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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

SOBRE ARQUEOASTRONOMIA

Fernando Coimbra*

O Homem é senhor de tudo o que sabe


e escravo de tudo o que ignora
Baruch Spinoza (1632 - 1677)

INTRODUÇÃO

Nas últimas três décadas os estudos e as reuniões científicas sobre Arqueoastronomia


multiplicaram-se com grande intensidade, sendo alguns congressos sobre esta temática
promovidos pela Universidade de Oxford. Todavia, ainda hoje, parte significativa da
comunidade arqueológica desconfia desta disciplina.
Este artigo não pretende fazer a apologia da Arqueoastronomia mas também não visa
desacreditá-la. Baseia-se num conjunto de observações e reflexões que o autor pretende que
sejam imparciais, tanto quanto possível. Mas, antes de mais, torna-se necessário colocar duas
questões: o que é a Arqueoastronomia? Quais os seus objectivos?
Para responder utilizamos definições propostas por mais de um autor. Assim, para
Juan António Belmonte Avilés, investigador do Instituto de Astrofísica das Canárias “la
Arqueoastronomia es una ciência interdisciplinaria, a caballo entre la Investigación
Astronómica y la Investigación Arqueológica, cuyo objectivo es estudiar las prácticas
astronómicas de las civilizaciones antiguas, relacionadas con su visión del Cosmos y su ciclo
cultural y/o económico. Este estudio se puede centrar en los registos orales y escritos
(Etnoastronomia) o en los meramente arqueológicos (pictográficos, rupestres, escultóricos,
monumentales, etc.)” (BELMONTE AVILÉS, 2000: 14).
De acordo com o programa do curso An Introduction to Archaeoastronomy, da
Universidade de Leicester, no Reino Unido, “Archaeoastronomy is the study of beliefs and
practices concerning the sky in the past, and especially in prehistory, and the uses to which
people’s knowledge of the skies were put” (UNIVERSITY of LEICESTER, s/d).
Concordamos mais com esta definição do que com a de J. A. Belmonte, visto que
falar de práticas astronómicas em civilizações antigas, como este autor refere, parece-nos
uma generalização abusiva. Preferimos encarar a Arqueoastronomia como o estudo das
crenças e práticas relativas ao céu, como proposto pelo citado curso de Leicester.
Entretanto verifica-se que História da Astronomia, Arqueoastronomia e
Etnoastronomia são disciplinas cujas informações se entrecruzam, passando-se desde o início
da década de 90 do séc. XX a utilizar a denominação astronomia cultural para designar os
“estudos ou linhas de investigação relacionando a astronomia com as ciências humanas ou
sociais” (BELMONTE AVILÉS, 1999: 25).
Embora não pretendamos fazer a história da Arqueoastronomia (1), importa salientar
que em Portugal um dos pioneiros desta disciplina é o Prof. Cândido Marciano da Silva,
cujos trabalhos nesta área remontam já a meados da década de 70. Todavia, no nosso país o
número de arqueastrónomos que trabalham com rigor científico é ainda muito reduzido. Pelo
contrário, em países como a Inglaterra, Itália, França, Bulgária, Alemanha, Hungria e Polónia
o número de investigadores que se dedicam à Arqueoastronomia é já considerável
(IWANISZEWSKI, 1994).
Não podemos deixar de referir que existem várias organizações internacionais
dedicadas a promover os estudos desta disciplina. As que encerram um carácter profissional
são duas:
SEAC (Societé Europeéne pour l’ Astronomie dans la Culture), fundada em França
em 1992 e ISAAC (International Society of Archaeoastronomy and Astronomy), que surgiu
por inspiração da primeira, que organiza anualmente um congresso, alternadamente na
Europa Ocidental e na Europa Oriental, sendo as actas regularmente publicadas (SEAC, s/d).
A Universidade de Leicester faculta um curso não graduado sobre Arqueoastronomia,
tendo como objectivos gerais, entre outros, os seguintes:
Introdução aos problemas levantados pela Arqueoastronomia; princípios
metodológicos e conflitos em torno da disciplina; compreensão crítica do papel da
Arqueoastronomia no seio da Arqueologia; valor e problemática dos estudos altamente
interdisciplinares.
Esta Universidade projecta, para o futuro, um Curso de Mestrado em
Arqueoastronomia no seio da School of Archaeology and Ancient History da mesma
instituição (UNIVERSITY of LEICESTER, s/d).
Todavia, apesar deste enquadramento profissional e universitário da
Arqueoastronomia, existem ainda diversos conflitos em torno desta disciplina que se torna
necessário equacionar e que são abordados seguidamente.

