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editorial

Editorial
Uma publicação da:

Volume 2 - nº 02 - Janeiro/Junho de 2005

Caro leitor, Filiada à Aberje

Governador do Estado de Minas Gerais


Aécio Neves da Cunha
Há poucos anos testemunhamos no país o surgimento da discussão Secretário de Estado de Planejamento e Gestão
Antonio Augusto Junho Anastasia
sobre o chamado software de código aberto, também conhecido como Diretor-Presidente
Maurício Azeredo Dias Costa
software livre. Diretora de Projetos e Negócios
Glória Maria Menezes Mendes Ferreira
O debate, inicialmente restrito aos meios universitários, rapida- Diretor de Tecnologia e Produção
Raul Monteiro de Barros Fulgêncio
mente se expandiu e ganhou agenda obrigatória em todos os fóruns espe- Diretor Administrativo e Financeiro
cializados em tecnologia da informação. José Ronaldo Fidelis
Diretor de Desenvolvimento Empresarial
Nathan Lerman
Hoje, o que assistimos é a uma discussão com uma pauta
CONSELHO EDITORIAL
extensa. Entre os temas que atraem a atenção podemos citar: a definição Antonio Augusto Junho Anastasia
Maurício Azeredo Dias Costa
de padrões de desenvolvimento compartilhado de programas e sistemas Marcio Luiz Bunte de Carvalho
com código aberto, as regras de comercialização e uso dos códigos pro- Amílcar Vianna Martins Filho
Gustavo da Gama Torres
duzidos e, além disso, os seus inevitáveis desdobramentos em propostas Paulo Kléber Duarte Pereira
Marcos Brafman
de políticas públicas de informática. As questões de segurança, custos de EDIÇÃO EXECUTIVA
implantação e manutenção, interoperabilidade, garantia de evolução dos Assessoria de Comunicação
Isabela Moreira de Abreu
produtos e direitos dos usuários, entre outros, são aspectos que despertam Assessoria da Presidência
Pedro Marcos Fonte Boa Bueno
a atenção e são também objeto de estudos e deliberações. Coordenação do Projeto Editorial, Gráfico e Publicitário
Gustavo Grossi de Lacerda
No entanto, o tema decisivo que arde no centro da discussão é o Edição, Reportagem e Redação
Isabela Moreira de Abreu - MG 02378 JP
embate entre duas visões aparentemente conflitantes sobre o tratamento Colaboração
Luís Carlos Silva Eiras
que se deve dar ao fruto do trabalho intelectual, no caso, programas de Universidade Corporativa Prodemge
computador. Uma delas acolhe como premissa o direito indiscutível de Enilton Ferreira Rocha
Marta Beatriz Brandão P. e Albuquerque
propriedade do autor sobre sua obra, com todas as implicações daí resul- Luiz Cláudio Silva Caldas
Consultoria Técnica
tantes. A outra, em vertente oposta, advoga o direito social ao conheci- Sérgio Melo Daher
Revisão
mento, ampliando as possibilidades de uso do produto intelectual através Graça Kind
de outorga de direitos. Projeto Gráfico e Diagramação
Carlos Weyne
Consultoria Gráfica
Por essa razão e de forma previsível, já que a natureza do assunto Guydo José Rossi Cardoso de Meneses
induz a isso, o debate de imediato transcendeu as fronteiras da discussão Capa
Guydo José Rossi Cardoso de Meneses
técnica e alçou de forma fulminante a esfera do embate político. Gustavo Grossi de Lacerda
Fotolito e Impressão
Policrom / Gráfica Formato
A conseqüência disso, que tem sido a marca registrada desse de- Tiragem
Três mil exemplares
bate, é a forma quase apaixonada com que a discussão tem sido travada. Periodicidade
Semestral
A revista Fonte não poderia se ausentar do debate. Ao contrário,
PATROCÍNIO
entra nele animada pela relevância do tema e seguindo as premissas de
isenção e aprofundamento cuidadoso no assunto. A abordagem procurou
registrar as diferentes posições políticas, ideológicas e técnicas que o
A revista Fonte visa à abertura de espaço para a divulgação
assunto desperta. técnica, a reflexão e a promoção do debate acerca de vi-
sões plurais no âmbito da tecnologia da informação, sendo
que o conteúdo dos artigos publicados nesta edição são de
Entre seus colaboradores, estão algumas das maiores autoridades responsabilidade exclusiva de seus autores.
no assunto e o resultado é a reprodução exata do que ocorre nos fóruns Prodemge - Rua da Bahia, 2277 - Bairro Lourdes
técnicos e políticos onde se dá a discussão. CEP 30160-012 - Belo Horizonte - MG - Brasil
www.prodemge.mg.gov.br
Seguindo seus princípios editoriais, a revista Fonte abre espaço prodemge@prodemge.gov.br
para todas as correntes, mas passa ao largo delas sem tomar partido. Essa
tarefa cabe ao leitor.

Um abraço,

Maurício Azeredo Dias Costa

FONTE
Diálogo
Diálogo
Propriedade intelectual e
democratização do conhecimento:
as novas perspectivas do direito autoral

Ronaldo Lemos, mestre em Direito pela Universidade de Harvard, doutor


em Direito pela USP, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da
Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas e diretor do projeto
Creative Commons no Brasil. Em Harvard, trabalhou no Berkman Center
for Internet & Society. É autor de vários artigos publicados no Brasil e no
exterior e de dois livros, "Comércio Eletrônico" (2001) e "Conflitos sobre
Nomes de Domínio e Outras Questões Jurídicas da Internet" (2003),
ambos publicados pela Editora Revista dos Tribunais. Lançará este ano
seu terceiro livro, "Direito, Cultura e Tecnologia".

A polêmica questão jurídica dos direitos autorais aplicados à indústria do software suscitou uma série de
outras questões e ampliou a discussão para outras formas de criação e difusão da produção cultural,
dando origem ao movimento internacional Creative Commons. Nesta edição, o Diálogo é com o professor
Ronaldo Lemos, referência nacional em direito na internet e diretor do projeto Creative Commons no Brasil.
Ele fala do projeto, que teve sua origem na Universidade de Stanford, com o professor Lawrence
Lessig, hoje presente em 25 países. Além de imprimir uma nova dinâmica às relações entre autores e
consumidores, o movimento estabelece um novo modelo de negócios, baseado na liberdade do autor de
estipular quais direitos ele está disposto a conceder sobre sua obra, flexibilizando o conceito do copyright -
de "todos os direitos reservados" para "alguns direitos reservados".
Nesta entrevista, Ronaldo Lemos fala da tendência mundial da lei do direito autoral de restringir o acesso
ao conhecimento, através do conceito de propriedade intelectual, e de como setores da sociedade,
preocupados com as barreiras impostas à disseminação da produção cultural e científica, se mobilizam para
reverter essa situação, mostrando o balanço do Creative Commons no mundo, no licenciamento de textos,
imagens, filmes, músicas, livros e outras obras.
Ronaldo Lemos defende a produção de software livre pelo poder público como política pública
governamental, fundamentada pela Constituição Federal e pela política nacional de informática, e explica
como o conteúdo da produção intelectual pode ser compartilhado, preservando-se os direitos do autor.

6 FONTE
Fonte: Na sua opinião, qual a base Fonte: Como conciliar a democrati-
filosófica, conceitual, para a definição de zação dos conteúdos sem ferir os direitos
propriedade e democratização do conheci- do autor?
mento? Um dos modos como isso pode ser
O conceito-chave é propiciar e man- feito é através das licenças Creative
ter os incentivos adequados para a criação Commons, um projeto criado pelo profes-
de novas obras intelectuais, ao mesmo sor Lawrence Lessig, da Universidade de
tempo em que se propicia um amplo aces- Stanford, hoje presente em mais de 25
so para o conhecimento. Isso não é tarefa países do mundo. A idéia é justamente
fácil. No panorama atual, a idéia de pro- essa: manter os direitos autorais do autor e
priedade intelectual está se tornando abso- criador da obra intelectual e ao mesmo
luta. Mais absoluta até, em alguns casos, tempo permitir à sociedade como um todo
do que a propriedade ter alguns direitos
de um bem físico. sobre a obra. Nesse
Isso traz distorções A idéia é justamente esta: sentido, ao adotar
que prejudicam o manter os direitos autorais do uma licença Creative
acesso ao conheci-
autor e criador da obra Commons, o autor
intelectual e ao mesmo tempo
mento, especial- opta por um modelo
permitir à sociedade como
mente na medida em de "alguns direitos
um todo ter alguns direitos
que caminhamos reservados", que é
sobre a obra.
para um mundo cada diferente
vez mais digital. do tradicional
Note que propriedade é um conceito jurídi- "todos os direitos reservados". Por
co histórico, forjado com relação a bens esse último, a sociedade não possui
materiais, do qual o direito moderno se nenhum direito de acesso. Pelo modelo do
apropriou e passou a aplicar para os bens Creative Commons, a sociedade possuirá
intelectuais. A mera importação desse con- os direitos de acesso que o dono da obra
ceito já traz distorções, quanto maior for o especificar.
aprofundamento do mesmo. Eu confio
muito na capacidade de imaginação institu- Fonte: Cite aspectos específicos das
cional, que possa permitir criar um con- licenças de software.
ceito próprio para lidar com os bens intelec- As licenças de software livre inspi-
tuais de maneira apropriada, ponderando raram a criação do Creative Commons. O
incentivos para a criação e direito de acesso. software livre foi criado quando o autor de

FONTE 7
um software decidiu conferir à sociedade Olinda, onde existe um grande projeto de
direitos de modificação, acesso ao código- disponibilizar o conteúdo cultural produ-
fonte, cópia e distribuição. Ao contrário zido por lá na internet, tudo sob o Creative
disso se tornar um ato filantrópico, surgiu Commons. Olinda quer se tornar a
um modelo de negócios totalmente consis- primeira cidade Creative Commons do
tente. Só a IBM, por exemplo, já investiu Brasil. Uma das iniciativas é documentar o
mais de 2 bilhões de dólares no software patrimônio histórico da cidade, como, por
livre. Empresas como a Sun e a Novell exemplo, o oratório do Mosteiro de São
estão indo pelo mesmo caminho. Foi a Bento, e licenciar livremente as fotos, que
partir do exemplo bem-sucedido do poderão ser amplamente circuladas. O
software livre que o projeto Creative Mosteiro de São Bento foi a peça central
Commons foi criado. Apesar das licenças da exposição do Museu Guggenheim de
do projeto serem Nova Iorque na
muito mais variadas, exposição Brazil
dando muito mais Na área de textos, professores Body & Soul. Há
opções para o autor da FGV estão licenciando livros milhares de pessoas
quanto aos direitos
pelo Creative Commons. no mundo interes-
Tais licenças permitem,
que ele pretende sadas em saber
por exemplo,
conceder, o conceito como está o oratório
que a cópia do livro seja
original é comum. e obter material que
autorizada.
possa ser usado do
Fonte: Com mesmo. Esse é só
essa nova dinâmica proposta para a pro- um dos exemplos: conjugado com a força
dução de software, como ficam as que Olinda tem em artes plásticas, música,
relações comerciais: quais seriam as teatro e festas públicas, como o carnaval,
distinções entre os modelos de negócios na você tem um conteúdo riquíssimo, pronto
produção e comercialização de sistemas para ser visto e aproveitado mundialmente.
livre e proprietário? E o Creative Commons é ferramenta fun-
Como mencionei, o Creative damental para facilitar a disseminação,
Commons e o software livre demonstram utilização e transformação livre desse con-
claramente a existência de um novo tipo teúdo. Dessa forma, o modelo de licencia-
de mercado. O Creative Commons pode mento Creative Commons pode, na
potencializar o valor econômico de obras verdade, potencializar os aspectos
culturais. Tome por exemplo a cidade de econômicos de várias obras intelectuais.

8 FONTE
Fonte: Qual o balanço do Creative mas não é o único. As licenças possuem
Commons no Brasil e no mundo? Há esti- um impacto enorme nos Estados Unidos,
mativas de emissão de licenças? Que per- onde estão sendo incorporadas em
centual refere-se a software? websites que lidam com conteúdo produzi-
A estimativa é que no mundo hoje do descentralizadamente, como o Flickr e
existem mais de 6 milhões de obras licencia- o GarageBand. O primeiro é como o
das pelo Creative Commons. Essas obras fotolog, só que com maior alcance nos
incluem texto, imagens, filmes, músicas, EUA. O segundo é um site para que
livros e outras. No Brasil já existem inúme- bandas disponibilizem seus materiais
ras obras, muitas delas de extrema relevân- on-line. Ambos disponibilizam uma inter-
cia. Por exemplo, documentários, como o face para que as obras postadas já sejam
filme "Casa de Cachorro", vencedor do desde o início licenciadas em Creative
festival "É tudo ver- Commons. Como se
dade", é licenciado não bastasse, o
em Creative Meu livro "Direito, Cultura e Yahoo agora tem um
Commons. Bandas Tecnologia" será lançado em 2005 dispositivo de busca
como o "Gerador
pela editora FGV. Naturalmente, o especializado em
livro será licenciado em Creative
Zero", ou o buscar obras em
Commons, de modo que qualquer
"Mombojó", de Creative Commons,
pessoa está autorizada a fazer
Recife, também que pode ser
cópias e circular seu conteúdo
usam a licença, para acessado pelo
não se mencionarem endereço
as músicas do ministro Gilberto Gil. Na área http://search.yahoo.com/cc. Isso tudo para
de textos, professores da FGV estão licen- não mencionar o licenciamento das obras
ciando livros pelo Creative Commons. Tais de gente como Marshall Sahlins, o mais
licenças permitem, por exemplo, que a cópia importante antropólogo no mundo, em
do livro seja autorizada, resolvendo a ques- Creative Commons, dentre outros.
tão com relação a obras copiadas em xerox.
Fonte: A lei pode mesmo facilitar as
Fonte: Comparando com outros mudanças paradigmáticas necessárias para
países, como a cultura brasileira assimila a evolução do movimento pelo conhecimen-
esses novos conceitos? to livre? Se não, qual seria o papel do CC?
O Brasil é um dos países mais impor- O Creative Commons surge de uma
tantes no cenário do Creative Commons, constatação pessimista: a lei, a partir da

FONTE 9
década de 90, tem sido sistematicamente intelectual, tem por conseqüência a facul-
modificada para restringir o acesso ao co- dade de fazer o que quiser com esses direi-
nhecimento. Isso significa que a idéia de tos. Dessa forma, tanto o Creative
propriedade tem sido aplicada de forma Commons quanto o software livre funda-
cada vez mais absoluta. Além disso, estão mentam-se no modelo tradicional do direi-
sendo criados "metadireitos autorais", que to autoral. Tudo o que os autores fazem é
são estruturas jurídicas que se aplicam autorizar alguns direitos sobre as obras,
mesmo a obras em domínio público, direitos esses que pertencem por lei ao
restringindo o acesso até mesmo a elas, próprio criador da obra.
como mostra o exemplo do chamado
broadcast flag e da diretriz sobre direitos Fonte: A internet exige a criação de
sui generis aplicáveis a bancos de dados uma legislação específica? Como é o
na Europa. Com a lei entendimento jurídi-
funcionando como co do mundo virtu-
forma de restrição, al? Em que medida
A internet tem mostrado
resta a iniciativas o direito tem acom-
como o Creative que precisa não só panhado a dinâmica
Commons gerar de uma, mas de várias de evolução da
modelos mais balan- internet?
leis específicas.
ceados, mostrando A internet tem
que esses modelos mostrado que pre-
são viáveis. Esse ba- cisa não só de uma,
lanço ocorre graças à mobilização voluntá- mas de várias leis específicas. Leis essas
ria de criadores de obras intelectuais. que, em primeiro lugar, garantam os direi-
tos de acesso à informação, protegendo-os
Fonte: As licenças específicas, como de abusos e pressões por parte da indústria
a GPL, figuram no direito oficial, são do conteúdo. Essa é, inclusive, a posição
legais? Explique como é, na prática, o tra- de professores como Gunther Teubner, um
balho do Creative Commons. dos maiores juristas da atualidade, que
Tanto a GPL quanto o Creative defende a constitucionalização do direito
Commons são totalmente legais. Isso ao acesso e à informação, retirando-o da
porque ambos se fundam em um princípio arena das brigas políticas em torno da pro-
muito básico, de que o autor, enquanto priedade intelectual. No entanto, essa idéia
dono de todos os direitos de uma criação ainda está longe de acontecer.

10 FONTE
Fonte: Pode-se dizer que o movimen- que qualquer pessoa esteja autorizada a fa-
to do software livre estimulou a criação do zer cópias e circular seu conteúdo. O livro
Creative Commons? trata de questões como modelos alterna-
Sim, como mencionei, o Creative tivos à propriedade intelectual tradicional,
Commons possui a mesma fonte do software o software livre, o Creative Commons, o
livre. Apesar disso, as licenças do Creative papel dos provedores da internet, modelos
Commons são mais variadas do que aquelas de direitos autorais que o Brasil não deve-
usualmente empregadas no licenciamento ria seguir, dentre outros assuntos.
do software livre. Isso, porque o mercado
de bens culturais possui peculiaridades Fonte: Qual a sua opinião sobre a
muito próprias. A vedação, por exemplo, polêmica questão da participação do Es-
do uso comercial da obra, que é uma das tado na construção de software livre?
características possí- A questão do
veis das licenças do Estado na construção
Creative Commons, do software livre não
Tudo o que os autores fazem
não existe no soft- é polêmica, ela é uma
é autorizar alguns direitos
ware livre. E o política pública go-
curioso é notar que
sobre as obras, direitos esses vernamental, funda-
essa cláusula tem que pertencem por lei ao mentada pela Cons-
justamente um obje- próprio criador da obra. tituição Federal e
tivo antimonopolísti- pela política nacio-
co, de consolidar nal de informática,
redes de comunicação sem fins comerciais, definida em lei. O fomento por parte do
como as redes peer-to-peer e a tecnologia Estado ao software livre conjuga-se com a
bit torrent. Por isso, essas cláusulas são proibição estabelecida pela lei de informá-
fundamentais quando se fala em cultura. tica da criação de situações monopolísticas.
O Estado, ao incentivar uma rede descentra-
Fonte: O senhor lançará um novo livro lizada de desenvolvimento de software,
sobre o assunto. Fale um pouco sobre a abor- promovendo o acesso e disseminação do
dagem de "Direito, Cultura e Tecnologia". conhecimento técnico, está atendendo a essa
Meu livro "Direito, Cultura e política. Dessa forma, incentivar e manter
Tecnologia" será lançado este ano pela o pluralismo de modelos econômicos no
editora FGV. Naturalmente, o livro será li- desenvolvimento de software faz parte das
cenciado em Creative Commons, de modo atribuições constitucionais do Estado.

FONTE 11
Software Livre
Dossiê

(Free Software) O termo Software Livre


se refere aos softwares que são
fornecidos com as liberdades de
executá-los, estudá-los,
modificá-los e redistribuí-los
(com ou sem alterações).

Entre polêmicas de natureza tecnológica, política, econômica


e ideológica, ampliadas para questões relacionadas à propriedade
do conhecimento, o software de código aberto – livre ou não – vem
trilhando em todo o mundo um caminho de crescimento, especial-
mente nos últimos dez anos. As discussões sobre essa forma dife-
rente de desenvolvimento e distribuição de software, consolidada
pelo uso da internet, ganha as mais diversas dimensões, direta-
mente influenciadas pelos diferentes interesses e posicionamentos
em pauta.
As previsões para o software de código aberto vão desde a
perspectiva de um modismo, passando pelo conceito de tendência
tecnológica e diversificação natural da indústria de software, até a
idéia de um novo modelo de desenvolvimento que se perpetuará,
deixando para o software proprietário, hoje detentor de 95% do
mercado, a posição de solução cara para poucos usuários.
O modelo traz consigo novos termos e a multiplicação de
instituições representativas dos diversos setores envolvidos ou
atingidos direta ou indiretamente pelo software de código aberto;
consolida uma nova forma de desenvolvimento, que valoriza a
colaboração, e propõe uma discussão que extrapola os limites do
software, enfatizando, em todo o mundo, a problemática da pro-
priedade da produção intelectual e do conhecimento.

12 FONTE
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

O
desenvolvimento colaborativo está, no en- visão de negócio, com foco no desenvolvimento de
tanto, longe de ser uma novidade na história novos produtos que atendam a um mercado
da humanidade. Como afirma o gerente do emergente, ultrapassa as barreiras ideológicas
Centro de Computação da Unicamp, professor e apaixonadas e se adapta a esse novo cenário. Ao
Rubens Queiroz, "Toda a nossa civilização foi lado de empresas que se ocupam exclusivamente
construída através do compartilhamento de in- do desenvolvimento de produtos livres, como a
formações". A internet, no entanto, transformou de SugarCRM, TrollTech, MySQL e SleepyCat,
forma radical a dinâmica dos relacionamentos. grandes empresas, como a HP, IBM, Novell, Oracle
O teórico das novas mídias, professor no e Consist, tradicionalmente desenvolvedoras do
Departamento de Artes Visuais da Universidade de modelo proprietário, abrem seus mercados, am-
San Diego, Lev Manovich, em estudo sobre a pliam portfólios e criam departamentos específicos
questão da autoria, lembra que a internet traz uma para atender à demanda crescente por soluções
variedade de novos modelos, com formas diversas abertas, sejam elas livres ou não.
de colaboração, mas afirma que "A autoria colabo- Embora não sinalize uma adaptação a essa
rativa é, numa perspectiva histórica, uma norma e nova modalidade, o próprio vice-presidente mun-
não uma exceção", referindo-se especificamente à dial da Microsoft, Bradford Smith, em entrevista ao
construção de catedrais e à produção de filmes. jornal Estado de São Paulo (21/02/05), conclui que
Para ele, novas formas de autoria, novas relações "Os dois modelos estão mais parecidos a cada ano
entre produtores e consumidores e novos modelos que passa: os softwares de código aberto se tornam
de distribuição da produção cultural são conse- cada vez mais comerciais e os softwares comer-
qüências naturais das novas indústrias e culturas ciais, mais abertos", afirmou.
de mídia. Da mesma forma, o presidente da Microsoft
A consolidação de uma dinâmica inovadora do Brasil, Emilio Umeoka, em entrevista à publi-
de desenvolvimento e distribuição de software tem cação Executivo de Valor (abril 2005) prevê que o
suscitado, porém, polêmicas acirradas e posições software comercial e o software livre caminham
contundentes. Elas são justificadas por seus adeptos para uma junção. "Há movimentos como o da
como falta de informação ou como reação normal (americana) Novell, que comprou a (alemã) SUSE
das grandes empresas que adotam o modelo pro- e o da (francesa) Mandrakesoft, que adquiriu a
prietário, com alto grau de dependência da comer- (brasileira) Conectiva. Os jogadores tornam-se
cialização de licenças, sua maior fonte de receitas. multinacionais e o modelo de comercialização fica
Segundo essa visão, o software livre é uma ameaça mais tradicional. O cliente tem de comprar licenças,
à estabilidade dos negócios dessas empresas. atualizações e assim por diante. Por outro lado, o
Alguns defensores do modelo proprietário, software comercial está aprendendo a trabalhar em
por sua vez, caracterizam o desenvolvimento aber- comunidade. A Universidade Federal de Pernambu-
to como um ambiente de caos, onde a eventual falta co e a Unesp, de São Paulo, desenvolvem códigos
de um responsável formal pelos produtos distribuí- para a Microsoft, como resultado de uma licitação
dos deixaria seus usuários desamparados e os siste- da qual participaram 17 universidades. Também
mas vulneráveis, pagando por esse desserviço valo- promovemos o acesso ao código-fonte. No caso das
res mais altos que aqueles requeridos pelo software urnas eletrônicas, demos acesso ao governo, par-
proprietário. tidos de oposição e situação. É cada vez mais trans-
O movimento natural do mercado de software parente quais serão nossos principais competi-
em todo o mundo, no entanto, alicerçado numa dores."

FONTE 13
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê
Divulgação
Desenvolvimento Estratégico da Sun no Brasil,
Luiz Fernando Maluf, garante que o conceito de
desenvolvimento compartilhado cria mercado e dá
opções aos usuários, enquanto o software proprie-
tário cria produtos e conceitos de marketshare e
monopólio. "Cria mercado na medida em que você
tem a convivência de vários fornecedores de um
mesmo produto; tem a opção, por exemplo, de
adquirir o Java de um universo enorme de fornece-
dores diferentes. Você pode escolher."
O compartilhamento para criar novos produ-
tos em rede traz ainda o benefício do encurtamento
do ciclo de desenvolvimento, fazendo com que
novas soluções cheguem mais rapidamente ao mer-
cado, explica Luiz Fernando Maluf. "O ciclo tec-
nológico que era de aproximadamente três anos
para desenvolver e disponibilizar um novo produto,
foi reduzido para quatro meses com o desenvolvi-
mento compartilhado; uma empresa trabalhando em
padrões normais não consegue essa produtividade.
Luiz Fernando Maluf, da Sun
Temos portanto a economia de rede, que obtém
resultados que uma empresa sozinha não conse-
Para o gerente de Novas Tecnologias guiria."
Aplicadas da IBM Brasil, Cezar Taurion, o movi- Ainda a favor do software de código aberto,
mento do software livre vai transformar a indústria Maluf lembra que ele agrega uma importância
de tecnologia da informação, mas não de forma estratégica ao negócio, ao permitir a adaptação do
homogênea. Segundo ele, ao afetar a estrutura de software às necessidades específicas do usuário, e
grandes empresas, esse novo modelo obriga a também pelo fato de permitir entender a sua lógica,
revisão de práticas comerciais. Ele defende a idéia desenvolver programas e evitar o monopólio.
de que as empresas que atuam intensamente em O desenvolvimento compartilhado é justa-
serviços podem rapidamente aumentar sua receita mente a premissa da tecnologia Java, desenvolvida
entrando fortemente nesse novo segmento, diversi- pela Sun, baseada na computação em rede. Em
ficando sua atuação e deixando para os usuários a artigo nesta edição sobre a história do Java, que
tarefa da escolha. comemora dez anos de mercado, o especialista da
Há ainda as empresas que já nasceram com a Sun Microsystems, Michael Yuan, lembra que li-
visão do desenvolvimento colaborativo, como a berar o código gratuitamente "É uma das maneiras
Sun Microsystems, que se inspirou, desde a sua mais rápidas de gerar solução em larga escala e
criação, em 1981, na idéia do desenvolvimento também uma ótima maneira de obter a ajuda da
compartilhado como ferramenta de qualidade e comunidade de desenvolvedores para inspecionar
agilidade na criação de soluções. O diretor de código e encontrar bugs".

14 FONTE
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê
Isabela Abreu

Software Livre e Open Source


x Software Proprietário

Considerada por alguns adeptos do software livre um artifício do


chamado FUD - Fear, Uncertainty and Doubt (medo, incerteza e dúvida) -
estratégia utilizada para desestimular o entendimento e adoção do modelo
aberto, a confusão em torno das denominações dadas a esse novo modelo de
desenvolvimento e distribuição de software é uma realidade.
A falta de entendimento em torno dos termos esconde, na verdade, a
filosofia que orienta duas linhas semelhantes, mas distintas, de posicionamen-
to: o software livre e o código aberto (ou open source). Thadeu Cascardo, do Movimento
Minas Livre

A história começa com Richard Stallman, o Mas diferentemente do software livre, que traduz
projeto GNU e a Free Software Foundation, conce- uma ideologia de liberdade, o open source reflete
bida no início da década de 80, no Massachusetts uma maior preocupação com a qualidade na pro-
Institute of Technology – MIT, nos Estados Unidos. dução de software e com sua segurança, na medida
O termo free, ao ser traduzido para o português, em que mais pessoas podem verificar o código. O
trouxe a dualidade de significados da palavra em enquadramento nessa categoria pressupõe a
inglês: livre e gratuito, originando um entendimen- definição de dez critérios (veja quadro).
to distorcido do seu real sentido. Na concepção de Para Thadeu Cascardo, são definições distin-
seu criador e de seus seguidores, software livre "é tas em sua essência, "Mas se você pegar as quatro
matéria de liberdade, e não de preço". liberdades do software livre e os dez critérios do
Segundo um dos mais atuantes desenvolve- open source, vai ver que eles têm tanta coisa em
dores do Movimento Minas Livre, Thadeu Cas- comum que a distinção está, na verdade, na filo-
cardo, no caso do software livre há uma definição sofia que sustenta cada uma das tendências."
ideológica de defesa da liberdade do conhecimento. Exemplificando: muitas vezes o software
"A criação da Free Software Foundation, em 1984, está disponível para quem quiser usá-lo, mas não
já trouxe parâmetros claros que definem o software permite que o usuário agregue suas idéias e suges-
livre e as quatro liberdades que o caracterizam: tões. Nesse caso, ele é open source, mas não é livre.
liberdade de uso (pessoal, acadêmico ou comer- "Na minha opinião, as duas coisas têm que andar
cial), de distribuição (que permite fazer cópias e juntas. Apesar de permitir um desenvolvimento
distribuí-las), de estudo ou modificação (adequar o mais colaborativo, em que mais pessoas podem
software para necessidades específicas) e a liberda- interagir, há divergências e também a necessidade
de de distribuir essas modificações. Isso tem, por- de convergências", explica Cascardo.
tanto, relação com o direito autoral, que por princí- Em oposição a essas duas tendências está o
pio impede todas essas coisas." chamado software proprietário, que funciona com a
Já o Código Aberto, ou Open Source, é uma venda de licenças de uso do produto da forma como
iniciativa de 1998, da Open Source Initiative – foi adquirido, ou seja, não é permitido ao usuário
www.osi.org – no sentido de se encontrar um termo ter acesso ao código-fonte. Esse é o modelo
mais adequado e tentar torná-lo mais comercial. presente na grande maioria das estações em todo o

FONTE 15
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

mundo, liderado pela norte-americana Microsoft. Thadeu Cascardo considera o termo software
A disseminação de seus produtos em escala global, proprietário inadequado: "Isso implica que há uma
principalmente o Windows e o Office, coloca a em- propriedade intelectual e na minha opinião o conhe-
presa na mira dos defensores do software de código cimento não deveria se enquadrar como proprie-
aberto, com o rótulo de monopólio, fato que é refu- dade. No direito romano – explica – havia o con-
tado pelo vice-presidente mundial da Microsoft, ceito de privado, público e comum. Comum não é
Bradford Smith, em entrevista ao Estado de São necessariamente público; nenhuma instituição seria
Paulo (21/02/2005), na qual ele afirma que "Nós considerada representativa do conhecimento. A pro-
somos uma grande empresa e nossos produtos são dução intelectual deveria se enquadrar como pro-
populares." priedade comum, ela não é privada nem pública."

As quatro liberdades e os dez critérios

As quatro liberdades do software livre


1. A liberdade de executar o programa, para qualquer propósito (liberdade nº 0)
2. A liberdade de estudar como o programa funciona e adaptá-lo para as suas necessidades (liber-
dade nº 1). Acesso ao código-fonte é um pré-requisito para essa liberdade.
3. A liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar o seu próximo (liberdade nº 2).
4. A liberdade de aperfeiçoar o programa e liberar os seus aperfeiçoamentos, de modo que toda
a comunidade se beneficie (liberdade nº 3). Acesso ao código-fonte é um pré-requisito para
esta liberdade.
(Fonte: Wikipedia)

Os dez critérios que definem um software open source


Código aberto não significa apenas acesso ao código-fonte. Os termos de distribuição do
software de código aberto devem estar de acordo com os seguintes critérios:
1. Redistribuição Livre
A licença não deve restringir qualquer das partes de vender ou integrar o software como com-
ponente de uma distribuição de software agregada, contendo programas oriundos de diversas
fontes. A licença não deve exigir royalties ou qualquer outro tipo de custo para venda.
2. Código-Fonte
O programa deve incluir o código-fonte e precisa permitir a distribuição tanto na forma de
código-fonte como na compilada. Quando alguma forma do produto não é distribuída com o
código-fonte, precisa dispor de meios reconhecidos de obtenção do código por não mais que
um preço de custo razoável para a reprodução, ou download pela internet sem custos. O códi-
go-fonte deve ser a forma privilegiada na qual um programador altera o programa. Código-
fonte deliberadamente obscurecido não é aceito. Formas intermediárias, como a saída de um
processador ou tradutor, não são permitidas.
3. Trabalhos Derivados
A licença deve permitir modificações e trabalhos derivados e precisa garantir a estes a dis-
tribuição sob os mesmos termos como a licença do software original.

16 FONTE
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

4. Integridade do Autor do Código-Fonte


A licença deve restringir a distribuição do código-fonte sob forma alterada somente se permi-
tir a distribuição de patch files com código para o propósito de modificar o programa quando
de sua compilação. A licença deve permitir explicitamente a distribuição do software compi-
lado a partir de um código modificado. A licença pode exigir que trabalhos derivados tragam
um nome ou versão distintos da original.
5. Sem Discriminações Quanto a Pessoas ou Grupos
A licença não deve discriminar qualquer pessoa ou grupo de pessoas.
6. Sem Discriminação Quanto a Ramos de Empreendimento
A licença não deve restringir nenhum uso a ramos de empreendimento específicos. Por exem-
plo, ele não pode ser vedado para uso comercial ou para uso em pesquisas genéticas.
7. Distribuição da Licença
Os direitos associados ao programa devem ser aplicáveis a todos aos quais o programa é redis-
tribuído sem a necessidade de licenças adicionais a estas partes para sua execução.
8. A Licença Não Deve Ser Específica ao Produto
Os direitos associados ao programa não devem depender deste ser parte de uma distribuição
particular de software. Caso o programa seja extraído desta distribuição e usado ou distribuído
através dos termos de sua licença, todas as partes para as quais o programa é redistribuído
devem gozar dos mesmos direitos, garantidos na conjunção original da distribuição do software.
9. A Licença Não Deve Restringir Outros Softwares
A licença não deve aplicar restrições sob outros softwares que sejam distribuídos com soft-
wares objetos de seu licenciamento. Por exemplo, a licença não deve insistir que outros pro-
gramas distribuídos no mesmo meio sejam software de código aberto.
10. A Licença Deve Ser Neutra às Tecnologias
Nenhuma aplicação da licença deve preterir uma tecnologia específica ou estilo de interface.
(Fonte: Open Source Iniciative)

Origens: Bruce Parens escreveu o primeiro rascunho desse documento como "As Diretrizes do Software Livre Debian",
e o aprofundou a partir dos comentários dos desenvolvedores do Debian em uma lista de discussão em junho de 1997.
Ele removeu as referências específicas ao Debian nesse documento e criou a "Definição de Código Aberto".

Afinal, free é gratuito?

A gratuidade, por exemplo, não é requisito "É importante não confundir software livre com soft-
para nenhuma das duas tendências: não figura ex- ware grátis porque a liberdade associada ao software
pressamente nas quatro liberdades do software livre livre de copiar, modificar e redistribuir independe de
nem nos dez critérios do open source. gratuidade. Existem programas que podem ser obtidos
O professor Roberto Hexler, do Departamento gratuitamente mas que não podem ser modificados,
de Informática da Universidade Federal do Paraná, em nem redistribuídos. Por outro lado, existe a possibi-
texto publicado no site do Governo Federal, explica que lidade de uso não-gratuito em todas as categorias."

FONTE 17
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

A questão das licenças

Especialistas afirmam que a questão do coisas a partir do momento em que tem a licença
software livre é, na verdade, de natureza jurídica, e prévia e expressa do autor", ressalta Thadeu
não tecnológica. Isso porque no momento da Cascardo. Quando o autor licencia o software, o que
aquisição de um modelo livre ou proprietário, o está fazendo é justamente dar essa autorização
foco vai estar na forma de licenciamento adotada. prévia e expressa, sob condições que ele define.
A lei de direito autoral garante ao autor de qualquer Analisando a questão cultural no Brasil com
produção intelectual todos os direitos sobre sua cri- relação à compreensão e uso das licenças, o profes-
ação. Isso quer dizer que a lei impede, por princí- sor Ulisses Leitão, diretor de Tecnologia do
pio, a cópia, distribuição ou modificação de qual- Instituto Doctum (www.doctum.com.br), considera
quer obra científica ou artística – música, livro ou que "Não há como não enxergar que a reação do
software. brasileiro leigo ao paradigma do software livre é
A novidade introduzida no licenciamento de limitada pela mentalidade da chamada Lei de
softwares de código aberto é justamente a iniciativa Gerson. Assim, a primeira reação é de espanto, e
do autor de ceder, a quem adquire seu produto, al- logo vêm conclusões precipitadas de que alguém
guns direitos além dos básicos garantidos pelo direi- vai enganar alguém, fazendo com que o Linux
to autoral – que se limitam ao uso de um software, deixe de ser livre, ou mesmo que a Microsoft,
leitura de um livro ou à audição de uma música, pelo seu poderio econômico, poderia tomar o códi-
sem no entanto poder reproduzi-los ou copiá-los. go do Linux e fechá-lo". Para o professor Ulisses,
As licenças de software são, na verdade, con- esse pensamento demonstra um desconhecimento
tratos legais em que autor e usuário explicitam as dos mecanismos jurídicos da licença GPL, que
condições de uso de determinado produto. "Não é garante a impossibilidade de que esses dois fatos
'casa de mãe Joana'" – explica o diretor da EAC ocorram.
Software, empresa que representa a MySQL no Ele avalia também a questão da pirataria,
Brasil, Helvécio Borges Filho. "Muitas pessoas considerada "enorme" no Brasil. "Muitas vezes a
usam o software livre sem conhecê-lo muito bem; discussão é se a pessoa faria a opção por um produ-
pensam que as coisas funcionam sem regras, sem to livre em detrimento de um produto proprietário
critérios. Não é assim. Há inclusive o fenômeno da pirateado. Assim a pirataria dá a ilusão de que os
pirataria do software livre: apesar da existência de produtos são baratos. Acho que se não houvesse a
licenças, de uma ordenação jurídica, muitas vezes o pirataria, se as pessoas tivessem que realmente
produto é utilizado de forma irregular, numa clara pagar cada centavo das licenças que usam, a conso-
contravenção às regras do licenciamento." lidação e mesmo hegemonia do software livre no
A classificação de um software como livre ou Brasil seriam muito mais significativas, porque a
open source está vinculada, portanto, à relação de preços praticados no País, versus poder
avaliação não do software, mas da licença sob a de compra da população, inviabilizaria a utilização
qual ele é liberado. "Você só pode fazer algumas do software proprietário."

18 FONTE
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

Licenças copyright e copyleft

As licenças impõem, portanto, algumas da Sun, explica que há licenças como a CDDL -
condições. Uma delas é a chamada copyleft – uma Common Development and Distribution License,
brincadeira com a palavra copyright – direito em que o cliente obtém o código-fonte mas com a
de cópia. O professor Roberto Hexler explica condição de não redistribuí-lo, a fim de manter a
(softwarelivre.gov.br) que a maioria das licenças padronização do produto.
usadas na publicação de software livre permite que Dentro da idéia de que a licença é uma auto-
os programas sejam modificados e redistribuídos. rização expressa para uso de um software, há casos
"Essas práticas são geralmente proibidas pela legis- em que um mesmo produto é comercializado sob
lação internacional de copyright, que tenta justa- licenças diferentes. No caso de produtos desen-
mente impedir que alterações e cópias sejam efe- volvidos por empresas, se as determinações da GPL
tuadas sem a autorização do autor. As licenças que forem satisfatórias para a necessidade de uso do
acompanham software livre fazem uso da legis- interessado, ele tem o software livre e gratuito.
lação de copyright para impedir utilização não- Caso exista alguma peculiaridade não atendida
autorizada, mas essas licenças definem clara e pela GPL, a empresa pode disponibilizar o produto
explicitamente as condições sob as quais cópias, com outra licença que contemple essa necessidade,
modificações e redistribuições podem ser efetua- oferecendo uma "licença não GPL" pela qual o
das, para garantir as liberdades de modificar e redis- interessado vai pagar. Trata-se, portanto, de um
tribuir o software assim licenciado. A essa versão de produto com duas licenças diferentes, ou licencia-
copyright dá-se o nome de copyleft." mento dual.
Para Helvécio Borges Filho, o Brasil é lento A finlandesa MySQL, fornecedora do banco
no processo de entendimento das licenças. Um de dados aberto mais utilizado no mundo, faturou
complicador dessa situação, segundo ele, é a forma em 2004 US$15 milhões, sendo 65% da receita da
pouco atraente desses documentos: "A GPL - empresa originários da venda de licenças não GPL,
General Public License, por exemplo, a licença informa Borges. São feitos cerca de 40 mil down-
mais adotada, é indigesta, seu entendimento jurídi- loads/dia. Entre os usuários do banco de dados
co é complicado". Há cerca de 80 outras licenças, estão quase que exclusivamente clientes da iniciati-
mas a GPL é a mais utilizada. Luiz Fernando Maluf, va privada, principalmente o setor de telecom.

