Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Porto
2009
I
RISANDA DOS REIS SOARES
Porto
2009
II
Agradecimentos
Ao Msc. Isidoro Costa pela sua pronta disponibilidade, apoio e palavras de incentivo.
E os últimos, mas sempre os primeiros, a minha família em especial aos meus pais:
Antónia Soares e Jorge Soares por toda a dedicação, confiança, apoio, incentivo e o
esforço que sempre fizeram para que seus filhos tivessem a formação e oportunidades
que eles não foram possível ter.
III
“Para começar um grande projecto é preciso valentia.
Para terminar um grande projecto é preciso perseverança.”
Autor desconhecido
Dedicatória
IV
Resumo
A ilha de São Vicente foi socialmente a mais recente do arquipélago, devendo o seu
desenvolvimento ao impulso da revolução industrial europeia e a presença inglesa, com
a implementação das companhias de carvão.
V
Abstract
From the historical and social point of view, São Vicente island is the last to be settled
in the Archipelago of Cape Verde. Its development in the 19th century is closely related
the Europeand Industrial Revolution and the British presence on the island, especially
due to the establishing of coaling companies.
With the decline of the port movement and frequent agricultural crises in the 1940’s, the
island fell into a deep economical depression. Several times, help and investments in the
port infrastructure were solicited from Portugal. However, insufficient and late response
of metropolis caused massive emigration of contracted laborers, especially to the colony
of São Tomé. Many out of those who stayed on São Vicente perished.
This profound economical crisis on São Vicente is only to be attenuated in the 1950’,
due to more abundant rainy seasons and financial help through Planos de Fomento
which goal is to boost economical development of the colonies.
In this more favorable context, there is a growing movement in favor of the attribution
to Cape Verde of a status of ‘adjacent colony’ as a way to make Portugal assume more
efficiently and rapidly the main problems of the colony. However, after a lot of debates,
nothing is done till the independence of the colony in 1975.
In order to enrich this thesis, I have analyzed lyrics of songs that depict the social life on
the island in order to better illustrate all the main points of the present work.
VI
Índice de Quadros
VII
Índice de Gráficos
Índice de Figuras
VIII
Índice Geral
I - Introdução ………………………………………………………………………..………… 1
2 – A questão do rearmamento das colónias e suas precursões na ilha de São Vicente …..23
IV – As consequências da crise…………………………………………………..…………....57
1- Emigração …………………………………………………………………………….57
2 – Mortalidade…. ………………………………………………………………...…….64
a) Comportamento Eleitorais…………………………………………………...……68
V – Conclusão …………………………………………………………………………...……82
IX
I – Introdução
São Vicente é socialmente a ilha mais recente do arquipélago. Não se enquadrando nos
paradigmas de ocupação quinhentistas, o espaço só viria a ter população humana com
carácter de permanência entre finais do século XVIII e início do século XIX. A ilha só
foi povoada graças ao eclodir da revolução industrial, à corrida imperialista na qual o
seu porto serviu de palco para as estratégias de ocupação da África ao sul do Sara e das
índias.
1
No entanto, as inovações nas técnicas de navegação, a alteração nos combustíveis, o
desvio das rotas, são consideradas, entre outros, os factores que fizeram decair as
actividades em torno do Porto Grande e com elas a vivacidade da emergente sociedade
mindelense.
Neste sentido uma das medidas apoiadas pelo governo como forma de resolver a crise
foi a emigração, facilitando a saída para novos destinos nomeadamente para os países
da Europa.
O quadro traçado serve de pretexto para a análise da situação vivida pela sociedade
mindelense entre 1945 e 1960.
2
Analisar a situação política, económica e social – onde se fez uma ligação entre
todos esses sectores, uma vez que estão intrinsecamente ligados, com a
problemática em estudo
Analisar as consequências dessa crise
3
II – A ilha de São Vicente e a chegada dos ingleses
A Ilha de São Vicente somente viria a ser descoberta a 22 de Janeiro de 1462, tendo
sido doada ao Duque de Viseu, a título de dependência da Ilha de Santo Antão. Contudo
três séculos após o seu descobrimento a ilha ainda se encontrava desabitada.
4
meses, datada de 1629, altura em que a frota holandesa se dirigia para a conquista da
cidade de Olinda no Brasil.
Nessa altura São Vicente era um campo de pastagem com uma aldeia denominada de
Nossa Senhora da Luz, constituída por pastores e alguns pescadores das ilhas vizinhas
de Santo Antão e São Nicolau.
Assume-se pelos poucos dados existentes que a primeira proposta de povoamento tenha
partido de uma iniciativa privada em 1734, quando um senhor de nome João Távora
propôs ao governo português um contrato de concessão onde ficaria assegurado a
ocupação e a fortificação do porto da ilha, por um período de 10 anos, podendo em
contrapartida desfrutar-se de todos os rendimentos que a ilha produzisse.
No entanto o governo português, na pessoa do Governador Bento Gomes Coelho, não se
mostrou interessado na altura tendo o Távora voltado o seu interesse e se instalar no
Brasil. (Almeida, 2009:8)
Seria a partir de 1781, que a coroa portuguesa teria iniciado as tentativas de povoamento
da ilha e como forma de atrair ocupantes efectivos para a mesma, limitando desta forma
a presença dos moradores da ilha de São Nicolau, Santo Antão e dos estrangeiros, que
aportavam a ilha sem autorização do governo português. “Uma concretização do
Decreto [elaborado em 1781] foi o Ofício do Ministro Martinho de Mello, que a 19 de
Dezembro de 1788 ordenou ao Governador [de Cabo Verde] a adopção de todas as
providências para que se levasse a efeito o povoamento de S. Vicente” (Fundo […],
1984:5)
Apesar de essa tentativa ter fracassado, a partir dessa data torna-se imperativo para a
coroa portuguesa o povoamento da ilha, tendo-se seguido várias tentativas.
5
navios estrangeiros, informou o Governador. Em Junho do mesmo ano chega outro iate
com presos que seriam transportados para «(…) as ilhas de barlavento que se reputam
de melhor clima (…) para dali passarem a povoar a ilha de S.Vicente, quando para
esse efeito se dirigirem as ordens necessárias (…)»” (Lopes, 2005:74)
Por ordem da carta régia de Julho de 1795 chegavam a ilha 20 casais e 50 escravos
vindos da ilha do Fogo e sob o comando de João Carlos da Fonseca Rosado, na altura
capitão-mór da referida ilha e pretendendo alargar as suas possessões interessa-se pelo
povoamento da ilha de São Vicente. Dois anos mais tarde chegariam mais colonos a ilha
do porto grande.
Rosado vai repartir as terras pelos colonos, e demarcas os terrenos da Câmara e ainda
determinar o perímetro da povoação. (Almeida, 2009:9)
No ano de 1797 o governador Marcelino António Bastos recebe ordens para proceder ao
povoamento da ilha pondo em prática o anteriormente estipulado na carta régia de 1795.
No final desse mesmo ano apresenta um relatório dando conta do estado das
sementeiras e as despesas efectuadas no transporte, compra de mantimentos e outros,
para além da chegada de presos vindo da metrópole. (Lopes, 2005:75)
Por sugestão do governador Marcelino António Bastos a povoação passa a ter o nome
de D. Rodrigo, em homenagem a D. Rodrigo de Sousa Coutinho antigo Ministro da
Marinha.
Muito embora se reconhecesse as boas condições que o Porto Grande oferecia, todas as
tentativas de povoamento conhecera o seu fracasso devido as condições naturais
adversas que a ilha apresentava (calamidades naturais), que provocavam a morte e
fomes da pouca população que aí se estabelecia.
6
Geral a situação da ilha solicita autorização para administrar a ilha e apoio urgente as
poucas pessoas ainda estavam na ilha. (Lopes, 2005:76)
Em 1819 segue-se mais uma tentativa de povoamento, desta vez sob a iniciativa do
então Governador António Pusich, levou para a ilha 56 famílias pretendendo reforçar a
ideia de que São Vicente poderia ter as condições para ser a capital do país, numa altura
onde o governo da capital do país sediada na Praia viajava frequentemente para São
Vicente, fugindo as más condições climáticas sazonais da capital do país.
Pusich altera o nome da povoação e passa a ser designado de Povoação D. Leopoldina
em homenagem a imperatriz Maria Leopoldina da Áustria, esposa de D. Pedro IV.
No entanto 3 anos depois Pusich vê falhado a sua tentativa de povoamento não obstante
as várias “injecções” de fundos como forma de manter a povoação na ilha. (in Cabo
Verde - Boletim de Propaganda e Informação, Ano V, nº 62, 1 de Novembro de 1954)
Até o ano quarenta do século XIX a população da ilha de São Vicente não chegava ao
meio milhar, conforme nos elucida o quadro n.º 1, demonstrativo dos fracassos dos
empreendimentos para a construção da mais nova cidade do arquipélago. De 1807 a
1827 a população cresceu no total de 5 pessoas, para nos 5 anos seguintes crescer para
mais 95 pessoas. Esta análise deve ser considerada tendo em conta as permanências e
saídas quando as condições de sobrevivência na ilha mostravam-se intransponíveis.
7
1
Quadro n.º1 – Evolução da População em São Vicente de 1807 a 1832
ANO Nº População
1807 200
1827 205
1832 300
Vinte anos depois, por decreto régio, reforça-se as medidas de povoamento, altura onde
o povoamento ainda não tinha conhecido os objectivos desejados, inclusive o
estabelecimento de residências de acolhimento dos comerciantes e o fraco número de
pessoas com residência efectiva, cenário que iria mudar no final do século XX.
1
Demografia Cabo-verdiana: subsídios para o seu estudo, Praia, Instituto Caboverdiano do Livro, Praia,
1985
2
A 11 de Junho de 1838 publicou-se o decreto-lei que determinou que: “A cidade do Mindelo será a
capital das ilhas de Cabo-Verde, e como tal residirá nella o respectivo Governador Geral e as principais
autoridades desta província.” Esta decisão deveu-se ao facto de na altura, a ilha de São Vicente
apresentar melhores condições de vida do que a ilha de Santiago: “Causando gravíssimo prejuízo e
transtorno à Administração publica da Província de Cabo Verde o retirarem-se em certos mezes do anno
as principais Authoridades da Ilha de S. Thiago, aonde presentemente se acha fixada a Sede d´aquelle
Governo, para se subtrahirem às moléstias que periodicamente se desenvolvem na mesma ilha, […] e por
existir felizmente n´aquelle archipelago uma outra ilha, a de S.Vicente, que gosa de melhor clima e de
outras vantagens, entre as quaes merece attenção o possuir um porto dos mais espaçosos e seguros da
Monarchia: Hei por bem determinar que as principaes Authoridades do Governo Geral de Cabo Verde
assentem residência permanente na sobredita ilha de S.Vicente.
8
aliado à necessidade de aumentar o mercado comercial para a venda dos produtos
ingleses e de trazer matérias-primas das colónias, ocasionou a revolução no sector dos
transportes, entrando o navio a vapor nos mercados do mundo.
Esse novo meio de transporte, acarretava uma frequente manutenção e abastecimento.
Desta forma era necessária a criação de postos de abastecimento em locais estratégicos
e de fácil acesso, permitindo que os barcos tivessem mais espaço para as cargas
comerciais.
O interesse dos ingleses ficou somente pela ilha de São Vicente, devido às boas
condições geográfica e portuária, que não encontraram em nenhuma outra ilha deste
arquipélago, passando a servir de entreposto comercial e serviço postal entre Inglaterra,
América do Sul, África e Ásia.
A efectivação dessa presença inglesa na Ilha de São Vicente, teve início em 1838, altura
em que o Cônsul, Mr. John Rendall instalou na ilha a 1ª companhia inglesa, a East
India, criando assim o primeiro depósito de carvão e a instalação efectiva dos ingleses.
Nesta mesma altura, o Marquês de Sá da Bandeira decretou que a povoação na baía do
Porto Grande adoptasse o nome de Mindelo, em memória do desembarque do exército
liberal expedicionário de D. Pedro IV nas praias perto da localidade do Mindelo em
Portugal. Dava-se assim, início a construção da futura cidade de Cabo Verde. (Fundo
[…], 1984:13 & Ramos, 2003:91)
9
No entanto, em 1836 já havia interesses por parte dos Ingleses em desfrutar da situação
privilegiada da baia. O inglês John Lewis visitou a ilha com o objectivo de avaliar as
condições do porto para servir de escala aos navios da inglesa Companhia das Índias
Inglesas, proposta que foi recusada pela coroa portuguesa.
A carvoeira East India teria uma presença passageira no Mindelo. Porém, em 1850 a
companhia Royal Mail Steam Packet inicia a instalação de depósitos de carvão para
abastecimento dos barcos que passavam rumo ao Atlântico Sul. Neste sentido viu-se
necessário criar infra-estruturas que apoia-se esse comércio tendo sido construída a
alfândega da ilha.
No ano seguinte, a companhia inglesa Visger & Miller`s instala novo depósito de
carvão de pedra. Patent Fuel, Thomas & Miller, MacLoud & Martin, Companhia de
St.Vincent de Cabo Verde, a Wilson & Sons Cª LTD e a Cory Brothers são outras
empresas carvoeiras em actividade nessa época. (Silva, 2005:103)
A ilha de São Vicente, torna-se inevitavelmente um atractivo, uma nova esperança para
as pessoas das outras ilhas, nomeadamente camponeses das ilhas de Santo Antão e São
Nicolau que viam no Porto Grande uma oportunidade de fugirem às secas cíclicas que
assolavam as ilhas rurais causando terríveis ‘crises de fome’ e de conhecerem um
mundo novo que era a cosmopolita e movimentada Mindelo (Silva, 2005:112).
