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A Língua Portuguesa como objeto da Filosofia | REVISTA PONTES DE VISTA 11/04/2019 19(33

REVISTA PONTES DE VISTA

TEMAS

A Língua Portuguesa como objeto da Filosofia


ABRIL 2, 2015 | REVISTAPONTESDEVISTA
Manuel Cândido Pimentel (http://revistapontesdevista.com/2015/04/06/manuel-candido-
pimentel/)

[Constitui uma representação pueril querer admitir a existência do pensamento sem a língua ou
fora de uma ordem de linguagem, o que nos pode desde já servir à ideia de que não há filosofia
sem língua ou de que a filosofia fala a língua, filosofia que é sempre a máxima expressão do pensa-
mento de um povo ou de uma cultura, pois que a filosofia é o saber das articulações do sentido em
busca do melhor sentido, indo da plurivocidade da metáfora para a univocidade do conceito.]

1. Conversando com o Minotauro

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Porque cada um fala uma determinada língua natural, possui um sentido intuitivo da língua como
instrumento de que dispõe para comunicar com outros. Esta dimensão da instrumentalidade de
uma língua é aquela que praticamente assoma no conceito que dela faz a inteligência adormecida,
que é o senso comum. Para este, a língua delineia os contornos da sua pregnância comunicacional
no mundo dos instrumentos, que são utensílios, e cuja forma de existência é funcional ou consiste
em estar aí, ao alcance da mão, para o uso dos seres humanos. Trata-se de um investimento pré-cog-
nitivo e pre-tético que não excede os pressupostos pragmáticos da posse instrumental, do seu uso e
ação. O carácter de instrumentalidade da língua não diz, porém, o que ela seja, mas tão-só que a
língua não é ela mas para que serve.

(https://pontesdevista.files.wordpress.com/2015/04/minotauro_01-2.jpg)
Jose Ramon Diez Rebanal

O saber sobre o que é a língua só pode ser procurado ao nível da linguisticidade da própria língua.
A pergunta pelo logos da língua tem, em parte, a ver com o que é linguístico na língua, enquanto
ela é sistema ou estrutura de relações estáveis fora de todo o tempo, e tem a ver também com o
que dela emerge, tanto quanto no que ela submerge e ela encobre, muito, pois, além da linguistici-
dade do dizer ou da palavra que fala (não nego aqui a distinção de Saussure entre langue [língua] e

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parole [fala] ou de competance [competência] e performance [execução], na indicação de Chomsky) e


talvez mesmo além desse não-tempo da próprio língua, que não é redutível ao linguístico mas que
não tem forma de ser, estar ou exprimir-se a não ser linguisticamente, que é do domínio do que
Heraclito chamava o koinòs lógos, o logos comum às existências que acordaram e se acenderam no
fogo inteligível do próprio logos, que as inteligências descobrem no desabrochamento da razão e
da linguagem em comum.

O próprio mundo dos instrumentos alumia-se se descemos à raiz do koinòs lógos onde se ilumina a
própria linguagem – palavra ou fala, enquanto ela é o sistema que reúne a língua e o dizer ou é
essa instância de silêncio radical onde o pensamento fica (ato contemplativo), escuta e ausculta. As-
sim, quem interrogar o que é o mundo do utensílio, verá que este e a língua, como instrumento
nele, se transfiguram num cenáculo que recebe inundações do logos, que anunciam a própria ins-
trumentalidade como algo cuja razão não subsiste nela mesma ou que é insuficiente para gerar a
unidade mesma do mundo dos instrumentos. Tal como qualquer instrumento, a língua necessita
de um mais além que explique o seu ser essencial.