Como ganhar dinheiro com software livre?

Isso responde uma das perguntas freqüentes empresas no mundo que adotam esse mesmo mo-
sobre o software livre: de onde vem o dinheiro? delo híbrido de negócio. São dois pilares de susten-
Uma das chaves dessa questão está no fato de que a tação: um na licença GPL e outro na não GPL.
venda de licenças de software livre pode ser a maior Vale dizer que o mercado de software livre
fonte de renda de uma empresa do setor. Há outras também é movimentado por dinheiro. Outra fonte

FONTE 19
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

de receita é o espaço para doações de patrocinado- dessa diferença, que é reinvestida para o desen-
res das comunidades existentes na internet: há nos volvimento, com a compra de novos equipamentos.
sites que abrigam projetos de desenvolvimento "O cenário social em que muitos desenvolvedores
compartilhado links para doação. Na medida em que estão não é o brasileiro", constata Helvécio Borges.
uma pessoa ou empresa economiza, por exemplo, "São, em sua maioria, pessoas que não estão ligadas
mil dólares na compra de um software, ela doa parte ao dinheiro, que trabalham voluntariamente."

A dinâmica do desenvolvimento colaborativo

Em todo o mundo, um contingente atuante e O gestor do projeto define o tipo de licença –


crescente de pessoas dedica-se ao desenvolvimento GPL, por exemplo – que vai regular determinado
do software livre, identificando eventuais bugs, produto. "Há regras, como num contrato de alu-
propondo melhorias e novas implementações. A guel", argumenta Helvécio Borges. Para facilitar o
internet contribuiu de forma decisiva para a conso- entendimento, ele sugere a comparação desses sites
lidação dessa forma de desenvolvimento, em que de desenvolvimento com um "grande balaio, com
várias pessoas podem contribuir e sugerir. "Trata-se códigos-fonte disponíveis para qualquer pessoa,
de um tipo de comunidade que forma um movimen- desde que ela acate as regras da licença que define
to bastante interessante, pessoas que estão prova- o produto de seu interesse."
velmente no topo da Pirâmide de Maslow, em busca Vale lembrar que um brasileiro, Marcelo
de sua auto-realização profissional", conclui Tossati, é atualmente o mantenedor da versão
Helvécio Borges. 2.4 do kernel do Linux. Ele foi indicado pelo
Há basicamente dois grupos responsáveis próprio criador do Linux, Linus Torvalds, para
pela produção do software de código aberto, estru- cuidar da parte mais nevrálgica e importante de
turados num modelo que vale para todo o mundo: qualquer sistema operacional, o kernel. Paranaense,
desenvolvedores de projetos da "comunidade", de Curitiba, Marcelo Tossati é o responsável pela
gerenciados por pessoas físicas interessadas, mas avaliação e validação de sugestões relativas à ver-
que adotam uma estrutura hierárquica semelhante à são do Linux, recebidas de membros da comu-
de qualquer organização; e projetos desenvolvidos nidade de todo o mundo.
por empresas. Em ambos, o produto final pressupõe No caso dos projetos gerenciados por empre-
o código-fonte aberto, independentemente do tipo sas, há equipes de desenvolvedores de software
de licença. Entre 70 e 80% desses projetos são regi- que estão em estruturas organizacionais conven-
dos pela licença GPL. Quando um software é cionais; são profissionais contratados, que recebem
desenvolvido dentro da modalidade livre, ele deve salários, em organizações como a IBM e a MySQL.
estar obrigatoriamente cadastrado num site geren- Há ainda empresas que trabalham com equipes
ciador de projetos. Existem sites específicos para próprias e com a comunidade da rede, como a Sun,
essa finalidade e há sempre um autor, um gerente do por exemplo. Segundo Luiz Fernando Maluf, a
projeto. No Brasil, uma das principais referências é empresa participa da JCP – Java Community
o www.codigolivre.org.br. Process (www.jcp.org), consórcio que reúne 500

20 FONTE
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

empresas do porte da Intel, IBM, Siemens e Oracle sustentação. A pesquisa realizada mostra que o
para o desenvolvimento em Java sob uma mesma software livre realmente nasceu de uma maneira
especificação, o que impede a formação de um mer- utópica, mas tomou força em função de pessoas que
cado monopolizado. Esses padrões são especifica- estavam insatisfeitas com a hegemonia de alguns
dos por grupos abertos à participação de empresas, produtos no mercado. Podemos dizer que estamos
instituições ou indivíduos. A comunidade JCP reúne agora numa terceira fase do desenvolvimento do
no mundo cerca de 4,5 milhões de desenvolvedores, software livre, em que é possível fazer bons negó-
sendo, desse total, entre 70 e 100 mil no Brasil. cios: você pode alavancar negócios, construir
A Fundação JBoss (www.jboss.org) é outro empresas com o desenvolvimento."
exemplo de associação de organizações de grande Opinião semelhante tem o professor da
porte para financiamento de projetos de código Unicamp, Rubens Queiroz: "O que se vê é que é
aberto, sendo detentora de contratos fabulosos. "Há possível viver de software livre. A Solis é um exem-
negócios ligados a software livre plenamente susten- plo eloqüente disso e sua experiência é hoje refe-
táveis, rentáveis, com aplicações tanto para uso co- rência tanto no Brasil como no resto do mundo.
mercial quanto não comercial", diz Helvécio Borges. Para entender um pouco mais sobre esse modelo de
"Há empresas que financiam projetos, como a IBM, negócios vale a pena visitar o site da Solis –
que possui um centro de excelência em Linux. Ela www.solis.coop.br – e ler o estudo de caso da
adequou-se ao mercado e diversificou sua linha de Univates, que migrou totalmente para software
produtos. No caso da adoção do Linux, devido a seu livre", sugere Queiroz.
código aberto, ela pode adequar suas soluções. Não Em ambos os modelos – com origem na comu-
é algo movido a emoção, mas a racionalidade." nidade ou em empresas –, a regra é o desenvolvimen-
O diretor-presidente da Softex, Márcio Girão to colaborativo, o controle de bugs e a realização de
Barroso, ao comentar a pesquisa sobre software testes, a fim de garantir uma melhoria contínua dos
livre realizada pela entidade, em parceria com a softwares. Especialmente com relação aos produtos
Unicamp e Ministério da Ciência e Tecnologia, desenvolvidos pela comunidade, em caso de dúvida
afirma que uma das demonstrações de que o mode- sobre qualquer determinação descrita na licença,
lo do software livre não é uma utopia é a sua viabili- Helvécio Borges aconselha: "Até que se esclareça,
dade econômica. "Porque algo utópico não tem é melhor não usar."

Fiscalização

Como então é feita a fiscalização de uso dos a que possibilita maior perenidade. Ela garante que
produtos de código aberto? A Free Software o usuário não se aproprie de algo sem retornar com
Foundation é referência a respeito da utilização de um produto melhor; é a materialização da filosofia
produtos livres, especialmente no que se refere a que fundamenta o software livre, amparada por um
uma das quatro "liberdades" que definem o soft- instrumento jurídico. A FSF intervém em todo o
ware livre, que é a de que o "bolo deve sempre mundo, caso haja necessidade. Na verdade, o inte-
crescer". A GPL é a licença menos permissiva, mas resse maior não é na fiscalização, mas no incentivo

FONTE 21
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

ao desenvolvimento colaborativo e na prevenção Queiroz, o modelo de software livre entende que o


contra a apropriação indevida de produtos para mercado é grande o suficiente para todos. "Não
comercialização como software proprietário. existe a pretensão de dominação do mundo com a
Para o professor da Unicamp, Rubens obtenção de lucros indecentes", garante.

Quando usar?

"Software Livre não é remédio para todos os Fernando Terni explica que o sistema dos
males, mas para muitos. O Brasil ainda não tem aparelhos é proprietário da Nokia, mas com código
essa maturidade e entendimento de como ele pode aberto. "O que fazemos é fomentar a criação de
ser útil." A afirmação é do empresário Helvécio softwares para rodar na nossa plataforma. E como
Borges. Para ele, o Brasil ainda está na fase de se faz isso? Disponibilizamos recursos para que os
entendimento do licenciamento do produto. "Explo- desenvolvedores possam ter mais chances de suces-
ram-se pouco os recursos disponíveis. No exterior, so. Então, temos não apenas plataformas de desen-
o uso é intensivo", constata. volvimento, que disponibilizamos para serem
Analisando o mercado dos usuários, ele afir- usadas, como também damos treinamento a esses
ma que usa o software livre "quem tem mobilidade profissionais e ajudamos na parte da gestão do
e entendimento objetivo de racionalização de recur- desenvolvimento de software", explica.
sos: em geral, empresas de médio e grande porte, as A experiência da EAC Software começou, na
empresas privadas, em especial". Ele destaca no época de criação da empresa, com estações utilizan-
setor privado as empresas de telecom. do o Windows. "Quando houve necessidade de um
É o caso da finlandesa Nokia, que investe em upgrade – lembra o diretor da empresa – ficaria
software livre no Brasil. Segundo o presidente da muito caro e teríamos que fazer um upgrade também
organização, Fernando Terni, em entrevista à Re- do hardware, o que aconteceria de forma contínua.
vista Gallery Leaders (edição 4), a opção da empre- Optamos então por quebrar o ciclo do consumo;
sa pelo software livre se fundamentou no reconhe- saimos dessa ciranda do império Wintel", ironiza
cimento internacional que o Brasil tem, hoje, como Helvécio. Para ele, essa questão se agrava ainda mais
centro de desenvolvimento de software livre, prin- quando "não queremos fazer upgrade do software e
cipalmente no sistema operacional de código aber- o fabricante não oferece suporte às versões antigas".
to GNU/Linux, e também pelo apoio que o governo No setor público brasileiro ele aponta entre
Lula tem demonstrado à causa, "o que é muito os maiores usuários de software livre as Forças
importante. Por isso a nossa intenção e decisão de Armadas, principalmente a Marinha. "São interes-
investir no Brasil. Por isso os finlandeses escolhe- sados, por questão de segurança. É nesse momento
ram o país para torná-lo sede de mais um centro de que o chamado ´xiita` está certo. A Marinha Brasi-
desenvolvimento de aplicativos com base em soft- leira, por exemplo, precisa ter o controle absoluto do
ware livre para celular (a disputa foi com a Índia, tiro de um torpedo. No caso de um foguete que sobe
outro grande pólo mundial de desenvolvimento de ao espaço, da mesma forma, como ter segurança se
software)". o código não é conhecido? Há situações em que não

22 FONTE
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

há opção, a indicação é usar o código aberto. É o baseados na web ou multiplataforma, traria


caso também das urnas eletrônicas e do desenvolvi- enormes benefícios sociais e é, portanto, justificá-
mento nuclear, por exemplo: têm que estar no vel como política pública".
domínio absoluto do país." A favor da capacitação em todas as tecnolo-
Nas empresas públicas de tecnologia da gias disponíveis, o diretor da EAC destaca também
informação, a adoção do software livre vem tam- a questão de ampliação do poder de negociação que
bém conquistando adeptos. Exemplos de uso inten- o domínio do código pode representar para uma
sivo nos âmbitos municipal, estadual e federal são empresa: "São os casos em que o sistema opera-
mostrados nesta edição da Revista Fonte, em cases cional aberto é estratégico; mesmo que você não vá
do Metrô-SP, da Prefeitura de Recife, Celepar desenvolver, o conhecimento do código aumenta o
(Paraná) e no Governo Federal. Segundo a presi- poder de negociação, o poder de barganha".
dente da Abep - Associação Brasileira de Entidades Lembra, no entanto, que "Quando há abun-
Estaduais de Tecnologia da Informação e Comu- dância de recursos, naturalmente as empresas não
nicação, Tereza Porto, "A adoção de software livre têm que analisar demais, deixam por exemplo o
já é uma realidade dentro das empresas, em alguns usuário escolher. Comprar uma bala a R$ 0,05 ou a
casos" (Fatos Abep, abril 2005). Segundo ela, no R$ 0,10 aparentemente não faz muita diferença, mas
Proderj – Centro de Tecnologia da Informação e trata-se de uma diferença de 100%. Há alternativas,
Comunicação do RJ – a tecnologia já é adotada em e cabe ao gestor conhecê-las e avaliar o melhor uso,
soluções de infra-estrutura e segurança da informa- independentemente de ser livre ou proprietário. O
ção e está em processo de implantação o Livre.RJ, Word Perfect, que é proprietário, por exemplo, custa
como solução para automação de escritório. R$ 300. Ao adquirir o Word, o usuário paga R$
Na opinião do professor Ulisses Leitão, é 1.600 pelo pacote do Office, da Microsoft".
estratégico para o Estado ser o agente catalisador do Ele explica que a experiência da gestão de TI
desenvolvimento de software livre. "Há diversas em outros países mostra que o gestor tem realmente
razões para isso. Pela própria natureza do software o poder de escolher a melhor tecnologia. "Mas em
livre, ele é uma propriedade da sociedade como um geral, no Brasil, quem dita as regras é o usuário, que
todo. Assim, a contratação de desenvolvimento de na maioria das vezes sabe trabalhar com software
software pelo Estado, condicionando a empresa de código proprietário, impõe sua vontade e não
contratada a liberar o código e licenciá-lo como tem noção de quanto custa. Como cidadão e mo-
software livre, é a possibilidade de gerir uma políti- desto conhecedor de TI, é duro ver um funcionário
ca de atendimento às necessidades do país, garan- usando o pacote MS Office para escrever uma carta
tindo o posterior desenvolvimento do mesmo, den- simples. Por que não usar o WordPad, que já faz
tro da dinâmica do software livre." parte do sistema operacional Windows? É essa irra-
Ele exemplifica, sugerindo um plano de pro- cionalidade e ingerência dos recursos que irrita
dução de conteúdo e software educacionais livres, aqueles que desfrutam de tudo que o mundo livre e
"extremamente estratégico para o país. O déficit proprietário oferecem. É uma situação difícil de
educacional do país é imenso e é fundamental am- reverter. Enfim, o ideal é a adoção de produtos
pliar o acesso à educação em todos os níveis. Nesse diferentes para situações diferentes e esses produtos
caso, a pior saída – aliás, já tentada pelo MEC no podem ser abertos ou não", conclui.
finado ProInfo – seria a aquisição generalizada de Para o gerente de Estratégias de Mercado da
softwares educacionais proprietários, atrelados a Microsoft, Roberto Prado, "Muitas vezes as esco-
um sistema operacional proprietário. O fomento ao lhas levam em conta apenas o preço de aquisição do
desenvolvimento de softwares educacionais livres, software, deixando de lado outros componentes que

FONTE 23
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

entram na conta total de um orçamento de TI e que, de consultoria, treinamento e capacitação. Assim, o


na verdade, representam a maior parte dos gastos. É mercado do software livre estará ligado intrinseca-
o que comprova um recente estudo realizado pela mente ao aumento da oferta educacional para capa-
Bearing Point" (veja artigo de Roberto Prado nesta citação, a formal e informal. Ou seja, Einstein nun-
edição). ca cobrou pelo conhecimento que ele gerou, mas
Já o professor Ulisses Azevedo Leitão desta- quem quiser compreender a teoria da relatividade
ca o aspecto do custo inicial: "Informações livre- terá que adquirir livros e/ou cursar uma univer-
mente compartilhadas, assim como o software livre, sidade. O mercado da educação é o grande mercado
têm o seu custo de absorção nas empresas. É o custo para a prestação de serviços em software livre".

Isabela Abreu

Os benefícios do proprietário

Roberto Prado, da Microsoft, concorda, afir-


mando que a facilidade de implementação, a com-
patibilidade, a confiabilidade e o suporte técnico da
tecnologia escolhida são questões que fazem dife-
rença, afetando diretamente o custo e o sucesso do
projeto.
Atuando no setor há treze anos, a TBA tam-
bém se adeqüa às necessidades do mercado e criou
recentemente uma unidade de software livre.
Kássia Franco, da License
Segundo Kássia Franco, "Para acompanhar o mer-
cado temos que estar sempre em movimento e já
Dirigindo a License Company, uma das temos pedidos de produtos em código aberto".
empresas do grupo TBA – maior parceira Microsoft Com a experiência de representação de produtos
da América Latina e uma das maiores empresas de como Oracle, Adobe e Citrix, que rodam em
TI do país – Kássia Franco identifica uma série de plataformas livres ou proprietárias, Kássia aprova o
vantagens nos produtos de conformação propri- seu desempenho e segurança, especialmente em
etária. Para ela, uma das questões importantes é jus- servidores.
tamente a continuidade do produto, sua evolução Luiz Fernando Maluf, da Sun, é taxativo ao
sustentada por um acompanhamento cuidadoso de afirmar que, com relação ao aspecto de segurança,
uma mesma empresa, que reúne sugestões, críticas o Linux é muito mais evoluído e seguro. "Não há
e o aperfeiçoa a cada versão. "Quando você vai qualquer limite para criptografia, gerenciamento de
comprar – explica Kássia Franco – tem a garantia acessos, controle de vírus e spam. O Linux é inerte
de que a solução que você escolheu vai evoluir, a a vírus. A questão da segurança está, na verdade,
garantia de que tem um ´pai`, um fabricante que nas mãos do gerente de TI: se você tem um software
garante a sua continuidade. A falta dessa pater- utilizado por quatro mil usuários, eles terão acesso
nidade gera problemas", argumenta. ao que o gerente de TI determinar. A arquitetura

24 FONTE
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

do sistema operacional aberto é infinitamente aos profissionais, ela acredita que o mercado do
superior". mainstream está melhor qualificado, por se tratar de
Outro aspecto relacionado à segurança é uma cultura disseminada, o que faz com que a ofer-
apontado pelo diretor da EAC, que destaca a ta de mão-de-obra seja mais satisfatória.
importância da auditabilidade, indisponível no soft- Com relação ao custo das duas soluções -
ware de código fechado. "A pseudo possível segu- aberta ou proprietária – Kássia Franco lembra que
rança existe por obscurantismo, por ocultamento do livre não é sinônimo de gratuito. "E mesmo quando
que foi implementado", afirma. é gratuito – argumenta – não podemos esquecer os
Kássia Franco aponta aspectos que considera custos com treinamento, suporte e desenvolvimen-
fundamentais no momento da escolha entre as to; isso pode sair mais caro por uma série de
soluções aberta e proprietária, como por exemplo a motivos." Para usuários de desktop ela argumenta
facilidade de apoio para serviços continuados (ou que as soluções abertas exigem mais, uma vez que
suporte), desenvolvimento e infra-estrutura. Quanto não apresentam interatividade.

Saiba mais
Informações sobre os dois modelos de desenvolvimento – proprietário e livre – estão disponíveis nas
mais diversas mídias, especialmente na internet. Além de explorar o aspecto comercial, alguns sites têm uma
preocupação didática, expondo projetos, trabalhos acadêmicos e resultados de pesquisas relativas à sua área de
atuação.
Confira as sugestões de endereço na seção Bookmarks (p. 41).

FONTE 25
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

Experiências na área pública em Minas

Polícia Militar de Minas Gerais - Projeto Alferes Linux

Desde 2000 a Polícia Militar tem utilizado grande porte na Prodemge, e gerenciador de proje-
software livre em seus servidores de autenticação e tos. E está disponível em duas versões: uma para
de impressão em algumas de suas unidades. Se- equipamentos antigos e com pouca memória, e uma
gundo o chefe do Núcleo de Informática da corpo- outra para microcomputadores com maior capaci-
ração, Major Marcos Augusto Moreira e Silva, esse dade de processamento e memória. "O que diferen-
emprego baseava-se então na experiência pessoal cia as duas distribuições é o ambiente gráfico que
de alguns de seus integrantes. Já em 2003 essa utili- utilizam, sendo que na versão para microcomputa-
zação tornou-se corporativa, com a migração do dores mais antigos é utilizado o ambiente IceWM e
servidor de e-mail para o Linux. nos demais, o KDE."
"Em 2004 – lembra o Major Marcos – em Hoje o Alferes Linux encontra-se instalado
razão das dificuldades orçamen- em praticamente todos os servi-

Divulgação
tárias do Estado para aquisição do dores das redes das unidades da
softwares proprietários e/ou atuali- Polícia Militar, além de um
zação dos já adquiridos, a Polícia número maior em microcomputa-
Militar, através do Núcleo de dores usados como estação de tra-
Informática da Diretoria de Apoio balho.
Logístico, optou por uma solução Com a experiência de cinco
baseada em software livre." anos utilizando o software livre, o
O projeto Alferes consiste Major Marcos aconselha: "O Alfe-
no desenvolvimento de uma distri- res Linux é um projeto grande, que
buição Linux baseada no produto merece a atenção de todos os
Kurumim, composta por um conjun- órgãos do Estado, principalmente
to de ferramentas de automação de Major Marcos Augusto em razão da precariedade de
escritório, navegação na internet e obtenção de recursos orçamen-
acesso aos sistemas corporativos, de fácil instalação tários, com vista à manutenção da estrutura admi-
e suporte. nistrativa." Segundo ele, as empresas em geral têm
"O desenvolvimento do projeto Alferes procurado diminuir os seus custos, obtendo um
Linux está apenas começando, mas vislumbra-se, maior lucro e mais recursos para investimentos.
além da economia orçamentária, a capacidade de Dessa forma, o Estado, com a diminuição dos seus
personalização, pois como se trata de software livre, custos administrativos, teria condições de aplicar os
o código-fonte está disponível para alterações", seus recursos em áreas prioritárias.
explica o gestor de Informática da PM. Representantes de outras secretarias já visita-
Atualmente a distribuição já conta com ram a Polícia Militar com o objetivo de conhecer
vários aplicativos, entre eles o pacote de escritório, melhor o projeto e algumas delas utilizaram a distri-
englobando editor de textos, planilha eletrônica e buição para o desempenho de suas tarefas, "consi-
apresentação; software de navegação para a internet derando que a distribuição Alferes Linux enquadra-
e e-mail; antivírus; emulador para o ambiente de se perfeitamente nas atividades que desenvolvem".

26 FONTE
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

Secretaria de Estado de Educação

Na Secretaria de Estado de Educação, a im- trabalhando com software livre. Foram capacitados
plantação do software livre teve início em 2001, 1035 funcionários. O objetivo é concluir as demais
com a aquisição de 600 computadores com Linux, ainda em 2005.
com recursos do Banco Mundial. Segundo o diretor Comemorando os bons resultados da expe-
de Recursos Tecnológicos da Secretaria, Paulo riência, o diretor de Recursos Tecnológicos da Se-
Mário Paiva Silveira, a principal motivação foi a cretaria, Paulo Mário, não descarta, no entanto, o
redução de custos: "A renovação das licenças do uso do software proprietário: "Não penso em tirar o
Windows para todas as 42 regio- Windows", explica. "As tecnolo-

Isabela Abreu
nais inviabilizaria continuar com o gias têm que caminhar juntas,
software proprietário." procurando reduzir custos. Há
A adoção do software livre situações em que o software pro-
passou num primeiro momento prietário é mais interessante,
pelos aplicativos e, numa segunda por exemplo nos contatos com o
fase, pelo sistema operacional, que MEC: para o Censo Escolar, ele
já está quase que integralmente é necessário."
operando com Linux: mais de 90% Por enquanto a filosofia é
dos servidores. A substituição do investir preferencialmente em ca-
Windows pelo Linux vem sendo pacitação, "E não em CDs", afir-
feita de forma gradual. ma, referindo-se às licenças. O
A implantação do novo mo- Paulo Mário Silveira projeto, que teve início contem-
delo é apoiada por um programa plando a área administrativa da
de capacitação dos funcionários, tanto na capital Secretaria já se estende também às escolas, onde é
quanto no interior. A Secretaria produziu em 2004 adotado para os laboratórios um modelo de um
um CD que contém todo o conteúdo programático servidor com Linux atendendo terminais de traba-
do treinamento, apostilas, dicas, documentos rela- lho (thin client) e oferecendo aos alunos da rede
tivos à migração, que são distribuídos para as escolar acesso à internet e ferramentas do
regionais na medida em que adotam a nova tecnolo- OpenOffice. O projeto prevê pelo menos 1600
gia. Atualmente, das 46 regionais, 23 já estão escolas conectadas ainda este ano.

Prodabel

Na Empresa de Informática e Informação do Em 2000 esse processo ganhou mais força


Município de Belo Horizonte – Prodabel – a expe- com a criação de um grupo de incentivo ao software
riência com software livre começou em 1995: o livre, definição de recomendações para seu uso e
serviço de acesso à internet, correio eletrônico e desenvolvimento de projetos mais abrangentes.
provimento de conteúdo foram implantados uti- Seguindo as orientações desse grupo, a
lizando-se o sistema operacional GNU/Linux. A Prodabel decidiu evoluir o uso, que até então era
partir daí várias outras soluções, como DNS e cache apenas em servidores e começou o desenvolvimen-
de páginas web foram implementadas, também to de um desktop próprio, que fosse adequado ao
usando software livre. uso da administração pública municipal. Segundo o

FONTE 27
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

analista de Sistemas Márcio Bizzotto, migração, capacitação, apoio e

Divulgação
"Toda a experiência com uso em suporte.
servidores não era traduzida nos Para Márcio Bizzotto, um
desktops, as distribuições disponí- dos resultados mais significativos
veis eram muito cheias de produ- dessas iniciativas foi a informatiza-
tos desnecessários e de difícil ção da rede municipal de Educação,
instalação." toda baseada em software livre. São
Em 2001 tiveram início 182 escolas interligadas, contem-
experiências nos desktops com uso plando áreas administrativas,
de software livre de uso genérico, bibliotecas e laboratórios peda-
com auxílio do Departamento da gógicos. Um total de 190 mil
Ciência da Computação da UFMG, alunos está recebendo uma identifi-
para a Secretaria Municipal de Márcio Bizzotto cação digital contendo e-mail, área
Educação, contemplando dois la- de trabalho e home-page. Os dez
boratórios (participando a SMED, Prodabel e DCC- mil professores receberam capacitação específica em
UFMG) e duas escolas municipais (veja detalhes informática e têm hoje à sua disposição tecnologias
em www.emcls.pbh.gov.br). Para Danilo Rodrigues de ponta, às quais muitos deles nunca tinham tido
César, analista de sistemas, "Aliando o conhecimen- acesso. A Prodabel tem estrutura central para gerenciar
to existente na Universidade à experiência de uso as contas e os e-mails e monitorar todas as unidades.
corporativo da Prodabel, tivemos um grande salto de Tudo isso também implantado com software livre.
qualidade e um ganho significativo de tempo." "O Libertas continua em evolução. Estão
Foi criado, então, o Libertas, em um projeto sendo agregadas funcionalidades que permitirão
conjunto com a UFMG. Esse desktop foi implanta- trabalhos pedagógicos com tecnologias digitais
do na área administrativa da empresa, experiência amplas, para produção de vídeos e rádio comuni-
que resultou na criação de uma metodologia de tária, dentre outras", conclui Bizzotto.

Assembléia Legislativa

No Legislativo mineiro o recursos centrais, como servidores


Divulgação

processo de migração das máqui- de bancos de dados e internet, é


nas do MS Office 97 para o adotado o Linux e outros softwares
OpenOffice.org começou em 2002 livres.
e atualmente cerca de 60% das A premissa que orienta o pro-
estações já operam em software jeto na Assembléia Legislativa é a
livre, inclusive os gabinetes de redução de custos com qualidade
todos os deputados. A informação de serviços ao usuário. "Nossa maior
é do gerente geral de Sistemas de preocupação – explica Migueletto
Informação da Assembléia Legis- – é não diminuir o nível de serviço
lativa do Estado de Minas Gerais, e para isso estamos continuamente
Marcelo Migueletto de Andrade, em busca de novas soluções.
que optou pelo uso do OpenOffice A nossa decisão é técnica e adminis-
rodando com o Windows. Para Marcelo Migueletto trativa, portanto consideramos

28 FONTE
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

as opções que melhor nos atendam, com a R$ 500 mil. Sem contar as atualizações anuais, que
preocupação de reduzir custos. Estamos vendo o custam cerca de 29% do valor da licença."
software livre com muito interesse e muita boa A capacitação dos usuários foi também na
vontade." Assembléia Legislativa um passo importante do
O projeto contempla principalmente as esta- processo: segundo Marcelo, constatou-se que os
ções de trabalho. "No desktop é que o software livre recursos do MS Office eram pouco utilizados.
representaria maior economia", explica Marcelo "O foco do treinamento no OpenOffice foi justa-
Migueletto. "Além disso, a solução seria tecnica- mente nas funções que as pessoas realmente usa-
mente viável e apresentou a melhor relação custo/ vam." Houve ainda um trabalho de sensibilização
benefício. Para se ter uma idéia, uma cópia do para a mudança, mostrando os motivos e o plane-
Office custa quase 30% do valor de uma estação de jamento. "A comunicação com os usuários foi útil
trabalho; considerando cerca de 500 instalações de para que pudéssemos contar com a vontade de
licenças que economizamos, são aproximadamente contribuir."

Interoperabilidade

Imagine o planeta Terra, com seus seis bi- proprietário, a interoperabilidade deve ser uma pre-
lhões de habitantes falando idiomas diferentes mas missa", explica. "É recomendável uma plataforma
se comunicando numa linguagem comum. Esse aberta, o que é diferente do software de código
ideal no mundo do software se chama interoperabi- aberto. A plataforma aberta é aquela que interopera
lidade: uma estrutura em que cada um é único e com várias outras."
todos se entendem. A tecnologia moderna oferece Em algumas áreas de TI, como a de bancos
condições para isso, garante o diretor da EAC, de dados, a interoperabilidade já ocorre, num
Helvécio Borges. "A proposta do Governo Federal processo espontâneo de ajuste do mercado. Por
deve ser principalmente interoperabilidade", expli- exemplo, é possível "conversar" Java, PHP,
ca. Isso porque, conforme o entendimento do Microsoft, independentemente do sistema opera-
empresário, o Governo não pode obrigar o uso de cional ou software utilizado. O produto Java, da
um padrão para que a sociedade acesse seus Sun, foi concebido para ser uma ferramenta capaz
serviços: devem ser adotadas soluções que atendam de interoperar com qualquer sistema operacional,
a toda a população, sem discriminação. por meio do JVM – Java Virtual Machine – que fun-
"Um arquivo que não abre em qualquer ciona como intérprete do código.
estação é uma forma de aprisionamento. Isso não é Segundo o especialista em tecnologia Java,
bom, principalmente na área pública", defende Michael Yuan (veja artigo nesta edição), é possível,
Helvécio. "Ao divulgar um edital em formato por exemplo, executar uma aplicação baseada em
eletrônico proprietário, o administrador estaria li- Java em um PC, Windows, Linux, um computador
mitando o acesso àqueles que possuem o programa Mac, uma estação Unix ou até mesmo em pequenos
que abre aquele arquivo ou, pior ainda, como no dispositivos como telefones celulares e computa-
caso da declaração do imposto de renda, fomentan- dores de mão.
do a pirataria por iniciativa do próprio governo. No desktop, no entanto, a questão é mais
Nesse caso, ao se adotar um produto aberto ou complexa. Segundo Helvécio Borges, a Microsoft

FONTE 29
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

não se enquadra nesses padrões de interoperabili- mais barato. Há casos também em que você não
dade. "Comunidades do mundo livre têm desen- encontra a solução de que precisa no software livre;
volvido, através de engenharia reversa e grande busca-se então o proprietário", conclui.
esforço, funcionalidades que possibilitam ler e gra- Essa liberdade de escolha está vinculada
var arquivos em formatos proprietários. A livre con- principalmente à necessidade de exclusividade de
corrência aconteceria de fato e sem aprisionamento produção do usuário de software. O uso de um soft-
tecnológico se os produtos proprietários usassem ware proprietário para desenvolvimento de efeitos
formatos abertos, conhecidos e documentados, especiais em um filme é um exemplo. Se dois pro-
como faz o OpenOffice", constata. dutores adquirem o mesmo software comercial,
"Da mesma forma, homogeneizar é uma com o código fechado, as possibilidades de ino-
idéia estúpida; qualquer pessoa usa roupas dife- vação são as mesmas para os dois, não há espaço
rentes para situações diferentes. Por que então o para um diferencial; no caso do código aberto, o
mesmo padrão de software para todos? Algumas artista pode desenvolver recursos diferentes. Trata-
pessoas precisam do Word, porque elaboram docu- se da vantagem tecnológica estratégica. Os efeitos
mentos complexos; outras usam pouco os recursos especiais do filme Titanic, por exemplo, foram
do editor, podem ter um software mais simples e desenvolvidos em software livre."

Dossiie Entrevista Dossiie Entrevista

Divulgação
Entrevista com o professor
Rubens Queiroz,
da Unicamp

O criador do site Dicas-L, professor Rubens Queiroz de Almeida, fala das tendências do
mercado de informática no Brasil com o crescimento do uso da internet e da conseqüente
consolidação do desenvolvimento colaborativo. Ele é gerente do Centro de Computação da
Unicamp, analista de sistemas, especialista em Linux, Unix e derivados. O Dicas-L, que
reúne hoje mais de 27 mil assinantes, oferece informações de interesse para profissionais de
informática que atuam com sistemas livres como Linux, FreeBSD e softwares associados.
É autor dos livros “Linux – Dicas e Truques”, “As Palavras Mais Comuns da Língua
Inglesa” e “Read in English – Uma Maneira Divertida de Aprender Inglês” e colaborou na
confecção do livro “A Leitura nos Oceanos da Internet”.

30 FONTE
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

Seu trabalho com o Dicas-L e o site Como o brasileiro assimila as peculiari-


http://www.idph.net/ reflete a filosofia de compar- dades do software de código aberto e das infor-
tilhamento de informações: quais as estatísticas de mações totalmente compartilhadas? Há resistên-
assinantes, dicas e outros números que podem cias? Em que setores isso é mais evidente? Qual a
ilustrar a aceitação dessa iniciativa? Qual o nú- receptividade nas iniciativas pública e privada?
mero de acessos mensais no Instituto de Desenvol- Eu acho que mesmo hoje, em que o software
vimento do Potencial Humano? livre está bem mais difundido, ainda há um grande
A Dicas-L reunia, em 14 de abril de 2005, desconhecimento dos valores filosóficos do movi-
27.241 assinantes. A média de crescimento é por mento de software livre. A questão essencial não é
volta de 15 a 20 assinantes por dia. O website preço e sim liberdade. Colocar todos os negócios de
recebe em média entre 2.000 e 3.000 visitantes uma empresa em cima de um sistema totalmente
diariamente. O site do IDPH recebe, também em fechado é loucura. É óbvio que, quanto maior a
média, cerca de 700 visitantes/dia. dependência, maior a liberdade do fornecedor de
fazer o que quiser, ao preço que achar
Na sua opinião, quais as tendências no mer-
cado de informática para produtos abertos e pro-
prietários? A médio e longo prazos, como o merca-
do vai se comportar? Qual é, na sua opinião, o
futuro para as informações totalmente comparti-
lhadas sem qualquer custo financeiro?
A internet e o baixo custo dos computadores
têm sido os principais fatores na disseminação do
software livre. A comunicação global oferecida pela A atividade de programação de
internet permite que as pessoas compartilhem seus
conhecimentos, projetos, idéias. A atividade de pro- computadores é extremamente
gramação de computadores é extremamente gratifi-
cante e criativa e pode ser considerada um passa- gratificante e criativa...
tempo da melhor qualidade. Programadores e pro-
jetistas de software se dedicam ao movimento de
software livre por diversas razões, mas o motor prin- conveniente. Mas poucos param para pensar sobre
cipal desse movimento é o reconhecimento de seu tra- essa ótica. Basicamente, segundo a Free Software
balho e genialidade. Dentro dessa perspectiva, onde Foundation, todo software deve ter quatro liberda-
o produto intelectual de uma pessoa ou mais pessoas des básicas: a liberdade de se executar o programa
pode ser amplamente distribuído através da internet, para qualquer finalidade, a liberdade de modificar o
o modelo de comercialização de software proprie- programa para se adequar às suas necessidades, a
tário certamente terá de ser repensado. Vejamos o liberdade de distribuir cópias do programa, com o
caso de uma universidade, que precisa de uma quan- código-fonte, e a liberdade para se criar uma comu-
tidade enorme de sistemas para o seu funcionamen- nidade, permitindo o aperfeiçoamento do programa
to. O modelo de software livre é extremamente in- ao mesmo tempo em que se ajuda o próximo. As
teressante pois promove a cooperação entre univer- resistências se encontram em todos os lugares e
sidades com necessidades semelhantes, ao mesmo basicamente refletem o temor do novo, o apego a
tempo em que permite o desenvolvimento de soluções velhas práticas, mesmo que as novas possam trazer
criativas para os mais diversos tipos de questões. grandes benefícios. No momento atual, em que o

FONTE 31
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

governo federal adotou a bandeira do software Quais os reflexos da internet na produção


livre, nós vemos diversas iniciativas acontecendo cultural e de software?
por todo o país. Nas empresas as coisas ocorrem de Muito positivos. A internet oferece a todos a
forma mais silenciosa, mas não há como negar a oportunidade de publicar seu trabalho, disseminar
popularização do software livre. O custo de se man- suas idéias, criar comunidades. É claro que isso tem
ter um parque computacional totalmente propri- seu lado bom e ruim. A primeira objeção levantada
etário está se mostrando inviável e os riscos de se quanto a essas facilidades é justamente a qualidade
manter esse mesmo parque com software ilegal é do que se publica. No processo tradicional de pu-
um risco cada vez maior. blicação, através de editoras, geralmente o controle
de qualidade é melhor, os trabalhos passam por
Afinal, democratizar conhecimentos fere o diversas revisões e assim por diante. O lado perver-
direito autoral? so do esquema tradicional de publicação é justa-
Toda a nossa civilização foi erguida através mente o fato de acrescentar à questão da qualidade
do compartilhamento de informações. A internet o fator de mercado. Se não há perspectivas boas de
venda, não se publica. A internet elimina a barreira
de entrada e o que é bom sem dúvida irá se sobres-
sair. Eu tenho três livros publicados, e todos esses
livros foram criados e publicados primeiramente na
internet para só então serem impressos e comercia-
lizados pelos canais normais.

