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I do Direito
M i n u m MI A ! I
ÍNDICE
Pág.
P refácio à 2.a e d iç ã o .................................................................................... IX
P refá cio à 1.* e d iç ã o ........................................................................................... XI n
C A P ÍT U L O 1
F IL O S O F IA D O D I R E I T O E C IÊ N C IA
D O D IR E I T O
C A P ÍT U L O 2
D IM E N S Õ E S D A E X P E R IÊ N C IA JU R ÍD IC A
C A P ÍT U L O 3
P O S IÇ Ã O D O T R ID IM E N S IO N A L IS M O J U R ÍD IC O
CONCRETO
VII
CAPITULO 4
T R 1 D IM E N S IO N A L IS M O E D IA L É T IC A
D E IM P L IC A Ç Ã O -P O L A R ID A D E
C A P ÍT U L O 5
T R ID IM E N S IO N A L IS M O E H IS T O R ÍC IS M O
A X IO L Ó G IC O
Filosofia do Direito
e Ciência do Direito
â ; 4f -
1
exclusivam ente aos, aspec to s técnicos e form ais do clireito. nos
lim ites de suas aplicações p rática s im ediatas, revelando certa
m argem de descon fian ça ou de rese rv a p a ra com as especula
ções filosófico-jurídicas. Reconheciam eles, em tese, a im por
tân c ia d a Filoso fia do D ireito como um a ordem de conheci
m entos indispensáveis à c u ltu ra do ju ris ta , m as não a dm itiam ,
em geral, que daquela fo rm a de conhecimen to pudessem de-
flu ir conseqüências essenciais à t a r e fa d a Ciência do D ireito
como tal.
E s s a tom ada de posição era, aliás, com partilhada pelos
cultores mesmo3 d a F ilosofia do D ireito, que situ av am as
su a s pesquisas antes e depois do trab aííio de ordem científica,
ficando o ju ris ta alheio à s cogitações filosóficas no decorrer
de todo o seu lab o r positivo. E m verdade, à Filosofia J u r í
dica, consoante ponto de v is ta en tã o prevalecente, eram reser
vadas d uas ordens de e stu d o s: um a de alcance prelim inar ou
propedêutico, concernente sobretudo à m etodologia do direito;
o u tra d e c a rá te r m ais g eral, d e stin a d a a esclarecer a s cone
xões ou correlações e n tre a Ciência do D ireito e as ciências
sociais e h is tó r ic a s '.
N ão re sta dúvida que, enquanto perdurou o prim ado
d a Filosofia positiva, como a titu d e geral englobante de v á ria s
orientações afins, como a s de Com te, Spencer ou S tu a rt Mill,
2
houve c e rta correlação ou correspondência e n tre a s idéias do
m inantes e a a titu d e do ju ris ta , o qual, na e sfe ra p articu lar
de su a ciência, procurava obedecer aos critérios metodológicos
vigentes nos dem ais ram os do conhecim ento; m as não é menos
certo que a a titu d e positivista, no seu a fã de objetividade es
trita , levava o ju ris ta a e x a ce rb ar o culto dos tex to s legais,
com progressiva perda de c o n ta to com a realidade h istó rica é
os valores ideais.
N inguém pode ig n o ra r a a lta significação d a s contri
buições que à C iência do D ireito tro u x eram a E scola d a E xe
gese, os p an d ectistas germ ânicos ou a “A nalytical Schoòl”,
m ovim entos que guardam e n tre si profunda correspondência,
sobretudo no que toca ao ap rim oram ento dos conceitos técnicos
e ao rig o r atingido n a s o b ras sistem áticas; m as, como m uitas
vezes sói acontecer, o aparelham ento conceituai passou a valer
em si e p o r si, esterilizando-se em esquem as fixos, enquanto
a vida prosseguia, sofrendo aceleradas m utações em seus cen
tro s de interesse.
Estabeleceu-se. em c e rto m om ento, um verd ad eiro
dualism o ou um a justaposição de perspectivas, como se hou-
vesse um d ire ito p a ra o ju r is ta e um o u tro p a ra o filósofo,
3
Nem mesmo fa lta ra m a titu d es extrem adas, felizm en
te excepcionais, vangloriando-se o filósofo, enfaticam ente, da
inutilidade de su a s pesquisas p a ra o ju ris ta , e o ju ris ta vendo,
por seu tu rn o , n a Filosofia do D ireito um sim ples adorno ou
com plem ento hum anístico da Jurisp ru d ên cia, que devia se r
positiva em suas origens, em seus m étodos e em seus fins.
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segundo elem ento, que te ria a b e rto a possibilidade de urna
com penetração m ais profunda e n tre Filosofia do D ireito e
Ciência do D ireito, não m ereceu m aiores estudos: os “histo-
ric ista s” não fo ram além de referên cias im precisas, de ins
piração ro m ân tica, sobre o prim ado ou a m aior autenticidade
dos usos e costum es, em confronto com as leis, por serem
aqueles considerados m ais achegados à fonte viva d a consciên
cia popular. Sem elhantes teses foram , porém , perdendo con
sistên cia a té serem absorvidas pelos valores técnicos e p ráticos
que inform avam a Ju risp ru d ê n c ia dom inante n a E scola da
Exegese e n a dos p a n d e c tis ta s 3.
A su p o sta correspondência e n tre a in fra -e s tru tu ra
social e o sistem a de norm as vigentes levava, por conseguinte,
o ju ris ta a concent r a r a sua aten ção nos elem entos conceituais
ou lógico-form ais, não havendo razões p a ra se d istin g u ir entre
F ilosofia do D ireito e Teoria Geral do D ireito, à qual se acabou
dando o nom e 'equívoco de “Enciclopédia J u ríd ic a ”. Quando,
porém, logo no* fim do século passado, começou-se a perceber
que h a v ia poderosas razões de conflito e n tre os fa to s e os
códigos, pode-se dizer que cessou, como por encanto, “o sono
dogm ático” dos “ técnicos do d ire ito ” e as cogitações filosófico-
ju ríd icas reconquistaram a perdida autonom ia.
R econhecido, com efeito, o d esaju ste e n tre os siste
m as norm ativ o s e as correntes su b jacen tes d a vida social, os
dom ínios d a Ciência do D ireito viram -se a g ita d o s p o r um a
nova “v en tan ia rom ântica” , ta l como foi qualificado o movi
m ento do “ D ireito livre” (F reies R e c h t) ou d a lib re recherclie
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du d roit, chogando a se r p ostos em xeque os elem entos de cer
tez a indispensáveis à ordem ju ríd ic a positiva. Foi a tra v é s dos
debates sobre a teoria geral d a in te rp re ta ç ã o que as inquieta
ções filosôfico-jurídicas p en etraram nos redutos d a Ciência
Ju ríd ic a , fazendo com que viessem à tona, ou, p o r o u tras
p a la v ras, que se elevassem à plena consciência teo rética os
pressupostos que jaziam subentendidos n a Ju risp ru d ên cia con
ceituai. Ao m esm o tem po, a Filosofia do D ireito embebia-se
de problem ática positiva, achegando-se m ais concretam ente às
exigências práticas do direito.
F ran ço is Gény fixou com precisão a nota c a ra c te rís
tic a d a nova fase d a vida do D ireito, ao d em o n strar que o
que a n te s e ra tido pelo ju ris ta como essencial (“o papel e o
v alo r d a s fontes fo rm a is”) p a s sa ra a um plano subordinado,
visto como, “não sendo senão modos contingentes de expressão
de um a realidade perm anente, as fo n tes devem fic a r subordi
nadas a essa realidade m esm a” '.
Donde a conclusão:
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FILÓSOFOS E JURISTAS À
PROCURA DO CONCRETO
3. A busca do essencial e do concreto sui’ge,
como um a exigência indeclinável dos novos tem pos. H á um
cham ado vivo para a F ilosofia do D ireito, porque e stá em
jogo o d estin o m esm o das h ie ra rq u ia s axiológicas de cu ja
estabilidade os códigos eram ou ainda se pretende sejam re
flexos.
No incessante renovar-se das no rm as ju ríd ic a s, o di
reito , que se q u er ou que se esp era, p a ssa a g a n h a r terren o
sobre o d ire ito que se tem e se am a. Uma a titu d e inquieta de
ju re contiendo prevalece sobre as tra n q ü ila s ponderações dc
ju re condito, de so rte que a C iência do D ireito to d a ela e stá
im ersa n a problem ática do f u tu ro , o que q u er dizer do destino
hum ano, em geral; donde a im possibilidade de um a Ciência
J u ríd ic a ausente, d ista n te dos conflitos que se operam no
m undo dos valores e dos fato s.
E ntrecruzam -se, de c e rta form a, as perspectivas; per
dem precisão a s linhas d elim itad o ras dos cam pos de pesquisa;
complicam-se e se confundem , à s vezes, os tem as d a Filosofia
do D ireito, d a T eoria G eral do D ireito, d a Sociologia Ju ríd ica
etc. como resu ltad o m esm o d a instabilidade e d a s perplexi
dades rein an tes, o que exige s e ja novam ente reproposto um
problem a que parecia superado: o d a classificação do conhe
cim ento do d ireito, em cujo contexto a s relações e n tre F ilo
so fia do D ireito e T eoria G eral do D ireito m arcam um aspecto
p articu lar. Se no século passado, em pleno predom ínio posi
tiv ista, o problem a da classificação d a s ciências assum iu os
c aracterístico s de assunto c e n tra l d a F ilosofia, já ag o ra a
a titu d e e o propósito dos estudiosos são bem o u tro s, de ordem
p u ram en te epistem ológica, re su lta n te s do fa to de terem s u r
gido diversas disciplinas d e stin a d a s à pesquisa d a experiência
do direito, ta is como a Sociologia Ju ríd ica , a Psicologia Ju ríd i
ca, a E tn o g ra fía Ju ríd ic a etc., que vieram en riq u ecer a pro
b lem ática d a Ju risp ru d ê n c ia e d a H istó ria do D ireito, exigindo,
ao mesmo tem po, a in te g raç ã o de to d as essas perspectivas,
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p a ra além de qualquer solução nos estilos do an tig o Enciclo
pedismo.
Nem é dem ais o b serv ar que, paralelam ente com o
crescente interesse pelos estudos filosófico-jurídicos, o que se
a firm a c a d a vez m ais é a exigência de um a Ciência Jurídica
concreta, perm anentem ente ligada aos processos axiológicos e
históricos, econômicos e sociais, o que se pode observar em
m ú ltip las direções, sob v a ria d a s form as e expressões, am iúde
em pregadas pelos diversos au to res, ta is como “in fra -e stru tu ra
econôm ica”, “experiência ju ríd ic a ” “ realidade do d ireito ” ,“fa-
to-norm ativo”, “ius v iv e n s”, “d ireito como conduta”, “direito
como ordenam ento” , “direito como fato , v alo r e norm a", “so-
cialidade do d ireito ”, “Ju risp ru d ên cia dos in teresses”, “J u ris
p rudência dos valores” etc.
Se o ju ris ta , porém , se in te ressa cada vez m ais pela
F ilosofia, a recíproca tam bém é verdadeira, visto como os
filósofos do direito abandonaram tam bém os seus esquem as
form ais e abstratos p a ra tom arem contato cada vez m ais vivo
com a positividade do direito, aprendendo a d a r v alo r ao p a r
ticu lar, ao contingente e ao em pírico, ta l como se desenrola e
se d ram a tiz a n a vida dos advogados e dos juizes, no bojo, em
sum a, d a experiência jurídica.
N e ste sentido poderem os concordar com R ecaséns
Siches, quando contrapõe a um a Filosofia Ju ríd ica acadêmica
— que pouco ou nenhum a influência exerceu sobre a Ciência
do D ireito — um a o u tra Filosofia Ju ríd ica, não-acadêmica,
fo rtalecid a sobretudo nos debates que m arcaram a crise da
in terp retação do direito a que acim a m e r e f e r i 6.
Talvez seja preferível dizer que a Filosofia do D ireito
e a Ciência do D ireito coincidem am bas n a volta ao objeto,
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quo ó um a d a s c a ra c te rístic a s fundam entais do p e n s a r de nos-
so tem po: 0 form alism o conceituai da B c g rij fsju risp ru d en z,
assim como o form alism o a priori dos neo k an tian o s sofrem
am bos a m esm a critica, b ro ta d a d a nova G noseologia orien
ta d a no sentido d a s objetividades (ra z ã o pela qual p re firo de
nom iná-la Ontugnoseoloyia) e d a nova É tica que se identifica
cada vez m ais com o seu inevitável conteúdo axiológico. É o
que, no seu conjunto, re su lta de um a Filosofia fu n d am en tal
m ente co n creta ■.
O ra, se a Filosofia do D ireito é, como penso, a p ró p ria
Filosofia en q uanto tem por objeto um a realidade de significado
universal, como é o direito, forçoso é concluir que, ao procurar
a tin g ir as raízes do direito n a realidade liistórico-social, con
cebendo-o como "realidade c u ltu ra l”, voltam os a reconquistar,
paulatinam ente, a correspondência que necessariam ente deve
e x istir e n tre a Filosofia, a Filosofia do D ireito e a C iência J u
rídica: 11a p ro cu ra dessa unidade d ialética e s tá talvez um a das
vocações de nossa época, sendo esse o cam po de responsabi
lidade em que 0 destino do hom em e do ju ris ta se reencontram ,
correspondendo à universal a sp ira çã o de v o lta r à s “coisas
m esm as”.
Se é certo que a s e s tru tu ra s lógicas d a D ogm ática
Ju ríd ica trad icio n al não correspondem m ais à s tran sfo rm açõ es
operadas n a sociedade a tu a l, nem às exigências m orais e téc
n icas do E sta d o do bem -estar social ou da J u stiç a social —
9
expressões com as quais se reclam a um E stado de D ireito con
cebido em função de um a com unidade hum ana p lu ral e, ao
m esm o tem po, solidária — , tam bém é verdade que, ao lado
de s a lu ta r crise de ordem m etodológica, põe-se outro problem a
não m enos essencial: o d a nova determ inação do significado
da Ciência do Direito, p a ra o destino do homem, o que só se rá
possível com o ferm ento ou o hum us re sta u ra d o r d a Lebens-
w elt, d a vida comum e espontánea, a que se refere H usserl, em
sua o b ra postum a fundam ental \
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A nalisado o 'fenôm eno jurídico sob esse prism a, v eri
fica-se que a m aio ria dos ju r is ta s ainda se m antém fiel ao espí
rito d a p a s sa d a c e n tú ria , pois, em geral, o d ire ito é p a ra
eles norm a e n a d a m ais do que norm a, n u m a a titu d e clara
m ente co n tra p o sta à de ce rto s sociólogos do direito , que só
vêem o ju s em term os d e eficácia ou de efetividade, p a ra não
fa la r n a posição daqueles jusfilósofos que, infensos aos pro
blem as que cercam as ativ id ad es forenses, preferem p a ira r no
m undo dos valores ideais, ou se quedam contem plativos peran
te puros arquétipos lógicos.
Quem assum e, porém , um a posição tridim ensionalis-
ta , j á e s tá a m eio cam inho andado da com preensão do direito
em term os de “experiência co n c re ta ”, pois, a té m esm o quando
o estudioso se contenta com a articulação fin a l dos pontos
de v ista do filósofo, do sociólogo s do ju rista , j á e s tá revelando
sa lu ta r rep ú d io a quaisquer im agens parciais ou sotorizadas,
com o reconhecim ento d a insuficiência das p erspectivas resul
ta n te s d a consideração isolada do que h á de fá tico , de axioló-
gico o u ideal, ou de norm ativo n a vida do direito.
T al com preensão co n creta d a experiência ju ríd ic a fi
caria, contudo, com prom etida se se pretendesse s itu a r o pro
blema d a tridim ensionalidade ap en as no âm bito cm pirico da
T eoria G eral do D ireito, como p reten d e fazê-lo W erner Goldsch
m idt, que inexplicavelm ente d istingue entre um a F ilosofia J u
rídica m aior e o u tra m enor, confundindo-se com e sta a teoria
tridim ensional, que tam bém ele ad o ta, m as com um a concep-'
ção ta rd ia de tridim ensionalism o a b stra to ou genérico ,0.
Se, como ad v erte R ecaséns Siches, o d ireito é essen
cialm ente tridim ensional, essa qualidade não pode ex istir có
p a ra o ju ris ta , no plano de s u a atividade científico-positiva,
m as deve c o n stitu ir an tes um pressuposto de validade tra n s
cendental, condicionando, p o r conseguinte, to d as a s e stru tu ra s
e modelos que compõem a experiência do direito. Se assim
não fo ra, com eçaria a existir, nos dom ínios m esm os d a Filo
11
sofia do D ireito, um pernicioso divórcio e n tre filósofos o ju ris
ta s, visto nada r e s ta r e n tro eles de objetivam ente e stru tu ra l
capaz de correlacionar a s respectivas ta re fa s : é, ao contrário,
a e s tru tu ra axiológico-norm ativa d a realidade ju ríd ic a que faz
d e sta um objeto de Filosofia e de Ciência: d a prim eira porque
e stu d a os valores como condição tran scen d en tal d a experiên
cia do d ire ito ; e da segunda porque in d ag a d a s valorações que
historicam ente se concretizam em modelos jurídicos.
