Академический Документы
Профессиональный Документы
Культура Документы
Número 2
Agosto/Setembro de 2018
ISSN 1981-1659
O que se escreve no Brasil sobre Segu-
rança Pública? Uma revisão da litera-
Artigos
tura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
Professor associado da Universidade Federal de Campina Grande. Campus de Sumé, PB. Unidade Acadêmica de Gestão Pública
(UAGESP). Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFCG. Campus sede. Mestre e doutor em
Ciência Política pela UFPE. Coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da UFCG (NEVU).
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
DOI: 10.31060/rbsp.2018.v12.n2.945
Resumo
Nas Ciências Sociais muito tem se discutido e produzido sobre criminalidade, violência e segurança pública. Contudo, outras
áreas das Ciências Humanas têm se debruçado sobre a temática da ‘Segurança Pública’ e isso pode ser visto na produção
intelectual dos pesquisadores em suas publicações nos periódicos qualisados pela Capes. Este paper tem como objetivo
mostrar o que vem sendo produzido pelos pesquisadores nas mais diversas áreas das Ciências Humanas a respeito desse
tema. A metodologia da pesquisa é bibliográfica e quantitativa com o uso da plataforma scielo.com para resgate da
literatura que trabalha com o tema ‘Segurança Pública’. Os resultados demonstram quais as principais linhas de análise, as
áreas de atuação dos pesquisadores, as conclusões as quais esses pesquisadores chegaram com seus métodos de análise,
bem como os periódicos qualis A e B publicados entre 2005 e 2016.
Palavras -Chave
Revisão; Segurança Pública; Criminalidade; Metodologia; Ciência.
14 Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
Abstract
What is written in Brazil about Public Security? A review of recent literature
In the Social Sciences much has been discussed and produced about crime, violence and public safety. However, other
areas of the Human Sciences have focused on the theme of ‘Public Security’ and this can be seen in the intellectual
Artigos
production of the researchers in their publications in the journals qualified by Capes. This paper aims to show what has
been produced by researchers in the most diverse areas of the Human Sciences on this subject. The methodology of the
research is bibliographical and quantitative with the use of the platform scielo.com to rescue the literature that works with
the theme ‘Public Safety’. The results demonstrate the main lines of analysis, the research areas of the researchers, the
conclusions reached by these researchers with their methods of analysis, as well as the quality journals A and B published
between 2005 and 2016.
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
Keywords
Review; Public Safety; Crime; Methodology; Science.
Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
15
Artigos
INTRODUÇÃO
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
N ão é novidade a produção de
trabalhos que tenha como objetivo
revisar literaturas sobre estudos do crime e
Analisamos as publicações da Scielo
Library entre os anos de 2005 e 2016,
em língua portuguesa, que tiveram como
da violência. Adorno (1993), foi precursor tema central a segurança pública. O mé-
desse tipo de desenho de pesquisa; além de todo de catalogação levou em conta o as-
Kant de Lima et al (2000) e Ribeiro e Tei- sunto “segurança pública”, na pesquisa em
xeira (2018); estes que fizeram sofisticado língua portuguesa, no que foi elencado
estudo de busca em mais de 540 trabalhos publicações em periódicos indexados nessa
publicados na scielo.library por um longo importante fonte de informação eletrôni-
período (2000 a 2017). ca1. A Scielo Library é uma das principais
fontes de pesquisa de cientistas das mais
Mesmo assim, é imperativa a bus- diversas áreas. Além de levantar os dados
ca por avaliação de desenhos de pesquisa técnicos, objetivamos a classificação das
para o futuro dos estudos sobre temáticas publicações por área, por linha de pesquisa
que abordem a segurança pública como e a metodologia utilizada pelos autores – o
tema central. Esta revisão, em específico, que será explicado mais detalhadamente
trata do tema “segurança pública” sem le- na seção sobre a metodologia.
var em consideração palavras chave que,
geralmente, estão relacionadas a essa área O presente artigo tem o seguinte de-
de políticas públicas. O objetivo central é senho de pesquisa: além desta introdução,
descobrir qual(is) área(s) se dedica(m) ao uma primeira seção sobre algumas impor-
estudo da segurança pública como uma tantes revisões já efetuadas que, de alguma
policy (FREY, 2000) e se há uma expertise forma, tocaram no assunto “segurança pú-
técnica mais voltada para a política pública blica”; uma seção metodológica a respei-
em segurança, do ponto de vista empíri- to dos procedimentos técnicos utilizados;
co e das tomadas de decisão de seus poli- uma seção desenvolvendo a literatura dos
cymakers. artigos elencados para a análise; outra seção
1 Base de dados ‘articles’, pesquisa ‘assunto’ segurança pública. Foram levantados 40 artigos, dos quais foram extraídos 33 com
publicações a partir do ano 2005, descartando, portanto, publicações anteriores a este período.
16 Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
mostrando as tendências metodológicas e da dos anos 2000, a análise do debate acerca da
as áreas das ciências humanas envolvidas violência na sociedade brasileira no âmbito das
nas discussões; e a conclusão. ciências sociais. Além de dialogar diretamente
com as revisões bibliográficas anteriores aqui
Outras revisões sobre a temática da vio- mencionadas, Barreira e Adorno apontam o
Artigos
lência, da criminalidade e da segurança
pública surgimento de novas tendências de pesquisa: as
Como dito acima, Adorno (1993) foi relações entre as novas configurações urbanas, os
o pioneiro na interpretação da produção mercados informais ilegais, os mercados de dro-
científica sobre a temática da violência e gas e as organizações criminosas; o surgimento de
seus temas correlatos. Conforme Ratton novas formas de delinquência urbana, as relações
(2018), “o autor buscou dar inteligibili- entre redes de negócios ilícitos, poder público e
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
dade à produção científica sobre a crimi- mercado, a expansão e diversificação dos estudos
nalidade urbana no Brasil desde os anos sobre homicídios, a permanência de distintas for-
1970”. A interpretação era estritamente mas organizacionais no âmbito da criminalidade
normativa e centrada numa linha jurídico- de rua (quadrilhas, gangues, grupos de extermí-
-sociológica com pouca utilização de mé- nio); as formas emergentes de intervenção estatal
todos mais avançados de análise, sobretu- e seu impacto nas políticas de segurança, as pos-
do ao uso de estatística como mecanismo
sibilidades e limites das reformas das instituições
de mensuração e avaliação.
policiais, a participação da sociedade civil nas
políticas públicas de segurança, as novas formas
Aliás, segundo Soares (2005) e Ribeiro
e Teixeira (2018), o calcanhar de Aquiles de administração institucional dos conflitos, os
das ciências sociais brasileiras seria, justa- novos padrões de punição, o encarceramento em
mente, a lacuna metodológica quantita- massa e suas freqüências.
tiva, sobretudo dos primeiros trabalhos;
mesmo depois das revisões efetuadas por Pelo o exposto, percebe-se a dinâmica
Adorno (1993), Kant de Lima et al (2000) dos estudos direcionada para várias preo-
e Neiva (2015) – com destaque a lacuna cupações em temáticas correlatas com a se-
de estudos quantitativos -, a resistência à gurança pública. Ratton (2018), Ribeiro e
estatística e o império da etnografia como Teixeira (2018), Barreira e Adorno (2010),
método, que, inclusive, destinou boa parte vão revelar a diversidade de estudos com
da produção a estudos localizados, os cha- área muito concentrada na sociologia. Os
mados estudos de caso. sociólogos estão na vanguarda dos estudos
e, até hoje, dominam o debate e as publi-
Ratton (2017, p.6), em importante re- cações em periódicos científicos, como ve-
visão teórica, afirmou: remos nos resultados aqui encontrados.
Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
17
revista de revisão bibliográfica da ANPO- car quais os periódicos foram publicados os
CS. Os autores fizeram um amplo levan- artigos e quais as metodologias utilizadas,
tamento – ao todo foram 546 trabalhos este artigo busca avaliar qualitativamente
analisados – com método refinado de aná- cada paper do estudo, demonstrando sua
lise e chegaram a conclusões importantes dinâmica de análise, métodos utilizados,
Artigos
18 Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
de áreas a abordarem o tema da segurança reito, Psicologia, Relações Internacionais,
pública, esta que é uma área de políticas Criminologia, Ciência da Informação,
públicas dos estados e dos seus governos. Geografia do Crime, Direitos Humanos,
As áreas: Ciência Política, Ciência Policial, Filosofia e interdisciplinar. Há grande di-
Sociologia, Antropologia, Administração versidade metodológica e epistemológica
Artigos
e Administração Pública, Economia, Di- entre os periódicos. Contudo, há ausência
4 4
13 22
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
Bahia Paraná
13 9
Santa Catarina Internacional/aberta
Departamento de Sociologia da
Revista Sociedade e Estado A1 4
Universidade de Brasília
Universidade de Brasília,
Revista Brasileira de Ciência Política B1 1
Inst. de Ciência Política
Revista de Direito da GV
Rev. bras. segur. pública
Fundação Getúlio Vargas - SP
São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
A1 1 19
da Bahia
Universidade de Brasília,
Revista Brasileira de Ciência Política B1 1
Inst. de Ciência Política
20 Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
boraram um estudo sobre a gestão da vio- regionais no contexto latino-americano. É
lência e da segurança pública no Brasil con- um trabalho de Ciência Política e Relações
temporâneo. Relacionaram a insegurança Internacionais com o foco nos blocos re-
pública e o crescente da criminalidade à gionais do Mercosul e da CAN4.
má qualidade da democracia brasileira. A
Artigos
análise é uma típica avaliação sociológica A autora utilizou como principal re-
da criminalidade, com o uso de estatística ferencial teórico o trabalho seminal de
descritiva para o embasamento dos argu- Mancur Olson (1965), para embasar a sua
mentos sociológicos. Para os autores, as análise de tipo neo-institucional histórico.
falhas na gestão de administração de con- O artigo se concentrou na agenda da segu-
flitos contra a vida maculam a qualidade rança pública, especificamente no comba-
da democracia brasileira, que não avança, te à produção e comercialização de drogas
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
prejudicando a sua consolidação. (LAS CASAS, 2015, p.24).
Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
21
Nóbrega Jr. parte de uma definição do no Brasil.
minimalista, mas não submínima, da de-
mocracia para comparar os fatos históricos Andrade afirma que as políticas sociais
recentes da democracia brasileira sobre são mais importantes do que o investimen-
suas relações civil-militares (MAINWA- to em policiamento, e numa segurança
Artigos
RING et al, 2001; NÓBREGA JR., voltada para a repressão de crimes contra
2010). Com base no trabalho seminal de o patrimônio. Contudo, não faz nenhuma
Scott Mainwaring e seus colaboradores, referência empírica aos seus argumentos,
ao classificarem os regimes políticos na com parco poder de argumentação. De-
América Latina (2001), define democracia fende a descriminalização das drogas e o
como um regime político que: 1. Promo- desencarceramento sem, ao menos, trazer
ve eleições livres, limpas, pluripartidárias e um estudo comparativo que comprove a
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
22 Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
çada, com essa base teórica, é que comu- conclusão que há um paradoxo no caso
nidades com maior capital social, ou seja, específico das comunidades pobres do Rio
onde existe maior confiança, maior reci- de Janeiro. Apesar de existirem altos níveis
procidade entre os seus membros, maior de capital social e de eficácia coletiva, am-
sociabilidade entre vizinhos e, por sua vez, pla sociabilidade entre vizinhos e mecanis-
Artigos
maior solidariedade, teriam taxas de crimi- mos de fiscalização e controle de jovens, a
nalidade mais baixas e escolas mais eficien- presença de milícias, tráfico de drogas in-
tes (ZALUAR e RIBEIRO, 2009, p.179). tenso e conflitos armados (armas de grosso
calibre), são fatores que fazem a crimina-
A teoria da eficácia coletiva assemelha- lidade ser bastante elevada, mesmo onde
-se, em muito, com a teoria da desorga- há muito boa convivência entre vizinhos
nização social elaborada por Sutherland (ZALUAR; RIBEIRO, 2015).
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
(1939), da Escola de Chicago. Tanto é as-
sim, que a referida teoria é definida como Berlatto (2011) fez uma análise de
a capacidade diferencial que as vizinhan- discurso do então secretário de segurança
ças demonstram em realizar os valores co- pública do Paraná. Baseada em arcabou-
muns dos moradores e em manter contro- ço teórico que reporta a Bourdieu (1994),
les sociais efetivos sobre as pessoas em seus procurou encontrar a verdadeira simbo-
processos de socialização, quando há de- logia por trás da fala do chefe da pasta e
sorganização desses controles, o resultado como isso estaria refletido na segurança
é a violência (IDEM, 2009, p.180). pública.
A tese defendida pelas teorias em con- O artigo buscou entender a retórica in-
junto, é que a desarticulação das organi- trínseca ao discurso do secretário e a reali-
zações sociais da vizinhança tem mais dade prática da atuação policial nas comu-
impacto sobre a violência do que a ordem nidades mais pobres. Apesar de a retórica
privada, já que a vigilância dos membros pregar a defesa dos princípios dos direitos
da comunidade ultrapassa os limites im- humanos, a prática policial é vista como
postos sobre as atividades policiais (IBI- truculenta e perversa pelos cidadãos/elei-
DEM, 2009, p.184). tores.
O objetivo central das duas autoras foi A autora soma a análise de discurso
testar a teoria nas comunidades cariocas, já ao mecanismo de entrevistas para avaliar
que as teorias em tela afirmam explicar a a percepção do cidadão/eleitor da periferia
maior ou menor criminalidade pelos seus de Curitiba, e conclui:
indicadores de capital social e eficácia cole-
tiva, baseadas estas na maior sociabilidade A prática discursiva da Secretaria de Estado da
e na confiança entre vizinhos (ZALUAR; Segurança Pública do Paraná, diferentemente do
RIBEIRO, 2009, p.185). que se poderia concluir de antemão, não está se-
parada de sua prática repressiva, ainda que aquela
Utilizando método qualitativo de mobilize politicamente a retórica cortês e correta
aplicação de questionários e técnicas de dos “direitos humanos”. (BERLATTO, 2011,
etnografia, as duas autoras chegaram à
p.125)
Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
23
Para ela, o discurso do governo parana- cados e análise de dados, o gerenciamento
ense tenta compatibilizar, em sua narrati- de pessoas seria outro fator decisivo, já que
va – mas, não em sua prática – o respeito há, em algumas experiências relatadas pela
aos direitos humanos e as demandas por literatura, problemas de convivência entre
maior eficiência policial. O que, na sua policiais de rua (patrulheiros) e aqueles
Artigos
24 Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
to de competências, o que tais referenciais O interessante texto de Muniz e Júnior
teóricos vêm produzindo a respeito das or- (2013) traz uma abordagem sobre o uso
ganizações de segurança pública. da força armada por parte da polícia numa
perspectiva comparada. Utilizou farta bi-
Para os autores, as empresas públicas bliografia sobre ciência policial e buscou
Artigos
e privadas precisam reconhecer a impor- demonstrar que há vazio conceitual so-
tância dos profissionais para o efetivo de- bre o fazer polícia no Brasil partindo dos
senvolvimento organizacional da empresa. modelos originários da Grã-Bretanha, da
Na área da segurança pública, tem sido França e dos Estados Unidos6.
cada vez mais necessária a avaliação psico-
lógica dos seus profissionais para a efeti- Para os autores deste paper, a escolha
va execução de suas tarefas (FAIAD et al, do uso da arma de fogo ou da força atribu-
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
2012, p.390). ída ao seu aparato policial é uma decisão
de cunho político e histórico. Partindo de
Há grande lacuna dos estudos de com- uma análise sobre a construção histórica e
portamento organizacional em torno das cultural das polícias dos três países citados,
atividades policiais. As análises psicológi- os autores demonstraram as idiossincrasias
cas da atividade policial são extremamente de cada modelo e como tais modelos estão
complexas, daí os autores sugerirem aque- conectados a um constructo específico,
las duas ferramentas nas organizações po- um tipo de path dependence (NORTH,
liciais. 1990), que faz a diferença na construção
do edifício administrativo de cada polícia.
O trabalho objetivou discutir questões
de natureza metodológica e suas implica- Para Muniz e Júnior (2013), a capaci-
ções práticas decorrentes da aplicação das dade coercitiva da polícia é apenas a que o
ferramentas de análise profissiográfica e do governo autoriza fazer sob a chancela da
mapeamento de competências em insti- sociedade policiada. Organização e atores
tuições policiais. Concluiu, com os dados policiais estão sujeitos à responsabilização
apresentados pela revisão da literatura, que em termos da oportunidade e proprieda-
a gestão de competência voltada especifi- de de uso da força. O uso de determina-
camente para a área policial e para o setor dos armamentos está atrelado à tomada
de segurança pública praticamente ine- de decisão dos atores envolvidos na Polity
xistem no Brasil e, para a superação dessa (FREY, 2000).
lacuna, seria importante a inserção dessas
ferramentas de gestão de pessoal, para que Fica claro na conclusão deste paper,
haja maior valorização do profissional de que os autores não se posicionam a respei-
segurança pública (FAIAD et al, 2012, to da melhor forma de policiamento, se
p.400). desarmado e civil, se armado e militariza-
6 “Que se possa ter uma polícia desarmada em Londres – porque se está numa ilha, com uma população desarmada. Que se tenha
polícia-de-fuzil-ou-carabina no continente – porque se pode ter que lutar como um exército. Que se possa ter tudo o que se deseje nos
EUA – porque poder ter tudo que se queira, inclusive armamento para a população, é mais importante do que outras considerações”
(MUNIZ e JÚNIOR, 2013: 135).
Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
25
do, mas à contingência pela qual o modelo sitivos de regulação interna ao “mundo
de democracia pode impor a respeito de do crime” seriam os fatores explicativos
tal dilema. Para o Brasil, o uso da força ar- centrais da queda das taxas de homicídio
mada pela polícia é uma questão de cons- em São Paulo, notável nos anos 2000, e
tructo histórico, no qual a necessidade de reivindicada publicamente por governos e
Artigos
No que tange aos tomadores de decisão Para Feltran (2010), houve um “re-
da segurança pública do Distrito Federal, desenho” das mortes violentas, sobretudo
Porto sugere a leitura mais pormenorizada de jovens, nas periferias comandadas pelo
de tais representações sociais no intuito de Primeiro Comando da Capital (PCC). Os
subsidiar as políticas públicas de segurança moradores de favela, ou jovens inscritos no
na cidade (PORTO, 2013). “mundo do crime”, afirmaram que “não
pode mais matar”, pois o princípio insti-
Feltran (2010) fez uma análise tradi- tuído nos territórios em que o PCC está
cional da Antropologia, baseado no mé- presente assevera que a morte de alguém
todo etnográfico, na qual é desenhado o só se decide em sentença coletiva, legiti-
funcionamento informal dos “Tribunais mada por tribunais compostos por pessoas
do Crime” no Estado de São Paulo. Para respeitadas do “Comando”. A partir des-
o autor, que realizou o trabalho de campo se princípio instituído, aquele menino do
entre os anos de 2005 e 2009, os dispo- tráfico que, há alguns anos, tinha a obriga-
26 Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
ção de matar um colega por uma dívida de sões conforme apelos da opinião pública,
R$ 5,00, para se fazer respeitar entre seus na qual o poder vertical do voto tem força
pares no “crime”, agora não pode mais ma- emblemática na tomada de decisão dentro
tá-lo pela mesma razão. As punições são do Parlamento.
distribuídas sem a necessidade do homicí-
Artigos
dio ou, mais exatamente, necessariamente A produção legislativa em torno da
sem o homicídio (2010, p.69). segurança pública e do sistema de justi-
ça criminal tende a um “equilíbrio” em
Campos (2014) fez análise sobre a dis- normas mais punitivas de um lado como,
tribuição das leis que se referem à seguran- também, de ampliação de direitos civis do
ça pública e o sistema de justiça criminal outro. Outro resultado importante do tra-
no Brasil. Tal análise focou o comporta- balho de Campos (2014) revelou a força
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
mento das instituições políticas e de seus da região Sudeste como produtora parla-
atores sociais na produção legal, e como as mentar na pasta em questão.
leis refletiram na produção de dispositivos
mais ou menos punitivos, ou, também, Misse (2011) objetivou analisar as re-
distributivos de direitos. lações entre o “crime organizado” e o “cri-
me comum” no Rio de Janeiro, buscando
O recorte histórico da análise de Cam- traçar as condições para responder até que
pos (2014) é longo e abordou as aprova- ponto o crime organizado explica as lógi-
ções de leis penais entre os anos de 1989 a cas do crime comum e se está subestiman-
2006 no Parlamento brasileiro. O objetivo do ou superestimando essa relação entre
central do paper foi analisar quais foram às um e outro.
políticas de segurança pública e justiça cri-
minal aprovadas e como foram aprovadas O crime organizado não é definido es-
no Parlamento. pecificamente por Misse, mas ele expõe o
que entende por tal da seguinte forma:
A análise crítica de Campos (2014) se
mostrou relativamente “refém” de abor- Restam quatro atividades criminais violentas
dagens sociológicas estruturalistas que organizadas: os “comandos”, que controlam e
atrapalharam um pouco os resultados de disputam territórios de venda a varejo de drogas
seu trabalho. Contudo, tais resultados, so- e outras mercadorias ilícitas; as “milícias”, que
bretudo os de caráter empírico, são ricos e disputam com os “comandos” o controle desses
demonstram o papel de “protagonista” do territórios, com vistas a impor a venda de prote-
Poder Executivo Federal na condução da
ção aos seus moradores; as quadrilhas de roubo
agenda legislativa sobre a questão da segu-
de carga e de roubo de carros; as redes de pistola-
rança pública e o sistema de justiça crimi-
gem, vigilância clandestina, tráfico de armas, ex-
nal como um todo.
termínio – operadas geralmente sob proteção de
Outrossim, os resultados a que Cam- policiais da ativa. Dessas, sabemos muito pouco
pos (2014) chegou, nos revelam que: tan- sobre as quadrilhas de roubo de carga e sobre as
to partidos de viés ideológico de esquerda, redes de pistolagem urbana (sicários, que traba-
quanto de direita ou centro, tomam deci- lham com motos), bem como sobre o tráfico de
Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
27
armas. Sabemos um pouco mais sobre roubos de empreenderam sua análise.
carro, empresas clandestinas de vigilância privada
e grupos de extermínio, mas não o suficiente para O objetivo foi testar a hipótese na qual
estabelecer relações com o crime comum. Resta a desigualdade de renda afeta positiva-
finalmente o que conhecemos melhor no Rio de mente no crescimento dos crimes contra
Artigos
trocas entre agentes estatais e os crimino- Becker (1968) e Ehrlich (1973). Os dois
sos para que o sucesso do crime organiza- trabalhos partem do pressuposto que os
do exista. Criando o conceito de “merca- indivíduos fazem um cálculo estratégico
dorias políticas”, Misse tenta explicar as em suas ações. O indivíduo estaria mais
relações assimétricas de poder dentro do propenso a prática de delitos e crimes em
emaranhado que se configuram as redes contextos nos quais a desigualdade de ren-
criminosas, com destaque ao tráfico de da, as taxas altas de desemprego e, por sua
drogas e as milícias. No entanto, o objeti- vez, os níveis altos de pobreza, influen-
vo do seu paper, que é demonstrar o nível ciariam negativamente no ato criminoso
de associação entre os crimes praticados (NÓBREGA JR., 2015).
pelos criminosos dentro das estruturas do
jogo do bicho, do tráfico de drogas e das O modelo empírico, como já dito, é
milícias com o crime comum – que ficou robusto e complexo. A formação econo-
pouco claro em sua definição -, não foi métrica dos autores oferece esta robustez.
satisfatoriamente demonstrado. O leitor A tabela 1 à página 184 sumariza as variá-
chega ao final do texto sem saber qual foi veis e seus desvios padrão e coeficiente de
o impacto do crime organizado no crime variância estatística. As variáveis que apre-
comum. sentaram maiores coeficiente de variância
foram: densidade demográfica; % de do-
Resende e Andrade (2011) desenvol- micílios com mulheres chefes de família;
veram um robusto estudo econométrico renda per capita; % de pessoas com renda
avaliando o impacto da desigualdade de per capita abaixo de R$ 75,50; taxas de
renda nas taxas de criminalidade em gran- homicídios pelo SIM; presença de guarda-
des municípios brasileiros. Aplicaram mo- -municipal; qualidade da guarda-munici-
delos estatísticos e econométricos de alto pal; qualidade da PM; taxas de homicídios
nível de complexidade no teste de variá- SENASP; e taxas de roubos de veículos.
veis independentes socioeconômicas – que
buscam medir a desigualdade e pobreza – Os resultados do teste de hipótese che-
em relação a variáveis criminais – homicí- garam à seguinte conclusão:
dios, latrocínios, estupros e roubos. Com O nível de pobreza e a desigualdade de renda são
o uso de banco de dados oficiais os autores as variáveis com um maior grau de distinção entre
28 Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
crimes contra a pessoa e crimes contra a proprie- tivas de homicídio. Importante destacar a mag-
dade. A pobreza está positivamente correlaciona- nitude do coeficiente da desigualdade de renda
da com os homicídios, mas negativamente com para os crimes de roubo e furto, implicando uma
praticamente todos os demais tipos de crimes. A variação de quase quatro pontos percentuais para
desigualdade de renda é positiva e significativa na cada ponto de aumento do coeficiente de Gini.
