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FREDRIK BARTH

[o rganiução: Tomke Lask J


Col eção Oypographos
Oireção:Anronio Carlos de SCU!Jl Lima

I
L Processos e escolhas: escudos de sociolog ia po!íúca
[lisa ptrúra Rds

2. O guru. O iniciador e outras variações antropológicas


Fndrik Barth
o guru) o iniciador
{organização: TíJmh Lnsk] e outras varia§ões antropológicas
3. Criatividad e social, subjetividade coietiva
e a modernid ade: brasile ira contem po rânea
JosE Maurício Domingu!5

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Tradução
John Cunha Com'1ord

EA?flSiA
-
Os grupos étnicos
e suas fronteiras'

Esta coletânea de ensaios aborda a problemática dos grupos étni-


cos e de sua permanência 1. Apesar de negligenciado, esse tema é de
grande importância para a antropologia social. Praticamente todo
raciocínio antropológico baseia-se na premissa de que a variação
cultural é descontínua: supõe-se que há agregados humanos que
compartilham essencialmente urna mesma cultura e- que há diferen-
ças interligadas que distinguem cada uma dessas culturas de codas
as outras. Uma vez que cultura nada mais é do que uma maneira de
descrever o comportamento humano, segue-se disso que há grupos
delimitados de pessoas, ou seja, unidades étnicas que correspondem
a cada cultura. Muita atenção tem sido dedicada às diferenças entre
culturas, bem como às suas fronteiras e às conexões históricas en-
tre elas; mas o processo de constituição dos grupos étnicos e a
natureza das fronteiras entre estes não têm sido investigados na
mesma medida. Os antropólogos sociais têm evitado esses proble-
mas usando um conceito extremamente abstrato de "sociedade" para
representar o sistema social abrangente dentro do qual grupos e
unidades menores e concretos podem ser analisados. Este uso do

. Do original: "Imroducrlon". E BARTH (ed.) ,Ejhnicgj"OHPS and hoJ.Jn.1arits. Bergen-


Oslo/Boston: Universitets Forlaget/Litde Brown, 1969.
I N, do R. da T. Esta coletânea de textos de autores escandinavos organizada

por Fredrik Barth a partir de um simpósio financiado pela Wenner-Gven.


Fondacion for Anthropological Research, realizado na Universidade de Bergen
de 23 a 26 de fevereiro de de 1967, teve conseqüências fundamencais para o
escudo das questões relativas à etnicidade e à consuução de fronteiras entre
grupos étnicos.
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F f< EDftfK B"RT H Os G:l.Uf·OS f:"f~rCOS l, Slj,\S r:Ro~rUfv.s

conceito, porém, desco nsidera as característi cas e fronteiras empíricas a elucidá-los d a ma neira mais sim ples e pertinen te possível e a per-
d os grupos étnicos, bem como as importantes questões teó ri cas mitir explorar suas im plicações. N os en saios seguintes, cada au t o r
que u ma in vestigação das mesmas levanta. abo rda um caso com o q ual está in ti m amente fam iliar izado em fun -
Ainda que hoje ninguém mais sus ten te a ingê nu a suposição de ção de seu trabalho de campo, e t enta ap lica r à análi se um conjunto
que cada tribo e cad a povo m antê m sua cult ura at ravés de uma ind i- co mum de conceitos . O principa l po n to de panida teórico é com-
fere nça hostil com relaç ão a seus viz inh os , ainda persiste a visão pos tO por vári as pa rt es ínterconec ta d as . Em prim eiro luga r,
s implista de que os iso lamentos social e geográfico foram os fat o - en fati zamos o fato d e que grupos étnicos são categorias atri but tv as
res cruciais para a manutenção da diversidad e cultural. Uma inves - c identificadoras em pregadas pelos p róp ri os atares; conseqüente-
t igação em p írica do caráte r das fronteiras étnicas, tal como ap re- me nte , tê m como ca racterística organ iza r as interações en([e as pes-
sentada nos ensaios q ue se seguem. traz d uas descobertas que, ape- soas. Tentamos relac ionar ou tras característ icas dos g rupos ét nicos
sar de não serem nem um po uco sur preendentes , demo nstra m bem a essa-caracterís ti ca básica . Em s egundo lugar, tod os os t rabalhos
a inad equação dess a vi são. Em primeiro lugar, t o rna-se claro qu e as ap resentados assu m em na análise um po n to de vista gerativo: ern
fr onteiras étnicas perm anecem apesar do flux o de pessoas que as vez de trabalharm os com uma tip ologia d e formas de grupos e de
atraVessam. Em outras palavras, as distinções entre categorias étnicas relações étnicas, ten tamos explorar os diferentes processos q u e
não dependem da ausênc ia de mobilidade, ca ntata e informação, mas parec em estar en vo lvidos na geração e m an utenção d os gr upos ét-
im plicam efni vamen te processos d e excl usão e d e incorpo ração. atra- n icos . Em te rceiro luga r, para observar m os esses p rocessos. de::do -
vés do s quais, apesar d as m udanças d e parti cipação e pertencimento cam a s o foco d a invest igação da consti tu ição interna e da histór ia
ao lo ngo das hi stó rias de vida indi vid uais, es tas distinções são de cada grupo pa ra as fr onteiras étni cas e a sua manu te nção. Cada
mantidas . Em segundo lugar, há relações sociais es táve is, persistentes um desses pontos req uer certa elaboração.
e fre qüentemente vit2is que não apenas atravessam essas frontei ras
co mo também muitas vezes baseiam-se precisamente na existêncla de Definição de grupo étnico
s tat us étn icos d ico romizados. D ito de outro modo , as disti nç õ es A exp ressão g r upo étn ico é geralme n te entendida na lirerat ur <t an -
étnicas não d epend em da ausência d e in teraç ão e acei ração soc iais tro po ló g ica (ver. po r exemplo. Narrol! 1964) co mo a designação
mas, ao contrári o, são freqü enremente a própria base sobre a qu al d e uma popu lação g ue:
sistemas sociais abrangentes são construídos. A interação dentro d es- I, em grande medida se autoperpetu a do ponto de vista bioló-
ses s istemas não leva à sua destruição pela mudança e pela acult ura ção: g iro;
as diferenças culturais pod em persistir apesar do cantata interécnico 2, compartil ha valores culturais fu nd amentais. realizados de
e da in terdEpendência entre etn ias. modo p2cen temen te un it ário em determi nadas fo rm as cuitur;:iis;
3. cO!1st itul um campo de co mun ica.ção e inter ação;
Princípios gemis da abordagem
4. tem um conjunto de membros q ue se lden tificam e são id en -
H á aqui . portanto, um im portante cam po de questões que prec isa t ificados por Ou tros. como constituindo uma categoria q ue pod e
se r repensado. É necessário um ataque s imultaneamente teórico e ser distinguida d e o utras categorias d a m es ma ordem.
empíri co: precisam os in ves tiga r detalh adamente os fatos empíricos Essa definição tÍpico -ideal não es tá muito longe, em t ermos
em d ive rsos casos e ade q uar nossos co nce itos a esses fatos , de modo d e conteúdo, da proposição tradicio nal d e que uma raça = um a

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cultura = uma língua, e de gue sociedade = unidade que rej eita ou incons is tências lógicas desse ponto de vista. Dentre as característi-
discrimina out ras. Mesmo assim, na forma modificada apresentada caS listadas, geralmente o companilhamento de uma mesma cultura
acima, não deixa de ser uma definição que Se aproxima suficiente- assume importância central. Na mi nh a concepção, é muito mais
mente de muitas situações etnográfi cas empíricas . ao menos tal vantajoso considerar essa impo rtante característica como uma con-
como elas aparec eram e fo ram relatadas , d e modo que esse signi - seqüência ou resultado ao invés de tomá- la como um aspecto pri-
ficado con t inua a ser út il para os objetivos da maioria dos antro - mário ou definido r da o rganização dos grupos étnicos. Quando se
pólogos. 1v1inha discordância nâo d iz respeito tanto ao conteú do opta por considerar cama característica primária dos gr upos étni-
substantivo dess as cara cterístic as, ainda que eu pretenda dem on s- cos seu aspecto de unidades portadoras de cult ura, há uma série de
trar que temos mui t o a ganhar com uma certa mud ança de ênfase; implicações de longo alcance. Somos levados a identificar e dis tin-
minha princ ipal objeção é que, tal como está formulada, essa de- guir os gr upos étn icos pelas características morfológicas das cul tu-
, finição noS impede de compreender o fenômeno dos grupos ét- ras das quais eles são os portadores. Esse pont o de vista conr ém
nicos e seu lugar na sociedade e na cult ura humanas. Isso porque um op inião p re conceb ida a respeito (i) da natu reza da continuida-

I ela ev ita as questões mais fundamen tais: ao t entar oferecer um


modelo tÍpico-ideal de uma forma empírica encontrada recorren-
t eme nte, ess a fo rmulação ( faZ implícita uma visão preconcebida
de quais são os fatores significativos para a gênese, a estru tura e
de dessas unidades no tempo; e (ii) do locus dos fato res que de-
terminam a forma dessas unidades.
L Dada a ênfase na dimensão desses gru pos como portadores
de cutt:ura, a classificação das pessoas e dos grupos locais como
a função de ta is grupos. membros de um grupo étnico deve necessariamente depender da

I
'i
O principal problema desta visão é o seu pressuposto de que a
manutenção das fronteiras não é problemática. e que isto se dá
presença de traços culturais particulares. Na tradição das áreas cul-
turais, isso é algo que pode ser julgado objetivamente pelo observa-
H como conseqüência do isola mento que as características arroladas dor etnográfico, sem q ue se leve em con ta as categori as e preconcei-
ii
ii impli cam: di feren~as racial e cultural. separação soclal, barreiras lin - toS dos atores. Diferenças entre os grupos tornam-se diferenç as
ii en tre: inventários d e traços; a atenção concentra-se sobre: a análise
güísticas, inimizade espontânea e organizada. Com isso, limi ta-se
também a gama de fatores que usamos para explicar a diversidade das culturas, em detrimento da organização étnica. Conseqüen te-
cultural: somos levrldos a imaginar cada grupo desenvolvendo sua mente a relação dinâmica enere os grupos será descrita através de
forma cultural e social em isolame nto relativo. responden do prin - estudos de aculturação do ti po que atrai cada vez m enos interesse
cipalmente a fatores ecológicos loc ais, at ravés de uma história de na an tro pologia, ainda que sua inadequação teórica nunca tenha
adaptação por invenção e emprést imos seletÍvos. Essa história pro- sido discutida a fundo. E uma vez que a origem histórica de qual-
duziu um mundo de povos separados. cada qual com sua cultura e quer conjunto de traços culturais é sempre diversi ficada, esse pon-
o rganizado em uma sociedade, passível de ser legitimamente isola- to de vista abre espaço também para uma "etnohistória" que pro-
da para descr ição corno se fosse uma ilha. duz uma crônica de aquisições e mudanças cu lturais e tenta expli-
car a causa do empréstimo de certos itens. No entanto qual é efe -
Os grupos étnicos como unidades portadoras de cultura tiv amente a unidade cuja continuidade no tempo é representada
Em vez de discutir a adequação dessa versão da história da cultu ra nesses estudos? Paradoxalmente, aí devem ser incluídas culturas
para qua lque r coisa q ue não ilhas pelágicas, apon tarei algumas das ex is tentes no passad o, que no presen te seri am evide nte mente