N esse contexto de idéias, vê-se que a Filosofia do
D ireito não pode se a lie n a r dos problem as d a Ciência do Di
reito, m as, ao contrário, deve achegar-se a eles, convertendo-os
em s e u s problem as, sob o u tro p rism a que não o d a Ciência,
em pregada a palavra problem a no seu sentido original, como
algo posto como objeto de análise, im plicando a possibilidade
de altern ativ as.
A to m ad a de posição do filósofo não é a do ju ris ta ,
m as am bas se exigem e sc com pletam . Se um a visa a a tin g ir
a realidade ju ríd ic a em s u a in teg ral concreção — o que im
plica rem o n ta r a té os pressupostos essenciais do d ireito — ,
a segunda propõe-se a com preender a experiência juríd ica ta l
como se concretiza nos m odelos jurídicos p rescritivos e dog
m áticos que atualizam , no plano d a condicional idade h istó ri
ca, os valores tran scen d en tais d a J u s ti ç a " . A s possibilidades
do ju r is ta p e ra n te os fa to s sociais só têm a lu c ra r com esse
alargam ento de perspectivas, não só pelo conseqüente apuro
de su a sensibilidade, m as tam bém p o r s e r o enfoque axioló-
gico indispensável à cap tação d a s “objetivas conexões de sen
tido” , que é o que, em ú ltim a análise, in te re ssa ao ju ris ta
12
quando e stu d a os fato s sociais. J á é tem po de se desfazer o
equívoco de quantos atrib u em c a rá te r filosófico a qualquer
pesquisa que envolva a p ro blem ática do valor, se m aten tarem
p a ra a diferença dos planos em que o filósofo e o cien tista
colocam os problem as d a v alidade e da valoração.
H á, com efeito, duas perspectivas do valor, um a
tran scen d en tal, o u tra p o sitiv a ou em pírica: num a o v alo r é
condição tra n sc en d e n tal d a h istó ria do direito , a qual é, subs
tancialm ente, um processo existencial de opções e de realiza
ções no sentido do ju sto : so b o u tro ângulo, o v alo r s e atualiza
como valoração efetiva, d e te rm in a n te de soluções pragm ático-
n o rm ativ as, isto é, de sistem as de modelos d estinados a disci
plinar classes de com portam entos fu tu ro s, segundo a s diversas
circu n stân cias de lu g ar e de tem po.
M as se h á correlação e n tre a F ilosofia e a Ciência
do D ireito, não é d ito que o filósofo possa e d e v a p e n sar como
ju ris ta e vice-versa, pois cada um deles tem o seu próprio
papel a re p re se n ta r, cabendo ao ju ris ta in te rp re ta r e aplicar
com rig o r técnico os modelos ju ríd ic o s postos pelo legislador,
pelos costum es ou pela ju risd ição , assim como conceber e sis
tem a tiz ar os modelos teóricos ou dogm áticos que aqueles mo
delos n o rm ativ o s implicam, no processo de s u a vigência e de
s u a eficácia. Ao filósofo do direito , ao co n trário , essa ta re fa
é e stra n h a , p o r com petir-lhe in d ag a r das razões universais fun
d antes de todos os modelos a tu a is e possíveis e, tam bém , do
significado da ação do ju ris ta no a to de in te rp re ta r e de dar
efetiva aplicação à s e s tru tu ra s n o rm a tiv a s que b ro ta m da ex
periência.
13
A Filosofia do D ireito n ã o deve, em sum a, fic a r cir
cunscrita ao exam e do problem a do m étodo d a Jurisprudência,
nem se co n te n tar com a visão enciclopédica das disciplinas
ju ríd icas, consoante e ra do gosto do positivism o do século
XIX ; não pode tam pouco se r convertida em m era “te o ria da
linguagem do legislador” , conform e propugnam certos neo-
positivistas, 11a su a desconsolada filosofia de puro rigorism o
form al: o objeto de estudo do jusfilósofo é a experiência ju rí
dica n a integridade dc su a e s tru tu ra fático-axiológico-norm a-
tiv a, enquanto g erad o ra de modelos c de significados jurídicos.
P o r o u tro lado, por fu n d ar a su a ciência positiva a p a rtir do
m om ento d a norm atividade, nem por isso pode o ju ris ta perder
contato com a experiência, tan to com a espontânea ou pré-ca-
tegorial, como com a reflexa ou científico-positiva, pois é a
experiência o campo comum no qual se encontram os d estin a
tário s das re g ra s de direito, os seus teóricos e os seus ope
radores.
O ra, como a experiência ju ríd ic a é variável em seus
p arâm etro s, de país p a ra país, ainda que situados na m esm a
á re a cu ltu ral; como as c o n ju n tu ras h istó ricas e os coeficientes
pessoais de estim ativa são diversos peran te as m esm as situ a
ções de fa to , compreende-se a m ultiplicidade d a s form as de
tridim ensionalism o ju rídico — como verem os no capítulo se
guinte — m as são todas expressões de um m esm o desiderátum ,
que consisté em in se rir a Ju risp ru d ên cia no fluxo d a h istó ria
e da vida, sem perda dos valores de rig o r técnico, de certeza
e de seg u ran ça exigidos p o r um a ciência que, ta l como nos
ensinam os m estres de todos os tem pos, deve se r estável m as
não estática, deve s e r c e rta sem se c rista liz a r em fórm ulas
rígidas, ilusoriam ente definitivas.
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esvoaça, como um p á ssa ro a ssu sta d o , por todos os q u ad ran tes
do pensam ento jurídico.
P a r a em pregarm os um a expressão popular, densa de
significado, a p rim eira im pressão que nos d á a lei é de algo
feito “ p a ra v a le r”, isto é, de um a ordem ou com ando em ana
do de um a a u to rid ad e superior. B a sta , porém , im ag in ar um a
pessoa n a situ a ç ão concreta de d e stin a tá rio do cham ado “co
m ando legal” p a ra perceber-se quão complexo é o problem a da
validade do direito . H á, em p rim eiro lu g ar, um a perg u n ta
q uanto à o brigatoriedade d a norm a ju ríd ic a p a ra todos, em
g eral, e p a ra d eterm inada pessoa em p a rtic u la r, o que se des
d obra em u m a sé rie de o u tra s p e rg u n ta s sobre a com petência
do órgão que elaborou o modelo ju ríd ico , a su a e s tru tu ra e o
seu alcance. A lé m desse plano de c a rá te r form al, su rg e um
o utro grupo de questões, quanto à conversão e fetiv a d a regra
de direito em m om ento de vida social, isto é, no to can te às
condições do re a l .cum prim ento dos preceitos p o r p a rte dos
consociados; e, finalm ente, h á um a te rc e ira ' ordem de difi
culdades, que consiste n a indagação do3 títu lo s éticos dos
im perativos ju rídicos, n a ju stiç a ou in ju stiça do com porta
m ento exigido, ou se ja , de su a legitim idade.
E is a í, nu m a percepção su m á ria e elem entar, os trê s
fios com que é tecido o discurso d a validade do d ire ito , em te r
mos de vigência ou de obrig ato ried ad e fo rm al dos preceitos ju rí
dicos; de eficácia ou d a efetiva correspondência social- a o seu
conteúdo; e de fundam ento, ou dos valores capazes de legiti
m á-los num a sociedade de hom ens livres.
E n u n ciad a desse m odo a questão, parecem tra n sp a
ren te s os nexos que ligam e n tre si os trê s problem as num a
e s tru tu ra tridim ensional, m as, p o r um complexo de m otivos,
u n s de n a tu re z a histórica, ou tro s dependentes d a s inclinações
intelectuais dos investigadores, nem sem pre prevalece a com
preensão u n itá ria dos fa to re s que compõem a realidade ju rí
dica:. não r a r o orientam *se o s e sp írito s no sen tido do pri
m ado ou d a exclusividade de um a d a s perspectivas acim a dis
15
crim inadas, surgindo, assim , soluções unilaterais ou setori-
zadas 12.
Im põe-se reconhecer que houve plausíveis razões his
tó ricas p a ra que, no século passado, p o r exemplo, predom i
nasse a im agem do d ireito com base n a certeza objetiva d a lei.
É que a s e s tru tu ra s ju ríd ic a s do E sta d o de D ireito, m odelado
sob o influxo do individualism o liberal dom inante n a c u ltu ra
burguesa, cujos valores se im punham como expressão n a tu ra l
de to d a um a época histórica, correspondiam , consoante crença
generalizada, às necessidades e ten d ên cias d a sociedade oito- *
cen tista. Os e sta tu to s constitucionais vigentes nos países de
m aior densidade c u ltu ral, ta n to n a E u ro p a como n a Am érica,
bem como os códigos e os sistem as jurídicos privados, fu n d a
dos nos princípios da liberdade política e d a autonom ia da
vontade, pareciam s e r a im agem fiel d a realidade social a que
se destinavam , m uito em bora nela já estivessem ferm entando
os m otivos que iriam d eterm in ar, na p resen te cen tú ria, o ciclo
de crises de e s tru tu ra em que ainda se debatem ta n to o D i
reito como o E stado.
D om inando entre os ju ris ta s a convicção de um a cor
respondência essencial e n tre a realidade sócio-econôm ica e os
modelos ju ríd ico s consagrados nas leis, e ra n a tu ra l que o pro
blema d a validade fosse posto em term os de validade fo rm a l ou
de vigência, desdobrando-se no estudo dos requisitos d a obri
g atoriedade dos preceitos, desde os reclam ados p a ra a consti
tu ição re g u la r dos órgãos legiferantes, a té o processo reque
rido p a ra a form ulação de dispositivos que, g ra ç a s à certeza
objetiva de seus enunciado3, rep resen tassem um a g a ra n tia aos
direitos fundam entais dos cidadãos. Nem se pode dizer que
fosse ilu só ria a correspondência e n tre a lei e a s relações sociais
en tã o disciplinadas. O culto à lei, com o cium ento apego à
independência d a s funções legislativas e ao princípio d a sepa
raç ã o dos poderes; a redução do a to in te rp re ta tiv o à m era
explicitação do significado im anente ao a to legislativo; a su
16
bordinação do juiz à suposta intenção do legislador; a atenção
dedicada ao rig o r form al dos tex to s, aliando-se a prudência
do ju ris ta à a rte dos filólogos, tudo revelava o s ta tu s de um a
sociedade convicta d a eficácia e d a ju stiç a de su a s opções n o r
m ativas. No B ra sil, então, como alh u res, chegou a v in g a r um
verdadeiro parnasianism o jurídico, que resplende n a excelên
cia verbal d a C onstituição de 1891, e se p ro je ta século XX a
dentro, a té à s polêm icas tra v a d a s sobre o Código Civil de
1916, quando m aio r repercussão tiv eram as d isp u ta s dos g ra
m áticos do que a s divergências dos ju ris c o n s u lto s . . .
Como se vê, a sub o rd in ação do d ireito ao ângulo da
vigência não n a scia d e um prop ó sito a b stra to , como à s vezes
se declara, incorrendo-se no anacronism o de ju lg a r-se o p a s
sado segundo a eácala de valores de nosso tem po, m as estav a
em consonância com o esp irito e os standards estim ativ o s da
sociedade d a época. Se não fo ra assim , os m estre s d a E scola
de Exegese e q a "A nalytical School” , assim como d a Pande-
tís tic a germ ânica, n ã o teriam podido elaborar, com ta n ta pene
tra ç ã o c rig o r de análise, a s ca te g o ria s e o s in s titu to s ju r í
dicos que consolidaram a C iência Ju ríd ica m oderna, em anci
pando-a do D ireito Rom ano, sem rom per a s raízes que p ren
dem a c u ltu ra ocidental ao Corpus Juris, como um filho que
põe fam ília p ró p ria , m antendo-se fiel à s su a s origens. A hoje
tão c ritic a d a Ju risp ru d ê n c ia dos Conceitos deixou-nos um
legado do m ais alto alcance, que é o sentido n o rm ativo e sis
tem ático do d ire ito , com preendido como lucidus ordo.
O e rro foi considerar-se im utável e intangível um
sistem a jurídico-político que, como se sabe, e sta v a p re ste s a
s e r superado, sob o im pacto de profundas inovações operadas
n a ciência e n a tecnologia, dando lu g a r a conhecidos conflitos
sociais e ideológicos. A ntes m esm o, porém , que ocorresse a
ru p tu ra d a s vig as m estra s do E s ta d o de D ireito de tipo indi
vidualista, p a ra a laboriosa m odelagem de um novo E sta d o
de D ireito fundado n a ju stiç a social, houve c la ra percepção,
por p a rte de ju ris ta s , de filósofos e de sociólogos, d a necessi-
da'de de a b a n d o n ar soluções esterio tip ad as, incom patíveis com
um a sociedade que p arecia d isp o sta a c o rre r o risco, ain d a não
17
superado, de com prom eter a liberdade individual em prol dos
valores d a igualdade.
È claro que, nessa p ro cu ra de novos cam inhos, visan
do a a tin g ir o direito concreto, ao qual j á me refe ri em páginas
a n terio res, o problem a d a efetividade ou d a eficácia assum iu
posição de prim eiro plano, passando os ju ris ta s a se preo
cu p ar com soluções fo rja d a s, ao c a lo r d a experiência so
cial, ain d a que com o sacrificio dos valores d a certeza e d a
segurança. F oi essa, aliás, a tra je tó ria d ram ática percorrida
p o r Jh erin g , que, após h a v e r erguido a Ju risp ru d ên cia Con
ceituai a cum es jam ais atingidos, proclam ou, corajosam ente,
a precariedade de seus esquem atism os, abrindo cam inhos ner
vosos p a ra a Jurisprudência dos In te resse s ".
M as a trilh a d a eficácia não se ria r e ta e sem tro p e
ços, m as an tes p e rtu rb ad a pela ten tação dos desvios e dos
descam inhos, que fizeram e ainda fazem esquecer aquela via
m ais se g u ra que, partin d o d a já c ita d a Jurisp ru d ên cia dos
Interesses, tende p a ra a solução m ais com preensiva d a J u
risprudência dos Valores.
18
im ediatidade in c e rta dos desejos e dos im pulsos, significava
como que u m a fo rm a de sim bolism o jurídico, co n traposto ao
parnasianism o de alguns corifeus d a E scola d a E xegese, o que
n ã o deve su rp reen d er, pois a h istó ria d a s idéias jurídicas,
como ex p ressão de um a d a s dim ensões essenciais d a vida hu
m ana, obedece ao ritm o da h is tó ria d a a rte e d a lite ra tu ra ,
tendo havido ju ris ta s rom ânticos e re a lista s, sim bolistas e
neoclássicos
E m lin h a paralela, o u tra encruzilhada se a b riu àque
les que, deslum brados com os p ro g resso s das ciências n a tu ra is,
conceberam o plano de ch eg ar à efetividade do d ire ito através
do m étodo indutivo, nos m oldes do que o corria n a e sfe ra das
investigações física s e biológicas. N o fundo, a q u e stã o se re su
m ia no p ro g ra m a já enunciado p o r A ugusto C om te ao vatici
n a r a su b stitu iç ã o d a “m etafísica d03 fazedores d e leis” pela
“ciência p o sitiv a dos descobridores de leis” .
F o i e ssâ a direção seg u id a p o r to d as as form as de
sociologismo jurídico, isto é, pelos n a tu ra lis ta s e re a lista s do
direito, que cuidaram e ainda cuidam s e r possível e im pres
cindível fo rm a r juristas-sociólogos, d estinados à análise do
fenôm eno ju ridico segundo seus nexos de causalidade ou de
funcionalidade, num a “p u ra descrição dos dados ju ríd ico s” ,
ad in sta r do que ocorre n a Sociologia. A essa luz, d ireito só
pode se r o direito em sua eficácia social, do qual a s re g ra s
jurídicas seriam signos, como sín te se s explicativas de um a
classe de resu ltad o s cientificam ente p re v isív e is1?.
Nem falta ra m , é claro, soluções interm édias ju s ta
pondo, paradoxalm ente, o intuicionism o emocional à s pesqui
sas cientifico-positivas, assim como tam bém não escassearam
19
teo rias que, após reduzirem todo o d ireito aos fa to s sociais,
inadvertidam ente se apegaram ao fa to do poder, fazendo, desse
modo, re ssu rg ir, em bora sob a form a de um pretenso decisio-
nism o de base cientifica, a “ criação” do direito que se preten
dera s u p e r a r . . . 17.
O m ais grave é que, n essa co n ju n tu ra, filósofos do
D ireito houve e h á que assum em um a a titu d e de abdicação ou
de renúncia, contentando-se com a T eoria d a Ju stiç a, isto é,
com o estudo do fundam ento do Direito, tran sferin d o p a ra o
ju ris ta e o sociólogo, respectivam ente, a pesquisa da vigência
e d a eficácia.
20
preensão global c u n itá ria dos problem as ju rídicos, abando
nadas a s predileções rcducionistas que levam a pseudototali-
zações.
