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Christopher Bayly:
- a “crise mundial” (c. 1720-1820)
- “revoluções convergentes” (1780-1820)
1
Cf. Anthony Giddens, As Consequências da Modernidade, 4ª ed., 3ª reimpr., Oeiras, Celta Editora, 2005
[edição original: 1990], p. 5.
2
Cf. Tony Ballantyne e Antoinette Burton, Empires and the Reach of the Global, 1870-1945, Cambridge,
Ma., The Belknap Press of Harvard University Press, 2012, pp. 15-16.
1
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Desde logo, importa sublinhar que, no quadro da dinâmica imperial, a ciência europeia
dominou e impôs as suas concepções geográficas e antropológicas: a definição de “Oriente”
faz-se em relação à Europa e é também em relação à Europa que se definem um Próximo, um
Médio e um Extremo Oriente; por outro lado, a definição de uma grelha desenvolvimentista e
a definição de o que é e quem é “antigo”, “bárbaro” ou “selvagem” é produzida no quadro da
história da Europa. A produção de uma metageografia impediu, assim, a observação de facto
da história e da antropologia das sociedades não europeias, moldando e condicionando o
discurso político e a narrativa historiográfica, que se apresentou sob a forma de um “romance
mundial”6.
Uma das grandes mutações ocorreu ao nível da geografia urbana. Com efeito, convirá
relembrar que o processo de urbanização e a difusão das grandes cidades são dados recentes.
Em 1600, para o conjunto da Europa, registamos quase 600 cidades com, pelo menos, 5.000
habitantes. Este universo urbano, contudo, representava tão-somente cerca de 11% ou menos
do total da população europeia. Até finais do século XVIII, a cidade constituiu um fenómeno
excepcional: à escala mundial, a taxa de urbanização oscilava em torno dos 10% e, na Europa,
80 a 90% dos habitantes viviam no mundo rural7. Como observou Marcel Roncayolo, até finais
de Setecentos, a cidade continuou a ser uma excepção8. Na Europa, mas não só, a maior parte
dos que viviam em cidades moravam em centros de pequena e média dimensão, pequenos
mercados locais e regionais e não cidades capitais, que conheciam uma forte concentração de
funções e configuravam o que Paul Hohenberg e Lynn Hollen Lees definiram como “cities of
3
Cf. Zygmunt Bauman, Vida a crédito. Conversas com Citlali Rovirosa-Madrazo, Rio de Janeiro, Zahar,
2010 [edição original: 2010], pp. 133-134.
4
Cf. François Dubet, “Pour une conception dialogique de l’individu”, EspacesTemps.net, Textuel, 21 juin
2005 [URL: http://espacestemps.net/document1438.html, mardi 21 juin 2005].
5
Cf. Anthony Giddens, As Consequências da Modernidade, 4ª ed., 3ª reimpr., Oeiras, Celta Editora, 2005
[edição original: 1990], pp. 92, 97-98 e 107-109.
6
Cf. Christian Grataloup, Faut-il penser autrement l’histoire du monde?, “Éléments de réponse”, Paris,
Armand Colin, 2011, pp. 97-129.
7
Cf. Marcel Roncayolo, “Cidade”, in Enciclopédia Einaudi, vol. 8: Região, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa
da Moeda, 1986, maxime p. 404; Pierre Goubert, “Les Villes d’Europe à l’Époque Moderne”, Actas do
Colóquio “O Porto na Época Moderna”, Revista de História, Porto, vol. IV, 1981, pp. 121-131, maxime p.
121.
8
Cf. Marcel Roncayolo, La ville et ses territoires, “folio essais, 139”, Paris, Gallimard, 1990, p. 40. Ver
também Paul M. Hohenberg e Lynn Hollen Lees, The making of urban Europe, 1000-1994, 2ª ed., revista,
Cambridge, Mass.-London, Harvard University Press, 1995 [edição original: 1985], pp. 109-110.
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surplus”9. Neste contexto, à volta de 1800, a China, a Índia e o Japão eram ainda as civilizações
urbanas dominantes:
Pequim – 1.100.000 habitantes;
Londres – 900.000 habitantes;
Cantão – 800.000 habitantes;
Istambul – 570.000 habitantes;
Paris – 547.000 habitantes.
Convirá, no entanto, relativizar um pouco o valor destas cifras. Em 1800, 13% da
população europeia vivia em cidades com mais de 5.000 habitantes; ora, em 1843, na China,
apenas 5,1% da população vivia em cidades com mais de 2.000 habitantes. Por outro lado, se
nos focarmos nas regiões mais ricas do núcleo europeu em meados do século XIX, verificamos
que a Grã-Bretanha e os Países Baixos tinham uma taxa de urbanização de 30-40%. Tendo em
consideração a geografia chinesa, estes números sugerem que, já no início de Oitocentos, a
Europa era um espaço mais urbanizado do que o vasto mundo rural chinês10. De qualquer
modo, durante o século XIX, tendo como pano de fundo a industrialização, o crescimento
económico e as migrações rurais, o processo urbanização na Europa e nos Estados Unidos
mudou, em grande parte, a geografia urbana tal como esta se apresentava no dealbar de
Oitocentos.
Por outro lado, a dinâmica imperial europeia e, neste contexto, a importância
geoestratégica dos portos — uma importância, de resto, que vinha de séculos anteriores —
conduziu à construção de infraestruturas e ao desenvolvimento urbano dos territórios em
torno dos portos. Como consequência deste movimento, em 1850, 40% das cidades com mais
de 100.000 habitantes no mundo eram cidades portuárias. Foi este o contexto que assistiu à
afirmação de Liverpool como a “Gateway of Empire” ou à emergência de Bombaim e Glasgow
como portos modernos durante a segunda metade do século XIX11. As cidades portuárias
desempenharam um papel central na circulação de mercadorias, recursos e ideias, enquanto
hubs, nós de redes globais.
“To know its character and to understand the inherent structure and limits of
international politics is to see that Napoleon’s Empire was over the long term a
structural impossibility, and could never have endured and been
institutionalized.
Why not? Because it represented a vast experiment in colonialism within
Europe. Napoleon’s overseas colonial plans and ventures were sporadic and
peripheral; his quest for colonies in Continental Europe was constant and
central.”12
9
Cf. Paul M. Hohenberg e Lynn Hollen Lees, The making of urban Europe, 1000-1994, 2ª ed., revista,
Cambridge, Mass.-London, Harvard University Press, 1995 [edição original: 1985].
10
Cf. G. William Skinner, “Regional Urbanization in Nineteenth-Century China,” in G. William Skinner,
The City in Late Imperial China, Stanford, Stanford University Press, 1977, pp. 220-230; Jan de Vries,
European Urbanization, 1500-1800, Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1984, 28-77.
11
Cf. Felix Driver e David Gilbert (eds.), Imperial Cities: Landscape, Display and Identity, “Studies in
Imperialism”, Manchester, Manchester University Press, 2007.
12
Cf. Paul W. Schroeder, The Transformation of European Politics 1763-1848, “The Oxford History
Modern Europe”, Oxford, Clarendon Press, 1996 [edição original: 1994], p. 391.
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“The more the French extended their power on the mainland, the more they
ceded control of the high seas by default to their archenemies the British.
Britain’s naval victory over a French-Spanish armada off Trafalgar in 1805 was
in both real and symbolic terms the proclamation of its dominance over the
world’s oceans. Britain retained this position for the rest of the century.”13
“Above all, Pax Britannica was an achievement of a maritime power fresh from
victory over a prodigious Continental power, France. Upon this state of affairs
Britain was able to influence those places around the globe that fronted onto
the oceans, seas and annexes.”16
Aquilo a que se assistiu nas décadas posteriores a 1815 por parte da Grã-Bretanha, no
seio do império britânico, mas também em territórios de outras formações imperiais, foi a um
esforço de reordenamento do mundo por via do direito: “It changed the composition of world
regions and installed empire as the ghost in the machine of global governance.”17 O objectivo
perseguido pelos Britânicos era a imposição de um “global empire of law” (Lauren Benton e
Lisa Ford). Neste contexto, as decisões do Congresso de Viena foram sucessivamente
retomadas e aprofundadas em Congressos que tiveram lugar nos anos subsequentes. No
Congresso de Verona, em 1822, a Grã-Bretanha reconheceu a soberania das novas nações
americanas, que a “doutrina de Monroe” consolidaria no ano seguinte. A proclamação destes
princípios, todavia, não impediu que, por diversas ocasiões, as potências europeias agissem
em águas e solo americanos. Um dos espaços que maior atenção mereceu por parte das
formações políticas europeias foi a bacia do Rio da Prata. Entre 1838 e 1840, os Franceses,
aliados do Perú e da Bolívia, bloquearam o Rio da Prata. Poucos anos mais tarde, entre 1845 e
1850, de novo a França, desta vez aliada à Grã-Bretanha, esteve envolvida em conflito na
região. Desta vez, e no quadro de uma conjuntura regional complexa, com uma guerra civil no
Uruguai e um movimento separatista no Rio Grande do Sul, face à ambição do Uruguai em
13
Cf. David B. Abernethy, The Dynamics of Global Dominance: European overseas empires, 1415-1980,
New Haven and London, Yale University Press, 2000, p. 67.
14
Cf. C. A. Bayly, The Birth of the Modern World 1780-1914. Global Connections and Comparisons,
Malden, MA.-Oxford, Blackwell Publishing, 2004, p. 128. Veja-se ainda John Darwin, Ascensão e queda
dos impérios globais 1400-2000, “História narrativa, 42”, Lisboa, Edições 70, 2015 [edição original:
2008], pp. 220-221.
15
Cf. Jeremy Black, The British Seaborne Empire, New Haven and London, Yale University Press, 2004, p.
172.
16
Cf. Barry Gough, Pax Britannica: Ruling the Waves and Keeping the Peace before Armageddon,
Basingstoke-New York, Palgrave Macmillan, 2014, p. ix.
17
Cf. Lauren Benton e Lisa Ford, Rage for Order: The British Empire and the Origins of International Law,
1800-1850, Cambridge, Ma.-London, Harvard University Press, 2016, p. 1.
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ampliar o seu território até ao Rio da Prata e com a oposição do líder argentino Juan Manuel
de Rosas (1793-1877), o principal caudillo da Confederação Argentina (1835-1852), teve lugar
um bloqueio anglo-francês e uma tentativa de ocupação dos rios Uruguai e Paraná. A Grã-
Bretanha levantou o bloqueio em 1847 e o conflito terminou formalmente com a assinatura de
tratados em 1849 e 1850. Tratou-se de uma vitória política de Juan Manuel de Rosas.
Grã-Bretanha
Durante o período das Guerras Revolucionárias e Napoleónicas, as tropas britânicas —
as oficiais e as da East India Company — ocuparam diversos territórios como parte da sua
política de controlo de espaços e nós estratégicos: Goa (1799-1813), tentando inclusive obter a
cessão do território a favor da East India Company; as colónias holandesas do Cabo (1806) e
das Índias Ocidentais (1807); Macau (1808), saindo após terem recebido ordem do Imperador
chinês; São Luís e Gorée (1809-1817); Molucas (1810-1817); Java (1811-1816), depois da
guerra anglo-holandesa de 1810-1811; e Bali (1814). À conquista, seguia-se a implementação
de uma administração britânica, a integração dos portos na rede marítima da Grã-Bretanha e a
introdução de clérigos e missionários, assim como o arranque de uma imprensa em língua
inglesa que fornecia notícias sobre o governo e o comércio21. Um momento central no quadro
da geoestratégia britânica foi a fundação da moderna Singapura, em 1819, importante base
naval e entreposto comercial, que se fez contra os protestos de Batavia e que constituiu um
ponto de apoio essencial para o domínio informal britânico no Sudeste asiático22.
Merece ainda referência a tentativa da Grã-Bretanha recuperar a posição perdida na
América do Norte. A guerra de 1812-1814, que opôs Britânicos e Americanos, sendo também
conhecida como a Segunda Guerra da Independência, confundiu-se com a guerra que estes
travaram com uma facção dos índios Creek, apoiados pelos Britânicos.
No entanto, a atenção dos políticos e dos financeiros britânicos dirigiu-se sobretudo
para a América Central e a América do Sul, onde os revolucionários e os novos Estados-nação
reclamavam financiamento. Entre 1822 e 1825, a Colômbia, o Chile, o Perú e a Guatemala
venderam títulos em Londres no valor de £21 milhões, ou seja, US $2,8 mil milhões em valor
actual, o que estimulava a praça de Londres e alavancava o crescimento económico inglês.
França
Em 1815, os domínios imperiais franceses tinham quase desaparecido. A França ainda
mantinha as ilhas de Guadalupe e Martinica, nas Caraíbas; o Senegal; a ilha de Bourbon [actual
18
Cf. John Darwin, Ascensão e queda dos impérios globais 1400-2000, “História narrativa, 42”, Lisboa,
Edições 70, 2015 [edição original: 2008], pp. 260-285.
19
Cf. Henri Wesseling, Les empires coloniaux européens 1815‐1919, “folio histoire”, Paris, Gallimard,
2009 [edição original: 2004], p. 42.
20
Cf. David B. Abernethy, The Dynamics of Global Dominance: European overseas empires, 1415-1980,
New Haven and London, Yale University Press, 2000, pp. 23-24.
21
Cf. Jeremy Black, The British Seaborne Empire, New Haven and London, Yale University Press, 2004, p.
163.
22
Cf. Jean-Louis Margolin e Claude Markovits, Les Indes et l’Europe. Histoires connectées XVe-XXIe siècle,
“folio histoire”, Paris, Gallimard, 2015, pp. 402-406, maxime pp. 404-405.
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Holanda
O Artigo VI do Tratado de Paris, assinado desde 30 de Maio de 1814, reconheceu à
Casa de Orange a soberania sobre a Holanda e um acréscimo territorial, que foi efectuado à
custa da Bélgica. E, a 16 de Maio de 1815, Guilherme de Orange tomou o título de rei dos
Países Baixos.