10
cidade do Mindelo havia conhecido nessa altura e o facto das comunicações entre as
ilhas serem deficientes, não obstante a proximidade das mesmas. Torna-se imperativo
constituir um governo local e ainda algumas instituições importantes a nova dinâmica
que o porto e a ilha tinham adquirido, nomeadamente a instituição de uma alfândega de
categoria de despacho maior, devido a afluência em número sempre crescente dos
navios que aportavam a ilha.3 (Lopes, 2005:80)
Em 1879, dos 3717 habitantes da Ilha, 3497 eram naturais de Cabo Verde, (inclui-se
aqui os imigrantes das outras ilhas) e dos 114 estrangeiros, 86 eram britânicos, mas até a
viragem desse século este número atingiu uma centena. Havia em São Vicente mais
estrangeiros do que naturais de Portugal. (Fundo […], 1984:33).
3
Outras medidas administrativas começaram a ser tomadas, nomeadamente “o estabelecimento de uma
botica [farmácia] por conta do governo; a designação de um facultativo para fazer visitas aos navios e
outros serviços; a transferência das funções de chefes das alfândegas do circuito norte, que eram
desempenhadas pelo chefe da Boavista, para o de S.Vicente; a criação de uma comissão denominada do
“Bem Comum e Melhoramento da Agricultura” para responder as solicitações de distribuição de
terrenos e fazer desenvolver a agricultura; a nomeação de um Patrão-Mor para o policiamento do porto;
a proibição de construção de casas fora dos “alinhamentos necessários”
11
Apesar dos ingleses serem pessoas muito reservadas vivendo isolados do povo, pois não
permitiam que os nacionais se aproximassem do seu meio social (exemplo: criação dos
grandes salões de bailes privados, edificação de uma igreja própria, etc); havia sempre
nacionais (cicerones), que os acompanhavam no seu dia-a-dia, como serventes ou
ajudantes, nomeadamente nas práticas desportivas (golfe, ténis, cricket, o footing
(atletismo), a natação, e o cross) para além dos contactos diários que mantinham com os
seus empregados domésticos e os trabalhadores das carvoeiras. Os ingleses eram
considerados a elite da terra. Como se referiu anteriormente, as relações de maior
proximidade com os naturais da ilha, verificavam-se mais a nível laboral.
O povo mindelense aprendeu com os ingleses, para além das bases linguísticas
necessários para o contacto e dessas práticas desportivas acima referidas, vários ofícios,
entre os quais: carpintaria, ferraria, serralharia electromecânica, electricidade,
contabilidade, serviços administrativos, entre outros.
No ano de 1879 a ilha encontrava-se dotada de vários edifícios, tendo alguns sido
construídos por altura da criação da Comissão Municipal em 1852. Desses edifícios
destaca-se a Igreja (Nossa Senhora da Luz), a alfândega, um quartel (Fortim d´el Rei),
um palacete do governo, os Paços do Concelho (edifício Administrativo onde se situa a
12
actual Câmara Municipal, a cadeia civil, um mercado municipal, um armazém de
vendas a grosso da companhia Millers, que fornecia a população mindelense e as outras
ilhas, lojas de revenda, padarias, tabernas, talhos, casas fornecedores de refeições, três
hotéis, tendo também iniciado a construção outras infra-estruturas, obras de saneamento
e de embelezamento da cidade.
A nível da educação construíram escolas primárias para os dois sexos em separado. Foi
inaugurado a 10 de Junho de 1880 a escola Camões, destinada a formação feminina e a
constituição da primeira biblioteca pública, em homenagem ao tricentenário da morte
do escritor Camões e com abertura ao público quatro meses depois com mais de mil
volumes, adquiridos por donativos dos mindelenses. (Almeida, 2009:19)
Seria também neste mesmo ano lançado as bases para a construção do primeiro hospital
da ilha, para dois anos mais tarde ser a primeira ilha do arquipélago a dispor de água
canalizada, resolvendo um dos principais problemas que afectava a ilha.
13
começou no Porto Grande o primeiro grande decréscimo da navegação. Isso criou
imediatamente problemas. No mês de Maio começou «a sentir-se excesso de
trabalhadores, em consequência de muita gente que tem affluido de outras ilhas», e
calculava-se que logo que terminassem os trabalhos de canalização das águas do
«Norte», não seriam «sufficientes as obras particulares para ocupar os individuos que
procuram trabalho braçal?» (Fundo […], 1984:58)
Quatro anos mais tarde o porto volta a conhecer um relativo aumento da navegação,
continuando os anos seguintes com oscilações dos números de navios que aportavam a
ilha.
Apesar de haver uma tendência geral do senso comum de verem este período da
chegada dos ingleses, 1830 até princípios do século 20 como um período de grande
prosperidade na cidade do Mindelo, não corresponde a realidade uma vez que a
população vivia em condições precárias em habitações com pouca ventilação, com
salários muito baixos e sem o mínimo de condições de higiene. Apesar de os trabalhos
do caís oferecer meios de trabalhos a população, trazia por outro lado problemas de
14
saúde aliados aos trabalhos do carregamento do carvão sem protecção que provocava
graves problemas respiratórias.
Seria esse o cenário socioeconómico, que retrata a difícil vida mindelense, a permanecer
até aos anos quarenta do século XX em estudo, como veremos mais adiante, não
obstante todas as tentativas da Câmara em ajudar a população e as várias notas enviados
ao governo solicitando ajuda a ilha de São Vicente, tendo sido realizadas as primeiras
manifestações na ilha declaradamente contra o governo português.
15
1 - A Política Colonial Portuguesa a partir dos anos 30
No que se refere a primeira fase e de forma resumida essa revisão reforça a função
integradora do projecto colonial, insistindo na missão imperial como a expressão de um
ideal colectivo baseado num imperativo histórico e político. Nessa fase as colónias
deveriam servir como local de instalação e acolhimento do excedente populacional da
metrópole, para o escoamento de matérias-primas e ainda para como mercado para os
produtos europeus. Destaca-se nesse período alguns opositores dessa revisão
constitucional, entre os quais o general Norton de Matos, que se mostrou contra o
4
In, A Reformulação do conceito do Império – Diciopédia 2009 [DVD-ROM], Porto Editora, 2008
5
Idem
16
trabalho forçado nas colónias e a favor da igualdade social que permitisse aos nativos
das colónias desempenhar cargos de relevância na administração das mesmas.6
A terceira fase que compreende o período entre 1961 até 1974, tem-se uma reforma a
nível jurídico que revogaria o Estatuto do Indígena e procederia a outras reformas
profundas. Caracteriza-se ainda por um período de grande desenvolvimento económico
nas colónias de Angola e Moçambique. Verifica-se uma maior autonomia em relação as
colónias: liberalização da entrada de naturais da metrópole. Cria-se em 1961 o Espaço
Económico Português (EEP), procurando-se reforçar a unidade da nação, na qual se
preveria a implementação de um “mercado único”, na qual se estipulava a eliminação
das barreiras alfandegárias entre a metrópole e as colónias e ainda a criação de uma
moeda única. No entanto tais medidas não chegaram a efectivar-se, principalmente
porque entrou-se no período conturbada das guerras coloniais.8
6
Idem
7
Idem
8
Idem
17
jurídicos e administrativos e ainda o fim da autonomia financeira de que disponham as
colónias, devendo estas estar, para além de outras restrições, proibidas de contrair
empréstimos com estrangeiros. (Matoso, 1998: 253 e 254).
A questão colonial ganha nesse período uma importância excepcional nunca vista
tendo-se inclusivamente surgido algumas conferências e exposições com o tema central
a questão colonial: em 1 de Junho realiza-se a Conferência Imperial Colonial; em 1934
realiza-se a I Exposição Colonial e reúne-se o I Congresso de Intercâmbio Comercial
com as Colónia na cidade do Porto, para além de outras conferências que decorreram
nas próprias colónias. (Idem:254)
A nível económico essa revisão constitucional estipulou como grandes linhas de acções
que deveriam dar o impulso necessário a economia colonial de entre elas: as barreiras
alfandegárias que regulavam a entrada de produtos estrangeiros concorrentes aos
produtos portugueses e concessão de benefícios na percentagem mínima de 50% dos
direitos as mercadorias produzidas na metrópole.
18
Realce para esse mesmo ano, a 29 de Outubro, a criação do Campo de Concentração de
Cabo Verde9, no Tarrafal - ilha de Santiago, que serviria de prisão para os condenados e
presos políticos, que conheceria o primeiro encerramento provisório em1946, ano em
que se estipula que tenham morrido mais de trinta democratas. No entanto seria reaberto
em 1949 por altura das primeiras eleições “livres” em Portugal no Estado Novo, para
acolher presos políticos, maioritariamente comunistas ou simpatizantes.
9
A Colónia Penal do Tarrafal foi criado através do Decreto-lei n.º 26:539, em 1936, no âmbito da
reorganização dos serviços prisionais, enquadrada na vertente prisões especiais. Destinado a presos
políticos e sociais no Ultramar que tivessem cometidos crimes políticos e os presos de delito comum
quando não respeitavam as normas de disciplinas e mostravam-se como maus exemplos para os outros
presos da metrópole e ainda os que tivessem cometidos crimes de rebelião: a ofensa contra o prestígio da
República ou contra o prestígio do Presidente da República ou do Governo, a propaganda ou outro meio
de provocação à disciplina social, o não cumprimento dos deveres da função pública ou das ordens da
autoridade, o encerramento de fábricas ou cessação de qualquer industria sem causa legítima, a ofensa
contra a bandeira, o Hino nacional ou qualquer emblema do Estado [etc]. No entanto desde 1931 que
eram enviados para Cabo Verde, ilha de São Nicolau, presos políticos para o Colónia Penal que ali
existia. (Tavares, 2007:63-65)
19
colónias, com reserva ou sem ela de qualquer parcela de soberania nominal, para
satisfação dos nossos brios patrióticos. (…)” (Idem:232)
Nesse mesmo ano em Cabo Verde registam-se 9000 mortes causadas pela fome devido
a falta de chuvas e de assistência da metrópole: “Na ilha do Fogo há povoações
desaparecidas, e parecem de fome cerca de 40 pessoas por dia. Na cidade da Praia,
ilha de S.Tiago, funda-se uma associação de beneficência (SAGA), dirigida pelo
Governo, que sobretudo se dedica a fazer escoar trabalhadores esfomeados e “livres”
para a ilha de S.Tomé. No seu transporte por barco morrem dezenas. Só na travessia
do Cubango morrem 18[...].” (Idem:245)
De acordo com a carta das Nações Unidas, artigo 73, aprovado a 24 de Outubro de
1945, na qual Portugal viria a ser membro a 14 de Novembro de 1955, dizia que os
estados membros responsáveis por outros territórios deveriam prestar informações sobre
os mesmos, no que diz respeito ao aspecto político, socioeconómico e educacional dos
seus povos.
20
No entanto a revisão constitucional de 1945 da Carta Orgânica dispôs no artigo 246,
ponto único que “no Estado da Índia e nas colónias de Macau e Cabo Verde as
respectivas populações não estão sujeitas nem a classificação de indígenas, nem ao
regime do indigenato na sua acepção legal”, portanto reafirmou-se o estatuto do
indigenato, que estava em vigor desde 1926, para os territórios da Guiné, São Tomé e
Príncipe, Angola, Moçambique e Timor.
Estes trâmites legais iam contra as expectativas daqueles que acreditavam que esta seria
uma forma que rapidamente poderia resolver a situação de crise que se vivia em Cabo
Verde, porque era um processo bastante moroso para a resolução rápida que os
apoiantes do estatuto da adjacência pretendiam.
No ano de 1946 é aprovada a proposta de lei n.º 2066 da Lei Orgânica do Ultramar
Português, prevendo-se que a partir daquele ano era necessário rever a legislação sobre
na qual se regia a administração das colónias, numa tentativa de driblar os movimentos
anticolonialistas. (Almeida, 1978:266)
21
Em relação a Cabo Verde, na sessão da Assembleia do dia 19 de Janeiro de 1951, fica
aprovado no ponto único artigo 1º da Constituição o seguinte: A administração do
arquipélago de Cabo Verde poderá ser integrada, parcial ou totalmente, no sistema da
administração metropolitana. (Actas das Sessões da Câmara Corporativa, diário nº 70)
Na mesma sessão, leva-se a cabo uma revisão e reformulação do texto dos artigos do
Acto Colonial, devidas as pressões externas contra o colonialismo. Procurou-se
constituir uma legislação que abrangesse todas as colónias, tendo em conta as
diversidades, as realidades geográficas e o meio social de cada colónia, mas
principalmente devido ao desenvolvimento das mesmas.
O governo português afirmaria que Portugal não administrava territórios que poderiam
ser incluídos na categoria de indicada pelo artigo 73º da Carta das Nações Unidas.
22
2 - A questão do rearmamento das colónias
Sabe-se que Portugal manifestou imediatamente após o inicio da guerra a sua política de
neutralidade, apesar de alguns actos do chefe do Governo, Salazar, ter demonstrado um
apoio não declarado a Alemanha e a Itália.10 No entanto era necessário defender a
soberania portuguesa, não somente no continente como também nas ilhas e nas
colónias.