No to c a n te ao assu n to o ra exam inado, esse desejo
de in teg ração de p erspectivas to rn a -se cada vez m ais acen
tuado, dele com partilhando jusfilósofos, como N o rb e rto Bob-
bio, que, como verem os, a c e ita a tridim ensionalidade apenas
com. objetivos m etodológicos de discrim inação de cam pos
de pesquisa. D eclara o citado rep re sen ta n te do neopositi-
vismo ju ríd ico te r, em g eral, desconfiança das te o ria s redu-
cionistas. No. caso p a rtic u la r do problem a da validade do di
reito, considera que os trê s c rité rio s possíveis de validez, o
m aterial, o fo rm a l e o em pírico (expressões que, em ú ltim a
análise, c o rre sp o n d ed ao que n este livro denom ino, respecti
vam ente, fu n d a m en to , vigência e eficácia, que m e parecem
m ais adequadas ao a ssu n to ) m u ita s vezes se in teg ram ou são
adoperados conjuntam ente, a p e sa r de se m anterem sem pre
d istin to s e poderem s e r aplicados o ra um , ora o u tro , segundo
a s diversas situações. Bobbio a d v e rte, com razão, que ò p ro
blem a d a validade não consiste em p refe rir, e n tre os vários
critério s em c o n tra s te n a s c o rren tes do pensam ento jurídico,
o c ritério por excelência, m as sim em a n a lisa r e re d e fin ir os
critério s propostos, precisando os casos e as v icissitudes de
seu em prego, to ta l ou parcial, cum ulativo ou a lte rn a tiv o , con-
corrente ou prevalecente, igual ou p riv ileg iad o 30.
Pode dizer-se que e ssa m an e ira de focalizar a m atéria
d a validez prende-se, como verem os no cap ítu lo seg u in te, a
um a concepção tridim ensional genérica, que nos b rin d a tuna
p a rte apenas d a verdade. A m eu ver, vigência, eficácia e fu n
dam ento são qualidades inerentes a todas as form as de expe
riência ju ríd ic a , m uito em bora prevaleça m ais e s ta ou aquela,
segundo a s circu n stân cias, sem que s e possa p a r tir o nexo
que as vincula ao todo, como é pró p rio d a e s tru tu ra do direito.
21
É , efetivam ente, 110 concernente ao problem a d a va-
lidez que se op era 0 “ã ivo rtiu m a q m r u m " d a s correntes trid i-
m ensionalistas, que, assim como podem d a r aos conceitos de
fundam ento, eficácia e vigência um a acepção de cunho episte-
m ológico-operacional, à m an eira de Bobbio, podem contra
pô-los uns aos o u tro s num a insuperável antinom ia, consoante
re s u lta d a d o u trin a pioneira de R adbruch, ou discrim iná-los
segundo irred u tív eis perspectivas, à m an eira de G arcia Máy-
nez, m as podem tam bém — e é a via que se m e a fig u ra acon
selhável — correlacioná-los segundo um a com preensão dia
lética de com plem entariedadeS1.
T udo isto e s tá a d e m o n stra r como a pesquisa filosó
fica, penetrando no âm ago d a validez form al, anim a e fecunda,
dando-lhe um novo sentido de in teg ralid ad e e concreção, a
Ciência D ogm ática do D ireito, colaborando com os ju ris ta s po
sitivos em su a difícil e á rd u a ta re fa de d e te rm in a r e sistem a
tiz a r a s categ o rias ju ríd ic a s reclam adas p o r um m undo em
m udança.
22
C a p ítu lo
Dimensões da
Experiência Jurídica
.i v "
A '
A TRIDIMENSIONALIDADE
NA ALEMANHA
1. C onform e j á o b se rv a d o no cap ítu lo a n te
m ú ltip la s a s te o ria s que põem em relevo a n a tu re z a trid im e n
sional d a ex p eriên cia ju ríd ic a , nela discrim in an d o trê s “ele
m entos”, “ f a to r e s ” ou “ m o m en to s” (a div ersid ad e dos term os
j á d en o ta a s d ife ren ç a s d e concepção), u su a lm e n te indicados
com as p a la v ra s fa to , va lo r e norm a.
T a l d iscrim inação, im p líc ita em to d a e q u a lq u e r con
cepção c u ltu ra lis ta do d ire ito , e n c o n tra a s u a fo n te im ediata
nas o b ra s de E m il L a sk e G u sta v R ad b ru ch *, no que se re-
23
fé re à á re a do d ireito de tra d iç ã o rom anística (E u ro p a conti
n en tal latino-germ ániea e to d a a A m érica ibérica), apresen
tan d o ura desenvolvim ento autônom o na A m érica do N o rte e
n a In g la te rra , cujo m otivo d e te rm in a n te talvez se possa en
c o n tra r n a su g estiv a e com plexa o b ra de Roscoe P ound 2.
Do vivo c o n tra ste e n tre os ju sn a tu ra lista s, em penha
dos n a fundam entação tra n sc en d e n te dos valores jurídicos, e
03 p o sitivista s, a firm ad o res d a im anência daqueles valores na
experiência histó rica, resu lto u a posição dos dois citados m es
tre s d a E sco la Sud-O cidental alem ã, E m il L ask e G ustav Rad-
b ru ch , os quais, sem ab an d o n ar os pressupostos d a Filosofia
tra n sc en d e n tal de K a n t, p reten d eram su p e ra r as antinom ias
d e ix a d a s por este e n tre o m undo d a n a tu re z a e o m undo da
liberdade. A plicando os ensinam entos de W indelband e Ric-
k e r t no cam po do direito, os dois jusfilósofos recorreram a
um elem ento interm édio ou de ligação, posto e n tre os va
lores id eais e os dados d a experiência ju ríd ic a : essa ponte
de conexão e n tre a realidade em pírica e o ideal do d ire ito se ria
o m undo da cultura ou d a história, isto é, o complexo de bens
e sp iritu a is e m ate ria is c o n stitu íd o pela espécie hum ana a tr a
vés dos tem pos.
P lano do valor ou do dever ser; plano d a realidade
causalm ente determ inada, ou do ser; e plano d a cu ltu ra, ou do
ser referid o ao dever ser: eis a í já a sse n te s a s bases de um
tipo d e tridim ensionalidade, segundo trê s ordens lógicas dis
tin ta s , correspondentes, respectivam ente, a jiázos de valor,
ju ízo s d e realidade e ju ízo s referidos a valores.
D essarte, procuravam L a s k e R adbruch su p e ra r a
an tin o m ia p o sta e n tre a a-historicidade de um v alo r transcen-
24
dente (do qual o ju sn a tu ra lism o p rete n d era deduzir a rtific ia l
m ente todo o sistem a d a s no rm as p o sitiv as) e o m ero signifi
cado contingente das relações de fato, insuscetíveis de com
preensão de validade universal, como o su ste n tav a m os posi
tivistas.
A c a teg o ria da cultura, além de p e rm itir a referibili-
dade do se r ao dever ser (m as não a recíproca conversibilida
de, v isto perm anecer de pé a tese fundam ental d e K a n t sobre
a inviabilidade lógica de p a ssa r-se do ser ao dever ser, assim
como tam bém a de pensar-se um dever ser que se ex a u ra no
m undo do s e r), dava lu g a r a um a côm oda d istrib u içã o de pes
quisas e n tre o filósofo, o sociólogo e o ju rista , o prim eiro in
cum bido de -estudar a tra n sc en d e n talid ad e dos valores ju ríd i
cos, ou os valores jurídicos em si m esm os, com a conseqüente
redução d a F ilosofia do D ireito a u m a A xiologia ju ríd ic a fu n
dam ental; o segundo, com a ta re fa de in d ag a r d a s leis que
regem a s e sté u tu ra s e os processos fá tico s do d ire ito , isto é,
o d ireito com& fa to social, nos q u ad ro s d a Sociologia Ju ríd ica ,
subordinada ao m étodo in d u tiv o ou experim ental; e o terceiro,
finalm ente, em penhado n a an álise do d ireito en q uanto realida
de im pregnada de significações norm ativas, segundo os cáno
nes d a Ju risp ru d ê n c ia ou C iência do D ireito, d istin ta pela
especificidade do m étodo ju ríd ico -d o g m ático 3.
D esdobra-se, como se vê, n a d o u trin a d o s dois mes-
tre s germ ánicos o que denom inam os tridim ensionalidade ge
nérica e a b stra ta do direito, v isto como a an álise ôntica do
fenôm eno jü rídico os conduz a conceber, a b s tr a ta e se p ara d a
m ente, cada um dos trê s elem entos encontrados, fazendo cor
responder a cada um deles, sin g u la rm e n te considerado, respec
tivam ente, um objeto, um m étodo e um a ordem particular de
25
conhecim entos: a Ciência in teg ral do D ireito se ria ob tid a g ra
ç a s à in teg ração dos tr ê s estudos (L a sk ), ou em v irtude
d a sim ples ju stap o sição de tr ê s p erspectivas e n tre si irrecon-
ciliáveis e antinóm icas (R adbruch).
O que tem prevalecido n a Filosofia Ju ríd ica germ â
n ica é essa discrim inação tricotôm ica a b s tra ta d a experiência
ju ríd ic a , a qual en co n tra talvez a su a form ulação m ais explí
c ita n a o b ra de H. N aw iasky, que d istingue os cam pos de
p esq u isa d a R echtsnorm enlehre, d a R echtsgesellschafstlehre e
d a R echtsideenlehre, com p aralela discrim inação n a T eoria Ge
ra l do E s ta d o 4.
A b stração fe ita d a posição de W. Sauer, a cujo “tri-
dim ensionalism o específico” fare i logo m ais referência, cabe
ain d a lem brar, consoante ponderação de R ecaséns Siches, que
s ã o trid im en sio n alistas, em m aio r ou m enor m edida, os ju sfi-
lõsofos que in ten tam um pensam ento ju rídico com raízes n a
F ilosofia d a existência, como é o caso sobretudo de F e c h n e r e
de H an s W elzel5.
F e c h n e r re je ita , efetivam ente, to d as as fo rm a s seto-
riz a d as de com preensão do fenôm eno jurídico, procurando cor
rela cio n a r os fa to re s lógico-norm ativos, os sociológicos e os
p e rtin e n te s aos valores ideais, concebendo-os como elem entos
in te g ra n te s d a realid ad e to ta l e concreta do direito.
E m b o ra segundo ou tro s pressupostos, é o m esm o pro
pósito de concreção que leva H ans W elzel a q u e re r su p e ra r
o positivism o e o ju sn a tu ra lism o num a concepção que saiba
lev a r em co n ta os fa to re s de ordem m oral, a o rdenação legal
e o efetivo com portam ento dos consociados. A seu v e r, o Di
reito deve ex ercer influxo sobre todos esses fato res: “m ediante
o seu conteúdo de v alo r, sobre a consciência m oral; m ediante
26
a sua p erm anência sobre o costum e; e m ediante a fo rça do
direito so b re os in stin to s e g o ís ta s ” *.
E s s a s u a d ire triz reflete-se em su a teoria fin a lística
da. ação, concebendo a ativ id ad e h u m an a como um a realidade
ordenada e p len a de sentido, de ta l modo que o legislador n ã o
é um c ria d o r onip o ten te: a s u a ação n o rm a tiv a não pode dei
x a r de adequar-se à e s tru tu ra ontológica d a ação, previam ente
a qualquer valoração ju ríd ic a , o que dem onstra o c a rá te r abs
tra to de su a teoria.
Como diz Garzón Valdez, sintetizando o pensam ento
de Welzel, “sem positividade o d ireito é sim ples a b stra ç ã o ou
asp iração ideal; sem um a n o ta axiológica é m era fo rça inca
paz de cu m p rir com o postulado o riginário de to d a ordenação:
a proteção do ser hum ano” 7.
O ra, p rete n d er o rd e n a r ju ridicam ente a vida hum ana
p a ra que se realizem efetiv am en te os valores de convivência
eqüivale, perfso ê u , a colocar o direito , queira-se ou não, em
term os de tridim ensionalidade, com isto se adm itindo a in te r
dependência dos trê s fa to re s como condição sine qvua non
daquele objetivo.
A TRIDIMENSIONALIDADE
NA ITÁLIA
2. Tam bém ao p en sam en to filosófico-jurídico
no não passou despercebida, bem cedo, a tridim ensionalidade
do D ireito, m as de um ponto de v is ta didático ou pedagógico,
27
com a conhecida divisão da Filosofia do D ireito em Gnoseolo-
gia, D contologia e FeHOmenologia Ju ríd ic a s, como foi adm i
ravelm ente desenvolvida desde Icilio V anni a G iorgio Del
Vecchio, e que, p o r m uito tem po, co n stitu iu orien tação preva-
lecente n e s ta ordem de estudos, n a península itálica s.
Pouco vale, porém , distin g u ir, m etodologicam ente, as
trê s possíveis ta re fa s fu n d am en tais d a pesquisa jusfilosófica,
quando não se leva em conta a tridim ensionalidade no plano
m esm o d a Ciência positiva do D ireito, ou se ja , n a experiência
ju ríd ic a como tal, sem se p re s ta r aten ção à correlação dialé
tic a que a s inform a.
De outro rnodo, xquela distin ção perm anece em esta
do em brionário, de valor p u ram ente form al ou a b s tra to , indi
ferente à s co-impl¡cações, por exemplo, d a Sociologia Ju ríd ica
com a D ogm ática Ju ríd ic a , e sem lhe fa z e r corresponder um a
ta re fa efetiva 110 m om ento concreto d a in te rp re ta ç ã o e d a apli
cação do direito. Pode-se dizer que a ap reciação puram ente
didática d a m atéria, em função apenas das cham adas “ ta re
fa s da Filosofia do D ireito” , impediu aos jusfilósofos italianos
a com preensão de algo m ais profundo p ertin en te à e s tru tu ra
m esm a d a experiência ju ríd ic a , o que foi, todavia, percebido
com acuidade por ju ris ta s , como A ntolisei e A searelli, e tem
sido o b jeto de estudos m ais recentes n a te la da F ilosofia do
D ireito.
Aos term os de um a tridim ensionalidade genérica cor
responde, em ú ltim a análise, a discrim inação fe ita p o r Nor-
b erto Bobbio e n tre as ta re fa s d a Filosofia do D ireito, d a So
ciologia Ju ríd ic a e da T eoria G eral do D ireito: a p rim eira, a
seu ver, destina-se ao estudo d a M etodologia Ju ríd ic a e da
T eoria d a J u stiç a , tendo como objeto próprio a determ inação
28
dos fin s nos q u a is a sociedade h u m an a deve se in sp ira r; à
segunda c ab eria a indagação d o s m eios a serem em pregados
p a ra m elhor serem atin g id o s aqueles fin s; e, finalm ente, à
Teoria G eral do D ireito e s ta ria reserv ad a a incum bência de
estabelecer a fo rm a d e n tro d a qual os m eios devem conter-se
p a ra a lc a n ç ar o s fin s v isa d o s 9. Como se vê, a experiência ju rí
dica, conform e Bobbio, é focalizada segundo os p ris m a s do
fim , do m eio e d a form a, dando lu g a r a trê s o rd en s autônom as
de estudos. A b stração fe ita d a s dificuldades in eren tes a ta is
critério s distin tiv o s, postos em função de dados p u ram en te
extrínsecos e convencionais, fácil é perceber que tem os apenas
um a tricotom ia, e não, p ro priam ente, um a com preensão trid i
m ensional d a experiência ju ríd ic a , à cu ja luz se evidencie a
correlação essencial existente e n tre fim , m eio e fo rm a em
cada um dos cam pos do conhecim ento jurídico. N ão h á dúvida
que a discrim inação fe ita por Bobbio — n a qual e stá , aliás,
im plícita um sen tid o de articu la çã o siste m á tic a — pode ter
alcance eurístico: e.' p rático, m as, como to d as a s colocações
intelectu alísticas e a b s tra ta s , não leva cm conta a concreti-
tude d a experiência jurídica.
N ão fa lta , porém , ao m estre d e T urim a p ercepção de
que os trê s aspectos apontados se correlacionam , com o já foi
lem brado no cap ítu lo a n terio r, a propósito dos conceitos de
vigência, eficácia e fundam ento. Segundo Bobbio, “de um
ponto de v is ta a b s tra to e em linha de princípio, o juízo de
validade é um juízo global, que v e rsa , ao m esm o tem po, sobre
o v alo r e sobre a legalidade, bem como sobre a a c eita ç ã o d a
norm a por p a rte dos consociados, donde poder dizer-se que um a
norm a, em. linha de principio, s e rá válida se fo r tam bém ju s ta ”.
M as, no plano fático , o equilíbrio dos trê s c ritério s é instável,
e v a ria no â m b ito do m esm o ordenam ento jurídico, sendo ora
considerados em conjunto, ora não, conform e o tipo d e norm as,
a s circ u n stâ n c ia s etc. A ssim , se n a lei prevalece a validade for-
29
m al, já no caso de um a r e g ra consuetudinária o c rité rio p rin
cipal é o d a eficácia ou d a validade em pírica, enquanto é a va
lidade m a te ria l (o fundam ento axiológico) que decide d a acei
taç ã o d e um principio g e ra l de d ireito 10.
T ra ta -se , como se vê, de um a concepção trid im en sio
n al de cunho m etodológico e eurístico, que não chega a o nível
de um tridim ensionalism o concreto, isto é, a té à e s tru tu ra
m esm a d a experiência ju ríd ica.
30
É tam b ém segundo u m a exigência de am pla e a b e rta
com preensão d a experiência ju ríd ic a que se s itu a a obra, tão
rica por seus cam pos de in te re sse , de L uigi B agolini, que de
dica especial a te n ç ã o à p ro b lem ática axiológica.