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r-REOR!i.: B.\RT! r OS G!tL'I'QS (T~!COS E $\.;,\S \'RO.'-"TE!R,IS

exclu ídas devido a diferenças entre SU<lS Formas - jus tamem:e as próprios taLvez agissem da mesma maneira. É, portanto, inadequado
diferenças usada s para identificar a diferenciação sincrônica de uni- considerar que as for mas institucionais manifestas const ituem as
dades étnicas. Essa confusão certa men te não ajuda a esclarecer a características cu lturais que a todo momen to perm item distinguir
in terconexão entre "g rupo étnico" e "cultura". um grupo étnico, pois es tas formas são dete rminadas tanto pela
2. As formas culturais aparentes que pedem ser arrol adas em ecologia quanto pelo legado cultural. Também não é correto . lega r
sé ries de traços exibem os efe itos da ecologia. Não me refiro aqui que toda diversificação interna a um grupo seja um primeiro pass o
ao fato de qu e elas rellerem uma hisrória de adapração ao meio rumo à subdivisão e à multiplicação de unidades. Há casos bern
ambie nte; em um sentido mais imediato, das também renet em as co nhecidos e d ocumentados de um mesmo grupo étni co, car .. cte:-
circunstâncias externas às quais os ate res têm que se acomodar. ri zando -se também por um nível relativamente simples de orga ni za-
Será que as mesmas pessoas, com os mesmos valo res e idéias, não ção econômica. ocupando vários nichos ecológicos diferentes e, ainda
adotariam diferen tes padrões de vida e institucionalizariam dife- ass im, mantendo uma unidade cultural e étnica básica durante lon-
rences formas de comporramen to, se postas diante de oporrunida- gos períodos de rompo, como, por exemplo, o caso dos Chuckchee
des dife rentes oferecidas por ambientes distintos? Além disso, t am- do interior e do li tora l (Bagaras 1904-9) ou dos lapães das renas ,
bém é razoável esperar que um dado grupo érnico, distri buindo -se dos rios e do litoral (G jessing 1954) .
sobre um território que apresenta circunstâncias ecológicas va riá- Em seu ensaio "D iferenciação étnica e cultural" , Blom' apresenta
veis. mos tre uma dive rs idade reg ional de componamentos argumen tos convincentes a respe ito desse ponto ao esrudar os agr i-
institucionalizados manifestos que não refl ete diferenças de o rien- culror:es das regiões montanhosas da Noruega ceneraL Ele mostra
tação cultural. Como então classificar essa diversidade, se ad ota- como a participação e auto -avaliação d esses agricultores no CJue
mos as formas institu cionais explícitas como critério diagnóstico? diz respeito aos valores noruegueses mais ge rais ass egura um
Um exemplo pert inente é a distribuiçã o e ti. diversidade dos siste- penencimen to contÍnuo ao grup o étni co mais amplo, apesar dos
mas sociais locais dos Pathan 2 • Em função de seus valores básicos, padrões de atividade extremamente es p ecíficos e desviantes que a
um pathan das áreas montanhosas ao sul. nas quais há uma organi- ecologia local lh es impõe. Para analisar casos como esse . precisa-
zação homogênea baseada em linhagens. necessa riame nte percebe ° mos assumir um pom:o de vista que não confunda os efeitos das
co mpo rta mento dos Pathan, d e Swat, como algo tão di ferente e tão circunstância s eco lógicas sobre o comporramento com os efeitos
repreensível em term os de seus próprios valores, que dizem que da tradição cultural. tornando possível a separação desses fato res e
seus irmãos do norte "não são mais pathan". De fato, em termos de a investígação dos co mponentes culturais e soc iais não -ecológicos
critérios "objetivos", o padrão explíciro de organização destes últi- que agem no sentido da criação de diversidade.
mos parece ma!5 pr óx ~m o daquele dos Punjabi. Mas eu descobr:
que. explicando aos Pat han do sul as circunstâncias existent es no Os gntpos étnicos como tipo organizacional
norte, era possível fazê -los concordar que os do norte eram tam - Ao se enfocar aqui lo que é socialmUlte. efetivo, os grupos étnicos passam
bém pathan, e até mesmo admi tir que, naCJuelas circunstâncias. eles a ser vistos comO uma forma de organ ização sociaL A caract eríst ica

IN. do E. Ver. no presente volume, o capículo 'A identidade patha n e sua i BLOM, Jan-Pecter. "Ethnic and cultural differen ci.ation ". Em: r-. BARTH (ed.)
m<lnucenção", p. 69 -93.
Ethniegroups and bcundarils. Op. ( ir.

lO II
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OS I.>IU;VOS ÉT:-: iCO~ E SU,\S F !lO:-:TIil1\,\~
FrU,DRII' B!.p:nr

crítica passa a ser então o item 4 d a lista da página 27: a aut o - Em ouuas palavras, as categorias ét nicas oferecem um recipiente
atribuição e a atribuição por outros. A at ribuição de uma categoria organizaci onal qu e pode receber conteúdo em difere ntes guantida-
é uma atrib uição étnica quando classifica uma pessoa em termos d e des e for mas nos diversos sistem as socioculrurais . Podem ter gran -
sua iden t id ade básica, mais ge ral, determinada presumivelmente por d e importância em re rmos de comportamento, mas não necessaria-
s ua origem e circunstâncias de confo rma ção. Nesse sent ido men te; podem colorir toda a vida social. mas ta mbém ser relevantes
organizacional, quand o os atares, t endo como finalidade a inceração. ape nas em determ inados se tares de adI/idade. Há claramente aqui
usam identidades étnicas para se cat egorizar e categorizar os ou- um grande campo para des crições etnográficas e comparativas das
tros, passam a formar grupos étnicos. diferentes form as de o rganização étnica .
É impo rtante reconhecer gue apesar das categori as étn icas le- A ên fase na at ribuição como carac teríst ica fundJom ental dos
varem em conta dife renças cult urais, não podemos p ressupor qual- g rup os érnicos resolve ram bém as du as di ficuldades concei tuais
guer relação de correspondê ncia simples entre as unidades étni cas discut idas ante ri ormente.
e as semelhanças e difere nças culturais. As caracteríscicas a serem 1. Quando as unidades étni cas são d efi nidas como um grupo

efetivamente levadas em conta não correspo nd em ao somatório d as atributivo e exclusivo, a sua continu idade é clara: ela depende da
diferenças "objetivas"; são apenas aquelas que os próprios atares manu tenção de um a fronreira. As característ icas culturais qu e assi -
cons ideram significa tivas. Por um lado, variações ecológicas às ve- nalam a fron te ira podem mudar, assim como podem ser transfo r-
zes marcam e exageram certas diferenças; por o utro, algumas dife- mad as as caracterís ticas cult urais dos me mb ros e até mesmo altera-
renças culturais são usadas pelos ato res como sinais e emblemas de da a fo rma de organização do grupo. Mas o fato de haver uma
diferença, ignorando-se outras. Além d isso, em algumas relações contínua dicotomlzação entre membros e não-membros nos per-
dife renças radi cais são ate nuadas e d enegadas. O conteúdo cultural mite especificar a natureza da con tinuidade e investigar forma e
das díc otomias étnicas parece ser, em termos analíticos, d e duas co nte údo cultu rais em mudança.
o rdens diferentes: ( i) s inais e signos manifestos, que constituem 2 . Apenas os fatores socialmente relevantes torna m-se impor-
as ca racterísticas diac rícicas que as pessoas buscam e ex ibem para tan tes para diag nost icar o pe rtenc imen to, e não as di ferenças explí-
mos trar s ua identidade; trata-se fr eqüentemente de características citas e "objeti vas" que são ge rad as a partir de o utr os fatores. Não
ta is com o ves ti menta, língua, forma das casas ou estilo geral d e im porta quão diferentes sejam os membros em termos de seu com-
vida; e (ii) orien tações valora tivas bás icas, ou seja, os p adrões d e portamento manifesto: se eles dizem que são A, em cont raste com
moralidade e excelência pelos quais as performances são julgadas. outra categoria B da mesma ordem, desejam ser tratados e ter seu
Uma vez que pertencer a uma categoria étnica implica ser um certo comportamento interpretado e julgado como p róprio de A e não
ti po de pessoa e ter dererm inada identidade básica. isto Gl111bém de B. Em outras palavras, declaram sua adesão à culrura compani-
implica reivind icar ser julgado e julga r-se a si mesmo d e acordo lhada por A. Os efeitos disso, comparados com outros fatores gu~
com os padrões qu e são relevantes para tal identidade. Nenhum des - influenciam o co mportamento efe: ri vo, podem entã.o ser tomados
ses tipos de "conteúdos" culturais deriva de uma simples lis ta descri- como objeto para investigação.
tiv a de características ou diferenças culturais; não se pode prever a
partir de princípios primários quais características os atares irão As fronteiras dos grupos étnicos
efeúvamente enfatizar e to rnar o rganizac ionalmente relevantes. Desse ponto de vista , o foco central para investigação passa a ser a

32 II
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FREPRlK B.\RTH OS (;~L'POS I'T"' H.:O~ E Sli,~S ~itO,\J'rw~,\s

fronte ira étnica qu e define o grupo e não o conteúdo cultural por menta, ou seja, difer e n~as culturais persistentes . No entanto, ha -
ela delimitado. As fronteiras sobre as guais devemos concentrar vendo intera~ã o entre pessoas de diferentes culturas, seria espera-
nossa atenção são evidentemente fronte iras sociais, ainda qu e pos - do que essas diferenças se reduz issem. uma vez Cjue a interação
sam [er contraparcida territorial. Se um grupo mantém sua ident i- tantO requer como gera ce na congruência de códigos e valores -
dade quan d o seus membros interagem com Outros, disso decorre a em ouuas palavras , uma similaridade ou comunidade cultural (cf.
existênc ia de critérios para de t erminação do pertenci m enta, assim Barth. 1966 para minha argumentação a esse respeito ). Assim, a
como as manei ras de assinalar est e perrencimento ou exclusão. persistência de grupos étnicos em can t ata implica não apenas a
Os grupos étnicos não são apenas ou necessariamente baseados na existência de crit érios e sinais de identificação, mas tamb ém uma
ocupação de territórios exclusivos; e as diferentes maneiras através estrut uração da s interações que permi ta a persistência de diferen-
das q uais eles são man tidos, não só as formas de recrutamento ças culturais. Considero que a característica organi zacional que
definitivo como também os modos d e exp ressão e valid ação contÍ- deve ser geral em codas as relações interétn icas é um conjunto
nuas, devem ser analisadas. s istemático de regras que governam os encontros sociais
Além disso, a fron t eira étnica canaliza a vida social. E la implica interétnicos. Em toda vida social organizada, aquilo qu e pode ser
uma organizaç ão, na maior parte das vezes bastante complexa, do tomado como relevante para a interação em qua lquer situação social
comportamento e das relações sociais. A idenrificação de uma ou- particular é prescrito ( Goffman 1959). Havendo conformidade
rra pessoa como membro de um mesmo g ru po étnico im plica um quanto a essas prescrições, a conco rdância das pessoas guam:o 2

comparrilhamento de critérios de avaliação e de julgamen to. Ou códigos e valores não precisa estender-se para além dag1.lil o que é
seja, é pressuposto que ambos estejam basicamente "jogando o relevante para aquelas sÍtuações sociais nas quais das interagem.
mesmo jogo", e isso sign ifica que há enrre eles um potencial para Rela~ ões interétnicas estáveis pressupõem precisamente esse ripo
divers ificação e expansão de suas relações sociais, de m odo a even- de es trutura de inreração: um conjunro de pres crições (lue gover-
tua lmente cobrir to dos os diferentes setores e dom ínios de ativida- nam as situa~õe s de contato e permitem uma articu lação em alguns
de. Por outro lado, a dicotomização qu e cons idera os outros como setores ou dom ín ios de ativldade específicos e um co njunro d~
es tranhos, o u seja, memb ros de outro grupo étni co, implica o rec o- interdições ou proscrições com relação a determinadas siw:lções
nh ecimen to de limitações quanto às formas de compreensão com- soc iais, de modo a ev i[ar interações interétnicas em OULtOS seto res;
panilhadas, de diferenças nos critérios pa ra julgamento de valor e co m isso, partes das culruras são protegidas da con frontação e da
de performance, bem como uma res t rição da interação àqueles se- modificação.
tores em que se pressupõe haver compreensão com um e interesses
mútuos. 5 istunas sociais poliétnicos
Isso torna possível compreender uma úlcima forma d e manu - Evidentemen [e, é isso o que Furni v~ 1I (1944) retratou com gr2lnde
t enção de fronteiras étnicas através da qual unidades e fronteiras clareza em sua aná lise da sociedade plural: um a sociedade poEétnica
culturais persistem. A manutenção de fronteiras étnicas implica tam- integrada no âmbito do mercado sob o controle de um sistema
bém a existência de siruações de contato soc ial entre pessoas de estatal dominado por um dos grupos, nus pres ervando amplos es-
diferentes culturas: os grupos étnicos só se mantê m como unida- paços de diversidade cultural nos setores de atividade doméstica e
des significativas se acarretam diferen~as marcantes no comporra- religiosa.

