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Educação ambiental crítica: do socioambientalismo às

sociedades sustentáveis

Gustavo Ferreira da Costa Lima


Universidade Federal da Paraíba

Resumo

O artigo reflete sobre o contexto histórico e teórico de formação


da educação ambiental brasileira a partir da perspectiva do que
se convencionou chamar de educação ambiental crítica. Partindo
de um referencial teórico-conceitual da ecologia política, da te-
oria crítica e do pensamento complexo, problematiza as origens
e os desdobramentos político-culturais, os argumentos e movi-
mentos sociais que formataram essa tendência pedagógica de
marcante presença na realidade educacional e ambiental brasilei-
ra. À luz desses referenciais, o artigo revisa e sistematiza a produ-
ção pertinente a esse novo campo de conhecimento e ação e,
nesse sentido, dialoga, por meio desta produção, com os pesqui-
sadores, educadores, agentes públicos e de organizações da so-
ciedade civil que, nas décadas recentes, se envolveram com prá-
ticas e reflexões sobre a relação entre sociedade, educação e
meio ambiente no Brasil. Investiga, para tanto, o debate, a dife-
renciação e as disputas internas ao campo da educação ambiental
no Brasil, o processo de constituição do socioambientalismo que
se coloca em contraposição a outra tendência conservacionista
de educação ambiental e a construção de uma crítica a uma edu-
cação para o desenvolvimento sustentável, proposto pela
UNESCO e demais setores interessados na conservação do status
quo e numa sustentabilidade orientada pelas forças do mercado.
Destaca, assim, em uma perspectiva histórica, as matrizes filosó-
ficas, as posições político-pedagógicas e as forças sociais que ins-
piraram a emergência da educação ambiental crítica assim como
as contribuições decisivas que esse processo legou ao avanço
ético e político das relações entre a educação, a sociedade e o
meio ambiente no Brasil.

Palavras-chave

Educação ambiental — Pensamento crítico — Ambientalismo — De-


senvolvimento sustentável.

Correspondência:
Gustavo Ferreira da Costa Lima
Praça de Casa Forte, 534
52061-420 - Recife – PE
e-mail: gust3lima@uol.com.br

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.1, p. 145-163, jan./abr. 2009 145

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Critical environmental education: from socio-
environmentalism to sustainable societies

Gustavo Ferreira da Costa Lima


Universidade Federal da Paraíba

Abstract

The article is a reflection about the historical and theoretical


contexts of the creation of environmental education in Brazil, from
the perspective of what came to be called Critical Environmental
Education. Starting from the theoretical and conceptual framework
of political ecology, of critical theory, and of complexity thinking,
the text problematizes the origins and the political-cultural
unfolding, the arguments and social movements that have shaped
this pedagogical trend of such marked presence in the Brazilian
educational and environmental reality. The methodological path
traversed here revisits and systematizes the literature pertaining to
this new field of knowledge and action, and dialogues with our
doctorate research which, for almost a decade, observed in loco the
recent education initiatives in the field of environmental education
in Brazil, following various events in this area, and interviewing
significant sources of information belonging to social movements,
public bodies and academic sectors associated with this field. In
doing so, this article investigates the debate, the differentiation and the
internal disputes in the field of environmental education in Brazil, the
process of constitution of the socio-environmentalism that positions
itself in opposition to a different conservationist trend in environmental
education, and the construction of a critique to an education for the
sustainable development — ESD, proposed by UNESCO and other sectors
interested in the keeping of the status quo and in a sustainability
oriented by market forces. It thereby highlights, under a historical
perspective, the philosophical origins, the political-pedagogical
positions, and the social forces that inspired the emergence of critical
environmental education, as well as the decisive contributions that this
process made to the ethic and political progress in the relations
between education, society and environment in Brazil.

Keywords

Environmental education — Critical thinking — Environmentalism —


Contact: Sustainable development.
Gustavo Ferreira da Costa Lima
Praça de Casa Forte, 534
52061-420 - Recife – PE
e-mail: gust3lima@uol.com.br

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A educação ambiental — EA — no Brasil A interpretação sugerida no presente ar-
se constituiu como um campo de conhecimen- tigo utiliza como referenciais de análise elemen-
to e de atividade pedagógica e política a par- tos teóricos e conceituais da ecologia política, da
tir das décadas de 70 e, sobretudo, de 80 do teoria crítica e de suas implicações na educação
século próximo passado. Ela já nasceu como como é o caso da educação popular e do pen-
um campo plural e diferenciado que reunia samento complexo. Particularmente, vamos ex-
contribuições de diversas disciplinas científicas, plorar ao longo da trajetória da EA crítica um
matrizes filosóficas, posições político-pedagó- conjunto de noções principais como: cidadania
gicas, atores e movimentos sociais. ambiental, participação/democracia participativa,
A despeito dessa diversidade constitutiva, é interdisciplinaridade, socioambientalismo e so-
possível perceber em seu núcleo orientador as ciedade sustentável que, a meu ver, caracterizam
tendências dominantes que forjaram seu perfil e e iluminam a trajetória dessa tendência de EA.
que definiram o debate e a direção de sua traje- A ecologia política aparece como um
tória histórica. A tendência crítica é uma dessas quadro reflexivo e analítico — além de político
perspectivas político-pedagógicas centrais dentro — construído a partir dos anos 1970 por um
do campo e é à sua compreensão que o presente conjunto diverso de contribuições que, em meu
artigo se dedica. Nesse sentido, propõe uma inter- entender, explicita os motivos e argumentos
pretação histórica e sociológica de suas origens expressos pela EA crítica, na medida em que
sociais e políticas, de suas influências culturais, dos promove a politização e a crítica dos problemas
conflitos e das bases teórico-conceituais que per- ambientais, de sua gênese, consequências, con-
mitiram formular essa perspectiva particular de tradições e possíveis alternativas. Segundo
abordagem da relação entre a educação, a socie- Lipietz (2000):
dade e as questões ambientais.
A compreensão dos processos históricos, A ecologia científica diz-nos quais são os
de diferenciação dos campos sociais e de seu efeitos de nossos comportamentos e práti-
desenvolvimento no interior da sociedade não cas; esclarece-nos sobre o que está em jogo.
só ilumina o passado, mas auxilia a compreen- Aos homens, no entanto, cabe-lhes escolher
são e a ação presentes e a construção do fu- o modo de desenvolvimento que desejam,
turo. Sempre quando aprofundamos a nossa em função de valores que evoluem no cur-
consciência e discernimento sobre os processos so de debates públicos. Levando a sério os
sociohistóricos, ampliamos nossas possibilida- desequilíbrios provocados pela atividade
des de escolha e nossa liberdade de ação frente humana, a ecologia política vai interrogar-se
à vasta e confusa oferta de informação que sobre a modernidade e desenvolver uma
caracteriza o mundo contemporâneo. No caso análise crítica do funcionamento das socie-
da EA e do pensamento crítico, essa reflexão se dades industriais. Esta análise questiona um
valida tanto em relação à contribuição já acumu- certo número de valores e de conceitos-cha-
lada quanto em relação aos novos desafios e ve sobre os quais se apóiam nossa cultura
debates criados e multiplicados continuamente ocidental. (p. 2-3)
pelo avanço da degradação ecossistêmica e das
próprias relações sociais; pelo aprofundamento Nesse sentido, a ecologia política trouxe
das desigualdades e exclusões sociais; pela en- a contribuição das ciências humanas e sociais
ganosa difusão de discursos, como o desenvol- para a reflexão e o debate ecológico que, até
vimento sustentável — DS — da educação para o então, eram pautados por leituras biologicistas e
desenvolvimento; e pela naturalização do mer- despolitizados dos problemas ambientais. Procu-
cado e das ideologias neoliberais como referên- ra, justamente, incorporar aqueles elementos que
cias de regulação da policrise social. os olhares disciplinares deixavam fora da aná-