A corde com a s u a com preensão d a experiência his-
tórico-cultural em term os d e “ d ialética de p o laridade” , inspi
ra d a nos ensinam entos de C arabellese, Bagolini n ã o a c e ita as
setorizações a rtific ia is im p o stas à unidade co n creta do Di
reito, que ele p re fe re a p re c ia r n a com plem entariedade de su a s
m ú ltip las persp ectiv as, ta l como re s u lta d e sta passagem , que
é como a sín te se de seu pen sam en to : “o d ireito não pode se r
visto como p u ro fato , nem com o p u r a form a, nem como norm a
entendida em sen tid o form al, nem como puro v alo r ideal, nem
como puro conteúdo intencional, m as sim como objetivação
norm ativa da justi-ça” 14.
M uito em bora o p en sam en to de Bagolini não se de
senvolva explicitam ente no â m b ito do tridim ensionalism o ju
rídico, coincide ;coíh algum as de s u a s exigências fundam entais,
n ão apenas q u an to à com preensão do d ireito como fenôm eno
cu ltu ral, entendendo por c u ltu ra “o conjunto dos v alo res e dos
fin s ú ltim o s que se oferecem a o hom em no am biente social
em que viv e’’, como tam bém pelo se n tid o de co n cretitude que
re su lta d a correlação estabelecida e n tre cultura e. técnica, “in
trínsecam ente conexas em um a rela çã o h istó ric a de condicio
nam ento recíp ro co ”, num a “relação h istó rica de distin ção , de
polaridade, de im plicação rec íp ro c a ”
N esse contexto de idéia, é claro que o estudo do D i
reito não se resolve, nem se d istrib u i segundo e s fe ra s a b s tra
tam ente se p ara d a s, visto com o “ a in te rp re ta ç ã o dos fin s não
pode d e ix a r de im plicar o conhecim ento dos m eios idôneos à
sua realização e, em c o n tra p a rtid a , o conhecim ento dos meios
31
não pode não im plicar a in te rp re ta ç ã o dos fins". Donde as con
clusões fundam entais, de ordem m etodológica, de que a reali
dade co n creta da norm a de d ireito implica um a D ogm ática
Ju ríd ic a concreta, não d a Lógica form al a b s tra ta , m as do
razoável ou racionável ( ragum cvolc); e a do que “urna visão
da norma jurídica como um conjunto dc valor c dc fa to ” é in
conciliável com um a concepção do conhecim ento ju ríd ico con
soante o modelo d a s ciências n a tu ra is " .
Segundo Bagolini, as m últiplas expressões da expe
riência ju ríd ic a , as exigências v alo rativ as e ideológicas -—
as q u ais não são m eros reflexos de situações contingentes,
m as constituem condicionam ento essencial a todo processo his
tórico — , assim como a s “significações do fa to ” (“ o apelo a
um fa to — diz ele — como q u er que se considere, é apelo ao
significado do fa to ” ) levam à com preensão das soluções nor
m ativas do d ireito em função de um conceito diverso dc tem
po, do “tem po c u ltu ra l” : 110 cam po d a experiência ou da vali
dade ju ríd ica, a tem poral idade não tem o c a rá te r de uma
continuidade hom ogênea e irreversível, como que objetivado
ua extensão espacial, m as se confunde, p o r assim dizer, com
o ritm o mesmo da ação hum ana, verificando-se, por conseguin
te, "um a integração das form as tem porais, como com penetra
ção 011 in terp en etração de passado, presen te e fu tu ro ”
E sse conceito de “ tem po c u ltu ra l”, que, como bem
observa o m estre de Bolonha, tem sido posto cm realce pela
A ntropologia e pela Sociologia contem porâneas, c de grande
alcance p a ra a com preensão do “norm ativism o jurídico con
creto”.
0 TRIDIMENSIONALISMO
NA FRANÇA
4. O tridim ensionalism o jurídico desenvolve-
F ia n ç a , sobretudo nos dom ínios da T eoria Geral do D ireito, a
p a rtir dos estudos fu n d am en tais de Paul Roubier.
32
Segundo o an tig o m e stre de Lyon, a “ teoria trid i
m ensional do direito, que é a d o u trin a m ais recente sobre a
m ateria, focaliza o conjunto do ordenam ento ju rídico como
inspirado p o r trê s fins principais, que são a se g u ra n ç a ju ríd i
ca, a ju s tiç a e o progresso social”
A exigência de se g u ra n ç a e de certeza, ou por o u tras
palavras, "de ordem , que é a condição p rim eira de toda pos
sibilidade de desenvolvim ento d a s sociedades h u m an a s”, im
plica a idéia de com ando c de regra de direito: quando essa
tendencia se isola ou se exacerba, e a norm a ju ríd ic a se legi
tim a tão-som ente em v irtu d e de s u a form a, isto é, pelo poder
que a impõe, tem os o tipo d a s tendências fo rm alistas, funda
d a s em a to s de autoridade.
33
ram na cena jurídica, sendo necessário d eterm in ar os seus
dom inios d istin to s de investigação, a saber, respectivam ente,
a P olítica do D ireito, que indaga do3 fin s; a Sociologia J u rí
dica, que cuida dos com portam entos e fe tiv o s e su a adequação
aos fin s; e a Ciência do D ireito, que se in te re ssa m ais pela
fo rm a d a experiência ju r íd ic a I0.
È n a s pegadas do pensam ento de R oubier que se situam
os estudos recentes de um seu an tig o discípulo, F ra n c is La-
m and p a r a quem “o tridim ensionaiism o tem o m érito de pôr o
acento sobre a integração dos valores” =°. A seu ver, porém , as
trê s dim ensões — fato, valor e norm a — não reconstituem a
unidade do ju s no tem po, que, a seu ver, re p re se n ta ria m ais uma
das dim ensões do direito. Penso, todavia, que o tem po não
co n stitu i um a nova dim ensão d a e s tru tu ra do direito, m as é
essencial à significação d a e s tru tu ra ju ríd ic a m esm a, como
realidade dialética que é.
E n q u an to que em L am and prepondera a problem ática
filosófico-jurídica, já é propriam ente no campo da T eoria Ge
ra! do D ireito que se desenvolve a d o u trin a de Michel V i-,
rally, cuja obra L a Pensée Juridique é em g ran d e p a rte desti
n ada à investigação d a s ‘ dim ensões do d ire ito ”.
Segundo o m estre de S trasb u rg o , h á n a experiência
ju ríd ica trê s dim ensões: a norm ativa, ou p o r m elhor dizer, a
histôrico-norm ativa, a fúlica e a axiológica, objeto de análise
34
em trê s cap ítu lo s in titu lad o s “d ire ito e ação ” , “d ire ito e fa to ”
e “d ire ito e v alo r” 21.
N ão ob stan te a fluidez de seu pensam ento, que p a
rece não le v a r em co n ta os estudos já desenvolvidos n a m a
té ria , a com eçar pelos de R oubier, merece especial referência
a conexão que V irally faz e n tre norm atividade e h istó ria , não
apresentando a re g ra de d ireito como um p uro juízo lógico,
visto o duplo e concom itante c a rá te r histórico e n o rm ativo do
direito.
A o b ra de V irally m antém -se, todavia, ain d a no plano
de um a tridim ensionalidade a b s tra ta , apesar de, vez por ou tra,
a flo ra r a com preensão de que, qu alq u er que seja a m odalidade
de experiência ju ríd ic a , é ela sem pre tridim ensional, como
ocorre, p o r exemplo, ao referir-se ao conceito de relação ju rí
dica: “E s s a relação — escreve ele -— nasce de um a sim ples
situação de fa to , que um a norm a ca rre g a de significação ju rí
dica à luz dos valores que ela exprim e e onde ela encontra o
fu n d am en to d* sua fo rça específica” ".
A TRIDIMENSIONALIDADE NA ÁREA'
DO "COMMON LAW"
5. N os países anglo-am ericanos pode-se o
desenvolvim ento análogo ao anterio rm en te exposto, em bora
subordinado a diversos p ressu p o sto s filosóficos. Nos quadros
am plos do “n a tu ra lism o ya n kee” — dotado, como se sabe, de
c aracterístico s inconfundíveis com o da corrente que n a E u
ropa ou n a A m érica L atina s e costum a d esig n ar com igual
35
nome — é que se veio a s e n tir a necessidade de um a q u a rta
posição, su p e ra d o ra das a n títe se s em píricam ente su rg id a s en
tr e a A n alytical Junaprudzncc, fiel à tra d içã o de Jo h n A ustin,
e as d u a s o u tra s orientações, tam bém e n tre si c o n tra sta n te s, a
E th ica l Jurispriidence, c e n tra d a nas Theories o f Ju stice, de
tra d iç ã o ju sn a tu ra lis ta , e a H istóricaI M risprudence, ou a So-
ciological Ju risp ru d en te, fundadas em não m enos relevante
tradição, a dos estudos de Sum ner M aine e M aitiand.
Foi a a b e rtu ra do natu ralism o a um complexo de
o u tra s influências, em função de novas c o n ju n tu ras h istó ri
cas, que determ inou a progressiva convergência das análises
no sentido de um a com posição p rag m ática, m ais do que para
um a sín tese, o que, pela prim eira vez se observa, como já
disse, nos estudos de Roscoe Pound, dos quais derivam con
cepções expressam ente tricotôm ioa e genéricas como a s de Ju-
lius Stone, G airns ou Friedm ann
Segundo Roscoe Pound, as d iferen tes E scolas de ju
ris ta s do século p assad o nada m ais fizeram senão considerar
elem entos d istin to s da com plexa realidade que denom inam os
direito. Os adeptos da co rren te analítica, escreve ele, cuida
ram exclusivam ente do corpo dos preceitos estabelecidos, em
v irtude dos quais um resu ltad o legal definido é ligado a uma
definida situ ação de fato. Os ju ris ta s de tendência h isto ri
eis) ;t preocuparam -se m ais com as idéias e as técnicas tra d i
cionais, assim como com os “ costum es" condicionadores de
decisões conform es à s exigências da vida: e, finalm ente, o ju
rista-filósofo foi ten tad o a ver m ais os fin s éticos, as exigên
36
cias ideais do d ire ito , a que cham ou “ lei n a tu ra l" , como padrão
de afe riç ã o d a lei positiva
Após a n a lis a r e ssa s trê s posições, o an tig o m estre
de H arv ard conclui que os trê s pontos de v ista (“law by enac-
tem ent", “ law by convention” e “ law by n a tu re ” ) se comple
tam , reciprocam ente, d em onstrando o a rtifíc io de separações
radicais 2\
É dessa colocação inicial de Roscoe Pound que de
corre a concepção in teg ral do d ire ito desenvolvida p o r Julius
Stone, que concebe os aspectos filosófico, sociológico e analí
tico in teg rad o s no universo da Ciência Ju ríd ic a ou Jurisprur
dence.
A Ju risp ru d ên cia, diz ele, compõe-se de trê s ram os:
1 ° — a Jurisprudência A nalítica, que é a m era análise dos
term os juríd ico s e um a pesq u isa sobre as in ter-relaçõ es lógicas
das proposições; legais, cabendo-lhe, como Lógica do D ireito,
consoante a denom inou A. K ocourek, verificai’ como e a té que
ponto ta is prâposições form am um sistem a de per si logica
m ente consistente; 2.° — a Jurisprudência Sociológica, devo
ta d a a o b se rv a r e a in te rp re ta r, generalizando-os, ós efeitos
do d ireito sobre as a titu d es e o com portam ento dos homens,
bem como os efeitos dessas a titu d e s em relação à ordem ju r í
dica; 3.° — a Teoria da Ju stiça , que in d ag a do conteúdo ou
objeto do d ire ito em term os d e dever ser ideal 26.
Como se vê, a de Stone é um a tridim ensionalidade
tipicam ente a b s tra ta , resolvendo-se num a discrim inação de
trê s cam pos de pesquisa, os quais, se podem e devem com
pletar-se reciprocam ente, só o fazem após concluídas as res
pectivas ta re fa s , desenvolvendo-se c a d a um a delas com a b s tra
ção dos o u tro s dois fato res que in teg ram a experiência ju rí
dica.
37
É a razão pela qual pôde Stone a p ro x im ar a sua
tricotom ia da de K elsen, ao escrever: “A lio in tu itu , a divisão
Teoria Pura de D ireito, Sociologia Jurídica e Filosofia da J u s
tiça j á foi claram ente estabelecida p o r K elsen. E s s a é subs
tancialm en te a divisão por mim a d o tad a, se bem que H ans
K elsen a faça visando a excluir as d u a s o u tra s do cam po da
Ju risp ru d ên cia. Nosso propósito é, ao contrário, reg u larizar
e consolidar o lu g ar de to d as as três. O objetivo d e Kelsen,
ao p ô r aquela distinção, tem sido, à s vezes, d e sa c re d ita r a J u
risprudência Sociológica ou a T eoria da J u s tiç a como campos
ap ro p riad o s de indagação de n atu reza jurídica” - .
Segundo Jo sef K unz, poder-se-ia fa la r, a respeito de
H. K elsen, em tricotom ia■im plícita " \ m as talvez s e ja preferí
vel apreciá-la como tridim ensionalidade m etodológico-negati-
va: no seu sistem a, com efeito, é apenas a Ciência de D ireito,
como estudo lógico-sistem ático de norm as, que possui c a rá te r
jurídico, ressalvado sem pre o c a rá te r m etajurídico ta n to da
T eoria d a J u s tiç a como d a Sociologia do D ireito.
É n a p erspectiva de um tridim ensionalism o genérico
que se situa tam bém o m encionado jusfílósofo e in tem acio n a
lista Jo se f L. Kunz, o qual aproxim a o seu pensam ento ao de
V erâross, num a passagem que m e perm ito tra n sc re v e r, visto
dar-nos um a síntese p e rfe ita da orientação dom inante nesse
tipo de tridim ensionalidade: “Eu sem pre defendi a opinião —
escreve ele — que liá trê s ram os d a Filosofía do D ireito e que
esses ram o s existem a tu alm en te: o A nalítico (que inclui a
T eoria Ju ríd ica P u r a ), o Sociológico e o A xiológico (D ireito
N a tu ra l). A E scola A nalítica é a d e m aior im p o rtân cia p a ra
o ju iz, o advogado e o ju ris ta teórico: concebe o d ireito como
norm a, como sistem a de norm as, de um ponto d e v ista an a
lítico, teórico, form al, construtivo. Porém , p a ra com preender
o direito , em to d a a su a com plexidade, não é m enos necessário
38
estudá-lo do ponto de v ista sociológico e axiológico, O enfo
que sociológico do direito é um a ciência causai: m ais do que
o d ireito m esm o, exam ina a s u a criação, e e s ta é, naturalm ente,
um fato histórico, social e político; pertence ao reino do ser,
enquanto as no rm as criadas em tal processo se acham inseri
das no rein o do dever ser. A Filosofia sociológica considera
tam bém a efetividade do direito , e aqui se tr a ta igualm ente de
investigações causais. A Filosofia ju ríd ic a axiológica, de seu
lado, c ritic a o direito, e tom a como p a rte d essa crítica uma
série de n o rm as e x tra ju rid ie a s: o direito n a tu ra l não é di
reito, m as sim ética. E s ta trip a rtiç ã o , desejo a crescen tar logo,
corresponde à s idéias de V erdross, que reconheceu a necessi
dade de com binar as três direções, não o b stante as suas gran
des diferenças metodológicas, para com preender o direito em
toda a s u a com plexidade’’
N ão podia se r m elhor expresso o sen tid o prevalecente
d a tridim ensionalidade genérica, que é o de com binação de
perspectivas.
O TRIDIMENSIONALISMO
NA CULTURA IBÉRICA
6. Se, porém , K elsen considerava m etajurídic
ponto de v is ta e s trito d a Teoria pura do D ireito, ta n to a com
preensão do filósofo como a do sociólogo, o u tro s a u to re s deram
à R einerechtslehre um entendim ento tal que lhes pareceu pos
sível conciliar o norm ativism o lógico d a Ju risp ru d ên cia com a
A xiologia e a Sociologia Ju ríd ica s, o que foi feito de m aneiras
diversas, m as sem pre de modo a se distinguirem trê s perspec
tiv as, em g e ra l consideradas irredutíveis,
39
E sse pcrs/icctivianio tricotôm ico nota-se sobretudo
nas o b ras de L,. Lega?, y L acam bra e E . G arcia M á y n e z n a s
qu ais se percebe a ju stap o sição dos m otivos crítico-transcen-
d en tais do kelsenism o cojn pressupostos axiológicos inspira
dos, não só n a Filosofia dos valores, como especialm ente n a
Etica de M ax Scheler ou Nicolai H artm ann.
Segundo tal orientação, verifica-se uma ap o ria entre
os trê s pontos de v ista possíveis concernentes ao direito , che
gando M áynez à conclusão de qu • “ não se tr a ta de espécies
d iv ersas de um único gênero, nem de facetas d iferen tes do uma
m esm a realidade, m as, sim , de objetan distintos".
N ecessário é a d v e rtir que o pensam ento de L egaz y
L acam bra posteriorm ente evoluiu de sua posição inicial, m ar
cadam ente antinóm ica, p a ra uma com preensão da experiência
ju ríd ic a que, sem deix ar de se r fundam entalm ente aporética,
revela-se de m aneira unitária, como a “form a de vida social
que realiza um ponto de vista sobre a ju s tiç a ”, inspirando-se
num a m etafísica p erso n alista que o reconduz às m atrizes do
D ireito N a tu ra l aristô télico -to m ista .