O Tratado de Paris nada dizia a respeito das possessões holandesas, motivo pelo qual
se tornava necessário um outro acordo. Assim, pelo Tratado de Londres, de 13 de Agosto de
1814, o governo britânico devolveu aos Holandeses as suas colónias na América, na África e na
Ásia, de acordo com a situação anterior às Guerras Napoleónicas. Em África, a Colónia do
Cabo, que fora ocupada por forças britânicas em 1806, permaneceu sob domínio da Grã-
Bretanha. Na Ásia, Java foi entregue aos Países Baixos a 16 de Agosto de 1816 e as Molucas a
25 de Março de 1817. Todavia, os arranjos territoriais não haviam sido do agrado de todos os
governantes holandeses, pelo que novas negociações começaram a ser preparadas. De igual
modo, em Londres, um panfleto publicado em 1819, da autoria de Charles C. Assey (1780-
1821), antigo Primeiro Secretário do governador britânico de Java, defendeu a necessidade de
os interesses ingleses na região serem acautelados, com o livre acesso ao mercado javanês, e,
de facto, nas décadas seguintes a presença de casas comerciais britânicas em Java continuou a
ser um facto, com a sua participação activa no fomento de uma economia de plantação25. Já
em Timor, na parte ocidental da ilha, devolvida aos holandeses em 1817, muitos chefes locais
tinham-se colocado na esfera de influência dos Portugueses. De um modo geral, na Ásia,
podemos falar de “un petit Tordesillas à l’échelle de la région” e do primeiro esboço das
fronteiras actuais26, o que remete, de novo, para a importância dos tratados27.
23
Cf. Frédéric Mauro, La expansión europea (1600-1870), “Nueva Clio. La Historia y sus problemas, 27”,
3ª ed., Barcelona, Editorial Labor, 1979 [edição original: 1964], pp. 140-141.
24
A Nova Caledónia seria simultaneamente uma colónia de povoamento e uma colónia penal.
25
Cf. Ulbe Bosma, “The Cultivation System (1830-1870) and Its Private Entrepreneurs on Colonial Java”,
Journal of Southeast Asian Studies, vol. 38, n.º 2, June 2007, pp. 275-291.
26
Cf. Jean-Louis Margolin e Claude Markovits, Les Indes et l’Europe. Histoires connectées XVe-XXIe siècle,
“folio histoire”, Paris, Gallimard, 2015, p. 404.
27
Cf. Saliha Belmessous, “The Paradox of an Empire by Treaty”, in Saliha Belmessous (ed.), Empire by
Treaty: Negotiating European Expansion, 1600-1900, New York, Oxford University Press, 2015, pp. 1-18,
maxime p. 6.
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Espanha
A Espanha, acabada de sair de uma guerra contra o invasor francês, enfrentou a vaga
de independências dos seus territórios americanos, a partir de 1808-1810. Conforme avisara o
conde de Aranda, Pedro Pablo Abarca de Bolea (1719-1798), quando servia como embaixador
em Paris, em 1783:
“El dominio español en las Américas no puede ser muy duradero, fundado en
que las posesiones tan distantes de sus metrópolis jamás se han conservado
largo tiempo. En el de aquellas colonias ocurren aún mayores motivos, a saber:
la dificultad de socorrerles desde Europa cuando la necesidad lo exige; el
gobierno temporal de virreyes y gobernadores que la mayor parte van con el
mismo objeto de enriquecerse; las injusticias que algunos hacen a aquellos
infelices habitantes; la distancia de la soberanía y del tribunal supremo donde
han de acudir a exponer sus quejas; los años que se pasan sin obtener
resolución… Todas estas circunstancias, si bien se mira, contribuyen a que
aquellos naturales no estén contentos y que aspiren a la independencia,
siempre que se les presente ocasión favorable…”29.
28
Cf. Henri Wesseling, Les empires coloniaux européens 1815‐1919, “folio histoire”, Paris, Gallimard,
2009 [edição original: 2004], pp. 192-205; Jean-Louis Margolin e Claude Markovits, Les Indes et l’Europe.
Histoires connectées XVe-XXIe siècle, “folio histoire”, Paris, Gallimard, 2015, pp. 484-499.
29
Cf. Antonio Gutiérrez Escudero, “La independencia hispanoamericana: predicciones y precursores”, in
Fernando Navarro Antolín (ed.), Orbis Incognitus. Avisos y legajos del Nuevo Mundo, vol. I, Huelva, 2007,
pp. 269-291, maxime p. 282 para a citação.
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Portugal
A corte portuguesa estava instalada no Rio de Janeiro desde 1808, no seguimento da
invasão francesa de Portugal, em 1807. Os rumores acerca do retorno da família real a
Portugal foram ganhando dimensão desde 1812, mas as especulações e a troca de argumentos
acerca do presuntivo regresso e das vantagens de se manter a união entre as esferas europeia
e americana da monarquia portuguesa tornaram-se mais intensos após os anos de 1814-1815,
tendo como pano de fundo a realização do Congresso de Viena, a definitiva derrota de
Napoleão Bonaparte e a criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Os
governadores do reino suplicaram a D. João que a família real retornasse a Portugal, mas, em
relação a este assunto, Jorge Pedreira e Fernando Dores Costa defenderam que “não estava
nos propósitos do príncipe regente regressar a Portugal e transferir novamente a sede da
monarquia para Lisboa”, sendo disso prova cabal a elevação do Brasil a reino por carta de lei
de 16 de Dezembro de 181530.
A desagregação do império luso-brasileiro sonhado por D. Rodrigo de Sousa Coutinho
foi o resultado da conjugação de múltiplos factores, numa aceleração iniciada em 1808 e em
cujo movimento as forças da tradição e da mudança se entrecruzaram31. Após o
pronunciamento militar do Porto, em 1820, o ritmo da história acelerou. Enquanto a corte
joanina no Rio de Janeiro era pressionada para reagir aos eventos que tinham lugar em
Portugal, nas Cortes Constituintes colocava-se o problema da representação do Brasil.
Valentim Alexandre defendeu que a desagregação política do império português esteve no
horizonte dos liberais vintistas, não obstante os decretos de 29 de Setembro e 1 de Outubro
de 1821 terem constituído uma tentativa do poder liberal para controlar as juntas e os
territórios brasileiros32. Estas e outras medidas aprovadas pelos parlamentares vintistas em
Lisboa apenas contribuíram para fomentar reacções negativas, alimentando sentimentos anti-
portugueses e os projectos de emancipação política do Brasil. No entanto, o processo que
conduziu à declaração de independência e à oficialização da separação não foi linear. As
divisões que eclodiram entre as facções constitucionalistas no Rio de Janeiro e nas capitanias;
as resistências ao projecto de independência e contra o império de D. Pedro I registadas no
Pará e no Maranhão, com uma longa tradição de governos distintos durante largas décadas do
governo do Estado do Brasil; ou o movimento republicano que, em 1824, se ergueu de novo
em Pernambuco contra o sistema monárquico, congregando o apoio da Paraíba, do Rio
Grande do Norte e do Ceará e talvez o do Piauí e do Pará, demonstram que não existia um
sentimento de pertença comum partilhado pelas elites e as populações dos distintos
territórios do novo império brasílico, sendo possível falar, não de um, mas de vários Brasis33.
Nos demais domínios imperiais portugueses, os efeitos dos pronunciamentos militares
e da independência do Brasil fizeram-se sentir com diferentes impactos. Em Angola, houve
quem defendesse a união com o Brasil, tal como nos Rios de Sena, na costa oriental africana.
Em Cabo Verde, espaço de degredo no contexto das lutas entre absolutistas e liberais, as
30
Cf. Jorge Pedreira e Fernando Dores Costa, D. João VI, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006, pp. 237-238.
31
Cf. José Damião Rodrigues, “A monarquia luso-brasileira (1808-1822)”, in João Paulo Oliveira e Costa,
José Damião Rodrigues e Pedro Aires Oliveira, História da Expansão e do Império Português, Lisboa, A
Esfera dos Livros, 2014, pp. 321-339.
32
Cf. Valentim Alexandre, Velho Brasil, Novas Áfricas – Portugal e o Império (1808-1975), “Biblioteca das
Ciências do Homem, 19”, Porto, Edições Afrontamento, 2000; Jorge Pedreira e Fernando Dores Costa, D.
João VI, Lisboa, Círculo de Leitores, 2006, pp. 265-289 e 293-301.
33
Sobre esta questão, ver o interessante dossier coordenado por Andréa Slemian e Clément Thibaud,
“Indépendance du Brésil ou des Brésils? Unité et diversité dans la construction d’un Empire en Amérique
au début du XIXe siècle”, Nuevo Mundo Mundos Nuevos [on line], Debates, colocado on line a 9 de
Fevereiro de 2013 [URL: <http://nuevomundo.revues.org/64747>], consultado a 23 de Julho de 2013.
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E qual foi a ideologia do império? Não existindo uma visão consensual e universal, nem
um projecto comum às diversas formações políticas imperiais, podemos, no entanto, sublinhar
a importância do pensamento liberal para a dinâmica imperialista de Oitocentos35, não
obstante o liberalismo não constituir um corpo teórico e doutrinal homogéneo. Com efeito, o
liberalismo foi
“an always changing ideology whose commitments at any given time result
from contingent conjunctures of discourses (for instance of rights or liberty),
interests (such as those of merchants in an emerging commercial society), and
institutions (e.g., the Bank of England, the East India Company).”36
34
Cf. Josep M. Fradera, La nación imperial. Derechos, representación y ciudadanía en los imperios de
Gran Bretaña, Francia, España y Estados Unidos, Barcelona-Buenos Aires, Edhasa, 2015, vol. I, pp. 468-
475.
35
Cf. Uday Singh Mehta, Liberalism and Empire: A Study in Nineteenth-Century British Liberal Thought,
Chicago, The University of Chicago Press, 1999.
36
Cf. Jennifer Pitts, “Political Theory of Empire and Imperialism”, Annual Review of Political Science, 13,
2010, pp. 211-235, maxime p. 217 para a citação.
37
Sobre estas questões, de entre uma vasta bibliografia, ver Uday Singh Mehta, Liberalism and Empire:
A Study in Nineteenth-Century British Liberal Thought, Chicago, The University of Chicago Press, 1999;
David Long, “Liberalism, Imperialism, and Empire”, Studies in Political Economy, n.º 78, Autumn 2006,
pp. 201-223; Éric Anceau, “De quoi l’empire libéral est-il le nom?”, Histoire, économie et société, 2017,
n.º 3, 36e année, pp. 35-47.
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“Our duty – our vocation – is not to enslave, but to set free; and I may say
without any vainglorious boast, or without great offence to anyone, that we
stand at the head of moral, social and political civilisation. Our task is to lead
the way and direct the march of other nations.”
38
Cf. Pratap Bhanu Mehta, “Liberalism, Nation, and Empire: The Case of J. S. Mill”, in Sankar Muthu
(ed.), Empire and Modern Political Thought, New York, Cambridge University Press, 2012, pp. 232-260.
39
Cf. Andrew Fitzmaurice, “AHR Forum: Liberalism and Empire in Nineteenth-Century International
Law”, The American Historical Review, vol. 117, n.º 1, February 2012, pp. 122-140, maxime p. 123 para a
citação.
40
Cf. Edward W. Said, Cultura e imperialismo, São Paulo, Companhia das Letras, 2011 [edição original:
1993].
41
Cf. Ronald Hyam, Britain’s Imperial Century, 1815-1914. A Study of Empire and Expansion, “Cambridge
Imperial and Post-Colonial Studies”, 3ª ed., Basingstoke, Palgrave Macmillan, 2002 [edição original:
1976], p. 89.
42
Cf. Robin Blackburn, The Making of New World Slavery. From the Baroque to the Modern 1492-1800,
London-New York, Verso, 1998 [edição original: 1997], p. 389.
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no mundo atlântico e uma parte desta produção destinava-se ao resgate de escravos na costa
ocidental africana — uma dimensão da maior importância para os impérios europeus no
espaço atlântico e, em particular, nas Américas43 —, onde concorria com os têxteis indianos44.
No entanto, a invenção da water frame por Richard Arkwright, na década de 1770, seguida
pela spinning jenny de James Hargreaves e pela mule de Samuel Crompton, permitiu aumentar
a velocidade da fiação sem perda da qualidade, a que se acrescentou, entre 1765 e 1785, um
avanço nas técnicas de tinturaria45. Se, até cerca de 1800, a Índia foi o principal mercado
asiático consumidor de prata e o grande exportador de têxteis; e se algumas regiões da Índia e
da China podiam rivalizar com outras da Europa e, nomeadamente, da Inglaterra, em termos
demográficos e económicos, as mudanças tecnológicas introduzidas no sistema de produção
vieram contribuir para a “grande divergência”, a qual, segundo Jack Goldstone, se manifestou
em pleno somente depois de 185046.
A produção inglesa aumentou exponencialmente e exigiu novos mercados. Nos anos
imediatamente posteriores à derrota de Napoleão e nas décadas de 1820 e 1830, a Grã-
Bretanha respondeu a ameaças à sua expansão territorial consolidando posições em espaços
estratégicos para os seus interesses. Na Índia, derrotou os Maratas na guerra de 1817-1818. A
derrota da Confederação Marata e a abdicação do Peshwa de Puna, em 1818, confirmou a
supremacia da East India Company. O Parlamento britânico, que já produzira o Charter Act de
1813, tentou limitar os privilégios comerciais da East India Company com os Charter Acts de
1833 e 1853, abrindo a economia indiana ao “comércio livre”. No Sudeste asiático, após a
anexação de Manipur (1819) e de Assam (1821) pela Birmânia, a guerra de 1824-1826, durante
a qual foram efectuados ataques anfíbios, afirmou o poder britânico na região. Merece ser
relevada a proposta de David B. Abernethy, segundo a qual a fase 3 de expansão (1824-1912)
das fases imperiais teve início com a guerra anglo-birmanesa de 1824-1826. O Tratado de
Yandibaw permitiu à Grã-Bretanha ficar senhora de Assam, Manipur, Arakan e Tenasserim.
Mas o que David B. Abernethy destacou foi o facto de este conflito ter sido “the first in which a
technology linked to the Industrial Revolution decisively influenced distant events.” O autor
destacou, nesse aspecto, o papel do navio Diana: “The Diana was more than a tugboat. It was
also a gunboat.”47 Nas Américas, a Grã-Bretanha esteve em conflito com diversos governos dos
novos Estados-nação devido à questão do “comércio livre”. Em outras regiões do mundo, a
Grã-Bretanha procurou igualmente intervir por via diplomática ou militar. Um espaço que se
veio a revelar de grande interesse estratégico foi o Golfo Pérsico. Um primeiro tratado foi
firmado em 1820 e, desde então, o governo britânico considerou esta região como a Trucial
Coast.