Artigos
associação com os crimes contra a propriedade, (RESENDE; ANDRADE, 2011, p.187)
mas tem efeito ambíguo sobre os crimes contra
a pessoa: positivamente associada aos homicídios, Arguelhes e Pargender (2013) empre-
mas neutra em relação às lesões, estupros e tenta- enderam um interessante estudo sobre os
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
Variável Código Descrição Fonte
Censo Demográfico
Desigualdade de Renda Coeficiente de Gini Coeficiente de desigualdade de renda
IBGE 2000
Censo Demográfico
Renda Per Capita RPC Renda per capita, 2000
IBGE 2000
Censo Demográfico
Fecundidade em 1991 Fec91 Taxa de fecundidade total, 1991
IBGE 2000
Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
29
custos da violência no Brasil. Citaram es- p.275).
tudos importantes do ponto de vista das
análises criminais em perdas de vida e, Para os autores em tela, a política adap-
também, do ponto de vista da economia tativa estaria numa ascendente por ques-
com os custos em termos de impactos ne- tão do custo elevado que a insegurança pú-
Artigos
no direito individual das pessoas, lesando blicos os quais pagam os salários de servi-
direitos fundamentais como a ampla defe- dores, por exemplo, podem ser reduzidos
sa. Baseado em dois conceitos, o de política em razão do argumento em torno daquele
combativa e de política adaptativa, Arguel- direito (IDEM, 2013).
lhes e Pargender (2013) desenvolveram o
seu estudo. A política combativa busca um Scalco et al (2012) objetivou criar um
poder coercitivo mais atuante na penalida- índice de eficiência da Polícia Militar de
de e a política adaptativa, a qual será tema Minas Gerais no combate à criminalida-
central do estudo, são medidas que tomam de. O trabalho é um estudo do ponto de
o estado de violência como real e adaptam vista da economia e usa o método empíri-
o regime jurídico ao cenário real de inse- co de análise de testes de hipóteses. Como
gurança no qual resulta num aumento da os economistas que usam método econo-
proteção a potenciais vítimas de violência métrico são muito exigentes do ponto de
(ARGUELHES; PARGENDER, 2013, vista da qualidade dos dados, a pesquisa se
p.271). limitou a fazer testes analisando o impacto
de fatores socioeconômicos na atividade
Um dos exemplos citados pelos au- criminosa.
tores dessa política adaptativa liga-se ao
mercado de capitais. A transparência da O índice de eficiência buscou avaliar
remuneração e dos ganhos dos grandes os níveis de prisões por crimes contra o
executivos de empresas multinacionais po- patrimônio e crimes contra a vida, em re-
deria ser perigosa devido ao nível alto de lação ao efetivo policial e ao tamanho da
violência encontrada no Brasil. Nos dize- população dos municípios mineiros.
res de um juiz “é forçoso reconhecer que a
divulgação da remuneração dos executivos A hipótese central do paper afirmou
pela rede mundial de computadores teria o que municípios maiores apresentam me-
condão de comprometer a segurança tanto nores índices de eficiência policial do que
dos referidos profissionais quanto a de suas municípios maiores. Apesar de testes es-
famílias, haja vista a atuação cada vez mais tatísticos sofisticados, a regressão logística
especializada e violenta dos criminosos” apresentada em cima das variáveis socio-
(ARGUELHES; PARGENDER, 2013, econômicas se mostrou de pouca relevân-
30 Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
cia.
Também, Lima et al (2016) destaca-
Variáveis normalmente relacionadas ram as falhas do sistema de justiça criminal
com altas taxas de criminalidade, como que abarrota as penitenciárias, sobretudo
densidade demográfica, percentual da po- com percentuais elevadíssimos de presos
Artigos
pulação urbana, percentual de domicílios provisórios, deduzindo que a falta de ges-
sem banheiro e água encanada, percentual tão prisional é o principal problema do
de mulheres chefe de família, percentual sistema além do forte indicador de déficit
de adolescentes fora da escola em 1991 e de vagas.
tamanho dos municípios, apesar de mos-
trarem significância estatística, em seu Por se tratar de tema extremamente
conjunto tais variáveis explicaram apenas delicado, a segurança pública passa a ser
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
10% da variabilidade dos escores de efi- analisada em sua estrutura formal e histó-
ciência calculados. O mais relevante do rica para daí traçar argumentos em torno
trabalho demonstrou que os municípios de reformas profundas em sua estrutura.
menores obtiveram mais eficiência técnica Os autores fazem uma rica anatomia das
da polícia enquanto os de maior densidade constituições republicanas do Brasil inter-
demográfica apresentaram menos eficiên- pretando-as sociologicamente. De toda a
cia (SCALCO et al, 2012). interpretação, a mais importante ilustra
que a Constituição Federal de 1988 não
Lima et al (2016) propõem uma revi- foi capaz de definir o conceito de seguran-
são na reforma da estrutura de segurança ça pública, apenas se preocupando em in-
pública e justiça criminal brasileira. Para dicar quais as instituições responsáveis por
os autores, o modelo vigente é inadequa- ela (LIMA et al, 2016, p.56).
do para a conjuntura democrática e dos
direitos humanos. Com base na literatura Lima et al (2016) avaliaram a mudan-
especializada e nos artigos constitucionais ça no modus operandi das polícias com
a respeito, os autores buscaram redesenhar a introdução de novos atores sociais na
as instituições de segurança pública no in- administração dos conflitos. Apesar do
tuito de fornecer subsídios aos tomadores Judiciário e do Ministério Público toma-
de decisão da área. rem papel de relevância na condução da
política pública de segurança, ainda há
Os autores, inicialmente, fazem um uma lógica de confronto à criminalidade
levantamento, um panorama geral, da que não ajuda no avanço das instituições
criminalidade e da segurança pública no de segurança pública na nova conjuntura
país. Destacaram que os gastos públicos democrática.
em segurança representaram 1,3% do Pro-
duto Interno Bruto (PIB) brasileiro, o que Em suma, Lima et al (2016, p.64) as-
equivale ao mesmo que é gasto em países severaram:
que controlam as taxas de criminalidade
e, portanto, falta de investimento na pasta Sem uma pauta de reformas estruturais, que
não é o problema da insegurança pública inclui mudanças legislativas e fomento às novas
encontrada hoje no país. práticas organizacionais lastreadas em fortes elos
Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
31
com a transparência e a prestação de contas, sem Os Conselhos Comunitários foram o
o fortalecimento de mecanismos de controle ou lócus de observação da pesquisa. Tais con-
ainda o incentivo à participação social, pouco selhos, em Minas Gerais, foram estimula-
conseguiremos avançar em termos de eficiência dos pelo Comando da Polícia Militar de
democrática das políticas de segurança. Minas Gerais (PMMG) com o intuito de
Artigos
o seu papel vai além da função meramen- base, na construção do conhecimento in-
te de defesa às questões externas. Como formacional, a ideia na qual a informação
garantidores da lei e da ordem internas, é uma construção histórico-social, tal que
como pontos constitucionais, o autor de- o contexto da comunidade nessa pers-
senha os seus desafios como instituição de pectiva, seja de fundamental importância
segurança. para a construção da informação (IDEM,
2008).
Proença Júnior (2011) faz uma análise
tendo como ponto de partida epistemo- Especificando a intenção da pesquisa,
lógico, as Relações Internacionais como os autores seguiram na direção e no esfor-
campo de estudo. A análise perpassa a ço de aproximação teórico-metodológica
questão do papel externo das forças arma- do objeto de pesquisa na qual se pautou
das e entra em seu papel constitucional pelas seguintes questões: 1. O que ob-
como garantes da lei e da ordem interna. servar? Práticas informacionais num am-
Para o autor, este segundo papel faz das biente comunitário. 2. Como abordar?
FFAA “a espada da República” e o “escudo Na perspectiva da hermenêutica-dialética,
da Constituição”. O paper tem a intenção buscando articular compreensão e crítica.
de explicar o funcionamento institucional 3. O que ver/ observar? Disputas simbóli-
das FFAA e seus desdobramentos políti- cas, tal como colocadas na teoria dos cam-
cos. Não faz crítica ao seu aspecto cons- pos sociais. 4. O que produzir? Um relato
titucional (PROENÇA JÚNIOR, 2011). interpretativo nos moldes de uma descri-
ção densa (IBIDEM, 2008, p.281).
