Trata-se de recurso extraordinário interposto contra
acórdão do Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do recurso ordinário em habeas corpus, negou-lhe provimento em acórdão assim ementado (fl. 175):
“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS
CORPUS. PRISÃO CIVIL. DÉBITO ALIMENTAR. SÚMULA 309. TRÊS ÚLTIMAS PARCELAS ANTERIORES À CITAÇÃO. RECURSO IMPROVIDO . - O procedimento do Habeas Corpus não permite apuração quanto a alegada impossibilidade financeira para o pagamento da dívida alimentar. - É legal a prisão civil do alimentante inadimplente em ação de execução contra si proposta, quando se visa o recebimento das últimas três parcelas devidas a título de pensão alimentícia anteriores à citação, mais as que vencerem no curso do processo. - Precedentes”.
O acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, no julgamento do writ, ficou assim ementado (fl. 120):
“PRISÃO CIVIL. EXECUÇÃO DE DÍVIDA
ALIMENTAR. HABEAS CORPUS. DESCARACTERIZAÇÃO DA NATUREZA ALIMENTAR DAS PARCELAS VENCIDAS. Não se ressente de ilegalidade decisão que decreta prisão do devedor de alimentos que não paga e nem justifica o inadimplemento. A descaracterização da natureza alimentar das parcelas vencidas deve ser analisada caso a caso, para que o devedor não se valha da demora processual para impor maiores sofrimentos a credora. No caso dos autos, aceitável o número de parcelas que se venceram durante o processo. Ordem denegada.” 2. Narra, o recorrente, que vem sendo compelido a pagar 52 (cinqüenta e dois) meses de pensão alimentícia no valor mensal de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), totalizando a quantia aproximada de R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais), nos autos da execução provisória. Informa que não teve oportunidade de justificar a impossibilidade do pagamento dos valores em atraso, violando-se os princípios da ampla defesa e do contraditório.
Observa que perdeu o emprego público, passou a
apresentar doenças decorrentes de idade avançada, bem como apresentou propostas de pagamento dos atrasados que foram recusadas.
Aduz que o STJ, ao não se pronunciar acerca da
ausência da audiência de justificativa, afrontou a Constituição Federal, provocando constrangimento ilegal ao recorrente. Houve oferecimento de proposta de pagamento do débito com a transferência de veículo automotor, bem como de doação de imóvel. A recorrida tem intenção de se vingar ou de enriquecer-se ilicitamente, não sendo possível a continuidade da exigência do pagamento de valores correspondentes a 50 (cinqüenta) meses de pensão alimentícia.
Requer o provimento do recurso para o fim de ser
cassado o acórdão recorrido, declarando-se a ilegalidade da prisão civil decretada.
3. Decisão que inadmitiu o recurso extraordinário (fls.
484/485).
4. Em razão de determinação feita nos autos do agravo
de instrumento interposto contra a decisão que não admitiu o extraordinário, os autos subiram a esta Corte (fl. 489).
5. Manifestação da Procuradoria-Geral da República no
sentido do não conhecimento do recurso extraordinário (fls. 492/494). 6. O recurso extraordinário interposto pelo devedor de alimentos, atingido pelo decreto de prisão civil, não merece seguimento.
Relativamente aos pressupostos de admissibilidade
do extraordinário, observo que o acórdão recorrido não examinou o caso à luz das normas constitucionais, e sim sob o enfoque da legislação infraconstitucional. A questão constitucional não havia sido suscitada por ocasião do recurso ordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça que denegou o habeas corpus.
Aproveito para transcrever trecho do voto do relator
do HC n° 363.109-4/0-00, do Tribunal de Justiça de São Paulo (fls. 121/124):
“A decisão atacada não é ‘descabida,
abusiva e autoritária’, tampouco teratológica e arbitrária; ao contrário, está bem fundamentada, de modo que o ato judicial de que resultou o mandado de prisão não afronta literalmente o ordenamento jurídico, que reconhece tal sanção para o devedor que não cumpre prestação alimentar. É verdade e não se ignora certa tendência jurisprudencial de amenizar o rigor legal, no sentido de distinguir, na execução de alimentos, as parcelas vencidas, entre antigas e recentes, daquelas afastando-se a natureza alimentar que nessas é reconhecida, variando-se a extensão delas, das três às dez últimas prestações; àquelas se concebe feição indenizatória, a ser perseguida nos moldes do art. 732, do CPC; as recentes, a execução fundada no art. 733. Trata-se de respeitável exegese, firmada, expressa ou implicitamente, na visão tripartida de direito, como fato, norma e valor, pela qual a lei não deve ser entendida sempre da mesma forma, quando diversos forem os fatos por ela regidos e, em conseqüência, variados os enunciados éticos e morais. Com tal percepção teórica é possível divisar diferenças entre as prestações vencidas, distinguindo as mais antigas das recentes, ao argumento daquelas não mais se prestarem para suprir as necessidades que compõem a pensão alimentar e nem a prisão poder servir de instrumento de vingança de familiares desavindos. Entretanto, não é fácil fixar quais são as prestações recentes, nem é pacífico o entendimento que as limita às três últimas, isto porque não se deve ignorar a especificidade de cada situação judiciária, designadamente, a do Estado de São Paulo, tal o assoberbamento de seus servidores para atenderem número cada vez mais crescente da demanda da população, em