com o o b ie tiv o de f o m e n ta r a
manutenção e a ampliação da oferta
diretores de organizações, por vezes, sem dos seguintes serviços e produtos
ecossistêm icos: I - o sequestro, a
nenhum vínculo com as comunidades. c o n se rv a ç ã o , a m a n u te n çã o e o
aumento do estoque e a diminuição do
De outro lado, essa nova forma de se fluxo de carbono; II - a conservação da
beleza cênica natural; III - a conservação
organizar se ajusta melhor às necessidades do
da s o c i o b i o d i v e r s i d a d e ; IV - a
conservação das águas e dos serviços
governo e das ONGs responsáveis por este
hídricos; V - a regulação do clima; VI - a
"diálogo", já que não precisam mais se dirigir valorização cultural e do conhecimento
tradicional ecossistêmico; e VII - a
até as aldeias, pois as coordenações destas conservação e o melhoramento do solo
(ACRE, Lei 2.308 de 22 de outubro de
entidades (indigenistas e indígenas) são 2010) .

sediadas na capital (Rio Branco), ou em outros

centros próximos ao poder.


Essas ONGs, pelo fato de não terem
capilaridade, não chegam até as aldeias e a

O fim da UNI deixa um enorme vazio na política indigenista como um todo, e principalmente, na política de atenção à saúde, terra e
educação. Há uma grande perplexidade sobre os caminhos a serem percorridos em relação ao movimento indígena. Passa a ser urgente a
criação de novos espaços para reflexão. Mas, esses espaços são negados e obscurecidos por força da ação político-partidária que ainda atua
de maneira decisiva e controla os recursos destinados à saúde e aos demais setores da vida indígena.

44
 "SEBRAELIZAÇÃO DO INDIGENISMO" NA
AMAZÔNIA OCIDENTAL COMO ESTRATÉGIA
PARA A MERCANTILIZAÇÃO E A FINANCEIRIZAÇÃO

O documento explicita como objetivo "fomentar o desenvolvimento sustentável e o


principal "fomentar a oferta de serviços e acesso à 'crédito' e capitalização".
produtos". Os artesanatos e utensílios são um A "sebraelização" das relações, a
grande exemplo de como tem se dado a mercantilização da cultura, assim como a
"sebraelização": uma senhora que produz financeirização da natureza por meio da
artesanatos, por exemplo, é alçada à condição 'economia verde' (ou outro nome que soar
de empreendedora; os artesanatos, muitos melhor), têm um vício de origem: não
guardando profunda e íntima relação com o procuram equacionar e resolver os gravíssimos
sagrado, passam a ser apenas objetos de problemas dos povos indígenas, mas apenas,
comércio, mercadoria. O resultado é uma resolver os problemas da falta de políticas
espécie de dessacralização da natureza, da públicas por parte do governo, e em vários
cultura místico/religiosa. castas, resolver o problema de caixa de

governos e ONGs.

Esses projetos tendem ao fracasso


Art. 5°. O Sebrae tem por objetivo fomentar
especialmente porque não escutam os povos
o d es envol vi ment o sust ent ável , a
competitividade e o aperfeiçoam ento indígenas, nem durante a elaboração, e muito
técnico das microempresas e das empresas menos na execução. São sempre vindos de
de pequeno porte industriais, comerciais,
fora, nunca nascem da vontade destes povos,
agrícolas e de serviços, notadamente nos
campos da econom ia, adm inistração, e sequer esta vontade é considerada.
finanças e legislação; da facilitação do
É justamente em decorrência desta
acesso ao crédito: da capitalização e
fortalecimento do mercado secundário de leitura política e considerando os aspectos
títulos de capitalização daquelas empresas; perigosos e o desrespeito aos direitos dos
da ciência, tecnologia e meio ambiente; da
povos indígenas, notadamente os direitos
capacitação gerencial e da assistência
social, em consonância com as políticas Constitucionais, é que o Conselho Indigenista
nacionais de d e s e n v o l v i m e n t o
Missionário - Cimi soltou uma nota pública em
(https://rn.sebrae.com.br/ Visitado em
17/11/18). (grifo nosso)
13/03/2012 com o título: "A sanha do

capitalismo verde: REDD e as artimanhas

contra os povos indígenas" em cujo primeiro

Veja que curioso. Enquanto o Governo parágrafo lemos:

do Acre, a serviço de empresas e governos


Agora, não chegam as caravelas
"esverdeados", fala em "fomentar a oferta de com p o r t u g u e s e s , e s p a n h ó i s ,
ingleses, franceses e outros
serviços e produtos", o Sebrae fala em
do norte desenvolvido. Chegam

45
A "SEBRAELIZAÇÃO DO INDIGENISMO" NA
AMAZÔNIA OCIDENTAL COMO ESTRATÉGIA
PARA A MERCANTILIZAÇÃO E A FINANCEIRIZAÇÃO

empresas transnacionais do norte, trazendo posse das terras a que se refere este
a tiracolo os governos de seus países, com artigo, ou a exploração das riquezas
propostas "ecologicamente corretas" e naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas
carregando em seu bojo a subordinação ainda exi stentes, ressal vado rel evante
maior dos povos do sul. A terra, lastro do interesse público da União, segundo o
capital natural, está sendo comercializada em que dispuser lei complementar, não
bolsas de valores. Tal sanha também se gerando a nulidade e a extinção do direito
estende aos outros elementos da natureza, a indenização ou a ações contra a União,
como o ar, a biodiversidade, a cultura, o salvo, na form a da lei, quanto às
carbono - patrimônios da humanidade, (grifo benfeitorias derivadas da ocupação de
nosso) boa-fé.
Art. 232. Os índios, suas comunidades e
organizações são partes legítimas para
ingressar em juízo em defesa de seus
A Constituição Federal brasileira, em direito s e in te re sse s, intervindo o
Ministério Público em todos os atos do
seu artigo 231, é clara quanto ao processo (BRASIL, CF Art. 231 e 232).
(grifo nosso)
reconhecimento dos direitos dos povos