Como é o mercado internacional de soft-


As resistências se encontram em ware livre? Quais as perspectivas para o Brasil?
todos os lugares e basicamente Esse mercado ainda está descobrindo o seu
caminho, desenvolvendo modelos de negócios
refletem o temor do novo, o apego viáveis. Existem empresas, como a Cygnus, que foi
a velhas práticas... comprada alguns anos atrás pela RedHat, que sem-
pre trabalharam com o modelo de software livre e
se deram muito bem. No Brasil a iniciativa de maior
trouxe modificações radicais ao mundo como o destaque é a Solis (http://www.solis.coop.br), que
conhecemos. O setor de música e filmes está so- nasceu dentro da Univates, em Lajeado, RS, e que
frendo um baque tremendo com a emergência de se estabeleceu como uma cooperativa que hoje
tecnologias de compartilhamento descentralizadas presta serviços para empresas e instituições em todo
(peer-to-peer ou p2p). Em busca da defesa de seus país. São 50 pessoas vivendo exclusivamente da
interesses, essas indústrias estão tentando reverter prestação de serviços com software livre.
uma característica que permitiu a evolução da espé-
cie humana, geração após geração, construindo Fale sobre experiências do setor público no
sobre os conhecimentos criados anteriormente. O desenvolvimento de software livre.
fato de um conteúdo estar na internet não retira os Toda iniciativa que parte do Estado é compli-
direitos do autor. A lei do direito autoral garante a cada devido ao fator político. As iniciativas geral-
propriedade de autoria de um documento desde o mente morrem ou são abandonadas com a mudança
momento em que é publicado, independentemente de governo. Entretanto podemos citar alguns exem-
de haver ou não o registro prévio. plos bastante positivos, derivados da iniciativa do

32 FONTE
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

governo do Rio Grande do Sul, de adotar software mobilize intensamente para garantir que leis que
livre. O Fórum Internacional de Software Livre, vão contra seu interesse não sejam aprovadas. Mas
que entra em 2005 na sua sexta edição, é hoje, já é uma luta difícil que requer atenção constante.
desvinculado de qualquer governo, um dos maiores
eventos do mundo em sua especialidade. Milhares Como o mundo virtual tem interferido no
de pessoas já foram ao Rio Grande do Sul aprender mundo real?
o que é software livre, aprender sobre suas vanta- Os efeitos são inúmeros. O que eu considero
gens e levar de volta para sua cidade o que apren- mais importante é justamente o fato da rede dar voz
deram, criando novos movimentos. O Estado, por a todos. Com a voz se tem poder. Quem poderia pen-
seu tamanho, tem um poder enorme. Mesmo com as sar que um programador solitário, chamado Linus
transições de governo, na questão de software livre, Torvalds, iria iniciar um movimento tão forte como
algo de bom sempre fica. o do Linux, que hoje é uma ameaça real a diversas
empresas monopolistas e arrogantes do topo de sua
O poder econômico pode ser um entrave à montanha de dinheiro? Como Linus Torvalds exis-
disseminação do conhecimento e ao desenvolvi-
mento?
Sim, claro. É um assunto muito amplo, mas
eu gostaria de recomendar a leitura do livro " Free
Culture", de Lawrence Lessig, que descreve de
forma muito didática e clara como isso está ocor-
rendo nos dias atuais. Esse livro, disponibilizado na
internet gratuitamente, já foi traduzido para o por-
tuguês e pode ser baixado da biblioteca digital de Perverso no esquema tradicional
software livre da Unicamp (http://www.rau-tu. de publicação é justamente o fato
unicamp.br/nou-rau/softwarelivre). Resumidamente,
a internet trouxe mudanças radicais na forma como de acrescentar à questão da
conteúdo é criado e distribuído. Isso é uma ameaça qualidade o fator de mercado.
para empresas que ainda não conseguiram adequar
seu modelo de negócios aos novos tempos e que só
conseguem enxergar um futuro em que as liber- tem dezenas de outros, aparecendo diariamente com
dades dos usuários sejam cerceadas para manter idéias e conceitos novos, que podem revolucionar a
seus antigos privilégios. As leis criadas para com- maneira como pensamos e vivemos.
bater a assim chamada "pirataria" são um exemplo
claro disso. Mas como diz o próprio Lessig, qual- Qual é/será o papel das instituições educa-
quer lei que torne criminosa a maior parte da popu- cionais na formação e mudança de paradigmas
lação de um país é uma lei errada. Quem nunca que envolvam a democratização do conhecimento?
baixou uma música da internet? O modelo americano, muito adotado no Brasil, é,
na sua opinião, contrário ao movimento de com-
As questões jurídicas estão de acordo com partilhamento total das informações e conheci-
as novas exigências impostas pela tecnologia? mentos? Como agilizar o processo de divulgação
Isso tem sido um aspecto complicado. No e compartilhamento de informações no Brasil?
meu entendimento, os avanços nessa área têm sido O modelo educacional certamente deve ser
muito lentos. É importante que a sociedade se repensado. A internet chega a todos os lugares.

FONTE 33
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

Até hoje, para estudar em uma universidade de dos próximos anos uma quantidade cada vez maior
renome, o aluno tem, em muitos casos, de se mudar esteja aberta para a população. Em uma segunda
para a cidade onde a universidade se encontra, arcar etapa, quem sabe um dia os próprios cursos de gra-
com despesas de aluguel, alimentação, transporte, duação sejam ministrados a distância? Um outro
etc., despesas que estão fora do alcance da maioria exemplo importante é a biblioteca digital de teses e
da população. Uma seleção perversa. Talentos que dissertações da Unicamp (http://libdigi.unicamp.br),
o país poderia utilizar para seu desenvolvimento que publica hoje mais de 4.000 trabalhos acadêmicos.
ficam dessa forma à margem de nossa sociedade, Já foram feitos, em cerca de três anos de funciona-
que valoriza o diploma antes de tudo. Espero que mento, downloads de aproximadamente meio milhão
gradualmente as universidades públicas brasileiras de documentos. O software da biblioteca, o sistema
venham a oferecer oportunidades a mais pessoas Nou-Rau, é livre e gratuito e certamente pode facili-
através do ensino a distância. A Unicamp já deu um tar a adoção de estratégias semelhantes por outras
passo importante nessa direção através do Portal universidades. É gratificante saber que muitas uni-
Ensino Aberto, que publica na internet o material versidades e instituições possuem programas seme-
didático de disciplinas de graduação. É ainda um lhantes, de abertura do conhecimento. Cabe à nossa
projeto experimental, mas espera-se que ao longo sociedade encorajar e valorizar essas iniciativas.

Dossiie Entrevista Dossiie Entrevista Dossiie Entrevista

Isabela Abreu

Pesquisa Softex/Unicamp revela


panorama do Software Livre no Brasil

É de R$ 77 milhões o mercado estimado de software livre hoje no Brasil,


considerando-se apenas os serviços Linux. A informação foi divulgada no final do
mês de abril deste ano, como resultado da maior pesquisa individualizada por país
já realizada no mundo: "O Impacto do Software Livre e de Código Aberto na
Indústria de Software do Brasil". O estudo, feito pelo Observatório Econômico da
Softex (Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro) e o De-
partamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, com apoio do Minis-
tério da Ciência e Tecnologia, estima ainda que há cerca de 195 mil servidores e
561 mil desktops operando com Linux no Brasil; 12% dos servidores instalados
são Linux, contra 60% Windows. A previsão de crescimento para o setor é de 2,5
a 3 vezes até 2008, alcançando algo entre R$ 192 e R$ 231 milhões. O não paga-
mento de licenças poderia significar uma economia de cerca de R$ 85 milhões/ano.
A pesquisa revela ainda um processo significativo de profissionalização dos
Márcio Girão, da Softex
desenvolvedores e empresas, especialmente nos últimos cinco anos, com a criação
do Open Source Developer Labs (OSDL), uma organização sem fins lucrativos
financiada por grandes empresas como a IBM, Intel e HP, para desenvolvimento

34 FONTE
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

do Linux para ambientes de grande escala de produ- Tomando-se o uso dos sistemas operacionais
ção. A maioria dos profissionais especializados em servidores por tipo de aplicação, nota-se a clara
está, hoje, contratada pelas grandes corporações e predominância do Windows, especialmente nas
tem um perfil semelhante ao do europeu. funções de gerenciamento de rede e banco de da-
No caso das empresas que atuam com soft- dos. Em segundo lugar está o Linux, com destaque
ware livre, foram identificados três perfis distintos: nas aplicações para servidor de correio, web e ge-
as pequenas e médias, fundadas nas décadas de 80 renciamento da segurança.
e 90, que atuam principalmente com software pro- Entre as empresas usuárias, 64% têm fatura-
prietário, mas que começam a dedicar uma pequena mento superior a R$ 1 milhão/ano (48% acima de R$
parte de suas atividades a essa alternativa devido às 50 milhões) e 65% possuem mais de 99 funcionários.
exigências do mercado; pequenas e médias empre- O estudo revelou ainda as quatro maiores motivações
sas fundadas mais recentemente, em grande parte para a adoção do software de código aberto. Os
devido ao código aberto, que têm a maior parte de desenvolvedores apontaram questões como desen-
suas atividades nesse modelo; e grandes empresas, volver novas habilidades, compartilhar conhecimento,
algumas multinacionais, que também ingressaram resolver problema sem solução com o software pro-
recentemente no mundo de código aberto com prietário, melhor empregabilidade e aplicações co-
estratégias específicas. As empresas estão locali- merciais. Já para os usuários, a motivação passa pela
zadas principalmente nas regiões sul (29%) e su- redução de custos, desenvolvimento de novas habili-
deste (53%). dades, facilidade das ferramentas e justificativas
Uma das iniciativas da pesquisa foi o levan- ideológicas, que, segundo a pesquisa, são mais fortes
tamento de dados através de entrevistas com empre- entre os usuários do que entre os desenvolvedores.
sas desenvolvedoras e fornecedoras de software O levantamento dos dados incluiu um painel
livre. Entre as cinco representantes da área pública, de especialistas, uma enquete eletrônica com 3.657
nas esferas municipal e federal, constatou-se que respondentes, um conjunto de entrevistas com
todas possuem um projeto de migração de platafor- empresas desenvolvedoras e usuárias de software
mas baixas das áreas administrativas para soluções de código aberto e um levantamento de informa-
em software livre. Um grande desafio dessas em- ções secundárias sobre empresas que lidam com
presas é lidar com os sistemas legados, cuja conver- software livre e open source no Brasil. O trabalho
são custaria grandes investimentos. está disponível em www.softex.br.

A experiência do Governo Federal

Com a expectativa de economizar nos próxi- maior segurança das informações, estabilidade dos
mos três anos 80% do valor pago atualmente com o sistemas, independência tecnológica, disseminação
uso de licenças de software, o Governo Federal do conhecimento técnico, redução de custos e
empreende, desde outubro de 2003, um projeto viabilização do programa de inclusão digital.
amplo de migração de todas as suas aplicações para Atualmente não há legislação que obrigue a
software de código aberto. Os argumentos mistu- adoção do software livre pelos órgãos do governo
ram questões técnicas, econômicas e ideológicas: federal: há apenas uma orientação do ITI - Instituto

35
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

Nacional de Tecnologia da Informação, autarquia A adoção do software livre pelo governo


vinculada à Casa Civil. Mas um Decreto que federal como política pública naturalmente suscitou
regulamentará a obrigatoriedade do uso já está reações. O presidente da Sun Microsystems,
sendo analisado. Após a edição do decreto, para Jonathan Schwartz, publicou carta aberta ao
aquisição de software proprietário os ministros presidente do Brasil, em seu blog, aplaudindo a
deverão apresentar argumentação justificando a adoção do modelo, "Que permite que todos os
escolha. setores da população, e não apenas os privilegiados
Criado em outubro de 2003, o Comitê Téc- e influentes, tenham acesso à auto-determinação e
nico de Implantação do Software Livre atua no independência. Uma rede aberta e software livre são
âmbito do Comitê Executivo do Governo Eletrô- a base para oportunidades iguais e o seu compromis-
nico, coordenado pelo ITI. O processo de migração so é um alerta para o mundo ver que o Brasil
se fundamenta no Guia Livre – Referência de pretende desenvolver suas próprias soluções tec-
Migração para Software Livre, editado em por- nológicas, suas próprias competências e sua própria
tuguês e espanhol e disponível no endereço indústria".
www.governoeletronico.gov.br. A Sun fatura anualmente US$ 12 bilhões,
Segundo o gerente de Inovações Tecnoló- está presente em mais de 60 países. Responde por
gicas da Secretaria de Logística e Tecnologia da 35% em plataformas de grande porte no Brasil e
Informação (SLTI) do Ministério do Planejamento, trabalha com a maior comunidade de desenvolve-
Corinto Meffe, as ações previstas no processo de dores.
migração têm resultado no combate a mitos que Já o presidente da Microsoft Brasil, Emilio
prejudicam a aceitação do software livre: o mito do Umeoka, afirmou em entrevista à publicação
treinamento, por exemplo – de que não há treina- Executivo de Valor (abril/05) que "Temos buscado
mento e capacitação – foi contraposto com a ação manter um grau de diálogo muito aberto com o go-
do ITI, que com diversos outros órgãos, organizou verno, nos concentrando na área técnica, sem discu-
a semana de capacitação, que resultou em duas mil tir questões ideológicas. O debate que o governo ou
pessoas treinadas concomitantemente, em 150 cur- qualquer empresa privada tem que focalizar é a
sos e 180 profissionais envolvidos. "Demonstramos relação custo/benefício e o retorno sobre investi-
que existem profissionais capacitados, que existe mento. No caso específico do governo, é como
treinamento." tornar a máquina pública mais eficiente."
Isabela Abreu

O gerente de Inovações Tecnológicas da SLTI, Corinto


Meffe, falou à Revista Fonte sobre a experiência de
migração para o software livre no Governo Federal.

Qual a avaliação do impacto do Guia Livre – Referência de Migração para


o Governo Federal?
Corinto Meffe, do
Ministério do O Guia Livre tornou-se referência para a organização das migrações em
Planejamento instituições públicas e privadas. Alcançamos a marca de mais de 40.000 downloads

36 FONTE
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

e um retorno positivo dos usuários que mantiveram corretamente a melhor forma de migração, sem
contato direto com o documento. Percebemos que dificultar o dia-a-dia do usuário. Estabelecemos
ajudamos principalmente as prefeituras, governos esse primeiro ciclo de diagnóstico onde se realiza
estaduais e pequenas empresas, que atualmente um mapeamento de todos os sistemas utilizados.
usam o documento como norteador para a estrutu- Depois desse levantamento, passamos as infor-
ração de seus planos e suas ações de migração. mações para um banco de dados que nos sinaliza
Importante ressaltar que o documento tem versão quais os melhores usuários para migrarmos. Essa
em espanhol, o que nos possibilitou a entrega ofi- escolha acontece com os seguintes critérios: aplica-
cial para os governos da Argentina, Uruguai, Chile tivos com similar livre, menor quantidade de
e Venezuela, além da repercussão na Comunidade aplicativos ativos, menor microlegado, menor
Européia (fonte primária do documento brasileiro). macrolegado, etc. O nosso aprendizado da mi-
Com base no Guia Livre também foi elaborado o gração já começou com os grupos de voluntários:
plano de migração para software livre do Ministério pessoas que se apresentaram como interessados
do Planejamento, em curso desde o início do ano. pelo uso de software livre no seu ambiente de tra-
balho, que servem de base para aferirmos os
Quais as estratégias de migração existentes impactos e as dificuldades. Fazemos um relatório e
e qual foi a adotada pelo Ministério do Planeja- avaliamos frente às outras experiências e tendo
mento? como base o diagnóstico descrito anteriormente.
Existem as mais variadas formas para se Buscamos com a conjugação dessas duas macro-
começar uma migração. Isso ocorre principalmente ações – migração dos voluntários e diagnóstico –
em função dos ambientes heterogêneos de cada deixar o ambiente propício para a migração em
organização. As migrações podem começar pelos larga escala. Considero que o ponto forte do plano
servidores, pelas estações de trabalho, pelo uso de de migração seja justamente o mapeamento do
emuladores, pelas aplicações ou em novas tecnolo- ambiente e a minimização do impacto para o
gias e sistemas. Mesmo algumas dessas alternativas usuário.
de rotas de migração podem conter grupos menores
de atuação, como no caso dos servidores, que podem Como essa estratégia pode ajudar os demais
ser de arquivos, de comunicação, de aplicação e de órgãos?
internet, ou no caso das estações, para ferramentas Por ser tratar de um plano com base nas
de automação, os navegadores, o correio "cliente" e técnicas do PMI (Project Management Institute),
até o sistema operacional. O Ministério do que usa ferramentas livres de gerenciamento de
Planejamento estruturou uma ação fortemente con- projetos e é fortemente documentado, o nosso
centrada no diagnóstico, ou seja, uma fase de levan- documento pode servir de referência para elabo-
tamento prévio do ambiente. Dessa forma, pre- ração de planos adequados a cada instituição, o que
tende-se aplicar qualquer um dos caminhos/rotas já vem acontecendo na ANTT – Agência Nacional
descritos acima. A proposta é aplicar a melhor de Transportes Terrestres – e no Ministério dos
solução para o ambiente e o usuário, de acordo com Esportes. É importante reforçar que não bastam
o que foi percebido na fase de diagnóstico. bons planos; apoios gerenciais consistentes e coor-
denadores e técnicos capazes são fundamentais para
Qual é o principal ponto de sustentação não deixar um belo plano no papel. Muitas vezes
desse plano? um documento bem-estruturado serve como alento
Seria o mapeamento da estrutura de infor- e contemplação. Migração é necessariamente "mão
mática e serviços existentes para dimensionar na massa".

FONTE 37
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

Democratização do conhecimento e
o trabalho do Creative Commons

"Conhecimento só é gerado em liberdade. A adeptos do movimento, o ministro da Cultura, Gil-


história da universidade na civilização ocidental é a berto Gil, publicou sob licença Creative Commons
história da luta pelo estabelecimento da primazia da (CC) uma de suas músicas durante o Fórum
razão sobre a força do dogma." A frase é do profes- Mundial realizado em Porto Alegre, em 2004.
sor Ulisses Leitão, diretor de Tecnologia do Instituto O professor Ulisses Leitão, do Instituto
Doctum. Para ele, o método científico foi instaurado Doctum, defende a idéia de que a revolução cientí-
ao se "abrir o código das afirmações dogmáticas". fica tem a sua origem na liberdade de conhecimen-
A discussão das liberdades relativas ao uso e to. "Nesse sentido, não é sem razão que o iluminis-
distribuição da produção intelectual transcende o mo ocorre concomitante com a invenção da impren-
campo da tecnologia da informação e ganha pro- sa por Hans Guttemberg, em 1436. Pois além de se
porções mundiais, contemplando todas as formas estabelecer o direito à informação, há que se esta-
de criação intelectual. Para o diretor-presidente da belecer os meios tecnológicos para a sua propa-
Softex, Márcio Girão Barroso, "A questão do soft- gação. A revolução da tecnologia da informação só
ware livre está nos levando a pensar a propriedade está em andamento porque os grandes cientistas que
intelectual de forma mais ampla. Por que, por estabeleceram a base científica para essa revolução
exemplo, três ou quatro gravadoras dominam a pro- sempre liberaram de forma livre as suas idéias em
dução fonográfica, determinando o que devemos benefício de toda a humanidade. Dentro desse con-
ouvir? Essa situação começa a incomodar a texto, creio que software livre é a única base possí-
sociedade; está havendo uma reação filosófica, psi- vel para a sociedade do conhecimento, que é a
cológica, na verdade sociológica, a esse domínio". agenda da Humanidade nos dias atuais."
Polêmicas em torno da questão de se Ao comentar a liberdade de propriedade da
restringir ou ampliar os direitos relacionados à pro- produção intelectual, o professor Ulisses fala sobre
dução cultural e científica resultaram na criação de a questão das patentes de software. Para ele, a atual
um movimento mundial, nascido nos Estados discussão de propriedade intelectual sofre influên-
Unidos e que encontrou repercussão no Brasil, que cias do modelo americano. "Acelerada a partir de
figura em destaque no trabalho do Creative 1999, há uma corrida pelo registro de patentes de
Commons. Trata-se de uma organização sem fins software nos Estados Unidos. São realizados regis-
lucrativos, concebida em 2001 na Universidade de tros de patentes óbvias, como "Save As" e "Sistema
Stanford (EUA), pelo professor Lawrence Lessig, e de busca no site". Segundo o professor, a agência de
que tem como diretor no Brasil o advogado e pro- patentes recebe pelo registro, portanto, quanto mais
fessor da Fundação Getúlio Vargas, Ronaldo Lemos pedidos de patente, melhor. "Não há condições
(veja entrevista na seção Diálogo, nesta edição). operacionais de avaliação criteriosa da solicitação
O trabalho do Creative Commons propõe de patente e muito menos há interesse em se limitar
justamente uma flexibilização dos direitos autorais as patentes, pois elas formam a base da hegemonia
de "todos os direitos reservados" para "alguns direi- econômica americana", conclui. Ulisses Leitão
tos reservados", criando licenças que dão suporte adverte que se o Brasil se curvar à tentativa de se
legal a autores que desejam permitir aos consu- colocar as patentes de softwares no mesmo patamar
midores de suas produções mais do que o determi- dos direitos de propriedade intelectual, o país
nado pelo tradicional copyright. Um dos grandes perderá a oportunidade de desenvolvimento

38 FONTE
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

econômico pelos próximos cinqüenta anos. "A impedido, pois fatalmente usará alguma ´idéia
situação é tão grave que, em caso de aprovação da óbvia` já patenteada. A luta contra a patente de soft-
patente de software, o software livre será afetado, ware está em pleno andamento na Europa e temo
pois mesmo que se queira liberar um software que a sociedade brasileira não esteja devidamente
inteiramente desenvolvido pelo autor, ele será preparada para esse debate".

A Wikipedia e a geração compartilhada de conteúdos

A criação colaborativa tem filhotes fora do O projeto é baseado na filosofia wiki, ferra-
mundo dos especialistas desenvolvedores de soft- menta para a geração coletiva de conteúdos, que
ware. Um exemplo de sucesso de produção coletiva podem ser publicados automaticamente, sem uma
do conhecimento é a Enciclopédia Wikipedia - revisão prévia. Dessa forma, vários colaboradores
www.wikipedia.com – escrita em cerca de 80 idio- podem trabalhar simultaneamente num mesmo
mas e alimentada pela colaboração de voluntários. conteúdo, que passa a integrar a enciclopédia.
Criada em setembro de 2001 e gerida pela Qualquer pessoa pode se cadastrar no sistema e
Fundação Wikimedia – organização sem fins lucra- publicar artigos ou escolher temas que aguardam
tivos –, a enciclopédia está disponível na internet um editor. O pressuposto é de que a comunidade é
para quem quiser consultá-la gratuitamente ou con- capaz de fiscalizar o conteúdo disponível para os
tribuir voluntariamente com informações. Qualquer leitores, eliminando erros e melhorando a qualidade
conteúdo pode ser copiado e modificado livremente. das informações.

Glossário
O que é software livre?
(extraído do site do Governo Federal - www.softwarelivre.gov.br/SwLivre/)

O texto a seguir, com a definição de software livre, é de autoria do Prof. Roberto Hexsel do Departamento de Informática
da Universidade Federal do Paraná. Para baixar o texto completo, intitulado "Propostas de Ações de Governo para
Incentivar o Uso de Software Livre", acesse o endereço http://www.inf.ufpr.br/~roberto/public.html.

BSD - A licença BSD cobre as distribuições de software da Berkeley Software Distribution, além de outros pro-
gramas. Essa é uma licença considerada 'permissiva' porque impõe poucas restrições sobre a forma de uso, alte-
rações e redistribuição do software licenciado. O software pode ser vendido e não há obrigações quanto à inclusão
do código-fonte, podendo o mesmo ser incluído em software proprietário. Essa licença garante o crédito aos autores
do software mas não tenta garantir que trabalhos derivados permaneçam como software livre.
Copyleft - A maioria das licenças usadas na publicação de software livre permite que os programas sejam modi-
ficados e redistribuídos. Estas práticas são geralmente proibidas pela legislação internacional de copyright, que

FONTE 39
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

tenta justamente impedir que alterações e cópias sejam efetuadas sem a autorização do autor. As licenças que acom-
panham software livre fazem uso da legislação de copyright para impedir utilização não-autorizada, mas essas
licenças definem clara e explicitamente as condições sob as quais cópias, modificações e redistribuições podem
ser efetuadas, para garantir as liberdades de modificar e redistribuir o software assim licenciado. A esta versão de
copyright dá-se o nome de copyleft.
Debian - A licença Debian é parte do contrato social celebrado entre a Debian e a comunidade de usuários de soft-
ware livre e é chamada de Debian Free Software Guidelines (DFSG). Em essência, essa licença contém critérios
para a distribuição além da exigência da publicação do código-fonte. Esses critérios são: (a) a redistribuição deve
ser livre; (b) o código-fonte deve ser incluído e deve poder ser redistribuído; (c) trabalhos derivados devem poder
ser redistribuídos sob a mesma licença do original; (d) pode haver restrições quanto à redistribuição do código-fonte
se o original foi modificado; (e) a licença não pode discriminar qualquer pessoa ou grupo de pessoas, nem quanto
a formas de utilização do software; (f) os direitos outorgados não podem depender da distribuição onde o software
se encontra; e (g) a licença não pode "contaminar" outro software.
Freeware - O termo freeware não possui uma definição amplamente aceita, mas é usado com programas que per-
mitem a redistribuição mas não a modificação e seu código fonte não é disponibilizado. Esses programas não são
softwares livres.
GPL - A Licença Pública Geral GNU (GNU/General Public License) é a licença que acompanha os pacotes dis-
tribuídos pelo Projeto GNU e mais uma grande variedade de softwares, incluindo o núcleo do sistema operacional
Linux. A formulação da GPL é tal que, ao invés de limitar a distribuição do software por ela protegido, ela de fato
impede que esse software seja integrado em software proprietário. A GPL é baseada na legislação internacional de
copyright, o que deve garantir cobertura legal para o software assim licenciado.
Open Source - A licença do Open Source Initiative é derivada da licença Debian, com as menções à Debian
removidas.
Shareware - Shareware é o software disponibilizado com a permissão para que seja redistribuído, mas a sua
utilização implica o pagamento pela sua licença. Geralmente, o código-fonte não é disponibilizado e, portanto, mo-
dificações são impossíveis.
Software Comercial - Software comercial é o software desenvolvido por uma empresa com o objetivo de lucrar
com sua utilização. Note que 'comercial' e 'proprietário' não são a mesma coisa. A maioria dos softwares comerci-
ais é proprietário mas existe software livre que é comercial e existe software não-livre não-comercial.
Software em Domínio Público - Software em domínio público é software sem copyright. Alguns tipos de cópia
ou versões modificadas podem não ser livres porque o autor permite que restrições adicionais sejam impostas na
redistribuição do original ou de trabalhos derivados.
Software Livre (Free Software) - É o software disponível com a permissão para qualquer um usá-lo, copiá-lo e
distribuí-lo, seja na sua forma original ou com modificações, seja gratuitamente ou com custo. Em especial, a possi-
bilidade de modificações implica que o código fonte esteja disponível. Se um programa é livre, potencialmente ele
pode ser incluído em um sistema operacional também livre. É importante não confundir software livre com software
grátis, porque a liberdade associada ao software livre de copiar, modificar e redistribuir independe de
gratuidade. Existem programas que podem ser obtidos gratuitamente, mas que não podem ser modificados nem redis-
tribuídos. Por outro lado, existe a possibilidade de uso não-gratuito em todas as categorias. Há uma cópia da definição
de software livre pela Free Software Foundation publicada na página http://www.fsf.org/philosophy/free-sw.pt.html
Software Proprietário - Software proprietário é aquele cuja cópia, redistribuição ou modificação são em
alguma medida proibidos pelo seu proprietário. Para usar, copiar ou redistribuir deve-se solicitar permissão ao pro-
prietário ou pagar para poder fazê-lo.

40 FONTE
Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê Dossiê

Software Semilivre - Software semilivre é software que não é livre, mas é concedida a permissão para que indi-
víduos o usem, copiem, distribuam e modifiquem, incluindo a distribuição de versões modificadas, desde que o
façam sem o propósito de auferir lucros. Exemplos de software semilivre são as primeiras versões do Internet
Explorer da Microsoft, algumas versões do browser da Netscape e o StarOffice.
X.org - O Consórcio X distribui o X Window System sob uma licença que o faz software livre mas não adere ao
copyleft. Existem distribuições sob a licença da X.org que são softwares livres, e outras distribuições que não o são.
Há algumas versões não-livres do sistema de janelas X11 para estações de trabalho e certos dispositivos do IBM-
PC que são as únicas funcionais disponíveis, sem similares distribuídos como software livre.

Bookmarks

Associação para a Promoção da Excelência do Software Brasileiro - www.softex.br


Berkman Center for Internet & Society at Haward Law School - http://cyber.law.harvard.edu
Celepar - www.celepar.pr.gov.br
Centro de Tecnologia e Sociedade / Direito FGV - http://www.direitorio.fgv.br/cts/
Centro de Computação da Unicamp - http://www.ccuec.unicamp.br/ccuec
Cimcorp - www.cimcorp.com.br
Código Livre - www.codigolivre.org.br
Comitê Técnico de Implementação de Software Livre do Governo Federal do Brasil - www.softwarelivre.gov.br
Comitê Técnico de Implementação do Software Livre - http://interagir.softwarelivre.gov.br
Creative Commons - www.creativecommons.org
Desenvolvimento Colaborativo em Software Livre - http://colaborar.softwarelivre.gov.br
EAC Software - http://www.eacnet.com.br/
Free Software Foundation - Fundação do Software Livre - http://www.fsf.org/home.pt.html
Fundação Jboss - www.jboss.org
Grupos de Software Livre GNU - http://www.gnu.org.br/
Grupo TBA - www.tba.com.br
Grupo de Usuários GNU - http://www.gnurias.org.br/
Instituto Doctum - http://www.doctum.com.br
JCP - Java Community Process (www.jcp.org)
License Company - http://www.license.com.br/
Linux - http://www.linux.org/
Microsoft do Brasil - www.microsoft.com.br
Ministério da Ciência e Tecnologia - http://www.mct.gov.br/
MySQL - http://www.mysql.com/
Open Source Developer Labs (OSDL) - http://www.osdl.org/
Open Source Initiative - www.osi.org
Projeto Software Livre Brasil - http://www.softwarelivre.org
Solis - www.solis.coop.br
Sun Microsystems - www.sun.com.br

FONTE 41
Divulgação
O Bom é ser
simples
Roberto Prado*

Quanto maior o grau de complexidade dos softwares,


mais altos são os custos com suporte técnico e manutenção

O s investimentos das empresas em tecnologia


da informação (TI) devem continuar
crescendo em 2005. Espera-se que a migração dos
usuários –, a BearingPoint traçou um comparativo
entre um cenário utilizando o Microsoft Windows
Server 2003 e dois outros usando distribuições
negócios em busca de um ambiente mais dinâmico Linux – no caso Red Hat Enterprise Linux e SUSE
e eficiente continue regendo os aportes em TI este Linux. Os resultados mostram que, devido à sua
ano. Mas isso está longe de significar o fim da simplicidade de manutenção, o Windows é a opção
pressão que empresas em todo o mundo vêm mais barata quando tomado em comparação um
sofrendo para reduzir seus orçamentos com período de utilização de cinco anos.
tecnologia. Pelo contrário. É consenso no mercado A vantagem da plataforma Windows
que os CIOs enfrentarão cada vez mais o desafio também pode ser atribuída aos contínuos esforços
de planejar e aplicar corretamente os recursos que da Microsoft em reduzir a complexidade de suas
dispõem. É por isso que a facilidade de tecnologias e, assim, facilitar a vida dos
implementação, a compatibilidade, a administradores de TI. A abordagem centrada na
confiabilidade e o suporte técnico da tecnologia simplicidade dos sistemas também garante
escolhida são questões que fazem diferença, economia para as empresas na hora de realizar
afetando diretamente o custo – e o sucesso – do tarefas de desenvolvimento e implantação de
projeto. sistemas. Em testes realizados de forma
Baseadas na expectativa de que o sistema independente, a plataforma Microsoft mostrou que
operacional Linux seja gratuito, algumas é significativamente melhor que estruturas
empresas têm adotado distribuições comerciais formadas por Linux em ambiente Java (com
desse software em seus servidores, com a plataforma J2EE e IBM WebSphere 5.1).
expectativa de terem menores custos. O estudo, realizado pela The Middleware
Normalmente, esse tipo de decisão leva em conta Company (TMC) colocou duas equipes de
apenas o preço de aquisição do software e acaba desenvolvedores, uma para trabalhar na plataforma
deixando de lado outros componentes que entram J2EE e outra com Microsoft .NET 1.1 rodando em
na conta total de um orçamento de TI e que, na Microsoft Windows Server 2003. Os dois times
verdade, representam a maior parte dos gastos. É o receberam a mesma especificação para construir,
que comprova um recente estudo realizado pela implementar e testar uma aplicação web em um
BearingPoint. Ao simular a infra-estrutura de uma laboratório monitorado e auditado. A equipe .NET
empresa de porte médio – com 29 servidores e 232 foi mais ágil na execução de todas as tarefas de

42 FONTE
desenvolvimento. A instalação e configuração de A proliferação de versões costuma gerar
aplicativos no servidor, por exemplo, consumiu problemas diversos. Se uma empresa adota uma
quatro horas/homem contra 22 horas/homem do distribuição comercial do Linux, provavelmente
time WebSphere. ficará diante de um dilema. Se atualizar o sistema
O próprio mecanismo descentralizado do de forma independente, baixando os upgrades
Linux favorece a dispersão de esforços, a diretamente da Internet, perderá o direito a suporte
redundância e a proliferação de iniciativas técnico do distribuidor. Mas, se aguardar os
diferentes. Há centenas de versões e distribuições updates periódicos do fornecedor, corre o risco de
lançadas ao longo dos últimos anos (como mostra conviver com incompatibilidades entre o
o site www.levenez.com/unix). Em pesquisa sistema operacional e os programas desenvolvidos
realizada pela InformationWeek nos Estados pelos diversos projetos de software de código
Unidos, o problema de incompatibilidade entre os aberto espalhados pelo mundo, que também são
softwares mostrou-se a principal preocupação dos atualizados com grande freqüência.
usuários de Linux (apontada por mais de 30% Para as equipes de TI das empresas, que ao
daqueles que adotaram o sistema em servidores e final precisam de soluções ágeis e rápidas e que
mais de 40% dos usuários em desktops). A falta de mantenham o foco no negócio principal da
conhecimento técnico, a falta de documentação companhia, todas essas questões devem ser
adequada e a diversidade de distribuições e muito bem pesadas na hora de uma decisão.
versões aparecem também como fatores de grande * Roberto Prado é gerente de Estratégias
preocupação. de Mercado da Microsoft Brasil

FONTE 43
O futuro da
computação
Divulgação

Richard Stallman*

É uma tarefa impossível. Este foi o


primeiro pensamento que me ocorreu
quando me pediram para escrever um artigo sobre
você não os verá mais. Eu, provavelmente, não me
importaria de não ver os meus computadores
desde que não os perca. Mas se não vemos o meu
o futuro do uso dos computadores. Eu não consigo computador e nem o seu, também não veremos os
ver o futuro: a minha bola de cristal está computadores do FBI e da CIA. Essa situação é,
embaçada, hoje e qualquer outro dia. Não sei o obviamente, bastante aterrorizadora, já que o FBI
que vai acontecer. é comandado pelo homem que manipulou a lei
Eu consigo imaginar vários possíveis para justificar torturas, a CIA é controlada pelo
cenários futuros para a computação na sociedade. homem que fingiu que os Contras não estavam
Na realidade, o futuro será, provavelmente, criando o caos na Nicarágua e ambos são
diferente de todos eles. No entanto, esses cenários subordinados a um homem que rouba eleições,
podem ser úteis para mostrar quais são as começa guerras e alega que está fazendo isso
possibilidades abertas e as questões que devemos porque Deus o ordenou.
enfrentar. A seguir, descrevo dois cenários Pode não ser tão óbvio que o seu próprio
possíveis. computador seja tão assustador quanto os outros.
Os computadores fazem aquilo que são Você pode até pensar que ele está sob seu controle.
programados para fazer. Mas quem decide para Mas não é o caso, se você está usando software
que eles são programados? Como os computadores proprietário. Geralmente, é proibido que os
desempenham um papel importante na vida da usuários compartilhem ou mudem o software
maioria das pessoas, eles se tornam, cada vez proprietário porque eles não têm acesso ao
mais, ferramentas com as quais algumas pessoas código-fonte do programa – os planos do
exercem poder sobre as outras. Existe um projeto programa, o formato que os programadores podem
de computação do Instituto de Tecnologia de entender e mudar. Somente o desenvolvedor tem o
Massachusetts (MIT) chamado "oxigênio". A idéia código-fonte e, por isso, ele tem o controle total
do projeto é que os computadores estarão por toda sobre o que o programa faz. Os usuários podem
parte e se tornarão invisíveis. Como o oxigênio, somente aceitar ou rejeitar o software. Em termos

44 FONTE
práticos, isso proporciona ao usuário um poder para restringir os usuários da mesma maneira. Foi
limitado. Certamente, você já ouviu pessoas o que aconteceu com os DVDs, por exemplo. Você
dizerem "não tenho escolha. Tenho que usar este pode pensar que isso seria uma violação das leis
programa". Elas exageram. Se realmente de concorrência empresarial, mas a maioria dos
quisessem, poderiam dizer não. No entanto, o governos atualmente parece deixar que isso
desenvolvedor pode dominá-las quando elas aconteça. Eles não defendem os cidadãos do poder
acreditam que não têm escolha. Se analisarmos os empresarial como deveriam.
fatos em conjunto, temos uma situação na qual os Quando um software coleta informações
desenvolvedores de software controlam o seu sobre você e as envia para uma companhia nos
computador. O software só lhe obedece até onde o Estados Unidos, o FBI pode acessá-las a qualquer
desenvolvedor permite que isto aconteça. momento, mesmo sem a autorização da Justiça.

‘
Quando uma empresa tem o controle sobre Isso faz parte do que
o que seu software faz, é tentador para ela abusar Bush colocou na lei
desse poder. Muitos programas proprietários são incorretamente Quando uma
desenvolvidos para coletar informações sobre chamada de Ato
você, irritá-lo ou impedi-lo de acessar informações Patriótico dos Estados
empresa tem o
livremente. Eles podem até ter "back doors"** Unidos***. Qualquer controle sobre o que
inescrupulosas. Outra possibilidade é a censura informação que o FBI
seu software faz, é
imposta pelo software. Estão sendo desenvolvidos não consegue obter
programas que permitem a uma autoridade central legalmente, será tentador para ela
publicar uma mensagem fazendo com que todos os provavelmente abusar desse poder.
computadores, inclusive o seu, se recusem a fornecida pela
mostrar um arquivo, talvez um texto que você companhia de forma
mesmo escreveu. Com certeza, se Bush pedisse, voluntária.
uma companhia norte-americana publicaria tal Felizmente, é possível ter um outro mundo
mensagem. do software e, de fato, ele já existe. É o mundo do
Os usuários não conseguem se livrar desses software livre. Com ele, os usuários têm o
recursos maliciosos. Como não têm o código- controle – individualmente e coletivamente.
fonte, eles não conseguem até mesmo saber quais Você pode compartilhar o software livre e
são os recursos maliciosos que o programa ninguém vai acusá-lo de pirataria. Pode estudar o
contém. Tudo o que podem fazer é confiar código-fonte e mudá-lo para fazer o que quiser.
cegamente no desenvolvedor, sem saber se ele Pode também publicar a sua versão modificada do
merece ou não essa confiança. software para que outros possam usá-la.
Você pode acreditar que a concorrência Desde sua criação em 1984, a
limitaria o abuso de poder dos desenvolvedores. comunidade do software livre desenvolveu
Mas sabe que uma única companhia tem quase o sistemas operacionais completos, como o
monopólio de muitos tipos de software. Mesmo GNU+Linux, e milhares de programas aplicativos.
quando há concorrência, isso não ajuda. Muitas Na nossa comunidade de cooperação voluntária,
vezes, todos os programas concorrentes têm todos os programadores podem contribuir no
recursos maliciosos semelhantes, pois os desenvolvimento do software. Simples usuários
desenvolvedores têm interesses em comum. Às também podem contribuir. Se você não é um
vezes, todos desenvolvedores assinaram acordos programador, mas quer que o programa funcione

FONTE 45
de maneira diferente, pode pedir a um amigo, Os desenvolvedores de software proprietário ficam
convencer o primo programador ou pagar a um tentados a acrescentar recursos maliciosos porque
programador de sua preferência para mudá-lo. seu poder lhes permite permanecer impunes. Tal
Quando os programadores publicam versões comportamento errôneo é improvável quando os
modificadas, você não precisa saber sobre usuários têm o controle.
programação para escolher qual delas gosta mais. De que maneira o futuro se desenrolará?

‘
Ou você pode Eu não sei, porque isto depende de você.
simplesmente confiar Se sempre escolher o caminho mais fácil, os
que a comunidade desenvolvedores de software proprietário (assim
Quando os
fará uma boa como muitos outros) vão tirar vantagem da sua
programadores escolha. Como ênfase em resultados a curto prazo para levá-lo
publicam versões milhões de pessoas para a direção que eles querem. Mas se exigir
lêem o código-fonte liberdade no seu computador, isso está agora ao
modificadas, você do software livre, os seu alcance. Suas decisões e escolhas de como
não precisa saber recursos maliciosos viver e de que tipo de vida você apóia vão
sobre programação podem ser facilmente determinar nosso futuro.
identificados e
para escolher qual removidos. A
delas gosta mais. comunidade, com
certeza, escolherá
uma versão que não * Em 1984, Richard Stallman lançou o
espiona, não tem back door, não impõe anúncios, desenvolvimento do sistema operacional GNU
e, em 1985, fundou a Free Software Foundation
não se recusa a obedecer certos usuários e não (Fundação Software Livre). Desde então, ele
deixa ninguém censurar o que você escreve. recebeu vários prêmios e doutorados honorários.