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lise como: os modelos de desenvolvimento teoria quanto em sua prática social, a educação
econômico-social, os interesses e conflitos de popular se orientou e, segue se orientando, pela
classe, os padrões culturais e ideológicos e as aspiração emancipadora dos educandos; pela
injunções políticas dominantes na sociedade. prática educativa mais construtora que mera-
Loureiro (2006), ao analisar as contribui- mente difusora do conhecimento; pela defesa
ções das teorias críticas à EA, ressalta que, em e produção de um ambiente educativo e soci-
um sentido particular à teoria educacional, al democrático e dialógico; pela articulação
podem-se considerar como críticas todas as entre o processo educativo, a vida e as lutas
pedagogias divergentes da prática educativa sociais; pela recusa de toda forma de autori-
tradicional marcada por tarismo, domínio e manipulação humana, inclu-
ída as assimetrias entre professores e alunos;
[...] uma organização curricular fragmentada pela rejeição de uma ciência positivista, instru-
e hierarquizada, neutralidade do conheci- mental e reducionista; e pela transformação de
mento transmitido e produzido; e organiza- todas as condições opressivas da vida humana,
ção escolar e planejamento do processo de em especial daqueles já penalizados por sua
ensino e aprendizagem concebidos como condição social (Streck, 1996).
pura racionalidade, pautados em finalidades A perspectiva da complexidade se justifi-
pedagógicas desinteressadas quanto às im- ca pela premissa que compreende as questões
plicações sociais de suas práticas. (p. 52) ambientais como inerentemente interdisciplinares
e multidimensionais, não sendo possível abordá-
Nesse sentido, seriam críticas não só teo- las adequadamente por olhares disciplinares e
rias pedagógicas marxistas, mas também aquelas reducionistas. Parte da constatação de que a
associadas à fenomenologia e à hermenêutica. modernidade avançada tem produzido e coloca-
As influências críticas de origem marxista e/ do, para a sociedade, uma qualidade nova de
ou frankfurtianas, que chamam nossa atenção problemas decorrentes da própria reflexividade
nesse momento, chegam à educação ambiental do conhecimento e/ou do avanço tecnológico
brasileira por meio da educação popular, especial- que os saberes especializados e fragmentados
mente mediante a reflexão pedagógica e política não conseguem abarcar (Morin, 1996; Beck,
de nomes como Paulo Freire, Carlos Rodrigues 1997; Leff, 1999).
Brandão, Moacir Gadotti, entre outros. Gadotti e Vale ainda ressaltar que dialoga com mi-
Torres (1994) definem a educação popular como nha pesquisa de doutorado1 que, por quase uma
uma alternativa político-pedagógica aos projetos década, observou presencialmente a formação
educativos tradicionais dominantes, que se cons- recente do campo da educação ambiental no
tituiu, simultaneamente, como modelo teórico e Brasil, acompanhando inúmeros eventos da área
como prática social. Surgida das lutas em defesa e entrevistando informantes significativos dos
dos interesses populares, a educação popular movimentos sociais, de órgãos públicos e do
congregou e articulou diversas tradições políti- setor acadêmico voltados ao tema.
co-ideológicas e pedagógicas, de alguma manei- Em resumo, o artigo que ora apresenta-
ra convergentes, que incluem o marxismo e as mos pretende contextualizar, histórica e sociolo-
pedagogias críticas, a teologia da libertação, a gicamente, a emergência do campo da educação
teoria da dependência, os movimentos sociais, as ambiental no Brasil, observando em particular
ONGs e os partidos políticos comprometidos com como nele teve surgimento uma tendência crí-
as lutas de resistência e emancipação das popu-
lações desfavorecidas e oprimidas como o cam- 1. Lima, Gustavo Ferreira da Costa. Formação e dinâmica do campo da
educação ambiental no Brasil: emergência, identidades, desafios. 2005.
ponês, o indígena, a mulher, o afro-americano, 207 p.Tese (Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Uni-
o analfabeto e o operário industrial. Tanto em versidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2005.

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tica e explorando argumentos, motivos e obje- movimentos e debates preservacionistas e
tivos que justificaram essa diferenciação dentro conservacionistas verificados na América do
do campo e as contribuições educacionais e Norte; e das heranças do romantismo como
sociais daí decorrentes. movimento estético e sociocultural.
Essa seção, nesse sentido, trata de re-
O contexto histórico de constituir as condições sociais e históricas, os
surgimento da educação fatos e os debates, os contextos e os movi-
ambiental no Brasil mentos, enfim, a atmosfera cultural e política
que antecedeu, influenciou e abriu caminho
Como vimos acima, a educação ambiental para a formação do campo da EA no país.
se constituiu no Brasil a partir das décadas de Do ponto de vista político e institucional,
1970 e 1980, como um campo complexo, plu- o país vivia um período autoritário que se inici-
ral e diverso, formado por um conjunto de ato- ara com o Golpe Militar de 1964 e só retornaria
res e setores sociais que direta ou indiretamen- ao estado democrático de direito com a eleição
te exerceram influência em seus rumos como: os indireta de um presidente civil em 1985, por meio
organismos internacionais, nomeadamente a da coalizão formada em torno da candidatura
ONU, a UNESCO e organismos financeiros asso- Tancredo Neves. Nesse clima de liberdades restri-
ciados; os sistemas governamentais de meio tas, tanto a crítica e o debate político não pros-
ambiente nas esferas federal, estadual e munici- peravam como a própria abordagem da questão
pal; as associações, os movimentos e as ONGs ambiental sofria influências conservadoras. Isso
ambientalistas representantes da sociedade civil porque a questão ambiental se desenvolvia e
organizada; as instituições científicas, educaci- subordinava a uma orientação maior de governo
onais ou religiosas; e as empresas de algum de perfil desenvolvimentista, tecnocrático e auto-
modo envolvidas com o financiamento ou de- ritário, que demarcava claramente o sentido e os
senvolvimento de ações educativas voltadas ao limites do que era possível avançar nessa área.
meio ambiente. Naturalmente essas influências Uma das consequências do clima auto-
não se exerceram de modo homogêneo nem ritário vigente à época sobre esse campo está
com a mesma intensidade. No caso brasileiro, na constatação de que a EA brasileira, em seus
foram, sobretudo, decisivas no primeiro mo- primórdios, foi orientada por uma visão hege-
mento de sua constituição, as pressões dos mônica de perfil conservacionista, tecnicista,
organismos internacionais sobre o governo para conservadora e apolítica, embora essa não fos-
instituir órgãos e políticas públicas ambientais, se sua expressão exclusiva. Associado a isso,
a ação da sociedade civil por meio dos movi- deve-se considerar a forte mediação do Estado
mentos sociais e das ONGs e as iniciativas pon- brasileiro nesse processo de constituição do
tuais e pioneiras de escolas e educadores ins- debate e da política ambiental brasileira em
pirados por essa motivação renovadora. detrimento da sociedade civil e de uma cultura
De uma perspectiva cultural ampla, há de participação social (Lima, 2005). Comentan-
que se considerar também múltiplas contribui- do esses reflexos sobre a EA então realizada,
ções éticas, estéticas, político-ideológicas e Loureiro (2004) esclarece:
teóricas provenientes dos movimentos de
contracultura que marcaram a vida cultural do Nesse contexto, a Educação Ambiental se in-
ocidente a partir dos anos 60 do século passa- seriu nos setores governamentais e científicos
do; das tradições anarquistas e socialistas; das vinculados à conservação dos bens naturais,
teorias e pedagogias críticas veiculadas em com forte sentido comportamentalista, tecni-
grande medida pela educação popular; da pro- cista e voltada para o ensino de ecologia e
dução e da cultura das ciências naturais; dos para a resolução de problemas. Evidentemente

