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Capítulo VI
A PLÊIADE MINEIRA
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07/03/2019 História da Literatura Brasileira, de José Veríssimo
I – OS LÍRICOS
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Adorador fiel das musas européias, age não obstante nele o incoersível império
da terra natal, para onde quisera trazer e onde quisera aclimatar aquelas musas, e
o seu cortejo clássico de "ninfas, o pastor, a ovelha, o touro":
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com efeito, o primeiro que no Brasil cantou tão constante, tão exclusiva e tão
ternamente de amor.
Dos poetas desta plêiade, o de obra menos considerável é Inácio José de
Alvarenga Peixoto.75 Natural do Rio de Janeiro, filho de Simão de Alvarenga Braga
e de D. Ângela Micaela da Cunha, que ignoramos se eram brasileiros ou
portugueses, gente se não de bom nascimento, abonada. Feitos os primeiros
estudos com os jesuítas, na sua cidade natal, por volta de 1760 foi concluí-los em
Portugal. Em Coimbra formou-se em leis, em Cintra foi juiz de fora e no Reino
demorou-se até depois de 1775. Neste ano ainda se encontrava ali, onde, com
outros poetas e versejadores brasileiros, Basílio da Gama e seu irmão Antônio
Caetano Vilas Boas da Gama, Joaquim Inácio de Seixas, da família da futura
namorada de Gonzaga, Silva Alvarenga e outros mais versejou à inauguração da
estátua de D. José I. De Portugal voltou despachado ouvidor da Comarca do Rio
das Mortes. Este cargo, e o seu posterior casamento com uma senhora mineira de
família paulista, levou Alvarenga Peixoto a domiciliar-se e estabelecer-se em
Minas, onde trocou a profissão de magistrado pela de fazendeiro e minerador e o
título acadêmico de doutor pelo de coronel, pelo qual ficou mais conhecido. Dera-
lhe esta patente, com o comando do regimento de cavalaria da campanha do Rio
Verde, o Governador D. Luís da Cunha Menezes. Vivendo em São João del Rei, ia
freqüentemente a Vila Rica, onde era hóspede habitual de Gonzaga, de quem
devia ter sido companheiro em Coimbra e era ainda parente. Estes dois poetas e
Cláudio da Costa encontravam-se em fraternal convívio, comunicando-se
mutuamente as suas composições e conversando de letras e, naturalmente, das
cousas da capitania. Destas conversações, em que tomariam parte outros homens
de letras ou de alguma representação na capitania, mal entendidas por uns,
deturpadas por outros, originou-se a suspeita de uma conjuração contra o domínio
português, com o intento de conflagrar a capitania e proclamar a sua
independência. Não obstante o seu aulicismo e a constância de suas manifestações
bajulatórias de veneração a soberanos e magnates portugueses seus delegados,
foi Alvarenga Peixoto comprometido nela, preso e, com Gonzaga e seus outros
companheiros de suspeição, trazido algemado para as lôbregas masmorras do Rio
de Janeiro. Após um longo processo de três anos, delas saiu para o desterro de
Ambaca em África, onde pouco depois morreu em 1793.
