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O Brasil de fins de década de 1980 era um
caldeirão . econômico, político e social.
Vivia-se 6mais complicado processo inflacioná-
rio de nossa história - a inflação acumulada ao
longo de 1989 seria de 1783 %.
As forças políticas que haviam coordenado
a transição da ditadura para a democracia
chegavam ao fim da década esgotadas e sein
credibilidade. Os principais partidos políticos
do país, PMDB e PFL, pagavam o preço pelo
tímido e elitista processo de redemocratização
que impuseram ao Brasil.
No campo social, possuíamos índices
alarmantes. Cerca de 20% da população com
mais de 15 anos era analfabeta. A expectativa de
vida não passava dos 65 anos e o índice de
mortalidade infantil era de 48 mortes a cada
1.000 nascimentos.
Ao mesmo tempo, a sociedade lutava por
-~~seus direitos e pela solução de todos estes graves
:; · :roblemas sociais. Milhões de pessoas foram às
-:/ :uas no início de 1984 exigindo o direito de votar
/:::.ireta e imediatamente · para presidente de
itepública. ·
O Congresso Nacional impediu esta
possibilidade, ampliando a antipatia popular
pela classe política.
A eleição presidencial de 1989 foi o ápice de
todos estes desejos e frustrações, e encerra
dramaticamente aquela "longa" década, como
define o autor de "1989: A Maior Eleição da
História".
Esta obra oferece ao leitor um roteiro
introdutório ao acontecimento-chave daquela
período, um dos mais complexos de nossa
história.
----------~~

1
1

RODRIGO DE AGUIAR GOMES

1989
A MAIOR ELEICÃO
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DA HISTÓRIA

PUCRS/BCE

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ISBN 978-85-99089-83-5
Copyright: Rodrigo de Aguiar Gomes, 2014

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazena-


mento ou transmissão de partes deste livro através de quaisquer
meios, sem prévia autorização por escrito do autor.

Grafia segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.

Contato com o autor: aguiar07@gmail.com

Coord. Editorial: ANTÔNIO CARLOS R. GOMES


Capa: WASHINGTON LUIS PRUDENCIO
Revisão : MARA SUZANA GUTERRES SANTINI
Editoração: NIGMA AGÊNCIA DIGITAL
Impressão: LORIGRAF GRÁFICA E EDITORA LTDA

0633 Gomes, Rodrigo de Aguiar


1989 : a maior eleição da história/ Rodrigo
de Aguiar Gomes. - Porto Alegre: Lorigraf, 2014.
136p.
/
ISBN: 978-85-99089-83-5

1. História. 2. Brasil. 3. Eleições. 4. Ciência


política. 5. Comunicação social. I. Título.

Responsável técnico: BRUNO TAUNAY GRIPP MOTA (CRB-10/21255)

PUCRS - BlBUOTECA
s: 4LUOS9-JJ
L:3Jo. 881 (j.633 /'ff)
dP
"Dedicado à memória de minha mãe,
Solange (03/11/1947 - 05/06/2014)."

BIBLIOTECA CENTRAL
PUCRS
Sumário

Introdução .................................................................................... 5

1. Brasil - Década de 1980........................................................... 8

2. Primeiro ato: 1980 .................................................................. 25

3. Segundo ato: 1987 .................................................................. 28

4. Terceiro ato: 1988 ................................................................... 35

5. O ano de 1989 ........................................................................ 39

6. Março/julho: 1989 ................................................................. 46

7. Agosto/setembro: 1989 .......................................................... 51

8. Outubro: 1989 ....................................................................... 57

9. Novembro: 1989 .................................................................... 90

10. O segundo turno ................................................................. 105

Referências ................................................................................ 130

Anexos ....................................................................................... 133


Introdução

Esta obra nasce com o objetivo de suprir uma lacuna: ofe-


recer uma visão introdutória sobre uma das eleições para presiden-
te da República mais importantes da história do Brasil.
Uma eleição peculiar; a primeira disputa para a presidên-
cia pelo voto direto em três décadas. Uma eleição "solteira", pois
não havia outros cargos em disputa, o que nunca mais aconteceu.
Pela primeira vez os políticos brasileiros tiveram que lidar
com o pragmatismo exigido em um segundo turno, novidade inse-
rida pela Constituição de 1988.
Foi a eleição das multidões - embora o eleitorado fosse a
metade do que temos em 2014, nunca as praças do país ficaram
tão cheias para acompanhar as estrelas da política. Em especial
Lula, Collor e Brizola foram os responsáveis por alguns dos maio-
res comícios da história.
Foi um pleito em que os meios de comunicação, em espe-
cial a televisão, e o Horário Eleitoral Gratuito, tiveram um peso
enorme, como não mais aconteceria. Na propaganda oficial des-
tinada aos partidos, os candidatos ocuparam, diariamente, duas
sessões de 70 minutos, de domingo a domingo, durante 70 dias.
Difícil explicar para quem não esteve lá o que ocorreu na
eleição de 1989. Diferente de outros períodos, aquele momento
específico não foi muito trabalhado pelos artistas brasileiros.
Não vimos o que ocorreu sob a perspectiva de um grande
diretor de televisão ou teatro, de um escritor. Mesmo os traba-
lhos de historiadores são raros - muitos, sequer foram publicados,

5
apesar da inegável qualidade somente podem ser encontrados em
formato virtual em portais acadêmicos.
Lembro apenas de um filme que tateia o período - na ver-
dade, ambientado em 1990 - fala de alguns meses após a eleição:
Terra Estrangeira, de Walter Salles. Nele, vê-se Paco, protagonista
de Salles, caminhando por uma São Paulo pós-confisco da pou-
pança, ato de força estatal que lhe rendeu a perda da mãe, infarta-
da após ver suas economias retidas.
Em alguns momentos percebe-se, como pano de fundo,
cartazes amarelados e descascados da campanha de 1989. Era
1990, um sintoma de uma década que nascia velha.
Fernando Collor de Melo parece, hoje, um personagem
fora de contexto, um outsicler na política quase coreografada de
2014. Mas não era. Collor foi apenas mais um político que gal-
vanizou um espasmo nacional que clamava por renovação e mo-
ralização. Ironicamente, uma das artimanhas mais antigas da po-
lítica brasileira. A busca pelo novo é o que temos de mais velho.
O desejo de moralização é outro espasmo, esse mais seletivo, que
normalmente serve de arma para a parcela mais rica da população.
Essa estratégia serviu durante o Império, na proclamação
da República, serviu a Getúlio, contra ele, contra Jango, serviu a
Jânio e serviu a favor e contra Collor.
Em função dos graves problemas econômicos pelos quais
o país passou, a década de 1980 foi apelidada de "perdida". Eu
chamaria de "longa década". Um decênio dos mais confusos e re-
pletos de "acontecimentos", no sentido de eventos significativos
para a compreensão de um contexto mais amplo.
Aquele foi um momento para se pensar o país, a meio
passo entre a ditadura e a democracia. De alguns grandes humo-
ristas, paradoxalmente, saíram algumas das mais tenebrosas visões
do período. Em 1988, já com a década se encaminhando para seu
granel [inale (eleição de Collor), Luís Fernando Veríssimo produziu
um texto quase apocalíptico, falando da "Hora do Louco".
Estávamos a um ano da eleição presidencial, o mandato

6
de Sarney se arrastava para um melancólico final, e a inflação ga-
nhava dimensões de tragédia nacional. Veríssimo cria um treina-
dor de futebol para nos falar da "Hora do Louco": esse técnico
tinha um jogador que era peça-chave para suas vitórias de último
minuto, o Louco. Mas havia um porém: como justificava o nome,
deveria ficar o mínimo possível em campo, só entrando quando o
desespero já tivesse tomado conta da comissão técnica. Pois, na-
quele Brasil de 1988, segundo Veríssimo, já estávamos a um passo
de colocar o Louco em campo.

"No Brasil, estamos ali pelos 38, 39 elo segundo tempo e conti-
nua zero a zero. Aproxima- se a hora perigosa em que o Louco se tornará
inevitável. Pior, se tornará bem-vindo. Ncio importa que nome ele tenha.
Urutu ou algum outro bicho. O negócio é manter a cabeça e a calma.
Insistir com a bola no cheio. Pelo meio. Pelas pontas. Toques rápidos. Nós
vamos conseguir. Olha aí. Quarenta elo segundo tempo." 1

O "Louco" de Veríssimo deve ser entendido como o mo-


mento, aquele ano, aquele pleito, o complicado governo e o ainda
mais complexo Brasil que surgiu pós-Collor.

O Autor
Outubro de 2014

Disponível: http://www.blogdoroma.com.br. Acesso em OI fev. 2014.

7
1. Brasil - Década de 1980

/ Política e Sociedade
A década de 1980 começou, politicamente, um ano antes.
Dois fatos impactaram 1979: a volta dos políticos exilados pelo
regime militar de 1964 e a eleição indireta de João Baptista Figuei-
redo para a presidência da República.
Filho de militar, Figueiredo era um carioca dono de desta-
cada carreira nas Forças Armadas. No período da ditadura, gabari-
tou-se à presidência após ter comandado o temível Serviço Nacio-
nal de Informações (SNI).
Figueiredo não tinha a patente necessária para postular
o cargo, mas foi promovido irregularmente para poder disputar a
presidência, numa manobra do então general presidente, Ernesto
Geisel, e do chefe da Casa Civil, coronel Golbery do Couto e Sil-
va. Figueiredo seria o militar indicado para cumprir o último ciclo
da ditadura, para o qual tinha o perfil desejável: um general mais
afeito à caserna do que ao poder e que representava uma promessa
de levar os militares de volta aos quartéis. Não tinha ambições
políticas e era extremamente leal a Geisel.
Estudou em Porto Alegre quando jovem, no Colégio Mili-
tar, como todos os outros presidentes militares. 2 Tendo cumprido
um mandato de seis anos, é o quarto brasileiro a ocupar por mais
tempo o poder na era republicana, atrás apenas de Luiz Inácio

2 Um <lado interessante: tanto os cinco presidentes generais de nossa história,


quanto um dos maiores ícones da luta contra a ditadura, Carlos Lamarca, estudaram na
instituição.

8
Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso (ambos com oito
anos) e de Getúlio Vargas (18 anos).
Após ser empossado e ouvir um questionamento de jorna-
listas sobre o que faria com quem não concordasse com a abertura
política, reafirmou o compromisso herdado de seu antecessor: "É
para abrir mesmo, e quem não quiser eu prendo e arrebento". Não
foi bem assim, como ficou claro num dos momentos de maior
crise de seu governo, o atentado do Riocentro, ocorrido em 30 de
abril de 1981.
O Riocentro era um espaço para eventos cariocas em que
ocorria uma festa de comemoração do dia do trabalhador, 1º de
maio. Na programação, grandes nomes da Música Popular Brasi-
leira, como Elba Ramalho, que estava no palco quando uma bom-
ba explodiu no colo de um militar do exército, Guilherme Pereira
do Rosário, dentro de um automóvel Puma, estacionado próximo
ao local da festa.
O militar morreu, e um colega - o capitão paraquedista
Wilson Carlos Machado, motorista do veículo - ficou gravemente
ferido. A apuração do caso foi complicada, e hoje se sabe (na épo-
ca, diga-se, também era possível saber) que o atentado no Riocen-
tro foi uma tentativa de setores mais radicais dentro da ditadura
(principalmente o Comando de Inteligência do Exército e o SNI)
de fazer crer que seria necessária uma nova onda de repressão para
paralisar a lenta abertura política que estava em andamento. Entre
outras coisas, esses agentes temiam que a democratização acabasse
perseguindo-os pelos crimes cometidos ao longo da ditadura, o
que não aconteceria. O episódio todo foi um dos marcos da deca-
dência do Regime Militar brasileiro.
João Figueiredo, para além do lamentável atentado, en-
frentaria vários problemas de saúde e, mesmo tendo cumprido um
longo mandato, foi um presidente cansado, desgostoso da liturgia
que evolvia o cargo que lhe fora destinado. Seu papel de condutor
do processo de distensão política foi cumprido com arrasto e me-
diocridade.

9
A seguir, algumas das antológicas expressões de João Bap-
tista Figueiredo, que viria a falecer na véspera do natal de 1999:
"Prefiro cheiro de cavalo do que cheiro de povo."; "Se ganhasse
salário-mínimo, eu dava um tiro no coco"; "Me envaideço de ser
grosso". E a derradeira, ao menos em público, dita quando se reti-
rava da vida pública, em 1985: "Me esqueçam".

O retorno dos exilados


O outro fato decisivo para década que começaria foi o
retorno dos exilados pela ditadura militar. O desembarque mais
significativo foi o do gaúcho Leonel Brizola. Até então, possuía em
seu currículo os cargos de deputado estadual e federal, prefeito de
Porto Alegre e governador do Rio Grande do Sul. Desde o início
da carreira, destacou-se na área da educação. Quando foi governa-
dor do Rio Grande do Sul, construiu mais de 5 mil escolas. As
primeiras, pela arquitetura semelhante, foram chamadas de "estilo
brizoleta". O grande momento de sua carreira aconteceu em 1961,
após a renúncia de Jânio Quadros.
O vice de Jânio, João Goulart Qango), não era bem quisto
pelos militares e pelos políticos conservadores. No momento da
renúncia do presidente, Goulart estava num dos piores lugares
possíveis para alguém acusado de ser "esquerdista" naqueles anos
de Guerra Fria: a China Comunista.
Brizola armou a resistência ao golpe que estava sendo ges-
tado no centro do país. Após requisitar a rádio Guaíba, em Porto
Alegre, criou a Cadeia da Legalidade, que repercutiu Brasil afora a
posição legalista do governador gaúcho.
Como resultado da luta, Jango acabou tomando posse
como presidente - cargo que ocupou até ser finalmente derrubado
pelos militares em março de 1964. Após o golpe de 31 de março,
Brizola foi para o exílio no exterior, onde ficaria por mais de 15
anos.
Acabou se tornando um mito de nossa política. No Sul, e
mesmo no RJ e em outros Estados, surgiu um culto à sua liderança

10
política, que ganhou o nome de "brizolismo". Em 1989, foi res-
ponsável pela mais espetacular transferência de votos da história
política do país quando apoiou, em segundo turno, o candidato
do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva.
Outro importante líder político a retornar foi o ex-gover-
nador de Pernambuco, Miguel Arraes. Era uma das maiores lide-
ranças no Nordeste brasileiro e rivalizava com Brizola pelo posto
de maior inimigo da ditadura. Passou boa parte do exílio na Argé-
lia. Um detalhe interessante nessa história é que, antes de ir para
a Argélia, tentou asilo político na França, mas o governo francês
negou o pedido. No retorno ao país, novamente foi eleito governa-
dor de Pernambuco, em 1986 e 1994.
Também voltaria o jornalista Fernando Gabeira, que,
como guerrilheiro, participou da mais espetacular ação da esquer-
da armada no Brasil, o sequestro de Charles Elbrick, embaixador
norte-americano no Brasil, ocorrido em 1969. Gabeira trouxe
do exílio uma nova ideia de esquerda, voltada a temas relativos
à saúde e aos costumes. Foi fotografado em uma célebre imagem
quando, na praia de Ipanema, no RJ, vestia apenas uma sunga de
crochês. De forma algo maliciosa, o poeta Ferreira Gullar tratou
a volta de Gabeira e aquela imagem como expressão do equívoco
da luta armada no país: o ex- guerrilheiro voltava bicho-grilo e de
tanga.
A obra mais famosa de Gabeira, na qual conta os bastido-
res de sua atuação como guerrilheiro, O que é isso, companheiro?, fez
um enorme sucesso comercial. Durante muito tempo, talvez até
hoje, a leitura que as pessoas fizeram dessa obra seja a grande refe-
rência no momento de imaginar os anos de chumbo. Tal estado de
coisas e a euforia em torno da figura de Gabeira, que concorreria
à presidência em 1989, motivaram uma divertida poesia de Millor
Fernandes, escritor carioca:

11
"Pô, nós, trabalhadores,
só fazendo besteira,
Nós, elo povcio,
só marcando bobeira,
Enquanto a elite tocla
É conscientizada
Pelo Gabeira" 3

O novo sindicalismo
Após 1964, os sindicatos foram violentamente reprimi-
dos. Importantes lideranças foram presas ou constrangidas a aban-
donar a militância. O governo só não mexeu com os sindicatos
dóceis, atrelados aos patrões. No entanto, é importante lembrar
que o movimento operário de vários Estados, mesmo quando a
ditadura foi mais dura, não deixou de, na medida do possível,
lutar contra o arbítrio. Exemplo disso são os casos de "operações
tartaruga", realizadas por operários ao longo dos 10 piores anos do
regime (1968-1978). Mas em 1978, em plena vigência do Al-54, a
situação começa a mudar nos pátios das fabricas, quando o movi-
mento sindical voltou a ganhar músculos.
O "novo sindicalismo" tem seu marco na Scania, empresa
do ABC paulista. Mais de 3 mil trabalhadores, no dia 12 de maio
de 1978, entraram na fabrica de caminhões, sentaram em seus pos-
tos de trabalho, mas não ligaram as máquinas. Um dos líderes da
greve, Gilson Menezes (depois duas vezes eleito prefeito de Diade-
ma), lembra que, assim que a greve começou, os patrões o chama-
ram para cobrar-lhe a volta ao trabalho. Segundo Menezes, "eles
perguntavam se eu não tinha medo de ser jogado em alto-mar,
assassinado, porque vivíamos em uma ditadura militar" 5• Outra
história: a greve teria sido organizada entre as lideranças sindicais
nos banheiros da fabrica.

3 FERNANDES, Millor. Poemas. Porto Alegre: L&PM POCKET, 2001.


4 O Ato Institucional nº 5.
5 Disponível: http://wwwl.spbancarios.com.br/noticia. Acesso cm 01 jul. 20!4.

12
A greve na Scania durou apenas dois dias, mas teve um
poderoso "efeito cascata", pois, em menos de dois meses, quase
300 mil trabalhadores entraram em greve na região. Alguns meses
depois, o resultado econômico foi que mais de um milhão de tra-
balhadores receberam reajustes salariais acima do que o governo
havia estipulado. Mas a grande vitória foi política: surgiu ali uma
importante brecha no regime militar. Além disso, os trabalhadores
em greve tornaram o líder Luiz Inácio Lula da Silva uma figura
de destaque nacional. Ainda, como importantes desdobramentos
daqueles dias, está a fundação da Central Única de Trabalhadores
e do Partido dos Trabalhadores. Lula entrava no centro da arena
política brasileira.

Diretas Já
Com a ditadura militar caminhando para o final, o sis-
tema político passou por um novo arranjo. Em 1982 ocorreu a
primeira eleição em que o sistema bipartidário, existente desde
1965, não valia mais. A ARENA - Aliança Renovadora Nacional -
partido que apoiava o regime, permaneceu praticamente unida no
Partido Democrático Social (PDS).
A oposição, agrupada no MDB, dividiu-se em vários parti-
dos: Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB); Par-
tido Democrático Trabalhista (PDT); Partido dos Trabalhadores
(PT) e Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
A população e, notadamente os grupos sociais que ganha-
vam voz e vez com o fim do autoritarismo, exigiam eleições dire-
tas para a presidência da República. Foi o estopim da, até então,
maior mobilização popular da história brasileira, o movimento
Diretas Já. O deputado federal do PMDB de Mato Grosso, Dante
de Oliveira, falecido em 2006, apresentou a proposta de Emenda
Constitucional que, caso aprovada, marcaria eleições diretas para
1985.
Líderes como Lula e Fernando Henrique Cardoso junta-
ram-se a outros nomes da oposição à ditadura, que agora estavam

13
-1

à frente de importantes cargos. Entres eles, o novo governador do


Rio de Janeiro, Leonel Brizola, e o de São Paulo, Franco Montoro.
Vários famosos apoiaram os comícios que lotaram os espaços pú-
blicos das principais capitais brasileiras - o narrador Osmar San-
tos, a cantora Fafá de Belém e o jogador Sócrates, do Corinthians,
entre vários outros.
Apesar do vasto apoio popular, a proposta foi rejeitada
pelo plenário da Câmara dos Deputados, em sessão realizada no
dia 25 de abril de 1984. Seriam necessários 320 votos para que a
proposta seguisse para apreciação no Senado Federal. O projeto
recebeu 298 votos a favor; 65 contra; três abstenções. Ocorreram
113 ausências à votação.

Colégio Eleitoral
A oposição, que desconstruíra a legitimidade do Colégio
:Eleitoral ao longo da campanha da Diretas Já e notadamente após
/ ,) trauma da derrota da Emenda Dante de Oliveira, viu-se frente
ao desafio de restabelecer um canal de acesso ao poder dentro da
perspectiva de uma eleição indireta.
Setores mais moderados do PMDB se uniram, então, a
uma ala dissidente do PDS, que formara a Frente Liberal. Agrupa-
ram-se em torno de Tancredo Neves, governador eleito de Minas
Gerais. Àquela altura a candidatura de Tancredo crescera tanto
que poucos tinham dúvidas de que o mineiro seria eleito, inde-
pendentemente do tipo de eleição, fosse direta ou indireta. Foi
indireta, e Tancredo venceu o candidato do PDS, Paulo Maluf.
José Sarney era o vice de Tancredo.
No dia 15 de janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral (com-
posto pelos deputados federais e senadores) elegeu Tancredo Ne-
ves como presidente para um mandato de seis anos com 480 votos
(72,4%) contra 180 dados a Maluf (27 ,3%). Houve 26 abstenções.
O novo presidente deveria tomar posse em 15 de março.

14
A Agonia de Tancredo Neves
No dia 14 de março de 1985, Tancredo Neves, presidente
eleito pelo Colégio Eleitoral e contando com grande apoio po-
pular, recebeu seu assessor de imprensa, Mauro Santayana, para
discutir os últimos detalhes do discurso que faria no dia seguinte,
quando assumiria a presidência da República.
Tancredo Neves, no início dos anos 1980, já era uma len-
da da política nacional, pelo papel de protagonista que sempre
cumpriu e por sua longevidade, mesmo tendo escolhido, mais de
uma vez, o lado que seria derrotado nas grandes batalhas políticas
da Nação. Tancredo esteve na mesa de negociações quando Ge-
túlio Vargas conduziu sua última reunião ministerial, em 23 de
agosto de 1954. Vargas se mataria no dia seguinte, e Tancredo o
apoiara até o fim.
Em 1964, quando houve o golpe civil-militar, Tancredo
Neves discutia com os conspiradores em altos brados pelo plenário
e corredores do Congresso Nacional. No entanto, foi um sóbrio
adversário do regime militar, o que o gabaritou, frente às alas mais
conservadores da sociedade brasileira, como um eventual condu-
tor do último termo da abertura política: aquele em que ocorreria
a entrega da faixa presidencial a um civil.
A figura de Tancredo, a partir da derrota da Emenda das
Diretas Já expressaria a ideia de transição, e de um tipo de transi-
ção cara ao processo político brasileiro: aquele em que há acomo-
dação e em que não ocorre qualquer "caça às bruxas" contra os
apoiadores do regime anterior. Com Tancredo Neves na presidên-
cia e José Sarney como vice, todos os que haviam contribuído com
os governos da ditadura poderiam ter a certeza da impunidade,
mesmo os que, vinculados aos porões do regime, haviam prendido,
torturado e "desaparecido" com opositores.
Tancredo então combinou os planos com s~u assessor de
imprensa. Como não estava se sentindo bem e acusava fortes do-
res abdominais, faria um breve discurso, caso ainda i1ão houvesse
melhorado. Caso o mal-estar passasse, falaria mais longamente à

15
-1
i

multidão que prometia lotar a área frontal ao Palácio do Planalto.


Mesmo após repetidos aconselhamentos de Santayana, Tancredo
não procurou um médico naquela tarc1e. Temia que os militares
não transmitissem a presidência a outra pessoa.
Ocorreu o inevitável: Tancredo foi levado ao Hospital Ge-
ral de Brasília pouco antes da meia-noite. Seria necessária uma
operação de abdômen. O diagnóstico inicial apontava uma diver-
ticulite, mas Tancredo tinha um mioma, um tumor. A operação
ocorreu em um ambiente caótico. Mais de 30 pessoas estavam na
sala de cirurgia. Eram políticos de destaque, em pânico com o que
ocorria com o grande fiador da abertura política. Em geral, saíram
de festas em que já se comemorava a transição do dia seguinte6.
A agonia de Tancredo foi acompanhada em vigília pela
nação, ao longo de quase 40 dias. O carismático velhinho que en-
cantava a população começava a ganhar ares de mito ao enfrentar
a doença que acabaria por derrotá-lo. Contribui para essa aura mí-
tica o fato de Tancredo ter falecido no mesmo dia que o tambén1
mineiro Tiradentes, 21 de abril. Uma sombra era lançada sobre 0
:'-..:turo da política nacional.

O Governo Sarney
Em 1990, na última mensagem ao Congresso Nacional, 0
//~::::esidente José Sarney relembraria o primeiro dia em que se viu
::ente ao desafio da presidência: "Depois da morte de Tancredo
Neves, coube-me dirigir a Nação no seu período mais dificil, por-
que mais cheio de cobranças políticas, em toda a sua história"7.
Sarney nunca foi um político carismático - esteve sempre
nas sombras do poder e, de repente, viu-se lançado à primeira ma-
gistratura da nação. O fato de que o mito de Tancredo não tenha
dado sustentação a seu governo, no entanto, não pode ser credita-
do apenas à falta de capacidade do maranhense. Na verdade, todo

6 NETO, Lira. T.1ncredo, martírio e morte. ln Aventuras na História. Disponível,


http://guiadoestudante.abril.com. Acesso em 06 jun. 2013.
7 Disponível, http://bir.ly/XMGJp6. Acesso cm 01 jun. 2014.

16
o sistema de poder do país estava se rearranjando e é provável que
mesmo Tancredo Neves tivesse problemas de governabilidade.
As causas foram variadas, mas uma delas, em especial,
atingiu o centro do novo governo: as possibilidades de pressão so-
bre a União aumentaram enormemente, com uma gama de novos
"atores" com legitimidade para exigir atenção a suas demandas.
Uma série de leis, ainda da primeira metade dos anos 1980, am-
pliou a participação popular na vida política. Foi permitida a mais
ampla organização partidária, as eleições diretas aos executivos de
todos os níveis entraram definitivamente no calendário, e os anal-
fabetos puderam se alistar como eleitores, recuperando um direi-
to que lhes fora retirado no início da República, ainda no século
XIX.
Além disso, a repressão aos movimentos sociais e sindicais
foi freada, o que explica, em parte, o grande aumento do número
de greves na comparação com toda a história recente do país. O
poder, portanto, espraiou-se e não residia mais apenas no gabine-
te da presidência da República: agora havia o Ministério Público,
novos partidos políticos, associações sindicais, imprensa, entre ou-
tros, querendo afirmar sua voz frente a um executivo enfraquecido.
Acresca-se a isso tudo os péssimos indicadores econômi-
cos que Sarney herdou de João Figueiredo e teremos todos os in-
gredientes para um governo naufragar. No entanto, não foi o que
ocorreu. Sarney não só chegou ao fim de seu mandato como expe-
rimentou momentos de grande popularidade, como veremos.
De sua passagem pela presidência, o que provavelmente
irá se destacar é a tarefa de condução do país à normalidade demo-
crática, além dos altíssimos índices de inflação. E foi o que subli-
nhou Sarney na já citada última mensagem ao Congresso: "Tive a
tarefa gigantesca e quase impossível de administrar e dar equilíbrio
a uma transição repleta de esperanças, que nem sempre puderam
se confirmar" 8•

8 Mensagem ao Congresso Nacional 1990. Disponível: http://www.biblíoteca.


presidencia.gov. br. Acesso cm 13 sct. 2014.

17
O Plano Cruzado
Ao tomar posse Sarney tinha dois grandes problemas re-
lacionados à economia nacional: o crescimento inflacionário (em
fevereiro de 1986 a inflação já atingia três dígitos ao ano, 235%) e
o enorme déficit público - ou seja, o governo gastava mais do que
arrecadava.
A saída encontrada foi apostar num heterodoxo plano de
estabilização, que foi engendrado e executado tendo à frente os mi-
nistros da Fazenda, Dilson Funaro e do Planejamento, João Sayad.
Foi o Plano Cruzado, anunciado ao país em rede nacional de rádio
e televisão em 28 de fevereiro de 1986. O plano tentava terminar
com as indexações na economia nacional e congelava os preços e
salários por um ano, sendo que os vencimentos dos trabalhadores
ganharam um abono de 8%.
A moeda nacional teve três zeros cortados e trocou de
nome, passando a se chamar Cruzado. Além disso, havia o chama-
do "gatilho salarial", que seria disparado toda vez que a inflação
passasse dos 20%. Quando isso ocorresse, os salários seriam reajus-
tados pelo mesmo índice.
Como quase tudo que se abateu sobre o país naquela dé-
cada confusa, o Plano foi um furacão no cotidiano dos brasileiros.
O país que havia perdido Tancredo poucos meses antes, tinha um
/ novo candidato a Herói, o ministro da Fazenda Dilson Funaro.
Ao longo daqueles meses era fácil ver seu rosto emoldurado pe-
las lojas de todo o país, sob a alcunha de "mãe do ano". Outro
curioso personagem daquele ano foram as "fiscais do Sarney" que
impiedosamente fechavam estabelecimentos que desrespeitavam 0
congelamento de preços.
O humorista ]ô Soares chegou a criar uma hilária perso-
nagem com base nessas patrióticas donas de casa. Outro souvenir
daqueles dias era o adesivo "Aqui tem que dar certo", que brilhou
em boa parte da frota nacional.
A popularidade de Sarney foi aos céus, e uma onda de
consumo nunca antes vista tomou conta da Nação. No entanto,

18
poucos meses depois o Plano começou a fazer água. O déficit públi-
co continuava a crescer, e vários setores da economia começaram a
encontrar brechas para burlar o controle de preços.
Seria necessário um ajuste no Plano, mas Sarney não acei-
tou correr o risco de ver sua popularidade baixar. Também pesava
o fato de que, em novembro, haveria eleição para o governo dos
Estados e para a Assembleia Nacional Constituinte. O Plano não
foi corrigido, o partido do governo, o PMDB, teve uma avassalado-
ra vitória eleitoral (elegeu 22 dos então 23 governadores e 260 dos
487 deputados federais). A ressaca veio no dia 21 de novembro,
quando o Plano Cruzado II foi anunciado à população.
O novo Plano sinalizava o fim do sonho de consumo e es-
tabilidade, surgido com o Cruzado. Depois da derrota na Emenda
Dante de Oliveira e da morte de Tancredo Neves, o povo brasileiro
teve que absorver mais essa decepção. Em 20 de janeiro de 1987
a situação chegou ao limite, e o Brasil pediu moratória da dívida
externa, fato que "manchou" a imagem do país por muitos anos
juntos aos credores internacionais.
A pergunta que ficou é óbvia: por que o governo não ten-
tou ajustar o Plano enquanto teve tempo? Além do claro desejo
de obter benefícios eleitorais na eleição de 1986, o presidente José
Sarney acreditava que o Cruzado lhe garantiria legitimidade para
completar o processo de transição democrática.
Débil politicamente, o maranhense, de fato, conseguiu
conduzir o Brasil até a Constituinte de 1988 e, mesmo com uma
inflação beirando os 100% ao mês, transmitiu a faixa a seu su-
cessor, Fernando Collor de Melo, em março de 1990. O Plano
Cruzado entraria para a história como o grande momento de seu
governo, quando suas qualidades e defeitos ficaram mais claros à
população.