Tendo como base teórica a antropolo-
gia da informação, Azevedo e Marteleto Os resultados demonstraram que,
(2008) analisaram como as informações apesar do esforço das polícias, o discurso
criminais de Minas Gerais são produzidas é majoritariamente da instituição policial
e, com o método de observação focal, ten- para a comunidade, pouco existindo o
tou entender como uma comunidade em contraponto social dos indivíduos citadi-
específico enxerga a catalogação dessas in- nos da comunidade. Para os pesquisadores
formações numa perspectiva crítica. há um “vazio informacional” por questão
de uma visão hegemônica de criminali-
32 Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
dade na qual há ausência de discussões a solução plausível na promoção de melho-
respeito do papel da comunidade na con- res índices de eficiência nos custos e sua
dução do controle social, já que a política relação com a eficiência dos serviços pú-
pública de segurança destina sua atenção blicos de segurança (PEREIRA-FILHO et
fortemente ao aspecto repressivo em de- al, 2008).
Artigos
trimento de uma segurança pública como
direito (AZEVEDO; MARTELETO, Seguindo o que outros estudos sobre
2008). criminalidade e segurança pública apon-
taram, a relação entre pobreza, nível edu-
Pereira-Filho et al (2008) elaboraram cacional e um maior número de jovens
um sofisticado estudo no intuito de medir na população não são relevantes estatis-
o nível de eficiência dos serviços públicos ticamente para explicar a ineficiência do
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
em segurança nas Unidades Federativas do serviço público de segurança (SAPORI;
Brasil. Baseados em econometria robusta, SOARES, 2014; PEREIRA-FILHO et al,
os autores empreenderam a análise num 2008).
modelo de fronteiras estocásticas em da-
dos de painel (2001-2006) visando ana- Outro resultado importante foi que os
lisar o custo-eficiência dos serviços de se- gastos e investimentos feitos pelo governo
gurança pública de competência dos entes federal não implicam em melhor resulta-
subnacionais (estados e DF). do na eficiência do serviço; que o nível de
eficiência de um estado está mais ligado a
De início, o estudo apresentou que um conjunto de boas práticas de gestão do
a maioria dos estados defrontou-se com que aos recursos aos quais este estado tem
crescimento nas taxas de mortalidade vio- acesso (PEREIRA-FILHO et al, 2008).
lenta no período 1999-2006, o que apon-
ta para a necessidade de respostas regionais Batista et al (2016) empreenderam
para esse problema. Evidenciou-se ainda, análise da Geografia do Crime buscando
a expressiva heterogeneidade existente en- abordar as causas tópicas e específicas dos
tre os estados, seja em termos de recursos homicídios no município de Águas Lindas
financeiros, humanos ou mesmo de práti- de Goiás – região metropolitana do Dis-
cas de gestão. trito Federal -, contextualizando as ocor-
rências de assassinatos, discutindo as suas
Outras evidências encontradas dizem dinâmicas a partir da análise de aspectos
respeito às condições de urbanização que estruturais, como o processo de metropo-
impactaram diretamente nos custos do lização de Brasília e suas externalidades ne-
setor de segurança, e ao fato de ambien- gativas, na forma da segregação socioespa-
tes com mercados de drogas ativos acar- cial, da pobreza e das migrações enquanto
retarem níveis elevados de ineficiência em aspectos que influenciam a criminalidade.
custos, já que esse tipo de ilícito fomenta
uma série de outras atividades criminosas Ao contrário das teorias centradas em
tais como roubos, execuções e poder para- “perfis das vítimas” do homicídio, o traba-
lelo. A boa alocação dos recursos judiciais, lho de Batista e seus colaboradores (2016)
policiais e penitenciários representa uma se concentrou nos efeitos do “perfil do lu-
Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
33
gar” – especificamente na criação, organi- um dos principais produtores de represen-
zação ou ausência de condições favoráveis tações sociais, as quais, para além de seu
ou desfavoráveis à criminalidade e delin- conteúdo falso ou verdadeiro, têm função
qüência (BATISTA et al, 2016, p.435). pragmática como orientadoras de con-
dutas dos atores sociais. Ou seja, a mídia
Artigos
O trabalho dos autores fez do uso de termina influenciando nas tomadas de de-
levantamento, processamento, tratamento cisão dos gestores públicos da área da segu-
e análise de dados secundários e da apli- rança pública.
cação de dez entrevistas semiestruturadas
com atores da segurança pública (cinco) e Para a autora faz sentido argumentar
da assistência social (cinco). As entrevistas em favor da relevância do tema como sub-
foram realizadas nas seguintes instituições: sídio para a formulação de políticas para a
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
Centro Integrado de Segurança Pública, área da segurança pública, não por serem
Delegacia Regional do Entorno, Direto- as representações sinônimo de verdade,
ria do Instituto Médico Legal (IML) do mas por se constituírem em veículos pri-
Entorno Sul e Secretarias Municipais de vilegiados de crenças, valores e anseios de
Assistência Social (Secretarias de Ação So- distintos setores da sociedade (PORTO,
cial), ao longo do ano de 2013 (BATISTA 2009, p.211).
et al, 2016, p.436).
Na exposição teórica de Porto, há pre-
A pesquisa resultou em indicadores ocupação em ligar o que a mídia reporta
que demonstraram as condições adver- em suas matérias jornalísticas a sua pró-
sas de vida no município escolhido para pria perspectiva de violência. Para ela, a
a análise. Observou-se que os homicídios mídia, além de apresentar o dia-a-dia da
acontecem com maior incidência nos bair- criminalidade urbana e do funcionamen-
ros de formação recente, produto da ex- to policial, representa socialmente a visão
pansão desordenada da cidade que se dá a da violência, e nessa representação, o sim-
partir das ocupações informais das terras. bolismo da violência pode encaminhar o
Esses processos sociais atraem também leitor/telespectador a enxergá-la de uma
migrantes extrametropolitanos, que criam determinada forma.
novos padrões de convivência e de lazer, os
quais podem gerar tensões e conflitos, no- Porto (2009) salienta que algumas po-
tadamente enfrentados com o uso da vio- líticas públicas de segurança são influen-
lência. Agrega-se a esta situação os déficits ciadas pela mídia, pela forma que certas
identificados na estrutura e na organização notícias são representadas socialmente o
da segurança pública, bem como dos pro- que termina provocando o policymaker a
gramas sociais (IDEM, p.453). agir. Tal ação, permeada pela influência
midiática da notícia representada, resvala
Porto (2009) empreendeu, com o uso em efetividade quando a notícia cai no
epistemológico da sociologia, na Teoria esquecimento. A crítica da autora vai ao
das Representações Sociais, a defesa da sentido de que as políticas públicas de se-
ideia na qual as mídias constituem, nas gurança não podem ficar a mercê dos im-
modernas democracias contemporâneas, pactos midiáticos.
34 Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
Madeira e Rodrigues (2015) empre- os rumos do PRONASCI e suas intenções
enderam estudo, tendo como base a Ad- como mecanismo gestor da segurança pú-
ministração Pública e o estudo de Políticas blica brasileira. Apesar do foco do Progra-
Públicas, sobre os desafios institucionais ma ser a prevenção da violência, as políti-
do governo federal na área da seguran- cas de repressão tiveram maior ênfase nas
Artigos
ça pública desde o governo de Fernando ações pontuais dos entes federados. Outro
Henrique Cardoso. O foco dos autores foi: aspecto do Programa foi o seu excesso de
atores sociais e de instituições, o que gerou
Compreender o papel da União em matéria de dificuldade na gestão da pasta em muitas
segurança pública como indutora de políticas unidades federativas.
públicas nos últimos 10 anos, por meio da repro-
dução de um modelo de sistemas de políticas pú- Não obstante as dificuldades encontra-
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
blicas que, à luz de outros setores como a saúde e das, os autores demonstraram certa efetivi-
a assistência social, vêm construindo experiências
dade do Programa Nacional de Segurança
em alguns entes federativos, como no caso
de coordenação de políticas, em movimentos de
específico da Região Metropolitana de
formulação, pelo ente federal, de programas que
Porto Alegre, lócus da pesquisa de campo
serão implementados por estados e municípios.
dos autores. Nesta realidade, o Pronasci
(MADEIRA; RODRIGUES, 2015, p.4-5) terminou gerando bons frutos, segundo os
autores, sobretudo na formação educacio-
Os autores analisaram o PRONASCI nal dos jovens em regiões de risco (MA-
(Programa Nacional de Segurança Pública DEIRA; RODRIGUES, 2015).