Neste quadro, a articulação entre Londres e os territórios imperiais e a velocidade das
comunicações constituíam-se como questões vitais. O Egipto, então na esfera do império
otomano, e o Mar Vermelho eram espaços essenciais no esforço de ligar mais rapidamente a
Inglaterra à Índia. A tecnologia do vapor, associada ao processo de industrialização, contribuiu
43
Cf., entre outros, Patrick Manning (ed.), Slave Trades, 1500-1800: Globalization of Forced Labour, “An
Expanding World, 15”, Aldershot, Variorum, 1996; Hugh Thomas, The Slave Trade: The history of the
Atlantic slave trade 1440-1870, London, Picador, 1997; Robin Blackburn, The Making of New World
Slavery. From the Baroque to the Modern 1492-1800, London-New York, Verso, 1998 [edição original:
1997].
44
Cf. Prasannan Parthasarathi, Why Europe Grew Rich and Asia Did Not: Global Economic Divergence,
1600-1850, New York, Cambridge University Press, 2011, pp. 24-26 e 133-138.
45
Cf. Prasannan Parthasarathi, Why Europe Grew Rich and Asia Did Not: Global Economic Divergence,
1600-1850, New York, Cambridge University Press, 2011, pp. 95-99.
46
Cf. Jack Goldstone, História Global da Ascensão do Ocidente. 1500-1850, “História & Sociedade”,
Lisboa, Edições 70, 2010 [edição original: 2009], pp. 191-216.
47
Cf. David B. Abernethy, The Dynamics of Global Dominance: European overseas empires, 1415-1980,
New Haven and London, Yale University Press, 2000, pp. 81-82, maxime p. 82 para as citações; Jeremy
Black, The British Seaborne Empire, New Haven and London, Yale University Press, 2004, p. 176.
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para esse fim. Desde 1835 que o correio para a Índia era enviado através do Médio Oriente e,
em 1837, a East India Company deu início a um serviço de vapor entre Bombaim e o Suez com
os navios (paddlers) Berenice e Atalanta. A Overland Route permitiu reduzir a viagem de
16.000 milhas para 6.000 milhas e de 90 dias para entre 35 a 45 dias.
A Grã-Bretanha procurou sempre defender os seus interesses por meio da diplomacia
e da celebração de tratados, com o apoio da sua força naval. Em 1838, o Tratado de Balta
Liman, celebrado entre a Grã-Bretanha e a Turquia e orquestrado por Lord Palmerston, foi
considerado “a British triumph.”48 O tratado destinava-se a abolir os monopólios e a restringir
os direitos alfandegários e teve visíveis consequências: em 1842, apenas 250 navios ingleses
tinham cruzado os Dardanelos; em 1852, eram já 1.714. Quando a diplomacia não se revelava
a arma mais eficaz, o governo britânico recorria ao poder militar e naval. Adém foi ocupada em
1839 para impedir Mohamed Ali (1806-1848), do Egipto, de penetrar mais no Mar Vermelho.
Na Ásia, as “Guerras do Ópio” (1839-1842 e 1856-186049) também tiveram na sua origem
interesses económicos e comerciais britânicos, embora a situação interna do império Qing
deva ser tida em linha de conta quando pensamos na entrada dos Europeus no mundo chinês.
No processo de crescimento económico e expansão imperial da Grã-Bretanha, importa
ainda ter em consideração o papel do centro político e a importância da questão legislativa. Na
década de 1840, os governos britânicos começaram por extinguir as Corn Laws, em 1846, sob
o governo de Sir Robert Peel, que anos antes apoiara esta legislação, e os Navigation Acts, em
1849; e depois, com William Ewart Gladstone (1809-1898) como Chancellor of the Exchequer
(Dezembro de 1852-Fevereiro de 1855, no governo de Lord Aberdeen, e Junho de 1859-Junho
de 1866, no governo liberal de Lord Palmerston, até Outubro de 1865, e Lord Russell, 1.º Earl
of Russell, até Junho de 1866), aboliram gradualmente diversos impostos sobre as importações
e negociaram e reduziram as tarifas existentes entre a Grã-Bretanha e a França, optando assim
por um sistema pleno de comércio livre. Estas medidas tiveram impacto na dinâmica comercial
britânica, como seria de esperar. Contudo, não podemos afirmar que reflectiam uma política
orientada para o império. Aliás, em matéria de política colonial, a síntese de K. Theodore
Hoppen é muito clara: “Palmerston was no more consistent than anyone else.”50
Por fim, devemos salientar que, nesta fase da expansão europeia, a “política da
canhoneira” não conduzia necessariamente à ocupação dos territórios, tratando-se apenas de
garantir a abertura dos mercados locais aos interesses do capitalismo europeu51. De qualquer
modo, e de forma sugestiva, Ian Morris considerou que, por volta de 1850, a “mão invisível” e
o “punho invisível” colaboravam estreitamente para impor os interesses europeus à escala
global. Deste modo, segundo aquele historiador, mais do que falar em impérios, centrados na
Europa, dever-se-ia falar num sistema-mundo — world-system —, uma rede cujos efeitos se
manifestavam em todos os continentes52.
Convirá, porém, evitar as leituras que apresentam a imposição da ordem imperial
europeia e, em particular, britânica no século XIX como um movimento linear e isento de
dificuldades. Com efeito, além das hesitações dos próprios agentes imperiais e das resistências
48
Cf. Ronald Hyam, Britain’s Imperial Century, 1815-1914. A Study of Empire and Expansion, “Cambridge
Imperial and Post-Colonial Studies”, 3ª ed., Basingstoke, Palgrave Macmillan, 2002 [edição original:
1976], p. 101.
49
Foi no contexto da Segunda Guerra do Ópio que teve lugar a rebelião Taiping contra os Qing (1851-
1866). Rebelião com aspectos messiânicos e sincréticos — o seu líder afirmava ser o irmão mais novo de
Jesus Cristo —, contribuiu para a ruína das finanças do Estado chinês. Morreram cerca de 20 milhões de
pessoas.
50
Cf. K. Theodore Hoppen, The Mid-Victorian Generation 1846-1886, “The New Oxford History of
England”, Oxford-New York, Clarendon Press, 1998, p. 221.
51
Cf. Henry Laurens, L’empire et ses ennemis. La question impériale dans l’histoire, Paris, Éditions du
Seuil, 2009, pp. 63-64.
52
Cf. Ian Morris, War! What Is It Good For? Conflict and the Progress of Civilization from Primates to
Robots, paperback edition, London, Picador, 2015 [edição original: 2014], pp. 222-223.
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“The plains of North America and Russia are our corn fields; Chicago and
Odessa our granaries; Canada and the Baltic are our timber forests; Australasia
contains our sheep farms, and in Argentina and on the western prairies of
North America are our herds of oxen; Peru sends her silver, and the gold of
South Africa and Australia flows to London; the Hindus and the Chinese grow
tea for us, and our coffee, sugar and spice plantations are in all the Indies.
Spain and France are our vineyards and the Mediterranean our fruit garden;
and our cotton grounds, which for long have occupied the Southern United
States, are now being extended everywhere in the warm regions of the earth.”
53
Cf. Henry Laurens, L’empire et ses ennemis. La question impériale dans l’histoire, Paris, Éditions du
Seuil, 2009, p. 64.
54
Cf. Duncan S. A. Bell, “Dissolving Distance: Technology, Space, and Empire in British Political Thought,
1770-1900”, The Journal of Modern History, vol. 77, n.º 3, September 2005, pp. 523-562.
55
Cf. Josep M. Fradera, La nación imperial. Derechos, representación y ciudadanía en los imperios de
Gran Bretaña, Francia, España y Estados Unidos, Barcelona-Buenos Aires, Edhasa, 2015, vol. I, pp. 481-
574.
56
Cf. Ronald Hyam, Britain’s Imperial Century, 1815-1914. A Study of Empire and Expansion, “Cambridge
Imperial and Post-Colonial Studies”, 3ª ed., Basingstoke, Palgrave Macmillan, 2002 [edição original:
1976], p. 87.
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57
Cf. Henry Laurens, L’empire et ses ennemis. La question impériale dans l’histoire, Paris, Éditions du
Seuil, 2009, pp. 58-59.
58
Cf. Ronald Hyam, Britain’s Imperial Century, 1815-1914. A Study of Empire and Expansion, “Cambridge
Imperial and Post-Colonial Studies”, 3ª ed., Basingstoke, Palgrave Macmillan, 2002 [edição original:
1976], p. 204.
59
Cf. Jacques Frémeaux, De quoi fut fait l’empire. Les guerres coloniales au XIXe siècle, “Biblis, 67”, Paris,
CNRS Éditions, 2010, pp. 29-49, maxime p. 32 para a citação.
60
A explicação oficial para a iniciativa britânica foi a tentativa de evitar um conflito entre Malaios e
Chineses — tinha havido uma vasta migração de trabalhadores chineses para trabalharem nas minas de
estanho —, mas devemos ter em conta o interesse britânico na exploração do estanho. Lembremos que
a Grã-Bretanha era então a principal produtora de “folha de Flandres”, uma liga metálica de ferro e
estanho.
61
Cf. Jean-Louis Margolin e Claude Markovits, Les Indes et l’Europe. Histoires connectées XVe-XXIe siècle,
“folio histoire”, Paris, Gallimard, 2015, pp. 415-420.
62
Cf. Niall Ferguson, Império. Como a Grã-Bretanha construiu o mundo moderno, Porto, Civilização
Editora, 2013 [edição original: 2003], pp. 209-210.
63
Cf. Jacques Frémeaux, De quoi fut fait l’empire. Les guerres coloniales au XIX e siècle, “Biblis, 67”, Paris,
CNRS Éditions, 2010, pp. 214-217 e 255-279.
64
Cf. Jean-Louis Margolin e Claude Markovits, Les Indes et l’Europe. Histoires connectées XVe-XXIe siècle,
“folio histoire”, Paris, Gallimard, 2015, p. 314.
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Uganda, 1896-1900; Serra Leoa, 1898. Na viragem do século XIX para o século XX, o pior
cenário em termos da resistência à ordem imperial britânica foi a Somália, com o movimento
do “Mullah louco”, em 1899-1904 e 1908-1920. No caso do império holandês, a Guerra de Java
(1825-1830) implicou a perda de cerca de 15.000 efectivos do exército holandês, dos quais
8.000 soldados europeus, contra, pelo menos, 200.000 Javaneses, guerreiros e civis65.
De qualquer modo, com algumas excepções, poucos foram os exércitos não-europeus
que conseguiram resistir à avançada imperialista, o que implica identificar e analisar os
factores que explicam esse resultado. Estas campanhas militares e guerras não envolveram, na
maior parte dos casos e à semelhança do que encontramos nas dinâmicas de outras formações
políticas imperiais, enormes contingentes, com a excepção de algumas grandes batalhas. A 2
de Setembro de 1898, na batalha de Omdurman, os Britânicos, sob as ordens de Kitchener,
eram cerca de 25.000, dos quais apenas 8.200 eram Europeus, e combateram cerca de 60.000
derviches. No entanto, contavam com 20 metralhadoras e 44 canhões66.
Desde logo, tal como no passado, importa registar que, em diversos territórios, as
primeiras forças militares foram constituídas por corpos privados, ao serviço de companhias, e,
por outro lado, que as forças imperiais contaram, nas suas fileiras, com corpos de população
local — tropas “indígenas” —, cujo número excedia o dos Europeus. Foi o exército da Índia
britânica aquele que mobilizou o maior número de “indígenas” — 120.000 a 130.000 em 1885
—, mas, na África do Sul, nas guerras contra os Zulus ou os Boers, os Ingleses não tiveram
hesitações na hora de recrutar combatentes africanos, muitos dos quais foram batedores ou
serviram em postos avançados67. De igual modo, devemos lembrar que do encontro entre as
populações europeias e as populações nativas resultaram graves consequências. Além das
guerras, as migrações e as bactérias transportadas pelos Europeus contribuíram para reduzir o
território ocupado pelas sociedades locais e para uma queda demográfica por vezes brutal.
Sirva de exemplo o caso da Nova Zelândia. Em 1842, existiam cerca de 2.000 brancos e cerca
de 80.000 Maoris. Nos anos 1865-1873, registou-se uma forte resistência maori. Em 1896, a
população branca situava-se nos 700.000 indivíduos e os Maoris eram apenas 40.000.
“The new scale of capital movement in the nineteenth century was essentially
dependent on industrial wealth. Britain was not merely workshop of the world,
but banker too. Already in 1800 London had replaced Amsterdam as the
65
Cf. Henri Wesseling, Les empires coloniaux européens 1815‐1919, “folio histoire”, Paris, Gallimard,
2009 [edição original: 2004], pp. 199-200.
66
Cf. Jacques Frémeaux, De quoi fut fait l’empire. Les guerres coloniales au XIX e siècle, “Biblis, 67”, Paris,
CNRS Éditions, 2010, pp. 339-340.
67
Cf. John Darwin, Ascensão e queda dos impérios globais 1400-2000, “História narrativa, 42”, Lisboa,
Edições 70, 2015 [edição original: 2008], pp. 306-307; Jacques Frémeaux, De quoi fut fait l’empire. Les
guerres coloniales au XIXe siècle, “Biblis, 67”, Paris, CNRS Éditions, 2010, pp. 121-152 e 153-169.
68
Cf. Ronald Hyam, Britain’s Imperial Century, 1815-1914. A Study of Empire and Expansion, “Cambridge
Imperial and Post-Colonial Studies”, 3ª ed., Basingstoke, Palgrave Macmillan, 2002 [edição original:
1976], p. 15.
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69
Cf. Ronald Hyam, Britain’s Imperial Century, 1815-1914. A Study of Empire and Expansion, “Cambridge
Imperial and Post-Colonial Studies”, 3ª ed., Basingstoke, Palgrave Macmillan, 2002 [edição original:
1976], p. 25.
70
Cf. François Caron, “Factores e mecanismos da industrialização”, in Pierre Léon (dir.), História
Económica e Social do Mundo, Lisboa, Sá da Costa Editora, 1982-1983 [edição original: 1977-1978], vol.
IV, tomo 1, pp. 121-186, maxime p. 121 para a citação.
71
Cf. John Darwin, Ascensão e queda dos impérios globais 1400-2000, “História narrativa, 42”, Lisboa,
Edições 70, 2015 [edição original: 2008], p. 231.