1 - CONFLITOS EXISTENTES NA ARQUEOASTRONOMIA

Como já foi referido, a Arqueoastronomia é polémica em alguns meios académicos


que argumentam que a metodologia científica utilizada nesta área de investigação fica
empobrecida.
Por outro lado, alguns arqueoastrónomos evidenciam um idealismo exagerado que
deve ser temperado com pragmatismo (TAYLOR, 2000). De facto, pensamos que é devido a
alguns praticantes desta disciplina que são pouco rigorosos, demasiado subjectivos e
idealistas que ela é encarada com alguma reserva, quando não é pura e simplesmente
rejeitada. Na realidade, em meados da década de 80, começou-se a verificar no próprio seio
da Arqueoastronomia que a “descoberta” de alinhamentos em alguns monumentos
megalíticos “que causaran la impresión del alto saber astronómico de las sociedades
neolíticas, en muchos casos, se debían al proprio investigador que conocía de antemano las
orientaciones pertinentes y las ‘descubría’ luego en el yacimiento (IWANISZEWSKI, 1994:
12). De acordo com C. Marciano da Silva “o simples facto duma direcção se materializar em
monumentos megalíticos não é suficiente para lhe atribuir qualquer significado de natureza
astronómica. Este significado tornar-se-à progressivamente mais plausível à medida que se
adicionam factos adjuvantes que entretanto se descubram e que concorram no sentido de
reforçar a interpretação” (SILVA, 2000). Estes factos adjuvantes poderão ser, por exemplo,
elementos da arte megalítica tais como crescentes lunares e sóis, que surgem em menhires ou
em cromlechs que evidenciam possíveis orientações solares ou lunares.
Investigação sucessiva realizada no Alentejo Central parece indicar verdadeiramente
a existência de recintos megalíticos com alinhamentos significativos direccionados para
aqueles astros (SILVA, 2000; SILVA e CALADO, 2003; CALADO, 2004; OLIVEIRA e
SILVA, no prelo).
De facto, o progressivo processo de sedentarização permitiria a observação
continuada dos movimentos do sol e da lua sobre a linha do horizonte, efectuados com
intenções de calendarização (SILVA e CALADO, 2003). Enquanto que para os caçadores
recolectores nómadas o espaço e o tempo assumem características lineares (IDEM,
IBIDEM), para o homem sedentário o tempo torna-se cíclico e o espaço é valorizado de
modo particular, “wich becomes in some respects a center of the world” (SILVA e
CALADO, 2003: 78). Deste modo, a paisagem, que agora inclui corpos celestes, inclui uma
dimensão extra na estrutura do diálogo simbólico entre homem e natureza, resultando na
sacralização do espaço e na ritualização do tempo (OLIVEIRA e SILVA, no prelo).
De acordo com Clive Ruggles (1998), a Astronomia surge como parte integrante de
todas as cosmologias nativas, significando que é insensato estudar paisagens sagradas
separadamente do céu. De facto, na Pré-história, religião e astronomia estão muito próximas
e numerosos mitos das Civilizações Pré-Clássicas e Clássicas parecem basear-se em
acontecimentos astronómicos (2), como, por exemplo, o nascimento da deusa Atena, que
nasce da cabeça de Zeus (COIMBRA, 2007). Alguns astrónomos vêem nesse mito a
separação de um cometa em dois, facto atestado na História da Astronomia por diversas
vezes, tendo sido registado ainda em meados do séc. XIX com a passagem do cometa Biela.
Alguns arqueoastrónomos argumentam que determinados monumentos históricos ou
pré-históricos estão orientados para a estrela ou para a constelação x, y ou z. Todavia aqui
coloca-se uma questão fundamental, que se aplica também a todo o campo de estudo da
astronomia cultural e que é a seguinte: as orientações propostas para esses monumentos são
intencionais ou não passam de coincidências?
Vejamos um exemplo que esclarece melhor o que pretendemos dizer:
Imaginemos que daqui a cinco ou seis mil anos o Centro Cultural de Belém se
encontra em ruínas e se perderam todas as informações escritas relativas ao mesmo. (3) Uma
vez que a entrada principal desse edifício está virada para o jardim fronteiro ao Mosteiro dos
Jerónimos e consequentemente virada a leste, um arqueoastrónomo que se preocupasse
apenas com orientações astronómicas e não trabalhasse em conjunto com um arqueólogo
poderia facilmente ser iludido se, por acaso, a luz do sol num dos solstícios ou num dos
equinócios iluminasse algum sector significativo das ruínas em questão. Seria então,
certamente, elaborada por esse investigador a teoria sobre um culto solar praticado por
aqueles longínquos antepassados, sendo os vestígios arquitectónicos do CCB considerados
como um templo. Nada mais falso…
Este exemplo hipotético revela a extrema necessidade de se trabalhar em conjunto
com um arqueólogo se o objectivo é praticar uma Arqueoastronomia com rigor científico.
Actualmente há ainda inúmeros astrofísicos e astrónomos que se interessam por astronomia
cultural mas cujos trabalhos se baseiam quase que exclusivamente em medições e
alinhamentos de carácter astronómico, que muitas vezes não passarão de conjecturas. A
Arqueoastronomia lida com astros mas lida principalmente com seres humanos. Ignorar a
informação arqueológica relativa a um sítio que se pretenda estudar de modo
arqueoastronómico pode levar a graves erros de interpretação. Por exemplo, durante o XIII
Congresso da SEAC (2005), numa visita de estudo ao Nuraghe Losa (Sardenha) algumas
interpretações que nos chegaram aos ouvidos por parte de alguns arqueoastrónomos eram no
mínimo irreflectidas, pois pretendiam ver astronomia onde a explicação mais racional era
diversa. De facto, um dos participantes “explicava” a um colega que uma fresta aberta
sensivelmente a meio da torre central do monumento teria sido feita para observar o sol. Na
nossa opinião isso seria uma inutilidade, pois do alto da torre a observação seria muito mais
fácil e efectuada num ângulo de 360 graus (Fig.1), ao contrário da visão limitada através da
estreita abertura, cuja função seria possivelmente de seteira, de entrada de ar ou ambas. Na
realidade são interpretações subjectivas e exageradas como a deste arqueoastrónomo que
tornam a Arqueoastronomia pouco credível e que alguns promotores desta disciplina têm
procurado combater com mais ou menos sucesso.

