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A cidade-empreendimento e os impactos no patrimônio

cultural: o caso das torres do Cais de Santa Rita em


Recife/PE
Eliana Miranda A. S. Soares*

Resumo
Neste artigo pretende-se refletir sobre os efeitos produzidos pelo
empresariamento urbano no patrimônio cultural edificado, pois se observa
que as contradições urbanas produzidas pela mercantilização das cidades
incorrem em profundas alterações na paisagem e em impactos no
patrimônio que comprometem a significância do bem, identidade e a
memória coletiva. Movimentos de resistência emergem buscando alcançar
mudanças nessa lógica, a partir da reivindicação do direito de participação
dos cidadãos nos processos de renovação urbana.
No âmbito dessa discussão tem-se o caso da construção de duas torres
residenciais, erguidas no Cais de Santa Rita, na cidade do Recife/PE. No
objeto estudado destaca-se a evidência não somente da carência, mas as
conseqüências da ausência de participação social nas políticas de
preservação do patrimônio, que priva os cidadãos do processo de
conhecimento, fruição e valorização desses bens o que impacta na forma de
apropriação dos mesmos, tornando-a desigual e marcada pela hegemonia
tecnocrática.

Palavras-Chave: patrimônio edificado; preservação; empresariamento


urbano; participação social.

Abstract
In this article intends to reflect on effects of urban
entrepreneurship on built heritage, because it’s observed that the
urban contradictions produced by commodifications of cities incur deep
transformations to landscape and impacts to heritage impairing its
significance, identity and collective memory. Resistance movements
rise seeking to achieve changes in this logic by claiming for citizens
participation right on urban renovation processes.
In the scope of this discussion comes up the case of the two
residential towers built in Cais de Santa Rita, city of
Recife/PE. In this case is highlighted the evidences not only the lack,
but the consequences of social participation absence in heritage
preservation policies, dismissing citizens of cultural property
knowledge, enjoying and valorization processes what
impacts in its appropriation, becoming it inequitable and marked
by technocratic dominance.

Key-words: built heritage; preservation; urban entrepreneurship; social


participation.

* Doutoranda do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Pesquisa e Planejamento


Urbano e Regional – IPPUR/UFRJ e arquiteta e urbanista do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.

Introdução
No presente artigo, pretende-se refletir sobre os efeitos produzidos pelo
empresariamento urbano, a partir de David Harvey (1996), no patrimônio
cultural, pois se observa que as contradições produzidas pela
mercantilização das cidades incorrem em profundas alterações na paisagem
urbana e em impactos patrimoniais que comprometem a significância do
bem, a identidade e a memória coletiva.
No contexto do empresariamento urbano surge uma ambiguidade entre: a
necessidade em se proteger determinados bens culturais contra a ação
renovadora de espaços urbanos que favorece os empreendimentos
imobiliários em detrimento de valores sociais, culturais e ambientais; e a
exploração desses mesmos bens culturais pelo uso da máquina de
crescimento, estimulada pela competição interurbana, aqui exemplificada
pela promoção de classificação do patrimônio mundial pela Unesco – quem
detém mais e melhor patrimônio para consumo.
A noção de patrimônio, ampliada nos anos 1980, passa a considerar,
conforme Canclini (1994) não apenas monumentos históricos, o desenho
urbanístico e outros bens físicos, mas a experiência vivida que também se
dá através de linguagens, conhecimentos, tradições imateriais, modos de
usar os bens e os espaços físicos. A seleção do que se preserva e a
maneira de fazê-lo devem ser decididas através de um processo
democrático em que os interessados intervenham trazendo para o debate
seus hábitos e opiniões. A participação social tornar-se, portanto, o recurso-
chave para se evitar os efeitos mais freqüentes decorrentes do
empresariamento urbano.
No âmbito dessa discussão emerge o caso da construção das duas torres
residenciais no Cais de Santa Rita no bairro de São José no Recife, Estado
de Pernambuco, sendo um dos bairros mais antigos da cidade. Certamente,
esse episódio deu origem a razões e condições para a intensa mobilização
social que se seguiu em torno do polêmico Projeto Novo Recife, para o Cais
José Estelita, localizado naquele mesmo bairro, ao término da construção
das torres.
Trata-se de um lugar cobiçado pelo mercado imobiliário, em razão de estar
em área central próxima ao bairro nobre de Boa Viagem, junto à borda
d’água e a diversos bens culturais, constituindo-se, portanto, em uma
paisagem relevante para a cidade (Fig. 01).