Constituinte
A história da Constituição de 1988 é um desdobramento
da luta contra a ditadura militar. Talvez seja, junto com a eleicão

19
de 1989, o marco definitivo do término do autoritarismo. Desde
o início da década de 1980, as leis mais autoritárias da ditadura
começaram a cair: fim à restrição para a organização de partidos
(volta ao pluripartidarismo); liberdade para organização dos parti-
dos comunistas; liberdade de voto para os analfabetos.
Faltava o grande evento que marcaria o retorno do país à
normalidade democrática. Esse passo,foi a Constituinte de 1988 e
o documento produzido, a Constituição de 1988, chamada "Cons-
tituição Cidadã". É fundamental lembrar esse termo, "Constitui-
ção Cidadã", pois a expressão diz muito sobre o texto legal e sobre
o país que o produziu.
Outra palavra importante da Constituição de 1988: Cen-
trão, que era um grupo de congressistas conservadores, que contra-
balançaram os ímpetos progressistas de muitos outros parlamen-
tares. A tática clássica do Centrão era a obstrução das votações,
quando seus integrantes se retiravam do plenário e impediam que
houvesse quorum mínimo para as sessões.
A Carta é um retrato do que gostaríamos que o país fosse:
fala de unidade nacional, respeito às minorias, à natureza, à livre
organização sindical e partidária, legaliza a greve como recurso legí-
./ timo dos trabalhadores e por aí afora. Algumas instituições, como
o Ministério Público e as Defensorias Públicas, ganharam mais
poder e atribuições, estabelecendo-se como atores importantes no
caminho de legalidade que o Brasil decidiu trilhar. Há passagens,
no entanto, que ficam entre o cômico e tragédia, como a lista das
necessidades que o trabalhador deve ser capaz de resolver com
apenas um salário mínimo. Entre elas, lazer, educação, saúde,
vestuário.
A Constituição Cidadã foi promulgada em outubro de
1988. Substituiu a Carta outorgada pelos militares em 1967
(em 1969, a Carta foi alterada por uma emenda que pode ser
considerada uma nova Constituição). Ao promulgá-la, o presi-
dente da Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, lembrou
em discurso o que fez com que tantos brasileiros chegassem

20
juntos àquele momento: "Temos ódio à ditadura, ódio e nojo! 9"

Cultura popular - rock e futebol


A grande marca pop dos anos 80 foi o espetacular sucesso
do rock nacional. Vindas de todas as partes do país (algumas vol-
taram brevissimamenté), bandas chegavam ao centro do país e em-
placavam hits, primeiro na Rádio Fluminense, do Rio de Janeiro
e no Cassino do Chacrinha, da Rede Globo. Ao longo da década,
esse rock com acento português tomou conta das FMs de todo o
país.
A lista de bandas que marcaram época foi extensa: Blitz,
Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Enge-
nheiros do Hawaii, RPM, Titãs ...
Hú quem diga, talvez injustamente, que a essa geração fal-
tou bagagem cultural, uma vez que seus principais expoentes, a
maioria de classe média (muitos, de classe média alta), haviam sido
educados no duro sistema de ensino forjado pela ditadura militar.
E como era esse sistema? No colégio, marcado pela despo-
litização e pelo ensino técnico, com grêmios estudantis esvaziados
e alunos "formatados" para o mercado de trabalho. Na universida-
de, dispersão de turmas, excesso de alunos e início do avanço das
instituições privadas. Dessa forma, a geração de 1980 teria deixado
um legado pouco político e mais vinculado aos costumes, valores e
angústias nem tão duras de jovens de classe média que habitavam
grandes metrópoles brasileiras.
Pode ser, em parte, um diagnóstico correto, mas não foi ape-
nas isso. Temos canções de protesto, politizadas, em discos de vários
dos grandes ídolos dessa fase. Basta citar Legião Urbana, com seus hits
"Que país é esse" e "Geração Coca-Cola". Podiam ser canções mais
desesperadas que propositivas, mas de forma nenhuma eram apolíti-
cas. Renato Russo, aliás, mesmo tendo abandonado a escola no se-
gundo grau, expressou em várias oportunidades sua sólida erudição.

9 Discurso proferido na promulgação da Constituição de 1988. Disponível:


http://migre.me/lBPDH. Acesso em 13 set. 2014.

21
Mas nem só do universo classe média foi composto o can,
cioneiro jovem daqueles anos. Tivemos o movimento punk (por
mais estranho que possa parecer um punk brasileiro). Não se fala
aqui de bandas como Legião, Plebe Rude e outras, que, apesar de
avocarem a mística punk, trilharam caminhos muito próximos ao
maínstream cultural. Lembramos de Sangue Seco, Garotos Podres,
Ratos de Porão: bandas que sofreram forte repressão policial (simi,
lar ao que aconteceria, cerca de dez anos depois, com as bandas de
rap, principalmente em São Paulo), e que mandavam mensagens
radicalmente políticas e antissistema. Foram bandas que, apesar
de nunca terem conquistado o grande público, mantiveram, por
longos anos, fãs por todo o país.
Tivemos ainda, basiçamente entre 1985 e 1986, o grande
fenômeno capitaneado pelo RPM. O sucesso foi tão marcante que
era normal a imprensa da época os considerarem os Beatles brasi-
leiros. Depois de um disco ao vivo (quando isso era uma novidade
/ no Brasil), Rádio Pirata, o RPM não conseguiu mais atingir o mcs,
mo patamar de popularidade, muito em função da superexposição
a que o grupo - com seu vocalista Paulo Ricardo à frente - foi
submetido ao longo de 1985 e 1986.
Misturando política, eleição e rock' n 'roll, encerramos 0

tópico com o festival Rock in Rio, ocorrido em janeiro de 1985: 0


evento, além de confirmar o potencial mercadológico do rock no
país, teve uma passagem histórica, quando Cazuza, então vocalista
do Barão Vermelho, cantou "Pro dia nascer feliz" abraçado à ban-
deira do Brasil. Detalhe: foi o dia da votação indireta que elegeu
Tancredo Neves presidente.

Nosso "Veneno Remédio" 10 - O Futebol


Para todos os brasileiros a Copa do Mundo de 1982, na
Espanha, foi um dos principais marcos históricos desse que é um
dos grandes ícones da cultura nacional, o futebol. Mesmo quem

10 Termo utilizado por José Miguel Wimick, cm Veneno Remédio. S:io Paulo:
Companhia das Letras, 2008.

22
não estava em frente à televisão ao longo de junho e julho de 1982
ouviu muito sobre aquela fantástica seleção.
Na ótica dos brasileiros, a derrota da equipe de Zico, Jú-
nior, Sócrates, Éder & Cia. foi uma das maiores tragédias da his-
tória do esporte no país, talvez superada apenas pela derrota em
1950. Embora os brasileiros destaquem a beleza do futebol jogado,
não há unanimidade sobre se valeu a pena ser tão artístico (como
se aquele time de artistas tivesse alternativa). Jogou como sabia e,
aos olhos da imprensa de muitos países, principalmente europeus,
caiu de pé.
Os jornalistas estrangeiros, talvez por não conhecerem
nossa aversão a qualquer outro resultado que não leve taça para o
armário, são mais unânimes ao afirmar que, mesmo com a derro-
ta, valeu a pena.
Vamos lembrar um pouco daquele time. A seleção, como
tantas vezes já ocorreu, chegou como favorita ao título daquele
ano, principalmente, pelos feitos que havia realizado recentemen-
te no continente europeu: preparando-se para a Copa, havia bati-
do Inglaterra, França e Alemanha em seus estádios. O time virava
lenda. Já na Espanha, um desfalque terrível: o jovem artilheiro Ca-
reca teve que deixar o time, dando vaga para o contestado Serginho.
A equipe foi definitivamente lapidada no segundo jogo
da competição, quando Paulo Isidoro foi sacado da equipe para a
entrada de Toninho Cerezo, meio-campista do Galo mineiro. O
quarto jogo, no entanto, assombrou o resto da audiência mundial
ainda não afetada pela Seleção Canarinho. Nessa partida, o Brasil
bateu a arquirrival seleção argentina por 3xl no mais alto capítulo
do clássico que, inclusive, terminou com a expulsão do jovem Die-
go Armando Maradona.
O Brasil chegava ao quinto jogo, contra a Itália, na confor-
tável condição de poder dispor de um empate para seguir adiante
na competição. Antes da partida havia uma discussão no país: o
técnico Telê Santana deveria jogar pelo empate, reforçando o meio
campo com um marcador ou continuar no espírito que vinha sen-

23
do consolidado desde a preparação para o Torneio?
O Brasil, afinal, jogou como vinha jogando: espetacular-
mente, mas foi derrotado pela também fantástica seleção italiana,
que levaria a Copa daquele ano. O nosso carrasco foi um dos mais
improváveis candidatos a heróis daquela Copa, Paolo Rossi, o que
acrescenta um elemento épico ao jogo. Rossi recém havia cumpri-
do uma pesada suspensão por ter sido flagrado em um esquema
de venda de resultados no campeonato italiano. Até o jogo contra
o Brasil, não havia feito nenhum gol na Copa e estava com a titu-
laridade ameaçada. Pois começou a marcar justamente no Estádio
Sarriá e só parou com a Copa do Mundo nas mãos e a chuteira de
ouro nos pés. Foi o artilheiro do torneio, com seis gols.
De uma maneira profunda, aquela derrota acabou inse-
rida no contexto daquela década confusa. Também, no futebol )

nossas melhores esperanças resultaram em uma derrota .

./

24
2. Primeiro Ato: 1980

A primeira eleição presidencial pós-ditadura civil-militar


começou a ser jogada muito antes do final do regime autoritário.
Dois fatos deram a largada definitiva para o início do jogo polí-
tico que nos levaria a 1989. O primeiro foi o retorno de Leonel
Brizola ao Brasil, em 7 de setembro de 1979, após 15 anos de exí-
lio forçado. O segundo fato, o que realmente inaugura a sucessão
presidencial, ocorreu meses depois, em maio de 1980, quando o
grupo liderado por Brizola perdeu, no TSE, o direito de utilização
da sigla PTB para uma sobrinha-neta de Getúlio, Alzira Vargas.
Ao longo da ditadura militar, alguns fantasmas assombra-
vam os donos do poder. Eram os políticos populares que pode-
riam pleitear espaço numa sucessão presidencial pós-ditadura. O
tempo se encarregou de eliminar duas das três possibilidades que
inquietavam a caserna e os civis que a apoiavam. Em 22 de agosto
de 1976, o ex-presidente Juscelino Kubitschek morreu em acidente
de carro na rodovia Presidente Outra. Em 6 de dezembro de 1976,
foi a vez de tombar João Goulart, infartado em seu exílio no Uruguai.
Restava Leonel Brizola. Tendo passado temporadas no
Uruguai, Argentina, Estados Unidos e Europa, Brizola estava vivo
quando se iniciaram as discussões sobre a abertura política. E vivo
politicamente. Era relativamente jovem e poderia, sem problemas,
ser um forte candidato na primeira eleição presidencial pós anos
de chumbo.
A volta de Brizola ao Brasil foi apoteótica. Estudiosos do
período, como o jornalista e escritor Flávio Tavares, chegaram a

25
afirmar que ali, naquele setembro, esteve o marco definitivo do fi-
nal da ditadura.
Brizola de volta, e, com o fim do bipartidarismo, tudo
indicava que o caminho natural do líder trabalhista seria a refun-
dação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Não aconteceu.
lvete Vargas, ex- deputada pelo PTB, segundo entendimento do
Tribunal Superior Eleitoral, teria ingressado com a documentação
para obtenção da sigla antes do grupo brizolista.
A apreciação dos registros de lvete Vargas e de Leonel Bri-
zola seria feita na mesma sessão de julgamentos de 12 de maio
de 1980. O pedido da ex-deputada foi julgado em primeiro lugar
e aceito. O relator do caso, ministro Pedro Gontijo, ao analisar
formalmente o pedido e a documentação apresentada por !vete
Vargas, decidiu por entregar a ela a sigla histórica. Outros quatro
ministros acompanharam o voto do relator, que foi no mesmo sen-
tido do procurador eleitoral, Firmino Ferreira Paz. Apenas O 111 i-
nistro Cunha Peixoto divergiu da maioria. Com isso, o pedido de
Brizola não foi sequer analisado - não haveria como, logicamente
/ conceder a dois grupos a mesma sigla partidária. '
Os brizolistas acompanharam o julgamento no Rio de Ja-
neiro, no Hotel Ambassador. Ao receberem a ligação do deputado
federal Lidovino Fanton, confirmando a derrota no TSE, o grupo
reagiu com indignação. Acusaram o governo federal de manobrar
nos bastidores para que a sigla não ficasse com Leonel Brizola, no
que consideraram um "esbulho", uma "sórdida ação" 11 •
Na verdade, referiam-se à alegada participação do coro-
nel Golbery do Couto e Silva, eminência parda da ditadura, nos
arranjos que levaram lvete Vargas a propor, antes de Brizola, a re-
fundação do PTB. Tendo acompanhado o julgamento no plenário
do TSE, o deputado gaúcho Getúlio Dias bateu na Justiça: "Este
Tribunal é uma latrina do Palácio do Planalto" 12 •

11 FOLHA DE SÃO PAULO, p. 4, 13 de mai. 1980.


12 Idem.

26
No Hotel Ambassador, exaltações ao que seria o "verda-
deiro" espírito trabalhista tomaram conta do ambiente, assim,
como virulentas falas de líderes trabalhistas. Em seu momento de
máxima tensão, enquanto Doutel de Andrade discursava, Brizola,
de improviso, passou a rabiscar em uma folha de papel as letras P
T B. Estava criando, à luz da profunda frustração do dia, um mo-
mento histórico na crônica política brasileira.
Acalcando o papel e sempre olhando para a mesa, Brizola
desenhou nitidamente a sigla que acabava de perder, levantou a
folha e a rasgou. Em seguida, cobriu o rosto com a mão direi-
ta e chorou. A imagem, impactante, rendeu uma bela crônica de
Carlos Drummond de Andrade, "Eu vi", publicada no Jornal do
Brasil, em 15 de maio de 1980. Dizia o mineiro:

"Vi um homem chorar porque lhe negaram o direito ele usar três
letras elo alfabeto JJara fins políticos. Vi uma mulher beber champanha
JJorque lhe deram esse direito negado ao outro.
Vi um homem rasgar o papel em czue estavam escritas as três
letras, que ele tanto amava. Como já vi amantes rasgarem retratos ele suas
amaclas, na impossibiliclacle ele rasgarem as próprias amacias.
(... )
E vi danças festejando a derrota elo adversário, e cantos e fogos.
Vi o sentido ambíguo ele toda festa. Há sempre uma antifesta ao laclo, que
não se faz sentir, e dói para dentro."

Brizola partiria, então, para a fundação do Partido Demo-


crático Trabalhista, PDT, no qual viria a concorrer à presidência
em 1989. Estavam concretizados os primeiros movimentos do que
seria a maior eleição da história.

27
3. Segundo Ato: 1987

Do jornal para o Brasil


A primeira vez em que Fernando Collor foi tratado como
uma estrela da política na grande imprensa brasileira ocorreu n·<lS
páginas do Jornal do Brasil, na edição de 5 de abril de 1987, em
matéria assinada por Ricardo Setti e Augusto Nunes. Ambos es cre-
veram um perfil encantador de Collor. O título dá o claro Norte
do que viria: "'Furacão Collor começa a mudar a vida de Alagoas"
Detalhe: quando a matéria foi publicada, Collor estava no podei:
há algumas semanas. Segundo os jornalistas, já estava alterando
urna situação secular.
Matérias quase idênticas, nos jornais, revistas e pro"ram
b ( as
televisivos passaram a brotar. A primazia do que levaria à conso-
lidação da ideia de um Collor transformador, astuto, enérgico e
indignado com o estado de coisas daquele Brasil dos anos 1980 ,
coube, portanto, a Setti e a Nunes. Vamos à matéria do JB.
Além de apresentar ao país um modelo de novo político ,
a matéria leva Collor a se defender de atitudes que, provavelmen-
te, não se encaixariam no modelo "novo" pretendido pelo jovem
governador. Por Collor, o presidente a substituir João Figueiredo
deveria ser Paulo Maluf. Foi nele que Collor, então deputado fede-
ral, votou. O que poderia ser urna falha se torna nobreza - ganha
o "olho" principal da matéria, espaço em que se destaca uma ou
outra fala do entrevistado: "Votei em Maluf por urna questão de
lealdade, porque sou um homem de palavra".
A matéria segue até apresentar o que seria um ponto fora

28
da curva na trajetória de um autêntico "caçador de marajás": a
contratação, sem concurso público, de três mil funcionários no
apagar das luzes de sua gestão à frente da prefeitura de Maceió. A
matéria afirma que, de seu passado político - que incluiu o fato
de ter sido prefeito indicado pelos militares, sem eleição direta -
"incomoda-o este único episódio". Nada mais.
O que poderia ser mais uma crítica, traz um Collor cons-
ternado, indignado até: "Foi lamentável". Afirma que havia auto-
rizado a contratação de "apenas" 400 pessoas para preencher vagas
"em escolas que construíra". Depois, "mãos anônimas" teriam
acrescentado outros nomes ao documento que havia assinado.
"Só percebi que ocorrera uma falsificação grosseira depois do fato
consumado", completa.
Os jornalistas tratam do tema mais uma vez, mas não
questionam de quem seriam essas "mãos" traiçoeiras, nem cobram
de Collor uma eventual ação, judicial ou administrativa, relativa
ao erro a que teria sido induzido. Seu projeto de tomar terras de
usineiros falidos com dívidas junto ao Estado de Alagoas para fins
de reforma agrária teria "a simplicidade do ovo de Colombo". A
investida contra os marajás, escrevem Setti e Nunes, "não é apenas
uma cruzada moral contra a bandalheira administrativa, mas um
passo real no caminho de viabilizar a miserável saúde financeira de
Alagoas".
Mas a matéria avança no sentido de cristalizar Collor
como um ascendente estadista. Chega a compará-lo com o prínci-
pe Juan Carlos. O governador de Alagoas teria agido como o no-
bre espanhol, que por anos viveu sob o poder do ditador Francisco
Franco, tendo se mostrado um líder inconteste quando Franco
morreu. Collor estaria, a partir da assunção ao governo, mostran-
do-se por inteiro aos conservadores que sustentaram sua carreira
até então.
Segundo os jornalistas, "É natural que eles (os conserva-
dores) não gostem do que estão vendo". O encerramento do texto
é apoteótico - dificilmente uma assessoria de imprensa consegui-

29
ria algo melhor, até por ser difícil reunir dois ótimos redatores na
mesma nota.
Setti e Nunes terminam seu deslumbramento com Fer-
nando Collor de Melo com as seguintes linhas: "É por tudo isso,
pelo que já começou a enfrentar e pelo que ainda pretende fazer,
que o governador olha com otimismo para o futuro - otimismo
suficiente para que ele pretenda mudar o nome da sede do gover-
no de Palácio dos Martírios para, significativamente, Palácio da
Esperança".
Ainda em 1987, dois programas "Globo Repórter" abor-
daram o tema dos funcionários públicos com altos salários. Nos
dois, Collor apareceu 13. Importante lembrar que, naquele mo-
mento, o Globo Repórter era o principal programa jornalístico da
Rede Globo, muitas vezes atingindo índices de audiência próxi-
mos aos das novelas da emissora - entre 60 % e 70%.
As reportagens sobre mordomias de funcionários públi-
cos não eram, propriamente, uma novidade na imprensa brasi-
leira. Em variados graus, o perfil dos grandes veículos de nossa
imprensa sempre foi o de apresentar o servidor público de forma
depreciativa, com infindáveis cálculos à mão para comprovar seus
"privilégios" em relação aos trabalhadores da iniciativa privada.
O caldo cultural, portanto, já estava formado há tempos,
mas ninguém tinha encarnado com tanta propriedade o papel de
justiceiro. Ninguém tinha passado, ainda, ao grande público, a
impressão de que, de fato, poderia "resolver" a situação. Collor
conseguiu.
O próximo passo rumo ao estrelato teve a revista Veja
como protagonista. Foram duas capas. A primeira delas, em 12
de agosto de 1987, com o título "A Praga dos Marajás". O futuro
candidato não é o tema central da matéria de capa, mas seu cavalo
de batalha sim - só os altos vencimentos de alguns funcionários
púhlic~. .

13 Texto de Eliakim Araújo, ex-apresentador da Rede Globo. Disponível: http://


observatoriodaimprensa.com.br. Acesso cm 04 ago. 2014.

30
Ainda assim, no primeiro parágrafo da matéria, o gover-
nador de Alagoas é o primeiro a opinar sobre o assunto: "Esse
caso (dos marajás) já se transformou numa tragédia nacional". A
reportagem traz subtítulos como "Elite de Vadios" e "Direito de
Ladrões".
Sobra espaço para apontar um culpado pelo descalabro
com que país estaria alimentando esses superfuncionários: Ulysses
Guimarães. Diz o texto que "A grande tragédia, no caso dos mara-
jás, chama-se PMDB e, mais precisamente, Ulysses Guimarães". O
líder peemedebista, ao ascender ao poder com a Nova República,
teria abandonado o papel de crítico de privilégios estatais. Em ou-
tras palavras, a revista acusava Ulysses de ter se acomodado às be-
nesses do poder - e ele próprio teria sido brindado com uma casa
no Lago Norte, em Brasília, em função de assumir a presidência
do Congresso Nacional.
O melhor, em se tratando de revista Veja, estava guardado
para 1988. Collor estampa a capa da publicação no dia 23 de mar-
ço. Aí aparece com o codinome que grudaria em sua persona polí-
tica: "Caçador de Marajás". Assim como fizera o Jornal do Brasil,
Collor é a estrela da matéria. Estava sedimentada a imagem com a
qual enfrentaria, com amplo sucesso, as urnas do pleito de 1989.
Faltava apenas um detalhe, que virou realidade ainda em 1988.
Quando os constituintes votaram a duração do mandato
do então presidente José Sarney, no dia 2 de junho de 1988, o
verdadeiro vitorioso não foi celebrado. Os holofotes se voltaram
para o presidente e os seus aliados, que ganharam um ano a mais
de presidência. Fernando Collor, por sua vez, ganhou o resto de
tempo que faltava para emplacar seu projeto político.
Ninguém deveria ter comemorado mais o ano extra, ga-
nho por Sarney que o governador alagoano, duplamente vence-
dor: consolidaria sua imagem com o tempo que caiu em seu colo e
teria um adversário claro, e um modelo do que não seria ao longo
de um eventual mandato presidencial. Collor precisava de um nê-
mesis, e ninguém mais que Sarney seria perfeito para o papel.

31
Fernando Collor
Fernando Collor de Melo nasceu em 12 de agosto de
1949, no Rio de Janeiro. Sua família, ligada à política, tinha ori-
gem em Maceió , AL, mas o futuro candidato a presidente da
República passou a maior parte da adolescência entre a capital
carioca e Brasília. Acompanhava o pai, Arnon de Melo, que por
20 anos (1962-1982) foi senador da República. Collor estudou jor-
nalismo e economia na Universidade de Brasília (UnB).
O destaque socioeconômico e político da família Collor
de Melo havia começado algumas décadas antes. O primeiro a se
projetar na política nacional foi seu avô, Lindolfo Collor, que foi
ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, escolhido logo após a Re-
volução de 30, marco na história do Brasil. Lindolfo permaneceu
15 meses no cargo, até romper com Vargas por não concordar com
a demora na constitucionalização do regime.
Os pais, Arnon e Leda, ergueram um império midiático
no pequeno Estado de Alagoas. Possuíam o jornal Gazeta de Ala-
goas e, mais importante que tudo, reproduziam a programação da
Rede Globo no canal televisivo de propriedade da família.
E assim, jovem rico e bem apessoado, com boas passagens
em colégios de elite, Fernando Collor foi vivendo uma vida des-
/ preocupada, com inúmeras incursões nas mais quentes colunas
sociais da imprensa nacional.
A primeira menção a Fernando Collor de Melo em algum
dos quatro principais jornais do país (O Globo, Jornal do Brasil,
O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo) ocorreu em 1º de ou-
tubro de 1969. Na época, Collor trabalhava na redação do Jornal
do Brasil em Brasília e assinou matéria que informava aos leitores
uma ação social do Exército, na cidade de Padre Bernardo, em
Goiás.
Fica-se sabendo que na cidade não havia médicos e que,
com a ajuda das Forças Armadas, foi possível realizar "atendimen-

32
to médico a 1.100 pessoas" 14. Dois anos depois, Collor voltava às
páginas do jornal carioca. Em uma nota de classificados, o Jornal
do Brasil divulgava a perda de uma carteira "contendo documen-
tos moto Honda 350 cc. (... ) pertencentes a Paulo Ribeiro e Fer-
nando Collor de Melo".
Em 1974, nas páginas do mesmo Jornal do Brasil, conhe-
cemos outra faceta de Fernando Collor, agora a de dirigente do
clube de futebol CSA, de Alagoas. Collor presidira o time, que
não andava bem, e o periódico noticiava que o jovem cartola re-
nunciaria ao posto 15 •
Muitos atletas tinham sido dispensados por indisciplina.
Mas o motivo alegado pelo futuro candidato a presidente é que,
naquele momento, a mãe, Leda Collor de Melo, seria candidata às
eleições parlamentares de novembro, e o filho imaginou que sua
permanência à frente do clube poderia ser interpretada como uma
jogada eleitoral1 6•
No ano seguinte, Collor vira figura fácil numa das princi-
pais colunas sociais da imprensa da época - assinada por Zózimo,
ainda no Jornal do Brasil. Também foi personagem assíduo no
mais destacado espaço social do jornal concorrente, O Globo, na
Coluna elo Swan. Fernando Collor aparecia em festas "noite aden-
tro", como quando recepcionou a equipe do filme francês Un Ani-
mal Doué ele Oéraison, e curtia uma "esticada no Privê" 17 , exclusivís-
sima boate brasiliense instalada no subsolo do St. Paul Hotel.
No dia 17 de outubro, o jovem Fernando protagonizou
o que o colunista Zózimo tratou como "o casamento do ano", ao
oficializar sua união com Lilibeth Monteiro de Carvalho, herdeira
do poderosíssimo grupo Monteiro-Aranha.
Marilu e Ivo Pitangui foram os padrinhos do casal. Se-
gundo o colunista, "refletindo a atmosfera de festa, o jantar teve

14 JORNAL DO BRASIL, p. 7, 1° out. 1969.


15 Idem, p. 23, 4 ago. 1974.
16 JORNAL DO BRASIL, p. 23, 3 ago. 1974.
17 O GLOBO, p. 24, 4 Ollt. 1975.

33
como sequência uma grande queima de fogos, que iluminaram
com cascatas coloridas e morteiros a noite de Santa Tereza" 18, no
centro do Rio de Janeiro. Na mesma noite, para se ter uma ideia
do clima político do país sob ditadura, em São Paulo, o jornalis-
ta Paulo Markun, então chefe de reportagem da TV Cultura, foi
preso. Uma semana depois chegou a vez de Wladimir Herzog, que
comandava o jornalismo da emissora. Em poucas horas, Herzog
estaria morto, e a reação a mais um crime nos porões do regime
seria um marco na luta contra a ditadura 19 •
No jornal O Globo, Fernando Collor apareceria em ou-
tro espaço, que não as colunas sociais, apenas em 1978. A notícia
tratava de sua indicação para o primeiro cargo público de sua car-
reira, a prefeitura da capital de Alagoas, Maceió. O governador do
Estado, Guilherme Palmeira, indicava o "filho do senador Arncm
de Melo" para o cargo - indicação efetivamente concretizada. Ao
assumir a prefeitura, Collor tinha 29 anos. O Jornal do Brasil,
outro veículo que noticiou várias das suas aventuras nas altas rodas
sociais, a primeira menção a Collor, nas péíginas de política, veio
em 1º de junho de 1979. Tratava da distância entre o patrimônio
do governador de Alagoas e do prefeito.
Collor possuía uma riqueza consideravelmente maior que
ª de seu padrinho político. Segundo a matéria, o prefeito declarou
possuir "quatro carros de passeio, inclusive uma Mercedes-Benz,
além de casa residencial em Cabo Frio, 300 ações na TV Gazeta e
um apartamento" 2º.

/
/
/
í8 JORNAL DO BRASIL, p. 3, 17 out. 1975.
19 VIGGIANI, Ed, SOLITRENICK, Nellie, ANJOS, Renato dos. S.io Paulo:
Scnac, 1997, p. 97.
20 JORNAL DO BRASIL, p. 4, 1° de jun. 1979.
34
4. Terceiro Ato: 1988

Tempo de sondagens e eleições municipais


A partir de 1988, a eleição presidencial começou a surgir
no horizonte do país. Quando os constituintes determinaram que
Sarney ficaria cinco anos no Palácio do Planalto e marcaram o
primeiro turno da maior eleição da história para 15 de novembro
de 1989, o tema invadiu os espaços de imprensa nacional.
Haveria um pequeno arrefecimento nas análises sobre a
escolha do novo presidente em função das eleições municipais de
1988. Se as aparições de Collor de Melo desde 1987 combatendo
os "marajás" do serviço público tinham sedimentado a sua ima-
gem junto ao eleitorado, aquele momento foi decisivo para seu fu-
turo adversário no segundo turno da eleição de 1989: Luiz Inácio
Lula da Silva.
Lula não concorreu a nada naquele pleito municipal de
1988, mas foi o grande vencedor, sem termo de comparação com
aqueles que o enfrentariam no ano seguinte. O PT conquistou,
pela primeira vez, duas importantes prefeituras, São Paulo e Porto
Alegre, e de vários municípios médios, em especial no interior
paulista. Começava a provar que não era um partido de quadros,
voltado apenas às análises de discussões sobre o país. O PT tinha
possibilidades eleitorais concretas, poderia ser um competidor.
Sendo uma agremiação com uma aguerrida militância,
percebeu-se que havia ali uma máquina de disseminacão de ideias
e defesa de candidaturas. Em 1988, o PT - Lula à frente - cresceu
e apareceu.