Fig.1 – Nuraghe Losa, torre central.

Alguns autores referem que os nuraghes da Sardenha são, de modo geral, orientados
astronomicamente em relação ao sol, mas a intenção de quem os construiu talvez fosse
simplesmente beneficiar de mais luz durante o dia. Daí estarem “orientados” para aquele
astro, tendo sido uma finalidade pragmática que presidiu à sua construção e não um alto
saber astronómico dos seus construtores, como alguns pretendem. Isto não invalida que haja
verdadeiramente alinhamentos intencionais mas, para se chegar a essa conclusão, é
necessário conhecer a cultura dos povos que habitaram os nuraghes e não fazer tábua rasa
dos ensinamentos arqueológicos como acontece com alguns arqueoastrónomos.
Entretanto, um dos campos onde os estudos de Arqueoastronomia poderão ser mais
proveitosos é a pesquisa dos fenómenos astronómicos transitórios passados como eclipses, a
passagem de cometas, meteoros e queda de meteoritos. Juan A. Belmonte refere que este tipo
de investigação, surpreendentemente, sempre ocupou um lugar secundário do seio da
astronomia cultural (BELMONTE AVILÉS, 1999). Na nossa opinião será precisamente esta
a área onde a Arqueoastronomia poderá contribuir de forma decisiva para o melhor
conhecimento das culturas do passado. De facto existe um manancial de dados e informações
dispersas sobre aquele tipo de fenómenos que não têm recebido a atenção quer de
arqueólogos, quer de astrónomos. Mas, como já referimos na nota 2, esta temática seria
pretexto para outro trabalho de investigação com uma extensão considerável. (4)