indígenas, não dependendo de nenhuma


A intenção de explorar as riquezas
interpretação, reconstituição supostamente
existentes nos territórios indígenas e nos
histórica, ou mesmo leis estaduais que venham
territórios de povos e comunidades
a lhes "garantir" esses direitos.
tradicionais é o que sempre está por detrás

destas políticas. Este tem sido o nosso ponto


Art. 231. São reconhecidos aos índios sua
central de críticas e enfrentamentos nestes
organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários
quase 20 anos últimos, coincidentes com
sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las,
governos da chamada Frente Popular do Acre -
proteger e fazer respeitar todos os seus
bens.(...)
FPA. Os governos da FPA preferiram fazer
§ 22 - As terras tradicionalmente ocupadas
pelos índios destinam-se a sua posse ouvido de mercador (sem ironias) a escutar a
permanente, cabendo-lhes o usufruto
exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos voz crítica dos povos e comunidades.
lagos nelas existentes. (...)
§ 62 - São nulos e extintos, não produzindo A pesquisadora e estudiosa de temas
efeitos jurídicos, os atos que tenham por
objeto a ocupação, o domínio e a ligados à economia verde e REDD, Jutta4 (KILL,

4
Jutta Kill é bióloga, ativista e pesquisadora. Sua pesquisa é orientada à ação e apoio aos movimentos sociais e comunidades tradicionais, na
análise de novas tendências na conservação da natureza e proteção ambiental e seu impacto sobre as comunidades. Desde 2000, vem
documentando os impactos locais de inúmeros projetos de carbono florestal e biodiversidade, em particular os que comercializam compensação
de carbono. Combinando pesquisa de campo e análise crítica com fundamento teórico, seu trabalho vem apoiando fortemente a formulação de
argumentos contrários aos esquemas de mercantilização e financeirização da natureza, assim como denunciando as violações aos direitos das
comunidades indígenas e tradicionais na África e América Latina.

46
A "SEBRAELIZAÇÃO DO INDIGENISMO" NA
AMAZÔNIA OCIDENTAL COMO ESTRATÉGIA
PARA A MERCANTILIZAÇÃO E A FINANCEIRIZAÇÃO

2016), em documento enviado ao Ministério 2018. Ou seja, saímos de uma desconstrução do

Público Federal do Acre - MPF, no contexto do modo tradicional de vida dos povos indígenas
para uma "sebraelização" aprofundada até o
inquérito civil 1.10.001.000166/2016 - 90,
lim ite da m ercantilização total, chegando à
ao falar de financiamento de atividades em financeirização.
Terras Indígenas do Acre diz:
CONCLUSÃO

A complexidade do tema e o interesse de


É somente através dessa estrutura incomum
que não nos apropriemos do conhecimento dos
de pagamento, que inclui pagamentos por
manter o "estoque de carbono" em lugares riscos relativos ao modelo econômico vinculado
onde não há risco de o carbono fluir para a à e c o n o m i a v e r d e e s ua c o n s e q u e n t e
atmosfera que o financiamento do REM no
"sebraelização", m ercantilização e
Acre foi disponibilizado para financiar
financeirização da natureza, tem nos levado a
atividades em Terras Indígenas (Tis). Esses
pagamentos são feitos a atividades em áreas estudos cada vez mais aprofundados, e ainda os
onde não há risco imediato de desmatamento farem os por longo tem po, já que uma das
e para as quais o governo do Acre não pode
estratégias é a troca conceituai frequente e a
mostrar uma redução verificada do fluxo de
utilização de linguagem não comum do dia a dia
carbono para a atmosfera porque não havia
risco de tal fluxo acontecer: os povos das comunidades.
indígenas vinham mantendo a floresta dentro No nosso entendimento, em relação aos
do seu território demarcado. Os pagamentos povos indígenas, os processos foram construídos
são feitos para recompensar a conservação do
da seguinte forma, resumidamente:
estoque de carbono, e não para reduzir o fluxo
de carbono para a atmosfera, conforme
a) Introdução de uma cronologia histórica
sugerido pela primeira letra na sigla REDD - apropriada para a alteração profunda na lógica
Redução (KILL, 2016). a d o t a d a t r a d i c i o n a l m e n t e p e l o s pov os
indígenas, incutindo em algumas lideranças,
notadam ente lideranças não trad icio nais e
formadas em espaços alheios às aldeias, a ideia
de "desenvolvimento".
Notemos que ela fala em "estrutura
b) Adoção de conceitos como "gestão"
incomum de pagamento para manter estoques territorial e empreendedorismo como forma de
de carbono". No caso dos territórios indígenas, transferir as responsabilidades pelo sucesso, ou
f r a c a s s o , aos pr ópr i os povos i ndí gena s ,
o governo do Acre "não pode mostrar uma
desresponsabilizando o poder público, ONGs,
redução verificada do fluxo de carbono para a
empresas e governos não nacionais.
atmosfera". Cito este documento ao final para c) Conversão dos direitos em presentes

indicar o ponto onde paramos neste ano de dados por um governante bonzinho que olha