34 35
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o que os an tro pó logos p os ter iores não levaram sufic ience- étnica comO um star us, esre se rá s uperior em relação à maio ri a do s
mente em conta foi a possível variedade dos seta res de articulação outrOS sratuS e definirá a constelação petmissível de status, ou pe r-
e de separação, e a variedade de sistemas poliétnicos que isso im pl i- sonalidades sociais, que um indivíduo com uma dada iden tidade
ca. Sabemos alg uma co isa a respe ito dos sistemas melan és ios de étnica pode assumir. Neste sen rido , a identidade étnica é semelhan-
troca de objetos pertencentes à esfera de al to prestígio da econo- t e ao sexo e à pos ição social. pois oc as iona restrições em todas as
6
mia, e at é algo sobre a etiqueta e as prescrições que gove rnam esta áreas de atividade e não apenas em determ inadas situações soci ais •
situação d e troca que a isolam de outras atividades. Temos informa- As sim, pode-se dizer que é uma identidade ímptra tiva, uma vez que
ções também a respeito de vários sistemas policêntr icos tradicionais não pode ser d esconsiderada e tempo rariamente d eixada de lado
do Sudeste As iát ico'" em que há integ ração tanto na esfera do comér- em funç ão de outras de fin ições da situação. As restrições quan to
cio regu lado pelo prestígio, quanro nas estruturas políticas quase- ao comportamento de uma pessoa que decorrem de sua identidade
feudais. Já algumas regiões do sudoeste da Ásia mostram formas ba- étnica tende m portanto a ter cará.te r absoluto e. no caso de socieda-
seadas em uma economia de mercado monctarizada de manei ra mais des poli étnicas complexas, bastante abrangente. As convenções sociais
plena, concomitante a uma integração política de cad ter policêntrico. e morais componentes dessa identidade tornam-se aip.da mais resisten-
Devemos lembrar ainda a cooperação ri tual e produtiva e a integração tes à mudança ao serem agrupadas em conjuntos estereot ipados, con-
política observadas no sistema de castas indiano, no q ual talvez ape- siderados carac te rís ticos de uma iden tidade singular.
nas o parentesco e a vida doméstica permaneçam como setor proscri-
t o e fonte de diversidade cultu ral. Nada é gan ho ao se jun tar es ses As assoôa&ões enlre identidades e padrões va lora tivos
vários sistemas sob o róculo cada vez mais vago de soc iedade "plu - A análise das carac t erís ticas interacionais e organizacionais das re-
ral", ao passo que a investigação das diferentes variedades de estru- lações inte rétn icas foi prejudicada pela fal ,. d e atenção dada aos
tura pode la nça r luz sobre as formas sociais e cul turais. problemas da manutenção de fr onteiras. Isso talvez se deva ao fat o
Aqu llo q ue no nível macro podemos chamar de articulação e de os antropólogos terem passado a raciocinar com uma idél<l. equi -
separação corresponde, no nível micro, a conjun t os sistemá ticos de vocada a respei to da situação interétnica prot o rípica. A tendência
restrições com relação a pa péis. Todos esses sistemas têm em co- foi pensar em termos de povos d iferen tes, com h ist órias e culturas
mu m o pr incíp io de qu e a identidade étnica implica uma série de diferentes, que em dado momento se reúnem e se acomodam uns
restrições quan to aos tipos de papel que um indivíduo pode assumir, e aos outros, gera lmente em um contexto colonial. M as eu argum en-
qu an to aos parceiros que ele pode escolher para cada tipo di ferente taria qu e, para mel hor visu alizar os requisitos bás icos da coexistên-
de transação.) Em ouuas palavras, se conside rarmos a identidade cia d e d iferent es g rupos étnicos. devería mos nos pergun tar o que é
necessá ri o pa ra <"l ue as distinções étnicas surjam em uma dada área.
Em termoS organizacionais, fica claro que esses re tluisiws são, em pri-
~ C f. 1%[KO\\'!1'%. Karl. G. "Neig hb oms in Laos ". Em: F. BARTH Ced.) E;hllic
groups ttnd boundarÍ(S. Op. ci to meiro lugar, uma classificação de se tores da população em categorias
j A enfári ca nega ~ão ideológica d o primado da iden ti dade é tnica Ce posiçã o

social) que carac teriza as rel igiões universais surgidas no Oriente Médio pode
ser compree ndida nesta pe rspectiva, já gue pratica men te: qualquer m ovimenco
de reforma soc ial o u ética nas sociedades poliétn icas dessa. l'egião colidiriam (, A d iferença entre grupos étnicos e esua(os sociais. aparentemente probleffi;itica
com convenções e norm as de carácer étnico. neste mo men to da arg umem<l.ção, se rá desenvo!vi d<l. <l.di;l.m e.

l 36 37
FREDRIK &-\RTH Os "RliPOS I~T~ICOS "SU,\S FRO;--':TElR.\S

de stdtuS exclusivas e imperativas e, em segundo lugar, uma aceita- eSses princípios, haverá um<1- tendência no sentido de canalizar e
ção do princípio segundo o qual os padrões aplicados a uma des- padronizar a interação e no sentido da emergência de fronteiras
sas categorias podem ser diferentes daqueles aplicados a uma ou- que mantêm e produzem diversidade étnica dentro de sistemas so-
tra. Ainda que isso por si só não explique por que as diferenças ciais maiores e mais abrangentes.
culturais surgem, permite-nos perceber como elas persistem. Cada
categoria pode ser associada a uma escala de valores distinta. Quanto A interdependência dos grupos étnicos
maiores as diferençJs entre esses padrões valorativos, maiores as O vfnculo positivo que conecta vários grupos étnicos em um siste-
restrições à interação étnica, pOIs os status e as situações presentes ma social abrangente depende da complementaridade dos grupos
na totalidade do sistema social que envolvam comportamentos com relação a algumas de suas características culturais peculiares.
discrepantes com relação às orientações valoratlvas de urna pessoa Essa complementaridade pode dar origem a uma interdependência
devem ser por esta evitados, uma vez que esses comportamentos ou simbiose, constituindo as áreas de articulação às quais nos refe-
sofrerão sanções negativas. Além disso, dado que as identidades rimos. Já nos campos em que não há complementaridade, não exis-
são tanto sinalizadas como assumidas, todas as novas formas de te também nenhuma base para a organização de acordo com linhas
comportamento tenderão a ser dicotomizadas; portanto, esperaría- étnicas: não haverá interação alguma ou haverá interação sem refe-
mos que as restrições em relação aos papéis sociais operassem de rência à identidade étnica.
modo que houvesse relutância em agir de maneiras inovadoras por- Há grandes diferenças entre os sistemas sociais quanto ao grau
que uma pessoa teria medo de que o comportamento inovador fos- em que a identidade étnica como status imperativo cria restrições à
se inadequado para alguém com sua identidade. Esperaríamos tam- variedade de status e papéis que a pessoa pode assumir. Nos casos
bém que as pessoas rapidamente classificassem todas as formas de em que os valores distintivos ligados à identidade étnica forem
atividade associando-as a um ou a outro conjunto de característÍ- relevantes apenas para poucos tipos de atividade, a organização social
cas étnicas. Do mesmo modo que as dicotomizações em termos de nela baseada será igualmente limitada. Já os sistemas poliétnicos
trabalho masculino versus trabalho feminino parecem proliferar em complexos claramente acarretam diferenças de valor amplamente
algumas sociedades, a existência de categorias étnicas básicas parece relevantes e múltiplas restrições quanto a possíveis combinações
constituir um fator que incentiva a proliferação de diferenciações de status e modalidades de participação social. Nesse tipo de siste~
culturais. ma, os mecanismos de manutenção de fronteiras devem ser muito
Nesses sistemas, as sanções que produzem a adesão aos valo- eficazes pelas seguintes razões: (i) a complexidade está baseada na
res específicos de cada grupo não são exercidas apenas por aqueles existência de diferenças culturais importantes e complementares;
.1!
que comparcl1nam 1
ca mesma 1·d·· . ~lambem
entIdade. . / nesse aspecto o
(ii) essas diferenças devem ser largamente padronizadas dentro de
paralelo com outros status imperativos é útil: do mesmo modo que cada grupo étnico ~ ou seja, o conjunto de stnus, ou a pessoà
ambos os sexos ridicularizam o homem que é efeminado, e todas as social, de cada membro de um grupo deve ser altamente estereoti-
classes punem o proletário com ares de riqueza, também é provável pado para que a interação possa basear-se em identidades étnicas; e
que os membros de todos os grupos étnicos em uma sociedade (iii) as características culturais de cada grupo étnico devem perma-
poliétnica ajam de modo a manter as dicotomias e diferenças. Onde necer estáveis, para que as diferenças complementares que estão na
as identidades sociais são organizadas e alocadas de acordo com base do sistema possam persistir diante de cantatas interétnicos

38 39
" rp@if,st;
FREDRJi-: a. \ RTH Os (jR t;l'OS ET:"<I CCS H St.;,\'j FRCi'OT';:fI..\ S

bastan te próximos. N os casos em que es tiverem presentes tais con- daí uma art icu lação po lítica e ecenômica bastan te estreita, abri ndo
d ições, os grupos étn icos podem adaptar-se uns aos outros de for- possibi lidades pa ra o utras formas de interdependência.
ma estável e simbiótÍca: os outros gr upos étnicos presentes na re- Essas alternativas referem -se a situações estáveis. Mas é muito
gião to rnam-se parte do ambiente natural; os setores em que h á comum encon trar uma quarta forma básica nos casos em que dois
aniculação oferecem áreas que podem ser exploradas e. do pont o ou mais grupos entremeados em um terrüó rio compe tem, ao me-
de vista dos membros de qualquer um dos gr upos, os o utros seto- nOS parc ialmente, pel o mesmo nicho. Com o tempo, esperar-se-ia
res de atividade dos demais gru pos parecem em grande medida que um dos gru pos deslocasse O outro ou que surgisse uma aco-
irrelevantes . modação envolvendo uma crescente complementaridade e inter-
d ependência.
A perspectiva ecológica A literatura antropológica sem dúvida ofe rece exemplos rípi -
Essas interdependências podem ser parcialm ente analisadas d o cos dessas situações. Todavia a observação cuidadosa da maior ia
pan ca de vista da ecologia cu ltural: os setares de ativ idade em que dos casos empíricos mOS tra situações consideravelmente mistura-
dife rentes popu lações com diferentes cultu ras se articulam podem da s, e apenas at ravés de simplific ações bastante grosseiras se pod e-
ser pensados como nichos aos quais o grupo es tá adaptado. Es sa ria reduzi-las a tipos simp les. Em ou tro trabalho (Barch 1964b) .
interdependência ecológica pode assu mir di versas formas, das qua is pr ocu rei ilus trá-lo no caso d e uma região do Baluq uiscão, e minha
é possível con struir um a tipo logia aprox imada. Nos casos em qu e expec tativa é que de mane ira geral seja verdadeiro que um dado
dois ou mais grupos étnicos estão em contato, suas respectiv as grupo étnico. nas di ferent es fr onte iras que delimitam sua dis t ri -
adaptações podem ter as seguintes formas: bu ição e nas s uas dife reotes fo rmas de aco modaç ão , ex iba simul-
1. Cada grupo pode ocupar nichos dist intos no amb iente na- t aneamente diversas d ess as formas em su as relaçõe s com Outros
tural e reduzir ao mínimo a competição por recursos. N esse caso, grupos .
sua interdependê ncia será limitada apesa r de resid irem na mesma
regi ão., e a articulação tenderá a se dar principa lmente através d o A perspectiva demográfi ca
comércio. e talvez em uma es fera cerimonial-ritu al. Essas variáveis, porém , desc rev em apenas parc ialmen te a form a de
2, Os grupos podem monopolizar territórios separados. e nesse adap tação de um determinado grupo. No Cjue diz respeito a isso.
caso eles estarão em compet ição por recursos e sua articulação. en- mesmo que essa.s variáve is mOStrem a estr ut ura qu alita.tiva - e
vol verá a política ao longe da fronteira e possivelmente incluirá idealmente t ambé m quanti tativa - dos nichos ocup ados por um
outro s se tores. determi nado grupo, não se pode ignorar os problemas de número e
,< . ..
3. O.:; grupos poaem OI·erecer Dens e sen'!ços Importantes uns equilfbrio envolv idos em sua adapt:ação. Sempre q ue uma popula-
aos o.utro.s, ou seja, ocupar nichos recíprocos e po rtant o dis tinto s, ção depender da exploração de um nic ho natura L hav ed necessari -
porém intimamente interdependentes. Caso nã o haja uma articula- amente, para o tamanho que essa população pode alcança r, um li-
ção m uit o próx ima no serer político. decorrerá daí uma situação m ite superio r gue corresponde à capacidade supo rte desse nic ho.
sim biót ica clássica e surgirá uma variedade d e cam pos de art icula- Qualquer adaptação estável implica controle do tamanho da popu-
ção possíveis. S e houver também competição e aco modação. através lação. Além disso, se duas p opulações são ecologicamente inter-
da monopol ização diferencial dos meios de produção. deco rre rá
~ d ependentes, como no caso de dois grupos étnicos em uma relação