Copyright 2005 Richard Stallman


É permitida a cópia e distribuição deste artigo na
íntegra, sem modificações, em todo o mundo,
através de qualquer meio, sem pagamento de
royalty, desde que esta nota não seja retirada.

Notas da tradutora:
** back door: elemento do software escondido em um sistema que pode ser usado para invadir a
privacidade do usuário.
*** Ato Patriótico (USA Patriot Act): Lei sobre segurança nacional, promulgada depois do atentado
de 11 de setembro de 2001.
Tradução: Ana Camargos, jornalista e mestre em Comunicação pela Universidade da Flórida.

46 FONTE
Benchmarking

Experiências concretas de uso do software de código aberto


revelam os principais desafios e benefícios de sua adoção.
Veja nesta seção como o Metrô de São Paulo e a Prefeitura
de Recife concretizaram seus projetos. Conheça também
o processo em andamento no Governo do Paraná.

Metrô-SP

Divulgação
A experiência da Companhia do Metropolitano de São Paulo – o Metrô-SP – teve
início em 1997, motivada pela necessidade de redução de custos, que se tornou premente
em função do corte de subsídios do Governo do Estado em 1995. Segundo o gerente de
Tecnologia da Informação da empresa, Gustavo Celso de Queiroz Mazzariol, o proces-
so começou com a substituição do correio, baseado em mainframe, pelo MetroMail e
utilizado até hoje, totalmente baseado em software livre. "Os custos despencaram para
menos de R$ 10 mil por mês. E o impacto dessa implantação junto aos nossos usuários
foi extremamente leve, principalmente pela facilidade de uso e interface amigável",
relembra.
No caso da suíte de escritório, a experiência foi diferente: "O melhor acordo obti-
do com a Microsoft era um contrato de US$ 300 por micro por ano, com direito à últi-
ma versão do MS-Office e Windows. Como estávamos com 1.300 equipamentos, os cus-
tos atingiriam a bagatela de US$ 390 mil por ano ou R$ 800 mil em reais da época. A
opção identificada foi o StarOffice – de uso gratuito e rodando sob Linux - e com uma
"Em termos
grande empresa por trás, a Sun Microsystems, que acabava de adquirir a Star Division,
proprietária do produto."
de economia,
Mazzariol lembra a ousadia da experiência na época, considerando não haver atualmente
então cases conhecidos no país. "Nós mesmos não tínhamos tempo para grandes estu-
dos e planejamentos." Foi criado então um plano para implantação progressiva acom- temos algo
panhada, com um trabalho de sensibilização dos funcionários por meio de palestras de
divulgação e esclarecimentos itinerantes por toda a empresa, mostrando semelhanças em torno de
entre o StarOffice e o MS-Office. Foram distribuídos 500 CDs do StarOffice e montado
um help-desk, para atendimento às primeiras dúvidas. R$ 3 milhões
"Em abril de 2001, por conta de uma reportagem na revista InfoExame, hoje
INFO, intitulada "Estação StarOffice", acabamos virando um case de mercado, por ano"
lembra Mazzariol. "Ficamos surpresos com a repercussão do caso. Desde então, temos

FONTE 47
Software Livre
e o mercado

Isabela Abreu
Cezar Taurion*

A IBM tem forte atuação no movimento de


software livre. Diversas ações de peso têm
sido efetuadas, como doação de código-fonte de
Vejamos o exemplo do Linux. Este sistema
operacional tornou-se rapidamente muito popular e
é um exemplo de como um software livre pode ser
importantes softwares (um exemplo recente foi o bem-sucedido.
banco de dados Cloudscape) e colaboração ativa O Linux iniciou sua carreira na maioria das
no aperfeiçoamento do kernel do Linux, com a organizações como solução tática. Seus primeiros
criação de um laboratório espalhado por diversos adeptos foram as famosas tribos, que
países, inclusive no Brasil (em parceria com a romanticamente debatiam questões de software
Unicamp, em Campinas), com centenas de livre e grátis. Enquanto durou esse contexto, o
desenvolvedores escrevendo código que é doado à ambiente empresarial ficou reativo. Implementar
comunidade. A IBM também é uma patrocinadora um software, sem um responsável final, não é um
ativa de diversas organizações que atuam nesse conceito facilmente aceito pelos executivos das
segmento, como a Apache Software Foundation e grandes corporações.
a OSDL (Open Source Development Laboratory), Nos últimos anos, o Linux se profissionali-
que é o ponto focal para o desenvolvimento do zou, com concentração em poucos, mas sólidos
Linux e onde, inclusive, trabalha Linus Torvalds. distribuidores, e obteve comprometimento dos
Todos os computadores fabricados pela IBM principais players do mercado de tecnologia da
rodam Linux, dos desktops aos mainframes, bem informação, como a IBM. Essas empresas influen-
como todos seus principais produtos de software já ciam o cenário dos softwares livres com seus
foram portados para esse ambiente operacional. parâmetros de disciplina, estabilidade e confiança,
Mas por que a IBM está tão intensamente absolutamente necessários para que o sistema seja
envolvida com software livre e Linux? Para aceito no conservador ambiente corporativo, o que
explicar este envolvimento vamos analisar o permite aos gestores de TI compreenderem que
modelo de software livre e seu impacto na estão diante de um software avalizado pela
indústria de software. comunidade empresarial.

FONTE 53
Hoje o Linux ultrapassou o tipping point e é concentração de mercado, quase monopolista,
usado de maneira mais abrangente na maioria das tende a ser uma arquitetura proprietária e fechada.
empresas. O Linux já é uma idéia aceita pelos Os impactos causados pelo modelo de
CIOs, que compreendem que, com esse ambiente, software livre podem causar sérios transtornos
é possível obter níveis de escalabilidade, exatamente nas empresas extremamente
segurança e confiabilidade anteriormente apenas dependentes de receitas advindas quase que
encontrados nos caros sistemas Unix/RISC, além exclusivamente de licenciamentos de aplicativos
de ser uma sólida alternativa ao Windows. em seus modelos de negócio. Um novo cenário,
A questão mais atual passa então a ser o causado por uma tecnologia de ruptura que atua
mundo pós-Linux. Os softwares livres como diretamente na faixa de mercado da empresa, torna
modelo vão se restringir ao Linux e a alguns o seu crescimento mais árduo, gerando por parte
outros poucos softwares como o Apache, dela reações bastante agressivas para evitar
OpenOffice, Postgres e MySQL, ou esta será uma eventual percepção negativa dos seus investidores.
onda irresistível que vai devastar toda a indústria Por outro lado, as empresas que atuam
de software? intensamente em serviços e obtêm um percentual
Com certeza o movimento do software livre relativamente menor de sua receita total em
é de grande importância, pois afeta a estrutura de software, podem rapidamente aumentar sua receita
algumas das empresas mais sólidas e lucrativas da de serviços entrando fortemente nesse novo
indústria de tecnologia. Obriga a revisão de segmento.
práticas comerciais. Já vemos mudanças na própria Portanto, entendemos que o modelo de
maneira como o software passa a ser distribuído e software livre vai transformar a indústria de TI,
remunerado. Ao invés de ser comprado em um mas não de maneira uniforme. Para a IBM,
pacote para ser instalado em seu computador, os empresa que está se transformando rapidamente
usuários, sejam empresas ou indivíduos, podem em uma fornecedora de soluções de negócios,
agora usar o software e pagar de diversas embasada por forte domínio da tecnologia de
maneiras. O software não precisa mais ser suporte, o modelo de software livre permite que
armazenado no computador da empresa, mas pode suas iniciativas em inovação se concentrem nas
ficar hospedado em algum site remoto, que se camadas de aplicações de maior valor agregado,
responsabiliza pelas atualizações de versões e atuando em sinergia com a comunidade no
aplicações de patches, além de ser acordada uma desenvolvimento de sistemas operacionais e
taxa de aluguel para o seu uso. funções básicas de banco de dados.
Mas o novo contexto provocado pelo Conviveremos sob ambos os modelos,
movimento do software livre afeta também de uma softwares livres e proprietários, e caberá aos
outra maneira as empresas do setor. A indústria de usuários e à indústria extrair o melhor das
software não é homogênea em seus modelos de alternativas disponíveis.
negócio. Existem diversos modelos de negócios,
cada um com suas características e realidades.
Os softwares voltados para o mercado de
massa, como suítes de escritório, têm custos
incrementais de venda virtualmente zero, com
estrutura de mercado altamente concentrada,
modelo de receita baseado quase que
exclusivamente em licenças de venda e * Cezar Taurion é gerente de novas
manutenção. De maneira geral, pela alta tecnologias aplicadas da IBM Brasil

54 FONTE
recebido visitas, feito reuniões, palestras, enfim, temos foi a mudança de cultura, de posturas, e um novo
procurado ajudar outras empresas interessadas em reduzir incentivo para a busca por outras alternativas, sejam
seus custos através de medidas como essa". livres, gratuitas ou mais baratas. "Trabalhamos com
No início de 2002, a Sun lançou a versão 6.0 do bancos de dados livres, CAD genérico e utilitários
StarOffice, fechando o código e passando a cobrar a gratuitos. Hoje temos aliados entre os nossos usuários
licença, mas em paralelo criou um outro produto com que assumiram também tais posturas e vivem nos
código aberto e todos os componentes não proprietários passando dicas de produtos, de alternativas. Não ficamos
do StarOffice 5.2, o OpenOffice.org, "o maior projeto de mais à mercê de grandes empresas de software.
código aberto do mundo". O Metrô-SP adotou o Continuamos a adquirir licenças de software, quando
OpenOffice.org como sua ferramenta padrão de suporte necessário, pois não somos radicais a ponto de não reco-
às atividades de escritório. "O apoio da comunidade nhecer e usar software proprietário onde cabível e
brasileira de software livre é tão forte – constata Gustavo recomendável."
Mazzariol – que apenas alguns meses depois da primeira Outro benefício foi o ingresso da empresa
versão do OpenOffice foi lançada a versão traduzida para numa comunidade que usa e defende o código aberto.
português – Brasil, bem antes da Sun lançar sua tradução "Conhecer tantas pessoas que simplesmente ajudam
do StarOffice 6.0. E em pouco tempo incrementaram no umas às outras, sem outro interesse que não seja
OpenOffice as melhorias que existiam no StarOffice 6.0." colaboração, é surpreendente. E mais surpreendente ainda é
assistirmos o verdadeiro boom de software livre que
Situação atual acontece no Brasil e no mundo, principalmente nos dois
Hoje praticamente todos os equipamentos do últimos anos."
Metrô-SP utilizam o OpenOffice.org. Para as estações Atualmente os produtos livres são utilizados por
mais antigas, menos robustas, no entanto, são adotados o todas as áreas da empresa, em menor ou maior escala.
Word 97 e o Excel 97. Os novos micros têm o OpenOffice "Temos feito grandes economias, mesmo considerando o
e à medida que são trocados deixam de usar o Word/ que gastamos com estudos, treinamentos e implantações.
Excel. Os micros mais novos não estão autorizados a uti- Normalmente, só as economias obtidas nos custos das
lizar as licenças existentes do Word/Excel-97. licenças já compensam. Temos aproximadamente 2.050
O Metrô-SP desenvolve ainda outro projeto, o micros e em todos eles são encontrados produtos livres ou
Micro Livre, que disponibiliza para as áreas novos micros gratuitos. Dos 7.300 empregados, quase 5.000 são
contendo apenas software livre e gratuito. "Já a utilização usuários constantes de software livre."
do Linux em nossos servidores é corriqueira. Temos am- O balanço da adoção do software livre é positivo:
pliado gradativamente esse uso. Desde nossas experiên- "descobrimos que estamos no caminho certo. Usar
cias iniciais com o correio, todo o gerenciamento da software livre foi uma decisão estratégica, ousada e
nossa rede é também realizado com software livre. Mas inovadora. Hoje temos certeza de que acertamos e se
não nos fixamos em uma única distribuição Linux." continuarmos nessa linha estaremos sempre progredindo.
Se no começo andávamos sozinhos e contra o vento,
Vantagens hoje temos inúmeros parceiros andando à frente, ao
Uma das grandes vantagens indiretas apontadas lado e nos seguindo. O rumo de todos é o mesmo: ao
por Gustavo Mazzariol com a adoção do software livre sucesso."

A economia
Segundo Gustavo Mazzariol, a economia obtida é de algo em torno de R$ 3 milhões/ano, no seguinte cenário:
uso do OpenOffice.org e conseqüente economia de licenças do MS-Office, para um parque de 2.000 micros, a US$ 300 por
micro por ano;
uso de bancos de dados livre como o PostgreSQL e o MySQL, economizando vários servidores Oracle que têm um custo de
US$ 45 mil por processador;
uso do MetroMail, correio todo baseado em software livre. Um correio proprietário equivalente custa em torno de R$ 100 por
usuário por mês. São 5 mil contas e em breve estaremos expandindo para perto de 8 mil contas;
nossa intranet é toda baseada em software livre;
gerenciamento de rede usando software livre;
uso de Linux em vários servidores, economizando em licenças de Windows Server (NT/2000/2003).

48 FONTE
EMPREL

Divulgação
EMPRESA MUNICIPAL DE INFORMÁTICA

A implantação
O uso de software livre na Emprel – Empresa Municipal de Informática da
Prefeitura de Recife – foi adotado a partir de março de 1997. Segundo o presidente da
entidade, Waldemar Borges, tudo começou com a substituição de um servidor RISC, que
apresentou problemas. "A estimativa de custo para solução do problema era de R$ 4.500
para substituição do disco rígido e R$ 8.500 para upgrade do sistema operacional."
Optaram, então, pela contratação de serviços de consultoria para implantação do Linux
como servidor de e-mail, DNS e autenticação, que custou R$ 600; a aquisição de um
servidor Intel custou mais R$ 2.500. Essa mudança foi feita por um consultor indepen-
dente, contratado para instalação da primeira versão do Linux, e os custos, absorvidos "Estimamos uma
sem problemas.
"A substituição do servidor ocorreu em uma semana sem maiores dificuldades
economia de
técnicas", lembra Borges. Para a introdução dos demais softwares livres, existia o receio
natural da mudança, que foi sendo superado com os bons resultados das sucessivas
R$ 1,9 milhão
experiências, além das palestras e discussões sobre o tema. A equipe envolvida era com- até o momento,
posta apenas pelo consultor e mais dois técnicos. Não houve nesse momento um treina-
mento específico para os técnicos da Emprel. Eles utilizaram a documentação disponí- somente
vel na internet para o auto-aprendizado e orientações do consultor. Para prosseguimen-
to do projeto, no entanto, com a introdução dos demais softwares livres, a Emprel considerando o
treinou multiplicadores, responsáveis por novos treinamentos para funcionários da
Prefeitura e para a população em geral. uso do Linux e
Com relação à orientação legal, Waldemar lembra que no início não houve qual-
quer suporte para essa implantação. Segundo ele, a Lei 16.639/2001, de sua autoria, que do OpenOffice".
prioriza o uso do software livre na Prefeitura, só foi sancionada pelo prefeito João Paulo
em 2001. Posteriormente, em 2003, a Emprel instituiu, através de portaria, o Padrão
Tecnológico de Referência, que indica a utilização de um conjunto de softwares livres
para a Prefeitura.
A estratégia utilizada foi a de implantar primeiramente o Linux, os softwares
servidores e o ambiente de desenvolvimento, para posteriormente investir na implan-
tação de softwares de produtividade pessoal e de colaboração. A introdução dos demais
softwares aconteceu de forma lenta e gradual, com seus custos sendo, da mesma forma,
absorvidos.
Em 2004, a Emprel lançou o Portal de Software Livre do Recife
(http://sl.recife.pe.gov.br/) e criou, em conjunto com outras instituições públicas federais
e estaduais e universidades, a CSLPE – Comunidade de Software Livre de Pernambuco

FONTE 49
(http://www.softwarelivre.pe.gov.br/). Atualmente está avaliando a adoção
de softwares livres para o geoprocessamento e desenvolvendo um software
livre chamado SIRI - Sistema Integrado de Gestão de Recursos da Internet
(http://sl.recife.pe.gov.br/projects/siri/).
No entanto, explica o presidente da Emprel, o avanço mais rápido do
projeto exige investimentos específicos. "Uma parte desses recursos está
vindo do PNAFM – Programa Nacional de Apoio à Gestão Administrativa e
Fiscal dos Municípios Brasileiros, com recursos do BID – Banco
Interamericano de Desenvolvimento – e com a Caixa Econômica Federal
como órgão operador do programa no Brasil." Adicionalmente, a Prefeitura
recebeu equipamentos, numa parceria com o Banco do Brasil, e montou
cinco laboratórios com softwares livres em escolas públicas. Hoje a
Prefeitura utiliza 52 softwares livres, desde o sistema operacional, passando
por firewalls, servidores de e-mail, de DNS, de banco de dados, de apli-
cações, automação de escritório, softwares para o ambiente de desenvolvi-
mento, etc.

A situação atual
Atualmente o município tem 300 funcionários da Emprel e outros mil O futuro imediato
funcionários da Prefeitura utilizando um total de 1.300 máquinas com soft- Todas as estações de trabalho da
wares livres. A Prefeitura do Recife utiliza softwares livres em 1.272 má- Emprel com Linux e OpenOffice até
o final de 2005;
quinas desktop – de um total de 5.000 máquinas – e em 28 das 34 máquinas
Todas as estações de trabalho da
servidoras. As máquinas desktop utilizam o OpenOffice, muitas com o Prefeitura do Recife com Linux e
Linux; e as máquinas servidoras utilizam, no mínimo, o Linux. Já a Emprel OpenOffice até o final de 2006;
utiliza softwares livres em 90% de suas máquinas e o restante encontra-se na Implantação dos sistemas desen-
administração direta e indireta da Prefeitura. volvidos dentro do PNAFM até o
final de 2006;
Waldemar Borges destaca a Secretaria de Educação, que adota o
Aprimorar o SIRI - Sistema
OpenOffice nas UTECs - Unidades de Tecnologia na Educação e Cidadania, Integrado de Gestão de Recursos da
em laboratórios de escolas públicas e nos ônibus-escolas, oferecendo treina- Internet ;
mentos e acesso à internet gratuitos para a população. "Estimamos uma Treinamentos para a Prefeitura e
para a população do Recife;
economia de R$ 1,9 milhão até o momento, somente considerando o uso do
Implantação de geoprocessamento
Linux e do OpenOffice", contabiliza. baseado em softwares livres;
Participação ativa da Emprel na
Recomendações comunidade, em especial na CSLPE
Com a experiência adquirida na Emprel, Waldemar Borges aconselha: - Comunidade de Software Livre de
Pernambuco;
é importante que a empresa que se propõe à adoção do software livre crie um Participação ativa da Emprel na
clima favorável para a mudança. Isso pode ser construído através de equipe de coordenação e nas
palestras, apresentação de casos de sucesso e informações objetivas sobre os palestras, dentro do LACFREE
softwares livres: razões para sua adoção, benefícios e dificuldades esperadas 2005 - Conferência Latino-ameri-
cana e do Caribe para Uso e
e como superá-las. "Recomendamos um plano de implantação", sugere. Desenvolvimento de Software
"Um bom subsídio é o Guia Livre, produzido pelo Governo Federal Livre, que será realizada em outubro
(http://www.softwarelivre.gov.br/). Entre outras ações, o plano deverá con- de 2005 em Recife/Olinda;
Estímulo ao uso de software livre no
templar a proteção aos dados atuais, o treinamento e a garantia do suporte
mercado local de informática (Porto
adequado aos usuários, a fim de evitar que as dificuldades encontradas Digital);
no dia-a-dia sejam motivo para reversão do processo de mudança. Criação de Praças da Informação,
E, finalmente, é preciso compreender que software livre não significa ou seja, novos centros de treinamen-
to e acesso à internet para uso
software de graça, e, portanto, o projeto deverá ser orçado e ter o investimen-
gratuito pela população de Recife.
to garantido."

50 FONTE
Isabela Abreu

O desafio do presidente da Celepar, Marcos Vinícius Mazzoni, quando assumiu


a entidade há aproximadamente dois anos e meio, ultrapassava a adoção de uma tecnolo-
gia específica. Segundo ele, a missão era resgatar a empresa de informática como cen-
"Economi-
tro de tecnologia do Governo, revertendo a situação existente de um modelo de tercei-
rização de serviços. "Tudo o que era novo estava sendo feito por empresas privadas ter- zamos, em
ceirizadas; os grandes projetos estavam em processo de licitação ou já tinham sido lici-
tados", lembra. licença de
O objetivo foi fortalecer novamente a Celepar que, segundo Mazzoni, apresenta-
va um parque de máquinas defasado, fazia manutenções em sistemas que ela sequer
software
havia desenvolvido ou em seus sistemas legados tradicionais. "Tivemos que investir no que
parque de máquinas, substituir servidores, trocar o mainframe por novas tecnologias,
inclusive com ambientes Linux. Enfim, substituir toda a plataforma de desenvolvimen- deixamos
to para obter mais produtividade com o software livre; fizemos também a migração de
todos os serviços que estavam fora, terceirizados, como era o caso do Detran, da Saúde,
de comprar,
da Educação. Tudo voltou para a Celepar." em torno
Para isso, foi necessária a requalificação de todo o quadro técnico da empresa e
a contratação de 180 profissionais, por concurso público, só para a área de desenvolvi- de R$ 40
mento. Há previsão de novo concurso ainda este ano para recompor a equipe.
Para mudar todo o conceito de desenvolvimento de forma rápida, foi criada
milhões
uma sistemática de cooperação com a comunidade de desenvolvedores. "Isso evidente- nesses dois
mente só é possível no mundo do software livre", constata o presidente da Celepar.
"Nós ajudamos a constituir o Movimento do Software Livre do Paraná e, junto com a anos".
comunidade, começamos o treinamento dos nossos profissionais, a estudar migrações, a
ver como é que nós poderíamos alterar as coisas até chegar ao que nós chegamos
agora, nesse mês de abril: uma nova plataforma completa de desenvolvimento de
software livre, em que todos os nossos desenvolvedores usam máquinas com
Linux e têm num servidor todas nossas ferramentas de desenvolvimento de software
livre".

FONTE 51
Para isso foi adotado o conceito de fábrica, em Os 36 telecentros existentes hoje no Estado do
que quarenta profissionais só desenvolvem: não fazem Paraná também estão todos em software livre. O projeto
manutenção, não atuam nos sistemas legados e traba- prevê 200 telecentros com software livre, que serão inte-
lham exclusivamente com ferramentas de software livre. grados com a escola.
O balanço é o seguinte: o que antes era 100% plataforma "Através do software livre nós viabilizamos
proprietária é hoje 80% servidores Linux; das 900 inclusive o desenvolvimento de todos os projetos
máquinas de trabalho, 800 já estão totalmente em Linux; finalísticos do Governo e conseguimos manter nosso
já foram migradas várias secretarias e criado o projeto da pessoal com domínio total da tecnologia. Dessa
Educação. Nessa área, são hoje 18 mil máquinas com forma, mesmo o que temos que comprar fora compramos
Linux e a previsão é de que a partir do segundo semestre com base em nossas especificações, porque qualquer
esse número chegue a 36 mil e em 2006, a 56 mil produto para ser vendido para o estado do Paraná
máquinas, representando a informatização das 2.200 tem que ser totalmente aderente ao software livre. Isso
escolas integralmente em software livre. garante a continuidade dos projetos pelos nossos profis-
De acordo com Mazzoni, o orgulho da equipe da sionais."
Celepar é o portal www.diaadiaeducacao.pr.gov.br, cria- Esse momento é especialmente importante
do para a rede escolar, com o objetivo principal de apoiar para o Estado, enfatiza Mazzoni, "Porque fechamos as
os professores. Obedecendo a mesma premissa de com- ferramentas de desenvolvimento e temos agora a
partilhamento e colaboração do software livre, os profes- estrutura para os desenvolvedores, que vão gerar
sores têm acesso a conteúdos dos diversos campos do exclusivamente software livre." Ele lembra que a
conhecimento disponibilizados por colegas integrantes experiência de implantação do software livre no Rio
da rede. "A Secretaria colocou todos os conteúdos de Grande do Sul - em 1999, quando era presidente da
Matemática, de História, de Geografia, nesse portal; é Procergs - foi importante porque ajudou a quebrar
um dos nossos projetos mais importantes", comemora resistências. "A experiência anterior nos ajudou a passar,
Mazzoni. No ambiente do portal os professores entram e agora, por cima da discussão da tecnologia e nos
discutem as matérias por meio de um chat; todos os pro- concentrar no posicionamento estratégico do governo.
fessores da rede pública estadual podem colaborar e o E se foi possível fazer tudo que se fez com software
portal está aberto para o Brasil inteiro. livre no Rio Grande do Sul, era possível fazer em outro
Outro produto da empresa é o Correio Expresso, lugar."
desenvolvido a partir de uma ferramenta da comunidade Se por um lado havia no Paraná um ambiente
alemã. São atualmente mais de 30 mil usuários. "Ele é mais receptivo à mudança, por outro havia o problema da
todo em software livre e vai ser o correio da rede dos transferência de todos os contratos terceirizados para
alunos, ou seja, nós vamos ter mais de 1 milhão e meio dentro da Celepar, tecnologias que a empresa não esco-
de usuários nesse correio. É voltado para a língua por- lheu ou "sequer teve chance de opinar em gestão
tuguesa, todo ele integrado com agenda, correio e catá- anterior" e migrar tudo isso para soluções em tecnologia
logo; é uma ferramenta de groupware completa. Temos de software livre, a custos inferiores aos contratados.
hoje em torno de 40 projetos em andamento no mundo "Foi nosso desafio inicial para provar o modelo: não
do software livre", informa Mazzoni. podíamos deixar mais caro, tínhamos que conseguir
Os resultados já podem ser contabilizados: "Eco- fazer com que tudo isso acontecesse com custos
nomizamos em termos de licença de software que menores." Como exemplo, ele lembra o sistema da área
deixamos de comprar em torno de R$ 40 milhões nesses de Saúde, que era terceirizado e custava ao Estado
dois anos. Além disso, há os projetos já concebidos em R$ 750 mil reais por mês; ao assumir o sistema, a
software livre, em que são adquiridas máquinas sem Celepar fez a migração em 20 dias e passou a cobrar
software. Quem coloca o software somos nós". R$ 50 mil reais por mês.

52 FONTE
Divulgação
Software Livre
na Procergs
Carlos Alberto Pacheco*

S oftware Livre não é novidade na Procergs.


Desde 1995, por ocasião do lançamento pela
Procergs do primeiro provedor internet no Rio
Na Procergs, está implementado um modelo
de negócios em relação ao software livre que se
baseia na venda de soluções, postura esta aderente
Grande do Sul, o Via RS, o mesmo foi viabilizado ao próprio negócio da empresa, qual seja:
pela utilização majoritária de software livre na "soluções em tecnologia da informação e
composição de sua infra-estrutura. comunicações."
O posicionamento da atual gestão da Um exemplo prático aqui na empresa é o
Procergs em relação ao software livre sempre foi caso do correio corporativo integrado com
muito claro e objetivo. Desde o primeiro momento agenda e catálogo de endereços com acesso pela
que assumimos a companhia, dedicamos muito internet, que desenvolvemos com base no software
tempo em estudos e avaliações em relação a esse livre. O Direto, como o chamamos, é um
tipo de tecnologia, por entender que se tratava de aplicativo que, antes de assumirmos a direção da
uma realidade de mercado irreversível. Adotamos, empresa, vinha sendo distribuído sem os
porém, uma visão mais pragmática em relação ao necessários cuidados em relação ao regramento
tema, descartando qualquer tipo de postura jurídico e legal. Várias empresas estaduais
ideológica e tendenciosa. Entendemos que tanto o adotaram o Direto como solução de correio
software livre como o software proprietário são eletrônico na oferta de serviços às administrações
apenas ferramentas e como tal deve ser levado em estaduais. Dentre os regramentos que
conta o custo/benefício no momento da opção. consideramos significativos estão a preservação do
Seguindo essa linha de pensamento, produto como software livre com um novo modelo
entendemos que a aplicação de software livre na de licenciamento para novas versões, e a obtenção
administração pública estadual deve ser analisada do controle sobre a evolução tecnológica dos
com muito cuidado e responsabilidade, exigindo produtos desenvolvidos. Procuramos preservar as
um estudo "caso a caso". marcas de propriedade da Procergs, estabelecer um
É consenso hoje em dia o fato de que não modelo que preserve a autoria dos códigos
existem soluções em software livre para todas as desenvolvidos pela companhia e também por
necessidades técnicas. Além disso, no que tange à outrem, permitir e viabilizar a coexistência de
distribuição deste, existem muitas dúvidas em software livre com softwares proprietários e acima
relação ao respaldo jurídico para se fazer isso. de tudo o respeito pela legislação vigente.
Afinal, pode a administração pública disponibilizar
algo de forma gratuita à sociedade sem ser punida
legalmente? Esta é uma questão que mereceria uma
discussão mais profunda por parte dos gestores que * Carlos Alberto Pacheco de Campos
vêm adotando o software livre em suas soluções. é diretor-presidente da Procergs

FONTE 55
Lyderwan Santos

Conhecimento
gera Conhecimento
Paulo César Lopes* Navegar é preciso, viver não é preciso...
(Fernando Pessoa)

H oje o conhecimento é motor que gera


riquezas e supera gradativamente os tradi-
cionais fatores de produção: a terra, o trabalho e o
obtém desde o endereço de um indivíduo até a
receita para se confeccionar uma bomba atômica.
Mas bem antes do surgimento da grande rede o
capital. A maioria das empresas, atentas às conhecimento livre e sem restrições já existia3. Se
mudanças e ao mercado, deixou de produzir para a internet possui hoje dezenas de milhões de sites4,
realizar serviços e vender conhecimento, agregan- vários são mantidos pela força da colaboração e do
do valor a seus produtos. Segundo o Institute of cooperativismo, com a aplicação dos novos princí-
the Future1, o setor de serviços é o que mais cresce pios adotados pelo desenvolvimento técnico e
na economia mundial e as empresas e negócios científico moderno: "hospitalidade"; "reciprocida-
baseados no uso intensivo do conhecimento são o de"; "solidariedade" ou "colaboração solidária"; e
futuro. Hoje, mais de 45% do PIB dos países o princípio do "autodesenvolvimento e estima."
desenvolvidos resultam dessa força motora. O primeiro deles permite a aceitação do
Trata-se de um recurso inovador que, ao outro, ou dos outros, da maneira que se apresen-
contrário da terra, do trabalho e do capital, não se tam. O segundo princípio considera a possibilidade
exaure com a sua utilização e não apresenta limita- do escambo de propostas, teorias, ferramentas,
ções físicas. Mais: conhecimento gera conhecimen- metodologias e conhecimentos. O terceiro é bem
to. É o imaterial gerando o imaterial, a exemplo do claro e busca o trabalho cooperativo e solidário
que ocorre no mundo digital. Isso traz novas entre as pessoas e grupos de pessoas. O último
perspectivas para a economia e a sociedade, deter- princípio considera o colaborador como parte
minando uma maior complexidade nas relações importante de um todo muito maior que suas
entre os segmentos sociais e uma preocupação colaborações, ensejando o "trabalho com paixão" e
constante com a gestão do conhecimento. autodesenvolvimento.
O principal motivador dessa complexidade é Tais princípios são revolucionários e estão
o processo de autopoiese2. O conhecimento surge presentes no movimento pelo conhecimento livre.
do conhecer e o conhecer gera conhecimento. As São as bases das mudanças de paradigmas propos-
implicações filosóficas, sociológicas e econômicas tas e estão baseadas no ambiente acadêmico. Toda
desse processo são imensas e foram catalisadas tese acadêmica desenvolvida por um único pesqui-
com o advento da grande rede. Na internet você sador, ou por um grupo deles, deve ser apresentada

1 http://www.iftf.org/docs/2003_Ten-Year_Forecast.pdf
2 Autopoiese quer dizer autoprodução e autogeração. A palavra surgiu pela primeira vez num artigo publicado por Varela, Maturana
e Uribe, para definir os seres vivos como sistemas que produzem continuamente a si mesmos (1974).
3 http://www.suigeneris.pro.br/edvariedade_jgarcia.htm
4 http://news.netcraft.com/

56 FONTE
para a comunidade. Nessa apresentação, aberta ao mundo5, transformando o trabalho, que pode ser
público, todo o conhecimento obtido e gerado pela bastante cooperativo e solidário na rede. A soli-
pesquisa deve ser colocado de maneira transpa- dariedade e hospitalidade ganharam outra dimen-
rente para a comunidade, incluindo sua publicação são e uma interpretação mais ampla. Não há como
em uma revista especializada. Essa é a cultura que um usuário não se sentir como parte da rede.
foi construída por centenas de anos para o A internet catalisou todo o processo de expo-
conhecimento acadêmico teórico e prático. A sição e construção do conhecimento e da elaboração
comunidade de especialistas, por sua vez, deverá de novas teses e pesquisas. Abriu a possibilidade
testar, avaliar, criticar e, caso haja problemas, da "navegação" por todo tipo de conhecimento.
refutá-la. Esse processo obriga a exposição das "Navegar" tornou-se uma necessidade básica para
idéias, ferramentas, processos e de todo o conheci- a aprendizagem e para a busca e produção do co-
mento envolvido. Novamente, o conhecimento nhecimento e incentivo à participação de todos na
gerando conhecimento. elaboração dessa nova dinâmica. Quase todo o
Evidentemente que existem exceções. usuário da internet já esbarrou no conhecimento
Muitos centros de pesquisas, distantes do mundo livre, quase sempre por meio de pesquisas nos
acadêmico, não seguem essa metodologia. As jus- sites de busca. Mas o que poucos percebem é que
tificativas mencionam questões de segurança e a maioria das pesquisas apresenta resultados
razões financeiras ou estratégicas para a manuten- obtidos do maior projeto de compartilhamento de
ção dos conhecimentos como segredos do negócio. conhecimentos na rede: a Wikipedia6. Essa enci-
O que coloca em um extremo o paradigma de clopédia é o resultado do trabalho de colaboração
manutenção do conhecimento proprietário, que de milhares de milhares de indivíduos, oferecendo
considera o saber como objeto de propriedade hoje mais de 500.000 verbetes em língua inglesa,
individual ou empresarial, e no outro extremo o 220.000 em alemão, 100.000 em japonês e
paradigma revolucionário do conhecimento livre, dezenas de milhares em francês, português,
que considera o saber como patrimônio da espanhol, polonês, etc. (são mais de 100 línguas e
humanidade. Discussão polêmica que esbarra 1.5 milhões de artigos/verbetes). Tornou-se a
naturalmente na clássica questão da propriedade e maior enciclopédia disponível no planeta em
seus efeitos sociais. Tema complexo que já pro- número de verbetes. Novos verbetes, correções, ou
duziu várias teses e trabalhos, mas que sempre complementações podem ser propostos por qual-
permite discussões acaloradas e bastante irra- quer um. Os artigos/verbetes devem ser neutros e
cionais. Quando se presencia tais conflitos, facil- são avaliados por um comitê gestor e pela própria
mente identificam-se as dificuldades de comunica- comunidade. A participação dos internautas é
ção entre os defensores de ambos os paradigmas. espantosa e demonstra bem o poder da soli-
A semântica e a carga léxica de ambos os lados dariedade e da reciprocidade dentro da rede. É a
não permite uma comunicação sem ruídos. força da antiga proposta do conhecimento livre.
Emissor e receptor sempre estão interpretando as
informações de maneira tendenciosa.
* Paulo César Lopes é bacharel em
Mas algumas conclusões são perceptíveis. Computação, Administração e Direito (UFMG),
Uma delas é a consolidação dos novos princípios pós-graduado em Computação (UFMG) e
já referidos neste artigo. A grande rede os expôs ao analista de suporte da Prodemge

5 A internet também propiciou o surgimento de propostas de novas relações sociais, novas relações de negócios e de uma nova ética
entre as pessoas e as empresas. Um exemplo claro é o Manifesto Cluetrain, ou o Trem das Evidências, que surgiu em meados de
1999, e tornou-se rapidamente um baluarte. Hoje, encontram-se no seu site mais de 200 páginas de assinaturas. Nelas várias pes-
soas influentes de vários segmentos do conhecimento humano assinam e tecem comentários. http://www.cluetrain.com/portuguese/
6 http://wikipedia.org

FONTE 57
Divulgação

Racionalização de Recursos em TI
Usando Softwares Livres e
Outras Alternativas
Helvécio Borges Filho
Engenheiro aeronáutico, formado e com mestrado pela Universidade de Illinois nos
Estados Unidos. Trabalhou na Embraer como projetista de aeronaves e nos EUA
como consultor na área de simuladores de vôo.
É instrutor autorizado do banco de dados livre MySQL e sócio-diretor da EAC
Software, especializada em desenvolvimento de soluções que utilizam tecnologias
livres e que rodam em qualquer plataforma. É vice-presidente da Assespro-MG (enti-
dade representativa do meio empresarial de informática).

RESUMO
Este artigo analisa a situação atual da TI no Brasil no que tange ao uso dos prin-
cipais softwares adotados pelo mercado (mainstream) e o potencial de uso de
softwares alternativos e livres, de custo inferior. São citadas situações onde se
pode racionalizar recursos com produtos de menor custo, assim como situações
não favoráveis ao uso de produtos livres. O objetivo é dar a devida atenção a
todas as opções que o mercado de TI oferece, às necessidades dos clientes
finais e às várias considerações que compõem o quadro de decisão, procuran-
do valorizar mais, em última análise, os interesses de longo prazo das organi-
zações e o papel dos gestores de TI.

Existem no Brasil, mais do critérios, que variam para cada que o mercado oferece, ficamos
que em outros países, vários mi- projeto. aqui no Brasil nos debatendo com
tos em torno do software livre. Nosso desconhecimento do questões de segunda ordem, co-
Como engenheiro e empresário assunto, por uma série de moti- mo preferências pessoais, com
de TI, vejo softwares livres e ou- vos, tem criado dificuldades na radicalismos de todos os lados, e
tros softwares proprietários fora adoção de soluções alternativas, perdemos o foco do negócio, que
do mainstream como alternati- com potencial de gerar grandes é gerir a TI da forma mais
vas tecnológicas interessantes, economias e/ou domínio tecnoló- eficiente. Com isso estamos per-
merecedoras de estudo e avalia- gico estratégico para as organiza- dendo a preciosa vantagem
ção, para serem utilizados em ções. E, enquanto países ricos do tecnológica que detínhamos na
situações em que se mostrarem primeiro mundo usam simultanea- década de 70 e 80. Se continuar-
mais vantajosos, por diversos mente todas as opções tecnológicas mos assim, ficaremos relegados a

60 FONTE
arrastadores de componentes, a - escrevem-se e-mails que interface gráfica, a interação
clicadores de mouse, reféns de podem ser lidos em qual- entre o usuário e a máquina é
tecnologias que não dominamos. quer sistema operacional totalmente intuitiva, materializa-
Será que é este nosso destino, ou programa; da através de ícones e helps de
nossa vocação como país? - um site pode ser desen- toda espécie e em todas as lín-
Ademais, a busca por padrões volvido de forma que rode guas. Para salvar um documento,
abertos tem sido uma antiga e em qualquer plataforma e o ícone é um disquete em qual-
justa reivindicação nos projetos com qualquer navegador quer plataforma. Para imprimir,
de governo eletrônico (e-gov), compatível com padrões clica-se no ícone de uma impres-
atendendo simultaneamente o internacionais. sora e assim por diante. As fun-
Governo e, não com menos Com um pouco de atenção aos cionalidades dos produtos que
importância, o cidadão, cliente e clientes dos serviços, aos recursos vingaram no mercado são próxi-
pagador dos serviços. Entretanto, tecnológicos de que dispomos e mas demais para se justificar a
esses projetos de e-gov têm, via com boas diretrizes de desen- adoção das soluções mais caras,
de regra, estimulado a pirataria volvimento e testes, podemos exceto em situações muito bem
na medida em que forçam o facilmente chegar a um ótimo justificadas.
cidadão a trocar com o Governo patamar de interoperabilidade. A melhor forma de preserva-
informações em formatos pro- Ou seja, o que não faltam são ção do investimento em capacita-
prietários (editais, sites, bancos e formas de fazer com que produ- ção é treinar o usuário a utilizar
até recentemente a declaração de tos diferentes conversem entre si, informática, de forma genérica, e
imposto de renda). otimizando os recursos das orga- não em um produto em especial.
A troca de informações atra- nizações, da mesma forma que Ninguém adquire carteira de ha-
vés de protocolos padronizados e um administrador de uma frota de bilitação para dirigir um carro de
conhecidos (padrões abertos e veículos racionaliza seus recur- uma só marca, apesar das peque-
interoperáveis) é algo de livre uti- sos utilizando produtos diferentes nas diferenças em carros de mar-
lização e fácil implementação em para aplicações diferentes. cas diferentes. Quem usa um edi-
quase todas as situações, não sen- Sob essa ótica, a homogenei- tor de texto, usa qualquer editor
do mais necessária a adoção de dade de soluções pode, em mui- de texto de qualquer fabricante, ex-
soluções padronizadas de proto- tos casos, ser contraproducente. ceto quando o usuário utiliza recur-
colos fechados (ou proprietários, E, mesmo sendo contraprodu- sos muito avançados e necessita
as chamadas "caixas-pretas"). cente para um órgão governa- de algum curso ou suporte espe-
Hoje em dia: mental, qualquer projeto de go- cial. A dificuldade de transição en-
- qualquer sistema operacio- verno eletrônico tem que atender tre aplicativos para atender o cida-
nal gera arquivo no forma- também ao cidadão, na platafor- dão ou trabalhador comum reside
to PDF para ser lido em ma em que ele estiver, sob pena apenas no plano psicológico.
qualquer outro sistema desse projeto se tornar mais um De toda forma, é fato que a
operacional; forte estímulo à pirataria que o grande massa de usuários de infor-
- qualquer aplicação, escrita Governo tanto tenta combater. mática no Brasil, independen-
em qualquer linguagem, No passado, havia a impres- temente de estarem utilizando em
rodando em qualquer sis- são de que, no caso de adoção de casa ou em ambiente corporativo,
tema operacional, "conver- alguma outra solução fora do adota softwares proprietários. Mas
sa" com qualquer banco de mainstream, seria necessário um vale a pena entender um pouco o
dados rodando em qual- treinamento especial para todos ambiente que nos levou a esta
quer outra plataforma; os usuários. Com o advento da condição.