com Cidadania) do governo federal. Com
a descentralização política dos entes fede- O trabalho de Tavares (2011) é uma
rados no que tange à política pública de interpretação, com base teórica funda-
segurança, o intuito foi investigar o dire- mentada em Foucault (1996 apud Tava-
cionamento da policy da segurança nos en- res, 2011), na qual as dimensões do poder
tes estaduais e, sobretudo, os municipais. discricionário do Estado se fundamentam
Metodologicamente: na microfísica do poder interpretativo das
formas de punição e nas políticas públicas
O artigo é uma tentativa de sistematizar resultados sociais de prevenção. A autora identifica
de investigações que tiveram o processo de imple- uma forma específica de dominação quan-
mentação do Pronasci como foco, especialmente do os jovens (crianças e adolescentes) as-
no estado do Rio Grande do Sul. Foram realiza- sistidos pelos projetos sociais (jovens esses
das análises legislativas e documentais, observação advindos das camadas mais pobres) são
participante, entrevistas com gestores, articulado- identificados como agentes sobre os quais
res, coordenadores de projetos e público-alvo da a política precisa interferir para “purificá-
política, especialmente em territórios vulneráveis, -lo”, tirando-os da situação de “risco” na
como os de implantação dos Territórios de Paz. qual se encontra a grande maioria. Nessa
(MADEIRA; RODRIGUES, 2015, p.5) situação de “risco”, mais do que se preo-
cupar com a “purificação” desse jovem
Os autores apontaram detalhadamente pobre, destinam-se os recursos no intuito
de assegurar aos mais educados (classe do-
Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
35
minante) menos desconfiança e medo da mentação da liderança do PCC. Além disso, du-
criminalidade. rante a minha gestão não se fez nenhuma espécie
de concessão ao PCC. Pode ter havido uma ou
Em uma entrevista elaborada por Mi- outra concessão na ponta, mas como atuação de
raglia e Salla (2008), o ex-secretário de Se- Governo, uma concessão ao “partido”, à orga-
Artigos
gurança Pública do Estado de São Paulo, nização criminosa como uma forma de manter
Nagashi Furukawa, fez um diagnóstico de a paz, isso nunca aconteceu. É claro que quem
sua gestão e dos impasses relacionados às procura cumprir a lei sem fazer concessões acaba
políticas para a segurança pública no Bra-
provocando descontentamento e, conseqüente-
sil. A crise gerada pelos ataques do PCC
mente, rebeliões. (MIRAGLIA; SALLA, 2008,
(Primeiro Comando da Capital) em 2006,
p.24).
suas origens e consequências.
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
7 “O PES é uma metodologia criada pelo economista chileno Carlos Matus. O PES é um método e uma teoria do planejamento
estratégico público, considerado pelo autor o mais novo dos ramos do planejamento estratégico. Foi concebido para servir aos dirigentes
políticos, tanto no governo como na oposição. Seu tema central são os problemas públicos, sendo também aplicável a qualquer órgão
cujo centro de jogo não seja exclusivamente o mercado, mas o jogo político, econômico e social” (Huertas, 2004 apud BIRCHAL, 2012,
p.525).
36 Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
pública na cidade; 3. Número de policiais mili- Carvalho e Silva (2011) empreende-
tares na cidade está aquém do necessário para o ram análise sobre o Estado da Arte da se-
adequado desempenho de suas funções; 4. Falta gurança pública no Brasil contemporâneo
de preparo dos policiais, acusando necessidade de e os desafios enfrentados pela sociedade
treinamento e reciclagem; 5. Falta de recursos a democrática brasileira em relação a sua
Artigos
serem aplicados na aquisição de novos equipa- participação nos processos decisórios das
mentos para a segurança pública no município; políticas públicas em segurança. Também
6. Carência de estrutura e educação (familiar e
efetivaram algumas considerações em tor-
no dos programas nacionais de segurança
escolar) adequadas; 7. Falta de recursos a serem
pública, sendo eles: Plano Nacional de Se-
aplicados na construção de novas instalações pri-
gurança Pública (PNSP), implementado a
sionais. (BIRCHAL et al, 2012, p.536)
partir do ano 2000, e do Programa Nacio-
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
nal de Segurança Pública com Cidadania
A ferramenta do PES se mostrou re-
(Pronasci), estruturado em 2007.
levante, segundo os autores, para a pro-
dução de estratégias de ação por parte
Na exposição dos autores, citando Salla
do Estado na pasta da segurança pública
(2003), o PNSP “compreendia 124 ações
naquele município mineiro. Contudo, os
distribuídas em 15 compromissos que es-
autores apontaram problemas na condu-
tavam voltadas para áreas diversas como o
ção do método, principalmente na dificul-
combate ao narcotráfico e ao crime organi-
dade de cooperação entre os atores sociais
zado; o desarmamento; a capacitação pro-
envolvidos no processo. Outra coisa que
fissional; e o reaparelhamento das polícias,
me chamou atenção é a dificuldade do
a atualização da legislação sobre segurança
excesso de democracia em tomadas de de-
pública, a redução da violência urbana e
cisão que envolve muita gente. Seguindo
o aperfeiçoamento do sistema penitenci-
uma trajetória guiada por Olson (2002),
ário”. No entanto, o plano não era claro
grupos muito densos têm dificuldades
quanto aos recursos utilizados e as metas
em tomar decisões e o PES, neste caso de
reais a serem alcançadas (CARVALHO;
Lavras, levou em conta grupos focais de
SILVA, 2011, p.63).
diversas instituições e atores sociais o que
pode ter implicado em pouco impacto nos
Já no que tange a esfera de atuação do
resultados da pesquisa empreendida pelos
governo Lula, foi criado o Sistema Único
autores.
de Segurança Pública que buscava con-
templar uma ampla gama de atuações,
Outrossim, houve uma clara rejeição
contudo, excluindo o sistema carcerário,
por parte dos autores, do uso da estatísti-
ou a política penitenciária, do escopo da-
ca e de modelos matemáticos no nortea-
quelas ações. No linguajar dos autores:
mento do planejamento estratégico, o que
“Estabelecer ações integradas no campo
causa estranheza, pois não se faz política
da segurança pública sem que o sistema
pública alguma sem o uso adequado de
prisional, receptor dos resultados de ações
ferramentas quantitativas (BIRCHAL et
policiais ou judiciais, dominado em alguns
al, 2012, p.541).
estados pelo crime organizado, esteja con-
templado, significa limitar as possibilida-
Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
37
des de atuação” (IDEM, p.64). lidade mais comum, sendo uma polícia
mais específica em confronto ao crime or-
O Pronasci, criado em 2007, buscava ganizado mais sofisticado (CANO, 2006).
justamente preencher aquela lacuna. O
referido programa apresentou um olhar Ao nível estadual, Cano apontou para
Artigos
Cano (2006) fez uma análise críti- • Experiências de polícia comunitária em vários
ca sobre o modelo de segurança pública estados, em geral com resultados positivos, pelo
adotado no Brasil no período anterior ao menos em relação à imagem da polícia em suas
Pronasci como política pública nacional. relações com a comunidade. Não tem havido,
O paper refere-se às atuações limitadas das contudo, redução significativa das taxas de crimi-
esferas federais, estaduais e municipais, re- nalidade. O elemento mais importante, de fato,
ferindo-se também ao modo como a escas-
é a mudança no relacionamento entre a polícia
sez de recursos na área da segurança públi-
e a comunidade. De qualquer forma, nenhum
ca cria uma pressão social para o confronto
estado adotou o modelo de polícia comunitária
da criminalidade em bases bastante limi-
tadas. Seu foco é o papel das instituições como modelo geral para a Polícia Militar;
coercitivas nos três níveis da federação. • Criação de Ouvidorias de Polícia em vários es-
tados. As Ouvidorias têm como missão receber
No plano federal, o autor criticou as denúncias de abusos cometidos por policiais,
medidas dos governos federais em torno garantindo o anonimato do denunciante, se
da construção de projetos, como o PNSP for necessário. As denúncias são encaminhadas
e o SUSP (Sistema Único de Segurança às Corregedorias (Departamentos de Assuntos
Pública), que mais “ficaram no papel” do Internos) para serem investigadas e a Ouvidoria
que se transformaram em atuação eficien- acompanha esta investigação. A instituição pú-
te do Estado no controle da criminalidade blica relatório periódico sobre as denúncias rece-
crescente. Também enumerou algumas bidas e funciona como elemento de mobilização
ações da polícia federal e suas limitações e conscientização sobre o assunto. No entanto, a
como instituição no controle da crimina-
38 Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
falta de comunicação posterior com os denun- No âmbito municipal, Cano destaca
ciantes e a baixa proporção de casos que resultam algumas ações na política de segurança
em punição para os acusados provocam um como a criação ou expansão de uma guar-
considerável grau de insatisfação entre os denun- da municipal, o estabelecimento de alar-
ciantes, como mostraram as pesquisas realizadas mes ou câmaras de monitoramento em
Artigos
em três Ouvidorias. O grau de institucionaliza- locais críticos na cidade, ou implementa-
ção é ainda incipiente e o desempenho depende ção de projetos sociais. Todas as ações têm
em grande medida da figura do Ouvidor. Não é
mais caráter preventivo que repressivo.