35
Em setembro de 1988 21 , pouco mais de um ano antes da
eleição presidencial, o Instituto Datafolha divulgou pesquisa so-
bre as intenções de voto daquele pleito. Foram ouvidos habitantes
das 10 capitais com maior eleitorado. Nessa pesquisa estimulada,
onde os entrevistados escolhem a partir de uma lista de nomes
apresentados, a liderança aparecia dividida entre Leonel Brizola e
o apresentador e empresário Sílvio Santos. Ambos possuíam 17%
das intenções de voto. Em terceiro lugar, aparecia o senador Maria
Covas, com 16%.
A novidade da pesquisa, obviamente, foi o alto índice do
comunicador, que sequer havia colocado seu nome como postu-
lante à presidência. Faltando pouco mais de um ano para a eleição,
sem campanha e sem estar ligado a partido, ou mesmo à política
partidária, Sílvio Santos já se anunciava como potencial fenômeno
eleitoral.
O eleitorado dessas 10 capitais se dividia em grupos bem
definidos quanto à escolha de seus candidatos. Sílvio Santos li-
derava nas regiões do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Quanto
ao nível de ensino, o comunicador era mais forte na parcela com
menor instrução - situação que se repetia quando o critério era
renda. Quanto menor a renda, mais cresciam as intenções de voto
em Sílvio Santos. Covas, por sua vez, vencia nas capitais do Sudes-
te e no eleitorado com maior renda e nível de ensino.
Brizola era imbatível na região Sul, especialmente na ca-
pital gaúcha. Foi uma pesquisa localizada, não alcançando a in-
/ tenção do conjunto do eleitorado brasileiro. E, se Silvio Santos
aparecia com destaque, quando a equipe do Datafolha questiona-
va os eleitores sem lhes apresentar os nomes a escolher (pesquisa
espontânea), o dono do SBT caía para apenas 1% das intençôes de
voto.
Como o voto dos adolescentes de 16 e 17 anos era uma

21 FOLHA DE SÃO PAULO, p. 4, 19 set. 1989.

36
novidade do pleito que se realizaria em 1989, o Ibope 22 foi a cam-
po para sondar o que esse eleitorado, especificamente, preferiria
em termos de candidaturas.
Este é o único universo de entrevistados que, ouvido ain-
da antes da campanha, não menciona Silvio Santos. Foram ou-
vidos jovens no Rio de Janeiro e em São Paulo. Quem liderava a
corrida entre a juventude carioca era Leonel Brizola, que receberia
44% dos votos. Já o Estado de São Paulo, a poucas horas de dis-
tância pelas rodovias do Sudeste, era seu ponto fraco. Na verdade,
fraquíssimo. Ali, apenas 3,3% o escolheriam. Os vencedores na
capital paulista seriam o empresário Antônio Ermírio de Moraes
(21 %) e Paulo Maluf (16%). Entre os políticos mais admirados
pelos jovens paulistas, vencia Lula, quase empatado com Orestes
Quércia. Interessante: eram os mais admirados, mas não seriam os
mais votados.
Em outubro de 1988, o jornal O Globo publicou uma
pesquisa de intenção de votoz, para a corrida presidencial do ano
seguinte, também do lbope, e agora em âmbito nacional e englo-
bando todas as faixas etárias do eleitorado.
O quadro era bem mais assustador para os interesses das
Organizacões
,
Globo. Leonel Brizola ) burande adversário de Rober-
to Marinho, aparecia em segundo lugar, com 10% das intenções
de voto. Ponteando a pesquisa, Sílvio Santos. O apresentador e
proprietário do SBT aparecia com 28% das intenções de voto.
O então governador de São Paulo, Orestes Quércia, vinha
em terceiro lugar, com 8,1 % das intenções de voto, seguido por
Fernando Collor, com 7,9%. Lula tinha parcos 4,4%.
Os representantes dos dois maiores partidos do país já
sentiam o desgaste do governo Sarney. Ulysses Guimarães, mesmo
sendo o condutor do processo da Constituinte e grande líder do
PMDB, receberia, se as eleições fossem naquele momento, 5,6%

22 O GLOBO, p. 10, 24 abri. 1988.


23 O GLOBO, p. 10, 1° out. 1988.

37
dos votos. Também recairia sobre o "Senhor Diretas" uma rejei-
ção violenta: 59% dos eleitores afirmavam que não votariam no
peemedebista de jeito nenhum. Por parte do PFL, o ex-vice-presi-
dente da República, Aureliano Chaves, marcaria 3,3% dos votos.
Curiosamente, o ex-presidente Jânio Quadros, então prefeito de
São Paulo, ainda tinha seus apoiadores: faria 4,2% dos sufrágios.
O número alcançado por Sílvio Santos naquele outubro
de 1988 era, por si só, impressionante. Mas a forma como as in-
tenções de voto ao dono do SBT se espalhavam pelo Brasil era
ainda mais sólida. Com a inclusão do eleitorado das cidades do
interior, algo que o Datafolha do mês anterior não havia feito,
Sílvio Santos venceria os demais candidatos em todas as regiões do
país. No Sudeste, maior reduto eleitoral do Brasil, embora tivesse
vantagem menor do que no resultado global, estaria à frente de
todos com um índice de 21, 7%. Na região Norte bateria os outros
com impressionantes 42,6% das intenções de voto. Em outras son-
dagens, ainda no começo de 1989, Sílvio Santos mostrava grande
popularidade junto às camadas C, D e E - exatamente o nicho a
partir do qual a candidatura de Collor decolou. Outro candidato
que surfava em bons índices junto a essa parcela do eleitorado:
Orestes Quércia.

38
5. O ano de 1989

A hipótese Quércia
Não era à toa que o nome do governador paulista Orestes
Quércia aparecia entre os três primeiros colocados em pesquisas
de opinião em 1988. Sua carreira vinha em ascensão e a capaci-
dade de comunicação, se não o colocava no mesmo patamar de
Sílvio Santos ou Brizola, não era desprezível. Em 1986, quando
concorria ao governo de São Paulo, saiu de um patamar de baixís-
simos índices nas pesquisas para desbancar os dois poderosos can-
didatos que polarizavam aquele pleito, Paulo Maluf e o empresário
Antônio Ermírio de Moraes.
Com uma grande campanha televisiva, Quércia atropelou
os medalhões e se tornou, definitivamente, uma estrela da políti-
ca nacional. Podemos colocar na conta de sua vitória o prestígio
do Plano Cruzado, mas é uma meia verdade. Afinal, apenas dois
anos depois, em 1988, o Plano já fizera água, Sarney era detestado
pela população, mas o governador paulista ainda surfava em altos
índices de aprovações. De forma contundente, havia aberto seu
próprio trilho político e, em especial, no PMDB de São Paulo.
Orestes Quércia também havia sido uma opção para o
empresário Roberto Marinho. O dono da Rede Globo andou
muito tempo à procura do candidato ideal. Pensou em vários, al-
guns que sequer entraram na disputa, como ex-presidente Jânio
Quadros. Em entrevista ao Observatório da Imprensa o jornalista
Paulo Henrique Amorim, então funcionário das organizações Glo-
bo, conta que "Roberto Marinho, durante muito tempo, apoiou

39
o Quércia e depois teve que sair correndo atrás do Collor" 24. Em
Notícias do Planalto, Mario Sergio Comi também aborda o assunto 25.
Conti lembra que Marinho ficara sem candidato após a
recusa de Jânio em encarar urna acirrada disputa presidencial. O
ex-presidente alegou problemas de saúde para não lutar mais urna
vez pelo Planalto.
O dono da Globo conhecera Quércia em 1986 26 , quando
o político do PMDB vencera a disputa pelo governo paulista. Pe-
diu um favor, urna indicação de cargo político. Levou e, desde en-
tão, fez de Orestes Quércia um habitual frequentador de eventos
sociais reservadíssirnos. As esposas se tornaram amigas, e o gover-
nador e Marinho passavam horas especulando nomes e cenários
possíveis da política nacional. Roberto Marinho custou a crer que
um jovem e promissor candidato ao posto máximo da Nação abri-
ria mão de uma possivelmente bem-sucedida corrida presidencial.
Foi o que imaginou quando viu, no próprio jornal, a ima-
gem do governador paulista levantando o braço de Ulysses Gui-
marães após a convenção de escolha do candidato do PMDB à
presidência. Marinho ficara sem candidato. Cogitou ainda o apoio
a Paulo Maluf, mas não via nele força eleitoral para fazer mais vo-
tos do que Ulysses. O dono da Globo não tinha em quem jogar as
/ fichas, por enquanto.
A eliminação final da possibilidade Quércia naquele plei-
to de 1989 é uma das mais saborosas histórias dos bastidores da
política nacional, e a protagonista se chamava Ida Maiani de Al-
meida, mais conhecida como Mora, esposa de Ulysses Guimarães.
A cúpula peemedebista, formada, em sua linha de frente, pelos
governadores dos partidos, estava decidida a demover Ulysses da
ideia de concorrer às eleições presidenciais. Na prática, seria a frus-

24 Fonte: http://www.observatorioda imprema.com. br/a rtigos/asp05062002 9 3.


htm Acesso em 02/01/2014.
25 CONTI, Mario Scrgio. Notícias do planalto. São Paulo: Companhia das Letras,
1999, p. 114 a 116.
26 Idem ao anterior.

40
tração do sonho de um dos mais importantes adversários do regi-
me militar.
Os líderes peemedebistas comparecem em peso a uma
reunião na casa de Ulysses Guimarães, em abril de 1989. Segundo
relato de Mora 27 , o governador do Rio Grande do Sul, Pedro Si-
mon, seria o encarregado de transmitir a notícia a Ulysses. Conta
dona Mora: "Na hora em que o Pedro Simon começou a falar,
tirei o meu colar de pérola do pescoço e comecei a rodá-lo na mão
direita, só com o indicador e fixei meu olhar sobre ele. O Pedro
sabia o quê o meu olhar estava lhe dizendo. Quanto mais Simon
falava, mais eu girava o colar, como se, naquela velocidade, por
um simples descuido meu, ele pudesse, de repente, escapar das mi-
nhas mãos e atingir a consciência do orador. E Pedro ficou naquilo
que Ulysses gosta de chamar de dança dos tangarás - 'um passo à
frente, um passo atrás' - e acabou não dizendo coisa com coisa. E
assim foi quase toda a reunião, um desastre total".
Já o ex-governador do Rio Grande do Sul deu outra versão
dos fatos 28 • Os governadores teriam ido solicitar de Ulysses a indi-
cação de um concorrente ao pleito e não, propriamente, alijá-lo da
disputa. No máximo, apresentariam evidências de que o veterano
deputado federal não seria o melhor nome para o embate eleitoral.
Simon afirmou ainda que, logo após a famosa reunião, foi
surpreendido com a atitude de seus pares, que tentaram, então,
indicá-lo para vaga: "Ali nós fomos dizer pra fazer um candidato,
pra ele (Ulysses) indicar um nome. E ele ficou firme, voltamos lá
pra reunião de todos os governadores e me disseram: ' Então vai
tu, Simon'. Falei: 'Vocês estão dizendo hoje pra eu ser candidato!
Por que vocês não falaram ontem? Vocês me indicaram pra ir falar
em nome de todo mundo, porque vocês disseram que Ulysses não
tinha que ser candidato. E agora eu sou candidato?'".

27 O GLOl30. Relato publicado quase uma década após a morte de Mora e de


Ulysses Guimar:ies. p. 10, 16 out. 2011.
28 Entrevista ao portal Terra, em 28 de setembro de 2010. Disponível: http://
terramagazinc.tcrra.com.br/interna. Acesso cm 12 jun. 2014.

41
Orestes Quércia não pareceu ter se abalado com o de-
sempenho do PMDB naquele pleito. Era jovem e poderia, sem
problemas, vir a disputar a presidência. Seguiu até o final de seu
mandato, em 1990, com altos índices de aprovação popular. A sor-
te dele começou a mudar quando conseguiu eleger seu sucessor,
o ex-secretário de segurança pública de São Paulo, Luiz Antonio
Fleury Filho.
O que foi visto, à época, como uma jogada de mestre se re-
velou um equívoco. Sem a liderança e o carisma de seu padrinho,
Fleury fez um governo muito criticado e se envolveu diretamente
no pior momento da história do sistema prisional brasileiro, o
Massacre do Carandirú, ocorrido em 3 de outubro de 1992, quan-
do 111 presos foram mortos pela polícia militar paulista.
Logo em seauida
b ,
comecariam
'
a surgir acusacões
,
de que
Quércia seria dono de um patrimônio que, tendo crescido vertigi-
nosamente, não teria explicação lógica. Pesaram fortemente contra
ele denúncias relativas a uma suposta má gestão do banco Banespa.
Após deixar o governo paulista, nunca mais foi bem-sucedido nas
urnas. Em 1994, foi o quarto colocado nas eleições presidenciais,
com 2.773.793 votos (4,38% dos válidos). Em seguida, concorreu
ao governo de São Paulo em 1998, 2002 e 2006.
Orestes Quércia morreu de um câncer em 24 de dezem-
bro de 2010. Entrou para a história como um político de impres-
sionante trajetória, cujo brilho foi ofuscado pelas circunstàncias
políticas. Em certos momentos, sua chegada à presidência da Re-
pública pareceu mera questão de tempo. Nunca chegaria lá.

Ulysses Guimarães
Ulysses Guimarães, paulista de ltirapina (1916), fez plena
justiça ao seu nome homérico em duas ocasiões. A primeira entre
1973 e 1974, quando se lançou candidato à presidência da Repú-
blica em meio à ditadura. Depois, em 1987/88, quando coman-
dou o processo da elaboração da Carta Constitucional.
Ao assumir a candidatura à presidência, em 1974, Ulys-

42
ses fez uma escolha arriscada. O jogo tinha cartas marcadas. Nas
eleições para o Planalto ao longo do regime militar, o Congresso
Nacional apenas confirmava o que os militares determinavam. E o
candidato-general sempre vencia.
Em 1969, o governo promulgou a Emenda Constitucional
nº 11, que orientou o pleito de 1974. Nela, era determinado que
o presidente seria eleito pelo sufrágio de um colégio eleitoral com-
posto pelos membros do Congresso Nacional (Câmara e Senado
unificados) e delegados das Assembleias Legislativas dos Estados.
Cada Assembleia indicaria três delegados, dentre seus membros, e
mais um por 500 mil eleitores inscritos no Estado, não podendo
nenhuma representação ter menos de quatro delegados.
A decisão do MDB ao lançar Ulysses poderia apenas cor-
roborar essa ordem antidemocrática. Conta o jornalista Roberto
Pompeu de Toledo que foi ao longo de uma noitada com um ami-
go - Luiz Lopes Coelho - que a ideia da "anticandidatura" surgiu.
A partir daquela noite, Ulysses passou a impressão a toda
a sociedade brasileira de que sabia das regras da disputa eleitoral.
Sabia que perderia. Sua campanha foi um protesto. Nesse sentido,
foi amplamente bem sucedida, abrindo o caminho para a grande
vitória eleitoral do MDB, em novembro do mesmo ano, quando a
oposição elegeu os senadores dos principais Estados do país.
A anticandidatura e o pleito para o Senado foram marcos
do início do desmonte do aparato ditatorial. Em 1973, o MDB
possuía uma bancada de 87 deputados e nove senadores, enquan-
to a ARENA dominava amplamente a Casa com 223 deputados e
41 senadores.
O Colégio Eleitoral que elegeu o general Ernesto Geisel
para presidente do país consagrou o novo ditador com 400 votos
contra os 76 dados a Ulysses. A configuração desses pleitos nunca
foi totalmente aceita pela sociedade, mesmo anos após o fim da
ditadura civil-militar. Ulysses também teve um papel decisivo na
transição da ditadura para a democracia, na primeira metade da
década de 1980.

43
Nesse sentido, segundo impressão do jornalista Elio Gas-
pari29, competiu com Tancredo Neves pela condução do processo
de abertura. Segundo Gaspari, Tancredo precisava que a ditadura
morresse lentamente. Ulysses precisava de um colapso do regime.
Venceu a saída negociada, e Tancredo foi o fiador da reconstrução
democrática. Com a morte de Tancredo, em 1985, Ulysses voltou
a ser o grande nome do PMD B a influenciar o governo de José Sar-
ney. Nesse posto, pagou um alto preço, já que sofreu praticamente
o mesmo desgaste político do complicado governo Sarney.
Poderia ter sido pior, não fosse a História oferecer a Ulys-
ses um novo protagonismo: assumir o comando do Congresso
Constituinte que, eleito em 1986, elaboraria a Constituição de
1988.
Entre 1987 e 1988, Ulysses consolidou-se como o articula-
dor dos variadíssimos interesses da sociedade que buscavam repre-
sentação na Carta Magna. Quando a "Constituição Cidadã" foi
promulgada, em 5 de outubro de 1988, o país ouviu um impres-
sionante discurso de desprezo ao autoritarismo e de valorização do
poder da sociedade organizada. A seguir, dois trechos da fala de
Ulysses:

"Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, [Jromulgamos


o estatuto do homem, da liberdade e da demOcracia, bradamos [Jor imposi-
ção de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo.
...
( )
O Estado autoritário prendeu e exilou. A sociedade, com Teo-
tônio Vilela, pela anistia, libertou e re[Jatriou. A sociedade foi Rubens
Paiva, não os facínoras que o mataram. Foi a sociedade, mobilizada nos
colossais comícios das Diretas ]cí, que, pela transição e pela mudança, der-
rotou o Estado usurpador. Termino com as palavras com que comecei esta
fala: a Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A
Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade

29 GASPAR!, Elio. A ditadura encurralada. S.io Paulo: Cia das Letras, 2004.

44
rumo à mudança. Que a promulgaçcío seja nosso grito: Mudar para ven-
cer! Muda, Brasil". 30

Após a indecisão peemedebista sobre o candidato para o


pleito de 1989, Ulysses foi o escolhido em convenção, no dia 30
de abril de 1989. Teria 20 minutos diários no horário eleitoral
gratuito, um latifúndio temporal, mas pouca coisa para dizer.

30 Discurso proferido na promulgação da Constituição de 1988. Disponível:


lmp://migre.mc/lBPDH. Acesso em I 3 sct. 2014.

45
6. Março/Julho de 1989

Collor, um fenômeno
/ Ao longo de todo o mês de março de 1989, Fernando
Collor se mostrou um candidato competitivo em todas as pes-
quisas de intenção de voto. No final do mês, registrara índices
próximos a 9%. Deixara de ser um azarão, um desconhecido go-
vernador de Estado pequeno para iniciar a colheita da imagem
de político destemido, de caçador de marajás, que havia plantado
com tanto esmero. Faltavam apenas alguns pequenos detalhes na
estratégia de comunicação da campanha collorida. Três, na verda-
de. Collor conseguiu a façanha de se apresentar como candidato
em três diferentes programas partidários - que duravam uma hora
e ocorriam no semestre anterior ao da eleição.
Collor esteve no programa do Partido da Juventude, cm
30 de março; no programa do Partido Trabalhista Renovador, em
27 de abril; e no programa do Partido Social, em 18 de maio. O
interesse por sua persona midiática já era forte antes dessas apari-
ções. Programas que não teriam grande relevãncia política - eram
partidos muito pequenos - ganharam projeção pela presença do
"caçador de marajás".
Os três programas abordaram questões diversas, mas al-
guns pontos foram batidos sistematicamente 31 • O principal deles,

31 ALMEIDA, Monica Piccolo. A Trnjetória de Fernando Collor rumo ii presidên-


cia: estratégias eleitorais televisivas. Trabalho apresentado no XXVII Simpósio Nacional de
História. Natal, 22 a 26 de julho de 2013, p.7 Disponível:http://www.snh20l3.anpuh.org.
Acesso cm 09 mai. 2014.

46
como não poderia deixar de ser, foi a crítica ao governo Sarney, em
especial em relação a possíveis atos de corrupção.
Collor também abordou questões que entrariam na pauta
política do país a partir daquele momento, como a preocupação
com a preservação do meio ambiente, em especial as áreas do Pan-
tanal e da Floresta Amazônica. Além disso, cada um dos progra-
mas reforçou a imagem do "caçador de marajás", legitimado por
ações que teria tomado quando à frente do governo de Alagoas.
Por fim, para consolidar a imagem de "cavaleiro solitá-
rio" em um viciado jogo político, Fernando Collor é apresentado
como alguém distante dos partidos, sem apoio dos grandes em-
presários ou da imprensa tradicional. Sob tal ponto de vista, era
Collor contra o mundo. Apenas os eleitores poderiam fazer esse
sonho se tornar realidade. A tática funcionou como nunca em
nossa história eleitoral por si só repleta de figuras que encarnam
mitos salvadores.
Se Collor aparecia bem colocado nas pesquisas de inten-
ção de voto no mês de março, em julho sua candidatura foi aos
céus. No dia seis, o ex-governador de Alagoas alcançaria o impres-
sionante índice de 4 3% das intenções de voto, segundo pesquisa
do lbope 32 •

Um debate para a história


O primeiro debate televisivo da história das eleiçôes pre-
sidenciais brasileiras ocorreu no dia 17 de julho e foi organizado
pela Rede Bandeirantes. A mediadora do programa foi a jornalis-
ta Marília Gabriela. Na bancada, nove dos 11 principais candida-
tos ao pleito: Guilherme Afif Domingues, Paulo Maluf, Ronaldo
Caiado, Aureliano Chaves, Lula, Leonel Brizola, Mario Covas, Ro-
berto Freire e Afonso Camargo. Os candidatos Fernando Collor,
do PRN e Ulysses Guimarães, do PMDB, não aceitaram o convite
da emissora.

32 Idem anterior, p. 9.

47
Mais três jornalistas da própria Rede Bandeirantes fize-
ram questionamentos aos candidatos: Fernando Mitre, José Paulo
de Andrade e José Augusto Ribeiro. Em dois blocos, outros nove
jornalistas de grandes veículos da imprensa, como Veja, Folha e
Estado de São Paulo, também foram sorteados para fazerem per-
guntas aos presidenciáveis.
Já, no primeiro bloco, algumas respostas trouxeram temas
que nos mostram o quanto estamos distantes daquele 1989. Dos
nove candidatos, cinco cravaram o combate à inflação como pri-
meira medida a ser tomada em caso de vitória. Devemos lembrar
que o país terminaria o ano com uma inflação de quase 1.000%.
Candidatos mais à esquerda no espectro ideológico, como
Roberto Freire e Lula, abriram suas participações tratando da dívi-
da externa - na época em U$ 120 bilhões. Naquele final de déca-
da, a decisão sobre pagar ou não pagar os juros dessa dívida estava
na capa dos jornais.
O debate também projeta um passado distante quando
pensamos na proximidade e cordialidade estabelecida entre os
candidatos do PT, Lula, e o do PSDB, Mario Covas. Em 2014, já
se está na sexta eleição presidencial, em que os partidos políticos
travam duríssimas batalhas. Em 17 de julho de 1989 se estava dis-
tante dessa situação. Após a resposta à pergunta sobre qual deveria
ser o primeiro ato à frente do governo, o debate proporcionava
que um candidato fizesse perguntas a outro.
A rodada começou com Covas, que escolheu Lula. A per-
gunta, feita em tom ameno, dizia respeito ao papel do capital es-
trangeiro em nosso país. O petista disse que seria até "imbecil" ser
contra o capital estrangeiro, mas que regras deveriam ser seguidas,
regras mais rígidas que as existentes, como um controle maior da
remessa de lucros para fora do Brasil. Também defendeu a econo-
mia brasileira.
Covas, na réplica, seguiu argumentando de forma amigá-
vel a partir da fala de Lula. Disse que, de fato, éramos "um país
com 140 milhões de pessoas e apenas 50 milhões de consumido-

48
res", também focando a necessidade de consolidação de um mer-
cado interno mais amplo. Encerra olhando para Lula: "Acho ade-
quada a sua posicão."
O debate alcançou números expressivos nas medições de
audiência. Na Grande São Paulo, quando o programa estava em
sua metade, 18% das televisões sintonizavam a Bandeirantes".
Dada a complexidade dos temas tratados e o grande número de
debatedores, não foi uma audiência ruim. Relembrando: o progra-
ma durou mais de três horas.
Paulo Maluf, que destacou o combate à inflação como
ponto decisivo ao longo de todo o debate, usou várias vezes o
exemplo da Bolívia, comandada por Víctor Paz Estenssoro, que,
com reformas liberalizantes, colocou o país em uma rota que fez a
inflação despencar de 7.000% ao ano, em 1985, para 3%, em 1999.
O candidato do PDS foi questionado pelo jornalista Fe-
nando Mitre sobre os custos sociais desse processo, que antecipava
uma política econômica neoliberal que tomaria conta do subconti-
nente americano nos anos 1990. Maluf colocou a conta nas costas
de "marajás, políticos apadrinhados e funcionários públicos que
não trabalhavam".
O andamento do programa não encontra similar nos mode-
los de debates que atualmente vemos na televisão. Na época a discus-
são corria muito mais solta, e Marília Gabriela exercitava ao limite o
seu bom senso na hora de deixar os candidatos extrapolarem alguns
segundos do tempo estabelecido. Também tinha que julgar e decidir
na hora pedidos de aparte e direitos de resposta, formulados pelos
principais políticos dos principais partidos brasileiros.
Foi um brilhante trabalho jornalístico em rede nacional, num
momento histórico da nossa democracia. Sua atuação rendeu uma diver-
tida manifestação do então poderosíssimo ministro das Comunicações,
Antônio Carlos Magalhães: Marília Gabriela teria ganho o debate 34.

33 FOLHA DE SÃO PAULO, p. AS, 18 jul. 1989.


34 COSTA MACHADO, Maria Berenice da. Debates nas campanhas presiden·
ciais: Brasil 1989-2010. Trabalho apresentado no GT de História da Publicidade e Comuni-

49
Já no final do programa, uma interessante fala de Leonel
Brizola, e uma ainda mais interessante falta de interesse da im-
prensa escrita sobre o que foi dito. Ao ser indagado pelo jornalista
José Augusto Ribeiro sobre possíveis formas para valorizar o salá-
rio do trabalhador, Brizola afirmou que seria necessário reverter
o quadro econômico, acabando com a concentração de renda na
mão de poucos. Caiado, então, interrompe sua fala e grita, solici-
tando que o pedetista diga quem são esses privilegiados.
A resposta de Brizola é antológica, assim como era histó-
rica suas desavenças com a Rede Globo: "São muitos. Mas vou lhe
dar um exemplo: Roberto Marinho. O homem mais rico desse
país e uma riqueza cartorial. Tem aquela concessão ... E não é des-
ses empresários tão competentes, até porque foi lá fora e não deu
certo, teve que vender tudo. Porque lá ele tem que pagar o salário".
// Brizola referia-se a uma tentativa frustrada da Rede Globo de en-
trar no mercado europeu.
No dia seguinte, os três maiores jornais do Brasil, O Glo-
bo, A Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, ao comenta-
rem a participação de cada candidato no debate, não escreveram
uma linha sequer sobre essa fala de Brizola.
Fernando Collor de Melo não participou dos debates pre-
sidenciais no primeiro turno das eleições.

cação Institucional, integrante do VIII Encontro Nacional de História da Mídia. Disponí-


vel em http://migre.me/lNhbX. Acesso em 20 set. 2014.

50
7. Agosto/Setembro de 1989

Aureliano e Ulysses naufragam


Os meses de agosto e setembro foram marcados pela ago-
nia das candidaturas dos maiores partidos, PMDB e PFL, fiado-
res da conciliação que resultou na abertura política, com a saída
negociada do Colégio Eleitoral e de Tancredo-Sarney, estavam na
lama em termos de cacife político. Durante todo o mês de agosto,
Aureliano Chaves não conseguia sair do patamar de 1% dos votos.
Ulysses Guimarães chegava a 3%. Mas é o comportamento dos
simpatizantes destes partidos que dá cores reais ao quadro daquele
momento.
Pesquisa publicada 35 no dia 1° de setembro trazia os índi-
ces de duas questões apresentadas aos eleitores. Qual era o partido
de sua preferência e qual candidato era o escolhido para o pleito
de 15 de novembro? Nenhum candidato espelhou a preferência
partidária com a identificação do candidato. Quem chegou mais
perto disso foi o PDT - 91 % dos pedetistas votariam no candidato
do partido. Mesmo em um partido com estrutura mais forte e ide-
ológica como o PT, pouco mais de 40% dos autodeclarados petis-
tas votariam em Lula. Interessante: 20% deles, naquele momento,
votariam em Collor.
Mas o problema de Aureliano e de Ulysses era bem maior.
Em relação ao PFL, apenas 2% dos simpatizantes do partido acom-
panhariam o candidato nas urnas. 52% votariam em Collor de

35 FOLHA DE SÃO PAULO, p. Bl, 1° ser. 1989.

51
Melo. Entre os peemedebistas, 9% fechavam com Ulysses. Com
Collor, 47%.
Pesquisa, também do Datafolha, publicada no dia 25 de
agosto, indagava, além do voto estabelecido, a possível opção de
um "segundo candidato" aos entrevistados. Entre o 1% de elei-
tores de Aureliano, cerca de 40% dariam um "segundo voto" a
Collor. Entre os 3% de Ulysses, 19% escolheriam o collorido em
um segundo sufrágio. A tática de se desvincular da política tra-
dicionalmente feita no Brasil, em especial dos dois partidos que
comandaram a Nova República 36 , atingia todo seu potencial para
quem mais apostou nela.
No entanto, Collor, ao mesmo tempo em que recebia com
fervor as intenções de votos, começava a se preocupar com a de-
bandada excessiva de políticos para sua candidatura. Temia que o
sucesso "virasse o fio" em termos da imagem de afastamento do
mundo político. Muitos "renegados" em seu barco poderiam des-
caracterizar sua estratégia de campanha, aproximando-o das velhas
práticas políticas.
Aureliano e Ulysses seguiriam cambaleando nas pesquisas
de intenção de voto até melancólicos finais, quando as urnas de 15
de novembro se abriram. O caminho seria longo para ambos, mas
Aureliano Chaves, embora o menos carismático da dupla vetera-
na, esteve mais perto do sonho de ocupar o Palácio do Planalto.
Ocorreu em março de 1984: uma pesquisa Ibope, realizada nas
sete maiores regiões metropolitanas do país, o colocava em primei-
ro lugar nas intenções de voto dos brasileiros. O vice-presidente
venceria Brizola inclusive em um de seus mais importantes redu-
tos, o Rio de Janeiro.

36 "Nova República" é a forma com que se denomina o período de transição entre


o regime autorit,irio iniciado em 1964 e sua derrocada, que possui v.irios marcos: a eleição
indireta de Tancredo Ncves (1985), a posse de José Sarney na presidência (1985), a Cons-
timição de 1988 e a eleiçfo presidencial de 1989. Foi um período marcado por um amplo
acordo político envolvendo os maiores partidos: o PMDB, herdeiro da oposição consentida
;i ditadura; e o PFL, cujo grupo dirigente havia se desmembrado do PDS, que, por sua vez,
sucedera a ARENA, partido que apoiava o regime militar.

52
A pesquisa foi divulgada um mês antes da votacão da
Emenda Dante de Oliveira, cuja derrota sepultou a possibilidade
dos brasileiros irem às urnas em 1985 para eleger diretamente o
presidente. Aquele 1984 foi um dos anos mais significativos, po,
liticamente, de uma década cheia de acontecimentos relevantes 37 •
Embora a população das principais cidades do país tenha lotado
praças para acompanhar o movimento pela Diretas Já, era o vice
-presidente do último governo do ciclo autoritário de 1964 que
encabeçava a preferência do eleitorado.
A perspectiva de se ter Aureliano Chaves na presidência
impressionava. A preferência por este candidato na pesquisa Ibope
era avassaladora: superaria Brizola (tinha 28,7% das intenções de
voto, ante 13, 1% do trabalhista) e mesmo Tancredo Neves (que
aparecia com 7 ,5%).
O dado mostra, além da popularidade obtida pelo vice
-presidente, a real dimensão popular de Tancredo Neves, cuja mis-
tificação como salvador do futuro do país iniciaria apenas após
a derrota da Emenda pelas Diretas 38 • Ao longo do ano de 1984,
ano-chave da complicada política brasileira, Aureliano Chaves foi
considerado um fortíssimo candidato ao Planalto.
O desgaste de sua imacrem
b
tem a mesma origem que.

acometeu a campanha de Ulysses Guimarães: a população vincu-


lou-os ao fracasso do governo Sarney, não ao eventual sucesso na
transição conservadora do regime militar para a democracia. Na
verdade, talvez os tenha culpado por isso também, pela incomple-
ta, amedrontada e elitista estratégia de retorno ao Estado Demo-
crático de Direito.

Brizola no Palanque da Rede Globo


Em 1989, ao contrário das demais emissoras de televisão,

37 VIEIRA , Soraia Marcelino. A cleiç:io do fuwro: 1989 votando para mudar.


Diss.:,rtaç:io apresentada ao Curso de Pós- Graduaç:io cm Ciência Política da Universidade
Federal Fluminense - UFF, como requisito parcial para a obtenç:io do Grau de Mestre.
Niterói, 2006. Disponível: http://www.livrosgratis.com.br. Acesso em 20 set. 2014.
38 JORNAL O GLOBO, p. 4,12 mar. 1984.