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que já havia perspectivas críticas que vincula- do por uma perspectiva de pretensa neutrali-
vam o social ao ambiental, mesmo entre se- dade ideológica, que não problematizava os
tores de órgãos de meio ambiente como a aspectos políticos, econômicos e éticos da
FEEMA (Fundação Estadual de Engenharia e questão ambiental e não exigia mudanças
Meio Ambiente), no Rio de Janeiro, e a profundas na vida social, o conservacionismo
CETESB (Companhia de Tecnologia de Sane- pôde ser assimilado pacificamente, sem gran-
amento Ambiental), em São Paulo, que rea- des traumas. (p. 112)
lizaram importantes cursos e produziram al-
guns textos e guias didáticos excelentes nos Outra consequência relevante do perío-
anos setenta e oitenta, contudo não eram do autoritário sobre a EA, em particular, e so-
tendências hegemônicas (como não são) bre o ambientalismo, em geral, foi a migração
nem possuíam, à época, grande capilaridade de quadros políticos de esquerda para a
no tecido social. (p. 80) militância ambiental, justamente porque os
movimentos ecológicos não eram identificados
Outro registro importante nesse proces- pelo governo autoritário à época como movi-
so é o fato de que a EA brasileira se constituiu mentos políticos. Isso permitia a esses setores
principalmente a partir de iniciativas dos órgãos um tipo de atuação que lhes era vedada pela
de meio ambiente em detrimento dos órgãos suspensão das liberdades democráticas e que
educacionais propriamente ditos como seria de canalizava as energias políticas bloqueadas
se esperar. Segundo Dias (1991): mediante essa nova militância. Esse desloca-
mento e interesse de setores de esquerda pelo
[...] enquanto o sistema educacional brasilei- debate e pela militância ambiental agregou ao
ro não assimilava as novas idéias os órgãos pensamento ambiental e ao ambientalismo,
ligados ao meio ambiente resolveram tomar como movimento, um elemento crítico e soci-
a questão para si, o que não foi ruim, pois, al, proveniente das tradições anarquistas e so-
do contrário, ainda estaríamos na estaca cialistas, que foram decisivos na orientação dos
zero. (p. 6) campos ambiental e da EA.
Deve-se ainda dizer que o fechamento do
Como veremos adiante, essas concep- ciclo autoritário, na segunda metade dos anos
ções e tendências incorporadas pela EA brasi- 1980 e o início do processo de redemocratização,
leira estão entre os motivos contra os quais se deu margem à emergência de uma ampla variedade
levantará mais tarde a tendência crítica. de movimentos sociais, associações e ONGs, inclu-
Lima (2005) também problematiza essa sive voltadas à questão ambiental, que deram força
influência do ciclo autoritário e tecnocrático às lutas sociais e aos debates ambientais e criaram
sobre a educação ambiental hegemônica no um ambiente propício para o diálogo e a aproxi-
período, considerando que: mação entre esses dois setores. Voltaremos a esse
ponto quando analisarmos a emergência do socio-
[...] a interpretação e o discurso conserva- ambientalismo no contexto de desenvolvimento da
cionista que conquistou a hegemonia do EA na segunda metade dos anos 1980.
campo da EA no Brasil em seu período ini- Como já indicamos acima, o desenvolvi-
cial foi vitoriosa entre outras razões, porque mentismo, como ideologia político-cultural
se tornou funcional às instituições políticas dominante no período, é outro elemento des-
e econômicas dominantes, conseguindo se contexto que orientou os debates, os discur-
abordar a questão ambiental por uma pers- sos e as políticas ambientais. A influência de
pectiva natural e técnica que não colocava ideias desenvolvimentistas entre nossas elites
em questão a ordem estabelecida. Inspira- dirigentes, e sobre a orientação da política eco-

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nômica no período do pós-guerra, é outro fa- o que ficou conhecido como o
tor que incidiu sobre a maneira com que a socioambientalismo. Contribuiu também, para
questão ambiental foi tratada no contexto bra- essa dissociação entre o social e o ambiental, a
sileiro. Para o pensamento desenvolvimentista, o excessiva ênfase da militância ambientalista ini-
discurso ambiental representava um obstáculo ao cial em torno de valores e demandas estritamen-
crescimento econômico — e ao industrialismo — te ecológicas e a falta de habilidade política em
tido à época como a resposta a todos os proble- descobrir a convergência entre as agendas
mas sociais do país. Considere-se que, do pon- ambiental e social (Ferreira, 1999; Viola, 1992).
to de vista econômico, o Brasil vivia a fase de Pode-se dizer que o amadurecimento da
crescimento industrial acelerado, que ficou co- experiência e do debate ambiental e político fez
nhecida como o Milagre Brasileiro — sobretudo revelar, a ambientalistas e membros dos movimen-
no período 1969-1973 — e, nesse contexto, a tos sociais, que as questões social e ambiental
defesa da preservação ambiental aparecia para o não eram antagônicas, mas complementares, e
governo e seus ideólogos como uma interferên- que a degradação que atingia a sociedade e o
cia indesejada. Basta dizer que na Conferência ambiente eram produzidas por um mesmo modelo
Internacional da ONU sobre Meio Ambiente re- de desenvolvimento que, em última instância,
alizada em Estocolmo em 1972, a delegação do penalizava, preferencialmente, a qualidade de
governo brasileiro liderou a resistência dos pa- vida dos mais pobres.
íses periféricos em defesa do crescimento in- Com a difusão da proposta de DS, a
dustrial “a qualquer custo” e contra o que en- partir de 1987, quando foi publicado o Relató-
tendiam como manobras dos países centrais rio Brundtland, foi possível renovar o debate
para impedir o seu crescimento. Essa iniciativa sobre o desenvolvimento e reorientar as con-
chegou a ponto de veicular nos meios de co- cepções maniqueístas que contrapunham de-
municação europeus o convite às empresas que senvolvimento e meio ambiente em busca de
desejassem instalar plantas industriais poluentes modelos capazes de conciliar a atividade eco-
no Brasil e que tivessem sofrendo restrições das nômica e a proteção ambiental.
legislações de seus países. Como comenta Guimarães (1995), ficava
A ideologia desenvolvimentista também cada vez mais claro que a dimensão da crise não
permeava o ideário de setores da esquerda se reduzia, como à época da Conferência de
brasileira e foi responsável, durante um largo Estocolmo, a uma questão de como manter lim-
período, por uma compreensão equivocada que pos os ecossistemas e os recursos dos quais de-
via a questão ambiental como dissociada e pendem nossa sobrevivência. Uma nova consci-
antagônica à questão social. Para esses setores, ência constatava a impossibilidade de contrapor
a pobreza e a questão social eram nossas pri- os problemas do meio ambiente e do desenvol-
oridades e o problema da degradação ambiental vimento simplesmente porque esses problemas
era um luxo reservado aos países desenvolvidos eram resultantes do próprio modelo de desenvol-
— uma ideologia importada — que desviava vimento posto em prática.
nossa atenção dos ‘verdadeiros’ problemas do Do ponto de vista internacional, as gran-
país. Essa compreensão, que atravessou e ainda des conferências e os encontros das Nações
cruza o debate ambiental no Brasil, dificultou a Unidas a partir dos 1970 e os debates interna-
formação de alianças significativas entre as en- cionais desencadeados a partir do Relatório
tidades ambientalistas e os demais movimentos Meadows não só promoveram a publicização da
sociais — sindicatos e centrais de trabalhadores questão ambiental como forneceram uma base
urbanos e rurais, seringueiros, indígenas e mu- argumentativa que alimentava a nascente cons-
lheres — que só veio a se estabelecer a partir da ciência ambiental. Embora tivesse aspectos pro-
segunda metade da década de 1980, formando blemáticos, o Relatório Meadows desconstruía o

