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Resumo
Este artigo procura entender, a partir de uma pesquisa etnográfica, em que medida a
nacionalidade constitui uma categoria central na vida dos moradores fronteiriços e como
e em que momentos o discurso da identidade nacional se impõe como principal fator
explicativo para conflitos e interações sociais na fronteira, adquirindo eficácia e poder.
Este discurso que divide os moradores da fronteira entre bolivianos de um lado e
brasileiros, de outro, é uma construção identitária contextual e que explicita as relações
de poder e de disputa por bens materiais e imateriais. Se há nesta fronteira, certamente,
espaços sociais de circulação, de fluxos e trocas, que vão muito além da economia,
podemos afirmar que existe também a construção simbólica de outras fronteiras, que
reificam preconceitos na região.
The Invisible Wall: nationality as reified discourse at the Brazil - Bolivia Border,
at Corumbá-MS
Abstract
This article seeks, using ethnographic research, to understand the extent to which
nationality is a central category in the lives of border residents and at what times the
discourse of national identity is imposed as main reason for conflicts and social
interactions at the border, acquiring power and efficiency. This discourse that divides
the inhabitants of the border between Bolivians, on one side, and Brazilians on at the
other, is a contextual identity construction that shows the relationships of power and
competition for material and immaterial resources. If there are, in this border, the
existence of social spaces of movement, flows and exchanges that go far beyond
economics, there is also a symbolic construction of other boundaries, which reify
prejudices in the region.
Key words: Border; Identity; National State; Power; social Interaction
O Carnaval, uma das principais festas do calendário da cidade e além dos blocos
de rua, apresenta os desfiles de escolas de samba do Grupo I e Grupo II, “nos moldes”
do carnaval carioca, (de fato, membros das Escolas de Samba do Rio de Janeiro dão
consultoria e freqüentam ensaios das escolas de Corumbá), apresentando carros
alegóricos, samba-enredo, ala das baianas, mestre-sala e porta-bandeira, jurados e ampla
repercussão na cidade, com grande envolvimento e participação popular. As pessoas
torcem pelas escolas de coração e existe grande rivalidade entre as escolas e bairros da
cidade. Uma festividade como o carnaval de Corumbá cria uma fronteira cultural, em
relação à Bolívia e assume um caráter nacional e em grande medida nacionalista, como
um símbolo da brasilidade, ainda que não intencionalmente pelos atores sociais
diretamente envolvidos e pelo público, por demarcar uma prática cultural brasileira, em
oposição ao carnaval, de muito menor porte, que ocorre também no lado boliviano, mas
com outras características (músicas locais, comidas típicas, arremesso de balões de água
uns nos outros e etc.). Neste sentido existe uma afirmação da identidade, que poderia ser
resumida no sentimento de que “aqui é Brasil”, através de uma manifestação cultural
abrangente, que engloba muitas regiões do Brasil. O Carnaval assume um caráter que
poderia ser resumido em um “espírito de brasilidade”, como um evento cultural
demarcatório dos limites entre os dois países. Vale destacar também que são muito
poucas manifestações culturais de grande porte na cidade de Corumbá, que incorporam
elementos da cultura boliviana (ou das culturas bolivianas).