A fronteira entre o “ser” e o “dizer” está nesse fio que o labirinto da linguagem tece e destece con-
tinuamente. Também aí, na mesma fronteira, o acontecimento principal de que há que reter o prin-
cipal significado é este: que o fio, unidade e diversidade do ser no dizer, está por toda a parte e em
toda a parte nasce e acode, exprime-se e morre, para nascer e de novo acontecer, e assim sucessiva-
mente. Esse acontecimento é o sentido. O que há a reter é precisamente isto: que a língua e a fala
são, nas ordens que instituem, densidades, estremecimentos, conformações de sentido. Conquanto
a fala negue a organicidade do sentido na linguagem, fá-lo precisamente graças ao sentido, pelo
que o absurdo, por exemplo, só é possível pela correlação com o sentido, sendo interessante obser-
var que a afirmação do sentido carece de qualquer antónimo, enquanto o mesmo não se passa com
o absurdo, cuja compreensão se faz na relação direta com o sentido, ainda que na insinuação de
uma ausência de este.

Toda a filosofia, qualquer que ela seja, é saber sobre ou acerca do sentido. Este é prévio a todo o
enigma, prévio a todo o mistério, prévio a toda a admiração. Assim, quem pergunta, quem interro-
ga, quem admira, pergunta, interroga e admira porque a pergunta, a interrogação e a admiração
têm suporte no sentido e desde o sentido se orientam os atos de perguntar, interrogar e admirar
para o objeto a que respeitam.

A fórmula ontológica de Leibniz, segundo a qual se questiona por que há o ser e não o nada, tem a
sua verdade firmada nesta, que poderia reescrever-se segundo uma fórmula hermenêutica: Porque
há o sentido e não o nada? Quem ouse pensar que a fórmula é estritamente linguística note o
quanto há de organicidade de sentido no corpo humano (lugar, aliás, de múltiplas linguagens) e
quanto de sentido necessita a minha vida para que eu sobreviva aos embates da sorte e do absur-
do. Nos limites, ganha fortuna a ideia camusiana do suicídio como questão filosófica extraordiná-
ria, e em face da sua possibilidade, apenas no heroísmo do sentido se guarda a resposta. Assim se
poderá estabelecer: Quem mata o sentido morre!

2. A filosofia fala a língua

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Vale a pena que transitemos agora do significado angular e existencial do sentido para a língua e a
linguagem enquanto dimensões onde o sentido é gerativo, isto é, ele é gerado pelos vastos proces-
sos de interação linguística, que vão das estruturas de uma língua para os processos da sua verba-
lização criadora e temporal, o que põe a questão interessante, mas poderosa, da relação intrínseca
ou extrínseca da língua com o pensamento, que não independe para mim dessoutra relação entre a
linguagem e o conhecimento. Comecemos por esta última, recordando, em primeiro lugar, que a
formulação do conhecimento é feita mediante enunciados linguísticos, o que impõe reconhecer
que, de um modo geral, as formas humanas do saber e da sapiência se expressam linguisticamen-
te, podendo ou não fazê-lo na linguagem natural, que é a linguagem do nosso uso quotidiano e
aquela de que aqui sobretudo me ocupo.

Além disso, a compreensão que o sujeito atinge de si, a reflexão que a subjetividade desenvolve so-
bre ela mesma ou do pensamento (cogito) sobre si próprio, são mediadas pela função linguística. É
uma imagem impossível um cogito possuindo-se diretamente sem a mediação de uma linguagem.
Finalmente, e como nota mais distinta, a relação do pensamento com a realidade implica a media-
ção da linguagem no processo de apreensão e de compreensão que aquele faz desta, donde ser o
ato cognitivo ou noético intrinsecamente linguístico, pelo que, em consequência, as estruturas da
língua atuam em comum com as estruturas cognitivas. Assim, toda a apreensão cognitiva é neces-
sariamente linguística, e de tal modo o é que não é possível determinar nos processos noéticos e de
verbalização do pensamento o que seja uma estrutura cognitiva independente das estruturas
linguísticas.