72
Cf. François Caron, “Factores e mecanismos da industrialização”, in Pierre Léon (dir.), História
Económica e Social do Mundo, Lisboa, Sá da Costa Editora, 1982-1983 [edição original: 1977-1978], vol.
IV, tomo 1, pp. 121-186, maxime p. 132.
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Argentina, no Uruguai e, em parte, no Brasil. Mesmo no Canadá, que dependia fortemente dos
Estados Unidos da América, não teria sido possível a criação de uma British North America
independente sem o acesso ao mercado de capital britânico. Além destes, muitos outros
governos recorreram ao crédito e aos títulos britânicos, fossem europeus, sul-americanos ou
asiáticos, como a China e o Japão.
“It was in the second half of the nineteenth century, and especially after 1870,
that Britain’s expanding financial power created a worldwide “invisible
empire” which compensated for her dwindling economic influence in the
United States and Europe.”73
Foi durante este período — grosso modo, entre 1870 e 1913 — que se assistiu a um
processo de integração dos mercados, ou seja, a uma redução do fosso (gap) entre os preços
em mercados distintos e distantes entre si, embora conectados. Assim, no que respeita ao
preço do trigo, o fosso entre a Grã-Bretanha e Odessa caiu de 37,9% para 6,5%; para o arroz, o
fosso entre Londres e Rangum caiu de 93% para 26%; e, no caso do algodão, o fosso entre os
mercados de Liverpool e Bombaim passou de 57% para 20%. De um modo geral, foi nestes
anos que se verificou uma convergência significativa ao nível dos preços, o que indicia uma
muito maior integração dos mercados e, consequentemente, uma dinâmica de globalização
como até então não existia. Para tal, e para a “desindustrialização” do mundo não-ocidental,
em muito contribuiu a revolução dos transportes, que tornou os produtos europeus muito
mais competitivos nos vários mercados74.
Paradoxalmente, foi no início deste período, entre 1873 e 1896, que se instalou na
economia ocidental e, sobretudo, na Europa, a “Grande Depressão”. O crescimento económico
estagnou em parte. Foi nesta conjuntura que ocorreu o processo de “migração em massa” da
Europa para as Américas — 55 milhões de migrantes europeus —, e para as novas áreas de
colonização branca, processo que se prolongou pelas primeiras décadas do século XX e ao qual
devemos somar a migração de muitos milhões de Asiáticos, sobretudo Chineses e Indianos75.
Em termos globais, a população da América Latina aumentou de 20 milhões em 1840 para 63
milhões em 1900 e 80 milhões em 1914. Se o crescimento natural não pode ser negligenciado,
este boom populacional esteve, sem dúvida alguma, ligado à imigração76. Na Ásia, a diáspora
mercantil chinesa articulou-se com os enclaves europeus, potenciando quer a fixação de
trabalhadores para produzirem para a exportação, quer a deslocação de populações para
trabalho em plantações. Neste contexto, o sistema russo-siberiano permaneceu autónomo.
Assistiu-se à entrada massiva das mulheres no processo migratório por motivos de ordem
laboral, mas também devido à formação e reunificação de famílias77. Em pleno processo de
73
Cf. P. J. Cain e A. G. Hopkins, “Gentlemanly Capitalism and British Expansion Overseas II: New
Imperialism, 1850-1945”, The Economic History Review, New Series, vol. 40, n.º 1, Feb. 1987, pp. 1-26,
maxime p. 11 para a citação.
74
Cf. Henry Laurens, L’empire et ses ennemis. La question impériale dans l’histoire, Paris, Éditions du
Seuil, 2009, p. 67.
75
Cf. Pierre Singaravélou, “Des empires en mouvement? Impacts et limites des migrations coloniales”, in
Pierre Singaravélou (dir.), Les empires coloniaux (XIXe-XXe siècle), Paris, Éditions Points, 2013, pp. 125-
167.
76
Cf. Pierre Léon, “A América Latina”, in Pierre Léon (dir.), História Económica e Social do Mundo, vol. 4:
A Dominação do Capitalismo 1840-1914, Lisboa, Sá da Costa Editora, 1982 [edição original: 1978], Tomo
II, pp. 537-561, maxime pp. 538 e 540-541.
77
Cf. Donna Gabaccia, “Women of the Mass Migrations: From Minority to Majority, 1820-1930”, in Dirk
Hoerder e Leslie Page Moch (eds.), European Migrants: Global and Local Perspectives, Boston,
Northeastern University Press, 1996, pp. 90-111.
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78
Cf. Dirk Hoerder, Cultures in Contact: World Migrations in the Second Millennium, Durham-London,
Duke University Press, 2002, p. 332.
79
Cf. Ronald Hyam, Britain’s Imperial Century, 1815-1914. A Study of Empire and Expansion, “Cambridge
Imperial and Post-Colonial Studies”, 3ª ed., Basingstoke, Palgrave Macmillan, 2002 [edição original:
1976], pp. 24-25.
80
Ver, por exemplo, Gary B. Magee e Andrew S. Thompson, Empire and Globalisation: Networks of
people, goods and capital in the British world, c. 1850-1914, Cambridge, Cambridge University Press,
2010; Krishan Kumar, Visões Imperiais: cinco impérios que mudaram o mundo, “História Narrativa, 51”,
Lisboa, Edições 70, 2017 [edição original: 2017], pp. 456-458.
81
Cf. Jean Bouvier, “Os mecanismos de dominação”, in Pierre Léon (dir.), História Económica e Social do
Mundo, vol. 4: A Dominação do Capitalismo 1840-1914, Lisboa, Sá da Costa Editora, 1982 [edição
original: 1978], Tomo II, pp. 421-437, maxime pp. 421-422.
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“Economically, South Africa has been the site where European capital,
technology and labour, and Africa’s human and material resources have
intermeshed most closely.”86
Em 1870, o Cabo e o Natal exportavam bens no valor de £2,95 milhões; em 1880, esse
valor subira para £ 8,6 milhões. Convirá, para entender melhor estas cifras, lembrar que, em
1870-1871, foram descobertos campos de diamantes na região dos rios Orange e Vaal. Com o
aumento das receitas, o governo do Cabo conseguiu assegurar o investimento estrangeiro
necessário para a construção da rede ferroviária. Cerca de 1913, 55% das ferrovias existentes
na África subsaariana estavam na África do Sul e na Rodésia. Em termos globais, no arco
cronológico que vai de 1870 a 1936, os territórios que formaram a África do Sul captaram 56%
82
Cf. John Darwin, Ascensão e queda dos impérios globais 1400-2000, “História narrativa, 42”, Lisboa,
Edições 70, 2015 [edição original: 2008], pp. 277-285 e 377-387.
83
Cf. Jean-Louis Margolin e Claude Markovits, Les Indes et l’Europe. Histoires connectées XVe-XXIe siècle,
“folio histoire”, Paris, Gallimard, 2015, pp. 470-471.
84
Cf. Martin Thomas, The French empire between the wars. Imperialism, politics and society,
Manchester-New York, Manchester University Press, 2005, p. 18.
85
Cf. James Belich, John Darwin e Chris Wickham, “Introduction: The Prospect of Global History”, in
James Belich, John Darwin, Margret Frenz e Chris Wickham (eds.), The Prospect of Global History,
Oxford, Oxford University Press, 2016, pp. 3-22, maxime p. 16.
86
Cf. Bernard Waites, Europe and the Third World. From Colonisation to Decolonisation, c. 1500-1998,
“Themes in Comparative History”, Basingstoke, Macmillan Press, 1999, p. 130.
19
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87
Cf. Bernard Waites, Europe and the Third World. From Colonisation to Decolonisation, c. 1500-1998,
“Themes in Comparative History”, Basingstoke, Macmillan Press, 1999, pp. 130-131.
88
Cf. Robin J. Moore, “Imperial India, 1858-1914”, in Andrew Porter e Alaine Low (eds.), The Oxford
History of the British Empire, vol. III: The Nineteenth Century, Oxford-New York, Oxford University Press,
1999, pp. 422-446, maxime p. 441.
89
Cf. Jeremy Black, The British Seaborne Empire, New Haven and London, Yale University Press, 2004,
pp. 194 e 197.
90
Cf. Jean-Louis Margolin e Claude Markovits, Les Indes et l’Europe. Histoires connectées XVe-XXIe siècle,
“folio histoire”, Paris, Gallimard, 2015, pp. 448-459.
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2. 3. O tempo do imperialismo.
2. 3. 1. A Conferência de Berlim: antecedentes e consequências. As novas geografias imperiais.
O século XIX assistiu à realização das últimas grandes expedições de exploração. Uma
das que, à época, recebeu mais atenção foi a de Sir John Franklin (1786-1847), oficial da Royal
Navy. Envolvendo 133 pessoas, tinha como objectivo procurar e encontrar a Passagem do
Noroeste. A expedição desapareceu em 1847 e só a missão de 1857-1859 descobriu os
esqueletos e os vestígios da malograda expedição. Foi a África, porém, o continente que mais
interesse despertou em termos imperiais ao longo do século XIX. A presença europeia no
continente africano datava de há muitos séculos, mas só na centúria de Oitocentos é que, de
forma sistemática, teve início a exploração e conquista branca desse vasto e rico território92. É
verdade que, na Europa e, em particular, na Grã-Bretanha,
No entanto, apesar desse entusiasmo, a África central foi quase desconhecida dos
Europeus até meados do século XIX. Em 1878, cerca de 57% da África ainda era independente,
isto é, não se encontrava sob domínio europeu; em 1900, o continente africano tinha sido
retalhado e, de cerca de quarenta unidades políticas, os Europeus só não dominavam seis, das
quais só duas — Libéria e Etiópia — eram independentes em 191494. Como podemos explicar
esta brusca viragem? John Darwin colocou a questão e sugeriu a resposta: “O que impeliu o
91
Cf. Jean-Louis Margolin e Claude Markovits, Les Indes et l’Europe. Histoires connectées XVe-XXIe siècle,
“folio histoire”, Paris, Gallimard, 2015, pp. 534-540.
92
Cf. Jane Burbank e Frederick Cooper, Imperios, Barcelona, Crítica, 2012 [edição original: 2010], pp.
424-435 e, para uma narrativa recente dos processos de conquista, colonização e descolonização,
Lawrence James, Impérios ao Sol. A Luta pelo Domínio de África, Porto Salvo, Desassossego, 2018
[edição original: 2016].
93
Cf. Robin Law, “Africa in the Atlantic World, c. 1760-c. 1840”, in Nicholas Canny e Philip Morgan (eds.),
The Oxford Handbook of the Atlantic World: 1450-1850, Oxford, Oxford University Press, 2011, pp. 585-
601, maxime p. 599.
94
Cf. Bernard Waites, Europe and the Third World. From Colonisation to Decolonisation, c. 1500-1998,
“Themes in Comparative History”, Basingstoke, Macmillan Press, 1999, p. 113.
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«grande salto em frente» dos europeus em África? As suas origens residem na aplicação
gradual a este continente menos acessível dos meios de entrada já usados noutros lugares.”95
Embora alguns autores considerem que o arco cronológico que vai da Restauração
com Luís XVIII, em 1814, à queda de Napoleão III, em 1870, constitui ainda uma terra incognita
no que respeita às ambições globais da França, é possível afirmar que a dinâmica colonial mais
importante no continente africano na primeira metade do século XIX foi a expansão francesa
na África ocidental em direcção ao curso superior dos rios Senegal e Niger, enfrentando a
resistência de sociedades e formações políticas islamizadas. No caso da Grã-Bretanha, a sua
principal área de actuação, ou seja, o território que estava na esfera de influência do império
britânico, era a Costa do Ouro [actual Gana]96. Mas outras formações políticas, mais recentes e
mais pequenas, procuraram também ganhar posições em África, como a Bélgica. Assim, a 12
de Setembro de 1876, por iniciativa de Leopoldo II, teve lugar em Bruxelas uma conferência
geográfica internacional, da qual nasceu a Association Internationale Africaine. Entre 1877 e
1884, o Comité nacional belga organizou cinco expedições a África, fundando-se Karema e
M’Pala.
Estes empreendimentos inscrevem-se na conjuntura que assinalou o início da fase
imperialista, que uns datam de 1878, com a expansão militar francesa no Senegal, e outros de
1881, com a ocupação francesa da Tunísia e a imposição de um regime de protectorado, que o
bei de Tunis se viu forçado a aceitar. Mais a sul, a 6 de Setembro de 1880, foi criado o
comando superior do Haut-Fleuve, com sede em Medina, transferido para Kayes [actual Mali]
no ano seguinte. Este território estava ainda dependente do Senegal e só adquiriu autonomia
em relação ao Senegal a 18 de Agosto de 1890, tornando-se o Sudão francês, que, por sua vez,
seria integrado na África Ocidental Francesa (1895-1958), em 1895. Por 1900, a França tinha
anexado ao seu império 3,6 milhões de milhas quadradas e 37 milhões de pessoas97. Neste
processo, não é possível ignorar a contribuição da indústria para a expansão imperial europeia:
“A capacidade e complexidade das indústrias de armamento europeia e americana que
surgiram no século XIX não tinham paralelo noutros tempos.”98 Pensemos, por exemplo, no
fabrico de armas ligeiras, nas metralhadoras e no uso do aço para o fabrico de canhões99.
A ambição de fixação e conquista chocou, desde logo, com a resistência dos povos e
das sociedades locais, que, com maior ou menor capacidade, se opuseram aos Europeus. Sirva
de exemplo o caso das “Guerras de Fronteira”, que, de forma intermitente, marcaram a
história do que viria a ser a África do Sul entre 1779 e 1878100. A primeira guerra aconteceu
nos anos 1779-1781 e a última em 1877-1878, resultando do enfrentamento dos Europeus
(Boers e Ingleses) com os Cosa (Xhosa) e outros grupos étnicos locais.
“El imperio no es la única forma de obtener recursos, pero es innegable que los
mercados existen en un contexto político. En la Europa del siglo XIX ese
contexto era el mundo competitivo de los imperios — en realidad muy pocos
— y cada uno de ellos se basaba en recursos supranacionales. A finales del
siglo XIX los grandes actores fueron Francia y Gran Bretaña, como de
95
Cf. John Darwin, Ascensão e queda dos impérios globais 1400-2000, “História narrativa, 42”, Lisboa,
Edições 70, 2015 [edição original: 2008], pp. 349-364, maxime p. 350 para a citação.
