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ESTILHAÇOS DA MISÉRIA E DA PENÚRIA:

SOBRE A (IN)ESPERADA HERANÇA DA MORTE

Fabio Gustavo Romero Simeão


(UFPB)
Hermano de França Rodrigues
(UFPB)

Introdução

Sobre a (in)esperada herança da morte

A experiência humana é, já em seus primórdios, marcada pela inexorabilidade do


desamparo. Desde o momento do nascimento, como Freud (2014 [1926]) bem colocou, somos
lançados num mundo adverso, que percebemos hostil e invasivo, uma vez que nos
encontramos despreparados, tanto física quanto psiquicamente, para enfrenta-lo por conta
própria. De fato, podemos afirmar que somos constituídos na/pela falta e que existiria, entre
os homens, um abismo incontornável, culpado por barrar toda possibilidade de encontro
pleno, total. Paradoxalmente, este mesmo abismo, esta enorme lacuna que nos habita, será
responsável por impelir-nos a convocar a presença de um outro apto para – ainda que
minimamente – aplacar nossas angústias mais íntimas, num movimento assaz torpe e
umbrático, que marcará nossa esquiva caminhada pela vida.
Quando nos debruçamos sobre a obra freudiana, observamos que a categoria do
desamparo nunca fora objeto de um estudo particular por parte do mestre vienense. Não
podemos, por exemplo, apontar um texto específico cuja preocupação primeira fosse a de
elucidar a natureza deste obscuro afeto. Ainda sendo fundamental para compreender outras
dimensões do sofrimento humano, a saber, a angústia ou, inclusive, o processo do luto e a
melancolia, o desamparo sempre ocupou um lugar à margem dos escritos de Freud. É por isso
que, em concordância com diversos estudiosos dedicados ao assunto em questão (Cf.
MENEZES, 2012; PEREIRA, 2008; WHITAKER, 2002), não consideramos a Hilflosigkeit
freudiana como um conceito propriamente dito, ou seja, fechado e esquematizado, mas, sim,
como uma noção, incompleta na sua formulação, porém, por isto mesmo, capaz de suscitar
inúmeras reflexões, de ordem metapsicológica, bastante relevantes no contemporâneo.

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Se escolhermos seguir uma ordem estritamente cronológica na leitura do texto
freudiano, verificamos que a primeira vez em que o pai da Psicanálise referiu-se de maneira
direta ao desamparo foi no polémico Projeto para uma psicologia científica. Escrito
originalmente no ano de 1895, ele nunca o publicara em vida, chegando ao público geral
apenas em 1950. Nele, imbuído pelo espírito positivista e biologizante da época, Freud
pretendia esboçar um sistema teórico que permitisse o ingresso da Psicologia no hall das
chamadas “Ciências Naturais”. É na seção sobre a “Experiência de satisfação” que
encontramos seus comentários inaugurais sobre a Hilflosigkeit:

O organismo humano é, a princípio, incapaz de promover essa ação


específica [no mundo externo]. Ela se efetua por ajuda alheia, quando a
atenção de uma pessoa experiente é voltada para um estado infantil por
descarga através da via de alteração interna [por exemplo, pelo grito da
criança]. Essa via de descarga adquire, assim, a importantíssima função
secundária da comunicação, e o desamparo inicial dos seres humanos é a
fonte primordial de todos os motivos morais. (FREUD, 1895, p. 336 apud
MENEZES, 2012, p. 36)

Aqui percebemos uma preocupação bastante objetiva de Freud ao descrever a


fragilidade do recém-nascido e, principalmente, a inaptidão deste para mitigar seus anseios
mais básicos. Freud foca sua atenção na incapacidade física que o bebê tem, no início da sua
vida, de realizar por si só aquilo que ele chama de “ação específica”, isto é, de realizar
qualquer operação que pretendesse suprir suas necessidades vitais, como a fome ou a sede.
Para dar conta destas necessidades tão basilares, o infante se verá obrigado a clamar (através
do choro, que Freud atribui com a “importantíssima função secundária de comunicação”) pela
assistência de um outro mais experiente. Forma-se, nesse ínterim, entre o recém-nascido e o
seu zelador, uma dependência absoluta que, num primeiro momento, parece ser unicamente
de ordem física, orgânica, porém, irá deixar marcas psíquicas que governarão a vida interior.
Esta noção do desamparo como um momento singular no desenvolvimento do bebê (e
de feições bastante biológicas) será ampliada em textos ulteriores ao Projeto. Por exemplo, a
partir da introdução, na teoria freudiana, da noção de apoio – que encontramos nos Três
ensaios sobre a teoria da sexualidade (2016 [1905]) – , a relação de dependência passiva que
se instaura entre o infante e sua mãe (ou quem estiver desempenhando as funções maternas de
acolhimento, cuidado e amor) ganhará o estatuto de entrada ou, antes, inscrição do sexual no
inconsciente. Diz Freud: “A atividade sexual se apoia primeiro numa das funções que servem
à conservação da vida, e somente depois se torna independente dela.” (FREUD, 2016 [1905]
p. 85 – 86). Entendemos, deste modo, que é através dos cuidados ofertados pela mãe, ao seu
bebê, que a erogeneização do corpo se dá e, consequentemente, a gênese das pulsões sexuais.