53
a Rede Globo não realizou debates. Na verdade, convidou os prin-
cipias candidatos para um programa de entrevista, em que os polí-
ticos seriam sabatinados por uma bancada de jornalistas.
O "Palanque Eletrônico" não foi um programa de sucesso.
Suas entrevistas, quase irrelevantes. Com exceção de dois encon-
tros: o primeiro, com Leonel Brizola, ocorrido a 7 de setembro,
exatos dez anos após a volta do candidato ao Brasil, quando cum-
priu, entre 1964 e 1979, 15 anos de exílio imposto pela ditadura
militar.
Esse não foi o único ingrediente histórico daquela noite.
Adversário eterno das Organizações Globo e de Roberto Marinho,
como se comportaria Brizola no palanque global? Para entrevis-
tá-lo foi formada uma bancada com os principais jornalistas da
emissora: Alexandre Garcia, Carlos Monforte e Lilian Wite Fibe.
O sociólogo Betinho também participou, como representante dos

/ movimentos sociais.
A entrevista foi morna até quase o final, quando Brizola
afirmou que haveria, na verdade, duas eleições ocorrendo. Uma
"formal, legal, onde estamos todos nós, os candidatos a presiden-
te, com 30% de comunicação com o povo brasileiro. E, do outro
lado, tem um candidato que não vem para os debates e que está
apoiado pela rede de emissoras que tem 70% de audiência, que é
a Rede Globo" 39 •
Em seguida, ironicamente, lembrou a marca dos 10 anos
de volta do exílio: "Eu cheguei a ter ilusão, quem sabe lá o Alexan-
dre (Garcia), aqueles jornalistas, aqueles profissionais de nível tão
alto, tão elevado, vão me dar até uma surpresa por eu fazer estes
dez anos, trazer o candidato da Globo para cá, para nós fazermos
um debate com ele" 40 •
Há trechos dessas falas disponíveis no site de vídeos You-
Tube. Contou-se, após o debate, que a jornalista Lilian Witte Fibe

39 FOLHA DE SÃO PAULO, p. B2, 8 ser. 1989.


40 Idem

54
teria se proposto a rebater as acusações de favorecimento a Collor,
sendo impedida pela direção da Rede Globo. O fato é que a ccm-
testação a Brizola não partiu dela, mas de Alexandre Garcia, que
afirmou brevemente que a "Rede Globo não apoia qualquer dos
candidatos". A defesa global só veio após mais uma dura acusação.
Disse Brizola: "É claro que ele (Collor) está apoiado (pela
Rede Globo). Eu mostrei a vocês esta estatística aqui, ele compa-
receu 138 minutos na Rede Globo no mês de julho, e o Brizola
só teve 12 (minutos). Só teve 12. Quer dizer, o próprio senhor
Roberto Marinho apoia esse candidato. Então, que bom seria se
trouxesse esse candidato a um debate conosco. Trouxesse, o obri-
gue, dizendo: 'Olha, se você não for para o debate, não aparece
mais aqui. Fica que nem o Brizola"' 41 •
O outro "Palanque Eletrônico" a gerar repercussão foi
com Fernando Collor. A própria equipe de Collor teria achado
boa a performance de Leonel Brizola. Também viram uma banca-
da de jornalistas "acuada" pelo trabalhista. Collor foi ao programa
na noite\.le 8 de setembro, e ironizou as acusações de Brizola.
Ao ser questionado pelo jornalista Clovis Rossi (da Folha
de SP, convidado para aquele Palanque Eletrônico) sobre as razões
pelas quais teria "fugido de todos os debates", o candidato do PRN
respondeu: "Essa questão dos debates é a mesma coisa que, por
exemplo, um time qualquer, o ltagiba, do Rio Grande do Sul, que-
rer disputar a final do campeonato com o Grêmio, com o Interna-
cional. Isso não é possível".
ltagiba é o nome pelo qual a familia chamava Brizola
quando criança.

Começa o Horário Eleitoral Gratuito


Os programas de rádio e televisão entraram no ar duas ve-
zes ao dia, a partir de 16 de setembro de 1989. Na televisão, às 13h e
às 20h30. No rádio, os programas eram transmitidos às 7h e às 20h.

41 Idem
55
O horário eleitoral seria a última grande chance para os candida-
tos alcançarem o segundo turno.
Abaixo, o espaço que cada candidato tinha para expor
suas propostas:

Tempo no Horário
Candidato Coligação Eleitoral Gratuito
Movimento Brasil Novo 10 m·1nutos
Fernando Collor de Mello (PRN) (PRN, PSC, PTR, PST)
Frente Brasil Popular 10 minutos
Luiz Inácio Lula da Silva (P"T) (PT, PSB, PCdoB)
ALiança Liberal 10 minutos
Guilherme Afif Domingos (PL) (PL, PDC)

Ronaldo Caiado (PSD) Unidade Cidade-Campo 5 minutos


(PSD, PDN)
Leonel Brizola (PDT) - 10 minutos
Mário Covas (PSDB) - 13 minutos
Paulo SaLim Maluf (PDS) - 10 minutos
Ulysses Guimarães (PMDB) - 22 minutos
Roberto Freire (PCB) - 5 minutos

/ AureLiano Chaves (PFL)


Affonso (amargo Neto (PTB)
-
-
18 minutos
10 minutos
Enéas Ferreira Carneiro (PRONA) - 30 segundos
José Alcides M de Oliveira (PSP) - 30 segundos
Paulo ContiJo (PP) - 30 segundos
Zamir José Teixeira (PCN) - 30 segundos
Lívia Maria Pio (PN) - 30 segundos
Eudes OLiveira Mattar (PLP) - 30 segundos
Fernando Gabeira (PV) - 30 segundos
Celso Brant (PMN) - 5 minutos
Antmio dos Santos Pedreira (PPB) - 30 segundos
Manoel de O. Horta (PDCdoB) - 30 segundos
Armando Corrêa da Silva (PMB) - 5 minutos

56
8. Outubro de 1989

Nanicos
O mês de outubro foi marcado pela primeira concessão
de direito de resposta por parte do TSE a um candidato em cam-
panha presidencial na história das eleições à presidente da Repú-
blica. Por decisão da Justiça Eleitoral, ocorrida a 3 de outubro, o
candidato Antônio Pedreira, do PPB, perdeu parte de seu tempo
no rádio e na televisão para Fernando Collor de Melo.
Pedreira havia acusado o candidato do PRN de "realizar
campanha com dinheiro roubado do povo alagoano", pois queria
"alucinadamente galgar a presidência para assaltar de modo vil o
povo brasileiro". A diatribe de Pedreira custou cinco minutos do
já parco tempo de que dispunha. A imprensa noticiou que um dos
ministros do TSE chegou a sugerir que, em função das acusações
do PPB, o programa fosse permanentemente tirado do ar. Um exa-
gero que acabou não sendo respaldado pelo restante dos membros
do Tribunal.
Antônio Pedreira entrou para a história das eleições, não
elo jeito mais glorioso. Era um dos candidatos que recebiam o
apelido de "nanicos". Havia vários outros. Alguns ganharam certa
projeção e sobrevida na política brasileira, permanecendo como
políticos bons de voto. Três se destacaram: Enéas Carneiro, do
PRONA; Fernando Gabeira, do PV; e Ronaldo Caiado, do PSD.
Talvez o maior caso de sucesso tenha sido Enéas Carneiro,
com seu PRONA, Partido de Reconstrução da Ordem Nacional.
Naquele ano, poucas siglas diziam tanta coisa. Ao aparecer ao lon-

57
go da campanha de 1989 no programa Jô Soares Onze e Meia,
então no SBT, Enéas marcou seu estilo: nacionalismo, ordem,
mensagens curtas e um considerável carisma pessoal.
Promessa de um governo puramente técnico, sem conces-
sões à política: uma plataforma tida por muitos como autoritária
demais para um país que, menos de cinco anos, havia se livrado de
uma ditadura militar. Seu bordão "Meu nome é Enéas" foi a gran-
de frase-feita de toda a campanha. Além de possuir uma oratória
vibrante, Enéas foi, de certa forma, "aceito" pelo sistema político
por ter uma história pessoal valiosa, fundida em valores caros ao
povo brasileiro; era o menino pobre do Norte do país (Acre) que
conseguiu se formar médico no Rio de Janeiro, onde construiu
uma importante reputação como cardiologista e professor univer-
sitário. Nenhum outro dos nanicos possuía um lastro tão formidá-
vel na vida pessoal.
O tempo no rádio e na televisão era distribuído em função
das bancadas partidárias, na Câmara Federal, sistema que preva-
lece até hoje. Como o PRONA não possuía representação, Enéas
surgia em aparições de poucos segundos, com barba de profeta e
uma voz cavernosa que se despedia com o clássico "Meu nome é
5néas".
Intelectuais e políticos ligados à esquerda temiam que
êquele carismático político pudesse arrebatar multidões de eleito-
:es confusos com tudo o que havia ocorrido na década de 1980.
3m 1989, o candidato do PRONA terminou em 12° lugar na cor-
rida presidencial com 360.561 votos.
Ao contrário dos outros nanicos, Enéas concorreu mais
duas vezes à presidência da República, em 1994 e 1998, alcançan-
do resultados interessantes: em 1994 fez mais de quatro milhões
de votos e ficou em terceiro lugar, à frente de candidatos com má-
quinas partidárias muito mais poderosas, como Orestes Quércia e
Leonel Brizola.
Em 1998 fez um milhão e meio de votos, e sua estrela
começaria a se apagar. No entanto, ainda veríamos seu poder na

58
eleição de 2002: com o mesmo um milhão e meio de votos, não
apenas se elegeu o deputado federal mais votado do país, como
carregou consigo meia dúzia de correligionários com menos de
1.000 votos à Câmara Federal.
Enéas Carneiro faleceu em 7 de maio de 2007, quando
cumpria o segundo mandato de deputado federal. Seu partido de
origem, o PRO NA, não existe mais, fundiu-se com o PL e formou
o Partido da República.
Fernando Gabeira, por sua vez, chegava a 1989 com uma
impressionante biografia. Ex-guerrilheiro, tendo participado do
sequestro, em 1969, do embaixador dos EUA no Brasil, Gabei-
ra tinha uma história de militante político radical, mas mudou
seu perfil público desde o retorno ao Brasil, com a lei da anistia,
em 1979. Nesses 10 anos, amenizou o antigo discurso ao mesmo
tempo em que construiu um novo, baseado em temas ainda não
muito afeitos à política partidária, como a legalização das uniões
homossexuais, a liberação da maconha e a luta ecológica.
Podemos dizer que os leitores brasileiros - muito mais do
que os (e)leitores - sofreram grande influência do livro "O que é
isso, companheiro?", lançado por Gabeira em 1979. Em seguida,
filiou-se ao Partido dos Trabalhadores, pelo qual concorreu ao go-
verno carioca em 1986. Após, foi para o Partido Verde, voltou para
.o PT e, ao longo do governo Lula, foi para a oposição, novamente
no PV, embora o partido tivesse continuado na base aliada do
governo petista.
Em 2006, foi o deputado federal mais votado do Rio de
Janeiro. Por muito pouco não venceu a eleição para prefeito da
capital fluminense.
Sobre Ronaldo Caiado, é difícil explicar o que significa-
va um representante da União Democrática Ruralista (UDR) na
campanha de 1989, ainda que o partido de Caiado, de fato, fosse
o PSD. A entidade era apontada como a grande vilã dos movi-
1nentos sociais de luta pela terra, e Caiado era seu representante
máximo.

59
Foi tido, ainda em 1988, por um dos sócios do Vox Populi,
instituto de pesquisa de opinião pública, Marcos Antônio Coim-
bra42, como um dos perfis possíveis de candidatos que poderiam
ocupar um espaço no imaginário político do momento. Jovem, bem-
falante, sem estar, aparentemente, vinculado à política e aos partidos
tradicionais. O apoio da União Democrática Ruralista talvez o tenha
pregado muito à direita do espectro político. Sua campanha não ven-
ceu essa primeira impressão - pelo contrário, reforçou-a. Ia muito
bem nos debates de televisão. Teve um papel de coadjuvante naquele
pleito, mas não passou despercebido.
Provocou um dos momentos mais divertidos ao longo da
campanha: em meio ao debate, na TV Bandeirantes, quando, sendo
insistentemente provocativo em relação a Lula, ouviu do petista: "Caia-
do, quando você chegar a cinco pontos no Ibope, eu te respondo ... "

O comunista e o olhar estrangeiro


A partir de outubro, o principal jornal norte-americano,
The New York Times, passou a dar mais atenção à corrida presiden-
cial no Brasil. O mês começou com uma curiosa reportagem 43 do
correspondente James Brooke. Vendo a eleição pela ótica dos norte
-americanos, chamava a atenção do repórter a desenvoltura com que
transcorria a candidatura do comunista Roberto Freire.
Brooke conta, impressionado, que o candidato do PCB se
reuniu, em um curto espaço de tempo, com bispos da cúpula da
Igreja Católica, com intelectuais de vários matizes ideológicos e com
o dono das Organizações Globo, Roberto Marinho. Brooke comen-
ta que, certa noite, quando Roberto Freire concedia uma entrevista
ao Programa Roda Viva, da TV Cultura, as demais emissoras veicu-
lavam atrações populares, corno comédias e programas de auditó-
rio. Pois, com 23% da audiência, o comunista foi o campeão da
noite.

42 CONTI (1999), op. cit.


43 T!-IE NEW YORK TIMES. ln Brazilian Race, a Communist Stands Out. p. 26,
1° out. 1989.

60
A matéria, provavelmente, diz mais sobre os próprios nor-
te-americanos que sobre a eleição de 1989, mas é interessante per-
ceber o olhar estrangeiro sobre a nossa disputa presidencial. Os
brasileiros estão acostumados a acompanhar eleições norte-ameri-
canas em que apenas dois candidatos têm destaque na imprensa.
No entanto, como ocorreu em 1989 no Brasil, dezenas de norte-a-
mericanos concorrem à presidência da nação, pelos partidos mais
exóticos. O sistema eleitoral norte-americano é que acaba levando
apenas os candidatos republicanos e democratas à possibilidade
real de eleição. É neles que a mídia foca toda a atenção.
Mesmo comunistas podem concorrer ao governo da na-
ção-líder do mundo capitalista, mas jamais um representante do
Partido Comunista teria a visibilidade que Roberto Freire alcan-
çou aqui. Muitas das propostas de Freire expostas naquele distante
1989, sem rodeios, ainda hoje parecem distantes, como a legali-
zação do aborto e a redistribuição de grandes extensões de terras
improdutivas. Mas foi com esse tipo de proposta que Freire cavou
espaço no noticiário brasileiro.
No dia 7 de outubro, em plena Avenida Vieira Souto, no
Rio de Janeiro, um dos metros quadrados mais caros do país, uma
demonstração do fascínio que Freire despertou em algumas cabe-
ças da classe média alta: uma carreata com mais de 500 veículos
coloriu de vermelho a avenida. Freire aparecia no ato bem acom-
panhado pelo ator Mario Lago. Em meio à manifestação, um em-
presário, filiado ao PFL, decidia pelo voto no comunista e falava
ao jornaJ O Globo: "Se um operário pode votar no Collor ou no
Afif, por que eu não posso votar no Freire? 44 "
Mas nem toda essa exposição midiática conseguiu fazer
a campanha de Freire decolar. Pesou contra ele a desconfiança
do eleitorado em relação a seu partido, às suas propostas, e seu
ateísmo. Na maior nação católica do mundo, admitir que não se
acredita em Deus é uma forma segura de perder eleições. Freire,

44 O GLOBO. Caderno País, p. 2, 8 out. 1989.

BIBLIOTECA CENTRAL 61
cl?UGR:S,,1158
na matéria do The New York Times, falou sobre isso e sobre a
contradição entre a ética religiosa professada pelos brasileiros e
a realidade da sociedade daquele final dos anos 1980: "A grande
massa de brasileiros se diz católica. Apesar disso, a sociedade é
perversa e perpetua grandes injustiças sociais".
No dia do primeiro turno, 15 de novembro, o jornal Fo-
lha de São Paulo publicou matéria 45 em que o bispo da cidade de
Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, foi chamado a opinar so-
bre o processo eleitoral. Segundo dom Boaventura Kloppenburg,
a campanha foi um "show de democracia para o resto do mundo".
Mas o bispo coloca um porém: a democracia veio "em excesso",
pois "permitiu o abuso indiscriminado dos partidos comunistas,
que usaram a campanha para tentar introduzir uma ideologia que
não funciona no resto do mundo. Eles falam aqui em democracia
e lá fora usam a força".
Por essas e outras, pouco mais de 700 mil eleitores de-
positaram cédulas com o nome de Roberto Freire nas urnas. O
comunista fez cerca de 1% dos votos. Em seguida, proporia a tro-
ca do nome "Partido Comunista Brasileiro" por "Partido Popular
Socialista" e se afastaria das teses defendidas naquela interessante
/ campanha de 1989.

Religião e eleição presidencial


No dia 5 de outubro de 1989, o candidato do PDS, Paulo
Maluf, junto com correligionários, foi convidado a se retirar de
uma celebração religiosa na Basílica de Canindé, no Ceará. O re-
ligioso que orientava a pregação, frei Batista, solicitou a saída do
candidato afirmando que ali era um lugar de fé, não de política.
Cinco dias depois, na Basílica de Aparecida, em São Paulo, um
dos principais centros de culto católico no país, a cena se repetiu.
Maluf havia se sentado junto ao altar com uma série de apoia-
dores. O reitor da Basílica, padre Alberto Pasquoto, indignado,

45 FOLHA DE SÃO PAULO, p. 15 nov. 1989.

62
ordenou que o candidato fosse se sentar junto aos demais fiéis4 6•
Não foram cenas raras ao longo da campanha de 1989,
mas não se pode dizer que as atitudes de frei Batista e do padre
Pasquoto tenham sido o padrão seguido por religiosos. Religião e
política se misturaram profundamente naquele pleito.
As ligações entre candidatos e padres, bispos, pastores ou
mesmo entre partidos e a cúpula das Igrejas ocorreram de várias
formas. Entre os postulantes à presidência melhores colocados nas
pesquisas de intenção de voto, não houve um que tenha deixado
de lado alguma visita a templo religioso, das mais diversas confissões.
Esse foi o caso de Leonel Brizola, que em setembro conse-
guiu uma audiência com o Papa, em Roma, no que foi duramente
criticado por Lula em comício no Rio de Janeiro: "Brizola metia o
pau na Igreja, na CUT e, de repente, foi ao Papa utilizá-lo na cam-
panha eleitoral. Ele critica a Igreja de dom Paulo Evaristo Arns, de
dom Hélder, de Leonardo Boff, e foi ao Papa pela Igreja de dom
Eugênio Sales". Sales, citado por Lula, era um dos maiores repre-
sentantes do clero conservador no Brasil, e mesmo na América
Latina.
Mas não foi só aos católicos que Brizola fez sua corte. Em
outubro, o trabalhista participou, no Rio de Janeiro, de cerimônia
do Yom Kipur, que celebra o perdão para os judeus. Uma semana
antes havia se encontrado com pastores evangélicos da Assembleia
de Deus 47 •
Mas, ao longo do pleito presidencial, o grande tema envol-
vendo religiào e política foi a ligação entre alguns bispos e comuni-
dades eclesiais de base, católicas, com a candidatura de Lula, que
foi criticada por quase todos os adversários do petista e por muitos
membros da própria cúpula católica. A campanha petista contou
com o apoio, aberto ou velado, de três figuras proeminentes da
Igreja Católica. O primeiro, dom Luciano Mendes de Almeida,

46 Idem, p. IH, 10 out. 1989.


47 Idem.

63
presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
não abriu voto para Lula, mas defendeu a liberdade de manifesta-
ção dos religiosos católicos (padres, freis e bispos).
Dom Paulo Evaristo Arns, histórico arcebispo de São Pau-
lo, com vasto trabalho de apoio aos pobres e aos perseguidos pela
ditadura civil militar (1964-1985), também não falou abertamente
que votaria em Lula, mas deu a entender, em várias ocasiões, que
sua opção seria o ex-torneiro mecãnico 4B. O terceiro nome decisivo
no apoio das altas esferas do catolicismo a Lula foi dom Mauro
Morelli, bispo de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense (RJ).
Em julho, em matéria do Jornal do Brasil 49 , o religioso garantiu
seu apoio a Lula.
Na ocasião, segundo conta a reportagem, não negou a
questão sobre se aceitaria uma indicação para algum ministério
em um eventual governo Lula. Morelli foi um aliado importante
do petista, esteve em atos políticos de campanha e não se intimi-
dou com as ameaças recebidas, via imprensa, de outros importan-
tes bispos do país. Ao participar de um evento no Rio de Janeiro,
que lançava uma frente em prol de Lula, chegou a afirmar que "A
base da minha opção está na Baixada Fluminense. Um mundo em
/ preto e branco, sem a fantasia do colorido. Um mundo verdadei-
ro, da escravidão abolida sem compromisso com a cidadania do
povo negro" 5º.
Não foram poucas as vozes, dentro da estrutura da Igre-
ja Católica, e mesmo da imprensa, que se levantaram contra este
tipo de apoio. Foi o caso de dom Agnello Rossi, cardeal brasileiro
estabelecido em Roma, para quem a Igreja não deveria interferir
nos temas partidários. Em entrevista ao Jornal do Brasil, em 23 de
agosto, o religioso não apenas condena a postura de bispos como
Morelli, mas rebaixa a política partidária: ''A Igreja faz política com
'P' maiúsculo', e não a política do 'p' minúsculo, da política par-

48 FOLHA DE SÃO PAULO, p.BI , 13 nov. 1989.


49 JORNAL DO BRASIL, p. 8, 22 jul. 1989.
50 ldém, p. 8, 23 ago. 1989.

64
tidária". O coordenador de comunicação da CNBB, dom Serafim
de Araújo, segue no mesmo tom crítico: "Não podemos trocar o
antigo curral eleitoral dos coronéis pelo curral eleitoral da Igreja" 51 •
Talvez o mais contundente crítico ao apoio à Frente Popu-
lar tenha sido o bispo de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul,
dom Boaventura Kloppenburg, que recebeu um bom espaço nos
jornais para tratar do tema. No dia em que ocorria a votação do pri-
meiro turno, reportagem do Jornal do Brasil traz o bispo com uma
ameaça: "O apoio a Lula é um ato de indisciplina, porque contraria
o Direito Canônico, o qual pede para que os bispos, e também os
52
padres, não façam qualquer tipo de intervenção partidária" •

Em meio à disputa do segundo turno, o mesmo Kloppenburg,


contraditando, a independência que pregava para a Igreja, afirmou
ao jornal O Globo que "Sou contra o Lula porque não quero um
ditador" 51 •
De parte dos políticos, o mais violento ataque à ligação
entre petistas e Igreja Católica veio de um dos articuladores da
candidatura de Fernando Collor, o deputado federal Nelson Sa-
brá, do PRN do Rio de Janeiro. O caso remonta ao fün do pro-
cesso constituinte que elaborou a Constituição de 1988. Naquele
momento, houve uma discussão entre os deputados envolvendo a
inserção, ou não, da palavra "Deus" no preâmbulo da Carta Mag-
na. O deputado José Genoíno foi contra, o que bastou para que
o deputado do PRN dissesse que Lula e os partidos que o apoiam
são contra Deus e recebem de forma inconcebível o apoio da Igreja
progressista" 54.
Se a base da Igreja Católica e mesmo alguns bispos esta-
vam com Lula, Collor mirou o alto escalão católico e uma figura
mítica para o povo nordestino, o frei Damião. Já no primeiro tur-
no, o candidato do PRN conseguiu o apoio do capuchinho, que,

51 Idem, p. 6, 2 nov. I989.


52 FOLHA DE SÃO PAULO, p. B 10, IS nov. 1989.
53 O GLOBO, p. 14, 26 nov. 1989.
54 O GLOBO, p.9, 28 nov. 1989.

65
absolutamente ascético e vivendo uma vida espartana, pregava o
evangelho nos locais mais longínquos do sertão. O apoio desse
andarilho "tão velho e tão santo", como o definiu o fotógrafo Se-
bastião Salgado, não pode ser mensurado, mas obviamente teve
profundo impacto nas populações do Nordeste profundo.
No segundo turno do pleito, Collor buscou contatos
com próceres do catolicismo nacional, como o Núncio Apostó-
lico brasileiro, dom Cario Fumo - que, contudo, não afirmou
publicamente qualquer compromisso com o candidato. Mas é nas
hostes evangélicas que encontramos as principais movimentações
pró-Collor.
Naquele momento, fins de década de 1980, o fenômeno
do crescimento das comunidades evangélicas ainda não estava ma-
peado pela imprensa brasileira. Mas os evangélicos - no caso, os
neopentecostais, vinculados a Igrejas como a Universal do Reino
de Deus e a Assembleia de Deus - atuaram fortemente ao longo
da campanha presidencial. Em 1990, segundo dados do IBGE, os
evangélicos perfaziam entre 9 e 10% da população brasileira, de
145 milhões. Cerca de 15 milhões de pessoas, portanto, um nú-
mero ainda bem distante do censo divulgado em 2010, que mos-
/ tra que o contingente de evangélicos já passa dos 40 milhões de
brasileiros. No entanto, essa movimentação não está muito clara
nos arquivos de jornais e revistas da época. Alguns acadêmicos
trabalharam a questão.
Há um interessante estudo sobre a participação dos líde-
res evangélicos na campanha, com foco no apoio dado ao candida-
to do PRN, Fernando Collor, publicado em 1992, com as tensões
daquela eleição ainda frescas na mente de todos. Em "O Envol-
vimento dos pentecostais na eleicão de Collor" 55 , os autores, Ri-
cardo Mafriano e Antônio Pierucci, expõem por vezes, a virulenta
opção que representantes de igrejas como a Universal do Reino de

55 PIERUCCI, A. F. O. & MARIANO, R. O envolvimento dos pcntecostais na


eleição de Collor. Novos Estudos Ccbrap, 34, p. 92-106, Novembro, 1992. Disponível em
http://migrc.me/lZCHo Acesso cm 29 sct. 2014.

66
Deus fizeram pela candidatura de Collor. O líder maior da Igreja,
bispo falir Macedo, chegou afirmar que "Após orar e pedir a Deus
que indicasse uma pessoa, o Espírito Santo nos convenceu de que
Fernando Collor de Mello era o escolhido" 56 •
A opção de líderes evangélicos por Collor, além de de-
monstrar o apreço pelo candidato do PRN, dava-se em contrapon-
to a uma possibilidade que lhes parecia terrível: a vitória de um
candidato de esquerda. Segundo noticiado no jornal O Estado
de São Paulo 57 , por exemplo, todos os então oito mil pastores da
Igreja Quadrangular receberam uma carta, enviada pelo presiden-
te da Ordem, Eduardo Ezdrogevsc, pedindo que os fiéis fossem
orientados a não votar em Lula, Brizola, Mario Covas e Roberto
Freire. Na carta, o líder justificava; "A esquerda tem dificultado o
nosso trabalho em todo o mundo".

A "onda Afif"
Entre meados do mês de setembro e o início de outubro,
faltando pouco mais de 45 dias para o pleito, um dos competido-
res fez assessores e demais candidatos entrarem em quase pânico.
Guilherme Afif Domingues irrompia de vez na busca pela vaga ao
segundo turno, mas não desestabilizava apenas os dois candidatos
mais próximos à sua frente, Brizola e Lula. O destaque de Afif
ameaçou a campanha de Collor, e foi Collor quem efetuou as mais
pesadas investidas contra ele.
No início do mês de junho, Afif possuía cerca de 1% das
intenções de voto, segundo pesquisa do Ibope. Em meados de se-
tembro, já aparecia em sexto lugar na preferência dos eleitores, se-
gundo dados do Ibope. Estava empatado com Ulisses Guimarães.
No início de outubro, em pesquisa Ibobe divulgada no
dia 4, Afif saltara para o quarto lugar, com 7% das intenções de
voto, desbancando Ulysses e Mario Covas e quase alcançando Pau-

56 Idem.
57 O ESTADO DE SÃO PAULO, p.6, 3 dez. 1989.

67
lo Maluf, que estava com 8%. A ascensão de Afif não parou aí. O
candidato possuía potencial para causar estrago nas grandes can-
didaturas. No dia 7 de outubro, pesquisa do instituto Gallup já o
colocava como terceiro colocado nas intenções de voto.
Afif teria chegado, naquele momento, ao índice de 10,4%
e estaria na cola de Brizola, que caíra de 15,2% para 13,3% de
intenções de voto. Ao mesmo tempo, agora segundo o Ibope, o
até então intocado líder das pesquisas, Fernando Collor, perdera
uma contingente de 3,5 milhões de votos. De 20 de setembro até o
início de outubro, foram 5% de intenções de voto a menos - cada
ponto percentual valia pouca mais de 700 mil votos. Especulava-se
que uma parte desse montante havia escorrido para a candidatura
de Afif Domingues.
Quando as pesquisas de intenção de voto tratavam de
universos mais reduzidos de eleitores, ficavam claros os pontos
geograficamente mais fortes de Afif. Em Minas Gerais estava seu
grande trunfo. No dia 9 de outubro, o Gallup trouxe pesquisa que
o colocava em segundo lugar em Minas, o segundo maior colégio
eleitoral do Brasil.
Na capital, Belo Horizonte, liderava a disputa. Em Brasília
também. Não era pouca coisa. Na região Sudeste, que concentrava
metade do eleitorado brasileiro, estava em terceiro, atrás apenas de
Collor e de Paulo Maluf.
A ameaça era real, e como tal teria que ser combatida pe-
los adversários. Collor, além de atacar seu passado político, fazia
um retrato apocalíptico de um país em que o "centro" poderia se
dividir, abrindo espaço para uma vitória da esquerda: "Se o centro
não se unir no segundo turno o Brasil vai se transformar numa
Roma íncendiada" 58 •
Qual seria o segredo de Guilherme Afif Domingues? Além
de representar um tipo específico de político, seu grande trunfo foi
a elaboração de um dos mais bem acabados programas entre todos

58 VEJA, p. 53, 18 out. 1989.

68
os apresentados no Horário Eleitoral Gratuito. O candidato tinha
grande facilidade com as câmeras, seus publicitários bolaram um
jingle que até hoje está na cabeça das pessoas ("juntos chegaremos
lá/ fé no Brasil/ com Afif Juntos chegaremos lá") e suas falas tra-
ziam uma novidade para as campanhas: a tradução em libras para
os deficientes auditivos.
Afif representava, ainda, um perfil de candidato sem simi-
lar no conjunto de opções oferecidas ao eleitor. Era um homem da
elite, rico, mas tinha toda a aparência de classe média. Criticava o
governo Sarney, como todos, mas parece que sua forma de colocar
a crítica era mais prudente, racional. Afif não seria o presidente a
revolucionar nada, e aparecia como um oásis de tranquilidade em
um país conflagrado.
O candidato liberal também havia sido um hábil político
na construção de uma base de apoio parlamentar que lhe garantis-
se um bom espaço de tempo no rádio e na televisão. A bancada do
PL, entre julho e agosto de 1989, dobrou, passando de sete para
14 deputados, garantindo 10 minutos diários no horário eleitoral
gratuito. Leonel Brizola denunciaria violentamente a estratégia,
quando dois fatos forneceram a oportunidade: o crescimento de
Afif nas pesquisas e a debandada dos deputados que haviam en-
gordado o tempo do PL.
No início de outubro, a bancada do PL voltou a possuir
apenas sete candidatos. Ficava clara a estratégia da campanha de
Afif - os apoios não eram programáticos, envolviam apenas uma
combinação para render mais tempo a Afif. O candidato se disse
surpreso com a debandada 59 e afirmou que, sendo vitorioso, a ban-
cada voltaria a crescer. No entanto, o presidente do PL admitiu cla-
ramente a situação: "A intenção desses deputados foi democrática,
já que a lei é equivocada. O objetivo real era aumentar o tempo
de Afif'.
Brizola, percebendo a ameaça que Afif poderia represen-