Fig. 01 – Bairro de São José com os principais bens tombados e área aproximada
do terreno. Fonte: Da autora, com base no Google Maps, 2016.

Acrescenta-se, que Recife vem sofrendo uma intensa financeirização de seu


espaço urbano (Varejão et al, 2016), caracterizando-se na verticalização de
edifícios com grande altura. Esse crescimento ocorre sem a devida
compatibilidade com a infraestrutura e a mobilidade urbana, além de
transformar sobremaneira a paisagem. As questões fundamentais para a
interpretação dos fatos ocorridos que aqui colocamos são: o que se deseja
da cidade? Para quem é a cidade? Qual a condição do patrimônio a ser
preservado?

A cidade-empreendimento e a dimesão da cultura


A cidade-empreendimento (Hall apud Arantes, 2000), surge a partir do
empresariamento urbano definido por Harvey e assume um papel
homogeneizador de implantação de renovações urbanísticas e de estímulo
às competições interurbanas.
Destaca-se em Arantes (2000, p. 20), que a partir dos anos de 1970, o
planejamento urbano deixou de controlar o crescimento urbano e passou a
encorajá-lo por todos os meios possíveis, passando a considerar as cidades
como máquinas de produzir riquezas, sendo que o chamado
empresariamento urbano passa a exercer posição central na formulação de
políticas urbanas e das estratégias de crescimento urbano. Apresenta como
objetivo político e econômico imediato muito mais o investimento e o
desenvolvimento econômico através de empreendimentos imobiliários
pontuais e especulativos do que a melhoria das condições em um âmbito
específico. Tal prática gerou uma crise urbana, com rápidas mudanças no
desenvolvimento desigual dos sistemas urbanos do mundo capitalista
avançado.
Para Harvey (1996) o empresariamento urbano também implica na
competição interurbana, havendo uma evidente reprodução em série de
formas similares de renovação urbana, ao reproduzir sistematicamente
determinados padrões de empreendimentos imobiliários, como centros
comerciais, culturais, shopping centers, etc. O espaço urbano dos países
capitalistas avançados foi aberto a todos os tipos de padrões de
empreendimento, mesmo que o resultado disso tenha sido a reprodução em
série e a elitização de bairros.
Arantes (2000, p. 26) coloca que nessa fase do capitalismo é apontada a
transformação das cidades em mercadorias, através do consumo – a
cidade-mercadoria – onde há uma contradição recorrente entre o valor de
uso que o lugar representa para seus habitantes e o valor de troca com que
ele se apresenta para aqueles interessados em extrair dele um benefício
econômico qualquer, sobretudo na forma de uma renda exclusiva. A
atenção passa também a ser voltada para as áreas intersticiais, vazias ou
degradadas, no sentido de promover o adensamento urbano, porém
requalificando-as, seja do ponto de vista do uso ou dos atributos ambientais.
Tem-se, portanto, para Arantes (2000, p. 27) que a ideia de cidade como
máquina de crescimento é calcada nas coalizões de elite centradas na
propriedade imobiliária, e em uma gama de profissionais interessados nos
negócios fruto das possibilidades econômicas dos lugares que conformam
as políticas urbanas, à medida que dão livre curso ao propósito de expandir
a economia local e aumentar a riqueza. Arantes completa que há uma
“fabricação de consensos” em torno do crescimento a qualquer preço, com
um discurso de que muitos empregos serão gerados, por exemplo.
A cultura surge na cidade-empreendimento como sendo útil à expansão
econômica estando amparada em uma construção de identidade muitas
vezes seletiva, que amplia a desigualdade entre as localidades e os
territórios. A constatação vem do processo de construção de cidade, que
segundo Arantes (2000, p. 28):
“distribui esculturas, museus e edifícios de alto
padrão atraindo aqueles que têm condições de
escolher onde viver, trabalhar e gozar sua afluência.
As zonas favorecidas incorporam, como lugares, o
capital cultural que forja não somente seu futuro
privilegiado, mas reduz o futuro das áreas menos
favorecidas.”
Nesse encontro da cultura e do capital, propiciando revitalizações urbanas
na cidade-empreendimento e na cidade-mercadoria, ocorre o processo de
gentrificação, que acarreta em impactos significativos no patrimônio com a
aniquilação ou alteração dos valores e atributos intrínsecos a ele, seja
social, histórico, cognitivo, simbólico, entre outros. A aspiração de pôr a
cidade no novo mapa do mundo é perseguida por gestores do city marketing
que pretendem também fabricar uma nova cidadania, um novo modo de ser
e viver na cidade (Acselrad, apud Kalb, 2015).
É nessa disputa provocada pela “fabricação de consensos”, que ocorrem os
impactos negativos em bens culturais, sobretudo no enfrentamento de um
dilema no qual o patrimônio é evidenciado: a sua conservação e
manutenção seria subsidiada pela cidade-empreendimento, que por sua
vez, necessitaria da flexibilização das posturas preservacionistas para
engrenar a sua máquina de crescimento.
Observa-se que a reação a essas frentes, se dá através dos movimentos
sociais, que vêm tomando destaque na luta pela preservação do patrimônio
e exercem importante papel para a reversão dos impactos negativos. Soma-
se então um conjunto de agentes que passam a fazer parte dos processos
de planejamento e políticas de patrimônio, como o próprio Estado,
representado também pelas instituições de patrimônio, a sociedade civil,
seja pelos meios formais ou através dos movimentos sociais, e os
mediadores, no qual se destaca o Ministério Público.
Incorpora-se a essa discussão, a questão de “comercialização universal do
patrimônio” e o “turismo de massas” apresentada por Choay (2015) a partir
1
da ação da Unesco, desde 1972 , em promover a classificação de
patrimônio mundial, no que considera acarretar no desenvolvimento
exponencial da comercialização patrimonial, com o crescimento excepcional
da indústria do turismo.
A patrimonialização mundial surge no contexto do empresariamento urbano,
a partir dos anos 1970. Ao mesmo tempo, tem-se: a necessidade de
proteger determinados bens contra a ação renovadora de espaços urbanos
que favorece os empreendimentos imobiliários em detrimento de valores
sociais, culturais e ambientais; e a exploração desses mesmos bens
culturais pelo uso da máquina de crescimento, estimulada pela competição
interurbana (quem detém mais e melhor patrimônio para consumo),
2
incorrendo assim em um patrimônio desigual que aqui se interpreta pelo
desequilíbrio de distribuição desses bens pelos continentes do mundo, pelos
investimentos neles aplicados, e também pela capacidade de articulação
dos países para os fins de salvaguarda.