47
A "SEBRAEUZAÇAO DO INDIGENISMO" NA
AMAZÔNIA OCIDENTAL COMO ESTRATÉGIA
PARA A MERCANTILIZAÇÃO E A FINANCEIRIZAÇÃO

para os povos da floresta e vela por seus sonhos, f) Hipoteca das Terras Indígenas e áreas de
d) C o n trata çã o de ONGs que prestam conservação com discurso inversamente oposto
consultoria ao governo na formulação de leis e na para confundir.
aplicação de mecanismos ligados aos interesses g) E, por fim, controle absoluto pelo capital
mercadológicos. sobre os bens naturais comuns a todos nós, por
é) Desqualificação e desautorização das meio da mercantilização e financeirização da
lideranças tradicionais em benefício de novas natureza.
lideranças que melhor "dialogam" com essas
novas form as do v e l h o c a p i t a l i s m o ,
"empreendedorismo" e desenvolvimentismo.

Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília (D F ): Senado, 1998.

KILL, Jutta. A relação entre o REDD+ e o programa "REDD para pioneiros" - REDD Early Movers, ou REM do banco público alemão
KFW. 2017.

NUNES, Rosenilda Padilha. (Org.) Indígenas em espaços urbanos no acre. Acre: Ed. Mensageiro (Cimi), 2011.

NUNES, Rosenilda Padilha. Entre o Português e o Jaminawa: o bilinguismo e o ensino da língua oficial. Dissertação de Mestrado em

Ciências da Linguagem. Rondônia: Fundação Universidade Federal de Rondônia, 2013.

PADILHA, Lindomar D. etal. Dossiê Acre: O Acre que os mercadores da natureza escondem. DF: Cimi, 2012.

48
USOS E ABUSOS DA IMAGEM DE CHICO MENDES
NA LEGITIMAÇÃO DA "ECONOM IA VERDE"
Maria de Jesus Morais1
As diferentes trajetórias de vida dos índios,
seringueiros, regatões, ribeirinhos e sulistas A ênfase a "diferentes trajetórias" é
caracterizam, hoje, a identidade do povo acreano e
recorrente desde o início de 1999, quando se
constitui a base para a construção do novo modelo
de desenvolvimento, baseado na valorização dos
instala a primeira gestão do governo da Frente
recursos florestais e da sociobiodiversidade (ACRE,
2010a). Popular do Acre - FPA^ Desde então, a imagem
Com este parágrafo publicado no de Chico Mendes é performaticamente
Resumo Educativo, do livro "O uso da terra apresentada como o idealizador do
acreana com sabedoria", do Zoneamento direcionamento econômico que toma corpo no
Ecológico Econômico do Acre, iniciamos esta Estado, sendo utilizada, também, para
conversa sobre usos e abusos de imagens de ilustração de documentos do governo, como a
Chico Mendes pelo Governo do Estado Cartilha do Plano de Valorização Ambiental.
acreano. Aqui, em nossa conversa, tentaremos

Capa da cartilha do Plano de Valorização Ambiental responder a duas perguntas: 1 - Por que o
Programa REDD (Governo do Acre) discurso identitário ganhou tanta visibilidade e
Plano d e Valorização d o Ativo Am biental
Programa do Ativo Florestal importância no Acre na primeira década do
século XXI? 2 - Quais são os projetos políticos e
V*M|t*‘i*>*f>*#*»<F ‘**n* Sfc*e*«V«*»»»••« u econômicos vinculados a esse discurso

Pr o | * t o dw Pa ^ a m o n tö p s r
identitário? Para respondê-las, vamos começar
S e rv ic e * •**2
discutindo um pouco da trajetória entre o

oo& nszst bancas


grupo do governo da FPA e os movimentos
sociais no Acre.

Um pouco da história do governo do PT e


do uso da imagem de Chico Mendes

A questão identitária, enquanto

bandeira de propaganda política no Acre, já

estava posta pelo grupo que formaria mais

tarde a FPA, desde a campanha eleitoral para


2 0 09

Fonte: Acre (2009). governo estadual de 1990. O que significa dizer

‘ Professora Associada 3 e pesquisadora do Centro de Filosofia e Ciências Humanas e do Programa de Mestrado em Linguagens, Letras e Identidades da
Universidade Federal do Acre (UFAC). E-mail: mjmorais@hotmail.com.
2Frente de partidos políticos liderada pelo Partido dos Trabalhadores

49
USOS E ABUSOS DA IMAGEM DE
CHICO MENDES NA LEGITIMAÇÃO DA
"ECONOMIA VERDE"

que a questão da apropriação e (re)significação discurso sobre a "sustentabilidade ambiental",


dos "sonhos e ideais" de Chico Mendes vem de nacional e internacional, reconhecia o papel
longa data. das comunidades locais na gestão dos recursos
Na campanha eleitoral de 1990, para naturais. . .

ressaltar a identificação do candidato da FPA Em 1999, iniciam-se as gestões da FPA3,

com as principais questões do povo acreano, hoje em sua quinta versão. Nas duas primeiras

em oposição aos "de fora", os principais gestões deste governo (1999-2006)

símbolos identitários do Acre foram acionados. autodenominado de "Governo da Floresta",