A crermos os seus biógrafos, incluindo o melhor deles, Norberto Silva,
Alvarenga Peixoto escreveu muito maior número de composições do que as que se
lhe conhecem, e que Norberto foi quem mais completa e cuidadosamente
colecionou.76 Voltando de Portugal ao Rio de Janeiro, aqui o acolheu
benignamente o vice-rei Marquês de Lavradio. No teatro ou "casa da ópera", como
lhe chamavam, criado por este vice-rei, fez Alvarenga Peixoto, sempre chegado
aos magnates, representar uma tradução em versos de Mérope, tragédia de Maffei
e também um drama original, igualmente em versos, Enéias no Lácio. Tal é ao
menos a versão de Cunha Barbosa77 propalada por Norberto, ignoramos com que
fundamento. Infelizmente essas tentativas, como as de Cláudio da Costa, e outros
que porventura houve, perderam-se totalmente. Assim também se teriam perdido,
levadas no tufão da devassa e seqüestros de que foram objeto os acusados de
inconfidência e seus bens, muitas outras composições de Alvarenga Peixoto. No
que dele nos resta – vinte sonetos, duas liras, três odes incompletas, uma cantata
e um canto em oitava rima78 – percebe-se um bom poeta, de seu natural fácil e
fluente. Não lhe falta imaginação nem conceito. Infelizmente o motivo principal de
sua inspiração no que dele nos ficou, versos na maior parte de encômios a
magnates, versos de cortesão, lhe haveria prejudicado dotes que mais se
adivinham que se sentem. Passa como um dos seus melhores sonetos A saudade,
feito depois da sua sentença de morte. Não lhe seriam inferiores A lástima,
composta "na masmorra da Ilha das Cobras, lembrando-se da família", nem o feito
à Rainha D. Maria I suplicando-lhe a comutação da pena de morte, se não
houvesse em ambas demasiados traços da ruim poética do tempo, empolada e
campanuda. Comparticipa Alvarenga Peixoto do sentimento comum a estes poetas
de afeto, pode mesmo dizer-se de ufania, da terra natal, unido a um sincero apego
a Portugal. Manifesta-se na maior parte dos poemas que lhe conhecemos,
particularmente na ode à Rainha D. Maria I, da qual se poderia inferir ter havido
aqui a esperança de que ela cá viesse, em visita à sua colônia:
Se o Rio de Janeiro
Só a glória de ver-vos merecesse
Já era vosso mundo novo inteiro
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......
.....
Vai, ardente desejo,
Entra humilhado na real Lisboa
Sem ser sentido do invejoso Tejo
Aos pés augusto voa,
Chora e faze que a mãe compadecida
Dos saudosos filhos se condoa
.....
Da América o furor
Perdoai, grande augusta; é lealdade
São dignos de perdão crimes de amor.
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que revê o sentimento do amor da terra natal comum a todos estes poetas, que
todos o manifestaram de forma a lhe sentirmos o trabalho de transformação do
limitado nativismo, se não apenas bairrismo, de seus predecessores em um
patriotismo mais consciente e amplo. Vinha este poema assinado por "Alcindo
Palmireno, árcade ultramarino" e era endereçado a "José Basílio da Gama,
Termindo Sepílio". Estas alcunhas arcádicas, e outras que tomaram vários poetas
do mesmo grupo, como a de Dirceu, de Gonzaga, não indicam nos que as traziam
a qualidade de associados de alguma das sociedades literárias então existentes
com o nome de Arcádias. Somente de Cláudio e Basílio se pode crer que a tais
sociedades pertencessem. Na maioria dos outros, do grupo mineiro ou não, era
apenas um apelido genérico. Arcádia quer dizer assento de poetas, e por extensão
poesia, e, em Portugal e aqui, a poesia na época vigente. Árcade valia, pois, o
mesmo que poeta. "Árcade ultramarino" não dizia mais que poeta do ultramar,
sem de forma alguma indicar a existência no Brasil dessas sociedades, que de fato
nunca aqui existiram.