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mito econômico que apostava num crescimen- trução social repleta de subjetividade, de escolhas
to econômico infinito a partir de uma base de valorativas e de vontades políticas dotado de uma
recursos naturais, cada vez mais, percebida como especial relevância social por sua capacidade de
finita e vulnerável à expansão capitalista. reproduzir ou transformar a ordem social. Assu-
Nessa busca de respostas teóricas e prá- me, portanto, uma função estratégica por estar
ticas de enfrentamento da crise ambiental, sem- diretamente envolvida na socialização e formação
pre se colocou a questão de como utilizar a dos indivíduos e de sua identidade social e cul-
educação como instrumento para criar e promo- tural. A educação, nesse sentido, pode assumir
ver valores, ideias, sensibilidades e atitudes tanto um papel de conservação da ordem social,
favoráveis à preservação do meio ambiente. reproduzindo os valores, as ideologias e os inte-
Por meio da educação, tratava-se, então, de resses dominantes socialmente, como um papel
estimular uma socialização pró-ambiente, capaz emancipatório, comprometido com a renovação
de explorar suas funções de reprodução cultu- cultural, política e ética da sociedade e com o
ral naquilo que a herança cultural valoriza: a pleno desenvolvimento das potencialidades dos
vida humana, social e natural, e de transforma- indivíduos que a compõem.
ção cultural daqueles aspectos da tradição e a No caso ora observado, o que queremos
da cultura dominantes que produzem processos destacar é que a EA brasileira, como campo soci-
de degradação da vida social e ambiental. al, assumiu no período inicial de sua constituição
Importa, contudo, considerar que a edu- as características do contexto político, sociocultural
cação é um subsistema subordinado e articula- e pedagógico hegemônicos naquele momento. No
do ao macrossistema social, apesar de dotado caso brasileiro, vimos como essas características
de particularidades e autonomia relativa. Nes- tendiam para um perfil conservacionista, tecnicista,
se sentido, as concepções e práticas educacio- conservador e apolítico. Isso não significa dizer que
nais se inscrevem e relativamente se subordi- essa tendência conservacionista era única e univer-
nam a um contexto histórico mais amplo que sal, mas que, compreendida em um campo dis-
condiciona seu caráter e sua direção pedagó- cursivo múltiplo e em disputa com as outras con-
gica, política e cultural. Isso quer dizer que os cepções existentes, revelava-se como a expressão
debates internos ao campo da educação, como dominante no período.
da EA, acompanham e são tributários dos ma- Na seção seguinte, vamos explicitar o
crodebates sociais, apresentando o mesmo es- significado desse perfil e os motivos que fize-
pectro de valores, interesses e ideologias que ram com que uma perspectiva crítica de EA se
caracterizam sua diversidade. São esses macro- insurgisse contra ela.
debates político-ideológicos em torno de mode-
los concorrentes de sociedade e desenvolvimen- A educação ambiental
to que terminam orientando as políticas nos conservacionista, a resistência
planos educacional, tecnológico, científico, pro- crítica e o socioambientalismo
dutivo, trabalhista, entre outros. Nesse sentido,
o debate sobre a EA guarda uma correspondên- O que se convencionou chamar de educa-
cia direta com as clivagens que disputam o ção conservacionista no contexto de constituição
campo do ambientalismo e da sustentabilidade da EA brasileira faz referência a um conjunto de
de um modo geral, assumindo variações em características epistemológicas, pedagógicas, po-
torno de um eixo polarizado pelo conserva- líticas e éticas, expressas nos discursos e nas prá-
dorismo e pela emancipação. ticas educativas realizadas pelos atores envolvidos
Ou seja, o processo educativo não é um nesse campo social e que foram objeto de críti-
processo neutro e objetivo, destituído de valores, ca por parte dos educadores e pesquisadores en-
interesses e ideologias. Ao contrário, é uma cons- volvidos nesse debate.

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Procurarei, a seguir, problematizar essas crise ambiental e a não explorar os aspectos
características enquanto apresento o diálogo, as político-sociais desse processo como: a nature-
divergências e os argumentos formulados por za dos modelos de desenvolvimento econômi-
aqueles que defendiam uma EA crítica em opo- co; os conflitos e interesses de classe que dão
sição à corrente conservacionista, então he- seus contornos; a abordagem ideológica da ques-
gemônica. Para pensarmos dinamicamente a tão ambiental, que pode ser mais neutra ou mais
disputa discursiva e de hegemonia dentro do política; a dissociação da degradação ambiental e
campo da EA brasileira, é útil distinguirmos o social e dessa dupla degradação com a ordem
que poderíamos denominar o núcleo orientador capitalista; a ausência de uma crítica da ciência e
do campo composto pelos professores/educa- do Estado como instituições não neutras nesse
dores, pesquisadores e técnicos que ocuparam processo; a indiferenciação das responsabilidades
posições de orientação teórica, política e ideo- sociais dos agentes causadores dos problemas
lógica do campo e sua periferia formada pelos ambientais; a escassa problematização da relação
professores dos vastos rincões do país que se entre economia e ecologia e, dentro disso, da
ocupavam da tarefa de implementar as diretri- desmistificação da economia como esfera autôno-
zes definidas pelo núcleo orientador. ma e autossuficiente; entre outros problemas.
A EA conservacionista sofreu uma forte Assistimos e continuamos a observar,
influência do ethos das ciências naturais, como nos debates e discursos ambientais, afirmações
de resto o próprio ambientalismo, no sentido de genéricas e abstratas que apontam “o homem
que se utilizou das teorias, dos conceitos e de como o grande adversário da natureza” ou que
uma visão de mundo biologizante que brotava mencionam as “ações antrópicas” como res-
desse universo particular. Segundo Lima (2005), ponsáveis pela crise ambiental. Em sentido
esse fato decorre, entre outras razões, do pio- genérico e coloquial, não estão incorretas, mas
neirismo dos cientistas naturais em perceber e carecem de precisão, aprofundamento e crítica
denunciar as mudanças e os impactos am- e acabam contribuindo para formar uma repre-
bientais que observavam em suas pesquisas de sentação simplista do problema.
campo, o que lhes atribui méritos inegáveis Essa dissociação entre os aspectos bioló-
reconhecidos consensualmente. Outra questão gicos/ecológicos e os aspectos políticos e sociais
inevitável, e dessa vez decorrente da fragmen- da crise ambiental é um dos argumentos centrais
tação e especialização do conhecimento, é que da EA crítica que, partindo de outro diagnóstico,
biólogos e cientistas naturais tendem a ter destacava o caráter estrutural e civilizatório da
olhos e hábitos relacionados à sua área de crise ambiental e a necessidade de respostas
formação e a enfatizar as dimensões da reali- transformadoras tanto políticas quanto éticas da
dade que lhes são concernentes. Quero dizer questão. Segundo sua compreensão, os impactos
que tenderam a destacar os aspectos naturais ecológicos eram apenas os efeitos de causas mui-
ou ecológicos dos problemas ambientais em to mais profundas que indicavam a degeneração
detrimento de seus aspectos sociais, políticos, de todo um modelo civilizatório baseado em
econômicos e culturais. Não quero com essa opções políticas e valorativas predatórias e noci-
afirmação ser determinista ou reduzir o universo vas à vida social e natural. Nesse sentido, não
dos cientistas naturais, mas apenas constatar um aceitavam respostas paliativas e monodimensionais
déficit de elementos sociais em certos setores que desprezavam a centralidade política da ques-
e fases — sobretudo as iniciais — dos debates tão ambiental, as contradições e os conflitos nela
ambientais e da EA em particular. revelados e a oportunidade de questionar e de
Como isso se manifestava e que implica- transformar em profundidade o modelo social vi-
ções produzia? Se manifestava pela tendência gente. Essa politização dos problemas ambientais
a expressar uma compreensão ecológica da e de seu encaminhamento inova também ao abor-