Os símbolos que lembram episódios da houve todo um investimento no que diz

Revolução Acreana foram utilizados com respeito à (re)significação da identidade

objetivo de estabelecer a conexão entre 1889 e acreana. Nesta (re)construção identitária, os

eventos históricos foram (re)significados, não


1903 (período da denominada Revolução
para negá-los, mas para introduzir a trajetória
Acreana) com os conflitos e tensões das
de índios e seringueiros como símbolos do
décadas de 1970-1980, protagonizados por
"verdadeiro acreano".
índios e seringueiros, em luta contra os
Com o s lo g a n Governo da Floresta, o
"paulistas" (os de fora) e por seus territórios
objetivo era associar-se como 'governo dos
tradicionais.
povos da floresta', "inspiração" do movimento
Dois aspectos contribuíram para o
social de índios e seringueiros; mas, o que tem
sucesso da campanha eleitoral e gestão de
se concretizado é um governo interessado na
Jorge Viana (1999-2006): um foi a discussão dos
produção de um território de negócio,
problemas sócio-ambientais provocados pelo
dissociando, na prática, "recursos" de "povos
modelo econômico vigente, para o qual eram da floresta".
apresentadas “alternativas econômicas para a Para legitimar o plano de governo e

crise do extrativismo" por meio do conseguir a "simpatia" dos movimentos sociais

"desenvolvimento sustentável"; e o outro foi o (o que, não raras vezes, deu-se por cooptação

uso do movimento social protagonizado por de lideranças e no esvaziamento praticamente

completo dos movimentos), foi feito um


seringueiros e índios contra a expropriação
investimento no que diz respeito a reafirm ar a
territorial e em defesa da floresta como meio
identidade acreana, afinal de contas, era o
de sobrevivência. Naquele momento, o
governo do "Centenário do Acre". A partir de

3 Primeira e segunda gestão 1999 - 2006 (Jorge Viana), terceira 2007 - 2010 (Binho Marques), e quarta e quinta 2011 - 2018 (Tião Viana).

50
USOS E ABUSOS DA IMAGEM DE
CHICO MENDES NA LEGITIMAÇÃO DA
"ECONOMIA VERDE"

1999 se dá a (re)construção de obras e junto ao Governo Federal a criação do Estado


monumentos para reafirmar uma certa
do Acre. A acreanidade é uma ressignificação
identidade acreana, acompanhada por um
da identidade acreana e está pretensamente
discurso performaticamente proferido no
ancorada na trajetória de índios e seringueiros
sentido de que o "Novo Acre" é a continuidade

das lutas e anseios dos movimentos sociais. no Acre, sem, no entanto, negar os signos

Além destes aspectos, da construção da identitários do acreanismo.

"acreanidade", o direcionamento econômico Na construção da acreanidade, foi


do estado, como a adoção do Programa de
realizado um "resgate" das raízes culturais, ou
Desenvolvimento Sustentável no Acre, era
seja,, dos traços que poderíam contribuir com
associado - e legitimado - com a realização dos
maior sucesso para o fortalecimento do
sonhos de Chico Mendes, ao mesmo tempo em
discurso identitário, como os mitos de origem,
que se "resgatava a cultura florestal" do

acreano. os heróis fundadores e as referências


D Governo da Floresta atuou, portanto, territoriais.
em duas direções: uma na adoção do modelo Para isso, entrou em cena o trabalho de
de "desenvolvimento sustentável", justificado enquadramento da memória coletiva, que foi
como a continuidade dos "sonhos de Chico
realizado pelas "vozes autorizadas" para a
Mendes"; e em outra, no "resgate" e
construção de uma memória oficial (não
valorização dos signos da identidade acreana,
necessariamente coletiva), "recuperando" um
tanto para elevar a "autoestima" do seu povo,
passado que deveria "ter o direito à
quanto para justificar e legitimar o "discurso
perpetuidade", e contribuindo para certa
florestânico".
coesão social e a construção de um sentimento

O discurso e narrativa da "acreanidade" de pertencimento, de um passado comum a

todos, bem como invocando tradições como


A "acreanidade", termo que define a
fundamento "natural" da identidade que estava
identidade acreana, foi criada pelo Governo da
sendo reafirmada.
Floresta em contraste com o termo O apelo à memória foi e é utilizado no
acreanismo, relacionado ao movimento da elite sentido de reforçar a coesão dos grupos e da

local, que em diferentes momentos históricos sociedade em prol de um "sentido" para os

acionou um discurso identitário para reivindicar mais de 100 anos de história do Acre. Sentido

51
USOS E ABUSOS DA IMAGEM DE
CHICO MENDES NA LEGITIMAÇÃO DA
"ECONOMIA VERDE"

esse que é en ca d ead o pelo tra b a lh o de m ito é co n stru íd o em to rn o da co nq u ista do


e n q u ad ra m e n to da m em ó ria em um a te rritó rio que p e rten cia aos b o livian o s e
se q u ê n cia crono ló g ica lin e a r e não co n flitu o sa . p eru a n o s, e que fo ra ocup ado e co n q u istad o
Esse tra b a lh o a rticu lo u trê s even to s por n o rd estin o s na passagem do sé cu lo XIX
h istó rico s: a R evo lu ção A cre a n a (1 8 9 9 -1 9 0 3 ), o para o XX. O a cre a n o , p o rta n to , é o povo que
M o vim en to A u to n o m ista do A cre (1 9 5 7 -1 9 6 2 ) lutou para se r b ra sile iro !4
e o m o vim en to so cial de índios e se rin g u e iro s No que diz resp eito aos h e ró is, do
(d écad as de 1 9 7 0 e 1 9 8 0 ). Os dois p rim e iro s já p rim e iro e ve n to fo ra m esco lh id o s Luiz G á lvez e
eram re co n h e cid o s pela h isto rio g rafia regional Plácido de C a stro : o p rim e iro pela cria çã o do
com o e ve n to s im p o rta n te s da h istó ria do A cre , Estado In d e p e n d e n te do A cre (1 8 8 9 ) e pelo
e o te rc e iro é in se rid o . d iscu rso fu n d a d o r do A c re ; Plácido de C a stro é
Para a p ro d u ção de se n tid o id en titá rio a q uele que organizou um e x é rc ito de

