Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
A natureza do conflito consiste no fato de que ele é travado no terreno das ideias e das
construções imaginárias coletivas, isto é, “uma luta pela sistematização de formas culturais”.
Portanto, cultura e linguagem consistem em instâncias de domínio no interior das quais e
pelas quais diferentes grupos sociais buscam impor suas próprias hegemonias em dada
sociedade. Na medida em que o controle das subjetividades se coloca em primeiro plano, é
fundamental a análise das narrativas tecidas pela mídia hegemônica. “Posto que a linguagem
é um dado social que estrutura a consciência, cabe indagar sobre as narrativas e as formas de
comunicação predominantes na consciência popular na sociedade contemporânea”
(COUTINHO, 2002, p.4). Tendo em vista que os processos de domínio implicam tensão
permanente entre diferentes grupos e classes sociais, com diferentes níveis de acessos aos
APHs, os jogos de poder se tornam permanentes na arena midiática. “Uma hegemonia viva é
um processo. Um processo de luta pela cultura” (COUTINHO, 2008, p. 77).
O papel dos diferentes jornais se encarna, em larga medida, nas diferentes formas de
organizações da realidade objetiva através do enquadramento. Elaborado, a princípio, por
Goffman (1974), o conceito se referia a esquemas utilizados para compreensão de situações
sociais a partir do modo como os indivíduos organizam seu cotidiano.
O conceito permite com que se compreenda quais são, nas palavras de Koening
(2004), as “estruturas cognitivas básicas que guiam a percepção e a representação da
realidade”. Enquanto padrões de leitura do mundo, os enquadramentos tendem a construir
verdadeiras matrizes gerais de significados, definindo diferentes níveis valorativos. Em
síntese, nos estudos jornalísticos, o conceito de enquadramento deve ser observado na sua
dimensão ideológica. Portanto, o enquadramento pode ser concebido como marco que
constitui os modos através dos quais se cataloga a experiência cotidiana e, por isso, não são
apenas definidores do significado da realidade, mas estabelecem também os modos
apropriados de participar dela (GONZAGA, 2010, p. 139). Quadros de sentido e modelos
acionais. Esta característica semiótica - a de que sua ação de demarcação do acontecimento é
parte deste acontecimento e em parte o define (ibid., p. 140, grifo nosso) encontra correlação
na percepção de William (1979) de que os signos são constituídos e constituidores da própria
realidade.
3 - Metodologia
Por fim, vale observar que o primeiro objeto de estudo consiste no Jornal O Globo,
maior veículo impresso do Conglomerado Globo, detentor de emissoras e afiliadas de TV que
representam 44, 3% da audiência nacional, atingindo 98, 4% do total de municípios do país
(5.478) – além de controlar uma rede de 121 emissoras comerciais e 3.305 retransmissoras. O
grupo ainda possui os jornais O Globo e Extra e mais de 20 emissoras de rádio ondas médias
(AM), além de frequência modulada (FM). De acordo com a Associação Nacional dos Jornais
(ANJ), a circulação paga do Globo, para o período 2014/2015, foi de 193.079. O segundo
objeto é a Folha de São Paulo, um dos maiores jornais impressos do país, com grande
influência em São Paulo, estado mais rico do país, contando com circulação, de acordo com a
ANJ, de 189.254 para o mesmo período.
Realização
Data Jornal Frase
linguística
“Delator envolve Temer
18/05 FSP Eufemização em compra de silêncio
de Cunha”,
“Procurador vê indícios
Deslocamento do
20/05 FSP de três crimes em
agente para a ação
atuação de Temer”.
“Ato tem conflito e
depredação; Temer
25/05 FSP Eufemização
chama Forças
Armadas”.
“oito ministérios
depredados”, “dois
25/05 FSP Enumeração
incendiados” e “41
feridos”.
“negou que tenha
participado de
18/05 FSP Intertextualidade
movimento para impedir
delação de Cunha”.
“mercados desabaram e
19/05 FSP Juízo de valor base aliada esteve perto
de cair”.
Temer acusou o áudio de
“fraudulento” e Joesley
Batista de cometer “falso
21/05 FSP Expurgo do outro
testemunho”, de
perpetrar o “crime
perfeito”.