Essa mudança de atitude por parte do Governo português estava também relacionada
com o desenvolvimento económico das colónia, nomeadamente de Angola e de
Moçambique, impulsionada com a entrada de colonos portugueses que tinham
dinamizado as culturas do café, do milho e do algodão, na qual resulta na criação de
recursos para novos investimentos. A esse desenvolvimento económico impôs ao
Governo português uma presença mais atenta às mesmas afastando qualquer tentativa
que pudesse por em causa a soberania portuguesa nas colónias.11 Nesse sentido
envidam-se todos os esforços no reapetrechamento militar, substituindo várias armas
que se encontravam obsoletas e comprando armamento em diferentes países da Europa.
Era necessário ainda proteger as regiões de Açores e Cabo Verde, por serem zonas de
interesses estratégicos no atlântico. Assim sendo desde 1940 que tinham sido enviados
para ilhas e as colónias tropas expedicionárias armados.
Para reforçar essa medida foi aprovado a 30 de Março de 1942, no Diário do Governo o
decreto-lei n.º 31:943, na qual no artigo primeiro se estipula: “O Ministro das colónias
fica autorizado a requisitar aos Ministérios da Guerra e da Marinha os oficiais que
julgue conveniente mandar às colónias a fim de procederem aos estudos e trabalhos
necessários à defesa das mesmas.” Ficariam salvaguardadas o mesmo vencimento que
10
“Timor sofreu, por duas vezes, invasão, primeiro pelos Australianos (1941), depois pelos Japoneses
(1942) que o ocuparam por três anos, destruindo e matando milhares de portugueses e indígenas a seu
bel-prazer sem que sequer fossem quebradas as relações diplomáticas entre Portugal e Japão. Em
Macau, igualmente os Japoneses controlam de facto a administração. Salazar foi também forçado a
ceder aos Aliados (Grã-Bretânia e Estados Unidos) bases militares nos Açores, em 1943. […] parace
claro que as simpatias de Salazar estavam muito mais com a Alemanha e a Itália (em cujos regimes ele
tanto se inspirara), do que com as demo-liberais Inglaterra e Estados Unidos, aliadas ao seu inimigo de
sempre, a União Soviética.” (Marques, 1986:381-382)
11
In, Colonialismo do Estado Novo – Diciopédia 2009 [DVD-ROM], Porto Editora, 2008
23
usufruíram na metrópole e ainda teria direito a ajudas de custo diários que seriam
estabelecidas através de um despacho do Ministério das Colónias, conforme o artigo 2º
desse mesmo decreto-lei.
Autor: Desconhecido
12
In, Reletórios e Correspondéncias enviadas e recebidas pelo Chefe da Repartiçao Central dos Serviços
de Administraçao Civil, Instituto do Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde, caixa nº 222
24
Entre os anos de 1940 a 1945 foram mobilizados cerca de 180.000 homens da
metrópole para as colónias e ilhas.13
13
Actas das Sessões Parlamentares, 15 Dezembro, 1945, pag. 129-130
14
A 26 de Setembro de 1945, a Câmara Municipal recebe um ofício do Comando Militar de Cabo Verde,
nº1466, disponibilizando uma verba no valor de 72.447$00,para custear as despesas de reparação do
edifício dos Paços do Concelho que esteve ocupado pelas Forças Expedicionárias, in Actas das Sessões
da Câmara Municipal de São Vicente de 27 de Setembro de 1945.
25
Questionado sobre a presença militar portuguesa na ilha, o Sr. Gregório Dias
desdramatizou os acontecimentos acima referidos dizendo que, do que ele teve
conhecimento tratou-se de pequenos incidentes que prontamente foram resolvidos,
resultados de algum desentendimentos, relacionado com festas que os militares não
poderiam entrar pelo facto de não serem convidados. Relatou um episódio que
aconteceu na zona periférica da cidade, em Salamansa, onde realizava uma festa e os
militares portugueses impedidos de entrar utilizaram a violência para conseguirem o seu
intento, ao qual todos os rapazes da festa ripostaram. Os que não entraram nesse
conflito, partiram a correr e a festa terminou com esse incidente.15
Sobre o mesmo assunto o Sr. Arnaldo Lima também tem a mesma opinião. Disse que
tratava-se de pequenas quezilas que na maior parte das vezes ocorria nas festa e o
principal motivo eram as moças de Mindelo que despertavam o interesse dos militares e
resultava em confronto quando os namorados ou os irmãos estavam próximos e
desaprovavam as investidas dos militares.16
15
Entrevista realizada no dia 14 de Setembro de 2009, na residência do mesmo, zona da Ribeira Bote
16
Entrevista realizada no dia 19 de Setembro de 2009, no restaurante do mesmo, na rua de Matijim
(Centro Histórico da Cidade do Mindelo)
26
Foto n.º3 - Grupo de pessoal Médico do Hospital Militar
Autor: Desconhecido
17
A fundação dos Falcões de São Vicente, mais conhecida pelos Sokol, foi uma organização originária da
Checoslováquia, voltada para actividades desportivas, cultura física e ensinamentos de boa conduta ética
e social, contribuindo para a prática do desporto na ilha, que incluíam marchas ao estilo paramilitares,
paradas, ginásticas rítmicas entre outros exercícios. Pensa-se que a criação da Mocidade Portuguesa foi
inspirada nos Sokol, uma vez que a sua criação teve lugar logo após a visita a Cabo Verde do então
Presidente da República Portuguesa, General Carmona, na qual os Sokol haviam participado no programa
de recepção do Presidente. A criação da Mocidade Portuguesa em Cabo Verde marcou o fim dos Sokol,
uma vez que os dirigentes foram substituídos por sargentos metropolitanos e o espaço da organização fora
também substituído pela Mocidade Portuguesa. (Wahnon, 2006:14-15)
27
Em Novembro do mesmo ano o Comando militar começa a embarcar os seus materiais
para a metrópole. A Câmara Municipal solicitou ao comando a oferta de uma
camioneta-tanque, que seria de grande ajuda aos serviços municipais.
O hospital militar montada para assistência aos militares que também auxiliavam a
população com cuidados médicos e fornecimento de medicamentos aos mais
desfavorecidos, fora também desmantelado.
Figura n.º4 - N/M Serpa Pinto trazendo o 1º Corpo de Tropas Expedicionárias a Mindelo
Autor: Desconhecido
28
III – A Situação socioeconómica da ilha de São Vicente
Como forma de resolver esta situação devastadora, provocada pelas grandes secas
prolongadas, pela fraca circulação marítima entre e para fora das ilhas, pela decadência
do Porto Grande, pela falta de investimentos em obras municipais, que garantiam o
emprego de muitas pessoas (são algumas causas para o aprofundar da vivência difícil
em que se encontravam as ilhas de Cabo Verde) o governo português intensifica a
política da emigração, como forma de diminuir o número de desempregados a seu cargo
e ainda pensando na ajuda que os imigrantes poderiam dar as suas famílias que ficaram.
Num país onde a principal actividade económica era a agricultura, depare-se com uma
situação bastante difícil, uma vez que trata-se de um país onde as secas são cíclicas e
quando há pluviosidade ou são demasiado fracas ou são muito fortes, acabando por
arrastar consigo o pouco que se tem das terras cultiveis para o mar. Aliada a este
cenário, tem-se os fortes ventos que acabam também por provocar a erosão das poucas
terras cultivadas, que se mantém até hoje graças a perseverança do homem cabo-
verdiano.
Em São Vicente no período pós- guerra, os efeitos da crise são mais devastadores. Fraco
em recurso, completamente dependente da actividade portuária e das outras actividades
que gravitavam a volta do porto e da qual dependiam a sociedade mindelense e da
importação de géneros alimentícios das outras ilhas, devida a existência de poucas
29
extensões de cultivo na ilha. Esta situação vai agravar-se com a progressiva decadência
do Porto Grande, com os desvios das rotas comerciais para os portos de Las Palmas e
Dakar.
Entre os anos de 1944 a 1945 todos os fornecimentos de bens a São Vicente estavam
nas mãos dos portugueses, suplantando os ingleses. Devido a posição neutral de
Portugal na guerra, o negócio do carvão passou também a ser dirigidos pelos
portugueses até ao término da guerra. (Gatlin, 1990:185)
De referir ainda, que o Porto Grande produzia o maior volume de receitas da colónia,
com as actividades de reexportação do carvão e óleos combustíveis. (Fundo […],
1984:93).
Apelando a unidade que sempre caracterizou o império, disse ainda que esta deveria ser
real e não meramente discursiva. E sendo o Império muito vasto com grande
diversidade de povos, torna-se imperativo promover uma política de igualdade social
entre os mesmos, não beneficiando somente os indivíduos de origem europeia: “O
exclusivismo racista leva os povos à ruína e à morte”
30
O deputado Adriano Moreira, justifica a sua intervenção como uma realidade que se
mostra urgente adaptar-se uma vez que as outras potências coloniais começaram a
mudar as suas formas de tratamento para com os nativos das colónias.
Esta situação dos baixos vencimentos aplicados na ilha de São Vicente continua a ser
abordada nos relatórios seguintes. O relatório de 1958, diz o seguinte: As despesas com
o pessoal administrativo é de 37,2%, bem baixo dos 50% que a lei impõe como máximo,
a verdade é que os salários dos serventuários estão num baixo nível, os mais baixos a
8$00 diários, sem alimentação e sem alojamento [...], as mulheres também empregadas
nos serviços municipais com as mesmas funções de outros trabalhadores assalariados
com resultados produtivos tanto ou melhor que aqueles recebem metade desse valor,
4$00 diários, para todas as despesas diárias quando se sabe que o milho, alimentação
basilar se vende a 1$40 litros. 18
18
In, Relatórios da Inspeção à Càmara Municipal de São Vicente, 1954, realizado por A. Mendes Serra,
Intendente Administrativo, que reporta o periodo de Agosto de 1948 a 1954 – Instituto do Arquivo
Histórico Nacional de Cabo Verde, RPSAC, caixa nº 126
31
Geral da Assistência Pública a concessão de um subsídio no valor de 50.000$00, para
a realização de obras de utilidade pública e empregar os operários.”.19
No entanto essas medidas não tiveram aval favorável porque todas as movimentações
bancárias teriam de ter aprovação superior, ou seja, os pedidos de empréstimos aos
Bancos somente poderiam ser feitos por solicitação do governo das colónias ou com
intervenção do governo da Metrópole, não estando nas atribuições dos Bancos a
concessão de créditos à Corpos Administrativos das Colónias. (Actas das Sessões […],
de 01 de Abril de 1947)
19
In, Actas das Sessões da Câmara Municipal de São Vicente, de 14 de Novembro de 1946
20
Solicita-se mais uma vez ao governo o reforço da verba destinada as obras de calcetamento de ruas,
uma vez que estas se mostram insuficiente e afirma-se a importância de continuação das mesmas não
somente para a utilidade pública como auxílio a grande número de operários que estavam a trabalhar nas
referidas obras. Não havendo possibilidades de transferência de verbas, estando todos a serem utilizados
para os propósitos indicados, solicitou-se ao governo a utilização do saldo não orçamentado do ano de
1946 no valor de 111.901$79, que se encontrava depositado no Banco Emissor.
32
trabalhos até que as condições melhorem.” Propõem a tutela a aprovação de um crédito
no valor de 80.000$00 a sair do Fundo de Reserva.
21
Subsecretário de Estado das Colónias
22
In, Boletim Geral das Colónias, Ano XXV – N.º284, Fevereiro de 1949
33
n.º1, na qual se incidem os défice apresentados por algumas colónias nos períodos de
crise:
Quadro n.º 3 - Saldos das contas de exercício das colónias (1931/32 – 1947)
Colónia Saldos das Contas Saldo definitivo
(valor em contos) (valor em contos)
Cabo Verde 55.000 6.000
Guiné 150.000 14.000
S.Tomé 80.000 17.000
Angola 750.000 200.000
Moçambique 1.500.000 312.000
Índia 11.000.000 (rupias) 20.000 (rupias)
Macau 32.000.000 (pacatas) 90.000 (pacatas)
Timor 5.000.000 (pacatas) 7.000 (pacatas)
Nessa mesma conferência Carneiro elucida para o facto de que essas receitas foram
utilizadas em proveito do interesse público, nomeadamente no reforço dos serviços da
saúde, da educação e às missões, que disponham sempre de valores mais elevados de
ano para ano. No entanto como se pode verificar no quadro acima, os saldos definitivos
continuavam a ser bastante expressivos. Carneiro afirma no seu discurso que: “Evitou-
se a ruína, e a Metrópole e as Colónias apresentam-se hoje com finanças sãs.”23
No entanto essas verbas não poderiam resolver a situação difícil das colónias e também
de Portugal, assolada por muitas revoltas da classe trabalhadora, que tinham
organizados uma serie de greves por reivindicações económicas, manifestações,
concentrações, marchas de fome e várias outras formas de luta, uma vez que não havia
um uso coerente e eficaz do governo na utilização desses saldos: “De Dezembro de
1946 a Junho deste ano, as reservas de ouro e outras disponibilidades do Banco de
Portugal no país e no estrangeiro diminuem em mais de um milhão e meio de contos (a
riqueza nacional é esbanjada em compras inúteis: em 1946 compraram-se 163.000
contos de fios e tecidos que a indústria nacional poderia produzir; só com a compra de
automóveis ligeiros, na sua maioria de luxo, gastam-se, nos primeiros seis meses de
1947, 155.752 contos; a importação de trigo, milho e batata, em 1946, orça pelos
500.000 contos; a de bacalhau, pelos 171.400 contos; a de lã, primeiros 6 meses de
23
In, Boletim Geral das Colónias, Ano XXV – N.º284, Fevereiro de 1949
34
1947, pelos 129.908 contos, etc). Entretanto, com a compra de todo o material
ferroviário despendem-se apenas, em 1946, cerca de 27.000 contos…” (Almeida, 1979:
269)
Ainda no ano de 1947 essas despesas aumentam consideravelmente para além dos
produtos acima referidos destacam-se as despesas que o Governo tinha com as forças de
repressão, pelo Ministério da Guerra e da Marinha: “A despesa prevista com as forças
repressivas é de 158.213 contos (mais 35.538 contos que no ano anterior). Para a
PIDE (fora as despesas com “bufos” e vários departamentos do Estado) são destinados
11.051 contos (isto é, cerca de metade de todos os gastos com a saúde pública). Num
total de despesas do Estado de 5.694.484 contos, 1.319.911 contos são consumidos
pelos Ministérios da Guerra e da Marinha.” (Idem: 269-270)
Nas Actas das Sessões da Câmara do dia 08 de Janeiro de 1948 é enviado mais um
comunicado ao Governo, mostrando a situação difícil dos trabalhadores da ilha de S.