fo ra m co n stru íd o s elos e n tre ta is e ve n to s, se rin g u e iro s e ganhou a g u erra na fa se

so b retu d o o da evo ca ção da " lu ta " : o acreano é "sa n g re n ta " da d en o m in ad a "R e v o lu çã o

um povo lutador. A p rim eira luta foi a que os A c re a n a " (1 9 0 2 -1 9 0 3 ). Do M o vim e n to

m ig ran tes n o rd estin o s tiv e ra m que tra v a r para A u to n o m ista foi esco lh id o Jo sé G u io m a rd dos

se a m a n sa r na flo re sta ; a segunda foi a luta S an to s, a u to r do P ro je to de Lei que criou o

pela d efesa dos serin g ais (R evo lu çã o A c re a n a ); Estado do A cre . E do m o vim en to se rin g u e iro foi

a te rc e ira foi a luta co n tra a fe d e ra liza çã o do esco lh id o Chico M e n d e s. Este s h eró is se rv e m ,

te rritó rio do A cre (M o v im e n to A u to n o m is ta ); a por exe m p lo , para ilu stra r d o cu m e n to s o ficia is

qu arta foi a luta co n tra os "p a u lista s" do g o vern o , com o este da figura 0 2 , onde

(m o vim e n to s so cia is); e a ú ltim a , co n tin u ação fig u ra m Plácido de C a stro , Luiz G á lve z e Chico

das a n te rio re s, a inau g u rad a pelo G o ve rn o da M en d es.


Figura 02 - Capa do Livro Temático: Cultural Político do ZEE
F lo resta , se deu por um novo m o d elo de

d e se n vo lvim e n to e co n ô m ico .

D estes e ve n to s, fo ra m co n stru íd o s os

d iscu rso s e seu s h eró is fu n d a d o re s. O "m ito

fu n d a d o r" é a R evo lu ção A cre a n a e, os

'b ra sile iro s do A c re ', se u s p ro tag o n istas. Este


Fonte: Acre (2010b)
4 U m o lh ar m ais atento e am p lo rev elaria que a id e ia de “u m p o v o que lu to u p a ra ser b ra sile iro ” é m en o s o rig in al e ú n ic a do que
p o ssa p arecer. U m ex em plo é d ad o p e la co n stru ção d a id en tid ad e gaú ch a, q u e faz u so de id eia sem elhante. A c o m p aração en tre as
co n stru çõ es das identidades acre a n a e g a ú c h a a p re se n ta p o n to s em com um : p re te n sa s rev o lu ç õ e s c o m o m ito s fu n d ad ores
(R evolução A crean a e R ev o lu ção G aú ch a); a m ig ração com o p rin c ip a l e lem en to c a racterístico d a p o p u laçã o ; a co n d içã o de
fronteira; e a relação co n flitu o sa o u p e lo m en o s am b íg u a co m o p o d e r central. A tu alm en te, o u tra ap ro x im ação é a ên fase, tan to no
A cre q u an to no R io G rande do Sul, d a v alo riz a ç ã o de seus h in o s estad u ais, até m ais can ta d o s e u fem isticam en te que o hino
n acional (p ara ap ro fu n d am en to s n a c o m p reen são de tais co n stru çõ es id en titá ria s, v e r M O R A IS , 2 0 0 8 , e O L IV E N , 1992).

52
USOS E ABUSOS DA IMAGEM DE
CHICO MENDES NA LEGITIMAÇÃO DA
"ECONOMIA VERDE"

É Chico Mendes o herói mais difundido A "acreanidade", nas palavras

atualmente, mais falado e mais acionado para a oficiais, é o reencontro do acreano com a
"venda da imagem Acre", tanto interna quanto
floresta (propiciado pelo governo da FPA),
externamente. Internamente, entre os
através do reconhecimento de uma matriz
seringueiros, para ganhar adesão à proposta do
florestal da sociedade acreana e da
governo e, externamente, dado o simbolismo
implementação de políticas florestais. É o
que carrega o nome de Chico Mendes no

mundo afora, para angariar fundos externos. processo de valorização do passado, ou seja,

Do discurso fundador do Acre, da história do acreano e do seu modo de vida

'proferido' por Luiz Gálvez, em 1989, é (realizado pelo Governo da Floresta via

ressaltada a indignação dos brasileiros do Acre Programa de Desenvolvimento Sustentável e


contra a posse da Bolívia, e contra a decisão do
do "resgate" da memória acreana).
governo brasileiro de considerar as terras
É o sentimento de
reivindicadas pelos "revolucionários do Acre"
pertencimento: do povo acreano ao território
como território incontestavelmente boliviano.
do Acre, construído discursivamente através da
O discurso fundador é retroalimentado pelos
suposta valorização da trajetória dos homens
discursos dos autonomistas, misturando outros

discursos como o de que "hoje, somos a que fizeram o Acre; construído, enquanto

continuidade dos ideais dos primeiros discurso, a partir da chegada dos migrantes
acreanos", ou:
nordestinos aos altos rios, os quais foram

amansados pela floresta, a partir da vida que

[...] nosso projeto é mostrar que é tiveram que aprender a viver com os índios. É
possível viver na floresta sem destrui-la,
também a releitura do passado, a busca dos
a p ro v e ita n d o seu s re cu rso s com
sabedoria, apontando o caminho que a
conhecimentos e valores dos povos que aqui
humanidade procura. Uma sociedade da
f lo r e s t a , ju n ta n d o t r a d iç ã o e a viviam e que aqui chegaram, do aprendizado
modernidade, o passado e o futuro, eis o
com o passado ao longo dos mais de 100 anos
que podemos ser (governador Jorge
Viana, durante as comemorações do de história.
Centenário). A acreanidade funda uma nova
ordem de significados sem negar, no entanto,
as anteriores, e agregando vários discursos:

