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“DESTRAMAS” EM EBULIÇÃO: QUANDO A LINGUAGEM É CORROÍDA DE

DENTRO PRA FORA

Por essas bandas se torna essencial desconfiar, sempre, da linguagem.

Digo isso não por vaidade, mas para prevenir o caríssimo leitor.

Um exemplo? Há vários. Basta ler qualquer um dos romances de Alain-Robbe


Grillet. Eu começaria pelo ​A Retomada​ (Editora Record). Mas o meu preferido é
Djinn: Uma Mancha Vermelha No Pavimento Estragado​ (Editora Livros do Brasil).

Os cenários são quase os mesmos, ou seja, espaços entulhados de velharias,


bairros e ruas abandonados, casas e edifícios sombrios, etc.. E neles, personagens
perdidos, muitas vezes sob efeitos de drogas (das quais não se recordam quando
tomaram) e um fetiche obsessivo por tramas de mistério.

O Mestre do Novo Romance apresenta em seus livros as curiosas sutilezas da


linguagem quando ela é exposta em seus pontos fracos. Quem fala? Em que
situação fala? Merece crétido isso que ele fala?

Trata-se, sobretudo, de uma literatura da pergunta, a qual não dá sossego ao leitor


e nunca o subestima.

Inspirado nesses pressupostos, lancei em 2016 um livro de contos, chamado


Amanhã, À Noite, Chegaremos Lá​. Contos nos quais a linguagem está em devir,
sempre pelo meio, a poucos passos da insanidade.

Retomo aqui um trecho do prefácio do livro, escrito pelo meu amigo e editor,
Roosevelt Augusto:

Ao todo o que reparei de diferente, dito confuso, foram as construções e


reconstruções textuais, as repetições propositais, a codificação dos nomes das
personagens e o descompromisso de fim, final feliz, ou sequer de um final bem
esclarecido.

Em linhas gerais, o ​Amanhã​ foi como que um projeto cujo objetivo teve a pretensão
de fazer um livro que, ao invés de facilitar as coisas para o leitor, acabasse fazendo
justo o contrário: uma leitura fraturada e cheia de ambiguidades.

O mesmo pressuposto de Robbe Grillet: não subestimar o leitor.


A cena de um dos contos, por exemplo, em que a personagem J. naquele que seria
o dia de aniversário da sua filha, perde o seu retrato e, a partir desse entrave, entra
em uma espécie de ​deja vu​ às avessas (se é que isso é possível) alimentado por
doses cavalares de drogas alucinógenas é mais uma trama, através da qual o
episódio se torna premonitório ao encontrar ecos no livro que publiquei dois anos
depois, o romance ​Mocinho, Adeus​ (Clube de Autores). Todo esse delírio sobre a
linguagem corre sempre o risco de se tornar incompreensível.

Isso acontece porque certas pessoas vão sempre confundir Autor com Narrador, e
acabam julgando o primeiro pelos abusos do segundo.

Mas, como se diz por aí, isso são “ossos do ofício”

Pra mim, o que interessa é ter na escrita ficcional boas doses de delírio e sadismo,
talvez como estratégias discursivas para dar aos leitores alguns motivos para sair
de certo embotamento. Digo isso partindo do pressuposto de que, na atualidade (e
acho que não muito diferente de épocas passadas) nosso contato com a literatura
ser cada vez mais raro. Talvez em função das demandas profissionais e as
pressões do tempo. O espaço para o sonho é sempre um lugar de resistência, e, até
certo ponto, duvido que esse tenha se proliferado muito, por aí.

Ser outra coisa ou não-ser, estar livre para certos devaneios sempre será um
espaço minoritário. Talvez a literatura tenha essa pretensão boba de querer
preservar algo tão raro, algo capaz de produzir novos estranhamentos com a
linguagem.

Devir outra coisa na literatura pode ser toda a forma de encontrar partículas entre
você e o outro, sendo que esse outro pode ser um animal, por exemplo. Uma
criança, mulher, negro, bicha, etc..

Uma literatura como devir precisa criar planos de imanência para a formulação de
linhas menores, minoritárias.

Em outras palavras, o Narrador é uma forma diversa do Autor, e esse processo de


descolamento de um “Eu” é o que possibilita a invenção, a construção de uma nova
experiência com a ficção.

Enquanto o Autor estiver em profunda simbiose com o Narrador, nenhuma literatura


sobreviverá.

É preciso devir outra coisa. Sempre.


A materialidade do Real não interessa. Apenas atualizamos virtualidades, sempre
outra coisa.

Essas formas de resistências, apesar de um pouco ingênuas, podem ser poderosas.


Afinal, ao contradizer a linguagem em sua banalidade, podemos proliferar outras
linhas de desejo.

Se a literatura desistir dessas linhas, melhor será esvaziar as estantes e deixar os


livros para os amadores.

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