2 - ARQUEOLOGIA E ASTRONOMIA

Actualmente, cada vez mais astrónomos reconhecem que a Terra, ao longo da sua
história, tem sido bombardeada por cometas, pequenos asteróides, meteoritos e chuvas de
meteoros (NAPIER, s/d). Bill Napier, astrónomo do Armagh Observatory (Irlanda), afirma
que existiram épocas em que o céu apresentou “one or more visible, periodic comets,
associated with annual fireball storms of huge intensity (...). Such phenomena (...) surely had
a profound effect on the minds of early peoples. At a minimum, traces of this ancient sky
should be detectable in the artefacts and belief systems of the earliest cultures” (NAPIER,
1998: 31).
A última frase que transcrevemos deste autor aponta para um vasto campo de
trabalho, onde os arqueoastrónomos encontrarão recursos quase inesgotáveis e não se
perderão em alinhamentos cuja intencionalidade poucas vezes conseguirão provar. De facto,
os vestígios de este céu antigo de que fala Napier parecem realmente surgir em algumas
gravuras rupestres pré-históricas, representando cometas, meteoros e eclipses, que vão sendo
descobertas em número crescente por todo o Mundo. Um dos sítios mais fascinantes onde
surgem estes motivos é a chamada Toca do Cosmos (Baía, Brasil), uma gruta com
representações de sóis, possíveis cometas e eclipses (Fig2).

Fig2 – Eclipse solar? Pinturas rupestres da Toca do Cosmos.


(Foto de Cláudia Cunha).

Outros exemplos interessantes podem ser vistos na arte rupestre de Mont Bego
(França), com insculturas do III milénio a.C. muito semelhantes a representações cometárias
publicadas em obras de astronomia do séc. XVI (BARALE, 2003: 122-123).
Para além disso, de acordo com o astrónomo britânico Clive Ruggles, as actividades
dos povos pré-históricos, entre as quais a arte, eram fortemente dependentes das suas
percepções do mundo, sendo expressas em sistemas de crenças e rituais onde os fenómenos
celestes eram uma parte integrante dessas mesmas percepções (RUGGLES e BURL, 1995).
Na realidade, a arte megalítica apresenta com frequência imagens de sóis e de crescentes
lunares, conforme referimos atrás.
Na década de 90 do séc. XX, uma equipa interdisciplinar de arqueólogos e
astrónomos estudou mais de trezentos dólmenes na Península Ibérica, de Norte a Sul,
concluindo que apenas 3% estavam orientados para o nascer do sol em qualquer época do
ano (BELMONTE AVILÉS, 1999). É necessário referir aqui que, ainda não há muito tempo,
existia o “mito arqueológico” que quase todos os túmulos megalíticos estavam voltados a
leste devido a rituais funerários. Este é outro exemplo de trabalho arqueoastronómico que se
torna importante para a investigação arqueológica.
Os estudos de Arqueoastronomia devem também considerar o trabalho de autores
clássicos como Heródoto, Plínio-o-Velho, Séneca e Apolónio de Myndus, entre outros. Por
exemplo, o primeiro descreve a tribo dos Atarantes (Líbia) que amaldiçoavam o sol mas
invocavam o céu pelas suas capacidades de produzir chuva. De facto, em terras quentes e
secas o sol pode ser encarado como um inimigo, provocando seca e destruindo a agricultura.
Ao contrário, em países frios e húmidos, o sol pode ser visto como um deus, aquecendo os
corpos e iluminando o dia (COIMBRA, no prelo2). Este exemplo demonstra que o culto
solar, outro “mito arqueológico”, não é tão universal como parece à primeira vista.
Para além das informações de textos antigos, a investigação etnográfica também
contribui com dados importantes para a Arqueoastronomia. É o que acontece com as
pesquisas realizadas no Oeste americano com descendentes de tribos indígenas como os
Pueblo, Hopi, Zuni e Navajo. Por exemplo, de acordo com Charles Loloma, um líder
religioso dos Hopi, (5) o motivo da espiral, que surge frequentemente na arte rupestre do
Sudoeste Americano, representa o movimento anual do sol (SOFAER e SINCLAIR, 1983).
Esta informação é extremamente importante, quer para a interpretação daquele símbolo, quer
para a análise do possível significado astronómico de alguns petróglifos semelhantes
existentes no Novo México. Na realidade, em Fajada Butte, uma elevação proeminente da
região de Chaco Canyon existe uma grande espiral que é atravessada por uma espécie de
“espada de luz” em determinadas épocas do ano. No solstício de Verão, essa “espada”
atravessa exactamente o centro da espiral, enquanto que no solstício de Inverno surgem duas
“espadas” que enquadram tangencialmente aquele símbolo (Fig.3). Para além disso, alguns
autores argumentam que este “calendário” marca também o meio-dia e ainda a pausa maior e
a pausa menor lunar, através de jogos de sombra e luz (IDEM, IBIDEM).