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Esta dinâmica, bastante peculiar, será responsável por “caracterizar o ser humano como
dependente do amor do outro” (MENEZES, 2012, p. 42). Em outras palavras, a nossa própria
constituição, na qualidade de sujeitos atravessados pelo desejo, sobrevém das relações que
estabelecemos com os outros.
Ao longo de textos como Totem e tabu (2012 [1913]) e Psicologia das massas e
análise do eu (2011 [1921]) Freud aprofundará ainda mais suas considerações sobre o
desamparo, entendendo-o enquanto condição originária dos laços socias e, por extensão, da
própria civilização. No primeiro, ao realizar seu estudo do mito do parricídio, Freud (2012
[1913]) destaca que, a partir do momento em que a “horda primitiva” viu-se destituída da
proteção concedida pelo “pai tirânico”, houve a necessidade de instaurar uma outra lei que
garantisse a ordem social. Precisamente, é a partir desta necessidade, deste momento
mitológico de desamparo, que a Lei da linguagem, das trocas simbólicas, comparece como o
fundamento no qual toda cultura será edificada. Trata-se, efetivamente, do nascimento do
totemismo e do tabu. No segundo, Freud (2011 [1921]) apresenta sua concepção de como se
formariam os vínculos afetivos entre indivíduos de uma mesma comunidade que, por sua vez,
permitem o desenvolvimento das sociedades. Aqui, o desamparo será discutido numa
dimensão intrapsíquica, nomeadamente o desamparo sentido pelo eu diante de um ideal do eu
excessivamente despótico. Freud (2011 [1921]) considera que, do mesmo modo como na
formação dos grupos sociais a figura do líder amoroso é indispensável para manter a ordem,
numa perspectiva dinâmica do psiquismo, é de extrema importância que a relação entre o eu e
o ideal do eu seja afável, porquanto que “sentir-se amado pelo ‘ser superior’ representa, no
inconsciente, a proteção contra todas as ameaças” (PEREIRA, 2008, p. 137).
Um outro texto do Freud, bastante pertinente à discussão sobre o desamparo, é
Inibição, sintoma e angústia (2014 [1926]). Neste trabalho, o mestre vienense reformula a sua
teoria da angústia e, ao fazê-lo, aproxima este afeto da noção de Hilflosigkeit. A primeira
teoria freudiana da angústia a compreendia como consequência direta do “acúmulo de tensão
que não pôde ser articulada ao psiquismo” (WHITAKER, 2002, p. 47). Isto é, toda tensão ou
energia libidinal que não encontrasse uma possibilidade de descarga satisfatória e que, por
isso mesmo, figurasse “solta” no aparelho psíquico, converter-se-ia em angústia “tal como o
vinho em vinagre” (FREUD, 2016 [1905]). Neste momento do pensamento freudiano, a
angústia é considerada corolária do processo de recalcamento. Todavia, este quadro será
inteiramente modificado, no referido texto de 1926, quando Freud passa a conceber a angústia
não como um “fruto do recalque” (MENEZES, 2012, p. 62) mas, sim, como a própria causa
deste. A partir de então, Freud (2014 [1926]) entende que o sentimento de angústia