A cidade é de todos? A paisagem em transformação no antigo cais


O bairro de São José onde se inserem o Cais de Santa Rita e o Cais José
Estelita, é um dos mais antigos da cidade do Recife, apresentando
importante conjunto arquitetônico datado dos séculos XIX e XX e diversos
bens tombados individuais representativos dos séculos XVII, XVIII e XIX,
assim como seu entorno imediato. Possui uma população de 8.688
3
habitantes com faixa média de renda de até dois salários mínimos . Situa-se
entre o Rio Capibaribe e a Bacia do Pina, e na margem oposta encontra-se
a comunidade de Brasília Teimosa (Fig. 01).
4
O terreno das torres no Cais de Santa Rita pertencia à Mesbla Náutica e foi
leiloado às empresas imobiliárias para a sua construção (Fig. 02 e 03),
constituindo-se em dois espigões, denominados Pier Maurício de Nassau e
Pier Duarte Coelho para uso residencial em alto padrão com cerca de 134
metros de altura cada (41 andares), área útil do apartamento tipo em torno
de 240m², três vagas na garagem, tendo o valor comercial entre
5
R$1.970.000,00 e R$2.500.000,00 . As construções geraram grande
polêmica na cidade, também tendo sido alvo de denúncias, manifestações
populares e objeto de Ação Civil Pública (ACP) por parte do Ministério
Público Federal – MPF.