É uma tridim ensionaiidade genérica que, em ú ltim a
análise, acha-se im plícita na teoriu eijulógica de C arlos Cossio,
que dã à (coria pura de Kelsen m ero v alo r de lógica jurídica
form al, com pletando-a com o u tra s ordens de pesquisas, a ti
nentes aos aspectos fático e axiológico, discem íveis no direito
concebido como “ conduta em in terferên cia in te rsu b je tiv a ” 32.
40
P a r a Cossio c a conduta como tal que tem trê s ditnen*
scV.'s. Paroce-lhe “m isterio so " falai--se em trê s dim ensões sem
so a d m itir algo a que elas se re fira m , o que dem o n stra que o
term o “dim ensão” é em pregado por ele em sentido geoniétrico-
espaeial, c não em sentido filosófico, a in d icar d istin ta s ex
pressões ou m om entos da experiencia ju rídica, c u ja realidade
é d ialética ou de processo. A rigor, p a ra falar-se em “conduta
em in terferên cia in te rsu b je tiv a '’, já é m ister reconhecer que
a conduta ju ríd ic a é, essencialm ente, “fático-axiológico-nor-
m ativ a", o que exclui se possa concebê-la (tb e x tr a como se
fo ra o b jeto físico dotado de dim ensões de ordem espacial.
41
relações d e essencial implicação. O d ireito não é um valor
puro, nem é m era norm a com certo s característico s especiais,
nem é um sim ples fa to social com n o ta s particu lares. D ireito
é um a obra h u m an a social (fato) de form a norm ativa d e sti
n a d a à realização de valores” 33.
É relevante a contribuição de R ecaséns Siches à teo
ria tridim ensional, no estudo da conceituação do direito e no
da concreção do fenôm eno norm ativo, visto se r o d ireito um
pro d u to de cu ltura, e, p o r conseguinte, histórico, cujas trê s
dim ensões "não se dão como trê s objetos ju stap o sto s, m as
são, ao co n trário , trê s aspectos essencialm ente entrelaçados,
de m odo indissolúvel e reciproco” 34.
E m outro ponto a d o u trin a de R ecaséns coincide com
a que venho expondo, em bora por outros fundam entos: é
q u an to à historicidade essencial d a experiência ju ríd ica, que
não exclui m as a n te s im plica o reconhecim ento das co n stan tes
axiológicas condicionadoras d a s situações sociais h istó ricas
p a rticu la re s. O pensam ento de R ecaséns situa-se nos quadros
de um a am pla com preensão do direito como experiência que
se desenvolve segundo exigências d a "razão v ita l” e da razão
histó rica, não segundo relações lógico-m atem áticas do logos
da raz ã o a b s tra ta , m as sim em consonância com o logos con-
42
ereto do razoável, que en co n tra nos m otivos existenciais a sua
fonte c o n stitu tiv a
Após a l .a edição d este meu livro, o tridim ensionalis-
mo alcançou notável desenvolvim ento n a A rg en tin a, contando
com estudos de ordem genérica, bem como com ensaios nos
m ais d istin to s planos d a C iência Ju ríd ica 3".
43
(lência correspondo à atualização doa valores, "k aplicação p rá
tica. concreta, de num erosos critério s de valoração, ex traídos
da lei ou do espirito objetivo dum a c u ltu ra, à própria conduta
e aos costum es dos hom ens, para a realização e n tre cies de
um a idéia de ju s tiç a ” .
Segundo M oncada, “ tan to faz dizer, n este caso, fa to
como dizer conduta hum ana ou costum e; tan to faz dizer norma
como dizer lei; ou ainda, dizer valoração, como dizer jurisp ru
dência. O d ireito positivo é, sem dúvida, estas trê s coisas ao
m esm o tem po. É precisa nunca esquecer que cada um a d cias
e s tá n a s o u tras. Todas, de fato, não passam de trê s aspectos
ou lados de um a m esm a realidade", que é o direito positivo
N ão re s ta dúvida que, sendo a tridim ensionalidade,
como tenho acentuado, da essência m esm a da experiência
ju ríd ic a , ta l fato não pode deix ar de se re fle tir na problem á
tic a das fo n tes do direito, como o salientou o em inente m estre
luso À luz, porém, de uma com preensão, n a qual os trê s fa to
re s u n ita ria m e n te se dialetizem e se impliquem , dá-se mais
predom inância do que exclusividade de diretriz, no a to de re a
lizar-se o d ireito pela reitera çã o da conduta, pela valoração
jurisdicional ou pela objetivação d a lei: em cada um a das
fontes do direito , em bora com n a tu ra l predom ínio de um dos
trê s apontados fato res, estão sem pre presen tes 03 o u tro s dois,
condicionando os respectivos modelos ju ríd ic o s ,0.
A t r id im e n s io n a l id a d e em o u t r a s
ÁREAS CULTURAIS
9. Pode-se dizer que a com preensão tridim en
da realidade ju ríd ica, como discrim inação de pontos de vista
ou de perspectivas, foi um fenôm eno universal, correspondendo
44
a uma exigência de superam ento de d uas a titu d e s co n trap o s
ta s, a do apego p ositivista aos fato s em píricos e a de p u ra
su b o rd in ação a valores ideais.
É n a linha d essa te n ta tiv a de su p eram en to que se si
tu a , p o r exem plo, a o b ra de B a rn a H o rv ath , p a ra quem o d i
reito positivo não é todo n a tu re za , nem todo idéia, m as a sinop
se m etódica da realidade e d a idealidade, razão pela qual por
fo n te do direito deve entender-se o direito m esm o em tra n s i
ção, e n tre dois estad o s ou situações, ou, consoante s u a s pró
p rias p a la v ra s, “na passagem de um estado de fluidez e de indi
visibilidade s u b te rrâ n e a p a r a o estado de ce rtez a ev idente” " .
B a rn a H o rv ath recusa-se a fa la r em sín te se dos va
lores e dos fa to s — visto não perceber que a norm a desem pe
nha a função in teg ran te e su p e ra d o ra daqueleã elem entos, ta l
como n a solução por mim oferecida , contentando-se com
uma “com binação sinóptica”, que, no fundo, não vai além dc
uma ju sta p o siç ã o dos fa to re s axiológico e sociológico segundo
um esquema* gnoseoiógico, com um im preciso apelo à “c a te
goria d o s c o n ju n to s”.
N ão m e parece te n h a sido suficientem ente esclare
cido pelo ilu stre jusfilósofo h ú n g aro o que s e ja “m étodo si-
nótico” , p o sterio rm en te considerado análogo ao de “eooles-
céncia d e fa to s e valores” , exposto por Jero m e H a l l IJ, o que
d e m o n stra tra ta r-s e de um a com posição d e scritiv a dos dois
elem entos em um terceiro esquem a, de m ero v alo r eurístico.
A pesar dessa solução, reduiívi 1 a um sim ples “quadro
de re fe rê n c ia s”, com partilha B a rn a H orvath do propósito, co
45
m um a todos os trid im en sio n alistas, de com preender concreta
m ente o direito, o “qual não cessa de s e r n atu reza em v irtude
de s u a em ergência como cu ltu ra". Além disso, deve-se recor
d a r que foi ele talvez o prim eiro a in tu ir e a esboçar a com
p reen são d a experiência ju ríd ic a em term os de e s tru tu ra s e
m odelos: “T an to a c u ltu ra como a n atu reza, a seu ver, exi
bem m odelos ( p a tte rn s) , à p rim eira v ista puram ente nom ina
lista s, m as que com o tem po se revelam s e r as alavancas me
d ia n te as quais os eventos se a tu a liz a m ’’ <a.
43. “Between legal realism an d idealism", rev. cit., pág. 706. Q uanto às
estru turas do direito, v. do m esm o autor. "R ecto und W irtschaft", in õsterr.
Z tiisch rifi f„ r òffentliches R echí. Viena, III, 3, págs. 331 c segs.
44. C f. JERZY W RÓBLEW SKI, “N orm ativity o f Legal Science", cm
Éludcs de Logique Juridiquc. Bruxelas, 1966, pág. 69. O autor, p a ra a discri
minação supra, reporta-se aos estudos de J. STO N E, The Province and F unc
tion o f Law. 2.“ ed., Sidney. 1950. §§ 10 e 13; A. ROSS, On Law and Justice.
Londres, 1958, pág. 43, e J L A N D E , Studia z filosofi prawa, V arsóvia, 1959,
págs. 364-414.
46
a s expressões do d ire ito (a firm a ç ã o e s ta desacom panhada de
q ualquer d e m o n s tra ç ã o .. . ) — , o d ireito se revela sem pre n o r
m ativo, dando lu g ar a d istin to s cam pos de pesquisa, como
fato, como norm a e como valor.
Como se vê, é m ais um a posição de tridim ensional i-
dade a b s tra ta , c a ra c te riz a d a pelo tra to an alítico do assunto,
com finalidades p u ram ente m etódicas e eu rístieas.
M as me parece ev idente que, se cada um a das classes
de problem a possui, a seu m odo, a n o ta de norm atividade, é
que elas não p assam de a b s tra ç ã o de um a realid ad e em si
in trin secam en te trid im en sio n al, ta l como se to rn o u m anifesto
no âm bito do que denom ino “ tridim ensionalidade específica".
47
com as desenvolvidas por mim 110 B rasil
Só posteriorm ente é que se desenvolveu o in te g ra ti
visnto ju rídico de Jero m c H a l l 1 tam bém caracterizado pela
a firm a ç ã o comum de que qualquer pesquisa sobro o direito,
s e ja ela filosófica, sociológica ou técnico-norm ativa, deve ser,
ncccssária c essencialm ente, tridim ensional. Talvez não seja
exagero dizer-se que foi tão-som ente a p a rtir dessas form as
de com preensão u n ita ria do problem a que se co n stituiu uma
Teoritt Tridim ensional do D ireito, 110 sentido próprio deste
term o.
T al concepção cessa de a p re c ia r fato, valor e norm a
como elem entos separáveis da experiencia ju ríd ic a e passa a
concebê-los, ou como perspectivas (S auer e H all) ou como
ja la re s e m om entos <Rea le e R ecaséns) inilim ináveis do d irci
to : é o que denomino “ tridim ensionalidade específica", sendo
que a de Sauer ap re se n ta m ais c a rá te r estático ou descritivo;
a segunda se reveste de acentuado cunho sociológico, enquanto
que a m inha teo ria p ro cu ra correlacionar dialeticam ente os
trê s elem entos em um a unidad' in teg ran te, e R ecaséns Siehes
a insere no contexto de su a concepção do lugos del razonable
Vê-se, pois, que, m esm o o tridim ensionalisino especí
fico oferece m últiplas e a té m esm o c o n tra sta n te s form ulações,
de ta l so rte que um a doutrina não pode se d istin g u ir das
dem ais pelo sim ples afirm ar-si' de urna tricotom ía cssenc.ial.
tos" c no estudo intitulado "L e droil vivam ", inserto nn coleiüitcu Droit. Moralc.
M m urs, Paris, 1936, págs. 21 e segs , de m aneita contraditória, com o resulta
desta outra afirm ação, correspondente :i um pcrspectivism o abstnito: ".São dim en
sões que ora sc separam, ora se cruzam " (pág. 281. De tridimensionalidade
específica só se pode falar quando os três fatores deixam dc se r “ pontos de
vista" para ser componentes essenciais da experiência jurídica.
Aliás, o próprio W. SA UER. em seu Derccho Penal — Parte General.
irad. de Juan dcl Rusal e José Cerezo, Barcelona, 1956, atlvcrte que o Direito
Penal será p o r ele construído "de um m odo tridimensional, com o já proposto
cm sua "Juríst, M ethodenlchrc" ptfbhcada e m 1940" <op. cit., págs. 10 e 48).
C f , outrossim, System der Rechts-und Sozialphilosophie. 2.* ed., 1949, págs.
412 c scgs.
46. M IG U EL REALE, Fundam entos de Direito, 1940, c Teoria do
Dircito e do Estado. 1." ed., 1940, 2.* ed.. 196(1.
47. JER O M E HALL, "lutegrative Jurisprudence", in Inlerpretalions o!
48
Inegáveis são, todavia, os pontos de co n tato e n tre
e ssas concepcões, polo menos q u a n to ao propósito de não p e r
d e r jam a is de vista os trê s elem entos on fa to re s de que se
compôt- esscnciálm cntc to d a e q u a lq u e r experiência ju rídica,
s e ja ela o b jeto de estudo por p a rte do ju ris ta , do sociólogo do
d ire ito ou do jnsfilósofo
Pode-se dizer que S au er, fundado na su a teo ria da
m ônada de valor, dá m ais realce ao elem ento axiológico, ao
qual ficam subordinados os o u tro s dois, ao p asso que na dou
trin a de Jero m e H all são os elem entos valor e norm a que ac a
bam su b ordinados, de certo m odo, a um a com preensão fó tic a ,
em bora não em pírica, d a d a a s u a afirm ação fundam ental de
que, em s u a plenitude, “o d ire ito é um a coalescéncia especifica
de form a, v a lo r e fa to ”.
A noção m esm a de m ônada de valor denota a n a tu
reza d a concepção de Sauer, p a ra quem a C iência do D ireito
n ão é um a ta o ria de norm as a b s tra ta s , m as sim um a teoria
de con cretas realizações de v a lo r ík o n c re te r W e rltc rsik lic h u n -
g e n j, um a realidade vital no sen tid o da Idéia do D ireito ou da
J u s tiç a
Ao c o n trá rio dessa tônica axiológica, n que prepon
d e ra no siste m a de J . Hai! é um a in teg ração de tipo socioló
gico, um ta n to vaga, pois esse jnsfilósofo após c o n sid e rar pro
fu n d a a com preensão dos “ re a lis ta s " norte-am ericanos quando
49
reclam am um a base fá tic a p a ra a s ciências sociais, acrescenta
que, segundo um a perspectiva sociológieo-hum anística, o di
reito não é puro fato , m as “ um tipo d istin to de realidade so
cial; um a c e rta conduta que rep re sen ta a fu sã o de idéias legais
(norm as) com fa to s e valores” i'°.
O problem a que tan to n a posição de S auer como na
de H all fica em a b e rto consiste em sab er como é que os trê s
elem entos se correlacionam na unidade essencial à experiên
cia jurídica, pois sem unidade de integração não h á “ dimen
sões” , m as sim ples “ p erspectivas” ou "pontos de v is ta ”. P en
so que é só g ra ç a s à com preensão dialética dos trê3 fa to re s que
se to rn a possível a tin g ir um a com preensão concreta d a e s tru
tu ra tridim ensional do direito , na su a n a tu ra l tem poralidade 5I.
A meu ver, com efeito, a exiJcriência ju ríd ic a , a r ti
culando-se e processando-se de m an e ira tridim ensional, nem
por isso perde a su a essencial unidade e c oncretituds, a qual
só pode s e r unidade de processo ou dialética, q que im plica a
inserção do problem a p a rtic u la r da tridim ensionalidade do di
reito no quadro geral de um a diversa com preensão do homem,
d a sociedade e d a h istó ria , como p rocurarei esclarecer no
ensaio seguinte, e tem sido objeto, no Brasil, de estudos de
gran d e valia
50
co , c T EÓ FIL O C.AVALCANTI F IL H O , “ Miguel Reale c a renovação dos
estudos jurídicos no Brasil”, am bos na R evista da Faculdade d e Direito da
Univ. de São Paulo, L X I, fase. I, 1966, págs. 198 e segs. e 270 e segs. Neste
mesmo volum e da Revista poderá ser encontrada am pia bibliografía sobre u
teoría tridim ensional. V., aínda, C EL E ST IN O DE SA F R E IR E BASILIO. O
Dado O ntològico do Direito. Rio, 1965, págs 41 c segs., e A. L. M ACHADO
NETO. Introdução ñ Ciencia d o Direito. São Paulo, I960, voi I, págs. 17 c
segs c 36 c segs.; SILV IN O L O PE S N ETO . O Caròler C ientifico d o Direito.
São Lou rompo do Sul. 1962. e W ILSON C HA GA S, Conceito Finalistico do Di
reito. Pelotas. 1964.
C f., outrossim , RECASfiNS S1CHES, Panorama ilei Pensamiento Jurídi
co en el Siglo X X . c it , I. págs. 553 c segs.; U N O R O D R IG U E S ARIAS
BUSTA M AN TE, Ciência y F ilosofia del Derecho. Buenos Aires, 1961; B
M ANTILLA PIN E D A , Filosofía del Derecho, M edclin, 1961, págs. 116 i
segs.; JO R G E I. H U B N ER G A L L O , Introducción al Derecho, cit., págs. 284
c segs.
N o tocante à aplicação d a teoria tridim ensional d o cam po do Direito
Penal, cf FR A N C ISC O C H IARAD 1A N ETO . “Visão tridimensional d o D i
reito Penal", in Estudos Jurídicos. C oletânea C om em orativa d o Cinqüentenário
da Revista d o s Tribunais, São Paulo, 1962. págs. 160 e segs. e LUIS LUISI,
‘‘Aspectos da presença axiológica n o D ireito Penal", nos Anais do IV C on
gresso N acional d e Filosofia. Sào P aulo — Fortaleza, 1962, págs 370 e segs
Valiosa aplicação do tridim cnsionalism o especifico na obra de IR IN EU
ST R E N G E R , Da A utonom ia da V ontade cm Direito International P ria d o .