Vicente e solicita-se ainda a utilização do saldo de gerência do ano de 1947 no valor de
60.000$00.
A 07 de Outubro de 1949, a Câmara volta a insistir e envia mais uma nota ao Governo
solicitando o reforço da verba destinado ao pagamento dos trabalhadores, face a falta de
35
trabalhos para os empregar, a diminuição dos movimentos do Porto Grande, os reflexos
da crise agrícola, insistiu mais uma vez para ser aprovada a autorização para o
levantamento do Fundo de Reserva do ano de 1947, do valor de 28.464$58, que
segundo orçamento enviado em anexo destinava-se aos trabalhos de alargamento e
renovação da rede eléctrica da ilha.
Autor: Desconhecido.25
36
poderiam ser movimentadas porque faziam parte dos fundos de reservas e dos saldos
positivos dos anos anteriores, depositados no Banco Ultramarino, que não se
encontravam contemplados nos orçamentos dos anos seguintes e que numa situação
difícil em que se apresentava a sociedade da lha era aceitável a retirada desses valores.
Entre os anos 1947-1949 o país depara-se com a maior crise agrícola. A falta de chuvas
nas regiões de cultivo, nomeadamente em Santo Antão26, que desde 1945 não tinha
chovido e o facto de ser a ilha que mais mantimentos enviava a São Vicente, trás
consequências gravíssimas aos mindelenses, que também não podem recorrer as
reservas das outras ilhas uma vez que a situação é de crise geral. (Brito-Semedo, 2006:
305-306)
“ (…) Anos maus, agricolamente falando, prolongando-se com altos e baixos, mais
baixos do que altos, de 1940 a 1953 sangraram a economia da província desfalcando-a
de mais de 200 mil contos, empregues só na aquisição de géneros alimentícios
indispensáveis, (…)” (Almeida, 2007:110)
Seria a partir de 1954 que se poria em práticas medidas efectivas para a resolução dessa
situação. O governo propõe uma série de actividades como forma de empregar o maior
número de trabalhadores que tinham sido despedidos das actividades portuárias devido
a fraca movimentação dos navios.
26
A ilha de Santo Antão cuja actividade agrícola era a principal actividade económica tinha entrado em
franco declínio no período pós- guerra. A situação é tal forma grave que chega-se a importar produtos
fora do país, nomeadamente de Angola, que nas épocas normais de colheitas mais se produz nesta ilha
(milho e feijão) como forma de socorrer as populações das zonas mais dependentes da produção agrícola,
permitindo que esses géneros fossem adquiridos a baixo preço. “Fica temporariamente suspensa a
cobrança do imposto 3% ad-valorem, destinado aos corpos administrativos dos concelhos da Ribeira
Grande e do Paúl, sobre o milho e o feijão entrados nos respectivos concelhos para reabastecimento da
Ilha de Santo Antão. Cumpra-se”, in Diploma Legislativo nº 909 – Boletim Oficial nº 25 de 22 de Junho
de 1946
37
Assim autoriza-se e dá-se início a 1ª fase dessas actividades, designadas por o I Plano
de Fomento, aprovado pela Lei n.º 2058, de 29 de Dezembro de 1952, resultado do
enquadramento de Portugal no Plano Marshall e da sua adesão à OECE, onde foram
elaborados planos de desenvolvimento anuais e de médio e longo prazo, cujas metas
foram a de melhorar o nível de vida, aliviar as pressões demográficas, melhorando a
produtividade do trabalho e reduzindo o emprego. Assim os principais objectivos eram:
fomentar a agricultura, aumentar a produção da energia eléctrica, conclusão das
indústrias de base existentes, instalação da siderurgia, desenvolvimento de meios de
comunicação e de transportes e ainda incentivos ao desenvolvimento da marinha
mercante, da refinação do petróleo e da produção de adubos. No entanto não são
disponibilizados verbas à saúde pública, ao ensino e a investigação científica.
Dos 4.354.834 contos, couberam a Cabo Verde a quantia de: 51.111 contos, aplicados
no aproveitamento de recursos e no investimento nos transportes couberam a Cabo
Verde a quantia de 45.678 contos, o que totalizaram o montante de 96.789 contos.
O relatório do I Plano de Fomento foi alargado para uma dotação de 137.000 contos. No
entanto ficaram por gastar 44.000, cerca de 32%. Em sessão plenária do dia 30 de
Outubro de 1958, na Assembleia Nacional, o então deputado Dr. Duarte Silva disse que
38
era «na realidade muito, sobretudo se considerarmos que Cabo Verde é uma província
onde tudo está por fazer. E mais ainda é de lamentar o facto quando verificamos que as
verbas não gastas dizem respeito a estradas e portos, precisamente as obras que (…)
mais necessárias são ao arquipélago».
As acções decorrentes do I Plano ficaram muito aquém dos resultados previstos, uma
vez que a maior parte dos investimentos foram canalizados para as infra-estruturas, que
imediatamente não se mostraram rentáveis, sendo que o desenvolvimento almejado
seria conseguido após a elaboração e efectivação do II Plano.
Numa 2ª fase, o II Plano de Fomento Ultramarino, aprovado pela Lei n.º 2094 de 24 de
Novembro de 1958, teria como objectivo essencial dar seguimento aos trabalhos
iniciados no I Plano, nomeadamente dar mais incentivos no sector industrial
estabelecendo-se um programa mais coerente, onde se estabeleceu algumas medidas
institucionais: criação do Instituto Nacional de Investigação Industrial e do Banco de
Fomento Nacional e foram tomadas medidas que propiciassem o investimento privado
nas industrias e nas actividades financeiras. Para todo esse investimento prevê-se uma
verba no de 3.387.000 contos em Portugal e 9 milhões de contos nas colónias.
Na elaboração dos programas dos designados Planos de Fomentos eram tidos em conta
algumas fontes de recursos, igualmente aplicados na metrópole: orçamento da
província, fundos autónomos, instituições de providência, empresas seguradoras,
39
instituições de crédito, entidades particulares, autofinanciamento, empréstimos e
subsídios.
Sendo assim, dos 9 milhões de contos a que estavam destinados o II Plano de Fomento
para todas as colónias portuguesas, 5 milhões deveriam ser obtidos por empréstimos da
metrópole e 4 milhões deveriam provir dos recursos das próprias províncias.
Em relação a colónia de Cabo Verde o exposto acima não foi aplicado devida a precária
situação económica da mesma: Cabo Verde – Nem tem capacidade de crédito nem esta
em condições de mobilizar qualquer importância para despesas concernentes ao Plano
de Fomento. O seu financiamento (210 000 contos) fica, pois, integralmente a cargo da
metrópole. (In, Actas [...], 25 de Setembro de 1958, pg.239)
No entanto quase seis meses depois, as obras ainda não tinham iniciado e nem fazia-se
ideia de quando é que poderiam começar, aguardando-se primeiro, inspecções técnicas,
aos quais as condições climáticas ainda não tinham permitido realizar (ventos fortes,
agitação do mar) e ainda as avaliação técnicas que não se encontravam concluídas.
40
fomento agrário, tendo-se previsto o investimento de 3000 contos na cultura do café,
esperando que a produção desse produto iria melhorar consideravelmente a volume das
exportações da nossa colónia.
Outra actividade que seria apoiada no valor de 5500 contos, neste segundo plano seria a
pesca, reconhecida que era a grande diversidade de quantidade de peixes nas águas das
ilhas de Cabo Verde, fomentado-se a indústria pesqueira.
41
contributo da ilha de São Vicente, no fornecimentos de produtos para exportação, uma
vez que os mesmos dizem respeito a exportação geral de Cabo Verde nesse período.
42
aumentadas e ainda as restrições sobre o número de alambiques que poderiam funcionar
em Cabo Verde.
Sobre esta questão Carreira (1982) diz-nos o seguinte: [...] era em parte a política de
entravar as produções locais de forma a facilitar a conquista dos mercados pelos
produtos similares de origem metropolitana – neste caso os aguardentes e os
conhaques [...]
Essa ideia é confirmada por Matoso que disse que o Governo Português na sua política
de desenvolvimento da sua indústria interna privilegia os produtos da metrópole em
detrimento dos mesmos produzidos na colónia. “Noutros casos relativamente
importantes os exportadores coloniais não conseguiram bonificar os seus produtos. O
tabaco, o álcool e a aguardente pagam direitos como se fossem artigos estrangeiros.
No primeiro caso para proteger a indústria tabaqueira metropolitana (novamente a
CUF, desta vez contra os interesses coloniais…), e nos outros para impedir a
concorrência à viticultura.” (Matoso, 1998:257)
Tendo em conta esses aspectos acima referido estima-se que a produção da aguardente
tenha sido superior ao que as estatísticas oficiais nos apresentam.
43
Relativamente a produção industrial, a partir de 1945, através do Decreto nº 34562, de
01 de Maio, que se mostrou importante criar uma legislação que regulamenta-se a
produção no Ultramar, principalmente às produções que se encontram nas mãos dos
estrangeiros, aos quais o governo português não tinha até então nenhum controlo: “[...]
as companhias estrangeiras não se acham registadas nem nas colónias e nem no
continente e o exercício da sua industria se faz sem qualquer fiscalização ou
autorização. [...] Desta situação privilegiada resulta que o Estado é desfalcado, por
falta de pagamento de contribuição e impostos, e isto tanto na metrópole como nas
colónias; que a balança económica é desfalcada, pela drenagem do ouro para fora do
Império; que as garantias do cumprimento das obrigações por parte das companhias
estrangeiras, quando discutidas contenciosamente, são precárias.” (in, Actas da
Câmara Corporativa, n.º 103, Fevereiro de 1954).
Em relação a indústrias estrangeiras fixadas em Cabo Verde, até a data de 1954, essa
legislação nunca foi posta em prática. O documento acima referido diz-nos que: “Em
Cabo Verde, Guiné, Moçambique e Macau nenhuma providência legislativa foi
publicada, não obstante em algumas dessas províncias se terem iniciado estudos para
esse efeito, pelo que tem de considerar-se que, nesta matéria, teriam apenas aplicados
os preceitos do Comercial relativos a sociedades anónimas e de seguros.”
(valores anuais)
Obras Assistência
Boavista 448.500$00 133.000$00
Brava 1.016.000$00 262.000$00
Fogo 1.230.000$00 39.000$00
S. Nicolau 1.501.000$00 117.000$00
Santa Catarina 1.787.000$00 932.000$00
Tarrafal 2.174.6000$00 1.043.000$00
Praia 4.663.500$00 3.515.000$00
Paúl 2.099.500$00 887.000$00
Ribeira Grande 1.976.000$00 813.000$00
Maio 327.500$00 75.000$00
São Vicente 516.582$00 24.000$00
44
Decorrente dessa grave crise económica, presencia-se também o agravar da situação
social, que já se mostrava bastante débil com a decadência do Porto Grande, em finais
do século XIX.
Na entrevista feita ao Sr. Gregório Dias ele afirma que nesse dia as pessoas saíram a rua
após terem ouvido um senhor que tocava um tambor anunciando o fim da guerra por
onde passava: “Guerra já terminou… guerra já terminou!”27
O Sr. Arnaldo Lima afirma que estava na escola e a professora comunicou que: “a
grande guerra tinha enfim terminado”. No entanto passado esse momento diz que não
via nas pessoas aquela euforia apesar de nesse dia o assunto ter sido o mesmo: a guerra
tinha terminado e os Aliados tinham vencido.28
Tendo em conta que se encontra perante uma cidade-porto, com todas as características
que se pode observar numa cidade deste género, nomeadamente o facto de quase todos
os serviços gravitarem a volta das actividades do porto, depara-se com uma crise social
que se alastra a quase toda a população. A classe da elite corresponde ao que melhor
consegue contornar essa situação, principalmente os comerciantes. O restante da
população vive em condições sub humanas, com problemas de alimentação e
higiénicos-sanitários. Essa situação faz aumentar consideravelmente o número de
indigentes que vagueavam pelas ruas do Mindelo.
