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E N T R E V I S TA
JUDITH BUTLER
3
Sem medo de fazer gênero
Filósofa contesta binarismo homem-mulher
e discute ética e solidariedade global
sobre a precariedade do ser huma- Iraque, reflete sobre a existência Folha - Como seu pensamento e
RESUMO Importante no- no e sua necessidade do suporte de vidas que, por não serem con- seus escritos mudaram desde “Pro-
me dos estudos de gênero do meio e do entorno social. sideradas vividas, não são lamen- blemas de Gênero”?
e da teoria queer, a filóso- Até este ano, além de “Proble- tadas quando perdidas; vidas cuja Judith Butler - Eu mudo minhas
mas de Gênero”, estava disponí- violação não é problematizada. visões e aprendo muito com meus
fa americana Judith Butler vel no Brasil apenas “O Clamor Ao falar na capital paulista, no críticos mais generosos. Eu acredi-
esteve pela primeira vez de Antígona: Parentesco entre 1º Seminário Queer, promovido pe- tei numa coisa em certo momento
no Brasil no começo deste a Vida e a Morte” [trad. André la revista “Cult”, sobre vulnerabi- e agora acredito em outras e de
mês. Ela, que desenvolveu Cechinel, editora UFSC, R$ 20, lidade, precariedade dos corpos, novo mudo minhas opiniões. Crio
128 págs.]. Nesse livro de 2000, resistência para além do campo minhas teorias de forma nova a
a ideia de gênero como ela imagina, a partir da peça de legal e mobilização, Butler disse cada vez e, mesmo que determina-
uma performance que re- Sófocles, que, se o mito fundador que, caso os manifestantes tives- dos textos ressoem em outros, eles
pete normas dominantes, da psicanálise fosse o de Antígona, sem entrado, talvez aprendessem não seguem em linha reta.
e não o de Édipo, seria possível se- alguma coisa. Na ocasião, ela tam- “Problemas de Gênero” foi es-
fala em entrevista sobre parar família e parentesco. bém comentou a exclusão do Pla- crito em meio à epidemia de aids
direitos e nossa responsa- Talvez graças à sua primeira vin- no Municipal de Educação de men- nos EUA, mas também estava rela-
bilidade com o outro. da ao Brasil, onde falou em Sal- ções a gênero e diversidade sexual, cionado a um atuante movimento
vador, São José do Rio Preto e São que qualificou como censura que político nas ruas, como o Act Up,
Paulo, teve outros dois livros tra- “busca calar a discussão sobre o Queer Nation, e a uma vibrante ce-
duzidos. Em “Relatar a Si Mes- quão variado o gênero pode ser”. na de bares gays e lésbicos na qual
mo: Crítica da Violência Ética” Nesta entrevista, Butler comen- havia experimentação tanto quan-
[trad. Rogério Bettoni, Autênti- ta a abordagem de questões de gê- to ao gênero como à sexualidade.
ca, R$ 39,90, 200 págs.], de 2005, nero com jovens e crianças nas es- O movimento LGBT ainda não
defende que somos constituídos colas, fala de movimentos sociais, era “mainstream”, e os direitos ao
pelos outros e evidencia a impos- entre eles a luta LGBTQI —sigla casamento não eram o mais im-
sibilidade de um sujeito ético to- que inclui transgêneros, queer (ou portante. Vivemos em outra épo-
ÚRSULA PASSOS talmente racional e transparente. pessoas de gênero fluído, que não ca, eu mesma estou mais alerta a
ilustração avaf Já “Quadros de Guerra: Quan- se reconhecem nem no feminino formas globais que a luta por di-
do a Vida é Passível de Luto?” nem no masculino) e intersexuais reitos sexuais e de gênero tomou.
[trad. Sérgio Tadeu de Niemeyer (pessoas que nascem sem caracte- O movimento trans é forte e se-
NO ÚLTIMO DIA 9, em São Paulo, Lamarão e Arnaldo Marques da rísticas fisiológicas e físicas claras gue se fortalecendo. Os direitos ao
um grupo de cerca de dez pessoas Cunha, Civilização Brasileira, que determinem seu gênero, cha- casamento geraram uma comuni-
protestava, em frente do S Sesc Vi- R$ 39, 288 págs.],
á ] publicado
bli d nos madas,
d no campo médico, éd d her-
de h d d marginalizada,queestáexpe-
dadem
la Mariana, contra a preseença ali EUA em 2009, reúne ensaios da mafroditas)—, e também da crise rimen ntando outras formas de rela- jam pagas,
p fechar suas fronteiras
de uma filósofa american na, com filósofa que, a partir da guerra do dos refugiados na Europa. cionam mento e de práticas sexuais. e inssistir em sua “europeidade”.