contraposição à constante falta de recursos para investimentos nas leis orçamentárias. Tal estado de coisas leva a que a publicação de um simples despacho demore meses e a solução de processos, anos, o que constitui severo ônus para os autores e titulares de direitos lesados. No caso dos autos não se têm elementos para avaliar a demora ou não da execução, já que não se sabe quando foi ajuizada a ação de separação do casal, nem quando foi proferida a decisão que fixou os alimentos provisionais, senão que dela as partes foram intimadas em maio de 2002, que o paciente interpôs agravo de instrumento, que o recurso acabou sendo desprovido e que a execução deu entrada em agosto de 2002. Desses parcos elementos, não se pode imputar à exeqüente demora excessiva, nem que tenha a prestação alimentar se desnaturado com o decurso do tempo; ao contrário, tudo está a indicar que é o paciente quem está tentando ganhar tempo, imputando à credora o ônus da demora processual. Com efeito, citado para se defender na execução, ele se perdeu em considerações impertinentes, seja quanto ao valor da pensão, seja com relação à moradia da credora, seja com o fato da exeqüente morar com filhos maiores que poderão ajudar no sustento da casa, porque todas essas circunstâncias foram ou deveriam ter sido analisadas na decisão coberta pela preclusão (fls. 11/13). Demais disso, nem o valor se mostra excessivo – tanto que mantido por acórdão desta Corte -, nem tem cabimento alegar que a credora mora em casa de irmã dele, paciente, porque, de duas uma, ou é a primeira quem paga os aluguéis, ou é a segunda quem faz o favor de emprestar o imóvel para moradia. Por último, afrontosa ao direito e à moral a alegação de inexistência de necessidade, porque a exeqüente reside com filhos maiores, que trabalham e são capazes de concorrer para prover as necessidades do lar. Ao que se vê, é mesmo o paciente quem vem se furtando ao pagamento das pensões, tanto que na defesa acima referida, feita como justificativa do não pagamento dos alimentos, nenhuma referência fez quanto à acumulação das parcelas vencidas (fls. 11/13). E, um ano depois, em petição fundada em argumentação igualmente impertinente, propôs dação de um veículo usado em pagamento da dívida toda (fls. 60/62), o que, como seria de se esperar, foi recusada pela exeqüente (fls. 63/65). Por último, a alegação do impetrante carece de juridicidade, pois, embora afirmando não lhe ter sido dado oportunidade para pagar as três últimas parcelas vencidas, ele, espontaneamente, não tomou tal iniciativa e, ainda, deixou fluir os meses, com o vencimento das prestações até então vincendas. Ora essa obrigação era e é dele, paciente, tanto que precedente do STJ, que compartilha do entendimento quanto às três últimas parcelas vencidas, inclui na obrigação as vincendas, (...)”
7. Registro, portanto, que a solução dada ao habeas
corpus impetrado em favor do paciente não contemplou qualquer tipo de debate acerca de possível violação à norma constitucional. Toda a fundamentação apresentada tem natureza infraconstitucional, notadamente as regras que alicerçam a execução de obrigação alimentar no Direito de Família (CPC, arts. 732 e 733).
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, mais uma
vez, a questão foi debatida sob o enfoque infraconstitucional, destacando-se o seguinte trecho do voto do relator (fl. 173):
“Não há notícia nos autos de que o
recorrente tenha conseguido, por meio de ação revisional de alimentos, diminuir o valor mensal da pensão, que foi fixado provisoriamente, em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais). Assim, ainda que possa se discutir se os débitos são pretéritos ou não, a importância depositada em nada socorre o recorrente. Diante de tal quadro, não enxergo ilegalidade no decreto de prisão, devendo ser mantido o acórdão recorrido. É que o STJ vem decidindo que cabe prisão civil do alimentante que deixa de pagar as três últimas prestações vencidas à data do mandado de citação e as vincendas durante o processo. A exemplo, dentre outros: HC 7.908/Barros Monteiro; HC 9.386/Zveiter; RHC 11.288/Sálvio; HC 7.705/Naves; RHC 14.881/Gonçalves e HC 24.114/Nancy. O tema encontra-se inclusive sumulado (309), verbis: ‘O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo’. Assim, para se ver livre da prisão civil, o recorrente deve recolher as três parcelas anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo, o que não ficou demonstrado nos autos. Acrescente-se que o habeas corpus, pelo seu caráter sumaríssimo, limita-se a apreciar a legalidade ou não da decretação da prisão civil, não se mostrando via adequada para analisar a impossibilidade financeira para o pagamento da dívida alimentar a que está obrigado o recorrente, porque demanda o exame aprofundado de provas. (...)”
Desse modo, não há possibilidade de conhecimento
do recurso extraordinário interposto devido à natureza infraconstitucional das questões acima referidas. Ademais, a possível solução de tais questões exigiria o revolvimento de matéria fático- probatória, encontrando-se óbice na orientação contida na Súmula n° 279, desta Corte: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.
8. A suposta violação ao devido processo legal no bojo
da execução provisória a que responde o paciente, com efeito, sequer foi argumento levado ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça, a impedir que a matéria possa ser solucionada no âmbito do Supremo Tribunal Federal.