45
passando por graves necessidades nas ilhas de origem, nomeadamente nas ilhas de
Santo Antão e São Nicolau, ilhas essencialmente agrícolas, que viam em São Vicente
uma possibilidade de melhorar a sua situação, ou pelo menos uma porta de saída para
outras paragens.
“ (…) a morte do carvão como combustível necessário à propulsão dos navios de longo
curso que demandavam o Porto Grande, lançou na miséria o grosso da população do
Mindelo e criou ali um legião de indigentes (…)” (Almeida, 2007:110)
“ (…) Há em S.Vicente 17.000 pessoas que constituem peso morto, 85% da população
arrastando uma vida de privações e de miséria.” (Almeida, 2007:124)
De referir que o hospital da ilha não estava convenientemente preparado para receber
doentes afectados por essas doenças, uma vez que não possuía alas de isolamento e nem
medicamentos adequados, sendo que os doentes eram enviados para as suas casas e
ficavam a sua sorte, provocando o alastramento das doenças contagiosas: “Em Cabo
Verde no ano de 1950 contam-se somente três hospitais com 380 camas… Não
29
In, Relatórios da Administração do Concelho de São Vicente, referente aos anos de 1946 a 1949,
Instituto do Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde, RPSAC, caixa nº 125 e 126
46
contando com as cinco enfermarias designadas por hospitais regionais.” (Almeida,
1979: 288)
Esta situação agravou-se ainda mais com o crescente aumento da prostituição na ilha,
principalmente com a permanência do numeroso contingente de tropas expedicionárias
na ilha, por um período de quase 6 anos, uma vez que não havia controlo por parte das
unidades sanitárias, acabando por serem também veículos transmissores de doenças
sexualmente transmissíveis.
Aliada a estas doenças consideradas mais graves devido ao número de mortes que
faziam anualmente, tem-se ainda doenças gastro-interites agudas, que provocavam a
debilidade de grande número da população pobre que vivia em péssimas condições
habitacionais.
Autor: Desconhecido
47
1 – Movimentos das embarcações e das mercadorias em Cabo Verde
Neste ponto torna-se necessário analisar as entradas e saídas das embarcações em Cabo
Verde. No entanto as informações encontradas reportam-se a partir do ano de 1947 até
1951, uma vez que não foi possível encontrar dados estatísticos anteriores a essa data.
3500
3000
2500
2000
P ortugues es
1500 E s trangeiros
1000
500
0
1947 1948 1949 1950 1951
O Gráfico n.º 1, regista que houve mais entrada de embarcações estrangeiras do que
Portuguesas, sendo que a maior parte eram navios de longo curso que aportavam no
Porto Grande. A situação começou a inverter a partir de 1950, altura em que as
embarcações portuguesas começam a chegar em Cabo Verde em maior número, sendo
também a partir desta data que se regista um aumento considerável dos movimentos
marítimos no geral depois da grande guerra. (vide quadro em anexo n.º1)
300.000
250.000
200.000
1947
150.000 1948
100.000 1949
50.000 1950
0 1951
sa
a
eg a
pa g a
s
sa
F r ola
na
er a
es
tra
Ho e g
s
A m u es
ue
N o ng le
l
ce
ic a
nh
Be
nd
r
ou
an
G
g
la
rtu
I
ru
Es
Po
48
Quanto ao volume cargas e descargas realizadas em Cabo Verde durante o período
compreendido entre 1947 a 1951, pode-se constatar através do gráfico n.º 2, na qual os
números referem-se a quantidades em toneladas, que os navios de nacionalidade inglesa
descarregavam maiores quantidades de mercadorias, seguido pelas embarcações
americanas e norueguesas, respectivamente. Esta tendência iria manter-se para as
embarcações inglesas que até o ano de 1951 continuaram a ser os que mais mercadorias
descarregaram em Cabo Verde, seguidos pelos noruegueses.
De referir a grande quantidade descarregada por navios não identificados de outras
nacionalidades nas estatísticas. (vide quadro em anexo n.º2)
Quadro n.º 9- Carga carregada segundo a nacionalidade das embarcações - 1947 a 1951
Nacionalidades
Ano Portuguesa Americana Belga Espanhola Francesa Grega Holandesa Inglesa Norueguesa Suiça outras
1947 3.881 12 11 534 56 16 3.398 3.456
1948
1949 5.801 70 36 12 1 17.854
1950 5.286 2.227 9.334 4.878 16.793
1951 8.580 5.984 2.927 2.360 237 2.212 4.779 927
Obs.: Quantidades em toneladas
49
saíam de Cabo Verde, o que não nos permite saber se eram produtos nacionais que eram
exportados.
Fazendo uma análise nossa dos quadros acima, verificamos que o quadro nº 5 verifica-
se que as descargas dos navios portugueses eram muito menores do que os estrangeiros,
apesar de a partir do ano 1950, terem aumentado o número de navios portugueses.
Pensa-se que esse aumento dos navios devia-se ao grande número de emigrantes que
saíam para a Europa, porque de outro modo não se justifica a presença de grande
número de barcos, se o número de carga e descarga de materiais eram muito pouco
comparativamente aos dados dos movimentos estrangeiros.
Trata-se de uma época onde a entrada de mão-de-obra na Europa era necessária para a
sua reconstrução e que segundo os dados estatísticos, a partir dos anos 50 regista-se uma
grande saída de emigrantes.
50
2 – Movimentos Associativos de Assistência e de Classe
A 7 de Junho de 1956, aproveitando-se da apresentação de uma nova legislação
corporativa metropolitana, é apresentada uma adaptação das mesmas as províncias
ultramarinas, justificando-se a importância de o ultramar dispor de uma dispositivo
legal que regulamenta-se a existência de algumas organismos corporativos e de
coordenação económica existentes na altura.
Em Cabo Verde são indicadas 3 sindicatos: Sindicato Nacional dos Empregados do
Comércio e Ofícios Correlativos (Portaria Ministerial n.º11240, de 17 de Janeiro de 1946);
Sindicato dos Inscritos Marítimos (Portaria n.º 8455 de 25 de Outubro de 1947) e Sindicato
dos Operários das Empresas Fornecedoras de Combustíveis e Água à Navegação
(Portaria n.º 14174, de 10 de Março de 1951)
Dessas associações existente a que sempre manteve-se “de pé” com muitas dificuldades
foi a Associação de Caridade, fundada em Fevereiro de 1947, com apoios religiosos (na
administração e assistência) e de comerciantes (apoio financeiro) albergava crianças
órfãos e ainda apoiava crianças carenciadas, famílias pobres e recém nascidos.
51
desconhece-se se estes tiveram um papel social activo como a primeira, embora o
relatório do Concelho de São Vicente dos anos de 1946 a 1949, informa-nos que não
tiveram nenhuma actividade apesar de os seus estatutos estarem aprovados.30
Das entrevistas realizadas aos Sr.s Gregório Dias e Arnaldo Lima, eles desconheceram a
existência de tais associações, dizendo que se os mesmos existiam não sabiam quais as
suas actividades e muito menos onde ficavam sediados.
30
In, Relatórios da Administração do Concelho de São Vicente, referente aos anos de 1946 e 1947,
Instituto do Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde, RPSAC, caixa nº 125 e 126
31
In, Diário do Governo, I Série, nº III, ano 1946
52
3 - O Problema da Adjacência
Nesse contexto de crise geral dos anos 40 do século XX entram em “cena” vários
adeptos da atribuição à Cabo Verde do estatuto de território adjacente, ficando em pé de
igualdade com os arquipélagos da Madeira e dos Açores e chamando a responsabilidade
portuguesa na resolução da crise.
Um dos grandes nomes que defendeu essa causa no órgão competente, foi o Dr.
Adriano Duarte Silva, então deputado de Cabo Verde na Assembleia Nacional
Portuguesa. No seu discurso em sessão plenária de 30 de Outubro de 1958, para além de
reivindicar o comprimento do orçamento por parte do governo português, para se
proceder o acabamento de obras cruciais para o desenvolvimento sustentado de Cabo
Verde, nomeadamente os transportes, enfatizando a situação do Porto Grande da ilha de
São Vicente, que no seu entender deveria estar melhor apetrechado como porto de
reabastecimento que era e pela importância que desempenhava como sendo o principal
porto de reabastecimento da metrópole, chegando a fornecer quantidades superiores de
combustíveis líquidos em relação ao porto de Lisboa, tendo em atenção que o porto de
São Vicente era meramente um porto de escala.
Ele finaliza o discurso com o pedido para a adjacência de Cabo Verde a Portugal e de
todos os benesses daí advenientes. (in Actas das Sessões da Câmara Corporativa, 22
Fevereiro 1946, Diário das Sessões nº 35)
Em seguida, houve várias declarações públicas a favor da adjacência, mas com uma
outra finalidade, que era a preservação das colónias, tendo em conta a ameaça da
descolonização.
53
De entre esses apoiantes desse novo estatuto a Cabo Verde, estava o então Ministro dos
Negócios Estrangeiros, que a 8 de Novembro de 1958, publica no jornal Diário Popular,
integrado no Boletim Económico, o texto sobre o nome de ``Cabo Verde: ilhas
adjacentes``, na qual ele expressa o seu apoio ao deputado Dr. Adriano Silva dizendo
que: ``tal integração constitui imperativo nacional.`` Relata com alguma triste a
situação da colónia cabo-verdiana enaltecendo a capacidade desta colónia em contornar
as suas adversidades com espírito de sacrifício e denuncia as pesadas imposições fiscais
da metrópole alegando que as mesmas são injustas para um povo que muito pouco tinha
para dar: “Os portugueses de Cabo Verde são evoluídos e capazes. Esgotam as
possibilidades de aprendizagem de que dispõem, mesmo alguns a quem o pão falta. E
muitos e muitos se afirmam e acreditam entre o melhor escol lusitano (…) O próprio
dinheiro é sobrecarregado e diminuído por força do regime vigente: cem escudos que
para ali vão, da metrópole, deixam dez no banco. Pagam-se cem escudos e recebem-se
noventa (…) Pescarias, conservas, rum, pozolanas que, aproveitadas em soluções
técnico-económicas adequadas, poderiam ser riqueza progressiva, nem pobreza são.”
Este texto acima referido surgiu numa altura em que as independências africanas
estavam na ordem do dia por isso, pensa-se que esse apoio de um membro do governo
da metrópole tinha como finalidade a angariação de simpatias políticas. No mesmo
texto ela afirma que: “O Noroeste de África vai-se autonomizando em Estados
independentes que vão surgindo. Na efervescência dos seus nacionalismos confusos, a
expansão e o desejo de absorção têm de considerar-se, objectivamente, como um
fenómeno biológico. Anulá-lo, limitá-lo ou contê-lo, só por outro mais forte. E nisso,
como no futebol e em tudo, é primacial a antecipação da jogada. [...] A Europa ou se
fixa na África e nela mantém e completa a sua europeização ou acabará por ser o que é
geograficamente: uma península asiática. E nós, portugueses, não podemos ceder um
só dia na consolidação do que lá temos.”
Opinião favorável a adjacência, mas com alguma cautela, tem o Dr. Manuel Ribeiro de
Almeida, que foi Presidente da Câmara Municipal de São Vicente e da Associação
Comercial, Industrial e Agrícola de Barlavento, fundador e director do jornal Notícias
de Cabo Verde, afirmou que: a integração de Cabo Verde no regime administrativo
metropolitano é o corolário natural das condições de verdadeira assimilação dos
54
naturais da província que atingiram, de há muito (...), um estado de adiantamento no
campo civil e político que justifica plenamente o conceito. Mas mostra uma certa
prudência quando afirma o seguinte: gostaríamos de ver o assunto largamente debatido
na imprensa, porque segundo ele havia muita gente que não encaravam este estatuto
com simpatia, preocupados com os encargos fiscais aos quais Cabo Verde poderia vir a
estar sujeito, que poderiam passar a ser superiores as que estavam a ser aplicados na
altura, que eram considerados bastante elevados para a fraca produção do país, nesse
sentido era necessário uma maior divulgação e esclarecimento por parte dos meios de
comunicação social. 32
Como não poderia deixar de ser, aparecem pessoas com algumas ressalvas e cepticismo
quanto ao estatuto de colónias adjacentes. Uma delas foi de uma das figuras ilustre de
São Vicente, o advogado Dr. Bento Levy. Este afirmou que o progresso de Cabo Verde
dependia somente da melhoria da sua situação financeira, independentemente de sua
administração estar ou não ligado a metrópole.
Disse ainda que não era contra a descentralização de poderes, uma vez que acredita que
um governo local teria sempre um conhecimento mais profundo dos problemas, aos
quais mais rapidamente também teria capacidade de dar respostas. Em relação aos
corpos administrativos realça que caso venha a ser atribuído este estatuto a Cabo Verde,
o problema estaria na compreensão e integração de um novo meio [Cabo Verde], por
parte de governadores habituados a metrópole, tarefa que não era fácil. (Boletim de
Propaganda e Informação, Ano IV, n.º 42: 17-18)
32
In, Cabo Verde Boletim de Propaganda e Informação, Abril de 1959
33
Diário das Sessões nº 70, pg. 296
55
autonomia seria suficiente para lhe não deixar receber subsídios regulares do Estado
(...), no entanto reconhece alguns benefícios que a colónia poderia ter com esse estatuto:
a sua importância económica e estratégica como nó de comunicações marítimas e
aéreas no Atlantico e o facto de já alguns dos seus serviços (defesa, aeroportos,
meteorologia) estarem ligados a Ministérios metropolitanos.