53
USOS E ABUSOS DA IMAGEM DE
CHICO MENDES NA LEGITIMAÇÃO DA
"ECONOMIA VERDE"

A cultura extrativista foi resgatada, voltou às conta os recursos naturais e as culturas e


origens. No Acre, temos a floresta e temos
tradições das populações tradicionais" (Jornal
uma cultura extrativista que vive a cultura
flo restal m ais ab ran gen te. Enquanto Página 20, 23-12-2006).
sociedade florestpl, a utilização da floresta
5 é
um caminho a ser trilhado (Resende).
A acreanidade vem da vida na floresta. E Assim como o nome de Chico
serve para você explicar o desejo de solução Mendes é ressaltado para legitim ar ações e
para a Amazônia. O Acre foi um estado
iniciativas que não estavam postas quando ele
isolado, abandonado, deixando à própria
sorte e, no entanto, tem mostrado uma nova vivia, algumas falas também são alteradas. Um
maneira de viver na floresta (Elson Martins).56 primeiro exemplo é o texto produzido no II
Encontro Nacional de Seringueiros, ocorrido em
Chico Mendes no "discurso florestânico" Rio B ra n co em 1 9 8 9 . Este foi p u bl i c ado
Com o Governo da Floresta, ocorre um recentemente na cartilha que divulga o Programa

"resgate" e uma valorização da história do Acre REDD. Nesta cartilha, o texto ganha o título de
Manifesto dos Povos da Mata:
com a construção de outros sentidos, em

especial aquele no qual o Estado é apresentado

com uma vocação florestal. Vejamos alguns Nós, os povos estabelecidos aqui há
muito tempo, fazemos brilhar, hoje, sob o
trechos de discursos de membros do governo céu do Amazonas, o arco-íris de uma
aliança dos povos da mata. E declaramos
da FPA em alusão aos sonhos e ideais de Chico nosso desejo de preservar nossas formas
de v id a e as r e g iõ e s o n d e n o s
O segredo da sustentabilidade defendido estabelecemos. Temos certeza de que o
pela Florestania foi criado por Chico fu tu ro de n o ssa s co m u n id ad es se
Mendes, cuja proposta de criar as Resex encontra no desenvolvimento de suas
(Reservas Extrativistas) como forma de capacidades pessoais e econômicas, mas
g a ra n tir o m e io de p ro d u ç ã o d o s também que a nação brasileira por amor à
seringueiros uniu a preservação ambiental sua identidade e em respeito consigo
ao interesse econômico. Nós somamos à própria dê-nos garantia de proteção. O
ecologia e ao meio ambiente os elementos a c o rd o d o s P o vo s da M a ta , que
da é tic a , c u lt u r a , o c o n h e c im e n to concluímos aqui no Acre, reúne índios,
tradicional e a distribuição de renda, que seringueiros e habitantes das margens
dão sustentabilidade à Florestania (Gilberto dos rios no espaço comum de proteger e
Siqueira,7Página 20,05-06-2005). preservar aquele grande, no entanto,
frágil ciclo vital, formado por nossas
matas, lagos, rios e fontes. Pois ele é fonte
de nossas tradições culturais.
Em outro discurso, o então

governador Jorge Viana dizia: "o Chico passou a


Em 1 9 8 9 , q u a n d o o t e x t o foi
vida lutando pela implantação de um projeto a p r o v a d o pel o C o n s e l h o N a c i o n a l dos
de desenvolvimento econômico que levasse em Seringueiros - CNS e pela União das Nações

5 O engenheiro florestal Carlos Ovídio Duarte, conhecido como Resende (dada a sua origem geográfica, nascido em Resende -
Rio de Janeiro) nos concedeu entrevista em abril de 2008. Resende foi coordenador do setor de indústria florestal da Funtac,
coordenador do Projeto BID e Secretário de Floresta desde a segunda gestão do governo de Jorge Viana, em 2003.
6Um dos intelectuais articuladores da acreanidade.
7 Secretário da Secretaria de Planejamento do governo do Acre, desde 1999.