                                                            
1
Convenção sobre a salvaguarda do patrimônio mundial, cultural e natural. Unesco –
17ª sessão, Paris, 1972.
2
Conceito apresentado por Scifoni (2015).
3
Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2010.
4
Empresa comercial que atuava no Brasil.
5
Fonte: anúncios em www.pe.olx.com.br e www.expoimovel.com, dez/2016.
6
De acordo com o MPF em Pernambuco a ACP foi impetrada em 2005
contra a construtora Moura Dubeux responsável pelo empreendimento e o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan pelo
entendimento de que as torres, de altura gigantesca, por localizarem-se na
vizinhança de diversos bens tombados federais interfeririam negativamente
na visibilidade e ambiência desses bens inseridos em três bairros da região
do centro – São José, Santo Antônio e Recife. As obras foram finalizadas
em 2009 sem que o processo judicial fosse totalmente concluído. O MPF
obteve ganho de causa, após decisão unânime do Superior Tribunal de
Justiça. Contudo, as obras tiveram continuidade e as torres foram entregues
aos seus compradores e estão habitadas até hoje.
As torres começaram a ser erguidas sem a prévia autorização do Iphan-PE.
A querela que se deu foi em razão de diferentes interpretações da poligonal
de entorno dos bens tombados por esse Instituto. Através de perícia
topográfica, o MPF comprovou no âmbito do processo judicial que as obras
se encontravam, em sua maior parte, dentro do perímetro de entorno dos
bens tombados pelo Iphan, ao contrário do indicado por este e também pela
Prefeitura do Recife, portanto, para o órgão de preservação do patrimônio o
empreendimento estaria fora da área de entorno com fins de proteção.

Figs. 02 e 03 – As torres e seu entorno. Fonte: Disponível em:


www.skyscrapercity.com. Acessado em dez/2016.
Da análise da ACP, depreende-se que tanto a construtora quanto o
município declararam que não havia impacto na visibilidade e ambiência do
patrimônio tombado. O Iphan-PE teria considerado que não caberia a ele o
licenciamento/autorização das obras, em razão das torres estarem fora da
área de entorno dos bens tombados, e portanto, fora de sua jurisdição.
Outra questão que surgiu, fortalecendo a argumentação da ACP movida
pelo MPF, foi decorrente da petição do Iphan (fl. 526) na qual informa sobre
a existência de uma proposta da Prefeitura do Recife para inclusão dos
bairros de São José, Santo Antônio e Recife na lista de Patrimônio Cultural
da Humanidade registrados pela Unesco, tratando-se de estudo preliminar
que fora encaminhado ao Iphan para verificar a pertinência do pleito. Outro
aspecto importante é o pronunciamento do Iphan-PE à época: “a construção
das três torres só viria a contribuir negativamente ao entendimento desses
bairros como núcleos históricos a serem protegidos”. Cumpre mencionar
que do projeto inicial constavam três torres.
Na ACP consta também informação da Prefeitura do Recife de que estaria
sendo elaborada uma proposta a ser encaminhada a Unesco, sobre a

                                                            
6
Disponível em: http://www.prpe.mpf.mp.br/internet/index.php/internet/Casos/Duas-
Torres-Cais-de-Santa-Rita. ACP n.º2005.83.00.004462-1.
inclusão dos três bairros, considerando “que um dos condicionantes para o
tombamento é a preservação das visadas dos sítios históricos tombados”.
Corroboram também professores especialistas da Universidade Federal de
Pernambuco cujos testemunhos foram considerados na Ação. Por fim, o
MPF solicitou ao Juízo o encaminhamento de cópia do laudo da perícia
topográfica ao Iphan-PE para a adoção de providências para revisão do
7
traçado da poligonal de proteção do entorno dos bens tombados na região .

A lição e o movimento de resistência


Enquanto as torres estavam sendo concluídas, em 2008 foi a leilão público
o terreno que pertencia ao espólio da antiga Rede Ferroviária Federal
Sociedade Anônima – RFFSA, e que abrange os antigos armazéns do Cais
José Estelita, contíguo ao Cais de Santa Rita. O terreno foi adquirido pelo
8
consórcio de empresas incluindo a Moura Dubeux com a proposta de um
grande empreendimento imobiliário no local – o Projeto Novo Recife.