96
Cf. Henri Wesseling, Les empires coloniaux européens 1815‐1919, “folio histoire”, Paris, Gallimard,
2009 [edição original: 2004], pp. 182-186.
97
Cf. Bernard Waites, Europe and the Third World. From Colonisation to Decolonisation, c. 1500-1998,
“Themes in Comparative History”, Basingstoke, Macmillan Press, 1999, p. 113.
98
Cf. John Keegan, Uma História da Guerra, Lisboa, Tinta da China, 2009 [edição original: 1993], p. 404.
99
Cf. John Keegan, Uma História da Guerra, Lisboa, Tinta da China, 2009 [edição original: 1993], pp. 404-
408.
100
Cf. Richard Price, Making Empire. Colonial Encounters and the Creation of Imperial Rule in
Nineteenth-Century Africa, Cambridge, Cambridge University Press, 2008.
22
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“Colonialism was necessary for seizing land, protecting settlers and planters,
and articulating local labor systems to export production. It was also necessary
for maintaining security and order when these prerequisites could not be
secured by other means. […] The scramble for Africa later in the century
followed the same logic: Colonial control was necessary to secure the
conditions for effective access and trade.”102
“European pro-empire propaganda between the wars used similar means and
conveyed strikingly similar messages, suggesting a shared colonial culture,
even if each country produced its own distinctive messages, such as Belgium’s
cult of Leopold II, Italy’s linkage of Libya to ancient Rome, and Germany’s
repeated plaint that its colonies had been stolen.”105
As explicações para o ímpeto colonial não são simples nem lineares. A ambição era,
por vezes, imensa, sobretudo quando uma situação de crise forçava a procura de soluções e
despertava o fervor patriótico. Na década de 1890, na Grã-Bretanha, muitos advogaram que a
guerra era uma necessidade e um bem em si mesma. Como afirmou taxativamente o poeta W.
E. Henley, numa alusão a um famoso discurso de Lord Salisbury, de 1898: “We are not one of
the “dying nations”, we! Our tradition is alive once more; our capacities are infinite”106. E
101
Cf. Jane Burbank e Frederick Cooper, Imperios, Barcelona, Crítica, 2012 [edição original: 2010], p.
426.
102
Cf. Julian Go, Patterns of Empire. The British and American Empires, 1688 to the Present, New York,
Cambridge University Press, 2011, p. 144.
103
Cf. Richard Price, Making Empire. Colonial Encounters and the Creation of Imperial Rule in
Nineteenth-Century Africa, Cambridge, Cambridge University Press, 2008, p. 1.
104
Cf. Andrew Porter, O Imperialismo Europeu (1860-1914), “História e Sociedade”, Lisboa, Edições 70,
2011 [edição original: 1994], pp. 155 e 190-192.
105
Cf. Matthew G. Stanard, “‘Interwar Pro-Empire Propaganda and European Colonial Culture: Toward a
Comparative Research Agenda’”, Journal of Contemporary History, vol. 44, n.º 1, 2009, pp. 27-48,
maxime p. 32 para a citação.
106
Cf. Bernard Porter, The Lion’s Share. A Short History of British Imperialism 1850-1995, 3ª ed., Harlow,
Longman, Pearson Education, 1996 [edição original: 1976], p. 129.
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pensemos ainda no caso de Cecil Rhodes, que considerou que a Grã-Bretanha podia e devia
conquistar
“the entire Continent of Africa, the Holy Land, the valley of the Euphrates, the
Islands of Cyprus and Candia, the whole of South America, the islands of the
Pacific not heretofore possessed by Great Britain, the whole of the Malay
Archipelago, the seabord of China and Japan”,
culminando todo este processo com “the ultimate recovery of the United States of America as
an integral part of the British Empire”, o que, no limite, segundo o próprio, contribuiria para
“render wars impossible”107.
Uma das dinâmicas mais importantes a registar neste período foi a da missionação
conduzida pelas igrejas protestantes108. Na Grã-Bretanha, entre 1840 e 1876, a Igreja de
Inglaterra restaurou 7.144 igrejas e edificou 1.727 novas, com um custo de £ 25,5 milhões109.
Embora seja possível afirmar que os missionários foram “os desbravadores do império”110 e as
missões constituíram uma “força de ocupação preventiva”111, estando, por vezes, muito para
além da fronteira efetiva que os Estados imperiais controlavam, sendo essencial perceber
como decorreu o processo de tentativa de conquista de populações e a associação entre a
“violência doce” da catequização e, depois, toda a outra dinâmica da ocupação territorial da
violência administrativa, seja a violência do imperialismo através da escravatura ou do
trabalho forçado, diversos estudos têm chamado a atenção quer para o confronto entre
missionários e políticos, quer para a efectiva ignorância dos missionários no tocante ao
contexto macropolítico e à competição imperialista. De qualquer modo, é inegável o papel dos
missionários, a par do dos comerciantes, no estabelecimento das bases de uma posterior
dominação112. No contexto do ímpeto colonial alemão, destaquemos o nome do missionário e
publicista Friedrich Fabri (1824-1891), que publicou em 1879 a obra Bedarf Deutschland der
Colonien?. Numa conjuntura de crise, defendeu a necessidade de uma base material para o
crescimento económico e elogiou as virtudes do povo alemão, embora considerasse que a
colonização se devia dirigir para a América do Sul.
O papel dos exploradores e aventureiros também não pode ser ignorado, pois não se
limitaram a revelar aos Europeus a geografia física e humana de África. Com efeito, tiveram
também um papel de relevo ao constituírem uma “guarda avançada” da diplomacia europeia.
Pensemos em Pierre Savorgnan de Brazza (1852-1905), um explorador italiano ao serviço de
França, que, a 10 de Setembro de 1880, na sua segunda viagem de exploração ao Congo,
assinou um tratado com o rei Makoko. Em 1883, foi nomeado governador-geral do Congo
francês, mas foi afastado poucos anos depois por, alegadamente, conceder condições
demasiado boas aos Africanos. Lembremos ainda o explorador e jornalista alemão Carl Peters
(1856-1918), que, em 1884, celebrou diversos tratados com chefaturas da África oriental,
107
Cf. Bernard Porter, The Lion’s Share. A Short History of British Imperialism 1850-1995, 3ª ed., Harlow,
Longman, Pearson Education, 1996 [edição original: 1976], p. 133.
108
Cf. Lawrence James, Impérios ao Sol. A Luta pelo Domínio de África, Porto Salvo, Desassossego, 2018
[edição original: 2016], pp. 165-177.
109
Cf. Ronald Hyam, Britain’s Imperial Century, 1815-1914. A Study of Empire and Expansion,
“Cambridge Imperial and Post-Colonial Studies”, 3ª ed., Basingstoke, Palgrave Macmillan, 2002 [edição
original: 1976], p. 90.
110
Cf. Lawrence James, Impérios ao Sol. A Luta pelo Domínio de África, Porto Salvo, Desassossego, 2018
[edição original: 2016], p. 166.
111
Cf. Miguel Bandeira Jerónimo, A Diplomacia do Império: política e religião na partilha de África (1820-
1890), “Lugar da História, 82”, Lisboa, Edições 70, 2012, p. 270.
112
Cf. Andrew Porter, O Imperialismo Europeu (1860-1914), “História e Sociedade”, Lisboa, Edições 70,
2011 [edição original: 1994], p. 182.
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Se, até meados do século XIX, não terá existido na Grã-Bretanha um grande
entusiasmo com o império ou com uma ideia de “missão imperial”, mesmo apesar do
movimento da “reforma colonial” na década de 1840, os decénios de 1850 e 1860
corresponderam ao auge do optimismo e da auto-confiança britânica. Em 1868, foi fundada a
Colonial Society, uma iniciativa que se deveu a “individuals who became imperialistic
sometime before 1868”. Inspirados por Alexis de Tocqueville e por uma ideia do império
britânico como “the vanguard of civilization”, os seus membros representavam uma mistura
de diferentes origens geográficas e sociais e a maior parte tinha uma ligação de algum tipo ao
império, nomeadamente por via do exercício de um cargo, havendo também membros do
Parlamento, homens de negócio e escritores113.
No final da década de 1870 e na seguinte, a Grã-Bretanha esteve sob a pressão
diplomática, militar e comercial de outras potências, as quais projectavam a sua ambição sobre
territórios que os Britânicos consideravam serem seus ou estarem na sua esfera de influência.
No entanto, apesar das tensões entre as potências europeias e de algumas derrotas que os
Britânicos conheceram, de um modo geral, no último quartel do século XIX consolidaram-se o
nacionalismo imperial e o movimento da expansão imperial britânica114. Foi esta dinâmica que
alimentou “a new enthusiasm for empire as a whole.” De qualquer modo, convirá evitar
exageros e pensar que o império era um mundo que congregava a curiosidade de todos os
cidadãos metropolitanos. Pelo contrário, o desconhecimento da geografia e das realidades
coloniais, ver mesmo algum desinteresse, era transversal aos cidadãos dos vários Estados-
nação imperiais115.
No último quartel de Oitocentos, assinalamos o início da expansão alemã em África, a
qual teve como apoio a vasta rede consular germânica. O império colonial alemão foi singular
pelo seu carácter tardio e pela sua brevidade e, embora alguns dos processos possam parecer
acidentais, de facto não o foram. Na viragem de 1870-1871, com o início do período imperial
alemão (1871-1918), assistiu-se à criação de um movimento colonial organizado, sobretudo
nos anos 1879-1884. De um modo geral, defendia-se a aquisição de colónias e foram fundadas
várias instituições que tinham esse propósito. Esta dinâmica vinha de anos anteriores, com a
criação, em 1868, da Central-Verein für Handels-Geographie und Deutsch Interesse in Ausland,
que tinha capital de Hamburgo.
A propósito da opção imperial germânica, importa lembrar que o Chanceler Bismarck
manifestava muita desconfiança quanto a essa orientação e, consequentemente, tinha uma
agenda colonial modesta116. Todavia, no contexto da disputa entre os Estados-nação imperiais,
o colonialismo foi entendido como um reforço do nacionalismo interno. Neste quadro, a classe
113
Cf. Edward Beasley, Empire as the Triumph of Theory. Imperialism, information, and the Colonial
Society of 1868, “British foreign and colonial policy”, London and New York, Routledge, 2005, maxime
pp. 1, 3 e 4-5 para as citações, respectivamente.
114
Cf. Jeremy Black, The British Seaborne Empire, New Haven and London, Yale University Press, 2004,
pp. 229-239; Krishan Kumar, Visões Imperiais: cinco impérios que mudaram o mundo, “História
Narrativa, 51”, Lisboa, Edições 70, 2017 [edição original: 2017], pp. 444-456.
115
Cf. Jacques Frémeaux, Les empires coloniaux dans le processus de mondialisation, Paris, Maisonneuve
et Larose, 2002, pp. 94-99.
116
Cf. Shelley Baranowski, Nazi Empire: German Colonialism and Imperialism from Bismarck to Hitler,
New York, Cambridge University Press, 2011, p. 31.
25
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117
Cf. Shelley Baranowski, Nazi Empire: German Colonialism and Imperialism from Bismarck to Hitler,
New York, Cambridge University Press, 2011, p. 7.
118
Cf. Woodruff D. Smith, The German Colonial Empire, Chapel Hill, The University of North Carolina
Press, 1978; Andrew Porter, O Imperialismo Europeu (1860-1914), “História e Sociedade”, Lisboa,
Edições 70, 2011 [edição original: 1994], pp. 145-146.
119
Cf. Bernard Porter, The Lion’s Share. A Short History of British Imperialism 1850-1995, 3ª ed., Harlow,
Longman, Pearson Education, 1996 [edição original: 1976], p. 101.
120
Cf. Dominik J. Schaller, “From Conquest to Genocide: Colonial Rule in German Southwest Africa and
German East Africa”, in A. Dirk Moses (ed.), Empire, Colony, Genocide: Conquest, Occupation, and
Subaltern Resistance in World History, New York, Berghahn Books, 2008, pp. 296-324.
121
Cf. Krishan Kumar, Visões Imperiais: cinco impérios que mudaram o mundo, “História Narrativa, 51”,
Lisboa, Edições 70, 2017 [edição original: 2017], pp. 521-538.
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império islâmico na região superior do rio Niger, o reino de Wasulu, e que combateu contra os
Franceses entre 1891 e 1898. Esteve à frente de um exército com cerca de 30 a 35 mil homens
a pé e cerca de 3.000 cavaleiros, todos organizados segundo o modelo europeu, e foi “le plus
grand organisateur militaire et bâtisseur d’empire de l’histoire de l’Afrique occidentale.”122
122
Cf. Henri Wesseling, Les empires coloniaux européens 1815‐1919, “folio histoire”, Paris, Gallimard,
2009 [edição original: 2004], pp. 305-307, maxime p. 305 para a citação.
123
Cf. Peter Cain, “Radicalism, Gladstone, and the liberal critique of Disraelian ‘imperialism’”, in Duncan
Bell (ed.), Victorian Visions of Global Order. Empire and International Relations in Nineteenth-Century
Political Thought, “Ideas in Context”, Cambridge, Cambridge University Press, 2007, pp. 215-238,
maxime p. 216 para a citação.
124
Cf. Henri Wesseling, Les empires coloniaux européens 1815‐1919, “folio histoire”, Paris, Gallimard,
2009 [edição original: 2004], p. 369; Lawrence James, Impérios ao Sol. A Luta pelo Domínio de África,
Porto Salvo, Desassossego, 2018 [edição original: 2016], pp. 118-122.
125
Cf. Henry Laurens, L’empire et ses ennemis. La question impériale dans l’histoire, Paris, Éditions du
Seuil, 2009, p. 88.
126
Cf. Bernard Waites, Europe and the Third World. From Colonisation to Decolonisation, c. 1500-1998,
“Themes in Comparative History”, Basingstoke, Macmillan Press, 1999, p. 114.
127
Cf. Ray Kiely, Rethinking Imperialism, Basingstoke-New York, Palgrave Macmillan, 2010, p. 57.
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Berlim deu início a um processo, o scramble for Africa, que se traduziu na instalação de uma
“economia de pilhagem”, que colocou nas mãos de companhias privadas a exploração dos
vastos recursos naturais dos territórios africanos128. A título de exemplo, refira-se a actuação
francesa em relação à África Equatorial: em 1898-1899, 40 companhias receberam concessões
por 30 anos que recobriam cerca de 70% do Congo.