59 O GLOBO, p. 5, 1° out 1989.

69
tar ao seu, então, assegurado segundo lugar nas pesquisas, rugiu.
Ameaçou entrar com representação no TSE, denunciando o que
entendeu como "fraude", um falso engajamento para um pragmá,
tico fim. Mas a questão central neste momento de amplo cresci,
mento de Afif é inevitável: como uma campanha tão bem avalia,
da, liderada por um bom comunicador, sai de uma fase de ampla
ascensão e para de crescer, estabilizando-se em cerca de 5% do
eleitorado? A explicação está no próprio Afif.
Quando sua campanha começou a deslanchar, os adver,
sários obviamente foram cutucar seu passado. Não precisaram
ir longe, retrocederam apenas um par de anos, aos trabalhos da
Constituinte que elaborou a Carta Magna.
Três pontos foram levantados. O primeiro ataque, par,
tindo dos candidatos mais à esquerda, lembrava que Afif havia
tirado nota zero pela sua atuação na elaboração da Constituição,
segundo o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parla-
mentar), instituto de análise do Congresso Federal. Entendem-se
as razões do instituto, vinculado aos sindicatos.
Em fala ao jornal o Globo, Afif destacava a necessidade
de reformas na Constituição. O primeiríssimo ponto a que se de-
tém trata de direitos dos trabalhadores. No caso, afirmou que a
Constituição previa seis horas diárias de trabalho (o que não era
verdade), mas que a maioria dos trabalhadores queria era uma
carteira assinada. Ou seja, haveria um "excesso" de direitos que
atrapalhariam a contratação regular de funcionários por parte dos
empreendedores.
Afif Domingues havia votado contra a estabilidade no em-
prego, a jornada de trabalho de 40 horas, o turno de trabalho de
seis horas, o direito de greve e não esteve presente nas votações que
determinaram o salário mínimo e a instituição do dispositivo legal
que garantiria férias com um terço a mais na remuneração dos
trabalhadores. Não foi só.
Outros dois temas foram levantados, em especial pela
campanha de Fenando Collor. Também tratavam do trabalho do

70
Afif constituinte. Além de todos os fatos apresentados, a campa-
nha do PRN passou a utilizar um recurso que se tornaria comum
naquela e em outras eleições.
O programa de Afif seguia o de Collor na ordem de exibi-
ção televisiva. Nos últimos segundos da propaganda do PRN, uma
voz, sem identificação com a campanha de Collor, narrava, em off
- "E agora, com vocês, o candidato que votou contra o voto aos 16
anos " .
Nas imagens, uma mão tinha uma cédula de votação
arrancada por outra mão. Em seguida, iniciava a campanha de
Afif. Um impactante efeito televisivo. Na verdade, a campanha de
Collor tratava do fato de que Afif não esteve presente nas votações
que estabeleceram o voto facultativo para jovens com mais de 16 e
menos de 18 anos. Afif chegou a ameaçar com o ingresso de ação
contra o PRN no TSE, o que não ocorreu.
Mas a crítica mais demolidora ainda viria. Utilizando um
recurso pouco comum para aquele estágio da televisão brasileira,
Guilherme Afif Domingues traduzia suas falas em linguagem de
sinais. Assim, contemplava um amplo eleitorado de pessoas com
deficiência auditiva, num simpático e solidário gesto - que, no
futuro, seria uma obrigação expressa na legislação eleitoral, mas
o passado constituinte de Afif estragou mais esta boa estratégia
política.
Ou seja, ao longo da elaboração da Constituição, con-
forme noticiado pelo programa do PRN, ele não esteve presente
em nenhuma das votações que visavam a ampliar os direitos das
pessoas com deficiências. Em conjunto, esta "biografia" exposta
duramente em forma de ataque político-eleitoral marcou profun-
damente a campanha do candidato liberal, minando-lhe as chan-
ces de um segundo turno.
Guilherme Afif Domingues faria, em 15 de novembro,
3,2 milhões de votos (4,5%), ficando com o sexto lugar na corrida
presidencial. Seguiria uma bem-sucedida carreira nas associações
de empresários do Sudeste e não voltaria a concorrer à Presidên-

71
eia. Em 2010, foi eleito vice-governador de São Paulo, na chapa
encabeçada por Geraldo Alckmin (PSDB). Nas incríveis voltas da
política brasileira, tornar-se-ia aliado da presidente petista Dilma
Rousseff que, em maio de 2013, o nomeou ministro-chefe da Se-
cretaria da Micro e Pequena Empresa.
Por seu intermédio, e lembramos apenas como curiosida-
de, uma peculiar personagem entrou, via imprensa, na casa dos
brasileiros. Foi a vidente Neila Alckmin que, em programas de
auditório, especialmente no de Nei Gonçalves Dias, da TV Ban-
deirantes, e de Hebe Camargo, no SBT, previu a vitória de Afif
Domingues. Eram os anos 80, e esse tipo de atração valia ouro
para as empresas jornalísticas ligadas ao noticiário sensacionalis-
ta. Quando da agonia terminal de Tancredo Neves, em 1985, a
vidente já havia ganhado projeção por supostamente ter acertado
previsões sobre a deterioração do estado de saúde do presidente.
Em 1989, Neila novamente encantou o noticiário sobre o
pleito e se tornou figura valiosa nos programas de televisão. Algu-
mas semanas depois, já a caminho do ostracismo midiático, Neila
/ profetizou um atentado contra Fernando Collor de Melo, que foi
levado a sério por todos, menos pelo candidato. Collor em mo-
mento algum deixou de lado as acrobáticas travessias e subidas
de palanque em meio às multidôes que o idolatravam como a um
astro de rock.

Os 800 mil de Maria Amato


No dia 12 de outubro, uma quinta-feira, a capa do Globo
estampou uma profecia catastrófica, emitida pelo presidente da
poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp),
Mario Amato. Segundo o empresário, em caso de vitória de Lula
no pleito de 89, mais de 800 mil empresários deixariam o país.
Na reportagem, Amato afirma: "Lula é um homem honesto, bem
intencionado e tem o direito de concorrer, mas suas propostas são
atrasadas. Lula é contra a participação de capital estrangeiro no
desenvolvimento do país em uma época em que até os países co-

72
1,

munistas procuram atrair investimentos estrangeiros" 6º. Naquele


momento, segundo dados do IBGE, o Brasil possuía pouco menos
de 2 milhões de empresários61.
Amato fez uma referência à história de Portugal para re-
feremlar o número lançado. Em 1974 ocorreu no país lusitano a
Revolução dos Cravos, encerrando o período colonial português,
que perdeu a posse secular de vastas extensões de terras e povos no
continente africano.
Em seus primeiros meses, a Revolução teve grande con-
.
teúdo socialista. Em funcão disso cerca de 80 mil empresários
)

deixaram Portugal. "Calculo que aqui O número de empresários


que fugiriam não seria menor que 800 mil, além disso deixaríamos
de ter investimentos dos países desenvolvidos".
Além de profetizar uma tragédia praticamente implausí-
vel, Amato usava o verbo "fugir", como se Lula fosse, eventual-
mente, chegar ao poder pelas armas e não pelo voto, que era a
possibilidade aberta pelo pleito de 1989. A frase entrou para o
anedotário da política e expressou, ainda que em cores irreais, ª
profunda aversão de boa parte do capital brasileiro ao candidato
do PT.
As reações não tardaram. Lula, no domingo, 15 de ou-
tubro, no mesmo O Globo, declarou que o crescimento de sua
candidatura, que o levaria à vitória "começa a impulsionar a chan-
tagem psicológica e politica da classe dominante, feita através da
declaração do presidente da Fiesp, Mario Amato, de que os empre-
sários deixariam o Brasil se o PT ganhasse".
Lula foi mais longe nos dias seguintes. Falando, no dia 17
de outubro, para cerca de 80 mil pessoas na Cinelândia, mandou
mais um recado ao presidente da Fiesp: "Os empresários que qui-
serem ir embora farão menos falta do que a classe trabalhadora.
Eu diria para o Amato que o lugar dele não deveria ser na presi-

60 O GLOBO, p. 3, 12 out. 1989.


61 FOLHA DE SÃO PAULO, p. 136, 1989.

73
dência da Fiesp, porque ele não está preparado psicologicamente
. numa cl'mica
para exercer a função, e sim . el e repouso "67·.
Por parte do empresariado, a recepção à frase de Amato
também gerou críticas. Segundo a colunista política do jornal O
Globo, Tereza Cruvinel, grandes nomes do empresariado brasilei-
ro teriam avaliado que a frase teria dado mais gás à campanha
petista. Segundo a jornalista, um "peso-pesado" da indústria teria
questionado; "Onde já se viu dar carne assim ao leão?" 63 •
Não apenas o grande empresariado retrucou Maria Ama-
to. Os empresários vinculados ao Pensamento Nacional de Bases
Empresariais (PNBE) reagiram asperamente à fala do presidente
da FIESP. Um de seus membros, Oded Grajew, disse que o Amato
estava "fazendo jogo sujo com a democracia" e que "Pelos progra-
mas de governo dos candidatos dá pra perceber que todos falam
em fortalecer o mercado interno, ou seja, qualquer empresário que
estiver disposto a investir no país poderá ganhar muito dinheiro 64 ".
O interessante é que uma diáspora, semelhante em núme-
ro, mas diferente em personagens, ocorreu logo após a vitória de
Fernando Collor. Estima-se que entre 800 mil e um milhão de bra-
/ sileiros deixaram o país após o início do governo Collor, em março
de 1990. Eram, em geral, jovens, e procuravam oportunidades de
trabalho longe de um país em profunda recessão econômica. Mais
de 10 anos depois, Amato fez uma autocrítica em relação à frase
que o marcou para sempre: "Acho que fui um velhaco. Não velha-
co, fui maldoso e não fui leal" 65 •

Afif estanca, Color cai. Inicia a "onda Lula"


Mas o que estava, realmente, motivando tais declarações
de um dos representantes da principal federação da indústria bra-
sileira? Dois movimentos relacionados às pesquisas de intenção

62 JORNAL DO BRASIL, p. 8, 18 out 1989.


63 O GLOBO, p. 2, 14 out 1989.
64 FOLHA DE SÃO PAULO, p. 136, 17 out1989.
65 UOLFOLHA. Disponível: wwwl.folha.uol.corn.br. Acesso cm 9 ser. 2014.

74
de voto: 1) Fernando Collor vinha apresentando um viés de que-
da desde o início do Horário Eleitoral Gratuito. 2) Essa queda
ocorria concomitantemente à ascensão do candidato petista, Luiz
Inácio Lula da Silva.
Collor, segundo pesquisa lbope de meados de outubro,
ainda permanecia em primeiro lugar nas pesquisas de intenção
de voto, e distante dos concorrentes mais próximos. No entanto,
em relação às enquetes de início de setembro, cerca de 10% de
seu eleitorado havia evaporado. Ou seja, em seis semanas, Collor
perdera em torno de sete milhões de votos, mais de um milhão
de eleitores a cada sete dias. E isso com um caro e bem produzido
programa de rádio e televisão no Horário Eleitoral Gratuito. Sua
queda ao longo da propaganda gratuita no rádio e na televisão
acabou por destruir alguns dos mitos que foram se formando ao
redor da figura de Collor de Mello.
O principal aponta o candidato do PRN como um gê-
nio no trato com a televisão, veículo que Collor dominaria como
nenhum outro candidato daquele pleito. Não era verdade. Afif
Domingues, para ficar em apenas um exemplo, era muito mais efi-
ciente que Collor em suas aparições na televisão. E, em conjunto,
a propaganda política no Horário Eleitoral da campanha petista
foi superior às demais.
Collor foi extremamente eficaz no período anterior à cam-
panha eleitoral. Isso abrange um longo período, que começa em
1987 e segue até abril de 1989. Sua campanha nadou de braçada
especialmente nos quatro primeiros meses do ano eleitoral, quan-
do saiu de patamares de 6% a 9% das intenções de voto para cerca
de 40%. Quando os espaços de rádio e televisão foram concedidos
também aos seus adversários, o candidato parou de falar sozinho
e seu programa não conseguiu sustentar o crescimento dos índices
de intenção de voto.
Antes do horário eleitoral, quando a assessoria de Collor
produzia pautas fartamente aproveitadas pela imprensa, e que o
identificavam como o novo e agressivo ator da política brasileira,

75
sua candidatura chegou ao céu.
Quando os outros políticos chegaram à disputa, também
eles puderam influenciar os meios de comunicação. Pode-se dizer
que Collor correu meia maratona sozinho, e uma maratona es-
tranha. Por mais que o candidato do PRN fosse o único a correr,
quem perdia o fôlego eram os que estavam do lado de fora.
A queda de Collor foi repercutida pela imprensa brasilei-
66
ra, mas foi o jornal norte-americano The New York Times que
anteviu com mais acuidade o segundo turno que se avizinhava, em
que Collor e Lula se defrontariam. Novamente, como já fizera no
caso envolvendo a candidatura Roberto Freire, o enviado James
Brooke leva a matéria para a oposição capitalismo-comunismo. Na
matéria, a então prefeita petista de São Paulo, Luiza Erundina,
vira uma "marxista" e o PT um partido "fortemente influenciado"
pelo marxismo.
Não se pode negar a influência do marxismo junto aos
intelectuais petistas, mas o correspondente levava tal vinculação
a um nível caricato. Lula nunca se colocou como um candidato
.// marxista. Ao procurar referências para a matéria, Brooke reproduz
comentário de um dos mais importantes sociólogos brasileiros, o
tucano Fernando Henrique Cardoso, que governaria o país entre
1995 e 2003.
Para Cardoso, uma das características do eleitorado brasi-
leiro era ser "enormemente flutuante". Quase no fim da matéria do
The New York Times, o repórter expõe o que parecia uma preocu-
pação especifica dos norte-americanos quanto à eleição: o pagamen-
to da dívida externa do Brasil, naquele momento avaliada em 120
bilhões de dólares. Na verdade, era uma pauta que interessava a um
tipo de norte-americano bem mais específico: os banqueiros credores
do Brasil. Nesse sentido, Brooke destaca que, com exceção de Collor,
os demais candidatos trabalhavam com a possibilidade de que algum
tipo de moratória à dívida fosse posto cm prática.

66 THE NEW YORK TIMES. Lcadcr falis back in hr;izilian rac.:,. 17 out. 1989.

76
Voltando a Lula, o que poderia explicar seu rápido cres-
cimento no início do mês de outubro? O candidato petista, ao
contrário de seu adversário na luta pelo segundo lugar, Leonel Bri-
zola, não possuía áreas do país onde era líder inconteste, como o
trabalhista no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. No entanto,
detinha um potencial de crescimento mais homogêneo em todas
as regiões do país.
Mas o principal fator parece estar no Horário Eleitoral
Gratuito: os programas petistas conquistaram a audiência. O dou-
tor em ciência política Nilo André Plana de Castro67 destaca a
importância da estética televisiva como elemento a influenciar o
eleitorado.
A Rede Globo de televisão apresentava, naquele final de
anos 1980, um padrão de qualidade de imagem e produção que a
aproximava das grandes redes dos países mais ricos, como as nor-
te-americanas ABC e CBS. As audiências globais ultrapassavam
tranquilamente o índice de 60%. Alguns de seus programas, como
as novelas, principalmente em seus capítulos finais, levavam 80%
a 90% do público brasileiro para frente das televisões.
Tendo em conta esse estupendo poder de comunicação
ela maior rede de televisão, a produção petista criou a Rede Povo.
Segundo Castro, a equipe de Lula parodiou a programação glo-
bal. Colocou as mensagens político-eleitorais que a Frente Popu-
lar queria transmitir numa roupagem de Rede Globo. Inclusive,
muitos artistas da própria Globo, apoiadores de Lula, apareciam
nos programas petistas. Para ficar em apenas um exemplo, naquele
final de anos 1980, um programa de humor estava revolucionando
o gênero na televisão: TV Pirata. Vários atores do show televisi-
vo apareciam em esquetes dentro da programação da Rede Povo,
como Guilherme Karan e Cristina Pereira.
O fato é que Lula emergia com força para disputa pelo
segundo lugar. E, se a possibilidade de um segundo turno entre

67 Entrevista concedida ao autor.

77
Collor e o esquerdista Leonel Brizola já assustava uma parcela da
elite brasileira, a perspectiva de Lula na disputa final parecia uma
tragédia. A revista Veja de 18 de outubro (menos de um mês do
pleito) dedicou uma capa ao crescimento do petista. Ali, seguem-
se vários depoimentos de importantes comerciantes, industriais e
produtores rurais lamentando a subida do petista nas pesquisas.
Eventualmente, pareciam fechar a mente à possibilidade de Lula
governar a nação. Foi o caso de um "importante banqueiro" que
disse "Tudo menos Lula". Até onde iria esse "tudo" em um país
traumatizado por mais de 20 anos de ditadura militar?
A edição da Veja, com a exposição da preocupação de al-
guns capitães de indústria brasileira é antológica na variedade de
medos que relata. Seguem alguns: "É um fato que, com o Brizola,
dá pra trabalhar, porque ele defende o capitalismo e a livre iniciati-
va. Já com o Lula é diferente" 68 ; "O candidato do PT é ainda mais
nocivo que Brizola porque segue as normas de um comunismo fora
de moda" 69 ; "Não acredito que o Lula ganhe as eleições. As ideias
do PT são tão primárias que podem prejudicar a recuperação da
economia mesmo que o Lula não passe do primeiro turno" 70 • Na
semana anterior, a mesma publicação havia trazido impressão se-
melhante de outro peso-pesado, agora do mundo financeiro. Disse
o presidente da Bolsa de Valores de São Paulo, Eduardo Azavedo:
"Se tivesse que optar entre Lula e Brizola, optaria por Brizola. Ele
é o menos ruim" 71 •
Mas a própria revista Veja se encarrega de colocar o ter-
rorismo anti-Lula em tintas absolutamente claras. No decorrer da
matéria há a seguinte frase: "Qualquer pessoa que tenha montado
um negócio bem sucedido no país tem motivos até de natureza

68 VEJA. Entrevista de José Carlos Paes Mendonça, dono da rede de supcrmerca-


dos I3omprcço, de PE. p. 47, 18 out. 1989.
69 Idem. Entrevista Carlos Alberto de Oliveira, prcsidente da Associaç.io Comer-
cial do Paraná. p. 47, 18 out. 1989.
70 Idem. Entrevista Olacyr de Moracs, produtor agrícola, rei da soja. p. 48, 18
out. 1989.
71 VEJA. p. 58, 11 out. 1989.

78
pessoal para ficar preocupada com a possibilidade de o candidato
do PT superar o patamar em que se encontra atualmente e realizar
o sonho de chegar lá" 72 •
Havia nessa caminhada de Lula ao segundo turno, um
problema ainda maior que a desconfiança expressa por parte dos
líderes empresariais. Seu adversário pela vaga no segundo turno
estava dentro do mesmo campo ideológico. Lula teria que fustigar
Brizola, e o trabalhista teria que ferir Lula para permanecer em
seu segundo lugar e ir para a disputa final com Collor. O mês de
outubro foi marcado por esse embate e suas consequências.

Debate de 16 de outubro
Em 16 de outubro, na esteira da queda de Collor, da es-
tagnação de Afife do crescimento da campanha de Lula, ocorreu
mais um encontro entre os presidenciáveis, na rede Bandeirantes
de Televisão.
Foi um dos debates mais antológicos da história da polí-
tica brasileiro, atrás apenas do último debate do segundo turno
dessa mesma eleição. O programa, que durou cerca de três horas,
não chegou a ser campeão de audiência, embora tenha registrado
índices consideráveis, dada a complexidade dos temas em pauta.
Em seus melhores momentos, o debate chegou a registrar 11 % da
audiência nacional71. No entanto, o alcance foi muito mais pro-
fundo que o índice alcançado, tendo repercutido por vários dias
em comícios e programas do Horário Eleitoral Gratuito.
O debate foi um marco negativo para três candidaturas.
Em primeiro lugar, para Ulysses Guimarães e Aureliano Chaves.
Os representantes dos dois maiores partidos do país, que forma-
ram a aliança que colocou no poder o primeiro civil após 21 anos
de ditadura, encontravam um miserável cenário eleitoral. Segun-
do a pesquisa Ibope de 11 de outubro, Ulysses possuía 4% das

72 VEJA. p. 49, 11 out. 1989.


73 JORNAL DO BRASIL, p. 5, 18 out. 1989.

79
intenções de voto. No final de julho, havia conseguido 5%, e foi
só. Ulysses não passaria desses percentuais. Já o caso de Aureliano
Chaves conseguia ser ainda mais dramático. O candidato oscilou,
desde junho até meados de outubro, entre 1% e 2% da preferên-
cia do eleitorado. No momento do debate, aparecia com 1% das
intenções de voto.
O resultado desses quadros desanimadores é que nem
Ulysses, nem Aureliano, sequer compareceram aos estúdios da TV
Bandeirantes para debater com seus concorrentes. Simbolicamen-
te, aquele parece ter sido o fim das duas candidaturas.
Entretanto, o caso mais complexo envolveu o presidenciá-
vel do PSDB, Mario Covas. Quem acompanhou o debate viu um
candidato mostrando desânimo e que, em um ato falho, parece ter
escancarado o que pensava da própria candidatura: ao responder a
um questionamento da mediadora do programa, jornalista Marília
Gabriela, Covas disse não saber quem o partido apoiaria num se-
gundo turno. Ou seja, colocou-se, desde aquele momento, fora da
possibilidade de avançar rumo ao Palácio do Planalto.
Não foi só: Covas teve grandes dificuldades com a con-
dução do debate por parte de Marília Gabriela. Como procurava
/ respeitar as determinações da jornalista, falou menos que os de-
mais principais candidatos, que praticamente ignoraram as regras
estabelecidas, invadindo constantemente o espaço dos outros de-
batedores. Segundo avaliou a coluna Informe, do Jornal do Bra-
sil, importante espaço jornalístico sobre os bastidores da política
brasileira, Covas teria "agido como uma virgem em uma casa de
tolerância" 74.
No encontro de 16 de outubro ocorreu o mais famoso di-
álogo, talvez a mais famosa discussão, entre Paulo Maluf e Leonel
Brizola. Foi uma curta troca de frases, que não durou mais que um
minuto e meio. Na verdade, foi um histórico acerto de contas.
Não havia dois candidatos que, em si, carregassem de for-

74 JORNAL DO BRASIL. Coluna Informe Especial, p. 10, 18 out. 1989.

80
ma tão marcante a história dos 25 anos anteriores àquele outu-
bro de 1989. Brizola fora um dos principais atingidos pelo golpe
militar. Maluf, um dos políticos mais beneficiados por ele. Pelo
valor histórico da discussão, reproduziremos abaixo o que cada um
falou. Em reposta à pergunta de Brizola, Maluf inaugura a tensão,
tentando colocar no pedetista a pecha de desequilibrado:

Maluf: "Quero dizer com toda a tranquilidade que não vim aqui
para ouvir baixarias. Vim aqui para debater ideias. Eu vim aqui debater
com pessoas que querem ser candidatos a presidente da República e, por-
tanto, seio obrigados a ter estabilidade. (... ).
Brizola: ... Dá licença, me dá um aparte?
Maluf: Ncio lhe dou aparte porc1ue tenho esse minuto ...
Brizola: ... Não pode dar aparte ...
Maluf: Ncio lhe dou aparte!
Drizola: Ncio clcí porc1ue não pode. Filhote da ditadura!
Maluf: Não lhe dou aparte, o senhor tenha respeito.
Drizola: Filhote da ditadura!
Maluf: Desequilibrado!
Marília Gabriela: Por favor ...
Maluf: Desecjtdlibrado. Passou quinze anos no estrangeiro e ncio
aprendeu nada (/)almas ela plateia). O pior é que ncio esc1ueceu nada, ncio
esqueceu nada! O pior, continuou o mesmo de quando foi, ncio aprendeu
nada.
Brizola (agora falando para a plateia): Malufisws. Filhotes ela
clitadura! Todos engordaram na ditadura!
Marília Gabriela: "Intervalo, por favor."

Em seguida, quando os telespectadores estavam assistindo


ao intervalo chamado pela mediadora, que havia perdido comple-
tamente o controle do programa, a discussão continuou.
Um senhor da plateia fez alusões à cocaína, já que a filha
de Leonel Brizola, Neuzinha, havia tido vários problemas com a
droga. Brizola não se intimidou e seguiu acusando os que o xin-

81
gavam de "filhotes da ditadura". Em seguida, levantou da cadeira,
em um gesto que assustou a todos os presentes. Mas não foi em
direção plateia, apenas se retirou da sala.
à
No retorno do debate ao ar, sua cadeira ainda estava vazia,
embora a imagem não tenha sido mostrada. Alguns acreditaram
que, naquele momento, Brizola havia abandonado o debate. Mas
não, fora ao banheiro. Logo retornaria a seu lugar na bancada.
Ao longo desse mesmo debate Brizola iniciou uma longa
polêmica com o candidato a vice-presidente na chapa de Lula, o
senador gaúcho Paulo Bisol. O pedetista acusou Bisol de possuir
grandes quantidades de terra, que teriam sido compradas com em-
préstimos obtidos junto ao Banco do Brasil. Brizola insinuava um
favorecimento a Bisol, já que este era senador no momento da
concessão dos empréstimos.
A polêmica seguiu até o final do segundo turno e além.
Até a morte de Leonel Brizola, em 2004, Bisol se ressentiu de uma
explicação sobre as razões daqueles violentos ataques, sem encon-
trar resposta por parte do trabalhista. Dois dias após o debate,
Lula chegou a comentar os ataques que recebera do trabalhista:
"Ele tem o vício de levantar falsidades sobre os outros, de achar
que deve reinar sozinho, porque tem um pouco de populismo, de
caudilhismo, o que é normal para um político das décadas de 1940
e 1950" 75 • Também falou sobre a postura de Brizola em relação aos
demais candidatos: "Ele estava descontrolado emocionalmente e
psicologicamente, como uma metralhadora giratória" 76 •
As discussões entre Lula e Ronaldo Caiado também ga-
nhariam um bom espaço na imprensa nos dias posteriores ao de-
bate. Caiado levantou denúncias contra a prefeitura de São Paulo,
administrada pela petista Luiza Erundina. E, em especial, lançou
acusações contra o vice-prefeito paulista, Luís Eduardo Greenhalg,
sem mostrar provas. Caiado também questionou o que, em seu

75 JORNAL DO BRASIL, p. 713, 18 out. 1989.


76 Idem.

82
entendimento, seriam os ·gastos "excessivos" da campanha petista.
Lula respondeu assim: "Tenho certeza que a minha campanha é
mais barata que o cavalo branco que você montou (no Horário
Eleitoral Gratuito)".
Ao término do debate, quase houve agressões físicas entre
Caiado e Greenhalg, que exigia que o candidato do PSD apre-
sentasse provas do que havia dito no programa. As denúncias
gerariam o chamado "Caso Lubeca", que, como veremos, minou
durante certo tempo a campanha da Frente Popular.

Uma vaga para dois


A relação entre Brizola e Lula nunca foi pacífica. Mesmo
no início dos anos 1980, quando o lider trabalhista recém retorna-
va ao país após 15 anos de exílio e Lula ainda nem havia fundado
o PT, os dois raras vezes perdiam ocasião para se alfinetar.
De alguma forma anteviam, um momento como o que
viveriam entre outubro e novembro de 1989. Quem é a esquerda
possível? Quem representa os trabalhadores? Há no amontoado
de críticas que Brizola e Lula trocaram, no entanto, um momento
fundador, mais importante que todos.
Estamos em 1985 e Brizola já havia perdido a sigla do
PTB, fundando o PDT. Governava o Rio de Janeiro e prevendo
uma eleição direta para a presidência da República, mirava o im-
portantíssimo estado de São Paulo, onde tinha pouca penetração.
Lula já era o líder incontestável do PT, embora tivesse sofrido uma
derrota nas eleições para o governo de São Paulo, em 1982. O
partido crescia, lenta e seguramente. Preocupava o PT a ideia de
Brizola ocupar espaço em São Paulo berço do petismo.
Em uma reunião entre petistas, em dezembro de 1985, co-
mentavam-se as articulações de Brizola no terreno do PT. Lula disse,
então, uma frase que pautaria eternamente sua relação com o líder
trabalhista e entraria para a história das violentas agressões políticas
ocorridas no Brasil. O petista disse aos seus: "Para ser presidente da

83
República, Brizola é capaz de pisar no pescoço da própria mãe"77.
Brizola reagiu com veemência, afirmando que "Foi a
maior ofensa a mim dirigida desde a minha volta do exílio" 78 • Não
era pouca coisa. A volta de Brizola ao Brasil provocou calafrios em
militares, empresários, em especial a alguns ligados à comunicação
e políticos que haviam conspirado para o golpe civil militar de
1964 e, em consequência, contribuído para seu longo exílio. Publi-
camente, nenhum personagem desses dissera algo tão rude sobre
Brizola.
O pedetista cobrou uma retratação pública de Lula. O pe-
tista disse que proferiu a frase em um ambiente privado. Brizola
jamais aceitou a explicação. Dias depois afirmou, com certa amar-
gura, sobre o Partido dos Trabalhadores: "Bem, somos primos-ir-
mãos, mas o PT tem nos tratado a cascudos. Mas vamos andando
e as coisas vão dando certo" 79 •
Voltamos a outubro de 1989. Mágoas antigas voltam, e os
dois principais líderes da esquerda brasileira se agridem, no emba-
te há tantos anos marcado. No início de setembro, segundo dados
// do Ibope, Brizola tinha mais que o dobro das intenções voto de
Lula: 14% x 6%. Naquele momento, a ameaça real poderia vir de
Paulo Maluf ou de Mario Covas.
Maluf seria o adversário perfeito para uma reta final de
campanha brizolista - vinculado à direita, à ditadura militar, en-
volto em denúncias de corrupção, era o anti-Brizola completo.
Atacar o candidato do PDS, além disso, não provocaria qualquer
fissura nos partidos à esquerda. Brizola também teve que se pre-
ocupar com o crescimento de Guilherme Afif Domingues, mas o
candidato do PL foi logo abatido pelo seu passado constituinte.
O pior para o PDT aconteceria ao longo de outubro:
Lula crescia lenta, mas seguramente, nas pesquisas. Em meados
de outubro, Lula alcançava 12% das intenções de voto, segundo

77 VEJA, p. 19, 25 dez. 1989.


78 Idem
79 r:OU-IA DE SÃO PAULO, p. 2, 15 dez. 1985.

84
o lbope. Brizola estava com 14%. Havia um empate técnico. Pelo
Datafolha, Brizola aparecia com 13% e Lula com 10%. Pedetistas
e petistas passavam a se enxergar, a um mês do primeiro, não mais
como os "primos- irmãos" classificados por Brizola em 1985. Eram
inimigos em uma batalha mortal, na medida em que ficava claro
que apenas eles poderiam ir para o segundo turno com Fernando
Collor. Uma vaga para dois.
A disputa contaminou as militâncias dos partidos. No dia
7 de outubro, já em ascensão, Lula tentou o que nenhum outro
candidato havia ousado: realizar um ato de campanha na região
mais brizolista de todo o país, a Zona Oeste da cidade do Rio de
Janeiro.
O local escolhido foi Campo Grande. Um considerável
número de petistas atravessava as ruas da região gritando coisas
como "Eu vou entrar de sola/ Eu vou entrar de sola/ Fazer refor-
ma agrária nas terras do Brizola". No palanque, Lula alimentou a
animosidade: "Estamos rompendo a cerca do curral eleitoral da-
queles que querem tratar o povo como gado" 8º. No final do comí-
cio, Lula colocou brizolistas no mesmo patamar de outras candi-
daturas: "Temos que olhar para os brizolistas, para os malufistas,
para os coloristas e dizer que nós somos o país, nós produzimos a
riqueza" 81 • Em comício em Porto Alegre (outro forte reduto brizo-
lista), no dia anterior, Lula já havia afirmando que "Brizola parou
no tempo" 82 •
Leonel Brizo la respondeu a Lula no mesmo tom: "Fana
.
uma ponderação a ele. Não fica bem usar a linguagem de Collor,
da direita, e falar em currais eleitorais. Isso equivale a identificar a
população como gado" 8 '. E avançou, criticando a falta de experi-
ência administrativa do petista, que deveria começar a carreira de
administrador como governador de São Paulo. "O coerente seria

80 O GLOBO, p. 5, 8 out. 1989.


81 O GLOBO, p. 5, 8 out. 1989.
82 Idem, p. 2, 7 out.1989.
83 FOLHA DE SÃO PAULO, p. fll, 10 out. 1989.

85
ele fazer um treinamento comigo", afirmou. Brizola criticou ainda,
em tom irônico, o fato de que Lula já estava há muito tempo longe
do piso da fábrica - longe, portanto, de ser o "trabalhador" que
o nome de seu partido sugeria: "O Lula tornou-se sociólogo, não
tem mais nada de operário. Está até ficando barrigudo, precisa
trabalhar mais" 84 •
Ao longo do último mês de campanha no primeiro tur-
no, as agressões continuaram, com breves períodos de trégua. Lula
chegou a comparar o embate com Brizola a uma partida de futebol
em família. "Irmão não perdoa irmão jogando bola. Eu mesmo
levei muita canelada cio meu irmão Chico. Mas nem por isso a
gente deixa de se gostar e de unir" 85 , afirmou, em comício reali-
zado em Belo Horizonte. O fato é que o mês de pugilato entre os
dois candidatos de esquerda tornou difícil, como veremos, uma
aproximação no segundo turno da campanha.
Abrimos agora um pequeno parêntese para falar de outro
grande nome da política nacional que, no entanto, não disputava
a eleição de 1989: Roberto Marinho, proprietário da Rede Globo
e maior desafeto de Leonel Brizola.
Como editor de O Globo, Marinho escrevia pequenos
textos junto às matérias do jornal, opinando sobre o noticiário
do dia. Quando tratava de Brizola, não dava trégua. Em relação
ao confronto deste com Lula, produziu dois textos que dão bem a
dimensão da liberdade que a imprensa tinha para noticiar o que
desejasse naquela eleição. Nenhum dos textos de Roberto Mari-
nho foi alvo de contestação judicial, nem por parte de PDT e PT,
nem por parte do Ministério Público Eleitoral.
Quando Brizola e Lula ameacaram uma trégua nas agres-
sões e elaboraram planos de apoio mútuo no segundo turno, um
pequeno box estampado da página 5 da edição de 14 de outubro
de O Globo, trazia a opinião de Roberto Marinho: "Brizola é um

84 Idem.
85 JORNAL DO BRASIL, p. 4, 19 out. 1989.

86
desequilibrado emocional, disse Lula. Lula é inexperiente demais
para governar, disse Brizola. Agora um promete ao outro seu voto
no segundo turno. Portanto ambos aceitam que o país seja entre,
gue a uma pessoa sem qualidades essenciais para o posto. Assim,
depois de definições recíprocas, definem-se eles próprios" 86 •
Já nos momentos mais tensos entre os candidatos, Roberto
Marinho pesa ainda mais a mão. Fala de "ataques" sofridos pelos
partidários de Fernando Collor em várias partes do país, patrocina-
dos pela militância do PT e do PDT. Fala que em certo momento a
segurança collorida passou a revidar, numa "justa reação" 87 •
Mas é nas brigas entre petistas e pedetistas que Marinho
foca: "Na presente etapa de campanha, repetem-se as agressões,
mas com um dado novo e esse verdadeiramente inédito: brizolistas
e lulistas se engalfinham uns com os outros, nos seus eventos. Ou
seja: é a primeira vez na história que se registram confrontos de
neonazistas com neofascistas. Sempre foram sócios na truculên-
cia"88. Repetimos, caso o leitor não tenha dado a devida atenção:
Roberto Marinho chamou os militantes do PT e do PDT de "neo,
nazistas" e "neofascistas".