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dar o direito à vida e a um ambiente saudável dade dos problemas ambientais à sua dimensão
como uma questão de cidadania, ampliando essa técnica; porque parte da premissa oculta de que
noção para além dos limites estritos do contrato a técnica é neutra e não política; porque tende a
social liberal. protelar a tomada de iniciativas para combater o
Esse tipo de compreensão conservacionista, avanço da degradação ambiental; e porque
justamente por privilegiar os efeitos às causas dos desconsidera o princípio ético da precaução que
problemas ambientais, tendia igualmente a assumir defende a prevenção sempre quando o debate
posições tecnicistas que, diante da evidência dos científico indicar incerteza e dúvida.
impactos ambientais, prescreviam soluções tecno- O tecnicismo também recebe críticas de
lógicas para problemas que, na verdade, exigiam mais duas direções. Em primeiro lugar, ao par-
respostas de maior complexidade. tir da consideração da ciência como único sa-
Essa tendência tecnicista se associa e ber válido, a ênfase técnica tende a excluir
revela outro problema recorrente no debate e todos os demais saberes populares, tradicionais,
na abordagem das questões ambientais: o oti- religiosos, artísticos e filosóficos construídos
mismo tecnológico. Essa sobrevaloração da pela acumulação histórica com amplo potencial
tecnologia acompanha toda a trajetória do de contribuição aos problemas ambientais con-
ambientalismo e configura-se como o grande temporâneos. A outra fonte de crítica contrapõe
argumento daqueles setores contrários, por as respostas técnicas às respostas éticas argu-
motivos diversos, aos alertas e às denúncias mentando que a esfera técnica é a dimensão dos
dos setores mais críticos. Em síntese, expressa a meios enquanto a esfera ética corresponde à
ideia de que a questão ambiental tem sido supe- dimensão dos fins sociais. Ora, restringir a ques-
restimada, que não há motivos reais para tanto tão ambiental à discussão dos meios é uma estra-
alarde e que o desenvolvimento tecnológico será tégia instrumental que reduz nossa condição
sempre capaz de nos socorrer das ameaças e dos humana ao fazer, implementar e negar nosso
riscos ambientais. O próprio debate recente sobre direito de discutir os fins e os objetivos éticos e
as mudanças climáticas foi e continua sendo — sociais, ou seja, por que e para que agimos e em
mesmo após a divulgação dos relatórios do IPCC que direção para corresponder exatamente ao tipo
— atravessado por argumentos desse tipo, que de vida e sociedade que julgamos desejável.
tendem a minimizar a dimensão dos problemas e Como já indicamos, o tecnicismo ineren-
a maximizar o alcance e a capacidade das solu- te ao conservacionismo é herdeiro direto do
ções tecnológicas. A título de esclarecimento, paradigma cientificista e dualista moderno que
diga-se que os últimos relatórios do Painel Inter- lançou as bases epistemológicas de todo o pen-
nacional sobre Mudanças Climáticas — IPCC das samento ocidental. Esse pensamento marcado
Nações Unidas: conselho científico da ONU ins- pelo humanismo, pelo mecanicismo e pelo
tituído com o objetivo de estudar o fenômeno do racionalismo instaurou a fragmentação e a se-
aquecimento global e das mudanças climáticas e paração entre homem/cultura e natureza, entre
formular recomendações às Nações Unidas e sujeito cognoscente e objeto conhecido, entre
aos seus países membros — concluíram, após razão, sensibilidade e emoção que posterior-
décadas de pesquisas e debates científicos e mente se multiplicou em outras tantas dico-
políticos, que o aquecimento global tem de 90 tomias como desenvolvimento e meio ambien-
a 99% de probabilidade de ser produto da ação te, consumo e produção, ciências naturais e
humana e não de causas naturais cíclicas como sociais, técnica e ética, entre outras.
advogavam outros intérpretes. Para Grun (1996):
Nesse sentido, o tecnicismo, seja o de
caráter ingênuo seja o político-ideológico, tem É na base dessa cisão radical entre sujeito e
consequências nocivas porque reduz a complexi- objeto que se pautará praticamente todo o

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conhecimento científico subsequente. O dessa maneira porque desconhecem a dinâmi-
sujeito é o cogito (a razão) e o mundo, seu ca ecossistêmica e sua relação com a vida
objeto. É na base desse dualismo que en- humana. Seriam, segundo esse raciocínio,
contramos a gênese filosófica da crise eco- desinformados e insensíveis a essa dinâmica das
lógica moderna, pois a partir dessa cisão a relações entre a sociedade e a natureza. A partir
natureza não é mais que um objeto passivo dessa visão, a tarefa educativa seria a de trans-
à espera do corte analítico. Os seres huma- mitir os conhecimentos corretos, de informar e
nos retiram-se da natureza. Eles olham a sensibilizar as pessoas, apelando para o seu
natureza como quem olha uma fotografia. A bom senso moral, o que em poucas palavras
natureza e a cultura passam a ser duas coi- pode ser sintetizado como a mudança dos
sas muito distintas. Aliás, este é o novo ide- comportamentos humanos em sua relação com
al da educação: distinguir-se o mais possí- o ambiente.
vel da natureza, tornar-se humano. (p. 35) Orlandi (1996), ao analisar o discurso da
EA veiculado por essa produção inicial do cam-
Essa crítica à razão moderna é um ele- po, observa seu teor comportamentalista e
mento de destaque da EA crítica que tende a normativo que também poderíamos classificar
rejeitar o antropocentrismo e consequente su- como educação/adestramento em contraposição
bordinação da natureza; a fragmentação e a a uma educação com sentido de autonomia:
perda da interdependência inerente à existência;
o reducionismo e o objetivismo que acabam Chegamos, enfim à crítica mais consequente
sacrificando tanto os aspectos não racionais da ao material que analisamos e que se confi-
realidade quanto toda a subjetividade humana; gura como discurso de educação ambiental:
a pretensão positivista de uma neutralidade ide- é um discurso que se inscreve no "compor-
ológica e inalcançável; e o utilitarismo de uma tamentalismo" com todos os inconvenientes
razão que instrumentaliza a exploração e domi- que vejo nessa posição e em seus efeitos.
nação dos seres humanos e da natureza. Critica- Dentre esses, destaca-se seu efeito moralista,
se, nesse sentido, o paradigma moderno pelo seu doutrinário e autoritário (sob o modo pater-
poder de imprimir as características acima às nalista ou iluminista). (p. 47)
relações sociais, às relações da sociedade com a
natureza e consequentemente às relações no Carvalho (1995), sem negar as dimen-
plano educacional. Nesse sentido, revela a crise sões individuais e comportamentais das ques-
do paradigma moderno na medida em que ele tões ambientais, também problematiza o
não responde aos problemas de alta complexi- comportamentalismo da EA, destacando a par-
dade da vida contemporânea como é o caso dos cialidade de se restringir a questão ambiental
problemas ambientais. ao campo da esfera privada, dissociando-a do
Do ponto de vista pedagógico, a EA campo da ação política e da cidadania. Sobre
conservacionista se expressa de maneira indivi- isso, considera que:
dualista e comportamentalista por compreender
que a gênese dos problemas ambientais está [...] é preciso recolocar os objetivos da prá-
mais relacionada à esfera individual, moral e tica educativa, situando-os para além da es-
privada do que à esfera coletiva, pública e fera comportamental. Se a educação quer
política e, nesse sentido, voluntária ou involun- realmente transformar a realidade não basta
tariamente, se associa a uma interpretação libe- intervir na mudança dos comportamentos
ral ou mesmo neoliberal da crise ambiental. Seu sem intervir nas condições do mundo em
diagnóstico da destruição ambiental, com ên- que as pessoas habitam... Neste sentido,
fase nos indivíduos, conclui que estes agem podemos redefinir a prática educativa como