Foi Silva Alvarenga um dos mais fecundos e melhores poetas da plêiade
mineira. Desde o Desertor das letras, o seu poema herói-cômico contra o
carrancismo do ensino universitário, não cessou de versejar. Em folhas avulsas,
folhetos, coleções e florilégios diversos, jornais literários portugueses e brasileiros
(pois ainda foi contemporâneo dos que primeiro aqui apareceram), foram
publicadas as suas muitas obras. A de mais vulto, o poema madrigalesco Glaura,
saiu em Lisboa em 1799 e 1801. As notas de aprovação obtidas em Coimbra por
Silva Alvarenga lhe argúem hábitos de estudo sério, que tudo faz supor
conservasse depois de graduado e pela vida adiante. Era seguramente homem de
muito boas letras, com a melhor cultura literária que então em Portugal se
pudesse fazer. Quanto a ela, juntava, além do engenho poético, talento real,
espírito e bom gosto pouco vulgar no tempo; sobejam-lhe as obras para o provar,
nomeadamente os seus prefácios e poemas didáticos. Assenta consigo mesmo,
embora segundo a Arcádia e Garção, que na "imitação da natureza consiste toda a
força da poesia", e a sua Epístola a José Basílio, insistindo nesta opinião, está
cheia de discretos conceitos de bom juízo literário. Se nem sempre os praticou, é
que mais pode com ele a influência do momento literário que as excelentes regras
da sua arte poética. Lera Aristóteles, Platão, Homero. Lida com eles e os cita de
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II – OS ÉPICOS
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anos verdes, e talvez minguado de bens, veio para o Rio de Janeiro cursar de favor
o colégio dos jesuítas. Estava para professar na Companhia quando foi esta
dissolvida e seus membros expulsos dos domínios portugueses. Aproveitando a
exceção em favor dos não professos, abandonou Basílio da Gama a Companhia. Do
Brasil passou a Portugal e daí a Roma, onde foi admitido à Arcádia Romana. De
Roma voltou ao Brasil em fins de 1766 ou princípios de 1767. Em meados do ano
seguinte tornava a Portugal, com destino à Universidade de Coimbra. Preso em
Lisboa como ex-jesuíta, esquivou o conseqüente desterro para Angola consagrando
um formoso poema ao casamento de uma filha do Marquês de Pombal, ministro
todo-poderoso de D. José I. No próprio ano (1769) desse Epitalâmio, saiu da
Impressão régia o Uraguai. Como no mesmo volume vinha a Relação abreviada,
famosa diatribe contra os jesuítas, obra pessoa de Pombal, é legítimo conjeturar
que por conta deste correra a publicação do poema. Dedicado no texto ao irmão
de Pombal, ex-governador do Pará, Maranhão, era oferecido ao marquês em um
soneto preliminar. Desde então não saiu mais Basílio da Gama de Portugal, sendo
inexata a notícia corrente de uma segunda vinda ao Brasil depois da publicação do
Uraguai. Além deste, que é a sua obra capital, compôs mais de trinta poemas,
entre maiores e menores, sem contar algumas glosas. Em 1754 foi nomeado
oficial da Secretaria do Reino. Sucessivamente obteve mais tarde o título de
escudeiro fidalgo da Casa Real (1787) e o hábito de Santiago da Espada. Emprego
e mercê lhe davam uma renda anual que não só o punha ao abrigo de privações,
mas lhe facultava viver com relativa largueza. Aos cinqüenta e quatro anos, ou
perto deles, faleceu em Lisboa, solteiro, a 31 de julho de 1795.81
Pouco adequado a um poema épico segundo os moldes clássicos, era o assunto
de Basílio da Gama: a guerra que Portugal, auxiliado pela Espanha, fez aos índios
dos Sete Povos das Missões do Uruguai, rebelados contra o tratado de 1750, que
os passava ao domínio português, tirando-os aos seus padres os jesuítas que os
haviam descido, amansado e aldeado, e os despejava de suas terras. Tal tema,
ainda exagerado por uma imaginação épica, daria apenas um episódio em poema
de mais vulto. Demais faltava ao poeta o recuo do tempo para uma possível
idealização do acontecimento, cujos autores ainda viviam. A epopéia tinha, pois,
de ser uma simples narrativa histórica em versos de fatos recentíssimos, a que
uma animosidade contra os jesuítas, que se manifestava já na Espanha e Portugal,
e iria breve resultar nos atos de Pombal e de Aranda, dava um desmesurado
relevo. Limitado pela realidade material do acontecimento, ainda a todos presente,
peado pela contemporaneidade das personagens, de todos conhecidas, não podia
o poeta dar à sua imaginação a liberdade e o alor necessários à idealização do seu
tema. Pelas circunstâncias da sua composição, tinha fatalmente o seu poema de
lhe sair limitado no tempo e no espaço, e sobretudo despido das roupagens e
feições propriamente épicas. Varnhagen notou que a ação não chega a durar um
ano, e o leitor atento observará como o poeta se cinge à realidade prosaica dos
sucessos.
Ao poeta não prejudicou, antes serviu, esta situação que lhe criou o assunto.