O caso Lubeca
Em meio ao debate de 16 de outubro na TV Bandeiran-
tes, o candidato do PSD, Ronaldo Caiado, insinuou que o PT
teria recebido contribuicões ilícitas para a campanha.
A denúncia aci;rou os ânimos nos bastidore; da rede de
televisão e quase terminou em confronto físico entre o candidato e
o vice-prefeito de São Paulo, Luís Eduardo Greenhalg, que, segun,
do a acusação de Caiado, estaria por trás do que ficou conhecido
como o "caso Lubeca".
Esse caso invadiu as páginas de jornais e revistas em mo-
mento decisivo da campanha petista, quando Lula subiu nas pes-

86 O GLOBO, p. 5, 14 out. 1989.


87 Idem, p. 2, 20 out. 1989.
88 Idem.

87
quisas de intenção de votos e aparecia como o provável adversário
de Collor no segundo turno.
O suposto escândalo envolveria a empresa Lubeca, uma
empreendedora imobiliária comandada pela multinacional argen-
tina Bunje e Bom, e a prefeitura de São Paulo, governada pela pe-
tista Luiza Erundina. Naquele momento, junto com Porto Alegre,
a capital paulista era a "menina dos olhos" das administrações pe-
tistas. Havia sido a grande vitória eleitoral até então, quando Erun-
dina realizou, em 1988, uma surpreendente campanha desbancan-
do Paulo Maluf. Uma acusação de corrupção, justo na principal
bandeira administrativa do PT, ajudaria a minar profundamente
as chances de Lula.
O pivô do caso era um projeto imobiliário pretendido
pela Lubeca em terreno próximo ao bairro do Morumbi, chama-
do Panamby. O empreendimento estaria engavetado na prefeitura
desde a gestão anterior, de Jânio Quadros 89 • E, segundo a denún-
/ cia iniciada por Caiado, a empresa teria oferecido ajuda financeira
à campanha presidencial petista em troca da liberação da obra.
Inicialmente, a gestão Erundina teria fechado as portas a qualquer
possibilidade de liberação do projeto, depois este teria caminhado
pela burocracia da administração municipal.
Os negociadores do apoio da Lubeca à campanha do PT
teriam sido o vice-prefeito Greenhalg e um representante da em-
presa, José Firmino Filho. Dadas as proporções que o caso ganhou
na mídia, o próprio Ronaldo Caiado admirou-se: "Atirei na moita
para acertar um jabuti e matei um leão" 90 •
O fato é que a denúncia sangrou a campanha petista e,
mesmo que não tenha influenciado decisivamente a campanha
presidencial, maculou a imagem do Partido dos Trabalhadores e,
em especial, de Luís Eduardo Greenhalg. Três linhas de investigação
foram abertas. Foi criada uma comissão de averiguação na prefeitu-

89 O ESTADO DE SÃO PAULO, p. 6, 31 out. 1989.


90 VEJA, p. 42, 1° out. 1989.

88
ra, por inciativa de Luiza Erundina, e outra na Câmara Municipal
paulistana, além de ter sido aberto um inquérito policial.
Todas as três investigações foram arquivadas sob alegação
de falta de provas. Quando um juiz determinou o arquivamento
da investigação policial, apenas em 1994, Greenhalg desabafou
amargamente: "Tive prejuízos morais e políticos, tanto que até
hoje a imprensa ainda fala daquele caso. Mas o inquérito da Polí-
cia Federal mostra que a denúncia era falsa" 91 •

91 FOLHA/UOL ONLINE. Disponível: http://wwwl.folha.uol.eom.br/fsp/espe-


cial. Acesso em 13 jul. 2014.

89
9. Novembro de 1989

A quase candidatura Silvio Santos


O programa Sílvio Santos, durante muitos anos, foi o úni-
co rival de fato à programação da Rede Globo. Iniciava às 10h e
terminava às 22h, todos os domingos. Os quadros do programa se
repetiam, mas os telespectadores não desgrudavam do SBT.
Diante disso, foi usando todo o peso de sua audiência e
todo seu charme como comunicador que a candidatura foi gesta-
da. A plateia era muito maior e a mensagem não vinha embutida
em um formato político-eleitoral, mas como entretenimento, em
um ambiente habilmente montado pelo gênio comunicativo do
dono do SBT.
As aparições de Silvio falando sobre a possível candi-
datura podem ser encontradas até hoje na internet, e devem ser
consideradas uma obra-prima de oportunismo político. É funda-
mental lembrar de que não foi apenas a popularidade de Silvio a
explicar o seu sucesso nas primeiras pesquisas como candidato.
Isso foi fruto de um trabalho de divulgação de sua candidatura
feíto à margem do marco legal daquela campanha. Por três finais
de semana consecutivos, foi feita a campanha mais poderosa que
qualquer dos 22 candidatos em disputa, mais forte que até que de
Collor. Ninguém tinha tanto espaço, nem espaço tão nobre, em
rede nacional de televisão. E a decisão de Silvio Santos de entrar
na corrida presidencial tomou ares de conversa ao pé do ouvido
com o povo.

90
O apresentador falava de suas angústias ao embarcar em
tão dura jornada, avançava, retrocedia, e produzia um show de alto
tom dramático, quase um reality no estilo que hoje conhecemos.
Isso ampliou a empatia, a confiança e mesmo a ternura por esse
homem, que, aos olhos do povo, e, claro, de Deus92 , se voluntaria-
va para redimir o país. Em retrospectiva parecia quase inacreditá-
vel que isso tenha dado certo. Pois funcionou.
Em um desses programas93, Silvio faz um histórico da sua
caminhada até a postulação da candidatura à presidência. Nesse
sentido, narra uma conversa com Guilherme Afif Domingues,
ocorrida em agosto, em que, apesar da vontade de participar da
.
disputa, há uma indefinicão sobre se entraria como cabeca de cha- .
pa ou candidato a vice-presidente.
A vaga de vice não interessaria ao apresentador. Mas de-
pois de um tempo, acaba aceitando. No dia seguinte, acorda com
uma carta de lris ao lado da cama. Silvio mostra a carta à plateia,
e a lê: "Se Deus está querendo nos dar essa missão, vamos aceitar.
Até agora Ele tem sido muito bom e não temos razão nenhuma
para não aceitar. Se é isso que Ele realmente quer não vamos de-
cepcioná-lo, né?"
Ao término da carta, lida com todo seu talento para emo-
cionar a plateia, Silvio é aplaudido de pé pelo auditório. A câmera
mostra a plateia se levantando. É a política-show levada às últimas
consequências. Imaginem a situacão ocorrendo nos dias de hoje.
Pois Silvio Santos fez muito mais, do que poderia fazer em breves
quatro ou cinco minutos no horário eleitoral. Dramatizou e tea-
tralizou seus primeiros passos rumo à disputa eleitoral de um jeito
completamente inacessível aos outros candidatos. No entanto, 0
primeiro contato com o PL de Afif não prosperou.
Até hoje, o plano de lançar Silvio Santos como candidato

92 Como é possível conferir, neste vídeo, que integra uma séríe que, disponível no
site YouTubc, conta a trajetória de Sílvio Santos como candidato ú Presidência. Disponível:
https://www.youtube. Acesso em 3 mai. 2014.
93 Disponível: https://www.youtube.com/watch?v~uHfq4zQuUsM. Acesso em
07 mar. 2014
91
aponta o Palácio do Planalto como seu mentor. O presidente José
Sarney, abalado pelas duríssimas críticas que recebia, em epecial de
Fernando Collor, teria insuflado uma candidatura capaz de abalar
seu algoz.
A primeira possibilidade seria a troca de candidato pelo
PFL. Afinal, Aureliano Chaves patinava entre 1 e 2% das intençôes
de voto desde o início do ano. No entanto, o ex-vice-presidente não
deu margem a qualquer negociação nesse sentido. Afirmou, não sem
razão, e por mais de uma vez, que uma eventual renúncia em favor de
Sílvio Santos criaria confusão naquele pleito, por si só já complexo.
Três políticos do PFL, dada a negativa de Aureliano, arti-
cularam um Plano B para o apresentador. Eram eles os senadores
peefelistas Marcondes Gadelha, Hugo Napoleão e Édison Lobão.
Chegaram a ser apelidados, sem muito carinho, de "Os Três
Porquinhos" 94.
Partiu deles a articulação junto ao advogado e obscuro can-
didato do Partido Municipalista Brasileiro (PMB), Armando Correa,
para que entregasse a cabeça de chapa de seu partido a Sílvio Santos.
Não se sabe exatamente quais os termos dessa negociação. O fato é
que Sílvio Santos assumiria a vaga de Correa e c.laria início a uma
alucinada campanha que, em poucos dias, iria embaralhar todo o
quadro sucessório. Foi um corte pequeno, mas profundo, naquele
processo eleitoral. Detalhe: com as cédulas eleitorais já impressas,
Sílvio Santos teria que convencer seu eleitorado a marcar o nome de
Armando Corrêa no dia do pleito.
O jornal norte-americano The New York Times, que até en-
tão cobria com uma espantosa sobriedade a eleição daquele distante
e exótico país tropical, após a entrada de Sílvio Santos na disputa elei-
toral, publicou matéria95 em que parecia reordenar as coisas: ainda
éramos uma República de bananas, e não, como se pretendia por

94 Disponível em http://wwwl.folha.uol.com.br/fsp/podcr/po 1010201001.htm


Acesso cm 4 fcv. 2014.
95 TV Cclébrity Joins Prcsídcntial Race in llrazil. By JAMES BROOKE, Spccial to
The New York Times Published: Novembcr 3, 1989. Disponível cm http://www.nytimes.
com/1989/11/03. Acesso cm 2 fev. 2014.

92
aqui, uma pujante e renascente democracia, destinada a se tornar
uma das maiores do Ocidente.
O correspondente do jornal no Brasil, James Brooke, re-
sumiu assim o programa dominical de Silvio: "jogos, sorteios, ban-
das de samba e mulheres seminuas". O jornalista destaca o quadro
"A Porta da Esperança", contando ser uma atração "de caridade,
que dá cadeiras de rodas para deficientes e ônibus para reunir fa-
mílias separadas". O público seria composto, maioritariamente,
por "1
e onas de casa " e "raparigas ". Mais
· perto elo estereotipo
· . 1att-.
no, impossível. A manchete da matéria, por sua vez, anunciava o
fato que constrangia a todos que, no Brasil ou fora dele, esperavam
uma eleição digna: "Celebridade junta- se à corrida presidencial".
E, Brooke terminava o artigo comentando o medo cau-
sado pela candidatura de Sílvio Santos nos concorrentes, já que
"Três quartos dos domicílios (possuíam) aparelhos de televisão,
mas apenas a metade dos 82 milhões de eleitores (já havia termi-
nado) a escola primária" 96 •

Uma breve aventura


O impacto da candidatura Silvio Santos nos números das
pesquisas de intenção de voto foi avassalador. O apresentador tira-
va votos de todos os candidatos, em especial de Collor, e parecia
eliminar qualquer possibilidade de um segundo turno com a pre-
sença de Brizola ou de Lula.
Sílvio Santos assumia o primeiro lugar. A esquerda, por
sua vez, perdia as esperanças de chegar à presidência. No dia 2 de
novembro, o Estado de São Paulo divulgou pesquisa do Gallup
em que os eleitores puderam ter a dimensão do estrago que Silvio
Santos fazia nas demais candidaturas 97 •
O apresentador de televisão desbancava Collor do pri-

96 TV Celcbrity Joins Prcsidential Race in Brazil. lly JAMES BROOKE, Special to


Thc Ncw York Times Publishcd: Novcmbcr 3, 1989. Disponível cm http://www.nytimes.
corn/1989/l l/03 . Acesso em 2 fev. 2014.
97 O ESTADO DE SÃO PAULO, p. 6, 2 nov. 1989.

93
meiro lugar na corrida presidencial, algo inimaginável. Arrancaria
com 29% das preferências. Collor ia para um segundo lugar, com
18,6% das intenções de voto. Lula ficava com 10,6% e Brizola com
9,9%. A menos de 15 dias do primeiro turno, e em se confirman-
do a candidatura Silvio Santos, pouco poderia ser feito para que
se evitasse um segundo turno entre o dono do SBT e Fernando
Collor.
O lançamento do dono do SBT também alvoroçou outro
gigante da televisão brasileira, Roberto lrineu Marinho. Seu jornal
impresso, O Globo, e sua rede de televisão não deram trégua ao
concorrente do SBT. Editoriais violentos foram se somando ao
longo dos dias em que a candidatura sobreviveu. Como se não bas-
tasse a possibilidade de Leonel Brizola se tornar presidente, agora
havia o risco de ver seu maior rival comercial subir a rampa do
Planalto.

Julgamento de Silvio Santos no TSE


No dia 9 de novembro, o pedido de registro de candida-
:~,ra de Silvio Santos chegou ao TSE. E vinha bombardeado pelos
::rnis diferentes atores. Pleiteavam a impugnação de sua candida-
tura nada menos que Ministério Público Eleitoral, cinco partidos
políticos, um juiz de direito, sete advogados e 146 cidadãos. Até
hoje é um recorde.
Pela ordem, a representação do Ministério Público foi a pri-
meira ser avaliada pelos ministros do TSE. As demais, em função do
resultado dessa primeira apreciação, perderiam a razão de ser.
Primeiro, o que alegava o procurador-geral eleitoral? Basi-
camente, quatro pontos: que Silvio Santos era proprietário de uma
empresa concessionária de serviço público (uma estação de televi-
são); que o prazo de filiação de Silvio ao PMB estaria irregular; que
o registro provisório de seu micro partido estava vencido e, por
fim, que a renúncia da chapa original, encabeçada por Armando
Corrêa, não teria ocorrido, segundo as palavras do procurador, "na
base da sinceridade", tendo sido, antes, "um negócio lucrativo".

94
Em geral as argumentações de tribunais superiores se ca-
racterizam pelo hermetismo de expressões e raciocínios - estamos
falando das altas cúpulas do judiciário, extremamente especiali-
zadas. O julgamento de Silvio Santos foi uma interessante exce-
ção nesse panorama. Qualquer cidadão minimamente esclarecido
pode, até hoje, acessar a página do TSE, buscar a decisão daquele
9 de novembro de 1989 e entender perfeitamente palavra por pa-
lavra do que foi dito. Foi um julgamento marcado pela clareza e
pela abundância de alegações que, simplesmente, demoliram as
pretensões eleitorais do dono do SBT.
Como vimos, foram quatro as alegações do procurador,
mas bastaria uma, a primeira, para encerrar o assunto. Sílvio San-
tos seria ou não proprietário do SBT?
Bem, naquele ano de 1989, a mesma certeza que os brasi-
leiros tinham de que a cada domingo, 10 da manhã, Sílvio apare-
ceria em suas telas, tinham sobre o fato de que ele era o patrão e
proprietário da emissora. Mas sua defesa disse que não. Afirmou,
textualmente, que o apresentador, apesar de ser sócio majoritário
da emissora, "não exerce cargo ou função de direção, administra-
ção ou representação" 98 da mesma. Ora, Sílvio Santos era e sempre
foi a cara do SBT, como o procurador provou e os ministros, por
unanimidade, entenderam.
O procurador alegou que as evidências eram tão claras e
conhecidas - "vox populi" - que, caso se fizesse necessário alguma
prova material, isso seria "fazer com que o formal se sobrepusesse
ao essencial (grifos no documento original)" 99 .Conhecido o resul-
tado no TSE, a revista Veja descobriu uma manchete perfeita para
o caso: "Acabou dando Bozo" 10º. Bozo, para quem não lembra,
era o palhaço-maluco que animava, e assustava, as crianças nas
manhãs do SBT. A revista ISTO É, segunda maior publicação do

98 Julgados Históricos do TSE. Disponível: http://www.tse.jus.br. Acesso em 14


set. 2014.
99 Idem.
100 VEJA, p. 60, 15 nov. 1989.

95
gênero, por sua vez, cravou: "A Globo ganhou" 101 •
Outro ponto levantado pelo procurador eleitoral foi ain-
da mais decisivo para encerrar com a aventura do animador. O
Partido Municipalista Brasileiro não tinha condições de disputar
a presidência, pois não tinha registro regular na Justiça Eleitoral.
O interessante é que, não houvesse o fator Sílvio Santos,
ninguém teria descoberto o problema e a candidatura original do
PMB iria até o fim, mesmo tendo ocupado de forma ilegal o ho-
rário eleitoral gratuito. Percebe-se com isso que não foi apenas no
sistema de votação que a estrutura eleitoral do Brasil foi substan-
cialmente melhorada nos últimos 25 anos.

Novelas
Uma das mais interessantes hipóteses relacionadas às liga-
/ ções entre a mídia e os candidatos ao pleito presidencial diz respei-
to a três novelas que a Rede Globo produziu e exibiu entre meados
de 1988 e setembro de 1989. Para muita gente pode parecer uma
tola teoria da conspiração, mas o tema foi trabalhado por impor-
tantes analistas da mídia brasileira. Foi o caso de Daniel Herz, que
afirmou que as novelas Vale Tudo (16/05/1988 a 07/01/1989),
O Salvador da Pátria (09/01/1989 a 12/08/1989) e Que Rei sou
Eu? (13/02/1989 a 16/09/1989) contribuíram, para a criação de
um clima favorável ao surgimento de um político como Fernando
Collor de Melo 102 •
Segundo Herz, bastariam os altíssimos índices de audiên-
cia da Rede Globo para justificar o estudo sobre suas novelas e o
impacto delas no cenário político nacional. Mas não era só isso. O
fato de a maioria da população ter sido "inoculada" pela estética
da televisão faria com que os formatos televisivos fossem facilmen-
te assimiláveis pelo eleitorado. '~ cumplicidade do candidato, do

101 ISTO É/SENHOR, 14 nov. 1989.


102 HERZ, Daniel. Pedagogias de despolitização e dcsqualificaç:io da política bra-
sileira - (as telenovelas da Globo nas eleiçôes de 1989). Revista Comunicação & Política.
São Paulo: CBELA-Centro I3rasileiro de Estudos Latino-Americanos, v.9,n.I l,p.67-83,abr./
jun.1990.

96
partido, com o cidadão-eleitor ocorrerá mais pelo processo de co-
municação do que propriamente pela sua proposta".
Herz também afirma que, naquele final de década de
1980, a população brasileira ainda estava em sua "infância polí-
tica". Afinal, em função do regime militar iniciado em 1964, os
brasileiros tinham passado um longo período sem eleições presi-
denciais (a última havia sido em 1960). Mesmo os pleitos que o re-
gime militar "permitia" eram bastante restritos. Havia apenas dois
partidos, MDB e ARENA e a cada avanço eleitoral da oposição
o governo criava regras que dificultavam a performance de seus
adversários nas urnas. Em tal cenário, cresceria a influência das
emissoras de televisão, com todo seu poder de ordenar a realidade
e os termos do jogo político.
A Novela Vcile Tudo teve início ainda em 1988. O folhetim
consagrou a personagem Odete Roittman, vilã que, assassinada
no final da trama, galvanizou o descontentamento dos brasileiros
com os poderosos. Na trama, uma batalha entre elite e povo. A eli-
te seria criminosa, e comumente impune. Já o povo mais simples
aparece, segundo Herz, "maculado pela burrice e pela preguiça".
No entanto, os exemplos de honestidade e afinco ao trabalho são
recompensados ao longo da história. A personagem interpretada
pela atriz Regina Duarte mostra esse povo paradigmático, que ven-
ce apesar de fustigado por todo tipo de armação, mesmo que os
golpes, por vezes, surjam de sua própria família ou de seu meio
social, a classe média baixa de um subúrbio carioca.
Vale Tudo foi imediatamente substituída por O Salvador da
Pátria no horário nobre das 20h. A trama, escrita por Lauro César
Muniz, desloca os conflitos anteriormente ambientados no Rio de
Janeiro para o interior profundo do país. A história mostra emba-
tes, mas também conciliação, entre povo e elite. O protagonista é
um anti-herói vivido por Lima Duarte, Sassá Mutema. Trabalha-
dor braçal e ingênuo, Mutema vira herói na pequena localidade e
chega a assumir a prefeitura municipal. O tempo todo há um jogo
de interesses que ora atrai o protagonista, ora é rechaçado por ele.

97
Herz aponta que a trama tem por fundamento a ingenuidade e,
por solução, o amor.
A mais emblemática das três novelas, no entanto, é Que
Rei Sou Eu?, de Cassiano Gabus Mendes, que foi ao ar entre feve-
reiro e setembro de 1989 - encerrou no dia 16 de setembro, pouco
menos de um mês antes do primeiro turno. Na trama, uma clara
paródia da política nacional sob o governo Sarney, ambientada em
um reino imaginário, Avilan. Era uma novela de época, que, com
temas contemporâneos, revivia o cenário dos filmes de capa-e-es-
pada da Idade Média e Moderna na Europa. Ali há tudo que os
brasileiros haviam assistido nos telejornais daquele final de déca-
da: planos econômicos mirabolantes, denúncias de corrupção que
brotam no dia a dia e tramas para o acesso ao poder que raramente
levam em conta as necessidades da população do reino.
O povo pode contar com um herói, interpretado pelo ator
Edson Celulari, chamado Jean Pierre. Esse verdadeiro justiceiro
de história em quadrinhos tinha perdido o trono em função de
/ uma manobra palaciana. Jovem, astuto, fisicamente corajoso e boa
pinta, Pierre carregava a possibilidade de redenção do Reino de
Avilan. Que ocorre no último capítulo, quando o herói toma o
poder à força e grita "Viva o Brasil", não o nome do reino fictício.
Pela primeira vez na história da Rede Globo, uma novela foi repri-
sada logo após o término da exibição regular, no horário destinado
ao "Vale a Pena Ver de Novo", nas tardes de segunda a sexta-feira.
Enquanto a campanha se desenvolvia sempre foi possível acompa-
nhar a novela.
Daniel Herz enxerga em todos esses elementos um esforço
de construção de um imaginário político. Segundo ele as novelas
deslegitimariam a política, que seria sempre associada a perversões
sociais, culturais e econômicas contra o povo. As leis seriam inca-
pazes de deter tal estado de coisas - os poderosos sempre encon-
travam brechas para escapar. A solução para o Brasil urbano de
Vale Tudo, para a pequena cidade de Sassú Mutema ou do Reino
de Avilan, estava nas mãos de personagens carismáticos e volunta-

98
riosos. Pessoas que se colocavam entre o sistema político e a massa
da população.
Teoria da conspiração? Houve quem enxergasse na hipóte-
se levantada por Herz uma paranoia motivada pela extrema com-
petitividade do pleito de 1989. Foi o caso do jornalista e professor
universitário Bruno Fillipo, que afirma que a decisão de Rede Glo-
bo de reexibir Que Rei Sou Eu? foi a responsável pela amplificação
da polêmica. Segundo Fillipo, "a reexibição da novela, mantendo-a
no ar por dez meses e meio, em ano eleitoral histórico, alimentou,
à esquerda e à direita, a suspeita de que a Rede Globo se utilizava
da telenovela para infundir mensagens subliminares" 101.
A novela Que Rei Sou Eu? teria sido, inclusive, criticada
por setores conservadores da sociedade. Fillipo transcreve um tre-
cho de artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em função
do fim da primeira veiculação da novela: "Pela ousadia em mexer
com revolucionários e tentativas de tomadas de poder, a aventura
capa-e-espada de Gabus Mendes não descia goela abaixo de setores
mais conservadores da sociedade. Representantes do primeiro es-
calão de uma das forças militares brasileiras comentavam semanas
atrás num restaurante da cidade a 'irresponsabilidade da novela',
que estava instigando o povo a pegar em armas" 104•
Foi uma polêmica interessante. Encerrando-a nesse livro,
a opinião do autor de Que Rei Sou Eu?, Cassiano Gabus Mendes:
"Talvez as pessoas associem Jean-Pierre a Collor por ele ser o can-
didato mais moço é o que mais impressiona. De qualquer modo,
não deixa de haver forte identidade entre o voluntarioso Jean-Pier-
re (... ) e a postura principesca que o candidato Collor de Melo im-
põe a seus pronunciamentos, a ponto de se referir ao Brasil como
' que esta' as
este pais ' vesperas
' - "' 105.
de sua 'l 1'b ertaçao

103 FILIPPO, Bruno. A originalidade de que rei sou eu! Observatório Imprensa.
ed.703, 17 set. 2012. Disponível: http://sender.obscrvatoriodaimprensa.com.br. Acesso
cm 16 set. 2014.
104 Idem.
105 FILIPPO, Bruno. A originalidade de que rei sou cu! Observatório Imprensa.
ed.703, 17 set. 2012. Oisponívd: http://sender.observatoriodaimprensa.com.br. Acesso

99
O espectro rondando o pleito presidencial: militares e a
política
O fantasma da intervenção militar estava vivo. Não pare-
cia prudente cutucar a caserna. Prova disto é a fala do ministro do
Exército, Leonidas Pires Gonçalves ao principal jornal norte- ame-
ricano, The New York Times (NYT). No dia 17 de novembro, o
NYT ainda não cravava Lula no segundo turno. Apontava a possi-
bilidade de Brizola obter a vaga. Seriam "dois esquerdistas" na luta
pelo segundo lugar. Pois o ministro do Exército não resumiu suas
análises políticas ao Brasil. Disse ao correspondente novaiorquino
que" Nós (brasileiros) não podemos ir contra o curso da história".
Lembrando a fuga em massa da Alemanha Oriental após a queda
do Muro de Berlim, completou afirmando que "o que é chamado
de esquerda é antigo e não é bom para o Brasil".
Atualmente, seria bizarro que um comandante das Forças
Armadas viesse a público expressar seu pensamento político. Pois,
em 1989, até para correspondentes estrangeiros, a caserna se acha-
va no direito de expressar sua tutela à democracia. Era como se
dissessem "até aqui, pode". E fizessem um risco no chão.
A história do Brasil acabou por sepultar a memória de Pi-
res Gonçalves. Mas sua frase colocava a democracia de joelhos e teria
grande influência no pleito presidencial. Quem o leu nos jornais, não
achou, naquele momento, a menor graça.
Em julho, ainda antes do início do horário eleitoral na tele-
visão e no rádio, o ministro do Exército já frequentava as colunas que
retravam os bastidores da política em Brasília. A postura desse militar
seria insólita nos dias de hoje. Gonçalves informa certo dia, por exem-
plo, que já fora procurado por vários candidatos, mas que "não recebe-
rá nenhum" 106 •
Diz de forma olímpica, distante, como se seu jogo fosse
muito mais sério, muito mais poderoso, que aquele jogado pelos

em 16 ser. 2014.
106 FOLHA DE SÃO PAULO, p. AS, 26 jul 1989.
100
candidatos eleitores. Também já havia "garantido" que as Forças
Armadas não vetariam nenhum candidato, "embora tenham res,
trições a vários deles".
Quando uma transição de uma ditadura para uma demo-
cracia ocorre, qual seria o principal marco do processo? Segundo
estudiosos da ciência política, seria o momento em que os milita-
res assumem, sem meio termo, sua posição subalterna em relação
aos dirigentes civis, escolhidos pelos eleitores e legítimos chefes
dos funcionários públicos. Que é o que os militares devem ser.
A transição para a democracia está completa quando falas
de militares em relação a assuntos políticos ou são punidas pelas
lideranças civis, ou são vistas de forma folclórica. Não era nada dis-
so que ocorria ao longo dos meses de campanha eleitoral de 1989.
Os militares estavam, temporalmente, muito próximos ao período
em que detinham a principal fatia de poder no país.
As falas de Pires Gonçalves mostram uma democracia tu-
telada, em que o chefe militar tem que dar aprovação ao processo
eleitoral - e não apenas nos bastidores da política, mas via impren-
sa. É uma tutela expressa, que acaba se refletindo na forma como
os cidadãos escolhem seus eleitos, por várias razões. A principal
delas, o medo, arma das mais poderosas nas mãos das organizações
militares, em especial na América btina.
No mês de setembro, segundo conta uma excelente e his-
tórica reportagem do jornal Folha de São Paulo 107 , o ministro da
Aeronáutica, Moreira Lima, recebeu em sua casa um destacado
grupo de deputados e senadores para um jantar. Entre os con-
vidados estava o presidente da Comissão de Defesa Nacional da
01mara dos Deputados, Furtado Leite, do PFL do Ceará. Sem
rodeios, o deputado interpelou o ministro, questionando-o, segun-
do a reportagem, "se os militares assistiriam passivamente uma
eventual vitória do petista Luís Inácio Lula da Silva na eleição pre-
sidencial?".