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aquela que, juntamente com outras práticas los diversos como, por exemplo, a adoção de prin-
sociais, está implicada no fazer histórico, é cípios interdisciplinares e de transversalidade que
produtora de saberes e valores e, por excelên- sejam os mais visíveis. No caso da EA, por princí-
cia, constitutiva da esfera pública e da políti- pio concebida como teoria e prática interdisciplinar,
ca, onde se exerce a Ação humana. (p. 33) resta o desafio, ainda não resolvido, de como
ministrá-la e introduzi-la no cenário disciplinar das
O comportamentalismo é assim criticado escolas (Carvalho, 2002b; Lima, 2005).
tanto porque reduz a complexidade do agir Em linhas gerais, esses são os pontos e
humano à dimensão comportamental quanto argumentos principais apontados e propostos pela
porque reduz à esfera individual e privada EA crítica com relação à EA conservacionista e
questões públicas e políticas inexoravelmente que se colocam como as premissas básicas para
dependentes de mediações socioculturais (Car- a construção de outra concepção, que passa a se
valho, 2002b). colocar como alternativa na disputa no interior
Outras considerações pedagógicas são de um campo comum.
apresentadas contra a educação conservacionista Foi a partir dessa crítica à EA conserva-
que decorrem, em última instância, de suas premis- cionista que surgiu no debate a necessidade de
sas epistemológicas positivistas. Há, por exemplo, alguns autores requalificarem esta por meio de
a crítica a uma visão de educação como difusão novos adjetivos que a redefiniam como EA crítica,
de conhecimentos que se alicerça numa relação EA transformadora, EA popular, EA emancipatória,
assimétrica, opressora e apassivadora entre o edu- entre outros qualificativos. Todos esses esforços
cador e o educando, bem explorados pelas peda- expressavam, de alguma forma, uma insatisfação
gogias críticas entre as quais se destaca a peda- com o tratamento reducionista dado à EA por lei-
gogia freireana, de forte presença no seio da EA turas biologizantes, conservacionistas, tecnicistas
crítica. Inspirada nesses propósitos, faz-se a defesa ou comportamentalistas e com as implicações re-
de uma pedagogia que entende educação e co- sultantes dessas abordagens.
nhecimento como uma construção social dialógica É importante dizer que esse processo de
e coletiva, que persegue o pensamento crítico, a mudança no campo da EA brasileira se desenvol-
formação de sujeitos emancipados e a transforma- veu, simultânea e articuladamente, a um conjunto
ção da realidade sociocultural e política. de mudanças históricas e sociopolíticas que com-
Dentro dessa mesma concepção educa- preendeu a redemocratização do regime político
tiva, por natureza democrática, participativa e in- a partir da década de 1980; a substituição do
clusiva, cabe explorar não apenas o diálogo governo militar por um governo civil, embora
interno ao ambiente pedagógico como também ainda a partir de eleições indiretas; o surgimento
sua relação com a vida comunitária, na qual a de movimentos sociais e de ONGs com novas fei-
prática educativa ocorre, especialmente quando ções autonomistas e participativas; o amadureci-
a dimensão ambiental — na verdade socio- mento da problemática ambiental no país; a
ambiental — é o foco privilegiado. ampliação do debate social e ambiental com a
Com relação ao diálogo intraescolar, a EA constituição de novos fóruns regionais, nacionais
crítica alimenta o desejo de uma renovação pro- e internacionais; e a consequente aproximação
funda de todo ambiente educativo a partir de seu entre setores dos movimentos sociais e dos mo-
sistema de ensino-aprendizagem, seus métodos, vimentos ambientalistas, dando origem ao que
princípios epistemológicos e paradigmáticos, con- ficou conhecido como socioambientalismo.
teúdos curriculares, formas de organização e rela- Vimos acima como o período inicial do
ção com o entorno. Claro que, dado ser a escola ambientalismo no Brasil foi marcado por uma
uma instituição inserida em uma estrutura social série de incompreensões e divergências entre os
mais ampla, essas mudanças encontram obstácu- movimentos sociais e ambientais que dificulta-

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ram sua expansão e legitimação no país. Talvez, Compreendo o DS como uma estratégia
a Conferência do Rio em 1992 — Rio-92 — político-diplomática da Comissão Mundial sobre
tenha sido o momento mais ilustrativo dessa Meio Ambiente e Desenvolvimento — CMMAD —
tessitura socioambiental, na medida em que das Nações Unidas, mais conhecida como Comis-
estimulou o diálogo entre grupos representan- são Brundtland, criada para examinar as ques-
tes de ambos os movimentos, permitindo a tões críticas que envolviam a relação entre o
descoberta de reivindicações e objetivos de luta meio ambiente e o desenvolvimento e oferecer
convergentes que mereciam ser cultivados. propostas para orientar as relações internacio-
Durante esse período da Conferência do nais, as políticas e as ações de mudanças neces-
Rio, incluídas a fase preparatória e a imediata- sárias nesse campo (CMMAD, 1991).
mente posterior ao evento, a EA viveu um mo- Em minha visão particular, a noção e o
mento de grande efervescência e de renovação discurso do DS surgiram para substituir o discur-
quando se construíram novas identidades, se de- so do desenvolvimento econômico difundido e
marcaram novas definições conceituais e se fir- experimentado nos países da periferia do capi-
maram posições e alianças políticas importantes talismo na esteira da Guerra Fria e, em franco
para a reorganização do próprio campo. Foi processo de esgotamento, justamente porque
nesse momento, por exemplo, que foram elabo- não atendeu às expectativas e promessas de de-
rados o Tratado de Educação Ambiental para a senvolvimento, progresso e bem-estar social
Responsabilidade Social e as Sociedades Susten- anunciadas. Na verdade, a experiência demons-
táveis e a Carta da Terra, documentos fundamen- trou, como é fartamente documentado, que as
tais para a orientação ética e política do campo; desigualdades sociais se aprofundaram como
e se formou a Rede Nacional de Educação também a dependência financeira, tecnológica e
Ambiental — REBEA — que promoveria, após a cultural em relação aos países centrais; os regi-
Rio-92, a realização de dois Fóruns Nacionais de mes autoritários se ergueram; e uma crescente
EA que se somaram aos outros dois já realizados degradação ambiental decorria do modelo con-
antes da Conferência (Carvalho, 2001). servador de industrialização implantado nesses
Finalizo esse item apontando que foi nesse países (Santos, 2000; Sachs, 2002; Porto-Gon-
período, de meados da década de 1980 até a Rio- çalves, 2004; Goldenstein, 1994; Leroy, 2002).
92, que se gestou e ganhou importância o discur- Pode-se dizer que, a partir de uma perspec-
so de DS, fruto do aprofundamento e cruzamento tiva político-econômica, o sistema capitalista pre-
da crise do desenvolvimento econômico com a cisava encontrar meios de renovar-se técnica e
crise ambiental. Significa dizer, como já indiquei ideologicamente para reconquistar os níveis de
acima, que amadurecia a consciência de que os produtividade e lucratividade ameaçados com a
problemas do crescimento econômico e da de- crise econômica e do Estado de bem-estar social
gradação ambiental não eram diferentes nem con- a partir de meados da década de 1970. Esses
correntes, mas simplesmente causa e efeito de objetivos se concretizaram por meio do processo
uma mesma e inseparável equação. de reestruturação capitalista2 engendrado pelas
teses e políticas neoliberais que então passaram a
Educação ambiental: consolidar uma nova hegemonia internacional. A
desenvolvimento sustentável ou questão ambiental nesse processo aparecia como
sociedades sustentáveis? um desafio novo que ameaçava a reprodução
sistêmica, tanto do ponto de vista da oferta de
A partir de 1992, o discurso do DS se recursos naturais para a expansão econômica
tornou a expressão hegemônica no debate que
envolve as questões de meio ambiente e de 2. Para maiores detalhes sobre o processo de reestruturação do capita-
desenvolvimento social em sentido amplo. lismo, ver, por exemplo, Antunes (1999) ou Wallerstein (1999).