Dito isso, torna-se agora mais fácil compreender a relação da linguagem com o pensamento ou
vice-versa, residindo a questão em investigar se em relação ao pensamento é possível distinguir o
processo do pensamento puro do processo secundário da sua verbalização, isto é, saber se se trata
ou não de um único processo do pensamento realizado numa dada língua. Não é manifestamente
possível admitir que entre o pensamento e a língua não exista diferença. Autores como Ferdinand
de Saussure, Adam Schaff e Noam Chomsky são unânimes em concordar numa visão não monista
do problema, não confundindo pensamento e língua, não sendo, no entanto, possível admitir que
o pensamento seja alguma coisa (um «cogito») sem que nele se exerça a estrutura da língua. Consti-
tui uma representação pueril querer admitir a existência do pensamento sem a língua ou fora de
uma ordem de linguagem, o que nos pode desde já servir à ideia de que não há filosofia sem lín-
gua ou de que a filosofia fala a língua, filosofia que é sempre a máxima expressão do pensamento
de um povo ou de uma cultura, pois que a filosofia é o saber das articulações do sentido em busca
do melhor sentido, indo da plurivocidade da metáfora para a univocidade do conceito.

Defende Saussure que é precisamente a língua, que ele define como um sistema de regras semânti-
cas e de relações gramaticais, independente dos locutores da língua, que dá ordem à massa amorfa
do pensamento, pelo que o surgimento das ideias e a distinção entre elas só pela língua se dão.
Schaff faz uma defesa cerrada da união orgânica do pensamento e da linguagem, numa tal interde-
pendência que tanto o pensamento como a linguagem interferem nos processos de conhecimento e
não podem manifestar-se sob forma pura. Finalmente, Chomsky, o mais filósofo dos linguistas, por
cuja obra manifesto simpatia, concebe a linguagem como uma faculdade do pensamento, mas fa-
culdade sui generis, pois que, necessitada sempre pelo pensamento, sem ela não poderia este mani-
festar-se.

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Na lição de Chomsky, ideia que aceito, o espírito humano possui um poder cognitivo inato que es-
tabelece o domínio dos princípios e conceitos que determinam a interpretação da realidade e todo
o domínio da experiência cognitiva. Assim, sob o ponto de vista estrutural, concebe Chomsky
aquilo que designou por gramática universal (GU), a existência de estruturas universais inatas,
como, por exemplo, a relação sujeito-predicado, comum a todas as línguas, hipótese que é de uma
elegância sedutora e jamais destruída pela crítica do empirismo linguístico. Sobre ela repousam os
fundamentos da gramática generativa, que é a teoria linguística que Chomsky constrói entre 1960
e 1965, colaborando com outros linguistas. Tal teoria pretende captar a essência dos mecanismos
da criatividade do sujeito de linguagem, explicando a capacidade que ele possui para construir
enunciados, emitir informações, compreender frases inéditas e aprender línguas. O par concetual a
que já aludi (competance/performance) remete para o primeiro termo o sistema de regras universais
interiorizadas pelo sujeito e para o segundo a capacidade do indivíduo criar enunciados de senti-
do a partir do sistema de regras universais. Assim, a GU é uma característica inata da mente hu-
mana, explicando ao mesmo tempo a unidade e a diversidade das línguas, já que ela é o que há de
universal comum a todas elas.

O que fascina na hipótese cartesiana de Chomsky é sobretudo o modelo explicativo que propõe,
que não ficou em Babel a unidade das línguas mas que esta unidade (que é o graal dos linguistas)
acompanha originalmente cada língua e estruturalmente influi sobre o pensamento, o conhecimen-
to e a compreensão do real, uma espécie de big bang linguístico cujo rumor ecoa e estrutura o uni-
verso das múltiplas línguas. É sobretudo este suposto transcendental que justifica a meu ver que a
língua que a filosofia fala seja particularmente aquela filosofia daquela língua e não outra. A vexata
quaestio das filosofias nacionais, que não é aqui o meu escopo, é uma falsíssima questão com que
tantos se afadigaram, reduzindo-se o problema ao testemunho da presença da língua na filosofia,
que é daquela que esta se adjetiva.