54
USOS E ABUSOS DA IMAGEM DE
CHICO MENDES NA LEGITIMAÇÃO DA
"ECONOMIA VERDE"

Inversam ente, no texto de 2009,


Indígenas - UNI levava o título de Declaração dos
mesmo que o termo "comunidade" permaneça
Povos da Floresta:
presente, seu sentido é mudado e manipulado
para o "desenvolvimento de suas capacidades
As populações trad icio n ais que hoje
pessoais e econômicas", em uma clara orientação
marcam no céu da Amazônia o Arco da
Aliança dos Povos da Floresta proclamaram neoliberal e mercantilista. O "sistema de vida" de
sua vontade de permanecer com suas
antes vira "ciclo vital", com a ênfase recaindo
regiões preservadas. Entendem que o
desenvolvim ento das potencialidades sobre a floresta como "recurso" e não nos povos e
destas populações e das regiões em que populações como legítimos sujeitos na autonomia
habitam se constituem na economia futura
de suas comunidades e deve ser assegurada e autodeterminação de seus rumos, dentro e fora
por toda a Nação Brasileira como parte da de seus territórios (aliás, o apontamento do termo
sua afirmação e orgulho. Esta Aliança dos
Povos da Flo re sta reu n in d o ín d io s, "vital", mesmo que inconscientemente, apenas
seringueiros e ribeirinhos, iniciada aqui, revele a nova ênfase, agora centrada no papel do
nesta região do Acre, estende os braços para
:*olhf*'' todo esforço de p ro teção e
estado como determinador dos rumos de sua
preservação deste imenso, porém frágil sis­ população e de seu território, em consonância
tema de vida que envolvem nossas florestas,
com o que fora preconizava por Friedrich Ratzel
lagos, rios e mananciais, fonte de nossas
riquezas e base de nossas culturas e quando propôs a ideia de "espaço vital" como
t r a d iç õ e s . (C o n se lh o N a cio n a l dos
aquele garantidor do expansionismo alemão que
Seringueiros/União das Nações Indígena,
www.cnsnet.org.br). se pleiteava a partir da segunda metade do século
XIX e que se constituiu como um dos alicerces do
nazi-fascismo posterior).
Em outro exemplo, a capa da cartilha
A mudança do segundo texto (2009)
do Plano de Valorização do Ativo Am biental:
para o primeiro (1989) parece, à primeira vista, Programa de Pagamento por Serviço Ambiental -
inexistente e, no extremo, inconsequente. No fração carbono é ilustrada com várias imagens de
Chico M endes, e na contracapa apresenta o
entanto, com um olhar mais cuidadoso, linhas e
seguinte texto de uma de suas falas:
entrelinhas redefinem tanto a forma quanto o

No texto de 1989, toda a ênfase é dada Meu sonho é ver toda esta floresta
preservada, porque nós entendemos que
sobre os "povos" e "populações" e sua relação
ela é a garantia de todo o futuro dos povos
orgânica com o "imenso" "sistema de vida", que da flo resta. Não é só isso, nós não
queremos, nós estamos conscientes de que
faz existir povos e territó rio s (seringueiros, a Amazônia não pode ser um santuário
in díg ena s, r i b e i r i n h o s , floresta, rios, intocável. Agora, nós acreditamos que com
as reservas extrativistas, e basta que o
varadouros...). Para o "desenvolvimento destas governo leve a sério as propostas dos
populações e das regiões", o seu sentido comum seringueiros e dos índios, que eu acredito
que, em poucos anos, a Amazônia poderá
mais profundo é aquele dado pela "comunidade". se t r a n s f o r m a r em u m a r e g i ã o
economicamente viável, não só para nós,
Ali, são povos e populações que tomam a
mas para o país e para toda a humanidade.
centralidade. Para todo o planeta. Agora, sua destruição

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USOS E ABUSOS DA IMAGEM DE
CHICO MENDES NA LEGITIMAÇÃO DA
"ECONOMIA VERDE"

eu acho que significa o genocídio de todos das Reservas Extrativistas (seringueiros,


nós que moramos nestas matas e com
repercussão negativa para o resto do país e ribeirinhos e demais populações existentes
para a humanidade. Eu acho, eu considero,
a Amazônia uma região rica. Ela tem uma nessas áreas) pudessem nelas permanecer. Tal
e n o r m e v a r i e d a d e de p r o d u t o s
permanência requerería, necessariamente, a
e x trativistas. Basta que se leve em
consideração a proposta dos seringueiros.
adoção de um "conjunto de políticas públicas
Ela pode ser preservada e economicamente
é importante para todos nós. Este é meu voltadas tanto para a elevação dos níveis
sonho. Eu sei que talvez eu já tenho quinze
anos direto na luta. Meu sonho é o sociais de vida e renda dessas populações,
seguinte, eu sei que talvez eu não vou
chegar a este momento, pois estou com quanto para a proteção do meio ambiente".
idade mais avançada, mas, pelo menos, é
minha esperança que todos os nossos Como a floresta era vista como "um potencial
jovens vão usufruir deste trabalho e
de exploração ainda largamente desconhecido,
realmente os jovéns, daqui pra frente, eles
vão ser os grandes beneficiários deste
caberia a longo prazo desenvolver pesquisas",
futuro da Am azônia. Uma Amazônia
preservada e economicamente viável. Nós com o intuito de ampliar esse conhecimento e
queremos provar isso, basta que o governo
leve a sério. E eu acredito que na hora que gerar novas tecnologias para uma utilização
as pr i me ir as r e se r v a s e x tra tiv ista s
começaram a dar os seus frutos, o governo "sustentável" da floresta.
vai ter que conhecer a importância deste
t r a b a l h o que nos p r e t e n d e m o s A curto prazo, dever-se-ia priorizar
desenvolver. Para o nosso bem e para o
subsídios à borracha e à castanha,
bem de toda humanidade. Este é o meu
so n h o , é ver a Amazôni a livre dos
habitualmente exploradas pelas populações
fazendeiros, livre da motosserra, livre do
fogo devorador, este é o meu sonho. que vivem na floresta. Cabe salientar que a

exploração de madeira para fins comerciais


Algumas questões nos chamam a
era absolutamente descartada naquele esboço
atenção nesta última fala, partindo do princípio inicial da proposta de Reserva Extrativista.
que ela foi falada por Chico Mendes. Vamos Mas, o que temos visto é que a questão

considerá-la a partir do documento Diretrizes da exploração madeireira passa a ser defendida

para um Programa de Reservas Extrativistas na pelo Governo da Floresta como se fosse

conquista do movimento social. Outra questão


Amazônia, do CNS de 1993, portanto, cinco
é o uso da imagem e de falas de Chico Mendes
anos após o seu assassinato. A primeira é com

relação ao papel do Estado junto ao movimento para legitimar questões como a exploração e a

seringueiro, o qual caberia assegurar as política de valorização do ativo ambiental, pois

condições necessárias para que os ocupantes naquele momento em que Chico viveu e militou