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quanto da perspectiva dos resíduos da produção cionais, universidades e ONGs, surgiu com maior
e da poluição daí decorrente. força nos países da Europa ocidental e América do
Segundo Carvalho (apud Ribeiro, 1991): Norte, mas gradualmente se mundializou por meio
dos canais normativos que regulam a política, a
Desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, economia, os discursos educativos e ambientais
ficou claro que a preocupação dos organismos nas relações internacionais.
internacionais quanto ao meio ambiente era Essa renovação discursiva e política tem
produzir uma estratégia de gestão desse ambi- estimulado um amplo debate que busca compre-
ente, em escala mundial, que entendesse a sua ender os significados, os interesses e as implica-
preservação dentro de um projeto desen- ções da nova proposta. Resulta igualmente numa
volvimentista. Dentro dessa perspectiva produ- disputa político-ideológica e pedagógica pela
tivista, o que se queria preservar de fato era definição e orientação dos discursos, das práticas
um modelo de acumulação de riquezas onde e das relações entre a sociedade, a educação e o
o patrimônio natural passava a ser um bem. O meio ambiente.
apelo à humanidade e ao bem-estar dos povos Obviamente que essa proposta reedita e
era usado como álibi, sempre citado ao lado reproduz todo o debate sobre o discurso do DS
dos objetivos de crescimento econômico, em- com todas as ambiguidades e contradições que o
prestando uma preocupação humanista a in- caracterizam. Um questionamento inicial desste
tenções não tão nobres. (p. 79) debate poderia ser: se não definimos com clare-
za e consenso o DS, como formular uma educa-
Naturalmente que essa operação políti- ção que, por princípio, está orientada a ele?
co-diplomática também buscava responder aos Ou seja, dada a diversidade de sentidos
questionamentos sobre os limites do cresci- atribuíveis a essa noção e à própria incompa-
mento, intensamente discutidos na década de tibilidade entre algumas de suas premissas,
1970; pacificar os conflitos na relação entre os educar para o DS converte-se numa expressão
países do eixo norte-sul, separados por assi- vazia e duvidosa. Nada nos garante que chega-
metrias sociais, econômicas e políticas, que remos a bom termo ao “comprarmos esse pa-
tensionavam historicamente as relações interna- cote”. Nesse sentido, é possível comparar a
cionais; e atender às demandas e críticas do aceitação dessa proposta à situação de um
movimento ambientalista internacional, que passageiro que decide tomar um trem sem
reivindicava a inclusão da questão ambiental na conhecer seu destino.
agenda de prioridades político-econômicas Entre os educadores ambientais brasilei-
contemporâneas (Lima, 1997). ros — e em alguns países latinos — a propos-
Como sabemos, o discurso do DS pene- ta da UNESCO gerou resistências porque a EA
trou diversos campos de saber e de atividade, construída ao longo das últimas décadas no
entre os quais o da educação. Desde a década país tem revelado uma tendência a incorporar
de 1990, dissemina-se — entre organismos in- as questões sociais e a manifestar interpreta-
ternacionais, organizações não governamentais ções críticas da relação entre a sociedade, a
e políticas públicas dirigidas à educação, am- educação e o meio ambiente, diferentemente
biente e desenvolvimento de alguns países — a do que acontece nos países europeus mais
proposta de substituir a concepção de educa- afeitos a versões conservacionistas e/ou
ção ambiental, até então dominante, por uma preservacionistas de EA (Carvalho, 2002a;
nova proposta denominada de Educação para Lima, 2003; Sato, 2005).
o Desenvolvimento Sustentável — EDS3.
Essa estratégia capitaneada pela UNESCO, 3. Ilustra o fato a iniciativa da UNESCO de instituir, em 2005, “A década
com apoio de governos, políticas públicas educa- da educação para o desenvolvimento sustentável”.

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Nesse sentido, substituir o termo EA por teórico-metodológicas ou epistemológicas que
EDS representaria um retrocesso político, pedagó- justifiquem a troca de uma EA por uma EDS. Ao
gico e epistemológico, na medida em que esta- contrário, diz que foram os jogos de poder e de
ríamos trocando uma história identitária afinada interesse nos círculos das Nações Unidas — mais
e comprometida com um socioambientalismo relacionados à agenda desenvolvimentista do que
crítico-emancipatório por uma nova denominação ao campo educativo-ambiental — os argumentos
que evoca tanto os traços economicistas dos decisivos nessa genealogia. Concorda que “o que
velhos discursos desenvolvimentistas quanto as está em jogo é uma luta simbólica pela apropri-
influências conservadoras do pensamento único ação do conceito de sustentabilidade” (p. 6).
da recente hegemonia neoliberal. Nesse confronto, opõe-se uma visão que utiliza o
Carvalho (2002a), analisando essa pro- conceito de sustentabilidade como referência para
posta no contexto brasileiro, assinala que aqui formular e promover mudanças econômicas, po-
o qualificador ambiental não é um mero adje- líticas, ambientais e culturais para a crise ambiental
tivo. Para ela, o ambiental constitui antes um e social, e uma outra visão que dele faz uso para
traço identitário significativo da EA brasileira justificar o crescimento econômico necessário à
que a remete a seu contexto histórico de for- reprodução sistêmica.
mação marcado pela redemocratização, pela Sauvé (1999), tratando o mesmo deba-
emergência de novos movimentos sociais e seu te no contexto de crise da modernidade e de
ethos de resistência política, de crítica social e insurgências pós-modernas, observa na propos-
contracultural. Nesse sentido, ela percebe, nessa ta da UNESCO um conjunto de problemas
intenção de renomear a EA, uma disputa sim- conceituais, éticos e culturais que reduzem a EA
bólica, ética e política entre uma tradição de a uma ferramenta do DS. Para a autora, a EDS
crítica radical da sociedade capitalista industrial transparece uma ênfase desenvolvimentista,
e de consumo e um outro ideário modernizador instrumental e conservacionista — valora o
e desenvolvimentista de corte neoliberal, a partir ambiente como recurso econômico para fins
do qual é formulada a noção de DS. Esse mo- produtivos — que caracterizam justamente o
vimento estaria, assim, operando uma colonização projeto da modernidade em crise, tantas vezes
e um esvaziamento dos ideais emancipatórios an- responsabilizado pela crise socioambiental.
teriores para substituí-los por outros valores e sen- Segundo a autora, não é aceitável eleger o DS,
tidos associados a um neoambientalismo de face com toda sua polissemia e carga economicista,
mercadológica. Conclui, portanto, que essa mudan- como valor supremo de qualquer sistema ético,
ça capitaneada pela UNESCO representa não um sobretudo, se pensamos em orientar a partir
avanço, mas um retrocesso na medida em que: dele as políticas e reformas educacionais que
formarão os cidadãos.
[...] adotar uma educação para o desenvolvi- Culturalmente, considera importante lem-
mento sustentável pode pôr em risco uma brar que os princípios da EDS foram definidos
identidade, uma tradição e um capital simbó- por indivíduos em sua maioria europeus, bran-
lico que sustenta a utopia ambiental de uma cos, do sexo masculino, de classe média ou
luta contra-hegemônica e emancipatória para alta, profissionais de alta escolaridade e que
capitular diante desse instável conceito, que estão, por conseguinte, impregnados de visões
nasce do coração do status quo — tantas ve- de mundo e de valores que não podem ser
zes denunciado pela crítica ecológica como a universalizados. Pondera que a própria concep-
raiz dos problemas socioambientais. (p. 6) ção de tempo implícita na noção de desenvol-
vimento — entendido como projeto orientado
Meira (2005), observando o discurso para o futuro — não é comum a outras tradi-
fundador da EDS, não vê razões pedagógicas, ções que tem maior referência nas dimensões