Outro problema diferente, bem sei, é o da vocação filosófica de uma língua. Problema, como aque-
le, inglório afinal. O que quer isso dizer? Que uma língua natural pode não ser adequada à expres-
são filosófica? Não há língua, tomada em sua origem comum com outras línguas, que não sirva à
filosofia ou que seja inadequada à expressão filosófica. Têm valor residual os critérios de debate e
de combate pelas filosofias nacionais que se situaram nas linhas de fogo da antropologia e da psi-
cologia do “caso português”, pró ou contra, da caractereologia e da situação do homem português,
por serem exteriores a uma investigação que cumpriria melhor se situasse nos argumentos em tor-
no da língua portuguesa e atendesse primeiro à relação vincular da filosofia com a língua, expressa
na afirmação de que a filosofia fala a língua.

Álvaro Ribeiro, António Quadros e Pinharanda Gomes não desconheceram o problema; e sobretu-
do António Quadros, quem, como Agostinho da Silva, foi muito sensível à dimensão linguística da
cultura e da filosofia. Todos, porém, procuraram chaves para o problema situando-se já no aterro
da historicidade da língua. Daí só podem vir respostas para a maior ou menor maturidade de uma
língua para a filosofia, campo especial ainda para as teorias terminológicas ou vocabulares, segun-
do as quais a estatística dos termos e a especificidade de alguns termos garantem a realidade naci-
onal da filosofia. Este é sobretudo o caso de Teixeira de Pascoaes e da sua tese da intraduzibilidade
de determinadas palavras do vocabulário português, segundo uma conceção imagético-cognitiva,
até mesmo onirista, tropológica e sentimental-afetiva da língua portuguesa. Pascoaes incarna na A

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arte de ser português uma versão anatomopatológica da linguística, o que se compreende, pois que,
como poeta, estava naturalmente voltado para o poder sugestivo e semiopoético da fala (fala que é
aqui o todo que reúne o fonema e o lexema, a sincronia e a diacronia, a competência e a ação).

Só no trânsito do terreno da fala para a relação vincular da filosofia com a língua é que se garante a
universalidade da ideia de que a filosofia fala a língua, ou uma língua que a filosofia tem como ex-
pressão e meio, veículo e objeto de sua preocupação. A importância da língua para a filosofia é,
pois, única, e a ela se reduz o problema das filosofias nacionais. Se, por outro lado, é a língua que
nos habita, que imane e se casa com as estruturas da cognição e do pensamento, é também a língua
que inventa os povos e as pátrias.

Contrariamente à aceção de Pessoa, a língua não é pátria mas mátria, para adotar uma criação do
excecional génio que foi António Vieira. A sua condicionalidade matricial aproxima a língua da
terra, uma terra ageográfica, que pode ser lusa e lusófona, portuguesa ou brasileira, africana ou
asiática, de cá ou emigrante, língua de sete partidas, cuja universalidade quis António Quadros
que se refletisse na filosofia ou com cujo mapa-múndi sonhou Agostinho da Silva para berço de
fraternização de povos e raças.

3. Pensar a língua e a linguagem

Pela sua evidência, não há que encarecer por argumentos e fundamentos a importância dos fenó-
menos da língua que ocorrem historicamente e nos confirmam no terreno da sua evolução e desti-
nos. Pinharanda Gomes, num texto de 1965, “A autonomia filosófica da língua portuguesa antes
do século XVIII”, incluído em Filologia e filosofia (1966), e na Introdução à História da filosofia Portu-
guesa (1967), mostra-se muito preocupado com a autonomia filosófica da língua portuguesa, o que
não é questão despicienda, que se ergue historicamente do seio da fala e da cultura.