Obrigou-o a limitar as proporções do seu poema e impediu-o de seguir os moldes
clássicos, inventando ao redor do fato principal os desenvolvimentos que a
coetaneidade deles não comportava. Fossem estas causas mais que o engenho do
poeta que deram ao Uraguai a sua feição particular entre os últimos poemas ainda
oriundos da corrente camoniana, em lhes haver cedido o patenteou ele. O gênio
não é a emancipação absoluta das condições que nos rodeiam e limitam. Consiste
principalmente em compreendê-las no que elas têm de mais sutil, de mais fugaz e
de mais difícil. A superioridade de Basílio da Gama está em ter compreendido, ou
antes sentido, que os poetas são principalmente entes de sensação, que o assunto
não lhe dava para uma epopéia como aquelas que então, à cola da de Camões, se
faziam, e haver, contra o gosto, a voga, a corrente do seu tempo avançado muito
além dele e dado à literatura portuguesa o seu primeiro poema romântico. Com
efeito, não se parece o Uraguai com qualquer outro poema do tempo. Desvia-se do
trilho costumeiro da poética em vigor. Não começa pela invocação, antes entre ex-
abrupto na matéria do poema, o que era absolutamente novo:
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as guerras sanguinosas
Detestadas das mães e das esposas,
e em que
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Diogo Álvares, nem houve nos seus atos, os predicados de um herói de epopéia, e
a mesma lenda não lhos dá. Nem o poeta lhos soube emprestar que os
relevassem.
Pela sua concepção e execução era o Caramuru, mais do que o Uraguai, um
dos muitos poemas saídos da fonte camoniana. Sem embargo desta falta de
originalidade inicial, da mesma forma e estilo poético, e de reminiscências do
poema de Camões, tem o Caramuru qualidades próprias e estimáveis. Como
poema nacional leva a primazia ao Uraguai, apesar da sua inferioridade poética.
Além da intenção manifesta que o gerou como a epopéia do descobrimento do
Brasil, é o Caramuru mais nosso pela sua ação e teatro dela, o Recôncavo, o berço
por assim dizer da nacionalidade que se ia criar aqui, e ainda pelos múltiplos
testemunhos do seu interesse e amor do país. Descreve-o e conta-o Durão já com
o desvanecimento de sua grandeza e excelência e a previsão de seus altos
destinos. Estes, porém, se lhe não antolhavam ainda na formação de uma
nacionalidade distinta, mas apenas no concurso decisivo que a sua pátria de
nascimento traria à restauração da grandeza da nação cuja era parte
esta, com treze cartas ou cantos, a Livraria Laemmert, desta cidade, em 1863.
Dirigiu-a Luís Francisco da Veiga, autor conhecido de vários estimáveis trabalhos
históricos, o qual, entre os papéis de seu pai, encontrara um manuscrito do
poema. Nesse manuscrito, que aliás não era um autógrafo, ocorre a assinatura de
Tomás Antônio Gonzaga (sic) sob a data: Vila Rica, 9 de fevereiro de 1798, no fim
da dedicatória em prosa, que precede imediatamente o "Prólogo" igualmente em
prosa. O pai do editor literário, Saturnino da Veiga, ainda contemporâneo daqueles
poetas, o acreditava de Gonzaga. O primeiro editor das Cartas Chilenas, o escritor
chileno aqui residente e redator da Minerva Brasiliense, Santiago Nunes Ribeiro,
com a sua edição publicara um outro testemunho da autoria de Gonzaga. É o de
Francisco das Chagas Ribeiro, abonado por Nunes Ribeiro como "ancião entusiasta
da literatura brasileira, depositário de muitos dos seus tesouros e cujo
testemunho, se não é irrecusável, é muito poderoso e digno de respeito". (Apud
Cartas Chilenas, edição Laemmert, introdução de L. F. da Veiga). Francisco das
Chagas Ribeiro, sobre o qual se me não deparou outra informação, pôs no seu
manuscrito esta declaração: "Tenho motivos para certificar que o Dr. Tomás
Antônio Gonzaga é o autor das Cartas Chilenas". E assinou.