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simbiót ica, isso significa que qualq uer variação no taman ho de uma interessante e muitas vezes fundamental é desempenhado por ou -
deve ter efeitos im po rtantes no tamanho da outra. Assim, em qual- tro conjunto de processos que modificam as identidades de indiVÍ-
guer análise de sistemas poliétnicos com um mín imo de profundi- duos e grupos. Afinal de contas, o ma teri al human o organ izado em
dade temporal, devemos ser capazes de explicar os processos atra- um gr upo étnico não é imutável, e ainda que os mecanismos socia.is
vés dos quais os [amanhos dos grupos étnicos interdependentes discutidos até agui renda m a manter as dico tomtas e as fro !1 reiras,
atinge m um ponto de equ ilíbrio. Cada eq uilíbrio demográfico en- eles não acarretam necessariamente uma "estase" d o materi al huma-
volvido é bas tante complexo: a adap[a~ão de um determi nado gru - no que organizam : as fronteir as podem persistir ap esar do que
po a um nicho nat ural é afetada por seu tamanho absoluto, mas a poderíamos qualificar figurativ amente de "osmose" das pessoas que
adap tação de um gr upo étnico ao nic ho constitu ído por um outro as atravessam.
é afetada por seu tamanho relativo. Essa perspect iva leva a um importante esclarec imento a respei -
Os problemas de mográficos envolvidos na análise das relações tO das condições necessá r ias para o surgimento de sistemas
inrerétnicas em uma dada região concentram-se, portanto, em ques - poliétnicos complexos. Ainda que o surgimento e a pe rsistênc ia
tões como as formas de recrutamen tO para os grupos étnicos e a desses sistemas pareçam depender de relativa estabilidade das ca-
sens ib ilidade das raxas de recrutamento às press ões exe rcidas sobre racte rísticas culturais associadas aos grupos étnicos - ou seja,
os difere ntes nichos explorados por cada grupo. Esses fa to res são grande ri gidez nas fronteiras de Ínteração - daí não decorre que
críticos pa ra a estab ilidade de 9ual9ue r sistema poliétnico. e pode- haja rigidez semelhan te no que diz respei to aos padrões de recru -
r ia inclusive pa rece r qu e qualquer mudança popu lacional (eria con- tamento dos grupos étnicos ou de atribuição de pertenc imento a eles:
seqüências destr utivas. Não é necessari amen te isso o qu e ocorre, ao contrário, as relações interétnicas que observamos freqü entemente
como podem os observar no trabalho de Siverts7 . Na maioria das envolvem di versos processos que ocas ionam mudanças nas identi-
situações, porém, os sistemas poliétnicos que temos observado en- dades individuais e grupais e, conseqüentemente, modificam os QU-
volvem processos bastante complexos de movimento e ajuste popu- tros fatore s demográficos presentes na situação. Exem p!os de fron -
lacionaL Torna-se claro que vários o ut ros fatores além da fertilidade teiras étnicas estáveis e persistentes qu e, todavia, são atravessadas
e mo rtalidade hu manas afetam os balanços demográficos. Tomando por fl uxos de pessoas são bem mais comuns do Cjue a literatur;;.
um dete rm inado território, há, por exemp lo, fawres relat ivos aos etnográfica nos levaria a acreditar. Os t rabalhos apresentados na
deslocament os indiv idua is e grup ais: a emigração que alivia a pres- coletânea Os grupos ét nicos t suas frontliras por mim organizada trazem
são , a imigração gue faz com que um ou vários grupos que residem exemplos dos di ferentes processos que acarretam essas travess ias de
no mes mo lugar se manten ham corno postos avançados de reserva- frontei ra e também mostram que as condições que as causam são
tó rios populacionais maiores SIt uados em ?igum outro iugar. A mi- diversificadas. Abordaremos breveme nt~ alguns desses processos.
gração e as conqu is tas têm papel intermit ente na redistr ibui ção d as
popu lações e nas muda nças de suas relações. tv1as o papel mais Fatores envolvidos na mudan{a de identidade
Os Yao des critos por Kand re (I967b) são llm dos mui tos povos
das montanhas que vivem na borda sul da região chinesa. Os Yao se
7 S!VERTS, H enning, "E thnic stability and boundary dynami c5 in So uthern organ izam para a produção em grupos do mésticos compostos por
Mex ico", Em: F. BARTH (ed.) Ethniegroups andboundarits. Op. cit. famílias ext ensas, que por sua vez se alinham em clãs e em aldeias.

42 43
'<,'Jtff:t~4ffJf?~

FRI:!)!(Ió: Ih!{TH OS (.;R UI'CS IlTNICOS E SU,\S I'Rú"'Ti:HtIS

A liderança d o grupo domésti co é mu ito clara, ao passo q ue a co - juntos de grup os domésticos: ocasiona a perda de posiç ão dent ro
munidade e a região são autóctones e acéfalas, ligadas d e diversas do ríg ido siste ma segmentar genealógico e territori al dos Pa~h a n e
maneiras a domínios políticos po liétnicos. A identidade e as dis- a inco rp oração no sistema hierá rq uico e centralizad o dos Baluc hi
tinções são expressas em complexos idiomas rituais, envolvendo atra\'és de con tratos clientelísticos. A aceiração no grupo recepcor

I sobretudo o culto aos ances trais. Esse grupo, no entanto, apresenta


uma taxa d e inco rp oração ext re mamente alt a, co m 10% de nã o -
depende da am bição e do oportunismo dos líderes políticos ba luchis.
Em contrapartida, os Pat han do norte, ao so frerem um a per da

I,
I
yaos [Ornando-se yaos a cada geração ( Kand re 1967a: 594) . A mu-
dança de pertenci~1en [O ocorre de m anei ra individual e principal-
mente co m crianças, envolvendo a compra da pessoa pelo líder de
um grupo d oméstico yao, a adoção, qu e aca rr eta assumir o status
de p are nte, e a assimilação ritu al completa. O casionalmente , a mu-
an ál oga de pos ição em seu si5[ema nativo, ge ralmente se tran sfe ri-
ram pa ra O Kohistã o e conquistaram aí nov os territ óri os. Com o
tempo, o efeito foi uma reclas sificação das co munidades q ue se
trans feriram , com sua incorporação aos conjuntos local men te di-
versificados de tri bos e g rupos kohi stanis.
dança de pertencimento étn ico é também real izada po r hornens adul- Talvez o caso mais marca nte seja o de Darfur, ap res entado por
~
I toS ;l.través do casam en to u xo rilocal; os hom ens chinese s são Haal and', que m ostra os membros do grupo Fur, do S ud ão. Eles
I contrapartes aceitáveis nesses arranjos. são ag ricu ltores e mu da m de idenridade, assum indo a de árabes
nômades criad ores de gado. Esse processo de pen deu de uma cir-
As condições para essa forma de assimilação clarament e envol-
vem um du plo aspec to: em primeiro lu ga r, a presença de mec anis- cunst ância ec onôm ica mui to especffic a: a ausê ncia de oportunid a-
des de invest imento de capital na eco nom ia das al d eias furo in ve rsa-

I
mos cultu rais que permitem implementar a incorporação. in cluin -
do-s e aí a idéia de obrigações para co m os an cestrais , compensasão mente ao oco rri do entre os nômades. O capital acum ul ado e as
por pagamento etc. ; em segundo lugar, o incentivo representado oport unid ades para admini strá-lo e aumentá -lo oferece ram incen-
! pelas vantagens evidentes para o grupo doméstico ao qua l se dá a tivos par<l que grupos domésticos fu r abandonassem seus campos
Iq incorpo raçã o. bem como pa ra o seu líde r. Essas vantage ns estão e alde ias e m udassem de vida, pas sando a aco mp anha r seus vi zi-

~
rela cionadas ao papel do grupo doméstico como unidade produti- nhos Baggara. Nos casos em que a mudança foi bem-s ucedi da do
va , às técni cas de gestão agríco la - em fu nção das qu ais o tam a- ponto de vista econômico, pas saram tamb ém a u nir-se a uma ou
II nho ó timo da un idade é de seis a oito pessoas tr ab alhando - e outra das unida d es políti cas frouxa s, po ré m formalmente cen t ra Li-
I
~a ta mbém ao padrão d e com petição inrracomunid.r ia entre os líderes zadas, d os Bagga ra.
dos gru pos dom ésticos por rique za e influência. Ess es processos que indu zem um flu xo de p essoas q ue at ra-
H Por sua vez, o caso dos movimen tos auavés das fronte iras nor- vessa m fronte iras étnicas afe tam nece ssaria men te o equilíbrio
~ te e sul da ár ea path2n 8 ilustra formas e co ndições bastante diferen- d'emogr?!'lco
d· .
entre os resp ecclvos grupos. Sa ber se esses processo s
~
~
~ tes. Os Pdthan do sul to rnam-se baluchis, sem que oco rra o contrá- contribuem p ara a es tab ilida de desse equilíbr io é um a questão
~ rio. E SSJ rrJnsform Jção pode ocorrer com indi víduos, mas é lTI J.is completamen te diferente. Para que isso aconteça, esses processos te -
H comum que env olva grupos d omésticos inte iros o u pequenos COI1 - riam de ser sensív eis de fo rma hom eostá tic a a mud an ças no grau de
i
II! S N. do E. Ver, no presente volume, o capítulo 'A. identídade pathan e sua
m?nu [ en~:i.o".p. 69 -93.
~ H.l."ALAND, Gunn ar "Economic determi!1ants ln ethnic pro cesses'·. Em:
(e d.) Etbnicgroups and boundaritS. Op. eie.
F. B.... RTH

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44 45
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F;l.r:I)Rl~ B.'\KTH Os {il1.l':pos i,1":-IIÇOS E :-'1..;,\$ ::RO:-;THiR.\S

Eil
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(;J: pressão sob re os nichos eco lóg icos. N ormalmente não parece set equilíbrio é uma pane im portan te da an álise das rela ções interé rnic as
'i,
esse o caso. A ass im ilação de não -yaos parece au mentar ainda mais na região.
a taxa de cresci m ento e expansão dos Yao às expensas de outro s
grupos , e pode ser \'isto com o um fata r, ai nd a que de men or impor- A persistência das fronteiras culturais
Eância, contri buindo para o processo de progressivo predo mínio N a d iscussão precedent e a respe ito d a manute nção d e frorHe~ras
da etn ia chin esa, que vem ocasionando um a firme reduç ão da diver- ér:nicas e do s flux os de pessoas entre grupos ét nicos , deixei de lado
~ sidade étnica e cult ural em uma grand e reg ião. Já o g rau de assi m i- um a ques tão mU(lO impo rr anl:e. Exam inamos vár ios exemplos de.
; lação d e pathans POt tribos baluch i apresenta indubitavelmente uma como indivídu os e pequenos g rupos podem mudar de local de
sens ibilidade à pressão po pulacional nas regiões dos Pach aD, mas moradia, d e padrão de subsi"ência, d e lealdades e f orm as pol iticas
ao mesmo tem po aca rreta um desequ ilíbrio em função d o q ual as ou de penen cimento a grupos do m éstic os em funçã o d e circuns~
tr ibos Baluch vê m se espalhando em dir eção ao no rte, apesa r da tâncias econômi cas e políticas especí ficas relativas à sua posição
maior pressão populacional nessa região. A ass imilação pelos g ru~ o rig inal e em me io ao grupo ass im ilado r. Mas isso ainda não expli ~
p os d o Kohi stão, por sua vez , alivia a press ão pop ulac ion al sobre a ca completamente por que cais mudan ças leva m a mudan ças de i den~
reg ião dos Pathan ao mesmo t empo q ue mantém estável a fronteira tidade étnica, sem qu e essa troca de pes soal afete os grupos étnicos
geog ráfica. Já a nomadização dos Fur refo rça os Baggara, que em dicoto m izados (a não set Cjuanto ao número d e componentes de
,j outro s lugares estão se tornando seden tár ios. A taxa de assjm i la~ cada grupo) . No caso da adoção e inco rp oração de indi víduos iso -
~
ri ção, toda via, não es tá correlacionada à pressão sobr e as terras dos lados, geralmen te imaturos, po r g ru pos d oméstic os já estabd~ ci ~
~1 Fu r: uma vez que a no madi zação dep ende da ac um ulação de rique ~ dos, como no caso d os Yao, a ass im ilação cultu ral com ple ta é c om~
~