A maturidade filosófica da nossa língua, contra opiniões contrárias, aconteceu antes do século
XVIII, recuando até ao século XIV, para a primeira obra de carácter filosófico que é a Arte de trovar,
ou Poética fragmentária, que precede o Cancioneiro da Biblioteca Nacional, e seguindo depois para o
século seguinte com o livro A corte imperial e, de D. Duarte, o Leal conselheiro (1428). A língua portu-
guesa exprime-se nas suas potencialidades filosóficas nestas obras, sendo sobretudo o Leal conse-
lheiro um texto onde o português adquire subtilezas de análise fenomenológica da vida afetiva,
como o tratamento do humor merencórico ou de sentimentos como o nojo e a saudade, a tal ponto
que do Rei-filósofo se poder dizer ser ele o primeiro filósofo de língua portuguesa. É sobretudo ele
que demonstra a ductilidade do português para a expressão filosófica.

A língua não é – particularizemos: de um modo geral, as línguas ibéricas (castelhano incluído), e,


entre elas, o caso singular do português, cuja independência, para o ponto de vista pátrio e cultu-
ral, assinalou evoluções paralelas ao castelhano – a língua não é, dizia, uma simples estrutura adja-
cente à cultura nem a cultura é um sistema independente da língua e do pensamento que linguisti-
camente pensa numa dada língua. A valoração filosófica e o enriquecimento estrutural, dinâmico e
vocabular da língua portuguesa, como para qualquer outra língua, depende obviamente da sua
autonomia política pátria. O caso de outras línguas ibéricas que sofreram a asfixia do castelhano
contam, por exemplo, uma história diferente de evolução. Para essa valoração entram também em

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linha de conta a produção filosófica dos autores e o trabalho incomparável da tradução, que é uma
forma de enriquecimento vocabular da língua filosófica e um dos aspetos que não pode deixar de
ser considerado no diálogo com outras línguas, povos e culturas.

Não se preocupar com a língua é amputar a compreensão da própria filosofia como expressão má-
xima do universalismo de uma cultura. Heidegger poderia confirmá-lo, entre outros, fora da nossa
nacionalidade; no interior das nossas fronteiras, há tantos casos sobre a importância filosófica da
língua e, em especial, sobre a importância filosófica da língua portuguesa (de Teixeira de Pascoaes
a José Enes). E poderíamos até recuar no tempo: para D. Duarte, como vimos, ou para posteriores,
como Domingos Tarrozo, ou lembrar a filosofia que toma por objeto a língua portuguesa, dispersa
pela exegese, prosa e reflexão dos nossos antigos gramáticos, autores de gramáticas filosóficas,
como é o caso da mais completa, a Gramática filosófica de língua portuguesa (1822) de Jerónimo Soa-
res Barbosa, para quem a época viril da língua portuguesa começou com o reinado de D. Dinis
(nasceu em 1261 e faleceu em 1325), cuja corte foi um dos centros intelectuais e literários mais no-
táveis da Península Ibérica e sob cujo reinado se tornou o português a língua oficial do país.

Se a hipótese acerta, a língua não é de simples carácter instrumental, mas traz nela e com ela o ver-
bo do mundo, a presença nela da cultura, interferindo e fazendo parte da perceção e compreensão
que o sujeito faz e tem do mundo e da experiência da sua evolução cognitiva. Sob o aspeto feno-
menal das línguas, tem sentido evocar, como fazia Álvaro Ribeiro, a hipótese Sapir-Whorf. Impli-
cará a relação pensamento e realidade a mediação da linguagem no processo de apreensão e com-
preensão do mundo? Será o acto de cognição intrinsecamente linguístico? As estruturas de uma
língua atuam em comum com as estruturas cognitivas? É possível destacar, por sobre as formas da
linguagem, o pensamento puro ou é apenas possível falar de linguisticidade do pensamento? Eis al-
gumas das questões fundamentais a que já dei resposta aqui.