FONTE 61
A História do Software Proprietário Livre no Brasil
Os primeiros softwares livres no Brasil foram proprietários, senão vejamos.

Com a facilidade que a pira- Impulsionados também pela E, já que é "livre", não de di-
taria proporcionou no final dos inquestionável qualidade da qua- reito mas de fato, não havia mais,
anos 80 até o presente momento, se totalidade dos produtos impor- como outrora, necessidade de se
os softwares proprietários se tor- tados de TI, criou-se no Brasil questionar a qualidade de alguns
naram praticamente livres, com uma impressionante massa crítica destes produtos, ou mesmo testar
livre circulação, com livre dupli- de usuários piratas. e homologar. "Gratuito", "intero-
cação, e os usuários e gestores fe- Na ausência de preço, o perável", por que não continuar
charam os olhos para as questões usuário, com o advento do micro- nesta linha?
de licenciamento, custo, critérios computador, tornou-se dono e Este cenário, aliado ao alto
de instalação, funcionalidade, gestor soberano do seu equipa- custo mesmo dos aplicativos
segurança, privacidade e pensa- mento e passou a escolher o que mais simples, criou no Brasil um
mento de longo prazo. melhor lhe convinha, por qual- ambiente favorável à homogenei-
O alto preço dos produtos im- quer critério, seja técnico, seja dade de aplicativos proprietários,
portados, mesmo os mais simples, por influência de colegas ou pela notadamente aqueles fabricados
impingia uma condição que impe- mídia (poder econômico, com pela Microsoft, mas não restritos
dia e impede até hoje que, em sã alto poder de influência tanto nos a estes de forma alguma.
consciência, um cidadão ou em- decisores quantos nos usuários). As campanhas anti-pirataria,
presário adquira esses produtos O fato é que ele, usuário ou ges- quase sempre tímidas e financia-
legalmente e de forma indiscrimi- tor, se sentiu livre, livre de ter que das pela indústria estrangeira de
nada como ocorre atualmente na pagar, livre para escolher. software proprietário, obviamen-
grande maioria das situações. Não Com o passar do tempo, te nunca se preocuparam muito
há dinheiro no Brasil para pagar estes usuários piratas se torna- em orientar o cidadão sobre alter-
todo o software proprietário ins- ram também competentes nos nativas mais econômicas, que
talado e nem haveria cadeia para produtos que eles livremente ins- sempre existiram, pagas ou gra-
abrigar tanto contraventor. talaram. tuitas, proprietárias ou livres.

Por Que Usar Softwares Livres e Outros Softwares Alternativos?


São muitas as possíveis razões para que um gestor de TI, analista ou programador, se veja atraído, cogite ou
seja incentivado, em diversos graus, a adotar softwares livres ou outras alternativas.

É inegável a economia que softwares pagos nessa categoria, OpenOffice é gratuito. Para quem
algumas situações proporcionam. exceto em situações muito espe- não está pagando a conta (ou acha
Um exemplo simples de uma situ- ciais e bem justificadas. O que não está), o melhor produto é
ação dessas é a escolha de um WordPad, editor de texto gratuito aquele que o próprio usuário julga
aplicativo para escrever textos, no Windows, atende a 90% dos melhor e não o que convém à or-
planilhas ou fazer apresentação de atuais usuários do Word, sendo ganização para a qual ele trabalha.
slides. Não faz nenhum sentido que este custa 1.600 reais. O Há ainda condições em que
onerar uma administração com WordPerfect custa 300 reais. O o gestor financeiro, o gestor

62 FONTE
jurídico ou o gestor estratégico cial que não seria possível se proprietário, não define um tipo
podem também vir a atuar de usassem apenas os recursos dos específico de licenciamento.
forma preponderante sobre as softwares proprietários. Quando Existem, sim, várias licenças
decisões na área de TI, seja por se usa um software "caixa-preta", livres, mas que são ordenações
questões de custo, por questões não se consegue fazer com ele jurídicas que devem ser res-
de legalidade, privacidade ou nada além do que ele foi progra- peitadas como em qualquer outra
segurança, de forma incondi- mado para fazer, o que não pro- situação. Existem ainda soft-
cional, não importando nestes move o diferencial competitivo wares livres que, em certas
casos a indicação técnica ou de muitas vezes desejado. condições, são passíveis de paga-
mercado (seguir o que o usuário O Yahoo e o Google utilizam mento de licença de uso, normal-
deseja). uma parafernália de soluções tec- mente a preços bem mais baixos
A Nasa não usa software pro- nológicas, livres e proprietárias, que softwares proprietários
prietário em seus veículos espa- pois só assim conseguem ao mes- equivalentes. Mas software livre
ciais por questões de segurança. mo tempo otimizar recursos e também tem contrato, que nin-
Todos os novos filmes que buscar alguma vantagem compe- guém lê e conhece, da mesma
utilizam efeitos especiais lançam titiva além do que uma "caixa- forma com que são tratados e
mão de softwares livres custo- preta" oferece. pirateados os softwares proprie-
mizados porque isso lhes dá van- Vale a pena ressaltar que tários. E é a isso que denomino a
tagem competitiva, um diferen- software livre, como software "pirataria do software livre".

Aplicações Maduras de Softwares Livres


Existem alguns produtos livres que têm se destacado e substituído com vantagem alguns produtos proprietários,
ora com mais recursos, ora com menos recursos, e sempre com menor valor de licenciamento e relicenciamen-
to (upgrades), que é o que "pega" a longo prazo.

1) software livre rodando em gem econômica e de segu- usuários e administradores


plataformas proprietárias rança. teriam tido tempo para en-
Muito comum na Europa, Um situação típica seria um tender a fundo os recursos
esta alternativa parte do desktop com OpenOffice, desses produtos.
princípio de que: Mozilla Thunderbird e Esse tipo de utilização de
- a plataforma Windows no Acrobat Reader. Essa con- softwares livres e alterna-
desktop é inegavelmente figuração atenderia uma tivos impõe nenhuma difi-
mais fácil para instalar e grande massa de usuários, culdade de instalação e
operar, e conseqüentemen- a custo zero ou bem mais portanto não requer capa-
te mais econômica; baixo do que a aquisição citação especial nem por
- o usuário comum necessita indiscriminada de produtos parte dos administradores
de funcionalidades presen- mainstream, principal- nem por parte dos usuários.
tes em aplicativos que po- mente em larga escala e a
dem ser encontrados tanto longo prazo, quando teri- 2) software livre em servidores
no mundo livre quanto no am sido contabilizados web
mundo alternativo proprie- todos os upgrades de soft- O servidor web mais usado
tário, com grande vanta- ware e em cujo período os no mundo é o Apache, que é

FONTE 63
livre e gratuito. Não existe 5) software livre em VoIP levam ao desenvolvimento de
justificativa técnica para se Como o setor de telecomuni- soluções engenhosas e adap-
utilizar outro produto na cação opera com protocolos tadas a projetos específicos.
maioria das situações. O pro- conhecidos, não é impossível Havendo resistência a este ti-
duto ainda é complementado desenvolver soluções abertas. po de pensamento e com abun-
por outras soluções livres As implementações do proto- dância de recursos, o melhor
como o Proxy Squid e o ana- colo SIP e do aplicativo mesmo é se render aos produ-
lisador de tráfego Webalizer. Asterisk permitem que um tos mais ortodoxos. Não é
bom profissional de TI uma questão de arriscar e sim
3) software livre em servidores implante uma solução VoIP de capacitar e entender.
de correio que pode vir a custar alguns Para bancos de dados existem
Existem aqui várias opções milhões de reais. soluções de cluster, soluções
livres, campeãs de mercado, Olap (proprietárias e alterna-
como o Postfix, o Qmail e o 6) software livre em bancos de tivas), ferramentas para
Exim, além de vários produ- dados extração de dados e para
tos acessórios tais como anti- Os bancos de dados livres desenho de diagrama enti-
vírus (Clamav) e anti-spam têm mostrado uma evolução dade-relacionamento.
(Spamassassin). Muitas pes- muito grande. O PostgreSQL,
soas discutem a eficácia des- o MySQL (agora com quatro 7) desktops para telecentros
tes produtos e como eles produtos), o Firebird e o SQL Um bom exemplo disso são
sobrevivem. Este assunto é Lite oferecem uma gama de os telecentros da cidade de
extenso mas, em poucas pala- opções muito interessante. São Paulo, que operam com
vras, podemos dizer que o Já existem hoje mais de 3.500 um servidor e estações (desk-
mercado oferece inúmeros clientes SAP rodando com tops) sem hd (hard disk).
cases de sucesso e, para bancos de dados livres Nessa situação é muito inte-
quem está efetivamente atrás (MaxDB). Existe uma fartura ressante o uso de uma estação
de economia, isto deve bastar. de produtos e recursos asso- sem disco pela sua facilidade
ciados para várias situações de configuração e administra-
4) serviços de mensagens ins- (não todas, obviamente) e ção. Foi justamente com essa
tantâneas que, com algum conhecimen- possibilidade de operação que
Hoje existem formas de se to técnico, permitem substi- o sistema operacional de rede
conectar a qualquer serviço tuir soluções caras e comple- Novell Netware se firmou no
de mensagens proprietário xas onde estas forem subuti- mercado. Em larga escala,
(MSN, ICQ, etc.) através de lizadas. essa configuração de telecen-
produtos livres similares e Investimento em capacitação tros pode se tornar bem mais
que se conectam simultanea- em TI e nos produtos especí- econômica em termos de
mente a todos esses protoco- ficos pode levar uma organi- hardware e de custo de admi-
los. As interfaces são muito zação a economizar grandes nistração, visto que é tudo
semelhantes e muitas vezes somas com licenciamento e centralizado nos servidores.
produtos alternativos ofere- upgrades.
cem recursos adicionais. Des- O real domínio das tecnolo- 8) e-gov
ses produtos, os de maior su- gias e a real compreensão de Padrões interoperáveis são
cesso são o Gaim e o Kopete. como as coisas funcionam parte intrínseca de qualquer

64 FONTE
produto livre. Documentos 10) gestores de conteúdo operacional. Existem ainda
em formatos abertos (RTF e O site www.cmsmatrix.org ferramentas livres de apoio
PDF) e programas escritos cita mais de 100 produtos ao desenvolvimento (CVs,
em linguagens multiplatafor- livres para desenvolver sites, Bitkeeper) que controlam o
ma (QT, Java, PHP, C) fazem cada um com características desenvolvimento em equipe e
parte do universo de produtos técnicas e comerciais (supor- frameworks de produtivi-
livres que podemos e deve- te, treinamento, etc.) dife- dade bastante avançados.
mos utilizar. rentes. Exceção se faz à linguagem
Java, também multiplata-
9) gerenciadores de impressão 11) servidores de arquivo forma, mas para a qual ainda
e de utilização de recursos Aqui o Linux e o FreeBSD se é melhor usar Windows
de internet destacam, dada a estabilidade como ambiente de desen-
Todo gestor de TI necessita con- e segurança comprovadas no volvimento (para rodar Java
trolar o volume de impressão desempenho dessas funções. tanto faz) dada a estabilidade
por usuário (preço do cartu- de funcionamento das ferra-
cho!), uso de banda em na- 12) linguagens e ambientes de mentas.
vegação web e volume de desenvolvimento para ro-
e-mails recebidos e enviados. dar em qualquer platafor- Poderíamos aqui estender
Estes são problemas triviais já ma esta lista a várias soluções, mas,
resolvidos com produtos livres, As linguagens PHP e QT, com alguma possível omissão,
tais como o Phpprintanalyze, entre outras, geram código são estas as situações em que
Isoqlog e Sarg. que roda em qualquer sistema mais se utiliza software livre.

Racionalização de Recursos Aplicando-se o Conceito da "Máquina Atômica"


É comum encontrar um servidor com vários "serviços" (ou funções) instalados: servidor de arquivo, servidor
de correio, servidor web, servidor de banco de dados, servidor de aplicativos, agentes anti-spam, etc. Cada um
desses serviços consome recursos da máquina, o que faz com que o servidor seja mais parrudo, caro, muitas
vezes com mais de um processador e vários hds. Além disso, é comum que esses serviços, operando juntos,
acabem colidindo uns com os outros, diminuindo a confiabilidade do conjunto.

Os sistemas operacionais fe- em máquinas cada vez mais caras ajusta-se o sistema operacional
chados não oferecem muitas e de difícil reposição em caso de especificamente para aquela
opções de ajuste fino mas os pane. função. Faz-se ainda um backup
abertos oferecem várias opções Surge aí o conceito da "má- tipo imagem daquela máquina.
de tuning para aplicações dife- quina atômica", que é composto Na eventualidade de algum pro-
rentes. pela utilização de computadores blema, é feita a compra de outra
No entanto, à medida que se convencionais (máquinas com- máquina, coloca-se o CD com a
ajusta o sistema para um serviço, modity), que podem ser adquiri- imagem no drive e em poucos
desajusta-se para outro e então o das em qualquer lugar, rapida- minutos a máquina está de volta
único recurso é colocar mais mente, a custo reduzido, e nelas no ar.
memória, mais processador, mais se instala apenas um serviço. O mesmo conceito poderia ser
espaço em disco, o que se traduz Para este único serviço instalado, aplicado a sistemas operacionais

FONTE 65
proprietários mas, dado o custo tipo de função. Alguns fabri- operam os grandes provedores,
de licenciamento e relicen- cantes de produtos proprietários data centers e muitas empresas.
ciamento perpétuos, isto se tra- como a Oracle até preferem o É o conceito de downsizing leva-
duziria em altos custos de TI. Linux. do ao extremo, onde tudo é bara-
Fora isso, não se justifica um sis- É com esta arquitetura de to, simples, focado e elementar,
tema operacional pago para esse "máquina atômica" que hoje como um átomo.

Situações e Cenários Favoráveis ao Uso de Software Livre


1) resolver problemas pontuais lhe atenda e muito bem. Se o "entortar" produtos, se têm
É difícil generalizar mas soft- problema é genérico, como prazer em fazer mais por me-
ware livre se encaixa muito um aplicativo que deve ter nos, se têm prazer em pesqui-
bem quando existe um pro- muitas funcionalidades, nor- sar, se entendem bem inglês,
blema bem definido a ser re- malmente o mundo proprie- então o caminho dos soft-
solvido. Os produtos proprie- tário oferece melhores opções. wares livres será tranqüilo.
tários na mesma categoria Se, ao contrário, a sua turma
tendem a oferecer mais recur- 2) mão-de-obra capacitada é do "avançar, avançar, termi-
sos, nem sempre utilizados. Se os profissionais entendem nar", da interface gráfica para
Se existe foco, definição, mesmo das arquiteturas e dos qualquer finalidade, então
então é bem provável que o meandros da rede, se pos- seguramente software livre
universo dos softwares livres suem a habilidade técnica de não é sua praia.

Conclusão
Tanto os softwares livres inferior. Esses dois fatores fazem
quanto outros produtos alterna- com que tenhamos que repensar
tivos oferecem um grande poten- as análises de TCO feitas no exte-
cial para economias e domínio rior.
tecnológico. Na ausência dessas Nem sempre produtos livres
necessidades e não havendo ou alternativos são a melhor
necessidade ou pressão para solução. Cabe aqui a análise de
economias, os produtos propri- cada caso, estudo criterioso e, em
etários cumprem melhor seu última análise, uso do poder de
papel. decisão do gestor de TI e não do
O custo relativo de software usuário. O usuário deve ser ouvi-
no Brasil é bem superior ao custo do, mas não é ele quem paga a
nos seus países de origem, devido conta e não é ele quem pondera
a câmbio e impostos. Além disso, outros fatores que compõem as
o custo de mão-de-obra aqui é variáveis da equação da decisão.

66 FONTE
Divulgação
A Economia Java
Michael Yuan (michael.yuan@sun.com)
Engenheiro de Computação pela Universidade Estadual de Campinas. Arqui-
teto sênior de soluções corporativas baseadas em tecnologias Java e Web
Services na Sun Microsystems do Brasil e evangelista de tecnologias Java
desde 1999.

RESUMO
Em maio de 1995, John Gage, diretor do departamento científico da Sun
Microsystems e Marc Andreessen, co-fundador e vice-presidente executivo da
Netscape, subiram juntos ao palco da conferência SunWorld, anunciaram a
disponibilização da tecnologia Java e que ela estava sendo incorporada ao
Netscape Navigator, na época o principal navegador da internet. Esse anúncio
foi o lançamento oficial da tecnologia que, depois de dez anos, se tornaria o
fundamento de um mercado, avaliado em 120 bilhões de dólares anuais, em
pleno crescimento.
Em 2005 comemoramos o décimo aniversário da tecnologia Java. O objetivo
deste artigo é mostrar a trajetória da tecnologia Java ao longo destes dez anos,
o que a direciona, as oportunidades de negócios que gera e como se tornou o
alicerce para um mercado de tão grandes proporções.

A adoção da tecnologia Java aplicações sem fio em construção telefonia móvel e 579 milhões de
ao longo de seus dez anos de são baseadas na tecnologia Java. telefones celulares utilizam a
existência tem sido fenomenal. Do lado corporativo, o mercado plataforma e aproximadamente
Uma análise do status quo revela de software para servir aplicações 825 milhões de cartões Java estão
números impressionantes. É esti- Java é avaliado em US$ 2.2 em uso globalmente. Estes nú-
mado que Java gera um volume bilhões com US$ 110 bilhões meros são uma amostra das
de negócios de US$ 120 bilhões em gastos de TI relacionados. proporções e do potencial deste
anuais na indústria tecnológica. Mundialmente, existem 4.5 mi- mercado que denominamos "Eco-
O mercado de jogos Java para lhões de desenvolvedores de soft- nomia Java".
telefones celulares é estimado em ware trabalhando com Java. Ao Este fenômeno pode ser
US$ 3 bilhões e sete de cada dez mesmo tempo, 100 operadoras de explicado levando-se em

FONTE 67
consideração a combinação de desenvolvedores, que promovem compatibilidade e criatividade
quatro fatores complementares: uma saudável competição usan- adotam, então, a tecnologia e
compatibilidade, criatividade, do criatividade. A indústria se unem à Comunidade Java.
negócios e comunidade. A plata- utiliza e trabalha a criatividade Este é o ciclo que vem alimen-
forma Java é ubíqua e sua dos desenvolvedores para criar tando a evolução da tecnologia
ubiqüidade vem de padronização um mercado consumidor e Java e desenvolvendo uma
que garante ampla compatibili- gerar negócios. Consumidores economia em torno da plata-
dade. A compatibilidade atrai que apreciam a ubiqüidade, forma.

Um Princípio Tecnológico Básico


A plataforma Java se baseia computadores de mão. O slogan intrusão ou utilização indevida na
no poder da computação em rede "Write Once, Run Anywhere" plataforma.
e no princípio de que um mesmo (escreva uma vez e execute em Aplicações baseadas em
software deve poder ser executa- qualquer lugar) é até hoje o tecnologia Java são programas
do indistintamente em diferentes grande apelo da tecnologia Java. escritos em linguagem de progra-
tipos de plataformas de hardware, Portabilidade é uma importante mação Java que podem ser exe-
sejam computadores, dispositivos justificativa para adoção da tec- cutados em computadores pes-
pessoais ou outros aparelhos ele- nologia e, também, uma das prin- soais ou em servidores, em
trônicos. Desde o seu lançamento cipais razões pelas quais muitas grandes computadores mainframe
comercial em 1995, a tecnologia grandes corporações a têm esta- ou outros dispositivos. Por exem-
Java cresceu grandemente em belecido como principal platafor- plo, grandes companhias utilizam
popularidade e uso, principal- ma de desenvolvimento, motiva- aplicações Java em servidores
mente devido à sua real portabili- das pelo fato de que traz inde- para monitorar transações e efe-
dade, permitindo a execução de pendência de fornecedores. tuar operações com dados exis-
uma mesma aplicação Java em Uma outra importante carac- tentes em outros sistemas com-
diferentes tipos de plataformas de terística da plataforma Java é o putacionais. Outras companhias
hardware. seu mecanismo de segurança. A utilizam aplicações baseadas em
Qualquer aplicação Java pode plataforma foi desenhada para tecnologia Java em seus websites
ser facilmente transmitida através executar programas em rede, de internos para dinamizar a comu-
da internet ou de qualquer rede forma segura, se integrando com nicação e o fluxo de informação
sem problemas relacionados a segurança a sistemas existentes entre departamentos, fornecedo-
compatibilidade de plataforma de em uma rede. O mecanismo res e clientes. Há ainda outras
hardware ou sistema operacional. propicia controle elaborado de que utilizam a tecnologia para
É possível, por exemplo, execu- permissões para acesso a recur- criação de jogos multiplayer, que
tar uma aplicação baseada em sos de sistema e serviços, com são executados em computadores
tecnologia Java em um PC com fortes políticas de segurança, e pessoais conectados a servidores
Windows, Linux, um computador mecanismos de criptografia que, na internet.
Mac, uma estação Unix ou até de acordo com o histórico da tec- Aplicações escritas na
mesmo em pequenos dispositivos nologia, têm oferecido uma bar- linguagem de programação Java
como telefones celulares e reira inviolável a qualquer tipo de podem ser executadas em

68 FONTE
diferentes tipos de sistemas gra- algoritmos de otimização e reuti- de plataforma durante estes últi-
ças a um importante e poderoso lização de memória, capazes de mos anos, desde celulares de
componente da plataforma cha- fazer com que aplicações sejam última geração, aparelhos de TV
mado máquina virtual Java, ou executadas com alta perfor- digital, cartões inteligentes e mui-
JVM. Ela pode ser entendida co- mance, muitas vezes superando a tos outros dispositivos pessoais,
mo um tradutor de instruções de performance de aplicações de- carros, eletrodomésticos, etc.,
plataforma Java para instruções senvolvidas nativamente para um além dos servidores corporativos
próprias do dispositivo físico onde determinado dispositivo. nas empresas. Para as aplicações
será feita a execução. A tecnolo- Este é o princípio da tecnolo- desenvolvidas com tecnologia
gia da JVM evoluiu significativa- gia: toda plataforma de hardware Java não importa o tipo de com-
mente nestes dez anos. O que era ou sistema operacional deve ser putador, telefone, TV ou sistema
apenas um interpretador de ins- capaz de executar software desen- operacional em que elas serão
truções Java foi se tornando um volvido com a tecnologia Java. E executadas: elas apenas funcio-
poderoso compilador em tempo para isso, a tecnologia Java vem nam em qualquer dispositivo ha-
de execução, com sofisticados sendo incorporada em todo tipo bilitado com a plataforma Java.

Uma História de Sucesso


A tecnologia Java foi criada para desenvolver o projeto. No escritório. À medida que o proje-
como uma ferramenta de progra- verão de 1992, a equipe revelou to foi ganhando ímpeto e come-
mação em um pequeno projeto um dispositivo de mão portátil, çou a envolver clientes em poten-
fechado, iniciado por Patrick semelhante a um PDA, como co- cial na indústria de TV a cabo, o
Naughton, Mike Sheridan, e nhecemos hoje, interativo e capaz Green Team saiu de seu escon-
James Gosling, funcionários da de controlar aparelhos de entre- derijo e iniciou negociações para
Sun Microsystems em 1991. A tenimento domésticos, através de encontrar um mercado para a
criação de uma linguagem de uma tela animada, sensível ao tecnologia criada no projeto.
programação não era o objetivo toque, como interface de usuário. Aparentemente a indústria de
principal do Projeto Green. O O aparelho era capaz de con- entretenimento, especificamente,
secreto Green Team era compos- trolar uma grande variedade de de aparelhos de TV por assinatu-
to de 13 pessoas recrutadas pela eletrodomésticos e plataformas ra e vídeo sob demanda, parecia
Sun para antecipar e planejar a de entretenimento – ao mesmo ser um mercado natural para essa
"próxima onda" da computação. tempo em que mostrava anima- tecnologia. O time, então, desen-
O time chegou à conclusão de ções – pois executava com uma volveu uma demonstração cha-
que uma das tendências mais sig- linguagem completamente nova e mada MovieWood para demons-
nificativas seria a convergência independente de processadores. trar a tecnologia. Entretanto,
entre aparelhos controlados digi- Esta linguagem foi criada especi- essas indústrias estavam em sua
talmente e computadores. Então, ficamente para o dispositivo pelo infância e ainda estavam tentando
para demonstrar o que visua- membro do Green Team James se estabelecer como um modelo
lizaram como o possível futuro dos Gosling que a denominou Oak comercial viável.
aparelhos digitais, o Green Team (carvalho), por causa de uma "Naquela época, as coisas
se enclausurou durante 18 meses árvore em frente à janela de seu que fazíamos relacionadas a

FONTE 69
tecnologia Java eram criadas ao applets juntamente com o conteú- No começo de 1995, John
redor de princípios de comuni- do. HTML não era capaz de fazê- Gage, diretor do departamento
cação em rede, em um estilo lo, mas preparou o caminho para científico da Sun, foi convidado
bastante semelhante ao que é a a tecnologia Java. Gosling expli- para falar em uma conferência de
internet", diz James Gosling. "Nós ca: "Nós já estávamos desenvol- tecnologia, entretenimento e
estávamos vendendo às empresas vendo um tipo de 'roupa de baixo' design que reunia profissionais
de TV a cabo a idéia de que era para disponibilização de conteú- de entretenimento e da internet
daquela forma que sua rede deve- do ao mesmo tempo em que a do Vale do Silício e de
ria ser. Ela deveria ser interativa e web estava se desenvolvendo. Hollywood. No início da pales-
usuários deveriam ser capazes de Embora a web já estivesse pre- tra, muitas pessoas pareciam dis-
ler e entrar com informação no sente por mais ou menos 20 anos, traídas. Afinal, não havia muita
sistema." Infelizmente, este discur- com FTP e Telnet, era difícil usá- coisa interessante em uma nova
so era muito avançado para a épo- la. Então veio o Mosaic em 1993, linguagem que mostrava uma
ca. "Depois de nos darmos conta como uma interface de fácil uso página de texto com ilustrações
de que não havia negócios no para a web que revolucionou a numa cópia do Mosaic. Então,
mercado de TV digital por assi- percepção das pessoas. A internet James Gosling, passou o mouse
natura, precisávamos descobrir o estava se transformando, exata- sobre a imagem de uma molécula
que fazer com esta tecnologia ou, mente, naquela rede que nós está- 3D, que rodou em todos os senti-
então, o que fazer com nossas vamos tentando convencer as em- dos com o movimento do mouse.
vidas." Após um encontro de três presas de TV a cabo a construir. "Todo o público exclamou ma-
dias, John Gage, James Gosling, Tudo o que nós queríamos fazer, ravilhado, Ohhhhhh!", conta
Bill Joy, Patrick Naughton, em sua generalidade, se encaixa- Gosling. "A visão de realidade
Wayne Rosing e Eric Schmidt va perfeitamente na maneira daquelas pessoas mudou comple-
tiveram uma inspiração coletiva: como aplicações eram escritas, tamente porque a molécula se
por que não a internet? Afinal, a disponibilizadas e utilizadas na MOVEU."
internet era exatamente o tipo de internet. Foi simplesmente um Em seguida, Gosling e Gage
configuração em rede que o time incrível acidente. Era evidente- levantaram a platéia com um al-
havia vislumbrado para a indús- mente óbvio que a internet e Java gorítmo animado de ordenação de
tria de TV por assinatura. eram uma combinação perfeita. linhas que Gosling havia escrito.
A internet estava se populari- Portanto, foi o que fizemos." O Aquela audiência jamais tinha
zando como uma maneira de time desenvolveu um clone do visto nada além de imagens estáti-
movimentar conteúdo de mídia – Mosaic baseado em tecnologia cas em um browser, mas ali as li-
texto, gráficos, vídeo – através de Java que eles denominaram nhas se moviam como se puxadas
uma série de dispositivos hete- "WebRunner", conhecido mais por uma mão invisível. Instanta-
rogêneos utilizando HTML. A tarde como o navegador HotJava. neamente, todos naquela sala re-
tecnologia Java havia sido dese- Era apenas uma demonstração, pensavam o potencial da internet.
nhada para mover conteúdo de mas era algo realmente revolu- A demonstração tinha impressio-
mídia entre redes de aparelhos cionário: pela primeira vez, um nado um público muito influente,
heterogêneos, mas ela também navegador era capaz de exibir que aplaudia com entusiasmo – e
oferecia a capacidade de mover objetos animados em movimento graças a esse público, a notícia se
"comportamento" na forma de e executar conteúdo dinâmico. espalharia muito rapidamente.

70 FONTE
Em menos de um mês, a percebeu que a popularidade do applets baseados em tecnologia
equipe disponibilizou o demo na time de tecnologia Java estava Java em qualquer plataforma era
internet para que um pequeno rápida e acidentalmente ultrapas- uma notícia inacreditável para
grupo de amigos e desenvolve- sando a sua própria e orquestrada aquela influente audiência de
dores o testasse. Pouco tempo popularidade, com virtualmente tecnologistas e jornalistas – em
depois, a equipe lançou uma ver- nenhum planejamento ou verba menos de três minutos, todos
são totalmente pública do código- de marketing. aplaudiam fervorosamente, sa-
fonte Java na internet. Eles sa- O momento foi propício para bendo que testemunhavam o iní-
biam que liberar o código gratui- anunciar a tecnologia Java, públi- cio de algo muito grande no
tamente é uma das maneiras mais ca e oficialmente. O anúncio foi futuro da internet.
rápidas de gerar adoção em larga agendado como parte de uma Desde sua introdução em
escala e também uma ótima ma- palestra de abertura na conferên- maio de 1995, a plataforma Java
neira de obter a ajuda da comuni- cia SunWorld. Seria um anúncio tem sido adotada pela indústria
dade de desenvolvedores para ins- breve, porém de grande impacto. mais rapidamente do que qual-
pecionar código e encontrar bugs. A maior parte da equipe Java foi quer outra tecnologia na história
O time criou então um endereço surpreendida com a presença de da computação. Todos os maiores
na internet, disponibilizando o Marc Andeerssen, da Netscape, fornecedores de plataformas
código-fonte Java e, em poucos no anúncio. Eles não tomaram computacionais assinaram con-
meses, foram mais de 10.000 conhecimento de que a Sun e a trato para integrar a tecnologia
downloads – uma surpresa para Netscape haviam fechado um Java como parte essencial de seus
todos, inclusive para os criadores. acordo na madrugada anterior ao produtos. Como disse Scott
Começaram a surgir requisições anúncio: a tecnologia Java seria McNealy, CEO da Sun, para uma
da imprensa, entrevistas, solici- integrada ao browser Netscape audiência numa conferência para
tações promocionais, convites Navigator. A perspectiva do a indústria: "Java se tornou a lin-
para palestras e viagens por Navigator ser capaz de abrir estes guagem, a plataforma e a arquite-
todo o mundo. Em breve a Sun novos, misteriosos e simples tura para computação na rede."

Trabalho Comunitário
Um dos pontos-chave da tec- em todo lugar e, para tanto, é ne- trabalho de uma comunidade em
nologia Java e fator fundamental cessário compatibilidade. Ubiqüi- constante crescimento. Esta
para o sucesso da plataforma é o dade é resultado de compatibili- comunidade é responsável pela
aspecto da compatibilidade. Só dade e compatibilidade é assegu- ubiqüidade da plataforma Java, já
pode haver ubiqüidade de aplica- rada por padrões e especificações. que é ela quem decide qual o
ções desenvolvidas com tecno- Um importante aspecto da próximo dispositivo a ser habili-
logia Java se houver ubiquidade plataforma Java é o fato de ela tado com a plataforma, onde ela
de plataformas para execução das não ser propriedade de uma única deve estar presente, que novos
aplicações. Em outras palavras, a empresa, mas de uma comuni- serviços ela deve ser capaz de
plataforma Java precisa estar pre- dade. O desenvolvimento e oferecer. Em outras palavras, é
sente em todos os ambientes para evolução da plataforma Java ela quem padroniza e especifica a
que se possam executar aplicações foi, durante todos estes anos, o plataforma Java.

FONTE 71
O trabalho da comunidade é cada. Um deles é responsável por especificação, a requisição é
coordenado por uma organização decidir a padronização da plata- votada pelo comitê executivo
aberta chamada Java Community forma Java em pequenos disposi- correspondente e, se aprovada,
Process (JCP). Todos os padrões tivos e dispositivos móveis (Java inicia-se a formação do Expert
na tecnologia Java são especifica- 2 Platform, Micro Edition - Group. O próximo passo é elabo-
dos por grupos dentro da JCP J2ME) e o outro por decidir a rar um primeiro esboço da
denominados Expert Groups, padronização das plataformas especificação, seguido de uma
abertos à participação de qual- Java padrão (Java 2 Platform, revisão. Nesse momento inicia-se
quer empresa, instituição ou indi- Standard Edition - J2SE) e Java o desenvolvimento de uma im-
víduo. Apenas no Brasil existem corporativo (Java 2 Platform, plementação de referência e de
23 empresas e instituições e 27 Enterprise Edition - J2EE). Cada uma suíte de testes de compatibi-
indivíduos membros da JCP, membro dos comitês executivos lidade. Ocorre então uma revisão
cooperando para padronizar tec- permanecem na posição por três pública da especificação e uma
nologias na plataforma Java, de anos e são escolhidos em eleições nova votação do comitê executi-
um total de 900 membros em que ocorrem anualmente, onde vo. Se aprovada, a especificação
todo o mundo. Um dos princípios qualquer membro da JCP é é finalizada, juntamente com a
da organização é cumprir a pro- elegível. Atualmente o comitê implementação de referência e kit
messa "write once, run any- executivo de J2ME é composto de compatibilidade, e ao final há
where" junto aos desenvolve- por Ericsson, IBM, Intel, uma última votação. Em caso de
dores. Um padrão só é útil se Matsushita, Motorola, Nokia, aprovação, a especificação é
houver um bom método para NTT Docomo, Orange France, lançada oficialmente.
validá-lo, por isso os processos Philips, RIM, Samsung, Siemens, Este processo tem servido
da JCP são organizados de forma Sony-Ericsson, Sun, Symbian e como alavancador e ao mesmo
a produzir, juntamente com Vodafone; e o comitê executivo tempo guardião para a tecnologia
cada especificação, uma imple- de J2SE/J2EE é composto por Java. O maior risco para um
mentação de referência e um con- Apache Software Foundation, padrão é o surgimento de dife-
junto de testes de compatibili- Apple, BEA, Borland, Fujitsu, rentes implementações, como
dade. Google, HP, IBM, IONA, Intel, ocorreu, por exemplo, com o
A tarefa da JCP não é uma JBoss, Doug Lea, Nortel, Oracle, Unix e seus vários sabores e está
tarefa simples. Há um grande SAP, Sun. acontecendo com o Linux e suas
número de empresas trabalhando O processo de especificação várias distribuições incom-
em conjunto, cada uma com seus de tecnologias Java se inicia patíveis em sua maioria. A JCP
próprios interesses e objetivos de com o envio de uma requisição tem tido sucesso em garantir que
negócios. Os processos da JCP por especificação Java (Java não existam diferentes imple-
precisam garantir igualdade e Specification Request - JSR) à mentações da plataforma Java, ao
confiança, balanceando veloci- JCP. Qualquer instituição, empre- mesmo tempo em que tem con-
dade, consenso e compatibilida- sa ou indivíduo pode requisitar centrado os maiores especialistas
de. Com essas premissas, a JCP uma especificação descrevendo a na tecnologia Java em todo o
se organiza em dois comitês exe- proposta e a razão para desen- mundo para evoluir e avançar a
cutivos com 16 participantes volvê-la. Dentro do processo de tecnologia.

72 FONTE
A Criatividade é o Limite
A cada ano novos usos inte- A tecnologia é utilizada tam- comunicação em rede. A solução
ressantes da tecnologia Java têm bém em situações extremamente chamada Harmony coleta dados
mostrado que ela pode ser aplica- críticas, como por exemplo, sis- críticos de poços de petróleo e
da em praticamente qualquer ne- temas de segurança nacional. gás e os entrega em dispositivos
cessidade e em praticamente qual- Pesquisadores de três laborató- móveis como telefones celulares.
quer situação. A criatividade dos rios nacionais dos Estados Uni- A informação, que anteriormente
desenvolvedores tem colocado dos, Argonne National Labora- só estava disponível nos centros
Java em celulares, televisões, apa- tory, Sandia National Laborato- de controle das empresas de
relhos de TV digital, equipamentos ries e Lawrence Livermore extração, agora pode ser acessada
médicos e até mesmo em carros. National Laboratory, trabalharam por gerentes de campo em locais
Recentemente, uma empresa em conjunto para desenvolver remotos. Os dados podem ser
americana especializada em mo- um sofisticado sistema de moni- acessados de diferentes maneiras.
nitores de saúde e bem-estar físi- toração e alerta de emergência Os gerentes podem verificar o
co iniciou a comercialização de contra ataques químicos e andamento da extração em um
um interessante dispositivo mó- biológicos em áreas de alto risco. determinado poço ou o sistema
vel para monitoração de batimen- O CB-EMIS (Chem-Bio Emer- Harmony pode enviar alertas para
tos cardíacos. Há algum tempo, gency Management Information os gerentes de campo sobre pro-
monitoração de pulso avançada System), já em operação nos sis- blemas em algum local. As infor-
só estava disponível em apli- temas de metrôs de algumas mações sobre os poços são visua-
cações especializadas para cidades nos EUA, é um amplo lizadas na forma de textos e grá-
militares em campo ou astronau- sistema de vigilância que coleta ficos na tela dos telefones celu-
tas no espaço. A MedicTouch dados de sensores, dados meteo- lares e os gerentes podem enviar
criou o sistema PulseMeter, que é rológicos instantâneos, seqüências instruções para operação nos
composto de sensor de batimen- de vídeo e relatórios de trilhos em poços através dos dispositivos
tos cardíacos, conectado a telefo- tempo real. Ele é capaz de até móveis. A tecnologia Java é
nes celulares ou PDAs, em comu- mesmo, quando necessário, exe- responsável pelo código compac-
nicação com servidores para cutar modelos de dispersão de to a ser executado nos telefones
armazenamento e análise de da- nuvens de agentes químicos para celulares, bem como em todos os
dos coletados. A tecnologia Java, calcular trajetórias e início de outros dispositivos envolvidos no
como base para todo o sistema, é atividade dos agentes. A decisão fluxo da informação – dispositivo
responsável por, desde a conec- por utilizar a tecnologia Java para de campo, estação de trabalho,
tividade segura com dispositivos desenvolvimento do CB-EMIS navegador e servidor.
móveis, até a sofisticada interface foi, de acordo com pesquisadores A tecnologia Java em breve
gráfica nas telas dos telefones dos laboratórios, devido à sua estará também na casa de milhões
celulares e PDAs. A solução é maturidade, escalabilidade e faci- de pessoas, permitindo que usuá-
bastante inovadora, pois transfor- lidade de manutenção. rios de TV digital possam intera-
ma dispositivos utilizados priori- Monitoração de poços de pe- gir com os programas de TV, par-
tariamente para comunicação em tróleo e gás é um interessante ticipar de votações instantâneas,
ferramentas para monitoração exemplo de solução baseada em ver estatísticas e gráficos intera-
remota, em tempo real, de saúde tecnologia Java que leva em tivos durante jogos de futebol,
e bem-estar físico. conta suas características de comprar as roupas utilizadas por

FONTE 73
apresentadores de TV durante um ras de telecomunicações, enge- digital e computadores pessoais
programa ou visualizar dados em nheiros de software e organismos multimídia para prover serviços de
tempo real sobre pesquisas de po- regulatórios em mais de 35 paí- TV interativa digital. É interessan-
pularidade de candidatos durante ses. Em conjunto com a Sun te ver que a indústria inicialmente
uma eleição. O consórcio DVB Microsystems, o consórcio desen- considerada pelos criadores da tec-
(Digital Video Broadcasting), volveu a plataforma MHP (Mul- nologia Java como o mercado mais
responsável por projetar e definir timedia Home Platform), que é adequado para a tecnologia estaria,
padrões globais para televisão uma especificação de software depois de dez anos, definindo-a
digital e serviços de dados, é baseada em tecnologia Java, a ser como padrão para transmissão de
composto por mais de 260 opera- implementada em aparelhos de TV TV interativa digital. Java está de
doras de TV, fabricantes, operado- por assinatura, receptores de TV volta às suas raízes.