~ zas , essa taxa possivelmente decresce conforme o aumentO da pres~ preensível: nes te caso, cada pessoa incorporada é to(almence imersa
1 são pop ulacional en rre os Fur. O caso dos Fur demonsrra també m a no padrão yao d e relações e expectati vas. Já nos ou trOS exemplos
in stabilidade in erenre de alguns desses processos e mos([a Cjue mu~ não fic a t ão claro por que ocorrem m udan ças (a t ais da identidade.
danças bastante lim ita das podem te r res uh ados d ramá ti cos: com a Não se pode a rg umentar que isso deco rra d e um a regra universa l de
inovação tecn ológica na hort ic ultura ao longo d os últ imos dez anos, integração cultu ral que fari a com que assumir as práticas políticas
~ su rgi ram novas oportunidades de inves timento, que provavel m ente próprias a um dad o grupo ou seus padrões de adaptação ecológ ica
~, reduzirão em m uito o u mesm o reverterão momentaneamente o pro~ na esfe ra da subsistência e d a economia implicasse necessariamente
~'
l~ cesso de nomad ização. adota r tam bém as o utras partes e form as que ca racte ri zam o g rup o
!~
ri Ass im, aind a Cjue os processos que ind uze m à mudança de é!:õlico . Na verd ade, o caso d os Pathan (Ferdinand, 196 7) mostra
:i
ide:-1!: id.ade szjarr. impo r;:'';;: II l:ê:5 para .. co m preensão da m aior ia dos dirHame!1[e a falsidade desse argu mento , já que as fronte iras do
j G i SOS de: interd epend ência étnica , eles não necessariamente co ndu - grupo étnico Pat ha!"! cruzam os limites d e unidades po líticó1.5 e eco-

I zem à es tabi lidade po pulacionaL Pode-s e, no entanto, argume nca r lógicas. C om isso, um pequeno grupo pathan , u S2.ndo 2 auto ~ iden. ­
! em termos gerais q ue, sendo as relações étnicas estáv eis duran te tificação como critério fun da mental de ident idade érniGl., poderia
~ longos períodos de t empo, e particularmente nos casos em que a pe rfe itame nte assumir o brigações políticas correspondentes ao
~ inte rde pendência é estrele;!, é provável qu e haja um razoável equ ilí~ pen enc imen to a uma tr ibo baluchi ou adota r prá[ icas agrkolas e
brio dem og ráfi co, A análise d os dife rent es fato res envolvidos ness e pecuárias kohi s tani, e m esm o ass im continuar a identificar- se como

46 47

h,
r-
I
f"EOR1 !o: B.'\RTH

pa tha ns . D o mesmo modo, poder-se- ia esperar que a nomadização


OS GRL;VO:; l: T!"l COS E SUAS Flto:-tn:1Rr\:;

que há circunstâncias em que tal identidade pode ser realizada com

! entre os Fur levasse ao surgimento de um secor nômade entre eles,


semelhante aoS Baggara quanto ao modo de subsist ência, mas dis-
relativo sucesso, e limites para além dos quais esse sucesso é impos-
síveL 1vleu argumento é que as identidades étnicas não são mantidas

I tinto des tes quanto a o utras característi cas culturais e ao seu rótu-
lo étnico.
Evidentemente é isso o qu e aconteceu em muitas situações
hist ó ricas. Mas nos casos em que isso não acontece, po demos ve r
quando esses lim ites são ultrapassados, pois o compromi sso com
determinado s padrões valorativos não será sustentado em circuns-
tâncias que tornam a performance comparativamente muito inade-
quada em termos desses padrões 10. Os dois componentes dessa me -
dida relativa de sucesso são, em primeiro lugar. a perform ance dos
os efeitos organizadores e canalizadores das distinções étn icas. Para
explo rar os fatores causadores dessa diferença, examinaremos pri- outrOS e, em segundo lugar, as alrernativas abertas para cada um. Deve
meiro as explicações específlcas atribuídas às mudanças de identi- ficar claro que não se trata aqui de um apelo à adap tação ecológica. A
, dade noS exemplos apresentados ac ima. viabilidade ecológica e a adeq uação ao amb iente natural só importam
:. No caso da s áreas fronteiriças dos Pathan, a influência e a se- se colocarem limitações à sobrevivência física . coisa que ra ramente

~t
'I"
gurança qu e alguém pode obt er, no context o das sociedades seg- entra em quesrão quando se trata de grupos étnicos. O que importa
menta res e anárquicas dessa região, dependem de suas ações prévi- é a qualidade da performance dos outros com quem se interage e a
I as. ou melho r, do respe ito que se obtém com esses atos em função quem se é com parado. e também as identidades e conjuntos de pa-

I do ju lgamento d os mesmos. de aco rd o com os pad rões aceitos de drões alternaclvos d isponíveis para um dado indivíduo.

,
~
k

~
avaliação. O s principais espaços para exibir as vi rtudes pathan são
o conselho tribal e as oportunidades para a dem onstração de hos-
picalidade. Quem mora em uma aldeia no Kohistão tem um padrão
d e vida que não permite competi r em hospitalidade nem mesmo
Identidade étnica e recursos materiais
Essa argumentação não esclarece. porém, os fatores de manu t enção
de fronteira na caso dos Fur. H aaland ll di scute com o a vida nôma-

•f
~
com os servos co nquistados pelos Pathan das regiões vizinhas; e o
cliente de um líder balu chi não tem o direito de se express ar no
de é avaliada de aco rdo com os padrões fur e mostra que desse
ponto de vista o balanço entre vantagens e desvantagens permanece
f- conselho tr ibaL Manter uma identidade pachan nessas circunstân- inconcluso. Para que esse caso seja comparável a outros, te mos q ue
I cias , o u se ja, de clarar-se participante d a compet ição po r ser melhor examinar de maneira ma is geral todos os fato res que afetam o com-

I em te rmos de padrõe s valoratjvos pachan. equivale a condenar-se


antecipadamente a um fracasso completo. Mas se a pessoa optar
portamento em questão. Apresentaremos dados que d erivam de con-
rextos etnográficos muito dife renciados, ocorrendo variaiões si-

I •
por assumir uma identidade kohistan i ou baluchi, poderá alcançar
com a mesma performance urna posição bastante elevada em termos
das escalas de valores q ue tornam-se então relevan tes. Ass im, nesse
muldneas em diversos fat ores.
A relação do indivíduo com os recursos proQ utlVOS aparece
,
como um sig nifica tivo contra ste entre o Or ien te Médio e a regiio
caso os in centivos para a mudan ça de identidade são inerentes à

,t mudança das circunstâncias.


É cla ro que dife rentes circunstânc ias favorecem dife rentes 10 Escou preocup<'ldo aqui <l pen<'ls com o fra casso ind iv idu al em m an ter a

identidade, o que é conseguido pela rn.'1 ioria dos membros, e não com as questões
performances. Uma vez que a identidade étnica es tá associada a um mais amplas da vitalidade e da ;:momia culturais.
f conjunto culturalmente específico de padrões valorativos. segue-se II H1..ALAND, Gunna r "Economic determinanrs in echnic proc esses". Op. cit.
j

·r ~.

48 49
FREDRLJ,; a\ltTH OS "RL:?OS :;-p,.:rCQS E Sl:,'.) F!l.OI'ITr'mAS

de Darfur. No Oriente Médio , os meios d e produção são consi de- das fro nt eiras éínicas depe nde de mecanismos mais sutis e es pecí-
rados como prop ri edade definida e trans ferível, seja de caráter pri- fi cos. ligados princi palmente à inviabilidade de certó s combinações
va do, sej a d e caráter corporado. Uma pessoa pode obtê -la a[[avés de sc.arus e papéis.
de uma t ransação específica e restrita, como uma compra ou um
arrendamento; mesmO qua ndo há conquista. os dire itos que se Grupos étnicos e estratificação
obtêm são padronizados e limitados . Em D arfur, por outro lado, Onde um grupo étnico tem controle sobre os meios de pro dução
bem como em boa p arte do Cinturão Sudanês, p revalecem outras utili z ados por o utro grupo su rg e uma relação de des igualdade e
convenções. A t erra para cult ivo é alocada para os membros da co- estra tificação. Portanto os Fur e os Bagga ra não compõem um sis-
munidade de aco rdo com suas necessidades. A distin ção entre o tema es tra t ific ado, pois ocupam nichos diferentes e têm acesso ti

proprie cário e aq uele que trab alha a terra, tão importam:e p ara a eles de fo rm a indep enden te; já em certas partes da área pa th an .
es crutura social da m aioria das com unidades do Oriente I'v1édio, encontramos uma estrat ificação basea da no controle da terra, com
não pode ser feita nesse caso po rque a posse não envolve di re itos os Pathan na posição de sen hores da terra e Outros grupos fazendo
separáveis, absoi utos e t rans fe ríveis. O acesSO aos meios de produ- o cu ltivo em regi m e de serv idão. Em ter mos ma is gerais . pode-se
ção em uma aldeia fur depende apenas da inclusão na comunidade, dizer que os sistemas poíiétnicos estrat ificados existem sempre que
o u se ja, da inclusão na iden tidade étnica fu ro De modo semelhan te os grupos carac terizam-se por um controle dife renci ado sobre re-
enrre os Bagga ra, direitos sobre pastagens não são alocados e mo - cursos valorizados por todos os gru pos participan tes do siscema.
nopolizad os , nem mesmo en tre d iferen t es tr ibos. Ainda q ue gru- D essa fo rm a. as cul turas dos grupos étnicos de tais sistemas são
pos e tribos tendam a usar as mesmas rotas e áreas a cada ano, e integradas de uma maneira es pecial, pois com partilham cen as ori-
possam algumas vezes tenta r, de maneira ad hoc, evitar o acesso de entações e escalas valo rat ivas gerais, com bas e nas qu ais podem fa-
outros às áreas que querem usar, normalmente se mistu ra m e não zer julgamentos em termos hieráquicos.
têm nen huma p rerroga tiva definida e absolUE:a. O acesso às pasta- Em contrapart ida, um sistema de estra t ificação não implica
gens ocorre automaticame nte desde que se exerça a ativ idade de necessariamente a existência de grupos étnicos. Leach (19 67) ar-
criação animal, redu ndando em ser baggara. gumen ta convincentemente que as classes soc iais distingue m-s e por
Os mecan ismos bás ico s de man utenção de fron te ira em D arfur d iferen t es s ubcul tu ras e que essa caraterística é mais fundamental
são portanto bastante simples: uma pessoa tem acesso aos meios do que o ordenamento hierárquico ent re as classes. Em muito s
funda men tais de produção porque prati ca uma ce rta modalidade sis temas de es tra tifi caç~o , toda via, não há estratos claramente deli -
de subs is tê ncia; isso traz como res ultado todo um esti lo de vida . e m itados: nesses casos a estratificação base ia-se simplesmente em
esse conjunt o de características está subsumido nas denom inações uma noção de escalas e no reconhecimento de um nívei cenuado
étn icas fu r e baggara. Já no Ori ente rv'lédio, pode-se obter controle em Ego, de "pessoas que são como nós" , em oposi ção àqueles que
sob re os me ios de produção através de transações q ue nã o envol- são vÍsros como mai s seletos e àqu eles que são vistOS Como mais
vem outras at ividades da pessoa; a identidade étnica, nesse caso. vu lgares. Nesses s istemas, quaisque r que sejam as d ife renças culc u-
nã o é necessa riamen t e afet ada, O que abre cam inho p ara a diversifi- rais , elas se apresentam de ma neira gradat iva, sem que surja algum
cação. Assim. no Ori ente Médio os nômades , os camponeses e os tipo de organização social d e grupos étnicos. Em seg undo lugar, a
ci tadinos podem pertencer a um mesmo grupo étnico; a persistência maioria d os sistemas de estrat ificação permi te ou implica u ma

50 5I
r FREOR,IK B . U(TI-I Os GI\ li l'OS i"T!'lCOS E SV.\S FROSTE;RAS

t mobi lidade de acordo com as escalas de avaliação que definem a depende do controle de algu m rec urso específico, mas baseia-se em