comum contarem as Ouvidorias com um qua-
Há, segundo ele, efeitos colaterais
dro de funcionários ou orçamentos próprios, e
quando um determinado município im-
muitas funcionam nos edifícios das Secretarias de
plementa uma política pública o que pode
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
Segurança, contrariando sua vocação de manter refletir em migração do crime. Caso que
sigilo; o autor exemplifica é o de Diadema que,
• Uso de técnicas de georreferenciamento para depois de implantar a Lei Seca, viu o crime
mapear as áreas e horários de maior incidência trasladar para outros municípios próximos
criminal, com a finalidade de dirigir o patru- já que muitas pessoas iam para tais cida-
lhamento preventivo a esses pontos críticos. De des em busca de diversão (CANO, 2006,
fato, os estudos clássicos que avaliavam o impacto p.146).
do patrulhamento, como o de Kansas City em
1972, concluíram que o patrulhamento não es- Mello et al (2011) fizeram pesquisa so-
pecífico, sem foco espacial ou temporal, não con- bre as políticas públicas de segurança para
segue reduzir a criminalidade. A Polícia Militar de a comunidade LGBT9 no Brasil. Efetua-
Belo Horizonte, entre outras, trabalhou na linha
ram levantamento estatístico, tendo como
base o “Relatório sobre violência homo-
do georreferenciamento;
fóbica no Brasil: o ano de 2011/ano de
• Programas-piloto para reduzir a violência letal
2012”, no qual destrincharam o perfil da
em áreas marginais com alta incidência de ho-
vítima de violência homofóbica. Tal per-
micídios. Entre eles, podemos citar GPAE8 no fil corresponde à “maior parte das vítimas
Rio de Janeiro e “Fica Vivo” em Belo Horizonte. dessas violações identificada como pessoas
Constituem uma certa novidade no país, porque do sexo biológico masculino (67,5% em
os crimes contra a vida, ao contrário dos crimes 2011; e 71,38% em 2012), são negras
contra a propriedade e os sequestros, nunca fo- (51,1% em 2011; e 40,55% em 2012),
ram uma prioridade das políticas de segurança jovens (47,1% com idade entre 15 e 29
pública brasileira. Isso acontece, entre outras ra- anos, em 2011; e 61,16% em 2012)”
zões, porque as vítimas de homicídios são em sua (MELLO et al, 2011, p.301).
maioria pessoas das classes mais humildes, sem
voz nem influência política comparáveis às classes
médias e altas. (CANO, 2006, p.142-143)
Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
39
Os autores apontaram para o esforço públicas de segurança adotadas no Rio de
do governo federal em torno dessas políti- Janeiro ainda sofrem influência da escola
cas específicas, destacando o papel do Pro- positivista lombrosiana do século XVII.
nasci na condução do processo, embora, Sob a batuta teórica de Foucault (1987),
efetivamente, os resultados sejam frágeis. os autores fazem duras críticas ao uso do
Artigos
10 Veículo de combate adotado pelo Batalhão de Operações Táticas Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (BOPE).
11 Mortes provocadas em confronto com a polícia, geralmente resultando em assassinatos “legalizados”.
40 Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
No levantamento feito aqui, a maio- Política, a Antropologia e a Administração
ria dos trabalhos teve como área de con- Pública. Cada uma delas com três títulos
centração a sociologia12. Dos 33 trabalhos publicados. Com dois títulos publicados
descritos e analisados, 10 deles foram des- ficaram: Geografia, Psicologia e Econo-
ta área, ou seja, 32% dos estudos. Em se- mia. As demais, com um título apenas (cf.
Artigos
gundo lugar ficaram empatados a Ciência tabela 3).
12
Tabela 3 - Áreas, Número de Títulos e Percentual das publicações do Scielo.com (2005/2016)
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
Área Número de Títulos Percentual
Sociologia 10 32%
Ciência Política 3 9%
Antropologia 3 9%
Administração Pública 3 9%
Geografia 2 6%
Psicologia 2 6%
Economia 2 6%
Criminologia 1 3%
Ciência da Informação 1 3%
Ciência Policial 1 3%
Relações Internacionais 1 3%
Filosofia 1 3%
Interdisciplinar 1 3%
Direito 1 3%
Direitos Humanos 1 3%
12 O método adotado foi a área do periódico e/ou formação dos pesquisadores-autores e o método de pesquisa utilizado.
Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
41
Tabela 4 - Tendências Metodológicas e/ou teóricas dos autores e Periódico de publicação
Las Casas (2015) Revista Brasileira de Política Internacional Análise neo-institucional histórica
Nóbrega Jr. (2010) Revista de Sociologia e Política Análise baseada na Teoria Minimalista
da Democracia/narrativa histórica
Cano (2006)
São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
SUR: Revista Internacional Análise documental
de Direitos Humanos
Tavares (2011) Fractal: Revista de Psicologia Análise crítica
Artigos
Mello et al (2011) Estudos Feministas Entrevistas/grupo focal
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
Pelo que vimos, não há domínio teóri- negativos das instituições responsáveis pela
co metodológico na área e a regra é a mul- segurança pública, já os trabalhos mais téc-
tidisciplinaridade, o que se mostra bastan- nicos visam trazer soluções para a prática
te positivo, pois elenca várias perspectivas cotidiana da segurança pública.
críticas e propositivas para o gestor das
políticas públicas em segurança. Contudo, O que se escreve sobre a segurança
há predominância de estudos normativos, pública no Brasil está repleto de aspectos
etnográficos, narrativos, em detrimento teóricos e metodológicos o que nos faz re-
de trabalhos que busquem testar hipóteses fletir sobre a importância do tema, já que
como forma de maior consistência com- o crime violento e a insegurança pública
probatória dos argumentos, com o uso de se mostram hoje como dois dos principais
estatística e método quantitativo inferen- pontos de preocupação dos cidadãos bra-
cial. sileiros.
Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
43
Referências Bibliográficas
ADORNO, S. A criminalidade urbana violenta no Brasil: tolo. Metropolização, homicídios e segurança pública na
um recorte temático. Revista Brasileira de Informação área metropolitana de Brasília: o município de Águas
Artigos
Bibliográfica em Ciências Sociais, Rio de Janeiro, n. 35, Lindas de Goiás. Revista Sociedade e Estado, v. 31, n.
jan./jun. 1993, p. 3-24. 2, Maio/Agosto 2016.
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Mudança do Pa- BECKER, G. (1968). Crime and punishment: an economic
radigma Repressivo em Segurança Pública: reflexões approach. Journal of Political Economy, v. 76,, 1968,
criminológicas críticas em torno da proposta da 1º p. 169 – 217.
Conferência Nacional Brasileira de Segurança Pública.
Seqüência (Florianópolis), n. 67, dez. 2013, p. 335-356. BERLATTO, Fábia (2011). A Política dos Discursos Políticos:
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
BATELLA, Wagner Barbosa; DINIZ, Alexandre Magno CARVALHO, Vilobaldo Adelídio de; e SILVA, Maria do Ro-
Alves. Análise Espacial dos Condicionantes da Crimina- sário de Fátima e (2011). Política de segurança pública
lidade Violenta no Estado De Minas Gerais. Sociedade no Brasil: avanços, limites e desafios. R. Katál., Florianó-
& Natureza, Uberlândia, 22 (1), , abr. 2010, 151-163. polis, v. 14, n. 1, jan./jun. 2011, p. 59-67.
BATISTA, Analía Soria; FRANÇA, Karla Christina Batista; EHRLICH, I. (1973). Participation in Illegitimate Activities:
BERDET, Marcelo; PINTO, Marizângela Aparecida de Bor- A Theoretical and Empirical Investigation, The Journal of
44 Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
Political Economy. Vol. 81, 1973, p. 521-565. Revista Direito GV | SÃO PAULO | V. 12 N. 1, JAN-ABR,
2016, p. 49-85.