Conclusão
Em 1995 ninguém imaginou país. Anos atrás não se imaginava
que a tecnologia Java, em dez que a tecnologia Java nos ofere-
anos, alimentaria computadores ceria tantas possibilidades. A
em aparelhos de TV, carros, compatibilidade na plataforma,
aviões, foquetes e até mesmo no aliada à criatividade dos desen-
rover da Nasa, que coleta dados volvedores, gerou uma economia
em Marte e os envia para a Terra. e uma comunidade, sem prece-
Hoje, a ubiqüidade da tecnologia dentes, em torno da tecnologia
Java é indiscutível. Ela traz inte- Java. Os processos de evolução
ratividade à internet, gráficos em da tecnologia estão cada vez mais
tempo real para aparelhos de tele- aperfeiçoados e acelerados; um
visão, imagens instantâneas em número crescente de desenvolve-
câmeras e jogos multiplayer dores empenha sua criatividade
para telefones celulares. Ela no desenvolvimento de soluções
conecta as maiores corporações e baseadas em Java; a cada mo-
as menores empresas aos seus mento mais empresas adotam a
funcionários, clientes e fornece- tecnologia como base para seus
dores, além de proteger um produtos e serviços e mais pes-
grande volume de transações soas cooperam na evolução da
eletrônicas no varejo, finanças, tecnologia. Dez anos foram sufi-
governo, pesquisa e medicina. cientes para que esta economia,
Java está presente em todo lugar, fundamentada pela tecnologia
efetuando transações financeiras, Java, alcançasse tão grandes pro-
entretendo pessoas, coletando porções. É motivador imaginar
informações, monitorando saúde onde esta evolução pode nos
e fortalecendo as defesas de um levar em outros dez anos.

74 FONTE
Fotos: Foca Lisboa
Software Livre como uma Nova
Forma de Geração de Conhecimento
Wagner Meira Jr.
Professor do DCC / UFMG, doutor pela University of Rochester em
Ciência da Computação. Publicou mais de cem artigos em fóruns
internacionais e nacionais, além de dois livros. Pesquisador em
produtividade do CNPq e consultor do projeto Internet 2 do Brasil, é
um dos coordenadores do Projeto Tamanduá (plataforma de serviços
de mineração de dados escalável e eficiente). Atua em projetos de
software livre, como Agência Livre e LibertasBR.

Marcio Luiz Bunte de Carvalho


Professor do DCC / UFMG, doutorando em Sistemas pela UFRJ, mestre
em Pesquisa Operacional pela University of California em Berkeley. Sua
área de pesquisa inclui projeto, implementação e análise de algoritmos
dirigidos a problemas complexos. Membro do Laboratório de Software Livre
da UFMG e do Conselho Editorial da Revista Fonte. Participa de projetos
ligados à disseminação da internet no Brasil e educação a distância.
É diretor de Tecnologia da Informação da UFMG.

Dorgival Olavo Guedes Neto


Professor do DCC / UFMG, doutor em Ciência da Computação pela
University of Arizona. Sua área de pesquisa se situa na combinação de
elementos de sistemas operacionais, redes de computadores e sistemas
distribuídos. Membro do Laboratório de Software Livre da UFMG, atua
também no Centro de Acesso à Informação Digital (CAID) da UFMG,
criado para ampliar a inclusão digital na Universidade.

Renato Antonio Celso Ferreira


Professor do DCC / UFMG, doutor em Ciência da Computação pela
University of Maryland, College Park. Pós-doutorado no Department of
Biomedical Informatics da Ohio State University. Coordenador de Recursos
Computacionais do DCC, atua em pesquisa em suporte a desenvolvimento
e aplicações de alto-desempenho para plataformas paralelas e distribuídas.
Pesquisador em produtividade do CNPq, atua como consultor Ad-hoc para
o CNPq e CAPES. Membro do Laboratório de Software Livre do DCC.

FONTE 75
RESUMO
O software livre se apresenta como uma nova forma de produção de conheci-
mento, onde competição e cooperação caminham juntas, o que resulta em soft-
wares mais robustos e que amadurecem mais rapidamente. Este artigo discute
o processo de produção de software livre, apontando seus benefícios e riscos,
além de descrever como um conjunto de softwares é integrado em uma dis-
tribuição, que é um instrumento padrão de entrega de software livre a usuários
finais. Finalmente, descrevemos o projeto LibertasBR, onde se procura levar as
estratégias de produção de software livre a outros ambientes de colaboração
ainda não explorados entre os seus desenvolvedores e usuários, com vistas a
facilitar ainda mais o uso e a disseminação do software livre.

O desenvolvimento da infor- indústria do hardware, onde o aplicação, o que é o ponto de par-


mática nos últimos 50 anos cau- primeiro é executado. Um aspec- tida para a definição dos requisi-
sou mudanças profundas nas for- to fundamental nesse progresso tos do software. A segunda di-
mas de trabalho e de interação contínuo é o potencial de inova- mensão compreende o software
nas várias dimensões da socieda- ção inerente ao processo de cons- propriamente dito, envolvendo
de. O computador é peça funda- trução de software. Construir um desde a definição do modelo de
mental nesse desenvolvimento e software é normalmente um pro- abstração que ele implementa até
consiste basicamente de uma cesso de abstração altamente a seqüência de operações que ele
infra-estrutura eletrônica e mecâ- complexo, onde o desenvolvedor executa quando invocado. A ter-
nica (hardware) que executa pro- entende uma demanda real, cons- ceira dimensão é a habilidade de
gramas (software) a critério do trói uma abstração para resolvê-la uso, ou seja, a capacidade de se
usuário. Mais especificamente, o e materializa essa abstração na utilizar o programa de forma
hardware provê um conjunto de forma de um programa que é apropriada, executando as tarefas
operações que são compostas for- aplicado para resolver a demanda para as quais o programa foi cons-
mando o software ou programas. original. O aumento do poder truído. Podemos entender bem
Embora a capacidade de computacional e de comunicação essas dimensões se as analisar-
processamento tenha aumentado permitiu que abstrações cada vez mos no contexto de um software
de forma impressionante durante mais complexas pudessem ser muito popular: um editor de texto.
esse período, as premissas da construídas, como interfaces grá- Neste caso, a primeira dimensão
arquitetura de hardware per- ficas e a própria internet. consiste nas práticas de editora-
manecem as mesmas que foram Podemos caracterizar três ção eletrônica, como formatação,
definidas por Von Neumann em dimensões de conhecimento en- correção ortográfica e geração de
meados do século passado. O volvidas na construção e uso de índices, entre outras. A segunda
software, por outro lado, tem se um software: domínio de aplica- dimensão é o conjunto de compo-
tornado cada vez mais complexo ção, programa e prática de uso. A nentes de software que compõem
e de atuação mais ampla, tanto primeira dimensão envolve o o editor de texto e todo o seu
que a indústria de software já tem entendimento da demanda pelo processo de construção. A tercei-
maior valor econômico do que a software e do seu domínio de ra dimensão compreende as

76 FONTE
práticas de uso do editor, por exem- de então. O resultado dessa Como o custo de reprodução de
plo, para escrever este artigo. relação de custos é que as pessoas um software é muito baixo (o que
O ciclo de vida de um soft- distribuíam e principalmente não acontece na indústria de
ware pode ser dividido em quatro trocavam software como meca- hardware), a lucratividade de
fases: especificação, desenvolvi- nismo de aproveitamento mais uma empresa de software pode
mento, implantação e manuten- eficiente do hardware de alto ser muito alta, principalmente se
ção. Durante a fase de especifi- custo. À medida que o custo do o software em questão é adquiri-
cação são determinados os hardware foi diminuindo e a do em larga escala. Um efeito
requisitos do software a ser complexidade do software au- colateral desse modelo de negó-
desenvolvido; mais especifica- mentando, a relação foi se inver- cio é a concentração em poucos
mente, os recursos e funcionali- tendo, a ponto do custo do soft- fornecedores, que ficam cada vez
dades a serem providos. Esses ware instalado em um computa- mais fortes em virtude da lucra-
requisitos são o ponto de partida dor ser maior do que o custo do tividade advinda do volume.
para o processo de desenvolvimen- hardware. Uma das conseqüên- Mercados com essas característi-
to, onde os vários componentes cias desse processo é o surgimen- cas tendem a ser monopolistas e,
do software são implementados, to da indústria do software, que infelizmente, já praticamente
validados e integrados, até se hoje já emprega mais do que a vivemos tal situação com relação
obter uma versão que seja passí- indústria do hardware, que se a sistemas operacionais para
vel de utilização. Uma vez que tornou altamente concentrada e computadores pessoais.
esse ponto seja atingido, o soft- automatizada. Um modelo diferente de pro-
ware é liberado para testes e pos- O crescimento da indústria de dução e distribuição de software
teriormente uso (normalmente software trouxe também a dis- que, na verdade, foi a prática
denominado versão "beta"), quan- cussão a respeito dos modelos de original na área de informática é
do novos problemas são detecta- negócio que a sustentariam. Um o modelo de software livre.
dos e solucionados, culminando dos modelos de negócio mais Software livre é um programa
com o lançamento de uma versão populares nessa a indústria é o que os usuários podem executar,
estável do software. A partir des- licenciamento de software pro- copiar, distribuir, estudar, modi-
se momento se inicia o processo prietário, onde empresas desen- ficar e aperfeiçoar, uma vez que o
de manutenção, que tem por obje- volvem os programas e licenciam código-fonte é distribuído livre-
tivo não apenas detectar erros, o seu uso, sem que os detalhes do mente junto com o programa
mas também detectar demandas software em si sejam publicados. resultante. Na sua definição mais
para a evolução do software, Os programas nesse modelo se abrangente, a única coisa que não
quando começa um novo proces- tornam segredo industrial e, por- se pode fazer com software livre
so de desenvolvimento. tanto, definem a vantagem com- é restringir esses níveis de liber-
A produção de software é um petitiva em relação a outros dade. Esse conceito de liberdade
processo intensivo do ponto de fornecedores, o que explica a é materializado na publicação
vista de mão-de-obra, a qual é postura de se restringir o acesso a irrestrita do software como meca-
normalmente especializada e de esse conhecimento, seja por meios nismo para a sua construção e
alto custo. O volume de software tecnológicos, seja por patentes. aperfeiçoamento, que ocorrem de
nos primeiros computadores era Nesse modelo de negócio, o cus- forma colaborativa, com centenas
muito pequeno e o seu valor teio de todas as fases do processo ou mesmo milhares de desenvol-
comercial reduzido quando com- e mesmo de investimentos futu- vedores utilizando a internet co-
parado com o valor do hardware ros é garantido pelas licenças. mo meio de publicação, interação

FONTE 77
e suporte ao desenvolvimento. O sucesso. São milhares de projetos software de acordo com seus
processo de produção de um soft- de software em todas as áreas de interesses e capacidades pessoais,
ware livre se inicia com um atuação da informática, que se que são submetidas à avaliação
grupo de desenvolvedores espe- apresentam hoje em variados de desenvolvedores mais experi-
cificando os requisitos iniciais do graus de evolução e dissemi- entes, passando por um processo
que eventualmente será um pro- nação. Tanto do ponto de vista de homologação, que resulta na
duto de software. Esse grupo po- dos desenvolvedores, quanto do sua incorporação ao software que
de ou não compartilhar as suas ponto de vista dos usuários, o é publicado. A hierarquia de
especificações publicamente, mas processo de adesão a um projeto desenvolvedores é baseada em
em geral define quais os requisi- de software livre a ser desen- um relação de confiança, que tem
tos a serem atendidos inicial- volvido ou utilizado leva em como critério a competência téc-
mente. Esses requisitos são o conta fatores como dinâmica de nica e experiência prévia de cada
ponto de partida para o processo evolução e tradição e competên- participante, de tal forma que o
de desenvolvimento, que é feito cia dos desenvolvedores, além da software é refinado sucessiva-
de forma colaborativa e utilizan- própria aplicabilidade do projeto mente ao longo da hierarquia,
do maciçamente a internet como em si. Ou seja, leva em considera- chegando ao topo com uma quali-
meio de comunicação. Uma outra ção o dinamismo do desenvolvi- dade que tem superado freqüente-
característica é que o processo se mento e a qualidade do software. mente a obtida em projetos de
baseia na publicação de resulta- Essa estrutura auto-organizada software proprietário. A compe-
dos parciais, isto é, partes do garante a sustentabilidade do tição pode ocorrer dentro de um
código, que vão sendo finaliza- software livre, seja em termos de projeto, quando vários desenvol-
dos e integrados de forma cola- novas versões, seja em termos de vedores trabalham nos mesmos
borativa. Esses fragmentos de outros softwares que derivem de módulos, ou entre projetos que
código são testados assim que uma versão do software, o que é tenham o mesmo propósito. Essa
publicados e o processo de vali- permitido e incentivado pelo redundância de esforços pode não
dação também acontece de forma modelo de licenciamento do soft- parecer uma opção eficiente, mas
colaborativa e redundante, com ware livre. funciona bem como um mecanis-
vários desenvolvedores e testa- Mais do que uma ideologia mo de controle da qualidade do
dores trabalhando nos mesmos ou um modelo de autoria, o de- processo de desenvolvimento.
componentes de software. Esse senvolvimento de software livre Uma vez que os desenvolvedores
sistema vai amadurecendo o criou e amadureceu uma estraté- têm acesso a todo o código de-
código de forma independente e gia de geração de conhecimento senvolvido por seus pares, um
distribuída. Nas iniciativas mais sem precedentes, onde colabora- processo contínuo de auditoria
bem-sucedidas, as atividades são ção e competição se aliam para permite a descoberta precoce de
moderadas por um responsável obter produtos de qualidade com deficiências e erros introduzidos
de reputação reconhecida na rapidez. A colaboração acontece pelos pares, permitindo uma
comunidade de desenvolvedores, através da divisão maciça de tare- evolução e maturação de projetos
o qual coordena as ações para fas num processo hierárquico, a uma taxa mais alta que inicial-
garantir a integração dos esfor- mas altamente descentralizado. mente poder-se-ia esperar.
ços. O que tem sido surpreen- Nesse processo, os desenvolve- O processo de desenvolvi-
dente é que, apesar do seu arrojo, dores trabalham de forma inde- mento de software livre se baseia
esse processo de desenvolvimen- pendente, escolhendo e executan- ainda em dois componentes
to tem se mostrado um grande do tarefas de desenvolvimento de bastante peculiares: satisfação

78 FONTE
pessoal e voluntariado. A força canismo automático de seleção A internet é reconhecida co-
motriz dos desenvolvedores é a natural de projetos, fortalecendo mo um meio de disseminação de
satisfação pessoal, ou seja, o re- aqueles projetos mais robustos informação sem precedentes, que
conhecimento por ter produzido tecnicamente, melhor organiza- mudou os hábitos e a forma de
parte de um software que é uti- dos e com maior aplicabilidade. comunicar e interagir. O desenvol-
lizado por milhares de pessoas. A Como os desenvolvedores são vimento de software livre leva
satisfação pode ser vista como voluntários, o aumento do núme- esse conceito mais adiante, per-
um misto de vaidade e de senso ro de desenvolvedores em um mitindo a geração de conhecimen-
comunitário, ou seja, de ser reco- projeto é uma importante medida to sem restrições e da forma mais
nhecido dentro de uma comuni- de sucesso. Um outro aspecto in- democrática que já se conseguiu
dade essencialmente meritocrá- teressante é que os princípios do materializar. Mais ainda, acredi-
tica por sua própria competência software livre permitem essa se- tamos que os princípios do soft-
e esforço. A participação nos pro- leção natural de uma forma dife- ware livre possam se aplicar a
jetos acontece de forma comple- rente. Por exemplo, uma ocorrên- outras áreas do conhecimento, uma
tamente voluntária, bastando ter cia comum é um mesmo projeto vez que os benefícios são eviden-
um computador e uma conexão à ser o ponto de partida de vários tes, pois compartilhar conhecimen-
internet para se tornar um desen- outros, por motivos de nicho de to livre significa receber muito mais
volvedor de software livre. É aplicação ou mesmo afinidade do que se provê. A seguir vamos
comum desenvolvedores partici- técnica. Uma vez que o código é detalhar como o software livre
parem de vários projetos, tendo a livre, esse tipo de evolução é chega ao usuário final e apresen-
liberdade de sair de um projeto natural e até desejável, pro- tar um projeto de pesquisa que
quando considerarem pertinente. movendo uma renovação do pro- investiga o próximo nível de in-
É interessante notar que essas ca- cesso, da equipe e das premissas teração em torno do desenvolvi-
racterísticas possibilitam um me- do projeto. mento e adoção de software livre.

Softwares, Pacotes e Distribuições


A produção de software livre através das distribuições de programas e aplicativos que exe-
é um processo auto-organizado, software. cutam sobre ou utilizam os soft-
onde a dinâmica de cada grupo de Uma distribuição é uma cole- wares do primeiro tipo. Neste
desenvolvedores determina a ta- ção de softwares que têm algum caso, é fundamental que tudo se
xa de evolução do respectivo nível de maturidade e atendem a encaixe, isto é, seja compatível
software e os seus direcionamen- requisitos mínimos de interopera- para fins de execução. Por exem-
tos estratégicos. Uma conseqüên- bilidade com os outros softwares plo, um aplicativo não pode
cia dessa auto-organização é a di- da coleção. Podemos distinguir demandar uma função que não é
ficuldade de consolidação de uma dois tipos de software em uma provida por uma biblioteca de
solução, ou seja, um conjunto de distribuição. O primeiro tipo são funções. Em suma, uma dis-
softwares que atenda às necessi- os softwares considerados bási- tribuição agrega vários projetos
dades de um dado usuário, que cos, como o sistema operacional, de software livre em uma solução
não necessariamente entende ou o gerenciador de interface gráfica computacional que esteja ao
quer entender as peculiaridades e bibliotecas de funções para a alcance e atenda aos requisitos de
da evolução de cada software. construção de outros programas. usabilidade dos usuários. A cons-
Essa consolidação é realizada O segundo tipo são os vários trução de distribuições também é

FONTE 79
realizada por grupos de desenvol- ser programas executáveis, arqui- particular para usuários leigos,
vedores e há distribuições comer- vos de configuração ou mesmo uma vez que a distribuição toma
ciais (isto é, pagas) e não comer- de documentação. Além do con- para si a responsabilidade da
ciais. As distribuições comerciais teúdo em si, esses pacotes tam- instalação e configuração dos di-
mais conhecidas são a Suse, a Red bém contêm informações de de- versos componentes de software,
Hat e a recém-criada Mandriva pendência (ou seja, de quais ou- os quais já estão pré-compilados.
(que nasceu da junção da Man- tros pacotes eles dependem ou Nesse contexto, vale ressaltar que
drake com a Conectiva). Entre as quais outros pacotes devem estar o trabalho de empresas ou grupos
distribuições não comerciais, instalados para que possam ser de desenvolvedores responsáveis
Debian e Slackware são as mais instalados com sucesso), o que por uma distribuição é constante
tradicionais, mas há um grande também é a base dos mecanismos e de complexidade crescente,
número de distribuições em de atualização de software. Um considerando o aumento do nú-
variados estágios de maturação. aspecto importante a ser ressalta- mero de softwares disponíveis e a
Em ambos os casos, um modelo do é que a organização por paco- sua complexidade. Essas equipes
de negócios comumente empre- tes permite que cada usuário per- trabalham continuamente, seja
gado envolve a prestação de sonalize, de forma fácil, a sua atualizando pacotes, seja incluin-
serviços de configuração, suporte instalação a partir de uma distri- do novos pacotes na distribuição,
e manutenção, assim como buição, escolhendo os pacotes sem contar com as demandas de
treinamento. que contenham os softwares de atualização da distribuição como
As distribuições são organi- seu interesse. um todo, em geral motivadas por
zadas como um conjunto de pa- O advento das distribuições uma nova versão do sistema
cotes, onde cada pacote contém impulsionou violentamente a operacional ou sistema de geren-
um ou mais arquivos, que podem adoção do software livre, em ciamento de janelas.

LibertasBR: Novas Dimensões de Colaboração


Apesar dos avanços cons- que as principais distribuições dos usuários não são exploradas,
tantes e da maturação do proces- são maximalistas no sentido de uma vez que cada um é respon-
so de geração de distribuições, o que provêm um grande número sável pelas suas escolhas, as
processo de escolha, instalação e de softwares, muitos dos quais de quais são realizadas na maioria
configuração de uma máquina pouco interesse para a grande dos casos, como mencionado, atra-
baseada em software livre ainda maioria dos usuários. A escolha vés de um processo de tentativa e
pode apresentar algumas dificul- dos softwares a serem instalados erro. É interessante notar que,
dades para leigos. Alguns fatores se torna então outra barreira para embora haja uma grande eferves-
contribuem para essa dificuldade. os usuários, embora a flexibili- cência em termos da produção de
O primeiro é a seleção da dis- dade oferecida pelas distribui- softwares isolados, o mesmo não
tribuição a ser utilizada, uma vez ções permita que eles sejam ocorre em relação ao comparti-
que as diferenças entre as dis- incluídos a qualquer momento lhamento das configurações que
tribuições muitas vezes não são após a instalação. O terceiro fator os usuários utilizam nos vários
perceptíveis à primeira vista e o é que as demandas dos usuários nichos. Por exemplo, a configu-
usuário acaba realizando um podem diferir significativamente, ração de softwares para uso
processo de tentativa e erro até o que torna inviável tentar definir em uma escola fundamental ou
encontrar a distribuição que seja uma distribuição "universal". um telecentro não difere muito
mais adequada ao seu perfil e Finalmente, as similaridades en- de um caso para outro e, mes-
necessidades. O segundo fator é tre as preferências e necessidades mo assim, não há mecanismos

80 FONTE
que permitam a troca dessas função de seus objetivos declara- na personalização de distribui-
experiências. dos, o que reduz o esforço para ge- ções. Essas metodologias deter-
O projeto LibertasBR tem rar uma distribuição que se apro- minam as regras para empacota-
como um dos seus objetivos xime mais das necessidades de um mento de software e afins, além
diminuir essa lacuna e tornar o dado perfil. Para tal, o projeto da especificação de dependências
processo de personalização de contempla a implementação de impostas pelos mesmos. A idéia é
distribuições mais fácil e intuiti- um portal de conhecimento que que esse processo seja tão auto-
vo. Um dos pilares do projeto é contém informações sobre perfis matizado quanto possível, per-
um portal WWW onde o usuário associados a cada usuário e suas mitindo uma maior escalabili-
pode facilmente gerar uma dis- seleções de pacotes. O conheci- dade e oferta de pacotes, além de
tribuição personalizada, assim mento constante do portal é aper- uma maior participação da comu-
como o respectivo conjunto de feiçoado a cada personalização de nidade de desenvolvedores como
arquivos, o qual é obtido através distribuição gerada, estabelecen- um todo. Novamente, a tônica é
de uma ou mais imagens de CD. do assim um processo de colabo- investigar novas formas de inte-
Além de racionalizar o uso de ração indireta entre usuários, que ração, extrapolando as idéias de
banda de comunicação, o portal trocam informações sobre as suas software livre para além do sim-
permite gerar distribuições em opções de pacotes e formam co- ples compartilhamento de códi-
conformidade com as necessi- munidades virtuais determinadas go, para o desenvolvimento de
dades do usuário. Um aspecto pelas similaridades em termos dos práticas colaborativas.
interessante desse processo é que, recursos de software utilizados. O projeto LibertasBR é hoje
à medida que distribuições são Além da capacidade de per- uma realidade e as suas soluções
personalizadas pelos usuários, é sonalizar e compartilhar distri- computacionais são a base de di-
possível determinar as necessi- buições, o projeto LibertasBR versos telecentros no estado de
dades típicas de cada perfil de também investiga mecanismos Minas Gerais e mesmo fora dele,
aplicação, uma informação forne- para incorporar tanto novas ver- além de estar sendo amplamente
cida pelo usuário (ao indicar o sões quanto novos softwares sem utilizado na UFMG e outras insti-
objetivo da distribuição, por que isso comprometa a interope- tuições. Além da sua aplicabili-
exemplo). Com base nas infor- rabilidade dos pacotes que com- dade imediata, vislumbramos que
mações coletadas cria-se uma ba- põem uma distribuição. Nesse as técnicas e tecnologias desen-
se de conhecimento sobre paco- sentido, o projeto desenvolve volvidas dentro do projeto pos-
tes mais utilizados para cada per- metodologias de homologação de sam servir de base para a cons-
fil, permitindo apresentar suges- software para sua incorporação trução de um conhecimento livre
tões para os novos usuários em na base de pacotes a ser utilizada e sustentável.

Conclusão
O software livre se apresenta fundamental, motivado por fa- conhecimento que permeia todas
como algo que vai muito além de tores como satisfação pessoal, as dimensões da criação do soft-
um modelo de licenciamento ou reconhecimento e o fato de que se ware livre. Por isso, acreditamos
uma estratégia de produção de recebe mais do que se provê. A que ele seja uma tendência inexo-
software. Ele é a materialização obtenção de um software robusto, rável, que está mudando os rumos
de uma nova forma de produzir confiável e com grande capacida- não só da área de informática,
conhecimento, onde o comparti- de de evolução é uma conseqüên- mas do uso de tecnologia da in-
lhamento aparece como postura cia do processo de produção de formação por toda a sociedade.

FONTE 81
Fotos: Divulgação

Por Que Escolher?


Rinaldo Zangirolami
Diretor Geral de Assuntos Jurídicos e Corporativos da Microsoft.

Ygor Colalto Valerio


Membro do Departamento Jurídico, com foco em propriedade intelectual.

RESUMO
Partindo do reconhecimento sobre o valor que a tecnologia da informação re-
presenta para empresas, governos e sociedade, o artigo enumera uma série de
considerações sobre os fatores que devem ser considerados no momento da
escolha entre um software de conformação livre ou proprietária, enfatizando a
importância da adoção de critérios objetivos e neutros. Compara peculiaridades
dos modelos de negócios de desenvolvimento e apresenta resultados de
pesquisas realizadas por institutos independentes sobre pontos que devem ser
considerados. Apresenta números relativos ao Custo Total de Propriedade
(TCO) e analisa informações sobre o aspecto de segurança oferecida pelos dois
modelos.

O valor que a tecnologia da ou qual plataforma adotar sejam sinal, da indústria da tecnolo-
informação representa para empre- o resultado de uma seleção sere- gia.
sas, governos e para a sociedade na, precisa e segura. Obviamente, a capacidade de
como um todo dispensa longas No quase infinito horizonte municiar-se com dados para
explicações. O acesso à informa- de possibilidades que o escolher esta ou aquela platafor-
ção, por si só, tornou-se a matéria- crescimento da indústria mundial ma varia de empresa para empre-
prima de maior valor estratégico de software tem disponibilizado a sa. No campo privado, o admi-
para os tomadores de decisões governos e entidades privadas, nistrador decidirá conforme sua
nos mais diversos níveis exis- como escolher qual caminho própria convicção, tendo plena
tentes, sendo que o meio digital é seguir? Decisões deste porte liberdade para escolher, indepen-
o veículo por excelência deste estratégico não podem se basear dentemente das informações que
vasto fluxo de informações. em mitos, subjetividades ou colher, do preço ou de qualquer
Diante desse cenário, é funda- conceitos apriorísticos, mas em outro fator. Entretanto, em um
mental que as decisões quanto a métricas e fatos passíveis de contexto governamental, de trato
quais soluções de TI implementar comprovação, típicos, por da coisa pública, em que o que

82 FONTE
está em jogo é o melhor emprego da plataforma do que o preço necessidades de seus clientes.
dos recursos dos contribuintes, a pago pela licença de uso de um Mas, para eles, a comparação
escolha deste ou daquele produto programa. Quando o produto é entre possibilidades não será a
deve ser fundamentada por software, a decisão entre livre2 e mais acertada se impregnada por
critérios vários, como técnica e proprietário3 é muito mais difícil discussões acerca do papel da
preço, que só podem ser sope- do que pode parecer a princípio, propriedade intelectual, da políti-
sados após análise das propos- motivo pelo qual defendemos, ca implementada pelo governo
tas apresentadas, segundo pro- mais do que tudo, a existência de ou por quem detém os direitos
cedimento previsto em lei. neutralidade no momento de sobre este ou aquele produto. O
Qualquer preferência a priori ou escolha. que se deseja é que a escolha seja
sem comprovada razão não Consumidores se beneficiam, pautada por estrita racionalidade,
prevalecerá1. hoje, de uma indústria da tecno- analisando-se vantagens e des-
A mensagem que acompanha logia da informação bastante vantagens objetivas dos produtos
esse discurso é a de que há muito competitiva, obrigada a focar-se em questão. Travemos a batalha
mais a ser considerado na escolha mais e mais nos desejos e no campo dos fatos.

1. Modelos de Negócio e de Desenvolvimento


Não há uma maneira correta seu modelo de negócios na explo- utilizá-lo, de acordo com deter-
de se produzir ou de se comer- ração econômica exclusivista dos minadas regras e restrições. Não
cializar um software. Modelos de códigos que desenvolvem4, sendo há, via de regra, possibilidade de
desenvolvimento, implemetação que o instrumento utilizado para acesso ao código-fonte, nem
ou comercialização evoluem e se que se atinja esse aproveitamento autorização para alterá-lo.
modificam, sendo que determina- econômico é o contrato de licen- O desenvolvimento do códi-
dos fins justificam a adoção deste ciamento. Por meio dele, a deten- go, por sua vez, segue um proces-
ou daquele modelo. tora dos direitos de propriedade so previamente estruturado e
Empresas desenvolvedoras intelectual que recaem sobre o amplamente controlado, acom-
de software proprietário baseiam software autoriza seu cliente a panhado por extensas etapas de

1 Assim entendeu, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3059, sustando
liminarmente a aplicabilidade da Lei 11.871/02 do Rio Grande do Sul, que determinava que os órgãos da administração direta, indi-
reta, autárquica e fundacional utilizassem preferencialmente "programas abertos, livres de restrições proprietárias quanto a sua
cessão, alteração e distribuição". Em voto lapidar, assevera o Senhor Ministro Carlos Ayres Britto: "Em suma, se os softwares aber-
tos são, de fato, os mais interessantes para a Pública Administração, que isso fique demonstrado em termos de mais alta pontuação
quanto aos critérios objetivamente figurantes de normas editalícias".
2 Apesar da diferença técnica existente entre os termos "Software Livre" e "Software de Código Aberto" (OSS - Open Source
Software), optou-se pelo primeiro por sua mais ampla divulgação. Importante, apenas, não confundi-los com freeware (software gra-
tuito).
3 Geralmente se utiliza o termo "proprietário" para definir softwares cujo código-fonte é fechado e protegido de maneira tradicional
pelas leis de propriedade intelectual.
4 Não há dúvida de que não se trata apenas do código, mas do software, termo mais abrangente que inclui a existência, por exemplo,
de elementos não literais como o look and feel (veja-se o caso Lotus vs. Paperback). Entretanto, as diferenças existentes entre "pro-
gramas de computador" e "software" passam ao largo da finalidade deste artigo.

FONTE 83
testes pré-lançamento em ambien- referindo apenas ao kernel do sis- SUSE7, criadas e mantidas por
tes os mais variados, de maneira tema operacional, ou seja, ao empresas com modelos comerci-
que o resultado final seja um pro- conjunto de instruções essenciais ais bastante lucrativos.
duto o mais confiável possível.5 ao funcionamento básico do O desenvolvimento do soft-
Por outro lado, o modelo de hardware. Sobre este núcleo, ware livre é um processo bastante
negócios implementado na explo- diversas empresas desenvolvedo- complexo e fruto da interação
ração econômica do software livre ras de software de código aberto entre inúmeras comunidades
e de código aberto é fortemente criam aplicativos e programas de existentes para tal fim. Geral-
marcado pela necessidade de se sistemas, sendo que ao conjunto mente descentralizado, absorve
associar a implementação da composto pelo código novo e o criações desenvolvidas em todo o
solução à mão-de-obra necessária kernel do Linux é dado o nome mundo e por pessoas diversas,
ao emprego do sistema. de "distribuição". seguindo ora um modelo hierár-
É comum que se confunda o Entre as distribuições mais quico (catedral), ora um modelo
Linux com suas distribuições. populares hoje, encontramos Red difuso (bazar). Não há um pro-
Quando se fala em Linux, está-se Hat, Debian, Mandrakesoft6 e cesso padronizado.

2. Dados
Considerando os modelos de pendentes, sobre os pontos prin- ao acesso de qualquer um, e
negócio e de desenvolvimento cipais a serem considerados na podem ser encontrados segundo
apresentados, passemos a uma decisão estratégica sobre qual o índice de referências biblio-
análise baseada em pesquisas plataforma usar. Os dados aqui gráficas apresentadas neste
realizadas por institutos inde- apresentados estão disponíveis artigo.

2.1. Custo Total de Propriedade (TCO)


Tendo em vista o fato de que sistema. Outros importantes fato- A esta métrica ampla e inclu-
sistemas de informática em geral res devem ser considerados para siva de todos estes aspectos dá-se
são ambientes altamente dinâmi- que se obtenha uma avaliação o nome de Custo Total de Pro-
cos, utilizados regularmente e a verdadeira, tais como o custo de priedade 10, que agrega dados a
longo prazo, é uma enorme im- implantação8, mão-de-obra técni- respeito de todos os relevantes
precisão restringir seus custos ao ca, gerenciamento, suporte e cus- fatores de custo ao longo da vida
momento de aquisição da licença tos relacionados à estrutura de útil de uma determinada estrutura
de uso e de implantação do hardware 9. de TI.

5 Os modelos de desenvolvimento entre empresas variam, como se poderia esperar. Na Microsoft, antes de ser lançado, o software
passa por pelo menos cinco processos diferentes de aprimoração (alfa, beta1, beta2, release to market e release to customer).
6 Atualmente Mandriva.
7 Recentemente adquirida pela Novell.
8 Deployment.
9 Custos de hardware com a plataforma Unix, por exemplo, são notoriamente maiores do que com Linux ou Windows.
10 Total Cost of Ownership (TCO).

84 FONTE
Diversas análises neste métrica do Custo Total de Pro- de aquisição de software tendem
campo já foram conduzidas priedade, ou seja, considerando a ser minimizados por outros cus-
por respeitadas entidades de todos os gastos inerentes à manu- tos, compondo, tipicamente, me-
pesquisa internacionais11, de tenção de uma estrutura de TI, nos de 10% do Custo Total de
maneira que tomadores de qual a representatividade do pre- Propriedade para um sistema.
decisão no campo da tecnologia ço das licenças? Isso sugere que o fato de um soft-
da informação têm, hoje, um Este ponto é pacífico na lite- ware ser livre, barato ou relativa-
vasto material à sua inteira dis- ratura existente a respeito de mente caro tem um baixo im-
posição para que possam decidir TCO. Os mais variados institutos pacto relativo nos custos totais de
sobre bases sólidas a respeito de de pesquisa apontam que este investimentos em TI." 12
que rumo seguir. custo específico tem um peso Analisemos os dados cole-
Para nossa análise, centrada quase irrelevante. Com efeito, em tados em pesquisa conduzida
na discussão de custos entre soft- estudo crítico sobre as diversas pelo IDC - International Data
ware livre e software proprietá- pesquisas existentes a respeito do Corporation13, identificando qual
rio, será importante verificar qual tema, Alan MacCormack, mem- a representatividade dos custos
a importância do preço de aqui- bro docente da Harvard Business de aquisição de licenças num
sição de licenças de software na School, assevera que os "custos período de cinco anos:

Custo Total de Propriedade vs. Custo de Aquisição de Licenças

Aquisição de licenças Outros custos

Conforme se verifica, segun- tão somente 4,6%, tendo sido con- o maior componente na configu-
do o instituto, a média de represen- siderados operações de rede, sis- ração do Custo Total de Proprie-
tatividade dos custos de aquisição tema de arquivos, impressão, dade de um sistema de TI: gastos
da licença de software no Custo servidores de web e segurança. com pessoal. O total atinge a casa
Total de Propriedade é de apenas e O estudo detectou, ainda, qual dos 62%.

11 Entre as mais importantes: IDC, Gartner, D.H. Brown, Yankee Group, Forrester e Meta Group.
12 Evaluating TCO for Software Platforms: comparing apples, oranges and cucumbers. Harvard Business School, 2003.
http://www.aeibrookings.org/admin/authorpdfs/page.php?id=261
13 Windows 2000 versus Linux in Enterprise Computing, IDC, 2002. http://www.idc.com/getdoc.jsp?containerId=33131

FONTE 85
Diante dos números apresen- Confirmando a análise nos economia extremamente signi-
tados, constata-se que o fator em casos concretos do estudo, con- ficativa.
que o Windows é mais caro é pre- duzido num período de cinco Outro estudo, realizado pela
cisamente o menos significativo. anos em 100 empresas, o IDC Forrester Research Inc.14, relata que
Por outro lado, o fator em que dis- concluiu que as vantagens o aumento de gastos com Linux
tribuições Linux são mais caras é financeiras da escolha de varia de 5% a 10%. No mesmo
justamente aquele que mais peso uma plataforma Windows em sentido, há uma pesquisa realizada
tem na composição do Custo Total vez de uma distribuição Linux pela IWB em conjunto com a
de Propriedade de um sistema. variam entre 11% e 22%. Uma Universidade de São Paulo15.