O problema de ser a realidade ou linguística ou translinguística tem atravessado a história do sa-


ber humano e continua a impor-se no horizonte hodierno das teorias do conhecimento e da lingua-
gem. A hipótese de Sapir-Whorf, segundo a qual a estrutura da linguagem determina a estrutura
do pensamento, impõe-se neste contexto. Constituirá cada língua o prisma pelo qual o mundo não
pode deixar de ser conhecido e compreendido?

4. O esquecimento da linguagem

Um dos problemas mais graves da filosofia é o esquecimento da linguagem, familiar do oculta-


mento da relação intrínseca entre o pensamento e a língua, ou entre o pensar e o ser, ou entre o di-
zer e o ser. Globalmente, o esquecimento da linguagem é contemporâneo da descoberta de ser ab-
surda a vida e absurdo o mundo. As filosofias do desespero e da angústia sem remissão são sob
este aspeto ocultadoras do sentido e nascem sobretudo de uma má conceção da linguagem e da or-
ganicidade do seu sentido. A redução do sentido, que é o ser da linguagem, a jogos de linguagem
(Wittgenstein), pelo despedimento da metafísica da linguagem, comum à filosofia analítica, esque-
ce que o conceito transcendental de língua (que eu aceito), não é independente da compreensão
fenomenológico-hermenêutica e ontológica da linguagem, sem a qual embarcamos no linguisticis-
mo e no formalismo ou logicismo das estruturas.

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Por outro lado, as ontologias agnósticas que, como a de Heidegger, se servem do ser para ocultar o
ser de Deus, febrilmente fazem o inverso das filosofias analíticas, saltando da linguagem para os
planos de origem dela, num movimento certamente correto que gera a beleza das análises heideg-
gerianas e da profusa, intrigante por vezes, mas sempre sedutora visão da linguagem como a casa
do ser ou do homem como o pastor do ser, expressões muito difíceis de esquecer, de tal modo se cola-
ram à nossa pele que pensamos Heidegger como pensamos os Gregos, irresistivelmente.

A direção heideggeriana conduz o pensamento para o paganismo, saltando da assunção da lingua-


gem como Verbum para a da linguagem como logos, pelo que a adveniência da verdade nele é anti-
cristã, inteiramente oposta à do logos de Fílon de Alexandria. É somente o logos de Heraclito mas
sem a justiça do logos hebraico e sem a esperança do logos cristão, que afloram na dialética de Santo
Agostinho. Heidegger, ao fazê-lo, partilhou com muitos o esquecimento da linguagem, que ele jul-
gou não ter feito na crítica que teceu à tradição do Ocidente, onde, segundo o filósofo germânico,
se deu o esquecimento do ser. A libertação do Ocidente do esquecimento do ser, na proposta de
Heidegger, é um fenómeno correlato agora do esquecimento de Deus, que nenhuma recuperação
sacralizada dos limites da linguagem saberá restituir sem uma revinculação do logos grego ao ver-
bum, ainda o lugar onde se tornará possível à filosofia pensar Deus.

Gostaria de recordar neste ponto que a linguagem no Ocidente filosófico é um espaço de constru-
ção, de destruição e de vivência de sentido, o que precisamente marca o estilo de pensar na nossa
contemporaneidade finissecular e dos inícios do século XXI, especialmente marcada pela nostalgia
do infinito e de Deus, nostalgia que sucedeu à declaração da sua morte para a instauração existen-
cialista da liberdade do homem. O problema de Deus, seja ele um problema filosófico, teológico,
social, político ou económico, seja ele europeu, seja a Oriente, é o problema do máximo sentido
como destino último da linguagem. Enquanto problema, não pode ser negado ou ignorado, pois
que o que luz no fundo da linguagem é Logos, a palavra divina a que, como palavra essencial, se
recolhe o poder da criação. No hinduísmo, por exemplo, a palavra original, o som primeiro, origi-
na o cosmo.