São Paulo, 1967. C f., outrossim , I R. FR A N C O DA FO NSFCA, Contro a
Denúncia e a D evolução (D ireito Internacional Privado), São Paul. , 1967,
E m bora obedecendo a ou tro s pressupostos, nos q u a d r a da Filosofia tu
rnista, com forte presença do pensam ento bergsoniano, a o b ra de G O FR ED Q
TELLES JÚ N IO R não refoge de um a com preensão tridimensional d o direito
(A Criação do Direito, São P au lo , 1953, Filosofia do Direilo, São Paulo, s.d )
Essencial sobre o tridim ensionalísm o n o Brasil é o Prefácio que o saudoso
T H EÓ PH ILO SIQ U EIR A C A V A L C A N T I escreveu para 2.’ ed. de meus
Fundamentos do Direilo. cit., págs. X XI-LVI.
Após a 1,* edição do presente livro, o tridim ensionalism o foi objeto de
diversos estudos, com o, por exem plo, de T ÉR C IO SA M PA IO F E R R A / F I
LHO, Conceito dc Sistem a no Direito, São Paulo, 1976, A ('¡cucia do Direito.
São Paulo. 1977, "Einige Bemerkungen zu Miguel Reale Begriff dei Wissens
chafl des Rechts”, in Archiv fu er R echts u n d S o n a i philosophic, 1970, LV1I/2,
“A noção de norm a jurídica na obra de Miguel Reale”, in Ciência e Cultura,
São Palilo, 1974, vol. 26 (11); PA BLO L O PEZ BLANCO. La ontologia jurídi
ca de M iguel Reale. Sáo Paulo, 1975; JO A O BAPTISTA M O REIRA . Um
Estudo sobre a Teoría dos M odelos de M iguel Reale. São Paulo, 1977 e JOSÉ
EDUAR DO FA RIA — Poder e Legitimidade. São Paulo, 1978.
51
N a colctSnéa Estudos em H om enagem a Migue! Reala, São Paulo. 1977,
organizada p o r T H E Ó PH 1L 0 SIQ U E IR A CA V A LC A N TI, a T eoria Tridim en
sional d o Direito i focalizada, sob v&rios aspectos, p o r L. LEG A Z Y LA-
CA M BR A , A G U STIN BASA V E F E R N A N D E Z D E L VALLE, M ANOEL
PE D R O P1M ENTEL. L E O N A R D O VAN A CK ER. M IG U E L A N G E L CIU-
RO C A L D A N I, R EN A TO C 1RELL C Z E R N A , LUIS LUISI c A NTONIO
PAIM.
52
Capítulo 3
Posição do Tridimensionalísmo
Jurídico Concreto *
53
te, em “ teo ria tridim ensional’', cuja base inam ovível não é
um a construção ou concepção do espírito, m as o resu ltad o da
verificação objetiva da consistência fático-axiológica-norm ati-
v a de q u alq u er porção ou m omento d a experiência ju ríd ica
oferecido à com preensão espiritual.
A “teo ria tridim ensional", na plenitude de sentido
deste term o, representa, por conseguinte, a tom ada de cons
ciência de todas as im plicações que aquela verificação e s ta
belece p a ra qualquer gênero de pesquisa sobr< o d ireito e suas
conseqüentes correlações nos d istin to s planos üa Ju risp ru d ê n
cia. d a Sociologia Ju ríd ic a ou da Filosofia do D ireito.
E m verdade, assente que se ja a natureza essencial
m en te triádica do direito de so rte que a nenhum especialista
possa s e r dado isolar, de m an eira absoluta, um dos fato res
p a ra torná-lo objeto de qualquer pesquisa de ordem filosófica,
sociológica ou jurídica, r, rgem , desde logo, alguns problem as,
a sa b er:
a) Se h á trê s fa to re s correlacionados no direito, que
é que g a ra n te a unidade do processo de elab o ra
ção ju ríd ica, e em que essa unidade consiste?
b) Se no d ireito h á trêá fato res, como é que eles se
correlacionam, ou, por o u tra s palavras, como
atuam uns sobre os outros? Pode-se f a la r em
f a to r dom inante que subordine os dem ais ao â n
gulo de sua perspectiva?
c) Se todo estudo do direito é tridim ensional, como
se d istin g u irão e n tre si, respectivam ente, as in
vestigações filosófica, sociológica e dogm ática
que tenham p o r objeto a experiência jurídica?
P o r o u tro lado, como é tridim ensional to d a a vida
ética, por im plicar sem pre o fa lo de uma ação subordinada ã
medida ou norma re su lta n te de um valor (religioso, m oral,
estético etc.), põe-se um q u a rto problem a, que é o de saber
como se distingue a tridim ensionalidade ju ríd ic a d a s dem ais
54
que constituem o complexo e m ultífacetado dom inio d a expe
riência ética
D a resposta d a d a a e ssa s p e rg u n ta s b ásicas decorrem
o u tra s, como, p o r exem plo, a j á lem brada relativam ente à
possível classificação do sa b er jurídico, ou, m ais claram ente,
das d iv ersas ciências do direito, è luz do tridim ensionalism o,
com um a distin ção dos estudos segundo os diversos planos e
âm bitos de pesquisa, o tra n sc e n d e n ta l (filosófico) e o em pí
rico-positivo
55
ciologia do D ireito, à Política do D ireito, à Ciência D ogm ática
do D ireito, ou à H istó ria do D ireito.
O direito é. por certo, um só p a ra todos os que o
estudam , havendo 'cssidade d e que os diversos especialistas
se m antenham em perm anente contato, suprim indo e comple
tan d o as respectivas indagações, m as isto não q u er dizer que,
em sentido próprio, Si- possa fa la r num a única Ciência do Di
reito, a não ser dando ao term o "ciência” a conotação genérica
de “conhecim ento' ou “s a b e r” suscetível de desdobrar-se em
m ú ltip la s “ form as de s a b e r”, em função dos vários “objetos"
de cognição que a experiência do d ire ito logicam ente possi
bilita,
A unidade do d ire ito é um a unidade de proccssmr,
essencialm ente dialética e histórica, c não apertas um a d istin ta
ag lu tin ação de fato res ua conduta hum ana, como se e sta p u
desse se r conduta jurídica a b s tra íd a daqueles trê s elem entos
(fa lo , v alo r e norm a), que são o que a tornam pensável como
c o n d u ta e, m ais ainda, como conduta jurídica, N ão se deve
p e n sar, em sum a, na conduta juríd ica como um a espécie de
m an são onde se hospedem trê s personagens, pois, a conduta
é a im plicação daqueles trê s fa to re s e com eles se confunde,
ou não p a ssa de falaciosa a b stra çã o , de um a inconcebível a ti
vidade desprovida de sentido e de conteúdo.
blem is to discover and describe that subject m atter, and also to reduce verbal
difficulties regarding it. T he subject m ailer is actual positive law. which 1
have described as a type o f conduct that is distinctive, in its expression o f legal
ideas. It is, in other words, the subject of the empirical legal scientist" (R ea
son and R eality in Jurisprudence, 1958, piig. 394).
O jurisfildsofo norte-ainericano com pleta seu pensam cnto sobre a unida-
de da CiCneia do Dircito: "ii there is only one scicnce o f law, it follows that
the various specialists have drawn upon particular p arts o f it which, for good
reason, they have emphasized o r supplem ented" (lac. cit., pag. 395).
56
d o ta d a daquele sentido e d aquela diretriz, ou se ja , enquanto
se revela fático-axiolôyico-norviuU vam cnte, distinguindo-se
da3 d em ais espécies de c o n d u ta é tic a p o r s e r o m o m en to bila-
iera l-a trib u tivo da experiência s o c ia l4.
57
vulores de um a c u ltu ra e, ao mesroo tem po, é norm a que surge
da necessidade de seg u ra n ç a na atualização desse valores", e
que só m ais tard e o elem ento interm ediario (o valor) v iria
a se f ix a r em nriuha te o ria .
N a realidade, e ra essa a term inologia por m im então
em pregada, como, de resto, se “pode" ver tam bém em meu
livro F undam entos do D ireito ", ou ainda na obra com plem entar
Teoria do D ireito e do E stado, cu ja prim eira edição é do m es
mo ano m as iato não significa que a t< orla tridim ensional
especifica já não estivesse com as suas bases lançadas, como,
aliás, foi ponderado por E rn esto Leme ao referir-se ao capí
tulo final dos citados V-andamentos, intitulado, por sinal, “fato,
valor e norm a", do m esm o destacando a afirm ação nuclear de
que o d ire ito “não é puto fa to , nem pura norma, m as é o falo
social na fo rm a que lhe dá uniu n a r w r " ’ ia m im a n te prom ui-
t/adn por um a autoridad, com peli .• .'< -VMjnndo um a ordem de
valores”
58
Seja-m e perm itid o le m b ra r que tam bém na referida
Teoria do D ireito e do E stado, Cap. I — publicada 110 mesmo
ano era que vinha à luz em S tu ttg a r t a o b ra de W. Sauer, Ju-
ristische M ethoãenlehre, com a exposição de su a "dreizeiten-
leh re" — , rea firm a v a eu a essencial correlação dos trê s asp ec
tos in e re n te s a toda e q u a lq u e r experiência ju ríd ic a e, m ais
am da, fix a v a um dos pontos c a p ita is de m inha d o u trin a sobre
a norm a ju ríd ic a como elem ento in te g ra n te : “é d a integração
do fa lo em valor — escrevia eu — que su rg e a norm a”
A a p resen tação inicial do d ire ito como “ um a reali
dade bidim ensional", em bora a teoria tridim ensional do m undo
ju ríd ico já estivesse delineada n a s d uas m encionadas obras
de 1940, prende-se à c ircu n stân cia d e que não h a v ia ainda che
gado a um a conclusão, d e stin a d a a m a rc a r ponto decisivo na
evolução do m eu pensam ento, q u an to à necessidade de se con
s id e ra r 0 valor um te rtiu m g en tis de objeto, ao c o n trá rio da
queles que o ap resentavam e ain d a o ap resen tam como uma
espécie de objetos ideais, ao lado, p o r conseguinte, do elem ento
norm ativo.
Foi analisando a cham ada " te o ria dos objetos", à luz
das c a te g o ria s de ser e d ever ser, e visando a um a síntese su-
p erad o ra, q ue observei a im possibilidade de continuar-se a
a c e ita r a tese de Scheler ou de H a rtra a n n sobre os valores como
“objetos ideais" N a realidade, enquanto se reduz 0 m lo r a
um objeto ideal, perm anece-se num a posição bidim ensional,
com um a bifu rcação em v irtu d e d a qual o fa to é considerado
m ero su p o rte de uma norm a ju ríd ic a , em pregando-se o valor
tão-som ente como elem ento de qualificação da norm a e seu
59
complemento. Rrconlii'culii. no coni vàrio. :i autonom ia do vulrtr.
como ctis ti se. s w g e a necessidade do urna correlação dialé
tica e n tre os trê s fatores. A p a r tir dessa tom ada de posição,
tornou-se plena a com preensão do c a rá te r dinâm ico e concreto
da tridim ensioualidade, ficando superadn a perspectiva e s tá ti
ca a que eu fic a ra preso, como de re s to toda concepção cultu-
ra lista do direito de tipo neokantiano ou fundada no ontologis
mo axiológico do N. H artm ann.
E s s a nova com preeusáo do valor perm itiu-m e nova
com preensão da cuHu.ni, p aradoxalm ente concebida pelíi esco
la de W indelbaúd e dr* R lck ert com<> um reino int"rc.?ilado para
u n ir dois m undos (o da nalurczu e o do valor ) ontologica e
gnoseologicam enti’ declarados in> o m u n ic ã v cia .. Foi, p ro p ria
m ente, com a concepção da experiência ju ríd ic a em term os de
dialética de im piicaçáo-polaridade ou com plem entariedade que
as expressões c o rre la tas "ontogno.seGlogia' e “tridim ensionali-
dade” se firm aram em meu e s p ir ito " .
60
se fossem f a tia s de algo divisível, m as sim pele
sen tid o dialético d a s i'espectivas investigações,
pois o ra se pode te r em v ista prevalecentem ente
o m om ento n o rm a tiv o , ora o m om ento fático, ora
o axiológico, m as sem pre em fu n ção dos ou tro s
dois (tridim ensionalidade funcional do sa b er j u
rídico) .
d) A Ju risp ru d ê n c ia é um a ciência n orm ativa (m ais
precisam ente, com preensivo-norm ativa) deven-
do-se, porém , en ten d er, p o r norm a ju ríd ic a bem
m ais que urna sim ples proposição lógica de n a
tu reza ideal: é a n te s um a realid ad e cu ltu ral e
não m ero in stru m e n to técnico d e m edida no p la
no ético d a conduta, pois nela e a tra v é s dela se
compõem conflitos de in teresses, e se integram
renovadas ten sõ es fático-axiológicas, segundo
razões de o portunidade e p ru d êu c ia (norraativis-
roo ju ríd ic o concreto ou in te g ra n te ).
e) • A elaboração d e uma d e te rm in a d a e p a rtic u la r „
norm a de d ire ito não é m era ex p ressão do a rb í
trio do poder, nem re su lta o b jetiv a e a u to m a ti
cam ente d a ten sã o fático-axiológica o p eran te em
d a d a c o n ju n tu ra h istórico-social: é an tes um dos
m om entos culm inantes da experiência ju ríd ic a ,
em cujo processo se in sere p o sitiv am en te o po
d e r (q u er o poder individualizado em um órgão
do E stad o , q u er o poder anônim o d ifu so no corpo
social, c o n o o corre na hipótese d a s no rm as con
su e tu d in a rias) m as sendo sem pre o poder condi
cionado p o r um complexo de fa to s c valores, em
função dos q uais é fe ila a opção p o r um a das
soluções reg u la tiv a s possíveis, arm ando-se de
g a ra n tia específica (institucionalização 011 juris-
faç ã o do poder na nom ogénesc ju ríd ic a ).
f) A experiência ju ríd ic a deve s e r com preendida
como um processo de objrtivnção c discrim inação
d e modelos de organização e de co n d u ta, sem per
61
d a de seu sentido de unidade, que vai desde as “re
p resen taçõ es ju ríd ic a s" — que são fo rm a s espon
tân e a s e elem entares de juridicidade (experiên
cia ju ríd ic a pré-categorial) — a té ao g ra u m á
xim o de expansão e incidência no rm ativ as rep re
sen tad o pelo direito objetivo estatal, com o qual
coexistem m últiplos círculos interm édios de ju
ridicidade, segundo fo rm as diversificadas e autô
nom as de in teg ração social, com a concom itante
e com plem entar determ inação de s itu a ç õ is e di
reito s subjetivos (te o ria dos modelos jurídicos
e da plu ralid ad e g ra d a tiv a dos ordenam entos ju
rídicos) .
g) A norm a ju ríd ica, assim como todos os modelos
jurídicos, não pode se r in te rp re ta d a com a b s tra
ção dos fa to s e valores que condicionaram o seu
advento, nem dos fato s e valores supervenientes,
assim como d a to talidade do ordenam ento em
que ela se insere, o que to rn a superados os es
quem as lógicos tradicionais de com preensão do
d ire ito (elasticidade n o rm ativ a e sem ântica ju
rídica).
h) A sentença deve s e r com preendida como um a ex
periência axiológica concreta e não ap en as como
um ato lógico redutivel a um silogism o, verifi-
cando-se nela, se bem que no sentido d a aplica
ção d a norm a, um processo análogo ao d a inte
gração normativa- acim a referida.
i) H á um a correlação funcional e n tre fundam ento,
eficácia e vigência, cujo significado só é possível
num a teo ria in teg ral d a validade do direito.
j) E ssa com preensão da problem ática ju ríd ic a p re s
supõe a consideração do valor como objeto a u tô
nomo, irredutível aos objetos ideais, cujo p rism a
é dado pela categoria do ser. Sendo os valores
fu n d an te s do dever ser, a su a objetividade é im
pensável sem se r referid a ao plano d a h istó ria ,
entendida como “experiência e sp iritu a l ’, na qual
são discerniveis c e rta s “co nstantes axiológicas”,
expressões de um valor-fonte (a p esso a hum ana)
que condiciona to d a s as fo rm as de convivência
ju ridicam ente o rdenada (h isto rieism o axiológico).
63
tipo crítico-histórico, bascada na correspondên
cia e n tre a intencionalidade d a consciência e o
significado d a s “ intencionalidades ob jetiv ad as”
pela especie h u m an a 110 processo tia experiência
histórico-cultural
E is ai alguns dos assu n to s por mim versados desde
os m eus livros editados cm 1940, F undam entos do D ircito e
Teoría do D ircito <• do E stado, a té m eus últim os estudos de
F ilosofia Ju ríd ica , m uito em bora as diversas obras e su a s re s
pectivas edições assinalem fases d istin ta s de um pensam ento
em n a tu ra l projeção. P ois bem, b a sta a enum eração dos te
m as acim a com pendiados p a ra verificar-se que, sob a denom i
nação de “ teoria tridim ensional", pensó algo m ais que a s im
ples apresentação d a tridim ensionalidade como um dos carac
te rístic o s essenciais do direito , mesmo porque tridim ensionais
sã o tam bém , como já observei, a s dem ais form as de conduta
ética.