2.2. Segurança: Linux é mais seguro do que Windows?


Foi a pergunta formulada de dados, que teve por fonte consubstancia em risco até que
e respondida pela Forrester informações "do mundo real", seja efetivamente descoberta,
Research Inc.16, com o intuito de durou um ano, se estendendo divulgada e explorada, sendo que
analisar mais profundamente de junho de 2002 a maio de os dias de risco se resumem ao
uma afirmação tida por muitos 2003. tempo decorrido entre a divul-
como verdadeira. O método utilizado foi a con- gação da vulnerabilidade e a
O estudo levou em conta uma tagem dos dias de risco dos cinco disponibilização do patch hábil à
comparação realizada entre o sistemas. A análise parte do pres- reparação da vulnerabilidade des-
Windows e quatro das mais im- suposto de que qualquer pedaço coberta.
portantes distribuições de Linux complexo de código é hipotetica- Os resultados divulgados pe-
existentes: Red Hat, Debian, mente vulnerável. Entretanto, lo referido instituto de pesquisa
Mandrakesoft e SUSE. A coleta esta vulnerabilidade não se foram os seguintes:

Dias de Risco

14 The Costs and Risks of Open Source, Forrester Research Inc. 2004.
http://www.forrester.com/Research/Document/Excerpt/0,7211,34146,00.html
15 Fogo Cruzado. IWB/USP, 2004. http://www.itweb.com.br/solutions/gestao_empresarial/tco/artigo.asp?id=44063
16 Is Linux More Secure Than Windows? Forrester Research Inc, 2004.
http://www.forrester.com/Research/Document/Excerpt/0,7211,33941,00.html

86 FONTE
Conforme se pode verificar, a apresentados denota uma maior de um patch de segurança. A
Microsoft obteve o menor núme- capacidade de resposta a questões capacidade de direcionar a maior
ro de dias de risco entre os cinco de segurança. Uma questão já quantidade possível de esforços
sistemas, colocando-se com uma comentada anteriormente se para um fim específico certa-
vantagem de 32 dias em relação apresenta como de importância- mente será maior num ambiente
ao comparativo mais próximo, o chave para o trabalho de proteção corporativo do que em uma
Red Hat, que obteve uma média contra vulnerabilidades: o mode- comunidade, o que se traduz em
de 57 dias de risco no período lo de desenvolvimento de soft- menor exposição a ataques.
analisado. ware. Outro importante conjunto de
O fato de as vulnerabilida- A existência de um processo dados foi analisado no estudo em
des serem corrigidas em um de desenvolvimento previamente referência: o número total de fa-
período de tempo significativa- estruturado e rigidamente contro- lhas e o número total de falhas
mente menor pela Microsoft do lado garante o sucesso de opera- críticas apresentadas. Os resul-
que pelos produtores abertos ções críticas, como a elaboração tados:

Número Total de Falhas

Número Total de Falhas Críticas

A Microsoft obteve, portanto, número de falhas críticas havi- por Red Hat, com 99,6%,
a melhor colocação também no das, sendo também a única a cor- MandrakeSoft com 99%, SUSE
tocante ao número de falhas e ao rigir 100% das falhas, seguida com 97,7% e Debian com 96,2%.

FONTE 87
2.3. O risco da utilização de códigos de propriedade intelectual de terceiros
O tipo de proteção aplicada seus produtos, a Microsoft dá in- desenvolvedoras, não há uma
por cada nação varia, sendo que tegral cobertura contra eventuais maneira segura de se garantir que
algumas optam por aplicar ao ações indenizatórias com base em o código incorporado ao produto
software o mesmo regime de guar- violação de direitos de proprie- desenvolvido não foi criado por
da das criações artísticas e literá- dade intelectual que sejam movi- terceiro, o que torna claro o fato
rias – como o Brasil17 – enquanto das contra seus clientes. Respon- de a exposição a riscos deste tipo
outras escolhem o regime paten- sabiliza-se completamente, por- ser maior na implantação de
tário ou misto – como os EUA. tanto, pelo seu próprio produto. plataformas baseadas em soft-
Em um ou em outro regime A realidade para as platafor- ware livre. Além disso, a natureza
de proteção, o fato é um só: utili- mas livres não é a mesma, entre- aberta destas plataformas conce-
zar-se de código desenvolvido por tanto. Mesmo grandes empresas, de ao usuário a possibilidade de
outrem sem a devida autorização como a IBM, não oferecem esse alterar o código-fonte, o que por
constitui infração à legislação de tipo de apoio aos consumidores si só já é um incremento ao risco
proteção à propriedade intelec- de suas soluções baseadas em de infringir propriedade intelec-
tual, dando ensejo à cobrança de software livre. tual alheia. Já há até empresas
indenização pelo detentor origi- O modelo de desenvolvimen- seguradoras oferecendo planos
nário dos referidos direitos. to influencia muito essa decisão. para o caso de o segurado ser
Ciente deste fato e desejosa Por depender de criações elabo- condenado em uma demanda
de aumentar o valor agregado de radas no seio das comunidades judicial dessa espécie.

Conclusão
Diante dos dados demonstra- com o intuito de incessantemente Das informações fornecidas
dos, fica claro que a decisão quan- gerar mais valor para clientes e neste artigo, duas conclusões são
to a que plataforma escolher não parceiros. inafastáveis: software livre defi-
se resume ao custo de aquisição Mercados competitivos são o nitivamente não é gratuito e soft-
das licenças. A escolha é bem mais que há de mais saudável para o con- ware proprietário não é, certa-
complexa do que se pode imagi- sumidor. Obriga empresas a man- mente, caro como se pensa. Com
nar a princípio. Tomar a decisão terem seu foco nas necessidades e isso em mente, voltamos ao
mais correta dependerá sempre vontades de seus clientes, investi- ponto de partida: com que base
de uma postura inicial neutra, que rem no constante desenvolvimento poderíamos preferir um a outro
permita uma análise real de van- de seus produtos e regularem seus sem analisar os fatos?
tagens e desvantagens. preços de maneira a não perderem O que se deseja é competir,
O que a indústria de software presença no mercado. Qualquer concorrer. E a indústria proprie-
proprietário procura, hoje, é poder iniciativa governamental que bus- tária tem, de sobra, valor, quali-
competir num mesmo patamar que prejudicar essa livre concor- dade e benefícios para oferecer a
inicial, sem que haja preferências rência deverá ser rechaçada vee- seus clientes, sejam do âmbito
pré-definidas. Para ganhar a dispu- mentemente, sob pena de se consti- público, sejam do âmbito priva-
ta no final, investe pesadamente tuir uma reserva de mercado cega à do. Estamos aqui para oferecer
em pesquisa e desenvolvimento, realidade dos custos e benefícios. aquilo que temos de melhor.

17 Leis 9.609/98 e 9.610/98.

88 FONTE
Lyderwan Santos
Licenciamento de Software Livre:
questões técnicas e legais
Luiz Cláudio S. Caldas
Professor universitário, formado em Engenharia Eletrônica e de Telecomu-
nicações pela PUC MG e Direito pela UFMG. Mestrando na Faculdade de
Direito Milton Campos, em Propriedade Intelectual no âmbito da Tecnologia
da Informação. Analista de sistemas da Prodemge há 22 anos. Na Univer-
sidade Corporativa da Prodemge coordena a Gerência de Desenvolvimento
e Estratégia Educacional.

RESUMO
O artigo apresenta questões técnicas e legais relacionadas ao licenciamento do
software livre. O conhecimento acerca das características e direitos permitidos
pelas licenças de uso de software é ponto básico para a compreensão de sua
forma de utilização.

1. Introdução
A área de tecnologia da infor- de empresas e pesquisadores. relacionado a um modelo diferen-
mação e comunicação (TIC) tem Com o aparecimento dos primei- ciado de desenvolvimento de
sido um importante agente das ros computadores de uso pessoal, software, que reivindicava a
transformações econômicas e so- a indústria experimentou um liberdade para acesso ao progra-
ciais no mundo atual. No princí- crescimento exponencial. Novas ma-fonte, pretendendo garantir a
pio da década de 70, já se desta- tecnologias propiciaram uma criação de produtos melhores e
cava como um segmento econô- constante diminuição de preços mais confiáveis. Potencializado
mico singular, ainda que restrito a das máquinas e simplificação nos pelas facilidades propiciadas pela
operações entre as corporações seus processos de uso, popula- internet e pelo crescente aumento
que possuíam capacidade finan- rizando rapidamente o segmento. de conexão entre os ambientes
ceira para a realização de investi- O uso de computadores tornou-se computacionais, a troca de pro-
mentos de maior vulto. Em face corriqueiro, alcançando de ma- gramas entre essas pessoas criou
da alta especialização técnica neira definitiva o dia-a-dia das as condições para a expansão
requerida, representava um nicho empresas e das pessoas. dessas idéias, dando origem ao
de conhecimento restrito a um Na década de 80 surgiu no que ficou conhecido como
número relativamente pequeno meio acadêmico um movimento "movimento pelo software livre".

FONTE 89
Com forte motivação ideológica, uso conhecida como licença extensão dos direitos da pro-
a liberdade para distribuir o soft- GPL, ou licença GNU/GPL, que, priedade intelectual, criaram um
ware desenvolvido, receber cola- baseada nos conceitos jurídicos caldo de cultura próprio e origi-
borações de terceiros e imple- da propriedade intelectual e do naram em 1998 um outro movi-
mentar sugestões provenientes de copyright, estabelece que produ- mento chamado open source,
fontes diversas, sem maiores tos criados sob essa forma de li- com ideais semelhantes, procu-
preocupações com o retorno cenciamento não podem sofrer rando adotar uma linha mais
financeiro, criou uma situação de nenhum tipo de restrição quanto pragmática do que aquela defen-
oposição ao modelo tradicional ao uso, cópia, distribuição ou dida pelo movimento do software
adotado pela indústria, baseado liberdade de conhecimento do livre. Este grupo, liderado por
na proteção fornecida pelos código-fonte. Bruce Perens, John "maddog" Hal
mecanismos oriundos da pro- O conceito de liberdade de e Eric Raymond, originou a Open
priedade intelectual. software ganhou um impulso Source Initiative (OSI), entidade
O tema software livre foi maior quando um estudante fin- que hoje desempenha um papel
abordado de forma pioneira, em landês, Linus Torvalds, disponi- destacado no movimento4.
1984, por Richard Stallman, na bilizou para críticas e colabo- A despeito de algumas dife-
época, um pesquisador do MIT, rações o kernel de um sistema renças existentes entre esses
através do anúncio do projeto operacional compatível com o movimentos 5, como veremos a
GNU 1, cuja idéia era a de cons- Unix (este de caráter propri- seguir, adotaremos a denomi-
truir um sistema operacional etário). O sistema operacional, nação software livre para referir-
livre, compatível com o Unix. que ficou conhecido como Linux, mo-nos a ambos.
Stallman fundou a Free Software recebeu melhorias, agregou fun- O estágio atual do software
Foundation (FSF) 2, com o pro- ções, tornou-se robusto e confiá- livre não nos permite ignorá-lo: é
pósito de divulgar as idéias acer- vel o suficiente para hoje estar um fato – e uma opção tecnoló-
ca do movimento e dos conceitos instalado na maioria dos compu- gica – cada vez mais presente no
que preconizava. Para proteger os tadores que são utilizados como cotidiano das empresas. Algumas
produtos criados sob o ideal do servidores de rede ou de banco de vezes cercado por um viés ideo-
software livre, a FSF estabeleceu dados 3. lógico, ainda suscita posições
uma forma engenhosa de pro- O software livre e, princi- ardorosas, com defesas ou repú-
teção, através de uma licença de palmente, a discussão sobre a dios no mesmo diapasão. O

1 Richard Stallman trabalhava no Massachusetts Institute of Technology. É o fundador da Free Software Foundation e principal men-
tor do projeto GNU ("GNU's Not Unix").
2 Informações acerca da Free Software Foundation estão disponíveis no endereço http://www.fsf.org. Sobre o projeto GNU, veja em
http://www.gnu.org.
3 Para maiores detalhes, veja o site da Linux International http://www.li.org/.
4 Informações sobre o movimento pelo código aberto (movimento open source) estão disponíveis no endereço
http://www.opensource.org.
5 Os sites das entidades apresentam uma quantidade extensa de informações sobre elas. Recomendamos acessá-los, para obter infor-
mações detalhadas.

90 FONTE
importante é compreender que o Então, qual é a questão maior de TI. As discussões sobre o
software livre, antes de receber a envolvendo o software livre, que software livre são freqüentes e as
qualificação livre, é tão somente provoca questionamentos e posi- opiniões extraídas desses debates
um software! E sendo apenas um cionamentos tão firmes quanto são diversas e, às vezes, confli-
software, pode possuir quali- antagônicos? tantes. Essas discussões costu-
dades e defeitos inerentes a qual- Um ponto a ser considerado é mam convergir para a questão da
quer obra produzida pelo intelec- o da proteção dos direitos da pro- propriedade intelectual e as im-
to humano, que é capaz de trans- priedade industrial. Questões plicações de cunho econômico,
formar em linguagem de má- legais envolvendo o software social e legal que daí decorrem.
quina processos intelectuais des- livre e a profusão de licenças São aspectos que necessitam ser
tinados à realização de determi- criam por vezes uma situação conhecidos para permitir que as
nado objetivo dependente de com- complexa e incompreensível para decisões sejam tomadas de forma
putadores para sua consecução. muitos dos usuários e gerentes consciente e segura.

1.1. Os diversos aspectos da produção do software


A visão de desenvolvimento na prática é a produção solidária econômicas e legais do software
de um bem, que agrega valor aos e coletiva de obras intelectuais, livre e as motivações das pessoas
negócios mas que não se trans- por meio de pessoas que não se envolvidas com o movimento.
mite de forma onerosa, perturba o conhecem. Aparentemente essas Um texto interessante que des-
conceito vigente da produção de pessoas trabalham de forma inde- creve e compara a forma de pro-
bem de valor econômico, protegi- pendente, com pouco controle dução de software livre e do soft-
do por instituto da propriedade centralizado e sem obedecer a ware proprietário, intitulado "A
intelectual, consoante os interes- nenhum tipo de hierarquia fun- catedral e o bazar", de autoria de
ses econômicos daí advindos. O cional. O resultado final desse Eric Raymond, tornou-se um
modo de produção capitalista, de esforço pode apresentar resulta- clássico 6. O filósofo catalão
uma maneira geral, não absorve, dos úteis, que não pertencem a Manuel Castells possui uma obra
com facilidade, o conceito de ninguém em particular, que muito interesante, "A sociedade
produção de um bem que agrega poderão ou não ser comercializa- em rede", na qual analisa os
valor a um negócio ou produto, dos por qualquer, se assim o vários aspectos da internet e de
no qual as pessoas envolvidas na desejar, independentemente da sua influência na sociedade
sua produção não exigem, neces- aquiescência daqueles que traba- atual 7. Não se centra no software
sariamente, nenhuma espécie de lharam na sua criação. livre, mas estuda de maneira
contrapartida para o trabalho in- Vários trabalhos foram publi- ampla as implicações econômi-
telectual que despenderam. Com cados nos últimos tempos procu- cas e sociais advindas da internet
o software livre, o que acontece rando avaliar as implicações e do meio na qual está centrada.

6 O texto pode ser encontrado, no original em inglês, e em outros idiomas, no endereço http://www.catb.org/~esr/writings/.
7 O livro, em três volumes, foi publicado pela editora Paz e Terra e prefaciado por Fernando Henrique Cardoso, que observa que
"Castells nos adverte,..., de que é preciso levar a sério as mudanças introduzidas em nosso padrão de sociabilidade, em razão das
transformações tecnológicas e econômicas que fazem com que a relação dos indivíduos e da própria sociedade com o processo de
inovação técnica tenha sofrido alterações consideráveis".

FONTE 91
A internet 8 funciona como limites impostos pelo próprio Sob o aspecto legal, o soft-
grande potencializadora desse indivíduo. Na prática, estejamos ware, livre ou proprietário, ainda é
movimento, na medida em que em nossos escritórios, residên- um tema não equacionado em sua
permite a troca de informações na cias, centros de pesquisa ou completude, trazendo uma série de
grande rede, na maioria dos casos cyber-cafés, podemos enviar e indagações a serem respondidas
livre de restrições, controle ou receber quaisquer tipos de infor- nas esferas relativas ao contrato,
limitações, seja de empresas ou mação, independentemente da relações de consumo, responsabi-
de governos; está livre de censura existência de barreiras geográfi- lidade civil e adesão das licenças
de qualquer espécie, exceto os cas, idiomáticas ou econômicas. ao ordenamento jurídico nacional.

2. A propriedade intelectual: breves aspectos

2.1. Apanhado histórico


Como instrumento formal e enfoques, além daqueles em voga. em sua reputação e honra; de
sistematizado, a proteção a uma Surge a concepção do direito auto- modificá-la, antes ou depois de
obra intelectual aparece pela ral 9, estabelecendo privilégios ao circulação, ou de suspender qual-
primeira vez na Inglaterra, em autor. Mantém o aspecto patrimo- quer forma de utilização já auto-
1709, com a promulgação pela nial e introduz a esfera pessoal por rizada. É um direito intransferível
Rainha Ana do "Copyright Act", meio dos "direitos morais" do autor. e irrenunciável.
que concedia ao editor uma pro- O aspecto patrimonial rela- Foi um avanço significativo,
teção com duração de 21 anos ciona-se à exploração econômica porque o autor passa a ter seus
para as cópias impressas de deter- da obra, podendo ser transferido direitos reconhecidos e adquire a
minada obra devidamente regis- a terceiros. Os direitos morais, capacidade para usufruir determi-
trada. A lei não protegia a obra ligados ao autor, permitem-lhe nadas prerrogativas de caráter
em si, mas as cópias que dela fos- certas prerrogativas, como a de exclusivo.
sem feitas. O editor que regis- reivindicar, a qualquer tempo, a No final do século XIX, com
trasse uma obra recebia o privilé- paternidade da obra; de ter seu o crescente interesse econômico
gio para impressão e venda de nome ou pseudônimo identifica- pelo tema, a doutrina começa a
sua cópia por determinado perío- do nesta; de conservá-la inédita; estruturar-se para tratar a proprie-
do de tempo. de assegurar-lhe a integridade, dade intelectual sob um espectro
Posteriormente, a revolução opondo-se a quaisquer modifi- mais amplo, objetivando compa-
francesa amplia a concepção acer- cações ou à prática de atos que tibilizar legislações e ajustar o
ca do tema, contemplando outros possam prejudicá-lo ou atingi-lo tratamento comercial. Começam

8 Ainda no prefácio de Fernando Henrique Cardoso, é "a sociedade em rede, globalizada e centrada no uso e aplicação da informação
e na qual a divisão do trabalho se efetua, não tanto segundo jurisdições territoriais (embora isso continue também a ocorrer) mas
sobretudo segundo um padrão complexo de redes interligadas".
9 Alguns autores posicionam-se entre as terminologias direito de autor e direito autoral. Para o propósito deste trabalho as denomi-
nações serão adotadas indistintamente.

92 FONTE
a surgir tratados internacionais di- Se a criação literária e sua ca, por exemplo, são fenômenos
versos, que se multiplicam conti- reprodução é um fato antigo, a recentes, que necessitam de
nuamente à medida que novos indústria fonográfica, de cinema novos entendimentos à medida
campos do conhecimento adqui- e vídeo, a utilização de computa- que evoluem e assumem impor-
rem valor econômico significativo. dores, a biotecnologia e a genéti- tância científica e econômica.

2.2. A propriedade intelectual sob a ótica legal


Cada país possui um ordena- A procura por um tratamento às descobertas científicas, aos
mento jurídico que lhe é peculiar uniformizado do tema proprie- desenhos e modelos industriais,
e não é incomum existirem enfo- dade intelectual envolve a partici- às marcas industriais, comerciais
ques diferenciados para questões pação de diversos organismos e de serviço, bem como às firmas
doutrinárias aparentemente seme- internacionais que emanam reco- comerciais e denominações comer-
lhantes. Um determinado com- mendações para servirem como ciais, à proteção contra a concor-
portamento, uma determinada balizadoras no ajuste das legis- rência desleal e todos os outros
ação pode ser tida como legítima lações dos países signatários. O direitos inerentes à atividade
sob determinado ordenamento objetivo é uniformizar o trata- intelectual nos domínios industri-
jurídico, mas considerada como mento dado às questões nos al, científico, literário e artístico.
delituosa em outro ordenamento. diversos sistemas legais. A Tem-se, assim, correntemente, a
Adicionalmente, uma mesma importância do tema fez surgir no noção de propriedade intelectual
questão, delituosa ou não, pode âmbito da ONU a Organização como a de um capítulo do
estar sujeita a um enquadramento Mundial da Propriedade Intelec- Direito, compreendendo o campo
jurídico em um certo lugar e ser tual (OMPI ou WIPO, em inglês), da propriedade industrial, os di-
tratada de forma diferente em um fórum permanente para dis- reitos autorais e outros direitos
outro. Assim é, por exemplo, a cussão de questões relacionadas à sobre bens imateriais de vários
questão do software, que pode propriedade intelectual e articu- gêneros" 10.
admitir em determinado ordena- lação de políticas comuns. A Comunidade Européia tem
mento jurídico a proteção sob o Na explanação do prof. Denis buscado compatibilizar suas nor-
regime do copyright e da patente Barbosa Borges, "a OMPI define mas internas por meio de um
e, em outros, como aqueles que a Propriedade intelectual como a instrumento chamado Diretivas,
sofrem influência do direito soma dos direitos relativos às um conjunto de recomendações
francês, receber proteção sob o obras literárias, artísticas e cientí- que servem de base para orien-
regime de propriedade intelectu- ficas, às interpretações dos artis- tação e ajuste nas legislações dos
al. São institutos que, em última tas intérpretes e às execuções dos países-membros, uniformizando
instância, protegem as chamadas artistas executantes, aos fonogra- o entendimento e o tratamento
criações do espírito, mas pos- mas e às emissões de radiodi- jurídico em relação a determina-
suem particularidades em sua fusão, às invenções em todos os do tema. Nas áreas relacionadas
forma de abordagem da questão. domínios da atividade humana, às tecnologias da informação e

10 Em relação à legislação brasileira, a lista completa dos temas protegidos por meio da propriedade industrial e de sua forma de pro-
teção encontra-se no texto da Lei 9.279/96. Os elementos relacionados com o direito autoral estão explicitamente descritos nos ter-
mos da Lei 9.610/98.

FONTE 93
comunicação já foram publicadas órgão competente. O direito de dezembro de 1996, a Conferência
diversas Diretivas relacionadas autor relaciona-se à produção Diplomática de Genebra da
com a proteção a bases de dados, artística em geral, obras cine- Organização Mundial da Proprie-
software, telecomunicações, aces- matográficas, músicas, filmes, dade Intelectual aprovou o Tra-
so à internet, políticas de privaci- ilustrações, artes plásticas, foto- tado da OMPI sobre direito de
dade de acesso e outros temas grafia e programas de computa- autor, que versa sobre a proteção
correlatos. dor. O direito surge com a criação do programa de computador co-
A propriedade industrial é o da obra (o registro é facultativo). mo obra literária 11. É uma defini-
segmento que tutela as marcas, A obra possui dupla proteção, ção importante, pois afasta o pro-
patentes, desenhos industriais e através do direito patrimonial e grama de computador do outro ra-
modelos de utilidade. O direito do direito moral. mo da propriedade intelectual, que
surge com o registro da obra em Em relação ao software, em é o da propriedade industrial 12.

2.3. Aspectos da legislação brasileira


A legislação brasileira trata proteção de direitos autorais, com b) a lei de direitos autorais
de forma explícita as questões alguma reserva em relação aos especifica que o programa
relativas aos diferentes aspectos direitos morais, por força de con- de computador é objeto de
da propriedade intelectual. A pro- venções internacionais (Conven- Lei específica;
priedade industrial é disciplinada ção de Berna e Acordo Trips). Há c) o programa de computador
pela Lei 9.279/96. No art. 10º uma limitação aos direitos morais é regido explicitamen-
exclui, explicitamente, o software do autor do software, sendo re- te pelo disposto na Lei
do escopo de sua proteção, dei- conhecidos apenas aqueles estri- 9.609/98;
xando-a para legislação específi- tamente permitidos pela legis- d) a lei de direitos autorais
ca. O direito autoral é tratado lação. possui aplicação subsidiá-
genericamente pela Lei 9.610/98, Por meio desta sistemática ria em relação ao soft-
que no seu art. 7º. informa que entende-se que: ware;
"os programas de computador a) a legislação brasileira ex- e) outros instrumentos podem
são objeto de legislação especí- clui o programa de compu- ser aplicáveis às questões
fica..." tador do âmbito da proprie- legais decorrentes da
O programa de computador é dade industrial, por força comercialização e uso do
objeto da Lei 9.609/98. A legis- explícita do disposto na Lei software, como o Código
lação brasileira inclui o programa 9.279/96, que o coloca no de Defesa do Consumidor
de computador no regime de âmbito do direito autoral; e o Código Civil.

11 José de Oliveira Ascensão, em sua obra Direito da Internet e da Sociedade da Informação, traz o texto do art. 4º. do Tratado de
Genebra de 1966 em português: "Os programas de computador são protegidos como obras literárias no sentido do artigo 2 da
Convenção de Berna. Essa proteção aplica-se aos programas de computador, qualquer que seja o seu modo ou forma de expressão".
12 Explica Newton Silveira que enquanto "as obras protegidas pelo direito do autor têm como único requisito a originalidade, as
criações no campo da propriedade industrial,..., dependem do requisito de novidade, objetivamente considerado". (A propriedade
intelectual e as novas leis autorais, Editora Saraiva).

94 FONTE
3. Licenciamento de software
Um dos principais pontos da software se dá por meio de um totalmente libertário e não fosse
propriedade intelectual assenta-se mecanismo chamado licença de protegido por licença, se consti-
na proteção dos direitos para a uso. A distribuição e comercia- tuiria em uma obra sob domínio
exploração econômica da obra. lização do software proprietário público, o que permitiria a qual-
Seja qual for o mecanismo, por faz-se em função do disposto em quer um apropriar-se do código-
meio do direito autoral ou da pro- sua licença de uso. Ao adquirir fonte e incorporá-lo de forma
priedade industrial, a proteção é um software, ao abrir a emba- proprietária a seus produtos. Para
um imperativo econômico, social lagem ou ao instalá-lo em um evitar esta situação, baseando-se
e legal. Disponibilizar o conheci- computador, o usuário, tacita- nos conceitos da propriedade in-
mento em si sob qualquer forma, mente, adere aos termos do con- telectual, os desenvolvedores gra-
sem nenhuma restrição na ordem trato de licenciamento proposto vam seus produtos com licenças
jurídica, permite a transferência pelo proprietário dos direitos específicas, onde as liberdades de
deste conhecimento para o do- sobre o software, sujeitando-se a uso estão garantidas.
mínio comum da sociedade, possi- sanções, caso descumpra quais- Alguns produtos de software
bilitando a qualquer um absorvê- quer uma das cláusulas dessa livre possuem mais de um tipo de
lo, assimilá-lo e utilizá-lo da licença. Normalmente, as licen- licença. Uma destas segue os
maneira que melhor lhe aprouver. ças de uso do software propri- padrões das licenças livres e
É o que acontece, por exemplo etário não permitem cópia, redis- outra pode ser uma licença
quando as obras literárias e musi- tribuição, nem permitem acesso comercial. É o que se chama de
cais caem em domínio público por ao código-fonte, que é tratado dual licensing. O autor libera o
exaustão do prazo de proteção: como segredo de negócio e é código do produto de acordo com
qualquer um pode comercializá- legalmente protegido. a situação; o usuário deverá ado-
la, adaptá-la ou transformá-la da O software livre também é tar uma ou outra licença de uso.
maneira que for conveniente. protegido por licença de uso. E Exemplos clássicos dessa forma
A proteção dos direitos de deve sê-lo, para fazer cumprir os de licenciamento são o MySQL e
propriedade intelectual sobre o ideais que propugna. Caso fosse o OpenOffice.

3.1. A Free Software Foundation e a licença GNU/ GPL


Dentre as licenças de soft- tos existentes, mais de 60% uti- detentor do copyright reserva para
ware livre, a licença GNU/GPL lizam a licença GNU/GPL. Criada si todos os direitos relacionados
(GNU/General Public License pela Free Software Foundation, com a exploração econômica da
ou, em português, Licença esta licença baseou-se nos con- obra, o desenvolvedor do software
Pública Geral) é uma referência ceitos jurídicos do copyright para livre, gravado com o conceito do
no setor e é a mais utilizada preservar o ideal do movimento. copyleft, disponibiliza para toda a
pelos desenvolvedores. Uma con- A entidade, engenhosamente comunidade os direitos relativos
sulta ao site da Sourceforge utilizou o enquadramento doutri- àquela obra, com a restrição de
(http://www.sourceforge.org), o nário da propriedade intelectual que a ninguém será permitido
maior repositório de produtos de para introduzir o conceito de apropriar-se daquele código, que,
software livre em desenvolvimen- copyleft, em oposição aos concei- construído livre, deverá per-
to, mostrou que, do total de proje- tos do copyright. Enquanto o manecer livre.

FONTE 95
O raciocínio é simples: se o titu- fonte é um pré-requisito • software livre não é neces-
lar do direito autoral tem o poder para esta liberdade; sariamente gratuito: nada
para decidir a forma de utilização • a liberdade de redistribuir impede que alguém esta-
de sua obra, nada o impede de cópias de modo que você beleça valor sobre um pro-
colocá-la à disposição de qual- possa ajudar ao seu próxi- duto GNU/GPL, mas a
quer um, estabelecendo, inclu- mo (liberdade nº 2); obrigação de distribuir o
sive, os limites e condições para • a liberdade de aperfeiçoar código-fonte persiste;
uso e exploração de seu produto. o programa e liberar os • O produto é distribuído "as
O conceito do copyleft, seus aperfeiçoamentos, de is", sem qualquer tipo de
expandindo a utilização do pro- modo que toda a comu- garantia;
duto original, permite a criação nidade se beneficie (liber- • obras derivadas devem ser
de obras derivadas a partir da dade nº 3). Acesso ao códi- gravadas com a licença
obra principal, desde de que esta go-fonte é um pré-requisito GNU/GPL.
nova obra permaneça gravada para esta liberdade 13. A licença GNU/GPL é um
com a licença original. Um pro- Os princípios básicos da licen- padrão, que gerou várias licenças
duto criado a partir de um soft- ça GNU/GPL encontram-se des- similares. A Free Software Foun-
ware que já possui a licença critos de forma clara e precisa no dation apresenta no endereço
GNU/GPL também deverá pos- preâmbulo do seu texto 14. O pri- http://www.fsf.org/licensing/lice
suir esta mesma licença. É o meiro deles é o de que o software nses/index_html uma relação das
chamado efeito viral ou caráter deve ser mantido livre, podendo licenças que, sob a ótica da enti-
viral da licença. ser modificado e distribuído pelo dade, são compatíveis com a li-
A Free Software Foundation usuário sem necessidade de obten- cença GNU/GPL. Apresenta tam-
assim conceitua o software livre: ção de licença do desenvolvedor. bém aquelas que, por alguma
Software livre se refere à li- Um segundo, exime o distribuidor razão, são incompatíveis com a
berdade dos usuários executa- de qualquer responsabilidade licença, mas mesmo assim pos-
rem, copiarem, distribuírem, sobre o produto distribuído. O ter- suem características de software
estudarem, modificarem e aper- ceiro é o de que a licença não per- livre e, ainda, uma relação de
feiçoarem o software. Mais pre- mite a ninguém estabelecer qual- licenças não compatíveis com
cisamente, ele se refere a quatro quer tipo de proteção por meio de essa licença.
tipos de liberdade, para os patentes, que possa transformar o Objetivando atualizar a
usuários do software: código em proprietário. licença e compatibilizá-la com as
• a liberdade de executar o Basicamente a licença apre- demandas do mercado, a Free
programa, para qualquer senta como características: Software Foundation está traba-
propósito (liberdade nº 0); • não é permitida a transfor- lhando em uma atualização da
• a liberdade de estudar mação de um software licença GNU/GPL, chamada de
como o programa funciona livre em proprietário; versão 3. Até o presente momen-
e adaptá-lo para as suas • o conceito do copyleft (as to, os termos dessa licença ainda
necessidades (liberdade liberdades) deve ser obe- não foram disponibilizados ao
nº 1). Acesso ao código- decido sempre; mercado.

13 De acordo com o informado em http://www.gnu.org/philosophy/free-sw.pt.html


14 Que podem ser conferidos, em português, no endereço http://www.magnux.org/doc/GPL-pt_BR.txt.

96 FONTE
3.2. A Open Source Initiative
A definição das característi- princípios se caracteriza pelos a licença não pode permitir
cas para que um produto possa pontos elencados a seguir: a discriminação de qual-
ser considerado de código aberto • liberdade de redistribui- quer espécie, em relação a
(open source) estão elencadas na ção: a licença não pode pessoas, grupos, campos
definição de propósitos apresen- opor restrição a qualquer de pesquisa, ramos de co-
tada pela Open Source Initiative um que deseje redistribuir nhecimento, etc;
(OSI). Basicamente, para que o produto, junto com outros • distribuição da licença: é
uma licença possa ser reconheci- softwares, independente- uma cláusula que impede
da como aderente ao padrão open mente da fonte. Não deve que o software seja fechado
source ela deve permitir a criação impor a exigência de paga- de alguma forma, perdendo
de trabalhos derivados, originá- mento, a qualquer título; seu caráter de liberdade;
rios de um produto de código • código-fonte: a distribui- • a licença não deve ser
aberto, permitir uso comercial do ção deve incluir o código- específica de um produto
produto e exigir que o código- fonte e deve permitir a dis- ou distribuição: se um pro-
fonte seja colocado disponível tribuição no formato aber- grama ou parte dele é
aos interessados. to ou compilado. Caso o extraído de determinada
Um software para ser reco- código-fonte não esteja distribuição, ele conserva a
nhecido como aderente aos pa- sendo entregue, o respon- licença original;
drões preconizados pela Open sável deve divulgar a for- • a licença distribuída com o
Source Initiative deve atender aos ma de obtê-lo. O acesso ao software de código aberto
critérios apresentados a seguir. código-fonte não pode ser deve respeitar as demais,
Não existe uma "licença Open obstaculizado; não criando obrigações em
Source", nos moldes da licença • trabalhos derivados: a li- relação a produtos;
GNU/GPL, mas um manifesto, cença deve permitir modi- • a licença deve ser tecno-
uma declaração de princípios ficações e a confecção de logicamente neutra.
capaz de identificar as licenças trabalhos derivados, garan- O site da Open Source Initia-
aderentes ao padrão chamado de tindo a estes a distribuição tive apresenta uma série de li-
código aberto. A OSI se asseme- sob as mesmas condições cenças que são consideradas ade-
lha, em determinados propósitos, do trabalho original; rentes aos propósitos definidos
a uma certificadora, uma enti- • a integridade do autor do pela entidade. Na relação de
dade que avalia se determinada código-fonte deve ser pre- licenças consideradas de código
licença adere aos padrões por ela servada; aberto está também listada a
defendidos. Esta declaração de • ausência de discriminação: licença GNU/GPL.

3.3. Creative Commons


Nos últimos anos, inspirados representativos das criações inte- mercado de software, um grupo
nos conceitos de liberdade da lectuais, como software, artes, de profissionais ligados a univer-
criação intelectual, diversos música e literatura. sidades norte-americanas (MIT,
trabalhos surgiram, buscando Em 2001, inspirando-se nos Harvard e Stanford), liderados
ampliar os conceitos do software trabalhos desenvolvidos pela por Lawrence Lessig, James
livre para outros segmentos Free Software Foundation para o Boyle, Michael Carroll e Davis

FONTE 97
Guggenheim fundou uma entida- interesse. A entidade tem traba- ruptura completa com o sistema
de chamada Creative Commons lhado no sentido de produzir li- da proteção da propriedade inte-
(http://www.creativecommons.org). cenças para os diversos segmen- lectual, mas se propõe a permitir
A Creative Commons come- tos: músicas, livros, software e ao autor a liberdade para estabe-
çou a desenvolver trabalhos em artes em geral. A Creative lecer o espectro de liberdade com
parceria com essas universidades, Commons não possui uma licen- o qual pretende gravar o seu tra-
objetivando expandir o conceito ça exclusiva para o setor de soft- balho. As licenças permitem que
do software livre a outras formas ware, mas um conjunto diferen- um autor de determinada obra,
de bens culturais. O autor da ciado de licenças que abrange software inclusive, libere o uso
obra, por meio de uma licença outras modalidades de trabalho de seu trabalho à comunidade,
específica, poderia disponibilizá- criativo como websites, música, estabelecendo os limites dessa
la à comunidade, reservando para filme, fotografia, literatura, etc. liberdade e reservando para si os
si os direitos que julgasse de seu A entidade não prega uma direitos que julgar convenientes.

Conclusão
O fenômeno do software livre fica temeu que esta tecnologia
é instigante e provoca discussões iria impactar de forma fundamen-
por força de paradigmas baseados tal seus negócios. Com o passar
em conceitos que são aceitos há do tempo, acabou por estabelecer
alguns séculos. O software livre é uma forma de convivência, onde
um novo modelo de negócios que tecnologias de cópia e reprodu-
tem um nicho próprio e que vai se ção de imagens, como vídeos e
expandir até ocupar um limite DVDs, tornaram-se parceiros e
razoável. Descobrir o meio ter- agentes de expansão desta indús-
mo, o ponto de equilíbrio entre tria.
essas forças pode ser ainda difí- A introdução da internet, com
cil, mas todos os atores terão que sua facilidade de comunicar e
envidar esforços para encontrar transferir informação, trouxe
este ponto. Não se pode esquecer desafios para os negócios, econo-
que o software livre é um movi- mias, países e legislações. Disci-
mento maduro e grandes players plinar seu uso não é tarefa sim-
do mercado mundial focam parte ples e ainda envolverá muita dis-
significativa de seus investimen- cussão.
tos nesse mercado, através de Para uma avaliação madura
unidades de negócio extrema- da pertinência ou não da escolha
mente lucrativas. de uma solução livre ou pro-
Exemplos recentes mostram prietária, as empresas devem
que mudanças tecnológicas for- considerar principalmente as
çaram a um realinhamento de ne- questões relacionadas com a tec-
gócios das empresas. Quando sur- nologia, capacitação de pessoal e
giram os primeiros aparelhos de formas de licenciamento. Há
vídeo, a indústria cinematográ- maturidade do software livre em

98 FONTE
diversos segmentos. Ambientes de uma ou outra licença
de servidores de redes e de em determinada aplicação;
bancos de dados possuem c) a questão da responsabili-
soluções estáveis e consolidadas, dade objetiva do desen-
baseadas em software livre. Em volvedor do software;
outros ambientes, as soluções d) o tratamento das relações
estão procurando um ponto de de consumo e o conflito
equilíbrio e há caminho a percor- entre licenças e a legisla-
rer até que se possa dizer que as ção nacional, especifica-
soluções em software livre este- mente o Código de Defesa
jam efetivamente maduras. Mas do Consumidor;
não se deve, porém, ignorar o e) o tratamento a ser dado a
potencial de amadurecimento das trabalhos derivados.
soluções dedicadas a esses am- As discussões podem ser de
bientes. vários tipos e dar-se de várias for-
Em uma lista não exaustiva, mas, mas o movimento e o con-
citamos alguns pontos que mere- ceito estão arraigados o suficiente
cem uma avaliação criteriosa: para continuarem se desenvol-
a) o caráter viral da licença vendo. Negá-los ou ignorá-los é
GNU/GPL, "infectando" perder uma oportunidade de par-
outros softwares aos quais ticipar de uma mudança que já
está associada; está instalada.
b) a existência de produtos "Eppur si muove!" 15, teria
com licença dual, que pode dito Galileo Galilei. Esta frase
permitir interpretações errô- tem aqui, também, um sentido
neas acerca da utilização bastante atual.

15 Esta frase teria sido dita por Galileo Galilei (1564-1642) após ter deixado a sala da Inquisição em abril de 1633, que culminou com
sua renúncia às idéias sobre o heliocentrismo. Galileo foi considerado culpado de "grave suspeita de heresia" ao publicar obras nas
quais afirmava ser o Sol o centro do Sistema Solar, em franca oposição à visão que colocava a Terra nesta posição. Em 1616 assi-
nou um decreto do Tribunal da Inquisição, declarando ser meramente hipotético o sistema heliocêntrico. No Diálogo dei massimi
sistemi (Diálogo sobre os grandes sistemas do universo) em 1632, voltou a defender o sistema heliocêntrico, tendo sido, novamente,
submetido a julgamento e obrigado a negar a teoria copernicana. Ao sair do tribunal, teria dito a frase célebre: "Eppur si muove!",
ou seja, "contudo, ela move-se", referindo-se à Terra.

