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FAORO E O ENCONTRO ENTRE ETICA E POLITICA KATIA MENDONCA Educador politico, assim Paul Ricoeur designaria o intelectual que, nem sendo desengajado, nem sendo um militante submetido a disci- plina de um partido politico, busca exercer uma agio eficaz, de educagio e critica politica, pelo pensamento, pela palavra ou pela escrita, intervindo nas transformagdes de seu tempo. E dessa forma que podemos compreen- der Raymundo Faoro cuja obra, iniciada em 1958 com Os Donos do Poder', completou 40 anos. Sua reflexao ¢ intervengdo no debate politico a partir deste livro conforma um verdadeiro painel do agir e mentalidade politicos das elites brasileiras. Isso porque, subjacente & andlise da ago politica, o tema central em Faoro serd da questo ética na relagdo entre dominados e dominadores em uma estrutura de poder singular, designada por cle como estamental- patrimonial-burocratica, O conceito, construido a partir de uma perspecti- va weberiana, nao se revela como simples adequacao da tipologia de Weber para a realidade brasileira mas antes como um tipo ideal comparativamente construido em relagio as realidades politicas ibérica e anglo-saxdnica. Para além de uma visao algo pessimista quando voltada para a comparagio entre estas duas formagées culturais, 0 que parece orientar Faoro € a preocu- pagdo com direitos humanos universais e por conquistas ainda nao aleangadas por esta parte da América. 1 Os artigos de Faoro publicados em periddicos serio indicados por siglas seguidas da data da edigtio: 1S, revista Isto E/Senhor; CC, revista Carta Capita. 94 LUA NOVA N° 48 —99 Seré em Os Donos do Poder que encontraremos a primeira andlise profunda do Estado patrimonial, cujas origens esto em Portugal mas que para aqui transporta-se, forjando uma verdadeira pris longa duragdo, para usar os termos de Fernand Braudel, que submeterd a agiio politica dos ocupantes do poder. E aqui o termo estrutura politica ado- targa feigdo que possui em Weber, qual seja, 0 de feixe de relagdes de poder que se mantém durante largo tempo, embora substitufdos os atores. Tal cdrcere de ferro &s avessas Aquela demonstrado por Weber em A Etica Protestante e 0 Espirito do Capitalismo tera na obra de Faoro um papel de claro contraponto & racionalidade instrumental dominante nos modelos politicos da América do Norte e a Europa. olhar que Faoro langa sobre © comportamento ¢ mentalidade dos ocupantes do poder no Brasil focaliza-os especialmente sob 0 viés das relagdes entre ética e politica em um pafs onde culturalmente a violéncia das elites encontra-se diluida em séculos de dominagao, seja nos momentos de populismo, da ditadura militar ou da formal democracia. Essa serd, sem diivida a principal e resistente deniincia de Faoro e sera sob esse tema maior que o liberalismo e a democracia assumem destaque em suas andlises. As tentativas de introdugao dos ideais liberais dar-se-o em um solo ingrato para eles: uma realidade estamental oculta ¢ sobrepuja as classes sociais que nao conseguem se desenvolver em um capitalismo con- duzido pelo Estado: “ndo chegamos a importar ¢ adotar o capitalismo. Em lugar dele, com preocupagdo de queimar etapas, reforgamos 0 capitalismo politicamente orientado, com 0 tragado de um patrimonialismo politico, segundo os termos de Weber. Esse sistema, pela sua abrangente burocracia, foi confundido com o Estado e com o excesso de Estado, quando na reali- dade, ele nao se coaduna sequer com o conceito moderno de nagaio”2 ‘A auséncia do liberalismo politico dar& espaco ao eterno retorno de relagdes de dominagio que perpetuam-se, embora as mudancas dos mecanismos formais de exercicio do poder. Por forga de uma tradicdio her- dada de Alberto Torres de Oliveira Viana, encontra-se na interpretagiio de Faoro dois tempos correspondendo a duas realidades distintas convivendo 2 4S, 15.11.1989, FAORO E © ENCONTRO ENTRE ETICA E POLITICA 95 no mesmo pais, se realimentando mutuamente e conduzindo ao confflito entre duas éticas: “num tempo vige — embora quase sempre violada — a ética judaico-greco-romano-cristd. De outro vigora — embora nem sempre se a observe — a conduta do senhor de escravos, 0 qual, perdidos os escravos, se perpetua numa oligarquia. O que embaraga o observador € que essa oligarquia, se nao Ié jornais, ndo dispensa a televistio, nem despreza a novidade tecnolégica, Poder-se-ia ter a ilusio de que a heterocultura se anula, no cfrculo superior da populagao, com as gravatas importadas e os automéveis modernos. Na realidade, as duas matrizes continuam atuantes, sempre governando igual territério."3 Aqui a dimensio simbélica da domesticagao das consciéncias e do ocultamento das relagGes de exploragdo também revela-se na dentincia da utopia da modernidade reduzida ao campo objetual. Exemplar seria a oposigao entre o coche e o bonde no Segundo Impétio: “Do coche ao bonde — toda a sociedade do Império, sobretudo a do Segundo Reinado, que se expressa € se caracteriza. Pelo carro se conhece 0 homem: simbolo de opuléncia, de mediania e da pobreza. A carruagem fazia supor as cocheiras, 0 exército de criados e os escravos, tudo articulado para o luxo ostentatério das ruas e pragas. O bonde, no outro extremo, € a sociedade democritica que se expande ¢ cresce — sociedade mal-educada, que cospe no chao fala alto. O carro esconde e dissimula cabedais; o carros ostenta e poe anu © homem, com seus vicios e sua pobreza. Eles ¢ digladiam nas ruas, com impulsos pr6prios, honra e prestfgio derivados das parelhas — num painel auténtico do que vale cada homem no conceito de outro homem’”"4, Nessa heterogeneidade cultural perversa em que convivem mun- dos opostos ¢ no intercambidveis, a modernizagdo opde-se e recobre a modernidade. A primeira serd distintiva da cultura que orientaré os proje- tos dirigidos pelo estamento, para o beneficio dos setores dominantes ¢ domesticacao das classes subalternas. A modernidade, ao contrario, corres- ponde a um processo coordenado pelas classes dirigentes, envolvendo e revitalizando toda a sociedade, processo que, ausente do Brasil, ou incom- pleto, ira até os limites do possfvel. Nesse sentido, no processo cultural lati- no-americano o tradicional e 0 moderno convivem sem ter havido uma absorcao daquele por este tiltimo nos moldes que 0 processo de raciona- lizagdo ocidental (europeu e norte-americano, diga-se) adotou. O problema 3 4s, 30.09.1992 4 Machado de Assis: a Pirdmide e o Trapézio. Porto Alegre, Ed,Globo, 1988, pag.62

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