A situação mais extrema ocorreu no Congo belga, o Estado Livre do Congo129. Em 1892,
o rei Leopoldo II concedeu vários privilégios a duas companhias que iriam actuar no território,
embora tenha reservado depois uma parcela do Congo como Domaine de la Couronne. No
seguimento da Conferência de Berlim, ainda em 1885, Leopoldo II criou o Estado Livre do
Congo. Entre 1888 e 1905, o valor das exportações de borracha cresceu 168%; no entanto, no
período 1880-1920, a população africana do Congo belga diminuiu de vinte para dez milhões,
como consequência de massacres e de fomes130. Neste contexto, a recepção de relatórios
sobre as atrocidades cometidas começou na década de 1890. O primeiro relatório foi enviado
para a Grã-Bretanha em 1891, mas Leopoldo II não se incomodou, continuando a governar
“sem uma bússola moral” (Lawrence James).
O auge da “partilha” de África situou-se entre 1885 e 1895. Entretanto, continuavam
as negociações entre as potências imperiais com o objectivo de se fixarem fronteiras sem
necessidade de um conflito. Neste contexto, no final do século XIX e no início do século XX,
podemos assinalar a acção de diversas comissões de delimitação de fronteiras, no caso
português, e a assinatura de alguns tratados. Por outro lado, entre os principais poderes
coloniais, registemos, a título de exemplo, que em 1898 foi assinado um tratado entre a Grã-
Bretanha e a França sobre as fronteiras na África ocidental. Foi neste contexto de disputa e
afirmação das diferentes soberanias dos Estados-nação imperiais que, em 1907, se realizou a
viagem oficial do Príncipe Real de Portugal D. Luís Filipe a algumas colónias em África (não
visitou a Guiné). Tratou-se de afirmar a vinculação entre os territórios visitados, colónias
portuguesas, e o centro político, a metrópole. No caso do império britânico, assinalemos, em
Dezembro de 1911, a viagem de Jorge V a Nova Deli para presidir à sua própria coroação
imperial ou durbar.
Por fim, a guerra entre a Espanha e os Estados Unidos da América teve como desfecho
a perda, por parte da Espanha, de Cuba e Porto Rico, no Atlântico, e das Filipinas, no Pacífico.
O fim do império espanhol — a Espanha começou e terminou o século XIX a perder colónias —
provocou um trauma nacional e conduziu a um debate sobre o lugar da Espanha no mundo,
potenciado pela “geração de 98”131. Durante a maior parte do século XIX e até às primeiras
décadas do século XX, as ilhas de Cuba e de Java foram as duas principais regiões produtoras
de açúcar à escala mundial132. Se pensarmos que, na década de 1820, metade da colheita de
açúcar de Cuba era destinada aos Estados Unidos e que, por 1860, Cuba produzia metade de
produção mundial de açúcar, podemos compreender o impacto da perda das colónias
espanholas.
128
Cf. Bernard Waites, Europe and the Third World. From Colonisation to Decolonisation, c. 1500-1998,
“Themes in Comparative History”, Basingstoke, Macmillan Press, 1999, pp. 135-140; Andrew Porter, O
Imperialismo Europeu (1860-1914), “História e Sociedade”, Lisboa, Edições 70, 2011 [edição original:
1994], pp. 140-153.
129
Cf. Lawrence James, Impérios ao Sol. A Luta pelo Domínio de África, Porto Salvo, Desassossego, 2018
[edição original: 2016], pp. 152-155.
130
Cf. Henri Wesseling, Les empires coloniaux européens 1815‐1919, “folio histoire”, Paris, Gallimard,
2009 [edição original: 2004], p. 328.
131
Cf. Henri Wesseling, Les empires coloniaux européens 1815‐1919, “folio histoire”, Paris, Gallimard,
2009 [edição original: 2004], pp. 266-268.
132
Cf. Ulbe Bosma e Jonathan Curry-Machado, “Two Islands, One Commodity: Cuba, Java, and the
Global Sugar Trade (1790-1930)”, New West Indian Guide, vol. 86, n.º 3-4, 2012, pp. 237-262.
28
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Em primeiro lugar, é preciso assinalar que o exercício do poder colonial exigiu uma
apropriação do espaço, não somente política e militar, mas igualmente cognitiva. Deste modo,
foi necessário produzir um vasto corpus de conhecimento geográfico que recorreu a viagens e
expedições científicas, a informações de colonos, missionários e negociantes, europeus e
autóctones, e que se traduziu na realização de trabalhos topográficos, na criação de uma
cartografia colonial, na delimitação de fronteiras — dimensão fundamental no contexto da
competição imperialista e objecto de intensas disputas —, nas práticas de denominação dos
lugares e na progressiva introdução de materiais oriundos do mundo colonial nas colecções de
universidades e museus133.
Recorde-se que a consciência de que os saberes geográficos constituíam um
instrumento essencial para a implementação das dinâmicas em curso estava presente desde
muito antes e que, a partir da primeira metade do século XIX, foram sendo criadas diversas
instituições que tinham como objectivo a promoção de explorações e do conhecimento
geográfico: a Société de Géographie de Paris, em 1821; a Royal Geographical Society, de
Londres, em 1830. Porém, o boom destas instituições e das explorações data de 1860-1870:
por exemplo, a Società Geographica Italiana, em 1867, a Sociedade de Geografia de Lisboa, em
1875, e a Sociedad Geográphica de Madrid, em 1876134.
Por outro lado, importa lembrar que o nascimento do campo disciplinar da
antropologia encontra-se no século XIX, com a pesquisa etnográfica da cultura popular e das
tradições e práticas a ela associadas e, sobretudo, com as dinâmicas geopolíticas do
colonialismo e do imperialismo contemporâneos: “Devemos a nossa moderna noção de
cultura em larga medida ao nacionalismo e ao colonialismo, bem como ao desenvolvimento de
uma antropologia ao serviço do poder imperial.”135
Em França, desde meados do século XIX que a antropologia ganhou prestígio e
influência: em 1859, foi fundada a Société d’anthropologie de Paris; em 1872, surgiu a Revue
d’anthropologie; e, em 1875, foi criada a École d’anthropologie de Paris. Em torno deste
projecto estava “un groupe massif à prétention totalitaire dans les sciences humaines”, cujo
paradigma dominante defendia a total determinação do social pelo biológico136. Na Grã-
Bretanha e, em particular, na Inglaterra, a antropologia social não se conseguiu impor em
Cambridge no início do século XX, desenvolvendo-se antes no âmbito da London School of
Economics, influenciada pela sociologia durkheimiana, mas também em estreita associação ao
império. Após a descolonização, os antropólogos voltaram-se para outros objectos, como, por
exemplo, a família, e para o espaço europeu137.
133
Sobre estas questões, ver Robin A. Butlin, Geographies of empire: European empires and colonies, c.
1880‐1960, “Cambridge studies in historical geography”, Cambridge, Cambridge University Press, 2009;
Jacques Frémeaux, De quoi fut fait l’empire. Les guerres coloniales au XIXe siècle, “Biblis, 67”, Paris, CNRS
Éditions, 2010, pp. 217-222; Hélène Blais, Florence Deprest e Pierre Singaravélou (dir.), Territoires
impériaux. Une histoire spatiale du fait colonial, Paris, Publications de la Sorbonne, 2011.
134
Cf. Jacques Frémeaux, De quoi fut fait l’empire. Les guerres coloniales au XIXe siècle, “Biblis, 67”, Paris,
CNRS Éditions, 2010, p. 218.
135
Cf. Terry Eagleton, A Ideia de Cultura, “Memórias do Mundo”, Lisboa, Temas e Debates, 2003 [edição
original: 2000], p. 40.
136
Cf. Laurent Mucchielli, “Pourquoi réglementer la sociologie? Les interlocuteurs de Durkheim”, in
Massimo Borlandi e Laurent Mucchielli (dir.), La sociologie et sa méthode. Les Règles de Durkheim un
siècle après, “Histoire des Sciences Humaines”, Paris, Éditions L’Harmattan, 1995, pp. 15-47, maxime pp.
34-35.
137
Cf. Adam Kuper, “Histórias alternativas da antropologia social britânica”, Etnográfica, Lisboa, vol. IX,
n.º 2, 2005, pp. 209-230.
29
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O que importa perceber é a transformação que se operou entre finais do século XVIII e
meados do século XIX. A geração da viragem do século XVIII para o século XIX tinha uma visão
essencialmente cosmopolita e um entendimento igualitário do conjunto da espécie humana.
Em contrapartida, por meados de Oitocentos, afirma-se uma perspectiva que considera
existirem diferenças substantivas entre as raças e que a essas diferenças se devem os ritmos e
estádios distintos de desenvolvimento. A ideologia dominante na Grã-Bretanha e em França
era norteada pela concepção da superioridade branca e, por conseguinte, do Ocidente, o que
legitimava a “missão civilizadora” dos projectos coloniais e a ambição das formações políticas
europeias de transformarem as sociedades locais de acordo com as suas agendas no quadro
de uma óptica “modernizadora”138. É neste quadro ideológico, aliás, que devemos posicionar o
princípio da obrigação moral do trabalho, entendendo o poder colonial que o trabalho era um
vector de civilização. Daí também a importância atribuída à regulação das actividades laborais
por parte dos Estados-nação imperiais.
Em relação à Alemanha, alguns autores defenderam que, de início, parece ter existido
uma agenda humanista em termos da Antropologia nascente, sem que se afirmasse uma clara
preocupação colonial. Ora, esta afirmação choca com uma matriz ideológica que se configurou
no final do século XIX e com as práticas conhecidas. Por um lado, existiu uma clara associação
entre espaço, raça e império no pensamento nacionalista alemão, consubstanciada na obra do
etnólogo e geógrafo Friedrich Ratzel (1844-1904), autor da concepção do Lebensraum139; por
outro, constatamos que uma estrita política de apartheid foi imposta pelo governo alemão na
África do Sudoeste, em 1905, na África Oriental, em 1906, e na Samoa, em 1912. Após a I
Guerra Mundial, quando as práticas antropológicas britânica e francesa, embora ainda
marcadas por uma matriz colonialista, começam um processo de abertura, na Alemanha
afirmar-se-á uma clara orientação colonial por parte da Antropologia140.
138
Cf. Claire Fredj e Marie-Albane de Suremain, “Un Prométhée colonial? Encadrement et
transformation des sociétés”, in Pierre Singaravélou (dir.), Les empires coloniaux (XIXe-XXe siècle), Paris,
Éditions Points, 2013, pp. 257-299.
139
Cf. Tony Ballantyne e Antoinette Burton, Empires and the Reach of the Global, 1870-1945,
Cambridge, Ma., The Belknap Press of Harvard University Press, 2012, pp. 31-32.
140
Cf. H. Glenn Penny e Matti Bunzl (eds.), Wordly Provincialism: German Anthropology in the Age of
Empire, Ann Arbor, The University of Michigan Press, 2003.
141
Cf. Jacques Frémeaux, Les empires coloniaux dans le processus de mondialisation, Paris, Maisonneuve
et Larose, 2002, pp. 75 e 77-78.
30
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“In terms of governance, Liberté, égalité, fraternité may have reigned at home,
but in France’s African empire despotism was really the king, with the result
that colonial law in practice amounted to a kind of ‘rule by decree, enacted in
often arbitrary and sometimes spectacular punishments’. Meanwhile, British
rulers did not merely preserve African chiefdoms and customs; in some cases
they invented them, or at least assembled them from a jumble of parts, while
in other cases African chiefs invented or reinvented themselves. […] Colonial
states were economic as well as political enterprises, often committed to the
extraction of natural resources, to the development of trade, and in the view
of critics like Vladimir Lenin (1870-1924), who wrote a famous treatise against
imperialism in 1916, to the promotion of private business interests in the form
of ‘cartels and monopolies’.”145
142
Cf. Josep M. Fradera, La nación imperial. Derechos, representación y ciudadanía en los imperios de
Gran Bretaña, Francia, España y Estados Unidos, Barcelona-Buenos Aires, Edhasa, 2015, vol. I, pp. 639-
641.
143
Cf. Henri Wesseling, Les empires coloniaux européens 1815‐1919, “folio histoire”, Paris, Gallimard,
2009 [edição original: 2004], pp. 283 e 361.
144
Cf. Sylvie Thénault, “L’État colonial. Une question de domination”, in Pierre Singaravélou (dir.), Les
empires coloniaux (XIXe-XXe siècle), Paris, Éditions Points, 2013, pp. 215-256.
145
Cf. Heather J. Sharkey, “African Colonial States”, in John Parker e Richard Reid (eds.), The Oxford
Handbook of Modern African History, Oxford, Oxford University Press, 2013, pp. 151-170.
31
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146
Cf. Henri Wesseling, Les empires coloniaux européens 1815‐1919, “folio histoire”, Paris, Gallimard,
2009 [edição original: 2004], pp. 407-432.
147
Cf. Pierre Singaravélou, Tianjin Cosmopolis: Une autre histoire de la mondialisation, “L’Univers
historique”, Paris, Seuil, 2017.
32
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livro Problems of Greater Britain, de 1890, considerou que o futuro pertenceria ao conjunto
integrado pela Rússia, China, Estados Unidos da América e Grã-Bretanha.
Ao findar o século XIX, em 1900, o mundo era ainda “um mundo imperial”, um mundo
de impérios e hierarquias148, que exigia um enorme esforço para ser governado e que, pelos
seus custos, em termos de orçamento — no final da década de 1880, o orçamento indiano
dedicado à defesa representava 11% do orçamento militar britânico149 —, violência e perdas,
merecia críticas por parte de vários sectores das sociedades ocidentais e de grupos
pertencentes às populações colonizadas150.