Acontecimentos
15/06 FSP (editorial) Narrativização anteriores “ao terremoto
político”
Tabela 1.1: Algumas das principais realizações linguísticas da Folha de São Paulo
5 – Análise: O Globo
Os resultados das Análises de Valência do Globo apresentam intensificação das
valências negativas. Do total das 29 menções a Temer, 22 são negativas, constituindo 75,9%
ao passo que as positivas respondem por apenas 20, 70% de todas as aparições do presidente.
As valências neutras corresponderam a 3,4% do total. Diante deste aumento do viés negativo,
procurou-se definir quais as realizações linguísticas mais recorrentes – tanto nas manchetes
quanto no texto – responsáveis pelo adensamento do discurso. A seguir, será desenvolvida a
pesquisa qualitativa.
Em 18/05, o jornal estampa na página política “Tem que manter isso, viu”, expressão
da frase de Temer ao empresário, Joesley Batista. A intertextualidade direta introduz, neste
sentido, não apenas a admissão, mas, de acordo com o jornal, o incentivo à continuidade do
pagamento de “propina” ao deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Na linha fina, “Temer
avaliza mesada a Cunha”, observa-se que se omite a expressão, juridicamente correta, “é
denunciado”. Provável estruturação linguística seria “Temer é denunciado por avalizar
mesada a Cunha”. A troca da suposição para a afirmação permite com que o jornal sentencie
ao invés de denunciar o acusado.
Realização
Data Jornal Frase
linguística
“Tem que manter isso,
18/05 O Globo Intertextualidade
viu”.
“Corrupção”,
Significado da “Obstrução de Justiça”
20/05 O Globo
palavra e “Organização
Criminosa”.
, “Temer chama o
25/05 O Globo Eufemização
Exército”.
“Tão logo chegaram à
linha final do protesto”,
25/05 O Globo Narrativização diz o texto, “a confusão
começou”.
“A Constituição prevê
que, no caso de vacância
da Presidência da
República, o presidente
06/06 O Globo Impersonalização
da Câmara assume o
posto provisoriamente e
convoca eleição indireta
em até trinta dias”.
Impersonalização, “aferir gravidade
04/06 O Globo Intertextualidade e delitiva”, “retribuição
Discurso jurídico penal”
“Nenhum cidadão,
cônscio das obrigações
da cidadania, pode deixar
de reconhecer que o
presidente perdeu as
21/05 O Globo Juízo de valor
condições morais,
éticas, políticas e
administrativas para
continuar governando o
Brasil”.
03/08 O Globo Juízo de valor com – “Isso porque a ética
ênfase na ética da deve prevalecer sobre
quaisquer outros
aspectos, e a lei precisa
ser aplicada
política independentemente de
pessoas, partidos e
ideologia”.
No dia 31/05, vê-se a constituição da oração clássica, mas com intenso efeito negativo
para o presidente, “Polícia Federal vai interrogar Temer”. A negativização pode ser
observada quando se tem em mente outra expressão (“PF vai tomar depoimento de Temer”
ou ainda “Temer irá responder a questões da PF”). Na manchete original, o agente é a PF e
Temer se torna o polo passivo de tal forma que o órgão policial tende a concentrar a força
do sentido. Uma das edições mais densas (10/06) estampa “Sem punição”, como manchete,
quando da absolvição da chapa Dilma e Temer no TSE. A linha fina, “Por 4 votos a 3,
ministros do TSE ignoram provas e livram Temer de cassação”, aponta para uma dupla
condenação do jornal que sentencia tanto os ministros quanto o próprio Temer em razão do
resultado do julgamento.
Quanto à intertextualidade direta, a frase “Tem que manter isso, viu” é repetida no
dia 19/05, sendo, reiteradamente, utilizada. A reação de Temer – “Não renunciarei!” - é
deslocada para outra reportagem, não recebendo espaço na matéria principal. A avaliação
do relator no STF, ministro Edson Fachin, em 20/05, também é anexada diretamente ao
definir a natureza dos indícios como “consistentes”. No mesmo dia, também se anexa
avaliação do PGR: “Os elementos de prova revelam também que alguns políticos continuam
a utilizar a estrutura partidária e o cargo para cometerem crimes em prejuízo do Estado e da
sociedade”. A voz do procurador, hegemonizada, sintetiza o conteúdo do material como
“estarrecedor” e “surpreendente”.