O poder de criação pela palavra está intimamente ligado ao poder da articulação do mundo e das
coisas pela linguagem, como é ele que designa a linguagem como ingrediente da própria realiza-
ção do homem, da sua proficiência comunicativa, da sua eficiência inventiva nas sucessivas artes,
da mão ao pensamento, da literatura à filosofia, das instituições à religião. O fundo da linguagem
tem, assim, o seu carácter de sagrado, é o lugar onde vivem os deuses e o lugar do único Deus, de
que aqueles são saudades, pelo que, a meu ver, qualquer movimento de paganização da lingua-
gem, como fez Heidegger, alimenta a anamnese do Logos, simultaneamente Verbum.

Não esqueçamos a verdade de que o descobrimento da palavra no seu vínculo com a criação não é
grega, e à luz desse vínculo se deve iluminar a essência mesma da linguagem. Neste aspeto, ao
descartar tal vínculo, Heidegger acabou por afastar-se e desconhecer as possibilidades ontológico-
hermenêuticas da criação, que estão, por exemplo, bem presentes no criacionismo do filósofo por-
tuguês Leonardo Coimbra. Aquilo a que eu chamo o esquecimento da linguagem, de que o esque-
cimento de Deus é a principal manifestação, mostra-se nesse movimento pagão de vitalização dos
deuses no templo da linguagem do único Deus. O grande sacrifício que constituiu a imolação foi a
do significado da criação, pelo que em Heidegger a linguagem não é mais do que demiurgia. Ser o
homem pastor do ser é obrar no ser pelo mesmo processo da mimesis do demiurgo platónico, pelo

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que, mais talvez do que o pensasse, Heidegger é aqui platónico no entendimento das capacidades
demiúrgicas do homem e da linguagem, não excedendo o que a tal respeito já havia dito o Crátilo
de Platão.

Sob modo incorruptível, ao pensamento de língua portuguesa, ainda que na diversidade das posi-
ções teóricas dos pensadores, vacilando entre teísmos, panteísmos e ateísmos, agnosticismos e
gnoses várias, é característica a vinculação do Logos e do Verbum, donde a verdade da centralidade
especulativa do tema de Deus (pela existência ou inexistência) nos pensadores portugueses, desde
D. Duarte, passando por Antero de Quental, Sampaio Bruno, Leonardo Coimbra, Teixeira de Pas-
coaes, António Sérgio, Raul Proença, Álvaro Ribeiro, José Marinho, entre muitos outros, até Antó-
nio Quadros, Afonso Botelho e Agostinho da Silva, a que adrede ficam ligados os temas que lhe
correspondem do infinito e da finitude, do bem e do mal, da vida e da morte, do tempo e da eter-
nidade, temáticas existenciais perenes, que sempre atraíram os filósofos portugueses muito antes
mesmo do existencialismo europeu, em meditações expressivas e tão antigas como as recolhidas
no anónimo de A Corte imperial, no Leal conselheiro de D. Duarte, nos Diálogos de Amador Arrais, na
Ropica pnefma de João de Barros, nos sermões de António Vieira e nas obras de D. Francisco Manu-
el de Melo.

A meditação sobre as línguas de fogo no cenáculo e a espiração do Paráclito, que veio a refletir-se
em parte substanciosa da filosofia portuguesa, não nega a centralidade do conceito teológico-meta-
físico de Verbum, pois que a Terceira Pessoa é dada pela visão do Filho, que singularmente em de-
terminados pensadores, como em Agostinho da Silva e António Quadros, se veio a radicalizar no
culto direto do Consolador, em cujo Espírito se obraria um novo Reino e uma nova Era. A língua
pátria, a língua de Portugal, surge como terra fértil para a seara do Espírito, ora vendo nela Agosti-
nho da Silva a pátria dos múltiplos povos falantes do português, uma pátria lusófona, império do
espírito, ora alimentando António Quadros a esperança de um dia, com Fernando Pessoa, redesco-
brir-se finalmente Portugal na Hora e numa paideia de gerações, a que chamou patriosofia, uma sa-
bedoria da pátria para lusos e lusófonos nela redescobrirem o seu ser e estar de nação.