I hierarqu ia: um fracasso moderad o no seCor "B" da hierarq uia trans-


forma a pessoa em "C", e ass im por d iante. Por sua vez, os grupos
étnicos não têm abertura para esse tipo de ent rada. pois a atribu i-
critérios relativos à o rigem e ao compromisso, enquanto em Ou era s
sistemas a performance no status, o u seja, o desempenho adequ ado
dos papéis necessários para re?lizar a identidade requer ta is recur-
rli, ção da identidade étnica baseia-se em outros critér ios mais restriti- sos. No caso de um ca rgo burocrá tico, contrastantemente, a pessoa
vos. Isso é claramente ilustrado pela análise de Knutsson a respeico que ocupa o cargo recebe os recursos necessários para a performance
~
J dos Gal/a no contexro da sociedade etíope 12 • Trata-se de um siste- de seu papel; já as posições no sistema de parentesco, atribuídas
l'
~, ma social em que grupos étnic os inteiros são estratificados de aCOr- sem referência aos recursos possuídos por uma pessoa, também
E:
~ do com suaS posições de privilégio ou de incapacidade dentro do não dependem d a performance - a pessoa continua a ser pai mes -
Es tado. No entanto chegar ao governo não transform a um galla em m O que não consiga suprir o filho com alimentos.
~..
U um amhara, nem a expulsão como fora-da-lei redund a em perda da Assim, guando os g rupos étnicos se inter-relacionam em um
~ identidade galla. sistema estratificado, s~o necessários processos especiais que man-

I
!t
Dessa pe rspectiva, o sistema de castas indi.1no ~pareceria como
um caso especial de sistema po[iétnico es tra tificado. As fronteiras
tenham o controle diferencial de recursos. De modo esquemático,
uma premissa básica da organização de grupos étn icos é que toda
1
1
~
entre as castas são definidas por critérios étnicos: fracassos indivi-
d uais na performance levam a uma expulsão da casta, e não a um
pessoa do grupo A possa desempenhar os papéis I_ 2 e 3. Se há
concordância dos atares 9uanto ri. isso, a premissa necessariamente
N rebaixamento pa ra uma casta inferior. O processo pelo qual o siStema se realiza, a m enos 9ue o desempenho desses papéis necessite de
!-~
~ hierárquico incorpora novos grupos étnicos é demonstrado pela recursos que estão distribuídos de aco rd o com um padrão discre-
pante. Se esses recursos são obtidos ou perdidos por vias que
1 sanscritiza§ão dos povos tríbais: a aceitação das escalas básicas de valores
que definem sua posição na hierarquia de pureza e poluição rituais é independem do fato de uma pessoa ser um A, e se eles são busca-
a ún ica mudança de valores necessária para que um desses povos se dos ou evitados sem nenh uma referência à identidade da pessoa
transforme em uma casta indiana. Creio que uma análise dos diferen- como A, a premissa será falsificada, pois alguns As tornam-se in ca-
tes processos de manutenção de fronteiras envolvidos em diferentes pazes de desempenhar os papéis esperados. Na maioria dos sisce-
11
i' relações entre castas e em diferentes variações regi onais do sistema mas estratificados , a solução para manter a integridade do sistema
!l
li,f de caStas escla receria muitas de suas características. quando isso ocorre é deixar de considerar essas pessoas como A.
li,-
A discussão precedente traz à tona uma carac terística gera l um Mas no caso da identidade étnica oco rre o contrário: a solução é
'I
!i tanro anômala da identidade étnica como status: a atribuição l i não passa r a reconhecer que todos os As não podem mais ou não mais
ii assumirão, por exemplo, os papéis 1 e 2, por exemplo. A persistên-
II cia de sistemas poliétnicos estratificados ir.1piica, pon:am~o, ô. p re-
• Ki"UTSSOi':, Krt rl Eric "Dichotomiz'H ion and integr.1(ion". Em: E BAIt:rH (cd.)

I
!!
sença de fato res que gerem e mantenham uma dist ribuição de recur-
Etbl!jl grol~ps a/ld bolllidarics. Op. cit.

IIEm oposiç ão à dassific:::.ção presun,ida cm encont.os socia is rorcuicos -


sos diferenciada, de acordo com as categorias étn icas: controles
penso em uma pessoa em seu contexto social normal, no gual os outros possuem estatais. como no caso de alguns sistemas modernos, plurais e ra -
guantidad e considerável de informações prévias sobre ela, e n~o nas cistas; diferenças bem demarcadas nos padrões de avaliação. que
possibilidades propiciadas ocas ionalmente para mascarar a própria identidade
canalizem os esforços dos atores em direções distintas, como nos
diante de estran hos.

li
I 52 53
FR.1ioru ;.: BNUH Os (,i R0pm (;T1"IC:OS <: SUAS ~RO:\l'n,IR,,\S

sistem as que incluem o cupações consideradas po luid o ras; ou d is- real, ou o conceituaI ao empírico, con centrando -se en tão nas COn -
ti n çõ es cu lt urais q ue gerem di ferenças marcantes na o rgan ização s ist ên cias (a " est ru tura ") d a parte ideal o u conceituaI d os da -
políti ca ou econômica o u nas habilidades individ uais . d os e empregan d o alguma n o~~o vaga referen t e a n orm as e a desv i-
os indi viduais para da r conta dos padrões reais, estatis t icamen[e
A questão da variaíão o bservados. É claro q ue é per fei tamente viável d isting uir o modelo
Ap esar d esses processos, um ró tulo ét ni co su bs um e vá rias caracte - q ue u m povo tem de seu sist em a social d o padr ão agregado de se u
rís t icas s imultâneas que sem dúv ida nenhuma se ap resentam agru- com po rt amento p ragmá tico, e de fato é bas tan te impo rtante não
pa das em te rmos estatístic os. sem se t ornarem inr:erde pe ndentes E confun di r as d uas co isas . i\tlas os problemas m ais fért eis na an[ro-
co nectadas de fo rm a absolut a. Ass im, hav erá var iações entre m em- l)o looia soci al di z em respeito jus tamen te ao modo com o es sas duas
r "
b ros. alguns mos trando m u itas das caracte rísticas próprias ao gru - coisas se interco nectam; a d icoto m ização e o confro nto dos dOls
po e o utr OS, poucas. Especialm en te nos casos em que há m ud anças aspectos como s istemas to tais não é necessa riamente a m elhor ma-
n as identi dades das pessoas, iss o cria ambigüid ades , pois ness es neira d e el ucidá- los. N os traba lhos de Os g 1·UpOS étnicos e suasfron te i-
casos o pe rr enc imen to étn ico é ta n to um a questão de o r igem qua n- ras, te ntamos cons t ruir a an áli se enfoc ando um nível m ais básico de
to de identidade atua!. H aalan d, po r exemplo, fo i levad o a certos interconexão en tre stat us e comporramento. Ac red ito q ue é para o
lugares p ara conhecer ;,os Fur qu e mo ram em acampame ntos nô ma- ag ir q ue as pess oas tê m catego ri as, e q ue é a interação. e não a
des" , e eu próprio ouvi membros de seções tribais bal uchi explica- co ntemplação, qu e as afeta sign ificativame nte. Ao ind icar a cone-
rem 9ue eles na verd ad e eram pathans. Nesses casos em que as xão entre os ró t ulos étnicos e a m anu tenção da dive rs idade cultu-
d istinções efe ti vas são tão di fusas, o q ue resta dos p roc es sos de ra l, esto u preo cupado bas icam ente em m ostrar co mo , depende ndo
manu tenção de fro n te ira e d as dicoto mias cate góricas? E m vez de das circunstâncias, certas cons telaçõ es d e cate go ri as e de orien ta-
desesperar-se an te o fracasso do esqu emat ismo t ipológico, é legíti - ções va lorativas acabam por realiza r a si própri as, ou tras tende m a
mo reg is tra r qu e as pes soas d e fa to us am rot ulações étni cas e q ue s er fals ificadas p ela ex periência, e outras ainda são imposs íveis d e
de fato há. em muitas partes do m un d o, d ifere nças bas tante marca n tes serem realizadas nas in t eraç õ es. As fro nteiras étni cas só podem e m '~r­
de aco rdo com as qua is determi nadas forma s d e comportamento se g ir e pe rsist ir na primeira si t uação. ten dendo a se dissolver ou es tar
agrupam ; assim,grupos in tei ros te nde m a se encaixar em tais cate - ause ntes nas outras. Havendo essef udback entr e as experiências dos
gorias em t er mos de seu co mportam ento o bj etivo. O q ue é su rpre - indivíduos e as categorias q ue eles em p regam , torn a-se p oss ível
endente não é a eX Lstência d e alguns ata res q ue se posicionam en- m an ter dicotomias étni cas s im ples e refo rçar os d ife renciais es tere-
tre essas ca tegori as e d e al gu m as regiões do mu nd o nas q uais as o t ipados de compo rt amen to, apesa r da considerável va riação obje -
pe ssoas não tend ern a se d istinguir d essa m an eira, n1 ;~.S o fato de tiva. Isso oc o rre por<.lue os atares lu tam po r m anter defin ições de:
que as v~.r i ações tendem efetlvamente a se agrupa r. Não se tr?ta. de sit uação convenc iona is .nos enco n t ros soc iai s, através da percepção
nos preocu parmos com o ape rfe içoamento d e U111a tipologia, mas s elet iva, do ta t O e de sanções, além da d ific ul dade de encont rarem
d e ten tarm os descob ri r qu ais são os p rocessos q ue produze m t al o ut ras codifi caçõ es m ais adequad as para a ex per iência. A revisão só
ag ru pame n to. oco rr e nos casos em gue as categoriz ações se mostram grosse ira -
Ouera abordagem que tem sido ado tada na antropologia é a m ente inadequa das - e não apenas porqu e são não -verdadeiras
dic otomização do ma terial et nográfi co em que se o põe o ideal ao em algum sentid o objeti vo, mas po rgu e agir em te rmos dess as

54 55
Flt E!)!!.I;': B"'RTH OSGIU':?OS !:1"srcos E SliAS \'fl.ON'niIRAS

categOrIas não traz nenhuma recomp en sa no domínio em que o cavalo, os colet o res d e dejetos hu ma nos, os ciganos etc., exem-
atar torna essa categor iz ação relevante. Assim, a dicotomia entre lificam a m aio ri a das características: corno não respeitavam tabus
fur s aldeões e baggaras nômades é mantida apesar d a p rese nça evi- ~ásicos, eram rejeitados pela sociedade ab range nre. Sua iden <idade
dente de u m aca mpamento d e nômades fur nas vizin hanças: o fato im punha uma de finição da situação que resultava em mu ito pouco
d e que aq ueles nômades fa lam fur e têm conexões de parentesco espaço para a in reração com pes soas da população majo ritá ria e ao
com aldeões fur de algum lugar nã o mud a a s ituação so ci al em que mesmo temp o, co m o Status imperativo, representava um a inctlpaci-
os aldeões interagem com eles; simplesmente facilita as transações dade permanen t e q ue os impedia d e assu mir os status n orm ais en-
comuns que no rmalmente se dariam com os Baggara, como a com- vol vidos em o ut ras de finições da s ituação de interação. Apesar d es -
p ra d e leite, a alocação de áreas para acam pament o o u a obtenção de sas eno rmes barreiras. esses grupos não parecem ter desenvolv ido a
esterco. Já a d icotomia ent re donos de terra pathan e trabalhadores complex idad e inte r na q ue nos leva ria a conside rá- los como grupos
não -pa (ha n não pode ser man ti da em u ma situação na qual es tes étni cos no sentido pleno. exceto os ciganos!4, u m g rupo cultural-
obtêm a pro priedade d a t er ra e d eixam constrang idos os Pa than ao mente estrangelro.
se recusarem a trad- Ios com o respeito q ue a posição atribu ída de As front eiras deli mitando um g rupo pária são man tidas forte -
servos imporia. me nte pela p op u lação r eceptora que os exclui. Os párias freqüen -
temente são fo rçad os a fazer uso de sinais d iac ríti cos fac il mente
M inorias, párias e as características organizacionais da periferia perce pdve is par a anunc iar sua ident idade (mas muitas vezes eSsa
Em alg uns sis temas soc iais, os gr upos étn icos re s idem lado 2 lado, identi d ade fo r nece a base para um determi nado modo de vida, ain -
ainda q ue nenhum aspecto fundam en tal da es tru tura baseie-se nas da que altam ente insegur o, e po r isso essa sobre-comunicação da
relações Ínterétn icas. Esses casos são n or mal mente referi dos como identidade p ode em algu ns casos servir aos interesses individua is
sociedades com minorias, e a análise d a s ituação das mino ri as en - d e um pária em sua competição com outros párias). Nos casos em
vo lve uma varian te espec ial das relações interétnicas. Penso que, na q ue os párias ten tam ing ressar na soc ied ade mais abran gente, nor-
maio r ia dos casos, essas sit uaç ões su rgi ram como res ultado d e even- m alme nte já têm bom co nh ecime nto d a cu ltu ra da popu lação
t os his tóricos ex ternos. Nes t es, as dife renças cuhurais não su rgi- recepto ra; com isso, O problema red uz-se à questão de como evitar
ram a partl r do contexto o rgan izacio nal local; ao co nt rá r io, um os estigm as de incapacidade, separando -se d a com u nidade pária e
con t ras te cultural preesta belecido passa a se conjugar com um sis- simulando outra or igem.
t em a social tam bém p reestabelecido , t ornando-se relevante d e d i- Muitas situ ações d e minoria têm u m traç o dessa rej eição ariva
ve rsas maneiras para a vida local. po r parte da p opulação receptora. Mas a carac terística geral de to -
Uma forma extrema da posição de minoria, e g ue ilust ra aigu - das as situ ações m ino ritárias está na organização das atividades e
mas mas não to das as suas ca racterísticas, é a situação dos grupos da io [eração: no sistema soc i?.l tot2.l, todos os se to r es de ãt ividade
pár ias. Esses grupos são acivamente rejeitados pela população que
os recebe por causa de com po rt am entos ou características que são
claramente con de nados, ainda que na prá tica se mostrem úteis de I ~ O compo rtamento condenado Cjue con fere uma posição de pária aos ciganos