Fig.3 – Marcas da luz solar sobre uma espiral em Fajada Butte: à esquerda, equinócios;
ao centro, solstício de Verão; à direita, solstício de Inverno (Segundo WARD, 2002).
Existem opiniões diversas quanto à intencionalidade ou causalidade destes factos,
mas é necessário referir que a passagem do meio-dia (6) é reconhecidamente significativa na
cosmologia do povo Pueblo, sendo parte integrante de muitos mitos e cerimónias que
frequentemente envolvem marcas de luz e sombra conseguidas através de lajes verticais, da
localização das casas dos chefes, etc. Para além disso importa ter presente que os Pueblo
foram responsáveis por estradas elaboradas, sistemas de irrigação e uma arquitectura de
armazenamento que implicam grandes capacidades de planeamento, engenharia e
observação. Acrescente-se que diversos edifícios importantes desta cultura estão
sistematicamente orientados para o Norte com um erro de apenas 0,25 graus, facto que na
latitude de Fajada Butte permite calcular o meio-dia com um erro inferior a um minuto ao
longo de todo o ano (SOFAER e SINCLAIR, 1983). Esta precisão de cálculo torna
admissível a intencionalidade das “espadas de luz” sobre a espiral referida atrás.
Através deste exemplo pode-se compreender como é crucial entrecruzar informações
de carácter arqueológico, etnográfico e astronómico para se conseguir fazer
Arqueoastronomia com rigor científico e sem subjectividade. De facto, esta disciplina não se
pode basear apenas na observação de hipotéticas orientações astronómicas, como já
referimos, mas, deve-se preocupar, antes de tudo, em compreender bem o contexto cultural
dos sítios ou dos monumentos que se pretende estudar. Ora, isto só pode ser realizado com a
participação da arqueologia, que se torna indispensável, pois efectuar Arqueoastronomia sem
aquela ciência estará mais próximo da ficção do que da realidade.
O exemplo seguinte revela como o idealismo e o entusiasmo irreflectido de alguns
arqueoastrónomos pode levar a falsas interpretações:
Em Julho de 1054, uma supernova mais brilhante que Vénus apareceu no céu, sendo
visível por vinte e três dias e seiscentas e cinquenta noites e citada em crónicas diversas.
Durante cerca de quarenta anos, inúmeros investigadores consideraram certas pinturas
rupestres do Oeste dos Estados Unidos da América como sendo representações deste evento,
existindo um total de vinte exemplos. Entre estes, contam-se dois painéis com pinturas do
monumento de Lava Beds (Califórnia), que, em 1997, foram submetidos a uma datação
através de um acelerador espectométrico de massa, tendo sido demonstrado que eram alguns
séculos posteriores ao aparecimento da supernova (ARMITAGE et alli, 1997). Deste modo,
o estudo das pinturas de Lava Beds, apoiado num método de datação utilizado em
arqueologia, permitiu demonstrar que a sua associação com o evento astronómico de 1054 é
incorrecta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Arqueoastronomia pode ser muito útil no estudo de mitos antigos, porque


envolvem frequentemente acontecimentos astronómicos que são compreendidos apenas pelo
desenvolvimento da Astronomia. Para além disso, a Arqueoastronomia permite uma visão
mais clara sobre os intelectos, rituais e psicologias dos nossos antepassados.
Por outro lado, o estudo das mentalidades do passado, através da iconografia pré-
histórica ou de tempos históricos, pode providenciar um manancial de informações
importantes para os arqueoastrónomos que, lamentavelmente, muitas vezes esquecem estas
fontes indispensáveis. De facto, algumas gravuras rupestres parecem representar ambientes
celestes e também fenómenos transitórios como aparições cometárias. É o caso de algumas
pinturas dos índios Chumash da Califórnia (Fig.4), que são interpretadas como
representações de cometas (WHIPPLE, 1985) ou meteoros (KRONK, s/d).