No último quartel do século XIX, cerca de 70% das mercadorias transaccionadas nos
mercados internacionais pelas formações políticas do núcleo da economia-mundo — Grã-
Bretanha, Alemanha, Bélgica, Holanda, França, Suíça — eram manufacturas. Deste modo, não
é de estranhar a procura de novos territórios produtores de matérias-primas e de mercados
consumidores: “As potências imperiais eram (em diferentes medidas) também potências
comerciais.”151
A reconfiguração das geografias económicas à escala mundial, que respondia à procura
da indústria ocidental, não decorria unicamente das aquisições territoriais, podendo também
corresponder a perdas de posição no mercado mundial. O caso norte-americano é ilustrativo
desta situação. Com a Guerra Civil Americana (1861-1865) e a subsequente libertação de
milhares de escravos, a produção de algodão nos Estados do Sul caiu, sendo essa queda
aproveitada por regiões que asseguraram o abastecimento de algodão à indústria ocidental:
Índia, Egipto, África Ocidental, Turquemenistão e Brasil. Não obstante, convirá não perder de
vista que, durante o processo de industrialização e no início do século XX, os campos, florestas
e minas da Europa Ocidental forneciam a maior parte — cerca de 60% — da alimentação, dos
inputs orgânicos e do minério necessários para sustentar o desenvolvimento do núcleo. As
colónias, sendo importantes enquanto mercados produtores e consumidores, eram sobretudo
catalisadores da escala. A título de exemplo, indiquemos que, na Ásia, os investimentos
holandeses quintuplicaram entre 1900 e 1929, fazendo das Índias holandesas o segundo maior
fornecedor de produtos coloniais, logo atrás do império britânico152.
Neste quadro, quanto mais os impérios investiam na economia imperial, mais urgente
era a necessidade de o manter. O período do auge do imperialismo europeu oitocentista, após
1870, correspondeu a um aprofundamento da competição directa por novos territórios e
matérias-primas. Os ministérios das Colónias adquiriram, durante estes anos, uma particular
centralidade. Todavia, nem todos os Estados-nação imperiais detinham os mesmos meios para
implementar uma política de dominação e controlo de territórios ultramarinos. Deste modo,
148
Cf. John Darwin, Ascensão e queda dos impérios globais 1400-2000, “História narrativa, 42”, Lisboa,
Edições 70, 2015 [edição original: 2008], pp. 342-343.
149
Cf. Jacques Frémeaux, De quoi fut fait l’empire. Les guerres coloniales au XIXe siècle, “Biblis, 67”, Paris,
CNRS Éditions, 2010, p. 449.
150
Cf. Henry Laurens, L’empire et ses ennemis. La question impériale dans l’histoire, Paris, Éditions du
Seuil, 2009, pp. 115-120; Jacques Frémeaux, De quoi fut fait l’empire. Les guerres coloniales au XIX e
siècle, “Biblis, 67”, Paris, CNRS Éditions, 2010, pp. 453-481.
151
Cf. John Darwin, Ascensão e queda dos impérios globais 1400-2000, “História narrativa, 42”, Lisboa,
Edições 70, 2015 [edição original: 2008], p. 343. Notemos que, no original, o que está escrito é
“industrial powers”. Cf. John Darwin, After Tamerlane: The Global History of Empire Since 1405, New
York, Bloomsbury Press, 2008, p. 299.
152
Cf. Jacques Frémeaux, Les empires coloniaux dans le processus de mondialisation, Paris, Maisonneuve
et Larose, 2002, pp. 56-57.
33
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153
Cf. Andrew Porter, O Imperialismo Europeu (1860-1914), “História e Sociedade”, Lisboa, Edições 70,
2011 [edição original: 1994], pp. 181-182.
154
Cf. Martin Thomas, The French empire between the wars. Imperialism, politics and society,
Manchester-New York, Manchester University Press, 2005, p. 39.
155
Cf. Jean-David Mizrahi, “De la région frontière à la ligne frontière. Les confins méridionaux de la Syrie
de la fin de l’Empire ottoman au début des Mandats”, Vingtième Siècle. Revue d’histoire, 2009/3, n.º
103, pp. 77-90; Nick Danforth, “Forget Sykes-Picot. It’s the Treaty of Sèvres That Explains the Modern
Middle East.”, Foreign Policy, 10 de Agosto de 2015 [URL: <http://foreignpolicy.com/2015/08/10/sykes-
picot-treaty-of-sevres-modern-turkey-middle-east-borders-turkey/>].
156
Cf. Jane Burbank e Frederick Cooper, Imperios, Barcelona, Crítica, 2012 [edição original: 2010], p.
482.
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Conforme vimos, cerca de 1900, o mundo era ainda “um mundo imperial”159, de
impérios em competição. Ora, é precisamente em 1904 que Sir Halford J. Mackinder (1861-
1947), o “pai” da geopolítica, publica um artigo seminal, intitulado “The Geographical Pivot of
History”, no qual defendeu que, doravante, as dinâmicas políticas e imperiais iriam ter lugar no
quadro de “a closed political system” e que os impérios europeus já não podiam expandir-se
mais, situação que iria potenciar os atritos entre as várias formações imperiais.
Independentemente de alguns erros de análise — por exemplo, o sistema político foi
sendo cada vez mais preenchido com Estados-nação —, a ideia de um limiar máximo de
expansão imperial estava, em parte, correcta. E, neste contexto, as ambições imperiais
157
Cf. Henri Wesseling, Les empires coloniaux européens 1815‐1919, “folio histoire”, Paris, Gallimard,
2009 [edição original: 2004], pp. 312-316.
158
Cf. Henri Wesseling, Les empires coloniaux européens 1815‐1919, “folio histoire”, Paris, Gallimard,
2009 [edição original: 2004], pp. 469-474.
159
Cf. John Darwin, Ascensão e queda dos impérios globais 1400-2000, “História narrativa, 42”, Lisboa,
Edições 70, 2015 [edição original: 2008], pp. 342-343.
35
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Uma das consequências mais inesperadas para os centros políticos imperiais resultou
do regresso a casa dos soldados coloniais. Com efeito, a I Guerra Mundial foi uma guerra entre
impérios e, como tal, os poderes imperiais também mobilizaram as populações dos territórios
coloniais para o esforço de guerra. Apesar da importância destes contingentes enquanto
combatentes no teatro de operações e operários no mundo fabril — a França mobilizou cerca
de 500.000 soldados coloniais e quase 200.000 indivíduos das colónias para a indústria de
guerra —, convirá sublinhar que, por parte dos governos e das sociedades europeias, a
representação destas populações era ainda a de “selvagens primitivos”162.
Com o fim da guerra, colocou-se o problema da desmobilização e da reintegração dos
combatentes naturais das colónias, não os brancos, mas os Africanos e os naturais de outros
espaços, que levavam consigo uma nova forma de pensar o mundo, a sociedade e o seu lugar
no quadro imperial. Vejamos o caso da França. Entre 1919 e 1921, de forma abrupta, também
os trabalhadores de guerra coloniais regressaram às colónias. A participação de todas estas
pessoas no esforço de guerra ao serviço da República deu-lhes uma maior consciência política,
contribuiu para uma tomada de consciência do lugar do racismo na definição das hierarquias
políticas e sociais e levou-os a exigir o acesso a direitos políticos e sociais. O processo teve
160
Cf. Lawrence James, Impérios ao Sol. A Luta pelo Domínio de África, Porto Salvo, Desassossego, 2018
[edição original: 2016], pp. 217-230.
161
Cf. Robert Gerwarth e Erez Manela, “Introdução”, in Robert Gerwarth e Erez Manela (org.), Impérios
em Guerra 1911-1923, Alfragide, Publicações Dom Quixote, 2014 [edição original: 2014], pp. 25-52,
maxime p. 26 para a citação.
162
Cf. Richard S. Fogarty, “O Império Francês”, in Robert Gerwarth e Erez Manela (org.), Impérios em
Guerra 1911-1923, Alfragide, Publicações Dom Quixote, 2014 [edição original: 2014], pp. 211-245,
maxime pp. 226-227 e 237-238.
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início ainda durante o decurso da guerra. A 4 de Janeiro de 1918, a cidadania francesa foi
concedida aos originaires, os Africanos assimilados do Senegal, e foram criadas quatro
communes de plein exercise. Para esta vitória, contribuiu a acção de Blaise Diagne (1872-1934),
o primeiro africano a ser eleito para a Câmara de Deputados em França e, mais tarde, maire de
Dakar (1920-1934). Em Madagáscar, entre 1914 e 1918, tinham sido mobilizados 41 a 46 mil
recrutas. Após o seu regresso, entre 1919 e 1922, os ex-combatentes formaram o núcleo da
Ligue française pour l’accession des indigènes de Madagascar aux droits de citoyen163.
163
Cf. Martin Thomas, The French empire between the wars. Imperialism, politics and society,
Manchester-New York, Manchester University Press, 2005, pp. 26-27.
164
Cf. Leonard V. Smith, “Os impérios na conferência de paz de Paris”, in Robert Gerwarth e Erez Manela
(org.), Impérios em Guerra 1911-1923, Alfragide, Publicações Dom Quixote, 2014 [edição original: 2014],
pp. 457-495, maxime p. 461 para a citação.
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tratados: o Tratado das Cinco Potências, o Tratado das Quatro Potências e o Tratado das Nove
Potências.
O Tratado das Cinco Potências foi assinado pelos Estados Unidos da América, a Grã-
Bretanha, a França, a Itália e o Japão e tornou-se a referência em termos de um programa de
desarmamento naval. Ficou estipulado que cada um dos Estados signatários devia manter uma
determinada percentagem de tonelagem no tocante à marinha de guerra: Estados Unidos da
América e Grã-Bretanha com 525.000 toneladas, Japão com 315.000 toneladas, Itália e França
com 175.000 toneladas. O tratado naval, concluído a 6 de Fevereiro de 1922, foi ratificado a 17
de Agosto de 1923 e registado na Liga das Nações no ano seguinte.
“A ascensão e queda ignominiosa da Liga das Nações tem sido de tal modo
importante na historiografia da conferência de paz de Paris, que facilmente
esquecemos o quanto a conferência, no seu todo, fez para afirmar o Estado-
nação como centro de soberania.”165
165
Cf. Leonard V. Smith, “Os impérios na conferência de paz de Paris”, in Robert Gerwarth e Erez Manela
(org.), Impérios em Guerra 1911-1923, Alfragide, Publicações Dom Quixote, 2014 [edição original: 2014],
pp. 457-495, maxime p. 463 para a citação.
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“On February 14, 1919, the first draft of the League of Nations Covenant
emerged from Paris. Discussion turned acrimonious the next month, once
[Henry Cabot] Lodge [=senador republicano] mobilized thirty-nine Republican
senators to sign a resolution deeming the Covenant unfit for ratification.”167
“The League conceived in Paris was not the kind [Elihu] Root [=senador
republicano] trusted to keep the peace. The draft Covenant (like the final
version) did not obligate the submission of legal disputes to court. Article XIII
mentioned arbitration but required it only for disputes both parties “recognize
to be suitable for submission.” Hence it seemed to Root an empty
requirement, “merely an agreement to arbitrate when the parties choose to
arbitrate” and “therefore no agreement at all.””168
“The League’s founders not only allowed gaps but idealized them. To them the
‘guarantee of peace’ was serious because informal. Formal obligations could
stifle the spirit of cooperation. It was better to rely on moral obligations, law-
but-not-law, so as to cultivate the growth of common sentiment essential to
effecting anything.
The problem was that the rest of the world did not share the new ethos.”169
“Japan was active in League political, humanitarian, and judicial affairs until it
announced its withdrawal in 1933. When its resignation took effect two years
later, Japan retained affiliation with the organization’s subsidiary bodies until it
severed all ties in 1938. Before conflict arose between Japan and the world
body over the Manchurian Incident, the League was a centerpiece of Japan’s
sincere policy to maintain accommodation with the powers and to function
cooperatively in institutions for international order.”170
166
Cf. Stephen Wertheim, “The League of Nations: a retreat from international law?”, Journal of Global
History (2012), 7, pp. 210-232, maxime p. 223 para a citação.
167
Cf. Stephen Wertheim, “The League That Wasn’t: American Designs for a Legalist-Sanctionist League
of Nations and the Intellectual Origins of International Organization, 1914-1920”, Diplomatic History,
vol. 35, n.º 5, 2011, pp. 797-836, maxime p. 821 para a citação.
168
Cf. Stephen Wertheim, “The League That Wasn’t: American Designs for a Legalist-Sanctionist League
of Nations and the Intellectual Origins of International Organization, 1914-1920”, Diplomatic History,
vol. 35, n.º 5, 2011, pp. 797-836, maxime p. 824 para a citação.
169
Cf. Stephen Wertheim, “The League of Nations: a retreat from international law?”, Journal of Global
History (2012), 7, pp. 210-232, maxime p. 230 para a citação.
170
Cf. Thomas W. Burkman, Japan and the League of Nations: Empire and world order, 1914-1938,
Honolulu, HI, University of Hawai’i Press, 2008, p. xi.
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“One of the supreme ironies of the war, of course, was that a war fought for
the protection and expansion of empire in fact led to the dissolution of
empires. Its most immediate victims were the vast, multiethnic empires of
Austria-Hungary, Russia, and the Ottomans and also the newer, aspiring
German empire. But the war also delivered a severe body blow to the empires
on the winning side, generating new forms of upheaval, disorder, and
resistance which presented unprecedented challenges, both practical and
ideological, to imperial managers. In the immediate aftermath of the war, the
victorious empires, the British and French in particular, saw significant
territorial expansion in the Middle East, Africa, and elsewhere. But this
expansion came at a heavy price, overextending the resources of imperial
control even as they faced new and more intense forms of resistance as well as
the novel duties and constraints imposed by the League of Nations mandate
system.”171
“If the crisis of empire had a rather mixed impact in the white dominions, its
effects across nonwhite territories was far more consistent in its destabilizing
effect on imperial legitimacy and authority. Indeed, the years immediately
after the war saw widespread upheaval across much of the Middle East and
Asia.”172
“The French mandates proved even more troublesome in the interwar period,
as did other parts of the French empire: serious uprisings against French
colonial rule in the interwar period included the Rif War (1925–1926), the
Syrian revolt (1925-1930), the Kongo-Wara in French Equatorial Africa (1928-
1931), and the Yen Bay mutiny in Indochina (1930-1931). It is clear that the
encounter of colonial workers and troupes with Europe’s competing political,
social, and economic ideologies (socialism, syndicalism, and communism
among them), began to have an effect in many French colonies.”173
No período posterior a 1918, duas formações políticas continuaram uma dinâmica que
vinha dos anos pré-1914, a Itália e o Japão. O caso do Japão merece particular atenção, pois
constitui o exemplo acabado de uma bem sucedida apropriação por parte de uma formação
política não europeia dos modelos de expansão imperial e de desenvolvimento económico que
haviam sido postos em prática pelo Ocidente. No final da Primeira Guerra Mundial, o Japão
controlava Taiwan (desde 1895), a Coreia (protectorado em 1905, anexada em 1910), a cadeia
171
Cf. Robert Gerwarth e Erez Manela, “The Great War as a Global War: Imperial Conflict and the
Reconfiguration of World Order, 1911-1923”, Diplomatic History, vol. 38, n.º 4, 2014, pp. 786-800,
maxime pp. 789-790 para a citação.