Fig. 04 – Aspecto da última versão do Projeto Novo Recife e as torres construídas.


Fonte: Disponível em: http://www.novorecife.com.br/o-projeto. Acessado em
dez/2016.
O projeto inicialmente contemplava a construção de 12 torres, incluindo
condomínio residencial de luxo e complexo empresarial de 78 a 140 metros
de altura, além de estrutura hoteleira. A proposta quando divulgada gerou
uma série de manifestações e mobilizações sociais que passaram a
contestar o objetivo da intervenção, ao passo que todo o processo ocorrido
desde a venda do terreno começou a ser investigado pelo MPF, aflorando
diversas irregularidades.
Talvez seguindo a mesma linha de raciocínio das obras das torres, que
foram continuadas e concluídas sem o julgamento final da ação, em maio de
2014, após às 22h, um ativista constatou o início da demolição dos antigos
armazéns pelo Consórcio Novo Recife, que havia conseguido um alvará
expedido pela Prefeitura do Recife, sem o conhecimento dos órgãos
federais envolvidos, do MPF e da própria Justiça Federal. Cerca de 200
pessoas foram ao local e ali permaneceram como forma de protesto e
impedir a demolição.
No dia seguinte, o juízo, a pedido do MPF, suspendeu imediatamente
qualquer demolição/construção no local, e o Iphan emitiu o embargo da
9
obra . Em se tratando de bens da extinta RFFSA, a partir de 2007 o Iphan é
responsável por receber e administrar os bens móveis e imóveis
considerados de valor artístico e cultural e zelar pela sua guarda e

                                                            
7
Idem.
8
Consórcio Novo Recife. Disponível em: http://www.novorecife.com.br/o-projeto.
Acessado em dez/2016.
9
Idem.
manutenção. Desde então o Iphan avalia dentro de todo o espólio quais os
10
bens são detentores de valor histórico, artístico e cultural .
A partir daí, a mobilização social ganhou uma outra dimensão. Formou-se o
Movimento Ocupe Estelita que ocupou fisicamente o terreno junto aos
armazéns por aproximadamente 27 dias, conquistando cada vez mais
pessoas que levaram barracas de dormir e doações, expandindo-se pelas
redes sociais e demais mídias, e assim ultrapassaram as fronteiras da
cidade do Recife, ganhando não somente repercussão nacional, mas a
adesão de outros movimentos sociais e pessoas sensibilizadas com a
causa.
Após as ocupações, audiências públicas, liminares, reuniões a porta
fechada realizadas pela prefeitura, e o recebimento de 297 propostas
encaminhadas pela sociedade civil, a Prefeitura do Recife apresentou, em
setembro de 2014, um redesenho do projeto com a permanência dos 12
edifícios, porém com as alturas reduzidas em 42 metros, além de outras
mudanças.
Em março de 2015, conforme reportagem do jornal Diário de Pernambuco,
integrantes do Movimento Ocupe Estelita realizaram uma caminhada rumo à
sede do Iphan-PE para a entrega de documento solicitando o tombamento
do pátio ferroviário do Cais José Estelita, tratando-se da segunda linha
férrea mais antiga do país, com cerca de 11 mil assinaturas da sociedade
civil e aval de mais de 100 instituições e movimentos sociais, entre elas o
11
MPF . Dois meses depois, representantes do Movimento e da Universidade
Federal de Pernambuco reuniram-se com a Presidência do Iphan e o
Ministro da Cultura para discutir a situação do Cais Estelita e entregar nova
solicitação do tombamento no intuito de preservar a paisagem do centro da
12
cidade .

Figs. 05 e 06 – O movimento. Fontes: http://www.brasil247.com e


www.diariodepernambuco.com.br.
O MPF recomendou ao Iphan o tombamento do pátio ferroviário e do
sistema de transporte a ele interligado, com base na própria documentação
e pareceres emitidos por técnicos do Iphan-PE, nos quais é atribuído valor
cultural à totalidade da área, além de indicar o tombamento como medida de
13
proteção .