N a realidade, meu tridim ensionalism o ju ríd ico inse
re-se num contexto de idéias e de opções d o u trin á rias, nesse
inevitável modo próprio de pensar e de com preender o uni
verso e a vida, que cada filósofo acaba por elab o rar p a ra a
64
s u a p ró p ria vivência, valendo-se dc noções o rig in a is ou rece
bidas, desd e que a filosofia rep re sen te p a ra ele a u tê n tic a ex i
gência ex isten cial, c não m ero adorno de ilu só rio poder verba],
sendo ingênuo possa h a v e r algum p e n sad o r que não se ja t r i
b u tá rio de idéias e contribuições alheias. A o riginalidade de
um filósofo pode e s ta r m enos n a form ulação de novas p erg u n
ta s do que n a reform ulação d a s a n tig a s, em consonância corn
a s exigências h istó ric a s do se u tempo.
Poder-se-ia dizer que o tridim ensionalism o é como
que o fu lc ro em to rn o do qual se movem os elem entos co n sti
tu tiv o s de m in h a com preensão do D ireito e do E stad o , como
ex p ressão p a rtic u la r de d e te rm in a d as convicções m etafísicas,
sendo im possível considerá-lo devidam ente sem o correlacio
n a r com o todo de que faz p a rte e a que se d estin a. N o fundo,
é e ssa a função prim ordial de um a “ teoria”, que ta n to pode
v a le r p e la s verdades que e n c e rra , em si e p o r si m esm a, como
p o r to r n a r acessíveis à com preensão a s v erd ad es de o u tra s
teorias.
4 f
65
Capítulo 4
Tridimensionalismo e Dialética
de Implicação-Polaridade
67
fica corresponde, 110 caso p a rtic u la r d a experiência do direito,
a um a com preensão m ais viva do hom em e do m undo histórico
p o r ele constituído.
J á disse que o tridim ensionalism o não nasce com
o em prego dessa p alavra, pois pode e s ta r subentendido sob
inadequadas expressões verbais, m uito em bora o uso lúcido do
term o pró p rio se ja sinal de m atu rid ad e cognoscitiva, ta l o lia-
m e essencial ex isten te e n tre o pensam ento e a linguagem ,
visto como quanto m ais n o s achegam os ao enunciado lím pido,
m ais se lib e rta o cidos de um a ssu n to d a s escórias discu rsiv as
que impedem a sua captação viva e concreta.
Indo-se, pois, à raiz do problem a, o que p rincipalm en
te im p o rta é in d ag a r d a s razões que fizeram v ir à tona da
consciência perspectiva a teo ria tridim ensional, tornando-se
plenam ente m anifesto algo que e sta v a apenas subentendido,
ou sem rigorosa fundam entação epistem ológica, inclusive nas
o bras m esm as de seus dois g ra n d e s iniciadores, que foram ,
fo ra de dúvida, La.sk e R adbruch, em v irtu d e de am bos ainda
conceberem o m undo jurídico à luz d a “ Filosofia-dos valores",
a qual assin ala o ponto extrem o a que podia ch e g ar o fo rm a
lism o ético ncokantiano. De q u alq u er form a, é d a apreciação
da E scola de Badén que devemos p a rtir p a ra situ a rm o s a
q u e stã o com a devida perspectiva histórica.
O ra, a Filosofia d a c u ltu ra constituiu-se, de um lado,
como reação ao em pobrecim ento a que o positivim o subm etera
a im agem do real, contentando-se com as suas conexões ap a
ren te s ou fenom enais, sem seq u er cu id ar do valor ou do sig n i
ficado dessas “a p a rê n c ia s’’; e, do outro, m arcou um a te n ta tiv a
de su p eram en to do dualism o k a n tia n o , consoante já apontado,
especialm ente no sen tid o de c o n to rn a r o im passe em que as
trê s C ríticas haviam deixado o problem a da h is tó r ia '.
R eportando-m e ao já exposto em m inha F ilosofia d o
D ireito, não s e rá dem ais re c o rd a r que com K a n t se d á um a
GÍ5
f r a tu r a no m undo fenom enal, devido à sep aração c o rta n te por
ele fe ita e n tre o “ m undo d a liberdade” e o “ m undo da n a tu
re z a ” , ou, p o r o u tra s p a la v ra s, e n tre o “ cam po d a étic a ” e o
“ cam po d a ciência” , de ta l m odo que som ente com relação
a e ste s e ria possível fala r-se em experiência, propriam ente
d ita
T ranspondo a étic a e, p o r conseguinte, o direito, p a ra
o plano dos im perativos d a v o n tad e p u ra, K a n t tra n c o u a p o s
sibilidade d e ver a h istó ria como um a o u tra fo rm a teo rética
de experiência, e, como ta l, tam bém d o ta d a de su a s condições
tra n sc en d e n tais de possibilidade, no plano d a raz ã o p u ra, m a r
cando, a essa luz, um re tro c e sso em co n fro n to com a posição
já a tin g id a por Vico, a quem s e não pode re c u sa r o m érito de
haver lançado as bases c a te g o ria is das “ciências do esp írito ”
N o to can te à colocação do problem .. '.ia. aooi-.-u wk- e
d a h istó ria em te rm o s de experiência, não se pode, outrosrsim,
esquecer qi¿e a m editação d a s obras de Hum e não teve o con
dão d e d e s p e rta r K a n t p a ra u m a com preensão m ais concreta
do D ireito e do E stad o , m àxim e se rec o rd a rm o s que o Tratado
da N a tu re za H um ana, com o o dem onstrou Luigi Bagolini,
pode s e r considerado o p rim eiro ensaio de introdução do m é
todo ex p erim ental 110 cam po d a s disciplinas m orais
F o i m érito d a E sc o la de B adén, a que se filiam L ask
e R ad b ru ch , t e r percebido que, n ã o o b sta n te o co rte feito por
K a n t e n tre ser e dever ser, h a v ia no k an tism o um elemento-
69
chavc p a ra a. com preensão do m undo h istó ric o : o conceito de
valor ,
Não cabe aqui relem b rar como, n a d o u trin a de Win-
delband e de R ick ert, essa observação prim ordial fecundou
um a série de pesquisas, enriquecidas, p au latin am en te, p o r con
tribuições de o u tra s fo n tes in sp irad o ra s, como as de Dilthey,
M ax W ebor, Simmel, ou S pranger, a té sc c o n stitu ir a Filosofia
da c u ltu ra , com horizontes bem m ais am plos do que os p re
vistos no neokantisino da cham ada F ilo so fia dos valores.
A pesar d e s u a deficiência, rep re sen to u um grande
passo a idéia dos neokantianos de in terp o r, e n tre realidade e
valor, um elem ento de conexão: a cultura, significando o com
plexo d a s realidades valiosas, ou, como esclarece Radbruch,
"referid a s a valores”. Isto eqüivale a diz *r que todo bem de
cultura (e o direito é um deles) é tridim ensional em razão de
seu sim ples enunciado, um a vez que pressupõe sem pre um
suporte natural ou real, e, no meu m odo de ver, tam bém ideal,
su p o rte esse que adquire significado e form a próprios em v ir
tude do valor a que se refere \ Foi em torn o d e ssa problem á
tica que se desenvolveram as diversas espécies de cu ltu ralis-
mo jurídico, p a ra saber-se, por exemplo, como é que ta is ele
m entos se correlacionam (a tra v é s de rnônadas de valor, d irá
S auer; m ediante “ categorias c o n stitu tiv a s", su g e rirá L ask
etc.) ou, então, p a ra n e g a r a possibilidade de qualquer co rre
70
lação e n tre eles (R ad b ru ch considerava-os gnoseologicam ente
antinóm icos e irreconciliáveis, só adm itindo u m a com posição
re la tiv a no m om ento d a p ra x is ) ou, ain d a, p a ra d eterm inar-se
a “fu n ção ” desem penhada p o r cada um dos refe rid o s elem en
tos no c o n te x to ontognoseológico de cada m om ento da expe
riência ju ríd ic a .
71
quando, efetivam ente, o que h á no plano do conhecim ento, é
um a correlação tra n sc en d e n tal subjetivo-objetiva, ou ontogno-
seológica, que não p e rm ite se red u za o su jeito ao objeto, ou
vice-versa, visto como algo h a v e rá sem pre a s e r convertido
em objeto e, ao m esm o tem po, algo h a v e rá sem pre a a tu a li
zar-se no to ca n te à subjetividade, a tra v é s de sín te ses empí
ricas que se ordenam progressivam ente no processo cognos
citivo.
D essa colocação do problem a re s u lta o c a rá te r dialé
tico do conhecim ento, que é sem pre d e n a tu re za relacionai,
a b e rto sem pre a novas possibilidades de síntese, sem que esta
jam a is se conclua, em v irtu d e d a essencial irredutibilidade
dos dois term os relacio nados ou relacionáveis. É a esse tipo
de d ialética, que denom ino “dialética de im plicação-polarida-
de”, ou de com plem entarieãaãe, d a qual a dialética dos opos
tos, de tipo m a rx is ta ou hegeliano, não é senão um a expressão
p a rtic u la r, com as m odificações re su lta n te s da análise feno-
m enológica de seus term o s, n o tad am en te p a ra se d e sfa z e r a
confusão e n tre “c o n trá rio s” e “c o n tra d itó rio s”. No âm bito
da d ialética de com plem entariedade, dá-se a im plicação dos
opostos n a m edida em que se desoculta e se revela a a p arên cia
d a contradição, sem que com e ste desocultam ento o s term os
cessem d e s e r c o n trá rio s, cada qual idêntico a si m esm o e
am bos em m ú tu a e n ecessária correlação.
É so b retudo no m undo dos v alo res e d a p ra x is q u e .
m ais se evidencia a ex istên cia de certo s aspectos d a realid ad e
hum ana que não podem s e r determ inados sem serem referid o s
a o u tro s aspectos d istin to s, funcionais, ou a té m esm o opostos,
m as ainda assim essencialm ente com plem entares. T al cor
relação de im plicação não pode ja m a is se resolver m ediante
a redução de u n s aspectos nos o u tro s: n a unidade c o n creta d a
relação in stitu íd a ta is aspectos m antêm -se d istin to s e irre d u
tíveis, d a í resu ltan d o a su a dialeticidade, a tra v é s de “sín teses
relacio n ais” p ro g re ssiv a s que traduzem a crescente e sem pre
renovada interdependência dos elem entos que nela se in te
gram . É*da e s tr u tu r a m esm a dos valores, como en tid ad es po
lares, que re su lta a dialeticidade dc todos o s “ bens c u ltu ra is ”
72
que a espécie hum ana co n stitu i n a fa in a h istó ric a de d a r valor
às coisas e aos ato s, c o n stitu in d o , g ra ç a s ao m undo d a n a tu
re z a dada, o m undo histó rico -cu ltu ral.
Se no a to m esm o em que algo é conhecido já se põe
o v alo r daquilo que se conhece e do co g n o scív el9, vê-se que
o v a lo r é elem ento de m ediação tam bém no plano gnoseoló-
gico, possibilitando a relação e n tre su je ito e objeto, n a m edida
em que e ste se to rn a objeto em função de intencionalidade da
consciencia e n e sta s u rg e com o o b jeto valioso.
73
N ão cabe, pois, co g itar de um a “realidade jurídica
s u b s ta n te ”, e x tra p o la d a do processo histó rico e d e stitu id a da
su a qualificação fático-axiológico, n o rm ativa, c, o que é m ais
curioso, com a p re te n sã o parad o x al de concebê-la im anente-
m ente ju ríd ic a no in sta n te m esm o em que ela é esvaziada de
su a essencial c o n s is tê n c ia ...
Que o d ire ito se ja um a realidade social e que essa
realid ad e te n h a n a c o n d u ta hum ana a s u a fonte con stitu tiv a,
eis a i um a verdade que não nos deve faz e r olvidar a necessi
d ade de p e rq u irir a consistência d a conduta em geral c da
conduta ju ríd ic a em p a rtic u la r, sem se p e rd e r de vista, o utros-
sim , que a “experiência ju ríd ic a ” não se resolve em um fenô
m eno de conduta, visto como e sta determ in a, a tra v é s do tem
po, “objetivações e sp iritu a is" , que adquirem como que vida
p ró p ria , condicionando a s sucessivas form as de com porta
m ento social. O problem a da conduta é, sem dúvida, p rim o r
dial, pois, tudo o que se contém n a experiência ju ríd ic a a ela
pode e deve s e rem o n tar, d ire ta ou indiretam en te, como à
s u a fo n te c riad o ra ou desveladora, é certo, m as se ria grave
e rro esquecer que q u alq u er a to hum ano en co n tra, como seu
su p o rte e condicionam ento, algo já historicam ente objetivado
p o r o b ra do esp írito , como conduta, p o r assim dizer, in s titu
cionalizada.
Quando, pois, se d eclara que o d ireito deve s e r visto
como “vida h u m an a ob jetiv ad a”, como “ conduta em in te rfe
rência in te rsu b je tiv a ” , ou como “experiência histórico-cultu-
r a l”, consoante m e p arece m ais rig o ro so dizê-lo, m iste r é
d istin g u ir e n tre o fa to do direito, global e u n ita ria m e n te en
tendido como acontecim ento e sp iritu a l e h istórico, e o fa to
en q uanto fa to r ou dim ensão daquela experiência. N este segun
do caso a p a la v ra fa to indica a circu n stan cian dada condicio
n a n te de cada m om ento p a rtic u la r no desenvolvim ento do
processo jurídico. O ra, fa to , n e s ta acepção p a rtic u la r, é tudo
76
aquilo que n a vida do d ire ito corresponde a o já dado no m eio
social e que v a lo ra tiv zm e n te se in te g ra n a unidade ord en ad o ra
d a n o rm a ju ríd ic a , re su lta n d o d a d iale tic id a d e d e s 3es t r ê 3 fa
to re s o d ire ito como “fa to h istó ric o -cu ltu ra l” ,a.
E m sum a, o term o “ trid im e n sio n a l” só pode s e r com
preendido rigorosam ente como trad u zin d o um processo dialé
tico, no qual o elem ento n o rm ativ o in te g ra em si e su p e ra
o correlação fático-axiológica, podendo a norm a, p o r s u a vez,
co n v erter-se em fa to , em um u lte rio r m om ento do processo,
m as som ente com re fe re n c ia e em função de urna nova in te
g ra ç ã o n o rm a tiv a d e te rm in a d a p o r novas exigencias axioló-
gicas e n o v as in te rc o rrê n c ia s fática s. D esse modo, q u e r se
considere a experiência ju ríd ic a , e stá tic a m e n te, na su a e s tru
tu ra , q u e r em s u a funcionalidade, ou p ro jeção histó rica, ve-
rifica-se que ela só pode s e r com preendida em term os de nor-
m ativ ism o concreto, consubstanciando-se nas re g ra s d e d i
re ito to d a a gam a de v alo res, in te resse s e m otivos de que se
compõe a- vida hum ana, e que o in té rp re te deve p ro cu ra r cap
ta r, não ap en as segundo a s significações p a rtic u la re s em er- '
g e n te s da " praxis social”, m as tam bém n a unidade siste m á tic a
e ob jetiv a do ordenam ento vigente u .
''or*
13. Sobre este ponlo essencial, v. m inha I'ilosofia do Direito, cií., pígs.
479 e segs. Talvez por não tor devidam ente atentado p a ra as duas acepções
que a palavra fato com porta na teoria tridim ensional, SA N CH EZ D E LA
T O R R E tenha considerado “insuficiente’' tal posição (cf. Sociologia del De-
recho. cit., pág. 242), apesar de p ô r em realcc a m inha colocação do problem a
em term os dialéticos.
14. Sobre as implicações d o norm ativism o concreto cm tem a de herm e
nêutica, v. F E L IC E B A TTA G LIA , “ Il diritto nel sistema dei valori", in Kiv.
Trini, di D ir. e Procedura Civile. 1964, fase. 2, págs. 502 e scgs. D a m atéria
trato m ais am plam ente cm O D ireito conio E x perìcucia, cit., Ensaios IX c X.
77
C a p ítu lo 5
Tridimensionalismo e
Historicismo Axiológico
79
cebiveis extrapolados ou a b stra íd o s do e x istir histórico (p o la
ridade é tic a e n tre ser e dever sc r). P o r onde se vê que “ pro
cesso histórico-cultuval” c “ processo ontognoseológico" são
dois m om entos de um a ú n ica com preensão d ialética, fundada
no esp írito eomo “sín tese a priori”.
Que o d ireito se ja / ato histórico-cultural, eis um pon
to com o qual estou de pleno acordo: m as, é fato histórico-
cultural, ou produto de vida hum ana objetivada, som ente en
quanto os fa to s h u m an o s se integram norm ativam ente no sen
tido de c e rto s valores.
O ra, e ssa unidade de processais en co n tra, a m eu ver,
a su a ra iz e fu n d am en to na análise m esm a do homem e de
su a ra d ic a l polaridade e historicidade.
Se pensarm os em tudo o que o homem, a tra v é s do
devir histórico-social, veio co n stituindo e realizando, em obras
e em ato s, terem os a “dim ensão ob jetiv a do próprio hom em ” ,
o que se sói denom inar m undo histórico, esp irito objetivo,
m undo c u ltu ral, ou que m elhor nome ten h a, e que é tã o esse n
cial à im agem do hom em como a reflexão sobre si próprio.