FAIAD, Cristiane; COELHO JÚNIOR, Francisco Antônio;
CAETANO, Patrícia F.; ALBUQUERQUE, Anelise S. Análise LIMA, Renato Sérgio de; SINHORETTO, Jacqueline & BUE-
Profissiográfica e Mapeamento de Competências nas NO, Samira. A gestão da vida e da segurança pública no
Artigos
Instituições de Segurança Pública. PSICOLOGIA: CIÊNCIA Brasil. Revista Sociedade e Estado, Volume 30, Nú-
E PROFISSÃO, 2012, 32 (2), 2012, p. 388-403. mero 1, Janeiro/Abril, 2015, p. 123-144.
FELTRAN, Gabriel de Santis. “Crime e castigo na cidade: MADEIRA, Lígia Mori e RODRIGUES, Alexandre Ben.
os repertórios da justiça e a questão do homicídio nas “Novas bases para as políticas públicas de segurança no
periferias de São Paulo”. CADERNO CRH, Salvador, v. 23, Brasil a partir das práticas do governo federal no perío-
n. 58, Jan./Abr. 2010, p. 59-73. do 2003-2011”. Rev. Adm. Pública — Rio de Janeiro
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
49(1),3-21, jan./fev. 2015, p. 3-21.
FONSECA, Jeferson A.; PEREIRA, Luciano Z.; e GONÇAL-
VES, Carlos A. “Retórica na construção de realidades na MAINWARING, Scott; BRINKS, Daniel e PÉREZ-LIÑAN,
segurança pública: abordagens dos sistemas de Minas Aníbal. Classificando Regimes Políticos na América La-
Gerais e São Paulo”. Rev. Adm. Pública — Rio de Janei- tina, 1945-1999. Dados – Revista de Ciências Sociais.
ro 49(2), mar./abr, 2015, p. 395-422. Rio de Janeiro. Vol. 44. Nº 4, 2001, pp. 645-687.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da pri- MELLO, Luiz; AVELAR, Rezende Bruno de; e BRITO, W. Po-
são. Ed. Vozes. Rio de Janeiro, 1987. líticas públicas de segurança para a População LGBT no
Brasil. Estudos Feministas, Florianópolis, 22(1),, janeiro-
FREY, Klaus.. “Políticas públicas: Um debate conceitual e -abril/2014, p. 416.
reflexões referentes à prática da análise de políticas pú-
blicas no Brasil”. Planejamento e Políticas Públicas, n. MIRAGLIA, Paula e SALLA, Fernando. O PCC e a gestão
21, 2000, pp. 211-259. dos presídios em São Paulo. NOVOS ESTUDOS, n. 80,
2008, p. 21-41.
GOLDSTEIN, H. Improving policing: a problem-oriented
approach. Crime and Delinquency, vol. 25, April 1979, MISSE, Michel. Crime Organizado e crime comum no Rio
p. 236-258. De Janeiro: diferenças e afinidades”. Rev. Sociol. Polít.,
Curitiba, v. 19, n. 40, 2011, p. 13-25.
KANT DE LIMA, R.; MISSE, M.; MIRANDA, A. P. M. Vio-
lência, criminalidade, segurança pública e justiça crimi- MUNIZ, Jacqueline de Oliveira; e JÚNIOR, Domício Pro-
nal no Brasil: uma bibliografia. Revista Brasileira de ença. Armamento é Direitos Humanos: nossos fins, os
Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, Rio de meios e seus modos. Revista Sociedade e Estado -
Janeiro, n. 50, 2000, p. 45-124. Volume 28 Número 1, Janeiro/Abril, 2013, p. 119-141.
LAS CASAS, Taiane. A integração regional como me- NEIVA, P. Revisitando o calcanhar de aquiles metodológi-
canismo para provisão de bens públicos: uma análise co das ciências sociais no Brasil. Sociologia, Problemas
comparativa da agenda de segurança pública no Mer- e Práticas, Lisboa, n. 79, 2015 p. 65-83.
cosul e na Comunidade Andina de Nações. Revista
Brasileira de Política Internacional. N. 58 (1), 2015, NÓBREGA JR., José Maria Pereira da. A Militarização da
p. 23-41. Segurança Pública: Um Entrave Para a Democracia Bra-
sileira. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 35, fev. 2010,
LIMA, Renato Sérgio de; BUENO, Samira; e MINGARDI, p. 119-130.
Guaracy. Estado, polícias e segurança pública no Brasil.
NÓBREGA JÚNIOR, José Maria P. da. “Teorias do Crime e
Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
45
da Violência: Uma Revisão da Literatura”. BIB, São Paulo, Crime Social, Castigo Social: Desigualdade de Renda e
n. 77, 1º semestre de 2014 (publicada em dezembro de Taxas de Criminalidade nos Grandes Municípios Brasilei-
2015), pp. 69-89. ros. Est. Econ., São Paulo, v. 41, n. 1, 2011, p. 173-195.
NORTH, D. Institutions, Institutional Change and Eco- RIBEIRO, L; TEIXEIRA, A. N., O calcanhar de Aquiles dos
Artigos
nomic Performance, Cambridge: Cambridge University estudos sobre crime, violência e dinâmica criminal. BIB,
Press, 1990. São Paulo, n. 84, 2/2017 (publicada em abril de 2018),
pp. 13-80.
OLSON, Mancur . A Lógica da Ação Coletiva. Os Be-
nefícios Públicos e uma Teoria dos Grupos Sociais, SALLA, Fernando. Os impasses da democracia brasileira:
Edusp, São Paulo, 2002, p. 17-72. o balanço de uma década de políticas para as prisões no
Brasil. Revista Lusotopie, Paris, v. 10, 2003, p. 419-435.
PEREIRA-FILHO, Oliveira Alves; TANNURI-PIANTO, Maria
O que se escreve no Brasil sobre Segurança Pública? Uma revisão da literatura recente
José Maria Pereira da Nóbrega Júnior
Eduarda; e SOUSA; Maria da Conceição Sampaio de. SAPORI, L. F. e SOARES, G. A. D. Por que cresce a vio-
Medidas de custo-eficiência dos SERVIÇOS subnacionais lência no Brasil? Editora PUCMINAS autêntica, Belo Ho-
de Segurança Pública no Brasil: 2001-2006. Economia rizonte, 2014.
Aplicada, v.14, n.3, 2008, p. 313-338.
SCALCO, Paulo Roberto; AMORIM, Airton Lopes; e GO-
PORTO, Maria Stela Grossi. Brasília, uma cidade como as MES, Adriano P. Eficiência técnica da Polícia Militar em
outras? Representações sociais e práticas de violência. Minas Gerais. Nova Economia, Belo Horizonte, 22 (1),
Sociedade e Estado, Brasília, v. 24, n. 3, set./dez, 2009, janeiro-abril, 2012, p. 165-190.
p. 797-826.
SUTHERLAND, E. H. Principles of criminology. Philadel-
PORTO, Maria Stela Grossi. Mídia, segurança pública e phia: J.B. Lippincott, 1939.
representações sociais. Tempo Social, Revista de socio-
logia da USP, v. 21, n.2. TAVARES, Gilead M. O dispositivo da criminalidade e suas
estratégias. Fractal: Revista de Psicologia, v. 23 – n. 1,
PROENÇA JÚNIOR, Domício. Forças Armadas para quê? Jan./Abr. 2011, p. 123-136.
Para isso. CONTEXTO INTERNACIONAL, vol. 33, n. 2, ju-
lho/dezembro, 2011. WILSON, J. Q.; KELLING, G. Broken windows: the poli-
ce and neighborhood safety. The Atlantic, mar. 1982.
RATTON, J. L., Crime, polícia e sistema de justiça no Brasil Disponível em: <http://www.theatlantic.com/maga-
contemporâneo: uma cartografia (incompleta) dos con- zine/archive/1982/03/broken-windows/304465/>.
sensos e dissensos da produção recente das ciências so- Acesso em: 19 nov, 2015.
ciais. BIB, São Paulo, n. 84, 2/2017 (publicada em abril
de 2018), pp. 5-12. ZALUAR, Alba e RIBEIRO, Ana Paula Alves. Teoria da efi-
cácia coletiva e violência. O paradoxo do subúrbio cario-
RESENDE, João Paulo de; e ANDRADE, Mônica Viegas. ca. Novos Estudos, 2009.
46 Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
Artigos
Rev. bras. segur. pública São Paulo v. 12, n. 2, 14-47, ago/set 2018
47