5. Conclusão sobre o verbo e a língua

A especulação filosófica sobre a língua portuguesa, aquela que mede o pulso do seu logos criador,
tem destacado a tríade linguística dos verbos ser, estar e ficar como uma singularidade da própria
língua, com reverberações para o pensamento filosófico, que a distinguem de outras línguas, no-
meadamente do latim e do grego, onde tal tríade não existe, mas também do francês, do inglês e
do alemão, que desconhecem sobretudo o estar, fazendo uso do verbo ser para expressar realidades
que o português traduz pelo estar.

O estar e o ficar têm aliás uma semântica muito diferente da do verbo ser, de cuja realidade não diz
o português que “está” ou que “fica”, exatamente por apresentar-se o ser de forma absoluta. Intui-
mos com exatidão o dinamismo da tríade observando que o pensamento português é menos atrei-
to às formas do absolutismo e do totalitarismo, caracterizando-se menos por uma centração obses-
siva no ser, como no pensamento alemão, e sendo mais sensível ao plano dos seres e da existência,
a que dá atenção ontológica.

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Num notável embora muito pouco citado estudo, incluído nas Atas do I Congresso nacional de filoso-
fia (1955), intitulado “Expressão linguística da realidade e da potencialidade”, da autoria de Her-
nâni Santos Dias da Silva, filólogo, ganha aquela tríade adequada análise. O verbo ser, aoristo, sig-
nifica pela realidade pura, fora de toda a duração, a quididade ou essência absoluta; quando digo
que “O Ser é” ou “Deus é” formulo a absolutidade do Ser, a sua pureza irrestrita ao espaço e ao
tempo e destes independente. Quando, porém, me refiro ao ser dependente das condições espácio-
temporais, posso expressar a cópula por recurso a outros verbos, além de ser. Assim, posso dizer
que “O homem é bom”, que “O homem está bom” e que “O homem fica bom”.

O verbo estar significa, então, pela existência atual e o ficar o processo de passagem do não-estar ao
estado atual, como quando digo que “O homem está doente” e que “O homem fica doente”. Aqui,
é muito interessante a observação de que a cópula expressa pelo ficar sai completamente fora do
quadro judicativo aristotélico pela ideia que associa um progresso a chegar a um estado. Esta cons-
tatação demonstraria, a meu ver, que nem tudo no português é sucetível de ser aferido pelo juízo
aristotélico e que o português guarda virtualidades além do categorialismo de Aristóteles.

É provável que a menor atenção filosófica dada ao verbo ficar se deva à nossa tradição aristotélica
cujos vestígios nos nossos hábitos mentais persistirão como obstáculos à compreensão e tradução
de uma realidade que não é ato nem potência, mas que, porém, se conta como realidade de movi-
mento, processo, chegada a alguma coisa que não era e que ainda não é. A falta de sensibilidade de
António Quadros ao verbo ficar, no seu livro O espírito da cultura portuguesa (1967), onde analisa os
verbos ser e estar, a par do ter e haver, assim ignorando qualquer análise ao ficar, mostra como a sua
filosofia do movimento é aristotélica como aristotélico foi o seu mestre Álvaro Ribeiro.

Hernâni Santos Dias da Silva dá-nos elementos para uma séria reflexão sobre uma estrutura men-
tal do português que seria diferente do das outras línguas novilatinas, do próprio grego e do latim,
idêntica à do sânscrito, melhor, do hindu. Como neste, o português introduz na expressão da có-
pula uma realidade nova ausente das outras línguas europeias, o aspeto. Admite, também, a hipó-
tese de que o aspetivo possa ser de influência árabe e não indo-europeia. De todo o modo, seja por
via indo-europeia seja por árabe, o facto é que se entremostraria aqui uma estrutura mental do
português que é realmente diferente das línguas que lhe são próximas.

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A Língua Portuguesa como objeto da Filosofia | REVISTA PONTES DE VISTA 11/04/2019 19(33

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