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funcionaria como uma espécie de “sinal”, no sentido de apontar para uma “situação de
perigo” que, caso não fosse atenuada pelo eu poderia chegar a ser traumática. É justamente
esta situação traumática, da qual o eu procura tão vigorosamente se esquivar, que aproxima a
noção de desamparo do sentimento de angústia. Isto porque o traço distintivo, que
transformaria a situação de perigo numa situação efetivamente traumática, é análogo à
condição de desamparo psíquico do recém-nascido. Nesse sentido, poderíamos pensar que da
mesma forma como o bebê, no início da sua vida, depara-se com um fluxo de demandas
pulsionais que, devido à precariedade das estruturas psíquicas neste momento, não consegue
apreender simbolicamente, por vezes, na vida adulta, somos confrontados com uma
quantidade excessiva de tensão intrapsíquica que nos obriga a regredir a um estado arcaico,
anterior, inclusive, ao acesso à linguagem. A experiência de desamparo total que caracteriza o
nascimento torna-se, assim, o protótipo de toda descarga de angústia.
Vimos, neste brevíssimo percurso pela obra freudiana, que a noção de Hilflosigkeit diz
respeito a muito mais do que um estado objetivo no qual o bebê encontrar-se-ia
impossibilitado de velar por si mesmo. A sua significação metapsicológica não se esgota e,
conforme evidenciado pela leitura cuidadosa de alguns escritos do Freud, vai além disso.
Trata-se, isto sim, do fundo instransponível, relativo “à falta fundamental de garantias sobre o
existir e o futuro” (MENEZES, 2012, p. 82) que ensejará o surgimento da nossa própria
subjetividade. Ou seja, é a partir do momento em que abandonamos a nossa onipotência
infantil para, desta forma, enxergar o outro na sua individualidade, na sua diferença, que
criamos a possibilidade de a linguagem comparecer e, com ela, nossa assunção para o campo
do simbólico. Esta travessia, tão importante para a formação de uma personalidade íntegra e
funcional, encontra seus fundamentos na primeira e mais arcaica relação de todas: a relação
materna. Com efeito, se a mãe (ou quem estiver desempenhando a sua função) for capaz de
conduzir o filho por um “processo de desilusão” (MENEZES, 2012) de maneira satisfatória,
este se verá equipado psiquicamente para ressignificar o desamparo como uma realidade
tolerável. Apenas ao enfrentarmos de frente o abismo que nos habita, e o desamparo
decorrente deste, seremos capazes de tornar-nos sujeitos, de adentrar verdadeiramente no
mundo da cultura.

Estilhaços da miséria e da penúria

Adolfo Correia da Rocha (1907 – 1995), mais conhecido pelo seu pseudônimo Miguel
Torga, é, decerto, uma das figuras mais emblemáticas das letras portuguesas do séc. XX.

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Tendo passeado magistralmente pelos mais diversos gêneros, desde o memorial, a crônica e o
ensaio até o diário, o romance e o teatro, destacou-se, porém, de maneira mais profícua e
original, na poesia e na narrativa curta, sendo, inclusive, considerado entre os escritores da
chamada geração presencista quem “melhor corporiza a rigorosa exigência da escrita
contística” (FERREIRA, 2008, p. 28). Todo seu projeto literário é marcado por uma espécie
de conexão inerente, de vínculo espiritual, seja ele harmonioso ou não, do homem com seu
meio, num movimento estético/discursivo que denuncia a própria fugacidade da nossa
existência. Com o intuito de evidenciar este traço pessimista, tão caro a Torga e, também, de
elucidar os contornos que o sofrimento humano assume ao imiscuir-se nos densos territórios
da perda e da solitude, propomos uma leitura sucinta, fundamentada nas contribuições
freudianas que elencamos no tópico acima, do conto O cavaquinho, publicado pela primeira
vez no ano de 1941 na coletânea Contos da montanha.
A narrativa retrata, num tom sutil e, ao mesmo tempo ácido, a profunda miséria em
que vivia uma pequena família do norte de Portugal. Este quadro de pobreza é anunciado já na
primeira linha do conto, quando o narrador apresenta um dos protagonistas: “O Ronda era o
homem mais pobre de Vilela.” (TORGA, 1996, p. 25). A caracterização do espaço físico da
casa, que era “de pedra solta e telha vã, cheia de frestas”, também reforça o ambiente de
penúria em que as personagens se encontram, uma vez que a sua morada, que deveria ser um
lugar de abrigo, oferece muito pouco resguardo contra as investidas da natureza: “o vento, que
parecia o diabo, de vez em quando entrava por um buraco a assobiar, passava cheio de
humidade pela chama da candeia, que se torcia toda, e sumia-se por debaixo da porta como
um fantasma.” (Ibid., p. 25). Vemos, assim, que o narrador se serve de alguns movimentos
retóricos para desenhar a verdadeira extensão da carência material que acometia esta família.
Sem desconsiderar o caráter de crítica social que a narrativa tão claramente dispõe, nossa
intenção é a de demonstrar como esta escassez, nos interstícios da palavra esculpida por
Torga, traduz-se num desamparo afetivo cujas consequências são devastadoras.
A pesar de ver-se envolto na mais árida pobreza, Ronda é tomado por uma enorme
alegria ao se inteirar que Júlio, seu único filho, obtivera um “óptimo” numa avaliação escolar.
Ronda lhe promete, então, que o presentearia com uma prenda pelo seu bom desempenho.

Considerações finais
Referências

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