alg uma maneira específica. Nos últimos séculos, os grupos d e párias é composto, mas base ia-s e sobretudo na sua vida errante, ori gina lmente em
contraste com os laços de servidão na Europa, e depois em sua Hagranre vio!ação
na Euro pa, como os ca rrascos, os n egocian tes d e carne e cou ro de da ética puri una da respo nsabilidade, do trabalho árduo e d a moralidade.

I
~
;6 57
FREDRI" S,'J;.TH OS GRUf>QS f:"r ;o..:LCOS to: SUAS l'ltONT i::IR.\S

estão organizados de ac ordo com s tatU $ abertos para os me mb ros mais ampla , e a vida so cial dos no ru egueses do norte passou a or-
do grupo m ajo ritário . enquanto o sistema de statu s d a mi noria é ganizar-se crescentemente no sentido da realização d e atividades e
I relevante somente para as relações entre os mem bros da pop ulação da obtençã o de benefícios na esfera d o sistema m ais amplo. Es se

r minoritária e apenas em alg uns secares de at ividade, sem oferecer sistema. por sua vez, até muito recentemente não levava em con ta
em sua estrutura a iden tidade étnica, e até uma d écada atrás não
l~, uma base p ara ação nos demais secares, também valorizados na cul-
t tura minoritária. H á, pan.aoro , uma d isparidad e entre va lores e fa- havi a praticamente nenhum lugar no sistema em que se pudesse

~ cilidades organizacionais: os obj etivos mais valo rizados estão fo ra par tici par como lapão. Po r Qutro lado, os lapões comO cidadãos no·
I: do campo organizado pela cultura e pelas categorias da m ino ria . ruegueses são perfeitamente livres em sua part icipação, ainda qu e

~.. Apesa r de esses sistemas conterem vários grupos étnic os, a interação sofren do de uma dupla defi ciência em função de sua Jocali z as ão na

J entre os m em bros de diferentes grupos não provém da complemen- periferia e do seu domínio inadequado da líng ua e cultura norue -
í taridade da s ide ntidades étnicas; ela oc orre den tro d a mo ldura das guesas . N as regi ões inter ioranas de F in rnark, ess a si tuaç ão abriu
instituições e status do grupo d o min ante e majoritário, na gual a espaço para la pões inovadores. com um programa político baseado
fI identidade como m embro da minoria não dá nen huma base para o no ideal do pl uralismo étnico (ve r Eidhe im 19 67) , mas eles não
Ii
1)
agi r. aind a que possa em algu m g rau implicar uma incapac ida d e conseg uiram segu idores na região d os lapões do litoral (ve r Eidhe im
E
'l para ass umir s tatus op erativos. O trabalho de E idheim oferece uma 19 6 9) . Para ess es lapões , a rel evância d e seus sratu S e convenções
'J'
~ an áli se muito clara dessa sit uação. tal como encon t rada en tre os to rna-se bastante reduzida em um número cada vez maior d e setorcs
i lapães do li to raL de suas vidas (ver E idheim 19 66), eng uan t o sua performar.c e rela -
[ Em outro sentido. co nt udo, pode-se d izer que em um s is t ema tivamente inadeq uad a na sis tema m ais abrange nte ocasio na fru s-
f.
,,
"

ti
p olié tnic o d esse ti po as carac terísticas culturais contrastantes dos
grupos componen tes estão localizadas nos setares da vida em que
a articulação não ocorre. Para a minori a, esses setores co nst ituem
tra ções e crises d e identidade.

Can tata e mudança culturais


"bastidores" em qu e as características que são estigmatizantes em Trata-se de um processo qu e n as at uais condi ções t orno u-se muito
li
l termos da cu ltu ra dominante podem implicitamen te trans fo rm ar- generalizado , confo rm e a dependência dos produtos e instituições
$ se em objetos de trans ação. da sociedade industrial se espalha por todas as partes do mu nd o,
~.

I A ar uaI si tuação de minoria d os lapões surgiu em função d e


circun s tânci a ex tern as re centes. An ter iormente, o co ntext O de
O m ais im portante é reconhecer que uma drástica redução das dife-
renças culturais entre os grupos étni cos não se correlaciona d e
!; in te ração mais im portan te era a s it uação local em que dois gr upos maneira simples com uma redução na relevância das identidades
~
~~
• • . • I
. étnic os, cc m suficiente cO i1 hccrm cnto mútuo d;:ts respectivas cul- etnlcas em ter m oS orgamzaclOna1s ou com uma ru ptun. aos pro -
turas. man t inh" :i1 uma relação relarivamente limitad .. e parcialmen - cessos de manutenção de fronteiras. Isto fica demonstrad c em boa
te sim bió tica. baseada em suas respectiv as ide ntida des. Com a cres - p arte dos estudos de caso.
cente in tegração à sociedade norueguesa, que [fouxe a perifer ia norte A melhor m aneira de ana lisar essa interconexão é o exame dos
para dentro do sistema na cional, a velocidade da mudança cul t ural agentes d e mudança: qu ais estratégias se abrem e são Ínre ressa ntes
au mento u drastica men te. A população do no rte da N oruega torno u- para eles. e q uais são as implicações organizac ion ais das di ferentes
j se cada vez mais dependente d o sistema ins titucional da sociedade escolhas qu e eles venha m a realizar? Os agentes, n eSSe cas o. são os
I

l 58 59
FR.f:ORI" J;,\RTI-I OS G RU POS f,TS1 COS [SU.\~ FRm __"l' l:: fR,\S

indivíduos g ue cos tum am ser chamado s, um ta nt o et nocen - t icas do regime ecológico e detalhes relativos às c ultu ras que cons -
tri came nte, de novas elites : aquelas pessoas qu e, nos gru pos me n os tituem tal sis tema. Muitos exemplos desses fato r es pode m ser en-
industr ializad os, têm maio r can tata com os bens e as organizações contrados n os trabal hos de Os gmpos Ílnicos t suas jronttims. Todavia
das so ciedades ind us tri ali zadas. bem como m aior dependência dos pode ser interessante registrar aqu i algum as das fo rmas pelas qu ais
f} mesmos. Em sua busca por participação nos sistemas sociais mai s a iden t idade étni ca ass um e r elevânc ia organi zaci onal em relação aos
amplos. visando obter novas formas de valor. eles podem escolher novOS setor es surgidos na at uai situação.
f entre as segui ntes estratégias bás icas: (i) tentar passar para a socie- Em pri m eiro lugar, 0 $ in ovadores podem optar por enfatiza r
~ dade e o grupo cultural ind ustr ial previame nte es tabelecido, incor- um dado nível de ident idade den t re os vários presentes na organi-
i porando -se a ele; ( ii) aceitar um statuS de "mino ria " ao mesmo zação soc ial tradi cionaL Tan to t ribo co mo casta, g ru po língi.iístico,
~ tempo que ten tam se acomodar às defic iências relacionadas com o reg ião o u Es tado , t êm caracte rís ticas que os torna m um a ident ida-
~ seu ca ráter d e minoria e red u zi-las e nca p s u lan d o codo s o s de étnica primária potencial mente adeg uada para sen' Lr como refe-
r diferenciadores cul turais nos se tores em qu e nã o há artic ulação e t ência do gru p o ; qual delas será ador ada efetivamente depende da
ft part ic ipando do sistema mais amp lo nos outros seCares de at ivida- presteza com q ue se possa fazer ou tras pessoas assumirem essas
~e de; ( iii) optar pela ênfase de su a identidade étnica. usando-a pata ident idades. bem como dos fat os tá cicos fri amente avaliad os. As-
l~ desenvolver n ovas pos ições e padr ões a fim de o rg anizar acivida des sim, m esm o q u e: o tri bal is mo pareça ser capaz de obter o mais alto
~
~ naqueles setores prev iam ente não encontrados em sua sociedade, nível de adesão em muitas regiões da África. os gru pos res ultan tes
)~
jl
o u que não eram suficientemente d esenvolvidos no que diz respei- desse proce sso parecem se r incapazes de r es ist ir ao ap arato
t
l~
tO aos n ovos objetivos surgidos _ C as o os in ovadores cultu r ai s te- sancionador de uma organi zação esta taL ainda que esta seja 111UI(0

1
"
nham sucesso na prime ira estratégia, seu g rupo étnico perderá sua rud imentar.
font e de diversificação intern a e provavelmen t e permanecerá como Em segund o lugar, variam tantO o mo do de o rga nização do
u m gr upo étni co co ns ervador e pouc o arti culado à soci edad e grupo étnico como a articulação interétnica que é buscada em cada
abrangente. situado em uma pos ição baixa na hierarq uia d a m esm a. caso. O fato de q ue as fo rm as contem porâneas sejam predominan-
Uma aceitação geral da seg un da estra tégia fa rá com g ue se evi te o t emente políticas não re d uz em nada seu caráte r étnic o. Esses mo -
surgimento de um a organ ização poliétnica claramente dicotom izante vimen tos p olíticos co nst ituem novas maneiras de torna r o rgani za-
e, dada a diversidade da sociedade industrial e a consegü ent e varia- cio nalmente relevantes as d iferenças culturais ( Kleiv an, 19 67). e
ção e m ultiplicidade de campos de arti culaç ão. provavel m en te ocor- t ambém de artic u lar os g rupos étnico s dic o t omi zados. A prolifera-
rerá co m o tempo uma assim ilaç:ío da mino ria. A terceira es tra tég ia ção de g ru pos de pressão, partidos políticos . ideais de Estados
gera !'r.u itcs dos interessan tes mov im ent os qu e podem ser o bserva- independentes, bem com o u m g ra n de número d e asso ciaç ões
do s hoje , desde movimen tos n at ivistas até os novos Esrad os. sub políticas (S om m erfdt 19 67), to dos com ba se étnica, demons-
Não sou capaz aq ui de ap resentar as variáve is que afet am a t ram J impo rtân cia dessas novas formas . Em outras regiões, movi-
o pção por uma ou outra das es tratégias básicas, a for m a concret a mentoS religiosos ou seitas introduzidas pelas m issões religiosas
que ess a estratégia tom ará em cada caso, o g ra u de sucesso alca nça- são usados para dicotom izar e ;H ticul ar grupos de no vas ma.neiras .
do e quais suas implicações cumulativas. Tais fat ores abrangem desde Um aspec t o m arcante é gue esses nOVos padrõ es só mu ito rara -
o nú me ro de grupos étni cos incluídos no sistema até as caracterís- me nte tr azem uma preo cu pação com a es fer a económica - fa ta r