Neste sentido recomenda-se nessa sessão a maior prudência na atribuição deste estatuto
de colónia adjacente, podendo-se começar por estabelecer um regime de transição caso
o governo da metrópole opta-se pela implementação desse estatuto.
56
IV - Consequências da crise
1 - Emigração
Apesar de muitos apelos, a situação bastante difícil em Cabo Verde e mais alarmante da
população mindelense, ao governo português, nenhum teve efeito prático e urgente.
Uma das medidas tomadas pelo então governo foi a abertura a emigração, em muitos
casos forçada, tendo-se como exemplo a emigração para S. Tomé, onde somente uma
minoria conseguiu regressar a ilha, mas também para a Europa: Holanda, Portugal,
França, Luxemburgo, Itália, Suíça, etc.
Com esta nova orientação dos imigrantes cabo-verdianos para outros destinos,
decresceu consideravelmente as saídas para os Estudos Unidos da América, que até este
período tinha sido o principal país receptor dos emigrantes cabo-verdianos, embora se
realce que a partir de 1919, os Estados Unidos tinham impostos algumas restrições a
entrada de emigrantes no país.
De referir que essa prática da emigração dirigida a cólonia de São Tomé, não
representava uma novidade, uma vez que era conhecida desde finais do século XVIII,
mas que nesse período intensificou-se, devido também aos graves problemas de fome.
A emigração para São Tomé e Príncipe tem as suas raízes históricas no ano de 1863,
altura da criação de grandes extensões de roças de café e cacau. Devido a falta de mão-
de-obra e coincidindo com a grande estiagem que assolou Cabo Verde nos anos de 1850
57
- 1866, o governo português resolve essa situação através de uma emigração orientada
para São Tomé, regulada pela Portaria Régia nº 250, de 19 de Dezembro de 1863.34
Nos anos 40 a emigração para São Tomé e Príncipe tinha como principal motivo a fome
que assolou as ilhas de Cabo Verde. Mas a partir dos anos 50 a fome deixa de ser o
principal motivo passando a explicar a sua partida como forma de melhorar as suas
condições de vida, escassez de trabalhos e porque tinha-se a ilusão de que em São Tomé
os trabalhos eram melhor remunerados.
Toda essa situação estava directamente relacionada com a crise económica que se vivia
na cidade do Mindelo. No entanto, parece-nos que essa procura de melhores condições
de vida, representava uma fuga a condição de miséria que a população mindelense
vivia. Nascimento (2008) mostra-nos que as pessoas por ele entrevistadas utilizam com
maior frequência a palavra necessidade em vez da palavra fome. No crioulo de Cabo
Verde, na variante de São Vicente, passá necessidad, significa eufemisticamente passar
fome. Por isso, o facto de se ter substituído a terminologia portuguesa pela cabo-
verdiana, não lhe retirou o significado uma vez que continuou a significar a mesma
coisa.
Em Junho de 1954, numa entrevista concedida a Revista Cabo Verde, nº57, o deputado
por Cabo Verde, Dr. Adriano Duarte Silva, mostrou-se preocupado com a saída de
tantos cabo-verdianos para as roças de São Tomé, demonstrando que depois haveria
necessidade de trabalhadores em Cabo Verde por altura da realização do I Plano de
Fomento. Não reconhece que essa emigração fosse proveitosa para Cabo Verde, porque
não havia uma valorização dessa mão-de-obra, que trabalhavam em péssimas condições
e realça o problema dos salários que eram muito baixos: “Se realmente a economia de
34
Esta Portaria Régia viria a ser alterada a 18 de Maio de 1864, onde se poderia ler o seguinte: “O
governador, em qualquer transporte de que possa dispor, ou nos paquetes, faça transportar para as ilhas
de S.Tomé e Príncipe, até 1000 indivíduos de ambos os sexos, empregando para esse fim todos os meios
possíveis de persuasão”, Carreira, 1983, 150-151.
58
S.Tomé necessita dos nossos trabalhadores, deverá remunerá-los convenientemente. A
verdade é que os serviçais que voltam, regressam em geral com a saúde abalada e com
escassas economias.”35
O vencimento estipulado nos contratos de trabalho para São Tomé estava assim
definido: 100$00 mensal para os homens e 70$00 para as mulheres, com alojamento,
alimentação e algum vestuário por conta entidade patronal. (Almeida, 2007:136)
Quadro n.º 10 - Relação dos vencimentos dos contratados nas diferente colónias
(valores mensais)
CONTRATADOS COLÓNIAS
Angola Ilha do Princípeª São Tomé
Homens 100$00 80$00 90$00
Mulheres 60$00 60$00 70$00
Menores de 14 a 16 anos (sexo masculino) 40$00 40$00 40$00
Menores de 14 a 16 anos (sexo femenino) 30$00 30$00 30$00
Menores de 16 a 18 anos (sexo masculino) 60$00 40$00 40$00
Menores de 16 a 18 anos (sexo femenino) 50$00 30$00 30$00
Notas: ª – a partir do 3º ano de trabalho haveria um aumento de 20$00 para os homens e as mulheres e de
10$00 para crianças com idades compreendidas entre 16 a 18 anos, para ambos os sexos.
35
In, Revista Cabo Verde, Boletim de Informação e Propaganda, 1 de Junho 1954, Ano V, nº57
59
A 02 de Junho de 1952 é aprovado as alterações ao Diploma legislativo, n.º 956 de 04
de Setembro de 1947, que regulava as contratações para São Tomé. Estas alterações
surgiram da recolha e uniformização de pareceres, resultantes de inquéritos dirigidos
por todos os administradores dos concelhos de Cabo Verde, nas quais foram ouvidas
todas as pessoas que tinham regressado de São Tomé. Dessa alterações propostas nesse
novo diploma, procurava-se salvaguardar os interesses dos contratados cabo-verdianos,
nomeadamente assegurar-lhes o cumprimento do contrato, prevendo-lhes um tratamento
mais humano, depois de comprovadas que os mesmos estavam sujeitos a castigos
corporais, melhorias de vencimento comparativamente com o das outras colónias,
medidas de protecção as crianças com menos de 14 anos, melhorias na alimentação e
fornecimento de vestuários
Duarte Silva, deputado para Cabo Verde apresentou algumas alternativas caso o
Governo insistir em manter essa emigração. A primeira seria de que os serviçais cabo-
verdianos deveriam trabalhar em alternância, ou seja, viajariam para São Tomé nos
períodos de escassez das chuvas em Cabo Verde e regressariam na época das águas,
onde o trabalho da terra exigiria mais trabalhadores. A segunda alternativa era de que
deveriam eliminar os contratadores, com a justificação de que eram os únicos que
beneficiavam com grandes margens de lucros dessa emigração, passando a haver uma
corporação governamental que trataria dos contratos colectivos entre o Sindicato de
Cabo Verde e o Grémio dos agricultores de São Tomé.
60
impossibilidade de importação de alimentos ou de outros recursos da metrópole.
Acresce-se a isto o relativo abandono que a administração colonial votou Cabo Verde,
destituído mesmo do mínimo de recursos financeiros para o desenvolvimento de obras
de infra-estruturas primordiais para a economia da ilha. ”
61
Quadro nº 11- Emigração, Imigração e Retornados (1906 a 1973)
Períodos Emigração Imigração e Retornos Saldo
Espontânea Forçada Total Imigrantes Retornos Total
1906-1918 20797 10602 31399 … 6593 6593 -24806
1919-1932 6627 8988 15615 … 3123 3123 -12492
1933-1942 5605 1542 7147 4524 2434 6958 -189
1943-1952 8121 30304 38425 7818 5794 13612 -24813
1953-1962 30522 18466 48988 24241 8240 32481 -16507
1963-1973 104767 12744 117511 73128 … 73128 -44383
Total 176439 82646 259085 109711 26184 135895 -123190
Importa neste ponto fazer um pequeno esclarecimento sobre o termo “forçada”. Ainda
do recente trabalho de Nascimento (2008), não se tratava de uma situação onde o poder
central impunha de forma coerciva a emigração, mas tratou-se principalmente de uma
situação imposta pela própria conjuntura interna, onde a emigração aparece como a
única forma de salvação das dificuldades económicas. Diz ainda que a presença policial
era somente para garantir que o contrato fosse cumprido. (Nascimento, 2008:15-17)
62
A partir de 1953, os dados estatísticos passam a ser apresentados sem a indicação das
ilhas de proveniência, passando a constar as terminologias: “Nascidos na Metrópole,
Nascidos em Cabo Verde, Nascidos nas outras Colónias e Estrangeiros”.
Anos Santiago Fogo Brava Santo S.Vicente S.Nicolau Sal Boa Não Total
e Maio Antão Vista indicadas
1945 209 … … 3 348 … … … … 560
1946 1920 113 4 3 457 111 7 … … 2615
1947 5729 5 42 1 580 1 4 … … 6362
1948 3813 7 65 8 682 5 … … … 4582
1949 557 13 76 10 573 7 … … … 1236
1950 196 17 53 282 1053 3 14 … … 1618
1951 838 25 96 13 369 11 59 … … 1411
1952 603 33 89 1292 1537 14 81 3 … 3652
1953 … … … … … … … … 1707 1707
1954 … … … … … … … … 2508 2508
1955 … … … … … … … … 5097 5097
1956 … … … … … … … … 2796 2796
1957 … … … … … … … … 1840 1840
1958 749 37 102 145 272 129 1 1 2741 4177
1959 … … … … … … … … 2839 2839
1960 474 107 4 1475 170 378 1 2 1522 4133
Uma vez que a situação de crise era geral em todas as ilhas e devido ao mito de
prosperidade do Porto Grande, continua-se a registar um elevado número de pessoas
provenientes das outras ilhas, em busca de uma vida melhor, nomeadamente de Santo
Antão e São Nicolau, uma vez que estas eram ilhas predominantemente agrícolas e não
possuíam outros meios de superação dessa crise geral, não obstante terem a prática da
pastorícia mas, que como se sabe também não tinha condições para se desenvolver tal
actividade.
63
2 - A Mortalidade
Uma outra das consequências gravíssimas verificadas nesse período foi o elevado
número de óbitos e nados vivos. De referir a grande crise de 1947-48, que se analisa em
seguida.
Este controlo era feito tendo em conta o número de famintos que se deslocavam aos
albergues de acolhimento, não sendo possível saber o número exacto ou pelo menos
aproximado, das pessoas que acabavam por falecer a caminho desses albergues que
ficavam localizados nos centros urbanos.
“A evasão aos registos é praticamente impossível de evitar por maior que tivesse sido a
fiscalização oficial. As perturbações de toda a ordem causadas pela deslocação, em
grandes grupos, de famintos impossibilitavam o controlo do obituário.” (Idem:121)
Pode-se constatar que a ilha onde se ocorreu maior número de mortandade, foi a ilha de
Santiago, seguidamente da ilha de São Vicente. O que se tem de ter em conta nessa
análise é que a ilha de Santiago detinham a maior concentração populacional do que em
São Vicente e que essas informações não podem ser analisadas sem se terem em conta
essa variável. (Idem: 117-118)
Neste sentido, pode-se deduzir, com margem para erro, que a situação é mais crítica na
ilha de São Vicente, uma vez que o número de óbitos ocorrido nesta ilha aproxima-se
do da ilha de Santiago, que como se referiu anteriormente, tinha a maior concentração
populacional.
64
Pelo que se conhece das poucas informações que existem, os mais afectados por esta
situação e na qual se regista o maior número de mortandade, são os indivíduos de
parcos recursos económicos. A grande e a pequena burguesia conseguiu contornar essa
crise. Estima-se que tenham morrido “brancos”, da elite devido as pestes que
acompanharam essa crise e não devido a fome. (Carreira, 1984:119; 132)
De referir ainda que essa elevada taxa de mortandade, deveu-se ainda as doenças e
epidemias, pragas de insectos, como se pode verificar pelos dados do quadro nº 10, que
contribuíram para a devastação da pouca área verde e dos gados ainda existente. As
secas prolongadas provocam a diminuição das zonas irrigadas, das nascentes e das
águas subterrâneas. (Carreira, 1984:130)
Os anos mais críticos foram sem dúvida de 1947 a 1948, período de grande seca em
Cabo Verde.
65
Outro factor que acabou por contribuir para agravar a situação foi a má distribuição das
ajudas, marcadas pela diversidade na sua distribuição, que variava de concelho para
concelho, sendo que umas vezes se distribuíam dinheiro, outras géneros alimentícios
crus – na maioria das vezes o milho – e em outras ocasiões refeições quentes – cachupa.
Essa distribuição era feita sem nenhuma forma de controlo.
Seria a partir de 1960 que o Governo viria a tomar medidas planificadas de actuação,
visando o combate mais eficiente em tempo útil das crises agrícolas em Cabo Verde,
evitando ainda os desperdícios que tinham sido cometidos anteriores. Assim, a 21 de
Março desse mesmo ano enviou-se uma comissão de trabalho para elaborar um relatório
mais completo possível, onde se definiriam as especificidades de cada ilha.
De referir ainda ao facto de existir nessa altura, na ilha o único liceu do arquipélago, o
que fez aumentar o número de intelectuais na mesma, contribuindo para a tomada de
66
consciência da situação, pressionar o governo português e de procurar soluções
externas.
Autor: Desconhecido36
36
Fotografia de Foto Melo 1948 - Home Fleet Britânica, na sua viagem de agradecimento aos Países
Aliados pelo esforço e apoios prestados durante a II Grande Guerra.