Parece-m e que se poderia fa la r em “intencionalidades
ob jetiv ad as”. C ada um e todos os b ens cu ltu rais — desde os
m ais vulgares a té à s su p re m a s criações d a a rte , d a ciência
e d a religião — possuem um a n a tu re z a bin ad a: são enquanto
devem ser (realidades re fe rid a s a valores), e, p o r conseguinte,
existem tão-som ente n a m edida em que valem p a ra algo. O
valor p ecu liar a ta is en tes é, no e n ta n to , um v alo r reflexo,
visto pressuporem a intencionalidade axiológica do homem
como a g en te d a história.
A h isto rio g ra fia é o espelho no q u a l o homem tem
poralm ente se contem pla, adquirindo plena consciência de seu
ex istir, de se u a tu a r. Q ualquer conhecim ento do hom em , p o r
conseguinte, desprovido d a dim ensão h istó ric a , se ria equívoco
e m utilado. O m esm o se d ig a do conhecim ento do d ire ito , que
é um a ex pressão do viver, do conviver do homem.
P e n sa r, porém , o hom em como en te ^ssencialm ente
histórico, é afirm á-lo como fonte de todos 03 valores, cujo pro-
80
je ta r-s e no tem po n a d a m ais é do que a ex p ressão m esm a
do e sp irito hum ano in acto, como ‘p ossibilidade d e atuação d i
versifica d a e livre.
A h isto ria é, em verdade, im pensável como algo de
concluido, m era cata lo g a ç ã o m o rta de fa to s d e um a h u m an i
dade “ p a s sa d a ”, po is a c a te g o ria do p assad o só ex iste en
q u a n to h á possibilidade de fu tu ro , o qual d á sentido a o p re
se n te que em p a ssa d o se converte. O p re se n te , como te n sã o
e n tre p assad o e fu tu ro , o d e v er se r a d a r peso e sig n ificad o ao
que se é e se foi, leva-m e a estabelecer u m a correlação fu n
d a m e n tal e n tre valor e tem po, axiologia e h istória.
O ra, como j á disse, o m undo d a c u ltu ra — en q uanto
s e a p re se n ta como um p a trim ô n io de a to s ob jetiv ad o s no
tem po, ou se tra d u z em “acúm ulos de o b ra s ” — é o m undo
d a s intencionalidades o b jetiv ad as, e, como ta l, reflexo e se g u n
do; m as ele s e a p re s e n ta sob o u tro p ris m a se a tra v é s d a s
o b ras procuram os re d e sc o b rir o ato c ria d o r ou dem iurgo, o
e sp írito òomo liberdade c o n stitu tiv a da h istó ria , e, e n tã o , s e "
chega à conclusão p rim o rd ial de que, d e n tre todos os en tes,
so m en te o homem, de u m a fo rm a originária e fu n d a n te , é e
devi: ser, e, m ais ain d a, que o ser hom em é o seu d ever ser.
O revelar-se do hom em a si m esm o j á é em si e por
si um valor, a fonte de todos os valores. O ser do hom em é,
rep ito , de m an e ira o rig in á ria , e não deriv ad a, o seu dever ser:
é d e s sa raiz que se o rig in a , n a plu ralid ad e d e s u a s fo rm a s, a
á rv o re da vida cu ltu ral. E se n o cham ado “ m undo d a c u ltu ra ”
h á an áloga in te g raç ã o fático-axiológica, é porque o hom em o
co n stitu i “à sua im agem e sem elhança” , refletindo-ae a pola
rid a d e in ere n te aos v a lo re s ta n to no plano te o ré tic o como no
d a v id a ética.
Com preende-se, pois, que am bas e ssa s experiências
se envolvam segundo um processo dialético u n itá rio de im-
plicação-polaridade: a a n á lise fenom enológica do a to cognos
c itiv o ou d a ação prática revela-nos a polaridade e, ao m esm o
tem po, a com plem entariedade e n tre te o ria e p rá tic a , como
term o s que se correlacionam , e é ta l im plicação que condi-
81
ciona, transeendeniaim ente, a unidade d ialética do espírito,
como tal incom patível com o divórcio feito p o r K a n t e n tre a
in stân cia te o ré tic a e a instância prática.
25 a tra v é s d a dialética de im plicação-polaridade que,
a m eu ver, s e rá possível restabelecer a ligação e n tre “expe
riên cia gnoseológica” e “experiência é tic a ” , reclam ada pela
unidade fu n d am en tal do esp írito , lançando-se nova lin sobre
a consistência d a “experiência ju ríd ica".
É d e ssa correlação e im plicação de c a rá te r bipolar
que surge e se co n stitu i o d ev ir histórico, c u ja unidade é, pois,
d ialética ou de processas, cada v alo r se atu alizan d o em m o
m entos ex istenciais que não exaurem 03 m otivos axiológicos,
m as an tes põem a exigência de sem pre renovad as experiên
cias de valores, sem pre tendo como horizonte a “pessoalidade”,
digam os assim , dos com portam entos dos indivíduos e das co
letividades.
D essarte, sendo 0 processo histó rico governado pelo
que se poderia denom inar “a a b e rtu ra a n g u la r axiológica da
p esso a”, não tem sentido .considerar-se re la tiv is ta a m inha
com preensão d a h istó ria do direito, que, sendo experiência de
liberdade, não pode s e r senão plural e problem ática, insusce
tível de s e r reduzida a um a planificação sem a lte rn a tiv a s ’.
Se a h istó ria do d ireito tem um sentido, p rojeta-se e la do se r
m esm o do homem, com todos 03 riscos da v e n tu ra e d a aven
tu r a de serm os hom ens, cada um de nós subordinado, como
ensinou O rtega y G asset, ao irrenunciável e in tra n sfe rív e l
p rojeto de nós m esm os.
Toda a m inha perspectiva histó rica, como bem o no
tou L uigi Bagolini, g ira em torn o de um ponto firm e, que é
como a alm a e a condição im anente d a experiência ju ríd ic a :
é a idéia de pessoa, não enten d id a como su b stâ n c ia dogm ati-
82
caraente p re ssu p o sta à pesq u isa filosófica, m as como im ánente
possibilidade de escolha c o n stitu tiv a de v alo res \
D aí s e r fu n d am e n ta l no h istoricism o axiológico a
com plem entariedade d ialé tic a e n tre su b je tiv id a d e, como fo n te
inexaurível de valores, e objetividad?, como inex au rív el pos3i-
bilidade de d eterm inações d a experiência, cabendo ao D ireito
não só s a lv a g u a rd a r e tu te la r os bens jã adquiridos, como,
acim a de tudo, p re s e rv a r e g a ra n tir o hom em m esm o como
livre c ria d o r de novos bens, em qu aisq u er que possam s e r 03
ord en am en to s político-jurídicos da convivência social.
83
passado. A essa luz, não se poderá com preender qualquer dos
m om entos d a experiência étic a ou ju ríd ica, sem um a refe rê n
cia ao fa to fundam ental d a objetivação histórica.
P a ra m elhor determ inação de m eu pensam ento sobre
este ponto essencial p a rto da observação p relim in ar de que só
o homem é um s e r capaz de sín tese. Os o u tro s anim ais re s
pondem a im pulsos p a rticu la re s e, no m áxim o, justapõem e
congregam resp o stas reflex as, em função dos estím ulos rece
bidos. Jam ais se antecipam à p articu larid ad e dos impulsos,
num a an tev isão consciente prevenida e intencional do fu tu ro ,
su perando o disperso d a experiência, alçada e sta a um a com
preensão conceituai envolvente e d ireto ra. E sse "poder de
sín tese”, como já disse, não é senão a ex p ressão do esp írito
como liberdade, pois o homem, n a evolução cósmica, só se
libertou do m eram ente n a tu ra l na m edida em que soube v ir
se impondo à n atu reza, servindo-se dela p a ra os seus pró
prios fins.
84
como julgo preferível dizer, poi m ais que se a rg ila red u n d ân
cia, o “m undo h istó rie o -c u ltu ra l”.
D en tre as fo rm a s de o b jetivação, de que o hom em se
vale p a ra proteção dos bons que já objetivou e do3 bens que
pode ou deve o b jetiv a r — e que é n e c essá rio rea liz a r, não
só do p onto de v ista u tilitá rio e pragm ático, m as tam bém p a ra
fin s ético s ou estético s desligados de q u a lq u e r aplicação p rá
tic a im ed iata, obedecendo ap en as à s exigências e s p iritu a is d a
beleza e da harm onia — , e s tá o D ireito, g ra ç a s ao qual se
p ro c u ra s u p e ra r as p a rticu larizaçõ es c o n flita n te s d a s açõss
hum anas. P a r a ta l fim é m is te r d e te rm in a r e p re v e r a tipi-
cidade d o s com portam entos possíveis, m ediante a co n fig u ra
ção d e “classes d e ações” e d e co rrespondentes “classes de
n o rm a s”, isto é, de m odelos jurídicos prescritivo s e modelou
jurídicos dogm áticos, na u n id ad e coerente e concreta do m a-
crom odelo do ordenam ento ju ríd ic o
O ra , toda vez que se pro cessa um a objetiv ação no
processo tém pora!, verifica-se urn fenôm eno concom itante de
Subjetivação, o que evidencia a polaridade com plem entar ine
re n te a to d o produto c u ltu ra l. É a. razão pela qual
a) à m edida que o hom em se p ro je ta p a ra fox-a de
si, criando m odelos de ação, o s e u c riad o r ou
revelador, in clu siv e'so b a s vestes do “poder e s ta
ta l”, tende a subm eter-se à s s u a s próprias cria
ções;
b) e, ao m esm o tem po, p ro cu ra se s e rv ir d a s form as
o bjetivadas em seu próprio benefício, repetindo,
em sum a, em relação à s rea lid a d e s histó ricas,
algo análogo ao procedim ento p o r ele seguido
p a ra do m in ar a n atu reza, cu jas leis aceita como
condições p o ssib ilita n te s de su a ação livre.
D esse fa to re s u lta que, quando o hom em tip ific a de
term in a d a s fo rm as de c o n d u ta e concretiza aspiraçõe3 e in te
resses em determ inado m odelo jurídico, h á sem pre dois aspec-
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los a ex am in ar: um objetivo, relacionado coin a validez ad q u i
rida pela -re a lid a d e ju ríd ic a ” em si (o que explica o c a rá te r
em inente c coercitivo, ou a p ressão social d a s e s tr u tu r a s n o r
m ativ a s) c um o u tro su b jetivo , p ertin en te à situ a ç ão dos ho
m ens que se inserem no âm bito d a re fe rid a objetividade, con-
!:ervando e buscando s a lv a g u a rd a r o seu so r próprio, ¡alo é,
a sua irrem m ciável capacid.ide de lib jrd ad e c de síntese.
Ê a razão pela qual h á sem pre dois aspectos com ple
m entai es — um su b jetivo , e o u tro objetivo — em to d a reali
dade ju ríd ic a , assim como em todo valor que se re fira especi
ficam ente à experiencia jurídica, como se pode v e r apreciando
oí, coneei'toá fundam entais de segurança, certeza, ordem ou
justiça.
4 Esse caráter polar, o u com plem entar, essencial a lodo bem cultural,
ou, p o r outras palavras, a toda form a histórica de objeiivação d e valores, não
é senão a conseqüência d a estrutura bivalente d o ser d o hom em , que é
enquanto deve ser, e, sob outro prisma, é "ser individual" e 6 "ser social", o
que, com o vimos, explica a dialeticidade intrínseca d a experiência social.
A dupla expressão subjeíivo-objetiva d a segurança perccbe-se bem q u an
do autores alemães recorrem ao term o em prestado "Securitài" para enunciar
algo que não é apenas "Sicherheit". Q uanto à relação segurança-certeza, v. de
R EN A TO C IR EL L C Z E R N A as "t'Jotas sobre o problem a da certeza do
direito”, in Ensaio de Filosofia Jurídica, cit., págs. 203 e segs.
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blem a d a s e g u r a n ç a s e n t i u a necessidade de e s tu d a r a “ se
g u ra n ç a ” concom itantem ente com a " c e rte z a ”, a p rim e ira a ti
n e n te m ais ao aspecto subjetivo, u se g u n d a m ais p e rtin en te
ao aspecto objetivo do problem a.
C erteza e seg u ra n ç a , em bora não se confuadam , são
v alo res que im ediatam ente se im p lic a n , pois, de m an e ira .me
d ia ta , todos os valores sc correlacionam , segundo o princípio
de “so lid aried ad e axiologica” bem posto cm relevo por Nico-
lai H a rtm a n n .
P re firo d ise r que ce rtez a e se g u ra n ç a form am um a
"d ia d e ” inseparável, v isto como, m c verdade que q u an to
m ais o d ire ito se to rn a certo , m ais g e ra condições de segu
ra n ç a , tam bém é n ecessário não esquecer que a certeza e stá
tic a e d e fin itiv a a c ab a ria p o r d e s tru ir a form ulação de novas
soluções m ais adequadas à vida, e e s s a im possibilidade de
inovar a c ab a ria geran d o a rev o lta o a in seg u ran ça. Chego m es
mo a dizer que um a seg u ra n ç a absolutam ente c e rta s e ria um a
razão de in se g u ra n ça , v isto se r e o n a tu ra l ao hom em — ú n ic o -
en te dotado de liberdade e de poder do sín te se — o impulso
para a m udança e a perfectibilidade, o que C am us, sob outro
ângulo, denom ina “ e sp írito de rev o lta”.
Ao lado do binôm io “certeza-seg u ran ea", o u tra díade
deve aqui s o r lem brada, pela im plicação im ed iata que as lig a:
a d íad e :‘ju stiça -o rd e m ” , a resp e ito da qual se po deria re p a tir
o que já foi d ito q u a n to à p rim eira, sobre a respoctiva “ im
plicação p o la r” , inclusive e n tre a s d u a s díades, um a vaz que,
se ta is v alo res se com pletam , jam a is poderão s e r re ia z id e a
u n s a o s o u tro s.
P o r o u tro lado, o su b jetiv o e o objetivo s e im plicam ,
pois se a “ju s tiç a ” é pensável o b jetiva m en te como sendo um a
“ordem ju s ta ” , e sta não s e ria possível se d estitu id a, su b je
tiva m en te, de “ v irtude de ju s tiç a ”.
Do ponto de v is ta su b jetiv o , a ju s tiç a é um s e n ti
m ento, ou u m a “v irtu d e ”. N a h istó ria d a s te o ria s d a ju stiç a ,
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poder-se-ia dizer que, sobretudo a p a r tir d a segunda m etade
do século XIX, realiza-se um a passagem p ro g ressiv a do t r a
tam en to do a su n to “do plano subjetivo p a ra o objetivo”. Tal
sentido evolutivo prende-se, como é fácil ver, ao prevalecente
in teresse a trib u íd o à “efetividade social do ju sto ” , m ais do
que à “v irtu a lid ad e de su a experiência”, ao puro v alo r d a
intencionaüdade sem im ediato em penho prático . Pode-se m es
mo dizer que se tem ido m uito longe, a té à “m aterialização
ou quantificação do ju sto ”, olvidando-se a sem pre a tu a l ad v er
tência de P la tã o , ao lem brar-nos que não pode h av er ju stiça
sem hom ens ju sto s, sem "v irtu d e de ju stiç a " . Q uando e sta
inexiste, a ju s tiç a objetivada converte-se em “ordem n u a ”, em
puro regulam ento funcional, prevalecendo a m elancólica ins
trum en talização do s e r hum ano.
A inda, a propósito destes valores que estam os an a
lisando, cabe o b serv ar que a díade “ju stiça-o rd em ” põe-se
como valor-fim em relação à díade “ certeza-segurança” , que,
sob este prism a, ap resenta-se como valar-mek), m uito em bora
possam s e r valor-fim sob o u tro s focos de estim ativ a, o que
tudo e s tá a d e m o n stra r o oaráter dialético d a realidade histó
rica, experiência plural porque experiência de libardada, tal
como pro cu rei d e m o n stra r em m eu livro P luralism o e Liber
dade.
É m editando sobre tem as como este que cada vez
m ais m e convenço que só oferece resu lta d o s fecundos, não
m utiladores do se r complexo do homem, um a dialética de re
ferências móveis, num a pluralidade de p erspectivas, sendo o
campo u n itá rio d a pruxis traçad o , digam os assim , pelas in fi
n ita s com binações (ah , a p rec a rie d a d e d a s com parações geo
m étricas, a insuficiência dos sím bolos e dos signos lin g ü ísti
cos, sem pre aquém d a s lin h a s pro je ta n te s do p e n sam e n to !),
pelas possíveis tra m a s realizáveis nu m a elipse que ten h a como
focos o su b jetivo e o objetivo, no plano teorético, ou, no cor
respondente plano prático , o valor e a realidade, dever ser
e ser.
Ê nesse poderoso e plástico contexto que o hom em
traballfa, alm ejando seg u ran ça e receando-se dê seus ex
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cessos; ^ c l a m a n d o ordem e tem endo-lhe o peso desm edido;
seduzido pela certeza e perplexo d ian te de s u a s im obilidades
m an ie ta d o ras; pugnando p o r ju stiç a , m as com desconfiança
d a s fo rm a s e ste re o tip a d a s d a s d isto rçõ e s e d a ro tin a . M as não
h a v e rá desespero, antes um a firm e confiança, se, postos d ia n te
d essa perplexidade criadora, convencerm o-nos de que é no d e sa
fio d a liberdade e no p o d e r de s ín te se do e sp írito que se
funda a dig n id ad e do hom em .
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