Fig.4 – Pinturas rupestres dos índios Chumash interpretadas como representações de cometas
ou meteoros (Segundo WHIPPLE, 1985).

Este tipo de astros surge com grande importância na mitologia e nas crenças de vários
povos nativos do continente Norte-Americano. Por exemplo, os Chumash acreditavam que
um meteoro era a alma de uma pessoa a caminho da outra vida. Por outro lado, para os Pés
Negros, de Montana, tal evento era encarado como um mau presságio, um sinal que a doença
chegaria à tribo no Inverno seguinte ou que um grande chefe tinha morrido (KRONK, s/d).
As possíveis representações astronómicas em arte rupestre devem ser estudadas em
conjunto por especialistas desta área e por astrónomos ou astrofísicos, de modo a se retirar o
máximo de informação dessas imagens. Por exemplo, no abrigo calcolítico da Pala Pinta
(Carlão, Alijó) existem dois motivos que sugerem sóis, encontrando-se afastados um do outro
mas no mesmo alinhamento. Será que correspondem à posição do sol nos solstícios, tendo
assim um carácter de calendário? Só um estudo arqueoastronómico poderá responder a esta
questão, através de observações e medições diversas.
Curiosamente, no abrigo da Lapa dos Gaivões (Arronches), junto a uma figura
antropomórfica pintada a vermelho existem quatro filas de sete marcas individuais, como se
pretendesse representar o ciclo completo da lua com as suas quatro fases de sete dias cada,
aproximadamente (OLIVEIRA e SILVA, 2006).
O homem pré-histórico, tornado sedentário, começou a observar o fluxo do tempo na
natureza e conseguiu assim compreender as transformações cíclicas da paisagem. Surgiu
então a necessidade de efectuar marcações que estabelecessem as épocas apropriadas para os
trabalhos agrícolas, dando origem aos primeiros calendários que eram de carácter
eminentemente astral.
Num conceito de Arqueologia da Paisagem não se pode esquecer que o céu também é
paisagem. Este facto faz-nos lembrar uma palestra do nosso colega e amigo Giorgos
Dimitriadis, quando referiu que os arqueólogos começaram por olhar para o chão, mais tarde
passaram a observar em redor e recentemente dedicam-se a olhar para cima. (7)
Evidentemente, “olhar para o chão” corresponde à escavação arqueológica, “observar em
redor” marca o aparecimento da Arqueologia da Paisagem e “olhar para cima” refere-se ao
nascimento da Arqueoastronomia.
De facto, é importante olhar também para o céu, como paisagem que é, mas com os
pés bem assentes na terra e conjugando essa observação com todas as informações retiradas
do “chão” pela Arqueologia.

NOTAS

* Instituto Terra e Memória – Politécnico de Tomar/ Museu de Arte Pré-histórica (Mação).

(1) Uma breve história da Arqueoastronomia pode ser vista em IWANISZEWSKI, 1994.

(2) A mitologia fornece inúmeros exemplos da observação de eventos astronómicos.


Algumas fontes clássicas informam inclusivamente das interpretações atribuídas a tais
eventos. Todavia não é propósito deste artigo desenvolver esse tema, pois seria assunto para
outro trabalho e com dimensões consideráveis.

(3) Isto no caso de o ser humano não ter entretanto destruído o planeta.

(4) Actualmente estamos a preparar um artigo para publicação intitulado Astronomical


representations in rock art, onde são abordados exemplos de cometas e outros astros
representados em arte rupestre de vários continentes.

(5) Entrevistado por Anna Sofaer em 1983.

(6) As marcas da luz solar sobre a espiral de Fajada Butte são obtidas precisamente ao meio-
dia, e não ao nascer ou ao pôr-do-sol como acontece em outras observações de carácter
arqueoastronómico.

(7) Palestra efectuada em 2006 no âmbito do II Rock Art Course, organizado pelo Helenic
Rock Art Center em Philippi, Grécia.

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