172
Cf. Robert Gerwarth e Erez Manela, “The Great War as a Global War: Imperial Conflict and the
Reconfiguration of World Order, 1911-1923”, Diplomatic History, vol. 38, n.º 4, 2014, pp. 786-800,
maxime p. 795 para a citação.
173
Cf. Robert Gerwarth e Erez Manela, “The Great War as a Global War: Imperial Conflict and the
Reconfiguration of World Order, 1911-1923”, Diplomatic History, vol. 38, n.º 4, 2014, pp. 786-800,
maxime pp. 796-797 para a citação.
40
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de ilhas do Pacífico Equatorial de Nan ’yo (ocupadas em 1914, entregues ao Japão ao abrigo do
sistema de mandatos em 1919), uma parte das Sacalinas e tinha ainda capacidade de
intervenção na China. Com efeito, desde 1905 que se fazia sentir uma esfera de influência
japonesa na Manchúria, que culminaria com a criação do Estado-fantoche de Manchukuo, em
1932. Entretanto, em 1928, o homicídio do fraco senhor da guerra da Manchúria levou o filho
deste a estabelecer uma aliança com os nacionalistas chineses.
A construção ou reconstrução dos impérios não era possível sem o recurso a capital.
Ora, como a capacidade interna de cada Estado-nação para financiar os respectivos projectos
não era a mesma, tornava-se necessário recorrer ao crédito internacional. Neste contexto, no
período pós-1918, os Estados Unidos da América substituíram a Grã-Bretanha enquanto
principal credor mundial: os investimentos externos norte-americanos subiram de US $4,8
milhões em 1914 para US $10 biliões em 1919 e US $35 biliões em 1929, efectuados sobretudo
na Europa176. Entretanto, o comércio global desacelerou e os produtores e exportadores
coloniais tiveram de se adaptar às novas condições do mercado, procurando segurar os
contratos e aceitando reduzir as suas margens de lucro, ao mesmo tempo que procuraram
reduzir os custos de produção sempre que possível. Os salários baixaram e as condições de
trabalho tornaram-se mais precárias, mas os mercados tornaram-se mais competitivos. Neste
contexto, após 1929, muitas administrações coloniais deixaram de poder contar com os saldos
positivos largamente excedentários dos anos anteriores.
Na década de 1930, os empréstimos de capital dos Estados diminuíram em alguns
casos, como sucedeu no império colonial francês em relação à Indochina e a Marrocos177. Não
obstante, quer por razões estratégicas, quer pela questão do prestígio nacional, os governos
metropolitanos não abdicaram de efectuar determinados investimentos, nomeadamente em
sectores considerados fundamentais, como as infraestruturas. É assim que vemos o governo
francês investir na construção de ferrovias e diversas administrações coloniais promoveram a
construção ou a reparação de estradas. Para além das dimensões económica e simbólica das
174
Cf. Louise Young, Japan’s Total Empire: Manchuria and the Culture of Wartime Imperialism,
paperback edition, Berkeley-Los Angeles-London, University of California Press, 1999 [edição original:
1998], p. 11.
175
Cf. Louise Young, Japan’s Total Empire: Manchuria and the Culture of Wartime Imperialism,
paperback edition, Berkeley-Los Angeles-London, University of California Press, 1999 [edição original:
1998], pp. 28 e 33.
176
Cf. John Darwin, Ascensão e queda dos impérios globais 1400-2000, “História narrativa, 42”, Lisboa,
Edições 70, 2015 [edição original: 2008], p. 458.
177
Cf. Martin Thomas, The French empire between the wars. Imperialism, politics and society,
Manchester-New York, Manchester University Press, 2005, p. 112.
41
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iniciativas, estava igualmente em causa a questão do domínio político178. Por outro lado, se a
década de 1930 conheceu de novo uma corrida ao armamento, nem todas as formações
políticas conseguiram responder a esse desafio como consequência da falta de capital e do
endividamento que vinha das décadas anteriores.
178
Cf. Jacques Frémeaux, Les empires coloniaux dans le processus de mondialisation, Paris, Maisonneuve
et Larose, 2002, pp. 108-110.
179
Cf. Jacques Frémeaux, Les empires coloniaux dans le processus de mondialisation, Paris, Maisonneuve
et Larose, 2002; Jeremy Black, The British Seaborne Empire, New Haven and London, Yale University
Press, 2004, pp. 273-288.
180
Cf. Tony Ballantyne e Antoinette Burton, Empires and the Reach of the Global, 1870-1945,
Cambridge, Ma., The Belknap Press of Harvard University Press, 2012, p. 14.
181
Cf. Martin Thomas, The French empire between the wars. Imperialism, politics and society,
Manchester-New York, Manchester University Press, 2005, p. 33.
182
Cf. Jeremy Black, The British Seaborne Empire, New Haven and London, Yale University Press, 2004,
pp. 284-286.
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pela coroa relativamente à questão da autonomia dos domínios e do seu lugar e estatuto no
quadro da Commonwealth, definida como “multinacional”, “imperial” ou “britânica”, sem que
tal eliminasse o reconhecimento da soberania da Grã-Bretanha. O Balfour Report on Inter-
Imperial Relations, de 1926, afirmou a igualdade do estatuto constitucional da Grã-Bretanha, a
metrópole ou Mother Country, e dos domínios e reconheceu a sua associação voluntária ao
império, declarando que eram “autonomous communities within the British Empire, equal in
status, and in no way subordinate one to another in any aspect of their domestic or external
affairs”. Por fim, em 1931, o Estatuto de Westminster definiu uma nova concepção de
“Domínio”, renunciando ao direito do Parlamento britânico e imperial legislar sobre os
domínios, excepto nas situações em que cada domínio o solicitasse expressamente183.
Claro que, neste novo enquadramento político e constitucional, a Índia não constituía
um domínio: “The real barrier to India’s becoming a Dominion was the uniquely close military
and commercial integration between Britain and India.” As reformas de Montagu-Chelmsford,
de 1919, representaram um momento de reconstrução da política britânica para a Índia, mas a
campanha de não-cooperação fomentada por Gandhi na década de 1920 perturbou o cenário
político indiano. A declaração de Lord Edward Frederick Lindley Wood, Lord Irwin em 1925 e
1.º conde de Halifax em 1934, vice-rei da Índia (1925-1931), de 1929, anunciando que a Índia
seguiria o caminho do Dominionhood e que este seria o culminar do “progresso constitucional”
indiano, pretendeu serenar a arena política, mas a questão é que não se definiu como e
quando a Índia iria atingir aquele estatuto184. Em Março de 1931, Lord Irwin reuniu-se com
Gandhi para procurarem encontrar uma plataforma que acabasse com um período de
contestação e de dura repressão do nacionalismo indiano.
Por outro lado, importa perceber o carácter “integrador”, se assim o podemos chamar,
do império britânico. Uma das personagens-chave na história da Commonwealth e da África do
Sul foi Jan Smuts (1870-1950), que, sendo boer e tendo combatido contra os Ingleses na guerra
de 1899-1902, foi reconhecido como herói boer, mas configurou-se como um fiel súbdito do
império, general e primeiro-ministro da África do Sul (1919-1924 e 1939-1948), produzindo
uma importante reflexão sobre a Commonwealth no período entre-guerras e introduzindo na
colónia britânica a economia da laranja a partir do modelo californiano, no final dos anos de
1920, o que também sucedeu na Palestina e na Argélia francesa.
No que diz respeito à economia imperial, é inegável a contribuição do império para o
volume do comércio britânico no período pós-1919. A fatia do império nas exportações da
Grã-Bretanha subiu de 35% nos anos 1909-1913 para 37,2% no final da década de 1920 e
41,3% nos anos 1934-1938. Por outro lado, as vantagens concedidas aos domínios na
Conferência de Ottawa traduziram-se no aumento das importações imperiais, sobretudo no
caso do açúcar. Mas a Grã-Bretanha importava muitos outros produtos: trigo, chá, cacau,
carne, queijo, especiarias, lã, algodão, juta, borracha, cobre, etc.. No conjunto, porém, a
balança de comércio em matéria de manufacturas era favorável à Grã-Bretanha. De igual
modo, como antes, o império constituiu um espaço de aplicação de capital e de investimentos,
nomeadamente no que respeita ao serviço de dívidas e títulos de crédito. Deste modo, numa
conjuntura difícil como foi a que se seguiu a 1929, podemos afirmar que, de um modo geral, o
183
Cf. John Darwin, “A Third British Empire? The Dominion Idea in Imperial Politics”, in Judith M. Brown
e Wm. Roger Louis (eds.), The Oxford History of the British Empire, vol. IV: The Twentieth Century,
Oxford-New York, Oxford University Press, 1999, pp. 64-87, maxime pp. 68-69; Jane Burbank e Frederick
Cooper, Imperios, Barcelona, Crítica, 2012 [edição original: 2010], p. 527.
184
Cf. John Darwin, “A Third British Empire? The Dominion Idea in Imperial Politics”, in Judith M. Brown
e Wm. Roger Louis (eds.), The Oxford History of the British Empire, vol. IV: The Twentieth Century,
Oxford-New York, Oxford University Press, 1999, pp. 64-87, maxime pp. 78-79.
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A frase de John Darwin permite-nos fazer a ponte para a dinâmica dos novos impérios
que se foram configurando ou projectando nas décadas de 1920 e 1930 e que tinham na sua
génese uma concepção radicalmente diferente das hierarquias políticas e sociais. Falamos dos
casos da Itália, da Alemanha e do Japão, não esquecendo os seus satélites políticos, e também
do que representaram o fascismo e o nazismo enquanto formas totalitárias de poder.
Ao discutirmos o império de Napoleão Bonaparte, referimos que, em relação à Europa,
se tratou de uma experiência de colonização interna, com a aplicação de fórmulas que se
podiam encontrar na conquista e governo dos territórios ultramarinos. Ora, no contexto da II
Guerra Mundial, as conquistas alemãs e, em particular, a “solução final” proposta pelos
ideólogos do Nacional-Socialismo constituíram uma demonstração clara dessa mesma prática
de colonização interna e de “genocídio imperial”, como, de resto, já apontara o intelectual
Aimé Césaire, natural da Martinica (1913-2008)188.
“Hitler certainly did not rule out the return of Germany’s prewar colonies nor
an expanded maritime empire – particularly a Central African empire
extending from the Atlantic to the Indian Ocean. Yet in his view, such a vision
would only be realized once Germany was economically and racially secure in
Europe where it would face no continental rival. And the methods deployed in
the east to secure Lebensraum would proceed without the pretense of a
“civilizing mission.””189
Por outro lado, e tal como sucedera em séculos anteriores, os impérios olhavam-se e
estudavam-se mutuamente, buscando modelos, explorando possibilidades e alternativas para
185
Cf. D. K. Fieldhouse, “The Metropolitan Economics of Empire”, in Judith M. Brown e Wm. Roger Louis
(eds.), The Oxford History of the British Empire, vol. IV: The Twentieth Century, Oxford-New York, Oxford
University Press, 1999, pp. 88-113, maxime pp. 100-102.
186
Cf. Jane Burbank e Frederick Cooper, Imperios, Barcelona, Crítica, 2012 [edição original: 2010], p.
538.
187
Cf. John Darwin, Ascensão e queda dos impérios globais 1400-2000, “História narrativa, 42”, Lisboa,
Edições 70, 2015 [edição original: 2008], pp. 472-474 e 467.
188
Cf. Roberta Pergher, Mark Roseman, Jürgen Zimmerer, Shelley Baranowski, Doris L. Bergen e
Zygmunt Bauman, “The Holocaust: a colonial genocide? A scholars’ forum”, Dapim: Studies on the
Holocaust, vol. 27, n.º 1, 2013, pp. 40-73.
189
Cf. Shelley Baranowski, “Nazi Colonialism and the Holocaust: Inseparable Connections”, Dapim:
Studies on the Holocaust, vol. 27, n.º 1, 2013, 58-61, maxime p. 59 para a citação.
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o seu percurso. Neste quadro, também o Reich olhou para a história e para os impérios seus
contemporâneos: enquanto uns forneciam à Alemanha uma imagem positiva e constituíam
mesmo um modelo — parece ter sido o caso do império italiano em África, nomeadamente na
Líbia190 —, outros mereciam uma avaliação negativa. E, a propósito dos modelos, importa não
esquecer que, nas décadas de 1920 e 1930, os principais Estados-nação eram ainda — ou eram
sobretudo — Estados-nação imperiais, impérios. Deste modo, não será de admirar que, para
além da ideologia subjacente ao grandioso projecto colonial italiano para a Líbia, iniciado em
1938, impérios como o britânico tenham elogiado a experiência italiana191.
O que devemos assinalar, para concluir, é que, apesar dos impactos negativos destes
impérios, a memória dos crimes e dos genocídios parece ter sido apagada. A historiografia
alemã, por exemplo, estuda o colonialismo alemão sem referência à questão da raça ou aos
colonizados192. Outros Estados que tiveram impérios, como a Bélgica, nunca assumiram
formalmente qualquer responsabilidade pelos crimes cometidos nos seus territórios
ultramarinos.
Nota:
Os elementos apresentados não se configuram como uma exploração sistemática da matéria,
mas apenas como um ponto de partida para a reflexão e a investigação que os alunos devem
efectuar.
190
Cf. Patrick Bernhard, “Hitler’s Africa in the East: Italian Colonialism as a Model for German Planning in
Eastern Europe”, Journal of Contemporary History, vol. 51, n.º 1, 2016, pp. 61-90.
191
Cf. Patrick Bernhard, “Hitler’s Africa in the East: Italian Colonialism as a Model for German Planning in
Eastern Europe”, Journal of Contemporary History, vol. 51, n.º 1, 2016, pp. 61-90, maxime pp. 70-71.
192
Cf. Uta G. Poiger, “Imperialism and Empire in Twentieth-Century Germany”, History & Memory, vol.
17, n.º 1/2, Spring/Summer 2005, pp. 117-143.
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