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“A liberdade requer um mundo de outros. Mas, o que acontece quando os outros não nos oferecem
reconhecimento?”2
não geométrica (século XVII e XVIII) e não fisiológica (Séc. XIX) materializou-se de
Para Karl Marx, “a própria história é uma parte real da história natural, da
negro teve início na África, e desumanizou-se nesse mesmo continente na era moderna.
etnocêntricos, produtores de uma inumanidade do ser negro e que apesar do seu respeito
acadêmico nos dias atuais, são abstrações racistas. O racismo moderno5, como
argumenta Paul Gilroy, negou a percepção dos negros “como pessoas com capacidade
cognitiva e mesmo com uma história intelectual”. Tentarei demonstrar ainda, por meio
1
Católica de São Paulo – PUCSP.
4 Utilizo como categoria genérica, referindo aos homens e as mulheres, ainda assim,
reconhecendo que a
5 GILROY, Paul. Entre Campos – nações, culturas e o fascínio da raça. São Paulo:
AnnaBlume, 2007,
p.40.
“urbanizados” era pré concebido e estava atravessado pelas relações de poder, daí a
filosofia ocidental moderna em sua auto-suficiência explicativa, dado ao seu alto grau
sociais vividas e concretas dos povos latinos, africanos e orientais, restringiam apenas a
evidencia por completo a nossa problemática: “neste ponto deixamos a África, para não
Contraponto,1997, p.116.
mencioná-la de novo. Pois, não é parte da história do mundo; não tem movimento ou
A máxima de René descartes, “Penso, logo existo,” que atribui ao ato de pensar
sentido da existência para os outros povos. Para muitos povos africanos o sentido da
existência encontra-se na cosmogonia, toda cultura tem uma filosofia. A crítica ao culto
da razão promoveu uma nova máxima, menos racional: “Sinto, logo existo11”. Essa
exemplo, entre música autêntica e, como diz Hegel, ‘o barulho mais destetável”.12”
11 Kant reconhecia que um juízo estético tinha de ser elaborado independente da razão
prática, In:
elevado atributo humano era a razão pura e impessoal14”. O objetivismo passou a ser
um
empreendimento científico, uma crença que não reconhecia que a própria produção
Ponty. A objetividade não é valor para todas as culturas. A percepção pessoal de mundo
se dar no tempo e no espaço e inicia-se a partir dos significados que o sujeito tem de
podemos concluir que existem tantas experiências de mundo quanto sujeitos (coletivo)
existentes no mundo.
territórios ou desterritorializados (os sujeitos carregam consigo suas culturas) não eram
modernidade, construíram uma consciência de si, só que não acreditavam que esta
condição é uma característica geral de todas as culturas, todas tem para si um “caráter
ganhará força científica no século XIX, o que nos faz pensar que os projetos
15 ELIAS, Norbert. O processo civilizador – uma história dos costumes. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar,
escriturística, como se o fato de não se ter a linguagem escrita como elemento mediador
tornaram-se símbolo de civilidade que todas as outras organizações sociais teriam ter
merecerem o nome, tem de se basear nalgum tipo de escrita, tem de ser, nalgum grau,
sociedade civilizada, com uma arte, arquitetura e instituições políticas próprias, não
determinado povo. Lévi-Strauss nos ensinou que não existe cultura superior e nem
inferior. Hoje, segundo Zygmunt Bauman19, os países que mais sofreram com a
17 Idem.
superioridade racial.
forma reconhecidamente valorada pelo homem branco, tinha que ser representado, seu
“A raça negra é uma espécie de homens tão diferente da nossa, como a raça dos cães
spaniels é dos galgos... Se sua compreensão não é de uma natureza diferente da nossa, é
pelo menos consideravelmente inferior. Eles não são capazes de nenhuma grande
aplicação ou da de idéias e não parecem concebidos nem para as vantagens nem para os
abusos da filosofia”20.
negativamente de forma rígida, sem espaço para sua desconstrução. Por vezes a
estabelecimento social”21
Esse relato, de Mungo Park, não é um simples ponto de vista individual. Park
Interiores da África. A literatura de viagem foi uma das fontes para a produção de
saberes científicos. Conhecer para dominar, esse era o lema das viagens exploratórias.
21 Idem, p. 136.
A representação social da alteridade negra no pensamento científico europeu
negra. Nota-se no pensamento científico europeu moderno uma relação rígida entre
entre as culturas.
européia, por meio dos relatos de viagem, analisando criticamente as narrativas para
além das descrições geográficas e botânicas. Foram nas zonas de contato que os
de uma experiência singular de mundo que precisa universalizar-se e a ciência foi seu
maior veículo.