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do passado e/ou do presente. Para essas tradi- analistas propõem a noção alternativa de soci-
ções, a idéia de viver projetado para o futuro edades sustentáveis para lembrar a impossibili-
não faz tanto sentido como faz para o imagi- dade de se generalizar soluções a contextos tão
nário e a cultura ocidentais. diferenciados e a necessidade de levar em con-
Com relação ao enfoque pedagógico sideração as multidimensões que compreendem
proposto pelo discurso oficial da EDS – leia-se qualquer projeto de mudança e de desenvolvi-
UNESCO, organismos e agentes associados –, mento social.
transparece o predomínio de um paradigma Diegues (1992), discutindo a crise do de-
tecnológico-racional que senvolvimento, a nova adjetivação e os conteúdos
introduzidos pela renovação discursiva da susten-
[...] associa a EDS com a transferência de tabilidade, sistematiza pontos representativos do
conhecimento científico e tecnológico e pensamento crítico e defende o paradigma das
considera a educação como meio de empre- sociedades sustentáveis. Segundo ele:
gar o potencial humano a serviço de cresci-
mento econômico. (Sauvé, 1999, p. 15-16) [...] ganha sentido a ideia de que não existe
um único paradigma de sociedade de bem-
Percebe-se do exposto que o pensamen- estar (a ocidental) a ser atingido por vias do
to crítico associado à EA, ao menos nos con- “desenvolvimento” e do progresso linear.
textos brasileiro e latino, tende a rejeitar a nova Há a necessidade de se pensar em vários
proposta de EDS com base nos mesmos argu- tipos de sociedades sustentáveis ancoradas
mentos porque rejeitara o discurso do DS. Es- em modos particulares, históricos e cultu-
ses argumentos se contrapõem, sobretudo, à rais de relações com os vários ecossistemas
ênfase economicista implícita nas formulações existentes na biosfera e dos seres humanos
discursivas hegemônicas do DS; à ausência de entre si. Esse novo paradigma a ser desen-
viabilidade da proposta de DS no contexto do volvido se baseia antes de tudo, no reco-
capitalismo contemporâneo, em especial em sua nhecimento da existência de uma grande
roupagem neoliberal; à ambiguidade e às con- diversidade ecológica, biológica e cultural
tradições inerentes aos próprios objetivos defi- entre os povos que nem a homogeneização
nidos; e ao universalismo com que se endere- sociocultural imposta pelo mercado capita-
ça a contextos sociais, ambientais e culturais lista mundial, nem os processos de implan-
tão diversos. tação do “socialismo real” conseguiram
Para alguns analistas, tamanho descom- destruir. (p. 23)
passo entre intenção e prática acaba por redu-
zir o DS a uma expressão do “conservadorismo Leff (2007), em sentido semelhante, tam-
dinâmico”, na qual se promovem mudanças bém reage à hegemonia economicista expressa
discursivas e/ou “cosméticas” apenas para ga- nas idéias de desenvolvimento e na recente
rantir que nada de fato se transforme na vida versão de DS que se conjugam como única
real (Guimarães, 1998). possibilidade de organização social. Para ele:
A pretensão universalista inerente à noção
de DS é outro aspecto discutido nesse debate. A O grande desafio socioambiental hoje é,
crítica se dirige, sobretudo, à inadequação de se portanto, romper com a ideia de um pensa-
propor uma mesma estratégia de desenvolvimen- mento único e unidimensional, orientado
to para contextos com tantas diferenças ecológi- rumo a um “progresso sem limites”, que vem
cas, econômicas, históricas, políticas, tecnológicas reduzindo, sufocando e superexplorando a
e culturais. Advertindo para a complexidade e para natureza. E para isso não basta se firmarem
os riscos envolvidos em tal empresa, diversos acordos e convenções, que depois de colo-

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cados em prática vão ser regidos por essa ção Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
mesma racionalidade instrumental e econô- Responsabilidade Global. Como muitos sabem,
mica que hoje questionamos, mas sim ir legi- o tratado foi fruto da construção coletiva da
timando outras formas de compreensão da sociedade civil representada por ONGs e movi-
vida e da complexidade do mundo e uma mentos sociais de centenas de países na Con-
nova ética da práxis no mundo. (p. 9) ferência do Rio em 1992 e tem servido como
referência simbólica e política de uma EA crí-
Percebe-se do exposto que o pensamento tica, participativa e autonomista.
crítico associado à EA brasileira tende, em sua Não dispomos até o momento no país de
maioria, a rejeitar a proposta da UNESCO de uma pesquisas abrangentes capazes de mapear o
EDS pelos motivos explicitados e a defender uma estado da arte da EA praticada e das tendênci-
outra concepção político-pedagógica de maior as político-pedagógicas dominantes na vasta
complexidade baseada nos valores da diversida- extensão de nosso território. Sabemos, contudo,
de cultural, da autonomia política e da demo- por uma visão impressionista apoiada na obser-
cracia participativa. E para expressar esses valores vação direta4, que essa concepção crítica de EA
e resistência, vale-se da expressão sociedades cresceu e deu frutos, e é possível arriscar dizer
sustentáveis como caminho alternativo. que é a expressão dominante, ao menos no que
chamei de núcleo orientador do campo. Ou seja,
Considerações finais ela convive e disputa em posição privilegiada no
interior desse campo com outros tantos discur-
Procurou-se, neste artigo, refletir sobre a sos e práticas de EA. De toda forma, o funda-
trajetória histórico-social, política e pedagógi- mental talvez seja constatar a contribuição de-
ca do que se convencionou nomear no Brasil cisiva que ela trouxe ao debate e à atividade
em décadas recentes de EA crítica. Qual o con- educacional, associada ao meio ambiente e ao
texto sociopolítico de seu surgimento? Qual sua desenvolvimento, ao introduzir as reflexões in-
importância na disputa interna do campo da EA dispensáveis da ecologia política, da complexi-
brasileira? Quais suas contribuições pedagógi- dade e da ética socioambiental.
cas, ambientais e políticas? Quais suas principais Seria insensato e contraditório pretender
influências e de quais argumentos se valeram uniformizar o pensamento e a ação críticos,
para propor um caminho político-pedagógico sobretudo, quando falamos de educação e de
diferente da EA conservacionista que marcou a crítica, por “certa definição”, livres e plurais. O
formação inicial do campo? Essas são algumas pensamento crítico é sempre renovador e in-
das questões norteadoras com as quais dialoga- quieto. Aciona o questionamento, o diálogo e
mos ao longo do texto. a abertura ao novo. É pedra que rola, movi-
Compreendemos, consoante o título es- mento e vida. Creio que o caso da EA crítica
colhido, que a EA crítica se construiu como não é diferente: ela procura em sua expressão
uma alternativa política e pedagógica afinada mais generosa a vida renovada, a integração
com o socioambientalismo e com o paradigma inclusiva e a emancipação de todas as prisões.
das sociedades sustentáveis nos termos coloca- 4. Refiro-me aos títulos e artigos publicados e nos fóruns sociais, polí-
dos pelo, hoje já histórico, Tratado de Educa- ticos e científicos sobre o tema.

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Recebido em 19.02.08
Aprovado em 08.12.08

Gustavo Ferreira da Costa Lima, mestre em sociologia pela UnB e doutor em sociologia ambiental pelo Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas – UNICAMP, tem atuado como professor e pesquisador nas áreas temáticas que envolvem sociologia
ambiental, educação ambiental, desenvolvimento sustentável e movimentos sociais.

Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.1, p. 145-163, jan./abr. 2009 163

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