67
3 - Repercussões do Pós-Guerra na Cultura Mindelense
a) Comportamentos Eleitorais
No entanto essa viragem foi sentido pelo próprio governo que em Setembro de 1945,
dissolve a Assembleia Nacional anunciando eleições livres e a tão aclamada abertura
política. Destaque para dois grandes movimentos: a MUD (Movimento de Unidade
Democrática) e a MND (Movimento Nacional Democrático), em representação da
oposição constituídas por milhares de pessoas.
68
No entanto a fraqueza dessa oposição que poderia ter mudando o rumo da História de
Portugal nessa época deveu-se as suas cisões internas relacionados com os que eram
partidários de ideologias arcaicas para a modernidade que se queria introduzir em
Portugal e ainda devido ao facto de alguns partidos realizaram acções individuais em
função dos seus interesses. (Idem: 392)
O general Carmona foi eleito sem oposição, uma vez que o candidato da oposição, o
general Norton de Matos desistiu nas vésperas do acto eleitoral, receando a derrota, uma
vez que se mostrava desacreditado na reforma dos cadernos eleitorais e na liberdade de
voto.
Essa vitória do governo da situação demonstrava que a oposição não estava ainda
preparada para combater o Estado Novo, o que resultou no fortalecimento do mesmo,
não obstante os resultados eleitorais terem sido sempre controlados de forma
fraudulenta de modo a garantir a vitória dos candidatos do Estado Novo.
Seria reaberto nesse mesmo ano para acolher presos políticos, maioritariamente
comunistas ou simpatizantes da oposição, o Campo de Concentração de Cabo Verde em
Tarrafal – ilha de Santiago.37
37
A Colónia Penal do Tarrafal foi criado através do Decreto-lei n.º 26:539, em 1936, no âmbito da
reorganização dos serviços prisionais, enquadrada na vertente prisões especiais. Destinado a presos
políticos e sociais no Ultramar que tivessem cometidos crimes políticos e os presos de delito comum
quando não respeitavam as normas de disciplinas e mostravam-se como maus exemplos para os outros
presos da metrópole e ainda os que tivessem cometidos crimes de rebelião: a ofensa contra o prestígio da
República ou contra o prestígio do Presidente da República ou do Governo, a propaganda ou outro meio
de provocação à disciplina social, o não cumprimento dos deveres da função pública ou das ordens da
autoridade, o encerramento de fábricas ou cessação de qualquer industria sem causa legítima, a ofensa
contra a bandeira, o Hino nacional ou qualquer emblema do Estado [etc]. No entanto desde 1931 que
eram enviados para Cabo Verde, ilha de São Nicolau, presos políticos para o Colónia Penal que ali
existia. (Tavares, 2007:63-65).
Mais tarde, a partir de 1961 seria utilizada para “acolhimento” de presos políticos africanos que teriam
luta pela independência das colónias
69
Com a morte de Carmona em 1951 foram realizadas novas eleições as quais serviram
para reabrir questões antigas com adeptos a defenderem a restauração da monarquia
para além de dos democráticos. Mas a ideia primeira era de que o Estado Novo deveria
“desaparecer” e instituir o regime democrático.
Seria nesse cenário acima referido que se realizariam as eleições de 1958, demonstrando
a crise por que passava o Estado Novo. Nessa altura as atitudes do chefe do governo
português, Oliveira Salazar, encontravam forte oposição dentro do próprio governo e
por parte dos que se tinham mantido na neutralidade até aquele momento.
De entre esses dois últimos, Humberto Delgado granjeou as simpatias das populações
por onde passava tendo suscitado enorme entusiasmo e apoios em todo o país. Esse
38
Na altura Humberto Delgado era oficial-aviador no activo e ao mesmo tempo Director Geral da
Aeronáutica Civil. Tinha demonstrado ser, até então, grande defensor da política Salazarista. (Marques,
1986: 397).
70
facto permitiu uma aliança política entre os dois blocos da esquerda, a 30 de Maio de
1958 com o intuito de unirem forças contra o governo fascista português, estabelecendo
linhas de acção comuns.
A oposição demonstrou que tinha força política para mudar o regime e em reacção o
governo no poder preparou em caso de derrota nas eleições uma acção militar, caso que
não intimidou o general Delgado tendo o mesmo seguido com a campanha mesmo
receando os conhecidos actos fraudulentos nos actos eleitorais, como seria de esperar de
eleições realizadas durante a vigência de um regime fascista, que acabou por se verificar
nos resultados onde Delgado ficou muito aquém das suas expectativas, tendo-lhe sido
atribuído pelo governo 25% do total dos votos.
Os actos fraudulentos não representavam novidades para a Oposição uma vez que
conheciam todas as formas ilícitas que o governo utilizava e facto comprovado tinha
sido o que aconteceu no ano anterior aquando das eleições para os deputados onde os
votos tinham sido adulterados: “Nas eleições para deputados [em 1957] apenas são
recenseados 1.300.000 portugueses, quando Portugal e colónias têm mais de 20
milhões de habitantes. A Oposição Democrática, que só se candidata em quatro
distritos, é excluída no de Lisboa, e apenas se mantém até ao fim em Braga… Em
numerosas terras, o eleitorado segue a palavra de ordem de abstenção dada pela
Oposição Democrática.” (Idem:342)
71
dizendo que tinha sido ele o vencedor das eleições de 1958 e o grande número de
pessoas que não tinham dirigidos as urnas.39
As cisões internas no governo eram muito evidentes, tendo alguns membros sido
afastados por discordarem das práticas governativas de Oliveira Salazar.
A própria Igreja Católica que tinha mantido a sua posição neutral durante todo esse
período conflituoso da política portuguesa começa a reagir contra o governo fascista
referindo que o mesmo prejudicava as acções religiosas da Igreja, participando em
manifestações contra o regime.
O cenário das eleições em Cabo Verde não foi diferente daquilo que se verificou em
Portugal e no caso específico de São Vicente, daquilo que se pode verificar houve
alguns factos que não se conseguiu chegar a uma explicação concreta uma vez que a
nossa análise foi feita com base somente em documentos oficiais enviados para a
Administração da Colónia. Em Cabo Verde não houve nenhum movimento da oposição
que tivesse contestado os actos eleitorais e dessa forma não ficou registado nenhum acto
fraudulento como se pode documentar em Portugal.
39
“Em São Vicente, Cabo Verde, foi concedido o direito de voto a padres e sacristães que haviam
chegado da capital apenas alguns dias antes das eleições, enquanto muitos dos votantes incluídos na
lista para as últimas eleições legislativas, foram excluídos desta eleição presencial.” (Humberto
Delgado, in Marques, 1986:398)
72
As eleições legislativas de 1949 que ocorreram em São Vicente, no edifício da Câmara
Municipal, para eleições do Deputado da Nação pelo círculo de Cabo Verde, tiveram
uma única lista encabeçada pelo Dr. Adriano Duarte Silva.40
Em 1953 realizam-se novas eleições para o Deputado da Nação pelo círculo de Cabo
Verde. Seguiu-se os mesmos trâmites eleitorais acima referidos, tendo sido apurados
2228 votos a favor de Adriano Silva, dos 2433 eleitores recenseados, tendo sido
anulados 3 votos de eleitores aos quais se alegou na acta que votaram com certidões
passadas pelo círculo eleitoral da Guiné.
Da pesquisa realizada aos Certidões de Eleitor verificou-se que os 3 eleitores aos quais
foram anulados os seus votos, eram naturais de São Vicente, mas por se encontrarem
fora do país, foram recenseados no concelho da Guiné e de Bolama e no concelho de
Farim em Portugal. No entanto foram validadas os votos de outros eleitores que
apresentaram as mesmas certidões de recenseamento emitidos noutros concelhos.
40
O Dr. Adriano Silva sempre foi o candidato mais apoiado para assumir o cargo de representante da
Colónia de Cabo Verde, na Assembleia Geral. Em todas as campanhas eleitorais havia um forte lobby a
favor do mesmo. Nas eleições de 1949, há um forte apoio a sua campanha no único jornal então existente,
o Notícias de Cabo Verde, servindo-se ainda do jornal para emitir desmentidos públicos dos que não eram
apoiantes do Dr. Adriano Silva, chegando mesmo a publicar dizeres como: Os bons caboverdianos e os
amigos da nossa Terra votam todos no Dr. Adriano e Quem deseja o progresso de Cabo Verde deve
votar no Dr. Adriano. in, Notícias de Cabo Verde, Ano XIV, Nº 231, 10/10/1945
73
Outro aspecto importante a referir esta relacionada com a duração do acto eleitoral de
1953 em comparação com o de 1949. Verificou-se o de 1953 teve inicio as 9:00 e
terminou as 17:00 as votações ao que se seguiu os trabalhos normais acima referidos na
pós-votação. Esse facto chamou-nos a atenção porque a diferença de votantes entre os
actos eleitorais de 1949 e 1953 é de 132 votos, conforme se pode verificar no quadro n.º
12 e no entanto o segundo durou mais tempo com essa pequena diferença de votantes,
ao qual se pensa que os trabalhos decorreram em tempo recorde em relação ao primeiro
acto eleitoral ou de facto verificou-se a existência de actos fraudulentos também em
Cabo Verde, nesse caso em São Vicente.
Seguiu-se as eleições para Deputado da Assembleia por Cabo Verde em 1957. Nesse
acto eleitoral, assiste-se ao mesmo “cenário” do que se verificou nas eleições anteriores,
tendo-se mais uma vez sido eleito o Dr. Adriano Silva.
Quadro n.º 14 – Eleições para deputado à Assembleia pelo círculo de Cabo Verde (1949 a
1957)
Ano Total Eleitores Total Votos Votos Nulos Votos a favor Candidato Eleito
1949 2265 2099 --- 2099 Dr. Adriano Silva
1953 2433 2231 3 2228 Dr. Adriano Silva
1957 2791 2791 --- 2791 Dr. Adriano Silva
74
Em relação a esse acto eleitoral constata-se que pela acta da sessão que 453 eleitores
não se dirigiram as urnas, facto que nos chama a atenção quando se compara os
números relativos aos eleitores que não compareceram aos outros actos eleitorais
correspondendo em média a cerca de 200 eleitores.
75
b) Reflexos Culturais
A nível cultural o ambiente que se vivia na altura em estudo não proporcionava grandes
obras. O único jornal que ainda continuava a editar números era o Notícias de Cabo
Verde (São Vicente – 1931-1962) sob a direcção de Manuel Ribeiro de Almeida,
propriedade de grandes comerciantes Este jornal teve uma duração de 31 anos, no
entanto resistiu algumas interrupções, no entanto chegou a ser o único órgão de
imprensa em toda a Colónia. Em relação as revistas havia o Cabo Verde – Boletim de
Propaganda e Informação (Praia – 1949-1964), durou 16 anos e a Claridade – revista
de artes e letras (São Vicente – 1936 – 1960) que durou 24 anos, também com algumas
interrupções, devido a ausência de alguns colaboradores e problemas financeiros.
(Brito-Semedo, 2006:174; 175)
Eram todos periódicos não oficiais, que estavam sujeitos a fiscalização sendo que
qualquer publicação deveria primeiro ser submetida as autoridades para validação antes
da impressão e divulgação, chegando a casos de retirar-lhes formas de financiamento,
quando as matérias publicadas assumiam um carácter interventivo e crítico quanto se
tratava de assuntos sociais e políticos.
Eram muito pouco os que nessa altura ainda despendiam o seus recursos na compra de
jornais e/ou revistas. Em relação aos outros media, havia somente a rádio e eram muito
pouco as famílias que na altura possuíam um aparelho de rádio e as notícias eram
vinculadas entre a população de boca-a-boca, nos cafés, nos mercados, onde havia
concentração de pessoas. Não se sabe se os grandes comerciantes possuíam aparelhos
de televisão.
76
Convém esclarecer que o que se pretende não é fazer uma análise da música, porque não
é a nossa área de domínio, mas demonstrar através das letras das composições o retrato
da vivência da população mindelense no período em estudo. Trata-se de temas que, de
forma pouco explícita ou encriptada denunciavam a situação social, tendo sido muitos
alvos de traduções para o português antes de serem tocadas nas rádios.
A canção “Vitória” traduz essa expectativa da população mindelense e não só, de todos
os cabo-verdianos. Aos mindelenses a vitória dos aliados traduzia o voltar aos velhos
tempos de reanimação de Porto Grande com entrada de navios e consequentemente
mais trabalhos. Na última quadra a frase (Mesa de pobre que tem fome) parece
desenquadrada do assunto da guerra, mas pensa-se que o autor aproveitou para chamar a
77
atenção para a miséria em que a população vivia, uma vez que todas as canções eram
alvos de censura. Os cantados na língua crioula eram traduzidos para o português e
assim as autoridades seleccionavam os que podiam passar na rádio.
“VITÓRIA” “VITÓRIA”
Lulu nha Antónia general Giraud Lulu, D. Antónia, general Giraud
Djunta bo voz co Mari Pi Junta a tua voz com a de Mari Pi
Nô bem cantâ Morna de Vitória Vamos cantar a Morna da Vitória
Que ta luniá Montgomery Que ilumina Montgomery
Sês câ contente co ês nôs cantiga Se não estão contente com a nossa cantiga
Nem quês ca crê nô tem que cantal Se não quiserem, temos de cantá-la
Se dj`el bá boca de rapariga Se já está na boca de rapariga
Ês tâ rendê incondicional Vai render incondicional
Percebe-se que o autor refere-se a pessoas com família formada, que vêm-se obrigados
a sair da ilha de Santiago para virem a ilha de São Vicente, local onde se encontravam
os militares portugueses.