107 FOLHA DE SÃO PAULO, p. B4, 31 out. 1989.

101
Seguiu Furtado: "Os militares fizeram 64 para tirar o país
do caos, mas e agora? Não vão fazer nada para impedir que o país
vire um caos outra vez? Uma vitória de Lula vai atingir vocês tam-
bém". O ministro da Aeronáutica, funcionário de confiança de
um presidente civil, poderia, à frente de uma poderosa audiência,
ter repreendido a fala nitidamente golpista do deputado cearense.
Não o fez, apenas disse que "Nós (militares) sabemos disso".
O poderoso papel jogado pelos militares despertou, em
outro momento, uma estranha sensação de retorno ao passado.
Alguns militares, quando o primeiro turno das eleições se aproxi-
mava do fim, e preocupados com uma vitória petista, imaginaram
uma saída parlamentarista para o Brasil 108• Algo muito próximo do
que foi feito em 1961, quando, após a renúncia de Jânio Quadros,
o vice, João Goulart, só pode assumir a presidência aceitando que
o país se tornasse parlamentarista. O acordo foi forçado por uma
parcela golpista dos congressistas de então, apoiados por chefes
militares. Jango conseguiu alterar tal estado de coisas em 1963,
quando um plebiscito lhe deu ampla vitória e todos os poderes do
presidencialismo de volta.
No dia anterior ao primeiro turno do pleito presidencial,
o próprio brigadeiro Moreira Lima incorporou o espectro de vigi-
/ lância militar sobre a democracia. O portador do discurso estava
bem vivo, vivíssimo, mas sua participação no debate eleitoral lem-
brou um período assombrado.
A fala do militar, reproduzida pela imprensa 10'>, foi mo-
tivada por mensagem enviada aos integrantes da Aeronáutica,
recomendando o voto contra candidatos "que pregam a luta de
classes", sem explicitar a quais políticos se referia. Afirmou tam-
bém que "a luta de classes pode trazer conturbação do processo
democrático", e que o necessário seria a promoção do "ajustamen-
to de classes". Entre vários significados, lembremos que o verbo

108 Idem.
109 O GLOBO, p. 8, 14 nov. 1989.

102
" ' , , se presta a uma 1c
aiustar ' leia' le e" acomoclar". J . sa beremos,
amais
de fato, o que o brigadeiro quis dizer.
Relembrando, talvez inconscientemente, o que as Forças
Armadas executaram em 1964 e simbolizaram até a década de
1980, Moreira Lima afirmou ainda que "Não elegemos um im-
perador, mas um presidente, que governará com o Congresso".
E encerrou sua fala no dia anterior ao pleito, com uma velada
ameaça: "Se houver possibilidade de se arranhar a Constituição,
os próprios poderes convocarão as Forças Armadas, instrumento
do Estado". Quem viveu no Brasil da segunda metade do século
20 sabe o quão vasta e nebulosa pode ser essa "convocação".
Enquanto eram contados os votos do primeiro turno,
o mais poderoso ministro militar, o do Exército, Leonidas Pires
Gonçalves volta a falar em público sobre suas preocupações com
os rumos da eleição. Diz que "Todo regime que se afasta da liber-
dade, da livre empresa e da economia de mercado não é bom para
nenhum país do mundo". Completou: "Não podemos andar na
contramão da história" 110 •
Sobre as manifestações de militares, que, claramente, tu-
multuavam a disputa eleitoral, o jornalista Ricardo Noblat, então
colunista do Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, lembrou que "em-
bora soldado seja povo, metido em uma farda, fica diferente. Mon-
tado em um Urutu (veículo de guerra) fica mais diferente ainda, e
quase sempre perigoso" 1ll.
Após a definição da ida de Lula para o segundo turno
junto com Fernando Collor, o candidato petista participou de en-
trevista coletiva, na qual comentou as seguidas manifestações dos
chefes militares. Ao longo da campanha, foi a mais dura resposta
aos militares por parte de um dos candidatos. Disse Lula, referin-
do-se diretamente ao ministro Gonçalves: "Quero dizer ao minis-
tro que se há alguém patriota no Brasil, empunhando a bandeira

110 JORNAL DO BRASIL. Coluna Informe, p. 6, 17 nov. 1989.


III JORNAL DO BRASIL, p. 11, 16 nov. 1989.
103
verde e amarela, é justamente a classe trabalhadora" 112 •
Lula falava sobre um alucinado boato, corrente em meios
militares, de que o PT chegaria ao ponto de alterar as cores da
bandeira nacional. Em seguida, o petista se refere aos anos em que
as Forças Armadas comandaram o país: "Não queremos mudar
a bandeira, queremos honrar a bandeira que muitos desonraram
nos últimos 29 anos".
Ao longo do segundo turno, pouco se ouviu de falas vin-
das da caserna. No entanto, a dois dias da votação, o ministro do
Exército volta, incrivelmente, a falar sobre a eleição: "Estamos a
bordo da mesma nau, e se essa nau não navegar corretamente,
ninguém vai assistir ao naufrágio, porque todos vão participar de-
le"113. Já não se podia dizer que as ameaças eram veladas.

112 O GLOBO, p. 4, 21 nov. 1989.


113 JORNAL DO BRASIL, p. 6 ,18 nov. 1989.

104
10. Segundo Turno

Collor espera o adversário


O Brasil adotaria um sistema de votação eletrônica a par-
tir de 1996, e progressivamente. Apenas a partir da eleição munici-
pal do ano 2000 todos os brasileiros utilizaram a urna eletrônica.
Em 1989, a contagem era manual, voto a voto, em jornadas de
trabalho que rompiam madrugadas.
A Rede Globo montara um grande esquema de divulga-
ção de resultados. Equipes espalhadas por todo país repassavam à
central nacional os dados, que eram divulgados por uma bancada
de jornalistas que permaneceu quase ininterruptamente no ar. A
princípio, as informações deveriam refletir em tempo real a apura-
ção. Foi uma apuração polêmica, mas não por quaisquer questio-
namentos à validade dos votos. Questionou- se a forma pela qual
a maior rede de televisão do país divulgava seus dados.
Em 17 de novembro, dois dias após o primeiro turno, o
jornal O Globo, braço editorial da rede de comunicação, expres-
sava dúvida em relação ao adversário de Collor no segundo turno.
Brizola e Lula ainda estariam, disputando, praticamente em igual-
dade de condições, a segunda vaga. Já o jornal Folha de São Paulo
publicava, na capa, a seguinte manchete: "Globo ilude telespecta-
dore·s ao apresentar Brizola em segundo" 114. A Rede Globo não
estaria ponderando os dados que divulgava. Desta forma, saíam,
primeiro, as informações em locais em que Brizola era superior a

114 FOLHA DE SÃO PAULO. Capa, 17 nov. 1989.

105

__J
Lula, como o Sul do país. Segundo a Folha, a emissora "logo,
vai ter que anunciar a virada de Lula, que ela (a Globo) já
conhecia" 115 •
Quem ficou com a imagem arranhada foi o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), que foi amplamente ultrapassado pelas
apurações paralelas da imprensa. Uma importante revista semanal
chegou a afirmar que o TSE "revelava o dinamismo de uma tar-
taruga velha e manca 116 • O primeiro boletim com resultados seria
divulgado pela Justiça Eleitoral às 21 h do dia 15 de novembro.
Problemas adiaram a comunicação para madrugada. Teria sido,
segundo a mesma publicação, um "fiasco gritante" 117 •
A Rede Globo, no entanto, não se saiu muito melhor.
Suas fontes aleatórias de dados não ofereciam aos analistas polí-
ticos qualquer projeção sobre quem seria o adversário de Collor.
No Jornal Nacional da sexta-feira, 17 de novembro, a emissora in-
formou que parava com sua apuração paralela. Naquele momento,
segundo seus números, Brizola ainda estaria à frente de Lula. No
dia seguinte, a emissora foi forçada a se contradizer, afirmando
que o petista chegaria ao segundo turno.
Muito se falou naquele ano e, eventualmente, se fala até
hoje, que Brizola seria capaz de derrotar Collor no segundo turno,
até com certa facilidade. A ideia virou quase um senso comum
/ daquele segundo turno. Um sociólogo e um político divergiram
dessa opinião desde o momento em que ficava claro que Collor
enfrentaria Lula.
Marcos Antônio Coimbra, sócio do Instituto Vox Populi e
consultor mais que respeitado por Collor, temia que Lula pudesse
se valer do mesmo nicho em que o candidato do PRN cresceu - a
aversão ao grupo de políticos que realizara a transição do autori-
tarismo para a democracia. Apesar de surgir como um candidato
de um forte partido, Lula também poderia ser um cruzado contra

115 FOLHA DE SÃO PAULO. Capa, 17 nov. 1989.


116 VEJA, p. 50 e 51, 22 nov. 1989.
117 Idem

106
"tuclo que ai' estava )) , um dos mantras da campanha collorida.
O político que compartilharia dessa opinião era Marco
Maciel, do PFL. Ao falar para o jornal norte- americano The New
York Times, Maciel afirmara que "seria muito difícil para Collor
derrotar Lula." O pefelista disse ainda que "a soma dos votos de
esquerda do Brasil na eleição foi maior que a soma da direita " 118 •
Corretos, os dois. Collor, com seus mais de 22 de milhões
de votos, enfrentaria Luiz Inácio Lula da Silva. O segundo turno
ocorreria no dia 17 de dezembro. Cada um dos políticos teria 20
minutos diários em cadeia de rádio e televisão.

Os cinco mais votados no primeiro turno

Candidatos Coligação Votos %

Fernando Collor de Mello (PRN) Movimento Brasil Novo 22.611011 28,52


(PRN, PSC, PTR, PST)
Luiz Inácio Lula da Silva (PD Frente Brasil Popular 16,08
(PT, PSB, PCdoB) 11.622.673

Leonel Brizola (PDD 11.168673 15,45


Mário Covas (PSDB) - 7.790.392 10,78
Paulo SaLim Maluf (PDS) - 5.986575 8,28

De Brizola para Lula


Após uma década de troca de farpas pela disputa do elei-
torado de esquerda do país, Brizola e Lula se encontram em 1989.
Como vimos, as acusações de um lado para o outro foram fortes,
ameaçando uma eventual aliança no segundo turno da eleição
presidencial. Pois, assim que se soube que Lula iria se bater com
Collor pela presidência, iniciaram-se os contatos entre trabalhis-
tas e dirigentes da Frente Popular. Uma aliança com Brizola era
decisiva para dar ao petista mínimas condições de vencer o pleito,
Sem o apoio dos pedetistas, parecia impossível qualquer pretensão
de vitória.

118 THE NEW YORK TIMES, 17 nov. 1989.

107
Foram quase duas semanas de intensas negociações. Ape-
nas no dia 27 de novembro foi batido o martelo, e Brizola definiu
o apoio a Lula. Mas havia arestas graves a serem aparadas. Se, nas
questões macro o acordo avançou - até pela falta de detalhamen-
to de seus termos - nas questões mais comezinhas da política, os
entraves eram sérios. Tudo isso tinha um nome: José Paulo Bisol,
candidato a vice-presidente pela Frente Popular. Como Brizola o
acusara de receber benefícios indevidos para a compra de uma
fazenda em Minas Gerais, ficava complicado o ace.rto entre as agre-
miações políticas. Bisol e Brizola tiveram que, enfim, engolir os
respectivos "sapos" para que a aliança fosse selada.
Um comício, em Caxias do Sul, no dia 5 de dezembro,
cidade em que Bisol vivera e onde exercera a magistratura, deixou
claro o desconforto na relação entre o vice de Lula e Leonel Bri-
zola. Foi o maior comício da história da cidade. Brizola já deixara
claro que se recusaria a subir em qualquer palanque junto com
Bisol. A decisão foi salomônica: em um dos comícios de Lula mar-
cados para aquele dia, em Novo Hamburgo, Brizola compareceu.
No outro, em Caxias, Bisol falou.
A antipatia e as disputas políticas entre Bisol e Brizola, no
entanto, não impediram que o apoio do trabalhista a Lula fosse
um dos fatos mais relevantes da campanha presidencial. Em redu-
tos brizolistas, como o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul, os
eleitores de Brizola proporcionaram ao petista urna das maiores
transferências de votos de nossa história. Lula, no Rio de Janeiro,
foi de 12,22% no primeiro turno, para 72,92%, no segundo. No
RS ocorreu algo parecido: Lula foi de 6,72% para 68,72% 119 •

Os programas econômicos
As duas campanhas vitoriosas no primeiro turno propu-
nham alterar a forma pela qual o governo Sarney conduzia a eco-
nomia. Mas eram bastante diferentes entre si. A cientista política

119 Fonte: Tribunal Superior Eldtoral

108
Soraia Marcelino Vieira, em sua dissertacão
,
de Mestrado 12 º' publi-
cada em 2006, aponta as principais características de cada progra-
ma econômico.
Fernando Collor de Melo, coerente com seu discurso de
combate aos gastos públicos com "marajás" super remunerados,
pregava uma redução no papel do Estado. Segundo Vieira, o can-
didato aspirava uma reorganização da economia através de uma
agenda neoliberal. O "Projeto Brasil Novo", base do programa
eleitoral de Collor falava que "O Estado não deveria atuar onde a
livre iniciativa pudesse ser mais eficiente". O combate à inflação
também estava no topo de suas preocupações. Em relação à dívida
externa brasileira - naquela época, a maior do mundo - o progra-
ma fala em um vago "equacionamento", sem maiores detalhes.
O "Projeto Brasil Novo" dedicava ainda um bom espaço
para um tema que, até hoje, mobiliza paixões na política nacional,
a privatização de patrimônio de público. Não se tratava da venda
indiscriminada de estatais, "mas apenas as empresas que não fos-
sem competitivas e que se mostrassem ineficientes" 121 • Segundo o
programa de governo colloriclo, "privatizar não significa transferir o
patrimônio público para a propriedade privada. Temos que priva-
tizar, não todas as empresas púbicas, como alguns açodadamente
supõem, querem ou pretendem, mas sim a gestão, submetendo-as
aos métodos privados de gerenciamento a que todas devem estar
sujeitas, em busca de eficiência, para que possam competir no mer-
cado, sem privilégios, sem subterfúgios e sem mordomias típicas
do corporativismo" 122 •
O programa da Frente Popular, chamado de "Muda Bra-
sil", apontava um inimigo específico para o desenvolvimento so-
cial e econômico do Brasil, a dívida externa. Ali estaria o problema

120 VIEIRA, Soraia Marcelino. A eleição do futuro: 1989 votando para mudar.
Dissertação apresentada ao Curso de Pós Graduaç:io em Ciência Política da Universidade
Federal Fluminense - UFF, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre, em
2006.
121 Idem, p. 95.
122 Trecho do programa de governo do PRN. Citado por VIEIRA (2006).

109
central a gerar os demais desajustes na economia nacional. O paga-
mento dos serviços da gigantesca dívida impediam que o governo
resolvesse tanto a questão da inflação como a má distribuição de
renda. Dessa forma, "o programa econômico da Frente Popular
pregava a suspensão do pagamento da dívida externa" 12 1.
Os economistas ligados a Lula inseriam a nossa dívida em
um contexto maior. Viam-na como parte ele um mecanismo "em
vias de esgotamento e mutação" que retirava recursos de países em
desenvolvimento canalizando-os para as grandes economias mun-
diais. Esse problema atingia ,especialmente a América Latina.
Em relação à inflação, "a crítica está relacionada ao fato
dela crescer de maneira desproporcional, ou seja, o preço de al-
guns produtos aumentavam mais, o de outros menos e o preço
pago à força de trabalho - o salário - não crescia na proporção em
que os produtos aumentavam" 124. Havia, por parte dos "capitalis-
tas", um arraigado hábito de tentar se antecipar à inflação, aumen-
tando permanentemente os preços de seus produtos. A origem
da inflação, na visão da Frente Popular, também tinha origem na
dívida externa. Segundo Vieira, "a inflação ganhava força com o
aumento dos juros, que eram impulsionados pela necessidade de
superávit e esse era motivado pela necessidade ele pagamento dos
juros da dívida" 12 5.

Collor e Lula retornam ao Horário Eleitoral Gratuito


Entre os dias 28 de novembro e 14 de dezembro, os candi-
datos voltaram a ocupar as redes de televisão e rádio com o Horário
/ Eleitoral Gratuito. Collor e Lula teriam o mesmo tempo, 20 minutos
diários. O Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universi-
dade do Estado do Rio de Janeiro produziu um importante relatório
com o resumo de tudo que foi dito, diariamente, pelos candidatos 126 •

123 VIEIRA. p. 97, 2006.


124 Idem p. 98.
125 Idem p. 98.
126 Disponível: http://doxa.icsp.uerj.br/. Acesso cm 16 set. 2014.

110
O programa de Fenando Collor inaugurou a segunda ro-
dada do Horário Eleitoral. Dentro de um estúdio, o candidato
reprisava o discurso que o colocava à distância do sistema político.
Dizia que "Meu apoio provém do povo e não dos partidos políti-
cos ". E re1orçava:
i: "M·1111a
l canc1·1clatura pertence so· a voces
' ".
No encerramento do programa, Collor traz a religião para
campanha, como já havia feito no primeiro turno. O candidato
aparece em um comício afirmando: "Fé em Cristo"! Entra o lo-
cutor do programa lembrando que "Collor agradeceu a Deus em
uma missa celebrada por Frei Damião". Na tela, sucedem-se ima-
gens de uma igreja, de Collor dentro de uma igreja e de Collor ao
lado do Frei Damião.
O primeiro programa da Frente Popular no segundo tur-
no, embora também tenha trazido várias referências ao "povo",
foi muito diferente. Principalmente em relação aos apoios políti-
cos. O programa foi ecumênico, destacando todas as tentativas de
entendimento de Lula com outros setores da política. Falou dos
apoios de Miguel Arraes e Roberto Freire e das conversações com
o PSDB, com Mário Covas e com Leonel Brizola.
Em seguida, para tentar borrar a imagem "popular" de
Collor, um locutor fala "diz-me com quem andas e eu te direi
quem és". A mesma locução apresenta vários grandes nomes do
empresariado nacional demonstrando apoio a Collor.
Foi apenas a largada. Por 16 dias, os brasileiros'acompa-
nhariam com enorme interesse o desempenho dos seus escolhidos
para o segundo turno.

A campanha barra pesada - Confusão na Serra Gaúcha


No segundo turno das eleições, um comício em Caxias
do Sul, no Rio Grande do Sul, em 30 de novembro, marcou um
dos pontos extremos da campanha. Uma briga entre partidários
de Collor e de Lula resultou em pancadaria nas ruas do centro da
cidade da Serra Gaúcha.
Como em todos os fatos principais daqueles dias, há ver-

111
sões opostas. A campanha de Collor colocou no ar, logo no dia
seguinte ao ocorrido, uma fala da assessora de imprensa da campa-
nha, Belisa Ribeiro.
Com cabelo desgrenhado e voz cansada, a jornalista faz
um relato dramático do que teria sido uma grande afronta à livre
expressão de uma candidatura. A versão colloricla foi bastante di-
fundida pela imprensa. O próprio candidato afirmou que aquela
confusão teria sido um "presente eleitoral" 127 , na medida em que
escancararia uma faceta violenta e radical da militância de esquer-
da no país.
A confusão teria começado já no final da tarde do dia
30, quando militantes petistas e pedetistas passaram a agredir ver-
balmente a equipe que montava o palanque para Collor. Com o
passar do tempo, e a não intervenção da Polícia Militar, os ànimos
foram se exaltando. A aproximação dos militantes adversários ao
palanque de Collor foi respondida com força pelos seguranças do
candidato. Em seguida, os moradores do centro de Caxias do Sul
assistiram a uma batalha campal, com avanços e retrocessos de
ambos os lados, que corriam pelas ruas. A Polícia Militar passou a
agir e encerrou o confronto. Restaram as versões.
O assessor de imprensa Cláudio Humberto afirmou, ho-
ras depois do ocorrido, ao jornal O Estado de São Paulo que uma
integrante da equipe de Collor teria sofrido "traumatismo crania-
no ", No entanto, na mesma matéria o jornal afirmava que, já no
amanhecer do dia seguinte, não havia nenhuma pessoa internada
em hospitais da cidade, em consequência do incidente.
O jornalista Ricardo Noblat, do Jornal do Brasil, foi es-
pecialmente duro na crítica aos militantes petistas, levantando
uma questão cara aos adversários de Lula: o potencial explosivo e
desagregador de sua candidatura, e a presenca de "radicais" entre
seus adeptos 128 • Escreveu Noblat, no dia 2 de dezembro: "O com-

127 FOLHA DE SÃO PAULO, p. Ili, 2 dcz.1989.


128 JORNAL DO BRASIL, p. 11, 2 dez. 1989.

112
portamento truculento, antidemocrático e até mesmo fascista de
alguns grupos que ostentam no peito a estrela do PT oferece mu-
nição de graça aos inimigos do partido e reforça a suspeita de que
o candidato, se eleito, enfrentará sérias dificuldades para segurar
seus radicais. O que ocorreu em Caxias do Sul, durante o comício
que Collor de Mello foi impedido de realizar, nada tem a ver com
a democracia que Lula diz respeitar".
Foi a mesma impressão de outro importante articulista da
imprensa nacional, Vilas Boas Corrêa, que afirmou que, a poucos
dias do segundo turno, "o clima de violência paralisa a campanha
de Lula". Pouco indícios confirmariam a forte afirmação do jorna-
lista. Até porque a campanha petista estava em um movimento de
ascensão que não terminaria senão às vésperas da votação final.
Naqueles dias mais que exaltados, no entanto, nada do que era
publicado necessitava de grandes comprovações.
Já, no programa da Frente Popular, foi contada outra his-
tória: com depoimentos de moradores do centro de Caxias do Sul,
montou-se um enredo em que a violência inicial partiu de provo-
cadores a serviço de Collor, dos próprios seguranças do candidato.
A entrada da Polícia Militar teria conflagrado de vez a situação.
Políticos petistas, e mesmo Lula, acusaram a equipe de Collor de
premeditação. A então prefeita petista de São Paulo, Luiza Erun-
dina, afirmou que Collor havia baixado o nível da campanha ao
longo de todo o ano.
Em várias ocasiões, durante 1989, os jornais reportaram
confusões envolvendo seguranças co!toridos, jornalistas e militantes
partidários. Entre todos esses confrontos, nenhum ganhou mais
destaque que o ocorrido naquele 30 de novembro em Caxias do
Sul. Foi um episódio, em resumo, amplamente desfavorável à cam-
panha da Frente Popular. Por mais que a versão de petistas e pede-
tistas fosse colocada, acabou não sendo comprada pelos principais
veículos de imprensa do país, que deram amplo destaque ao que
pareceu uma "selvageria" contra a campanha do PRN.
Desta forma, não chega a ser estranha a declaração festiva

113
do coordenador da campanha colloricla, Paulo Octávio: "Fatura-
mos um milhão de votos. Os militantes do PT ainda vão acabar
. - "J?9
nos elanclo esta e1e1çao -.

1° Debate
Os debates do segundo turno da campanha de 1989 mar-
caram um dos mais notáveis feitos da televisão brasileira. Pela pri-
meira e única vez na história, as quatro principais redes de televisão
de então - Globo, SBT, Manchete e Bandeirantes - reuniram-se
para transmitir os mesmos eventos, os confrontos entre Fernando
Collor e Luiz Inácio Lula da Silva.
O primeiro encontro ocorreu no dia 3 de dezembro, no
Rio de Janeiro, nos estúdios da TV Manchete. Foram quatro blo-
cos, em que se alternaram na bancada os principais nomes do
jornalismo das emissoras: Marília Gabriela (Bandeirantes), Boris
Casoy (SBT), Alexandre Garcia (Globo) e Eliakim Araújo (Man-
chete). Outros quatro jornalistas fariam perguntas: Luiz Fernando
Emediato (SBT), Fernando Mitre (Bandeirantes), Villas-Bôas Cor-
rêa (Manchete) e Joelmir Beting (Globo).
O Brasil do final da década de 1980 apresentava alarman-
tes índices sociais. Cerca de 20% da população com mais de 15
/ anos era analfabeta. A expectativa de vida pouco ultrapassava os
65 anos de idade - em 2009, já atingia 70 anos. A mortalidade
infantil era de 48,3 mortes em cada 1.000 nascidos.
Os dados impressionavam sob qualquer àngulo que se
analisasse. Mas havia um problema que parecia maior que todos
e que pautou todo o desenvolvimento da campanha eleitoral, a
inflação. Assim, não surpreende que a primeira pergunta aos can-
didatos tenha sido sobre os planos de cada um para vencer a es-
calada dos preços. Nenhum esmiuçou detalhes sobre o assunto.
Aproveitaram a primeira fala para soltar farpas.
O candidato do PRN foi o primeiro a falar e, após agra-

129 FOLHA DE SÃO PAULO, p. BI, 2 dez. 1989.

114
decer aos 20 milhões de votos que recebera, lembrou que Lula,
em uma entrevista concedida ainda em 1986, havia dito que ele,
Collor seria um exemplo de administrador público honesto.
Lula retrucou dizendo que os marajás que Collor dizia
combater não apenas não estavam na cadeia como "trabalhando
na campanha" 130 do adversário. O tom da discussão foi esse. Os te-
mas, vários: os candidatos falaram sobre privatização/estatização;
educação, reforma agrária e até sobre a violência ocorrida em co-
mícios, como em Caxias do Sul.
No dia seguinte iniciaram as opiniões sobre os desempe-
nhos. Em geral, analistas políticos consideraram que Lula se saí-
ra melhor. Pesquisa Datafolha, publicada no dia 5 de dezembro,
apontou a vitória de Lula 131 , O petista teria se saído melhor para
39% dos eleitores, contra 35% de Collor. 14% responderam que
houve um empate e 12% não souberam responder. É um tipo de
pesquisa que recebe críticas em função do opção política prévia
dos entrevistados. Afinal, o eleitorado falaria sobre o desempenho
de seu candidato e do principal adversário. Mas o resultado não
espelhou o que a última pesquisa do próprio Datafolha havia apre-
sentado.
Quando questionados sobre as intenções de voto, os elei-
tores mostraram preferência por Collor, que chegava aos 50%.
Lula estava com 40%. Dessa forma, fica claro que eleitores de Fer-
nando Collor não marcaram seu desempenho como o melhor na
noite de 3 de dezembro. A atuação de Collor no primeiro debate
provocou estragos em sua equipe: boa parte dos colaboradores foi
demitida.
A campanha barra pesada - O caso Mirian Cordeiro
Entre o primeiro e o segundo debate passaram-se 12 dias.
O período foi marcado pelo avanço da candidatura da Frente Po-
pular e pela aparição da enfermeira Mirian Cordeiro, ex-namorada

130 JORNAL DO BRASIL, p. 3, 4 dez. 1989.


131 FOLHA DE SÃO PAULO, p. Bl, 5 dez. 1989.

115
de Lula. Também ocorreu a consolidação de apoios a Lula, ainda
que tímidos, como o do PSDB de Mario Covas. Se no dia 3 de
dezembro Collor tinha 10% de vantagem sobre Lula, no dia 14,
véspera do segundo e decisivo debate, a diferença estava em 1%,
segundo o Datafolha.
Cada ponto percentual representava cerca de 700 mil elei-
tores. Lula havia tirado uma diferença de quatro milhões de votos
em menos de duas semanas. Os votos saíam diretamente de um
candidato para o outro, o que mostra a postura volúvel de parte do
eleitorado - da parte que, inclusive, foi a última se decidir e a que
definiu o vencedor do pleito.
A campanha collorida precisava de uma cartada de impac-
to para reverter o quadro. O nível da campanha foi para a lama.
De uma das formas mais violentas da história política nacional.
Em uma era com forte presença da mídia nas campanhas, nada
foi feito de tão agressivo de lá para cá. A história levada ao ar, no
mesmo 11 de dezembro, começava em 1974 e estava destinada a
abalar profundamente a campanha presidencial.
Em 1974, Luiz Inácio Lula da Silva, ainda metalúrgico em
São Bernardo, namorou a enfermeira Mirian Cordeiro, com quem
acabou tendo uma filha, chamada Lurian. Justamente no momen-
to em que Mirian estava grávida, Lula conheceu Marisa Letícia e
se separou da namorada. A forma com que a história foi contada
aos brasileiros naquele 11 de dezembro possui várias versões. No
entanto, vejamos primeiro o que foi ao ar.
Mirian, em poucos minutos, disse coisas graves sobre Lula.
O candidato teria sugerido um aborto - e inclusive, mostrado pos,
suir a quantia necessária para a operação. Em um dos momentos
mais chocantes do vídeo, a enfermeira conta que "Ele (Lula) foi ao
hospital no dia em que ela (Lurian) nasceu, mas só no berçário.
No dia seguinte, no quarto, eu estava com amigas, ele chegou com
um amigo. Eu pedi para todos saírem do quarto e fiquei sozinho
com ele, e a Lurian estava no quarto. Eu peguei a bebê e a pus no
colo dele e disse 'Agora você mata"'.

116
Em seguida, Mirian fala de religião e preconceito. É im-
portante lembrar que a campanha da Frente Popular recebera
apoio de amplos setores da Igreja Católica, em especial de padres
de paróquias do interior - embora setores da Conferência Nacio-
nal dos Bispos do Brasil (CNBB) não escondessem a mesma prefe-
rência pelo petista.
Cordeiro disse, textualmente: "Esses padres que o estão
apoiando ... O catolicismo, que é tão contra o aborto, será que
eles estão apoiando o homem certo?". Em relação ao preconceito,
outro ataque violento: "Outra coisa, o Lula sempre foi um homem
racista, ele nunca suportou negro. Apareciam artistas negros na
televisão, ele ficava nervoso".
A repercussão a partir do dia 12 de dezembro foi avassa-
ladora. Todos os principais veículos de imprensa deram grande
espaço às acusações de Mirian. Ao fundo, parecia ecoar, no senso
comum do eleitor, algumas perguntas: Lula seria um mentiroso?
Lula, apesar do lado notoriamente católico com que se apresen-
tava à população, seria um hipócrita, pregando algo e fazendo o
contrário?
Novamente, ternos de contextualizar cada palavra do que
foi dito por Mirian. Naquele final de anos 1980, a discussão sobre
aborto, sobre direitos das mulheres sobre o próprio corpo, ainda
eram muito primitivas e baseadas amplamente em raciocínios ras-
teiros. Aparecer corno um candidato de qualquer modo ligado ao
aborto complicava a situação de qualquer político. Foi, parece, o
que ocorreu.
Os principais publicitários de cada lado, anos depois do
ocorrido deram as suas versões sobre os bastidores e a conveni-
'
ência de se levar ao grande público um fato corno aquele. Os de-
poimentos foram concedidos ao site UOL, e os vídeos podem ser
acessados na internet 132 • Chico Santa Rita, do lado coltoriclo, diz
que foi Mirian quem procurou a campanha do PRN, oferecendo-

112 Marquetciros de Collor e Lula: bastidores da eleição de 89. Disponível: http://


bit.ly/ln0allb7. Acesso em 01 set. 2014.