                                                            
10
Disponível em: http://portal.iphan.gov.br. Acessado em dez/2016.
11
Disponível em: http://www.diariodepernambuco.com.br. Publicado em 26/03/2015.
12
Disponível em: http://defender.org.br/noticias/nacional/cais-estelita-e-tema-de-
encontro-do-minc-com-ativistas-sociais-de-recife-pe/. Acessado em dez/ 2016.
13
Disponível em: http://www.prpe.mpf.mp.br/internet/Ascom/Noticias/2015/MPF-.
Acessado em dez/ 2016.
Em decisão judicial de novembro de 2015, foi determinada a anulação do
leilão do terreno do Cais José Estelita pela Justiça Federal em Pernambuco.
Atualmente as obras permanecem suspensas e embargadas pelo Iphan-PE.

Conclusões
Lançamos aqui alguns aspectos fundamentais sobre a construção das duas
torres. Trata-se de empreendimento de altíssimo padrão implantado em sítio
histórico, que abriga uma população de baixa renda. A intenção de
transformação e elitização do bairro definida pelo empresariamento urbano,
conforme apresentamos é visível. A paisagem foi modificada para uso e
benefício de poucas pessoas que dispunham de capital financeiro suficiente
para adquirem os imóveis, e para satisfazer a máquina de crescimento da
cidade e acumular riqueza. Intervenção acupuntural para requalificar uma
área abandonada e degradada cujo efeito foi a ampliação da desigualdade
social utilizando os atributos ambientais que são bens coletivos, além do
impacto negativo na paisagem.
O Iphan-PE, ao declarar que o empreendimento estava fora da delimitação
estipulada, ou seja, fora de sua jurisdição, se eximiu da responsabilidade
dos efeitos dos impactos dos edifícios na paisagem e sobre os bens
tombados, no cumprimento de uma rotina burocrática, sendo que durante o
curso da ACP, foi considerada a existência de interferência negativa.
Depreende-se que a questão da delimitação exata da poligonal é menor
dado ao vulto da intervenção e a sua condição de implantação junto à borda
d’água e próxima a diversos bens tombados, não importando sua exata
localização, pois os impactos na paisagem, na visibilidade e na ambiência
desses bens serão os mesmos, cuja análise é de responsabilidade do órgão
de preservação do patrimônio.
Não houve participação social para o debate da intervenção, considerando
não somente o impacto na paisagem, mas a introdução de uma expectativa
na área pelo mercado imobiliário no sentido de valorizar o uso do solo,
atraindo pessoas de altíssima renda em desfavorecimento da população de
baixa-renda residente no local.
Evidenciou-se que a política de preservação do patrimônio encerra-se em si
mesma, não prevendo em seus instrumentos a realização de debates
públicos para análise de projetos, sobretudo aqueles de grande porte e
impacto e tão pouco insere a participação social nas questões fundantes da
constituição do patrimônio na cidade.
Evidenciou-se a prevalência do domínio técnico pelos intelectuais do
patrimônio que discutem sua visão e entendimento de cidade próprios,
quando um dos maiores impactos apontados é o prejuízo que tais edifícios
causariam na ambição de pleitear um registro de patrimônio da humanidade
pela Unesco. Voltamos assim as questões aqui apresentadas: o que se
deseja da cidade? Para quem é a cidade? Qual a condição do patrimônio a
ser preservado?
Por outro lado, a construção das torres ensinou uma importante lição, o que
levou a emergência de uma intensa mobilização social na luta pela
modificação do Projeto Novo Recife, para o Cais José Estelita a fim de que
não ocorresse a continuidade dos impactos já anteriormente deflagrados.
Ambos os casos demonstraram a relação do desequilíbrio de forças que há
na cidade. O Movimento Ocupe Estelita já ciente das disputas político-
econômicas que se davam no local, reivindicou o direito de participação dos
cidadãos recifenses nos processos de renovação urbana e também na
preservação do patrimônio, acabando por expor o jogo marcado entre o
poder público e a iniciativa privada, que se sobrepunha ao interesse coletivo
da cidade.
Ficou evidente não somente a carência, mas as consequências da ausência
de participação social nas políticas de preservação patrimônio, que priva os
cidadãos do processo de conhecimento, fruição e valorização desses bens
o que impacta na forma de apropriação dos mesmos, tornando-a desigual e
marcada pela hegemonia tecnocrática.

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