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USOS E ABUSOS DA IMAGEM DE
CHICO MENDES NA LEGITIMAÇÃO DA
"ECONO MIA VERDE"

no movimento seringueiro estas questões não empates contra desmatamentos e expulsão de

seringueiros, e que hoje é exemplo do manejo


estavam postas e, portanto, justificar em seu
madeireiro.
nome como se fosse um sonho dele é
"Quando começou o movimento de
manipulação.
resistência", diz Osmarino Amâncio, "a
Algumas lideranças do movimento
concepção era que nós só temos condições de
seringueiro ressaltam que o desdobramento do sobreviver se a gente fizer a floresta

governo da FPA não é continuidade dos sonhos sobreviver". Opinião também da sindicalista

do Chico Mendes. Com relação a este Dercy Teles: "o movimento em nenhum

momento, antes de ser aparelhado/atrelado


movimento, são silenciadas as questões mais
pelo Estado, antes de muitos dirigentes terem
importantes, como a luta pela permanência nas
cargos comissionados, defendia a exploração
colocações de seringa como seringueiros. Na
madeireira" (entrevistas a Morais, 2008).
realidade, o que se assiste é à tentativa de Retornando às perguntas iniciais: por
trar^formá-los em mão de obra a favor de que o discurso identitário ganhou tanta

madeireiros. Nesse aspecto, tem havido uma visibilidade e importância no Acre na primeira

década do século XXI? E quais são os projetos


manipulação dos ideais dos movimentos sociais
políticos e econômicos que estão vinculados a
em favor de um discurso sobre o
tal discurso? Podemos dizer que o "Governo da
desenvolvimento sustentável, beneficiando a
Floresta" se constituiu, material e
elite local em consórcio com interesses simbolicamente, como o representante
econômicos exógenos. legítimo do "povo" na construção de uma nova

Com os negócios "sustentáveis", "era" para o Acre, desenvolvendo uma relação

transformam-se os locais simbólicos da luta do populista e de cooptação do "povo" e também

dos movimentos sociais.


movimento social dos povos da floresta em
A ênfase em um novo modelo de
vitrines destes, a exemplo do que vem
exploração da floresta foi associada
ocorrendo no Projeto de Assentamento Chico
discursivamente à manipulação de ideais
Mendes, mais conhecido como "seringal
"locais" (da "floresta", em torno de Chico
Cachoeira". O seringal Cachoeira foi o local

onde viveu Chico Mendes, que foi "comprado" Mendes) em consonância com a lógica global

pela família Alves (condenados pelo assassinato de conversão da natureza em território de

do líder seringueiro), e foi onde ocorreram negócio.


USOS E ABUSOS DA IMAGEM DE
CHICO MENDES NA LEGITIMAÇÃO DA
"ECONOMIA VERDE"

ouvir. É preciso, sempre, praticar a pedagogia


Constatação e crítica que já eram
do ouvido. É p re c is o , so b re tu d o , c o n tin u a r
manifestadas bem antes, justamente no bojo
so n h a n d o o son h o do re v o lu c io n á rio C h ic o
das comemorações do Centenário da
M en d es.
Revolução, como apontado em editorial do

jornal Empate, de 2003:

Quinze anos após o covarde assassinato


de C h i c o M e n d e s , s e u s an t i go s
companheiros de luta, aqueles que nada
ganharam mercantilizando sua memória
e sonhos, aqueles que continuaram e
continuam trabalhando e vivendo no
interior da floresta, sem deixar de ser o
que eram; sem tornarem-se prefeitos,
vereadores, deputados, ou seja lá o que
for, a s s i s t è m a t ô n i c o s s e u s ex-
companheiros de 'viagem' entregarem-
se à causa da retirada e comercialização
de madeira que tanto criticavam e que
tantas dores produziu. Os princípios que
projetaram as lutas dos trabalhadores
r u r a i s a c r e a n o s e l a n ç a r a m seu
r e p r e s e n t a n t e m a i o r no c e n á r i o
internacional foram abandonados em
troca de um enganoso projeto de
' d e s e n v o l v i m e n t o e s t a d u a l ' com
'sustentabilidade'. Os inimigos de Chico
Mendes o eliminaram fisicamente. Os
que se diziam seus amigos e aliados que,
hoje, vivem e acumul am cargos e
benefícios às custas de sua memória,
tratam de eliminar seus sonhos, seus
projetos, sua herança, seus princípios de
não m ercantilizar a floresta (Jornal
Empate, 2003).

Os povos da floresta e suas trajetórias - mais

que o Governo da Floresta - têm muito a dizer.

Mais que falar por eles e por elas, é chegada a

hora, mais do que nunca, de se a chegar

próximo, bem próximo, andar e, sobretudo,


USOS E ABUSOS DA IMAGEM DE
CHICO MENDES NA LEGITIMAÇÃO DA
"ECONOMIA VERDE"

Referências bibliográficas

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59
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO
Órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Leime Regional Amazônia Ocidental
ccfd-terre solidaire

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