O desfile militar de Sete de Setembro, por sua vez, é outro evento importante na
cidade de Corumbá, que reforça o sentimento de pertencimento a uma comunidade
nacional. Este evento conta com ampla participação popular, como notamos nas fotos
abaixo e, ao mesmo tempo em que representa uma festa popular, tem como efeito a
espetacularização da presença militar na fronteira, materializando visualmente a
presença do Estado brasileiro nesta região. A presença militar em Corumbá é histórica
devido à sua importância geopolítica. Em 13 de setembro de 1775 foi oficialmente
fundado o Forte Coimbra para a defesa da região. Em 21 de setembro de 1778, efetuou-
se a ocupação do local onde se localiza atualmente Corumbá (Em dois de setembro o
local onde se encontra atualmente Ladário começou a ser povoado). Nessa mesma data,
a mando do Governador da Capitania de Mato Grosso (o Capitão-General Luís de
Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres), o sargento-mor Marcelino Rois Camponês,
que comandava uma expedição militar, adquiriu a posse da região para a Coroa
Portuguesa, fundando o local e batizando-o com o nome de Nossa Senhora da
Conceição de Albuquerque, sendo então lavrado o termo de fundação. Essa região foi
invadida e destruída em 1865 por Solano Lopez durante a Guerra do Paraguai (1864-
1869). Durante a ocupação a navegação pelo rio Paraguai foi interrompida o que
desarticulou o comércio local. A ocupação pelo exército paraguaio se deu até 13 de
junho de 1867, quando uma tropa vinda de Cuiabá chefiada pelo tenente-coronel
Antônio Maria Coelho, conseguiu retomar a cidade. (CORRÊA, 1999). A cidade, que
foi cenário da guerra da Tríplice Aliança, cuja retomada pelas tropas brasileiras é
comemorada como feriado (13/06) tem, portanto, historicamente, forte presença militar
e de aparato policial e de controle fronteiriço, que reforça a presença do Estado
brasileiro e contribui para criar o sentimento de pertencimento à nação.
Considerações Finais
Se entendemos que, por um lado, nem toda distinção em termos nacionais supõe
a segregação ou o preconceito, observamos empiricamente que há também efeitos
perversos deste tipo de discurso que divide as pessoas e grupos sociais por sua origem
nacional. Esses efeitos são sentidos especialmente em um lugar de intenso trânsito bi-
nacional, principalmente porque inúmeras práticas que tangenciam a lei, especialmente
as inúmeras modalidades de comércio fronteiriço, estão comumente associadas apenas
aos bolivianos, reforçando estigmas e preconceitos na região. Esta situação moral que
classifica a o “outro” e a fronteira como marginais, é produzida em um discurso que tem
como um de seus principais efeitos a reificação do preconceito contra os bolivianos na
cidade de Corumbá, associando-os também a uma classificação da região de fronteira
como uma área isolada e “terra de ninguém”, onde impera a violência a anomia, ou
como um lugar onde está ausente o Estado. Se há nesta fronteira, certamente, espaços
sociais de circulação, de fluxos e trocas, que vão muito além da economia, podemos
afirmar que existe também a construção simbólica de “muros” invisíveis e que, por sua
presença difusa e muitas vezes não manifestada, são muito mais difíceis de serem
localizados e demolidos.
Bilbiografia
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1
Professor Adjunto de Antropologia do Campus do Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul, em Corumbá e Docente do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços.
2
Agradeço aos valiosos comentários feitos pelos professores Marco Aurélio Machado de Oliveira
(UFMS) e Eduardo Gérson de Saboya Filho (UFMS).
3
Leach, por exemplo, em "As Fronteiras de Burma" afirma que a atitude diante da objetificação e
demarcação absoluta das fronteiras como limites está baseada no dogma da soberania: "na ideologia das
políticas internacionais modernas, todos os estados são soberanos e cada pedaço da superfície da terra
deve, por necessidade lógica, ser a possessão legal e de direito de apenas um Estado" (LEACH, 1960, p.
49).
4
Para Gramsci, o exercício do poder manifestado em um aparelho hegemônico de um grupo social
sobre o resto da população, configura um Estado ao mesmo tempo governante e coercitivo (GRAMSCI,
1980). Esta coerção se mantém historicamente através da produção de discursos e ideologias que
reproduzem o sentimento de crença no prestígio de quem governa e sustentam o consentimento da
população, estabelecendo uma moral de obediência à lei e aos valores da “classe dirigente”,
consequentemente do Estado e da Nação.
5
Entre o centro da cidade de Corumbá e a fronteira com Arroyo Concepción, em Puerto Quijarro é
preciso percorrer aproximadamente 8 km de rodovia, o que diferencia essas cidades de localidades como
Ponta-Porã – Pedro Juan Caballero (na fronteira Brasil-Paraguai), ou Santana do livramento- Rivera (na
fronteira Brasil – Uruguai), que formam as chamadas “cidades gêmeas”, compartilhando o mesmo espaço
urbano contínuo. Para chegar à Bolívia, partindo de Corumbá é preciso atravessar um trecho de estrada,
chamada Rodovia Ramon Gomez.