FONTE 99
Isabela Abreu

Evolução da Informática e
Software livre
Pedro Antonio Dourado de Rezende
ATC PhD em Matemática Aplicada pela Universidade de Berkeley, professor
de Ciência da Computação da Universidade de Brasília e representante da
sociedade civil no Comitê Gestor da ICP-Brasil.

RESUMO
O artigo trata das primeiras iniciativas de desenvolvimento de software livre e
sua situação atual, enfatizando a questão do direito autoral e seus reflexos em
questões de licenciamento, monopólio e exportação. Ressalta a necessidade de
uma política para acompanhamento da evolução tecnológica, mais abrangente
que a simples escolha do software livre como forma de redução de custos. Este
artigo traça ainda um painel comparativo entre as diversas peculiaridades das
regras negociais nos modelos livre e proprietário, e defende a autonomia tec-
nológica como argumento para adoção do FOSS como política pública.

A primeira proposta de um Depois, em 1998, surge uma Considero-me um ativista do


modelo para desenvolvimento de vertente mais pragmática e movimento desde 2000, por con-
software livre, livre no sentido de economicista, com a Open ta das primeiras jurisprudências
tratar código-fonte como lingua- Source Iniciative, modelando abusivas do novo regime de direi-
gem especializada, ao invés de licenças com base na BSD. to autoral dos EUA, amparadas na
segredo negocial ou industrial, Juntas, as duas vertentes têm sido Lei DMCA de 1998. Essas juris-
surgiu com o projeto GNU, em chamadas de FOSS (Free/Open prudências favoreceram, em detri-
1984, e com a Free Software Source Software). Alguns consi- mento de leis antitrust estabele-
Foundation (FSF), em 1985. E as deram o fenômeno do software cidas desde 1917, dispositivos
primeiras para licenciamento, em livre um movimento tecnosso- esdrúxulos do DMCA para prote-
1989, com o modelo de licença cial; outros preferem vê-lo como ger a venda casada de DVDs e
GPL da FSF, e com a licença uma etapa evolutiva da tecnolo- softwares proprietários, numa sé-
BSD Networking Release 1 da gia da informação e outros, ainda, rie de casos envolvendo autoria e
Universidade de Berkeley. como aberração. distribuição do DeCSS, software

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que permite o uso de DVDs legí- removido, por uma entrevista ou ramos do mercado global de
timos em sistemas livres, esva- onde não se conteve e desabafou software.
ziando a doutrina do uso justo sobre o que considerou excessiva Ocorre que os dois modelos
(fair use) sustentada na defesa. hipocrisia da ré, a pena estabele- em questão dão ênfases distintas
O modelo FOSS vem cida na sentença resultou pratica- aos quatro ramos. Enquanto a
ampliando seu horizonte de via- mente numa espécie de prêmio. venda de licenças é o carro-chefe
bilidade, amadurecendo-se e con- Esta sentença gerou juris- no modelo proprietário, no mo-
solidando-se. Principalmente no prudência sobre direitos de licen- delo FOSS ela inexiste. Devido à
mercado de sistemas para servi- ciamento oneroso de padrões e natureza dos seus regimes de
dores, onde em 2004 sua pene- formatos digitais, jurisprudência desenvolvimento e licenciamen-
tração cresceu, dependendo de esta que os interesses monopolis- to, no modelo livre a licença de
como se meça, entre 34 e 50%. O tas em TI querem agora estender uso não é fonte de renda: é só, se
modelo FOSS já havia provado a um regime radical e universal assim lhe aprouver, geradora de
sua viabilidade, fazendo aconte- de propriedade intelectual, em mercado.
cer a internet que conhecemos acordos e fóruns internacionais, Em retrospectiva, podemos
hoje, com servidores de correio atropelando inclusive práticas e constatar que a natureza monopo-
(Sendmail, Posfix), de páginas princípios da democracia, como lista do modelo proprietário tem
web (Apache) e de nomes de recentemente na União Européia posto o Brasil, com seu perfil, em
domínio (Bind), predominantes e na OMPI (Organização Mun- desvantagem no ramo das licen-
em suas categorias. Mas é no dial de Propriedade Intelectual). ças de uso, a despeito de iniciati-
desktop, na ponta do usuário Muitos interesses alinhados vas como a do Softex, anteriores
final, último bastião do modelo com os monopólios do modelo a 2002, como nos mostra nossa
proprietário, onde se protagoniza proprietário argumentam que balança de pagamentos.
o conflito de interesses entre uma política de informática fa- Entretanto, aqueles que lu-
empreendimentos, ideologias e vorável ao FOSS prejudica nosso cram com tal situação engessam
filosofias lastreados aos dois esforço de exportação. Entretan- seu discurso anacrônico no plano
modelos. to, "exportar software" ou "ven- político, como se o mercado de
Mais emblemático, para esse der software" são expressões de- software fosse apenas o do ramo
conflito, do que a jurisprudência veras vagas, já que podem signi- das licenças de uso. Com isso,
envolvendo o DeCSS foi a cha- ficar quatro coisas distintas: enquanto buscam preservar suas
mada "guerra dos browsers" (na- vender licenças de uso, vender posições, põem-se cada vez mais
vegadores). Nesta batalha jurídi- serviços, vender mão-de-obra em defesa de interesses alheios
ca que durou mais de cinco anos, especializada em programação ou mesmo antagônicos ao seu
a Microsoft foi acusada de práti- ou vender o direito autoral de próprio desenvolvimento tecno-
ca monopolista predatória pelo programas de computador. Os lógico e autonomia, frente às
Governo Federal e vários esta- perfis tecnológico, educacional e inexoráveis mudanças provo-
duais nos EUA e condenada em empresarial da sociedade brasi- cadas pela revolução digital.
última instância pela corte supre- leira farão o Brasil em maior ou Para corrigir essas distorções,
ma em outubro de 2001. Porém, menor grau competitivo, em de fato não basta o governo optar
após o juiz do caso ter sido cada um desses quatro mercados pelo uso de software livre onde

FONTE 101
viável, gerando economia em li- O Brasil já teve, antes do pre- cada vinte anos, enquanto nada
cenciamento após investimentos domínio do modelo proprietário e indica que o modelo proprietário
na migração. É necessária uma guardadas as devidas proporções, seja o último. Pelo contrário, da-
política para acompanhar a um quadro de mão-de-obra da a internet. No contexto atual,
evolução tecnológica. E se o go- especializada em programação com a internet, o desenvolvimen-
verno se quiser soberano, essa muito mais capacitado do que to de software pôde evoluir
deve pautar-se antes pelas vanta- tem hoje. A Cobra, por exemplo, bastante e poderá continuar
gens que traga ao país e não ao chegou a desenvolver nos anos 70 evoluindo, em relação aos mode-
capital abstrato em ambiente mo- o quarto sistema operacional da los anteriormente prevalentes.
nopolizante por natureza. família Unix do mundo, hoje aban- O regime FOSS, sendo cola-
Nesse tipo de análise, deve-se donado. Se somos hoje mais con- borativo, é mais eficiente se hou-
observar que a maior fatia do sumidores do que produtores de ver competência na gerência do
mercado para desenvolvimento software, em proporção maior do projeto e motivação de partici-
de software não visa à distri- que já fomos, é lógico que seremos pantes. Sem custos de policia-
buição e, portanto, não será nem beneficiados por uma melhor mento das licenças de uso, que só
livre nem proprietário, mas priva- relação custo/benefício, não o aumenta com hiperconectividade,
do (in house). Ao passo que suas contrário. Os monopólios de TI e sem estratégias artificiais de
escolhas tecnológicas dependem querem pendurar a conta do com- obsolescência programada, inú-
hoje de um desses modelos, bate à pirataria, com estridência teis no contexto das liberdades
através do substrato de software crescente, no Estado, e isso pre- que o caracterizam, a evolução de
básico onde irão operar seus pro- cisa ser contabilizado na relação um software livre depende ape-
dutos, substrato constituído de custo/benefício como custo so- nas do interesse de capazes em
softwares distribuídos. cial do modelo proprietário. nele investir. E os recursos abun-
Há de se reconhecer, portanto, Muitos "especialistas" falam dam quando o interesse é coletivo
que não existe uma indústria de do mercado de software como se e o retorno indireto é socializado,
software livre per si, e sim atores as regras negociais do modelo em círculo virtuoso. A internet é
que, na indústria de software, em proprietário estivessem insculpi- o melhor caso de sucesso deste
maior ou menor grau, adotam ou das na pedra de Moisés ou na das processo.
tiram vantagens de um ou outro leis da economia, mas não é Entretanto, a razão mais pre-
modelo em seus planos de negó- assim. Tais regras só se estabele- mente para uma política pública
cio. Nesse contexto, a política de ceram nos últimos 25 anos, de- em favor do FOSS é a autonomia
fomento que vejo como útil e van- pois que o negócio do software se tecnológica. Na história da infor-
tajosa é antes pela mudança de descolou do negócio do hard- mática, a separação do negócio
enfoque no planejamento estraté- ware. Nos ciclos anteriores, mo- do software em relação ao do
gico ou pela existência de um que delos negociais predominantes hardware permitiu que empreen-
melhor situe os agentes do merca- nunca trataram código-fonte dimentos de produção e distribui-
do brasileiro quanto às perspecti- como segredo de negócio. ção de softwares passassem a se
vas futuras, uma vez que a autono- E na história da informática, basear no controle do código-
mia tecnológica só pode beneficiar que tem pouco mais de sessenta fonte, forma de expressão na qual
nossa sociedade como um todo. anos, esses ciclos têm mudado a são esses originalmente escritos.

102 FONTE
A partir do código-fonte pode-se to precisam buscar fontes de tribuição de softwares, mas de
produzir, por tradução automática retorno ao investimento distintas qualquer bem para o qual o
e replicação, exemplares em có- do licenciamento de uso, tais insumo e o produto são, em
digo executável em vários siste- como suporte, customização e essência, informação e os meios
mas, com custo adicional quase serviços, esses também explora- se baseiam em conhecimento.
nulo. As formas de controle, por dos no regime proprietário. Num Trata-se de um novo modo, pós-
sua vez, contrastam o regime hoje primeiro exame, parece impos- industrial de produção, que ele
prevalente – o proprietário – com sível que o FOSS possa prosperar chama de "common's based peer
um emergente – o FOSS, do soft- e competir, com um canal de production".
ware livre ou de código aberto. renda a menos, numa economia A grosso modo, a viabilidade
Para o regime proprietário, de livre mercado. do modelo FOSS está atrelada à
código-fonte é segredo de negó- Mas a revolução digital re- abundância de código-fonte dis-
cio, propriedade do empreende- vela novas dimensões estrutu- ponível, à eficácia crescente das
dor e em sua tutela. Já para o rantes da produtividade, que os técnicas e ferramentas de progra-
FOSS, código-fonte é conheci- regimes industriais e práticas mação que exploram o reuso de
mento sedimentado em lingua- mercantis tradicionais estão ina- código e à motivação como moe-
gem técnica, acessível a interes- dequadamente equipados para da de crédito para a produção.
sados e de livre circulação. Daí, explorar e que os regimes Crédito que tende a aumentar
métodos e processos de produção emergentes buscam empirica- com abusos monopolistas no
e de gestão e modelos contratuais mente desenvolver. Um dos prin- modelo proprietário.
ou negociais subordinados aos cipais contrastes entre o modelo De empresas com passado ou
dois regimes se orientam por FOSS e o proprietário está na com vocação monopolista pode-
princípios distintos. inversão da dominância nas mos esperar ou a reorientação de
A licença de uso para execu- relações trabalhistas entre em- suas estratégias, como faz a IBM,
táveis, por exemplo, cujo comér- preendedor e desenvolvedor de ou o entrincheiramento na defesa
cio é fonte estruturante de renda no programas, podendo este ser do status quo, como faz a
regime proprietário, torna-se ces- inicialmente um simples e único Microsoft. Quem tem mais a
são de direitos no FOSS. Cessão programador. perder, a meu ver, com os ventos
irrestrita de direitos não ex- Em artigo seminal, "Coase's da mudança, são empresas
cludentes para usufruto de um bem Penguin", Yohai Benkler analisa, monopolistas que apostam suas
não rival e, portanto, instrumento à luz de teorias econômicas fichas na sustentação do status
inviável como fonte de renda. e jurídicas em voga, como e quo, resistindo aos efeitos da
Assim, empreendimentos em por que isto é possível e viável, revolução tecnológica nas práti-
software livre ou de código aber- não só para a produção e dis- cas sociais.

FONTE 103
Fotos: Lyderwan Santos

SGBD com Extensão Espacial


e Sistemas de Geoinformação:
Um Casamento Perfeito
Cleber Hostalácio de Melo
Engenheiro Eletricista (1984) e mestre em Ciência da Computação (1988)
pela UFMG. Trabalha na Prodemge desde 1989 como analista de
tecnologia, em prospecção e implementação de novas tecnologias de
informação, com ênfase atualmente em banco de dados, recuperação de
informações textuais e ferramentas e tecnologias associadas à
linguagem de programação Java.

Márcio Azevedo de Menezes Guerra


Engenheiro metalurgista (1979) e especialista em modelagem e simulação
de processos siderúrgicos (1980) pela UFMG. Trabalha na Prodemge há
10 anos como analista de informática, com ênfase em geoprocessamento,
prestando consultoria e desenvolvimento de aplicações SIG.

RESUMO
O artigo inicialmente apresenta um breve relato da história e evolução da área de geoprocessamento,
desde a década de 60 até os nossos dias, apresentando os principais conceitos e evoluções tecnológicas.
Em seguida, ele descreve as arquiteturas básicas para se implementar a gerência de dados em sistemas
de geoinformações e conclui, apresentando o resultado de um estudo comparativo realizado na
Prodemge, envolvendo os seguintes SGBD objeto-relacionais e suas extensões espaciais: MySQL,
Oracle e PostgreSQL.

Palavras-chave: Geoprocessamento, Sistemas de Informações Geográfi-


cas, SIG, Sistemas de Geoinformações, SGBD Objeto-
Relacionais, Oracle, MySQL, PostgreSQL

Onde Tudo Começou?


O ser humano sempre coletou do tempo essa coleta de infor- para a organização em sociedade
informações sobre a geografia ao mações evoluiu, incluindo novos exigiu que essas informações fos-
seu redor, procurando a existên- elementos, tais como obstáculos sem consolidadas e organizadas,
cia de determinado recurso neces- naturais e recursos minerais. para possibilitar a sua difusão e
sário a sua sustentação. Ao longo A evolução natural do homem compartilhamento entre todos os

104 FONTE
interessados. Começa a utilização Geographic Information Systems camada poderia ter sido originada
de papel, escala e notações espe- – GIS). Essas ferramentas per- da(s) empresa(s) de transporte
ciais para representar grafica- mitem análises complexas, com- municipal.
mente essas informações, na forma binando dados alfanuméricos A partir de 1980, com a re-
que ficou universalmente conhe- com dados geográficos. Os dados dução de custo e evolução da ca-
cida como mapa. Essa forma de geográficos são denominados pacidade computacional do hard-
representação possuía limitações temas ou camadas (em inglês: ware, iniciou-se a popularização
inerentes como, por exemplo, themes ou layers). Um determi- do geoprocessamento. Novos
combinar e analisar informações nado tema pode ser representado recursos foram introduzidos nos
provenientes de diversos mapas por uma ou mais camadas, SIG, em especial a estatística e o
distintos. dependendo da complexidade, da sensoriamento remoto (SR), o
A partir de 1960, com a evo- forma de representação dos dados que contribuiu ainda mais para
lução na tecnologia de infor- ou de ambos. Exemplificando, a alavancar a sua popularização.
mação, tornou-se possível repre- análise do deslocamento dos Através de sensores orbitais
sentar essas informações em alunos para chegar a determinada (satélites) ou sensores aerotrans-
ambiente computacional. Os da- escola pode envolver três cama- portados (ex. aerofotos), tornou-
dos passam a ser organizados de das localizadas geograficamente se possível "descobrir", com
forma a facilitar a análise de seus ou seja, georreferenciadas: maior rapidez e precisão, eventos
inter-relacionamentos, com o obje- 1. a primeira camada contém ou fenômenos à distância. Tor-
tivo de gerar novos dados e repre- as escolas existentes; nou-se viável a captura de ima-
sentá-los no espaço geográfico. 2. a segunda apresenta os en- gens de satélites de uma determi-
Surge então o geoprocessamen- dereços residenciais dos nada localização em intervalos de
to. Utilizando técnicas matemáti- alunos e também será tempo regulares e ajustáveis.
cas e computacionais, o geopro- georreferenciada com base Com esse recurso pode-se, por
cessamento permite a correlação no cadastro de quadras e exemplo, monitorar queimadas e
e a análise de dados geográficos e lotes do município; desmatamentos de forma mais
de dados alfanuméricos (seus 3. a última camada representa efetiva e acurada. Outro uso
atributos), facilitando a tomada as linhas de transporte dessa tecnologia é suprir infor-
de decisão em diversas áreas, tais urbano em operação. mações de regiões onde os dados
como planejamento urbano e re- Uma característica relevante geográficos são insuficientes ou
gional, gestão de recursos natu- dessa abordagem é que os dados mesmo inexistentes. A união dos
rais, transporte, gestão nas áreas em cada camada podem ser origi- SIG com as ferramentas de sen-
de Saúde e Educação. nados de diversas fontes distin- soriamento remoto possibilitou o
No ambiente computacional, tas. No exemplo anterior, a pri- surgimento de novas aplicações,
as ferramentas de software meira e segunda camadas seriam como o controle de determinadas
utilizadas para realizar o geo- geradas pela Secretaria de Edu- endemias, causadas por fatores
processamento são denomi- cação, a partir do Cadastro Técni- naturais e ambientais.
nadas Sistemas de Informações co Municipal da Secretaria da A estatística permite determi-
Geográficas - SIG1 (em inglês: Fazenda, enquanto a terceira nar a relação de dependências

1 A sigla SIG é normalmente utilizada tanto para representar o substantivo singular (sistema) quanto plural (sistemas).

FONTE 105
entre variáveis indicando as rela- análise, ampliando assim as possi- minadas regiões da Amazônia está
ções de causa – efeito. Agregan- bilidades de indicação das causas associado à construção de estradas,
do então a geoestatística aos sis- de determinado evento ou fenôme- ao gerar um aumento da ocupação
temas de geoprocessamento, variá- no. A comprovação de que o au- humana, é um bom exemplo da
veis geográficas são incluídas na mento de desmatamento em deter- aplicabilidade desses recursos.

Evolução dos SIG


Os SIG surgiram na década tecnológico derivado diretamente gerenciamento de banco de
de 60 no Canadá, como parte de da criação de diversos centros de dados (SGBD). Essa interligação
um programa governamental pa- pesquisa e desenvolvimento vol- possibilitou a manutenção dos
ra inventário e controle de recur- tados para o geoprocessamento e dados alfanuméricos em SGBD,
sos naturais. Esses SIG eram evi- a incorporação de novas ferra- ampliando a utilização dos SIG.
dentemente limitados pela tec- mentas de análise, o que con- O conceito de sistemas de
nologia da época: hospedados em tribuiu ainda mais para a po- geoinformação surgiu na década
grandes e onerosos computadores pularização desses produtos. de 90 com a união entre os siste-
(mainframes), com terminais de Mas, ainda nessa época, os mas de informações tradicionais
vídeo de baixa resolução, funções SIG tinham uma capacidade limi- e os SIG. Para que isso ocorresse,
reduzidas e quase nenhuma capa- tada de incorporar dados alfanu- foi necessário que a funcionali-
cidade de análise. Eles eram, por- méricos. Eles reconheciam ape- dade desses SIG fossem disponi-
tanto, usados mais como substitu- nas formatos de dados proprie- bilizadas através de interfaces
tos da cartografia tradicional. tários e apresentavam para seus (Application Programming Interface
A partir de 1980 começam a usuários interfaces pouco amigá- – API), acessíveis por outras fer-
aparecer os primeiros SIG comer- veis. Caracterizavam-se princi- ramentas ou componentes de
ciais, motivados basicamente pe- palmente como ferramentas de software. Essa tendência se am-
lo surgimento da microinformá- automatização e representação pliou ainda mais com a evolução
tica, que promoveu a redução de cartográfica. Com o aumento do dos SGBD, que passaram a su-
custo de aquisição e manutenção interesse na utilização da análise portar também o armazenamento
de hardware e software. Pode-se espacial, desenvolveram-se mais e gerenciamento dos dados geo-
citar ainda como outros fatores funções e iniciou-se a ligação gráficos de uma aplicação, além
importantes: o desenvolvimento entre os SIG e os sistemas de dos seus dados alfanuméricos.

Arquiteturas de Gerência de Dados dos SIG


Conforme apresentado em baseadas em SGBD: dual, exclusivamente o sistema de
[1], atualmente um diferencial integrada em um SGBD relacio- arquivos do sistema operacional
importante entre os SIG é a nal, e integrada utilizando hospedeiro para armazenar
forma como os dados alfa- uma extensão espacial sobre tanto os dados alfanuméricos
numéricos e geográficos são um SGBD objeto-relacional. quanto as suas representações
armazenados e gerenciados. Há Embora não relacionada com geográficas. Portanto, essa
basicamente três arquiteturas o escopo deste artigo, existe arquitetura não faz uso de ne-
de gerenciamento de dados ainda a arquitetura que utiliza nhum SGBD.

106 FONTE
Arquitetura Dual
Nessa abordagem, os atribu- do banco de dados alfanumérico componente de software à
tos ou dados alfanuméricos da pode comprometer a sua quali- parte – sobre os arquivos
aplicação são armazenados em ta- dade e a eficiência do processo de que armazenam os dados
belas (relações) de um banco de consulta e de análise dos mesmos, geográficos e, finalmente,
dados relacional, gerenciado por pelas seguintes razões: a terceira que irá consoli-
um SGBD. Os dados geográficos 1. os dados geográficos estão dar, agrupar e relacionar os
associados a esses atributos são fora do domínio de atuação resultados obtidos nas eta-
armazenados isoladamente em dos mecanismos de back- pas anteriores;
arquivos do sistema operacional up, recuperação, controle 3. a integração com outras
hospedeiro, em um formato pro- de transação e controle de ferramentas (ex. outro SIG,
prietário do SIG. A associação ló- concorrência do SGBD. software estatístico, etc.)
gica ou conceitual entre um dado Como conseqüência, fica torna-se mais complexa
geográfico e seu atributo alfanu- comprometida a garantia devido ao formato proprie-
mérico (ex. população de uma ci- de sua própria consistência tário de armazenamento
dade) é feita através do comparti- e da integridade referencial dos dados geográficos;
lhamento de um valor identifica- em relação aos seus atribu- 4. a administração do am-
dor único (chave primária) atribuí- tos, armazenados no banco biente operacional torna-se
do simultaneamente para ambos. de dados relacional; mais complexa e onerosa,
Essa é uma arquitetura sim- 2. a manipulação (consulta, visto que usualmente as
ples e possibilita a utilização de inserção, alteração e remo- empresas delegam a profis-
qualquer SGBD do mercado, ção) dos dados tende a ser sionais com perfil e capa-
mesmo aqueles mais elementares, mais lenta, pois é efetuada citação distintos a respon-
que não possuem nenhum suporte em, geralmente, três etapas: sabilidade de administrar
para o armazenamento e manipu- uma pelo SGBD para a cada um desses ambientes:
lação de objetos binários longos manipulação dos dados no administrador de banco de
(BLOB). No entanto, o armazena- banco de dados relacional, dados e analista de suporte
mento dos dados geográficos fora a outra pelo SIG – ou a sistemas operacionais.

Arquitetura Integrada em um SGBD Relacional


Essa arquitetura considera Embora elimine ou pelo me- os dados geográficos não con-
que os dados geográficos serão nos reduza as desvantagens da seguem ter sua semântica
armazenados em colunas do tipo Arquitetura Dual, essa aborda- interpretada pelo SGBD. Isso
objeto binário longo (BLOB) nas gem ainda possui algumas res- impossibilita a manipulação, via
mesmas tabelas do banco de da- trições, que são inerentes à Teoria SQL2 (Structured Query Lan-
dos onde estão armazenados seus Relacional [2]. Por serem arma- guage), dos dados geográficos
atributos alfanuméricos. zenados como cadeias binárias, baseada em seu conteúdo e na

2 Structured Query Language (SQL): linguagem de dados padrão dos SGBD relacionais do mercado e que engloba comandos para
definição, inserção, consulta, atualização e remoção de dados, bem como a garantia de sua integridade e segurança de acesso.

FONTE 107
associação desses dados aos seus então ainda ao SIG, ou outro associado, a tarefa de suprir essas
atributos alfanuméricos. Cabe componente de software a ele deficiências.

Arquitetura Integrada via Extensão Espacial


A arquitetura de gerência de foram incorporados à lin- no desempenho das con-
dados dos SIG teve sua mais guagem SQL para ma- sultas envolvendo dados
recente e principal evolução com nipular dados espaciais, espaciais, como aquela
a incorporação pelos SGBDs tais como: distância entre exemplificada anterior-
relacionais de recursos para a pontos, interseção entre li- mente.
definição, armazenamento e ma- nhas e polígonos. Além A partir de 2000, essa abor-
nipulação de dados complexos disso, é possível mesclar, dagem se consolidou com o esta-
através da orientação por objeto. em um mesmo comando belecimento de padrões abertos
Os produtos que seguiram essa SQL, operadores e predi- de serviços e intercâmbios de
tendência, tais como Oracle, cados alfanuméricos e es- informações geográficas, deter-
DB2, Informix e PostgreSQL, paciais, o que possibilita a minadas pela Open Geospatial
passaram a ser denominados de execução de consultas do Consortium (OGC) [3]. A OGC é
SGBDs objeto-relacionais. tipo: "Quais são as cidades uma organização internacional
Com a capacidade de incor- com mais de 100 mil habi- sem fins lucrativos e formada por
porar novos tipos de dados, inclu- tantes que estão locali- 271 associados, entre os quais:
sive objetos complexos, e de es- zadas em um raio de 200 empresas, agências governamen-
tender a linguagem de dados SQL quilômetros de Belo Hori- tais, universidades e institutos de
com funções e operadores para zonte?"; pesquisa. Ela tem como objetivo
manipulá-los, surgiram as exten- - implementam novos meca- o desenvolvimento de padrões
sões espaciais que agregam aos nismos de indexação especí- consensuais para serviços geoes-
SGBD pelo menos as seguintes ficos para dados espaciais paciais e de localização. Cum-
funcionalidades: (R-Tree e Quad-Tree), que prindo suas atribuições, esse con-
- suportam tipos de dados são devidamente incorpora- sórcio estabeleceu padrões para a
espaciais (tipo geométri- dos ao processo de otimiza- distribuição e interligações de
co), tais como: ponto, ção de consultas do SGBD. dados de diversas fontes, facili-
linha, polígonos, etc; Em conjunto, possuem efei- tando a construção de Sistemas
- novas funções e operadores tos extremamente positivos de Geoinformação [4].

Comparando algumas Extensões Espacias


Existem atualmente no mer- cle Spatial e PostgreSQL/Post GIS. clientes, no sentido de alavancar
cado diversas opções, proprie- A Prodemge já utiliza alguns a utilização desse tipo de recurso
tárias ou livres, de extensão espa- desses SGBD – DB2, MySQL e nos sistemas existentes ou a
cial para SGBD objeto-relacio- Oracle – mas sem fazer uso de serem desenvolvidos, foi rea-
nais: IBM/DB2 Spatial Extender, seus mecanismos de extensão lizado na Prodemge um estudo
Informix Spatial Datablade, espacial. Levando em conta o de prospecção de SGBD para
MySQL Spatial Extension, Ora- interesse da empresa e de seus geoprocessamento [5]. O seu

108 FONTE
principal objetivo foi analisar e A razão dessa premissa é O MySQL [6] é um SGBD
avaliar, sob o ponto de vista minimizar os riscos de se gratuito e de código aberto, po-
funcional, as características de optar por um produto cuja dendo ser distribuído tanto com
alguns dos principais produtos qualidade técnica não uma licença comercial quanto
do mercado, com o intuito de tenha sido devidamente com uma integralmente baseada
identificar aquele que possa ser comprovada por um na GNU/GLP. É um produto
melhor utilizado no desenvolvi- universo significativo de muito utilizado e conhecido co-
mento de sistemas de geoinfor- usuários e, assim, conse- mo sendo simples, fácil de operar
mação no âmbito do Governo do qüentemente comprometer e com excelente desempenho. A
Estado de Minas Gerais. a qualidade de serviço da sua extensão espacial só foi dis-
O escopo dessa avaliação Prodemge. ponibilizada a partir da versão
ficou limitado aos produtos Esse trabalho teve como prin- 4.1.0, lançada em abril de 2003.
MySQL, Oracle e PostgreSQL, a cipal balizador o documento A Prodemge vem utilizando-o
fim de satisfazer as seguintes pre- OpenGIS Simple Features nos últimos anos em sistemas
missas: Specification For SQL [4] pro- web de pequeno e médio portes,
1. excluir o DB2 do processo duzido pelo Open GIS porém sem fazer uso de seus
de análise, por ser um Consortion (OGC). Esse docu- recursos espaciais.
SGBD usado exclusiva- mento, abreviadamente SFSSQL, Embora sua implementação
mente na Prodemge em é uma proposta de especificação tenha seguido de perto as fun-
aplicações legadas em de um conjunto de geometrias cionalidades especificadas na
mainframe; e de operações topológicas que SFSSQL, a sua extensão espacial
2. restringir-se aos SGBD já geram novas geometrias em apresenta algumas limitações que
utilizados na Prodemge pa- tipos de dados vetoriais. O seu podem restringir significativa-
ra evitar uma proliferação principal objetivo, segundo seus mente a sua utilização, sendo que
excessiva de produtos na realizadores, é definir um pa- as principais são:
empresa e, assim, garantir drão da linguagem SQL que 1. a extensão espacial só está
o nível de qualidade de suporte o armazenamento, recu- disponível para o tipo de
suporte técnico e reduzir peração, consulta e atualização tabela MyISAM, que é a
os custos com treinamento de dados geoespaciais, bem como estrutura de armazenamen-
dos funcionários; de seus atributos descritivos to original e mais simples
3. para os produtos com li- alfanuméricos. do MySQL. O problema é
cença de uso proprietária e O escopo do trabalho se limi- que, nesse caso, são inexis-
paga, considerar aquele tou à análise funcional dos produ- tentes os mecanismos de
que possa ser disponibili- tos. Portanto, não foram realiza- controle de transação e de
zado em Linux, que é o sis- dos testes operacionais, sejam integridade referencial, o
tema operacional com li- eles de instalação, avaliação que limita a sua aplicabili-
cença livre utilizado exten- de desempenho, de estabilidade e dade a sistemas com baixo
sivamente na Prodemge e de facilidade de uso. A seguir requisito de robustez e
em seus clientes (vide pre- estão brevemente descritos os de complexidade. Essas
missa 1); produtos analisados, ressaltando limitações, no entanto,
4. considerar apenas produ- algumas de suas características nem sempre são condi-
tos com ampla divulgação positivas e negativas. Uma visão zentes com a realidade
e aceitação no mercado mais detalhada está nas Tabelas da Prodemge e de seus
internacional e nacional. de 1 a 5. clientes;

FONTE 109
2. apenas um número muito armazenamento, recuperação e curiosamente, até então, a sua lin-
reduzido de produtos da área análise de dados espaciais. Ela guagem de dados original era o
de geoprocessamento faz também adere à especificação PostQUEL, diferente da maioria
interface atualmente com o SFSSQL, embora com total dis- dos produtos concorrentes que se-
MySQL (vide Tabela 5). A cordância em relação à nomen- guiram o padrão SQL. No mesmo
sua utilização fica mais clatura original das funções e ano, o seu código-fonte foi dis-
uma vez restrita apenas ao procedimentos. Esse fato, prova- ponibilizado na web, onde um gru-
desenvolvimento de siste- velmente por razões históricas e po de desenvolvedores mundial-
mas autocontidos, sem inte- de compatibilidade, não só difi- mente distribuídos o vem manten-
ração com outros produtos culta a identificação dessas fun- do e atualizando. Apesar de não ser
ou componentes de software ções e procedimentos perante a um produto tão popular como o
correlatos, tais como biblio- especificação original, como tam- MySQL, o PostgreSQL é bastante
tecas de software, servido- bém limita a interoperabilidade utilizado e reconhecido pela sua
res de exibição de mapas com outras soluções baseadas na origem e qualidade acadêmica,
(map servers), exibidores SFSSQL. Contraditório, portan- bem como pela abrangência de sua
de dados espaciais, etc. to, com os próprios objetivos e funcionalidade [9].
O Oracle é um SGBD utiliza- premissas da padronização pro- Embora possua suporte nativo
do na Prodemge e em seus posta pela OGC. Essa incoerên- a dados espaciais, seus recursos
clientes desde meados da década cia em relação aos padrões abertos originais não são muito abran-
de 90 e oferece dois tipos de re- não seria um obstáculo tão gran- gentes e eficientes. Para suprir
cursos para manipulação de da- de para a maioria dos seus usuá- essas deficiências e oferecer uma
dos espaciais: o Oracle Locator e rios potenciais quanto é o valor alternativa aos produtos com
o Oracle Spatial. [7] de sua licença de uso – principal- licença proprietária, a empresa
O Oracle Locator está incluí- mente se comparado com a gra- Refractions Research Inc. (http:
do regularmente e sem custo adi- tuidade dos outros dois produtos //www.refractions.net) desenvol-
cional nas duas principais distri- analisados. Além dos US$ 40.000 veu e mantém a extensão espacial
buições do Oracle: Standard por processador necessários para PostGIS, que é distribuída gratui-
Edition e Enterprise Edition. No licenciar o Oracle Enterprise tamente sob licença GNU/GPL, e
entanto, ele provê um conjunto Edition, deve-se ainda desembol- oferece ao PostgreSQL o suporte
limitado de funcionalidades, que sar mais US$ 10.000 por proces- a objetos espaciais de acordo com
são úteis apenas em sistemas de sador para habilitar a Oracle a especificação SFSSQL. As fun-
geoinformação mais simples. De Spatial. O investimento inicial é cionalidades dos recursos espaci-
uma forma geral, ele oferece ape- então de no mínimo US$ 50.000 ais foram então ampliadas e
nas um conjunto de recursos es- mais os US$ 11.000 por ano (22%) diversos produtos de grande pe-
paciais básicos e limitados, o que a título de manutenção (suporte netração e renome no mercado de
exclui o referenciamento linear técnico e atualização de versões). geoprocessamento, com licença
(linear referencing), funções para O PostgreSQL [8] é um livre ou proprietária, possuem
análise espacial, transformações SGBD objeto-relacional, gratuito algum tipo de interface com essa
de coordenadas espaciais, entre e distribuído sob a licença BSD. solução. Concluindo, essas carac-
outros. Ele teve sua origem no SGBD terísticas o tornam, de acordo
O Oracle Spatial é uma ex- Postgres, que foi desenvolvido com o escopo e premissas do
tensão espacial só disponível na entre 1986 e 1993 na Universi- estudo efetuado, uma excelente
distribuição Oracle Enterprise dade da Califórnia, em Berkeley. alternativa técnica e econômica
Edition e representa uma solução Em 1994, foi incorporado o su- ao Oracle Enterprise Edition com
tecnologicamente completa para porte à linguagem SQL, visto que a extensão Oracle Spatial.

110 FONTE
Tabela 1: Identificação dos Produtos

MySQL Oracle Spatial Oracle Locator PostgreSQL/PostGIS

PostgreSQL Global
Oracle Oracle
Fabricante MySQL AB Development Group e
Corporation Corporation
Refrations Research

8.0 (PostgreSQL)
Versão analisada 4.1 10g 10g
0.9.1 (PostGIS)

PostgreSQL: BSD
Tipo de licença GNU/GPL Proprietária Proprietária
PostGIS: GNU/GPL

US$ 5.000/
US$ 40.000/ processador
Custo do SGBD Gratuito Gratuito
processador (Standard Edition
One)

Custo da US$ 10.000/ Incluído na


Gratuito Gratuito
extensão espacial processador licença do SGBD

Tabela 2: Requisitos de Software

MySQL Oracle Spatial Oracle Locator PostgreSQL/PostGIS

Oracle Enterprise Oracle Standard


Requisitos de SGBD Código-fonte do SGBD
Edition Edition

Outros (bibliotecas de soft-


GEOS, Proj4
ware, componentes, etc.)

Funcionalidade ou característica: ATENDIDOS INTEGRALMENTE.


Funcionalidade ou característica: ATENDIDOS PARCIALMENTE.
Funcionalidade ou característica: NÃO ATENDIDOS.

FONTE 111
Tabela 3: Compatibilidade com a SFSSQL

MySQL Oracle Spatial Oracle Locator PostgreSQL/PostGIS

Padrão SQL suportado


pelas colunas geométricas

Formatos de dados
espaciais suportados

Métodos (ou atributos) em


geometrias

Métodos (ou atributos) para


teste de relacionamentos
espaciais

Métodos (ou atributos) de


suporte à análise espacial

Métodos (ou atributos)


sobre uma geometria ou
coleção de geometrias

Tabelas de meta dados

Funcionalidade ou característica: ATENDIDOS INTEGRALMENTE.


Funcionalidade ou característica: ATENDIDOS PARCIALMENTE.
Funcionalidade ou característica: NÃO ATENDIDOS.

112 FONTE
Tabela 4: Funcionalidade

MySQL Oracle Spatial Oracle Locator PostgreSQL/PostGIS

Tipos de objetos
espaciais suportados

Número de dimensões
suportadas nas 2 2, 3 e 4 2, 3 e 4 2, 3 e 4
geometrias

Transformação de
sistemas de coordenadas

Carga transacional de
dados espaciais

Carga em lote de dados


espaciais via utilitário
proprietário

Suporte a dados
geodésicos

Sistema de referência
linear

Suporte ao armazenamen-
to e manipulação de
imagens Raster

Método de indexação R-Tree R-Tree e


R-Tree R-Tree (linear)
espacial (quadratic) Quad-Tree

Funcionalidade ou característica: ATENDIDOS INTEGRALMENTE.


Funcionalidade ou característica: ATENDIDOS PARCIALMENTE.
Funcionalidade ou característica: NÃO ATENDIDOS.

FONTE 113
Tabela 5: Conectividade com outros produtos

MySQL Oracle Spatial Oracle Locator PostgreSQL/PostGIS

ArcGIS

FME Engine

GeoServer

GeoTools

GDAL

GRASS

JUMP

MapInfo MapXtreme
Java Ed.

MapInfo Professional

OGR Simple Feature


Library

QGIS

TerraLib

UMN MapServer

Funcionalidade ou característica: ATENDIDOS INTEGRALMENTE.


Funcionalidade ou característica: ATENDIDOS PARCIALMENTE.
Funcionalidade ou característica: NÃO ATENDIDOS.

Referências
[1] Câmara, G. & Queiroz, G. R. Arquitetura de Sistemas de Informação Geográfica. In: Banco de Dados Geográficos. Capítulo em
livro on-line disponível em abril/05 no endereço eletrônico: http://www.dpi.inpe.br/gilberto/livro/bdados/
[2] Codd, E. A Relational Model for Large Shared Data Banks. CACM, 13:6, June 1970.
[3] Open GIS Consortion, Inc. http://www.opengeospatial.org/ (disponível em abril/ 05)
[4] Open GIS Consortion, Inc. OpenGIS Simple Features Specification For SQL Revision 1.1. OpenGIS Project Document 99-049.
May 5, 1999. Disponível em abril/05 no endereço eletrônico: http://www.opengeospatial.org/docs/99-049.pdf
[5] Melo, C.H. Prospecção de SGBD para Geoprocessamento. Relatório Técnico Interno. Prodemge, fevereiro de 2005.
[6] MySQL AB MySQL Reference Manual - version 4.1. Disponível em abril/05 no endereço eletrônico:
http://dev.mysql.com/doc/mysql/en/index.html
[7] Oracle Corporation. Oracle Spatial - User´s Guide and Reference 10g Release 1 (10.1). December, 2003.
[8] PostgreSQL Global Development Group http://www.postgresql.org (disponível em abril/ 05)
[9] Howard, P. Pervasive joins the open source bandwagon. IT-DIRECTOR.COM, 17th January, 2005. Disponível em abril/05 no
endereço eletrônico: http://it-director.com/article.php?articleid=12506

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