117
se para prestar o depoimento contra o ex-namorado.
Sobre a utilização pesada da vida pessoal do candidato,
Santa Rita afirma que "a vida do homem público é pública", e
que "o limite ético é a verdade". Termina afirmando que "nunca,
ninguém teve a ousadia de dizer que aquilo era mentira".
Paulo Tarso Santos, coordenador da campanha petista,
tem uma visão completamente diferente dos fatos. Para ele, não
seria tradição da política brasileira a exploração da vida pessoal
dos candidatos, nem um rebaixamento tão grave do nível jú não
muito elevado das campanhas. "Não imaginei que Collor chegaria
a este ponto", afirmou. Sobre o contato entre Mirian e integrantes
da campanha de Collor, a versão é completamente diversa da de
Santa Rita: "Dez dias antes eu sabia que a Mirian estava sendo
assediada pela equipe de Collor, com Glmeras e etc e tal". Sobre
a veracidade da fala, Tarso lança uma dúvida: "(Mirian) fez uma
ilação que não se pode comprovar".
Mirian teria recebido algum dinheiro para oferecer o de-
poimento? Novas divergências. Santa Rita diz que, no momento
da gravação, "Não se falou em dinheiro". Apenas depois do ocor-
/ rido teria havido alguma ajuda financeira à ex-namorada de Lula.
A própria Mirian Cordeiro afirmou, no final de seu depoimento,
que não fora convidada para estar ali, dando aquelas declarações,
mas que havia "se convidado".
Paulo de Tarso, por sua vez, afirma categoricamente que
"Mirian recebeu dinheiro e viveu por mais de dois anos com di-
nheiro do lado de lú. Na minha opinião, está provado que ela deu
um depoimento remunerado, que o desqualifica".
Divergências à parte, o fato é que o depoimento de Mirian
Cordeiro atingiu com toda a força a campanha da Frente Popular e o
próprio ânimo do candidato. A partir daquele dia, Lula se retraiu e
não apresentou uma defesa veemente das graves acusações que rece-
beu. A mais de um membro da campanha afirmou que não respon-
c.leria aquele ataque pessoal. Por fim, acabou gravando um vídeo em
que aparece ao lado de Lurian, sua filha com Mirian Cordeiro.

118
2° Debate
Entre um debate televisivo e outro teria ocorrido um apro-
fundamento na relação entre a Rede Globo e Fernando Collor.
Preocupado com o desempenho de seu favorito, Roberto Marinho
teria orientado seu vice-presidente José Bonifácio de Oliveira So-
brinho, o Boni, a auxiliar Collor na preparação da segunda rodada
com Lula.
Há duas versões sobre o caso. Uma delas foi trazida à tona
pelo jornalista Ma rio Sergio Conti ll3 e confirmada, anos depois,
pelo próprio Boni 11 4. Segundo essa versão, Bani teria se encontra-
do com o candidato do PRN nas dependências da Rede Globo, e
passado três orientações: em primeiro lugar, Collor deveria levar
pastas para o debate. A visão daquela material empilhado sobre a
bancada iria constranger Lula - que não poderia imaginar qual
tipo de escândalo poderia sair dali. Além disso, o candidato do
PRN deveria diminuir sua postura professoral, patronal, e apare-
cer mais "povo" na televisão. Assim, Collor entrou com o cabelo
desgrenhado e a gravata fora de lugar. Por último, deveria aparecer
menos "limpo".
Para tanto, teria caminhado pelos corredores da teve Man-
chete pouco antes do início do debate e passado glicerina no rosto,
aparentando estar levemente suado.
A estratégia pretendida por Boni lembra dois momentos
históricos da politica, uma no Brasil e outra nos Estados Unidos.
Em 1960, o então candidato à presidência, Jânio Quadros, espa-
lhava talco pelos ombros em suas andanças pelo país. Simulava
caspa e, ao fazê-lo, pretendia aproximar-se do povo simples da
nação. Queria apresentar uma estampa popular, alguém menos
preocupado com vaidade e veleidades do poder e mais focado no
trabalho, no fazer, no realizar. No caso de Jânio, assim como no de
Collor, parece que a estratégia funcionou.

133 CONTI (1999).


134 Disponível: http://bit.ly/McXC5X. Acesso em 10 ago. 2014.

119
Já nos Estados Unidos, também em 1960, uma postura
contrária à sugerida por Boni auxiliou na vitória do democrata
John Kennedy sobre o republicano Richard Nixon. Enquanto Ni-
xon surgiu com rosto cansado, suado e sem maquiagem, Kennedy
estava no auge da forma, lustroso e maquiado, vencendo o que
se tornaria o mais célebre dos debates televisivos da história
norte-americana.
Kennedy aparecia como o novo, o moderno, e Nixon, na
era das telecomunicações, parecia um produto vencido. Collor,
em 1989, já tinha consolidada sua imagem de novo. As supostas
orientações de Bani teriam, nesse caso, auxiliado o candidato a
não "virar o fio", tornando-se um pastiche de si mesmo.
A outra versão para o suposto auxílio de Bani a Collor
partiu do próprio ex-presidente. Em entrevista ao jornalista Gene-
ton Moraes Neto, no canal pago Globonews 13 5, Collor rechaçou
qualquer possibilidade de que o encontro com o vice-presidente
global tenha ocorrido. Segundo sua versão, as pastas estavam sobre
/ sua bancada pois continham "número, dados, estatísticas" - embo-
ra nenhuma delas tenha sido, sequer, aberta por Collor. O ex-pre-
sidente afirmou, ainda, que sua interlocução com a Globo não se
daria junto a funcionários, a subalternos, mas com o próprio dono
da emissora, Roberto Marinho.
O segundo debate daquele segundo turno ocorreu nos es-
túdios da Rede Bandeirantes de Televisão, em São Paulo. O time
de apresentadores e jornalistas foi o mesmo do primeiro debate.
Os candidatos, às 21h30 do dia 14 de dezembro, apareceram nas
telas de milhões de brasileiros. Não se cumprimentaram. Lula,
após o episódio envolvendo Mirian Cordeiro, não quis apertar a
mão do adversário.
O que se viu foi bem diferente do primeiro embate.
Collor, agressivo, cobrava de Lula uma suposta filiação a "ideo-
logias estranhas" ao Brasil - no caso, o comunismo. Questionou

135 FOLHA ONLINE. Ex-executivo da Globo mentiu sobre debate, diz Collor. Dis-
poníve: http://wwwl.folha.uol.com.br. Acesso em li ser. 2014.

120
até a riqueza do petista. Dizendo que havia visto, pela televisão,
um aparelho de som na casa de Lula c1ue nem ele , Collor, po d ena
·
comprar.
O candidato da Frente Popular reagiu mal a todas as pro-
vocações. Em vários momentos, gaguejou e, mais importante, não
cobrou de Collor o rebaixamento do nível da campanha, expresso
na polêmica envolvendo Mirian Cordeiro e a filha Lurian.
Ao término do debate, segundo relata Maria Sérgio Con-
ti, o assessor de imprensa de Lula, jornalista Ricardo Kotscho,
aproximou-se do candidato e ouviu dele uma resmungo-vaticínio:
"Perclemas a eleição ".
Poderia não ser para tanto. No início da tarde de sábado,
véspera da eleição, o Jornal Hoje, da Rede Globo, apresentou uma
versão do debate. A edição foi equilibrada, mostrava Collor me-
lhor e algumas das deficiências de Lula. Mas não foi arrasador em
relação à campanha da Frente Popular.
Nesse sentido falou Wianey Pinheiro, responsável pela
edição no Jornal Hoje, à própria Rede Globo: "Já no meio do
debate, eu tinha a clara noção de que o Lula estava perdendo. E,
ao final, eu concluí que ele tinha perdido o debate. Marquei reu-
.
nião cedíssimo , comecamos com o núcleo do Hoje, debati sobre
as nossas impressões. Demos o mesmo tempo, exatamente, para os
dois. Por quê? Porque o critério é esse, o debate teve duas horas,
nós temos que fazer [o compacto com] seis minutos. Durante as
duas horas eles tiveram exatamente o mesmo tempo; durante os
'
seis minutos, elementar, têm que ter o mesmo tempo. Em seis
minutos, você também passa o mesmo que nós sentimos em duas
136
horas: que o Lula perdeu o debate."
Entre o início da tarc.le de sexta e a entrada no ar do Jor-
nal Nacional, à noite, ocorreu um dos mais polêmicos processos
de produção de informações da imprensa brasileira. O fato é que
quem viu o debate na noite anterior e acompanhou a edição fei-

136 Disponível: http://memoriaglobo.globo.com/pcrfis/talentos/wianey-pinheiro.


htm. Acesso em 11 set. 2014.

121
ta para o Jornal Hoje percebeu instantaneamente, o dedo pesado
de outra força na disputa Collor - Lula. Para os editores do JN,
Collor massacrou Lula, derrubando-o várias vezes. Fosse boxe, a
contagem teria sido iniciada cinco, seis vezes.
Sobre aquele episódio, há, praticamente, dois consensos:
Collor foi melhor que Lula. Mas não tão melhor quanto o JN
pretendeu. Lembremos de que, no final dos anos 80, quando o
Jornal Nacional entrava no ar, havia uma multidão de telespecta-
dores "esperando para ver a novela". Aproximadamente 80% dos
televisores ligados no país recebiam as notícias de Cid Moreira e
Sérgio Chapelin, históricos apresentadores do telejornal. Foi um
período de glória para o JN, se glória fosse medida por índices
de audiência. Ocorre que o debate de quinta para sexta durou
mais de três horas. Poucos foram até o fim. Quem contou para a
massa de eleitores o que ocorrera na véspera foram os jornalistas
da Globo, seguindo, como veremos, ordens de Roberto Marinho,
proprietário da emissora.
Armando Nogueira, então diretor da Central Globo de
Jornalismo, disse que, logo após o Jornal Hoje, teria recebido a
aprovação do material por parte de João Roberto Marinho, filho
do dono da Globo. Teria, então, combinado com a jornalista Alice
Maria, segunda no comando do jornalismo da Rede, que o Jornal
Nacional reprisaria o material, sem qualquer alteração.
Em seguida, entram em cena dois outros personagens: Al-
bcrico de Souza Cruz, diretor de telejornais da Globo, e Ronald
Carvalho, editor de política do Jornal Nacional. Segundo Albe-
rico, Alice Maria teria comunicado a Carvalho o desconforto da
família Marinho com a edição do Jornal Hoje .
Os Marinho teriam achado que o material fora "manipu-
lado". Em favor de Lula. Alberico de Souza Cruz teria "lavado as
mãos", e entregue a questão para Carvalho. No momento do fe-
chamento do jornal, não havia ninguém para assistir à nova versão
do debate que teria sido idealizada por Carvalho, segundo deter-
minação da cúpula da empresa - Roberto Marinho e família - e

122
executada pelo editor do Jornal Nacional, Octávio Tostes.
Octavio Tostes também falou sobre o caso. Ninguém foi
mais incisivo: "O Ronald, editor de política, entrou na ilha e disse,
textualmente, o seguinte: é para fazer uma edição com o melhor de
Collor e o pior de Lula(. .. ). Quando a matéria foi ao ar, expressan-
do uma emoção minha ou reagindo ao clima da redação, eu disse:
'Isto não é jornalismo. Este é o trabalho mais sórdido que já fiz em
minha vida'. (... ) Uma pessoa que tinha uma trajetória completa-
mente oposta àquilo se viu numa condição de fazer uma edição
desequilibrada. Aquilo é uma peça antológica de mau jornalismo.
Acho que revolvendo o passado deve se mostrar coisas que não
devem ser feitas nunca mais: esta é uma delas" 137 •
A edição ajudou na vitória de Collor? Collor venceria de
qualquer forma? Hipóteses para a chamada "história contrafactu-
al" - o que teria acontecido "se"? Não houve "se". Collor venceu
Lula no domingo, 17 de dezembro. Mas não são poucos os acadê-
micos que colocam aquele JN como elemento fundamental para
a vitória collorida. Segundo o historiador e cientista político Nilo
André Piana de Castro, a edicão foi decisiva: "Contou muito (para
a vitória de Collor). Foi decisiva a operação mantida pela Globo
para esse debate. Tem que acompanhar o que as pesquisas aponta-
vam: Collor em queda, e Lula em ascensão. Tu tens fatos que de-
sestabilizam o Lula, mas não foram muito bem-vistos pela popula-
ção, aí tu tens o debate, e tu tens a edição do debate'. Afinal quem
ganhou? Era meio subjetivo, depende de quem viu tudo, depende
do que as pessoas acham, mas a Globo montou um noticiário, que
tinha credibilidade, bastante, que tinha uma audiência gigantesca,
e disse quem ganhou, e disse que quem ganhou, ganhou longe.

137 A história é contada com detalhes em um vídeo, tanto as falas de Alberico,


quanto as de Carvalho e Tostes. No entanto, o material é seguidamente retirado do site
YouTube. Ao encerrarmos a edição deste livro, estava disponível em https://www.youtube.
com/watch!v=9fDbbxMTJg8. Acesso em 11 set. 1989. O site Observatório da Imprensa
também reproduz as impressões de Tostes, embora sem o detalhamcnto do depoimento
dado em vídeo: Disponível: http://www.observatoriodaimprensa.eom.br/news/view/a-
•mais-polcmica-edicao-do-jornal-nacional. Acesso cm 11 set. 2014.

123
Então a Globo não foi isenta, não foi um veículo de informação, a
Globo fez propaganda, ela se posicionou e ajudou muito a garantir
a vitória de Collor. Aí a curva, que era de queda de Collor e ascen-
são de Lula, se inverte. 138 "
O historiador Gilberto Calil, da Universidade do Oeste
do Paraná segue a mesma linha, ao afirmar que "pela diferença
reduzida que se teve, em torno de 4% - 2% para um, 2% para
outro - é muito provável, muito possível que essa edição, na an-
tevéspera, sem a possibilidade de novos programas eleitorais que
apresentassem uma versão diferente, que isso incidisse no número
de indecisos, mas a gente entra no terreno de conjectura. O que é
fato é que houve uma intenção clara, deliberada, de interferir no
resultado da eleição" 139 •
Ricardo Noblat, jornalista, um dos mais argutos obser-
vadores daquele pleito, também abordou o assunto. Em coluna
publicada no dia 22 de dezembro, faz um histórico das últimas
/ pesquisas de intenção de voto. Em sondagens do Ibope e do Gal-
lup realizadas antes do último final de semana da campanha, Lula
diminuía a diferença em relação a Collor: "Ele (Collor) continuava
caindo enquanto Lula subia. (... )" 14º. Em seguida, trata da pesqui-
sa Datafolha, que ouviu eleitores ao longo do sábado, véspera do
pleito: "Salvo a hipótese, portanto, de as pesquisas do Gallup e do
lbope terem sido mal aplicadas, o candidato do PT perdeu a eleição
entre o sábado e o domingo dia 17. Lula e Collor debateram na tele-
visão na noite de quinta-feira, dia 14. (... ) Na noite da sexta, o Jornal
Nacional apresentou um resumo do debate dos candidatos" 141 •
Os únicos fatos relevantes ocorrido entre quinta e sexta

138 Entrevista foica pdo autor com Nilo Andr~ Piana de Castro, professor <lo Col0-
gio de Aplicação da UFRGS e doutor em Ciência Política pela ur:RGS.
l 39 Entrevista feita pelo autor com Gilberto Grassi Calil, professor da Universidade
do Oeste do Paran;í e pós- doutor em História pela Universidade de Lisboa.
140 Disponível: http://oglobo.globo.com/pais/noblar/posts/2010/07 /04/a-elei-
cao-<.kcollor-partc-vi-305732.asp. Acesso cm li ser. 2014.
14 l Disponível: http://oglobo.globo.com/pais/noblar/ posts/2010/07/04/a-clei-
cao-de-collor-partc-vi-305732.asp. Acesso cm l l set. 2014.

124
foram o debate e suas edições no Jornal Hoje e no Jornal Nacional.
Estaria aí a chave do reverso nas pesquisas? De toda sorte, foi a úl-
tima coluna que Noblat escreveu no Jornal do Brasil. Foi demitido
pois a direção do jornal avaliou a cobertura do JB como "petista"l42.
Mas foi esta a coluna que, de fato, desempregou o articulista.

A campanha barra pesada - O dia do pleito - Lobão


Em 1989, o músico carioca Lobão lançou o disco "Sob o
Sol de Parador", uma obra essencialmente política, com destaque
, . "Pan-amencana
para as musicas . " e "Quem quer votar"Q . uem co-
nhece apenas o roqueiro nos anos de governo Dilma Rousseff - do
qual é grande critico - não teria como visualizar a cena protagoni-
zada por ele, tendo como pano de fundo o Programa do Faustão,
da Rede Globo 143 • O episódio ocorreu exatamente no dia da vota-
ção do segundo turno, 17 de dezembro.
Estamos na tarde daquele domingo, e Lobão entra ao vivo
na programação global. Antes de mais nada, cobra das pessoas o
fato de estarem ali e não votando. Lembra: "É até as 5 da tarde,
tem que votar" 14 4. Em seguida, aumenta o tom: "Sai daqui e vai
correndo, vai votar sem medo de ser feliz, não é verdade?" 145 • "Sem
medo de ser feliz" era uma frase símbolo da campanha de Lula. Ao
mesmo tempo, o roqueiro fazia o L, de Lula, com a mão esquerda.
O mais desconcertante ocorreu quando Lobão executou a
música "Quem quer votar". Nesse momento, reelaborou o refrão, que
era o título da música repetido várias vezes por um chamamento ao
voto no PT. Ficou mais ou menos assim: "Quem vai votar/ Quem vai
votar? É Lu-la-lá. Ao fim, grita: "Lula, sem medo de ser feliz, Lula!" 146

142 Idem.
143 A história de Lobão no Faustüo cstú contada na dissertação de mestrado de
Paulo Gustavo da Encarnação, "Brasil mostra a tua cara: rock nacional, midia e a democra-
tização da política (1982-1989). p. 162. Defendida em 2009 na UNESP, campus de Assis cm
S.io Paulo.
144 Idem.
145 Idem.
146 Idem.

125
A banda que acompanhava o cantor ensaiou os primeiros
acordes do jingle petista "olê, olê, olê, olá, Lula, Lula". Antes de
encerrar, faz um aviso-provocação: "Sem medo de ser feliz, sem
crime eleitoral, isso é apenas uma preferência nacional" 147 •
A punição por crime não veio. O que veio foi uma ordem
da direção da Globo que baniu o cantor por longos anos de todo e
qualquer programa da rede. Mesmo sem a visibilidade global, Lo-
bão sobreviveu e tornou-se um dos maiores adversários do modelo
petista de governar.

A campanha barra pesada - O dia do pleito - Abílio


Diniz
Enquanto o país acompanhava, pela televisão, os movi-
mentos de partidos e candidatos naquele 17 de dezembro de 1989,
um drama ocorria na rua Ilashiro Miazaki, na capital paulista. O
empresário Abílio Oiniz, executivo do grupo Pão de Açúcar, havia
sido sequestrado por um comando guerrilheiro, formado por inte-
/ grantes de vários países, no dia 11 de dezembro.
A imprensa já tinha informações sobre o fato, mas passou
a acompanhá-lo apenas no final de semana do segundo turno. Ha-
via um componente incendiário naquele crime: boatos de que os
sequestradores, ligados a grupos de esquerda latino-americanos,
teriam ligações com o Partido dos Trabalhadores.
A repercussão do fato na imprensa, segundo pesquisado-
res do período, também impactou o resultado da eleição, embora
seja uma equação difícil de fechar, dado os múltiplos fatores em
jogo naquele momento. Um trabalho exemplar de análise deste
episódio foi feito pela professora universitária e doutora em Co-
municação Social, Diana Paula de Souza 148 • Segundo Souza, "A
imprensa, voluntariamente ou não, acabou associando o sequestro

147 Idem.
148 Trabalho apresentado ao GP Teorias do Jornalismo, IX Encontro dos Grupos/
Núcleos de Pesquisas em Comunicaç.io, evento componente do XXXII Congresso Brasilei-
ro de Ciências da Comunicaç.io. Disponível: http://www.intercom.org.br/papers/nacio-
naís/2009/rcsumos/r4-l740-l.pdf. Acesso cm 10 ser. 2014.

126
à eleição na medida em que deu a mesma importância aos dois epi-
sódios, o que explicaria a repercussão que o caso alcancou. Além
disso, mesmo que as afirmações acerca dessas supostas li~ações não
fossem conclusivas, a própria sugestão de haver envolvimento do PT
no caso já é suficiente para interferir no resultado do pleito".

Financiamento da Campanha
Um dos temas menos tratados na vasta cobertura de im-
prensa sobre a eleição foi o financiamento das campanhas. De onde
saiu o dinheiro para que os candidatos pudessem cruzar o país em
jatinhos executivos ou produzir grandes comícios que mais lembra-
vam shows de estrelas da música? Não parece possível recontar este
lado da história, embora alguma coisa tenha sido dita sobre a cam-
panha vitoriosa de Fernando Collor. Em relação aos demais candi-
datos, não foram localizados quaisquer dados confiáveis.
Primeiro, a regra. A lei que pautou o financiamento da
campanha de 1989 era a de nº 5682, promulgada no distante ano de
1971. Dizia a norma que era vedado aos partidos políticos "receber,
direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribui-
ção, auxilio ou recurso procedente de empresa privada, de finali-
dade lucrativa, entidade de classe ou sindical" 149 • Não havia, por-
tanto, a possibilidade legal de que as campanhas fossem irrigadas
com dinheiro de empresas privadas. Segundo a pesquisadora Lara
Marina Ferreira, em dissertação apresentada em 2012,isto teria le-
vado os candidatos "a procurarem fontes proibidas para financiar
as campanhas eleitorais" 150 • Os meandros destas supostas burlas à
legislação, reafirmamos, são difíceis de se mapear, já que, à época,
não foram investigados.
Após a eleição, algumas estimativas apontavam que
Collor de Melo havia arrecadado cerca de U$ 160 milhões, "dos

149 Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l970-l979/L5682.htm Aces-


so cm 24 sct. 2014.
150 FERREIRA, Lara Marina. Cifras e Votos:Uma relação democrútica? Disserta-
ção. Programa de pós- graduação da Faculkdade de Direito da Universidade Federal de
Minas Gerais, 2012. Disponivel cm http://migrc.me/1RcjP Acesso cm 24 set. 2014.

127
quais sobraram 60 milhões para gastar depois" 151 , segundo afir-
mou o jornalista Mario Sergio Conti, em seu Notícias do Planalto.
Segundo a mesma fonte, Collor teria orientado seu tesoureiro de
campanha, Paulo Cesar Farias, o PC, a ir administrando as so-
bras e preparando um caixa para eleição que ocorreria em 1990,
quando estariam em disputa vagas para o Congresso Nacional.
Conti também esmiuça as estratégias de PC para criar categorias
de doadores entre o alto empresariado brasileiro - seriam grupos
de pessoas divididas pelo valor das doações, que iriam de um a 10
milhões dólares 152 •
As sobras de campanha não serviram apenas para custear
a eleição de 1990. Também foram utilizadas para o pagamento
de certos luxos à Collor e equipe. O presidente teria reformado
sua casa em Brasília a um custo de U$ 5 milhões, logo depois da
eleição. A divulgação das imagens dos jardins da Casa da Dinda
foi um duro golpe no mandato de Collor, contribuindo para seu
afastamento. O esquema montado para arrecadação de fundos
também teria continuado, via Paulo Cesar Farias, agora para dis-
tribuir favores governamentais aos apoiadores do caixa do colloriclo.
Esta série de questões está na base do processo de impeachment que
Collor sofreria em setembro de 1992.

Collor presidente
No final do dia 17 de dezembro, as principais emissoras de te-

/ levisão do país passaram a divulgar pesquisas de opinião feitas nas filas


de votação. Os resultados dessas pesquisas de boca de urna seriam con-
firmados pela contagem dos votos (ver o resultado final nos Anexos).
Collor vencera o pleito e seria o primeiro presidente da República eleito
pela população desde Jânio Quadros, em 1960. Pelo Gallup, Collor teria
51,4% dos votos, contra 48,6% de Lula. O candidato do PRN venceria
também no Ibope e no Datafolha: 52% a 48% e 51,5% a 48,5%.

151 CONTl (1999), pg. 292.


152 Idem, Pg. 289.

128
O resultado oficial foi ainda melhor: Collor chegaria a
cerca de 53% dos votos válidos. Mais de 35 milhões de brasileiros
expressaram sua preferência por ele.
Lula fez 31 milhões de votos.
Muita exposição na mídia, inteligência no momento de
sedimentar o perfil desejado pelo eleitorado e um forte apoio de
importantes setores do empresariado e da mídia levaram o jovem
ex-governador alagoano ao posto máximo da nação.
Na "Casa da Dinda", residência de Fenando Collor em
Brasília, um seleto grupo acompanhava a apuração da maior elei-
ção de todos os tempos.
Na madrugada do dia 18, poucas horas após o início da
contagem de votos, uma projeção feita pela Rede Globo apontava
Collor como o novo presidente. Segundo o jornalista Maria Sér-
gio Conti, "Collor levantou-se, ergueu os punhos e gritou: 'Vamos
lá, minha gente! Brasil! Brasil! Brasil!' Todos se abraçaram e muitos
choraram, inclusive Collor. Ele cumprimentou e agradeceu a todos
· "153
que estavam na sala, de sua mãe aos seguranças e motoristas ·
Collor não faria um governo à altura daquela campanha.
Tomou posse em março de 1990 e, em setembro de 1992,
deixaria o cargo sob pesadas denúncias de corrupção.
Mas essa é outra história.

------

153 CONTI, Mario Sérgio. Noticias <lo Planalto. 1999. 277p.

129
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Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em História Social
- Universidade Severino Sombra. Rio de Janeiro: Vassouras, 2009.

132
Anexos

133
Os Candidatos
Em nenhuma eleição presidencial tivemos tantos candi,
datos registrados. A ampla liberdade de organização partidária
permitida naquele Brasil pós-ditadura, e o fato de que eleição era
"solteira" levou os partidos, praticamente na sua totalidade, a lan,
çar candidatos próprios. Seria também a primeira vez em que te-
ríamos um segundo turno. Pensando em marcar posição e depois
articular eventuais alianças, chegamos as 22 postulantes ao Palácio
do Planalto.

Affonso Camarao Neto (PTB)


Antônio dos Santos Pedreira (PPB)
Armando Corrêa da Silva (PMB)
Aureliano Chaves (PFL)
Celso Brant (PMN)
Enéas Ferreira Carneiro (PRONA)
Eudes Oliveira Mattar (PLP)
Fernando Collor de Mello (PRN)
Fernando Gabeira (PV)
Guilherme Afif Dominaos (PL)
José Alcides Marronzinho de Oliveira (PSP)
Leonel Brizola (PDT)
Lívia Maria Pio (PN)
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
Manoel de Oliveira Horta (PCBdoB)
Mário Covas (PSDB)
Paulo Gontijo (PP)
Paulo Salim Maluf (PDS)
Roberto Freire (PCB)
Ronaldo Caiado (PSD)
Ulysses Guimarães (PMDB)
Zamir José Teixeira (PCN)

134
Resultado Oficial· Primeiro Turno

Candidatos Vice-candidatos Votos %


Fernando Collor de Mello (PRN) Itamar Franco (PRN) 22.611.011 28,52
Luiz Inácio Lula da Silva (f'T) José Paulo Bisol (PSB) 11.622.673 16,08
Leonel Brizola (PDn Fernando Lvra (PDn 11.168673 15,45
Mário Covas (PSDB) Almir Gabriel (PSDB) 7.790.392 10,78
Paulo SaLim Maluf (PDS) Bonifm de Andrcda (FDS) 5.986.575 8,28
Guilherme Afif Domingos (PL) Aluísio Pimenta (PDC) 3.272.462 4,53
Ulysses Guimarães (PMDB) Waldir Pires (PMDB) 3.204.932 4,43
Roberto Freire (PCB) Sérgio Arouca (PCB) 769.123 1,06
Aureliano Chaves (PFL) Cláudio Lembo (PFL) 600.838 0,83
Ronaldo Caiado (PSD) Camilo Magalhães (PDN) <'188.846 0,68
Affonso (amargo Neto (PTB) Luís G. Muniz (PTB) 379.286 0,52
Enéas Ferreira Carneiro (PRONA) Lenire de S:::uza (FID\JA) 360.561 0,50
José Alcides M de Oliveira (PSP) Reinau VaLim (PSP) 238.425 0,33
Paulo ContiJO (PP) Luís Paulino (PP) 198.719 0,27
Zamir José Teixeira (PCN) WilLiam P da Silva (PCN) 187.155 0,26
Lívia Maria Pio (PN) Ardwin R Grunewald (PN) 179.922 0,25
Eudes OLiveira Mattar (PLP) Daniel L Júnior (PLP) 162.350 0,22
Fernando Gabeira (PV) Maurício L. Abreu (PV) 125.842 0,17
Celso Brant (PMN) José Natan Neto (PMN) 109.909 0,15
Antmio dos Santos Pedreira (PPB) José F. da França (PPB) 86.114 0,12
Manoel de O. Horta (PDCdoB) José C de Sá (PDCdoB) 83.286 0,12
Armando Corrêa da Silva (PMB) Agostinho de Souza (PM8) 4.363 0,01

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral

Resultado Oficial· Segundo Turno

Candidatos Votos %
Fernando Collor de Mello (PRN) 35.089 998 53,04
Luiz Inácio Lula da Silva (f'T) 31.ü76.364 46,96

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral

BIBLIOTECA CENTRAL
PUCRS 135
Este livro foi composto na tipologia Goudy, em corpo 11/13,
e impresso pela Lorigraf Gráfica e Editora Ltda em outubro de 2014.

136
Rodrigo de Aguiar Gomes é historiador,
formado pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Trabalhou como pesquisador
na Secretaria Municipal de Cultura de Porto
Alegre, publicando obras sobre a história da
capital gaúcha. Foi professor da rede estadu-
al de ensino do Rio Grande do Sul, lecionan- ·
do no Colégio Estadual Júlio de Castilhos.
Atualmente, é servidor da Justiça Eleitoral,
atuando, desde 2010, na Assessoria de
Comunicação Social do TRE-RS.
--
-- _:..,

Aeleição de 1989 é a maior de nossa História por várias razões.


Ji'.oi a primeira eleição para presidente após o ciclo autoritário
vivido entre 1964 e 1985. Foi uma eleição "solteira", na medida em que
apenas o cargo de presidente estava em disputa - isto nunca mais
voltaria a ocorrer.
Na disputa pelo cargo estavam todos os principais políticos dos
maiores partidos brasileiros: Leonel Brizola (PDT), Luiz Inácio Lula
da Silva (PT), Mário Covas (PSDB), Ulysses Guimarães (PMDB),
Paulo Maluf (PDS), Aureliano Chaves (PFL).
1, No entanto, seria eleito Fernando Collor de Melo, ex-prefeito
1 biônico de Maceió-AL, que concorreu pelo inexpressivo PRN.
A eleição de 1989 mobilizou o país. Grandes segmentos da popula-
ção, além de acompanhar as mais de duas horas diárias de Horário
Eleitoral Gratuito, foram às ruas, em comícios cujo gigantismo não
foi mais visto.
A "longa" década de 1980 chegava ao final com um sentido de
urgência e transformação.

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