cartazes que diziam frasees como O ttrabalho sobre performati- Mas qual é sua responsabilidade
“Fora aberração de gênero” e “Cui- vidadee se desenvolveu em vários para com tantas pessoas que lu-
dado! Querem impor a id deologia campo os, e minha visão é uma em tam para
p deixar zonas de guerra
homossexual nas escolas””. meio a tantas. Acho que estava e a miséria
m econômica para entrar
Em 1990, Judith Butler lançou o preocu upada, mesmo em “Proble- na riqueza da Europa? Em dado
livro que seria um dos ma arcos do mas d de Gênero”, com uma ques- mom mento, todos teremos de saber
feminismo recente e que influen-
i tão: qu ue vidas merecem o luto? que pertencemos
p uns aos outros e
ciou os estudos de gênero o e a teo- Eu vi
v muitas vidas perdidas pela que háh formas de pertencimento
ria queer —nome dado ao o amplo aids e muito frequentemente elas com claras implicações éticas e
campo para o qual o gênero, sexo não erram devidamente reconheci- polítiicas que transcendem o Es-
e orientação sexual são constru-
c das e llamentadas. Mas agora estou tado--nação. Então talvez se torne
ções sociais, e não determminações cientee de [que essa questão atinge] obrig
gatório abrir mão dos lucros
biológicas—, que ganhava am espa- outrossgrupos,oqueincluipessoas do Prrimeiro Mundo a fim de pro-
ço nas universidades e cen ntros de LGBTQ Q [lésbicas, gays, bissexuais, duzirr infraestrutura social para os
pesquisa desde os anos 19770 e que transeexuais e queer], pessoas alve- quevvivememcondiçõesprecárias.
se fortaleceram na década a de 90. jadas em guerra ou abandonadas
“Problemas de Gêne ero: Fe- pelas políticas de austeridade. Que o
obrigações temos para com ou-
minismo e Subversão da d Iden- Commo frisar o modo desigual tros humanos
h aos quais não nos
tidade” [trad. Renato Agu uiar, Ci- com q que se valorizam e choram mos formal ou legalmente?
ligam
vilização Brasileira, R$ 39, 238 diferentes vidas? Sinto que o valor Anntes de responder, lembremos
págs.], que acaba de ser rellançado de um ma vida se deve em parte ao que leis
l internacionais estipulam
no Brasil, se insere nos estudos
e seu po otencial de condição de luto. obriggações para com a humanida-
pós-estruturalistas e quesstiona a Contin nuo afirmando a política per- de.MMas,mesmohavendotribunais
busca de uma identidadee para o forma ativa, especialmente quando internnacionais, seus julgamentos
sujeito do feminismo. empreeendida por grupos que bus- não têm
t o efeito compulsório das
A partir da conhecida frase
f de cam eestabelecer e redefinir um cortees nacionais. Uma decisão le-
Simone de Beauvoir em “O O Segun- sentiddo democrático de povo. gal seem força policial não é a mes-
do Sexo” —“Ninguém nassce mu- ma que
q uma com força policial.
lher: torna-se mulher”—, dos
d estu- Em “QQuadros de Guerra” você trata Ainda a que indivíduos possam ser
dos de linguagem e da psiccanálise, de com mo algumas vidas não têm julgadosep
adosepresoscomocriminosos
esosco oc osos
a hoje professora da Univeersidade esse d
direito ao luto. Mais do que a de guerra e por cometer crimes in-
da Califórnia em Berkeley q questio- foto d
do menino sírio na praia tur- ternacionais contra a humanida-
na o aspecto binário —ma asculino ca reccentemente, vemos todos os de, há limitações para o que cortes
ou feminino— do gênero e a ideia dias immagens das consequências internacionais podem fazer.
de que ele seja natural e biológico. da crisse migratória na Europa. Que A questão que me interessa é se
Visitando escritos com mo os de direitoos negamos a essas pessoas? obrigações legais têm de se funda-
Michel Foucault —e sua reflexão
r Eu acho que aquela foto inqui- mentar em obrigações pré-legais
sobre a hermafrodita Heerculine re sob
bre que relação temos com a ou extralegais. Se perguntarmos
Barbin—, Luce Irigaray, M Monique criançça morta. Somos responsá- por que devemos nos importar
Wittig, Lacan e Julia Kristteva, ela veis? O
Ou essa criança é problema com refugiados em busca de abri-
desenvolve o conceito dee gênero dos ooutros? Alguns países estão go e segurança em outro canto do
como “performativo” —fa abricado muitoo felizes em aumentar sua ri- mundo, talvez sejamos obrigados
culturalmente, uma perfo ormance quezaa e mandar que as dívidas se- a questionar o que nos une a ou-
repetida e reencenada de normas
e significados estabelecidos social-
mente que se legitimam pela imi-
tação de convenções dominantes.
Para subverter e evidenciar o
caráter construído de noções co- “
“Em dado momento, todos
mo feminilidade e masculinida-
de, propõe práticas paródicas tteremos de saber que pertencemos
que rompam com categorias co-
mo sexo, gênero e sexualidade,
uns aos outros e que há formas
u
mostrando que se referem a um
original também artificial.
de pertencimento com claras
d
Desde então, Butler se dedica ao
campo da ética no mundo contem-
iimplicações éticas e políticas
porâneo, desenvolvendo reflexão que transcendem o Estado-nação”
q
ab DOMINGO, 20 DE SETEMBRO DE 2015 ★★★ ilustríssima 5