Estas duas atribuições, por sujeitos ainda contemporâneos do poeta, e ao que
parece respeitáveis, bastariam, em boa crítica, para dirimir a questão, se não
houvesse contra elas valiosos testemunhos ou documentos.
Depois de estudo mais atento das Cartas, eu, que de primeiro não acreditava
fossem de Gonzaga, pendo hoje a crer que dele são, e não vejo razão entre as
muitas dadas, que prevaleça contra a atribuição que de sua autoria lhe fazem
Saturnino da Veiga e Chagas Ribeiro. Ao contrário, militam a favor do seu
testemunho os seguintes motivos: a) pelo seu valor literário e poético (que é
muito maior do que se tem dito) não podem essas Cartas ser senão de algum dos
poetas conhecidos que viviam em Minas na época da sua composição, não sendo
provável a existência de nenhum outro capaz de as escrever e que ficasse de todo
incógnito; b) esse poeta devia reunir duas condições, manifestas no contexto do
poema: ser português e ser inimigo rancoroso do governador satirizado. Que o
autor das Cartas Chilenas é português de naturalidade mostram-no os versos 5 e
15 da pág. 149 da edição Laemmert, em que positivamente alude à sua vinda da
Europa e ao seu nascimento em Portugal. Revela-se ainda português nas suas
várias alusões todas pouco simpáticas à terra e às suas cousas, e em que,
atacando acrimoniosamente o governador e a sua administração, não malsina
jamais do regime ou do governo colonial. Revê-se ainda o reinol, branco estreme e
de categoria fina, na sua manifesta antipatia aos mulatos, a quem não perde
ensejo de apodar (págs. 106, 203, 312 e passim). A sua linguagem nimiamente
castiça, de boleio de frase e vocabulário muito de Portugal, e outros sinais
idiomáticos que uma análise miúda revelaria, traem também o português. Ora,
como o único português do grupo era Gonzaga, a ele se deve atribuir o poema,
onde aliás se encontram pensamentos, imagens e expressões que coincidem com
as da Marília de Dirceu. (Cp. pág. 100: "Que importa que os acuses..." com a lira
XXXVI da 1ª parte).
As Cartas são evidentemente de um inimigo acérrimo do governador, a quem
não poupam as mais terríveis acusações e convícios. Ora, dos três poetas que
somente podiam ser os seus autores, e únicos a quem têm sido atribuídas, só
Gonzaga era sabidamente inimigo dele. Alvarenga Peixoto, ao contrário, é um
favorecido, um protegido de Cunha Menezes, que o fez coronel, honraria que o
desvaneceu mais que o seu título de doutor, e lhe concedeu adiasse o pagamento
de certa dívida à Fazenda Real.83
Cláudio era personagem quase oficial, ligado ao governo da Capitania, que por
duas vezes (1762-1765 e 1769-1773) secretariara, era já setuagenário, idade
menos apropriada às violências da sátira. Gonzaga, ao contrário, como ouvidor da
comarca e deputado à Junta de Fazenda, achou-se em conflito com aquele
governador, quando foi da arrematação do Contrato das entradas no triênio de 785
a 787, em que Cunha Menezes "de sua própria particular autoridade", segundo o
Ministro do Reino, Martinho de Melo e Castro (V. Rev. do Inst., VI, 54 e seg.) e
contra o voto fundamentado de Gonzaga, mandou adjudicar ao seu protegido José
Pereira Marques, o Marquesio das Cartas Chilenas, aquele contrato. Foi esta
questão do contrato das entradas, em que, talvez, tanto o governador como o
ouvidor estavam empenhados por martes diversas, que criou a recíproca
hostilidade de Cunha Menezes e Gonzaga, e principalmente motivou as Cartas
Chilenas, e que fez o poeta tomá-lo "entre dentes", segundo a sua expressão,
muito portuguesa, do início da 4ª. E a 8ª é inteiramente consagrada à
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Capítulo VII
OS PREDECESSORES DO ROMANTISMO
I – OS POETAS
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