Em 21/05, ocorre anexação direta da voz de Temer: “O Brasil, que já tinha saído da
mais grave crise econômica da sua história, vive agora dias de incerteza”. Porém, a
estruturação textual invalida a posição do mandatário ao apontar suas contradições.:
“enquanto no primeiro pronunciamento”, ele defendeu investigações; “ontem”, definiu as
gravações como cheias de “incoerências” e “manipulações”. Desta forma, a anexação da voz
direta foi usada para desqualificar a coerência de Temer. Também se introduziu a palavra de
pequenos partidos, desde que críticos ao presidente, caso de Sílvio Costa, (PT do B – PE).
De acordo com o Globo, “ele [Silvio Costa] disse que Temer não tem condições de ficar” e
“O governo de Michel Temer acabou”. O jornal usou da impersonalização na defesa da
saída para a crise pela obediência à lei, como na edição de 6/06: “A Constituição prevê que,
no caso de vacância da Presidência da República, o presidente da Câmara assume o posto
provisoriamente e convoca eleição indireta em até trinta dias”. O expediente se repete linhas
abaixo, em “A regra da eleição indireta está prevista na Constituição em caso de vacância
do cargo de presidência da República”. Pode-se notar que a posição do Globo em defesa das
eleições indiretas e, portanto, decididas pelo Congresso Nacional mais conservador da Nova
República, é realizada, entre outras, pela impersonalização.
Em 23/05, observa-se a avaliação o uso de juízo de valor em: “Sob o risco de ser
derrotado no Supremo Tribunal Federal (STF)”, Temer “mudou de estratégia” ao passo que,
no dia seguinte, o jornal sintetiza sua opinião sobre o Palácio do Planalto: “O
enfraquecimento político do governo foi evidenciado ontem no Congresso no primeiro dia
de votação desde que veio à tona a delação da JBS, atingindo em cheio o presidente Temer”.
Os juízos de valor tenderam a operar por enquadramentos críticos, selecionando fatos e
deslocando a reação do Planalto para outras reportagens – fora da matéria principal, algo não
realizado pela FSP. Muitas vezes se percebe a estruturação de longos juízos de valor como na
edição do dia 6/06. “Antes de divulgada a delação da JBS, a tendência do TSE era pela
absolvição de Temer. Impressionados com o poder de destruição dos áudios divulgados,
alguns ministros balançaram”. Como se percebe, tal expediente se constitui como
estratégias de enfraquecimento do governo, o que se intensificou na absolvição de Temer pelo
TSE: “O desprezo às provas abriu caminho à absolvição”, na edição de 10/06.
Considerações Finais
Na cobertura dos protestos, o enquadramento foi marcado pelo mesmo padrão da FSP
– expurgo do outro e metáforas bélicas. Ou seja, os jornais não apenas se posicionaram
contra os partidos de esquerda e os movimentos sociais como também lançaram mão da
realização linguística limite – o expurgo do outro que faz da alteridade o inimigo a ser
combatido, cancelando a possibilidade do pensamento dialético de apreender os nexos
causais, fundamentalmente históricos, que levaram ao embate. A posição do Globo, nos
editorias, se destacou pela veemente defesa do judiciário e da posição moralista e
moralizante da ética da política como forma de reconquista civilizacional. Neste sentido, a
retomada do crescimento seria conduzida através da moralização da política e do
fortalecimento da justiça para aceleração da votação das reformas.
Apesar de ter sido constatado dissenso no que diz respeito à manutenção ou queda
de Temer, na cobertura dos dois jornais prevaleceu consenso inegável sobre a necessidade do
que eles consideram “reformas”, isto é, a reestruturação liberal do Estado brasileiro.
Ambos os veículos incentivaram o protagonismo do papel do Legislativo como ramo de
poder incumbido de conduzir as reformas ao longo de crise. Neste sentido, ao contrário do
FSP cujo mecanismo de expurgo do outro foi endereçado à figura de Joesley Batista, o Globo
expurgou a corrupção como obstáculo moral ao desenvolvimento da nação. Para
concluir, o conglomerado lança mão da narrativização que permite a introdução de um ponto
epistemológico – a corrupção inicia-se com o “lulopetismo”.
6 – Bibliografia