Essa integração dos militares cabo-verdianos era vista para os nacionais como uma
coisa irremediável, triste e causava muito sofrimento às famílias, talvez por pensarem
78
que se tratava uma viagem para a Europa na luta efectiva na guerra e não meramente
para defesa das ilhas em caso da guerra chegar a Cabo Verde.
79
“SODADE DE SÃO NICOLAU” “SAUDADE DE SÃO NICOLAU”
Quem mostrabo êss caminho longe? Quem mostrou-te esse caminho longe?
Êss caminho pa Santomé Esse caminho para São Tomé
Sodade, sodade, sodade Saudade, saudade, saudade
Dess nha terra Sanicolau Da minha terra São Nicolau
Si bô ´screvê`m Se tu me escreveres
´Mta ´screvêbo Eu também te escrevo
Si bô ´squecê´m Se tu me esqueceres
M´ta esquecebo Eu também te esqueço
Até dia qui bô volta Até um dia que tu voltares
Sodade, sodade Saudade, saudade
Sodade de nha terra Sanicolau Saudade da minha terra São Nicolau
Importa referir que das pesquisas realizadas ao longo do trabalho e aos materiais
oficiais consultados não foram encontradas nenhuma referência a prisão dos recrutados
antes de seguirem para o trabalho nas colónias.
80
“QUATR´HORA DE MADRUGADA” “QUATRO HORAS DE MADRUGADA”
Quatr´hora de madrugada Quatro horas de madrugada
Gente de Sancente impé População de São Vicente esta de pé
Tâ gritá, tâ tchorá, A gritar, a chorar
Tâ sperá largá A espera de ver sair
Sis fidjo pâ Sant´mé. Seus filhos para S. Tomé.
A saída dos cabo-verdianos era visto como uma fatalidade, ou seja tinham de seguir
viagem, para poderem ajudar as suas famílias que ficavam, mas também era a única
forma de escaparem da morte certa.
Descoberta a 22 de Janeiro de 1462, a ilha de São Vicente constitui uma das mais novas
ilhas de Cabo Verde no que se refere a sua ocupação efectiva. Comparativamente com a
ilha de Santiago que seria a primeira a ser povoada, esta somente viria a conhecer um
povoamento efectivo a partir do século XX.
Todo o esforço realizada pela administração das colónias de Cabo Verde, visavam dotar
a ilhas das mínimas condições de habitabilidade que permitissem por seu torno o
desenvolvimento do seu porto, devido a boa posição geoestratégica da ilha, na qual um
porto poderia ser uma grande fonte de rendimento para a colónia e para a metrópole.
Muito embora se reconhecesse as boas condições que o Porto Grande oferecia, todas as
tentativas de povoamento conhecera o seu fracasso devido as condições naturais
adversas que a ilha apresentava (calamidades naturais), que provocavam a morte e
fomes da pouca população que aí se estabelecia, não obstante a todos as cartas régias
que previam a criação de incentivos fiscais e aduaneiros nunca antes aplicados nas
outras ilhas, chagando a situação de pela carta régia de 1838 determinar que o governo
da colónia deveria sediar-se na ilha de São Vicente, justificando-se as melhores
condições que a ilha proporcionava em comparação com a ilha de Santiago, na qual nos
períodos de grande humidade e pragas de insectos deslocavam a administração para as
ilhas de clima mais acolhedoras.
A imigração de pessoas das outras ilhas, devido ao crescente aumento da navegação que
por sua vez desenvolveu muitas outras actividades que gravitavam a volta do porto,
fomentou o desenvolvimento daquela que seria a mais nova das cidades de Cabo Verde,
após 100 anos das primeiras tentativas de povoamento.
82
O “el dorado” cabo-verdiano não passava de uma grande mentira, porque todo esse
desenvolvimento geradora de lucro não era aproveitada no desenvolvimento da cidade,
seguindo para os cofres das empresas inglesas e do governo português. A população
vivia em más condições de habitabilidade, aliada ao facto de recebem muito pouco e de
trabalharem em condições precárias que resultava na maior parte das vezes no
aparecimento de muitas doenças respiratórias. No entanto representava na altura a única
forma de rendimento certo na ilha uma vez que a mesma nunca teve uma forte vocação
agrícola.
Numa tentativa de reverter o cenário acima descrito e recuperar para si o monopólio das
actividades nas colónias, o governo português promove uma mudança constitucional
que aconteceria com a implementação do novo Regime Estado Novo, que procedeu a
aprovação de vários decreto-leis que fundamentavam a imperialismo português, numa
tentativa de rentabilizar cada vez mais as colónias, tornando-as as novas formas de
rendimento de Portugal.
A partir do ano de 1951 ganha corpo vários debates a favor e contra a adjacência de
Cabo Verde, passando a integrar a administração da metrópole, numa tentativa de
minimizar e resolver mais prontamente as crises que assolavam o arquipélago, apesar de
até a independência nada ficou resolvido. A questão da adjacência ganha actualmente
novas discursões/debates uma vez que esta a decorrer todos os demarch para que Cabo
Verde passe a ser membro da União Europeia.
Nesse mesmo ano, a câmara de São Vicente enviou várias notas ao Governo das
colónias solicitando a permissão para utilizar os saldo positivos dos fundos de reservas
de forma a auxiliar a população que passava fome devido ao franco declínio das
actividades do porto, a falta de chuvas que assolava todo a arquipélago e ainda a
paralisação de muitas obras. Esses vários apelos tiveram respostas muito tardias.
83
Fugindo a essa situação muitas pessoas foram obrigadas a emigrar para colónias
nomeadamente para S. Tomé, na condição de contratados, onde a situação também não
era melhor.
No entanto, a situação financeira de Portugal não era melhor, devendo-se aos maus
investimentos, numa altura onde todos os países europeus procuravam formas de saírem
das (ruínas) da guerra, apesar de Portugal ter adoptado uma politica de neutralidade
colaborante.
Foi aprovado dois planos de fomentos que deveriam resolver a situação económica da
metrópole e das colónias, financiados pelo plano marshall e que visavam o
desenvolvimento dos recursos das colónias. No entanto, a demora entre a aprovação e a
efectivação dos trabalhos foi um dos aspectos negativos desses planos, aliada ao facto
de que os valores aprovados ficarem muito aquém daquilo que deveria ser utilizado no
fomento desses recursos.
O fim da II Guerra Mundial trouxe repercussões a todos os níveis, tendo sido analisadas
as que ocorreram a nível das eleições e nas manifestações culturais durante o período
em estudo. As eleições representavam novos ventos de mudanças que resultariam no
triunfo das democracias em detrimento das ditaduras e todas as liberdades e garantias
dai advenientes. Os reflexos culturais espelham os sentimentos do povo em relação a
essa nova ordem mundial. Optou-se por demonstrar nas composições nacionais todos os
principais pontos abordados no trabalho.
Não obstante a falta de alguns documentos que não constavam no Arquivo Histórico
Nacional, e a falta de recursos financeiros que propiciassem a ida ao Arquivo Histórico
Ultramarino e ao Arquivo do Tombo, pensamos que conseguimos apresentar um
trabalho aceitável dentro das limitações apresentadas.
Urge trazer para o Arquivo Histórico Nacional de Cabo Verde toda a documentação em
suporte papel e informático sobre a nossa História, permitindo que qualquer pessoa que
queira fazer investigação sobre a sua história tenha a sua disposição, todo o material que
se encontra disponível noutros arquivos, fora de Cabo Verde.
84
VI – Fontes documentais
1 - Fontes Primárias:
- Cabo Verde:
- Portugal:
2 - Bibliografia Geral
85
ALMEIDA, Pedro Ramos de (1979) – História do Colonialismo Português em
África – Cronologia, século XX, vol. III – Editorial Estampa, Lisboa
BRITO-SEMEDO, Manuel (2006) – A Construção da Identidade Nacional,
Análise de Imprensa entre 1877 e 1975, Instituto da Biblioteca Nacional e do
Livro, Praia
CARREIRA, António (1977) - Cabo Verde - Classes Sociais, Estrutura
Familiar Migrações, Biblioteca Ulmeiro
CARREIRA, António (1982) – Estudos da Economia Caboverdiana, Imprensa
Nacional/Casa da Moeda, Lisboa
CARREIRA, António (1983) – Migrações nas Ilhas de Cabo Verde, Instituto
Caboverdeano do Livro, 2ª Edição
CARREIRA, António (1984) – Cabo Verde – Aspectos sociais. Secas e fomes
do século XX, Biblioteca Ulmeiro, 2ª Edição
CRUZ (B. Leza), Frank Xavier da (1950) – Razão da Amizade Cabo-verdiana
pela Inglaterra, Rio
DESHAIES, Bruno – Metodologia de Investigação em Ciências Sociais,
Instituto Piaget
DIAS, Juliana Braz (2004) – Mornas e Coladeiras de Cabo Verde, Brasília,
Fundo de Desenvolvimento Nacional – Ministério da Economia e das Finanças,
1984 - Linhas Gerais da História do Desenvolvimento Urbano da Cidade do
Mindelo – Praia
FURTADO, Claúdio Alves (1993) – A Transformação das Estruturas Agrárias
numa Sociedade em Mudança – Santiago, Cabo Verde, Ed. Instituto do Cabo-
verdiano do Livro e do Disco
GATLIN, Darryle John (1990) – A Socio-Economic History of São Vicente de
Cabo Verde, 1830-1970, (Tese de Doutoramento), University of California, Los
Angeles
LIMA, Mesquitela (1992) - A Poética Crioula de Sérgio Frosuni- uma leitura
antropológica. Lisboa/Praia, Instituto da Cultura e da Língua
Portuguesa/Instituto Caboverdiano do Livro e do Disco.
LOPES, Baltazar. (1997) - Chiquinho. Mindelo, Edições Calabedotche.
86
LOPES, Maria José (2005) – Surgimento de Câmaras Municipais nas ilhas do
Norte: Santo Antão, S. Nicolau e S. Vicente, Notas para o seu estudo, Colecção
Monografias, Instituto do Arquivo Histórico Nacional, Praia
MATOS, Mário - Contos e Factos. Mindelo, Editora.
MATOSO, José (1998) – O Estado Novo (1926-1974), Vol. 7, Editorial Estampa
MARQUES, A.H. de Oliveira (1986) – História de Portugal – Das revoluções
liberais aos nossos dias, Vol.III, Palas Editores, Lisboa
NASCIMENTO, Augusto (2003) – O Sul da Diáspora – Cabo-verdianos em
plantações de S.Tomé e Príncipe e Moçambique, Edição da Presidência da
República de Cabo Verde
NASCIMENTO, Augusto (2008) – Vidas de S.Tomé segundo vozes de
Soncente, Ilhéu Editora, Cabo Verde
SILVA, Alveno Figueiredo e (2003) – Aspectos político-sociais na música de
Cabo Verde do século XX – Instituto Camões, Praia
SILVA, António Correia e (2005) - Nos tempos do Porto Grande do Mindelo.
Praia - Mindelo, Centro Cultural Português.
TAVARES, José Manuel Soares (2007) – O Campo de Concentração do
Tarrafal (1936 – 1954): A Origem e o Quotidiano – Edições Colibri, Lisboa
QUIVY, Ramond, CAMPENHOUDT, Luc Van – Manual de Investigação em
Ciências Sociais, Gradiva Publicações, Lda, 2ª Edição
PEREIRA, Alexandre (2003) - Como escrever uma tese, Edições Sílabo, Lisboa
RODRIGUES, Moacyr e LOBO, Isabel (1996) – A Morna na Literatura
Tradicional – Fonte para o estudo histórico-literário e a sua repercussão na
sociedade, Instituto Cabo-verdiano do Livro e do Disco, Praia
RAMOS, Manuel Nascimento (2003) – Mindelo D`Outrora
WAHNON, Donald M. (2006) – A Minha vida – Akron, Ohio
87
VII – ANEXOS
1 – Quadros e Gráficos
18.000
16.000
14.000
12.000
1947
10.000
8.000 1948
6.000 1949
4.000
1950
2.000
0 1951
sa
In a
ru es a
la g a
pa l g a
an a
sa
s
na
er a
iç a
es
F r ho l
tra
s
ue
A m ue
ce
H o re
ica
Su
Be
nd
No g l
ou
n
eg
g
rtu
Es
Po
Gráfico nº 1
X
Gráfico nº 2
6000
0
1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960
2 - Fotos
XI
Réplica da Torre de Belém – Mindelo
XII
1940 - Foto Melo. Chegada dos náufragos de um navio Italiano a Mindelo
Esse navio, foi torpedeado por engano por um Submarino Alemão, ao largo da Ilha de
St. Antão, durante a IIª Grande Guerra.
XIII
1948 - Partida da imagem de Nossa Senhora de Fátima
XIV
1956 – Foto Melo. Chegada do Presidente da República Portuguesa, Craveiro Lopes a
Mindelo
1956 - Foto Melo. Entrada do Presidente Português, Craveiro Lopes no pátio do Liceu
Gil Eanes, para o Coktail de boas vindas, oferta das forças vivas da Cidade de Mindelo.
XV
Fotografia datada dos finais de 40, princípios de 50, de autoria do Comandante Eurico
Serradas Duarte.
Navio Oceanográfico, Baldaque da Silva.
XVI