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FREDR.JK K\RTH OS GRUPOS (,P,ICOS E SUAS I'RONl'EJR.\S

tão fundamental nas situações de conta to cu ltu ral- com exceção ti dad e e a afirmação do valo r d esses sinai s diacríticos, bem como a
d e alaumas fo rm as de socialismo estatal ado tadas po r novas o a- supressão o u a negação da rel evância d e outros t raços diferen-
e
ções. Isso con trasta com os sistemas polié tnicos complexos tradi- ciado res. A ques tã o de qu ais são as novas form as culturais compa-
cionais, g ue se baseiam pre dom inanteme nte na an:ic ulação com essa tíveis com a identidade étn ic a na tiva sempre oc asi ona um d ebate
esfera de aci vidade. através d a diferenciação ocupacional e articula- acalorado, mas normalmente é resolvida a favor do si nc ret ismo, pelas
ção no mercado , com o ocorre em muitas regiõ es da Ásia e da Amé- razõ es observa das acima. É poss ível, contudo, qu e se dê grande
ri ca Central. o u d e forma mais elab orada através da pro du ção agrí- atenção ao reavivamento d e tr aços culturais tradicion ais seleci o na-
cola, co mo no sul da Ásia. Atualm ente, os grupos étnicos em opo - dos e ao es ta beleci men to de t radições históricas que justifiquem e
si ção tendem a se di ferenciar quant o ao nível educacional e te ntam glorifiq uem os idiomas e identidades adotad os.
con trol ar ou mon o poliza r as estruturas educacionais com es sa fi- A interconexão en tre os sinais dia críticos escolhidos para se-
na lidade (Sommer fdt 1967). mas isso ocorre não tanto na pers- re m en fatizados, as fr o ntei ras definidas e os valores diferenc iado res
pectiva da diferen ciação ocu pacional, mas so bretu do po r ca usa da ad otados constituem um fas ci nan te campo de est ud os [5 . Ev idente-
6 bvia conexão entre competência b urocráti ca e o po rcunid ades de mente, há dive rsos fato res relevantes nesse sentido. Os idiomas
sucesso na política. Poderíamos especular que uma articulação qu e va riam quanto ao seu grau d e adequação aos d iferentes tipos de
implica uma complexa diferenciação d e ha bilid ad es. sancionada pela un idades. Eles não são igualmente adequados p ara os objetivos
constante dependênc ia com rela ção a um modo de ganhar a vida, d os inovado res. seja com o m eios d e mob ilizar ap oio, seja como
será m uit o mais fo rte e estável d o gue: u ma ar ticulaç ão baseada em base para as estratégias d e con frontação com Outros gru pos. 5'0
afIliaçõ es políticas revogáveis, sancionad a p elo ex ercíci o d a fo rç a e importantes também suas implicaçõ es em ter mos d os pad rões de:
do decr eto polít ico. d e modo qu e essas novas fo rmas de s is temas es tr atificação dent ro de e en t re os grup os. Eles implicam d ife rentes
polié tni cos tal vez sejam ineren tem ente mais tu rb ule ntas e ins t áv eis fon tes e formas de dis tri buição de influência dentro do gru po e
do 9ue as fo rmas mais an t igas. diferentes re ivi n dic ações de reconhec imen to por parte de outros
Qu an do os grupos políticos arti cu lam sua o posição em ter- grupos. por meio da sup ressão ou valorização d e diferentes formas
m Os de cri t érios étnicos, a dire ção d a m udança cultural ta mbém é de estigmatização social. Evidentemente, nã o existe ne n huma co -
afetada. U m confromo polí tico só pode vir a ser implememado se nexão simples en tre a base ideológica de um m ovimento e os idio -
os grupos se si tuarem como semel ha ntes e portan to com paráv eis, e mas escolh idos pelo mesmo; ambos os aspectos, no entanto, t êm
isso terá efei tos sob re t odos os novos setores de ar ividade que se implicações para a su bseqü ente manutenção das fr on te iras e p ara a
tornare m politicamente relevantes. Assim . pa[[idos que se opõ em d ireção das futuras mudanças .
tendem a se to rnar esrruturalmen te s emelhantes, di fer enciando-se
apenas através de po ucos sinais diacrí ticos. Nos casos em que os Variações no cenário das relafões étnicas
grupos ét nicos se o rgani zam em um co nfronto po lít ico, o p roces- Essas varian tes modernas da o rganização políétnica emerge m em
~. so de o pos ição deverá leva r a u ma redu ~ã o d as di feren ~as culru ra is um mun d o marcado pela admi nis tração burocrática, por sistem as
ent re eles.
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Por isso , boa pane da ativi da de d os inovadores po líticos es tá
H Ao qu e me consta. o ensai o de Mitchell (1956) sobre a dança bIela é o
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voltada para a codi fica ção dos idiomas: a s eleção d os sinais d e iden-
primeiro e ainda o mais insci gance estudo sobre o ass unto.
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FR EDRI J.: B.\RTH O S 0RIJI'CS t-rt-: !COS E SLiAS I'RONTEIIl,\S

de comunicação bem desenvolv idos e pela crescente urbani zação, plementares, e as diferenças culturais tendem a ser reduzidas com o
Evidentemente. sob condições rad icalmente d iferentes, os fatores tempo, aproximando -se de um mínimo necessário.
funda mentais para a defin ição e manutenção das front eiras étnicas Contudo, na maioria dos regimes políticos em que há baixo
seriam diferentes. Ao nos basearmos em dados lim itados e con tem- grau de segurança e as pessoas vivem sob ameaça de arbitrariedade e
porân eos, nós temos dificuldade para produzir generalizações a de violência se estiverem fora de sua comunidade primária, a própria
respei to de processos étnicos, já q u e é possível que estejamos ig- insegurança age como uma restrição aos contatos interétnicos. Nessa
norando variáveis fundamentais simplesmente porque ela s não es- situação, muitas formas de interação entre membros de diferentes
t ão presen tes nos casos dispon íveis para exame. Não há dúvida que grupos étnicos podem não se desenvolver, inclusive quando há urna
os antropólogos sociais em geral realizaram seus estudos na si tua- potencial complementaridade de interesses. Pode haver bloqueio de
ção um tanto quanto especial da paz colonial e da administração formas de interação em razão da falta de confiança ou da falta de
externa. que é o pano de fundo da maioria das monografias mais oportunidades para realizar transações. Além disso, há também san-
influences, como se isso representasse as condições existentes na ções im:ernas em tais comunidades que tendem a aumentar a confor-
maioria dos lugares e épocas. Isso pode ter criado um bias na inter- midade explícita dentro delas e as diferenças culturais en tre elas, Se
pretação tanto dos sistemas pré-coloniais como das formas emer- uma pessoa depende, para sua segurança, do apoio voluntário e es-
gentes contemporâneas, Os trabalhos apresentados em Os grupos pon tâneo de sua própria comunidade, a identificação de si próprio
étnicos e suasjronuiras tentam co'brir casos regionalmente muito dife- como membro dessa comun idade precisa ser explicitamente expressa
rentes, mas isso por si só não é uma defesa adequada contra o e confirmada, e qualquer comportamento desviante em relação ;;:0
mencion ado bras, e essa questão merece ser enfrentada diretamente. padrão pode vi r a Ser interpretado como um enfraquecimento da iden-
Os regim es coloniais são um caso bastante extremo quanto ao tidade e, portanto, das bases para a segurança, Em tais situações,
grau em que a administração e suas regras se apresentam divorcia- diferenças hi stóricas fortuitas en tre diferentes comunidades tende-
das da vida social local. Sob tal regime, os ind ivíduos têm certos rão a se perpetuar sem qualquer base organizacional positiva; assim,
di reitos à protcção distribuídos de maneira uniforme através de muitas das diferenças culturais observáveis talvez sejam de relevância
grandes regiões e ag regados populacionais, estendendo-se, portan- muito limitada para a organização étnica.
to, bem para além do alcance das próprias relações sociais e insti- Os processos pelos quais as unidades étnicas se mantêm são
tuições desses indivíduos. Isso não só permite a proximidade física claramente afetados, ainda que não fundamentalmente transforma-
e oportunidades de contara entre pessoas d e diferentes gru pos ét - dos, pela variável 'segurança regional'. Isso também pode se r de-
nicos, independentemente da ausência de entendimento comparti- monstrado pelo exame dos casos apresentados em Os grupos ltl1icos e
lhado entre das , corno t ambém remü\'e com clareza. uma das res[[ i- suas jíol1teh·as. que trazem uma gama considerável de situações, des-
ções gue normalmente operam nas relações !nterétnic?s. Nessa si - de a colonial até a policêntrica. chegando a situações relativamente
tuação, as in tertlções podem se d esenvolver e proliferar; na verdade, anárguica.s. É importan[e, contudo, reconhecer gue essa variável de
apenas as formas de inttração que forem inibidas por outros fatores fundo pode mudar muito rapidamente, o que cria uma dificuldade
não estarão presentes e formarão setores de não-arti cul ação. Assim. muito grande para as projeções de p rocessos a longo prazo. Assim,
nessas situações as fronteiras étnicas representam uma organi zação no caso fur, vemos uma situação de paz mantida por fatores exter-
positiva das relações sociais em torno de valores diferenciados e com- nos e atividade política local em escala extremamente pequena, e

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podemos fo rm ar um quadro dos processos interétnicos e mesmo de N o en tan to a maior parte da matéria cult ura. l que a qu alq uer
suas p roporções nesse cená rio. Mas sabemos g ue ao longo das últi- momen to do tempo está associada a uma população humana não
mas g era~ões, a si tuação variou de um confronto baggara-fur sob um (eID seu movimento impedido por essa fro n teira; ela pode variar.
sultanato fu r expans ivo, até uma anarguia guase total no tempo dos ser aprend ida e m udar, sem que iss o tenha qualquer implicação
turcos e dos Mahdi, ou seja, é muito djfícil estimar os efeitos dessas para ri manu[enção da fronteira do gr upo étnico. Assim , qUrindo
va riações sobre os processos de nomadização e assimilação e chegar a algu ém reconstitui a história de um gru po étnico através do tem po,
alguma projeção de longo prazo sobre taxas e mudanças. não está ao mesmo tem po e no mesmo sentido descrevendo a histó-
ria de "uma cultura" : os elementos da cultu ra atuaI do grupo étnico
Grupos étnicos e evolução cultural em questão n ão surgiram do conjunto específi co que consti tuía ri
A perspectiva das análises apresentadas em Os grupos étnicos l s-uas cultura do grupo em um momento anterior, ainda 9ue este gr upo
fro nteiras te m relevân cia para o t ema da evolução cultural. A história te nha exis tên cia contínua do ponto de vis ta organiza cional. com
humana sem dúv ida é o relato do desenvolvi m ento de fo rmas emer- fronteiras (critér ios de pertenc imento) que, apesa r de modifica-
gentes, ran to de cult uras como de sociedades. A questão para a rem-se, demarcam efe tivamente uma unidade que ap resenta conti-
an uopo logia t em sido encontrar a melhor manei ra de re tra tar essa nuidade no t empo.
his t ór ia. e d e guais são os t ipos de análi se adeguados para desco - A impossibilidade de especificar as fronteiras das culturas im-
brir princípios gerais nas m udanças. A análise evolut iva no sentido pede a constr ução, refer ida a elas, de linhas filogenéticas no senti -
rigoroso g ue o termo assume no campo da biologia tem um méto - do mais rigoroso, evolutivo, d o termo. A part ir da análise apresen -
do baseado na construção de linhas fil ogenéticas. Esse método pres - tada, porém. deve ser possível fazê -lo para os grupos étnicos e,
sup õe a presença de uni dades em 9 ue as fro nteiras e os proc essos ness e sentido , para os aspectos da cultura gue têm aí sua ancora-
de sua manu tenção podem se r descr itos, tornando possível especí - gem organizaciona l.
fic ar a continuidade. C oncre tamen te, as linhas fi logenéticas são sig-
nificativas porque fronte iras específicas impedem a troca de mate-
ri al genét ico; com isso, pode-se insistir que o isolado reprodutivo é
a unid <l:de, e g ue ele m anteve sua identidade sem ser perturba do
pelas mudanças nas carac teríst icas mo rfo lógicas da espécie.
Argum entei que entre as unidades étnicas as fr onteiras tam -
bém são man tidas, e que con següentem en t e é possível especific ar a
natu reza da continuidade e da persistência destas unidades. Os tra-
balhos ci tados tentam mos trar gue as fro nte iras étnicas são mantidas
em cada caso por um conjun to lLm itado de características cultura is.
A persistência da uni dade d epende, portan to , da persi stênc ia des -
sas diferenç as cu ltu rais, eng uanto a continui dade tam bém pode ser
especificada através das muda nças na unidade ocasionadas por trans-
fo rm ações nas dife ren ças culturais defi nidoras de fronteiras.

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