22 Idem, p. 117.
23 Idem.
24 GUPTA, Akhil & FERGUSON, James. Mais além da “cultura”: espaço, identidade e
política da
diferença. In: ARANTES, Antonio Augusto (org). O Espaço da Diferença. São Paulo:
Papirus Editora,
2008, p.33.
p.22.
ganhando sentido e forma nas áreas colônias, mas sem perder seu caráter racista e
configuração específica de cada cultura das regiões coloniais. No final do século XVIII
e início do século XIX com os acirramentos das lutas pró independência, a visão sobre a
sobre ele que reside as classificações, pois este carrega a marca da diferença
natureza, intimamente ligado aos territórios inóspitos. É por meio da linguagem que as
coisas são inferidas, o corpo negro aparece depreciado enquanto sujeito da história,
1999, p. 243.
1999, p. 68.
realmente interessado no significado das diferenças raciais... Apesar de sua análise, que
econômica no mundo ocidental, mereceria um artigo em específico para tal exame, mas,
não nos debruçaremos com tal afinco neste momento, apenas demonstraremos suas
similitudes com o paradigma iluminista.
“A sociedade indiana não tem qualquer história, pelo menos uma história que se
conheça. Aquilo a que chamamos a sua história é apenas a história dos invasores
sucessivos que fundaram os seus impérios sobre a base passiva desta sociedade
imutável
conquistar a Índia, mas se devemos preferir a Índia conquistada pelos turcos, pelos
28 GILROY, Paul. Entre Campos – nações, culturas e o fascínio da raça. São Paulo:
AnnaBlume, 2007, p.
67.
Ìndia.
“Não está longe o dia em que, através de uma combinação de estradas de ferro e barco a
vapor, a distância entre a Inglaterra e a Índia, medida em tempo, será reduzida para oito
dias, e em que este país, outrora de fábula, será realmente anexado ao mundo
ocidental”29.
Hoje em dia não seria tolerável tamanha orientação intervencionista, em que os
vencidos devem silenciar-se diante das “forças do progresso”. O que está em jogo não
são apenas questões de desenvolvimento e atraso econômico, são pessoas não brancas,
seres reificados, imobilizados pelo seu barbarismo e pelo modo de produção. Vejamos o
humana. Mas, nessa história social, o econômico foi posto no centro, a dimensão
histórico por meio de sua visão estrutural, com suas perspectivas de ver a sociedade em
seu movimento e suas transformações, sempre condicionada por uma realidade exterior,
29 Trecho do artigo de Karl Marx publicado no The New York Daily Tribune, em 8 de
agosto de 1853. In:
MOORE, Carlos. O marxismo e a questão racial – Karl Marx e Friedrich Engels frente
ao racismo e a
escravidão. Belo Horizonte, MG: Nandayla; Uberlândia, MG: Cenafro, 2010, p.63,
(coleção Repensando
bastante vaga quanto à participação real dos sujeitos, uma análise sistêmica, que retira
estrutura seriam as classes, a diferença a alteridade estaria no bojo desse “motor” social.
Para Peter Burke, o historiador marxista vive “um paradoxo, se não uma
contradição32”,
ao colocar no centro as questões culturais, algo que Marx considerou “uma mera
superestrutura33.”
teve na luta política pró socialista, a utopia de uma nova sociedade que eliminasse o
real) veio a público34 para decepção da “comunidade” negra, revelando que: “68% dos
abominável resultado estatístico demonstra que questão racial não é apenas um artifício
32 BURKE, Peter. O que é história cultural. Trad. Sérgio Goes de Paula. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar
33 Idem.
34 Esse relatório foi mantido em sigilo durante vinte e cinco anos sendo divulgado em
2007. In:
DOMINGUES, Eseban Morales. Desafios de La problemática racial em Cuba. La
Habana: Fundación
BIBLIOGRAFIA
história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994 (obras escolhidas vol. 1).
GILROY, Paul. Entre Campos – nações, culturas e o fascínio da raça. São Paulo:
AnnaBlume, 2007.
Ed. 34; Rio de Janiero: Ed. Universidade Candido Mendes, Centro de Estudos Afro-
Asiáticos, 2001.
GLISSANT, Edouard. Introdução a uma poética da diversidade. Juiz de Fora, MG: Ed.
UFJF, 2005.
UFMG, 2003.
1987.